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SACo 0800-221863
@ 2006 by Livraria Editora Renovar LIda.
Prefácio à 6ª edição
Conselho Editorial:
Arnaldo Lopes Süssekind - Presidente
Carlos Alberto Menezes Direito
Caio Tácito (in memoriam)
Vem esta nova edição acrescida das modificaçôes decorrentes de
Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.
Celso de Albuquerque Mello (in memoriam) novos diplomas legais, principalmente no campo das pessoas jurídi-
Ricardo Pereira Lira cas. Deu-se, também, maior ênfase à matéria dos princípios, nonnas
Ricardo Lobo Torres e situações jurídicas, assim como ao processo de interpretação do
Vicente de Paulo Barretto
Código Civil. No mais, continua com a finalidade básica de servir aos
Revisão Tipográfica: Luiz Fernando Guedes estudiosos do Direito, principalmente no que diz respeito à Teoria
Capa: Simone Villas-Boas do Direito Civil.
Editoração Eletrônica: TooTextos Edicões Gráficas r .rei;!.
05191
CIP-Brasil. Catalogação~na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ.
Amaral, Francisco.
A485 Direito civil: introdução I Francisco Amaral. - 6.ed. rev., atual. e
aum. - Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
662p. ; 23cm.
ISBN 85-7147-553-9
I Santoro Passarelli. Dottrine generali del diritto civile, p. 69; Pontes de Miranda.
Tratado (ü: Direito Privado, vol. 1, p. 177 e segs.; Francisco Amaral. Relaç~Juridica,
159
160 Direi!o Civil - Introdução A Relação Juridica de Direi!o Privado 161
,-.'te gue alguém tem de bens materiais ou imateriais, o que se consti- poder e outra d':.~~~r ou d,:,sujei:ão. Pode-se,yort;ant(), dizer q,,:e,
tui em razão para agir. ~-'--'-'
.._- --_.- ---'- ----......: __.:;7 de modo abstrato, a reIãçao JurídICa é,!~~"lação spcial.discipIi~da
.-Sao--exIOmpTõsde ..relação jurídica a relação de consumo, entre pelo di:r.:~ltO!..~_~.?_~cr~~~~~J~~-L
~ma r~lação entre sujeitos, um ti-
consumidor e fornecedor, a relação matrimonial entre cônjuges, a tul,~:-~u..m-l!ººe~~ .ou!fg!..~<?~~ dev~r..
üu, se quisermos, uma rela-
relação de parentesco entre descendentes do mesmo ancestral, a ção entre duas situaçõesjurídkaS.~ -
relação locatícia entre locador e locatário, a relação de condomínio --A reIaçaõSõ-cTariiãsce de varíâdas causas da vida corr.ente tais
entre os co.proprietários de uma coisa, a relação de responsabilida- co~~ valor~~~ éti~os, econômicos~"políticose.o direito que â-rec6iÍl!e-
de civil solidária entre os que praticam um ato ilícito, a relação que ~e é m.."Eifestação.<!e poaeraoEstaãci;cxpresso nas leis, ou
de parti-
existe entre os herdeiros do mesmo falecido etc. .~.~!?~~mia_
cular~s"n? ~~c:!:..<?í<:i.?~~ que'l~e confere o sistema legâl.
Arelação jurídic~ ~ um dos critérios ou ângulos de _.apreci?:ção A relação 'urídica aprecia",e aind'l do ponto de vista.estruturaI
.do fê~ômenó jurídico, e tradúz umá cóiicepção perso.-'\a!@l(f,?.le. ou estático ._f~ncional ou 9-i.q.-ª-~ No p.rimeiro-"éáSo,O::--éIasU"~g~
nômeno jurídico (V. capítulo I, .tem 12). - como u conjunto de elementos roe ordem. pessoal, os-
stijeitos da \
S~a Ef!!lcipal i<?E!~_.4_~" referên~Ja~-a- experiênciaj!-1Iiºj~a priva-
da, conjunto de" relações c_~JC? ~~~t~úd?, isto é, os. poder~5_~gs de- ~:~f;~;~!1JE~~~q~~s:::iàj~~~:\~~f~r;so~ ~~j:~:so;u~e:r: ,,!
v~res,-'eder:ermin.~;úlQ~-'pelaautonomia dos particu~4.I:~9Essaexpe- vid?õõ~~P''Oc_i,?J~ÍJ.cional,c?nfig.'lfa-se como o regulamento d';
tiênci~ parti'=lllar consiste nas relações sociai~ d~..9.'y'~_-º_s)ndivídUos er50 concreto, a ~hsclphna de sltuaçoes ou de centros de interesses
r;;.~-Úcipa;neque, pela possibilidade £õtetic~.â..i digerare~~conf1itos gí![stos:,:'-A"~,laç~o jurídic~ ..represe'nta, assim, o ordenamento dõs
ca.sosd~ vjda reie pêrü que sejustifica a visão doutrinária do sistema
i de in~~r~sses, sã9~.ªi~c.ip}~~_a~.~~ p'~!?.~dir:i:to/1 rel~çã_~_social~~
jurí1ko çü.m.O_JJD;l. ~istema de relaçõ'es.
I ~."[wada passa ~_den?minar-se relação jurídica, .,!u:;lpr~~ç:Il~or~ - Pod.e:,e t:~~~,~~_c!!!:~~_9...~~~.o áspecto estático corresponde à es- ,i
j tanto, dOISreqUIsItoS:um),de ordero.matet:lal,.(l.',~.e e .~ye:.!~ao..,~oClal, 1,
importantes categorias da técnica jurídica do direito privado _eum manifestação da liberdade jurídica, vale dizer, da autonomia da von-
dos mais importantes critérios de orientação da teoria geral no di: . laJe. Já Neuner considera a relação jurídica como relação entre
reito.- iíníã pessoa e um bem da vida, reconhecido pelo ordenamento jurí-
oEmbora noção antiga, com antecedentes no direito roman~ (iu~ dico e garantido contra terceiros.7 Distinguindo a relação do direito
ris vinêulum, .nexum~ coniunCtio):-e no-dh:'eito canônico medieVal em subjetivo que encerra, esse autor contribui de modo relevante para
matéria de casamento (relatia), foi com a p,mdectística alem-ã-que se a precisão do conceito. Iherillg identifica a relação jurídica com o
alçou ã condição de conceito básico do sistema jurídico, considera- direito subjetivo dizendo que todos os dn'eitos-pnvadõs;'exceto os
da "relação de pessoa a pessoai determinada por uma regra jurídi- de i"'ersonàhdade, dariaffiT.""âám~ntoa ulIlarelasão luridica entre
ca". Era, assim, uma relação de vida reconhecida pelo direito. Com o tili..l1ã.re-õ'mundo~-exteriorJ pessoas e coisas. Todo o direito_~fia;-
o ev~l~erdo direito civil, a relação jurídica passa a considerar-se um põitanto, ao mesmo_!e-~po: .uma. relação Ju~dica, em- q';-é-se
disti!1-
nexo jurídico entre pessoas, significando a palavra nexo um vínculo, guiriauml~do_ativo e u!"Iadopassivo,. sendo que grande parte da.
uma relação poder-dever entre duas pessoas. doutrinà posterior a}h_ering tende a identificar a relação l':!..rí.dica
C0I11:5:,sjuristas alemães do século XIX, que vian;.9: _ªJ~~it?_c:>n:o coi.!!-.a~eúdo_.~.9~_~!!.~_i~os subjetivos, como ocorre "com Gierke':
expressão da vida social e das relações que a con~tItuem, a__ ~~1~1;_~_t? MaxWeber, Francesco Ferrara." Com perspectiva mais ampla, Dern-
jurídica sofre uma dupla e complexa evolução. Por um lado,talvez burg dellniaa're1açâ''-jurídica como uma relação juridicamente efi-
pela circunstância de o direito civil ser, na épo~a, o ~ais i~.I:)_ortante caz de uma pessoa para outras, ou para bens reais. lO Kholer e Chio-
1'a010 do direito, tentou-se aplicar esse copceIto a~s. ?-.eI?als ramos venda estendiam o conceito ao direito processual civil, denominan-
jurídicos ..Foi um processo de extensã~.~ outra pa~.te, ~_,.c.<?nt~ibui- do relação jurídica processual o conjunto de atos que integram o
ção de outros juristas .serviu para ~perfelçoar .0 conceito. FOI um processo, sob a crítica de Carnelutti.ll Contribuindo para a prec~o
~/Savigny'eséreveu: "Toda rda.ção jurídica apa-
processp _de precisão __ do conceito, Hohfeld 12 afirma que a relação jurídica, fora do ãmbito
rece-nos como relação de pessoa a pessoa, determInada por um re- da'pandectística, é mais do que a ligação entre pessoas ou entre átiS
gra de direito que confere a cada sujeito um domínio onde sua e 0'8 bens dã--teãlidade. externa. A relação jurídica seria o vínc~
vontade reina independente de qualquer vontade estranha. Em
entre situações subjetivas, opinião que se consagra em obra recente,
conseqüência, toda relação de direito compõe-se de dois elementos:
a de Perlingieri, para quem a relação deve ser vista, funcionalmente,
primeiro, uma determinada matéria,_ a relaç~o ~esmo; segundo, ~
có'mo regulamento de interesses. 13 No direito italiano. uni dos ~~
idéia de direito que regula essa rclaçao. O prImeIrO pode ser conSI-
derado como elemento material da relação de direito, como um
ferVorosos ááepios da -r~laçao jurídica, como' expressão do direito,
foi Lcvi,14para quem esse conceito é a base sobre a qual se funda a
simples fato; o segundo, como o elemento plástico que enob~ece o
fato e lhe impõe a forma jurídica. Todavia, nem todas as relaçoes de
homem a homem entram no domínio do direito, nem todas têm
necessidade, nem todas são suscetíveis de serem determinadas por 7 Neuner. Wesen und Arten der Privalrechtsverhãltnisse, Kiel, 1866, p. 4, apud
Cicala, p. 5.
uma regra de tal gênero. Cabe, pois, distinguir três casos: ora a rela-
ção está inteiramente dominada por regras jurídicas, ora está so- 8 Ihcring. Passive Wirkungen der Rechle, in Gesammelt Aufsãtze, n, 1882, p. 4,
apud Cicala, p. 10.
mente em parte, ora escapa a elas por completo. A proprie~ad~, o
Inatrimônio e a amizade podem servir como exemplo dos t.res dIfe- 9 Joaquim Ferrer Arellano. Filosofia de las Relacion£sjurídicas, p. 167.
rentes casos."5 10 Dernburg. Pandekten, I, apud, Cicala. p. lI.
Idêntica à teoria de SavigllYé a de Puchta,6 para_.q~ as rela- 11 Laz7..aro,p. 788. Carnelulti critica essa concepção alegando não poder o
ções jurídicas são relações entre seres humanos, consid~_::~a~ como processo considerar-se uma relação, mas um grupo de relações, visto que estas
são vínculos entre poderes e deveres.
12 Lazzaro, p. 788.
4 Lazzaro, p_ 787. 13 Pcrlingieri. Manuak di diritto civik, p. 66.
5 Savigny, I-,--P...:
..~,18. 14 Alessandro Lcvi. Teoria generak del diritlo, p. 11. O. Amedeo Conte. Rapporto
6 GeÓliFriedrich Puclna. Pandekten, ~ 29, apud Cicala, p. 5. (Teoria del diritto come), p. 785.
----_. \
164 Direito Civil - Introdução A Relação Jurídica de Direito Privado 165
construção sistemática ou científica de qualquer ordenamento jurí. de"21~tem recebido algumas críticas e até mesmo rejeição22, sob o
dico. Esse autor eleva o conceito a um nível filosófico, como catego- argumento de que essa técnica, sobre ser produto da exagerada abs-
ria fundamental e originária para a compreensão do direito. tração pandectista, conduz à subalternização da pessoa humana. Es-
Para uma concepção d_iY~Fs~, ~E~_~a~~?j~!ídi~~.Qev~~~r vi~~_lJ.ão s~ críticas, porém, se por um lado chamam a atenção para as limita-
como vínculo "entre p~_~,~C!~,_J:lla.~
.Cqffiq ví~culo entre _:p-~-ª-s-ºa_s
__~r- Ções do instituto23 ~ por outro não têm conseguido reduzir a sua im-
demi:mento jurídico. É a tese deKelsen, Cica!a, Barbero.15 Para ou- portância e aceitação como conceito fundamental da ciência do di-
tros ainda,-,,~-~'a relação j~~~~ic~"-Iiº~:e.-
estabelecer-se en~~ pessoas e reito.24 Cabe também destacar que essas críticas partem de uma vi-
---- ,- -- - 16 --_. -_ .._-
são formalista da relação jurídica, desconsiderando que, nela, o
cmsatr'eentre p~so~~_e_~~g~!:~s.__.
:- -<:zmrlquerO
que seja o entendimento seguido, o conceito de rela- mais importante é o aspecto material, a relação social, cuja existên-
cia precede~ muitas vezes, à formalização jurídica.
ção jurídica ocupa um lugar de relevo na teoria geral do direito, no
direito civil e até na filosofia do direito. Se já a filosofia grega consi-
derava o direito e a justiça como relação,l7 é a filosofia medieval
escolástica que destaca em todo o seu valor o aspecto relacional da 3. Fundamento ideológico
virtude, dajustiça e de seu objeto, o "ius sivejustum", com São Tomás
de Aquino criando as bases definitivas para a elaboração de uma Se o Códig£>-ºivil fr~ncês.~~..P:r99-ut~_de uma_concepção aQtrj •.
filosofia da relação de direito.18 A escolástica influencia os juristas pocêntrica., __
~~1?cando o homem no centro do universo jurídico, a\.
glosadores e os decretalistas, que concebem ajustiça e o direito em pandectística alemã tinha a pretensão ~e ser estritamente científica;
termos de relação. 19 É, todavia, Savigny, e com ele a escola histórica, neutra, reJeitando ~odo e qualquer sistema de idéias que s,e~sse d.e~
quem eleva esse conceito à categoria básica de ciência do direito, fundamento ao din~ito. Este seria apenas um conjunto ordenado e
assim com faz Emmanuel Kanl no campo da filosofia do direito. unü'ário 'de elementos, entre os quais, alguns conceitos dedutíveis
Para Kant, o direito era uma "relação de equilíbrio entre arbítr~os uns dos outros, conceitos fluidos, como o da relação jurídica. J
externos conseguido por uma coação, a mínima indispensável", E a Ocor~_t?-.9ueo direitQ, Wnto .no seu s.istem£lqlJ~nto Q<:?S seuscQn-
relação entre pessoas, como direitos e deveres, "o momento central ceitos e"categorias; não é neutro. Suas n~)fmas representam -O,s_val~
da experiência jurídica" .20 ré1>quesé-defendem e realizam, de modo que não se pode separar
\" O conceito de relação jurídica é, desse Illodo, um conceito mo- os preceitos jurídicos desses princípios que os fundamentam e legi-
, ! derno na ciência do direito. Pertence ao direito privaâo, embora, timam. Conseqüentemente, sendo o Código Civil francês e a ciência
i.", por sua importância, seja também objeto da teoria ge'ràl do direito, das pandectas prodüto c~lturãl do mesmo século e do, mesmo con-
e utilizado nos demais campos da ciência jurídica. . junto de idéias, o indivi.d~!~lism,~~,.o princípio fundamental é ~-liber-
Não obstante a sua utilidade, e t;:uribéin sua simplicidade, a rela- dade como imperativo categqrico, -e~pressa na mais ampla esf~ra de
ção jurídica, "COIllOtécnica de representação conceitual da realida- autonomia que se realiza nos institutos da propriedade, do contrato
e da transmissão da herança.
A .,rel-ação jurí'ciié-a 'surge, e_ntão, como um conceito repre-
15 Hans Kc1sen. Teoria Pura do Diráto, p. 231; Cicala, p. 22; Domenico Barbero. sentativo da idéia de ligação 'entre von"tades autônômas- e aTversas, e
Sistema del diritto privato italiano, I, p. 149.
16 Andreas von Thur. Teoria General de! Derecho Civil Alemán, p. 156; Orlando
Gomes, p. 118. 21 Castro Mendes. Teoria Geral do Direito Civil, I, p. 68.
0\
17 Giorgio deI Vecchio. Ajusliça. p. 5-22. U22 Orlandg de Carvalho. A Teoria Cn:ralda Relação juridica. Seu sentido e Limites,
18 FerreI" Arellano, p. 71. \l\\ntonio Menezes Cordeiro. Tratado de Dinâto Civil Português. Pane Geral, I, p.
228 e segs.
19 Michel Villey. El Deredw. Pcrsj)(!(:lillflGriegajudia)' Cristiana, p. 63-64.
20 Immanuel Kant, apud Bobbio. "{"('(Iria delta nonnfl giuridica, p. 24; do mesmo 23 Carvalho Fernandes. TCOlia GemI do Direito Civil, p. 97.
autor, Dúillo c stalo nr.!t)(msiao di LIlI 11/(/11wl Kant, p. 112 e 118. 24 Cf. Alllunes Vareta. Direito das Obrigações, I, p. 40.
166 Direito Civil - Introdução A Relação Jurfdica de Direito Privado 167
que por isso mesmo se coloca no centro do siste~a. de direito civil, Te~o-"-,assim!_gue a concepção personalista pressupõe dois ele-
numa perspectiva interindividual: a vontade do sUJe,tocomo func;la- mentos para ~quese TármeumareIaÇão júridica:~uni,-de-oiáem ma~
menta do individualismo jurídico, e este como justificação axiológi- te~al, 9u~é :,~e~a~~s~~~o~tT~,deC)rdem fórÍnàl; que é "-deter-
ca do poder jurígeno dos particulares.2s Não é por outra razãõque ~m~çao Jur~d,ca, que_trans~.rm" a.relação~de fàto~em~relação~~de
o sistema jurídico se pode definir como um sistema de relações, no d,re~to;_p.or'sso a de~niçã?_~relaçÕes s.ociaisreguladas pel!!siste-
sentido de serem estas a disciplina legal dos casos concretos das ma lundlc<? ..~ ~~~.ªÇ~º_JUI~<;l!~~_~"':Irge,
conseqüentemente, como
relações sociais. úííí"a t~~liq..ád<f de efeit9s jJlffdicos, um
complexo de direitos e<ie-
Fundamento ideológico da relação jurídica, pelo mel1()~" con- ve;es derilad~ da relação entre duas ~pessoas.É a norma que deter-
cepção personalista, é, assim, o indlvid.llalismo, qu~ te~ CO~? ;~o-, ~I~a o conteudo da relação social, tran~fo.n"Ílando-a em VÍnculo ju-
láiios imediatos o liberalismo,
na. campo político. e o capl~hsmõ; nd,co.
~o ca~po econômico}6 E'a prova de que a teoria da relação jurídiCa A concepção personalista da relação jurídica tem o mérito de
tem suas raízes no individualismo dos iluministas está no fato de que estabelecer a.relaçã? e?-t:e termos homogêneos, os sujeitos de direi-
um dos mais representativos cultores, Emmanue1 Kant, considerava to, e de conSIderar Jundlcamente relevantes os conflitos de interes:-
o direito como relação. Daí poder dizer-se que os seus fundamentos ses existentes entre as pessoas na sua convivência social. Melhor
axiológicos são a moral Kantiana e a doutrina liberal-democrática, talvez, fosse, visualizar a relação jurídica como VÍnculo não entr~
e seu campo de incidência a experiência jurídica privada.27 s';ljeitos, especificamente, mas entre situações jurídicas, ou, melhor
aInda, entre centros de interesses determinados, superando-se o ele-
mento pessoal, não necessariamente presente, como ocorre, por
4. Natureza exemplo, quando desaparece a pluralidade de sócios de uma socie-
dade e, decorrido certo período, não se restabelece essa pluralida-
A evolução histórico-doutrinária leva-nos a duas concepções teó- de.~8.Nesse ínterim falta um dos elementos subjetivos da relação
ricas ace;:ca da natureza do conceito da relação jurídica. . Jundlca. O que se apresenta sempre, portanto, é a relação entre dois
Para a concepção personalista, clássica, amplamente domin.a~te, centros de interesses, entre duas situações subjetivas.
a relação jurídica é vínculo entre pessoas, contendo poderes e d~ve- "P:~~_<?~traconc~pç!o,_ de _natu.-rezanormativista, a relação jurídi-
res. Resulta da qualificação jurídica das relações sociais que se trans- ca ~ VInculo ~ntre os respectivos sujeitos e o ordenamento jurídico,29
formam, por isso mesmo, em vínculos normativos, nexos ent_re su- ou entre pessoas e coisas, pessoas e lugares. 30
jeitos de direito. A doutrina dominante critica a concepçao formal ou normatívis-
Tal concepção corresponde, evidentemente, a uma ótica priva- ta ~o~ os seguintes argumentos: a) o direito disciplina e organiza as
tista dà direito, pois no direito público não se encontra tão clara- :e~~ç?es ent~e os homens na tutela de seus interesses; b) a relação
mente expressa a hipótese da relação jurídica resultar da qualifica- JU~ldlca su~oe um poder jurídico a que se contrapõe corresponden--
ção-de uma relação social preexistente. te âever, nao podendo esse poder dirigir-se contra coisas, mas sini
É Savigny quem mais claramente enuncia tal teoria ao escrever, cõ-ntra pessoas; c) é inconcebível um poder de uina pessoa sem cor-
como já visto, que "toda relação jurídica aparece-nos como vínculo r~_sponde~te limitação para com as demais. E ainda o fato de que
de pessoa a pessoa (elemento material), determinado por uma re- essa teona concebe. um vínculo entre realidades heterogêneas,
gra de direito (elemento formal) que confere a cada indivíduo um como a pessoa e a COIsa,ou a pessoa e a norma jurídica. Daí a frânca
domínio no qual sua vontade reina independentemente de qual- aceitação da teoria personalista, embora reconhecid-a:-mente mais
quer outra vontade externa".
// ----
28 Lei das SoeiedadesAnônimas, Lei 0<;'6.404,de 15 de dezembro de 1976 art..
25 Mareei Walline, L 'individualisme et le droil, p. 23. 206, d. Sobre situação jurídica,
Cap. V, nº 12. '
26 ~"raoz Wieaeker. DiJitto privato e societá industriale, p. XXIV. 29 V. autores citados na nota 15.
27 Sergio Cotta. Prospettive dijiLosofia del dirilto, p. 50. 30-V. áutores citados na nota 16.
Direito Civil - Introdução A Relação Jurídica de Direito Privado 169
168
\ -I lei ()]l:tt.i.autonQ))lia,J?xiv"da de acordo com os princípios da teoria ~~e t7.~pnme pod~res, pr.etensões e deveres._decorrentes da autono-
\ \dá.~fontes do direito e pr duzirá, no aspecto subjetivo, poderes, m.iae da .i~ic:i~.!ivaindividuat assúli co~o a da responsabilidade dos F
!direitos, faculdades e, de outro lado, sujeição, obrigação, deveres. respectivos sujeitos da relação. . . . 1
j Posição doutrinária mais rece:nte cQncebe a -relação j~Tíd~~~jJor .. N~~.Ql?_s~!1te.ser categori<l:.p:rópria do direito privado, tem tam-
meio de uma perspectiva dinâmica, considerando:-a, pri~~c:~~-.:n- bém .~_~lhid~ no direito. público. Neste caso, não como resuitante
te no que tange' ao direito das obrigações, um todo unit~ri~~ _C:...<2~g~- d~,.'~~vi~~"-r.~_!~£<?~s
.s.ociai~de fato, mas como vínculo entre peSS~oãs_.
niCo que se apresenta como. um processo em andamento. Processo, ~~ao.~. Exe~~?~~I~~?S~?..as :t.I~~~ascon~tit~cionais ~ue reco~~e-
de procedere, do direito canônico, como indicativo de umã"sêfie de. cem__e prote~~~~_dl!,e~tº-s_-hll!J:1<lºOScomo dIreItos fundamentais, e a
atos relacionados e condicionados entre si, e interdependentes", a própria categoria dos direi.tos J'l!plif9$.subjetivos, que se podem ver
traduzir a relação jurídica como uma totalidade, um conjunto de como 9.~rantia da autonomia indiViâüariiecessária à constituição
direitos e deveres que existe e se desenvolve em face de um determi- das relações~,,<;Iir~ito. A idéia-ehave da teoria relacional é, portan-
nado objetivo." t~, a au.tonomla ~a vontacie ~~2.~yid~~~ com a qual os sujeitos ptr
Qualquer que seja a teoria adotada, a personalista ou a norma- d~m cnar e modIfica.r r.e1açoesj!1!'(d~cª~, no exercício da tutela de
tivista, certo é que se deve personalizar o direito civil, no sentido de se~.s.in.t.2ss ..~s e_da :om~osiçã~ dos ~iversos conflitos que esses p.ro-
acentuar que a pessoa humana ocupa o primeiro lugar, o centro do voque~. rOJeçoes ImedIatas da sua Importância estão na liberdade
sistema de direito privado.33 Mas não o sujeito abstrato do liberalis- -tontra~l' aI, -nos seus diversos aspectos, no dí"reito de propriedade e
mo econômico, que fundamentou o direito civil no século XIX, dos l:a gará~nti.aconstitucionaldos direitos humanos, dos direitos subje-
códigos civis francês e alemão, "mas o homeIn concreto da socieda- h.VOS ~ubhcos, enfim, da proteção jurídica que o Estado presta ao
de contemporânea, na busca de um humanismo socialmente com- Cl.dad~o,na sua vida social e jurídica, o que pressupõe relações jurí-
~, prometido" ...,Q":direito é,_essencialmcnte, um sistema axiológico, de- dIcas Instauradas pela autonomia dos indivíduos. A,relação jurídica
vendo considerar-se o homem como o valor pritneiro. "EIestª!~r-ª"r apr~s~nt~-~e: .enfim, .como a categoria capaz de explicar-toda a ativi-
o pri~:a.qo do homem é o primeiro dever de uma teoria geral do dacle-!undú:a. -
direito."34 . .' A i~portâ~cia da rela.ç~?j~Ef~!_<:~.,manifesta-se.ainda em_algu-
mas constataçoes de ordem_prática. Só existem prol;>leI11a.. ..•
J1J:rídicos,
o~ conflit~s de i~teresses, entre 'pessoas"que integram ~~!~çõçsjurí-
31 Alfredo Augusto Becker. Teoria Geral do Dú'cito Tributário, 02 a 100.
11~
dicas. Por ISSO,a Idéia de' direito. e de justiça -pressupõe um vínculo
32 Ferrer AurelIano ] 68' Kad Larenz. Lehrbueh des Schuldrechts, p. 26 e scgs.; i~tersubjetivo,.com direito~ e 4everes. Assim, não há problemajurl-
.---.-~;~Clóvis do Couto e S'ilva: 'A
o,' Canlalho, p. 73. -- -- ---~--
OT0-.g;;çfi~
conto Processo, p. 11 e seg.; Orlando de
..,.--.--'--- ".
._-- .. ....- ._--_._-_. __ __
dICO, por m.~.iscomplicado que seja, qt:i"erião se' simplifique com_a
.- -_.
.. . ---
~~3 Orlando de Carvalho, p. 91.
35 Sergio Cotta. Pros/Jecllive di filosofia dei diriuo, p. 50.
~4 Larenz, p. 246.
---
170 Direito Civil - Introdução A Relação Jurídica de Direno Privado 171
identificação das relações que o formam.36 Por outro lado, só exis- subjetivo) se~ncon~a respeito de uns bens ou interesses jurídi-
tem direitos subjetivos porque há sujeitos de direit(),~_estes-sÕêxis- cos-{elemento objetivo). . -. . ... --.----.--
temnas relasõillurídicas.37 Não há direitos nem deveress-em que r-o:.:-~~':!esses elementos, mais_,!O!VÍl1culo..intersubjetivo
haja uffiãf;;l;ção prévia. ÃÍém disso, a relação j~rí~ica C"'l1S?.!~~-se 'l.u_etradIlz.o .~Q!ll~de poderes e deveres dos sujeitos, constitui a
em conceito básico sobre (j qual se constroem oS.-lnStlt1J..t~sJ!!r.!dl~_~S, chamada estrutura da relaça~urídíca:--" . -. - '. -...- -- -
complexos de nor".l:'aS -sue..disçiplinam e se eS!<lbel",ç.!'.m~ t()r'.'.? .-..Os -~~~!?~~~?j"-~ss?~~1~r~~~~,~e _P?de~es e deveres, P.9r ~e.m-
da-m:ESfha.tdãção, como, por exemplo, os institutos do ~~~J!l~p.~o, e!'2.creaor_~~evedor, comprador e vendedor, locador e locatário,
da' filiação, do poder familiar, da propriedade etc._E o conjunto dé mando e mulher, em uma atribuição bjlateral (donde a bilaterali-
normas e institutos forma o sistema jurídico, conjunto ..unitáfio"aê dade cara.cterístiC<l_da-no~In~
jurídisaJ: O elemento objetivo são os
regras jurídicas ordenadas de lli.ÜQO lógi~"Decoerente;.e decÍutíveis bens, aq~llo sobre () que IOCIdemps poderes contidos na relação, e
entre si. ....
e ,conSIstem em valores mate~ülis (coisas) ou imateriais (açõeS).
No campo do procedimento judicial, um dos requisitos para que 9.-~ínculo_exptess:a~.mapo.s_içãode poder (sujeito ativo) e uma'per
uma pessoa proponha uma ação é a sua titularidade sobre o direito, Slçao de dever (sujeito pasSIVO),com referênçia ao terceirQJ~kJnen-.
objeto da controvérsia, a chamada legitimidade para a causa, legiti- .: to:., /'....-
matio ad causam, o que pressupõe a participação do sujeito na rela- -',-' ~ e a estrutura abs~a_~!,/,si~p~es,~, ..~S~?C~,~~.~~~.I~l~o
ção (CPC, arts. 3', 62, 267, VI) em que surge o conflito de interesses. Jur~~~ca.~m termos ~~ncretos da VIda re~, "~.:r:~I~ç.(~tç~. ~p-.resent;lm-
Ser sujeito de uma relação jurídica, e conseqüntemente de direitos se geralmente de' forma complexa, englobadas, caracterizando
e deveres, é sinônimo de titularidade, isto é, união da pessoa com o situaçõ~~juríd.icas_ çlinâ-'Jli~as_em qu~ _~_E.~_~s.9~.~,~9Jj!lJ.lare~,...s.imul-
seu direito. ta~eamente, de poderes e deveres.
A idéia de relação jurídica como vínculo normativo_ per~fte, . 'Qua,l!!? .à'suà'áiígerií:'~-~eEiçõesjurídicas nascem de aconteci-
ainda, explicar uma série de fatos da vidajurídic~?_!-~.g_':l:~_~~verifi- mentos reco.nhecidos -pelõ direitõ como idôneos a prodtizi-las~ ex-
cam mudanças subjetivas na relação, como a ces5.ª-p de créditp, a ternos à relação, denôfiiiIiifdós faiosjúfídiC6s (C"pítlitõ X), e déles
assunção de J:Hvida~ a função social da propriedade, os direitos e constituem a sua eficácia. .
déveres matrimoniais, e ainda mudanças objetiv~, como a sub-roga-
ção prevista no ar!. 1.409 do Código 9"iL~ealização prática desta
possibilidade de mudança é a ação de sub-rogação destinada a subs- 7. Conteúdo
tituir um bem gravado com cláusula de inalienabilidade por outro
de igual valor, permanecendo o regime jurídico da coisa sub-roga- Conteúdo significa o cOl)-Junto de poderes e deveres que se con-
da, isto é, o bem substituto permanece inalienável (CC, arts. 1.407, fi:.?uram n£l :~.I'l.7ãojurídica, como ocorre, por exemplo, nas relá-
S 22 e 1.911, parágrafo único, e ainda o Decreto-Lei n' 6.777, de 8 ()-.~"9!.!1P~-
çoes c~nt~a~uais, e_ii:t!~~~~-fe(lõTe<1eved()'r'.--Repre.s'eilia .
de agosto de 1944, ar!. F, sobre a sub-rogação de imóveis gravados me.n~oJur~dlco das pesso~s qU,e~~te!yê~.na refaçãõ-, 6 q~al se tra(l"uz
ou inalienáveis). em sltuaçoes de poder,,!.~tivas)e ~edever (pa_ssivas)~1\S-PnmeiraS:
normalmente de exercI CIOyoluntano por ~eu respectivo titular; ..as
segundas, de exercício obrigatório ou necessário, tudo isso de acor-
6. Estrutura e origem. do c~m as diversas espécies de- relação como, por exemplo, as de
famíha, as contratuais, as de propriedade etc.
Qualquer relação jurídica, principalmeI1t~ de dir_~.tg_.privado, O poder jurídico existe quando o direito atribui a uma pessoa a
representa uma situação em que duas ou mais p~~~ª~_{~JClne11t0 possibilidade de ela exigir, por um ato de sua vontade', detenriinado
comportamento de_outra ou de outras pessoas, ou a de impor certas
~?nseqüências. Por suas peculiaridades, esse poder pode aprese~l-
36 Levi, p. 29. tar-se como direito subjetivo, pretensão, direito potestativo e facul-
3i Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, vo1. J, p. XVI. dadejurídica, matéria que se apreciará no. capítulo seguinte. ."
Direito Civil - Introdução A Relação Jurldica de Direito Privado 173
172
10. A dinâmica da relaçâojurídica. Aquisição, modificação e extinção de , de !_'luisição._Cca~,,_,:~ttí.~endi) é o fato jurídico que justifiCl a aqui-
direitos. Osfatos jurídicos siçao, pôr exemI?lo, um contrato .
.-N?isdmento ~~.~q~~siçãode-direitos são fenômenos distintos, se,
A relação jurídica e os direitos nela contidos nascem, modifi- bem que geralmente siiíúrltâneos. Toda constituição de direitõs im-',
cam-sc"-e extinguem-se por efeito de eertós acontecimentosque o plica sua aquisição, j)ols'~.ã(j êXiste'-aireItü'seni--s-üje1tó: A recíproca
direito considera fmpor"tantes e q'ue, por isso, lhe"sdá eficáciajurídi-. nã'o é, porém, verdadeira. A ~q~!~i_çªo'não é 'riãScimeniõ:. Frequen- ,/
cá:'São os[atosjui'Iaicos:---- --- - -------- temente, adquirem-se direitos já con,s'iÍtüidos antenc):ô:Dente, 0-que
"1àisacontcClmen'tO"s são apenas ~s relevantes para o. ~!'::.<:,~_!~._.os ocorre na aql;lisição.derivada, em que alguém recebe um direito de
q~~ ~.':l.tFa_r.? ~_orn.~~~~~j~.~!d.i_~~.?
~~V"qu~_P!oduzern.:
e.f~it?~j~~os, outrem.
de tal modo que a normajurídicajá os prevê na sua hipótese de fato A aquisição de direitos pode ser originária e derivada, e esta,
. (jattispecie,. ta_tb~stand)çomo pressupostos de certas conseqüênciaS--",- gratuita e onerosa, a título singular e a título universaL
tabelecidas ou consentidas, isto é, o nascimento, a perda ou ~ .r:t:l0di- A4quirem-se os direitospor ato próprio ou por intermédio de
fieação de direitos ou, de modo geral, qualquer mudan5~ __ g;l ,~~~~a- outrem; 'Í1este--ê~~,_'.Po~ meio do instituto da representação, que'-'--
çã6 jurídica preexiste~te. Podem consistir em simples eventos d~_ pode 'ser legal (pais, t1!lpr.cs, curadores) ou convencional (procura--
natureza (fatos jurídicos strieta sensu). por exemplo, o nascimento, dé>r). A pessoa adquire odireito para si ou para terceiros.
a morte, o decurso do tempo, a doença etc., ou em manifestação da Os direitos também se adquirem por efeito de simples fatos ju-
vontade humana (atos jurídicos), como o casamento, o reconheci- rídicos, independentemente de ação humana, por exemplo, a mor-
mento de filho, a fixação de domicílio, os contratos, o testamento te, que implica a abertura da sucessão (CC, art. 1.784), o decurso do
etc. Uma segunda espécie de atuação da vontade humana, mas de tempo, que pode levar à usucapião (CC, art. 550), a acessão, que
modo contrário ao direito, é o ato ilícito.42 Um contrato, E?!"_t.~em- leva à aquisição da propriedade imóvel (CC, ar!. 536).
pIo, dá origem a direitos e obrigações. Um casament(i cx,ia__ rlir~itos
e deveres recíprocos (CC, art._1.566). A morte det!'.n.Ilinª ª_abe,rtura
da sucessão (CC, ar!. 1.784). A prática de um ato il~citocr.i.ª_a__ ()bri, 12. Aquisição originária e aquisição derivada.
gaçãàde indenizar o dano (CC, arts. 186,187 e 927). Outros acon-
tecimentos existem, mas sem importância para o direito, como um A aquisição de um ..direito diz-se originária quand'o não decorre
convite para passeio, o uso de certas roupas, manifestações normais de prévia relação jurídica entre o atual titular e o anterior. Não há
de natureza, como a chuva, a neve, o dia de sol etc., e que, por isso, transmissão do direito entre eles, como ocorre com a ocupação de
não entralll no mundo jurídico. Não são fatos jurídicos. r;s nullius ou de res derelicta43 (CC, art. 1.263), com a usucapião (CC,
~rt. 1.238), a ocupação, a especificação, a invenção, o achado de .
tesouro, a aquisição de direito de autor pela criação, aquisição de
11. Aquisição de direitos direito potestativo por fato que a lei considera idôneo para o nasci-
mento do direito (Capítulo V, item nº 11).
Os direitos nascem quando se concretizam as respectivas rela- A aquisição é derivada quando existe relação jurídica entre o
ções jurídicas. Sendo estas vínculos pessoais, ao seu nascimento cor- titular anterior (transmitente) e o atual (adquirente). A aquisição
responde a união do direito ao sujeito que dele fica titular. ,O direito derivada diz-se translativa, quando o direito permanece íntegro,
se adquire quando a pessoa dele se torna titular. Aquisiçã<! ..~,~,direi"' co_~o ocorre, por exemplo, na cessão de crédito, na compra de imó-
to é, portanto, a ligação do direito à pessoa, Constltuindo-se a rela- vel, e constitutiva, se implica a criação de outro direito, com base no
ção jurídica, o sl~eito ativo adquire o direito ou outro poder. Título que se transmite, por. ,exemplo, a transferência de propriedade com
42 Enneccerus-Nipcrdey, p, 17. 43 Rcs nttllius (coisa de ninguém) c res derelir:la (coisa abandonada).
176 Direito Civil - Introdução A Relação Jurídica de Direito Privado 177
a-constituição de usufruto (CC, art. 1.225, IV) ou de servidão pelo .A proteç~o ~ co.n~e.rvaçãodos direitos atuais e futuros faz-se por
proprietário (CC, art. 1.225, III).-'--'- meIO de melO~jUdl~lalS que a ordem jurídica põe à disposição do
~.i!!,'portaPte distinguir a aquisição originária da ,d"Xi.xadª,,,N,, utular, e que sao objeto do direito processual civil. Tais meios com.
originária, adquire.se o direito na sua plenitude. Na segu.n_da,,adqui. preendem as medidas cautelares. Em casos específicos, permite-se a
re-secom su~isTImiláçõés,já que do
ningUem transfere m~i~,di~t:;~i<?' autodefesa (CC, art. 1.210, ~ 1.).
q!1é tem, como acontece por exemplo, nacessão de crédito (CC, arL'
286), e na assunção de débito (CC, art. 299),44 Por isso, a validade e
'a eficácia do direito do novo titular dependem, em regra, dil,.Y.'!!isIã::- 14, Modificação da re/afão jurídica
e
de da eficácia do direito do precedente titular.
..' A-ª~.isição
- --
derivada _~liz-se,ainC!~~
_._-,,-----
sucessão,
-----"-- ..-- ----~
PO~~_QºYQ--titular
.•."",-_.--- ~
. M~~c~~~e~, relação jurídica quando se alteram os sujeitos (mo-
d,ficaçao subjeu:",) ou. oobje.to .(modificação objetiva), '
'-
14 Nemo jJlus iuns ad alium lransfim¥! polc,ll quam ipse ha!Jeret, O, 50. 17. 54 (Nin- 46_ "O__preço cst<Íno lurrar da coisa , a cOl'sa c.: t~
,', . b <l no Ingal . d o preço, " expressa0
.
guém pode transferir mais direito do que tiver). Cfr. Orlando Gomes, n9 156. ~~,egla Cf l<lCtl pelos glosadores, segundo Bevtláqua, Código Civil Commlado. ;11"1.
4!"J Caio l\'lário da Silva Pereira. Inslituições de Direito CilJil, I. l\~ 67.
. .
178 Direito Civil - Introdução A Relação Jurídica de Direito Privado 179
direit<?s.R~l:~ºJ!,!!!ssimos, não os direitos patrimoniai~, ~~~~issí- ~tc.) ou da vont;ad~ humana (~estruição voluntária do obje~o). Ex-
veis. em geral. aos SuCesSores'aofaleCido (CC, aIts: 1.784 1.829).47 e unguem-se os direitos potestatlvos com o seu simples exercício.5O
-'o décürs"düfémpo 'é fiiior extintivo de direit<;>-s.e..ali.ad.Qj._!~ér- Se o perecimento do objeto for imputável a alguém, responderá
da do titular.-nsinstitutos de direito' civil que disciplinam essa ma: este por perdas e danos (CC, arts. 186 e 389).
e â decadência:.---~
téril! ~ª9 _~:p'!~s<:r:i:ç~õ Direito extinto não renasce.
'Prescrição é a peictã'o.ãptetensão de um direito subjetivo em
virtude da inércia do titular em um período determinado em lei
(CC, art. 189). 16. Relações de fato: a) a união estável; b) a sociedade defaro;
Decadência é a perda de um direito potestativo pela inércia d(j c) a separação de fato; d) a filiação de faro; e e) as relações contratuais de
fato .
titular no prazo legal.
A renúncia é ato unilateral e gratuito pelo qual o titular de um
direito dele se despoja!" sem transferi-lo a quem qll,~r.3~.e.sl'Ja:-P[O:-- Já vimos que a relação jurídica compõe-se de .dois elementos:
duz a perd"c,~Dsotútà.do 'direito pela manifes,-asãode vontadedo ~m: ~at~ria~, que é relação entre pessoas, e outro, formal. que é a
titular nesse sentido. Ocorre, por exemplo, quando o credor abiê'_ IllCldenCla dIreta da norma jurídica aplicável ao caso.
mão das garãITliaspignoratícias (CC, art. 802, IH), hipotecárias (CC, As relaçõ:s jurídicas são conseqüência dos fatos jurídicos, nas-
arl. 849, HI) ou fidejussórias dadas a seus créditos, ou, ainda, quan- cem em funçao do dispositivo da nor~ajurídica, depois doenqua-
do o herdeiro recusa a herança (CC, art. 1.805).49 Pode visar quais- dramento do fato da VIdareal na hlpotese de aplicação da norma.
quer direitos, menos os personalíssimos e os_de' ?rdem .~t>ública, A vida social é, porém, fertilíssima na diversidade dos fatos sus-
como os de família. A renúncia é declaração de vontade. Distingue- citando, .po~ ~ezes, s~tuações que não se enquadram na hipótes~ das
se do abandono;que não a tem. A coisa ab~ndonada .~~~_m~-se ores normas JundICas, nao obstante os atributos da abstração. Isso faz
derelictae. São renunciáveis os direitos que protegem os inte.r.~s~es co~ q~~ dive:s?s fatos, s_ocialmente relevantes, não produzam efei-
privadô~s,e irrenunciáveis os que envolvem os de ordem públi_ca. tosJundlcos tipzcos por nao corresponderem à hipótese de aplicação
Não há renúncia translativa, isto é, a que se faz para beneficiar al- da norma, o~, pe~a próp~ia inexistência de norma jurídica adequa-
guém. Nesse caso, o que se verifica é uma transferência de direitos, da, embora Ja sejam SOCIalmente valorados. Existe o fato o valor
como acontece, por exemplo, quando um herdeiro renuncia à sua mas não a n~rma jurídica, o que não impede que a.relaçã~ de fat~
parte na herança para beneficiar terceiros. Inexiste renúncia, n1as produza, venficados certos pressupostos, os mesmos efeitos da rela-
sim, doação. ção de direito. Configura-se aqui a questão da eficácia jurídica da
Perece o objeto seu1pre que ele perde suas qualidades es~iais relação de fato.
ou o ~alor econômico, como acontece quando um terreno é cobcftã Surgem, assim, as chamadas relações de fato, relações materiais
pelo mar, -ou quando o objeto se confunde com outro, de lTIodo a cujo nas:imento não decorre de nenhum fato jurídico, mas sim de
não poder se distinguir, ou quando fica em lugar donde não pode fat~s s?c.lalmente r.ele;a.nte~i C! que se constitui em problema mais
ser retirado, por exemplo, a jóia que se perde no mar, tudo isso socIologlCO do que Jundlco.' E daro que o reconhecimento de rela-
como decorrência de fato natural (terremoto, incêndio, catástrofe ções de fato (porque não de direito) pode levar à insegurançajurí-
d~ca: contranando um dos valores fundamentais, que é a certeza do
dIreIto. A seu favor, existe porém uma exigência de eqüidade em
47 Existem exceções à transmissibilidade das relações ou dos direitos pau"imo- face de "necessidades sociais indiscutíveis, que representam uma
niais pela morte do respectivo titular. São intransmissíveis causa mortis os direi- forma de progresso tanto no pensamento como na técnica jurídica".
tos reais de usufruto, o liSO, a habitação e os direitos obrigacionais do mandato, En tre as relações de fato de maior relevo social destacam-se:
do comodato. Também não se transmite a relação do emprego. Sobre o decurso
do tempo como fator extintivo de direitos, veja-se, adiante, o capítulo XVTII.
.48 Clóvis l3eviláqua. Código Civil Comentado, art. 161 Sobre o direito pOl.estativo, veja-se adiante o capítulo V, item n211 .
49 Garantias fidejussórias são a-fiãi;~-o aval. Garcia Amigo, p. 235 e 236.
. ,
Rubens Limongi França. "Direito do Concubinato, p. 442. . 29 de dezembro de 1994, quc regula o direito dos companheiros a alimentos e
S5 A Lei n!!8.971, de 29 de dezembro de 1994, que regula o direilo dos com- ;' ,à s.ucessão, e a Lei nl.' 9.278, de 10 de maio de 1996, que reconhece a existência
panheiros a alimcntos c <\ sucessão, fixa, no art. p.!,o prazo de cinco anos, .~c a eficácia da uniâo estável.
---------
> •
sem registro, praticam atos da vida civil ou comercial como se regu- d) A filiação de fato
lares fossem. . .
Espécie importante de sociedade de fato é a que ~ dIreIto reco- Outra importante relação jurídica é a filiação de fato, a relação
nhece ter existido entre dois companheiros que reunIram esforços natural, biológica, existente entre pais e filhos, sern existência de
. casamento. Perante as disposições iniciais do Código Civil de 1916
e bens no curso de sua existência em conjunto, forman?o ...
u~ p~t~-
. (art 358), era ilegítima, o que foi superado com o advento da Cons-
mônio comum que deve ser partilhado, emb?ra se~ e~{lst~~CIaJun-
tituição Federal de 1988, que estabeleceu, no art. 227, 9 6", a igual-
dica. A Súmula nº 380 do STF determina a dIssoluçao JudICIal dessa
. dade dos filhos.
sociedade, o que demonstra a sua existência, pelo menos de fato.
Não obstante a ilegitimidade do vínculo, existia uma relação de
fato, consangüínea, natural, a que o direito não podia ficar indife-
rente, pelo que permitia que o filho ilegítimo pedisse alimentos aos
C) A separação de fato pais, em segredo de justiça, independentemente de ser reconhecida
a relação jurídica da filiação (Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949,
Um dos efeitos do casamento é o dever de os cônjuges viverem art. 4"), dando-lhe também direito sucessório igual ao dos irmãos'
juntos (CC, ar\. 1.566). Ocorre que, devido a circ~~stãncias diver- filhos legítimos, independentemente do reconhecimento expresso
sas simples desinteresse, gastos elevados etc., os conJuges decIdem de tal relação (Lei nº 883, ar\. 4", parágrafo único).
viv~r separados, sem contudo recorre~ à s~paração j~dicial qu~ o Com a Constituição Federal, ar\. 227, 96", os filhos, havidos ou
direito lhes concede para o fim de extInguIrem a sOCle~ade conJu- não do casamento, ou por adoção, têm os mesmos direitos e quali-
gal. Surge, assim, um estado d: ~eparação de Jato q~e, na~ obstante ficação. Sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias re-
irregular e ilegal (porque os conJuges devem coabItar), e reco,:he- lativas à filiação. Por outro lado, a Lei n' 8.560, de 29 de dezembro
cid o na sociedade e produz efeitos que a lei protege. Sua pnnCIpal de 1992, regula o reconhecimento voluntário e compulsório dos
característica é a permanência dos deveres recí~ro~os. r~sultant~s filhos extramatrimoniais. A filiação de fato perdeu a importância
do casamento enquanto não se efetivar a separaçao JudIcIal, d~ leI. doutrinária que tinha.
EInbora contrária ao direito, este reconhece-lhe cert~s ~fe~t~s,
como, por exemplo, a possibilidade de ped~r a separaçao JudlClal
dcpois de uma separação de fato eXIstente ha maIS de um_ano (CC, e) Relações contratuais de fato
art. 1.572, S 1º), ou o divórcio direto no caso dc separaçao de fato
por mais de dois anos (CC, art. 1.580, 9 2'), ou ainda, no c~mpo da Outra espécie de relação de fato são as nascidas da "conduta s0-
filiação, a possibilidade de reconheCimento, pelo paI bIOloglCO, ~e cial típica" ,58 consideradas fonte de obrigações, ao lado da manifesta-
filho adulterino de mulher casada, em caso de manifesta separaçao ção de vontade (negócio jurídico) e da lei. Tomemos, por exemplo,
de fato do casal, quando os filhos havidos pela mulher evidentemen- os meios de transporte, de fornecimento de energia (luz, gás, água
te não são, neID poderiaIn ser, do marido, em VIrtude da llnposslbl~ etc.) ou de estacionamento. Quando alguém entra em um ônibus, ou
lidade física da coabitação dos cônjuges devido à comprovada~ se~a- utiliza-se da energia elétrica ou deixa um veículo em um estaciona-
ração de fato,57 como reconhecido por tranqüila)urisp~udenCla. mento, faz isso sem qualquer manifestação de vontade dirigida com
São relações de fato, nascidas de acontecimentos nao pre\?stos pelo o fim de realizar um contrato. A inexistência do contrato expresso
direito, mas que, por sua relevância social, produzem efcltos que o não impede, todavia, que o usuário tenha de pagar pelo que utilizou
mesmo direito reconhece. ou consUIniu. De fato, inexiste declaração de vontade, mas existe um
ato de utilização que faz nascer um vínculo de fato (porque não de
direito), da qual emerge para o beneficiário a obrigação de pagar.
57 Yussef Said Cahali. Divórcio e SejJaraçâo, p. 432. Cfr. jurisprudência Brasile~ra,
\'01. 61. Investigação e Patemidade c jurÍJ/wudência d?s F'i~/:osJle[~ílimose da In~e:çtl~;-
ção de Paternidade, dc Rubens Limongi, França. Ctr. RJJ73/~87; RTj63/82, R J 58 Larcnz, p. 734 c segs. Cfr. ainda MCllCZCS Cordciro. Da Boa-Fé no Direi.lo Civil,
voL I, p. 555 c scgs.; Antu!lcs Varela. Direito das Obrigações, p. 209.
60/566.
184 Direito Civil - Introdução
..
_ Como diz Larenz, "a utilização de fato de uma prestação de transpor-
te ou de fornecimento oferecida a todos tem de modo genérico, so-
cialmente típico e conhecido por todos, o sentido de que por ela se
leva a outro uma relação contratual sob as condições fixadas pela em-
presa que realiza a prestação. Quem se comporta assim de forma so-
cialmente típica há de fazer-se imputar o significado genérico de sua
conduta como "aceitação de contrato", sem levar em consideração se
teve ou não conhecimento daquilo no caso particular nem se quis ou
não os efeitos jurídicos." O efeito principal da conduta socialmente
típica consiste na exclusão da impugnação por erro. Em lugar de
duas declarações de vontade destinadas a formar um contrato, o que CAPÍTULO V
-existe é uma oferta pública de fato, e uma aceitação de fato da pres-
tação, configurando, ambas, uma conduta que, por seu "significado As Situações Jurídicas
social típico", produz os mesmos efeitos que a declaração de vontade
destinada a constituir um negócio jurídico.
A doutrina das relações contratuais de fato nasceu no direito
civil alemão em 1941, criada por Günther Haupt59 na aula inaugural
que proferiu em Leipzig. Defendendo a existência e o reconheci-
I
f Sumá~o: 1. ~s, ~ituações iury~icas. 2. o direito subjetivo. Conceito e importância.
Inento de relações não resultantes de fatos jurídicos típicos, como 3. Notze.ta .h'lSton~cr.doutnnana. 4. Teorias qtu! negam o direito sttbjetivo. Crítica.
são os contratos, mas de fatos não típicos mas socialmente relevan- 5. ~ dzreúo subJ~two ~omo rea.lic:adeju~~ca. 6. A essência do direito subjetivo.
Teona: .. 7. Clas~ifU:l1f.ar:dos .dz-:euos subJetwos. 8. Os direitos subjetivos públit:os.
tes, configurando uma conduta social típica60 como a utilização de
9. D~~s patnrrw.ma'lS e dzra.tos extrapatrimoniais. 10. Dever jurídico. Ônus.
serviços (ingresso em meio de transporte, ocupação de vaga em es- 11. Dzreuo potestatwo. 12. Faculdade jurídica. 13. Expectativa de direito. Direito
tacionamento etc.) ou o ato de apanhar produtos em supermerca- even...tual. ~ireito condi~o.nal. Dir:eito atual efuturo. 14. Direito subjetivo,
dos, ou ainda os contratos ineficazes por nulidade, principalmente pretensao e açao. 15. Exeracw dos direitos subjetivos. 16. Limites ao exercício do
os contratos de trabalho e de sociedade, essa doutrina tem hoje direitos subjetivos. 17. O abz:s.0 ~ direito. 18. Proteção dos direitos subjetivos. S
valor mais histórico do que real, rejeitada que é pela maior parte dos 19. Conczlwçao. Mediação. Arbitragem.
juristas alemães61. É, porém, aceita no direito italiano atual62, e no
direito português63, com exceção de Antunes Varela64. No direito t
brasileiro, principalmente por obra da jurisprudência,
a reconhecer a possível juridicidade
continua-se
das relações de fato, não só as
contratuais nlas tambélTI, como assinalado, a união estável, a socie-
dade de fato, a filiação de [ato e a separação ele fato.
I 1. As situa,ções jurídicas
J 185