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All content following this page was uploaded by Walter Omar Kohan on 20 September 2017.
Moro
no
Brasil
desde
1997.
Cheguei
no
início
do
mês
de
maio
desse
ano,
apenas
alguns
dias
depois
da
morte
de
Paulo
Freire.
Aprendi
muitas
coisas
nestes
anos
no
Brasil,
do
Brasil,
pelo
Brasil,
graças
ao
Brasil...
uma
delas
é
que,
para
começar
a
pensar
em
filosofia,
em
educação,
ou
em
infância,
um
bom
caminho
costuma
ser
olhar
para,
ou
lembrar
de,
letras
de
música
popular
brasileira.
Refiro-‐
me
não
apenas
à
busca
de
uma
inspiração
para
o
início
temporal
de
um
pensamento
mas
para
aqueles
momentos
em
que
o
pensamento
parece
travar-‐se
ou
mover-‐se
em
círculos
e
precisa
de
uma
força
que
o
tire
do
lugar
e
o
faça
arrancar
novamente.
Como
se
Platão
tivesse
razão
lá
no
início
do
Fédon
(61a)
quando
diz
que
a
filosofia
é
a
mais
grande
música
(ou
a
música
a
mais
grande
filosofia),
pois
a
frase
ὡς
φιλοσοφίας
μὲν
οὔσης
μεγίστης
μουσικῆς
(hos
philosophías
mèn
megístes
mousikês)
pode
ser
lida
nos
dois
sentidos).
1
Publicado
in:
J.
Larrosa
(org.)
Elogio
da
escola.
Belo
Horizonte:
Autêntica,
2017,
p.
65-‐86.
anos
noventa.
Pareceu-‐me
uma
visão
renovadora,
inspiradora
naquele
momento
em
que
nem
H.
Arendt
nem
J.
Rancière
eram
tão
insistentemente
evocados,
como
depois
seriam,
no
campo
educacional
brasileiro.
Naquele
período
estava
organizando,
junto
a
um
grupo
de
colegas
com
os
que
formávamos
o
projeto
“Filosofia
na
Escola”
na
Faculdade
de
Educação
da
Universidade
de
Brasília
(UnB),
um
Congresso
Internacional
de
Filosofia
com
Crianças,
em
Brasília,
para
julho
de
1999.
Participariam
do
evento
pessoas
do
mundo
inteiro,
muitas
trabalhando
com
Matthew
Lipman,
como
Ann
M.
Sharp,
e
me
pareceu
que
poderia
ser
interessante
expor
aquelas
pessoas
às
ideias
de
Masschelein,
vindas
estas
de
uma
tradição
bastante
diferente
daquela
do
pragmatismo
estadunidense
que
está
na
base
de
Filosofia
para
Crianças.
Porém,
primeiro
veio
um
pequeno
desencontro.
Na
época
ainda
não
eram
tão
frequentes
os
e-‐mails
e
então
escrevi
uma
carta
convite
para
Masschelein
ao
endereço
postal
que
estava
no
final
do
artigo
publicado
em
Educação
&
Sociedade
e
pouco
tempo
depois
recebi
um
retorno
muito
cordial
dele
agradecendo
o
convite
mas
justificando
sua
impossibilidade
de
participar
porque
estaria
viajando
a
Vietnam,
a
trabalho
(de
fato
nesse
momento
sequer
tinha
entendido
o
lugar
aonde
viajaria
pelo
caráter
críptico
da
letra
manuscrita
do
Masschelein;
só
recentemente
pude
entender
esse
lugar
ao
ler
novamente
aquela
carta
com
a
sua
ajuda).
Algo
travou-‐se
em
mim
e
não
voltei
a
contatá-‐lo
até
que
Jorge
Larrosa,
quem
frequentemente
me
falava
de
Jan
e
de
seus
trabalhos
com
ele,
me
convenceu
de
organizarmos,
junto
com
Maximiliano
López
e
Win
Cuyvers,
um
seminário
conjunto.
Não
trata-‐se,
apenas,
de
um
detalhe.
Ao
contrário:
a
academia
está
cheia
de
tanta
formalidade,
tanto
fazer
de
conta,
tanta
dualidade
entre
o
discurso
e
a
prática
que
conhecer
a
prática
pedagógica
de
Masschelein
significa
também
uma
espécie
de
contracorrente,
uma
forma
de
habitar
a
escola-‐universidade
fazendo
a
mesma
escola-‐skholé
declamada
nos
livros:
como
se
a
skholé
que
inspira
a
sua
escrita
respirasse
na
vida
pedagógica
com
que
Masschelein
habita
a
universidade.
De
modo
que
este
texto
está
inspirado
nas
leituras
das
obras
de
Masschelein
mas
também
na
sua
forma
de
habitar
o
mundo
universitário.
Para
ser
justos
a
Vinicius
de
Morais,
no
encontro
entre
a
vida
que
se
mostra
nos
livros
e
a
que
se
evidencia
na
forma
em
que
se
anda
pelo
mundo.
Também
é
preciso
esclarecer,
por
ser
este
um
texto
inspirado
na
vida
como
arte
do
encontro,
que
existe
uma
espécie
de
autoria
compartilhada
nos
textos
de
Masschelein,
que
também
se
percebe
em
sua
forma
de
habitar
a
universidade.
Escutemos,
ou
leiamos
ao
próprio
Masschelein
em
numa
nota
de
esclarecimento
com
tom
de
confissão
escrita
a
propósito
da
publicação,
entre
nós,
de
A
pedagogia,
a
democracia,
a
escola.
Ali,
o
autor
belga
afirma
como
esses
escritos
foram
feitos,
todos
eles,
“a
quatro
mãos”:
De
modo
que
cada
vez
que
aqui
escrevamos
“Masschelein”
pode
ler-‐se
também,
ou
melhor,
deveria
ler-‐se
“Masschelein
e
Simons”.
Essa
forma
de
habitar
a
universidade
está
também
relacionada
a
uma
compreensão
e
uma
prática
da
pesquisa
educacional,
que
envolve,
para
os
autores
belgas,
três
marcas
principais:
a)
O
pesquisador
envolve-‐se
na
pesquisa
de
uma
forma
que
ele
próprio
se
transforma.
Nesse
sentido,
a
pesquisa
em
educação
se
caracteriza
por
um
trabalho
do
pesquisador
sobre
si:
assim,
uma
pesquisa
é
educacional
porque
coloca
em
questão,
primeiramente,
o
próprio
pesquisador;
b)
A
educação
é,
de
alguma
forma,
o
tema
ou
o
problema
que
está
sendo
pesquisado.
Nesse
segundo
sentido,
uma
pesquisa
é
educacional
porque
trata
de
educação,
porque
permite
elucidar
ou
problematizar
uma
questão
educacional,
porque
confere
sentido
a
uma
prática
educacional;
c)
Finalmente,
a
pesquisa
educacional
trata
de
tornar
algo
público,
de
tornar-‐se
atento
ao
mundo
em
sua
verdade
e
disponibilizar
a
pesquisa
para
qualquer
um.
Nesse
terceiro
sentido,
uma
pesquisa
educacional
disponibiliza
uma
percepção
sobre
o
mundo
que
não
era
perceptível.
Eis
o
seu
valor
ou
sentido
educacional
(MASSCHELEIN;
SIMONS,
2014).
Destacamos,
novamente,
que
não
se
trata
apenas
de
um
enunciado
teórico,
de
uma
eventual
contribuição
aos
estudos
sobre
a
pesquisa
acadêmica,
mas
de
uma
prática,
um
exercício,
uma
forma
de
habitar
a
Universidade
que,
no
caso
dos
autores
belgas,
tem
como
base
institucional
concreta
o
Laboratorium
voor
Educatie
en
samenleving
na
Katholieke
Universiteit
Leuven
(KULeuven).
Nesse
espaço
trata-‐
se,
sobretudo,
de
reinventar
a
pesquisa
educativa;
de
fazer,
através
dela,
escola
como
skholé,
ou
seja,
de
parar
um
pouco
o
tempo
vertiginoso
da
produtividade
acadêmica
à
qual
alguns
pretendem
submetê-‐la
para
experimentar
nela
algo
de
tempo
libre
a
partir
de
deslocamentos
provocados
pelos
exercícios
de
caminhar
como
os
mencionados
anteriormente.
Estando
muito
cansado
de
ser
um
crítico
e
de-‐construtor
de
teorias
e
práticas
educacionais
e
infeliz
com
o
modo
como
meu
trabalho
acadêmico
com
os
alunos
estava
acontecendo,
fui
convidado,
no
início
de
2002,
por
um
amigo
arquiteto,
Wim
Cuyvers,
para
me
juntar
a
ele
e
seus
estudantes
em
uma
viagem
a
Sarajevo.
Quase
40
horas
em
um
ônibus
com
um
grupo
misto
de
estudantes
de
arquitetura
e
ciências
educacionais
a
uma
cidade
devastada
pela
guerra
para
que
os
alunos
caminhassem
ao
longo
de
linhas
arbitrárias
e
pensassem
o
projeto
de
uma
nova
escola
para
Sarajevo.
Foi
o
início
de
uma
nova
prática,
construindo
um
novo
olhar.
Desde
esse
momento
viajei
todos
os
anos,
muitas
vezes
com
Wim,
ou
outros
amigos
e
colegas,
com
estudantes
de
pós-‐graduação,
durante
10
a
14
dias
por
cidades
em
crise
ou
cidades
pós-‐
conflito
(Sarajevo,
Belgrado,
Tirana,
Bucareste,
Kinshasa,
Tanger,
Atenas,
Bruxelas),
megapolis
não
turísticas
na
China
(Shenzhen,
Chongqing),
pequenas
cidades
banais
(St-‐Claude,
Genk)
e
mais
recentemente,
por
convite
de
Walter
Kohan,
a
uma
cidade
icónica
(Rio
de
Janeiro).
Durante
essas
viagens,
os
alunos
foram
convidados
a
caminhar
dia
e
noite
ao
longo
de
linhas
arbitrárias
desenhadas
em
mapas
da
cidade,
linhas
que
começam
e
que
levam
a
nenhum
lugar
em
particular,
linhas
sem
plano,
cruzando
bairros,
edifícios,
áreas,
aleatoriamente.
Ao
longo
destas
linhas
eles
mapearam
suas
observações
e
registraram
parâmetros,
pensaram
no
projeto
que
iriam
apresentar.
À
noite,
as
observações
eram
traduzidas
em
pontos
em
mapas
compartilhados,
em
esboços
e
considerações.
Eu
andei
igualmente
ao
longo
destas
linhas
a
diário,
durante
longas
conversações
na
noite
fiz
a
cada
um
dos
estudantes
perguntas
muito
simples:
O
que
você
viu?
O
que
você
ouviu?
O
que
você
acha
disso?
O
que
você
faz
com
disso?
No
final
da
viagem
os
estudantes
tiveram
que
apresentar
seus
mapas
e
desenhos
publicamente,
em
algum
lugar
da
cidade-‐paisagem.2
Dessa
forma
apresenta-‐se
Masschelein:
uma
espécie
de
Jacotot
andante,
um
professor
que
caminha
com
seus
estudantes
e
lhes
faz
as
perguntas
do
mestre
ignorante
para
que
eles
explorem
toda
a
potência
que
sua
inteligência
é
capaz.
Um
mestre
que
não
ensina
a
caminhar,
mas
que
manda
caminhar
arbitrariamente
e
caminha
junto
aos
seus
estudantes
submetendo-‐se
à
mesma
arbitrariedade,
à
do
caminho,
à
do
que,
nele,
pode
chamar
a
sua
atenção;
um
mestre
que
escuta
seus
alunos
e
cuida
que
essa
caminhada
seja
feita
com
atenção;
um
mestre
que
pede
para
registrar
cartograficamente
as
observações
e
para
tirar
delas
todo
o
proveito
que
seja
possível
em
termos
do
projeto
(“a
nova
escola”)
que
dá
sentido
ao
caminhar;
um
mestre
que
dispõe
para
o
encontro
com
os
estudantes
um
tempo
que
vai
muito
além
do
tempo
cronometrado
da
instituição;
um
tempo
demorado,
de
longas
conversações;
um
mestre
que
sai
do
seu
lugar
e
que
leva
consigo
a
academia
para
se
expor
junto
aos
seus
estudantes
à
arbitrariedade
dos
caminhos
da
cidade.
Talvez
por
que
minha
vida
acadêmica
esteve
sempre
atravessada
de
uma
forma
ou
outra
pela
filosofia,
desde
que
o
conheci
me
pareceu
ver
em
Masschelein
uma
recriação
de
uma
certa
maneira
de
atualizar
uma
vida
filosófica.
Ele
se
aproximaria
daquela
ascese
filosófica
que
Michel
Foucault.
pareceu
buscar
obstinadamente
entre
os
antigos
gregos
nos
seus
últimos
cursos.
Neles,
Foucault
mostra
que
com
Sócrates
a
filosofia
não
nasce
apenas
como
doutrina,
teoria
ou
sistema,
mas
também
como
um
cuidado
com
a
própria
vida,
como
um
fazer
da
própria
vida
um
problema
crucial
para
a
pensamento:
por
quê
se
vive
da
maneira
em
que
se
vive
e
não
de
outra?
Nessa
leitura
de
Foucault,
o
que
de
fato
Sócrates
inaugura
é
a
vida
como
problema
para
a
filosofia
e
também
a
filosofia
como
educação,
como
educação
de
si
mesmo
e
dos
outros
no
seu
caminhar
pela
cidade
interrogando
os
seus
outros
habitantes.
Certamente,
esse
Sócrates
é
uma
figura
mítica,
excepcional.
Ele
parece
estar
afirmando
ao
mesmo
tempo
uma
experiência
filosófica
e
educacional
e,
de
alguma
forma,
a
inseparabilidade
entre
uma
e
outra.
Desde
que
conheci
o
modo
de
Masschelein
habitar
a
vida
universitária
pareceu-‐me
que
ele
encarna,
a
sua
maneira,
essa
figura
do
educador-‐filósofo.
Há
também
algumas
diferenças,
claro.
A
primeira
diz
respeito
ao
que
pareceria
ser
uma
grande
“vantagem”
dessa
figura
mítica
socrática:
ele
não
tem
que
responder
a
nenhuma
instituição,
e
é
por
isso
a
expressão
de
uma
vida
educacional
e
filosófica
livre
das
ataduras
e
constrições
institucionais.
Em
outras
palavras,
Sócrates
faz
escola
sem
escola,
nas
ruas,
ao
ar
livre,
à
sombra
de
uma
árvore
e
é
ali
onde
justamente
se
afasta
Masschelein
para
quem
a
escola
exige
essa
separação,
essa
porta
que
se
fecha
e
simbolicamente
divide
o
escolar
do
social.
Um
outro
Sócrates
do
qual
Masschelein
explicitamente
quer
se
separar
tem
a
ver
como
esse
“você
tem
que
mudar
a
sua
vida”,
que
aparece
para
o
pedagogo
belga
como
um
mandato
ético
que
ocultaria
ou
dissimularia
a
experiência
educacional,
que
não
teria
a
estrutura
de
um
comando
moral
imediato,
mas
que
se
refere
ao
des-‐fechamento
do
mundo
e
à
des-‐coberta
de
uma
(im)-‐
potencialidade
(KOHAN;
MASSCHELEIN,
2014).
Em
outras
palavras,
onde
o
filósofo
diz
“você
deve
mudar
a
sua
vida”,
o
educador
diz
“você
não
é
in-‐capaz”,
“você
pode
colocar
atenção
no
mundo”.
O
pedagogo
seria
quem
leva
o
aluno
até
a
escola,
o
local
onde
o
mundo
se
des-‐fecha
e
a
potência
se
des-‐cobre.
Masschelein
duvida
que
esses
elementos
estejam
presentes
na
prática
de
Sócrates
e
atenta,
ao
contrário,
para
a
escola
de
Isócrates
como
figura
de
referência
no
mundo
grego
antigo.
De
H.
Arendt,
Masschelein
se
inspira
nos
seus
“exercícios
de
pensamento”,
preocupados
com
o
presente
e
com
nossa
presença
no
presente,
ou
seja,
com
não
nos
esquecer
de
nós
mesmos
na
fenda
do
tempo
que
habitamos,
entre
o
passado
e
o
futuro.
Esses
exercícios
intelectuais
surgem
e
encontram
sentido
num
duplo
amor:
pelo
mundo
e
pelas
novas
gerações
(MASSCHELEIN,
2014;
KOHAN;
MASSCHELEIN,
2014).
Também
de
Arendt,
Masschelein
se
inspira
para
pensar
o
que
faz
um
professor:
colocar
algo
sobre
a
mesa
e
afirmar
assim
a
sua
autoridade
e
a
sua
responsabilidade.
A
autoridade
diz
respeito
não
a
um
exercício
de
poder
mas
ao
sentido
de
autoria
que
inaugura
com
a
sua
tarefa:
algo
com
autoridade
diz
algo,
significa,
abre
um
sentido,
fala,
dá
vida,
aumenta
o
mundo,
o
cuida:
a
partir
do
ato
de
um
professor
o
mundo
ganha
um
outro
sentido
para
o
aluno.
Dali
nasce
também
a
responsabilidade
pedagógica:
colocar
algo
do
mundo
sobre
a
mesa,
oferece-‐lo
aos
estudantes
chama
à
responsabilidade
por
isso
que
se
lhes
está
oferecendo
como
objeto
de
estudo.
MASSCHELEIN,
Jan;
SIMONS,
Maarten.
Em
defesa
da
escola.
Belo
Horizonte:
Autêntica,
2013.
_______.
Ecole,
production,
égalité.
In:
L’école
de
la
démocratie.
Edilig:
Fondation
Diderot,
1988.
SERRES,
Michel.
Le
tiers-‐Instruit.
Paris:
François
Bourin,
1991.
SIMONS,
Maarten;
MASSCHELEIN,
Jan.
School
experiences:
an
attempt
to
find
a
pedagogical
voice.
In:
KOHAN,
Walter;
LOPES,
Sammy;
MARTINS,
Fabiana
(orgs.)
O
ator
de
educar
em
uma
língua
ainda
por
ser
escrita.
Rio
de
Janeiro:
NEFI,
2106,
p.
249-‐258.