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Fernando Luiz Abrucio é formodo em

Ciéncios Sociois pelo Universidode de


5610 Paulo (USP), onde fez mes‘rrodo,
que deu origem o este livro. E
professor do PUC (SP) 8 do FGV (SP),
pesquisador do Cedec: (Centre de Es~
1udos de Culture: Contemporéneo) e
dou’rorondo em ciéncio poh’fico no
Deporfomen’ro de Ciéncio Politico do
USP.

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BAROES'DA -FEDE
OS GOVERNADORES E
A REDEMOCRATIZACAO
BRASILEIRA

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DEPARTAMENTO n: CIENCIA
POLITICA DA usp
EDITORA HUCITEC
DEPAR TAMENTO DE CIENCIA POLITICA

Maria Herminia Tavares de Almeida


Chefe do Departamento

Fernando Papaterra Limongi


Vice-chefe do Departamento

COLECAO COMENTARIO

Comissdo Editorial

Coordenador da Colegdo
Claudio Vouga

Comissc‘io Editorial
Claudio Vouga
Gabriel Cohn
Lucio Kowarick

Departamento de Ciéncia Politico


Av. Prof. Luciano Gualberto 315. Universidade de Sdo Paulo.
Scio Paulo SP Cep 05508—900
Tel. /Fax: (011) 211-2269 818-3754 818-3783.
E-mail fflchflp@edu. usp. br
FERNANDO LUIZ ABRUCIO

os BAR6Es fl
DA FEDERACAO
os governadores
e a redemocratizagéo brasileira

DEDALUS - Acervo - FE

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20500002477

EDITORA HUCITEC
DEPARTAMENTO DE CIENCIA POLiTICA, USP
$50 Paulo, I998
© Direitos autorais 1998, de Fernando Luiz Abrucio. Direitos de publicagéo
reservados p013 Editora Hucitec Ltda., Rua Gil Eanes, 713
—— 04601—042 Silo
Paulo, Brasil. Telefones: (011)240-9318, 542—0421 9 543—0653
. Vendas; (011)
530-4532. Fae—simile: (011) 530-5938.

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ISBN 85-271.0448—2 Hucitec


Foi feito o Depésito Legal.

Editoracc‘io eletrénica: Ouripedes Gallene, Tera Dorea e


Rafael Vitzel Corréa
Ficha catalogrdfica: Sandra Regina Vitzel Domingues

A 149 Abrucio, Fernando


Os barées da federagéo: os governadores e a red e-
mocratizagéo brasileira / Fernando Abrucio. — Séo Paulo
:
Hucitec / Departamento de Ciéncia Politica, USP,
1998.

253 p. ; 21 cm.
ISBN 85-271—0448-2

1. Politica - Brasil 2. Governadores - Brasil


I.
Titulo.

CDD — 320.0981
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Indice para catfilogo sistemético:

1. Politica: Brasil 320.0981


2. Governadores: Brasil 321.80981
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Aquisigao“
Origr-em v“

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é.
Para

Ilza 9 Gabriel,
razées de minha Vida.
SUMARIO

9
Prefécio
Agradecimentos 13
Introduqéo 17

Capitulo 1
A FORMACAO DO FEDERALISMO BRASILEIRO 31
31
Origens do federalismo brasileiro
As caracteristicas e o desenvolvimento do federalismo
35
na Primeira Repfiblica: a “politica dos governadores”
A construgéo do Estado Varguista—desenvolvimentista
e o federalismo 41
48
O federalismo no periodo 45—64

Capitulo 2
A PASSAGEM DO MODELO UNIONISTA-AUTORITARIO
PARA O FEDERALISMO ESTADUALISTA: A ORIGEM
DO NOVO PODER DOS GOVERNADORES 59
59
Origens do modelo unionista—autoritério
64
O apogeu do modelo unionista-autoritério (1965-1974)
A crise do modelo unionista—autoritério (1974-1982) 82
91
A formagfio do federalismo estadualista (1982-1987)
Concluséo: o novo poder dos governadores 106

Capitulo 3
O ULTRAPRESIDENCIALISMO ESTADUAL
BRASILEIRO 109
O funcionamento do ultrapresidencialismo estadual 110
A origem do poder ultrapresidencial dos governadores 122
Poderes financeiros, administrativos e politicos 125
Sistema eleitoral 134
Auséncia de contrapesos regionais 136
Fragilidade institucional das Assombléias Legislativas 137
Baixa Visibilidade politica 138
Neutralizagao dos érgaos fiscalizadores 140
O ultraprosidencialismo no Estado de 8510 Paulo 143
Historia do governo peemedebista em 8510 Paulo e as
eleigoes de 1990 143
Formagao do governo e porcesso decisério 11a gestao
Fleury 148
A neutralizagéo do controle institucional do Executivo
estadual: o “tripé da impunidade” 158
Concluséo 163

Capitulo 4
O FEDERALISMO ESTADUALISTA E O VETO DOS BA-
ROES: A ATUACAO DOS GOVERNADORES NO PLANO
POLITICO NACIONAL 169
As origens do poder dos governadores na politica nacional 170
O contexto do ederalismo estadualista
187
Os barées e 08 vetos ao ajuste fiscal 201
Concluséo 217
CONSIDERAQOES FINAIS 221
BIBLIOGRAFIA 239
PREFACIO

Ndo se pode entender plenamente a polltica brasileira sem que


se tenha em conta o profundo impacto do federalismo. Mas até
meados dos anos 90, a literatura sobre os aspectos politicos do
federalismo no periodo pos-1985 ndo era particularmente inte-
ressante. Por essa razdo, fiquei intrigado quando, em 1995, Fer-
nando Luiz Abrucio dew-me sua tese de mestrado, feita na USP.
Comecei a ler a tese no mesmo dia e nc’io pude parar. Era um,
excelente trabalho — nitidamente o mais notdvel trabalho sobre
a politica do federalismo brasileiro no periodo 1963-1985 e, com
certeza, um dos melhores trabalhosjd escritos sobre federalismo
na América Latina. Aprendi muito com ele; foi um daqueles tra-
balhos dnicos, que me ajudaram a repensar algumas questoes
importantes. Eu disse a Abrucio que deveria publicd-lo como
livro. Felizmente, ele o fez; o resultado é este volume que estd em
suas mc’ios.
Dentro do tema mais amplo do federalismo, o livro de Abrucio
enfoca particularmente o papel dos governadores de estado no
processo politico. Ele traz trés grandes contribuieées. Primeiro,
analisa em detalhe a transigdo gradual do one ele denomina
“modelo unionista-autoritario”, sob o regime militar, para o “ e-
deralismo estadualista”, a época das eleigoes de 1982. Sob 0 re-
gime militar, entre 1964 e meados dos anos 70, o Governo cen-
tral expandiu os seas poderes as expensas dos estados, e 03 go-
vernadores estaduais contaram com uma parcela menor de re-
cursos e com uma autonomia reduzida em relaca'o a Unido, se
comparadas ao que foram no periodo anterior. Os mecanismos
Q
I0 I Prefécio

especificos de centralizacao e concentracdo do poder sc’io anali-


sados aqui num nL’vel de detalhamento maior do que em qual-
quer outro lugar. Abrucio mostra enta’o quando e como o poder
foi devolvido aos estados e aos governadores, e com que conse-
qdéncias. Esta transformacao no relacionamento entre os esta-
dos e o Governo Federal foi possivel em decorréncia dos proces—
sos de liberalizacdo politica e de democratizacao. Os militares
precisavam cada vez mais fiar-se em politicos civis 9 na conquis-
ta de votos em eleigées competitivas e, para fazé-lo, devolveram
poder aos estados. Mas esta devolucc’io, por sua vez, abriu novos
espacos no sistema politico, os quais a oposicao aproveitou, im-
pulsionando mais a frente 0 processo de liberalizacdo. Ao enfo-
car as relacées entre os estados e o Governo Federal, Abrucio
enriqueceu o nosso conhecimento de uma crucial e até entdo
pouco estudada dina‘mica da transicdo para a democracia.
Em segundo lugar, Abrucio demonstra convincentemente que
no plano estadual, apos a eleigza'o de 1.982, 08 freios e contrapesos
I
democrdticos normais, que geralmente existem num sistema
multipartidario, eram extremamente fracos. Os governadores
exerceram 0 poder, tal qual o titulo do livro argutamente sugere,
como “baroes da Federacao”. Abrucio cunha o interessante ter-
mo “ultrapresidencialismo estadual” para conceber esta ausén-
cia de equilibrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Ja-
dicidrio. Ele argumenta que ha um contraste significativo entre
a esfera nacional, em que o Congresso e o Judicidrio de certa
forma limitam os poderes presidenciais, e o nivel estadual, em
que estes Poderes sdo efetivamente controlados pelos governa-
dores. Fernando Luiz entdo analisa o porqué dos governadores
terem se mostrado capazes de exercer o poder desta forma des-
controlada. Aqui, também, sua contribuica‘o é extremamente ori-
ginal.
Em terceiro lugar, Abrucio mostra que os governadores de
estado também adquiriram um grande poder de veto na politica
nacional, acima de tudo em virtude da influéncia que exerciam
sobre os deputados federais e por causa da fragilidade compa-
rativa dos partidos nacionais brasileiros. Num gran incomum,
os governadores de estado podem criar ou interromper carreiras
politicas dos membros do Congresso Nacional. Esta situacdo e’
Linica. Na Argentina e nos Estados Unidos, os governadores de
estado controlam recursos significatiuos, mas eles nc‘io contam
Prefécio | I I

com nada semelhante a inflaéncia sobre os membros do Con-


gresso Nacional de que dispoem os governadores brasileiros.
Abrucio mostra que, entre 1985 e 1994, 03 governadores usa-
ram sea poder de veto para defender 0 status quo dos arranjos
federais, especialmente sua generosa parcela de recarsos fiscais,
sem se importar com os problemas gerados pela cada vez menor
fatia de recursos do bolo fiscal corn que contava o Governo Fe-
deral. Os estados se engajaram num jogo individualism. e ndo-
cooperativo; a sua Linica estrate’gia comam era vetar madangas
de politicos que fossem desfavoraveis aos seus interesses ime-
diatos e de curto prazo. Importantes politicas no Brasil demo-
a
crdtico, como as batalhas referentes a0 ajuste e reforma fiscal,
estabilizacc‘io economica e a reforma do Estado, nao podem ser
entendidas sem que se analise o federalismo. Abracio elacida
este ponto claramente.
Ao longo do livro, Abrucio estabelece corn competéncia as co-
nexées entre a economia politica e as institaicées politicas, tra-
cando assim pontes entre duas importantes abordagens da cién-
cia politica. Por exemplo, ele analisa os resultados das disputas
tributaria e fiscal entre a Unido e 08 estados no pertodo pos-
1988, mostrando como estas mudancas afetaram os governado—
i-
res de estado e as politicas nacionais (especialmente a estabil
zaca'o e o ajuste). Este aspecto de sea trabalho enfoca as conse-
qiiéncias politicas das mudancas economicas. Mas ele tambe’m
s
analisa as conseqiiéncias econémicas das mudancas politica
— por exemplo, quando examina os arranjos fiscais da Consti-
tuicao de 1988 como um resultado das pressoes dos governa-
dores e dos membros do Congresso voltados a politica local.
as
Abrucio nao foi o primeiro estudioso a chamar atencdo para
s
formas pela quais o federalismo complicou a busca por politica
de estabilizagc’io bem sucedidas no Brasil, mas ele argumentou
mais vigorosa e detalhadamente do que antes havia sido feito.
O federalismo recentemente ressurgia com um tema de gran-
as
de interesse nao so no Brasil, mas também entre os cientist
politicos comparativos. Estudiosos renomados como Arend
Lijphart, Juan Linz, Alfred Stepan e George Tsebelis deram
atencao as formas pelas quais o federalismo molda a gestdo do
conflito e a elaboraec’io das politicas. O livro de Abrucio é uma
no
contribuigao na‘o apenas ao entendimento do federalismo
também a esta literatu ra mais ampla sobre o fe-
Brasil, mas
I]! | Prefécio

deralismo no mundo contemporiineo. Nas discussées interna-


cionais sabre 0 federalismo, 0 trabalho de Abrucio é citado por-
que ele ilumina 0 qudo importante 9’ 0 federalismo na politica
brasileira e 0 quéo peculiar é 0 federalismo brasileiro.
Embora a sua maior contribuicdo seja para o periodo p63—
1985, esie livro também proporciona uma andlise cuidadosa e
Litil de periodos anteriores da histéria brasileira. Essas militi-
plas virtudes tornam-no uma grande contribuigdo a0 enten-
dimento da politica brasileira contemporc‘inea. Sua publicagdo
firma Fernando Luiz Abrucio como um jovem cientista politico
notdvel.

Scott Mainwaring
University of Notre Dame
AG RADECIMENTOS

O presente livro é uma versao modificada de dissertagao de


mestrado apresentada a0 Departamento de Ciéncia Politica da
Universidade de 850 Paulo em janeiro de 1995. As modificagoes
realizadas derivam da incorporagao tanto do resultado de novas
pesquisas como de criticas feitas ao trabalho inicial. Certamen—
o
te ainda persistem lacunas. Mas, agora torno pfiblico o trabalh
para, quem sabe, os leitores apontarem novos rumos a discus-
sao aqui empreendida.
Gostaria de agradecer aos que contribuiram decisivamente a
realizagao deste livro.
pro-
A0 meu orientador Régis de Castro Andrade registro um
fundo agradecimento. Seus ensinamentos a0 longo de anos de
a Con-
trabalho conjunto no Cedec (Centro de Estudos de Cultur
temporanea) 9 na USP foram fundamentais em minha forma—
gao intelectual. Foi graa a0 seu convite para trabalhar no Ce—
dec, ainda no meu tempo de graduagao, que lidei pela primeira
vez com o desafio da pesquisa empirica, e logo no terreno da
politica. Estudar a politica real, dos homens com seus interes—
a en-
ses, era uma experiéncia fascinante, e Régis me ensinou
tender a politica em sua dupla dimensao, a do realism o politico
e a da normatividade, ou mais especificamente, a da normati-
p0-
vidade democrética—republicana. Esta concepgao de ciéncia
litica guiou 0 meu estudo sobre os barées da Federa gao.
os
Aos meus professores na Universidade de Sao Paulo, com
ica, agrade -
quais tive o privilégio de iniciar minha Vida académ
lar, agrade go
(go pelo constante estimulo intelectual. Em particu
13
I4 I Agradecimentos

aos professores Eduardo Kugelmas, Claudio Vouga, Brasili


o
Sallum Jfinior, Gildo Marcal Brandao, Boris Fausto, Lourde
s
Sola e Gabril Cohn, cujos cursos na pas—graduacao me deram
o
instrumental teérico e histérico necessarios para a realiza
cao
deste trabalho. Ainda agradego ao professor Ferna
ndo Limongi
e novamente a Brasilio Sallum Jfinior pela criticas feitas
pos—
teriorrnente, com as quais nem sempre concordei,
mas que, de
uma maneira ou de outra, ajudaram—me muito na
olaboracao
final do livro.
Meus colegas pesquisadores do Cedec tiveram
grande impor-
tancia no desenvolvimento de minhas idéias. Gabr
iela Nunes
Ferreira, Carlos Thadeu Oliveira, Eliana Pralon e
especialmen—
te o “mestre” Valeriano Costa, sempre contr
ibul’ram com opi-
nioes pertinentes e sugestoes para meus textos
.
A Claudio Goncalves Couto, colega de traba
lho no Cedec, na
PUC e seguramente meu melhor amigo, devo
um agradecimen—
to mais do que especial. Sua companhia intele
ctual e afetiva sao
prazeres incomensuraveis. Meu “primeiro leitor
” é sempre ele,
ajudando—me, como ele gosta de dizer, a refin
ar os argumentos.
Espero que no futuro, além das frutiferas discu
ssoes académi-
cas, possamos levar sempre meu filho Gabriel,
que é seu afilha-
do, para ver 0 “nosso” Corinthians jogar.
Contou muito para a realizacao deste livro a
oportunidade de
trabalhar como jornalista da Gazeta Mercantil,
gracas ao convi—
te do meu amigo Marcio Aith, companheiro de discu
ssoes politi-
cas marcadas pelo prazer de polemizar. E na
Gazeta tive a chance
de conviver com o dia—a—dia da politica, conve
rsando cotidiana-
mente com varios politicos —-- em off ou nao
— e conhecendo as
profundezas do sistema politico brasileiro, sobre
tudo as do ni-
vel estadual, verdadeiro nascedouro de nossa classe
politica tra-
dicional e feudo dos “governadores-baroes”. Além
de ter apren-
dido muito com o feeling politico de Marcio
Aith, a convivéncia
com Maria Cristina Fernandes, Cida Damasco, Paulo
Totti, Celso
Pinto, Célia de Géuvea Franco, Arménio Gued
es e com tantos
outros grandes jornalistas foi de suma impo
rtancia para o meu
amadurecimento intelectual.
A convivéncia com académicos estrangeiros
que leram e fize-
ram uma analise critica de meu trabalho,
ajudando-me a situar
o federalismo brasileiro no contexto intern
acional, foi também
extremamente valiosa. Assim, pude comp
reender as especifici-
Agradecimentos | I5

dades de nossa experiéncia federativa e, sobretudo, o papel sui


generis — e perverse —— que os governadores brasileiros pos-
suem comparado ao que ocorre nas mais importantes federa—
eoes do mundo. A Scott Mainwaring, Alfred Stepan, David Sa-
muels, Cris Garman e Wayne Selcher, registro urn agradeci—
mento mais do que especial.
Pelo auxilio inestimavel na pesquisa, agradego primeiro a
Felipe de Holanda, pela “consultoria” na area de federalismo
fiscal, fornecendo—me toda a bibliografia disponivel sobre o as-
sunto. Depois, aos assessores parlamentares do Congresso Na—
cional, Luiz Alberto dos Santos e Fernando Santos, que tiveram
a gentileza e a paciéncia de encontrar o gigantesco material le—
gislative do Congresso Nacional utilizado neste livro. E, por firn,
aos varies deputados estaduais e federais que perderam parte
preciosa de seu tempo para me ajudar no entendimento do fene-
meno do poder dos governadores. Em especial gostaria de agra-
a
decer a Nelson Jobim, Pedro Dallari, Aloisio Nunes Ferreir
em Semina -
Filho, Luiz Azevedo e Getfilio Hanashiro, os quais,
os subsidi os
rios no Cedec ou em longas entrevistas, forneceram
necessaries para a comprovaqao de minhas teses.
Agradeeo ainda a todas as instituigoes que tornaram possivel
a realizaeao deste trabalho. Sou grato ao CNPQ e a Fapesp pe—
da
las bolsas de pesquisa; a0 Departamento de Ciéncia Politica
USP, pelo suporte institucional e financeiro concedi do para a
publicagao deste livro; e ao Cedec, por me dar a oportun idade de
participar de varias pesquisas que forneceram grande parte da
base empirica deste trabalho. Refiro—me as pesquisas sobre o
lugar do Legislative na esfera estadual (financiada pela Funda—
gao Ford), sobre a estrutura politico-administrativa do Poder
Executivo Federal (financiada pelo PNUD e pela Enap), sobre
os dilemas do processo de descentralizaqao realizado no periodo
posterior a Constituieao de 1988 (financiada pela Fundaoao
Tinker) e sobre os projetos de reforma do Estado que estao sen-
do implementados pelos governos estaduais brasileiros no qua-
driénio 1995-1998 (financiada pela Capes).
Por fim, devo agradecer aos que me deram o apoio afetivo
para percorrer esta jornada. Aos meus irmaos e cunhados pelo
auxilio e preocupagao com o andamento de meu trabalho, sobre—
tudo nas horas mais dificeis; a minha mulher e ao meu filho,
que deram todo o carinho possivel e compreenderam minhas
I6 I Agradecimentos

caréncias e dificuldades; e, acima de tudo, aos


meus pais, os
grandee; responséveis pela realizagéo deste sonho
que agora se
concretiza.
INTRODUCAO

0 objetivo deste livro é analisar um ator politico fundamental


em nossa histéria republicana mas que infelizmente quase ne—
nhuma atengéo recebeu da ciéncia politica brasileira: os gover—
nadores de estado. Mais especificamente, busca-se entender o
papel dos governadores na redemocratizagao do Pais, uma vez
que eles exerceram um papel estratégico tanto na passagem do
regime autoritario a democracia como na conformagéo do atual
sistema politico. Atuaram neste periodo como verdadeiros “ba-
rées da Federagéio”, fenémeno que pretendo demonstrar e expli-
car suas causas.
Este estudo justifica-se, em primeiro lugar, pela reduzida im-
portancia dada ao federalismo como uma variavel-chave para
explicar a logica do sistema politico brasileiro. Ha um grande
numero de estudos juridicos e economicos sobre a Federagao,
porém o angulo politico foi pouco explorado e quase sempre fo-
calizando a Primeira Republica, periodo por excelencia da poll’-
tica dos governadoresl. Quanto a0 restante da historia republi-
cana, a importancia que a ciéncia politica deu a tematica fedo-
rativa foi inversamente proporcional a sua crescento influéncia
na definigao dos principais eventos politicos do século, na Revo—

’ Dentre 0s trabalhos sobre a politica dos governadores na Primeira


Republic-a, destacam-se 08 de Vitor Nunes Leal (1986), J0510 Camilo
de Oliveira Torres (1961), Renato Lessa (1988), Simon Schwartzman
(1975) e Eduardo Kugelmas (1987).
17
I8 | lntroducfio

lucao de 30, nos momentos decisivos que antecederam ao golpc


de 64 e mais recentemente na redemocratizacéio do Pais.
E born verdade que ha excecoes a esta regra. Os varios tra—
balhos de Aspasia Camargo, Maria do Carmo Campello de Sou-
za, Simon Schwartzman, Wanderley Guilherrne dos Santos,
Olavo Brasil de Lima JL’lnior, Brasilio Sallum Jlinior, e mais
recentemente autores como Celina Souza, Marcus André de
Mello e Jairo Nicolau, entre outros, vém mostrando que a te-
matica federativa comeca a ocupar o centro das preocupacoes
da ciéncia politicaz. Mesmo assim, falta ainda a esses estudos
analisar mais aprofundadamente a esfera politica estadual, ob—
jetivo fundamental doste livro“.
A maioria dos estudos politicos sobre o federalismo privilegia
ou os impactos do federalismo no plano nacional ou a questao do
bom governo no ambito local. Sem desprezar a importancia des-
ses angulos de analisc, o que se pretends ressaltar aqui é o cara-
ter da socializacao da classe politica brasileira: o politico—padrao
tem sua carreira definida primordialmente pela dinamica poli-
tica de seu estado (Abrucio & Samuels, 1997). Isto ocorre nfio so

2 A referéncia da obra destes autores encontra-se na Bibliografia.


3 Ressalte—se que alguns dos autores anteriormente citados realiza-
ram trabalhos especfficos sobre a esfera estadual, mas que contém
basicamente dois problemas. No caso dos pioneiros e excelentes
trabalhos de Olavo Brasil J finior (ver Bibliografia), a politica esta-
dual é entendida apenas e tao-somente pelos seus aspectos insti—
tucionais e formais — quantos séio os partidos relevantes na As—
sembléia, o grau de competicao interpartidéria na eleicao etc. Fal-
ta explicar por que o sistema politico estadual é definido basica-
mente pelo governador de estado e que instrumentos ele tern para
cooptar a classe politica, formando coalizoes politicas que tornarn o
Executivo um poder sem controle institucional e que, na imensa
maioria dos casos, tranqfiilamente obtém a homologacao dos sens
projetos. Em outras palavras, esses trabalhos nao analisam a di~
menséo weberiana da politica: a luta ontre os atores pelo poder e 03
mocanismos pelos quais este é exercido H— alias, a propria palavra
poder desapareceu do vocabulario da ciéncia politica brasileira.
Ja o trabalho do Francis HagOpian (1996) centrado na oxperiéncia
mineira carece de uma base comparativa, n80 dando conta, portan-
to, do funcionamento da politica nas unidades estaduais como um
todo.
Introducfio | I?

em razao de 0 nivel estadual ser 0 distrito eleitoral que circuns-


creve a disputa pelos cargos de deputado estadual e federal, se—
nador e governador, mas também porque os patamares iniciais
da carreira politica, que 550 OS postos de vereador e prefeito,
tém uma logica marcada pelo forte controle que os governos es—
taduais ——- muito mais do que o Governo Federal — exercem
sobrc a grande maioria dos municipios.
Ademais, os lideres locais, se quiserem ter suas demandas
atendidas pela Uniao, precisarao mais dos governadores do que
dos parlamentares federais, uma vez que os chefes dos Executi—
vos estaduais tém um maior poder de pressao no momento da
execucao orcamentaria, este Sim o momento da “verdade orca-
mentaria”, e né‘io 0 da elaboracao do Orcamento no Congresso
Nacional.
Se a dimensao estratégica da esfera estadual na politica bra—
sileira foi pouco analisada pela literatura, pior sorte teve o tema
da importéncia dos governadores no sistema politico brasileiro.
Apés vasculhar 0 material bibliografico escrito sobre o federa—
lismo no Brasil, encontrei apenas um estudo que teve como foco
exclusive os governadores — o seminal trabalho de Wanderley
Guilherme dos Santos (1971), muito embora tenha sido apenas
um artigo de revista, portanto corn pouco espaco para analise e
reflexao sobre o assunto.
A lacuna torna-se ainda mais grave dado o papel central de-
sempenhado pelos governadores junto aos outros atores politi-
cos desde a Primeira Repfiblica até hoje. Nao por acaso, a cupu-
la governante instalada no Poder Central nos dois regimes au-
toritarios deste século -—- o Estado Novo e o regime militar —
buscou acabar corn todo o poder politico concentrado nas gover-
nadorias, seja nomeando interventores seja extinguindo as elei-
goes diretas para os governos estaduais. Eram as formas encon-
tradas para eliminar um dos maiores — senao o maior — con—
trapesos ao poder do presidents dentro do sistema politico bra-
sileiro.
Mas é a negligéncia acerca do papel estratégico desempenha—
do pelos governadores no processo do redemocratizacao que tor-
na mais rolevante o presente estudo. A transicao do autoritaris-
mo a domocracia foi estudada por varies angulos —— mudancas
no sistema partidario, fortalecimento da sociedade civil, atua-
cao dos militares etc. —, sem que contudo se ressaltasse que
20 | lntroducfio

trés dos principais episodios definidores daquele contexto tive-


ram como eixos os governos estaduais e seus ocupantes: a elei—
95.110 direta para governador em 1982, evento fundamental para
a oposigao, que adquiriu pela primeira vez postos executivos com
o peso das governadorias; a campanha das Diretas, importante
movimento de massas coordenado em grande medida pelos go-
vernadores de estado, que garantiram os recursos estatais ne—
cessarios para dar suporte logistico as manifestacoes, além de
fornecerem protegao contra possiveis interferéncias repressivas
do Governo Federal, por meio do controle das Policias Militares;
e a eleicéio indireta de Tancredo Neves, ele proprio um ex—go-
vernador que se utilizou da influéncia do cargo e da alianca com
outros governadores como meios importantes para conquistar a
Presidéncia da Republica.
Esse papel estratégico ocupado pelos governadores na rede-
mocratizagao ja foi notado por alguns autores (Sallum Junior,
1996 e Hagopian, 1996, por exemplo), mas nao houve nenhuma
analise que buscasse entender a natureza do poder dos governa-
dores. Em linhas gerais, os governadores fortaleceram—se sobre—
maneira neste periodo, e pode—se compreender este poder ad—
quirido na redemocratizacao os comparando aos baroes. Tal come
0 baronato, os chefes dos Executivos estaduais detiveram um
poder sem contrapesos, anti—republicano e por diversas vezes
avesso a submissao a uma autoridade maior. Ademais, recor-
rendo novamente a metafora inspiradora do trabalho, os gover—
nadores tiveram grande poder de contrapeso ao “rei” (o presi-
dente) e possul’ram no ambito de seus “feudos” um dominio qua—
se que incontrastavel sobre as instituicoes e 08 grupos politicos.
E esta natureza do poder dos governadores na redemocrati—
zacao o ponto central da analise4. Mesmo tendo os governadores

4 Para evitar futuros mal-entendidos, cabe diferenciar o cargo de


governador de son eventual ocupante. Na redemocratizacao, foi o
poder oferecido pela governadoria que proporcionou ao eventual
ocupante tornar-se, pelo menos naquele momento, o principal ator
politico no ambito estadual e, em muitos casos, com grande influen-
cia na politica nacional. No memento de auge do poderio dos gover-
nadores até 03 com pouquissima virta tiverarn esse poder. No on-
tanto, embora a esmagadora maioria dos “caciques” regionais seja
formada por ox—governadoros, nem todos os ex-govornadores se
Introducfio | 2I

atuado fortomente pela definigéio do carater da redemocratiza—


9210 a partir das eleigoes de 1982, o momento privilegiado da
pesquisa é o quadriénio 1991—94, exatamente porque nesse pe—
riodo se pode ver tanto a manifestagfio do poderio dos governa-
dores em sua forma mais acabada, seja no embate com o presi-
dente seja no controls do jogo politico estadual, como também a
criagao das condigoes para a posterior crise dos governos esta—
duais, em virtude do tipo de atuagao predatéria adotada pelos
governadores no auge do seu poderio. Desse modo, a analise
procura entender a historicidade do fenémeno: seu auge, sua
crise e a permanéncia de algumas de suas caracteristicas ainda
no momento atual.
A compreensao da atuagao dos governadores no periodo pés-
autoritario tem como pano de fundo uma questao mais geral:
que Federagéo estamos construindo desde o inicio da redemo-
cratizagao e qual queremos para o futuro? Da montagem de um
bem-sucedido arranjo federativo dependerao a resolugao das gra-
ves disparidades regionais, em termos do desenvolvimento eco—
nomico (—3 social; 3 manutengao da soberania nas areas do fron-
teira nas Regioes Norte e Centro—Oeste, pois o dominio do Esta-
do esta ameagado pelo narcotréfico; a propria integragao regio—
nal com 0 Cone Sul, uma vez que precisarao ser compatibiliza—
das as demandas dos estados limitrofes com as do restante do
Pais; e, por fim, a conformagao de um novo sistema politico, por-
que a socializagao da classe politica brasileira ocorre basicamente
nos nl’vois subnacionais e o comportamento tipico somente se
alterara caso haja uma modificagao profunda da estrutura poli-
tico-institucional vigente nas esferas estadual e municipal. Afi—
nal, os “anoes do Orgamento” nao tiveram sua alfabetizagao po—
litica no Congresso Nacional, ja que Brasilia é apenas o L’lltimo
estagio de um longo aprendizado (Abrucio e Teixeira, 1996).
Essencialmente, quatro causas explicam o fenémeno do for-
talecimento dos governadores ao longo do processo de redemo-
cratizagao: o modo de transigao politica ocorrido no Pais, a alte-

transformaram em grandes lidores rcgionais. Pode-se dizer que a


ocupagao da governadoria foi na redemocratizaqao e ainda é — a

-
mais importante condigao mas nao suficiente para urn politico tor-
nar-se posteriormento um “cacique regional”.
22 | Introducfio

ragéo da estrutura federativa, o desmantelamento do Estado


N acional-Desenvolvimentista e a formagéio de uma sistema ul—
trapresidencialista de poder nos estados.
A primeira hipétese do trabalho é que parcela do poderio dos
governadores derivou do modo de transigfio realizado no Pais, o
qual foi marcado pela légica de atuagao regional dos atores e
per partidos frageis e pouco nacionalizados. A crise do regime
autoritério abriu portas para que novos atores ascendessem no
cenario politico, entre os quais os mais importantes foram os
governadores e 03 lideres politicos regionais. Tal fato se explica
primeiro pela redemocratizagao ter comegado, de fato, por uma
eleigao estadual (1982) e n50 por uma disputa no plano nacio—
nal, como foi tipico nas “novas democracias” que se constituiam
a época (cf. Linz & Stepan, 1996). Mas esse tipo de transigao
também é explicada pelo fracasso do regime militar em acabar
com uma das principais caracteristicas do sistema politico bra—
sileiro: os governos estaduais constituem-se nos principais su—
portes da carreira da classe politica. Sobretudo com a vitoria
das oposigées em 1982, o sistema politico se reconstrui’a “de bai-
xo para cima”. Este poder dos governadores tornou—se ainda
maior porque a elite politica foi incapaz de nacionalizar 0 com—
portamento congressual, que derivou, em grande medida, das
lealdades estaduais.
O aumento do poder dos governadores nao foi marcado ape-
nas pela crise do regime militar. Outra crise, talvez de propor-
goes maiores, foi igualmente fundamental: a crise do Estado
Nacional-Desenvolvimentista e da alianga que o sustentava. O
esgotamento do antigo padrao de intervengao estatal somado a
fatores externos levaram a crise financeira do Governo Federal,
o que, na balanga federativa do poder, favoreceu a ascensao dos
governadores. Por outro lado, durante a década de oitenta e no
inicio da de noventa nao foi reconstruido o pacto de dominagéo
no plano nacional, sendo a politica feita por intermédio de tati-
cas defensivas e de jogos de competigéio nao-cooperativa. No am-
bito federativo, isto levou os atores ao puro comportamento pre-
datorio —~ como exemplificam bem as relagoes financeiras (rola-
gem das dividas estaduais e falta de controle dos Bancos esta-
duais) entre os estados e 0 Governo Federal. Num cenario como
este, novamente a légica regional de atuagao foi favorecida.
O fortalecimento dos governadores na redemocratizagz’io teve
lntroducfio | 23

come um dos impulses fundamentais o enfraquecimente da


Uniao no pacte federative, antes marcade per um modele extre—
mamente centralizador, O fate é que 0 Governo Federal fei per-
dende legitimidade e recurses a0 longo da década de eitenta, ao
passe que os Executives estaduais ganharam peder nos campos
politico e ecenémice, precesso este iniciado pelas eleicées de 1982
e coreade pela ordem legal criada pela Constituicao de 1988. O
enfraquecimente da Uniae ecerreu concomitantemente a fragi—
lizacao da Presidéncia da Republica, nucleo do sistema pelitico
brasileiro durante décadas, enquante se fertaleciam es gover-
nadores de estado.
Estes fateres interligam-se criande 1150 so incentives para
fertalecer es governaderes come também para constituir um re-
lacionamente intergovernamental nae—cooperative, seja entre
es estados e a Uniae seja dos estades entre si. Fermeu—se assim,,
ne periode da redemocratizagae, um federalisme estadualista,
no qual es estades se fortaleceram sem ne entanto estabelece-
rem coalizfies hegeménicas de peder no plane nacienal para re-'
censtruir e Estade e e sistema politico. A0 centrarie, es governa-
dores e es lideres regionais semente se uniram para defender as
cenquistas obtidas, estabelecende coalizoes de veto as mudan-
gas propestas pele Geverno Federal durante 0s mandates de José
Sarney e Fernando Cellor de Mello, censeguindo resistir tam—
bém per quase tede e periede do geverno de Itamar Franco.
Se 0 federalisme estadualista explica em grande medida e
pederie dos gevernadores no plane nacienal, no ambito interno
des estades a forca des chefes dos Executives estaduais resulteu
da fermacae de um sistema pelitico ultrapresidencialista. 0 ul-
trapresidencialismo estadual brasileire censtituide na redemo—
cratizacae tinha trés caracteristicas basicas: a) 0 Executive con-
trelava e precesso decisério em teda a sua extensao; b) es eutres
Poderes nae censtituiam checks and balances sobre o Executi-
ve; c) o governader era 0 verdadeiro centre das decisees do go-
verno, nae havendo a dispersae de peder que acentecia no nivel
federal na relacao entre presidente e ministros“.

5 As pressees partidarias e regionais ebrigam 0 presidente a fermar


ulna grande cealizao para governar, gerande um ministério bastan-
te heteregénee, formande o que Sérgie Abranches denomina de pre—
24 | Introducéio

A dinamica ultrapresidencialista estadual tornava OS gover-


nadores fortissimos perante a classe politica local, que normal-
mente aderia e apoiava o governo estadual. Os chefes dos Exe-
cutivos estaduais governavam quase sem oposigao, e 05 atos desta
dificilmente alteravam as decisoes governamentais. Além dis-
so, 0 ultrapresidencialismo garantia boa margem de manobra
para que as governadorias controlassern as bases politicas dos
lideres locais. Concluindo, a politica nos estados brasileiros de
fato girou em torno do governador. Das caracteristicas do poder
dos governadores durante a redemocratizagao, o ultrapresiden-
cialismo é a que mais persiste e por enquanto néio ha nenhuma
agao dentro do sistema politico que sinalize para a alteragao
desta situagao.
Na verdade, foi a combinagfio entre o federalismo estadualis-
ta 9 o ultrapresidencialismo estadual que propiciou o fortaleci-
mento dos governadores na redemocratizagao. Isso porque, por
exemplo, o aumento de recursos financeiros ou o nao—pagamen—
to de dividas com a Uniao forneceram melhores condigoes para
que os Executivos estaduais distribuissem verbas e/ou cons—
truissem obras para cooptar o grande contingente de governis-
tas existentes nos estados; por outro lado, o rigido controle que
os governadores buscaram exercer sobre as bases politicas lo-
cais se refletiu por diversas vezes na agao dos deputados fede—
rais, especificamente quando votavam projetos que poderiam
alterar a estrutura federativa, extremamente favoravel aos in—
teresses dos chefes dos Executivos estaduais.
Atualmente, no entanto, esta ocorrendo urn fortalecimento
da Uniao no plano intergovernamental, colocando em xeque o
federalismo estadualista. O ultrapresidencialismo estadual con-
tinua a pleno vapor, porém. E por isso o “modelo do baronato”
nao foi realmente destruido e pode, inclusive, recuperar-se mais
adiante caso o Governo Federal entre numa nova crise e/ou as
finangas estaduais sejam saneadas.
Para compreender o processo de fortalecimento dos governa-

sidencialismo de coalizao (Abranches, 1988). Essa grande coalizao


tem como resultado um processo de autonomizagao dos ministérios
perante a Presidéncia, enfraquecendo o comando politico do presi-
dente. Tratarei mais detidamente deste assunto no Capitulo 4.
Introdugfio | 25

dores durante a redemocratizagao, buscar-se—a atingir trés 0b-


jetivos: explorar sistematicamente as hipoteses explicativas do
federalismo estadualista e do ultrapresidencialismo estadual,
descrever como os governadores fizeram para manter estas duas
estruturas funcionando -— particularmente no periodo 1991-94
—— e analisar as razoes da atual crise dos governos estaduais, a
fim de entender o que de fato esta mudando e o que continua
favorecendo aos governadores. Para tanto, o trabalho divide-se
em cinco capitulos. No primeiro, fago uma breve analise do de—
senvolvimento do federalismo brasileiro, procurando entender
as origens e a evolueao do poder dos governadores até o golpe de
1964; no segundo, analiso o fracasso do regime militar em des-
truir a légica estadualista da classe politica brasileira e em con-
trolar por complete 0 poder das governadorias e, no ponto mais
importante deste capitulo, estudo a origem e as caracteristicas
do processo de fortalecimento dos governadores na redemocra-
tizaqéo; n0 terceiro, descrevo 0 poderio dos governadores em
quinze estados da Federagao no quadriénio 1991-1994 e investi-
go as causas deste fenomeno; no quarto, examino a atuagao dos
governadores no plano nacional apés a Constituigao de 1988,
tanto no relacionamento com o presidente da Repfiblica como
na disputa nao—cooperativa estabelecida entre os estados; e na
conclusao, analiso as causas que levaram as governadorias a
uma gigantesca crise financeira e administrativa, bem como
mostro o que os governadores mantiveram como fontes de po-
der ainda n50 atingidas pela recente mudanga no péndulo fe—
derativo em favor do Executive Federal.

ale-169K

Antes de entrar na analiso histérica propriamente dita, é im-


portante expor rapidamente a base conceitua] que orienta esta
analise sobre o federalismo brasileiroG. Busca-se, com esta bre-
ve discussao, mostrar o quao essencial é para uma Federaeao

‘3 Nao pretendo aqui esgotar a discussao téorica sobre o assunto pois


ja o fiz em outras ocasioes (Abrucio, 1995 e Abrucio, 1996). Além
disso, neste livro concentro-me na discuss-£10 historica sobre o po-
der dos governadores no Brasil, o que nao me permite maiores de—
bates conceituais sobre a questao federativa.
26 | Introdugfio

constituir mecanismos democraticos e republicanos, os quais


estao de modo geral ausentes da experiéncia federativa brasi-
leira recente.
A distribuicao territorial de poder constitui—se hoje num dos
principais temas da ciéncia politica contemporanea e da teoria
democratica (cf. Lijphart, 1989). O federalismo é uma das solu-
cfies mais bem-sucedidas para equacionar democraticamente o
conflito entre os niveis de governo em paises onde a existéncia
de diversidade regional e/ou étnica soma—se a0 desejo de autogo—
verno por parte das unidades subnacionais (King, 1982; Smith,
1985 & Gagnon, 1993). Mesmo nacfies que nao adotam o fede-
ralismo, mas que convivem com um nfimero elevado de deman-
das por autonomia local e de conflitos intergovernamentais, tém
se utilizado de mecanismos federativos para resolver os seus
problemas — o caso italiano é paradigmatico neste sentido (cf.
Putnam, 1996). Mas o que garante o éxito dos arranjos federa-
tivos? Basicamente, a manutencao de trés condigoes: a existen-
cia de um contrato federativo garantido por um solido arcabougo
institucional, a convivéncia entre os principios da autonomia e
da interdependéncia e a republicanizacao da esfera pfiblica, so-
bretudo no plano subnacional.
O estabelecimento de um contrato federativo é o passo inicial
para se constituir uma Federacao, como bem demonstra a expe—
riéncia do federalismo americano, construido sob a base da Cons-
tituicao7. Como bem define Daniel Elazar:
“O termo ‘federal’ é derivado do latim foedus, o qual [...] sig-
nifica pacto. Em esséncia, um arranjo federal é uma parceria,
estabelecida e regulada por um pacto, cujas conexoes internas
refletem um tipo especial de divisao de poder entre os parceiros,
baseada no reconhecimento mfituo da integridade de cada um e
no esforco de favorecer uma unidade especial entre eles” (Ela-
zar, 1987:5).
Este contrato federativo deve ser referendado pelos partici-
pantes do pacto, que desejam manter parte dos seus antigos

7 Em seu classico livro sobre as democracias modernas, Lipjhart


mostra que todas as federacoes tém uma Constituicao escrita, ca-
paz de garantir o contrato federativo (Lijphart, 19892225). Sobre
esse assunto, ver também Abrucio, 1996.
lntroducio | 27

direitos e, ao mesmo tempo, estabelecer uma uniéo entre eles


capaz de assegurar a paz interna e externa, bem como poten—
cializar a consecueao dos interesses comuns. Ressalte-se que este
contrato federativo somente se sustenta ao longo do tempo caso
haja instituig’oes fortes para protege-lo.
Seguindo ainda o raciocinio de Elazar, o federalismo seria
definido, portanto, pela formulaself-rule plus shared rule. A ple-
na realizaeao desta formula somente é garantida mantendo—se
(1) o maior grau possivel de autogoverno (principle da autono-
mia) e (2) um relacionamento intergovernamental que permita
a compatibilizaqéio entre os direitos de cada ente federativo e a
soma dos interesses presentes na Federagao (principio da inter-
dependéncia). Nfie pode haver uma dissociagé‘io entre estes dois
principios.
O principio da autonomia sustenta—se na difusao de muitos
centres de poder, ancorados na soberania popular e no controle
Imituo (Almeida, 1996215). De modo que uma federagao demo-
cratica tem de garantir a autonomia de todos os entes federati—
vos e no plane intergovernamental criar mecanismos institucio—
nais de controle de uma esfera de poder sobre a(s) outra(s), eS«
tabelecendo, nos termos dos autores d’O Federalism, checks and
balances, a fim de evitar a tirania de um nivel de governo sobre
os demais (Madison, Hamilton & Jay, 1984:4119).
A autonomia e a competiqao entre os entes federativos por
meio d0 controle mfituo néo garantem por si sés o sucesso do
arranjo federativo. E igualmente necessario assegurar o princi-
pio da interdependéncia, que por sua vez depende da adogao da
negociagao permanente entre as insténcias de governo e da busca
da cooperagao come mecanismos de resolugao dos conflitos. Afi-
nal, como argumenta Alain Gagnon, “o sucesso do sistema fe-
derativo na'o é medido em termos de eliminagdo dos conflitos
sociais mas por sua capacidade de regular e administrar estes
mesmos conflitos” (Gagnon, 1993:15 — grifo meu).
Com efeito, analisando a logica dos principios da autonomia
e da interdependéncia e novamente de acordo com Daniel Ela-
zar, pode-se afirmar que “todo sistema federal, para ser bem
sucedido, deve desenvolver um equilibrio adequado entre coo-
peragdo e competigdo, e entre o governo nacional e seus compo- :
nentes (Elazar, 19932193 —— grifo meu). Em sintese, o sucesso de
uma Federagao dependera da constituigao de um jogo de com-

\x,
28 I Introduciio

petigao-cooperativa entre os seus integrantes. Pelas caracteris—


ticas apresentadas, o arranjo federativo exitoso é democratico
por exceléncia, enfrentando os mesmos desafios e propondo so—
lugées semelhantes as preconizadas pelas modernas teorias da
democracia.
Além de democratico, 0 Sistema federativo bem-sucedido sera
aquele que tornar mais republicana a esfera publica. Alias, o
primeiro federalismo moderno, 0 americano, nasce intrinseca-
mente ligado a idéia de republica, forma de governo considera-
da ideal nos célebres artigos de Madison, Hamilton e Jay, escri-
tos entre 1787 e 1788 e que constituiram o classico O Federalis-
tag. 0 governo republicano alicerga—se na soberania popular 8
deve estar Vinculado ao controle do poder, seja por meio dos
checks and balances entre os Poderes, seja porque o republica—
nismo parte do pressuposto de que o poder pertence e advém da
sociedade, de modo que nao ha “donos do poder”, num sentido
patrimonial, mas ha coisa pfiblica, e todos os cidadaos devem
ser incentivados a participar da politica e a preservar o sentido
publico do Estado.
O federalismo republicano, desse modo, baseia-se no governo
do povo e nao 36 para o povo, e para que isso acontega deve
haver 0 maior numero possivel de espagos institucionais publi-
cos para serem preenchidos pelos cidadaos, sobretudo nos ni—
veis subnacionais de governo. Conclui-se entao, como ja havia
feito Tocqueville em seu célebreA Democracia na América, que
OS loci por exceléncia do aprendizado republicano 3510 o poder
local e 0 m’vel estadual.
E este o ponto fundamental que leva um arranjo federativo
a0 sucesso, uma vez que tanto a classe politica como os cidadaos
tém seus processos de socializagao politica realizados nos niveis
subnacionais de governo. Nos Estados Unidos, pais com mais de
80 mil governos — em razao dos diversos tipos de governo local
que la existem —, a populagao elege 504.404 autoridades, uma
para cada 182 eleitores (Osborne & Gaebler, 1994:77). No ambi-

8 Além da Vinculagao entre federalismo e republica ser facilmente


perceptivel em 0 Federalista, varies teoricos modernos do federalis-
mo defendem essa posigao, tais como Daniel Elazar e Vicent Ostrom.
Consultar Elazar (1987) e Ostrom (1991).
Introdugfio | 29

to estadual, 0 governador e 03 deputados estaduais n50 séio os


finicos cargos pL’lblicos com real poder que estfio em disputa nas
eleigoes. Nos estados americanos estao em jogo mais de 500 car-
gos eletivos, incluindo 43 procuradores—geraisg, 42 vices-gover-
nadores10 e trinta e seis secretarios de estado, além de varios
cargos de diretor de agencies pfiblicas (Beyle, 19912118). A exis-
téncia destes varios cargos pfiblicos republicaniza o poder por-
que aumenta a participagao da sociedade dentro do Poder P11-
blico, ao mesmo tempo em que também multiplica as formas
institucionais de controle do Estado, ou seja, torna mais efeti-
vos OS checks and balances do sistema.
A republicanizagao do poder no nivel subnacional nao é asse-
gurada apenas com o aumento do mirnero de cargos pfiblicos
que podem ser preenchidos pela populagao. A relagao entre os
Poderes também deve ser eqfiipotente, para que de fato a sobe-
rania popular se prolongue no controle continuo do poder. Ana-
lisando novamente o caso americano, no nivel estadual a rela-
eao entre os Poderes foi reequilibrada ao longo deste século, ja
que originalmente os Legislativos estaduais dominavam Clara—
mente a politica estadual“, e o governador era uma figura fra—
quissima. Esta falta de checks and balances dava maiores pos-
sibilidades para a existéncia de praticas de corrupgao no Legis-
lativo, especialmente nos estados do Sul”. Em suma, se um Po-
der for muito mais forte do que os demais ou controla-los inte—
gralmente, o governo nao segue o principio republicano.
Passando do referencial teérico a experiéncia brasileira, per—

Segundo Jeffrey Elliot & Sheikh Ali, na maior parte dos estados, o
procurador-geral é o segundo cargo mais importante na politica
estadual, perdendo em poder apenas para o governador (Elliot &
Ali, 1988:123).
1” Na maioria das vezes, os vices-governadores nao sao eleitos juntos
com o governador. Isso faz com eles sejam politicamente indepen-
dentes com relagéio ao governador. Além disso, em alguns estados
OS vices-governadores possuem real poder em certas areas da ad-
ministragao pflblica, aumentando a importancia deles no jogo poli-
tico estadual.
“ Cf. Bowman & Kearney, 1986:76.
12 Sobre a corrupgao endémica que vigorava no sul dos EUA, ver 0
classico trabalho de V. O. Kloy (1949).
30 | Introducfio

cebe—se que as condigoes garantidoras do sucesso do arranjo fe-


derativo estiveram praticamente ausentes de nossa historia e
hoje as que existem séo, no minimo, insuficientes. A combina— '
géo entre a autonomia dos governos subnacionais e a interde-
pendéncia entre os niveis de governo n50 tem sido alcangada.
Ora vivemos em periodos marcados pela irresponsabilidade dos
estados, ora vivemos fases de forte centralizagz’io — por muitas
vezes autoritéria —, e em ambos os pactos federativos estabele-
cidos n50 séio capazes de engendrar relagoes intergovernamen-
tais cooperativas e baseadas no controls m1’1tuo. Nossa Federa-
géo, em suma, é marcada por uma distribuigéo desequilibrada
de poder, cuja conseqfléncia mais deletéria encontra—se na per—
versa relagéo estabelecida entre 0s interesses regionais e o in—
teresse nacional. Caciques regionais e presidentes imperiais
talvez sejam filhos do mesmo pai: o frégil contrato federativo
brasileiro.
Contudo, o pior aspecto da Federagéo brasileira, e que em
grands medida é a origem de todos os outros males, néo esté no
plano das relagoes intergovernamentais. Trata—se da néio-repu-
blicanizagéo do sistema politico estadual. Tal fenomeno néo so-
mente prejudica o bom funcionamento da Federagéo, mas, so-
bretudo, constitui-se em um dos grandes problemas da demo—
cracia brasileira. E o que veremos a seguir, analisando o poder
dos governadores.
Capitulo I

A FORMAcAo
DO FEDERALISMO BRASILEIRO

O objetivo deste capitulo é fazer um breve historico da forma—


9510 do federalismo no Brasil, analisando desde sua origem, na
Repfiblica Velha, até a experiéncia do periodo 45/64. De modo
geral, trato dos dilemas fundantes da Federagao, especialmente
do permanente conflito entre as forgas regionais e o Poder Cen—
tral. Neste embate, o papel dos governadores foi fundamental
na maior parte do periodo. Mesmo a experiéncia do Estado Novo,
quando as interventorias foram instauradas, representou mui—
to mais a fraqueza do Governo Federal em lidar com as gover-
nadorias em periodos competitivos.

Origens do federalismo brasileiro

Um dos dilemas constitutivos da formagao e desenvolvimen—


to do Estado nacional no Brasil é 0 da centralizagao versus a
descentralizaqao do poder. A colonizagao portuguesa nao conse-
guiu criar uma centralizagao politico-administrativa capaz de
aglutinar e ordenar a 51950 dos grupos privados instalados nas
diversas regioes que compunham o territério brasileiro. Além
do mais, o inter—relacionamento entre estas regioes era fragil-
mente estabelecido (Carvalho, 1993:54). Com a independéncia
e mais especificamente com o Segundo Reinado, a solugao impe-
rial e unitaria foi a vencedora, permitindo a formagao de um
Poder Central forte e evitando que o Brasil seguisse 0 caminho
fragmentador da America hispanica. O legado do Império foi,
neste sentido, a manutengao da unidade territorial, a busca da
31
32 | A formacz'io do federalismo brasileiro

constituicao de um sentimento de nacionalidade e, acirna de tudo,


a criacao de um duradouro consenso entre as elites a respeito
da necessidade de uma efetiva autoridade central (Merquior,
1992:397). Mas com a paulatina destruicao dos alicerces do Im—
pério — sobretudo da escravidao —, o conflito entre centraliza—
950 e descentralizacao do poder viria a tona na forma de reivin-
dicacoes federativas.
Somente com a Constituicao de 1891, definidora da nova or—
dem republicana, foi adotada a estrutura federativa, rompen—
do—se com a tradicao do unitarismo imperial. Embora o prin-
cipal idealizador da implantacao da estrutura federativa, Rui
Barbosa, tivesse em mente o modelo americano, as origens e a
forma assumida pelo federalismo brasileiro foram bem distin-
tas. A0 contrario da experiéncia americana, em que havia uni—
dades territoriais autonomas antes do surgimento da Uniao, no
Brasil, como notara Rui Barbosa, “[...] tivemos Uniao antes de
ter estados, tivemos o todo antes das partes’”. E mais: o federa—
lismo brasileiro nasceu, em grande medida, do descontentamento
ante o centralismo imperial, ou seja, em prol da descentraliza—
9510, o que deu um sentido especial a palavra federalismo para o
vocabulario politico brasileiro, que persiste até hoje. Joao Ca-
milo de Oliveira Torres definiu bem esta situacao:
“Afinal, federalismo entre nos quer dizer apego a0 espirito
de autonomia; nos Estados Unidos, associacao de estados para
defesa comum” (Torres, 1961:153).
De fato, das varias causas que contribuiram para o ocaso do
império, uma das mais importantes foi o descontentamento das
provincias com a centralizacao monarquica, em termos politicos
e financeiros. Porém, a luta pela autonomia provincial em ter—
mos financeiros mobilizava de forma diferenciada as Varias pro-
vincias, pois elas tinham interesses e situacoes economicas b‘em
diversas. Se de um lado interessava a todas eliminar a cen-
tralizacao fiscal existente, por outro havia acusacoes mfituas
acerca de quem se beneficiava da estrutura tributaria do Im-

1 Apud Torres, 1961:20. Disse ainda Rui Barbosa: “Nao somos uma
federacao (1e povos até ontem separados e reunidos do ontem para
hoje. Pelo contrario, e da Uniao que partimos. Na Uniao nascemos”
(apud Torres, 1961:22).
A formagfio do federalismo brasileiro | 33

pério”. O problema das desigualdades economicas regionais, j a


no nascedouro da Repiiblica, impossibilitou a uniao de todas as
provincias em torno de um projeto comum de reforma tribu-
taria.
A bandcira da autonomia financeira beneficiara desigualmen-
te as unidades da Federacao, pois 0 projeto dc discriminacao
das rendas vitorioso na Assembléia Constituinte trara ganhos
basicamente aos estados exportadores —— SE10 Paulo, Minas Ge-
rais, Rio de Janeiro, Bahia, Para 0 Amazonas. O conceito de
autonomia financeira servira basicamente aos estados mais ri—
cos —— particularmente Sfio Paulo —, deixando claro o carater
originalmente hierarquico da Federacao brasilcira.
Mas era na questéio da autonomia politica que todas as pro-
vincias, sem excecao, se uniram em prol do projeto federalista,
porque so neste aspecto poderia haver uma “equalizacao” dos
beneficios a todas as unidades da federacao. Autonomia politica
significava acabar com 0 controle que o Poder Central tinha so-
bre as eleigoes locais e, sobretudo, garantir a eletividade dos
antigos presidentes de provincia, transformados em governa-
dores de estado.
Face a fraqueza do Estado nacional em controlar todo o ter—
ritério brasilciro, a engenharia institucional do Império fez do
presidente de provincia o 010 entre o governo central e as bases
politicas locais. Para manter o controle do sistema politico, a
elite monarquica tornou a nomeacao do presidents de provincia
atributo do Poder Central. Ao presidents do provincia cabia a
fungao de garantir a maioria politica a0 grupo que estivesse no
podcr, fosse do Partido Conservador, fosse do Partido Liberal
(Oliveira Vianna, 1987:222—3).

’~ “Tanto o Norte come 0 Sul, por motivos distintos, tendiam a so in-


' }

surgir contra a centralizacao fiscal. [...]. As provincias do norte e


nordeste apegavam-se a questao dos saldos provinciais (diferenca
entre a renda arrecadada e 0 gasto cfctuado na provincia pelo go-
verno central) acusando o governo imperial de explorar as provin—
cias do norte em beneficio das ja prosper-as provincias do centro—sul
ou na defesa militar (caso do Rio Grande do Sul). Séo Paulo, por
sua vez desenvolvia o argumento em favor da riqueza crescente
gerada pelo cafe que nao sc mantinha na provincia, expropriada
em favor das regioes parasitarias e decadentes do Nordestc” (Cos-
ta, 199424).
34 | A formacfio do federalismo brasileiro

O presidente de provincia tinha varios instrumentos para co-


Optar a classe politica local: primeiro, designava as autoridades
municipais, sendo os postos policiais (delegados, subdelegados)
os mais importantes; segundo, tinha um enorme poder de no-
meacao para empregos pflblicos; terceiro, indicava 0s nomes para
0 Poder Central de quem poderia ocupar cargos na Guarda Na—
cional e obter os titulos nobiliarquicos, tao cobicados pelos gran-
des fazendeiros (Graham, 1997).
Os grupos politicos locais desejavam a instituicao da eleicao
para presidente de provincia nao so por causa do poder que aque-
le cargo possul’a; havia também 0 problema da alta rotatividade
da administracao provincial, pois “ [...] 0s presidentes [de provin—
cias] mandados da Corte so ficavam o tempo preciso para ga-
rantir o predominio da orientacao partidaria do ministério no
poder” (Holanda, 197229)”. Essa situacao gerava inseguranca aos
membros da elite local, que, mal comparando, poderiam dormir
estando na situacao e acordar na oposicao.
A autonomia politica requerida pelas provincias significava,
portanto, o controle seguro do processo de eleicao do presidente
da provincia pela prépria elite politica da regiao. O que se tra-
duzia institucionalmente na luta pela conquista da eletividade
dos futuros governadores de estado. Para J050 Camilo de Oli—
veira Torres, “a Federacao era o nome, a figura e o retulo ideo—
légico para esta aspiracao concreta e obj etiva: a eleicao dos pre-
sidentes [de provincia]” (Torres, 1961:153).
Em suma, a federagao brasileira tern em sua origem dois pa-
rametros basicos: uma hierarquia de importancia dos estados
dentro da Federacao, que determinara o predominio de 8510 Paulo
e Minas Gerais no plano nacional; e a garantia de que no ambito
interno dos estados a elite local comandara por si 36 o processo
politico, determinando autonomamente as regras do jogo eleito-

3 Simon Schwartzman nota ainda que nao era necessario a0 presi-


dente ser natural da provincia que governava ou estar de alguma
forma com ela relacionado. Era comum se ter um mesmo politico
ocupando a presidéncia de varias provincias cm sua carreira
(Schwartzman, 19882106). Ademais, Francisco Iglésias fez um es-
tudo sobre a administracao provincial mineira e mostrou que num
intervalo de tempo do 65 anos houve 122 periodos presidenciais, O
que configurava uma média dc pouco mais de scis moses para cada
administracao provincial (Iglésias, 1958:47).
A formacfio do federalismo brasileiro | 35

ral, sem a ameaga das “derrubadas” impostas pelo governo im-


perial. A partir doste momento histérico, as maquinas politicas
estaduais serao pegas fundamentais no tabuleiro politico do pais.
E nesse tabuleiro, a obtengéio do cargo de governador podia real-
mente consistir num verdadeiro xeque-mate nos adversarios.

As caracteristicas e o desenvolvimento do federalismo


na Primeira Repflblica: a“politica dos governadores”

Apés o periodo turbulento dos governos militares, o modelo


de Campos Sales, intitulado lapidarmente de “politica dos go-
vernadores”, consolida o pacto federativo instituido formalmen-
te pela Constituigao de 1891. Em linhas bem gerais, 0s princi-
pais aspectos da “politica dos governadores” sao resumidos a
seguir:
a) Os governadores de estado erarn os atores mais importan-
tes do sistema politico, seja no ambito nacional, seja no plano
estadual;
b) A constituigao do poder nacional, por meio das eleieoes pre-
sidenciais, passava por um acordo entre os principais estados
da Federagao, Séo Paulo e Minas Gerais, e mais especificamen-
te pelos governadores desses estados. Os estados médios, como
0 Rio Grande do Sul, 0 Rio de Janeiro e a Bahia, influenciavam
o pleito nacional a medida que houvesse alguma dissensao en-
tre os parceiros do pacto do “café com leite”. Em apenas uma
eleigao, a de Hermes da Fonseca, o esquema nao funcionou ple-
namente.
Mas a definigao do poder nacional passava ainda pelo con—
trole do Legislativo federal pelos governadores. Como os de—
putados se elegiam em pleitos determinados pelos Executivos
estaduais, de forma legal ou 11510, as bancadas no Congresso tor-
naram-se retratos do poder dos chefes politicos estaduais (Tor-
res, op. cit.:162).
c) Embora o presidente ocupasse no modelo Campos Sales 0
lugar de Poder Moderador, de fato ele nao tinha a forqa neces-
saria para exercer este papel, especialmente quando havia con—
flitos com os grandes estados. Mesmo no periodo das “salvagoes”,
no governo de Hermes da Fonseca, as intervengoes do Governo
Federal nao atingiram os estados mais importantes da Federa-
gao.
36 | A formacfio do federalismo brasileiro

Entretanto, havia uma importante funcéio a ser exercida pelo


presidente da Repfiblica: garantir a supremacia das oligarquias
estaduais no Congresso Nacional por intermédio da chamada
verificacao dos poderes, que consistia no processo de diploma—
cao dos deputados. O presidente da Repi’lblica tinha poder neste
processo porque era 0 presidente da Camara da legislatura an-
terior, sempre ligado ao chefe do Executive Federal, que definia
a composicao da Comissao incumbida de fazer a “degola”, isto é,
a impugnacéio de candidates oposicionistas eleitos.
Garantindo a supremacia das oligarquias estaduais na Céi-
mara, o Executivo Federal obtinha uma relacao amena com o
Legislativo, que atuava em conformidade com o presidente da
Repfiblica. Isto era uma grande conquista, ja que no periodo
militar a tonica foi 0 conflito exacerbado entre o Executivo e 0
Legislativo. Mas a origem desta forca d0 presidente perante a0
Congresso residia no acordo com os estados mais fortes na ba—
lanca federativa de poder. Como observa Renato Lessa, “[...] o
presidente falava diretamente aos estados e o comportamento
do legislativo seré funcao da extensao do acordo entre aquelas
partes” (Lessa, 1988:107).
O raio de acao do presidente e do Executivo Federal, contudo,
n50 era inexistente. O Governo Federal era mais forte diante
dos pequenos estados, até porque estes participavam como ato-
res menores nas aliancas interestaduais definidoras do poder
nacional e dependiam muito dos recursos da Uniao para sobre-
viver. Com 0 apoio desses estados, 0 presidente aumentava o
seu cacife, mas nao a ponto de enfrentar os grandes estados.
Mas os instrumentos de atuacao politica e econémica da Uniao
foram crescendo ao longo da Primeira Repfiblica a medida que
Séo Paulo, principal forca da Federacéo, precisava da centrali-
zacao de alguns mecanismos administrativos e financeiros rela-
cionados aos interesses cafeeiros. Se inicialmente estes meca-
nismos centralizados existiam apenas para satisfazer aos inte-
resse paulistas, com o passar d0 tempo a Uniao foi adquirindo o
controle deles, o que a favorecia enquanto ator governamental.
Por isso, no fim da Repfiblica Velha, ficou cada vez mais patentc
a necessidade de 8510 Paulo obter a Presidéncia da Repfiblica, a
fim de melhor resguardar seus interesses.
d) A inexisténcia de partidos nacionais fortalecia ainda mais
a situacao dos governadores. Contrastando com a forte presen-
A formacfio do federalismo brasileiro | 37

9a dos partidos nacionais no Império, o poder na Primeira Re—


pfiblica estava nas maos dos partidos estaduais, sendo que, via
de regra, em cada estado havia um sistema unipartidario.
Mesrno nos movimentos de carater nacional que eclodiram
contra o sistema oligarquico—estadualista, como a campanha ci—
vilista ou o movimento tenentista, a organizagzao nae se deu por
intermédio de partidos. Assim, a defesa de instituiqées partida-
rias néo era feita nem por aqueles que queriam derrubar 0 mos
delo politico da Primeira Repfiblica.
e) O pacto da “politica dos governadores” perpetuou n0 poder
todas as oligarquias estaduais que ali estavam no governo Cam-
pos Sales, O que significou, na feliz expressao de Renato Lessa, o
congelamento da competigéo nos estados (Lessa, 1988: 109). Em
Minas Gerais e em 8210 Paulo, os partidos republicanos locais
dominaram a politica por todo 0 periodo; no Rio Grande do Sul,
Borges de Medeiros ficaria no poder per 25 anos; n0 Norte e
Nordeste, grupos familiares L’Inicos comandavam estado intei—
ros, tal como era 0 case dos Acioly n0 Ceara. Segundo Rui Bar-
bosa, a politica nos estados era guiada pelo “ [...] absolutismo de
uma oligarquia tao opressiva em cada um de seus feudos quan-
to a dos mandarins e dos paxas” (apud Lessa, op. cit.:109).
f) Em suma, para se entender a “politica dos governadores”, 0
mais importante é estudar 0 significado politico da transforma-
950 do presidente de provincia em governador de estado. Como
relata Vitor Nunes Leal:
“N0 lugar do todo poderoso presidente de provincia, viria
instalar—se o todo poderoso governador de Estado. [...] A con—
centragao d0 poder continuava a processar—se na érbita es-
tadual exatamente como no Império; mas, como a eleig‘ao do
governador de Estado nae dependia tao puramente de vonta-
do do centro como outrora a nomeagzéio do presidente de pro—
vincia, o chefe do governo federal so tinha duas alternativas:
ou declarar as situagées estaduais, ou compor—se com elas num
sistema de compromisso que, simultaneamcnte, consolidasse
o governo federal e os estaduais”.
E diz mais adiante Vitor Nunes:
“Se (na Repfiblica Velha) um conflito entre um governo
estadual e 0 federal s6 poderia ser removido pelo acordo, pela
intervengao ou pela revoluqfio, no Império, um simples decre-
to poria no lugar o delegado mais capaz de trazer ao parla-
38 | A formacio do federalismo brasileiro

mento 0s deputados preferidos polo gabinete do dia” (Leal,


1986:101 e 247).
Esta independencia adquirida pelo poder estadual, traduzi-
da na eleicao do governador, foi a base original do fedoralismo
brasileiro. Por tras deste poder da esfera estadual estava 0 con—
trole sobre os votos, adquirido através de um compromisso com
o poder local, ou melhor dizendo, com os chefes politicos locais,
os “coronéis”. Se no plano nacional vigorava o pacto da “politica
dos governadores”, no nivel estadual imperava o compromisso
entre o Poder pfiblico estadual e 0s “coronéis”. Nos dois tipos de
relacionamento o elo mais forte era 0 governador.
O controle politico que o governador exercia sobre 0 poder
local acontecia por trés razoes: primeiro porquo o poder federal,
ainda muito fragil, pouco competia com os estados no processo
de conquista de apoio dos chefes politicos locais. Segundo, a base
legal da Repfiblica Velha dava pouca autonomia politica e fi-
nanceira aos municipios, o que redundava em dependéncia poli—
tica e economica do poder local para com o governador.
Em terceiro lugar, para a maquina estadual obter o apoio dos
chefes politicos locais e, conseqflentemente, o voto do grande
contingente populacional rural, era necessario firmar o chama—
do compromisso coronelista. Este compromisso tinha urn duplo
aspecto: de um lado, o poder oligarquico privado, decadente eco—
nomicamente, dependia do governo estadual, seja para obter
recursos estatais para si e para seus favorecidos, seja para ga~
rantir, por meios “legais” on n50, a seguranca de seus aliados
nas lutas de faccoes; de outro, o governo estadual precisava que
os coronéis arrebanhassem a populacao para votar nos candida-
tos do governo para cargos estaduais e federais. Conforme a for—
mula consagrada de Vitor Nunes Leal, este era um sistema po-
litico dominado “por uma relacao de compromisso entre o poder
privado decadente e o poder pfiblico fortalecido’“.

" Leal, op. cit.:252. Vitor Nunes Lea] ainda descreve o “coronelismo”
como um sistema de reciprocidade, em que “de um lado, 0s chefes
municipais e as ‘coronéis’, que conduzem magotes de eleitores como
qucm toca trOpa de burros; de outro lado, a situacao politica domi-
nante no Estado, que dispée do erario, dos empregos, dos favores
e
da forca policial, que possui, cm suma, o cofre das gracas e o poder
das desgracas” (p. 43).
A formacfio do federalisme brasileire | 39

Peder publice fertalecide significava maquinas publicas es-


taduais fertalecidas. O Peder Executive estadual, e mais espe—
cificamente o gevernador, determinava a logica do sistema, tan—
te em relagao aes “cerenéis”, come também sobre 0 Legislative e
o Judiciarie estaduais (Camargo, 199223). Tao forte era 0 poder
do gevernador que, simbolicamente, em dez dos vinte estades
da Federagae ele era chamade de presidente (Lewandewski,
1990:31).
O gevernador tinha, basicamente, deis fortes instrumentes
de persuasao pelitica: o aparate pelicial e es empregos publicos.
Com relagao ao aparato policial, a Constituigao de 1891 deixeu
a cargo dos estades a organizagae do aparelhe pelicial. Desde e
Impérie a policia ja era usada para fins partidarios. Iste conti-
nueu na Republica Velha, mas com duas diferengas: a partir
daquele memento a pelicia ficeu nas maes das situagfies esta-
duais, nae obedecendo mais ae cemande do Peder Central, e seu
obj etivo seria manter o unipartidarisme a todo custo, acirrande
e carater violento da disputa local. Dessa forma, nunca e ditado
“aos amigos tude, aos inimiges a lei” — leia-se: a policia ——-— valeu
tante como me Primeira Republica, sebretudo perque houve um
“cengelamente” da competigao politica, o que inviabilizou a exis-
téncia de qualquer epesigao.
A importancia do peder pelicial era tanta que es principais
estades da Federagao organizaram verdadeires exércitos esta—
duais, a fim de evitar qualquer tentativa de intervengae militar
da Uniae e assim mantende a extrema autonomia adquirida na
Constituigao de 1891. Come bem observeu Afranie de Carvalhe,
“[...] tae ciosos se mostravam es grandes Estades na guarda de
sua autenomia, dentro da cidadela censtitucienal, que S‘Eio Pau-
le teve na sua forga pfiblica uma missae militar francesa antes
que a Unié‘ie recebesse a sua. A brigada militar do Rio Grande
do Sul possuia notéria elasticidade com os “batalhées proviso-
rios” (Carvalho, 1978t6).
0 Executive estadual contava ainda com a distribuigao de
emprege publico para arrebanhar eleitores. A falta de pers-
pectivas de trabalhe em varias regioes do pais estimulava 0
use deste instrumente. O beneficiarie do emprege ficava com—
premetide com seu pretetor pelitice, tendo a incumbéncia do
apeia-le politicamente. Formava-se uma rede de lealdade sus-
tentada pela intermediagae estatal. Comegava ai, ainda que
40 | A formagfio do federalismo brasileiro

de forma embrionaria, a instalaeao do moderno clientelismo.


Deste breve balaneo sobre o federalismo na Repflblica Velha
conclui—se que 110 plane das relagées federativas predominava a
forga dos govemadores dos estados mais ricos da nagao, enquanto
no plano interno dos estados predominava a figura do governa—
dor e de “sua” maquina politica estadual. Este modelo teve trés
conseqfiéncias importantes. Uma é a forea com que nasce 0 car—
go de governador de estado no Brasil. 0 poder do governador
surgiu a partir de sua influéncia sobre a circunscrigao eleitoral
estadual, de forma oligarquica e acima dos partidos. Este poder
sofrera mudangas ao longo do século, porém, continuara alicer—
gado na influéncia do Executivo estadual sobre as bases politi-
cas locais.
O surgimento da estrutura federativa no Brasil também nae
conseguiu estabelecer uma relagao de interdependéncia entre a
Uniao e 08 estados. Havia um desequilibrio federativo acentua-
do que contrapunha, de um lado, dois estados muito fortes —
Minas Gerais e especialmente Séo Paulo — contra uma Uniao
fragil frente a eles, e de outro, mais de uma dezena de unidades
estaduais que mal podiam sobreviver pelas “préprias pernas”,
necessitando de auxilio do Tesouro federal — o que na pratica
significava se filiar automaticamente a0 bloco do “café com lei-
te”. Sem real autonomia para todos OS estados, torna—se difl’cil
implementar um verdadeiro federalismo.
A filtima conseqfléncia, resultado das outras, é que o federa—
lismo no Brasil surgiu dissociado da Repfiblica. O federalismo
da Primeira Repfiblica foi 0 reino das oligarquias, do patrimo-
nialismo e da auséncia do povo no cenario politico. Ou seja, an~
ti-republicano por exceléncia.
O fim da Primeira Repfiblica ocorreu dentro de um contexto
de critica a0 modelo oligarquico acompanhada de uma naciona-
lizagao do discurso politico. O movimento tenentista foi emble-
matico neste sentido, juntamente com outros movimentos orga—
nizados pelas classe medias urbanas. O discurso liberal pelo veto
secrete e pela moralizaeao das eleieoes ganhou forga no decor-
rer da década de 20. Além disso, ja estava havendo um fortale-
cimento do Governo Federal desde a Primeira Guerra, que teve
come conseqfléncias uma maior centralizaeao das decisoes da
politica cafeeira e um melhor aparelhamento do Exército (Soa—
res, 1973:35—6). O marco do processo de fortaleeimento do Go—
A formacfio do federalismo brasileiro | 4|

verno Federal na Repfiblica Velha foi, centudo, a referma cons-


titucienal de 1926, cuja principal medida foi o aumento do pe-
der de intervencao da Uniae nos estados, ternande mais equili-
bradas as relacoos intergovernamentais.
OS fateros citados influenciaram es acentecimentes que leva-
ram a derrecada a Primeira Republica. E impertante salientar,
perém, a importancia fundamental que teve a dissensae no pac-
to do “café com leite”, quando houve a alianca entre Minas Ge-
rais-Rie Grande do Sul com outros estados, na disselucae da
Republica Velha. A insisténcia (10 Sale Paulo em apresentar can-
didate proprio, a despeito de ser “3 vez” de Minas, gerou uma
rearticulacao regional que dosintegreu o antige pacto hegeme-
nice. Portante, a Revelucao do 30, mesmo sende urn marco na
centralizacao do Estado brasileiro, nae ficou imune as interfe—
réncias regionais, que so adaptaram aes noves rumos tomados
pela pelitica.

A construcz'io do EstadoVarguista—desenvolvimentista
e o federalismo

O periede do 30 a 45 foi marcado pele continue fortalecimen—


to do Estado nacienal. Delineou-se naquele memento um nevo
modelo de Estado, doneminado aqui de Varguista—desenvolvi-
mentista. Desenvolvimentista perque tornou e Estado o princi—
pal pole irradiader do desenvolvimento econémico no Brasil,
transformande as relacoes entre o Estado e a sociedade, no que
tange a regulacao do mercado de trabalho (modelo corporativo),
i-
e na forma de ligacao entre 0 setor publico e es grupes econom
cos privades.
O padrao Varguista, per sua vez, fez do Executive Federal, e
mais especificamente da Presidéncia da Republica, e centre po-
litice-institucional d0 pais (Andrado, 1991 e Draibe, 1985). Para
tanto, foi necessario o fertalecimente do Poder Executive Fede-
mo-
ral em termos administrativos e financeiros, e, sebretudo, a
o do mode de relacion amento entre 0 Poder Centra l e as
dificaca
unidades estaduais. Um maior contrele das tendéncias centri-
a
fugas advindas das pressees regionais foi fundamental para
implementacao do modelo.
O modelo desenvolvimentista e o padrao Varguista se refer-
cavam mutuamente. Pode-se dizer, grosso mode, que a forma
42 | A formac'éo do federalismo brasileiro

de intervencao econémica do Estado desenvolvimcntista — como


também seus resultados — forneceu 0 suporte financeiro ao cen—
tro politico Varguista, ao passo que 0 modelo Varguista viabili-
zou os pactos politicos necessaries para a construcao do Estado
desenvolvimentista.
O Estado Varguista-desenvolvimentista nao se desenvolveu
monoliticamente, sem intervencoes externas. Era um modelo
de Estado de acomodacao de interesses, de compromisso entre
setores 9 classes sociais. D0 lado desenvolvimentista, a formula
do compromisso foi definida assim por Fiori: indutor do desen—
volvimento e protetor do atraso (Estado desenvolvimentista mas
cartorial) (Fiori, 1984). Ja do lado Varguista, o compromisso con-
sistia em acomodar 0s objetivos do Poder Central com os inte-
resses das oligarquias regionais. Para 0s propésitos destc tra—
balho, cabe analisar agora como se desenvolveu o federalismo
no momento histérico de constituicao do Estado Varguista—de-
senvolvimentista.
A Revolucao de 30 deu inicio a uma nova fase do federalismo
brasileiro, com um perfil mais centralizador. Isto nao quer dizer
que as elites regionais tenham perdido seu poder de influéncia
na cena politica e que o Estado nacional tenha se transformado
em organismo totalmente avesso as pressoes das oligarquias.
Tal hipotese, pelo menos no curto prazo, nao poderia fincar rai-
zes na realidade, dado que os grupos politicos estaduais, espe—
cialmente os dissidentes do antigo nlicleo hegemonico, foram
participes fundamentais na tomada do poder. O que Vargas fez,
num primeiro momento, foi reacomodar as elites regionais num
esquema dc podcr em que haveria outros personagens envolvi-
dos, particularmente 0s “tenentcs”.
Desdc a década do 20, 0s “tenentes”, aliados a outros setores
urbanos, fizeram importantcs mobilizacoes politicas a favor da
moralizacao do processo eleitoral. Ademais, eles foram atores es-
tratégicos na Revolucao de 30, até porque ela tomou uma feicao
militarista, e ganharam forca no novo governo. Acontece que os
“tenentes”, logo iniciado o governo provisorio, mudaram a énfase
de seu discurso da tematica dos direitos liberais para a defesa da
centralizacao e do intervencionismo estatal, que culminava numa
Visao nacionalista e anti—politica do Estado. Em parte porque acre-
ditavam que um Estado mais centralizado e meramentc admi-
nistrativo seria uma vacina contra 0s politicos “profissionais” das
A formacfio do federalisme brasileiro | 43

oligarquias; em parte perque acolheram come ideal a tendéncia


olhes
mundial de maier interveneae estatal na economia, com es
adetad os na
voltades para es modelos corporatives-autoritaries
Europa. Mas, acima de tudo, es “tenentes”, come as Fergas Arma-
das posteriermente, tinham mudade de discurse pois se auto-in-
titulavam come es unices agentes politicos nacienais capazes de
implementar um nevo modelo de Estade.
Os grupos oligarquices e 0s “tenentes” lutavam para assu-
mir 0 comande do Geverno Previsérie. Mas no meio deste emba-
tanto
te estava Getulie Vargas, politico experiente e cenheceder
pro-
da forma de agir dos tenentes come das eligarquias, ja que
ia,
vinha de uma delas. Manobrande peliticamente com maestr
Vargas criara as condigees para a instalagao de um nove modelo
num
de Estado, mais centralizado e intervencienista, lastreado
pelitice centrad o no Execut ive Federa l e na Presiden —
sistema
cia da Repub lica.
O caminho de Vargas, no entante, foi tortueso. Nae heuve
0 Go-
um trajeto linear de 30 a 37. P015 entae vejamos: embora
verne Federal tenha vencido militarmente a Revelueao de 1932,
foi este evento que abriu caminhe para a convocaeae da Consti—
no
tuinte per meie das pressoes de varias elites regionais, o que
Aspasi a Camar go, teria diminu ide os pederes de
entender de
tenent es, foreando-os a aband enar tante e impeto
Vargas e dos
refermista come 0 contrele militar e direte das administragées
ni-
estaduais (Camargo, 1992120). A Constituinte seria a opertu
parte das oligarq uias regiona is defend er a
dado para a maior
autone mia estadu al e a limitae ae do peder da
manuteneao da
esta—
Uniao. Ja es “tenentes”, articulados com as bancadas dos
iam um referee do poder do Govern o Fede—
dos do Nerte, defend
-
ral, aumentando sua area do intervenqao. Em suma, na Consti
central izaeae versus federa lisme repres enta-
tuinte “e binomio
es
va a pedra de toque em terne da qual todas as outras questé
confluiam” (Gome s, op. cit.:29) .
Vargas 0 es defensores da centralizaeao ainda contavam com
Cons-
um importante referee: a bancada corporativa, nevidado da
tituinte de 34, compo sta de patroes , empreg ados do seter priva-
e com
do e funcionarios polflicos. Eles se alinharam com Vargas
para referea r a Uniao em troca da manute ngao e
os “tenentes”
corpor ativo. Todavi a, a resiste ncia das gran—
extensae do modelo
a um
des baneadas estaduais forgou a negeciaeao e se chegou
44 | A formacfio do federalismo brasileiro

modelo de autonomia federativa diferente do que desej ava Var—


gas, embora menos autonomista do que o proposto pela Cons—
tituigao de 1891. Mesmo a derrota de Vargas foi parcial, pois
foram aprovados os direitos sociais, a permanéncia da repre-
sentagz‘io profissional e sua eleigao presidencial indireta, man—
tendo—o no poder até pelo menos 1937.
No interregno de 34 a 37, Vargas usou toda a sua astficia
politica: barganhou com grupos oligarquicos, anulou as oposi—
goes urbanas e 08 movimentos mais a esquerda por meio de leis
de excegéio e prisées e obteve o apoio dos militares. Vargas ar-
mou, assim, as condigées para o golpe, finalmente dado em no-
vembro de 1937. Somente a partir do Estado Novo, como era
chamada a ditadura varguista, foi possivel consolidar a cons—
trugéo efetiva do Estado Varguista-desenvolvimentista. A va-
riavel Varguista deste Estado redefiniu o padrao de relagoes
intergovernamentais. Em primciro lugar, em termos constitu—
cionais, foi abolido completamente o federalismo. Em nenhum
outro momento do século XX a estrutura de governo se tornou
tao unitaria como no Estado Novo. A Constituiqao, por exemplo,
aboliu a expresséo “Estados Unidos do Brasil”, 0 no seu primei—
ro artigo simplesmente disse “o Brasil é uma Repdblica” (Le-
wandowski, 1990:31)5.
N510 bastava acabar formalmente com o federalismo para for—
talecer o Poder Central. A modernizagao da estrutura adminis-
trativa e do quadro de pessoal da Uniao também se fazia neces-
saria, a fim de dar condigoes para que o Executivo Federal e a
Presidéncia formassem realmente o centro politico do sistema.
A criagao do Dasp e a multiplicagao de agéncias pliblicas desti—
nadas a atuar na area econémica foram os principais passos
para fortalecer a burocracia pdblica federal.
Os estados se tornaram praticamente orgaos administrativos
do Governo Central. Para tanto, dois mecanismos institucionais
so fizeram presentes: as interventorias e 0s “Daspinhos”. Apesar
de as interventorias terem também existido no periodo inicial
da Revolugao de 30, Vargas nfaio tinha naquele momento 0 seu

5 Este ato constitucional foi complementado por outros atos simboli-


cos do governo, como a queima das vinte bandeiras estaduais em
praea pfiblica.
A formacfio do federalismo brasileiro | 45

controle complete, uma vez que houvera uma partilha com gru-
pos tao heterogéneos como os “tenentes” e oligarquias dissiden-
tes do antigo pacto, ambos avidos para controlar integralmente
o “seu” estado. Tanto isto é verdade que apés determinado tem—
po de consolidaeao de seu poder nas maquinas estaduais, os pri-
meiros interventores pediram insistentemente a reconstitucio-
nalizaeao do pais, principalmente os dos estados mais fortes,
como Sao Paulo, Minas e Rio Grande do Sul.
Tendo aprendido com a experiéncia inicial das intervento-
rias, Vargas modifica toda a sua sistematica. Primeiro, trans-
forma as interventorias em verdadeiras correias de transmis-
sao do Governo Federal para os estados. Elas se tornariam um
sistema e nae peeas isoladas entre si. 0 segundo ponto era a
escolha do interventor. De acordo com Maria do Carmo Cam-
pello de Souza, a escolha funcionava da seguinte maneira:
“0 Executive Federal nomeava para a chefia dos governos
estaduais individuos que, embora natives dos estados e mes—
mo identificados em suas perspectivas ideologicas aos grupos
dominantes, eram ao mesmo tempo destituidos de maiores
raizes partidarias; [enfim] individuos com escassa biografia
politica ou que, se possuiam alguma, a fizeram até certo pen-
to fora das maquinas partidarias tradicionais nos estados.
Ademar de Barros em 8230 Paulo, Benedito Valadares em Mi—
nas Gerais, Amara] Peixoto no Rio de J aneiro, Agamenon
Magalhaes em Pernambuco, Pedro Ludovico em Goias, os
Muller em Mato Grosso, Nereu Ramos em Santa Catarina e
Goes Monteiro em Alagoas sao alguns exemplos” (Campello
de Souza, 0p. cit.:14).
Este sistema de escolha dos interventores tinha o mesmo ob—
jetivo daquele do presidente da provincia: garantir a0 Poder Cen-
tral o controle total do processo politico nos estados. A “sobera-
nia” do interventor advinha do Governo Federal e nao das bases
politicas estaduais. Apesar de os interventores pertencerem as
elites locais, nao era a elas que deviam responder; era ao pre-
sidente da Repfiblica. Assim, se retirava das elites estaduais a
sua grande conquista da Primeira Repdblica: o poder de eleger
seu préprio governante.
Havia outra pega importante na engrenagem do sistema de
interventorias. O Estado Novo nao procurou se legitimar por
meio de eleigoes, como o fara depois o regime militar. Por isso,
46 I A formagfio do federalismo brasileiro

as bases eleitorais locais nae contavam no jogo politico. Dessa


forma, as elites estaduais perdiam o seu maior trunfe de nego-
ciacao com o Governo Federal, qual seja, o controle eleitoral s0—
bre 0 grande “distrito” estadual. Finalmente, o filtimo aspecto
do sistema de interventorias era 0 esquema de rodizio dos inter-
venteres, estabelecido para evitar perpetuacées politicas pe-
rigosas a0 Governo Federal. Tentava-se destruir a caracte—
ristica oligarquica das elites estaduais presente na Primeira
Republica. A ameaca da rotatividade no poder estadual forcava
os grupos politicos regionais a serem mais fiéis a0 presidente,
tornando-o mais poderoso nas relacoes entre o Peder Central e
os governos subnacionais“.
O outro instrumento de controle do Estado central sobre os
estados eram 0s “Daspinhos”. Comparando as interventorias com
os “Daspinhos”, podemos dizer que enquanto as primeiras eram
a extensao politica da Uniao nos estados, os “Daspinhos” faziam
0 papel de extensao administrativa do Peder Central, pois eram
subordinados a0 Dasp e a0 Ministérie da Justica. Além disso, os
“Daspinhos” funcionavam come uma espécie de corpo legislati—
vo subordinado ao Governo Federal, que estabeleciam uma uni—
formidade na legislacao dos estados, notadamente na area eco-
némica, supervisionavam os prefeitos e se constituiam ainda
em checks and balances sobre o interventor, aumentando 0 con—
trole do presidente sobre o sistema de interventorias.
Mas a intervencé‘io politica do modelo Varguista nos estados
nae deixou de ser feita sem uma certa acomodacao e/ou coopta-
cao dos grupos econémicos locais. De um lado, nae mexeu com 0
status quo das elites agrarias, alterando quase nada a estrutura
socioeconémica do campo. Diante do emergente setor empresa-

6 O sistema de rodl’zios nae evitou que a longo prazo se implantas-


sem novos nficleos oligarquicos de poder. Interventores do Estado
Novo come Nereu Ramos em Santa Catarina, Amaral Peixoto no
Rio de Janeiro 9 Pedro Ludovico em Goias, fundaram dinastias
politicas que dominaram per décadas seus estados. Dai se Vé que o
verdadeiro objetivo (1e Vargas nae era acabar com todas as oligar-
quias estaduais, mas so com as que pudessem oferecer perigo a sua
autoridade. Pode-se dizer ainda que Vargas procurou cultivar uma
boa relacao com os interventores aliados, dande-lhes come prémio
a estabilidade no poder.
A formacfio do federalismo brasileiro | 47

rial, particularmente o paulista, o modelo corporativo da repre-


sentacao de interesses foi utilizado, canalizando as demandas
empresarias para a arena burocratica. Mais especificamente no
caso paulista, o Conselho Federal do Comércio Exterior e 0 Con-
selho Técnico de Economia e Financas garantiram a cooptacao
do empresariado pelo Estado Novo (cf. Diniz, 1978).
A engrenagem das relacoes “federativas” do Estado Novo es-
tava completa: a interventorias, os “Daspinhos” e o Ministério
da Justica coordenavam a administracao estadual, sob 0 con-
trole geral do presidente da Repiiblica (Campello de Souza, op.
cit.:19), e a representacao dos interesses econémicos seria feita
pela Via burocratico-corporativa. Em nome da modernizacao eco-
nemico-administrativa, os estados ficaram com menos autono-
mia do que as provincias do Império. Pensando no ideal de fede-
ralismo republicano, pode-se dizer que se na Primeira Repfibli—
ca 0 federalismo tinha se dissociado da repfiblica, no Estado Novo
o proprio federalismo tinha desaparecido.
A historiografia costuma apontar como principais razées para
o fim do Estado Novo as pressoes americanas para a democrati—
zacao do pais e a influéncia decisiva das Forcas Armadas, as-
sustadas com a aproximacao de Vargas com grupos mais a es—
querda. Embora esta argumentacao estoja correta no essencial,
é importante ressaltar que a manifestacao inauguradora da re-
articulacao da oposicao contra a ditadura varguista foi 0 Ma—
nifesto dos Mineiros (1943), texto produzido pela elite politica
mineira, contando com a assinatura do Varies politicos que fi-
caram fora do poder durante o Estado Novo. Em 45, ano em que
Vargas foi doposto, a declaracao oposicionista mais importante
contra o governo tinha sido dada por José Américo de Almeida
a0 jornal Correio do Manhd. José Américo era representante de
parcela importante da oligarquia nordestina preterida pelo Es-
tado Novo, e teria sido candidato a eleicao presidencial de 1937,
a eleigao que nao houve. A partir desses dois fatos de crucial
importancia, percebe—se que a pressao advinda das elites regio—
nais teve papel importante na derrubada do Estado Novo. As
oligarquias regionais, em sua maioria, poderiam estar forcosa-
mente adormecidas, mas, cntre 0s atores politicos civis daquele
memento, elas ainda eram quem melhor poderia organizar uma
resisténcia contra o Governo Federal.
Em resumo, o processo inicial de state building realizado pelo
48 I A formacfie do federalismo brasileiro

medele Varguista-desenvelvimentista teve come um de seus pi-


lares e centrele pelitice do Geverne Federal sebre as eligarquias

i
regionais, realizado de forma auteritaria, per intermédie da ex—
tincae da autenemia pelitica estadual. Usande come contrapen—
to a experiéncia americana, percebemes que 1a 0 precesso de

l
centralizacae efetuade pele Executive Federal, sob e cemande
de Franklin Roosevelt, respeiteu e principie da autenemia fe—
derativa. O Peder Executive Federal americane ganheu Sim
mais poderes para intervir nacionalmente, mas sem retirar a
autenemia pelitica dos estados.
Vargas acreditava que bastava acabar com o precesse peli-
tice-eleiteral nos estados para enfraquecer as eligarquias. O
aspecto Varguista de construcae do Estade desenvelvimentista,
em sua face intergovernamental, so previa e fertalecimente da
Uniéie e da Presidéncia para se centraper aes estados — e se
precise fesse, de forma auteritaria — e a acemedacae dos inte—
resses estaduais pela via da burecracia federal. Reformas nas
instituicees peliticas estaduais nae faziam parte de prej ete var—
guista. Acentece que com o reterne da demecracia na Segunda
Repfiblica, a Federacae volta a cena, e es estados nevamente so
tornam fertes perque a base de seu peder praticamente nae fei
alterada, qual seja, e funcionamente do joge pelitice estadual. E
cem isse a Federacae criara empecilhes para a censolidacae d0
Estade Varguista-desenvelvimentista no periede 45—64. Sera
principalmente a volta da pelitica dos governaderes, so que num
centexte diferente do da Repflblica Velha.

0 federalismo no periodo 45-64

0 periede 45-64 pede ser censiderado come 0 inicie da deme-


cracia cempetitiva de massas no Brasil. Nae so as eleicees se
ternaram mais livres e mais cempetitivas come heuve crescen—
te incerporacae da populacae no universe eleiteral, mesme com
diversas escilacees durante e periede". O federalisme também

7 Em 1930, a pepulacae vetante equivalia a 5,6% da populacae, que


era 0 percentual Inais elevade da Primeira Repfiblica. J31 em 1945
e eleiterade cerrespendeu a 16, 19% da pepulacao, chegande em 1962
a 25%. Com base nesses dades, Olave Brasil de Lima Jr. afirma: “E
e regime de 1945 que inaugura tendéncia sistematica para o cres-
A formagfio do federalismo brasileiro | 49

voltou a ser preceito politico-constitucional, retornando as elei—


9608 para os cargos executivos e legislativos das unidades sub-
nacionais, até mesmo para a esfera municipal. Alias, a Cons-
tituigao de 1946 inovou a0 aumentar a autonomia politica e fi—
nanceira dos municipios, tradicionalmente tolhida pelas Cartas
constitucionais anteriores.
O federalismo o a competigao politica democratica so desen-
volveram, no ontanto, num pais marcado pelas mudangas cau-
sadas ou induzidas pelo periodo Varguista. O federalismo da
Segunda RepL’iblica nao foi uma réplica do vigente na Primeira
Repfiblica. O legado do Vargas para o poriodo 45-64 continha os
seguintes aspectos:
a.) O processo de constituigao do Estado desenvolvimentista
teve como arena deciséria a burocracia federal e nao o Congres—
so Nacional. Criou-so uma estrutura estatal contralizada na qual
os principais interesses economicos ——- dos empresarios e dos
trabalhadores _ se faziam representar. Esse modelo teve duas
consoquéncias: a conquista de maior autonomia deciséria para
a burocracia federal e a criagao de obstaculos para a posterior
institucionalizaoao do sistema partidario (Campello do Souza,
1976).
b) A Uniao e a Presidéncia da Reptiblica so fortaleceram como
micleos de podor. No caso da Uniao, além de ela ter—se roforgado
administrativamente no periodo Vargas, a Constituigao de 1945
lhe deu maiores poderes financeiros se comparados com o outro
periodo de federalismo constitucional, a Primeira Repliblica. Ja
a Presidéncia se tornou o centro nevralgico da estrutura buro~
cratica que dava suporte ao Estado desenvolvimentista, tendo
grande importancia na coordenagao da arena decisoria gover—
namental. Por fim, o estilo carismatico-personalista do Getfilio
Vargas tove grande influéncia na conformagao de um sentido
plebiscitario para a eleigao presidencial, localizando-se nela to—
das as aspiragoes de mudar a ordom vigente, fossem elas de
carater populista—distributivista, fossem elas depositarias de um
discurso pela moralizagao da politica (pratica udenista).
c) Expansao e consolidagao das Forgas Armadas como a mais

cimento do eleitorado, em termos absolutos e como porcentagem da


populagao total” (Lima Junior, 1990:11-2).
50 I A formacfio do federalismo brasileiro

importante e influente instituigz’io nacional, ou melhor dizendo,


a finica instituigao politica verdadeiramente nacional. As For-
gas Armadas ja tinham dado a retaguarda para Vargas em 1937
e no periodo 45-64 se consolidaram come 0 Poder Moderador do
sistema politico (cf. Stepan, 1975).
d) Do legado de Vargas faz parte também o estabelecimento
da ideologia nacionalista como polo norteador do debate politico
por toda a Segunda Repfiblica. Este legado teve um impacto
fortissimo na pratica politica de varios grupos sociais de origem
ideolég’ica diferenciada, fato perceptivel comparando institui—
goes como o Iseb e a ESG, que representavam grupos distintos,
mas professavam a ideologia nacionalista, com nuangas ligadas
ao eixo direita-esquerda.
O legado Varguista trouxe uma importante conseqfiéncia: o
fortalecimento do eixo nacional do Sistema politico. Iss0 nao quer
dizer que a Segunda Repfiblica foi um periodo em que estive—
ram ausentes as tendéncias federativas, no sontido que essa
palavra tem no léxico politico brasileiro. Pelo contrario, a aber—
tura politica pos—Estado Novo trouxe de volta a influéncia aber-
ta do regionalismo na politica nacional. Uma nova politica dos
governadores surgiu e as bancadas estaduais na Cémara Fe—
deral possuiam poder o suficiente para barganhar por mais re-
cursos do Tesouro nacional para suas clientelas.
O que aconteceu foi que as relagoes federativas se tornaram
mais equilibradas, pois Uniao e estados se tornaram mais equi-
potentos. Os estados recuperaram sua autonomia e a Uniao,
mediante o arranjo Varguista, aumentou seu raio de agao. A
Uniao aumentou muito o seu poder da Primeira para a Segun—
da Repfiblica e 05 dois grandes estados do periodo do “café com
leite”, Minas e notadamente Séo Paulo, perderam, em termos
relativos, forqa.
N80 86 as relagoes entre Uniao e estados ficaram mais equi-
libradas; as relagoes entre as unidades da Federagao se torna-
ram também memos desequilibradas comparadas ao quadro da
Primeira Repfiblica. Embora 0 crescimento economico conti-
nuasso sendo concentrado no Sudoste, particularmente em Séio
Paulo, alguns fatores aumentaram a multipolaridade do siste-
ma, rompendo—se com a bipolaridadc caracterl’stica da Republi-
ca Velha.
O primoiro doles foi o mocanismo da desprOporcionalidado
A formacfio do federalismo brasileiro | 5|

de representacao entre es estados na Camara Federal. Inscrito


na Constituicao de 1946 no artigo 58, com redacéio semelhante
ao artigo 23 da Constituicao de 1934, esse mecanismo sobre-
representava es estados mais pobres e sub—representava basi—
camente SE10 Paulo e Minas Gerais (Campello de Souza, 1976).
E‘ verdade que desde 0 Império a representacae dos estados na
Cémara nae era perfeita e que 3 Reggae Sudeste foi constan—
temente sub-representada (Nicolau, 1997). A diferenca é que a
distorcao representativa na Segunda Repfiblica ganhou contor—
no préprio: o medo dos estados mais pobres de haver urn retor—
no da hegemonia paulista nos moldes da Primeira Repfiblica.
O segundo fater que levou ao aumento da multipolaridade
da Federacao foi a solidificacao d0 bloco regional nordestine.
Embora desde 0 firm do Impérioja heuvesse e chamado bloco do
Norte, congregando também os estados do Nordeste, foi a par-
tir do fim da experiéncia da Primeira Repfiblica que os estados
do Nordeste, especificamente, comecaram a atuar menos indi-
vidualmente para pedir benesses a0 Peder Central. E mais:
conseguiram, a partir da Constituicao de 34, transformar 0s
antigos pleitos conjunturais em normas constitucionais, O que
se repetiu na Carta constitucional da Segunda Repfiblica, quan—
dose determinou que trés per cento da renda tributaria federal
iria para a defesa contra es efeitos da seca no Nerdeste e que
urn per cento dessa mesma renda fosse empregada, durante
vinte anos, n0 desenvelvimento global do 850 Francisco (Cohn,
1976:59-60).
A desproporcionalidade de representacao entre 0s estados,
ressalte-se, nae foi de todo ruirn para 850 Paulo. Apesar de 850
Paulo ter votado majoritariamente — juntamente corn Minas
— contra 0 prejeto aprovado, para boa parte da elite paulista a
distorcéie representativa evitaria 0 fortalecimento dos setores
politicamente emergentes dos grandes centres urbanos e indus-
trializados. Ademais, es estados mais industrializados se repre-
sentavam mais eficazmente nos varies niches burocraticos 0 ad-
ministrativos, a0 largo dos partidos e do Congresso Nacional
(Campello de Seuza, 1994:29). Barry Ames descreve bem esta
situacao:
“Num certo sentido, SE10 Paulo fez uma barganha: outros
estades poderiam ter 21 parte do leao dos pequenos projetos
fisiolégicos, mas Sae Paulo controlaria integralmente a po—
52 | A formagfio do federalismo brasileiro

litica macroeconfimica do governo, assegurando-se de in-


vestimentos e de politicas cambiais e fiscais favoréveis. Os
paulistas néio estavam nem sobre nem sub-representados nas
pastas ministeriais, mas as posigoes que eles dominavam
eram as cruciais: Fazenda, Obras Pfiblicas, e 0 Banco do Bra-
sil” (Ames, 1986:198).
Mesmo tendo Séio Paulo obtido 0 controle das maiores fon-
tes de recursos, 0s grupos do Norte e Nordeste permaneceram
com o poder de veto no Congresso em questées que alterassem 0
status quo das oligarquias dessas regiées. Gléucio Soares mos-
tra, por exemplo, que de 1946 até 1962 mais de duzentos proje-
tos de reforma agréria foram bloqueados pelas elites politicas
das regiées menos desenvolvidas (Soares, 1973:14).
Havia ainda outro aspecto do periodo 45—64 que tornava a
Federagao mais multipolarizada. A vitéria na eleigao presiden-
cial comegou a depender de resultados eleitorais favoraveis em
varies estados, em razao do aumento da dispersao eleitoral den-
tro de cada um deles. Assim, havia a necessidade de se ampliar
o mimero de apoios estaduais as candidaturas presidenciais. Se
levarmos em conta que a dispersao eleitoral era ainda maior
nos grandes estados, percebemos que candidatos de Minas e SE10
Paulo, mesmo que aliados a0 Rio Grande do Sul, nao poderiam
reeditar a politica do café com leite, pois precisariam realmente
do apoio de liderangas de diversos estados. O resultado disso é
que aumentou 0 cacife eleitora] de varias unidades estaduais
para a eleigéo presidencial.
O quadro federativo da Segunda Repfiblica toma, portanto, a
seguinte forma: os estados voltaram a ter autonomia, a Federa—
9510 se tornou multipolar e 0 Estado nacional se fortaleceu em
termos economicos e politicos. Nesse quadro, as relagfies entre
estados e Uniao se estabeleceram mediante barganhas clien-
telistas, realizadas tanto no Congresso como na burocracia fe-
deral. Tais barganhas clientelistas passavam a0 largo das prin-
cipais decisfies estratégicas do Estado Varguista-desenvolvimen-
tista. Interessava as elites regionais apenas colher os frutos d0
desenvolvimento econémico e nao participar responsavelmente
da definigao dos rumos do Estado. Se 0 modelo Varguista tinha
a possibilidade de resguardar as arenas decisérias estratégicas
para o Estado desenvolvimentista, por outro lado ele tinha que
montar uma estrutura clientelista para atender a sede distri—
A formacao do federalismo brasileiro | 53

butivista das elites regionais. O problema é que com o tempo a


politica de clientela afetava negativamente as macropoliticas
do Estado nacional.
Esse modelo foi montado sobretudo por causa da fraqueza
dos partides come estruturas nacionais. Em parte isto ecorreu
porque a burocracia central se constituiu come arena deciséria
antes da criacao dos partidos. Contudo, ha outra causa da fra—
queza des partidos em termos nacionais que é pouco tratada
pela literatura: a natureza estadual dos mandates parlamenta-
res. Para a maioria dos politicos, a sobrevivéncia pelitica depen-
dia dos recursos que trazia a sua regiao. Barry Ames, em estudo
sobre a elaboracao do Orcamento nacional neste periodo, mos-
tra que atuacao da maior parte dos deputados se caracterizava
pelo cempertamento “emendista”, ou seja, procuravam fazer
emendas para seus redutos eleitorais. Em suma, a performance
dos deputados era estadual e nae nacional.
Muito mais do que es partidos, eram es Executives estaduais
que organizavam a empreitada eleitoral dos deputados. Surge
entao o ator politico que faltava no quadro federative esbecado
anteriormente: e governador de estado. Os governadores eram
quase sempre es cemandantes da Vida politica estadual. Os de—
putados dependiam dele por duas razoes. Primeiro, perque, come
mostrou Lavareda, a eleicao presidencial nae ocorria no mesmo
memento que a escelha dos deputados a Cémara Federal, ter-
nando a disputa pelo governo do estado a articuladera dos plei-
tes proporcionais (Lavareda, 1991:118-20). Assim, para es de-
putados interessava cencorrer colado a um forte candidate ao
governo do estade, aumentando suas possibilidades eleitorais.
Depois, 0 candidate a governador eleito cobrava dos deputados
um compertamento parlamentar que retribul’sse a ajuda eleito-
ral, na conquista de verbas para o estade ou na adocao de deter-
minada conduta em votacfies especificas no Congresso. A1’ esta
uma das origens da fidelidade dos deputados com 0 gevernador.
Em segundo lugar, os governadores tinham o importante pa~
pel de controlar as bases politicas dos deputados federais. Iste
era feito de duas formas: ceoptando es chefes politicos locais,
sobretude por meio da distribuicae de cargos pliblicos, e centro-
lando es deputados estaduais, outro impertante elo com as ba-
ses locais. Com relacao aos deputados estaduais, era muito im-
portante que eles tivessem o apoio do Executive para veneer as
54 | A formagio do federalismo brasileiro

eleicées. Analisando as eleicoes proporcionais de 1962 em Mi—


nas, Julio Barbosa comenta que “as clcicoes para a Assombléia
Legislativa de Minas Gerais séio as que mais se prestam e mais
rcspondern a influéncia direta e indireta do Executivo estadual”
(Cintra, 1974:48).
Comentando ainda sobre a cooptacao dos chefes locais pelo
governador, é importante notar que 0 projeto varguista em nada
mudou a estrutura da politica municipal. Pensando apenas em
controlar as oligarquias estaduais 9 cm fortalecer o Estado na-
cional, Getulio Vargas nao percebeu que, nos marcos da politica
eleitoral, a esfera municipal e o seu controle polo Executivo es-
tadual cram pecas-chave do sistema, que teriam grands poder
de influéncia na composicao do Congresso Nacional. Como bem
percebeu Ladosky, “[...] os 15 anos de getulismo pouco ou nada
influiram na politica municipal [...]. Por falta de Visao de nossa
formacao social, nao teve Getulio Vargas a capacidade de reno-
var a estrutura politica da Vida municipal. Se substituiu alguns
chefes, fé-lo por outros, nao alterando a estrutura basica do cla
[...]. Dai, sua prcscnca ou afastamcnto [do Getulio] n50 tor na
realidade influido sabre os homens das pequenas comunas, 0s
quais, sem razoes para aderirem ou hostilizarem, simplesmen—
tc esperaram o passar da onda, para voltarem a situacao de
antes de 30” (apud Scares, 1973:32).
A realidade “coronelistica”, fortalecedora do Executivo esta—
dual frente aos chefes locais, permaneceu om boa parte do pais
na Segunda Republica, dada a continuidade da estrutura agra-
ria arcaica em diversas regioes. Os vetos aos projetos de refor—
ma agraria no Congresso tinham uma intrinseca ligacao com o
pacto entre Executivos estaduais e chefes locais, pois grands
parcela dos deputados federais precisava desse pacto para con-
quistar a reeleicao ou otimizar sua carreira para cargos majo-
ritarios. Por detras dos vetos dos deputados, estava o veto do
sistema politico estadual, cujo maior beneficiario era 0 gover~
nador.
Nos centros urbanos, que aumentavam seu poder de influén-
cia dentro do sistema politico, os governadorcs exerciam scu
poder basicamente por meio de politicas clientelistas, reforcan-
do a funcao da maquina publica estadual de distribuidora re-
cursos aos aliados. Contudo, a disporséio clcitoral, bcm mais pro-
sonte nos contros urbanos, dificultava o controle do eleitorado
_
4mm..—
A formacfio do federalismo brasileiro | 55

e, per censeguinte, dos deputados eleites per essas areas. A so-


lucao adotada, particularmente per alguns governadores de 8510
Paulo e da Guanabara, fei a adecae de estratégias de pelitica de
massa, tais come 0 janismo e 0 lacerdisme, que mesme tendo
diferencas entre si, envolviam algum grau de mobilizacao pe-
pular no estilo populista.
Ne plane nacional, os governaderes alinhavam-se com 0s par—
lamentares federais para poder influir no preenchimente de im-
portantes carges do Executive Federal, buscande especialmen-
te o controle de determinados ministérios. Os chamados “Minis-
téries de gastos” ou de “clientele” eram basicamente ocupados
pele critério regional. Este fei 0 case, per exemple, do Ministério
da Educacao e Saude, cativo da Bahia, até o desmembramento
desse ministériea.
Mas além de pessui’rem um poder para pleitearem ministe-
ries, es estados fortes (SP, RGS e MG) detinham outro trunfo: a
manutencao de pederosas milicias estaduais. Com isse, es go—
vernadores detinham um aparato militar que implicitamente
serviu come ameaca ou poder de resisténcia ante o Poder Cen-
tral.
A forca dos gevernaderes no periodo 45-64 os tornava candi-
dates naturais a Presidéncia da Republica. Dos quatro presi-
dentes eleites na Segunda Republica, dois haviam side gover-
nadores (Jusceline Kubitschek e J anie Quadros). Outres, come
Ademar de Barres e Carlos Lacerda, foram eternos pleiteantes
com grande poderio no cenarie politico nacional. No final de
periodo 45-64, quando turbuléncias e crises se fizeram presen—
tes, 0s governadores tiveram importante papel. O governador
gauche Leonel Brizola, com a fermacao da “cadeia da legalida—
de”, fei ater fundamental para que J0510 Goulart temasse posse.
Ja os gevernadores de 8510 Paulo, Minas Gerais e Guanabara,
Ademar de Barres, Magalhaes Pinto (3 Carlos Lacerda, respecti-
vamente, tiveram papel crucial no golpe de 64.
Em suma, pode—se dizer, seguinde a argumentacz‘io de Aspa-

*‘ Abranches, 1988:25-6. Sergio Abranches da eutros exemplos de


Ministéries preenchidos predeminantemente per determinado es—
Lade, come eram es cases do Ministérie da Fazenda, tipicamente
paulista, e e Ministério da Agriculture, ecupado basicamente per
Pe rnamb uco.
56 | A formacio do federalismo brasileiro

sia Camargo, que na Segunda Repfiblica houve uma “sobre-


vivéncia da politica dos governadores” (Camargo, 1992:7). En—
tretanto, as duas grandes diferencas em relacao a Primeira
Repfiblica foram 0 fortalecimento do Estado nacional e a diver-
sificacao dos nficleos regionais influentes. Houve o aumento dos
atores com poder de barganha no jogo federativo, sem que no
entanto fossem criadas instituicoes nem estabelecidos compor—
tamentos que levassem a um padrao mais cooperativo de reso-
lucao dos conflitos. Do impasse federativo do periodo 45-64 saiu
uma das mais importantes motivacoes para a conformacao do
modelo autoritario implantado pelos militares.
Analisando o periodo 45—64, conclui-se que, apesar de a politi-
ca estadual ja nao ser igual a da Primeira Reptiblica, em virtude
especialmente da urbanizacao do Pais, o republicanismo esteve
ausente da base do sistema politico. Iss0 porque as mudancas
socioeconémicas do periodo nao foram acompanhadas de trans-
formacées institucionais. Ainda continuava a Vigorar nos estados
um forte “executivismo” em detrimento do Legislativo; nas rela—
coes entre estado e municipios, a politica de submissao dos pre-
feitos a0 governador; no terreno partidario, 0 controle dos “nota-
veis” — que no Brasil estavam ligados ao “familismo” — sobre a
estrutura partidaria e a preferéncia pelas estratégias individuais
de acao sobre o fortalecimento da atuacao partidaria.
Mas 0 mais importante é que estava se consolidando 0 uso da
Executivo estadual como centro de distribuigao de politicas clien—
telistas e, a partir disso, como principal construtor das carrei-
ras politicas de deputado estadual e federal. Essa pratica era
realizada sem o menor controle dos partidos e da sociedade ci—
vil, estabelecendo uma politica anti—republicana por exceléncia.
O centre deste sistema politico estadual n50 republicano era
0 governador. Além da fragilidade dos partidos e das institui-
goes no nivel subnacional, contribuia para isso, conforme argu-
E menta Brasilio Sallum Jt’mior, “[...] 0 sistema eleitoral propor-
cional segmentado por estados, [que] transformava os gover-
nadores em chefes partidarios, independentemente da ocupa—
@510 de qualquer posicao formal de direcao nos partidos. Eram
eles que controlavam grande parte dos recursos politicos passi-
veis de distribuicao durante as campanhas eleitorais” (Sallum
Jfinior, 1994z4).
No campo das relacfies intergovernamentais, marcado pelo
A formacfio do federalismo brasileiro 57

problema da desigualdade regional, o Governo federal usou par-


ticularmente o problema nordestino para se fortalecer: em tro—
ca de apoio seguro da bancada nordestina para aprovar proje-
tos, a Uniao distribuia recursos da forma mais desordenada e
individualizada possivel. Instalava—se, portanto, ulna relagao de
cooptaqao entre o Poder Central e boa parte das oligarquias re-
gionais. Simon Schwartzman mostra quais 35510 as consequen-
cias deste tipo de relagéo:
“Ao cooptar, o centre se enfraquece, mas a0 mesmo tempo
tira a independéncia dos cooptados, que de constituintes se trans—
formam em clientes. A consequencia é a formagao de um siste—
ma politico pesado, irracional em suas decisoes, que se torna
presa de uma teia cada vez maior e mais complexa de compro—
missos e acomodagoos até 0 ponto de ruptura” (Schwartzman,
1988:158).
O fato é que na esfera das relago'es intergovernamentais, com
0 aumento de nficleos regionais de poder, houve 0 aumento dos
pedidos por recursos ao Governo Federal, sem que isso signifi-
casse um compromisso federativo lastreado em contrapartidas
dos estados. Assim, esse tipo de relaoao federativa comegou a
atingir os alicerces do Estado desenvolvimentista. Por mais que
o Estado desenvolvimentista fosse desde o inicio um grande con-
dominio no qua] se acomodavam os mais diversos interesses,
ele chegou ao seu limite a0 tentar compatibilizar os interesses
do Poder Central com os dos governos subnacionais. Seria pre~
ciso fazer algumas reformas que implicariam a mudanga das
relagées federativas. O periodo democratico nae conseguiu fa—
zer estas reformas; os militares optaram pela saida autoritaria
para concretiza-las.
Capitulo 2

A PASSAGEM DO MODELO
UNIONISTA-AUTORITARIO
PARA o FEDERALISMO ESTADUALISTA:
A ORIGEM DO Novo PODER
DOS GOVERNADORES

Neste capitulo, descrevo e analiso a evolugao do federalismo


brasileiro do regime militar até a Constituigz’io de 1988. Em li-
nhas gerais, esta evolugao significou a passagem de um modelo
unionista e autoritario do relagoes intergovernamentais para
outro estadualista e circunscrito a um regime democratico. O
federalismo estadualista surgiu da crise do modelo anterior, ten—
do como fato propulsor a eleigao para os governos estaduais em
1982. A grande transformagao efetuada na balanga de poder
federativo foi o fortalecimento dos estados e dos governadores,
acompanhada d0 enfraquecimento da Uniao e da Presidéncia
da Repfiblica.

Origens do modelo unionista—autoritério

A instauragéo do regime militar em 1964 foi fruto de um pe-


riodo de grande turbuléncia e mobilizagao popular. Estavam em
questao as reformas propostas pelo governo J05510 Goulart —— as
“reformas de base” —— de cunho nacionalista e redistributivo,
destinadas a alterar o padrao de distribuigéo da propriedade e
da renda no pais. Em torno dessas reformas houve enorme radi-
calizagao dos diversos grupos sociais, como também da classe
politica, do direita e de esquerda. O resultado foi um impasse
social e institucional ——— este filtimo corporificado na paralisia
deciséria instalada no Congresso Nacional (Cf. Santos, 1986).
A resposta a0 impasse foi um golpe de Estado, feito pelas
Forgas Armadas, que se vinlmm mnsolidando como Poder Mo—
59
60 | A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

derador do sistema politico do periodo 45/64. Ressalte—se, entre—


tanto, que o golpe contou com o apoio decisivo da elite civil oposi-
cionista ao governo de Jango, especialmente dos governadores
Ademar de Barros (Sfio Paulo), Carlos Lacerda (Guanabara) e
Magalhéies Pinto (Minas Gerais). Todos esses governadores dc-
ram suporte militar ao golpe, através de suas milicias estaduais.
A legitimacao do governo militar passava, no curto prazo, pelo
expurgo dos lideres politicos Vinculados ao regime anterior, em
nome da ordem e contra a ameaca comunista, e pela resolucao
da crise econémica. O grupo militar majoritario dentro da coali-
zao governista, os “sorbonistas”, do qual fazia parte 0 Presiden-
te Castelo Branco, tinha como objetivo “arrumar a casa” e en-
tregar o poder aos civis‘.
Para alcangar tais objetivos, no entanto, os governos milita—
res teriam de concentrar cada vez mais poder no Executivo Fe-
deral e na Presidéncia da Repfiblica. A estabilizagao economica
exigia, por exemplo, o fechamento de todas as “torneiras” de
recursos para o clientelismo, tornando descontentes 0s politicos
do PSD, partido majoritario na Camara Federal. A estabiliza—
cao exigia também a adocao de medidas ortodoxas, de carater
antipopular, O que desagradava os lideres civis que apoiaram o
golpe, particularmente os governadores, come foi o caso de Car-
los Lacerda, critico de primeira hora das decisoes economicas
implementadas pela dupla Campos-Bulhoes.
A critica dos governadores dos estados mais importantes apoia-
dores do golpe tinha um motivo bem preciso: eles eram candida—
tos declarados a disputa presidencial que inicialmente estava
marcada para 1965. Pouco a pouco, perceberam que havia a enor-
me possibilidade de a eleicao nao ocorrer no prazo previsto".

1 “Quando depuseram 0 presidente Joao Goulart, em abril de 1964, e


assumiram o poder, n50 existia um plano comum a grande maioria
dos militares sobre os seus principais objetivos politicos [...]. Os
principais temas discutidos entre os militares logo depois da vi—
téria eram, pois, vagos: a necessidade de controlar os “comunis-
tas”, conter a inflacao e executar as nn’nimas reformas e politicas
consideradas como urn pro-requisite para o retorno do governo civil
em alguma época do future” (Stepan, 19752157).
2 O receio de que nao haveria eleicées presidenciais em 1965 ja se
fazia presento logo no primeiro mes da Revolucao pois naquele
A passagem do modelo unionista—autoritario para o federalismo estadualista | 6|

Dito e feito: em julho de 1964 a Emenda Constitucional r1.0 9


prorrogou o mandato do presidente até margo de 1967. A partir
dal’ ficou cada vez mais dificil manter uma relagao sem atritos
com a base civil, principalmente com a vinculada aos governa-
dores dos trés principais estados do Sudeste.
Castelo Branco tentou ainda costurar uma sustentagao poli-
tica baseada na UDN, pois temia sobretudo os ataques oposicio—
nistas do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, conhecido
como “destruidor de presidentes” (Skidmore, 1989:92). Mas a
linha dura militar continuava a defender a dilatagao do prazo
de vigéncia da “politica negativa”, ou seja, do periodo em que
deveriam ser expurgados os politicos corruptos e “esquerdistas”.
As pressoes da linha dura atingiram um governador que tinha
dado apoio a0 golpe: Mauro Borges, governador de Goias, da ala
nacionalista-reformista do PSD. Os militares consideravam seu
perfil “esquerdista” incompativel com os propésitos “anti—sub—
versivos” da Revolugao e portanto cassaram seus direitos politi-
cos em dezembro do 1964 (Stepan, op. cit.:160).
Nesse contexto, ficava quase impossivel manter uma convi-
véncia entre o regime de excegao com uma base politica civil
liberal. Mas a gota d’agua que levou o regime de vez para o
autoritarismo foram as eleigées para governador em outubro de
1965. Estavam em jogo dez governos estaduais: Para, Maranhao,
Rio Grande do Sul, Paraiba, Alagoas, Minas Gerais, Guanaba-
ra, Parana, Santa Catarina, Mato Grosso e Goias. Destes, 0s
estados da Guanabara e de Minas Gerais eram os que tinham
os pleitos mais importantes, dada a sua natureza estratégica. A
oposigao venceu nos dois estados, com Negrao de Lima na Gua—
nabara 0 Israel Pinheiro em Minas Gerais". Perdiam o Governo
Federal 9 0s governadores Carlos Lacerda e Magalhaes Pinto.

momenta Lacerda, como relatam Carlos Estevam Martins & Se~


bastiiio Velasco, “[...] ouvia de um procer da UDN a sugestao de que
deveria abdicar de sua candidatura e, recusando-a, com toda razao
atalhava: ‘Ora, se comegamos por abrir 111510 da candidatura da UDN,
provavelmente a de Juscelino nao vai existir, ontao nao havera
candidato; entao nao havera eleiqées’” (Martins & Velasco e Cruz,
1983227).
Ao todo a oposigao conquistou quatro dos dez estados em disputa:

.A.
além de Minas e da Guanabara, venceu em Santa Catarina e Mato
Grosso (cl: Moreira Alves, 1989288).
62 | A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista

Os dois governadores oposicionistas so assumiram com uma


condigao: o Governo Federal teria o direito de indicar os secre-
tarios de Seguranga dos dois estados. Tondo aprendido a lioao
do golpe de 64, quando Carlos Lacerda e Magalhaes Pinto usa—
ram suas milicias estaduais contra o presidente, o governo mi—
litar precaveu-se. Como argumenta Maria Helena Moreira Al—
ves, “as policias militares foram postas sob direto controle do
Exército, passando a ser comandadas por um general. Assim foi
que as policias militares dos Estados passaram a ser controla-
dos polo governo federal, num aparato repressivo cada vez mais
centralizado” (Moreira Alves, 1989:89)‘.
Essa medida nao foi suficiente para abrandar os animos da
linha dura militar. Instituiu—se entiio dois Atos Institucionais:
no dia 27 de outubro do 1965, apenas catorze dias depois das
eleigfies para governador, o AI-2, que entre outras coisas extin-
guia os partidos existentes e tornava indiretas as eleigoes para
presidente o vice—presidente, e como complemento dessa medi-
da, em fevereiro do 1966, 0 ALB, que tornava também indireta a
eleigao para governador de estado. A partir desse memento, nao
haveria mais um regime institucional hibrido, com elementos
do sistema politico do pré—64 convivendo corn as regras de exce-
950 do governo militar. Seria criado novo sistema politico, desti-
made a impedir toda forma do oposigao, a tornar as decisoes do
Poder Central incontrastaveis. Enfirn, estabelecia—se um regi-
me autoritario, sem data de entrega do poder aos civis.
O regime autoritario tinha como diretriz basica a maior cen-
tralizagao possivel do poder politico e das decisoes econémicas e
administrativas na esfera do Governo Federal, e dentro deste

" Apes a eleieao dos dois governadores oposicionistas em Minas Ge-


rais e Guanabara, o regime autoritario passou a controlar a area
do seguranga dos estados. Como mostra Brasilio Sallum Junior,
algumas medidas foram tomadas neste sentido: primeiro, os co~
mandos das policias militares comegaram a ser exercidos por ofici-
ais do Exército; segundo, as policias militares foram subordinadas
a um orgao federal, a Inspetoria-Geral das Policias Militares, vin-
culada a0 Estado-Maior do Exército; por fim, o exercicio das Secre-
tarias de Seguranga Pfiblica tornou—se privativo dos oficiais do Exer-
cito. Em suma, “[...] as questées de seguranga dos estados ficaram
submetidas as Forgas Armadas e a I‘nargem do controle dos gover—
nadores” (cf. Sallum Jl’lnior, 1994z6).
A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista | 63

nas méios do presidente da Repfiblica. Dessa maneira, o regime


militar seguiu o padrao Varguista de organizagao do poder, ca-
racterizado pela hipertrofia do Poder Executivo Federal e pelo
fortalecimento da Presidéncia da Repfiblica como 0 centro poli—
tico do sistema, acentuando mais seu carater autoritario5.
Para construir tal modelo de organizagao do poder, era preci—
so ter sob controle o sistema partidario, os sindicatos, a partici—
pagao popular e a Federagao. Como se procurou mostrar até
agora, foi dos estados, e mais especificamente de seus governa-
dores, que surgiram os maiores focos de resisténcia ao comando
do governo militar. A derrota do governo na eleigao para gover—
nador em 1965 em dois dos mais importantes estados da federa-
gao foi o fato propulsor para o endurecimento do regime. Para
manter a unicidade de comando do Governo Federal, regra ba-
sica do um regime autoritario, era essencial, portanto, restrin—
gir a autonomia federativa e fortalecer a Uniéio. Por isso, deno—
mino o modelo de relagoes intergovernamentais do regime mili-
tar de unionista-autoritario.
O regime militar teve assim no modelo federativo um do seus
alicerces principais. Nesta mesma linha de raciocinio, sustenta
Brasilio Sallum Jr.:
“Dentre os mecanismos que cumpriram o papel de homo—
geneizar a vontade politica da camada dirigente, a nova for-
ma de Federagao, com estados e municipios menos autono-
mos em relagao a Unifio, desempenhou o papel mais relevan-
te. Muito mais que o novo sistema partidario, apesar da aten—
gao muito maior que esse tern recebido da pesquisa academi—
ca” (Sallum Jl’mior, 19943).
O modelo unionista-autoritario de relagoes intergovernamen—
tais montado pelo regime militar tinha trés pilares: o financei-
r0, 0 administrativo e o politico. Do lado financoiro, o modelo
visava centralizar ao maximo as receitas tributarias nas maos

5 Com relagao a0 padrao Varguista, Aspasia Camargo afirma que


“[...] tivemos uma Era de Vargas com Vargas, uma Era de Vargas
sem Vargas e, finalmente, uma Era de Vargas contra Vargas, na
medida em que a hostilidade do regime do 1964 a sua heranga
populista 1150 OS impodiu do reeditar ostrutura semelhante ao mo—
delo autoritario que ele havia implantado, com os mesmos objeti-
vos nacional‘desenvolvimentistas” (Camargo, 1992:8-9).
64 I A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

do Executive Federal, dando-lhe controle quase que complete


das transferéncias de recursos para os estados e municipios. O
aspecto administrative, por sua vez, objetivava uniformizar a
atuacao administrativa nos tres niveis de governo, guiados pele
planejamento central. E, por fim, do ponto de vista politico, e
Governo Federal procurou controlar integralmente as eleicoes
as governadorias, evitando que a oposicao conquistasse as ma-
quinas estaduais. Os militares sabiam que, mais do que os par-
tides, e grande contrapeso a 39510 do Executive Federal tem side
historicamente constituido pelos governadores.
Esse modelo de relacoes federativas funcionou a contento até
1974, quando a Arena teve sua primeira grande derrota eleito—
ral, numa disputa envolvendo as vagas nas Assembléias Legis-
lativas, Camara Federal e Senade. A partir dai, o modelo unio-
nista-autoritario entra em crise, que nae conseguiu ser detida e
cujo desfecho foi o restabelecimento do poder dos estados no
jogo federativo, ja em plena fase de redemocratizacao do pais.

O apogeu do modelo unionista-autoritario (l 965-l 974)

Nesse periodo, a engrenagem federativa funcionou, em gran-


de medida, conforme planejou o regime militar, embora houves-
se, no que se refere ao aspecto politico, a necessidade de intro-
duzir casuismos a0 longe do trajeto. Mas mesmo com estes ca—
suismos, o regime militar, até 1974, nunca chegara a perder e
controle da “nau” da Federacao. O modelo unionista-autoritario
tentou manter-se por meio da compatibilizacao — embora tensa
—— entre a ideologia tecnocratica-centralizadora e até antipoliti—
ca presente na elite civil e militar do regime militar com a bu sca
de legitimacao pela via eleiteral, baseada num esquema de pa-
tronagem estabelecido com os municipios do interior (cf. Medei-
ros, 1986). Mas, quanto mais o regime avancava no tempo, mais
dificil se ternava a compatibilizacae da ideologia centralizadora
e anti-politica com os ditames da politica local brasileira, ate
chegar a um ponto em que a manutencao desta estratégia ficou
insustentavel. O declinio do modelo unionista-auteritario e o
im’cio da redemecratizacfio tém come um dos fatores explicati-
vos mais importantes o fracasso de tal estratégia.
No aspecte financeiro, es militares fizeram duas macro-re
form-as que afetaram diretamente a dinamica federativa: a mu—
A passagem do modelo unionista—autoritario para 0 federalismo estadualista | 65

danga na sistematica orgamentaria e a alteragao do quadro tri-


butario. A primeira mudanga visava a acabar com a extrema
pulverizaeao dos recursos orez-lmentarios federais, tal eomo aeon-
tecia no periodo pré-64, em razao da atuagao “emendista” dos
deputados em favor de suas regiées. Esta pratica dos deputados
conflitava com 0 ideal de planejamento e racionalizaeai') dos gas-
tos piiblicos propugnado pela tecnoburocracia do regime auto—
ritario. Roberto Campos, um dos idealizadores das primeiras
reformas finaneeiras feitas pelos militares, descrevia assim o
eomportamento do Congresso, em relagao ao Oreamento no pe—
riodo pré—64:
“O Congresso havia se transformado em ‘engenho da infla~
efio’ ao multiplicar o oreamento de dispendio, e em ‘f'ator de
distorgao’ de investinmntos pela sua hipersensibilidade a pres—
soes regionais capazes de destruir a coeréncia e o equilibrio
de planes 0 programas” (Campos, 1975:35—6).
Para acabar com a influéneia regional no proeesso orei'unem
tario, tal eomo descrita acima por Roberto Campos, o governo
militar praticamente retirou todos os poderes do Legislativo em
matéria orgamentaria. Per meio de certos dispositivos do texto
Constitucional de 1967 mantidcm na Constituieao de 1969, 0 re—
gime autoritario limitou “l...] o Peder Legislativo a tarefa de
simplesmente autenticar o projeto de lei oreamentaria” (Serra,
1990:85).
Na realidade, com essa medida o Governo Federal nao aca-
bou com a influencia regional, mas sim obtewa o controle total
do processo orgamentario, transferindo a aeao dos deputados
para os ministérios, onde o poder de barganha dos parlamenta—
res diminui. 0 Executive Federal ganhou nfio so maior liberda—
cle orgamentaria, come tambem maior controle sobre os deputa-
dos 0 0s chefes politicos locais, peeas fundz‘unentais na estrutu-
ra eleitoral brasileira. Além disso, tal mudanqa enfraquecia o
esquema politico tradicional dos parlamentares, pois 0s chefes
locais muitas vezes organizaram suas demandas de forma in-
dependente dos deputados de suas regioes. Os ehamados “anois
buroeratieos” (Cardoso, 1975) tinham como uma de suas fun—
e'oes ser 0 locus das demandas paroquialistas.
Mas a grande mudanea no aspecto financeiro do federalismo
foi efetuada pelo processo de reforma tributaria, inieiado com a
Emmida Constitueional n.” 18, de 1965, e consolidada com a Lei
66 | A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

5.172 de 25 de outubro de 1966, criadora do Cddigo Tributario


Naeional. Com pequenas alteragées, a Constituieao do 1967 con-
firmara as diretrizes gerais adotadas (Oliveira, 1980:50). 0 re-
sultado dessas reformas foi uma maior centralizagao das recei—
tas tributarias nas maos da Uniao, além do aumento do contro-
le do Governo Federal sobre as transferencias intergovernamen-
tais.
O ente federativo mais prejudicado com a nova realidade tri-
butaria foi 0 estado—membro. O objetivo do governo militar era
claro: 0 enfraquecimento financeiro ——- como também adminis-
trativo e politico —— inviabilizaria 0 exercicio pelas unidades es-
taduais da fungao do contrapeso ao Poder Central, o que histori-
camente foi norma no federalismo brasileiro.
As perdas dos municipios foram menores e, além d0 mais, 0
Governo Federal procurou transferir recursos diretamente para
eles, de forma tutelada, seja pela via das transferéncias nego-
ciadas, seja a partir do Fundo de Participagao dos Estados e
Municipios (FPEM), buscando vincular parcela significativa dos
recursos transferidos a determinados gastos. Nesta estratégia
do regime militar, a intensificaeao das relacoes financeiras en-
tre a Uniao e as municipios procurava trazer o poder local para
a esfera de influéncia do Governo Federal, retirando um dos
maiores poderes do governo estadual, qual soja, o controle poli—
tico-econémico da esfera municipal.
O fortalecimento da Uniao e 0 enfraquecimento dos estados
na area tributaria podem ser confirmadas pelas seguintes me—
didas adotadasfiz
—— Na nova ordern fiscal, a Uniao ficou com dez impostos e os
estados e os municipios com dois cada. O Governo Federal ad-
quiriu dois impostos que na estrutura anterior pertenciam as
unidades subnacionais -— 0 de exportagao, que era importantl’s-
simo para os estados, e 0 imposto sobre a prepriedade rural, que
era dos municipios;
— Somente a Unifio era facultado criar impostos novos, ti-
rando dos estados e municipios a competéncia residual do de—
cretar tributes existente na Constituigfio de 1946;

‘i Estas informagées foram retiradas basicamente dos textos de


Oli-
veira (1980) e Alonso (1989).
A passagem do modelo unionista-autoritzirio para o federalismo estadualista l 67

— O Geverno Federal fertaleceu a tributacao que era imune


a distribuicao censtitucional aes estados e municipies, come 0
IOF e de centribuicoes sociais;
— Fei transferido para 0 Senade e poder que as unidades
estaduais desfrutavam de estabelecer livremente as aliquetas
do seus impestes (ICM e ITBI), tende o presidente da Republica
o poder de fazer prepostas, significande na pratica que a deci—
sao filtima era do chefe d0 Executive Federal;
— Alegando interesse nacienal, a Uniao concedeu uma série
de isencees de impestes estaduais para diverses seteres econo-
mices.
A cencentracae dos tributes nas maes da Unié‘io resultou num
aumente de sua receita tributaria no PIB, que salteu de 6,85%
em 1965, para 9,73% em 1974 (Oliveira, 1980:51). Para compen-
sar a perda de receita das unidades subnacienais, foi criado o
Funde de Participacao dos Estades e Municipies (FPEM), cujos
recurses previnham de tributes da Uniae, mais especificamente
de parcela do Impeste de Ronda (20%) e do Impeste sebre pro—
dutes industrializades (20%), sende que metade de cada quota
parte dos tributes cabia aos municipies (10% do IR e do IPI), e a
eutra metade cabia aos estades (10% do IR e do IPI). A maier
parte das transferéncias, no entanto, ebedecia a Vinculacfies es—
tabelecidas pele Peder Central. Os critéries do rateio eram pe-
pulacae e rendaper capita, bencficiando as Regiees mais pebres
d0 pais.
Os municipies também recebiam 20% d0 total arrecade de
ICM, imposte estadual, que podiam ser gastos livremente. Esse
ponte merece atencae, perque enquanto as transferéncias da
Uniao as unidades subnacionais eram feitas com vinculacees
impestas pele Peder Central, es estades transferiam recurses
sem nenhurna vinculacae. Dessa ferma, estabelecia-se uma re-
lacae de dependéncia dos municipios com a Uniae, e nae com es
estades e seus governaderes (Sallum Junior, 199428). 0 regime
militar pretendia romper a antiga dependéncia dos municipies
com o gevcrno estadual, que era um dos principais pilares do
peder dos governaderes. N0 seu lugar, precurava-se estabelecer
uma dependéncia do poder local com 0 Executive Federal.
Com 0 endurecimente de regime em 1968, nevas medidas fo—
ram tomadas para centralizar mais es receitas, aumentar 0 con—
trele no repasse dos recurses e estreitar mais a autenemia tri—
68 | A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

butaria no nivel estadual. Reduziu-se, através do Ato Comple—


mentar n." 40, em 50% o quantum a ser repartido as unidades
subnacionais no FPEM7; introduziram—se mais vinculagées e exi-
géncias de elaboragao de projetos por estados e municipios para
liberagéo de recursos federais; foram estabelecidas concessées
indiscriminadas de incentives fiscais dos impostos estaduais e
municipais; aumentaram as transferéncias negociadas — ex-
clusivamente definidas por critérios politicos — para as esferas
inferiores de governo e houve uma diminuigao progressiva das
aliquotas d0 ICM (cf. Afonso, 1994 e Oliveira, 1980:50-1).
O resultado destas mudangas podem ser visualizadas na Ta—
bela 1.

We“ 1:,,Rmi£i:$_t:i_bu_térias liquidss dasliéjfifersssagovemq 1965/12E_‘_%>____


Anos Uniaol Estados'2 Municipios3
1965 39,0 48,1 12,9
1968 40,6 42,5 16,9
1970 45,7 39,6 14,7
1972 49,7 36,5 13,8
1975 50,3 36,0 13,7
1 Receita tributaria da Uniao, menos transferéncias aos estados e municipios
'3 Receita tributaria dos estados, menos transferéncias aos municipios, mais transferéncias
da Uniao.
3 Receita tributaria dos municipios, mais transferéncias da Uniao e dos estados.
Fonts: Adaptado de Oliveira, 1992:46.

Como se vé, entre 1965 e 1975 a Uniao obteve acréscimo de


cerca de 11% em sua receita, os municipios tiveram pequeno
aumento (0,8%) e 0s estados perderam aproximadamente 12%.
Porém, 0 Governo Federal criou algumas contrapartidas finan~
ceiras, exatamente porque precisava do apoio eleitoral das eli—
tes politicas estaduais ligadas a0 governo. Dada a necessidade
de conseguir legitimag’ao eleitoral, mesmo que fosse para um

7 O Ato Complementar n." 40 também criou um Fundo Especial do.


auxilio a0 Norte e Nordeste, com recursos provenientes do IR 0 d0
IPI — 2% do total arrecado dos dois impostos. A criagao do Fundo
Especial visava aumentar o controle do Peder Central sabre estas
I'egiOes, especialmente porque 40% dos recursos transferidos nao
tinham critérios prefixados do distribuieao, cabendo a Uniflo re-
passar livremente estes recursos. O controle dessas duas regioes,
normalmente afeitas ao governisn‘n‘), era fundamental para ajudar
n governo a ter uma maioria segura no Congresso.
A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista | 69

nfimoro restrito do cargos eletivos, nao seria possivel para 0 re—


gime militar deixar os estados “a p510 o agua”. Ademais, a dis-
tribuigao de recursos as unidades estaduais foi pautada pela
estratégia de conquistar aliados, dando tipos diferentos de con-
trapartidas financeiras, dependendo do porte e da insergao fe-
derativa do estado beneficiado.
Os estados das Regiées Norte, Nordeste e Centro-Oeste f0-
ram os mais beneficiados pelas transferéncias negociadas e pela
repartigéo dos recursos do FPEM, cujos critérios eram de cunho
redistributivo. Lawrence Graham, analisando 0s anos de 1970 o
1975, mostra que a parcela das transferéncias federais consti—
tucionais representava grande parte da receita dos estados da
Regiao Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ocorrendo o contrario
no Sul e Sudeste (Graham, 1990189).
Nas regiées mais ricas foram usadas, de forma secundaria,
as contrapartidas financeiras das transferéncias negociadas ——
em menor grau -—— e do endividamento externo, embora este Lil—
timo ainda tivosse, até 1975, controle rigido do Governo Federal
(cf. Biasoto Jfinior, Passanezi Filho & Guardia, 1992158). A gran-
de contrapartida financeira era a manutonoao de um modelo
econémico com investimentos extremamente concentrados nos
conglomerados industriais do Sudeste. Com relaoao ao investi-
mento do setor pliblico, 0s dados de Fernando Rezende sao defi-
nitivos: em termos agregados, a Regiao Sudeste concontrava,
em 1975, 70% dos investimentos pfiblicos federais (Rezende,
19821515).
E que, até esse periodo, 0 modelo unionista-autoritario man—
tinha o mesmo padrao do investimento regional estabelecido pelo
Estado desenvolvimontista desde sua origem, sondo a Regiao
Sudeste a mais beneficiada, sobretudo SE10 Paulo. Nas palavras
de Brasilio Sallum Jr.:
“Ate 1973 a politica econémica tratou basicamento de esti-
mular as atividades economicasja estabelecidas, [e] o desen-
Volvimento industrial continuou concentrado em 8i Paulo
(corca de 50% do produto industrial), tanto quanto o era no
firm da década de 50” (Sallum Junior, 1994:15).
Esse padrao economico e financeiro do modolo unionista—au-
toritario sobrovivera polo monos até 1974. Mas, om razao do
mudangas do ordem politica, e10 ontrara em criso.
No ambito administrativo, o processo decisério no regime
70 | A passagem do modele unionista-autoritério para o federalismo estadualista

militar tinha come diretriz central 3 harmonizacao e a homoge-


neizacao da acae politica, definidas per um centre politice in-
contrastavel. N esse sentido, a atuacao do Governo Federal nae
se resumiu ao controle financeire e pelitice das unidades subna~
cionais; houve também atuacao sistematica para harmonizar e
homogeneizar a estrutura e a pratica administrativas dos esta—
dos e municipios. Esse objetivo administrative foi guiado per
duas concepcoes gerais de come deveria funcionar o sistema:
primeiro, 0 Executive Federal, per meio do planejamento cen-
tralizado, deveria estabelecer as regras comuns a toda a Fe-
deracao, de mode que compatibilizasse a acao das unidades
subnacionais com os interesses estratégicos do Peder Central.
Segundo, a Uniae agiria diretamente nos estados e municipios,
per intermédio do orgaos da Administracao Direta e Indireta,
em nome da modernizacao administrativa do pais e da coopera—
cao entre as esferas de geverne, quando na verdade a finalidade
dessa medida era ebter maior centrole das atividadcs adminis—
trativas dos governos estaduais e municipais.
Trés razees fizeram o aspecto administrative ter crucial im—
portancia dentro do modele unionista-auteritario: o enfraque-
cimento quase que complete da autonomia politica dos esta—
dos, a centralizacao da maior parte dos recursos financeiros
nas maos da Uniéio e a vigéncia de uma visao administrativis~
ta —- antipolitica per natureza —— da elite do governo militar,
que concebia as formas de integracz’io entre as esferas de go—
verno come essencialmente administrativas. De fate, a arti~
culacao entre os trés niveis de governo no regime autoritario
se processou predominantemente per canais administrativos
e nae em arenas politicas, pelo menes até 1974 (Medeiros,
1986:123).
Um bom exemplo da concepcao administrativa do modele
unionista-autoritario pode ser encontrado no balance preli-
minar dos resultados econémicos de 1970, apresentado pelos
ministros da Fazenda e do Planejamento ao Presidente Médici.
Neste texte havia um item intitulado “Articulacao com os Es-
tados”, o qual proclamava dois objetivos a serem atingidos:
“1) Estabelecimento de mecanismos praticos e sistemati-
cos para permitir a compatibilizacao entre o programa nacio—
nal do desenvelvimente e 05 planes dos estados, para a obser-
vancia do prioridades nacienais e para a atuacae consistente
1 7|
A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

das diforentes esforas de Governo, em suas respectivas areas


do competéncia.
“2) Fortalocimento da orientagao da atuagao intograda en—
tre a Uniao e estados, no campo fiscal e nos principais soto-
res. Em cada uma das principais areas comuns de atuagao ——
Educagéo, Sande, Saneamento, Agricultura, Transportes,
Comunicagoes, Energia Elétrica etc. —-—- sora definida divisao
de trabalho e estabelecido esquema de cooperagéio financeira
e técnica” (apud Santos, 19712123).
Esse modelo do relagao intergovernamental foi chamado pela
tecnoburocracia militar de “federalismo cooperativo” e teve nos
arranjos administrativos sua base de sustentag’ao. A “coopera-
gao” entre as esferas do governo significava na realidade 3 im-
plementagao de um modelo piramidal do relacionamento fedo-
rativo, em que a Uniao subordinava os estados e os municipios
ao sou comando. Nao existiam dois centros de poder autonomos
(estado e Uniao) negociando as questoes intergovernamentais,
tal como no modelo do federalismo ropublicano, mas apenas um
centro de podor comandando toda a engrenagem federativa.
Dessa maneira, o principio reinante nao era 0 da cooperagao
mas 0 da subordinagao.
O modelo unionista—autoritario se utilizava de quatro meca—
nismos para implantar sua logica administrativa. O primeiro
era a expansao dos orgaos da Administragao Direta do Governo
Federal com atuagéo nas esferas inferiores de governo, criando
ou reforgando os escritorios regionais dos ministérios. O segun-
do mecanismo era a proliferagao de agéncias da Administragéo
Indireta atuando nos estados e municipios. Desde a implanta-
950 do Decreto-Lei 200, as agéncias descentralizadas foderais
expandiram—se extraordinariamente, tornando—se um forte ins-
trumento do intervengao economica do Governo Federal (Sallum
Junior, 1994:8).
O Docreto—Lei 200 tevo fundamental importancia no desenvol-
vimento da estrutura administrativa implementada pelo regi-
me militar. A partir dole, expandiu-so a Administragao Indirota
em boa parte do estados brasileiros. A concepgao do Decreto-Lei
200 era baseada no modelo francés de Administragéo Publica,
cuja légica é a da dosconcentraoao e da delegagao de podores e
fungfies, prépria de um pais unitario (Medoiros, 1986:166—7). Esse
modelo respondia idealmento as nocessidades do Governo Fe—
72 | A passagem do modelo unionista-autoritzirio para o federalismo estadualista

deral de aumentar sua atuaeao nas esferas subnacionais, ja que


mantinha a coordenaeao geral do processo nas maos da Uniao,
sem correr o risco de ser atingida por arroubos autonomistas
dos estados e municipios.
Existiam ainda dois outros mecanismos importantes do me-
delo unionista—autoritario no ambito administrativo. Urn deles
era 0 incentivo que o Poder Central dava aos estados para re-
produzir a estrutura administrativa federal em suas maquinas
publicas. Iss0 era feito por consultorias técnicas que visavam
convencer as unidades subnacionais da “superioridade técnica”
do modelo administrative do Executive Federal. Porém, como
mostra Anténio Carlos de Medeiros, o principal fator que incen—
tivou os estados a copiar estrutura administrativa da Uniao era
a maior facilidade de obter recursos técnicos e especialmente
financeiros se eles se organizassem de forma similar a Adminis-
tragao Publica Federal (Medeiros, op. cit.:165).
O Ultimo mecanismo administrative do modelo unionista-au—
toritario foi o convénio. Destinado a oferecer assisténcia técnica
e, sobretudo, a transferir recursos financeiros, o mecanismo do
convénio era um dos pilares do que a tecnoburocracia militar
chamava de “federalismo cooperative”. Por meio do convénio, os
estados e municipios se comprometiam a seguir a risca as dire—
trizes federais em determinada politica pliblica. Entretanto, de
cooperative o convénio nao tinha nada. Primeiro porque a ini-
ciativa sempre cabia a Uniao e as unidades subnacionais resta-
Va apenas aceitar ou néio os termos do convénio — e nae aceitar
significava perder recursos valiosos, em tempos de “vacas ma-
gras” para os municipios e, especialmente, para os estados. Se—
gundo, para que o convénio fosse verdadeiramente um meca-
nismo cooperative, no sentido que o federalismo republicano (151
a essa palavra, os participantes deveriam seguir a légica da par-
ceria”. Todavia, como nota Antonio Carlos de Medeiros:

3 Dentro do mareo teorico do federalismo republicano, Daniel Elazar


define assim a légica da pareeria: “Parceria implica a distribuigdo
real de poder entre Varies centres que devem negociar arranjos co-
operatives uns com outros de forma a obter objetivos comuns"
(Elazar, 198422 —— grifo men). A situaeao do federalismo no regime
:ulttgiritario estava hem longe de uma distribuieao real de poder entre
as esferas de governo.
mo estadualista | 73
A passagem do modelo unioniSta—autoritario para o federalis

o cen-
“As relaefjes entre estados e municipios com o govern
as a de um cliente com um banqu eiro: o lilti—
tral eram analog
numa posiea o do poder. Parce ria nao é um
mo sempre esta
5).
conceito adequado para descrevé-las” (Medeiros, op. cit.:17
ta—au—
A elite tecnoburocratica justificava o modelo unionis
ento de que o regim e procu rava “mode r-
toritario com o argum
das decisoes do gover no centra l. Contu do,
izar” o sistema a partir
, a
em virtude da manuteneao de eleigfies para alguns cargos
teve de conviv er com os ditam es da po—
logica administrativista
a que come—
litica. E foram as dificuldades no reino da politic
e mi—
earam a ruir a estrutura federativa montada pelo regim
litar.
au-
No campo mais propriamente politico, o cerceamento da
pais obj etivos do modelo unio-
tonomia estadual foi um dos princi
nas eleieoes
nista-autoritario. Depois da vitéria oposicionista
e de Minas Gerais em 1965, o
para os governos da Guanabara
do Alfi3 (fever eiro de 1966), a
regime militar adotou, através
gover nador de estado . O impor—
regra da eleieao indireta para
Al—3 e a Const ituiea o de 1967
tante é notar, no entanto, que o
as eleieé es para gover nador em
definiam como indiretas apenas
as eleigo es para as govern ado—
1966 e 1970, estabelecendo que
liberali-
rias estaduais seriam diretas em 1974. A promessa de
ser percebi-
zaeao do regime esteve sempre presente e isso pode
nal (de—
do pela manutengao de eleieées para o Congresso Nacio
e parte das prefei turas, para
putados e senadores), para grand
Legislativas. A
as Camaras Municipais e para as Assembléias
porqu e o regim e pretendia ter
competieao politica foi mantida
para poder contro lar, quan—
algum tipo de legitimagao eleitoral
isso que
do chegasse a hora, a liberalizaeao do regime. E por
ao auto-
Juan Linz classificou 0 case brasileiro come uma “situag
ritaria mais do que um regime autoritario” (Linz, 1973).
era pega-cha-
Os militares sabiam que o cargo de governador
Central e
ve na articulagao de qualquer contestagao ao Poder
quando fos-
portanto sua eletividade so poderia ser readquirida
Por isso, a
se possivel liberalizar o regime de forma controlada.
tempo pela dis-
legitimaeao eleitoral nao passaria por um bom
puta dos governos estaduais.
0 ALB foi
A primeira eleigao indireta para governador apos
dispu ta em doze estado s. O
em 1966, quando estava em jogo a
preca ueoes para nae ser derrota —
regime militar tomou todas as
74 | A passagem do modelo unionista—autoritério para o federalismo estadualista

do, tal como ocorrera em 1965. Antes do pleito, uma medida de


impacto foi tomada: o governador de Sao Paulo, Ademar de Bar-
ros, foi cassado, em julho de 1966. O pretexto utilizado foi a
acusagao de corrupgz‘io no exercicio do cargo de governador, mas
0 real motivo era outro: a manutengao de um politico com enor—
me influéncia sobre suas bases, exatamente no principal estado
da Federagao, cuja maquina pfiblica estadual era fortissima, se—
ria um obstaculo para a implementagao do proj eto dos militares
de controlar todos os governos estaduais. Este episodio mostrou
que o regime iria controlar as eleieoes de 1966 a todo custo.
A participagao da oposigao (MDB) no pleito foi limitada por
duas razoes. Primeiro por causa da sua incapacidade de se or-
ganizar em todos os estados da forma que previa a nova legis-
lagao partidaria. Em segundo lugar, a Lei das Inelegibilidades
autorizava o impedimento da candidatura de todo politico cujo
perfil fosse considerado incompativel com os objetivos da Revo-
lugao‘v'.
Onde o partido do governo nae conseguia obter maioria, esta
era “criada” para a Arena. 0 case do Estado do Rio Grande do
Sul é paradigmatico nesse sentido, sendo cassados deputados
do MDB para garantir a vitéria do governador ligado ao regime
militar. Mas no Rio Grande do Sul essa aeao foi interpretada
como muito extremada, levando a abstengao deputados arenis-
tas que tinham sido do antigo PSD, quase permitindo a eleigao
do candidate do MDB (cf. Fleischer, 1986:22).
A proxima eleiefio para governador, em 197 0, ocorreu num
clima muito pier para a oposigao, pois o regime tinha endure—
cido suas posieoes. Apés o AI-5, em dezembro de 1968, e com a
escolha do General Emilio Garrastazu Médici para presidente,
a estratégia de controlar as eleigoes para os governos estaduais
se tornou mais rigida, sobretudo porque subiu a0 poder o grupo
entre es militares que mais defendia a idéia de “limpeza” do
sistema politico.
O regime percebera que mesmo com a diminuieao das auto-

” Cf. Moreira Alves, 1989:101. Maria Helena Moreira Alves mostra


ainda que somente no Estado da Guanabara doze candidates do
MDB tiveram neg-ado o direito de concorrer a eleieao, sob a acusa-
950 de “serem subversivos” (p. 101.).
me estadualista | 75
A passagem do modele unionista-auteritério para o federalis

gevernes esta-
nemias financeira, administrativa e pelitica es
fazer pelitica.
duais permaneciam come pederosas maquinas de
em larga escala
Isse perque a legica da patronagem, sustentada
0 nexe estru-
nas maquinas estaduais, ainda permanecia come
de ferma mais
turader das carreiras peliticas no Brasil, embera
palavras, ape—
branda comparada ae periede pré—64. Em eutras
elaborades no
sar do nae peder ignerar per complete es prejetes
classe pe-
Peder Central pela cflpula militar, a sebrevivéncia da
peliticas
litica dependia fertemente da vinculagae com as redes
estaduais (Abrucie & Samuels, 1997:145).
ser 0 mais
Pertante, e centrole das gevernaderias deveria
o seu impac te na carre ira da classe politi—
estrite pessivel, dado
percebe-
ca tradicienal. Para alcancar essa meta, es militares
precise eleger
ram que nae bastava ter eleigees indiretas; era
nca, es quais prefer encia lmente deve—
governaderes dc cenfia
a estru tura demo cratica do periedo
riam ter peuces laces com
de ebede cer mais ae ceman de provin-
anterior e também teriam
estadual.
de do Executive Federal de que a legica da pelitica
ente Medic i precureu acem panhar
Nesse centexte, e Presid
a gevernader
passe a passe a escolha de tedes es candidates
direta mente e preces so. Tedes es can-
pela Arena, influenciande
es indiretas passa ram pele crive
didates vencedores das eleice
finice vence der de MDB, Chag as Frei-
do presidentc, inclul’do e
tante netar que Chaga s Freitas
tas (Guanabara). Mas é imper
ente com es milita res, chega nde a
tinha excelente relacienam
e da Reve—
dizer que se censiderava urn hemem de MDB a servic
lucae de 1964 (Diniz, 1982:56).
esco-
Médici precureu também mudar o perfil dos candidates
es corn perfil mais técnic e do que
lhides, dande preferéncia aquel
come es denomi-
pelitice. Os chamades gevernaderes-técnices,
Santo s (Sant os, 19712123), aumen-
na Wanderley Guilherme dos
Segun-
taram sua representacae na nova safra eleita em 1970.
erme , heuve um aume nte de du-
do dades de Wanderley Guilh
es, passande
zentes per cente no nfimere de gevernaderes técnic
5). Carlos
de um em 1966 para cince em 1970 (Santos, ep. cit.:12
ene, diverge no
Castelle Branco, ressaltande e mesme fenem
gevernade—
entanto quante aes dades. Para ole, seriam doze es
eleites no pleito
res com perfil técnice e dez com perfil pelitice
1979: 602). Se diverg em com relacae
de 1970 (Castelle Brance,
ae do nL’lme re de gever nadores-téc-
aos critérios e a quantificag
76 | A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo
estadualista

nicos, os dois autores concordam entretanto que houve impor-


tante mudanga nos padrfies de acesso as governadoriaslo.
O discurso que legitimava esta mudanga no padrao de esco-
lha dos governadores era 0 da “limpeza” do sistema politico
, ali-
ado a uma Visao administrativista e antipolitica do jogo politico
.
Na pratica, porém, havia algo mais do que a “limpeza” do
siste-
ma politico. Primeiro havia a necessidade d0 subordinar, poll’-
tica e administrativamente, o governador a0 presidente.
Essa
posigao é bem exposta por Wanderley Guilherme dos Santos:
“Consta que a cuidadosa selegao dos novos governadores [os
de 1970] teve por propésito garantir o entrosamento progra
-
matico dos niveis federal e estadual. Pela escolha daqueles can-
didatos mais afinados com 0 programa de aqao do govern
o fe—
deral ficaria o presidente da Reptiblica assegurado de
que a
concentragéio de esforgos — nos dois niveis de governo
— se
fara de acordo corn as prioridades que fixou. Politicament
e,
extingue-se aquela area de conflito entre os governo centra
le
estaduais, criada pela diversidade de énfases administrativ
as.
Dos novos governadores se espera pois que desempenhe
m sem
desvios acentuados a parte que lhes cabe de conformidad
e com
o planejamento global do Executivo” (Santos, op. cit.:123
).
A necessidade de compatibilizar as agoes dos estados com as
diretrizes da Uniao n50 significou, em nenhum momen
to, a al-
teragao profunda do status quo das oligarquias region
ais ou da
légica de sobrevivéncia das elites locais. Recorrendo novam
ento

1" E muito interessante a comparagao feita por Carlos Castell


o Bran-
co do processo dc escolha dos governadores no governo Castelo
Bran-
co 9 na gestao de Médici. Eles adotaram uma diretriz
comum: recu-
saram apoiar a candidaturas de militares da ativa para as govern
a-
dorias estaduais. No resto, contudo, parece so haver discord
ancias.
“O primeiro presidente da Revolugéio [Castelo Branco] encam
inhou
solugées politicas, compondo em cada Estado as forgas regiona
is
em torno do politicos de transito revolucionario. Ja o terceiro
presi-
dente [Medici] prefere o apolitico, o técnico, certo de que
a tarefa
administrativa exige nao se sabe hem quo tipo de
especializagao,
mas algo que possa envolver um diploma do engenh
eiro, de econo-
Inista ou de administrador. Com isso 0 General Medici procur
a des-
conhecer a natureza essencialmente politica do posto
de governa-
dor e manifesta uma preferéncia por especializagoe
s na linha do
que se definiu como militarismo tecnocrzitico” (Caste
llo Branco,
197 9:504).
A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista | 77

a Carlos Castello Branco, cito uma passagem um tanto longa,


porém extremamente esclarecedora neste sentido:
“Seria, portanto, impostura admitir que, com o método ado-
tado para selecionar governadores, o governo da Republica
pretendesse acabar com as oligarquias. Nem 0 General Mé-
dici nem seu assessoramento alegam tal propésito. O que eles
parecem pretender é ter nos Estados homens de confianca do
sistema revolucionario tal como ele existe na sua fase atual,
pois alguns dos eliminados de hoje ja haviam sido beneficia—
dos por critérios revolucionarios de fases anteriores. [...]. De
qualquer forma, nao esta havendo quebra de equilibrio de
poder, em termos sociais c economicos nos diversos Estados.
Havera, no maximo, uma circulacéio de valores individuais,
promovida pelas prevencoes pessoais ou pelas alternativas
dos ficharios do SNI.”
E continua comentando sobre as eleicoes de 1970:
“As oligarquias, onde existem, n50 se abalarn com as Inu-
dancas que o presidente esta fazendo. Os futuros governado-
res serao rapidamente absorvidos pelo sistema local de po—
der, pois nao o contradizem em nada. As oligarquias estéo
tranquilas e a ordem economica e social nae esta ameacada”
(Castello Branco, op. cit.:502).
Mas por que o regime militar nao alterou a legica oligarquica
da politica brasileira? Em primeiro lugar, porque foram manti-
das as eleigoes nas quais a base local definia os vencedores: de—
putado federal, deputado estadual, vereador e para prefeito, elei-
coes marcadas, de modo geral, pela patronagem e pelo estilo
“coronelista” de fazer politica“. Além do mais, os “governadores

” A importancia da base local para os politicos brasileiros do periodo


— o que em grande medida ainda vale para o memento aLual —— é
bem focalizada por Margaret Sarles: “Embora sejam legalmente
eleitos pela circunscricao estadual, os politicos sac (realmente) elei-
tos pelos municipios. Tipicamente, um deputado federal obtém 85%
on mais de seus votes dc dois ou tres municipios adjacentes e rece-
be pouquissimos votos no resto do cstado. Os candidatos devem
explicitarnente se considerar como representantes de um ou dois
municipios durante a campanha eleitoral. Para vencer as eleicoes,
eles cortej am a elite politica local e trabalham suas campanhas em
conjunto com o eleitorado que regularmente 0s elegem. Mesmo du-
rante os dias mais repressivos do regime militar, os politicos
78 I A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo
estadualista

biénicos” nomeavam os prefeitos das capitais, os unicos pleitos


nos quais poderia haver uma disputa menos marcada pela pra—
tica politica oligarquica.
Segundo argumenta Anténio Carlos de Medeiros, “[...] sem
o
suporte da elite local, 0 regime nao manteria sua clara maioria
no Congresso, necessaria para reivindicar legitimidade parcia
l
e preservar a estabilidade politica por intermédio da acomoda-
cao inter-elites” (Medeiros, op. cit.:140).
O Governo Federal utilizou-se da patronagem e foi até muito
bem-sucedido nas eleicées de 1970, para o Congresso Nacional,
e nas de 1972, para prefeitos e vereadores. Para 3 Cémar
a Fe-
deral, a Arena elegeu 220 deputados contra 90 do MDB;
j a nas
eleicées municipais de 1972, o partido governista obteve 92%
das prefeituras em disputa”. E bem verdade que toda uma
en-
genharia eleitoral foi construida para dar suporte a estraté
gia
de patronagem nas eleicées com base local (Skidmore, 198912
27).
Mas seria praticamente impossivel manter por muito
tempo
0 esquema de patronagem na grande maioria dos munic
ipios
exatamente porque 0 regime militar nao conseguiu criar
uma
logica de atuacao nacional a classe politica, por meio do fortale
-
cimento da cfipula partidaria nacional, nem constituir
um me—
canismo para reproduzir nas maquinas publicas estadu
ais as
diretrizes de Brasilia, uma vez que fracassara a estratégia
dos
governadores-técnicos. Qual a razao desse fracasso?
O sucesso de curto prazo da estratégia dos governadores-téc—
nicos, na verdade, semeou o seu préprio fracasso. Isso porque
0s
militares quiseram que as elites estaduais engolissem
“goela
abaixo” 0s governadores nomeados pela cfipula governista,
os
quais também procuravam escolher o secretariado pelo
critério

retornaram para as suas base municipais e assiduamente


reno-
vavam seus elos com os lideres partidarios locais. Em suma,
08 p0-
liticos geralmente n50 se afastavam da politica municipal, 0 0s
vin-
culos pessoais entre os politicos locais, estaduais e federais
de uma
mesma area eram mantidos” (Sarles, 1982:51).
‘2 Cf. Skidmore, op. cit.:229 e Medeiros, op. cit.:60. Anténio
Carlos de
Medeiros contabiliza de forma mais precisa ainda a vitoria
do par-
tido do regime nas eleicées municipais de 1972: a Arena
elegeu
3.349 prefeitos e 29.331 vereadores enquanto 0 MDB
s6 conseguiu
eleger 436 prefeitos 0 5.936 vereadores (p.136).
o federalismo estadualista | 79
A passagem do modelo unionista-autoritario para

a nesse sentido,
meramente técnice”. Quante mais se caminhav
nto das elites estaduais. Tal
mais aumentava o descententame
para o regim e, uma vez que a
situacae criava grande preblema
subs trate era subn acien al ternava
manutengae de eleicees cuja
e peliti ca local para erga nizar
0s militares dependentes da class
e em alguns cases
a campanha des “escolhides” —- gevernadores
se recrutar candidates para
senadores. Além do mais, era preci
tégices para o bom
os demais carges, que eram, ressalte—se, estra
s, e neva mente a cfipula
desempenhe nas eleicees majoritaria
: e crescente
da Arena precisaria dos arenistas lecais. Resultado
impe sta dos “gove rnaderes—
descententamente com a estratégia
linha de frent e das cam—
tecnices” afastou diverses politicos da
cio & Samu els, 1997: 147).
panhas arquitetadas em Brasilia (Abru
Arena, ignerada
Dessa tensae nascia impertante divisae na
lade estav a a Arena 1, isto
pela literatura sobre o periede: de um
ral e aes entae governa—
é, o grupo mais vinculade ae Peder Cent
a per boa parte da elite
dores; de eutre, a Arena 11, censtituid
do prece sse politice. Até e
pelitica estadual que se sentia alijada
sob contr ele. O governo
geverne Medici a tensao fei mantida
ha dos gove rnado res, ali-
Geisel tentou ainda interferir na escel
trefic o para o regime,
jande a elite local. 0 resultade foi catas
contr ele da Fede racao.
evidenciande e fraqasso da estratégia de
ferir nas eleice es basea -
Se havia problemas em tentar inter
ldade maio r estav a no
das nos municipios interieranos, a dificu
es centres urbanos
pleito ae Senado, no qual 0 vote dos grand
em que es centres urba-
tinha mais peso. Iss0 porque as eleicees
alme nte regidas per
nes tém importancia fundamental sae nerm
ente, pela legica situa-
tematicas mais nacienais e, principalm
nte, pode riam trazer
cae versus oposigae. Essas eleicees, perta
era nas eleicees
amargas derrotas para o regime, tal cemo ocorr
cm Minas Gerais, em
de 1965 para governador na Guanabara 0
as medidas
que a disputa se transform ara num plebiscite sebre
Per essa raz'ae, as
economicas ertedexas temadas pele geverne.

onde e governader Renden


1“ Um case tipice fei e de Minas Gerais, tariade
ou um sccre
Pacheco —e ele preprie um “técnico” #— neme desvin—
per técnices
cujas posicees estratégicas foram ecupadas
-a tradic ienal, geran de grande tensao (Cf.
culades da elite politic
Abruc ie & Samu els, 1997:1 46).
80 | A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualist
a

eleigfies para prefeito nas capitais 0 para governador se torna-


ram indiretas, mas per erro estratégico permaneceram as
elei-
gees ae Senado. A oposigao, n0 entanto, nae conseguiu
capita—
near 0 apoio dos grandee centres urbanos nas eleigées a0
Sena-
do em 1970, quando seriam renevados deis tergos daque
la Casa
legislativa. A Arena teve uma contundente vitéria nesta
elei—
9510, conquistando quarenta cadeiras, enquanto 0 MDB
obteve
apenas seis.
E bem verdade que as eleieées a0 Senado em 1970 feram
atf-
picas. Elas tinham side realizadas sob um fortissimo clima
re-
pressive. N0 infcio de novembro, més da eleigao, es militar
es
langaram nas grandes cidades a “Operagao Gaiola”
que pren—
deu 5.000 “suspeitos” (Skidmore, 0p. cit.:228). Além
disso, a ma-
quina governamental ligada a Arena fei usada para
beneficiar
seus candidates de forma acintosa. Como observou Maria D’Alva
Kinzo, “[...] 0 controle exercido pelo governo sobre 0 proces
so
eleitoral talvez tenha sido 0 mais estrito jam ais 0c0rrid
0 n0 Bra-
sil” (Kinzo, 1988:135). Mas é importante lembrar que
a contun-
dente vitéria da Arena foi acompanhada per um indice
enorme
de votes em brance — 22% para 0 Senado ———, refleti
ndo 0 des—
contentamento da populaeao com 0 regime, netada
mente nos
centres urbanos.
A préxima eleigao envolvendo a disputa pelo Senad
o (1974)
teve perfil completamente diferente, favorecendo a oposig
ao, seja
pelas mudangas no panorama econémico, seja pelo
esgotamen—
to da estratégia de interferir n0 processo politico estadu
al. As
analises da ciéncia politica brasileira apontam essa eleigae
come
decisiva para 0 processo de liberalizagae. Porém, poucos
analis-
tas percebem a importancia da eleigao de 1974 para
a mudanqa
da estrutura federativa vigente no regime militar, como
se dis~
cutira na préxima see-50.
Antes de comeear a terceira segao deste capitulo, problemati-
zo brevemente o argumento desenvolvido na segao
que passou.
Basicamente, o que tentei mostrar foi que 0 objetivo do model
o
unionista—autoritarie era tornar 0 poder d0 Governo
Federal in-
centrastavel n0 jogo federativo. Para isso, 0 princi
pal instru-
mente utilizade foi 0 enfraquecimento da autonomia
estadual,
quase anulando~a, subordinando as unidades estadu
ais a0 co—
mande d0 Peder Central. 0 enfraquecimento da auton
omia es-
tadual tinha alve precise: retirar e poder dos govern
adores, gran-
A passagem do modelo unionistmautoritério para o federalisme estadualista | 8|

de contrapese a0 Geverne Federal ae longo de nessa histéria


federativa.
Da interveneae do Governo Federal na autenomia estadual
podemes tirar duas conclusees:
0 Apesar de tor praticamente acabade com a autenemia politi-
ca dos estades, e Geverne Federal teve de algum mode de levar
em centa as demandas das elites eeenémicas e politicas regio—
nais, o que comprova e peso desses grupes na politica brasileira,
peis mesme em periedes auteritaries, pelo menes desde a Pri-
meira Repflblica, e Peder Central n50 censegue fazer importan-
tes refermas sem e minime de aquieseéncia das elites regionais.
No regime militar, nae heuve exclusae das elites de nenhu—
ma Regiae no pacte federative; o que heuve foi uma distribuigae
de “prémies” diferenciades, revelande certa hierarquia federa-
tiva, mas prevande que para gevernar e pais nae basta ter 0
apeie dos deis eu trés estades mais rices eu dos estados normal—
mente governistas do Nerte, Nerdeste e Centre-Oeste. Ne auge
do modelo unienista-auteritarie, e Sudeste e especificamente
Siie Paulo centinuaram sendo 0 p610 mais desenvolvide da eco—
nomia brasileira. Isso nae impediu que 0 Nerte recebesse um
aperte econémice gigantesce com a criaeae da Zena Franca do
Manaus, e que 0 Nerdeste centinuasse a ser extremamente pri—
vilegiado pelas transferéncias da Uniae, sejam as do FPEM,
sej am as transferéncias negeciadas. Mas é precise acentuar que
o desenvelvimente ecenémico centinuou a ser espacialmente
cencentrade na Regiao Sudeste, mantendo a mesma prioridade
que 0 Estade Varguista-desenvelvimentista pessuia desde sua
erigem.
0 O prej ete de “medernizagao” da Federaeae preposto pelo mo—
delo unionista-auteritarie nae reformava e essencial, isto é, nae
alterava a ferma de fazer pelitica na esfera estadual. O esquema
da patronagem tinha de permanecer se 0 regime quisesse ebter a
legitimidade eleiteral. Os deis fateres que pederiam ter mudado
esse estado de ceisas, a criagae de um partide verdadeiramente
nacienal e a substituigae das antigas elites per nevas vinculadas
aes “gevernaderes técnices”, nae legraram éxite.
Pier: 0 Governe Federal deixou uma brecha para a velta do
poder das maquinas estaduais. Ae mesme tempo em que a Unifio
aumentava o centrele das politicas pfiblicas das unidades sub—
nacienais pela via da Administraefie Indireta, crescia e mimere
82 | A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

de servidores publicos da Administragao Direta dos estados e


municipios”. O importante é sublinhar que as Administragoes
Diretas estaduais continuaram sendo o principal locus de pa—
tronagem 11a esfera subnacional. Por isso, enquanto o Governo
Federal tivesse o controle das governadorias o poder de patro—
nagem das Administragées Diretas estaduais seria usado a fa-
vor do regime; no momento em que o regime perdesse o controle
das governadorias, as maquinas estaduais tornariam mais difi—
cil a manutenqao do esquema de patronagem baseado na rela-
gao Uniao/municipios. E ai estariam armadas as condigoes para
a volta do poder dos governadores.

A crise do modelo unionista-autoritario (I 974- l 982)

A posse do Presidente Ernesto Geisel trazia os “castelistas”


de volta ao poder, e com eles a esperanga de liberalizagao do
regime. A estratégia pensada para liberalizar o regime passava
por dois atos interligados: o controle e o posterior isolamento da
linha dura das Foreas Armadas e o estabelecimento de uma alian~
ea com setores politicos regionais que ajudassem a estruturar,
pouco a pouco, o caminho da liberalizagao. OS dois atos eram
interligados na medida em que para retirar a influéncia da 1i—
nha dura militar era preciso ter aliados civis fortes para legiti—
mar a nova coalizé‘io de poder. Esses aliados regionais seriam
instalados nas governadorias estaduais, onde dariam suporte
a0 projeto de Geisel.
Os novos governadores escolhidos por Geisel teriam, portan—
to, de possuir perfil diferente dos governadores-técnicos da era
Médici, pois precisariam ter experiéncia suficiente para ajudar
a conduzir o processo de liberalizagao. Aureliano Chaves em Mi-
nas, Paulo Egidio Martins em 8550 Paulo e Sinval Guazelli no
Rio Grande do Sul preenchiam esse requisito, além de terem
orientagao politica liberalizante (Sallum JLinior, 1996:15). Mos-
mo com esta preocupagao de nao escolher candidatos completa-
mente desvinculados do sistema politico, Geisel cometeu o erro

1" Enquanto em 1950 a Unié—‘io tinha 50% dos funcionarios publicos do


pais, em 1973 ela possuia apenas 35,496, estando o resto nos esta-
dos e municipios, particularmente em suas Administragoes Dire-
tas (cf. Medeiros, op. cit.:182).
A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista | 33

basico da estratégia dos “governaderes-técnicos”: nae consultou


a elite politica estadual e acabou escolhendo candidates que ti-
nham pertencido a UDN no pré—64 exatamente em trés estades
em que o udenismo nunca fora a principal corrente pelitica.
A escolha desses governaderes visava controlar nae so 0 pro-
cesso do liberalizacao come as demandas por descentralizacao
do peder. Em novembre haveria eleicoes para deputado esta-
dual, deputado federal e senador, e existia grande confianca na
possibilidade de essas eleicoes abrirem e caminho para nova eta—
pa do regime. Come relatam Carlos Estevam Martins & Sebas—
tiao Velasce e Cruz:
“Certo da vitéria, Geisel investiu pesadamente nessas elei-
goes, que deveriam desempenhar um papel crucial na efeti-
vacao de seu projete: confirmade nas urnas o apoie popular a
‘obra da Revolucao’, o ano seguinte seria dedicado a tarefa de
institucionalizacao do regime, as esperadas reformas” (Mar-
tins & Velasco e Cruz, 1983149).
0 resultade da eleicao de 1974, entretanto, fei uma surpresa
para os estrategistas politicos do regime. Iss0 porque até quase
as vésperas da eleicae era dada come certa uma vitéria folgada
para a Arena, mesme por membres do MDB (cf. Skidmore,
1988:34). Mas o resultado final representou um aumento dos
votes e das cadeiras do MDB no Congresso, ocorrendo e contra-
rio com a Arena. 0 MDB quase debreu sua representacao na
Camara passando de 87 para 165, ao passe que a Arena caiu de
223 para 199. N0 Senado, e MDB aumentou de 7 para 20 sena-
dores, e a Arena perdeu 13 cadeiras, caindo sua representacao
de 59 para 46 senadores.
Embora a Arena permanecesse ainda com a maioria nas duas
Casas legislativas, o impacto simbélice da eleigao foi muito gran—
de, especialmente porque o MDB venceu no total de votes para
senador, que era 0 melhor indicador da opiniao nacional. Ade-
mais, a votacao do MDB, em numero do votes obtidos, era a
maior desde 1966.
O eleitorado dos grandes centres urbanos votou plebiscitaria-
mente contra o governol“. Em alguns estados, embora ainda dc

1“ Cf. Lameunier, 19882114. Bolivar Lamounier apenta trés razoes


para que 0 vote dos centres urbanos fosse centrario ao regime mili—
84 | A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista

ferma secundaria, o fortalecimento das organizaci‘ies partida-


rias locais do MDB também teve importancia — a experiéncia
paulista fei o exemple mais acabade desse fenémene. Se naque—
le memento as organizagées partidarias lecais emedebistas ti-
veram importancia secundaria, posteriormente elas aumenta-
riam seu poder de influéncia, tendo importancia crucial na elei—
@230 do 1982.
Além do carater plebiscitarie, a derreta nas eleicfies ao Sena-
de explica-se pela imposicao, novamente, de candidates de con-
fianca do Governe Federal, a revelia das preferéncias da elite
estadual. A chamada Missae Portela, antes d0 que uma negecia~
céio, foi uma tentativa de mestrar quem realmente mandava.
Em Sae Paulo, per exemple, a Arena local (Arena II) tinha come
candidate a gevernador o ex-ministro Delfim Nete, que fora pre-
terido em favor de Paulo Egi’die. Apes engolir este candidate, es
arenistas paulistas tiveram ainda de abandonar a pretensao de
escelher 0 candidate ao Senado — es mais fortes dentro do par—
ticle eram Ademar de Barros e Paulo Maluf —, sendo “nemea—
do” Carvalho Pinto, nome sem nenhuma expressao no partide.
O descententamento gerade per essa filtima escolha resultou
no apeie de impertantes lideres locais da Arena a candidatura
de Orestes Quércia, d0 MDB (Martins, 1975).
Para 0 Geverne Federal, es resultades da eleicao de 1974 ti-
veram trés censequéncias:
—— O governo alteraria e timing das mudancas, tornando—as
mais lentas;
— O Peder Central, para manter e processo de liberalizaca'o
controlado, teria come melher saida o estabelecimente de alian~
gas estratégicas corn atores que dessem respaldo a0 governo no
Cengresso e junte aos grupos econemicos e servissem ainda come
anteparo as criticas da oposicao. Os alvos preferenciais dessas
aliangas estratégicas centinuariam a ser es governaderes de es—

tar: o inicie de um precesso de reversé‘io nas expectativas economi-


cas da populacao que haviam side excessivamente estimuladas pele
aparato publicitario do “milagre ecenémico”; a ruptura da aparén-
cia monolitica e invulneravel do sistema, come fruto da prepria
premecae oficial (la abertura politica; e e efeito do use livre da TV
pela opesicae, que soulm capitalizar a forca dos meios de comunica-
can de massa a seu favor (p- 114-5).
A passagem do modelo unionista-autoritario para 0 federalismo estadualista | 85

tado, tal como inicialmente pensara Geisel. Os governadores,


dado sua posigao estratégica diante da classe politica e dos gru-
pos econémicos regionais, deveriam ser, no modelo Geisel-Gol—
bery, fiéis aliados do Governo Central;
— O resultado das eleigées de 1974, contudo, aumentou o
poder de barganha dos governadores arenistas, e eles tentaram
tirar 0 maior provoito disso, jogando sempre com a possibilida-
de de fortalecimento das oposigées nos estados. Os governado-
res da safra de 1974, mesmo tendo sido eleitos indiretamente,
eram bem mais fortes d0 que OS indicados em 1970. Os governa—
dores aumentaram sou poder de pressao, mas nao para entrar
em rota de coliséio com 0 Governo Federal. Os governadores e as
elites governistas estaduais, pelo menos até 1982, negociavam
com a Uniiio fundamentalmente para obter maior soma do re—
cursos e nao para se restabelecer a autonomia politica estadual
on se redemocratizar 0 pais.
Nesse novo quadro, 0 Presidente Ernesto Geisel e depois 0
Presidente J05510 Figueiredo tomaram algumas medidas econo-
mico-financeiras e politicas a fim de obter apoio politico neces—
sario para controlar o processo de liberalizagao ou senéio polo
menos para apaziguar as criticas do setores descontentes com o
regime. Em primeiro lugar, por meio do II PND, o governo Gei—
sel efetuou uma desconcentragao espacial das atividades econo-
micas do pais, antes extremamente concentradas em SE10 Pau-
lo. Assim, foi ampliada a participagao de outros grupos econo-
micos regionais n0 pacto do Estado Varguista—desenvolvimen—
tista. Guilherme Leite da Silva & Basilia Aguirre apontam qual
era a verdadeira intengao desta medida:
“A opgao concreta do II PND por uma industrializagao me-
nos concentrada, em termos regionais, vinha a0 encontro de
aspiragfies regionais antigas e atendia perfeitamente aos re-
clamos de alguns dos criticos dos processos de industrializa-
gao pelos quais 0 Pais havia passado até entao. Ela também
possibilitava um apoio politico mais sélido de segmentos da
sociedade, que 11510 possuiam compromissos com a indL’lstria
instalada entre Rio de J aneiro e 8510 Paulo” (Silva & Aguirre,
1992:88).
O objetivo da desconcentragao econémica realizada pelo II
PND, portanto, era conseguir apoio selido de outros estados para
o Governo Federal. E mais: como objetivo de médio para longo
86 | A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista

prazo, o governo Geisel pretendia também tornar o federalismo


mais multipolar em termos econémicos, enfraquecendo os esta—
dos mais ricos, particularmente Séo Paulo. Dessa forma, o po-
der dos estados mais fortes — normalmente oposicionistas —
seria contrabalangado pela associagao entre a Uniao e os esta—
dos ascendentes economicamente, o que daria maior félego a
coalizao militar governante.
O Governo Federal adotou outras medidas financeiras para
favorecer os estados mais pobres, esperando obter em troca o
suporte politico. Uma delas foi o aumento das transferéncias
negociadas, em especial para os estados do eixo Norte/Nordes—
te/Centro-Oeste. Segundo José Roberto Afonso, as transferen-
cias negociadas cresceram 208% no periodo 1976/82 (Afonso,
1989:22), revelando 0 quanto OS governos Geisel e Figueiredo
gastaram para manter o apoio politico de segmentos regionais
da Federagao brasileira. Outra medida que fortaleceu os esta—
dos menos desenvolvidos foi o aumento gradativo do quantum
retirado dos impostos federais para efeito de transferéncia pelo
FPEM a partir de 1975, aumentando 1% a0 ano até 1979. Como
explicado anteriormente, os maiores beneficiarios dos recur—
sos do FPEM eram os estados mais pobres. E, por fim, houve
ainda outra mudanga no FPEM: o Decreto 83.556, de 7 de ju—
nho de 1979, aboliu praticamente todas as vinculagfies orga—
mentarias prevista no FPEM, dando urn grau maior de liberda-
de 515 unidades subnacionais, novamente favorecendo mais aos
estados do Norte, Nordeste e Centro—Oeste.
Mas os governos Geisel e Figueiredo efetuaram também me-
didas financeiras que beneficiaram especificamente os estados
mais ricos. Antes de descrevé-las, faz-se necessario explicar o
porqué delas. Uma leitura do sentido politico dessas medidas
revela que elas foram tomadas por duas razées: primeiro por-
que 0 Governo Federal precisava senao do apoio dos estados
mais ricos pelo menos reduzir e o apaziguar a critica deles a0
regime. Apesar de ter ampliado o nL’lmero de participantes mais
efetivos no pacto de dominio do Estado Varguista-desenvolvi-
mentista, era impossivel para o Poder Central alij ar 0 eixo Rio-
Sao Paulo do bloco de poder‘fi. Em segundo lugar, os governado—

“5 A forea politica do lobby antiestatizagao, montado por empresarios


A passage-m do modelo unionista—autoritfirio para o federalismo estadualista | 87

res de 8510 Paulo e Minas Gerais eram arenistas, e barganha-


vam por mais recursosjogando com a ameaga do fortalecimento
da oposigao messes estados.
As medidas financeiras tomadas pelo regime militar que fa-
voreceram os estados mais ricos foram de duas ordens:
0 Adogao de mudangas no ICM, favorecendo basicamente os
estados mais industrializados. As modificaeoes efetuadas fo-
ram 0 aumento gradativo das aliquotas do ICM, estabeleci-
mento da tributagao da importaeéio de bens capitais com o ICM
e extensao da incidéncia do ICM aos combustiveis (cf. Olivei-
ra, 1980:53);
' A partir de 1975, foram flexibilizados os controles sobre o
endividamento externo estadual e municipal, facilitando a to—
mada de empréstimos estrangeiros sobretudo para os estados
mais ricos e para as capitais (cf. Biasoto Junior, Passanezi Filho
& Guardia, 1992:58—61). Segundo Fernando Resende, até 1981
a divida externa dos estados era de 22,8 bilhoes de dolares, sen—
do que 18,3 bilhoes foram contraidos pela Regiao Sudeste e 8,1
bilhoes somente por S50 Paulo (Resende, 19821535).
Em suma, embora a estratégia do regime militar desde Gei—
sel tenha sido beneficiar economicamente os estados mais po-
bres para obter apoio politico, 0s estados mais ricos também fo-
ram favorecidos, so que com o objetivo de refrear as criticas ao
Governo Federal e fortalecer os governos arenistas desses esta-
dos perante a oposieao local.
No aspecto politico, o resultado da eleieao de 1974 levou a
cupula governante a reagir contra uma eventual perda do con—
trole da liberalizagao. As agoes do regime caminharam tanto
para aumentar o esquema de patronagem com os municipios,
como também, no plano nacional, criando regras que favore-
ciam os estados tradicionalmente governistas do Norte, Nordeste
e Centro—Oeste. Ademais, foram utilizados varios mecanismos
eleitorais para enfraquecer a oposigao.
Logo na primeira eleigao depois de 1974, o pleito municipal
de 1976, o regime criou a Lei Falcao, a qual determinava que os

paulistas na época do Governo Geisel, mostrou ao regime que era


necessario, do alguma maneira, incorporar os reclamos de Sao
Paulo.
88 | A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

partidos deveriam aprosentar apenas 0 nome, o nfimero e um


breve curriculo dos candidates, e, no caso da TV, so podoriam
aparecer as fotos dos politicos. A intencao era obvia: nao deixar
a oposicao aproveitar—se do potencial comunicativo da televisao,
ja que em 74 este tinha sido um dos principais fatores para o
sucesso do MDB, notadamente nos centros urbanos. Mas o prin-
cipal mecanismo utilizado pela Arena para veneer as eleicées
municipais foi mesmo o esquema da patronagem. Como relata
Maria Helena Moreira Alves:
“[...] toda a burocracia do Estado central e dos diferentes es—
tados foi colocada a disposicao dos intoresses eleitorais da
Arena. Abriam-se estradas em municipios sob 0 controls des—
te partido, 0 cm alguns casos cortaram—se fundos de munici-
pios controlados polo MDB. As financas do Estado foram pos—
tas a disposicao dos candidatos dva Arena. Eles podiam usar
carros oficiais, gasolinas, funcionarios pliblicos para traba-
lho em suas campanhas, mimeégrafos, papel etc. Embora os
candidatos nao pudcssem falar pela televisao ou pelo radio,
nada impedia que governadores, ministros, ou préprio presi—
dente da Republica fizessem—no em seu nome” (Moreira Al—
ves, 0p. cit.:191).
Mesmo com todo esse aparato jogando a favor da Arena, 0
MDB aumontou o ndmero de municipios em suas maos de 436
para 614. Além disso, a oposicao conquistou o controle majori-
tario do Cémaras municipais em 59 das cem maiores cidades do
pais. Ainda, das quinze cidades com mais de meio milhao de
habitantes, o MDB venceu em 67%.
Para 0 grupo militar governante, 0s resultados das eleicées
de 1976 evidenciavam a nocessidade de se fazer algo para deter
0 avanco do MDB nos centros urbanos e também nas cidades
medias, 0nde a oposicao comecava a irradiar seu poder do in-
fluéncia. O grando problema para o governo nosso memento eram
as eleicées 1978, em quo estariam em jogo nao so as disputas
proporcionais estaduais e federais, mas acima de tudo as vagas
a0 senado e, pela primeira vez desde 1965, as governadorias
estaduais. Eleigao dirota para governador soria um desastre
politico para o regime, avaliava o governo. Dessas preocupacées
nasceu o Pacoto do abril do 1977.
O Pacote de abril continha um conjunto de modidas basica-
mente voltadas para rofrear 0 avanco oposicionista e assegurar
A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista | 89

a0 regime o controle do processo de liberalizagao. Listo a seguir


as principais medidas do Pacote de abril”:
a) A eleieao indireta para governador foi mantida para a elei-
9510 de 1978, alterando-se, contudo, a composieao do Colégio Elei-
toral estadual, que a partir daquele momento passaria a ter,
além dos deputados estaduais, a representaeao dos municipios.
Essa medida visava garantir a maioria para a Arena nos Cole-
gios Eleitorais estaduais, ja que ela controlava a grande maio—
ria dos governos municipais e assim esvaziaria as maiorias do
MDB nas Assembléiaslg;
b) Foi alterada a regra de calculo da representaeao dos esta—
dos na Cémara Federal, que desde a Constituieao de 1969 tinha
como base 0 eleitorado de cada estado e a partir do Pacote de
abril teria como base a populagao. O objetivo desta mudanga
era aumentar ainda mais a tradicional sobre-representaeao dos
estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste na Cémara Federal.
Como os estados dessas regioes sao normalmente mais depen-
dentes financeiramente da Uniao, o que os torna mais predis-
postos a0 governismo, o Governo Federal ganharia mais aliados
na Cé‘imara;
c) A eleigao de um tergo dos senadores em 1978 seria feita de
forma indireta, por intermédio do mesmo Colégio Eleitoral que
elegeria o governador. Esses senadores seriam conhecidos como
“senadores bionicos”;
d) Reduziu-se o quorum constitucional de dois tergos para
maioria simples, evitando que o MDB impedisse a introdueao
de emendas a Constituieao;
e) A Lei Falciio seria mantida para a eleieao de 1978.
O principal objetivo do Pacote de abril foi atingido, qual seja,
evitar que o MDB conquistasse os principais governos estaduais,
a maioria 11a Camara e/ou no Senado. Apesar de 0 MDB ter
recebido 56,9% dos votes validos para o Senado, ele ficou com
apenas nove cadeiras, ao passe que a Arena obteve 36, sendo 21

17
Sobre o Pacote (10 Abril, ver, entre outros, Fleischer, 1986; Lamou-
nier, 1985; e Moreira Alves, 1.989.
Com 3 nova composieao dos Colégios Eleitorais estaduais, 0 1111ico
estado onde o MDB Leria maioriz‘: seria 0 Rio de Janeiro, gragas a0
eonLrole da grande maioria dos nn_.1nicipios pelo chaguismo.
90 l A passage-m do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

cadeiras por meio de eleicao indireta. Na Cémara dos Deputa-


dos, embora a Arena vencesse no compute geral de votos por
pequena margem (50,4% contra 49,5%), sua representacao foi
bem maior do que a do MDB (231 cadeiras contra 189 da oposi—
cao), gracas a mudanca no calculo da representacao dos estados
efetuada pelo Pacote de abril. Por fim, nas Assembléias Legisla-
tivas, o MDB aumentou sua representacao, elegendo 353 depu-
tados estaduais contra 492 da Arena. Se nao fosse o Colégio Elei-
toral estadual ampliado pela representacao municipal, o MDB
venceria em estados importantes como Séo Paulo e no Rio Gran-
de do Sul (Cf. Moreira Alves, op.cit.:199-200 e Fleischer, op.
cit.:28).
Entretanto, importante mudanca tinha ocorrido nas eleicées
para governador do Estado de 850 Paulo, o mais importante da
Federacao: um candidato arenista, Paulo Maluf, ganhara do can-
didato preferido da cfipula d0 regime militar, Laudo Natel, nas
prévias da Arena, tornando—se depois governador por eleicao
indireta. Sua vitéria mostrava que 0 modelo unionista—autorita—
rio estava realmente ruindo. Um bom exemplo disso é que Ma-
luf escolheu de fato 0 seu secretario de Seguranca Pfiblica do
estado, rompendo com uma tradicao d0 regime militar.
O fato é que nao foi necessaria a assunca'o de governos esta-
duais por oposicionistas para que a relacao entre governadores
e presidente mudasse qualitativamente, ainda que nao se resta-
belecesse boa parte da autonomia estadual perdida com 0 m0-
delo unionista-autoritario. A passagem dos governadores are—
nistas eleitos em 1974 para os eleitos em 1978 representou acrés—
cimo de poder aos chefes dos Executivos estaduais em termos
de barganha com o Governo Federal.
A mudanga efetiva, no entanto, so ocorreria na préxima elei-
950, a de 1982, estando em jogo, pela primeira vez em dezesse-
te anos, a disputa para governador de estado, o segundo cargo
em importancia na hierarquia do poder politico brasileiro. Es-
sas eleicoes modificaram a estrutura de poder do pais dupla-
mente, passando da liberalizacao a dcmocratizacao e do mode—
lo unionista—autoritario ao federalismo estadualista. Rcssur-
giria assim o poder dos governadores no sistema politico brasi—
leiro.
A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista | 9|

A formacfio do federalismo estadualista (I982-l987)

Da revogagao do AI-5 as eleigées do 1982, a abertura politica


acelerou seu passo. Mesmo assim, o regime militar procurou
controlar o crescimento da oposigao, a fim de evitar que o proxi-
mo presidente fosse urn civil oposicionista. Algumas reformas
politicas nesse sentido foram feitas, nem sempre coerentes en—
tre si, refletindo as dissensées no interior da coalizao governan-
te. Listo a seguir as principais alteragoes institucionais produ-
zidas antes das eleigoes de 1982.
a) Criagao de um sistema pluripartidario, arquitetado pelo
General Golbery do Couto e Silva, 0 qual esperava alcangar dois
obj etivos: de um lado, dividir a oposigao, o que de fato foi conse-
guido, pois foram fundados inicialmente cinco partidos além do
situacionista PDS; e de outro, com a criagao do PP (Partido Po-
pular), partido formado por conservadores do antigo MDB e
empresarios do Centro—Sul, surgiu um “partido alternative de
situagao”, nao identificado com o governismo e nem corn antigas
elites tradicionais. O regime poderia obter assim apoio de um
partido associado a realidade do Brasil industrializado e urba-
nizado, lugar onde a Arena vinha sendo derrotada sistematica-
mente (cf. Sallum Jfinior, 1994azl42). Iss0 nao significa, no en-
tanto, que 0 regime perderia o apoio das bases locais tradicio—
nais; estas permaneceriam identificadas com o partido oficial
do regime, 0 PDS.
A posieao de Golbery e do grupo “castelista” (ou sorbonista,
como usei anteriormente), a partir da instituigao do pluriparti-
darismo, era utilizar todas as formas possiveis de acordo para
garantir 0 controle do processo politico. Ademais, Golbery, como
grande conhecedor do federalismo brasileiro, sabia que nossa
politica estadual é flexivel e néio se comporta monoliticamente
frente aos ditames da politica nacional. David Fleischer mostra
como essas posigées do General Golbery do Couto e Silva seriam
postas em pratica:
“A estratégia golberiana para as préximas eleigoes [1982]
era 0 PBS estabelecer aliangas eleitorais com 0 PP, PDT, on
PTB em certos estados, e em outros aguardar a divisao do
voto oposicionista que talvez deixasso 0 PDS veneer com maio—
ria simples. Reforgado por programas econémicos e obras
pi’iblicas ‘populistas’ em 1982, este plano esperava atenuar a
92 | A passagem do modelo unionista—autoritério para o federalismo estadualista

maré oposicionista, deixando o governo numa posigao razoa~


vel, com divorsas alternativas para negociaeées politicas na
condueao da fase final da ‘abertura’ em 1983 e 1984” (Fleis-
cher, 1986:31).
b) Adiamento da eleigéio municipal que seria realizada em
1980, por meio da Emenda Constitucional n.0 14, para 1982, ano
em que ocorreriam os pleitos de deputado estadual e federal,
senador, e, sobretudo, de governador‘”. Com essa medida, 0 re-
gime queria juntar numa mesma eleigao os pleitos municipais
com as disputas estaduais (governador e deputado estadual) e
federais (deputado federal e senador), esperando que o esque—
ma de patronagem pela via municipal auxiliasse a Arena nas
outras eleigées — o que de certa maneira aconteceu em algu-
mas regiées do Pais, mas de forma insuficiente para evitar a
grande ascensao peemedebista.
c) Mas a demissao do General Golbery do Couto e Silva do
governo Figueiredo, em agosto de 1981, causada pela mudanqa
na correlagao de forgas dentro do regime, modificou o quadro
estratégico eleitoral. A partir dai, os militares adotaram uma
posigao mais proxima da rigidez “revolucionaria” e abandona-
ram a posigao mais moderada do grupo “castelista’uo. O resulta-
do disso foi o Pacote de novembro de 1981, que estabeleceu 0
vote vinculado para as eleiofies de 1982, isto é, o eleitor seria
obrigado a votar em um 36 partido para todos os cargos em dis-
puta. Além disso, foram proibidas as coligagoes partidarias. Es-
sas duas medidas visavam dividir ainda mais o voto da oposi-
950. A conseqfiéncia mais imediata dessa medida foi a extingao

19 O restabelecimento das eleigoes para governador foi definido pela


Emenda Constitucional n.° 15, do 19 de novembro do 1980.
2t
Cf. Sallum Jl’inior, 1996. Brasilio Sallum Jiinior mostra como a

‘1
apuragao apaziguadora do atontado no Rio Centro, armado pelo
grupo da comunidade do seguranea, indicava que a posioao da fac-
a militar dos “profissionais” tornava-se a hegeménica dentro (lo
regime. Golbery e 03 “castelistas” estavam perdendo forga e sou
projeto de abertura so inviabilizava dentro da coalizao governanto
dominante. Brasilio Sallum Junior conelui: “Com 3 derrota dos
‘castelistas’ no episédio do Rio Centre e a saida de Golbery do go-
verno Figueiredo, a rigidez ‘revolucionaria’ acabou se projetando
no plano politico partidario” (p. 30).
A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista | 93

do PP, pois seus componentes achararn que com essas mudan-


gas 0 partido obteria um fracasso eleitoral. A maioria dos mem-
bros do PP ingressou no PMDB.
Para 0 regime militar a extineao do PP foi extremamente pre-
judicial, porque houve uma radicalizaeao do discurso oposigao
versus ditadura, que beneficiou apenas ao PMDB na eleigao de
1982. A partir desse momento, o regime militar apostaria inte—
gralmente na politica clientelista do PDS nos municipios inte—
rioranos, sobretudo os do Norte, Nordeste e Centre-Oeste, para
frear o avango oposicionista nas eleigOes de 1982. A uniao entre
o Governo Federal e os estados mais atrasados também seria
reforeada, como mostram as ultimas alteraeoes institucionais
realizadas antes do pleito de novembro de 1982.
d) Das filtimas mudangas efetuadas antes do pleito de 1982,
contidas na Emenda Constitucional n." 22, apenas uma o afeta-
va diretamente. Era a instituigao de um nflmero minimo de seis
e um maximo de sessenta deputados por estado, agravando a
assimetria entre voto e representagao, o que favorecia basica—
mente 0s estados do Norte, Centro—Oeste e Nordeste (Goes &
Camargo, 1984:164). Novamente o regime militar apostava no
fortalecimento dessas bancadas para obter apoio parlamentar
mais seguro.
A outra medida foi a alteragao das regras de composigao do
Colégio Eleitoral que elegeria o proximo presidente da Repfibli-
ca em 1985. No processo anterior de composigao do Colégio Elei—
toral presidencial, o mimero de delegados de cada estado era
proporcional a sua populagao. Com a mudanea efetuada pela
Emenda n.0 22, estabelecia-se um nfimero fixo de seis delegados
por estado, escolhidos polo partido que tivesse maioria na As—
sembléia Legislativa. O objetivo buscado aqui era duplo: pri-
meiro, enfraquecer os estados do Sudeste, maior reduto oposicio—
nista. Segundo, sinalizar especialmente aos estados do Nordes-
to —— Regiao que tom 0 maior nfimero de estados no pais ——— que
o Governo Federal estava aumentando o poder de‘les, e cobraria
posteriormente o apoio politico.
As aeoes do governo militar, todavia, nao se restringiram ape-
nas a area institucional. Para veneer as eleieoes de 1982, a rela—
o’io elientelista com os Inunicipios foi ampliada. Um bom exem-
plo foi o Programa de Ajuda aos Municipios (PAM), lanqado pelo
Ministerio do Interior —— que nan por aeaso era oeupado por um
94 | A passagem do modelo unionista-autoritzirio para o federalismo estadualista

candidato a Presidéncia, Mario Androazza —, que distribul'a re—


cursos da ordem de Cr$5.000.000, quantia altissima a época,
para 3 mil municipios (Medeiros, 1986:156).
Aposar de todos os mecanismos usados polo regime militar
para barrar o crescimento oposicionista, 0s partidos da oposigéio
conseguiram elegor 10 dos 22 governadores do pais, obtendo sous
melhores resultados nos trés ostados mais importantes da Fe-
deragao: Séo Paulo, Rio do Janeiro e Minas Gerais. O PDS, em—
bora tonha eleito o maior nfimero do governadores, conquistou
especialmente as governadorias dos estados do Nordeste, ondo
obteve 75% das suas vitorias. O partido governista venceu no
Maranhao, Cearé, Rio Grande do Norte, Paral’ba, Pernambuco,
Piaui, Alagoas, Sergipe, Bahia, Mato Grosso, Santa Catarina e
Rio Grande do Sn]; 0 PMDB venceu em 8510 Paulo, Minas Ge—
rais, Espirito Santo, Mato Grosso do Sul, Parana, Goias, Para,
Amazonas e Acre; e o PDT, no Rio de Janeiro.
Pela primeira vez em quase vinte anos, a oposiqao dotinha o
controle de estruturas governamentais do porte das Adminis-
tracéos publicas estaduais. Os partidos oposicionistas (PMDB/
PDT) passaram a controlar trés quartos do PIB e aproximada—
monte 75% do ICM rocolhido por todos os estados do pais. Além
disso, o PMDB e o PDT so tornaram governantes de 56,48% da
populagéio brasileira (Ferreira Filho, 1983:181—2).
O modelo unionista-autoritario pordia seu principal pilar: o
controle da autonomia politica estadual. N510 86 OS estados com
governos oposicionistas mas também os vinculados a0 PDS re—
cuperaram sua autonomia plena sobre a maquina pfiblica esta-
dual. Todos os governadores, sem excogiio, n50 tinham mais como
fonto do poder a CL’lpula militar e/ou tecnoburocratica instalada
em Brasilia; era 0 povo, exclusivamente, a fonto da soberania do
governador. A sobrovivéncia dos chofos dos Executivos ostaduais
dopenderia basicamonto de sua aprovagéio pelo eleitorado e néio
mais dos designios dos militares. Em suma, os governadores
tornaram-so Inuito mais independentes perante o Poder Cen-
tral.
Estabeleceu—se, portanto, aquilo quo Juan Linz chamou do
diarquia (Linz, 1983). On seja, o sistema politico se caracteriza—
va pela coexisténcia do duas fontes distintas do poder, como tam—
bém do duas estruturas do poder:
0 O Governo Federal tinha uma fonte autoritaria do poder,
o federalismo esradualista l 95
A passagem do modelo unionista-autoritario para

e tinha a estrutura
cujo sustentaculo eram as Forcas Armadas,
seus tentaculos
burocratica federal em suas maos, que estendia
-— por todo o
__ por meio da Administracao Direta e Indireta
ra e no So—
pais. Ademais, comandava o maior partido na Cama
nado, o PDS;
obtido
' Os governadores eram legitimados pelo vote direto
as maqu inas
no pleito de 1982, e tinham como “armas politicas”
anteriormente, cos-
pdblicas estaduais, as quais, como comentei
eleitoral da classe
tumam influir decisivamente na estratégia
ticéo clientelista
politica brasileira, sobretudo mediante a repar
de 500.000
dos recursos pfiblicos. Prova disso foi o acréscimo
publico esta—
novos servidores a folha de pagamento do setor
79). E por fim,
dual logo apos as eleicoes de 1982 (Graham, 1990:
apoios do
os governadores contavam com os importantissimos
dos princi-
maior partido de oposicao (PMDB) e da populacao
pais centres urbanos.
um lado, sua
Portanto, os governadorcs contrapunham, por
origem arbi-
legitimidade obtida nas eleicoes diretas de 1982 a
em Brasilia, e
traria do poder do grupo governante instalado
pfiblic as estad uais e o apoio da popula—
per outro, as maquinas
s urban os ao poder de interv encao admi-
gao dos grandes centre
do Gove rno Fede ral, o qual ainda conta -
nistrativa e financeira
politic a tradic ional vincu lada a0 PDS. O
va com aliados na base
do poder teve
embate entre estas distintas fontes e estruturas
papel foi fun-
como vencedores os governadores de estado, cujo
cratic a e no estab elecim ento de Va—
damental na transicao demo
itucional.
rias regras importantes da nova ordem const
Cinco fatores explicam o aume nto do poder dos governadores
a coinc idenc ia temp oral entre as cri-
ao longo da filtima década:
regime mili—
ses do Estado Varguista-desenvolvimentista e a do
des subnacio-
tar; 0 continue fortalecimenU') financeiro das unida
mode lo union ists-a utoritario; o
nais, rompendo com o antigo
o lugar das
papel dos governadores na transicao democratica;
a politic o; e a crise do presiden-
eleicoes de governador no sistem
o da de 90.
cialismo brasileiro durante a década de 80 e come-g
, e desen volvim ento do poder dos
1. Em termos estruturais
meme nto de crise tanto do Estado
governadores se deu num
a como do regim e milita r. Essas
Varguista—desenvolvimentist
mutu amen te, result ando em uma cri—
duas crises se rcforcaram
Assim , os gover nador es, grada tivam en-
se do Estado nacional.
96 | A passagem do modele unionista-auteritérie para o federalisme estadualista

te, ganharam peder com o desenrelar da crise do Estade nacie-


nal.
Em fins da década de setenta e comece da década de eitenta,
o Estado Varguista desenvelvimentista teve seu alicerce deses-
truturado gracas ae enfraquecimente das suas duas principais
funcees: a de nuclear e precesse de desenvolvimente capitalista
nacional e a de ser 0 agregader per exceléncia das demandas da
sociedade, mediante o padrao cerperative de erganizaeae socie-
tal, que Wanderley Guilherme dos Santos denomineu de ordem
regulada (Santos, 1979:75).
A primeira fungae do Estado Varguista-desenvolvimentista,
a de nuclear o precesse capitalista nacienal, entreu em celapse
quando heuve convergéncia da crise fiscal do Geverne Federal,
causada pele descentrele das centas de seter publice, com 0 es—
getamento da capacidade de endividamente externe, prevecado
pela crise financeira internacienal cerperificada na crise da di-
vida em 1982 (Fieri, 19901143). A segunda funcae, a da relacae
do Estade com a sociedade, que cerresponde a0 aspecte especifi-
camente Varguista do Estade desenvelvimentista, perdeu ferca
pois a erdem regulada entreu em declinio com o precesse de
cemplexificaeae social vivido pelo Brasil desde meades da deca—
da de 70, iste é, es atores sociais e as erganizacoes ternaram—se
mais auténomas frente ao Estade (Santos, 1985).
Conjuntamente ae esgetamente do medele Varguista—desen—
velvimentista, ecorreu também e enfraquecimente do regime
militar, que nae censeguia se imper mais come um centre pelf~
tico incentrastavel. O resultade dessa cembinacae de crises fei
que as instituicoes vinculadas ae Peder Central perderam forca
perante 0s eutres nt’lcleos de peder: 0 Executive Federal e a Pre-
sidencia da Repfiblica perante e Congresso Nacienal e a Uniae
perante es estades. E a partir desse centexto mais geral que
heuve o fertalecimento dos governadores e a fin‘macae de um
neve federalisme.
2. A0 longo da década de eitenta, as unidades subnacienais
aumentaram sua participacfie nas receitas nacionais, ae passe
que a parcela (la Unifio diminuiu gradualmente. O medele unr
onista—auteritario fei sende sepultado e em seu lugar formava—
se um federal‘ismo descentralizader de recursos.
O fate propulsor desse neve federalismo fei a aprovacao da
Emenda Passes Porto, em dezembro de 1988, aumentando a
A passagem do modelo unionisra-autoritario para o federalismo estadualista | 97

quota dos estados e municipios nos respectivos Fundos de Par—


ticipaeao. Sigmificativamente, o Senador Passes Porto pertencia
a0 PDS gaucho, estado onde o governador também era do parti—
do ligado a0 regime. Iss0 nos permite considerar a Emenda Pas-
sos Porto nao uma vitéria dos governadores da oposieao, mas do
conj unto dos governadores (Kugelmas, Sallum JLinior & Graeff,
1989:96-7).
A insatisfaqao com a centralizagao financeira realmente se
constituia num reclamo comum a todos os governadores. 0 go-
vernador de Pernambuco, Roberto Magalhaes, que era integrante
do partido do governo, dizia a época que “ [...] nae se sentia,
desgragadamente, um governador de estado, mas um mere ad-
ministrador de provincia” (Goes & Camargo, 1984:75).
Os reclamos dos governadores tiveram resultados, sobretudo
porque o Peder Central, tanto na gestao de Figueiredo como na
de Sarney, precisou constantemente negociar apoios com os 11’—
deres regionais no Congresso para aprovar determinados proje—
tos, e estes pediam em troca 0 aumento da participagao das uni-
dades subnacionais no bolo tributario nacional“. Com efeito, as
receitas dos estados e municipios aumentaram ano a ano. De
1980 até 1986, a aliquota do FPM (Fundo de Participagao dos
Municipios) saltou de 9% para 17%, e 0 FPE (Fundo de Partici—
pagao dos Estados) pulou de 9% para 14% (Serra & Afonso,
1991:48). A Constituigao de 1988 consolidaria ainda mais o for-
talecimento financeiro dos estados e municipios em detrimento
do enfraquecimento da Uniao.
3. Os governadores de estado foram os grandes condutores
do processo de transigao politica. Em primeiro lugar, pelo papel
exercido no movimento das Diretas-ja. O articulador inicial deste
movimento foi 0 governador de 8510 Paulo, Franco Montoro, que

2‘ Além dos governadores e de suas bancadas no Congresso Nacional,


a mobilizaoao dos municipios foi também importante na luta pelas
mudangas no quadro tributario. Dois meses antes da votagz‘io Pas-
ses Porto, por exemplo, cerca de mil prefeitos, juntamente corn ve-
readores e deputados, fizeram um encontro pré-reforma tributaria
em Brasilia, levando suas reivindicaeoes a0 presidents da Repnbli-
ca (heme, 1992:44). Trés anos depois, em 1986, foi criada a Associa—
oao (1e. Prefeitos das Capitais, que no seu primeiro manifesto, lan—
eudo em Salvador, reclamava por uma reforma tributaria que res—
ta'ilielocesse a auttmomia dos municipios (Doria, 1.992156).
98 | A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

apostou todas as suas fichas n0 primeiro grande comicio reali-


zado em Séio Paulo, quando foram liberadas as catracas do me—
tré, tornando 0 transporte pfiblico gratuito para que a popula-
eao comparecesse a manifestagae pelas Diretas—ja. Além disso,
0s articuladeres nos principais estados (SP, MG, RJ) eram 0s
governadores de estado. E ainda, nos estados onde o governa-
dor era oposicionista, usou—se a estrutura da Administraeao
Pfiblica estadual para ajudar na organizagao das manifestagées.
Aqui se podia ver claramente come 0 pais vivia numa diarquia,
em que as estruturas administrativas e politicas dos estades se
centrapunham ao Peder Central, mesmo quando ainda vigera-
va um regime autoritario.
Depois da derrota da Emenda Dante de Oliveira, em abril de
1984, a oposieao —— pelo menos a moderada -—— se articulou para
lanear um candidate a eleieao presidencial indireta. Tancrede
Neves, governador de Minas Gerais, seria 0 nome escolhido.
E verdade que Tancredo Neves tornou-se candidate graeas a
sua habilidade politica e an seu perfil moderado, adequade a
uma transigao pactuada come foi a brasileira. Contude, a ocupa—
eao d0 cargo de governador de estado ajudou a estruturar a can—
didatura de Tancredo. A posieiie de governador potencializou a
candidatura de Tancredo Neves de duas maneiras.
A primeira é que, dado 0 carater pactuado e conservador da
transieae brasileira, seria fundamental negociar com 0 Peder
Central para a oposieao chegar a Presidéncia da Repfiblica. A
posieao de governador de estado ocupada per Tancrede 0 terna—
va apte a assumir 0 papel de negociador, peis come ele se relacio—
nava com a Uniéo para tratar de interesses comuns, estabele—
cia—se um pacto de convivéncia entre as esferas de governo, em
razao da dependéncia mfitua. Dessa forma, Tancredo Neves se
firmava come interlocutor com o Governo Federal. Ja para um
lider ()posicienista isse nfin acnntecia, pois, an contrario, ele pre-
cisava externar criticas :10 regime, per mais brandas que fos-
sem. Essa diferenciaeao pode ser exemplificada cemparando 0s
deis principais aspirantes peemedebistas a Presidéncia, Tan-
credo Neves e Ulisses Guimarfies: enquantn 0 primeiro tinha
até canais institucionais para se relacionar com 0 governo, 0
segunde tinha um fossn 0 separandn d0 Peder Central 0 do sua
elite governante.
Tancredn Neves tambem so firmava (:mno interleeutnr (Ins
| 99
A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista

outros governadores, que o enxergavam como um igual entre


eles, um membro da mesma classo. A negociagao com os outros
governadores era fundamental porque olos toriam influéncia no
Colégio Eleitoral do duas formas. Uma, através dos votos que os
dologados das Assembléias Logislativas teriam diroito, os quais,
na pratica, soriam intogralmonte doterminados pelos governa—
doros. A outra forma soria modiante o controle das bancadas
ostaduais no Congresso, que so estabolocia mais nitidamonte
graoas a fraquoza do Governo Federal om controlar as bases
locais e sous ropresentantos naquelo momento historico. A pers-
pectiva das oloigoes do 1986, ademais, fazia com que os deputa-
dos ja ponsassem na reeleigao, o para tanto procisariam do apoio
do governador, fundamental como suporto eleitoral.
Portanto, a influéncia dos governadoros na eleigao presiden—
cial indireta soria decisiva e as nogociagoes com olos deveriam
sor born articuladas. So 0 acordo com os governadores oposicio-
nistas foi quase automatico, Tancredo toria do apostar na nego—
ciagao com os governadoros podessistas, atores fundamentais
na eleigao do Colégio Eleitoral, pois olos ocupavam a maior par-
to das governadorias do ostado —— doze entre as vinto duas. O
peso do voto dos governadoros do PDS aumontou para a oleioao
prosidencial indirota do 1985 uma voz que todos os estados to-
riam o mosmo nL’lmoro do dolegados estaduais das Assombléias
Logislativas (seis) no Colégio Eleitoral, independentemonte do
critér'io populacional. Como 0s dologados eram oleitos na prati-
ca pelos governadores, 0s chofes dos Executivos estaduais pe-
dessistas controlavam 72 votos, o dostos, os governadoros nor—
dostinos do PDS (soto dos doze) controlavam 54 votes.
Alguns fatoros ajudaram Tancrodo Nevos em sua tarofa do
costurar acordos com os governadores do PDS. O primoiro foi a
ja reforida posigao do Tancrodo como igual ontre os governado—
res. E preciso lombrar, em primeiro lugar, que aposar de 0 can-
didate pedessista Paulo Maluf tor sido governador do estado,
ole nao so comportava oomo um membro da mesma classo dos
outros governadores, até porque ole era um outsider dontro das
oligarquias rogionais brasileiras”. Iss0 o tornava persona, non

2'3 E importanto lombrar que quase todos os governadores pedossistas


apoiaram 0 candidate Mario Andrea-127.21 na Convenoao do PDS.
I00 | A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

grata entre varies governadores e membros das elites regionais


pedessistas. Ja Tancredo Neves, embora fosse do partido de opo—
sieao, era um dos “iguais” entre as elites regionais brasileiras.
Tancredo conhecia muito bem todas as “manhas” da oligarquias
brasileiras, e per isso soube negociar habilmente com elas.
Na realidade, Paulo Maluf cometeu um erro fatal em sua cam-
panha, desrespeitando uma lei de ferro das elites regionais bra-
sileiras: invadiu territério alheio para fazer a campanha na Con—
vengao partidaria do PDS e para 0 Colégio Eleitoral. Sobretudo
os governadores nae gostaram de ver Maluf “[...] passando por
cima deles, indo buscar votos diretamente com os convencionais
do Partido; sentiram-se incomodados por Vé—lo se compor, na
maioria das vezes, com seus tradicionais adversaries politicos”
(Dimenstein et alii, 1985:1313)”.
A indisposigao da grande maioria dos governadores pedessis—
tas com Maluf gerou um movimento articulado entre eles a firm
de pressionar o Presidente Figueiredo para que os liberassem
da necessidade de apoiar 0 candidate oficial do PDS. Isto acabou
acontecendo no dia 13 de agosto de 1984, apés uma reuniao no
Palacio do Planalto com todos os governadores do PDS. Na ver-
dade, 0 ex-governador baiano, Antonio Carlos Magalhaes“, ja
havia-se reunido com todos os governadores do partido — a ex—
cegao de Roberto Magalhaes, de Pernambuco, e Luiz Gonzaga
da Mota, d0 Ceara —-, n0 dia 11 de agosto, um sabado a noite,
propondo a negociagao do apoio para Tancredo Neves. Dos dez
governadores presentes, apenas Wilson Braga, da Paraiba, e

2“ Uma das dissensées regionais provocadas por Paulo Maluf aconte—


ceu no Rio Grande do Norte, onde ele cooptou Lavoisier Maia, pri-
mo e antecessor do governador José Agripino Maia, passando por
cima do proprio governador. Sobre esse episodic, 0 governador José
Agripino Maia cementou 0 seguinte: “Maluf, quando nao consegue
o apoio de um lider politico, pinea seus liderados e 08 atira uns
contra os outros para depois remeté-los contra 0 lider em questao,
esfacelando, assim, a lideranga tradicionalmente estabelecida”
(Dimenstein et alii, 19852134).
2" O governador baiano naquele memento era Joao Durval, que havia
sido eleito graeas a grande influéncia de Anténio Carlos Magalhaes
na politica do est-ado, o que o fez, come l'orma de cumprir o pacto de
lealdade entre eles, obedecer integralmente ao comando de son pa—
drinho politico.

FAT)? ‘ DE DE EDUCACAO- USP


[ B i B L lOTE CA I
A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista | IOI

Jfilio Campos, de Mato Grosso, nao aceitaram a proposta e mar-


charam com Maluf até 0 firm (Cf. Dimensteinet alii, 1985:132-3).
O resultado dessa articulaoao dos governadores pedessistas
foi a escolha de delegados estaduais favoraveis a Tancredo Ne-
ves, além da articulagao para que a bancada do PDS no Con-
gresso Nacional fizesse o mesmo. Assim, Paulo Maluf perdia
grande parte do apoio de seu partido para a votagao do Colégio
Eleitoral, inviabilizando sua vitéria na eleigao indireta.
Concluindo, podemos dizer que a negociagfio da transigao nao
foi feita so entre os moderados de ambos os lados, mas também
foi articulada e selada por meio de um pacto entre governadores
em ascensao na cena politica nacional e elites regionais que sem-
pre tiveram influéncia no jogo politico federativo —— Marco Ma—
ciel, Antonio Carlos Magalhaes 9 Jorge Bornhausen eram exem—
plos tipicos dessas elites. A transigao passou muito mais pela
dinamica da federagao do quepor negociaooes partidarias defi-
nidoras do conteL’ldo e da forma do governo que se instalaria.
Nao por acaso o pacto entre a dissidéncia do PDS — a Frente
Liberal — com a oposigao, iniciado efetivamente em uma reu—

5/3744:
niao no Palacio dos Jaburus entre Aureliano Chaves e Tancredo
Neves, foi apelidado de “Acordo Mineiro” (Dimenstein et alii,
1985:86-7).

*7
4. As eleigoes de 1982 tiveram o carater de eleigoes fundado-
ras, no sentido dado por Linz & Stepan25. Para estes autores, as
primeiras eleiooes que se realizam apés anos de autoritarismo,
e que envolvam distribuigao real de poder, ajudam a determi-
nar a logica da competigao dos futuros pleitos democraticos. No
caso estudado por eles, o espanhol, as primeiras eleigoes depois
do franquismo foram nacionais, o que tornou a dinamica de atua-
oéio partidaria futura mais vinculada a articulagao nacional de
interesses. No caso brasileiro, as primeiras eleigoes que envol-
veram real distribuigao de poder foram para os governos esta—
duais. Assim, no momento de reorganizaoao politica do Brasil
para pleitos verdadeiramente competitivos, a dinamica da poli-
tica estadual, e mais especificamente a disputa pelas governa—

Z” Cf. Linz & Stepan, 1992:61-2. A utilizaeao desse conceito como


referencial de analise sobre o caso brasileiro foi originalmente feito
por Maria Herminia Tavares de Almeida (Tavares de Almeida,
199425).
l02 l A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista

dorias estaduais, deixaram marcas na construgao dos partidos


e nas estratégias eleitorais dos deputados. O carater estadual
presente na agao dos politicos relacionou—se fortemente com o
fato de as eleigées fundadoras terem sido para governador e nao
para presidente ou para uma Assembléia Nacional Constituin-
te.
O desenvolvimento institucional posterior acentuou ainda
mais a importancia das disputas pelos governos estaduais. A
dinamica eleitoral da redemocratizagao proporcionou a existen-
cia de trés eleigoes para governador, todas elas “casadas” com
pleitos proporcionais definidores de legislaturas com papéis im—
portantissimos: a de referendar a transigao pactuada (1982-
1986), criar novo arcabougo constitucional para o Pais (1986-
1990) e constituir o Congresso Nacional do primeiro presidente
diretamente eleito apés a derrocada do regime autoritario. Nes-
se mesmo periodo, no entanto, so houve uma disputa presiden-
cial (1989), e “solteira”.
O pleito para governador se constituiu no mais importante
elo eleitoral entre as disputas majoritaria e proporcional. Isso
porque os grandes puxadores de votos dessas eleigoes foram os
candidatos a governador. Os candidatos a deputado federal te-
riam entao de se atrelar a uma candidatura a governador que
lhes proporcionasse possibilidade de vitéria. Formava—se assim
um pacto de lealdade entre os candidatos a governador e os as—
pirantes ao parlamento. O triunfo de uma alianga eleitoral sig-
nificava que o pacto de lealdade formado na eleigao seria cobra—
do no exercicio da legislatura dos parlamentares, aumentando
o poder de influéncia dos governadores no Congresso Nacional.
5. Por fim, o aumento do poder dos governadores ocorreu
concomitantemente a0 enfraquecimento do presidente da Re-
pfiblica. Desenvolverei esta questao de forma mais detida no
Capitulo 4. Por ora, basta dizer que a fragilidade politica dos
presidentes que vivenciaram o periodo final da transigao e a re—
democratizagao (Figueiredo, Sarney e Collor) foi acompanhada
do fortalecimento dos outros centros de poder, como o Congres-
so e os estados. Os governadores, corn grande poder tanto no
Congresso Nacional como nos estados, foram 0s atores politicos
que mais se beneficiaram com o enfraquecimento do presiden-
cialismo durante este periodo.
Para 0 melhor entendimento do processo de fortalecimento
A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista | |03

dos governadoros e da formagéo do fodoralismo estadualista ao


longo da década do oitonta, é prociso dostacar dois pontos. Em
primoiro lugar, a formaoéo do fodoralismo ostadualista ao longo
da década do oitonta tom do 591' situada no contoxto do duas
importantos crises: a primoira é a ampla criso do Podor Central,
quo so onfraquoceu como condutor do dosonvolvimonto econo—
mico, om virtudo do osgotamento do modolo do financiamonto
do Estado dosonvolvimentista; como contro politico do pais, om
razéo da criso do padréo Varguista do presidencialismo; o como
ordonador das relagoes fodorativas, por causa da faléncia do
modolo unionista autoritério.
A outra crise é a do antigo pacto politico do sustentagéo do
Estado Nacional. Na verdado, n50 foi criado, no decorror da do—
cada do oitonta, um novo pacto politico do sustontagéio do Esta-
do quo Viosso substituir a antiga alianga nacional-dosonvolvi—
montista. Assim, o Brasil passou nosto poriodo, como born argu-
menta Brasilio Sallum Junior, por uma criso do hegemonia, no
sontido gramsciano da palavra (cf. Sallum Junior, 19943). No-
nhum grupo ou coalizz’io consiguiu estabolocor um proj oto nacio—
nal ao pais, adaptado simultanoamonto {‘1 nova realidado extor-
na o intorna.
Nosto contoxto do criso do Podor Central 8 do faléncia do an—
tiga alianga quo sustontava o Estado Nacional, as elites regio—
nais — politicos o economicas —— agiram apenas para mantor
sua autonomia o conquistar uma fatia born maior dos rocursos
tributérios nacionais. E aqui ontra o sogundo argumento quo
explica a formagéo do fodoralismo ostadualista. A dinélrnica ins—
titucional da rodomocratizagfio foi marcada por partidos frzigois
om tormos nacionais o polo papol central ocupado pola eloigéo
aos governos ostaduais, inclusive na dofinioéo da composigfio do
Congresso Nacional. Em tal contoxto, o sistoma politico obodo-
cou mais a padroes rogionais do quo nacionais. Isto dou Inaioros
incontivos para quo a classo political brasiloiru atuasso do forma
moramonto ostadualista, o 11:30 om torno do um novo pacto poli~
tico nacion al.
A Constituigéo do 1988 ostabolocou o contorno logal do fedo—
ralismo ostadualista. Para tanto, contribuiu 0 tom dado £1 dis—
cussflo do fodoralismo no Congresso Constituinto. Existia urn
ospirito rovanch‘ista com relaoéio £10 aspocto financeiro do antigo
modolo unionista—autoritzirio. Posquisa roalizada pola Voja/LPM
l04 | A passagem do modelo unionista-autoritfirio para o federalismo estadualista

logo no inicio dos trabalhos constituintes indicava que 95% dos


deputados estavam dispostos a levar para suas respectivas ci-
dades uma fatia maior do bolo tributario (apud Leme, 1992:83).
Desta maneira, o discurso pela descentralizagz’io dos recursos
tornou—se um dos principais motes d0 trabalho constituinteZB.
Além disso, as ja mencionadas crise do Poder Central e au-
Séncia de uma alianga politica nacional capaz de reconstruir um
novo Estado, aliadas a fraqueza do governo Sarney, formavam
um quadro em que as demandas regionais é setoriais por recur-
sos se tornavam mais fortes no embate politico. Uniram—se, por-
tanto, prefeitos, deputados federais representantes de certos
setores econémicos e governadores na tentativa do abocanhar 0
sou quinhao de recursos dentro da ja minguada receita do Tew
souro nacional.
Nesse movimento descentralizador, o episédio mais importan—
te foi a Vitéria tributaria das unidades subnacionais sobre a Uniéio.
Embora tenha havido enorme briga entre OS estados para definir
como deveria ser 0 sistema tributario, tondo de um lado OS esta—
dos do Sudeste — especialmente Séo Paulo ——— procurando forta—
lecer a autonomia tributaria estadual, e de outro os estados do
Norte, Nordeste e Centro—Oeste concentrando suas reivindica—
9605 no aumento das transferéncias da Uniao, chegou-se 21 um
denominador comum, 0 qua] n50 levou em conta a situagao finan-
ceira do Governo Federal- Nas palavras do Heladio Leme:
“Promoveu-se assim uma acomodagao de interesses regio-
nais, cuja condigéio foi ter a Uniao como perdedora” (Leme,
1992:150).
A batalha tributaria 11a Constituinte pode ser entendida ana—
lisando~sc 0s seguintes dados: entre 1980 e 1990 enquanto a
importancia relativa da U niiio na receita total disponivel das

3“ O melhor trabalho sobre a definigao da distribuigao dos recursos


tributarios Ila Constituinte é, som dlividal, 0 do Heladio Leme. Ele
apontu clar'dmente a tendéncia descentralizadora do recursos da
Constituinte presente desde a composigzao das Comissoes encarre—
gadas de decidir sobre o assunto. A Comissao do Tributos, Orga—
mento e Finanoas, por exemplo, possuia 4 ex-governadores, 2 ex—
vice—governadores, 9 ex—prefeitos e um ex—vice, além do 11 parlal
1110nt.ares com atividades anteriores em Executivos estaduais (a
mumcipais, como smzmtz‘irios do governo (Lame, 1992:149).
A passagem do modelo unionista-autoritario para o federalismo estadualista | 105

trés esferas de governo caiu 17%, no case dos estados e munici-


pios houve um aumento de 26% e 70%, respectivamente (Giam—
biagi, 1991 :64). A nova repartiqao dos recursos tributaries nacio-
nais definida pela Constituigao foi implantada gradativamente,
chegando a0 final deste processo a seguinte distribuigao, no fi-
nal de 1992: a Uniao ficou com disponibilidade efetiva de 54,9%,
e os estados municipios ficaram com, respectivamente, 28,5% e
16,6%. Para efeito de comparagfio, basta dizer que em 1988, ain—
da antes da mudanga constitucional, cabia ao Governo Federal
62% destes recursos, a0 passo que os estados ficavam com 27% 9
0s municipios, com 11% (Barrera & Roarelli, 19952135; Afonso
& Affonso, 1995).
Apesar de os municipios terem sido es que mais aumentaram
a participagao no bolo tributario, eles ainda dependem —— e mui—
to — dos recursos economicos e administrativos das outras esfe-
ras de governo, sobretudo dos estados. Assim, sé‘io os estados 0s
grandes vencedores da batalha tributaria da Constituinte. Além
disso, essa vitéria tributaria dos estados sera ampliada pelo nao-
pagamento dos passivos financeiros devidos a Uniao, como tam-
bém pela manutengao de relagoes predatérias com o Governo
Federal, tal qual bem exemplifica o caso dos bancos estaduais.
A Constituigao de 1988 aumentou 0s recursos das unidades
subnacionais mas nao definiu claramente a distribuigao das com—
petencias entre 0s entes federativos O artigo 23 da Constitui-
gao definiu uma série de competencias comuns dos tres niveis
de governo, deixando, no entanto, a regulamentagao sobre O que
cada um dos niveis deveria fazer para legislagao complementar,
até hoje nao confeccionada. Além disso, a Carta constitucional
estabeleceu trinta fungoes concorrentes sem delimitar qual de-
veria ser a hierarquia federativa entre 0s m’veis de governo (Ca—
margo, 1992: 40).
Essa indefiniqao quanto as atribuigoes de cada esfera de go-
verno prejudicou o processo de distribuigao de encargos. E me—
gavel que os governos subnacionais assumiram mais responsa-
bilidades da Constituigao de 1988 para (:51. Mas isto ocorreu de
forma desordenada e segundo o ritmo que cada esfera governa-
mental estabeleceu, sem uma verdadeira coordenagao do Go-
verno Federal. Resultado: em seu conj unto, os estados e munici~
pios aumentaram os gastos sociais, mas sem a correspondente
melhora da prestaeao dos servigos pfiblicos E bom frisar que a
I06 I A passagem do modelo unionista-autoritério para o federalismo estadualista

descentralizacao dos gastos sociais so pode ser efetiva caso sej a


acompanhada da reestruturagao das instituicoes e da adminis-
tracao pdblica estaduais. Como veremos no proximo capitulo,
no case dos estados isto nao aconteceu; a0 contrario, predomi—
nou um modo nae—republicano de se fazer politica, o que, sem
dlivida, afetou o resultado da descentralizagao das politicas p11—
blicas.
Na verdade, os municipios assumiram papel mais definido do
que os estados na divisao das atribuicoes governamentais, fato
causado por dois motives: primeiro porque 0 discurso do descen—
tralizacao no Brasil teve uma feigao municipalista, isto é, a idéia
era descentralizar as politicas pfiblicas especificamente para os
municfpios, seja porque o poder local possibilita uma maior par-
ticipacao na elaboracao e gestao das atividadcs governamentais,
seja porque a alocagao dos gastos pliblicos seria feita de forma
mais eficicnte no nivel municipal. Em segundo lugar, a cobranca
da populacéio sobre 0s prefeitos — sobretudo das cidades médias
e grandes —- em geral é muito maior do que sobre os governado—
res e portanto 0s municipios tiveram de assumir mais os encar—
gos.
Em suma, os estados obtiveram mais recursos e menos res—
ponsabilidades, o que criou condicfies para os governadores in-
vestirem grands parcela de seus recursos na busca do controle
dos deputados estaduais e federais, e dos chefes politicos locais,
potencializando a forga dos governadores no sistema politico.
Mas 0 federalismo estadualista, por si so, néo explica o forta—
lecimento do poder dos governadores. Ha outro fator de crucial
importancia na origem do poder dos governadores: a formacéio
de um sistema ultrapresidencialista de governo no nivel esta—
dual, que proporcionou aos governadores urn grande poder no
processo de governo e praticamento eliminou qualquer fiscali-
zacao institucional sobre seus atos. E a jungz‘io do federalismo
estadualista com o ultrapresidencialismo estadual que explica
o poder obtidos pelos governadores na redemocratizacao.

Conclusfioz o novo poder dos governadores

A experiéncia do regime militar conseguiu, por determinado


tempo, acabar com o tradicional poder que os governadores ti-
nham no sistema politico brasileiro. 0 Governo Federal aumen—
o federalismo estadualista | I07
A passagem do modelo unionista—autoritario para

o processo de
tou sobremaneira seu poder, continuando assim
ral inicia do em 1930.
fortalecimento do Poder Cent
padrées anti~
O modelo unionista—autoritario era regido por
o repub licano z nae havia autonomia
nomicos aos do federalism
relago es interg overn amen tais obede—
dos entes federativos e as
dinag ao e nae 30 da compe tieao- coo-
ciam ao principio da subor
da politic a estad ual nae foi um ob-
perativa. A republicanizaeao
mantin ha—s e um esque ma de pa-
jetivo perseguido; ao contrario,
a local para
tronagem entre o Governo Federal e a elite politic
Nacional e nas
garantir maiorias governistas no Congresso
Assembléias Legislativas.
al no inicio da
Contudo, a crise financeira do Governo Feder
gover nos estad uais pela opo-
década de oitenta, a conquista dos
transi géio e, per firm, as re—
sieao, o papel dos governadores na
de 1988 destr uiram 0 anti—
gras estabelecidas pela Constituigao
federalismo
go modelo de federalismo. Em seu lugar surgiu um
s da Federagao”,
estadualista, que tornou os governadores “barée
graea s a0 controle exer—
com forte influéncia no plane nacional,
al. O fortale-
cido sobre as bancadas estaduais na Gamara Feder
em razao do en-
cimento dos governadores se expandiu também
blica no sistem a politico
fraquecimento do presidente da Repfi
brasileiro.
pudesse re-
A auséncia de uma coalizao politica nacional que
o do Estad o alimentou
construir um novo pacto de sustentaea
que se aprov eitara m da
ainda mais o poder dos governadores,
politic os para exerc er in-
atomizagao e desagregagao dos atores
fluéncia nos rumos da politica nacional.
nao pode ser
Esse novo poder dos governadores, no entanto,
ira Repfi blica, nem a0 vi-
comparado nem ao existente na Prime
da Segu nda Repfibli-
gente na Segunda Repfiblica. A0 contrario
zagao a0
ca, 0 poder dos governadores so expande na redemocrati
o do Poder Centr al, p0-
mesmo tempo em que ha enfraqueciment
cenar io politic o nacio-
tencializando a forga dos governadores no
governadores”
nal. Entretanto, diferentemente da “politica dos
os que con—
da Primeira Repfiblica, nae ha nenhum grupo de estad
nar 0 pais, além
siga formar um nficleo hegemonico capaz de gover
do que na Repdblica
da Uniao ser atualmente muito mais forte
Velha.
ou'as condi-
Portanto, o federalismo estadualista proporcion
porem ao Gove rno Federal,
ei‘ms para os governadores so contra
”)8 | A passagem do modelo unionista-autoriuirio para o federalismo estadualista

mas nao para que eles governassem o pais. Por um lado, esse
novo poder dos governadores representou avango com relagao a
situagao federativa vigente no regime militar, pois as relagoes
federativas e o proprio sistema politico foram democratizados,
eliminando o poder arbitrario que possuiam o Executivo Fede-
ral e o presidente da Repfiblica. Mas por outro lado, a atuagao
dos governadores no plano nacional contribuiu ainda mais para
aumentar o gran de fragmentaqao do sistema politico, e, por
conseguinte, agravar o impasse governativo que maroon 0 pais
por boa parte da redemocratizagao. Isso aconteceu porque, em—
bora os governadores tivessem obtido grande poder no plano
politico nacional, a atuagao conjunta deles concentrou—se ape—
nas no veto a qualquer mudanga na ordem federativa que impli-
casse a alteragao da distribuigao de poder e recursos. O fato é
que os governadores formaram coalizoes de veto especificas e
nao coalizoes de governo, sendo um dos fatores que prejudica-
ram 3 governabilidade no ambito federal a0 longo da redemo—
cratizagao.
Se no plano nacional os governadores aumentaram seu po—
der de veto com a redemocratizagao, na esfera estadual eles se
tornaram os grandes comandantes do processo politico, com um
poder incontrastavel ante os outros Poderes e 05 outros agentes
politicos. Foi com base em seu poder nos estados que os gover~
nadores conseguiram atuar de forma decisiva no plano nacio—
nal, exercendo em determinados assuntos forte influéncia sobre
os deputados federais no Congresso Nacional.
Capitulo 3

O ULTRAPRESIDENCIALISMO
ESTADUAL BRASILEIRO*

Discuto neste capitulo 0 poder dos governadores no sistema p0-


ll’tico estadual brasileiro no periodo de 1991 a 1994. Para tanto,
estudo a forma como 0 chefe do Executive estadual governou,
analisando sua relacao com os outros Poderes 9 com a classe
politica. Denomino o sistema de governo que vigorou nos esta-
dos de ultrapresidencialista, o qual tinha duas caracteristicas
fundamentais: o Executivo detinha um forte dominio do proces-
so do governo e controlava os orgaos que deveriam fiscaliza—lo.
Além disso, no Executive, 0 poder era extremamente concentra-
do nas maos do governador.
Para descrever o ultrapresidencialismo estadual, faco anali-
se mais geral do poder dos governadores cm quinze estados da
Federacao no quadriénio 1991-1994 0, para 0 mesmo periodo,
realizo um estudo mais aprofundado do caso paulista. Essa es-
colha é estratégica: todas as caracteristicas do ultrapresidencia-
lismo levam a crer que ele é um sistema politico tipico de esta-
dos mais atrasados, ondc politicas de estilo “coronelistico” im-
peram; n0 entanto, no estado mais rico da Federacao, com uma
sélida e ativa sociedade civil e berco dos principais partidos do
pais, 0 ultrapresidencialismo vigorou fortemente.
Cabe ainda uma filtima observacao. Este trabalho analisa O que
ha dc comum entre os diversos sistemas politicos estaduais, de
modo que as diferencas entre eles, no mais das vezes, sao deixadas

* Este capitulo é uma versao resumida e atualizada de relatério pro-


duzido para o Cedec (Abrucio, 1994).
109
l ID | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

de lado. Tal escolha justifica—se uma vez que ha muitos aspectos


comuns presentes nos estados, configurando claramente um sis-
tema ultrapresidencial, 0 qual é, sem sombra do dfividas, 3 came-
teri’stica mais importante da politica neste nivel de governol.

O funcionamento do ultrapresidencialismo estadual

A redemocratizagao teve como uma das mudangas mais im-


portantes 0 fortalecimento do Poder Legislativo. A Constituigao
de 1988 consolidou legalmente essa mudanea, tornando o Legis-
lativo locus das decisoes terminativas do sistema politico (An—
drade, 1991), como também aumentou seu poder de fiscalizar 0
Executive. Contudo, essas mudangas no Legislativo praticamen-
te ficaram circunscritas a0 ambito federal, pois embora 0 siste-
ma presidencialista de governo vigore nos trés niveis do governo
da Federacéo brasileira, observa—se que seu funcionamento efe—
tivo é diferente no plano federal comparado a esfera estadual.
Pode—se dizer que no nivel federal 0s trés Poderes tornaram—se
mais equipotentes —— utilizando aqui a expressao de Marco Ma—
ciel, ferrenho defensor do atual sistema de governo —, tendo o
Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal se fortalecido
perante a Presidéncia da RepfiblicaQ. N03 estados, ao contrario,

1 O angulo escolhido aqui abre portas, na verdade, para que outros


estudos possam comparar as diferengas entre os sistemas politicos
estaduais, e assim teremos uma visao muito mais precisa do funeio—
namento do ultrapresidencialismo estadual.
2 Varios estudos, notadamente es de Argelina Figueiredo e Fernando
Limongi, tém mostrado corretamente que o poder institucional do
presidente vem se fortalecendo depois da Constituigao 1988, sobre-
tudo no que se refere a definigao do rumo e do ritmo da agenda
politica, através das Medidas provisérias e de outras atribuigoes
que 0 Executive possui para interferir no processo parlamentar.
Mesmo assim, o argumento aqui usado é valido por duas razées: a
primeira é que, a despeito da forqa do Executivo Federal, é hoje o
Congresso Nacional o espago onde se decidem as principais ques-
toes do Pais, como bem mostraram as reformas constitucionais.
Além disso, pretende—se demonstrar neste estudo a grande diferen-
ea entre 0s presidencialismos federal e estadual, uma vez que o
poder que o governador tern sobre o Legislativo e as orgaos fisca-
lizadores é Inuitas vezes maior do aquele que o presidente possui
frente aos outros Poderes no son fimbito do governo.
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I I I

hipertrofia
nao ha eqfiipoténcia entre os Poderes, mas sim uma
do Executivo, configurando um sistema ultrapresidencial.
nova—
O cargo de governador tornou-se diretamente eletivo
presid ents, que
mente em 1982, e portanto antes até do cargo de
es livres
so 0 foi em 1989. Todavia, a simples existéncia de eleicé
de governo no
e competitivas nao democratizaram o processo
s brasilei—
nivel estadual. Corn base na analise de quinze estado
a politico es-
ros no periodo 1991-94, constatou-se que no sistem
cratico e quase
tadual existia um presidencialismo pouco demo
caracterisicas
nada republicano. Descrevo a seguir as principais
.
do sistema politico estadual durante a redemocratizacao
mo estad ual brasil eiro tinha uma carac—
O ultrapresidencialis
Poder Execu tivo, e mais espec ificam ente 0
teristica basica: o
so
governador, era um centro politico incontrastavel no proces
do contro le dos outros Poder es e de toda a
de governo, por meio
tornava-se hi—
dinamica da politica ostadual. O Poder Executivo
itucional
pertrofiado, praticamente eliminando o principio const
endén cia entre 0s Poder es (Abrucio, 1994).
da separacao e indep
agir do duas
Para obter essa forca, o governo estadual tinha de
eliminar a
maneiras. O governador deveria, em primeiro lugar,
ins-
possibilidade do 0 Legislativo e de 0 Judiciario controlarem
o principio dos
titucionalmente 0 Executivo. Destruia-se assim
encialista.
checks and balances, pedra angular do sistema presid
o gover nador teria de neutr alizar a pra-
Para atingir tal obj etivo,
bléia Legis lativa e sobret udo dos orgaos
tica fiscalizadora da Assem
Pfiblico —, tor—
fiscalizadores —— Tribunal de Contas e Ministério
nador , e nao fiscali zador cs de seus atos.
nando—os aliados do gover
o ultrap reside ncialismo com todo seu Vi-
Mas para implantar
ava obter ampla e sélida maior ia na As—
gor, o governador precis
checks and
sembléia Legislativa, tanto para eliminar sua funcao de
lar ampla mente o proces so decisé rio.
balances, como para contro
da neutra lizaca o dos orgaos fis-
Tratarei mais detidamente
do poder
calizadores na préxirna segao, quando discuto a origem
basta const atar que a grand e maio-
dos governadores. Por ora,
de neu-
ria dos Executivos estaduais obteve éxito na estratégia
a dos TCEs e dos Minis térios Pfibli—
tralizar a acao fiscalizador
contas dos go-
cos estaduais, garantindo a facil aprovacao das
no es-
vernadores, o arquivamento dos processos contra 0 gover
cao de fatos
tadual, ou polo menos maior morosidadc na apura
romet er 0s principais memb ros do Executi—
quo pudossem comp
I III | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

vo. Essa neutralizagiio dos érgé‘ios fiscalizadores ocorrou porque


0s governadores possuem prerrogativas na escolha tanto dos
Conselheiros dos TCEs como também dos Procuradores—Gorais
dos Ministérios Pfiblicos. O controle dos governadoros sobre os
TCEs (3 0s Ministérios Pfiblicos desvirtua, desse modo, a fungao
destes Orgaos, que deveriam constituir-se como checks and ba—
lances do Poder Executivo. Os atos e o poder do governador,
portanto, ficavam imunes a qualquer fiscalizagao institucional.
O mais importante para o governo estadual era ter um con—
trols rigido da Assembléia Legislativa. Primoiro para neutra
li-
zar seu poder de fiscalizagéo e controlo dos atos do Poder pliblico
estadual. N0 quadriénio 1991—94, isso foi conseguido por quaso
todos os governadores aqui estudados. Em sua grands maioria
,
as CPIs apuradoras dos atos irregulares do Executivo tiveram
resultado amplamente favoravel para o governo estadual, mes—
mo quando as evidéncias demonstravam o contrario, como exem—
plificam bem os casos da CPI da compra de deputados distritais
em Brasilia e a CPI do Carandiru em Sao Paulo. Nao poderia
deixar de citar também o caso da Assembléia Legislativa pa-
raibana, que nao retirou a imunidade do governador Ronaldo
Cunha Lima para que ele fosse processado em razéio de sua ten-
tativa de homicidio contra o antigo governador, Tarcisio Burity,
cometida em pliblico, diante de dezenas de pessoas.
Outra forma de conivéncia das Assembléias Legislativas
diante das irregularidades do Executivo foi 0 engavetamento do
pareceres do Tribunal de Contas que consideravam ilegal algum
ato do governo estadual. Esse engavetamento era feito pelos
deputados situacionistas, que dominavam as Comissoes das
Assembléias Legislativas. No caso paulista, por example, 0 de—
putado situacionista Joel Freire Costa (PMDB), na condigao de
relator dos processos mandados pelo TCE, engavetou 56 contra-
tos da Administragfio Pliblica estadual condenados pelo Tribu-
nal do Contas (cf. 0 Estado de S. Paulo, 5/11/93).
0 controls do Legislative visava também dar ao Executive
estadual predominio quase que total do processo decisorio. Em
quaso todos os casos estudados, o papel do Assembléia Legisla
-
tiva na tomada de decisées acerca das politicas publicas esta-
duais tinha sido, em grande medida, apenas homologatério. Ve-
jamos o caso do Orgamento, pega fundamental na dinamica da
relagao Executivo/Legislativo no presidencialismo.
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I I3

Com relagao ao Orgamento, as Assombléias Legislativas ti—


veram papel moramente homologatério. Iss0 nao quer dizer quo
as omendas dos deputados nao fossern aprovadas. A hipotese é
que as emendas aprovadas pelos parlamentares estaduais nao
alteravam a logica dos gastos do Executivo". A negociagéio entre
o Executivo e 0 Legislative se dava nas Secretarias estaduais,
nas salas e gabinetes do governo estadual, estabelecendo um
processo intransparente para a opiniao pfiblica. As Comissoes
de Orgamento e Finangas e o plenario do Legislativo estadual
so referendavam as decisoes tomadas no Executivo, restando as
pequenas oposigoes ostaduais denunciar a legimitidade do pro—
cesso, usando ao maximo as horas regimentais reservadas aos
partidos oposicionistas, quando muito.
Obviamente, a formagf-io de uma maioria governista muito
solida nas Assembléias Legislativas foi uma arma fundamental
para que os governos estaduais tivessem um forte processo deci-
sério. Era a natureza dessa maioria, no entanto, que determi—
nava o carater hipertrofiado do Executivo estadual, e por con-
seguinte, o tipo do poder exercido pelo governador sobre os par-
lamentares. Séo dois os fatores que determinavam a natureza
dessa maioria: as “moedas” utilizadas para obter apoio parla-
mentar e o gran de participagao efetiva dos deputados na deter-
minagao das prioridades de governo.
Ante a fraqueza das organizagoes partidarias estaduais como
agregadoras de interesses coletivos, resultante da atuaoéio me-
ramente individualista dos deputados, a maioria situacionista
era obtida quase sempre mediante distribuigao de recursos ou
cargos do Executivo a cada parlamentar, sem que houvesse uma
base programatica para selar o pacto governativo. Além disso,
as bancadas situacionistas, hegemonicas nas Assembléias Le-
gislativas, abdicavam do poder de fiscalizar e da responsabili-
dade governativa, apenas homologando as decisoes dos gover-
nos estaduais.
Construia—se assim o chamado pacto homologatorio“ entre o
Executivo o a Assembléia Legislativa, com base no qual se for-

” No estudo sobre o Estado do 8510 Paulo, forneoo elementos suficien-


tes para comprovar esta hipétcse.
‘1 O conceito do pacto homologatorio encontra—se em Couto, 199].
I I4 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

mava uma maieria situacienista que hemelogava as iniciativas


legislativas do governe estadual. O pacto hemelegatério susten-
tava-se per dois elementes interligados: pela cooptacao dos depu-
tados através da distribuicao de recurses clientelistas e pela au-
séncia de participacae e responsabilizacae dos parlamentares
diante das peliticas pdblicas implementadas pele Executive, a
nae ser na pequenissima parte que interessa a base local de
cada deputade.
N0 pacto homologatérie, pertante, 0 Executive estadual ti-
nha deis trunfos: o centrole dos recursos publices e a fragmen-
tacéie da base de apoio parlamentar, visto que a bancada situa—
cionista nae se constitul’a a partir de uma organicidade progra-
matica, mas em razéie do interesse individual dos politicos que a
cempunham.
Pele expeste acima, depreende-se que a hipertrefia dos Exe—
cutives estaduais 1150 se ancerava em uma simples maieria par—
lamentar; ancorava-se Sim em uma maieria parlamentar iner—
ganica que nae era capaz de se articular celetivamente para
realmente influir nos rumos da pelitica estadual. O geverne es-
tadual, ae contrario, pessuia forte erganicidade que o tornava e
unice Peder que pederia conduzir as macrepeliticas. Dessa ma—
neira, 0 Executive centrolava facilmente es parlamentares si—
tuacionistas no Legislative, que trecavam a censecucao de seus
ebjetivos individuais pela nae-participacae na formulacae das
diretrizes gevernamentais. E mais: a maieria Situacienista dis—
punha-se ainda a permanecer em um siléncie homolegatério di-
ante dos ates do geverno estadual. Assim sende, es Executives
estaduais ebtinham nae so a maieria na Assembléia, mas prati—
camente acabavam com o principio de independéncia entre es
Poderes, neutralizando qualquer reacao do Legislative as suas
peliticas.
No periode de 1991 a 1994, estudei a relacae Executive/Legis-
lative em quinze estades, que 5210 03 seguintes: Amazenas, Para,
Ceara, Pernambuco, Paraiba, Bahia, Geias, Espirite Santo, Mi-
nas Gerais, Rio de Janeiro, Sfie Paulo, Parana, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Apesar de 1150 ser uma
unidade estadual, inclui o Distrite Federal porque ele funciona
enquante tal.
O principal critério para a escelha dos estados foi a impor-
tancia politica-econémica—demografica. A excecao fica per conta
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro [ I IS

do Estado da Paraiba, cujos dados foram utilizados a fim de ana—


lisar so havia contraste entre as unidades estaduais mais po—
bres e as mais ricas no que tange a construcao de maiorias par-
lamentares nas Assembléias Legislativas —— o que, em linhas
gerais, néo foi percebido.
A composicao partidaria do universo estudado era bem he-
terogénea. Dos quinze governadores analisados, a filiacao par—
tidaria no momento eleitoral era a seguinte: seis eram do PMDB,
trés do PFL, trés do PDT, um d0 PSDB, um do PRS e um do
PTR5.
Logo apés a eleicao, nenhum dos partidos e/ou coligacoes que
elegeram os governadores desses quinze estados tinha, por si,
maioria na Assembléia Legislativa“. Isso mostra que no memento
eleitoral ha grande competicao entre os partidos, tendo situa—
coes em que mais de trés partidos e/ou coligacoes poderiam ven-
cer o pleito do governadofl.
Em marco de 1994, o quadro havia mudado, mostrando 0 ca-
rater situacionista das Assembléias Legislativas, como pode ser
visualizado pela Tabela 2.

5 O governador Hélio Garcia, de Minas Gerais, foi eleito pelo PRS,


mas depois ficou um born tempo sem partido, para em 1994 entrar
no PTB. Ja 0 governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, foi
eleito pelo PTR, e depois comandou a fusao deste partido com o
PST, forinando 0 PP, do qua] foi um dos principais lideres.
G
Folha dc S.Paulo, 29/10/1990, encarte especial sobre as eleicoes.
7 As eleicoes no Parana, em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e 850
Paulo 8510 exemplos do lugares onde o pleito do 1990 teve pelo me-
nos trés partidos competindo com chances do vitoria na disputa
pelo governo estadual. Recente coletanea organizada por Olavo Bra-
sil de Lima Jfinior (1997) mostra, alias, uma progressiva implan-
tacao do multipartidarismo nos estados desdo 1982. Disto conclui-
se, corretamente, que no momento eleitoral tom havido uma dispu-
ta verdadeiramente competitiva no nivel estadual. Tal analise, no
entanto, nao trata do comportamento parlamentar. Se 0 fizesse,
mostraria que o mutipartidarismo, via de regra, tom sido pratica—
mente “ongolido” pelo governismo tipico do sistema ultrapresi—
dencial vigonte nos estados, conio Inostrarei neste capitulo.
”6 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

Tabela 2. Posigae dos deputados em relaqfio ao Governo


Unidade Ni'unero de Situaqfio Oposigao Independentes8
da Federaqfio deputados
da Assembléia

Amazonas 24 18 (75%) 4 (16,7%) 2 (8,376)


Para 41 30 (73%) 11(27%)
Ceara 46 36 (78,370) 10 (21,770)
Pernambuco 49 24 (49%,) 2O (41%) 5 (10%)
Paraiba 36 25 (69,470) 11(30,6%)
Bahia 63 40 (63,570) 23 (36,576)
Goias 41 34 (82,970) 7 (17,1%)
Distrito Federal 24 14 (583%) 10 (41,7%)
Espirite Saute 30 23 (76,7%) 7 (23,3%)
Minas Gerais 77 68 (88,370) 9 (11,796)
Rio de Janeire 70 23 (32,8%) 20 (28,6%) 27 (38,6%)
830 Paulo 84 56 (66,7%) 28 (333%)
Parana 53 34 (64,1%) 8 (15,1%) 11(20,8%)
Santa Catarina 40 22 (55%) 18 (45%)
Rio Grande do Sul 55 11(20%) 20 (36,4%) 24 (43,6%)
Fonte: Abrucio, 1994215.

Em doze dos quinze estades estudades (ou seja, em 80% da


amestra) 0 Executive detinha a maieria abseluta na Assembléia;
ademais, e apeie da bancada situacionista era extremamente
segure. A “regra do situacienisme” prevalecia nas unidades es—
taduais caracterizadas per realidades socieecenémicas tae dis—
tintas come as de S510 Paulo, Paraiba, Geias, Santa Catarina,
Parana eu Bahia, mestrande que tal fenémene nae era circuns-
crite as regiees economicamente mais atrasadas do pais. 0 es—
tade onde 0 Executive tinha a maieria mais felgada no Legisla—
tive era Minas Gerais — a bancada situacienista detinha 883%
dos votes —, segunda maior economia da federagaog.

8 Independentes sae deputados que nae faziam epesigae sistematica


a0 governe, apeiande 0 Executive eventualmente, sem no entante se
definirem come blece situacionista. Na maior parte dos cases (Rio
do Janeiro, Parana 9 Rio Grande do Sul) es independentes eram es
“fiéis da balanga” no Legislative, aproveitando dessa situagae para
negociar projetos de seu interesse. Além disso, a pesigae de inde-
pendéncia podia trazer dividendos eleitorais mais positives do que
a pura epesieao, pois o deputade independents obtinha recurses
para as suas bases sem ser recenhecide come situacionista, conci-
liande as vantagens do opesicionisme (“nae sou do governo, portan-
to nada tenhe a ver com seus erros”) com os aspectes positives de
estar na situaeae (“fui eu quem censeguiu esta obra do geverne”).
9 Des doze estados em que a bancada situacionista era majoritaria
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I I7

Havia trés excegoes a “regra do situacionismo”: Pernambu—


co, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Nestes estados existia
forte tradigao oposicionista —— em proporgées mais fortes do
que na maioria dos outros estados —, graoas a uma acirrada
competiqé‘io entre as elites locais. Cerca de quatro a cinco gru-
pos politicos tinham a capacidade de ganhar o governo ou fa-
zer ferrenha oposigao, com grau de lealdade acima da média
do sistema politico brasileiro. Em Pernambuco, existiam trés
grupos fortes — PFL, PMDB e PSB (leia-se Miguel Arraes) —
e um em ascensao — 0 PT. No Rio Grande do Sul, havia qua-
tro partidos bem estruturados e adversarios entre si: 0 PDT, 0
PMDB, 0 PT e o PPR (hoje PPB). Ja no Rio de Janeiro, 0 PDT,
0 PMDB, o PSDB, 0 PT e o PPR dividiam bem a preferéncia do
eleitorado e das elites, resultando em uma competigao politica
bem pluralista.
Ainda assim, as excegoes demonstram que mesmo nos luga-
res em que a situagz‘io n50 possuia maioria absoluta, 0 Executi-
vo tinha conseguido garantir algum acordo para obter apoios
majoritarios a fim de aprovar os projetos de seu interesse. Num
dos casos desviantes, 0 Rio de Janeiro, havia dois atenuantes
ante a inexisténcia de maioria situacionista: a oposigao tinha
menos deputados do que a situagao, e os independentes, a maio—
ria na casa, eram praticamente controlados pelo deputado José
Nader (sem partido), o qual estabeleceu um pacto com o gover-
nador Leonel Brizola, garantindo-lhe os votos necessarios para
a aprovagao dos projetos.
O embate entre Executivo e Legislativo em Pernambuco tam-
bém niio era téo desfavoravel ao governo, ja que, apesar de 1150
ter maioria absoluta, a bancada situacionista possuia mais de—
putados do que a oposigao e 08 independentes, detendo 49% dos
votos. Dessa forma, a margem de negociagao do Executivo para
obter maiorias —- mesmo que pontuais —— aumentava conside-
ravelmente.
Portanto, o finico caso realmente desfavoravel ao Executivo

na Assembléia Legislativa, em apenas um o governador néo cons-


truiu sua maioria mediante o pacto homologatorio: o Estado do
Ceara. Neste, a maioria na Assembléia Legislativa foi formada a
partir de um acordo programatico e nao em torno da mera distri—
buigéio de cargos.
I IS | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

era 0 do Rio Grande do Sul, ende e geverne nae tinha maieria


absoluta na Assembléia e também centava com menes deputa-
des de que a oposicae e es independentes. Para alcancar a maie—
ria absoluta no Legislative, e gevernader Alceu Cellares preci—
saria obter o apoio de mais dezessete deputades, o que represen-
tava um nfimero de votes maier do que a bancada situacionista
pessuia (onze votes, on seja, apenas 20% da Assembléia)”.
A explicacao do perqué em alguns estados nae houve a men-
tagem de maieria solida na Assembléia Legislativa deve ser pro-
curada ne grau de competicae pelitica existente em cada estado,
cujos indices sao dois: primeire, se a gevernaderia foi conquista-
da per um partide desvinculde d0 establishment, o que implica-
ria maiores conflites com as elites peliticas tradicionais — come
foi 0 case do PDT em trés estades. Segundo, e grau de alternati-
cia partidaria nos gevernes estaduais nas filtimas trés eleicoes.
Nas eleicoes estaduais de 1982 a 1990, peuces partides ga-
nharam a competigae para o cargo de gevernader: e PMDB, e
PDS (depeis PPR e heje PPB) e e PFL —— que é uma “dissidéncia
de circunsténcia” do PDS — praticamente dominaram sozinhos
as disputas pelos Executives estaduais. Ocorreu também a vi-
téria de candidates que cencorreram per “legendas de aluguel”,
mas que na verdade sempre feram ligados aes particles tradicie—
nais, tende rompide com estes particles per mera cenveniéncia
eleitoral — vide, per exemple, o exemplo de Hélio Garcia (PRS)
em Minas Gerais. No entante, es finicos que obtiveram éxite
eleiteral e representaram alguma novidade ante os partidos tra-
dicienais foram es candidates do PDT.
Em 1990, e PDT venceu em trés estades: Espirite Sante, Rio
de Janeire e Rio Grande do Sul. Em deis deles, Rio de Janeiro e
Rio Grande do Sul, padrees minimos de gevernabilidade feram
mais dificeis de ser alcancados do que no resto das unidades
estaduais. Ne Espirito Santo, porém, 0 Executive obteve tran-

‘0 O governador Alceu Cellares foi eleite per uma celigacae cempesta


pele PDT, PSDB 9 PC do B; o PSDB nae tinha no periede da celeta
de dades (marge de 94) representacéo na Assembléia Legislativa,
enquanto 0 PC do B tinha somente um deputade estadual. Para
agravar ainda mais a situacae do Executive estadual gafiche, 0 PC
do B rompeu com o geverno, e a minguada bancada situacienista
perdeu mais um veto.
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I I9

qflila maioria na Assembléia (76,7% dos votos), o que a principio


invalidaria a vinculagz’io entre 0 éxito eleitoral dos partidos nao
ligados ao establishment e a dificuldade governativa. Observan-
do atentamente o pleito para governador no Espirito Santo em
1990 vemos que ai a situagao era bem diferente: 0 candidato do
PDT, Albuino Azeredo, foi apoiado pelo entao governador Max
Mauro (sem partido), que havia brigado com 0 seu partido, o
PMDB, e especialmente com o senador Gerson Camata, o qual
apoiou o candidato do PST, José Inécio Ferreira, ex-lider do go—
verno Collor no Senado. Sendo candidato do governador do es—
tado, do qual foi secretario do Planejamento, Albuino Azeredo
conseguiu o apoio de 43 dos 67 prefeitos capixabas (cf. Lamou—
nier, 1991249)“, ou seja, de aproximadamente 65% dos prefeitos
do estado. Portanto, Albul’no néio tinha 0 carater oposicionista
de Brizola ou Collares.
Se pertencer a um partidohistoricamento marcado como opo-
sigé‘io a elite local — ou a importante parcela dela, pelo menos
—- é indicio de dificuldados futuras ao governador eleito, essa
dificuldade sera ainda maior se houver uma pluralidade de eli-
tes competindo polo poder, o que pode ser medido pela alternan—
cia de partidos no governo nas eleigoes de 1982 a 1990.
Dos quinze estados estudados, em apenas quatro houve um
partido voncedor para cada um dos pleitos a governador: em
Pernambuco (PDS-PMDB-PFL), na Bahia (PDS—PMDB—PFL), no
Rio Grande do Sul (PDS-PMDB—PDT) e no Ceara (PDS—PMDB
PSDB). Nota-se que na Bahia e em Pernambuco dois dos venee-
doros diferontes eram 0 antigo PDS e o PFL. Nesses dois esta-
dos, contudo, havia uma grande quantidade de ex—pedessistas
no atual PFL, o que diminuia o efoito da alternancia partidaria.
E no Ceara, 0 governador do PSDB, Ciro Gomes, pertencia ao
grupo d0 PMDB que tinha governado o estado. Dessa forma, o
estado com maior grau de competigao era 0 Rio Grande do Sul,
onde também, comparativamente, ocorreram os maiores proble-
mas de governabilidade”.

11 Dos 43 profoitos que apoiaram Albuino Azeredo, somente onze eram


filiados a0 PDT *— aproximadamente 26% dos profoitos que o apoia—
ram. Cf. Lamounier, 1991249.
‘2 As oleigoes de 1994 confirmaram que 0 Rio Grande do Sul é o esta-
I20 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

Em suma, verifica—se que num finice estade existia um grau


de competigz‘ie politica capaz de derrubar o situacienismo vigen-
te na esfera estadual. Entretanto, isso nae significou que 0 Po-
der Executive do Rio Grande do Sul fosse fraco. Pois entae ve-
jamos: embora 0 Executive estadual gaficho tenha side o que
sofreu mais derrotas parlamentares entre os cases aqui estuda-
dos, chegando a se instalar no Legislative uma CPI incumbida
de investigar suspeitas de ates de corrupcao no governo esta—
dual —— a “CPI da propina” —, o governe de Alceu Collares per-
deu pouquissimas votacoes na Assembléia Legislativa.
Fica a pergunta: come 0 Executive gaficho conseguiu aprovar
a quase—tetalidade de seus prejetos sem ter maieria situacionis-
ta no Legislative? Adotando uma estratégia de conquistar case
a case 0 apoie parlamentar mediante presséo sobre as bases dos
deputados. Exemple maior dessa tatica foi e estabelecimento do
convénios com as prefeituras a firm de construir infra—estrutura
para a area social, delegacias e estradas, ebras essas que as pre-
feituras sozinhas nae pederiam levar adiante. Per conseguinte,
os prefeites e h’deres lecais das regifies pressionavam seus re—
presentantes parlamentares para aprovar os prejetos do Exe-
cutive que previssem essas ebras on o financiamento delas.
Na verdade, existiarn condicoes na esfera estadual que im-
pessibilitavam aos deputades ficar contra es anseios dos lideres
de suas bases ou nae se apresentar como co—autores das ebras
edificadas em suas regioes pele geverno estadual. Tais condi—
goes eram, basicamente, duas: a fragilidade das agremiacfies
partidarias, as quais nae estabeleciam um contato permanente
e programatico com os eleitores, resultando em baixo gran de
identificacée partidaria; e a forte dependéncia financeira dos
redutes eleitorais dos deputados com relagao ao governo esta-
dual, o que tornava es eleiteres destas regioes mais propensos a
votar nos parlamentares que trouxessem ebras e/ou empregos
para os municipies.
No periodo estudado prevaleceu a “regra do situacienisme”,
pois para os deputades era dificilimo ser oposicae pura, estar

do com maior competicao politica no pais, uma vez que heuve a


possibilidade de vitoria de um partido diferente — 0 PT — dos one
tree trés vencedores dos pleitos estaduais realizades desde 1982.
O ultrapresidenciaiismo estadual brasileiro I III

fora dos parémetros ditados pelo Executive, ser totalmente “an-


tigovernista”. E aqui cabe a distincéo fundamental entre o “si-
tuacionismo” e o “governismo”: o fenomeno do “situacionismo”
rei’me apenas es que participam formalmente da bancada do
governo; ja o padrao “governista” de atuacao esta presente em
quase todos os deputados, visto que eles nae podem sobreviver
politicamente sem usufruir dos recursos do Executive.
Refinando melhor a conceituacao: o “governisme” era um fe-
némeno maior que englobava o “situacionismo” e que tern neste
uma de suas pecas principais — come bem ilustram doze dos
quinze estados brasileiros estudados neste trabalho ———; no en—
tanto, o “governismo” mantinha—se mesmo que o governador nae
possuisse maioria situacionista na Assembléia, porque as con-
dicées estruturais tornavam os deputados, em sua maioria, de-
pendentes dos recursos e da “protccae” dos Executivos esta-
duais.
No ultrapresidencialismo estadual constatou-se a existéncia
de dois padroes de competigao politica nos estados: no memento
eleitoral, vigorava uma disputa multipartidaria; no memento
governativo, vigorava uma logica quase monolitica, em que pra—
ticamente todos os politicos giravam em torno do governo esta—
dual, 9 a favor do governador, alterando completamente o tradi-
cional adagio politico: ha governo, sou a favor.
O fenomeno do governismo era, portanto, uma das principais
fontes do ultrapresidencialismo estadual brasileiro. Exponho
abaixo a fala de Fernando Silveira (PTB/SP), representante ti-
pico da classe politica na csfera estadual, que sintetiza bem a
légica d0 governismo:
“0 Executive tem um peder muite grande de trans-
formagde, entdo nés sofremes muite com isse perque
n63 temos que estar alinhades ae peder [...]. O PTB fei
opesicc’io ferrenha a0 geverne dc Franco Mentore, mas i880
nos afasteu das grandes realizacees, inclusive da aprevagdo
de projetes l... /. Enide, e Peder Executive, de certa ferma, ele
impoe uma nerme em cima do gente, 8 nos sefremes esta in-
fluéncia [... /. ”’
Em suma, o deputado estadual e, cm grande medida, todo
politico que tem seu locus especifico 'na esfera estadual, de opo—
sicao ou situacao, dew “star “!...I alinhado a0 poder” se quiser
sobrcviver politicalmrni...o {as-o porque 0 Executive detém “[...]
l22 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

urn grande poder de transformagao”, de implementar projetos.


O grande controlador dos recursos estaduais, tao necessaries
para a sobrevivéncia politica dos deputados, era 0 governador
de estado. O chefe do executive estadual — por razoes que de—
senvolverei adiante — tinha dominio consideravelmente gran-
de da destinagao dos recursos clientelistas. Assim, numa estru-
tura permeada pelo “governismo”, tornava-se fundamental para
os deputados a manutengao de um pacto de lealdade com 0 go-
vernador, para adquirir os recursos necessarios ao avango na
carreira politica.
Mas quais sao os fatores que fortaleceram os governadores
no ambito politico estadual? E o que veremos a seguir.

A origem do poder ultrapresidencial dos governadores

Nesta segao, trato exclusivamente das razoes do poder dos


governadores intrinsecas a politica estadual. Dou como pressu—
posto que os governadores obtiveram condigao financeira me—
lhor a partir da Constituigao de 1988, O que potencializara o seu
poderio. Ainda, o enfraquecimento politico e financeiro do Po-
der Central facilitou a manutengao do controle da classe politi-
ca estadual pelos governadores, visto que estes nao tinham ne-
nhum “competidor” a altura para disputar a lealdade dos politi—
cos estaduais.
Os governadores comeearam a retomar seu poder politico,
apes anos de controle das governadorias pelo Poder Central au—
toritario, quando se iniciou a crise de legitimaeéio do regime,
com o excelente resultado da oposigao na eleieao de 1974. A par—
tir dai, o Governo Federal precisou mais e mais do apoio dos
governadores arenistas para controlar as bases politicas locais,
redutos eleitorais dos deputados federais. Com isso, os governa-
dores arenistas, em troca do empenho redobrado para eleger os
candidates proporcionais vinculados ao regime militar, foram
ganhando autonomia ante o Governo Federal.
Mas foi sobretudo a partir das eleigoes de 1982, quando hou-
ve eleieoes diretas para os governos estaduais, que os gover-
nadores restauraram seu tradicional poder no sistema politico
brasileiro, so que reconstruido em formas mais “modernas” de
cooptagao politica.
A literatura acerca da transieao brasileira, quando estuda a
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | 123

eleicz‘io de 1982 para governador, enfatiza o aspecto “mudan-


cista” desse episodio, isto é, o papel dos governadores na der—
rubada do regime militar. Este angulo é fundamental para en—
tender a transicao brasileira, tal como mostrei no capitulo
anterior; porém, ele nao esgota a interpretacao do retorno de
eleicfjes diretas para governador. As caracteristicas de conti—
nuidade da elite tradicional e, notadamente, do modo tradicio-
nal de se fazer politica no nivel estadual sao importantes fend-
menos do pos-82.
E preciso recordar que o PMDB 1150 so ganhou a eleicao para
governador como também para varias prefeituras. Pegando dois
estados-chave, Siio Paulo e Minas Gerais, vemos o éxito do PMDB
no pleito municipal: em 8510 Paulo, 0 PMDB ganhou em 308
municipios, mais da metade do total; em Minas Gerais, um dos
estados mais conservadores da Federacao, o entao partido opo—
sicionista elegeu 247 prefeitosu”. Em outros estados nos quais o
PMDB teve bom resultado, aconteceu o mesmo fenomeno.
A conseqiiéncia desse fenfimeno foi que o PMDB, em varies
estados, incorporou a logica da cooptacfio, tradicional na politi-
ca estadual, estabelecendo uma conciliacao com as oligarquias
locais que foram partidarias do regime militar. Um bom exem-
plo disso é o caso mineiro. O governador Tancredo Neves e pos-
teriormente o governador Hélio Garcia — depois que Tancredo
se desencompatibilizou do cargo para concorrer a Presidéncia
da Repfiblica -—- trouxeram para o governo estadual boa parte
das antigas elites que dominaram o estado no periodo autorita-
rio. Francis Hagopian relata qual foi a esséncia politica do go-
verno peemedebista em Minas:
“O governador optou por governar com, .e nao contra, a
oligarquia mineira. A transformacao do PMDB de partido ba-
seado na representacao das classe populares em veiculo oli-
garquico, a revitalizagao da rede clientelista tradicional [...]
confirmaram que a politica tradicional sobreviveu ao menos
no estagio inicial dos governos civis no Brasil” (Hagopian,
1987:22—3).
A partir do caso minoiro, percebomos a forca da politica de
cooptagao no nivel estadual brasileiro. Para entender o porqué

13 Cf. Medeiros, 1986:409 o Hzlfmpiun. 1987z8.

l..-
124 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

disso, é preciso compreender de que manoira so conforma o sis-


tema politico no pais. Para tanto, recorro a uma observagao muito
sagaz do Maria do Carmo Campello do Souza:
“O sistema partidario brasileiro visivolmonto so consolida
a partir da montagem do maquinas partidarias alimontadas
pola patronagem estatal, como ocorre om tantos outros pai-
sos no curso do sou desenvolvimento politico. Diferontemen—
to dos sistemas europeus e americano, cuj as maquinas parti-
darias tinham como eixos preferenciais as Assembléias, aqui
ole so consolida através das esferas executivas municipais o
ostaduais” (Campollo do Souza, 1988:602-3).
Explorando um pouco mais a argumentaoao do Campello de
Souza, pode—se dizer que as maquinas partidarias no Brasil so
consolidam mesmo na sua relagao com o Executivos estaduais,
pois os prefoitos o todas as liderangas locais depondem muito do
poder do governador. E o governo estadual — ou os “caciques
regionais”, quase sompre Vinculados a maquina estadual —— que
organiza a aqao dos brokers locais e dos cabos eleitorais, ao con—
trario do caso amoricano, em que as maquinas partidarias dos
dois grandes partidos, num estreito relacionamonto com os che—
fes politicos do ostado (a figura do boss), organizam a estrutura
para a conquista o sedimentagao dos votos. Nos Estados Uni-
dos, o locus de organizaoao politica é o Legislativo ostadual, are-
na mais apropriada para a atuagao partidaria; no Brasil, é no
Exocutivo ostadual que se concentra tanto a articulagao politica
para definir a distribuiqao dos recursos como o recebimento das
demandas da sociedade.
Talvez nom soja corto dizer “maquina partidaria” no contex—
to estadual brasileiro. O que existe é uma vordadoira maquina
do fazer politica alicergada no Executivo estadual. A organiza-
géio das aooes politicas é fragilmente baseada om partidos, som-
pro fracos o com tempo de Vida curto. Goralmente, grande parte
dos politicos muda do partido do acordo com as mudangas no
Executivo estadual. Usando um oxemplo paradigmatico da roa-
lidado ostadual no nosso federalismo, basta citar que no Rio do
Janoiro, na filtima log‘islatura ostadual, trinta trés doputados
mudaram do partido —-—~ quaso a metade de todos os parlamonta-
ros —, sendo quo oito dolos mudaram duas vezes e um trocou
trés vezes do logonda (Abrucio, 1994:17). Nosso contoxto do fra-
gilidado do sistoma partidario, o governador do estado so torna
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro [ l25

o barao organizador de seu feudo politico, e a partir dele so or-


ganiza a politica de cooptagao na esfera ostadual.
Relaciono abaixo os fatores que facilitaram ao Executivo es-
tadual tornar-se uma maquina de fazer politica, e, por conse-
guinte, que tornaram os governadores baroes do feudo estadual:

a) Poderes financeiros, administrativos e politicos

Os governadores possuiam um leque de recursos financeiros,


administrativos e politicos que lhes dava instrumentos podero—
sissimos para cooptar a classe politica estadual. Em termos fi-
nanceiros, é preciso lembrar que, apesar de a Constituioao de
1988 ter favorecido as finangas pliblicas municipais, a grande
maioria dos municipios nao tinha como se auto-sustentar. Se—
gundo dados fornecidos, por Aspasia Camargo, entao presiden—
te do Ipea, 50% dos municipios mais pobres viviam dos Fundos
de Participaoao, que representavam de 50% a 90% dos seus re—
cursos. E dizia ainda Aspasia:
“Essa é uma situaoao grave. Revela que criamos munici—
pios como unidades federativas, mas que boa parte deles nao
tem condigoes de ser um ente federativo. Sua base de arreca-
daoao é muito baixam.
O governo estadual era 0 grande “credor” dos municipios bra-
sileiros, e como tal, cobrava algo em troca, que era 0 apoio poli-
tico ao governador e aos candidatos do governador aos cargos
proporcionais.
Um importante instrumento financeiro concentrado nas maos
do governador eram os Bancos estaduais, e isso valia nao so
para os estados ricos, mas para todas as unidades estaduaism.
Como bem observava Pérsio Arida, no auge do poderio dos go-
vernadores:
“A verdade é que 0 Banco estadual é um instrumento da
politica que alavanca o poder dos governadores independen-
temente da situagao do Tosouro Estadual. Nada mais eloqfien-

” Entrevista ao Jamal do Brasil, 10/10/93213.


‘5 Das vinte e seto unidades que compunham a Federaoao w incluin—
do 0 Distrito Federal *— apenas duas nao possuiam Banco estadual
-—— Tocantins e Mato Grosso do So] (of. Banco Central do Brasil,
1993: ] 4).
|26 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

te neste aspecto do que o pleito dos governantes dos Estados


recém-constituidos que solicitaram a autorizagao para abrir
bancos estaduais simultaneamente a constituigao de seus go—
vernos” (Banco Central do Brasil, 1992:203).
Os bancos estaduais eram fontes privilegiadas de recursos
para os governadores. Emprestavam dinheiro a correligionarios
do governador, como também ajudavam a conquistar novos alia-
dos para o governo estadualm. Além disso, o proprio governo es-
tadual pedia empréstimos a essas instituigoes financeiras, em
condigoes financeiras mais facilitadas, sem ter de pagar os juros
cobrados pelos bancos privados. A verdadeira natureza do proces-
so decisorio de um banco estadual é bem definida pelo depoimen-
to de Gustavo Krause:
“Entao, o que acontece na gestao de um banco estadual? O
que acontece, diferentemente de um banco privado, é que os
negocios de um banco privado comegam e terminam na mesa
do Gerente. E onde terminam os negocios de um banco esta—
dual? Na audiéncia com o governador do Estado. Essa é uma
questao nodal” (Banco Central do Brasil, 1993:29).
Durante a redemocratizagao, o Governo Federal nao conse-
guiu controlar este uso perverso dos bancos estaduais pelos go—
vernadores —- e mostraremos no capitulo seguinte por que isto
aconteceu. O maior escandalo envolvendo as instituigoes finan—
ceiras estaduais foi, sem dfivida alguma, 0 do Banespa, utiliza-
do pelos governadores do periodo para fins nitidamente eleito-
rais. Basta notar que 1/3 da divida do Estado de Sao Paulo junto
ao Banespa tinha como origem empréstimos AROs (Antecipa—
950 de Receita Orgamentaria) feitos pelo ex—governador Orestes
Quércia com o proposito declarado de eleger seu sucessor. Disse

1‘3 Segundo o inquém’to do BC sobre o Banespa, o ex-governador paulista


Luiz Antonio Fleury Filho fez empréstirnos considerados absurdos
segundo a boa técnica bancaria, exatamente para ajudar alguns
aliados politicos. Para dar alguns exemplos, a empresa de fécula de
mandioca Larreina, cujos donos eram ex-profeitos de Sandovalina e
muito ligados ao governador, recebeu empréstimos gragas a pres—
sao politica que modificou o relatorio téonico contrario a esta opera-
gao bancaria; a empresa Paraquimica, também ligada a amigos do
governador, obteve um ompréstimo cujo porte era totalmente in—
compativel com o seu capital social, pois recebeu uma linha de cro-
dito do U 8% 23 milhoes para um capital social do US$ 339,59!!!
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | IT]

inclusive a época que “quebrava o estado mas elegia seu sucesfi


sor””.
Com a intervengao do Banco Central foi possivel comprovar
mais rigorosamente o que ocorrera no Banespa. O inquérito do
Banco Central fez uma radiografia cujo trecho abaixo resume
lapidarmente o tipo de relagao estabelecida entre o governo es-
tadual e 0 Banco:
“O Banespa se vé, ao longo dos anos, em situagao sui gene-
ris, deixando de ser 0 banco do Estado de Séo Paulo para ser
0 banco dos negécios do Estado de Sao Paulo, obrigado a su—
portar a continua necessidade de financiamento do Governo
Estadual e suas empresas (...) Ou seja, tern-so um Estado que,
por motivos conjunturais, tipificados na queda de arrecada-
gao estadual, ou por nao inspirar credibilidade aos agentes
economicos (...), constantemente recorre a0 meio mais sim-
ples para suprir suas necessidades mais imediatas, qual seja,
utilizar-se do banco que possui para o saque dos recursos que
lhe sao indispensaveis, sem que tal pratica resulte na déba-
cle do banco que controla.
“Trata—se, pois, de um auspicioso mecanismo de transfe-
réncia de dilemas financeiros, sempre ern mao finica, do Es-
tado para 0 Banco. A posieao do Estado poderia ser traduzida
por ‘devo, nao nego, page quando puder’, ao que complemen—
tariamos como ‘como quiser, e da forma que melhor me aprou-
ver” (Banco Central do Brasil, 1995:11.677).
Além dos recursos obtidos com a nova Constituigao e daque-
los provenientos dos bancos estaduais, os governos ostaduais
aumentavam o seu félego financeiro por meio dos ganhos obti-
dos com a inflagao. A perversa equaoao do inflagao alta com
mecanismos de indexagao era lucrativa para os estados toma-
dos individualmento, exatamente porque os governos estaduais
nfio se responsabilizavam pela estabilizagao econémica —-— por
razoes que voremos no proximo capitulo. 0 regime inflacionario
vigente no Brasil dava maior “flexibilidade” orgamentaria aos
:0vernadores, que ainda contavam com a eterna prorrogagao
do pagamonto de suas divides.

‘7 Gasem Mon-(mm, 3/9/1995, insiltéria especial sobro a arise do Ba-


nespu.
|28 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

A partir desta situaoao financeira, 0s governadores puderam


se utilizar da patronagem como importante fonte de poder. In-
chago da maquina ptiblica e politizagao no preenchimento dos
cargos pfiblicos constituiram—se em regras basicas de funciona-
mento da burocracia estadual. Observa-se isso, em primoiro lu-
gar, com o aumento dos gastos com o funcionalismo desde o 11113
cio da redemocratizaqao e mais acentuadamente com a pro—
mulgagao da nova Constituigao. Comparando a evolugao das dos-
pesas de pessoal ativo na Uniao com a dos estados percebemos
melhor a discrepancia existente. Como proporg’ao do PIB, a mé—
dia das despesas com pessoal ativo da Uniao era do 3,4% no
periodo 1970/1979, tendo caido para 2,9% na média dos anos
1980/1987, e voltado a crescer ligeiramente no periodo 1988/
1994, mesmo com a queda constante do nfimero do funcionarios
publicos. Ja no caso dos estados, esta evolugao foi bem diferen—
te: acompanhando o agregado dos gastos médios do estados e
municipios —— pois nz’io ha dados exclusivos dos governos esta-
duais ——— constata—se que o crescimento foi continuo no periodo
todo, subindo do 3,9% do PIB em 1970/1979 para 4,2% em 1980/
1987 e saltando para mais de 6,5% na média dos anos 1988/
1994 (Beltrao, Abrucio & Loureiro, 1997:9).
Mas ha dados mais reveladores sobre o periodo recente que
discriminam 0s gastos dos estados daqueles efetuados pelos mu—
nicipios. Analisando o comprometimento das receitas com 0 pa—
gamento de salarios e encargos do pessoal ativo nos periodos
1990-1993 9 1994-1995, observa—se que na Uniao houve uma
pequena redugao do 18,8% para 17,7% enquanto nos estados
ocorreu um crescimento de 46% para 502% (Beltrao, Abrucio &
Loureiro, 1997:11).
Polos dados disponiveis, nao é possivel saber com precisao o
quanto este aumento de gasto teve a ver com um crescimento
desmesurado do nfimero de funcionarios p‘ClbliCOS, embora os
baixos salarios levem logicamente a aceitar esta resposta como
uma das verd adeiras causas para a disparidade de gastos apon-
tada anteriormente. Ha, entretanto, alguns dados esparsos quo
corroboram com a toss do inchago e politizagao da maquina p11-
blica estadual. Em agosto de 1993, no FOrum Nacional do Secre-
tarios Estaduais de Administraqao, chogou—se a conclusao que
500 mil servidoros pflblicos estaduais nao oram estavois o por-
tanto podoriam ser dispensados. O secretario da Administraofio
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I29

da Paraiba, Arthur da Cunha Lima, admitiu que dos 86 mil ser—


vidores do estado, 26 mil “nao fazem falta” (O Estado de Sfio
Paulo, 23/08/93: A—7).
Houve também um aumento do numero de funcionarios esta-
veis e de sous beneficios a reboque da Constituigao Federal, fe—
némeno possibilitado por Varias Constituigfies estaduais. Diver—
sos estados criaram regras n0 minimo absurdas para justificar
a concessao de estabilidade a determinados nucleos de servido-
res — quase sempre vinculados a grupos fundamentais na politi-
ca de patronagem. Alguns exemplos podem tornar mais clara
esta argumentagaola:
0 No Acre, tornaram-se estaveis os servidores que contavam
com cinco anos de exercicio na data da publicagao da Consti—
tuigao estadual, sem qualquer excegao, dando margem a es-
tabilizagao dos funcionarios de estatais e ocupantes de car—
gos temporarios;
0 Na Bahia, Rio Grande do Norte, Maranhao e Ceara foram
estabilizados os empregados das empresas publicas e socie-
dades de economia mista;
0 Em Santa Catarina ocorreu algo pior. A Constituigao esta-
dual tornou estavel os servidores admitidos em carater tran—
sitorio e nem mesmo exigiu que os cinco anos de exercicio
para obtengao desse direito fossem continuados;
- No Piaui a situagao foi ainda mais “dantesca”. Todos os
servidoros admitidos até seis meses antes da promulgagao da
Constituigao estadual, inclusive a titulo de prestagao de ser-
vices, ganharam estabilidade.
Apesar de varies destes dispositivos terem sido derrubados
no Supremo Tribunal Federal (STF), a briga juridica e o paga-
mento destes servidores causaram prejuizos enormes aos con—
tribuintes do erario estadual. Os verdadeiros ganhadores neste
processo foram os governadores, que com estas regras de con—
tratagao puderam otimizar seus esquemas eleitorais. E estes
esquemas eleitorais nao pararam por ai. Citando mais dois exem-
plos: no Para, 0 governador Jader Barbalho contratou 47.000
servidores publicos temporarios, tornando regra o que deveria
sor excooao. Em Sao Paulo, estado mais desenvolvido da Fede-

‘R Exemplos retirados do Guerzoni Filho, 11996255.


I30 I O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

racao, as estatais incharam o seus quadros de pessoal com 14.000


empregos temporarios, sem concurso pfiblico, no periodo de 1991
a 1994 (Folha de S.Paulo, 14/3/94).
Enquanto os governos estaduais puderam manipular 03 ga-
nhos inflacionarios e 08 recursos dos bancos estaduais, a patro—
nagem estabeleceu—se como uma norma da burocracia estadual.
Apés 0 Plano Real, os estados perderam boa parte de seus ins-
trumentos de “fabricar receita” —— como o ganho inflacionario e
o uso indiscriminado dos recursos dos bancos estaduais —— 9 en-
traram numa grande crise financeira cujo principal indicador
foram, como nao poderia deixar de ser pelo exposto anterior-
mente, os gastos com a folha de pagamento, os quais se torna—
ram a maior “pedra no sapato” dos governadores da safra 1995-
1998.
A politizacao da burocracia atingiu também de forma decisi-
va os cargos do topo do organograma estatal, de importancia
estratégica tanto para a publicizacao dos atos da Administracao
Publica como para gerenciar melhor a maquina estatal. Estes
cargos eram — e continuam sendo — praticamente todos de con—
fianca. O governador e seus principais assessores realizavam o
provimento destes postos muito mais por critérios politico-elei-
torais do que pela qualificacao técnica. Ressalte-se que, em Va—
rios paises do mundo, os critérios politicos sao fundamentais
para preencher os cargos do alto escalao — fato mais presente
no presidencialismo, marcado pela pratica do spoil system. Mas,
mesmo nestes casos, a burocracia é montada de modo que haja
carreiras no topo do organograma estatal incumbidas de garan—
tir a continuidade das politicas pfiblicas. Nos estados brasilei—
ros, nao havia praticamente nada neste sentido, o que implica-
va urn gigantesco poder de nomeagao dos governadores.
Em resumo, a politizacao da Administragao Pfiblica estadual
aumentava sobremaneira o poder dos governadores, a0 custo de
diminuir a capacidade gerencial do Estado e de tornar o apara-
to governamental pouco transparente a opiniao pL’lblica. Essa
politizacao constituia-se também num instrumento fundamen-
tal para aumentar o montante de recursos politicos do Executi‘
vo, tornando~o mais forte na negociacao com o Legislativo e com
os lideres politicos regionais. Assim, o controle das liderancas
das pequenas localidades podia ser obtido pela distribuicao dc
cargos da burocracia estadual, particularmente aqueles que tém
0 ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I3I

um status e poder peculiar neste tipo de municipio: delegado de


policia, diretores regionais de grandes Orgaos (como as estatais
estaduais), coordenadores regionais da areas de safide e educa—
cao, diretores de escola, além da remocao de professores ou da
influéncia nas Santas Casas locais.
A importancia deste ou daquele cargo variava de estado para
estado, em virtude da enorme disparidade de situacoes socio-
econémicas existentes na Federacao. Nos estados mais ricos,
como Sé‘io Paulo e Minas Gerais, a amplitude financeira e admi-
nistrativa das estatais resultava num aumento da importancia
estratégica dos postos destas empresas. Ja os cargos da area de
educagao eram essenciais em todos os tipos de estado, mas par-
ticularmente nos estados médios e nos mais pobres, em razao
até do grau de analfabetismo reinante nestes lugares. Outra
posicao importante na burocracia estadual era aquela vincula—
da a “ordem interna” do municipio, como é o caso do cargo de
delegado. A possibilidade do governo estadual modificar os ocu-
pantes destes cargos representava uma das melhores formas de
agraciar ou punir determinado politico.
Porém, a0 mesmo tempo que ganham prestigio politico, estes
lideres locais tornavam-se “devedores” frente aos secretarios
estaduais e ao governador, devendo “pagar” suas dividas politi-
cas posteriormente, especialmente nos momentos eleitorais.
Desta maneira eram selados os pactos de lealdade entre o Exe-
cutivo estadual e as liderangas locais.
Esta rede de lealdade vinculada a patronagem dependia igual-
mente da montagem de uma estrutura clientelista junto aos
prefeitos e lideres locais. Dada a precariedade financeira da
maioria destes municipios, o Executivo estadual os auxiliava
através de diferentes formas de convénios, envolvendo a cons-
trugao de hospitais, escolas, estradas vicinais etc.. A criacao de
secretarias do interior (como no Espirito Santo), de integragao
regional (como a subsecretaria existente em 8510 Paulo), ou de
assessorias especiais Vinculadas ao gabinete do governador fo-
ram formas administrativas usadas para estruturar a base po-
litica do governo estadual com prefeitos, chefes e brokers locais,
principalmente nos pequenos e médios m unicipios. A assessoria
especial do governo paraense, por exemplo, distribuia pessoas
de confianca pelo interior do estado a fun de recolher pedidos e
Clem andas dos prefeitos e chefes locais; ademais, esta assessoria
I32 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

especial tinha o objetivo claro de vigiar 0s “passos” dos correli-


gionarios do Executive estadual. Ja o governo de Alceu Collares,
no Rio Grande do Sul, priorizou ainda mais as acoes diretas
junto aos municipios uma vez que o governador nao tinha maio-
ria na Assembléia Legislativa. Desta forma, agradando os prefei—
tos e 03 lideres locais, Collares pressionava as bases dos deputa—
dos estaduais para que estes apoiassem os projetos do Executive.
Nos municipios com porte de médio para grands, os Executi-
vos estaduais tinham maiores dificuldades para cooptar as lide—
rancas politicas por causa de sua maior independéncia econo-
mica. No entanto, a construcao de grandes obras, sobretudo as
viarias, podia render apoios, ainda que menos estaveis do que
os obtidos com os municipios pequenos e médios.
Os governadores ainda se utilizaram de outro instrumento
para obter mais poder na esfera estadual: a criacao de munici-
pios, para aumentar o seu “curral eleitoral”. Embora o processo
de criacao de municipios nao seja atribuicao do Executivo esta-
dual, 0 governador pode influir fortemente no processo, uma
vez que os municipios sao criados mediante plebiscito na regiao
que quer se emancipar e posterior aprovacao na Assembléia Le—
gislativa. Os governadores atuavam, portanto, incentivando e
as vezes financiando politicos e grupos “emancipacionistas” em
areas onde possuiam interesse eleitoral, além de conseguir fa—
cilmente a aprovacao da criacao de municipios na Assembléia,
ja que as dominavam por complete.
A multiplicagao dos municipios ocorreu de forma desenfrea-
da depois de 1988. Segundo dados do IBGE, em 1980 havia 3.990
municipios no Pais; em 1988, antes dos efeitos causados pela
promulgacao da Constituigao, o ni’lmero de municipios chegava
a 4189, dando um salto gigantesco a partir dai, somando 5437
no final de 1995 e 5507 em 1997. Os dados da Tabela 3 mostram
claramente que 0 apice deste fenomeno ocorreu entre 1988 e
1995.
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I33

Tabela 3. A multiplicagao dos municipios brasileiros (1988—1995)

1988 1995 1988 1995

Amapa 5 16 Rio Grande do Norte 152 166


Acre 12 22 Alagoas 97 102
Rondonia 19 48 Sergipe 74 74
Roraima 2 8 Paraiba 171 221
Amazonas 60 62 Pemambuco 168 185
Ford 88 137 Bahia 367 460
Tocantins 83 148 Minas Gerais 722 853
Distrito Federal l 1 Espirito Santo 58 71
Goias 184 234 Rio de Janeiro 66 93
Mato Grosso 93 130 SE10 Paulo 572 636
Mato G. do Sul 72 77 Parana 297 396
Piaui 48 148 Santa Catarina 199 287
Maranhfio 136 213 Rio Grande do S111 273 465
Ceara 170 184

Tomi/1.988 = 4189. Total/1995 : 5437.

Fonte: Gazeta Mercantil 18/12/95, A-6.

Ha varias explicagées para este fenémeno, desde as mais be-


nignas, que apontam fatores demograficos e economicos como
responsaveis pela racionalidade desta ampliagao do numero de
municipios (Bremaecker, 1993), aquelas que ressaltam uma briga
irracional por recursos, ja que cada municipio criado tern por
direito um quantum do Fundo de Participagao dos Municipios
(FPM). Com base nesta ultima explicagao, pode so caracterizar
a Federagao brasileira por um modelo hobbesiano e predatério,
no qua] estados e municipios competem entre si sem criar me-
canismos de cooperaoao (M010, 1996; Abrucio & Couto, 1996).
Este trabalho compartilha da segunda visao aqui apresentadaw,
mas ressalta que este modelo hobbesiano e predatorio de multi—
plicagao das municipalidades foi fortemente influenciado pela
agao politica dos governadores.
Constatou-se através de diversas entrevistas que os governa-
dores atuaram sobretudo no sentido de criar municipios peque-
nos, pois estes eram mais faceis de serern controlados e propor-
cionavam o espago fisico para o estabelecimento dos redutos elei-
torais dos doputados situacionistas. Dos 500 municipios criados
entre 1980 e 1990, 338 (67,6% do total) tinham entre 5 a 20 mil

1” Desenvolverei mais o aspecto predatério da Federaoao brasileira


no capitulo 4.
I34 I O ultrapresidencialisme estadual brasileiro

habitantes, eu seja, eram de pequene perte (Barrera & Rearelli,


1995:151).
Com a criacae de novos municipios, oo governaderes podiarn
redesenhar e mapa eleitoral do estade, e a partir desse instru-
mente barganhavam apeio dos possiveis candidates a cargos pro—
porcienais eu até criavam novos candidates, mais afinados corn
0 governe estadual do memento.

b) Sistema eleitoral

O sistema eleitoral também contribuiu para 0 fertalecimente


dos governaderes no plane estadual. Podemos perceber a influen-
cia dos chefes dos Executives estaduais em dois elementos cons—
titutivos do atual sistema eleitoral.
Primeiro, 0 sistema preporcional de lista aberta incentiva es
candidates a Assembléia Legislativa a adotar estratégia eleito—
ral individualista e nae partidaria -—- um efeito contrario teria a
lista fechada, pois es candidates a deputade fariam campanha
para 0 particle e nae para Si preprios. Entretanto, es deputados
estaduais precisam de algum superte legistice que substitua a
estrutura partidaria para concorrer com possibilidade de Vito-
ria. O superte mais importante — 11510 0 {mice20 __ tem side a
maquina pfiblica estadual. Com isso, es governadores auxilian
ram varies candidates a deputado estadual, colocando-es sob
sua tutela. E Clare que em troca do auxilie o gevernador espera-
va ebtcr o apeio a seu candidate a sucessao.
Segundo, es candidates quase sempre fazem campanha e tém
sua base eleitoral em uma area geografica circunscrita a alguns
municipies. Tedavia, é importante ressaltar que es candidates
nae sao eleitos per uma circunscricae delimitada legalmente,
um distrito formal, pois o sistema propercional define teda a
area estadual come circunscricae eleitoral. Os candidates sae
eleitos, iste sim, peles chamados “distrites informais”.
Perém, esses redutes eleitorais nae erarn tetalmente centro-
lades peles deputades estaduais; ao centrario, eles precisavam
a tedo memento responder as demandas de suas bases, 9 para

2” Outres suportes eleitorais impertantes sae es sindicatos, as asso-


ciacées empresariais e as igrejas. ‘
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I35

a dis—
isso nocossitavam da ajuda do governador quo, modiante
tribuigao do rocursos do governo estadual aos chofos locais —-—
or
quo sao cabos eloitorais imprescindivois a rooloigao do qualqu
o dos do-
ploitoanto a cargo proporcional —, garantia o control
putados ostaduais sobre 0s “distritos informais”.
Além disso, como os “distritos” nao tom circunscrigao formal—
com
monte dofinida, os governadoros, so ostivessom doscontontos
um doputado situacionista do dotorminada rogiao, podiam tor-
da
nar aquolo “distrito” permeavel a invasz’io do outros lidoros
rogiao ou ontao mosmo criar um novo candidato para aquola
m
area. Obsorvou—so na pesquisa que os governadoros tornara
candidatos varios do sous secretarios ostaduais. Estes distribui—
am rocursos para determinado “distrito” o dopois, incontivados
polo governador, concorriam as oloiooos proporcionais obtondo
votos da rogiao boneficiada -— tal estratégia vom sondo utiliza-
da a tempos por Antonio Carlos Magalhaos, toda vez que ole
ocupa o governo da Bahia.
Ha ainda outra forma do intervengao do governador nos “dis-
tritos informais”, como rolataram doputados estaduais do varios
dos ostados aqui estudados. O governador podia modificar o ta-
manho do “distrito informal”, na maioria das vozos aumontando
suas dimonsées, fazondo com que lideres locais do areas vizi—
nhas obtivessom votos naquele roduto eloitoral. Para isso, bas—
tava construir obras ou aplicar verbas naquolo “distrito infor-
mal” om nomo do lidor politico da area vizinha a sor beneficiado.
o
Na vordado, modianto 0 use da estrutura do governo ostadual,
governador dotinha grande poder do rodosonhar o mapa oloito—
ral do ostado — tal qual ou ja tinha mostrado na questao da
criaqao dos municipios —, 6 com base om tal fato negociava acor-
dos e apoios mais solidos com os lidoros politicos locais.
Portanto, a campanha individualizada, sem um suporto par-
tidario, somada a0 carator informal dos distritos, resulta om
maior vulnerabilidade das bases oloitorais dos deputados esta-
duais. O governador do ostado, no periodo ostudado, foi o grando
favorecido por esso estado do coisas, ja que ole possuia os instru-
ar
mentos —— loia-se: rocursos pfiblicos ostaduais -—— para control
o processo do formaga o, consolid agao o controle dos rodutos oloi-
torais.
I36 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

c) Auséncia de contrapesos regionais

A0 contrario d0 ambito federal, onde ha instancias geogra—


ficas (regionais ou estaduais) contrabalancadoras do poder do
Executivo Federal, nos estados nao existem estruturas politico-
administrativas intermediarias que equilibrem e agreguem os
diversos interesses locais extremamente fragmentados e pulve—
rizados ao longo do espaco estadual. A instancia politico-geo-
grafica que poderia cumprir essa funcao seria a Regiao Metropoli—
tana. Porém, além de agregarem apenas pequena parcela dos
municipios, elas néio tém autonomia financeira nem politica para
se contrapor aos Executivos estaduais.
A inexisténcia de estrutura intermediaria entre o estado e 0s
municipios incentiva o relacionamento direto entre Executivo e
chefes locais, diminuindo o poder dos parlamentares estaduais
sobre as base locais. Defendo esse argumento porque este texto
parte da hipotese de que a maioria dos parlamentares, qual-
quer que seja a sua esfera federativa de representacao, elege—se
individualmente (usando a estrutura partidaria quando neces—
sario) sobretudo a partir de uma area espacial. O enfraqueci-
mento dos deputados estaduais se da, portanto, porque eles nao
tém o “monopolio” da representacéo espacial nos estados, jé que
nao 3510 OS unicos intermediarios da populacao local junto ao
governo estadual, concorrendo com os prefeitos e lideres locais
—— ao contrario dos vereadores, que tém, de certa forma, uma
representacao mais “oligopolista” da populacao.
Dada a distfmcia e a prépria magnitude da base eleitoral dos
deputados estaduais, o controle sobre 0s seus “distritos” depen-
de de uma relacéo de troca com os lideres da regiao: em troca do
apoio dos chefes locais, os deputados aprovariam projetos na
Assembléia de interesse de son “distrito”. Essa situacéo obriga
os parlamentares estaduais a serem governistas e se n50 o fo-
rem provavelmente perderao os votos advindos de suas bases,
necessarios a reeleicao e a0 avanco na carreira politica. Além
disso, se 03 deputados néo aprovarem projetos para su as regiocs,
os lideres locais teréio outras formas de obter recursos com o
Executivo.
Os governadores vém s2 aprovcitando da grander fragmen-
tacao politica existente nos estados para barganhar apoios dos
deputados estaduais c dos chofcs 1(‘)cais,jogando uns contra 0s
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I37

a
eutros so precise for. Se obtiverem o apoio dos parlamentares,
os estadua is
atividade politica fica mais facil, peis os deputad
ge—
organizam as demandas locais para o geverne; porém, se os
parlam entar ne-
vernos estaduais nae obtiverem a sustentacao
cessaria, podem pressionar as bases lecais em busca de aliados
elei-
ou até desbancar 0s deputados renitentes em seus distritos
torais, bancando ebras e projetos nos quais os parlamentares
a-
serao alijades. 0 case rio-grandense-do—sul, no qual o govern
uir a aprova -
der se ancorou nas bases municipais para conseg
mesmo com
@5510 de sens proj etes, mostra que é possivel governar
uma posicao desfavoravel nas Assembléias Legislativas.
Um pequeno paréntese deve ser aberto aqui: a conclusao ti—
nae
rada acima nae implica dizer que no quadriénio 1991—1994
fei precise buscar apoio parlamentar para governar nos esta—
dos; bases solidas de sustentacfio parlamentar facilitaram a di-
namica governativa do Executive estadual, poupande—lhe gas—
os
tos desnecessarios de energia pelitica, e é per isso que todos
gevernadores lutaram para ter maioria no Legislative. Pede-se
pa—
dizer que o “situacienismo” transferma o “governismo” num
ive,
drae de atuacao politica mais planejado e racional ao Execut
organizando melher as caoticas demandas fisiolégicas advindas
dos municipios e dos lideres politicos locais.
os
Enfim, a inexisténcia do estruturas intermediarias entre
municipios e o governo estadual elimina a possibilidade de se
contrabalancar a hipertrofia do Executive. E 0 Executive esta—
cia in-
dual a {mica instituicao que tern forca, recursos e coerén
terna para erganizar, sozinho, a agenda da pelitica estadual.
nae
Enquanto isso, se es deputados da Assembléia Legislativa
tém recursos de poder para sequer controlar suas bases eleite-
ive.
rais, imagine entao para contrabalancar o poder do Execut

d) Fragilidade institucional das Assembléias Legislativas


a
A fragilidade politica do deputado estadual, tal come descrit
acima, encentra cerrespondéncia na debilidade institucienal das
0s Le—
Assembléias Legislativas. Ao longo do periedo estudado,
gislativos estaduais brasileiros praticamente nae tinham corpo
técnico especializado nas atividades parlamentares e poucos re—
or-
gimentos internos foram alterados para se ajustar a nova
per-
dem constitucienal, sendo que todo o processe legislative
I38 | O ultrapresidencialisme estadual brasileire

manecia muite parecide com 0 vigente no regime militar, quan—


do 0 Legislative era urn Peder extremamente secundario no pro-
cesse pelitico. Assim, além de deputados estaduais fraces, o
governader tinha pela frente um Legislative fragil institucio-
nalmente.
Na verdade, a fraqueza estrutural da Assembléia Legislativa
originava-se da incapacidade dos deputades estaduais de rem-
perem com a légica do sistema pelitico estadual, a qual era ba-
seada na distribuicae de recursos publices para os “distrites in-
fermais”. Portante, a sobrevivéncia politica da maieria dos de-
putades estaduais dependia do acesse aos recursos da maquina
publica estadual. Per isso, o objetive desses deputados na As—
sembléia Legislativa era apenas obter um canal privilegiado dc
cemunicacao com 0 Executive estadual, que lhes pessibilitas—
sem censeguir os recursos necessaries a reeleieao ou mesmo para
conquistar o pesto de prefeite (na maier parte dos cases, mais
almejade do que 0 pesto de deputado estadual), eu entae para
subir urn degrau mais alto na carreira politica, chegande a C51-
mara Federal, eu ainda para conseguir algum cargo no geverne
estadual, capaz de potencializar 0 avanco na carreira politica.
Para grande parte da classe pelitica brasileira, pertante, chegar
a Assembléia Legislativa é um meie e nae um fim em si proprio.

e) Baixa visibilidade politica

O Peder Executive estadual possui baixa visibilidade politica


e, per censeguinte, a opiniae pfiblica se demenstra pouco inte-
ressada em fiscalizar es ates d0 gevernador'“. Uma evidéncia do
pequene interesse dos cidadaes pelas pelitica estadual encon-
tra-se em pesquisa realizada pelo Cedec/Data-Felha, em 1992,

2‘ O deputado estadual Pedro Dallari (PT-SP), comentando sobre a


relacao entre 0 Executive e 0 Legislative no Estade de 8510 Paulo,
disse que “[...] o problema nae é so que 0 Executive possui uma
maieria esmagadera que homelega tedo e qualquer prejete do go-
vernador, [...] fazende cem que a Assembléia apenas obedeca ao
governo estadual, perdendo seu papel de Peder fiscalizader [...] o
Inaier problema é que 1150 ha uma opiniae publica em nosso estado
que fiscalize os abuses cemetides pelo geverne estadual, vigiando e
gevernader”. Seminarie realizade no Cedec em 20/9/93.
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I39

a qual mostrou que apenas 8,5% dos entrevistados se interes-


savam mais pela politica de seu estado do que pela das outras
esferas federativas, enquanto 37,7% se interessavam mais pela
politica nacional e 16,6% pela politica municipal (apud Balba-
chevsky, 19921142).
Ha quatro motivos que explicam a baixa visibilidade politica
do governo estadual. Primeiro, os estados possuem um universo
pequeno e indefinido de atribuicoes legislativas e governamen—
tais. Isso ocorre porque a Constituicao de 1988 repartiu as tare—
fas desequilibradamente entre os entes federativos. Os estados
ficaram com apenas uma competéncia privativa material: “cabe
aos estados explorar diretamente, ou mediante concesséio a
empresa estatal, com exclusividade de distribuicao, 08 services
locais de gas canalizado” (Constituicao Federal, artigo 25.“, pa—
ragrafo 2."). Além dessa pifia funcao, os estados atuam quase
que exclusivamente na area de Seguranca Pfiblica, embora essa
seja uma competéncia compartilhada, na qual as capitais se
fazem cada vez mais presentes. Todas as outras competéncias
materiais dos estados 5510 de natureza compartilhada, sem uma
delimitacao Clara das responsabilidades que cabem a Uniao, aos
estados ou aos municipios, isto é, sem uma hierarquia federati-
va bem definida, dificultando a responsabilizacao dos entes fe-
derativos pela conducao das politicas pfiblicas.
Mas, além da ma definic’ao de suas competéncias materiais,
os estados também possuem pequena quantidade de competen—
cias legislativas préprias. Como afirma o jurista Celso Bastos,
“aos Estados, hoje nao é dado legislar originariamente sobre
quase nada” (cf. Bastos, 1994). As competéncias legislativas es-
taduais, em sua maioria, nao atingem com a mesma amplitude
aos cidadaos como as congéneres federais e municipais o fazem.
Por um lado, a esfera federal legisla sobre assuntos de ordem
geral que afetam a quase todos — como direito civil, comercial
ou trabalhista ———, e a legislagao municipal, por sua vez, atua em
problemas cotidianos e imediatos dos individuos —- legislacao
classificada na Constituicao como referida aos “assuntos de in-
teresse local” (artigo 30.“, inciso I). A indefinicao das competen-
cias legislativas dos estados torna mais dificil para o cidadao
saber quais 550 as reais atribuicoos do governo estadual.
Outro obstaculo a um maior controle das politicas estaduais
refere—se a forma do cobranca do principal tributo estadual, o
I40 I O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

ICMS. Enquanto os principais impostos cobrados pela Uniao e


pelos municipios sao diretos —-— imposto de renda e IPTU, res-
pectivamente —, o ICMS é um tributo indireto, pouco “visivel”
para a populagao. Portanto, uma alteragao na aliquota do ICMS
nao é sentida pela populacao da mesma forma do que um au-
mento do IPTU, por exemplo. Dessa maneira, os governos es-
taduais sofrem menos fiscalizagao da opiniao pfiblica com rela—
9510 aos seus tributos, lembrando que se ha algo que a populagéio
nao gosta, e reclama ao fazé—lo, é de pagar impostos.
A baixa Visibilidade politica dos governos estaduais tem a ver
também com a relagao estabelecida pelos governadores e pelos
principais “caciques regionais” com os meios de comunicagao.
Observou-so, ao longo da pesquisa, que a maior parte da im—
prensa regional brasileira, mesmo aquela nao Vinculada direta-
mente aos governadores, dependia das verbas publicitarias dos
governos estaduais. Ademais, os governadores concentravam
suas foreas na obtengao do apoio on do controle das radios do
interior do pais —— em estados ricos ou pobres —, ja que esse tipo
de meio de comunicagao tem papel de formador de opiniao de
importante parcela do eleitorado interiorano.
Por fim, em razao do controle que os governadores exerciam
sobre a maior parte dos prefeitos e dos deputados, o contencioso
politico aparecia bem menos do que nas medias e grandes cida-
des ou no ambito federal. Assim, o governador, por meio da coop-
tagao, tornava menos visivel os conflitos politicos na esfera esta—
dual, no quadriénio 1991-1994.

1‘) Neutralizagéo dos orgc'ios fiscalizadores

Os governadores conseguiram neutralizar os Orgaos de fisca-


lizagéo institucional do Executive, que 550 o Tribunal de Contas
do Estado (TCE) e o Ministério Pfiblico (MP).
Os governadores tiveram grande influéncia no processo de
escolha dos Conselheiros dos TCES e do Procurador—Geral do
Ministério PL’lblico. No caso dos Tribunais de Contas, os Conse-
lheiros sao escolhidos em parte pelo governador, em parte pela
Assembléia. Contudo, como os Executivos estaduais dominavam
amplamente as Assembléias Legislativas, na pratica os gover-
nadores escolhiam todos os membros dos TCEs. Os governado-
res escolheram quase sempre correligionarios para analisar suas
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | MI

contas, transformando os Tribunais de Contas em lugar “onde


se arquivam os amigos”, como 3'21 08 definia GetLilio Vargas (Aze-
vedo & Rois, 1994:7).O resultado desse processo de escolha foi
que no Amazonas, em Sao Paulo, no Rio Grande do Sul, no Rio
de Janeiro, enfim, em varios estados o TCE era partidarizado,
controlado pelo Executivo“. No caso de 8510 Paulo chegou-se ao
extreme da partidarizagao do Tribunal de Contas, que foi dividido
entre “quercistas” e “fleurysistas”, criando um feudo peemede-
bista no orgao com o objetivo de dificultar uma futura apuragao
das contas dos dois ex-governadores.
A indicagao de Renato Martins Costa, amigo de Fleury, ao TCE
paulista para o lugar de Antonio Carlos Mesquita, constitui—se
em uma grande prova desse argumento, pois o Conselheiro que
deixou o Tribunal nao so tinha sido indicado pelo ex-governador
Orestes Quércia, como o motivo de sua precoce aposentadoria foi
a campanha presidencial de seu padrinho politico, na qual Anto‘
nio Carlos Mesquita tornou-se fiel escudeiro (O Estado de 8. Pau-
lo, 12/4/94:A-6)23.
O TCE, que deveria ser um orgao auxiliar do Legislativo na
fiscalizagao do Executivo, teve sua fungao de controle neutra—
lizada na maioria dos estados brasileiros. E mais: em alguns
estados o TCE transformou-se em importante instrumento de
controle dos prefeitos que saiam da linha politica adotada pelo

22 Houve um grande lobby das bancadas dos governadores na Consti-


tuinte para que a escolha do TCE continuasse politizada, pois so-
mente seriam escolhidos para estes cargos os correligionarios mais
fiéis ao governador. A criagao de Tribunais de Contas compostos
por técnicos poderia ser uma forma de quebrar a logica da politica
estadual, o que nao interessa a elite governante local, avida por
manter a estratégia vitoriosa do “governismo”. Este fato nos foi
narrado pelo deputado estadual Pedro Dallari (PT/SP), que foi as-
sessor parlamentar na Constituinte, ern seminario realizado no dia
20/9/93, no Cedec.
23
No momento de sua saida do TCE, Antonio Carlos Mesquita fez a
seguinte declaragao aos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da
Tarde: “N 230 posso ficar la no Tribunal so fazondo contas; seria um
desperdicio para mim e para o Quércia. Fargo tudo por Quércia e ele
sabe que pode dar as costas para mim” (apud Azevedo & Reis,
19949). Essa declaragao mostra o quanto estavam partidarizados
os Tribunais de Contas Estaduais no periodo estudado.
I42 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

governador. Assim, se um prefeito néio compactuasse com o Exe—


cutivo estadual, suas contas seriam consideradas irregulares
pelo Tribunal de Contas, podendo este prefeito tornar-se inele-
givel se a Cémara municipal votasse a favor do parecer do Tri—
bunaL
Os TCES foram utilizados para abrigar correligionarios do
governador ou de seus companheiros da coalizéio de governo.
Em Alagoas, havia 4.200 funcionarios para oito Conselheiros. O
numero de funcionarios do TCE alagoano era duas vezes maior
que 0 do Tribunal de Contas da Uniao, o qual, ressalte-se, deve—
ria fiscalizar todo o Governo Federal (Jamal do Brasil, 11/4/
94:4). Ja no Amazonas, a porcentagem de recursos do Orcamen-
to de 1994 vinculado aos gastos do TCE era superior ao previsto
para a Secretaria de Agricultura!
Com relacao ao Ministério Publico, o governador tem poder
de nomear o Procurador—Geral —- que é o cargo que comanda 0s
processos contra a Administracao Publica —, mediante lista tri—
plice elaborada por integrantes de carreira, nao sendo legalmen—
te necessario que seja eleito o mais votado. Nao é necessario
também que o nome escolhido seja aprovado pelo Legislative,
ao contrario do ambito federal, no qual a aprovacao do Procura-
dor-Geral da Repfiblica precisa ser referendada pela maioria
absoluta dos senadores. Com isso, os governadores procuraram,
em primeiro lugar, infiltrar—se na disputa interna do Ministério
Publico, apoiando (ou “criando”) um candidate ligado a0 Gover—
no estadual; depois, aprovavam o candidato vinculado politica—
mente ao Executivo, obtendo um “aliado” dentro do Poder Judi—
ciario (Abrucio, 1994:36).
Qua] o motivo que transformou os orgaos de controle do Exe—
cutivo estadual em orgaos de protecao do governador? Fontes
da uma resposta bem satisfatéria:
“No caso do Ministério Publico e Tribunal de Contas, [...]
parece ter se tornado desdobramento natural da carreira con-
trolador e controlado passarem de um lado para o outro como
se fosse razoavel uma autoridade participar de um governo
num dia e no outro julgar se este mesmo governo agiu com
corregao. Esta na lei: 350 OS prefeitos, governadores e 0 pre—
sidente da Republica que escolhem quem ira julgar as contas
de suas administracoes. Nao por acaso oscolhem amigos ou
colaboradores” (Fontes, 1994).
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I43

Em suma, no periodo de 1991 a 1994, a situagéio dos TCEs e


do Ministério Pfiblico modificou a frase-chave do modo oligar-
quico de se fazer politica no Brasil: “Aos amigos o controle da
lei, aos inimigos a lei”.

O ultrapresidencialismo no Estado de 550 Paulo

Estudo aqui a dinamica governativa do Estado de 85:10 Paulo


para analisar um caso empirico de ultrapresidencialismo“. Es-
colho o Estado de SE10 Paulo exatamente para mostrar o quanto
grassa pelos estados brasileiros o fenémeno do ultrapresiden-
cialismo, mesmo em estados economicamente mais desenvolvi—
dos. Como tentarei provar, a questao do ultrapresidencialismo
é mais um problema de modernizaoao institucional do que de
modernizagao das estruturas sociais.

a) Historic do governo peemedebista em $60 Paulo e as eleigfies de I990

As eleiofies de 1982 trouxeram o PMDB, partido de oposigao


ao regime militar, ao governo do Estado de 8230 Paulo. Apés
uma eleigao com forte contefido plebiscitario (oposigao versus
regime), Franco Montoro foi eleito governador. Ele tentou im-
primir nova marca a pratica administrativa e estabelecer arti-
culagoes com outros governadores para efetuar a transigao de-
mocratica. Acima de tudo, Montoro deu feigao nacional ao seu
mandato, ajudando a organizar eventos pro-diretas na cidade
de 8510 Paulo.
Contudo, a prépria eleigao de 1982 dava indicios que nao so
dos centros urbanos vivia o PMDB. A0 contrario, a Vitoria em
varias prefeituras paulistas mostrava que o PMDB crescia no
interior paulista. Esse crescimento politico do PMDB no inte-
rior tinha um grande artifice: Orestes Quércia. Foi ele quem
construiu a estrutura partidaria emedebista interiorana na dé~

2“ Para a confecoao dessa segao, tomei por base meu trabalho empirico
na Assembléia Legislativa paulista desde de 1990. Além disso, os
artigos de Ferreira Costa & Oliveira (1994), do Abreu (1993), os
relatérios de pesquisa de Holanda (1990), Pait (1990), Lage (1992)
e Oliveira (1992), como também o excelente livro de Azevedo &
Reis (1994), foram essenciais para a realizaoao deste trabalho.
l44 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

cada de setenta. Para se tor idéia, nas eleicocs municipais de


1972 o MDB concorreu em aponas 170 dos 572 municipios pau-
listas e elegeu 58 prefeitos contra 487 da Arena. Em dois anos o
quadro mudara radicalmcnte, gracas ao trabalho de “formiga”
de Orestes Quércia, passando o partido a contar com Diretérios
partidarios organizados em 390 municipios. Em 1974, Orestes
Quércia obtinha vitéria estrondosa para o Senado, em boa me—
dida por causa do crescimento do MDB no interior. Ja em 1976,
o partido consolida o seu crescimento no interior do estado, con-
quistando 101 prefeituras e dobrando o nL’lmero de vereadores
eleitos de 808 para 1.666 (cf. Capistrano & Citadini, 1982).
Quércia, como vice—governador de Montoro, aproveitou—se do
cargo para consolidar sua forca no interior, através de visitas a
varios municipios pequenos, prestigiando seus lideres com a
“honra” da Visita do vice-governador; obtendo recursos estaduais
para serem distribuidos a determinada regiao; levando reivin—
dicacoes locais a0 governo estadual, o que proporcionava a Quér-
cia uma imagem de “porta—voz” dos interesses do interior; e par—
ticipando ativamente de entidades do defesa dos interesses dos
municipios, como a Associacao Paulista dos Municipios. Em su—
ma, Orestes Quércia se legitimou junto as bases interioranas
paulistas.
Ademais, Franco Montoro descuidou—se dos diretorios muni—
cipais do partido, logo conquistados por Orestes Quércia. As—
sim, Quércia ganhou o direito de ser 0 candidato do partido, e
apostou todas as fichas no interior, onde o candidato peemede-
bista conseguiu os votos que lhe possibilitaram a vitoria eleito—
ral. A estratégia dc Quércia na eleicao de 1986 deu ao partido,
tanto no pleito proporcional como no majoritario, grande mime-
ro de votos no interior de Séio Paulo, ocorrendo o fenomeno inti-
tulado de “interiorizacao do PMDB” (Sadek, 1989).
Em seu mandato, Orestes Quércia continuou dando énfase
as politicas em beneficio do interior, agindo no intuito de cons-
truir uma estrutura politica capaz de tornar o PMDB imbatl’vel
fora dos limites da capital e Grande Séo Paulo. Utilizou a0 ma—
ximo a estrutura da maquina pfiblica estadual para cooptar gran-
de parte da classo politica do estado. Priorizou a construcao de
obras no interior do estado, especialmonte as obras viarias. Se-
guiu o preceito de Washington Luis, de que “governar é cons-
truir estradas”, e investiu pesadamente na construcao de estra-
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro [ I45

das vicinais, ligando sobretudo municipios em processo acele—


rado de desenvolvimento agricola e agroindustrial. O investi-
mento nesse tipo de municipio tinha objetivo claro: formar um
“curral eleitoral” em cidades que passavam por um processo de
crescimento econémico e demografico, garantindo, por um lado,
um born contingente de votos para as préximas 91919698, 9 por
outro, futuros financiadores de campanha, ja que havia nessas
regifjes varios grupos economicos em ascenséio.
Nesse processo de interiorizagao do PMDB, o governador
Quércia procurou também alijar dos principais centros de deci-
sao do governo estadual o grupo hegeménico do PMDB na Grande
8510 Paulo 9 capital, formado pelos que posteriormente dariam
origem a0 PSDB — Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas,
Montoro, Serra, Getlilio Hanashiro etc.. Esse grupo era um obs—
taculo tanto as pretensées hegemonicas de Quércia dontro do
partido, como também a estratégia quercista de priorizar o in—
terior do estado. Em 1988, este grupo abandonou 0 PMDB, fun~
dando o PSDB. A partir dai, Quércia se tornou o lider incontes—
to do PMDB no Estado do 850 Paulo.
Embora Montoro tenha sido o primeiro governador do ciclo
peemedebista, Quércia foi o primeiro a usar do cargo para exer-
cer poderes ultrapresidenciais. Para tanto, conseguiu controlar
0 Legislativo estadual e 03 érgéios de fiscalizagao institucional,
neutralizando OS mecanismos de controle do Poder, isto é, os
checks and balances caracteristicos do sistema presidencialis—
taz".
No momento de sua sucessao, em 1990, o governador Quér—
cia escolheu a dedo seu candidato a sucessao: o ex—secretario de
Seguranga Pfiblica Luiz Antonio Fleury Filho, um auxiliar que
néio tinha histéria politica, e portanto, em tese, seria fiel e obe-
diente a Orestes Quércia durante o mandato. Para esta campa-
nha, Orestes Quércia mobilizou toda a maquina administrativa
no interior, além de ter priorizado na montagem da chapa pro-
porcional candidatos ligados a malha institucional, notadamen—
te ex-prefeitos do interior (cf. Abreu, 1994). Ademais, o PMDB

2“ Sobre 0 ultrapresidencialismo na gestao de Quércia, ver 05 rela—


térios do pesquisa do Cedec de Abrucio (1990), Holanda (1990) e
Pait (1990).
I46 I O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

tinha estabelecido uma alianga com trés partidos cuja maior forga
eleitoral estava no interior — PFL, PL 9 PSD —, mas apenas
para 0 pleito maj oritario. Em resumo, a estratégia quercista pri-
vilegiava a campanha no interior, 0 uso da maquina politica e 0
langamento de candidatos proporcionais Vinculados a malha ins-
titucional.
A votagéo de Fleury e dos deputados peemedebistas prova—
ram que o plano eleitoral de Quércia dera certo. Os resultados
do pleito para governador confirmam a hipétese da interioriza-
950 do PMDB (ver Tabela 4).

Tabela 4. Votagao para governador (1990, prinreiro turno)“

Partido Estado (‘70) Interior (%) Capital (%)


PDS (coligaqao) 5.872.252 34,28 2.794.227 32,63 2.108.117 37,87
PMDB 3.803.077 22,20 2.308.713 26,96 920.822 16,54
PSDB 2.050.573 11,97 727.901 8,5 992.452 17,83
PT (coligaqao) 1.636.058 9,55 649.053 7,58 544.241 9,78
Restante 3.768.930 22,00 2.082.365 24,32 1.001.675 17,99
Comparscimento _ __-_._.1_99,99
17.130.899 $.5§?'_25_9m 10.0199 ...5:.5_57:307 ._ 100:00

-
Fonte: Abreu, 19932.

Os dados da eleigao do primeiro turno de 1990 mostram cla—


ramente a maior penetraqao do candidato peemedebista no 8181-
torado do interior do que no da capital. Essa tendéncia perma—
neceu no segundo turno e foi, junto com os votos do eleitorado
petista, um dos fatores determinantes na vitéria de Luiz Ant?)—
nio Fleury Filho (PMDB).
Na eleigao proporcional, 0 fenfimeno da interiorizagao se re—
petiu. Dos votos para a Assembléia Legislativa conquistados
pelo PMDB, 81% vieram do “resto” do estado (interior 0 Grando
Sfio Paulo), ao passo que apenas 19% Vieram da capital (Abreu,
1994:25). Além disso, dos dezenove deputados estaduais eleitos
pelo PMDB para a Assembléia Legislativa, onze tinham base n0
interior, sendo sete deles ex-prefeitos, como mostra a Tabela 5.
Além da interiorizagao do voto, havia outra caracteristica im-
portante da bancada peemedebista eleita para a Assembléia Le—
gislativa em 1990. Era a vinculagao de seus deputados com a
maquina pfiblica estadual 011 com as administragoes municipais,
ou seja, a Vinculagao com o aparato estatal. Podemos ver isso
nos dados coletados por Alexandre Pelegi de Abreu, que estabe-
loce a seguinte classficagao dos deputados estaduais paulistas
do PMDB:
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | M7

1. Oriundos de maquinas locais;


2. Oriundos de maquinas administrativas estaduais;
3. Oriundos do participagao pfiblica em organismos institu-
cionais da sociedade civil, tais como igrejas evangélicas, coope-
rativas agricolas etc.
Com base nessa classificagao, dividem-se assim os deputados
estaduais do PMDB eleitos em 1990 (ver Tabela 6).

Tabela 5. Deputados estaduais do PMDREle-iios pelo interior


Deputaglo Concontragfio .__ Eigprefeito

Uebe Rozek Barretos (ERG) BarretOS


Roberto Purini Baum (ERG)
Milton C. Monti Botucatu (ERG)/Bauru (ERG) Séio Manuel
Abelardo Camarinha Marilia (ERG) Marilia
Mauro Bragato Presidente Prudente (R.A.)
Edinho Araujo Sao José do Rio Preto (RA) Santa Fé do Sul
Vergilio Dalla Pria 8210 José do Rio Preto (RAJ
Jaime Gimenez Araraquara (ERG) Matao
Lobbe Neto 8510 Carlos (ERG) 8510 Carlos
Tonico Ramos Campinas (R.A.)
Osvaldo Justo Santos (ERG) $19395
Fonte: Abreu, 1993:29.

Deputado
Jaime Ginienez

MHHHMWWMWNHHWP—‘WHWP—‘H
Uebe Rezek
Roberto Purini
Milton C. Monti
Tonico Ramos
A. Camarinha
Mauro Bragato
Roseli Thomeu
Rubens Furlan
Joao Leiva
Carlos Apolinario
Rosmary Correa
Adilson M. Alves
Joel Freire
Arnaldo Jardim
Osvaldo Justo
Lobbe Neto
Edinho Araujo
Vei'gilio D. Pria

Fonte: Abreu, 1993:31.

O que a Tabela 6 mostra com nitidez é o predominio de depu-


tados estaduais oriundos do Poder Pfiblico estadual e municipal
I48 | O ultrapresidencialismo esradual brasileiro

-—— doze dos dezenove, ou seja, 63%. Mas é preciso lembrar que o
Poder municipal tern extrema d’ependéncia da maquina pfiblica
estadual — tal como mostrei anteriormente —, o que indica a
forca eleitoral do Executivo estadual. O suporte dado pelo go—
verno estadual aos candidatos vitoriosos sera cobrado em ter-
mos de apoio ao governador na Assembléia Legislativa.
A estratégia eleitoral quercista baseada na utilizacao da for-
ca da maquina pL’lblica estadual 9 na interiorizacéo foi retoma-
da na formacfio da maioria parlamentar do governo Fleury. Ade-
do
mais, o novo governador utilizou-se de todos os mecanismos
ultrapresidencialismo que descrevi anteriormente, governando
tal qua] um barao no dominio de seu feudo.

b) Formagfio do governo e processo decisén‘o na gestéo Fleury

Luiz Antonio Fleury Filho foi eleito governador de 8510 Paulo


em uma disputa no segundo turno ganhando do candidato Paulo
Maluf por uma pequena margem de votos. Contribuiu, e muito,
para a sua Vitéria o apoio dos militantes petistas, que trouxe-
ram votos sobretudo da grande Sao Paulo e da capital. Contudo,
Fleury formou seu governo levando em conta nao o peso dos
grupos que o apoiaram no segundo turno, mas a possibilidade
de montar uma maioria solida na Assembléia Legislativa.
Antes do tudo, cabe ressaltar que o governo Fleury nao tinha
de antemao a maioria na Assembléia. Alias, o PMDB estava,
desde 1986, num processo de diminuicao do nfimero de depu—
tados estaduais na Assembléia Legislativa. A0 mesmo tempo,
no entanto, aumentava o nl’lmero de deputados situacionistas.
A Tabela 7 mostra a evolucao desta tendéncia desde 1982.

Tabela 7. O PMDB, e a maioria governista na Assembléia Legislativa

_ Dep1_1_t_adpido PMDB _Dep_uta_dos da situagap


46*
1982 42

19 __ _ £36k
199_9_,.,,_,, _

a
que sairam do PT
* 0 PMDB obteve o apoio de dois deputados do PTB e de dois deputados
(Sérgio Santos e Marco Aurelio).
’* O PMDB perdeu nove deputados em 1988, que deraln origeln ao PSDB.
do PFL 8, com
* O PMDB obteve o apoio num primeiro momento apenns (1e dois deputados
a criacao do PSDB, o PTB também entrou na bancada governista.
"‘ Incluindo o PFL, PL, PTB, PSD e PST.
O ultrapresidoncialismo estadual brasileiro | I49

Vé-se que, ombora o PMDB elejesse menos doputados a cada


eloigao, a maioria situacionista croscia a cada governo. A expli-
cagao para esse fonémono constitui-so numa Via do méo dupla:
do lado dos governadores peemedebistas, havia a nocessidade
do conquistar o apoio do mais o mais doputados para manter a
forga politica do Executive no Legislative ostadual; do lado dos
deputados, eles procisavam dos rocursos publicos estaduais para
controlar sous “distritos informais” e posteriormento so reele-
ger ou avangar na carroira politica, e portanto a cada vitoria do
PMDB diminuia o numero do deputados arrodios quanto ao apoio
ao governo estadual.
O processo de obtongao do maioria na Assombléia Legislati-
va polo governo Fleury tinha trés caracteristicas basicas. Pri-
moiro, a base parlamentar d0 governo Fleury foi formada me-
diante 0 pacto homologatOrio, isto é, 0s deputados ofereceram
apoio seguro ao governador, homologando todas os sous proje—
tos na Assembléia, om troca do verbas o cargos publicos.
A distribuigao do cargos publicos foi uma das principais Ino-
odas 11a formagao do governo. Foram oferecidos aos doputados
cargos em estatais, secretarias do estado, e cargos ostratégicos
no segundo escalao da Administragao Direta. N0 inicio da gos—
tao, Fleury buscou 0 apoio do PTB, do PFL e do PST — quo
depois daria origem ao PSD. O PTB recobou a Secretaria da
Agricultura, além do tor formado a Diretoria da Ceagosp e da
Comgas; 3'51 0 PFL ganhou a Secretaria do Esportes e Turismo,
indicou pessoas para os principais cargos da EMTU — monos
para a Diretoria financoira —, obtevo uma Diretoria do Metro
e indicou o prosidente da Fepasa; por fim, o PST ganhou uma
Dirotoria d0 Metro. Posteriormente, com o decorrer do gover—
no e a partir das varias mudangas partidarias quo ocorreram
na legislatura 1991-94, 0 lotoamonto dos cargos foi sendo rede-
finidoz“.
Um ex-doputado do PSDB, Getulio Hanashiro, descreve as-
sim o objetivo da distribuioao do cargos no governo Floury:
“Como o que o governo consogue apoio parlamontar?... Aqui
ocorro aquilo que chamo do ‘feudalizagéo’ [...] quer dizor vocé

2“ Em fovereiro do 1993, por oxemplo, o PSD foi “presenteado” com a


Prosidéncia da Companhia Paulista do Obras e Servioos.
I50 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

tern a formagao de cartérios [...] praticamente toda a Admi-


nistragao estadual foi dividida com os parlamentares que dao
apoio a0 governo.”27
Entretanto, a “feudalizaqao” da Administragao Pfiblica esta-
dual nao atingia o nlicleo central do governo estadual. O gover-
nador entregou aos deputados cargos que tinham importancia
como distribuidores de recursos clientelistas, mas permaneceu
corn as secretarias e estatais mais estratégicas. Fleury tinha
o controle direto das Secretarias da Fazenda, Planejamento,
Educagao e Sande, da Subsecretaria de Integragao Regional ——
depois transformada em Subsecretaria de apoio aos Municipios
—-, da Sabesp, da Eletropaulo e do Baneser.
Ademais, em Sfiio Paulo vigorou uma regra-chave do ultra—
presidencialismo: o governador possuia grande controls sobre
os cargos loteados, pois os deputados estaduais eram extrema-
mente dependentes do governador, dado que eles necessitavam
dos recursos do governo estadual para garantir o dominio dos
“distritos informais”. Para 0 deputado estadual, a perda de um
cargo na maquina estadual poderia significar um futuro fracas—
so eleitoral. O governador, sabendo disso, aumentava seu grau
de controls sobre os ocupantes dos cargos loteados.
A segunda caracteristica da formagao de maioria parlamen-
tar no governo Fleury era que a negociagao tendeu a ser estabe~
lecida de forma individual, num contato direto com cada parla-
mentar, sendo os partidos, no mais das vezes, meros veiculos
das aspiraqoes politicas dos deputados. Os partidos e a Assem—
bléia Legislativa constituiram—se em instrumentos para os de—
putados estaduais pleitearem as demandas de seus “distritos”.
Portanto, 0 governo foi montado de acordo com a posigao mera—
mente individual dos parlamentares e nao mediante negocia-
goes partidarias.
A fraqueza dos partidos na Assembléia Legislativa pode ser
percebida por meio da analise das trocas partidarias ocorridas
de margo de 1991 até fevereiro de 1994, tal qual mostro na Ta-
bela 8.
O carater individualista d0 comportamento dos deputados,
sem nenhuma fidelidade aos partidos, so favorecia a0 governa-

27 Seminario realizado n0 Cedec em 3/4/92.


O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | ISI

dor, que conseguiu alterar o panorama partidario mediante dis~


tribuieao de cargos e verbas. Foi assim que Fleury criou um par—
tido, o PSD, como também ressuscitou outro, 0 PL, que ja 1130
tinha mais representagao na Assembléia. No caso do PSD, Fleu-
ry montou um partido para si préprio, pensando em dominar a
politica no interior do Estado de Sao Paulo, para controlar des-
sa forma as antigas bases de seu padrinho politico, o ex-governa-
dor Orestes Quércia. Com relagéio ao PL, este partido recebeu
onze dos doze deputados do PFL quando o presidente do Dire-
torio Estadual do partido, Antonio Cabrera, com a anuéncia da
Direoao Nacional do partido, decidiu tornar o PFL paulistano
independente do governo estadual. O alto risco de concorrer as
préximas eleigoes estaduais sem o apoio politico e material do
Executive estadual foi o fator determinante da opgao dos ex-
deputados do PFL pelo PL (cf. Ferreira Costa & Oliveira, 1994:6).

Partidos Margo de 91 Novembro de 91 Junho de 92 Fevereiro de 94


PMDB 19 22 22 26
PT 14 14 13 13
PDS 11 6 ‘ 6 5(PPR)
PTB 11 10 14 13
PSDB 9

OHI—‘OOO-Jr—‘OJOJC‘:

OMHOOWOOCMC‘J

HMOOP—‘U'IOOHP—‘Ci
PFL

I—l
Or—tr—H—INONNCOOO

p—L
PDT
PRN
PST
PSD
PL

p—L
PDC
PSB
PC doB
PRP
Total de deputados

.42..
00
* Composiqao original (121 Assembléia no inicio da legislatura 1991-94.
Fonte: Ferreira Costa & ()liveira, 1994:5.

Em suma, o governador Fleury conseguiu modificar o quadro


partidario por meio da oferta de cargos e verbas aos deputados
estaduais, tornando o processo de formagao de maioria parlamen-
tar totalmente comandado pelo chefe do Executivo estadual.
A terceira e filtima caracteristica da formagao de maioria si—
tuacionista na Assembléia Legislativa no governo Fleury foi a
estratégia de priorizar a obtengao do apoio de deputados esta-
duais oriundos do interior paulista. Basta notar que a bancada
l52 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

situacionista foi constituida por 57% de deputados do interior,


ao passo que a bancada oposicionista possuia 32% de seus de—
putados no interior paulista. Além disso, dos 41 deputados esta-
duais com base no interior, 32 apoiaram o governo Fleury, ou
seja, 78% dos deputados interioranos foram situacionistas na—
quela legislatura (Ferreira Costa & Oliveira,1994:7—8).
Mas por que os deputados estaduais do interior tendem a ser
mais situacionistas? O ex-vice—governador do Estado de 850
Paulo, Alul’sio Nunes Ferreira Filho, fornece uma resposta sa—
tisfatéria:
“A Vida politica no interior é muito polarizada [...] ou se é
contra on a favor do governo estadual. E ser contra o gover-
nador tern um custo muito alto, podendo significar a perda de
recursos importantes para a regiéio. E se 0 deputado nao traz
recursos para a sua regiéio, sua reeleigao fica ameagzada.”28
Mesmo para muitos deputados estaduais do interior que eram
da oposigao, a sobrevivéncia politica dependia da obtengao dos
recursos do governo estadual. Em fevereiro de 1992, por exem-
plo, o jornal Gazeta Mercantil noticiava que até os deputados do
PSDB, adversarios do governador Fleury, sucumbiam a politica
fisiolégica, pois trés dos seus nove representantes ja haviam
debandado para o partido do governo, na busca de apoio as suas
candidaturas para prefeito na eleigao de 1992. O proprio lider
do PSDB admitia que “a situagao da bancada era muito difi’cil,
principalmente no que se refere aos deputados com base no inte-
rior”. E acrescentou ainda: “a relagéio com o eleitorado [no inte-
rior] é diferente. O que os eleitores querem é que o candidato
consiga beneficios para a cidade junto a0 governo estadual. Iss0
0s torna muito vulneraveis’m").
Para garantir o controle da base politica do interior, 0 gover-
nador Fleury criou a Subsecretaria de Integragao Regional, de-
pois transformada em Subsecretaria de Apoio aos Municipios,
porém mantendo sua antiga fungao. Essa estrutura governa-
mental tinha por objetivo fornecer informagées sobre a situaoao

2“ Seminario realizado no Cedec no dia 25/10/92.


2” Apud Ferreira Costa & Oliveira, 199428. 0 ex-deputado estadual
Getfilio Hanashiro afirma ainda que “para fazer politica no inte-
rior é necessario estar no podor” (seminario realizado no Cedec n0
dia 3/4/94).
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | |53

politica das diversas regioes do estado ao Gabinete do governa-


dor, utilizando-se de funcionarios contratados pelo Baneser. Va—
leriano Ferreira Costa & Carlos Thadeu de Oliveira assim des-
crevem esta estrutura montada por Fleury:
“Toda esta estrutura dedica—se a tarefas politicas (recebi—
mento de demandas de obras etc.), de cunho partidario (con-
trole das filiaooes, mapeamento eleitoral, popularidade dos
correligionarios etc.) e também de natureza policial (investi-
gagao da Vida dos adversarios e dos aliados)” (Ferreira Costa
& Oliveira, 1994:13).
O controle das bases interioranas reforgou ainda mais o po—
derio do governador sobre os deputados estaduais3“. Com essa
medida, completava-se a estratégia de formaoao de maioria no
governo Fleury, cujo resultado foi uma atuaoao meramente ho—
mologatéria da Assembléia Legislativa paulista. Com efeito, a
participagao dos deputados estaduais no processo de governo
foi quase nula neste periodo. Uma breve descrigao da produgao
legislativa dos parlamentares nos anos de 1991 e 1992 c1231 boa
amostra do perfil de seus mandates (Tabela 9).

Tabela 9. Projetos aprovados em 1991


Projetos sancionados pelo govemador em 91 420
de iniciativa do governador 98
do iniciativa dos parlamentares 319
de iniciativa de outros (Judiciario, TCE etc.) 3
Projetos aprovados de iniciativa do governador 98
sobre direitos, cargos, salarios etc. 45
sobre concessao de 1150 e alienacao de imoveis 18
sobre temas diversos 35
Projetos aprovados de iniciativa dos parlamentares 319
dando name a estabelecimentos de ensino 199
dando names a rodovias, viadutos, delegacias etc. 54
declarando entidades de utilidade pfiblica 31
instituindo eventos no calendario turistico e datas 24
sobre temas diversos ‘ 11
Fonto: Azevcdo & Rois, 1994:118.

No ano de 1991, 96% dos. projetos aprovados de iniciativa dos

3” E interessante notar que o Estado de 8510 Paulo elevou seu nl’lmero


de municipios de 574 para 629 durante o governo Fleury (Barrera,
1994:90). Isto traz a tona a hipétese do governador Fleury ter incen-
tivado a criaoao de municipios para redesenhar o mapa dos “distri-
tos informais” a seu favor. Um deputado situacionista, em off, con—
firmou que boa part0 dos cases so deveu a este motivo, e disse: “olha,
[54 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

parlamentares versavam sobre denominagéo de unidades esta-


duais de ensino, de viadutos, rodovias, delegacias etc., ou entéio
declaravam entidades como de utilidade pfiblica, ou ainda insti-
tuiam eventos e datas comemorativas n0 calendério turistico do
Estado de 850 Paulo. Ou seja, a produgéo parlamentar néo lida-
va com os principais problemas dos cidadéos, cabendo ao Exe-
cutivo as principais decisoes legislativas.
No 3110 de 1992, a situagéo praticamente se repete, como
mostra a Tabela 10.

Tabela 10. Projetos aprovados em 1992

Projetos sancionados pelo governador em 92 421


de iniciativa do governador 63
de iniciativa dos parlamentares 354
do iniciativa de outros (judiciério, TCE etc.) 04
Projetos aprovados de iniciativa do governador 63
sobre direitos, cargos, salérios etc. 33
sobre concesséo de 1130 e alienacéo do iméveis 07
sobre temas diversos 23
Projetos aprovados de iniciativa dos parlamentares 354
dando nome a estabelecimentos de ensino 194
dando nomes a rodovias, viadutos, delegacias etc. 52
declarando entidades de utilidade pfiblica 53
instituindo eventos no calendério turistico e datas 36
sobre temas diversos 19
Fonte: Azevedo & Reis, 1994:119.

Das leis promulgadas cuja iniciativa foi dos parlamentares,


91% referiam—se a assuntos sem nenhum efeito prético sobre a
sociedade, dando nome a viadutos, instituindo eventos no ca-
lendério turistico etc. Destas leis apresentadas e aprovadas pe—
los deputados, 55% davam nomes a escolas. Na realidade, a dis-
cussfio 011 a produqfio de material legislativo referente a politi—
cas pfiblicas, por exemplo, néio foi tarefa dos deputados estadu—
ais. Em suma, a Assembléia Legislativa paulista teve a fungéo
de apenas homologar as iniciativas do Executivo, abdicando de
fato da fungéio legislativa.

um governador como o Fleury que néo tem uma histéria politica


[...] e que tern um politico experimentado como 0 Quércia no ‘seu
calcanhar’ [...] tem mesmo que criar novos lidores, criar novos alia—
dos n0 interior, para tentar influenciar as eleigoes e ameaqar os
deputados. Entfio ele deve ajudar a criar novos municipios mesmo.
Se ele n50 faz isso, ele é ‘engolido’ pelo Quércia, e a Assembléia c0-
mega a ficar ‘manhosa’, pedindo mais recursos, e 0 governador fica
com 0 poder abalado”.
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | l55

Outra importante fungao do Legislativo, sobretudo no siste-


ma presidencialista, é a participagao na elaboragao do Orga-
mento. No processo orgamentario do Estado de 8510 Paulo, no-
vamente a participagao substantiva dos deputados estaduais foi
muito pequena. A Tabela 11 mostra um painel geral da parti-
cipagao dos parlamentares estaduais na questao Orqamentaria
no quadriénio 1991-94.

Tabela 11.__Altera96es da Assembléia as propostas do Executive


Orqamento para Nomero de emendas Volume de recursos
o exercicio _

. .. Apresentadas Incoygoradas alterado/total__

1991 58 24 0,270
1992 347 66 0,370
1993 506 169 0,23%
1994 806 144 1,0%

Fonte: Ferreira Costa 8L Oliveira, 1994.

Embora a alteragao no Orqamento realizada pelos deputados


estaduais aumentasse a cada ano, a modificagao do volume total
de recursos foi irrisoria. Na verdade, o processo de elaboragz’io
do Orgamento na gestao de Fleury ocorreu integralmente no
Executivo, para onde os deputados levavam suas demandas, que
poderiam ou 1150 391' atendidas pelo governo estadual. O gover—
nador 9 sons principais auxiliares concentravam em suas mé‘ios
a decisao da alocagao dos recursos pfiblicos. Assim, o poder que
0 Legislative obteve na Constituigao de 1988 de alterar as dota-
goes orgamentarias parece nao ter tido efeito na conduta dos
parlamentares da Assembléia Legislativa paulista.
N{10 defendo aqui o comportamento “emendista”, tal qual exer—
cem por muitas vezes os deputados federais e senadores. Mas
também nao é condizente com o regime democrético o compor—
tamento completamente heteronomo dos deputados estaduais
paulistas. Como admitiu o vice-governador Aluisio Nunes Fer-
reira Filho, os deputados estaduais paulistas concentravam
praticamente toda a sua atuagao no momento da execugao or-
gamentaria, prossionando o governo estadual a cumprir as pro-
messas de gastos em suas reg‘ifies’“. Dessa forma, os parlamen-
tares atuavam a reboque do programa de investimentos elabo—

31 Seminario realizado no Cedec no dia 25/10/92.


156 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

rado pelo governador, perdendo a autonomia adquirida tanto


pelas novas regras da Constituieéo, como também pelos votos
obtidos nas urnas.
Talvez deva matizar um pouco o argumento apresentado aci-
ma. E verdade que, ainda no momento de feitura do Oreamento,
o Executivo estadual teve de incorporar algurnas das demandas
dos deputados estaduais, pois precisava agraciar as diversas re-
gioes do estado com obras e/ou verbas pliblicas. Porém, os depu-
tados estaduais, como ja pontuei anteriormente, sofriam a con-
corréncia dos prefeitos que vao diretamente ao Executive levar
os pedidos de suas cidades. Assim, os deputados estaduais nao
eram os finicos a lucrar com o atendimento das demandas de
suas regioes, o que os torna mais fracos na negociaez‘io para a
elaboragéo do Orgamento.
A melhor definigao do modus operandi do processo orgamen—
tario paulista foi dada pelo fiel escudeiro de Fleury na Assem-
bléia Legislativa, Joel Freire (PMDB):
“Com relaqao a0 orqamento, se vocé mudar muito, acaba
tirando do governo a oportunidade de administrar, quer dizer,
quem quer fazer 0 orqamento precisa ganhar a eleigéo, precisa
ser govemador” (apud Oliveira, 1992:14).
A1’ esta a definigao mais cabal de como foi o processo de go—
verno no ultrapresidencialismo estadual brasileiro durante 0 pe-
riodo de 1991 a 1994. Cabia a0 Executivo estadual, e mais espe—
cificamente ao governador, a elaboragao do Oreamento, como
também a definigao de quais politicas pfiblicas deviam ser prio-
rizadas, de quanto se devia gastar na area social, de qual deve-
ria ser 0 porcentual do aumento dos salaries do funcionalismo
publico, de onde deveriam ser construidas as estradas, pontes e
presidios, enfim, as diretrizes governamentais eram todas de-
finidas integralmente pelo governador de estado. 0 Legislative,
portanto, ficava numa posigao secundéria, de mera legitimagao
do processo de governo e nao de co-autoria. O pior é que em
alguns momentos a Assembléia Legislativa paulista legitimou
ex post decisoes do Executive, chegando a aprovar reajustes do
funcionalismo sete meses depois de eles serem concedidos.
A Assembléia Legislativa paulista, além de n50 participar do
processo de governo, também néio se constituiu como caixa de
ressonancia da sociedade paulista, nao se tornando um forum
do discussoes dos principais problemas do Estado de Sao Paulo.
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro I IS"!

Alias, per incrivel que pareca em um regime democratice, 0 re-


gimente interno da Assembléia Legislativa paulista nae previa
o mecanismo da audiéncia pfiblica nem qualquer outre canal de
intersecao entre e Peder Legislative e a sociedade.
A partir da descricae do processe decisérie no geverno de Luiz
Antonio Fleury Filho, fica uma pergunta: qual fei 0 real signi-
ficado politico da Assembléia Legislativa paulista neste perio-
de? Tomemos come parametro a delimitacao que Max Weber
estabelece para definir se determinado Parlamente é um Peder
forte ou nae:
“Decisive para o alto ou baixo nivel de um parlamento e se,
em suas instancias, es problemas sao meramente debatides
ou se elas tern poder de decisao” (Weber, 1993).
A questao é que, por essa concepcao weberiana, a Assembléia
Legislative paulista foi um Peder extremamente fraco, peis nae
so ela nae teve poder de decisao, come também, na maieria das
vezes, os preblemas mais importantes do estado nem eram dis-
cutides na Assembléia. Em razao da enerme fragilidade politica
da Assembléia Legislative de Sao Paulo, e cenceite que mais se
encaixa no seu case é o elaborade per Michael Mezey em sua
classificacao de tipos de Legislative, qual seja, e de Legislative
Legitimader, e qual é definido come um Peder que nae rejeita,
nae modifica e nem estabelece parametres aes projetes do Exe-
cutive (Mezey, 1975:51).
Esse papel meramente legitimador e homolegatérie da As-
sembléia Legislativa paulista no quadriénio 1991—94 mestra que
o geverno Fleury conseguiu anular a independéncia constitu—
cional do Peder Legislative. E isse acenteceu no estade mais
rice e com a sociedade civil mais organizada entre as unidades
da Federacao.
O governo Fleury nae so domineu amplamente o processo de
geverno; também neutralizou qualquer fiscalizacao mais pre-
funda sobre seu geverno, basicamente de duas maneiras: de um
lado, centrelando as CPIs contra seu governo instaladas na
Assembléia. 0 case da CPI do Carandiru é o exemplo mais aca-
bado deste modele. De outre, Fleury domineu amplamente os
orgaos fiscalizadores, TCE e Ministério dlice, tal come ja ocor-
1'era no governo Quércia. Relate a seguir, de forma sucinta, come
0 governo Fleury neutralizou a fiscalizacao institucional do Exe—
cutivo.
l58 | O ultrapresidencialismo estadua! brasileiro

c)A neutralizagc'io do controle institucionol do Executivo estadual:


o “tripé do impunidade"

Urn dos elementos mais importantes do ultrapresidencialis-


mo é, sem sombra de dfivida, a inexisténcia de controle insti—
tucional sobre o Executivo. O governo de Luiz Antonio Fleury
Filho proporciona excelente exemplo desse tipo de situagao”.
0 governador Fleury conseguiu montar o “tripé da impu-
nidade”, isto é, neutralizou os mecanismos fiscalizadores da
Assembléia Legislativa, do Tribunal de Contas do Estado e do
Ministério Pfiblico.
Na Assembléia Legislativa, o objetivo do governador consis-
tiu em neutralizar as Comissoes Parlamentares de Inquérito
(CPI). Durante todo o governo Fleury, cinco CPIs foram instala—
das, sendo que duas delas — a CPI do Carandiru e a CPI dojogo
do bicho — atingiam diretamente ao Poder Executivo. Notada-
mente na CPI do Carandiru, havia indicios muito fortes do no-
gligéncia de importantes autoridades do governo estadual no
massacre dos cento e onze detentos da Casa de Detengaom.
Apesar disso, o relatorio final da CPI, escrito e aprovado pela
maioria situacionista, isentou todas as principais autoridades
politicas que supostamente estariam envolvidas no episédio.
O importante aqui n50 é condenar esta ou aquela autoridado
politica investigadas pelas CPIs. Quero mostrar, isto sim, que o
governador Fleury possuia mecanismos para neutralizar qual—
quer investigagao mais a fundo de possiveis irregularidades co-
metidas em sua gestéio. Um deles era 0 controls das Comissoes,
especialmento da Comissao de Constituigao e Justiga. O outro
era 0 controle de praticamente todos os cargos da Mesa da As—
sembléia, particularmente da Presidéncia. Com relagao a oste
filtimo mecanismo, ressalte-se que 0 Regimento Interno da As-
sembléia era oxtremamente centralizador, dando enormes po-
doros ao presidente da Casa.

32 A principal fonto do informaoées desta subsogao foi o excelonte li—


vroRoteiro do Impunidade (1994), escrito por Luiz Azevedo & Adacir
Rois.
”3 Um bom lovantamento sobre o episodio do Carandiru encontra-se
no livro Paoilhéo 9 -—+ o IWassacre do (Jarandiru (1993), escrito por
Eloi Pieta & Justino Percira.
O ultrapresidencialismo estadual brasiIeiro | |59

No periodo do 1991 a 1994, como mostram Luiz Azevedo &


Adacir Reis, diversos requerimentos atingiram o nlimero neces—
sario de assinaturas (um tergo) para abertura de CPIs que in—
vestigariam denfincias de corrupgao dentro do governo estadual.
Entretanto, 3 Mesa da Assembléia paulista simplesmente en-
gavetou esses pedidos34.
Fleury também obteve o dominio do Tribunal de Contas do
Estado, érgéo auxiliar do Legislativo que tem como fungéio a
fiscalizagao das contas d0 governo estadual. Em grande parte
do mandato, o governador paulista detinha o controle seguro de
seis dos sete Conselheiros —- sendo que quatro deles eram quer-
cistas e dois fleuryzistas. A escolha dos Conselheiros foi feita
em parte pelo governador, em parte pela Assembléia Legislati—
va, sendo a escolha meramente politica. Todavia, como Fleury
dominava por completo 0 Legislativo paulista, a escolha dos de-
putados estaduais era realizada na pratica pelo préprio gover-
nador. Assim ocorreu na escolha do substituto de Orlando Zan—
caner, quando era a vez de os deputados escolherem um novo
Conselheiro para o TCE. Embora houvesse o desejo dos deputa-
dos do PTB e do PMDB — partidos situacionistas —- de escolhe—
rem um candidate entre seus pares, o governador Fleury impés
o nome de Ffilvio Juliao Biazzi, seu assessor no Palacio dos Ban-
deirantes. Os deputados estaduais da oposigao e da boa parcela
dos da situagao nao gostaram do método adotado pelo governa-
dor, e postergaram o maximo possivel a votagao que indicaria o
novo Conselheiro. Fleury, irritado com a demora, prometeu aten-
der varias demandas clientelistas dos parlamentares da banca—
da do governo, e dessa forma a Assembléia aprovou com tran-
quilidade a indicaqao de Ffilvio Biazzi.
A forma de escolha dos Conselheiros, portanto, determina o
poder do governador sobre o TCE. E verdade que houve, ja no
meio do terceiro ano de mandato, mais especificamente em agosto
de 1993, certa pressao dos Conselheiros quercistas contra Fleu—
ry, com 0 obj etivo de cortar a independéncia do governador, ten-
tando mostrar que quem mandava no Estado de 850 Paulo e no '

3" Cf. Azevedo & Reis, 1994289. Luiz Azevedo & Adacir Reis contabi-
lizaram dez pedidos do CPIs que morreram nas “gavetas” dos mem—
bros da mesa.
I60 I O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

PMDB paulista era 0 ex—governador Orestes Quércia. Entre-


tanto, o conflito foi logo apaziguado, em nome do um acordo de
paz entre Quércia e Floury. E importante notar, contudo, quo
pouco depois desse episodio, no comego de 1994, Fleury indicou
mais dois Conselheiros para o TCE, obtondo o controle da maio—
ria dos votos do Tribunal.
Mesmo ocorrendo este conflito com o TCE, o fato é que Fleury
nao teve grandes problemas com relagao a fiscalizagao das con-
tas do seu governo, sempre aprovadas pelo Tribunal, embora
esto Orgao atestasse em seus relatérios uma série de irregulari-
dades cometidas pelo governo estadual. Em 1992, por exemplo,
o corregedor do TCE, Antonio Roque Citadini, indicava que as
operagées de crédito por antecipagao de receita foram ilegais
naquele ano. Contudo, o governo estadual n50 sofreu nenhuma
sangao por tor cometido um ato ilegal.
O TCE usava também de um dispositivo engonhoso para mos—
trar que estava “realmente” fiscalizando o Poder Executivo.
Mandava a Assembléia paulista a avaliagao de contratos irre—
gulares firmados pelo governo estadual que ja 1150 poderiam
mais ser sustados pelos deputados estaduais. Analisando os con-
tratos julgados irregulares pelo TCE que foram mandados ao
Legislative paulista em 1993, Luiz Azevedo & Adacir Reis apon—
tam a seguinte situaqao:
“N0 ano de 1993, foram encaminhados 26 contratos para a
apreciagao dos parlamentares. Desse poucos contratos reme-
tidos, apenas urn ainda estava em andamento, ou seja, ape—
nas um poderia ser sustado. Os demais eram cadaveres ad~
ministrativos” (Azevedo & Reis, 1994125).
Esse quadro de falta de controls 0 fiscalizagao das contas do
governo Fleury permitiu, entre outros fatores, o crescimento
desmesurado do déficit pfiblico do Estado de Séo Paulo, que au-
mentou quase quatro vezes n0 periodo 1991—94, alcangando um
records histérico. O que podemos concluir disso é que a falta de
fiscalizagao do TCE sobre o governo estadual constitui-se num
convite a irresponsabilidade administrativa.
A neutralizagao dos Orgaos fiscalizadores so completa com 0
controls do Ministério Pliblico. No caso do Estado do 850 Paulo,
0 controls do Ministério Pfiblico polo Executivo foi facilitado om
razao do o governador Fleury portencor a corporagao dos pro—
motoros publicos. Dessa manoira, Luiz Antonio Fleury Filho ja

1
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | l6!

contava com um grupo de promotores dentro do Ministério P11-


blico que lhe ajudaria a neutralizar a funcao fiscalizadora do
orgao. Para tanto, o governador montou a chamada “Repfiblica
dos Promotores”, trazendo dezoito promotores para trabalhar
corn elo no Palacio dos Bandeirantes. O relacionamento entre o
Ministério Pfiblico e o Executivo estadual se estreitava mais
ainda na medida em que Fleury incorporou promotores tam-
bém ao secretariado, como o foram Araldo Dal Pozzo (secretario
da Administracao), Edis Milaré (secretario do Meio Ambiente) e
Pedro Franco de Campos (secretario da Seguranga Pfiblica).
Um bom exemplo que comprova o estreitamento da relacao
entre o Executivo e o Ministério Pfiblico é o caso do Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que seria criado na As-
sembléia Legislativa pelo Projeto de Lei 06/9135. 0 contefido desse
Projeto foi um dos pontos de negociacao do apoio das entidades
ligadas ao tema dos Direitos Humanos (OAB, Comissao Justica
e Paz, Comisséo Teotonio Vilela, Centro Santo Dias etc.) ao en-
tao candidato Luiz Antonio Fleury Filho, no segundo turno da
eleicao de 1990. Apesar de ter sido aprovado na Assembléia Le-
gislativa em votacao simbolica, com o apoio de toda a bancada
situacionista, o governador vetou a parte mais essencial do Pro—
jeto, a qual dava importantes prerrogativas ao Conselho. Quais
as razoes desse veto? Simples: o Proj eto atingia os interesses do
Ministério Pfiblico, pois dava prerrogativas ao Conselho de De—
fesa dos Direitos da Pessoa Humana que antes eram exclusivas
do Ministério Pfiblico. Posteriormente, o veto do governador nao
seria derrubado na Assembléia Legislativa, gracas a pressao de
Fleury sobre os deputados situacionistas.
Mas a neutralizacao do poder dc fiscalizacao institucional do
Ministério Pfiblico se faria pela nomeacao do Procurador-Geral,
cargo importantissimo, incumbido de investigar os possiveis ili—
citos cometidos pelo governador de estado. A escolha seria feita
de uma lista triplice elaborada pelos proprios promotores; no en-
tanto, dada a insercao especial que Fleury tinha dentro da corpo-
racao, ele sempre conseguiu “plantar” pelo menos um candidato
na lista triplice, o qual seria indicado Procurador—Goral. Dessa
mancira, o governador Fleury conseguiu, ao longo de seu man—

9“ Descrevo esto caso a partir do texto de Sergio Lage (.1992).


l62 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

dato, “controlar o controle” do Ministério Pfiblico sobre seu go-


verno.
Em 1993, o governador Fleury quis aumentar ainda mais o
poder do Procurador—Geral, mandando Projeto de Lei a Assem—
bléia Legislativa que estendia as prerrogativas exclusivas de
investigacao a cargo do Procurador-Geral, o qual passaria a con-
centrar em suas maos a apuracéio das denfincias contra secreta-
rios de estado, deputados estaduais e até diretores de estatais35.
Varios deputados oposicionistas, a imprensa e, sobretudo, mem-
bros do Ministério Pfiblico descontentes com a linha tomada pela
cnpula do orgao, protestaram contra tal iniciativa. A promotora
Valderez Deusdedit Abbud, ao comentar esse Projeto, toca no
amago da questéio:
“A verdade é que, lamentavelmente, procura—se com este
projeto dar ao procurador—geral o enorme e perigoso poder de
avaliar a conveniéncia politica da propositura de qualquer
procedimento ou investigacéo que envolva as mais importan—
tes autoridades do estado. Dessa forma, mantendo o controle
absoluto dos casos eleitos como importantes, entendem que a
instituicao se fortalecera, esquecendo-se de que a hipertrofia
do poder podera tornar 0 Ministério Pfiblico um eterno pre-
posto do Poder Executivo, desaparecendo de sua esfera de
preocupacéo a defesa do interesse social” (apud Azevedo &
Reis, 1994:153-4).
O governador Fleury conseguiu neutralizar todos os meca—
nismos institucionais de controle e fiscalizacéo do Poder Exe—
cutivo. A formacéio do “tripé da impunidade” teve duas conse—
qfléncias. A primeira foi que o controle exercido pelo Executive
sobre o TCE e o Ministério Pfiblico paulista repercutiu no com—
portamento dos deputados estaduais. Como bem argumentam
Valeriano Ferreira Costa & Carlos Thadeu de Oliveira:
“[...] 0 Executive pode exercer (mediante o controle sobre o
TCE e 0 MP paulista) presséo sobre algum deputado situacio-
nista ‘recalcitrante’ através, por exemplo, de uma ‘devassa’

3“ Pela legislacao federal, seria prerrogativa exclusive do procurador-


geral investigar denl’mcias contra os chefes dos Poderes estaduais:
0 presidente do Tribunal de Justica, do presidente da Assembléin
Legislativa e 0 governador (cf. Azevedo & Rois, 19941152).
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | l63

nas contas do uma prefeitura em cujo municipio o referido


deputado tcnha sua base eleitoral. Os proprios deputados da
oposicéo ‘moderada’ (PSDB e PPR) relutam em atacar 0 con-
luio entre o Executivo e os orgéos estaduais de fiscalizacéio do
governo, jzi que um simples processo por man uso dos recur-
sos pfiblicos pode resultar na ineligibilidade de seus aliados
politicos locais” (Ferreira Costa & Oliveira, 1994:15).
Em resumo, o controle do Executivo sobre o TCE e o Ministe-
rio Pfiblico nélo so tornou o governo estadual praticamente imu—
ne 3 qualquer fiscalizacéo institucional, como aumenta o poder
de pressz‘io do governador sobre a classe politica estadual.
A segunda consequencia, de cunho mais geral, foi que a neu-
tralizacéo dos orgéos de fiscalizacz’io institucional criou uma es—
fera pliblica néio-republicana no Estado de Séo Paulo. O aumen—
to recorde do déficit do governo paulista n50 foi fiscalizado nem
pela Assembléia Legislativa, nem pelo TCE. Esse exemplo de-
monstra claramente que no governo Fleury néo houve controle
institucional da coisa pi’iblica. Nesse periodo, portanto, o princi—
pio republicano foi uma quimera no estado mais desenvolvido
da Federacéo.

Conclusfio

Neste capitulo, dcscrevi e analisei o poderio dos governado—


res no plano interno dos estados brasileiros durante o periodo
de 1991 a 1994. Vale a pena resumir as principais caracteris~
ticas do ultrapresidencialismo estadual brasileiro:
1. Os governadores possuiam controle total das Assembléias
Legislativas, aprovando, com grande facilidade, os principais
projetos de lei que lhes interessavam. Os chefes dos Executivos
estaduais tinham contra si apenas pequena parcela dos parti-
dos na Assembléia Legislative — quase sompre 0 PT e outros
pequenos partidos de esquerda —, tendo a esmagadora maioria
dos partidos o apoiando. Ademais, o apoio parlamentar era obti-
do pela cooptacijo individual de cada deputado, em razéo da ex-
trema fragilidadc dos partidos no papel de organizadores da agéio
colctiva dos politicos no nivel estadual.
A descricéio do ultrapresidencialismo ostadu a1 brasileiro mos-
tra o quanto rompemos com o modelo imaginado por Madison,
idealizador do modolo prosidencialista inspi'rador de nosso sis—
I64 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

tema de governo. Para Madison, 0 principio dos checks and


balances é a pedra angular do presidencialismo, dando-lhe as
feiooes republicanas e democraticas. N0 estados brasileiros, a
auséncia de checks and balances tornou 0 j ogo politico instrans—
parente e totalmente dominado pelo governador.
2. Os governadores reinaram com pouquissima fiscalizagao
institucional e da opiniao pfiblica. Primeiro, porque nao havia
uma independéncia dos orgaos fiscalizadores — TCE e Minis-
tério Pfiblico —— com relaeao ao Executivo estadual. Havia sim,
de fato, hipertrofia do Poder Executive, que tornava o governa-
dor isento de qualquer controle institucional.
Segundo, o Poder Executivo estadual tinha uma baixa visibi-
lidade politica. Os cidadaos, de modo geral, discutem a politica
estadual somente no momento da eleieao, e no resto dos quatro
anos, assistem, inertes, ao mandos e desmandos do governador.
Enquanto isso, as peripécias do prefeito, o novo plano economi—
co do ministro da Fazenda, em suma, os atos dos politicos mu-
nicipais e federais, aparecem constantemente nas conversas e
discussoes mais acaloradas dos cidadaos. O contencioso politico
estadual, por sua vez, néio tem sido — ou poucas vezes se torna
— objeto de debate na sociedade. O governador foi o grande fa—
vorecido com essa situaoao, diminuindo o controle da opiniao
pL’lblica sobre seus atos.
3. Os governadores, por intermédio da distribuigao de recur-
sos pfiblicos estaduais, controlaram boa parte das prefeituras
e dos politicos locais, sofrendo pouca oposioao das lideraneas
municipais. Contribuiu para isso a inexisténcia de estruturas
intermediarias que agregassem os interesses das dezenas ou
centenas dos municipios localizados nas unidades estaduais,
criando uma situagao muito favoravel ao governador perante as
demandas atomizadas dos lideres locais.
4. Os governadores exerceram grande influéncia sobre os “dis-
tritos informais”, bases eleitorais de boa parte dos deputados
estaduais, tendo muitas vezes o poder de redesenhar o mapa
eleitoral do estado, e usando esse instrumento para barganhar
apoios mais seguros das liderangas politicas do estado ou entao
para criar novos candidatos, seus afilhados politicos.
Todo o poder que o governador teve na esfera estadual no
periodo estudado adveio, em grande medida, do lugar estratégi-
co ocupado pela maquina pfiblica estadual — como veiculo de
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I65

patronagem e de distribuicao de recursos — no sistema politico


brasileiro. Tanto a fragilidade das organizacées partidarias como
a fraqueza politico—financeira dos municipios forneceram as con—
dicoes para o desenvolvimento do poderio do Executive esta-
duaL
A atuacao meramente individualista dos deputados estaduais,
incentivada pelo sistema proporcional com lista aberta, adicio-
nada a necessidade de distribuir recursos aos “distritos infor-
mais”, facilitava a implementacao de uma politica clientelista
bem-sucedida pelo governo estadual. Esse poder clientelista do
governo estadual foi mais efetivo fora dos grandes centros, onde
vigora, seguindo a definicao dada anteriormente pelo ex—gover-
nador paulista Aluisio Nunes Ferreira Filho, a polarizacao do
“contra 011 a favor” do governo, e onde o custo politico de ser
contra o governo é muito alto. George Avelino Filho expoe com
precisao a relacao que se estabelece entre o “moderno” cliente-
lismo e a logica dualista da politica interiorana brasileira:
“[...] a dualidade que caracteriza a Vida politica brasileira
fora dos grandee centros poderia ser melhor explicada pela
luta direta entre um partido que detém 0 monopolio [dos re—
cursos estatais] e os outros que lutam por ele. Logo, mesmo
que o nL’lmero de partidos seja maior do que dois, a disputa
caminha para a bipolaridade ——- governo versus oposicao —-—
seja porque a questao ideologica ou programatica é virtual—
mente ausente nessas localidades, sej a porque os outros par-
tidos nao conseguem se firmar sem o auxilio daqueles recur-
sos, restando-lhes apenas o espaco genérico da oposicao. Di-
ferentemente das antigas brigas de faccao, geralmente co-
mandadas por dois ‘notaveis’, a nova bipolaridade [...] seria
ditada pela posicao ocupada na disputa pela ‘posse’ dos bene-
ficios estatais” (Avelino Filho, 1994:237).
Esta forca da maquina estadual como vel’culo clientelista pode
ser percebido na analise sobre a gestao do governador paulista
Luiz Antonio Fleury Filho. Embora Sao Paulo seja o estado mais
rico e com a sociedade civil mais organizada do pais, o governa-
dor Fleury obteve maioria esmagadora na Assembléia Legisla—
tiva por meio de um pacto fisiologico e clientelista com os depu-
tados estaduais. A teoria da modernizacéio, fundamentada em
uma correlacao linear entre descnvolvimento econémico e mo—
dernizacao politica, n50 daria conta da realidade paulista. Pois
|66 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

mesmo se levarmos em conta que a grande parte da base parla-


mentar de Fleury era formada por deputados de fora da capital,
0 fato é que na filtima década 0 interior de Sfio Paulo passou por
um processo vertiginoso de urbanizacao e crescimento economi-
co. Eli Diniz, em texto sobre o fenémeno do chaguismo no Rio de
Janeiro, ja havia alertado para este problema da teoria da mo-
dernizacao:
“A0 contrario do que sugerem as premissas implicitas na
literatura sobre modernizacao e desenvolvimento social, os
processos de industrializacao e urbanizacao, com a consequen—
te propagacao de efeitos modernizantes, nao sao incompati-
veis com o desenvolvimento de praticas clientelistas” (Diniz,
1982:223).
Na verdade, o que esta em jogo na politica estadual brasilei—
ra é sobretudo a modernizacao institucional. Segundo minhas
premissas teoricas, essa modernizacao institucional deve cami-
nhar para a republicanizacao da politica estadual, dentro do
modelo do federalismo republicano. Cabe aqui, portanto, uma
pequena comparacao com o caso americano em trés pontos que
acho essenciais para republicanizar a politica estadual brasilei—
ra: o aumento dos checks and balances na relacao entre o Exe-
cutivo e o Legislativo, aumento do controle institucional do go-
verno estadual e a forte responsabilidade fiscal do poder local.
0 Poder Legislativo nos estados americanos tem importante
papel no sistema politico, nao sendo mero Legislativo Legitima-
dor, come 0 s50 as Assembléias Legislativas brasileiras. Com—
parando o Poder Legislativo estadual dos E.U.A. com o brasilei-
r0, Maria Dalva Kinzo afirma:
“Em paises com tradicz’io federativa como os Estados Uni—
dos [...J o cargo do deputado estadual é em si uma meta e nao
um patamar a ser vencido na carreira do politico. No Brasil,
ao contrario, a posicao no Legislativo estadual é muitas vezes
um degrau intermediario na carreira de muitos que ambicio-
nam uma cadeira no Congresso ou um poderoso cargo no
Executivo estadual on federal” (Kinzo, 199013).
0 cargo do deputado estadual nos E.U.A. é uma meta em si
porque o Poder Legislativo é forte dentro do sistema politico. A
relacao Executivo/Legislativo nos estados americanos compro-
va essa minha assertiva. Tomando os dados do 1989 dos cin—
qt'lenta estados americanos, em trinta deles o Executivo e 0 Le-
O ultrapresidencialismo estadual brasileiro | I67

ntes, ou seja, em
gislativo eram controlados por partidos difere
ria no Parla—
60% dos casos o governo estadual nao tinha maio
sistema bipar-
mento (Beyle, 1991). Mesmo considerando que o
as no processo
tidario americano facilita as composigoes politic
de checks and
decisério, sua politica estadual tem um grau
des estaduais
balances muito superior ao existente nas unida
cento dos quinze
brasileiras —— lembrando que em oitenta por
estadual possuia
estados brasileiros estudados aqui o governo
, pode-se
sélida maioria na Assembléia Legislativa. Dessa forma
ual ten-
dizer que o presidencialismo americano no ambito estad
, com Poder es mais eqiiip otente s, ao
de a ser mais equilibrado
ultrapresidencia—
passo que no Brasil prepondera firmemente o
como conse qfiéncia o aumento desme—
lismo nos estados, tendo
surado do poder do governador.
é o gran-
Outro ponto importante do federalismo americano
o estadual. De um
de controle institucional sobre o Poder pfiblic
maquina p11—
lado, ha uma rigida fiscalizagao institucional da
, nos governos
blica, por meio dos orgaos de controle. De outro
, existem
estaduais americanos, como mostrado na Introdugao
radores—gerais,
eleigoes para mais de quinhentos cargos (procu
res de agénc ias estad uais etc.) do
secretarios estaduais, direto
“[...] os gover nador es tém pouco ou
Executivo, significando que
as parte s do gover no” (Beyl e, 1991:
nenhum poder sobre algum
o contr ole da coisa pfiblic a e de qual-
118). Assim, garante-se
r, além de se ofere cer espag o maio r
quer ato ilicito do governado
no Pode r pfiblico. No Brasi l, ao con-
de participagao dos cidadaos
bidos de fiscaliza-
trario, o governador controla os orgaos incum
poder discri ciona rio sobre a Admi—
lo, como também tom forte
nistragao Pfiblica.
sabi—
For firm, 0 poder local americano desenvolve uma respon
existé ncia meno s subor dinad a as
lidade fiscal que lhe garante
ando o princ ipio da auton omia
outras esferas de poder, realiz
estao lon—
fedorativa. Em contraponto, os municipios brasileiros
de auton omia feder ativa, o que cria
go do adquirir uma situagao
dos governadores
mais um incentivo para o aumento do poder
sobre os lideres locais.
problemas
Poder—se-ia argumentar, com razao, que ha varios
relagao a fra—
na politica estadual americana, especialmente com
me interessa aqui
gilidade do sistema partidario. Contudo, o que
licani zagao da esfera pL’lblica esta—
é mostrar o éxito da repub
|68 | O ultrapresidencialismo estadual brasileiro

dual americana, resultando em aumento do controle institucio-


nal do Poder publico. Além do mais, o governador nos E.U.A.
nao é um barao no dominio de seu feudo. Ao contrario, a relaoao
entre os Poderes é bastante equilibrada e 05 deputados esta-
duais sao bem independentes com relagao a0 chefe do Executive
estadual. Na verdade, a tendéncia nos estados americanos é que
a influéncia do governador aumente de acordo com sua capaci-
dade gerencial e nao por causa de seu poder de cooptagé‘io poli—
tica (cf. Beyle & Muchmore, 1986).
Concluindo, o grande problema causado pelo atual poderio
do governador é a falta de uma ordem republicana na esfera
estadual brasileira. Como percebeu Guillermo O’Donnell, a ine-
xisténcia de uma ordem republicana pode trazer sérios proble-
mas a democracia.
“A dimensao republicana é indispensavel para a efetiva
garantia dos direitos da democracia politica: sem ela esses
direitos podem existir de fato, porém estarao constantemen—
te ameagados por um poder nao—republicano: isto é, por um
poder que nao se concebe a Si mesmo como sujeito a lei”
(O’Donnell, 1988:65).
Nos estados brasileiros, esse poder que nao concebe a Si mes—
mo como sujeito a lei tem sido o governador.
Apesar de 0 texto ter sido escrito no mais das vezes usando o
pretérito como tempo verbal, até porque a pesquisa foi feita na
safra anterior de governadores, ainda no momento atual Vigora
0 baronato nos estados. Na conclusao do livro, tento demonstrar
e analisar as razoes da permanéncia de tal fenomeno, buscando
entender suas conseqfiéncias para a democratizagao e republi-
canizagao do sistema politico brasileiro.
Capitulo 4

o FEDERALISMO ESTADUALISTA E
OVETO DOS BARéEs:
AATUAcAo DOS GOVERNADORES
NO PLANO POLiTIco NACIONAL

Este capitulo estuda a atuagfio dos governadores no plano poli-


e mais
tico nacional no periodo posterior 2‘1 Constituigéo de 1988
1991-9 4. E impor tante justific ar
especificamente no quadriénio
o. Das eleigoe s de 1982, pas—
o porqué da escolha desse period
dos traba—
sando pelo processo de transigéo, até chegar ao fim
exerce ram o que pode ser
lhos constituintes, os governadores
o, sem quere r dar a essa perio-
chamado de fase positiva de atuagé
qualifi cando -a como positi—
dizaqéo caréter valorativo, mas sim
acomodar
va exatamente porque 0s governadores conseguiram
tiva,
seus interesses em torno de nova ordem politica e federa
inei de
corporificada na Constituigéio de 1988, e a qual denom
esta—
“federalismo estadualista”. Apés a criagéo do federalismo
adores
dualista, favorecedor dos interesses estaduais, os govern
a fim
praticamente so atuaram em conjunto de forma defensiva,
o atuaram
do garantir 0 status quo adquirido. Ou entfio, quand
esta-
em conjunto, colaborando com a Uniéo —— tipico caso dos
nsagoes,
dos nordestinos —, procuraram obter algumas compe
gz‘io.
ligadas a obtengéo de algum privilégio dentro da Federa
Mesmo neste filtimo tipo de atuagéio dos govern adores , perma—
subs-
neceu ainda assim uma 16gica dc veto a qualquer mudanga
tantiva na estrutura federativa.
de-
E importante ressaltar que o federalismo estadualista 59
o de sus-
senvolveu num contexto do crise do antigo pacto politic
olvime ntista. Em linhas
tentagéo do Estado Varguista-desenv
agéo n50 foi estrutu—
gerais, podemos dizer que na redemocratiz
recon struiss e o Estad o bra-
rado um novo pacto hegemonico que
logica de—
sileiro. Este cenério facilitaré o desenvolvimento da
169
I70 | O federalismo estadualista e o veto dos baroes

fensiva e atomizada na atuaqao dos estados na arena politica


nacional. Contribuiu ainda para isso o enfraquecimento do po—
der da Uniao e do presidente desde a gestao de J05510 Figueiredo.
A analise tera como angulo privilegiado a relagao entre os
governadores e o Executivo Federal, muitas vezes personifica—
da no embate com o presidente da Repfiblica. Em menor medi-
da também sera objeto de estudo o relacionamento dos governa-
dores entre si, mostrando que, além de estadualista, o federalis-
mo deste periodo era ainda nao cooperativo no plano horizontal.
Cabe, por fim, ressaltar o carater historico e a especificidade
analitica deste estudo. N50 custa repetir que os governadores
foram tao fortes em grande medida porque a Uniao e a Presi-
déncia estavam fragilizadas no periodo analisado. Além disso, o
poder dos governadores manifestava-se, basicamente, nas ques—
toes federativas. De modo que n50 ha um poder a—historico e
absoluto dos governadores. Como veremos na conclusao, mu—
dangas na balanga federativa de poder, come as ocorridas na
gestao de Fernando Henrique, alteraram uma parcela signifi—
cativa do poder dos governadores no plano nacional, embora mui—
tas das caracteristicas aqui apresentadas ainda permanegam
atualmente, ja que os governadores continuam sendo atores es-
tratégicos na definigao dos rumos da politica nacional e, funda—
mentalmente, conseguem barrar varias das propostas de alte-
ragéo do pacto federativo. Portanto, a analise a seguir tem um
grande poder explicativo, por exemplo, no que se refere as difi—
culdades de se fazer uma verdadeira reforma tributaria mesmo
com um presidente forte como é o caso de Fernando Henrique
Cardoso.

As origens do poder dos governadores na politica nacional

Os governadores se fortaleceram no plano nacional a0 longo


da redemocratizagao basicamente porque influenciaram grande
parte dos deputados federais e senadores1 de seus respectivos

1 Tratarei, ao longo do texto, basicamente da influéncia dos governa-


dores sobre os deputados federais, porque 0s chefes dos Executivos
estaduais exercem influéncia menor sobre os senadores. Trés ra-
zées explicam esse fato: primeiro, os senadores se elegem num pleito
majmitario, em que os votos dos grandes centros é fundamental,
O federalismo estadualista e o veto dos barées I I'll

estados nas questoes que tocaram no aspecto federativo. 0 p0-


sta-
der dos chefes dos Executivos estaduais também se manife
va de outras maneiras, como por exemplo no Confaz (Conselho
de Politica Fazendaria), importante érgéo decisor das politicas
de incentivos fiscais do ICMS, ou mediante pressz‘io dos foruns
case
dos secretaries estaduais sobre os ministérios, e ainda, no
-Oeste , por
dos estados das Regioes Norte, Nordeste e Centre
al —— tais
meio dos érgéos federais de desenvolvimento region
de ma—
como a Sudam e a Sudene. Embora essas outras formas
nifestacao do poder dos governadores fossem importantes, a prin—
cipal fonte de poder era, sem sombra de dfivida, a formagéo das
“bancadas dos governadores” no Congresso Nacional.
A grande pergunta é, portanto, como 0s governadores obti—
Ha qua-
nham sua influéncia sobre os parlarnentares federais.
Congr es-
tro motivos que explicam o poder dos governadores no
so Nacional durante este periodo:
o nacio—
a) Apesar de 0 cargo de deputado federal ser de atuaca
de de sua
nal, a sobrevivéncia politica dos parlamentares depen
sao eleitos
performance local. Iss0 porque os deputados federais
partida—
pela circunscricao eleitoral estadual e n50 por uma lista
por
ria nacionalZ. Além disso, a maioria dos deputados é eleita
distri-
pequeno nL’lmero de municipios contiguos, que se tornam
se reele—
tos eleitorais informais (cf. Ames, 1993). Portanto, para
ger, 0s deputados precisam atender as demandas de suas bases
ganha—
locais. E nessa dinamica politica que os governadores
ar a perfor-
ram poder, pois possuiam mecanismos para otimiz
tro-
mance dos deputados federais em suas bases locais, que em

adores
e portanto sao menos dependentes do controle que os govern
sempre interior anas; além
exercem sobre as bases locais, quase
senado res sao eleitos por um pem'odo de oito arms, o que
disso, os
os govern adores . E, em terceiro
lhcs da maior independéncia ante
modo, consti-
lugar, muitos senadores sao ex-governadores e, desse
do cargo ocupad o pelo go-
tuem-se em adversaries e pretendentes
l-
vernador de plantao. Mesmo assim, diversos senadores, especia
dinha” com o governador, agem
mente quando eleitos em “dobra
estadual.
exatamente de acordo com 0 comando d0 Executive
s nacionais sao
Como afirma Nelson Jobim, “no Brasil, as eleicée

N
ista reali-
regionais, com excegao da disputa presidencial”. Entrev
zada no dia 3/11/ 94.
I72 | O federalisme estadualista e e veto dos barées

ca vetavam n0 Congresse Nacional segunde es interesses de Exe-


cutive estadual.
Os mecanismes a disposigao dos gevernaderes para otimizar
a performance eleiteral dos deputados federais eram es seguintes:
° Distribuigae de empreges publices estaduais para os apa—
drinhades locais dos deputados federais. Dessa maneira, es de—
putados federais ganhavam importantissimes cabos eleiterais;
0 Distribuicae de verbas e/eu construgao de obras publicas
nas bases locais dos deputados federais, que passavam a ser
vistos come es politicos que treuxeram as benfeiterias a regiae;
0 A preximidade espacial dos gevernes estaduais das bases
eleiterais locais facilitava a fiscalizagao do use dos recurses eb-
tides peles deputados federais em Brasilia. A extrema crise em
que se encontrava a maquina publica federal, sobretudo no go—
verne Celler, ternava esta tarefa fundamental.
’ Os gevernaderes centrolavam ——- come mestrei no capitule
anterior — grande parcela dos deputados estaduais e prefeites,
que sao cabos eleitorais fundamentals para a eleigéio dos depu—
tados federais. Os deputados federais precisam desses cabos elei-
torais para manter a forca em seu “distrite informal”. Ademais,
0 governader de estado ameacava aes que nae quisessem seguir
suas erdens no Congresso Nacienal com a possibilidade de criar
neves candidates a Camara Federal, com 0 auxilio dos deputa—
dos estaduais, prefeitos e chefes locais subordinados politica—
mente a0 Executive estadual.
Em suma, e gevernador atuava em dois mementos distintes
j unto aos deputados federais. Primeire, n0 memento da eleigae,
quando es deputados — ou pelo menes um bem numere deles ——
realizam uma campanha individual, precisande de uma estru—
tura legistica e financeira que na grande maioria das vezes 0
particle nae oferecia. Assim sendo, es candidates a Cémara Fe-
deral pediam e auxilie a0 governader, o qual lhes eferecia a es-
trutura da maquina estadual. O segundo memento é o pes-elei-
toral, quando 0s deputados federais precisam que o governader
es auxilie n0 contrele das bases locais. Na verdade, es governa-
deres pessuiam no periode estudado centrele milimétrice das
bases locais, sobretude das que estavam fora dos centres urba-
nes, dado e centrele que es chefes dos Executives estaduais exer-
ciam sobre as principais liderangas locais, prefeitos e deputados
estaduais.
O federalismo estadualista e o veto dos baroes | I73

Cabe frisar que es partidos e 0 Executive Federal, bern come


as prefeituras e outras estruturas organizacionais (sindicatos,
igrej as etc), também sae importantes para a construcae da car-
reira dos politicos brasileiros. O que se quer ressaltar aqui é, em
primeire lugar, que em nosse sistema pelitico as carreiras tipi—
cas dos congressistas sae construidas mais per fora do que por
dentre do Cengresso Nacienal, segundo censtatou David Sa-
muels, cuja analise, englebande e periede de 1945 a 1994, mes—
trou que es parlamentares federais preferem ecupar um cargo
no Executive a construir uma carreira restrita ao Legislative.
No quadriénie de 1991 a 1994, eu seja, no decerrer do mandate,
35% dos deputados federais concerreram para prefeite ou ocupa—
ram outros cargos no Executive, sobretude no plane subnacio-
nal (Samuels, 1997).
Jesé Pinotti, impertante parlamentar federal e ex-secretarie
de estado em sac Paulo, definiu bem e sentimente padrae do
pelitice brasileire:
“O retorne pelitico de um cargo no Executive é muite alto,
ae passo que no Legislative e reterno é muite pequene” (Abru—
cio & Samuels, 19971151).
Além de a classe politica preferir 0 Executive ao Legislative,
e
ela erganiza suas campanhas a partir dos recurses do Estade
nae per meie dos partidos. Assim, sae es Executives, sebretudo
ao
es estaduais e 0 Federal, que fernecem a logistica necessaria
bem desempenhe no memento eleiteral. Ne periede estudade,
e
dado que a Uni’ae passava per uma crise financeira, pelitica
administrativa, es gevernes estadua is constitu iam-se nos su-
pertes mais impertantes para as campanhas eleitorais.
Observeu-se que a importancia do governador era ainda maier
no memento pés-eleiteral do que no memento eleitoral. Como
neteu e ex-deputade federal Nelson Jobim:
“Depois de eleite, e deputade federal necessita ter urn gran-
de desempenhe regional. Se for do particle do gevernader, ele
podera atender as demandas de sua regiae eu da categoria
profissienal que o elegeu no estado, o que maximizara seu
desempenhe junte a base, e portanto e indice de rempimente
com o gevernader é reduzido. Isso se passa até com o deputa-
de da opesicao, pois come ele precisa dar uma resposta aes
pedides de sua base local, ele nae pede ter uma relacao bélica
com o governador [...] porque em algum memento ele pede
I74 I O federalismo estadualista e o veto dos barées

ter problema com um sujeito que foi nomeado para um cargo


pfiblico em sua regiao, ou entéio 0 governador vai inaugurar
uma estrada que passa pela suas bases eleitorais, e ele nao
pode ser contra esta obra [...]. Os deputados federais preci-
sam ter com 0 governador uma relacao no minimo ambigua,
evitando uma posicao de oposicao aberta, que atrapalharia a
reeleicao.”3
Conclui-se da argumentacao de Jobim que os deputados fe-
derais vivem situacao similar a dos deputados estaduais —— tal
como descrevi no capitulo anterior —, ou seja, no ambito esta-
dual ha no momento eleitoral uma disputa multipartidaria, com
grande disputa pelos cargos pliblicos e rivalidade entre os con-
correntes, mas no momento pés—eleitoral quase todos os deputa—
dos federais assumem a posicé‘io governista com relacao ao go—
vernador —— mesmo nao sendo situacionistas «— e reduzidissimo
mimero de deputados assume posicao de oposicao critica peran-
te o governo estadual. Essa situacao aumentava violentamente
o grau de influéncia do governador sobre a conduta dos parla—
mentares federais.
b) A engenharia eleitoral brasileira proporcionou mais um
ponto favoravel a0 governador no periodo analisado: os parla—
mentares federais se elegiam em uma eleicao cujo foco principal
era a disputa pelo governo estadual. De 1982 a 1994 as eleicoes
parlamentares foram “casadas” com o pleito para governador e
nao com a do presidente da Repfiblica, e como o pleito para o
Executivo tem poder de “puxar” votos para os candidatos pro—
porcionais, eles entao procuraram filiar—se ao candidato a gover—
nador, a “locomotiva” da eleicao. A legislatura que estudo neste
trabalho, por exemplo, foi eleita junto com a safra de governa-
dores escolhida em 1990, enquanto 0 presidente da Repfiblica
tinha sido eleito em 1989, numa cleicao “solteira”. Dessa manei-
ra, o deputado federal tinha sua eleicao associada intimamcnto
a disputa para governador e nao ao pleito presidencial. Os dois,
deputado federal e presidente, responderao a expectativas elei-
torais diferentes.
A eleicao “casada” de governador com os parlamentares fe-
derais — deputado e senador —- proporcionou o que em outro

3 Entrevista realizada no dia 3/11/94.


O federalismo estadualista e o veto dos barées | I75

trabalho chamei de “pacto de lealdade” (Abrucio, 1994:20). Co-


me a eleicao para governader era a “lecometiva” do pleito pre-
percional, es deputados federais tinham de se atrelar a uma
candidatura a gevernador que lhes proporcionasse possibili-
dade de vitéria. Esse atrelamento era realizado mediante um
pacte de lealdade entre 0 candidate a gevernader e es deputa-
dos federais, selado no memento da campanha eleitoral e que
se estendia pelo mandate de ambos, impendo as seguintes con-
dicoes as partes contratantes: no memento da eleicfio e candi-
date a gevernader exigia dos pestulantes a Cz’imara Federal
fidelidade absoluta na sustentacao de seu neme, e vice-versa,
para que nenhuma das partes se aproveitasse do outro“; se a
alianca eleiteral triunfasse, e governador centaria com o apoio
dos deputados no Congresse e em troca distribuiria recurses
publices estaduais (empreges, verbas e obras), além de meni—
torar o destine das verbas publicas federais ebtidas pelos par-
lamentares e es “passes” das liderancas locais, dande garan—
tias a cada deputade de que o controle de seu “distrito infor—
mal” nae estaria ameacade.
c) Constateu—se pela pesquisa que os deputados no Congres—
se nacienal erganizavam sua acoes mais pela via regional do
que pela via partidaria. A principal razao disso era a fraqueza
s.
dos partidos em agregar as demandas individuais dos politico
Isse acentec e porque o arcabeu co institucional brasile iro incen—
tiva a cenduta individualista dos politicos, em detrimento da
cenduta partidaria.
Um primeiro incentive institucional nesse sentide é a eleicae
preporcional com lista aberta, mecanismo so existente no Brasil

"1 Um exemple que mestra bem quais $210 as censeqfiéncias de uma


deslealdade no memento eleiteral encentra-se na eleicae paulista
de 1986, quande varies peemedebistas cencorrentes a Camara e ae
Senade — es futures pessedebistas —- fizeram “jogo duple”, pois
nae apeiaram decididamente 0 candidate de seu particle, Orestes
PTB.
Quércia, mas Sim, discretamente, Antonie Ermirie Meraes, do
”, e
Entretante, Quércia venceu, e ele nunca esqueceu essa “traicae
e suporte partidar io daquele s peemed ebistas, além
per isse minou
um
de isola-les na maquina publica paulista. Esse episodie teve
papel impertante no future racha de partido que resultou ne PSDB,
visto que o grupo paulista do PSDB ~— Fernando Henrique Carde-
se, Marie Covas, Jese’ Serra —— fei o alicerce do neve partide.
I76 | O federalismo estadualista e o veto dos baroes

exerce
8 na Finlandia (Mainwaring, 1991:38). Esse mecanismo
sistem a politico brasile iro, tendo como con-
enorme influéncia no
ante o estimu lo a que os candid atos fa-
sequé‘ncia mais import
ual e néio partida ria. A esse incenti vo ins-
Qam campanha individ
titucional é acrescentado outro estimulo a conduta nao parti-
daria: a inexisténcia da fidelidade partidéria.
Os dois mecanismos institucionais listados acima vigoram nurn
processo eleitoral no qual os deputados se elegem obtendo votos
em um “distrito informal” ou por meio da votagao de uma cor-
poragao ou grupo religioso. O partido conta muito pouco na cam-
panha dos candidates. Ao contrario, muitas vezes os partidos
dependem mais dos candidatos do que os candidatos dos parti-
dos. Iss0 porque para aumentar o quociente eleitoral do partido
que é
uma das peg-as mais importantes é o “puxador” de votos,
aquele candidato que tern a capacidade individual de obter uma
de
grands soma de votos, capaz, por Si 56, de aumentar o numero
cadeiras a serem preenchidas pelo partido no Legisla tivo.
Esse processo de dependéncia dos partidos com relagao aos
candidatos é muito bem descrito por Nelson Jobim:
“A lista partidaria, feita pelos burocratas do partido, leva
em conta a realidade eleitoral do estado. Entao vocé vé la
puxador de voto da policia militar, puxador de voto ligado a
algum programa de radio, puxador de voto vinculado a algu-
ma religiao —— principalmente das evangélicas —~—, puxador
de voto que é lider sindical, puxador de voto de determinada
regiao do estado, e nesse caso precisa estudar quais 8510 as
regioes mais populosas do estado, em suma, se constroi a lis-
ta partidaria como [se fossel um cardapio de puxadores de
voto. [...]. Isso tudo faz com que os partidos percam sua capa-
cidade de comando, porque ficam dependendo desses produ-
tores de voto individual. [...]. O pior é que depois o candidato
se da conta que é ele que produz o voto e n50 o partido [...] e ai
comega a fazer ameagas, diz que vai sair do partido, depois se
recompoe e se fortalece no partido. A legenda vira apenas um
veiculo para estos candidatos individuais.”5
Nao so no momento eleitoral os partidos tinham baixo con-
trols de seus deputados; no Congresso Nacional os deputados

5 Entrevista realizada em 3/11/94.


O federalismo estadualista e 0 veto dos barées | IT!

também possuiam onorme autonomia vis—d-vis os partidos. Em


primeiro lugar, porque a prépria legislaoé‘io eleitoral prescreve
que enquanto nas oleiooes os partidos tém o monopolio legal da
ropresentaoao, no parlamonto os politicos detém 0 controle ex-
clusivo de seu mandato. Assim, como observa Olavo Lima JL’l—
nior, nas eleigoes vale o partido; no Parlamento, o politico, ou
melhor, a figura do parlamentar (of. Lima JL’lnior, 1993)“. Os
parlamontares individualmente aproveitam ainda a falta de re-
gras que incentivem a disciplina partidaria, formando no Con-
gresso Nacional 0s chamados blocos transpartidarios, que cor—
tam os partidos diagonalmente (Sola, 1993:2655)?
Ha ainda outro incentivo para a conduta nao partidaria dos
deputados: a auséncia de regras que impeoam os parlamonta-

H Um born exemplo da conduta individualista dos deputados ocorreu


no governo Collor, quando 0 ministro da Agao Social, Ricardo Fifiza,
resolveu montar um cadastro contendo ulna ficha de cada parlamen—
tar que estivesse propicio a apoiar o govemo no Congresso Nacional.
Nessa ficha, estariam rolacionados os pedidos de verbas ou cargos
com a posioao do parlamentar em votaooes importantes no Congres-
so. Dessa maneira, o governo esporava controlar os deputados, a
margom dos partidos. O interessante é que esse método ja havia
sido adotado por Marco Maciel no Gabinete Civil do presidente Sarnoy
(ver Folha de S.Paulo, 28/2/92zA-6).
7 Em 1992, o jornal O Estado de S. Paulo mostrava o crescimonto da
influéncia das “bancadas informais”,que cortam diagonalmente
partidos de diferente espectro ideologico. O jornal descrevia a exis-
téncia de pelo menos doze “blocos transpartidarios”, a saber: os
parlamentaristas (273 deputados e senadoros), a bancada rural (250
deputados), o BEM (bloco da economia moderna (137 deputados), a
bancada do nordesto (170 deputados o senadores), a bancada do
Banco do Brasil (oito deputados e trés senadores), a Frente Parla-
mentar Nacionalista (120 deputados e senadores),a bancada da
Amazénia (oitenta deputados e vinte senadores), os evangélicos (27
deputados), a bancada do “ACM” (no minimo 23 deputados, poden-
do, em alguns casos, influenciar oitonta por cento do PFL e dez por
cento do PMDB), o grupo ligado aos empreiteiros (cujo principal
representante é Luis Roberto Ponte, do PMDB-RS), a bancada dos
funcionarios pfiblicos (com pelo menos dez parlamentares) e a ban-
cada da Petrobras. E importante notar que mesmo que algumas
bancadas tenham um numero reduzido, sua influéncia pode ser
grande em razao, por exemplo, de um conhecimento técnico porta—
do por seus membros, como é o caso da bancada dos oconomistas na
hora da votacfio do orgamento [ver 0 Estado de S. Paulo, 10/5/92].
I78 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

res de mudar a qualquer momento de partido. N0 periodo entre


1991 (inicio da legislatura) a abril de 1994 foram efetuadas 264
trocas de legenda, o que significou uma média de sete mudan-
gas a cada mesa.
Portanto, com o grande nfimero de blocos transpartidarios
mais o nfimero altissimo de mudangas partidarias, ficava claro
que os partidos tinham um controle muito fragil dos deputados
federais. E quando havia o controle partidario, conforme obser-
vado no periodo, ele era feito a partir da distribuigao de cargos
do Executive Federal e/ou estadual.
Os parlamentares atuaram na redemocratizagao, basicamen—
te, segundo a otica regional e de forma individual, procurando
atender os interesses de sua regiéio, a fim de obter a reeleigao e/
ou 0 avango na carreira politica. Foi nessa perspectiva que se
multiplicaram as emendas a0 Orgamento Federalg. Defendendo
0 direito dos deputados federais de emendar o Orgamento Fe-
deral, destinando recursos as bases locais dos parlamentares, o
Deputado Humberto Souto (PFL/MG), influente parlamentar
do Congresso, disse: “N510 sou artista ou radialista que ganha
eleigao por ser celebridade. Precise do emendas para satisfazer
meus eleitores”“’.
A fragilidade partidaria somada a atuagao individualista dos
deputados federais voltada para o atendimento das bases eleito-
rais criava uma situagao em que imperava a légica estadualista
na politica. Assim, a lealdade dos deputados federais as suas bases
estaduais se sobrepujava a perspectiva partidaria e nacional. For—
mavam-se, portanto, vinte e sete “bancadas estaduais” (incluin—
do 0 Distrito Federal), com grande independéncia diante das agre-

8 Neste periodo, Rondénia foi o estado campeao de trocas partidari-


as, registrando 26 alteraqfies em trés anos, mesmo possuindo ape-
nas oito deputados (o menor nfimero possivel por estado). Todos os
deputados de Rondénia trocaram pelo menos uma vez de legenda,
sendo que 0 Deputado Reditario Cassol (R0) foi o recordista, com
seis trocas de legenda. Jamal do Brasil, 11/4/94z3.
De 1989 a 1992, 0 numero de emendas apresentadas pelos depu-
,,.
a.

tados e senadores aumentou de forma impressionante: em 1989


foram apresentadas 8.000 emendas; em 1990, 12.000; em 1991,
72.000; e em 1992, 75.000 emendas.
1” Folha dc Spank), 15/2/94zA—4.
O federalismo estadualista e 0 veto dos barées | I79

rniacoes partidarias. Recorrendo novamente ao ex-Deputado Nel-


son Jobirn, o Congresso Nacional se transformou em uma “As—
sembléia dos estados”, tal como ele descreve no trecho a seguir:
“[...l o problema basico é que nos nao temos uma Assembléia
Nacional, temos uma Cfimara dos Estados do Brasil [...]. Na
medida em que temos uma Cémara dos estados do Brasil e
representacoes estaduais, cuja reproducao politica depende
de sua performance local e nao de sua performance nacional,
nao ha condicoes instrumentais de praticar um pacto federal
[...] podemos afirmar claramente que a Repfiblica nao produ—
ziu partidos nacionais [...]. Temos secoes regionais rigorosa—
mente auténomas na formacao de suas politicas” (apud Ve-
ras, 1993334).
Sobre a legislatura que estudo (1991—94), nao ha nenhuma
pesquisa que mensurc o grau de estadualismo presente na Cé-
mara Federal, embora seja nitido, mediante analise das vota-
goes, que os deputados tinham tendéncia de votar conforme os
interesses de suas regioes. Contudo, ha uma pesquisa realizada
por Scott Mainwaring na legislatura anterior, precisamente em
fevereiro de 1988, que contém dados muito interessantes sobre
o comportamento partidario no Congresso Nacional. Reproduzo
a seguir a Tabela 12, que mede o grau de fidelidade dos deputa—
dos com relaoao aos partidos diante dos interesses estaduais.

Tabela 12. Quando existe um conflito entre as necessidades de seu estado e a posicao (le seu
particlo, como vocé nornmlmente vota? Com 0 partido, de acordo com os interesses estadu-
ais, on meio a meio‘?
Meio a meio N.D.A.
99930 Pi’l’d‘lEW , 09m estado
PMDB 31% 48,394: 12% 86%
PFL 13% 739% 87% 4,59%
PDS/PTB/PL/
/PTR/PDC 192% 462% 11,5% 23,192:
PDT/PT/
IPC do B 75% 16,796 ‘ « 8,320
Total 31,394: 49,570 9,870 93%

Fonte: Mainwaring, 199 1a :33.

Os dados apresentados acima sao muito cxpressivos, revelan-


do 0 carater estadual dos mandatos da maioria dos parlamenta-
res. Os dois maiores partidos do pais, PMDB o PFL, apresenta-
varn indices de preferéncia ao atendimento das nocessidades
cstaduais superiores aos de rcspeito da posicao partidaria. No
ISO | O federalismo estadualista e o veto dos barées

caso do PFL, quase 75% dos deputados federais levavam em


conta mais as necessidades regionais do que as diretrizes parti—
darias! Esses indices tornam—se mais alarmantes ao constatar-
mos que o pleito de 1986 foi mais nacional do que a de 1990, em
razao da eleioao do Congresso Constituinte. A eleigao de 1990,
entre as trés realizadas no periodo democratico até aquele mo-
mento, foi a menos nacional — como mostrarei mais adiante
—, o que resultou numa forga maior da conduta estadualista
dos deputados.
A importancia de se manter canais entre 0s deputados e as
bases estaduais apareceu nos dois maiores partidos — PMDB e
PFL — por meio do mecanismo informal dos coordenadores es-
taduais de bancada, deputados oscolhidos para serem as pontes
dos parlamentares com os governadores de seus estados. Carlos
Alberto Novaes descreve assim o papel dos coordenadores esta-
duais de bancada:
“Estreitamente vinculados a orbita dos interesses esta-
duais, quer atuando corn 0 lider, quer sem ele, eles procuram
dar expressao federal a estes interesses, ora concatenando
esferas de governo (quando sao aliados do governador e/ou de
algum ministro de estado), ora informando a agao partidaria
contra os interesses do Executivo correspondente, quando lhe
fazem oposigao” (Novaes, 1994:121).
Entretanto, o coordenador estadual do bancada realmente
possuia forga quando seu partido governava o estado. Nesse caso,
o coordenador de bancada podia organizar com mais éxito as
demandas de sous representados ao governador. O PMDB e o
PFL possuiam, no quadriénio 1991—1994, dezesseis governado~
res, ou seja, comandavam sessenta por cento de todos os esta-
dos. Dessa forma, em boa parte dos estados havia a garantia de
atendimento organizado dos pleitos dos parlamentares, orga-
nizado alias em torno mais dos interesses estaduais do que da
légica partidaria.
A verdade é que a relagao entrc os deputados e os governado-
res ganhou uma importancia fundamental neste periodo. Um
assessor parlamentar do PFL definiu bem essa situagao:
“Olha, nao conhego um deputado que perca uma reuniao
com o governador ou um secretario de estado, mas conhego
varios que faltam as reunioes partidarias. Ta certo, o depu-
tado precisa ter uma boa relagao também com os principais
O federalismo estadualista e o veto dos barées | l8l

lideres de seu partido, mas quem é que vai dar as verbas para
a sua cidade, pro seus eleitores? Ah, on e o governador ou é o
ministro. [...] se bem que ultimamente os deputados tém pre-
cisado mais do governador, nao tem mais aquela relagao que
tinha antigamente entre o Governo Federal e os municipios.”
E continua o assessor do PFL, apontando o motivo essencial
da dependéncia do parlamentar federal com o governador:
“O deputado tern muito medo do governador criar outro
candidate para a sua regiao, ‘apadrinhar’ os secretarios esta-
duais, e ai a situacao do deputado fica dificil. O ACM fez isso
na Bahia, ‘apadrinhou’ um monte de secretarios de estado,
desde que ele foi governador pela primeira vez. [...]. E eu ja
ouvi muitas histérias do outros governadores, do PMDB, que
fazem a mesma coisa. Entao ha um grande medo do deputa-
do nao ter recursos do governo estadual para a sua regiao.
[...] é verdade que tém uns deputados que possuem ligacoes
também com o Governo Federal, que tém influéncia nos or-
gaos federais, e la conseguem dinheiro e obras, sempre [...] é
so ver 0 Inocéncio [...] mas a0 contrario do que a imprensa
diz, sao poucos os deputados que tém esse privilégio. No fun-
do, a maioria dos deputados precisa do governador para man-
dar obras para a sua regiao, porque o medo de nao se reeleger
é muito grande, e o deputado sozinho 1150 se elege.”11
A lealdade dos deputados federais com a “situacao” estadual,
portanto, era fundamental. Dado o alto grau de incerteza com
relacao a reeeleicao, os deputados federais nao podem sobrevi-
ver mantendo apenas atuacao meramente individualista, sem
nenhum anteparo institucional. Eles precisam de suporte orga-
nizacional que otimize as relacées com as bases locais. Embora
0 Executive Federal continuasse a desempenhar uma papel
importante na conformacao das carreiras politicas através da
distribuicao de cargos federais sobretudo nos estados, como as

-
Diretorias das Teles — e de verbas ou subsidios, seu poder foi
menor neste periodo, por razoes que veremos a seguir.
d) For fim, o outro fator que favoreceu o poder dos governa-

1‘ Entrevista realizada em 28/9/94. 0 assessor parlamentar preferiu


que seu nome nao fosse revelado, para “evitar futuras complica-
coes". Mas como a entrevista foi muito rica, resolvi utiliza-la assim
mesmo.
l82 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

deres sebre es deputades federais fei e enfraquecimente do pre—


sidente da Repfiblica. Durante a redemecratizagae, e presiden-
te nae censeguiu mentar uma selida maieria que lhe permitisse
gevernar. O enfraquecimento do presidente ecerreu em trés cam-
pes: e financeire, 0 administrative e e pelitice.
Ne campe financeire, e Geverne Federal vinha enfrentande
uma crise desde 1982. Além disse, as politicas de investimento
estavam praticamente inviabilizadas na medida em que o Orga-
mente Federal tinha quase todas as suas despesas ja vincula-
das, seja para 0 pagamente das dividas interna e externa, seja
para o pagamente de pesseal eu ainda para outras despesas “en-
gessadas”, as quais davam parco retorne eleitoral. Dessa ferma,
diminuiram es recurses que o Geverno Federal pederia distri-
buir aes deputades federais para ebter apeie.
Ne campe administrative, deis preblemas atingiam e Execu—
tive Federal. Primeire a maquina publica federal estava total—
mente fragilizada, nas mais diversas areas. Os baixes salaries,
a falta de pesseal qualificade, a apesentaderia precece dos me—
lheres quadres, a destruturacae dos principais ergaes de asses-
seria do staff presidencial, além da autOnomizacae das estatais,
fermavam um quadro em que 0 Executive Federal nae conse-
guia erganizar-se minimamente para administrar o pais”. Mas
a principal censeqiiéncia desse estade de ceisas era 0 enfraque—
cimente de preprie presidente no embate com es outres ateres
politicos, peis a deserganizacae da Administracae Publica Fe-
deral dificultava a erdenacae estratégica das acfies do Executive
Federal nas negeciacees com 0 Legislative e corn es gevernaderes.
O eutre preblema administrative que afeta 0 Executive Fede—
ral se encentra na intersecae entre a politica e a administracae:
e presidente nae centrelava grande parte dos carges em cemis-
sae, no que tange a distribuicae 0 ae posterior exercicie dos car-

‘2 Um born panorama da crise da Administracz‘ie Publica Federal en-


centra-3e em Andrade & Jacceud, 1993. Come bem ressalta Régis
de Castro Andrade na introducae do livre, “a crise brasileira — em
sua dimensae pelitica —-- é dupla: é uma crise das instituicees
pelitcas e é uma crise da burocracia publica” (p. 25). Pertanto, a
crise do presidencialismo nae era causada apenas peles preblemas
existentes na relaca‘ie entre es Pederes; era causada também pela
desestruturacae interna do Executive Federal.
W
O federalismo estadualista e o veto dos barées | I83

gos. Isso ocorria porque o presidente na maioria das vezes nao


tinha maioria congressual, e para tentar obté—la —- ou pelo me-
nos para conseguir base minima de sustentagz’io no Congresso
—— ele tinha de construir uma coalizéio bem ampla, levando em
conta as variaveis partidaria e regional (cf. Abranches, 1988). A
fragmentagao partidaria e 0 grande nfimero de governadores
corn poder suficiente de barganha para pleitear cargos inviabi-
lizavam a de distribuigao de cargos como urn meio eficaz de for-
mar uma coalizao de governo. Neste sentido, apontou Valeriano
Mendes Ferreira Costa:
“A distribuigéo de cargos em comisséio da administragao
pfiblica nae corresponde [...] a0 resultado de uma negociaeao
institucionalizada para a composigao de coalizoes de governo
e também nao respeita qualquer padrao de representagao
politico-partidaria que assegure a0 governo uma base de sus-
tentagao estével e coerente n0 Congresso. O loteamento é mais
uma resposta reativa do Executivo as pressoes e contrapres-
sées dos deputados, senadores, governadores, grupos de inte-
resse, corporaeées e da prépria burocracia para a ocupagao
dos cargos de diregao na administraeao direta e indireta, do
que uma politica sistematica de ocupagao da maquina pfibli—
ca por um grupo representativo de interesses sociais ou uma
corrente partidaria com um minimo de coeréncia politica”
(Ferreira Costa, 1993:254—5).
Assim, aquilo que deveria servir para fortalecer o governo o
enfraquecia. N50 se consegue uma base de sustentagao no Con-
gresso Nacional e ainda por cima fragiliza o Executivo interna—
mente. Em suma, no Executivo Federal os ministérios funcio-
navam com alto grau de autonomia e rnuitas vezes 0 centro po—
litico (a Presidéncia da Repfiblica) perdia o controle deles.
N0 campo politico, o presidente ficou mais fraco porque au-
mentou a eqflipoténcia entre 0s Poderes. O Congresso Nacional
e o Supremo Tribunal Federal — além dos governadores ——
ampliaram seus poderes apos a Constituieao de 1988. I550 nao
quer dizer que o presidente tenha sido neste periodo urn ator
sem nenhuma forga politica, sem nenhum poder decisorio. Ao
contrario, como mostram Argelina Figueiredo & Fernando Li-
mongi, da produgao legal no ambito federal de 1989 até 1992, o
Executivo foi responsavel pela iniciativa de 81% das leis apro—
vadas (Figueiredo & Limongi, 1994214).
|84 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

0 Executive
A experiéncia politica do pros—88 nos ensina que
gover nar nas questfies
teve ampla margem de manobra para
Collo r I foi um exemplo
emergenciais ——— a experiéncia do Plano
nos que afetam a ad—
cabal disso ——-, nos problemas mais cotidia
tos que nae afetem 0s
ministragao estatal, e em outros assun
nadores e
interesses mais imediatos dos deputados, dos gover
assun tos envolvem a
dos grandes grupos de interesse. Esses
essso Nacio nal.
maior parte dos projetos aprovados n0 Congr
s projetos
Porém, 0 Executive conseguiu aprovar pouquissimo
a derrota d0
ligados a reforma global do Estado, come prova
no Ita-
Emendao do governo Collor. Da mesma maneira, o gover
Cons titucio nal. O
rnar nae quis apostar suas fichas na Revisao
os de lei aprova —
problema, portanto, nae era 0 nl’lmero de projet
no”.
dos, mas a nae-aprovagao de um projeto de gover
tern
E interessante notar que 0 sistema politico brasileiro
do consocia-
caracterl’sticas tanto do modelo majoritario corno
cem a0 pre—
tivo, sendo que as caracteristicas do primeiro favore
itario,
sidente, e as do segundo, enfraquecem—no. D0 lado major
s legisla—
ha as Medidas Provisérias e as diversas prerrogativa
poder
tivas que cabem a0 Executive Federal, dando um grande
artidarismo
ao presidents. D0 lado consociativo, ha um multip
s amplas”,
que leva 0 presidente a formar coalizoes parlamentare
as duas
um sistema bicameral que fornece poderes quase iguais

o Genealves
‘3 Devo essa idéia a0 colega pesquisador d0 Cedec, Claudi
Couto.
no multipar-
1“ Para analisar a formaqao dos gabinetes presidenciais
comparagao aos
tidarismo brasileiro, ver Arnorim Note, 1996. Em
os paises d0 sul
paises da terceira onda democratica que abarcou
América
da Europa, do Leste Europeu, do Sudeste asiético e da
ento
Latina, a redemocratizaqao brasileira foi marcada pelo surgim
o de partido s. Segundo J airo Nicola u , 68 par-
de um nfimero elevad
u, 1996:14—
tidos participaram das eleieées entre 1982 e 1994 (Nicola
ntagao
15). Os efeitos do multipartidarismo n0 aumento da fragme
conforme
congressual foi igualmente gigantesco. Em 1990, ainda
tes; no
Nicolau, o Congresso brasileiro tinha 8.7 partidos relevan
8.2. Este foi um
final do periodo aqui estudado, em 1994, havia
de fragme ntaqao partida ria alcaneados nos paises
maiores indices
a P0-
de terceira onda democratica, talvez apenas perdendo para
s releva ntes no Legisla tive nacion al (Linz &
lonia, corn 10.8 partido
caso anedético,
Stepan, 1996:276). Mas a Poloniaja se tornou uma
“Partid o dos Adoradores da Cervej a”.
com seu famoso
O federalismo estadualista e o veto dos barées | I85

Casas Legislativas, um federalismo centrifuge, no qual as pres-


sées dos governos subnacionais tém um impacto forte sobre a
politica nacional e, por fim, uma Constituigao que milimetrica-
mente tocava em quase todos OS temas nacionais relevantes,
sendo que qualquer alteragz’io da ordem depende de uma maio-
ria qualificada (Couto, 1997).
Em suma, enquanto o aspecto majoritario do sistema concen—
tra poder na Presidéncia, o consociativismo eleva o nfimero de
atores e de pontos de veto (selis, 1997). O predominio de um
destes modelos depende dos recursos a disposieao dos atores.
De 1982 a 1994, quando a Uniao e a Presidéncia da Repfiblica
estavam mais fracas e os governos estaduais tinham maior po-
der, como descrito anteriormente, os aspectos consociativos fo-
ram mais marcantes, sobretudo no que se refere aos vetos con-
gressuais as mudaneas propostas pelo Executivo. Foi isso que
tornou mais dificil a aprovagao de um projeto de governo ao
longo da redemocratizagao”.
Iss0 nae quer dizer que o Congresso Nacional se tenha tornado
uma instituigao cujas agoes caminhavam para o mero poder de
veto. O Congresso aprovou na legislatura estudada alguns proje-
tos importantes, como a Lei de modernizagao dos portos. Além
disso, projetos que possuiam grande resisténcia de alguns grupos
sociais foram aprovados no Legislative, como a Lei de privatizagao.

.15 Uma forma de perceber o impacto do aspecto consociativo do siste-


ma politico na reforma do Estado brasileiro é fazendo uma compa-
ragao com outro caso latino-americano, o argentino, onde as refor~-
mas estruturais foram feitas antes do Brasil. Embora também
presidencialista e federativa, 21 Argentina conseguiu reforear mui--
to mais os aspectos majoritarios do sistema a partir do primeiro
governo Menem, construindo ulna coalizao reformista que adotou,
segundo Vicente Palermo ( 1997 :11), uma estratégia blitzkrieg, isto
e, de mudangas feitas em bloco e mais rapidamente. No Brasil, a0
contrario, adotou-se uma estratégia mais gradualista na reforma
do Estado, em que a mudanca foi incremental, alongou—se mais no
tempo e teve de ser negociada com um nfimero maior de atores. A0
meu ver, a diferenoa entre 0s paises tem como uma das razées prin-
cipais, dentre outras, o maior impacto do aspecto consociativo do
sistema politico no decorrer da redemocratizagao brasileira, para o
qua] contribuiu muito o enfraquecimento do Governo Federal conco-
mitantemente a0 fortalecimento dos governos estaduais e de seus
comandantes, os governa lures.
l86 | O federalismo estadualista e o veto dos baroes

Mas alguns poderes de veto permaneceram e foram funda-


mentais para a definigao dos rumos deste periodo. Na questao
federativa, os governadores comandavam este poder de veto.
E importante notar que importantes reformas do Estado bra—
sileiro passam pela alteragao do atual pacto federativo: reforma
tributaria, repartigao equilibrada das competéncias entre os
niveis de governo, criagao de mecansimos eficazes para atacar
os desequill’brios regionais, e até a privatizagao. Nas palavras
de Aspasia Camargo:
“A Federagao é a coluna vertebral que pode on n50 dar
consisténcia e viabilidade ao conjunto de reformas economi-
cas, sociais e politicas que o Brasil pretende realizar” (Ca-
margo, 1994:93).
Portanto, a aprovagao de um projeto de governo, que viabili-
ze uma reforma global do Estado, passara pelo tema da Federa-
950, e conseqfientemente, pelos governadores de estado. Os pre-
sidentes, desde a gestao Figueiredo, n50 conseguiram vencer
esse veto dos governadores, tornando-seprimus inter pares deles.
O controle do governador sobre as bases eleitorais dos depu-
tados federais, a eleiga'o para o governo estadual “casada” com o
pleito para a Cfimara Federal, o predominio das lealdades esta—
duais sobre as leadades partidarias na agao dos parlamentares
no Congresso e o enfraquecimento do presidente, sobretudo di—
ante dos governadores: eis aqui as fontes do poder dos governa-
dores de estado no plano nacional durante a redemocratizagao.
Para Oliveiros Ferreira, esse poder dos governadores colocou
em xeque a relagao entre o sistema politico—institucional brasi-
leiro e a Federagao. Diz ele:
“O grande problema institucional é [...] a incompatibilida—
de entre a Federaqao e 0 sistema politico-eleitoral, na medida
em que esse faz do presidente da Repfiblica prisioneiro dos
privatismos representados pelos governadores de Estados, que
influem (aj udando ou negando auxilio) poderosamente na elei-
9510 de deputados federais, quando nao de senadores. Em ou-
tras palavras [...] o chefe de Estado nao pode desenvolver uma
politica de governo na medida em que se deve conformar as
flutuagoes de humor dos governadores que controlam as ban-
cadas mais numerosas e que se unem em fungao de interes-
ses locais, e nunca [...] em funoao de politicas partidarias ou
nacionais de governo” (Ferreira, 1994).
43*?“
O federalismo estadualista e o veto dos barées | I87

.
Conclui-se, pela analise empreendida por Olivoiros Ferreira,
que os governadores atuavam nacionalmonte segundo interes-
ses locais durante a redemocratizagao. Esse tipo de atuagao foi
exponenciado pelo tipo de federalismo que vigorou no Brasil, 0
federalismo estadualista, que, ademais, ganhou contornos pre-
datérios.

0 contexto do federalismo estadualista

A formagao do federalismo estadualista fortaleceu os estados e


sens comandantes, os governadores, em detrimento da Uniao e
do presidente. Essa constatagao, desenvolvida isoladamente, po-
doria levar a uma conclusao precipitada, qual seja, 0S governa-
dores ditavam as regras da politica nacional, governando 0 pais.
Contudo, havia outra caracteristica fundamental do federalismo
estadualista: na maior parte do tempo, os estados so constituiam
como unidades adversarias cujos objetivos so restringiam a au-
todefesa. O principal interesse comum que os unia era a defesa
da ordem federativa vigente, a qual benefeciava, quanto a recur-
sos, distribuigao de competéncias e poder politico, as unidades
estaduais.
Em determinados momentos, no entanto, alguns estados for—
mavam alianoas pontuais, quase sempre na busca do mais re-
cursos da Uniao ou mosmo disputando recursos com outros es—
tados. Sobretudo os estados do Nordeste agiam dessa maneira,
as vezes so aliando para pedir benesses ao Governo Federal, as
vezes so aliando contra os estados do Sudeste. A regra geral do
federalismo estadualista, todavia, era a auséncia do uma arti—
culagao estadual para conquistar de fato o poder nacional. Nao
havia uma alianqa no estilo do pacto do café—com-leite, tal como
havia no Primeira Repfiblica. Depois do terem consolidado ins-
titucionalmento o foderalismo estadualista, os estados, coman-
dados polos governadores, agiram muito mais para evitar a cria-
9510 do um bloco hegeménico do que no intuito de construir outro.
Para alguns autoros, a auséncia do uma hegemonia estabole-
cida pelos govornadoros no plano nacional foi um sinal da fra—
queza (vor analise do Selcher, 1990). Na verdade, os governado-
res oram fortes no plano nacional nao no sentido do construir
uma “ostratégia comum o viavel para Brasilia”, mas para man-
tor a ostrutura do distrilm iv: a; ('1' :w‘ursos favoravel aos estados,
I88 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

e ainda barganhar para seu estado parcela maior de recursos


da Uniéio. Como ao longo da redemocratizaoao o Governo Fede—
ral teve dificuldades para obter apoio politico no Congresso, ele
procurava o apoio dos governadores e em troca oferecia verbas e
cargos, agravando por urn lado sua crise financeira, e por outro,
dividindo mais 0 governo e perdendo 0 comando sobre ele. As-
sim, a estratégia individual de cada governador era aumentar
seu poder de barganha e influéncia no Poder Central, podendo
até estabelecer aliangas pontuais com outros estados na busca
de um objetivo imediato comum; no entanto, dificilmente 03 go-
vernadores buscaram formar uma alianga ampla para governar
o pais, pois prevalecia a conduta individualista, imediatista e
nao-cooperativa.
Algumas razoes explicam esse comportamento nae—coope—
rativo e individualista dos estados. A primeira é o aumento da
multipolaridade dentro da Federagao, que se manifesta de duas
maneiras. De um lado, a partir do II PND, houve uma descon-
centragao regional dos investimentos econémicos e assim os es-
tados mais ricos perderam a posigao privilegiada de pressao que
tinham, enquanto outros estados se fortaleceram economica—
mente, significando o aumento do seu poder de barganha. O
caso baiano é paradigmatico nesse sentido. Beneficiado pelos
investimentos do II PND, como também pelos gastos do Exe—
cutivo Federal nos governos Figueiredo, Sarney e Collor, a Bahia
se tornou o mais importante dos estados médios, exercendo for—
te lideranga economica e politica no Nordestele.
A multipolaridade da Federagao derivou também do aumen—
to do poder de barganha dos estados menores no Congresso Na-
cional, fruto das mudangas institucionais iniciadas em 1974 e
terminadas na Constituigao de 1988, que sobre-representaram

“3 No caso baiano, a habilidade politica de son principal lider esta-


dual, Antonio Carlos Magalhaes, teve decisiva influéncia no au—
mento do poder do estado dentro da Federagao. Habilidade expres-
sada de trés Inaneiras: na manutenoao da influéncia politica em
sucessivos governos no plano federal, obtendo assim recursos para
seu estado; na conquista da lideranoa de sua regiao, o Nordeste,
exercendo hoje uma incosteste influéncia sobre a maioria desses
ostados; 0 na obtengao do comando do PFL, um dos maiores parti-
dos do pais.
O federalismo esmdualista e O veto dos barées | |89

OS estadOS daS regiOeS maiS atrasadaS e criaram nOVOS estadOS.


Foram criadOS, deSde 1974, cinco nOVOS estadOS, que juntOS hOje
tém quarenta deputadOS, O que equivale a OitO por centO da Cz’i—
mara Federal, tamanhO de uma bancada média. QuantO a ques-
tao da SObre—representagao, ela favorece sobretudO aOS estadOS
dO Norte, maS também em menor medida aOS estadOS dO Cen—
trO—Oeste (3 OS estadOS menores dO Nordeste.
EssaS duaS medidas fornecerarn aOS atoreS federatiVOS econo-
micamente maiS fracOS um pOder maior de barganha, compen-
sandO, de certa maneira, sua fraqueza econémica. EntretantO, a
multiplicagéio de estados e/ou a SObre—representagao criaram uma
Federagao multipOlar alicergada em pressupostos frageis, visto
que esteS estadOS —— especialmente OS ex—TerritériOS — depen—
dem muitO dos recurSOS financeirOS da UniaO. O pOder politico
desproporcional que esses estadOS possuem n0 CongreSSO Na—
cional nae tern servido para Obter a autonomia financeira, mas
Sim para garantir O apOiO econémico dO Governo Federal, dandO
em troca OS votOS de seus parlamentares. Dessa forma, esseS
estadOS tornam-se artificiaiS, ja que naO preenchem OS critériOS
que definem a autonomia de um ente federativo, no sentido do
federalismO republicano”.
OutrO fator que explica a conduta naO—cooperativa dos esta-
dOS é a tradicional ambigao de varios governadores de chegar a
Presidéncia da Repfiblica. Dessa maneira, OS governadores se
enxergam comO inimigOS em potencial e portantO evitam for-
mar aliangas que possam favorecer outrO governador. Tal Situa-
a dificultou O estabelecimento de um jogO cooperatiVO entre OS
estadOS nO periOdO analisado. Contribuiu ainda mais para 0 de—
senVOlvimentO d0 comportamento nae—cooperativo dos estadOS

‘7 Um exemplo que mostra bem quanto a existéncia desses estados


tem um carater artificial SO encontra em Roraima, onde tOdOS OS
seus OitO deputados federais eleitOS para a legislatura de 1991 a
1994 n50 nasceram nO estado, sendO que grande part0 desseS de-
putadOS foram para Roraima porque la seria preciSO um nfimerO
muito pequenO de votes para conquistar uma cadeira na Camara
Federal. O candidato que chegou em primeirO lugar na disputa para
a (lamara, Teresa Juca, Obteve cerca de 11.000 votOS, enquanto O
deputadO que conquistou a L’lltima vaga, JOaO Fagundes, Ohteve ape—
naS 1.395 votOS (Jamal (fa " ‘arde, 1/4/19915‘3).
I90 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

a inexisténcia de um forum institucional para a resolucao das


questoes federativas. A instituicao que deveria cumprir essa fun—
9510 é o Senado, mas suas funcées federativas sao mal delimita-
das. Além disso, a Constituicao deu a0 Senado um papel (19 Ga-
mara revisora para todos os assuntos tratados no Congresso
Nacional, o que sobrecarregou sua pauta e tornou extremamen-
te indefinida sua missao institucional. Assim, foi inviabilizada
a transformacao do Senado em um forum institucional para a
resolucao dos conflitos federativos.
O finico f6rum institucional voltado especificamente para o
tema federativo é 0 Confaz (Conselho de Politica Fazendaria).
Nele s50 decididas as politicas de beneficios fiscais a0 ICMS,
principal imposto estadual. O processo decisério do Confaz, no
entanto, acentua a conduta individualista dos estados, porque
qualquer concessao de beneficio fiscal depends da aprovacao da
unanimidade dos estados, equiparando o poder de barganha,
por exemplo, do Sao Paulo corn Alagoas, da Bahia com Roraima.
A formacao de aliancas duradouras entre os estados torna—se
entao mais dificil de acontecer, pois cada estado, a todo pedido
de concessao de beneficio fiscal, procura barganhar a0 maximo
seu voto. As regras do Confaz, portanto, incentivam mais a
ameaca 011 0 proprio exercicio do veto do que a cooperacaola.
A {mica forma de agregagao dos estados entre si tern sido o
discurso regional, mas mesmo assim somente nas Regioes Nor—
te e, sobretudo, Nordeste. Como aponta Roberto Cavalcanti:
“A identidade das macrorregioes brasileiras é grandemen-
te relativa. Para 0 Sudeste, sequer esta em uso a expressao
‘sudestino’: sous habitantes sentem-se mais paulistas, minei—
ms 9 capixabas — e, no caso do Rio de J aneiro, ainda prevale-
ce, sonsivel, a diferenciacao entre cariocas e fluminenses. No
Sul, o “cstadualismo” também so impoe sobre o regionalismo:
gadchos, catarinenses e paranaenses sac representacoes men-
tais mais marcantes d0 que a, um tanto equivoca, sulista. E 0
mosmo ocorrc com o Centro-Oeste, onde, alias, a importancia
das mi gracocs recentes dissolve o impeto localista do sua po-

'“ Mas new so a concessao de beneficios fiscais tam um quérum deli-


berativo alto; a rcvogacflo de ‘beneficios fiscals concedidos depends
da aprovacao de quatro quintos (oitenta por ccnto dos estados) (cf.
Bordin & La’lgomann, 1993:13).
O federalismo estadualista e o veto dos baroes | |9l

pulagao mais antiga. Somente no Norte e no Nordeste per—


siste urn forte sentimento de regiao. No Norte, a floresta e 08
rios corno que ainda comandam a Vida. E no Nordeste, a defe-
sa da terra com o préprio sangue e a civilizagao do agucar, no
litoral, e a solidariedade diante das secas, no interior, forja-
ram, desde cedo, um forte sentimento regional, mais acen-
tuado [...]” (apud Veras, 1993:39).
Portanto, apenas nas Regifies Norte e Nordeste existe um
sentimento regional acentuado, enquanto nas outras Regioes a
atuagao dos estados obedecem ao que chamo de estadualismo,
inexistindo uma uniéo “natural” entre eles, que facilitaria, em
tese, a formagao de aliangas e 0 estabelecimento de um jogo mais
cooperativo. Porém, a forga do regionalismo na Regiao Norte
tern de ser bem matizada. Iss0 porque o regionalismo para se
desenvolver politicamente necessita de fortes liderangas poli-
ticas, que sao formadas no decorrer da histéria politica da Re—
giao. O Norte nao possui grandes liderangas politicas que con-
greguem os interesses do varios estados, até porque sua histo—
ria politica é muito recente — até pouco tempo a maioria dos
estados era Territorio. '
O Nordeste, por sua vez, tem toda uma tradigao de histéria
politica, a qual sedimentou uma identidade para a Regiao, que
fornece elementos ideologicos para o regionalismo desenvolverfi
se. A identidade da Regiao Nordeste se constréi pela simbolo-
gia do mito da necessidade, tal como descreve Ina Elias de Cas-
tro:
“A imagem que a elite politica projeta nacionalmente da
regiao é a da caréncia: de recursos, de investimentos e de
atengao do poder central. As propostas decorrentes sao dire—
cionadas para solugoes imediatistas, mediante recursos p11—
blicos” (Castro, 1992:190).
Os governadores nordestinos, portanto, conseguem se articu-
lar através desse tipo de discurso e prética, mormente porque ha
realmente um grande desequlibrio regional no pais. Apesar de
ser urn grande problema nacional, a questao dos desequilibrios
regionais nao encontra uma arena federativa adequada para ser
resolvida, exatamente porque o Senado nao se constitui como fo-
rum institucional do resolugao dos problemas federativos. Além
de nao existir uma arena adequada para resolver o problema fe—
derativo, a logica estadualista se torna obstaculo para estabele—
I92 | O federalismo estadualista e o veto dos baroes

cer um minimo do a:onsenso entre os estados para definir a for—


ma, 0 contefido e o locus da redistribuigao de recursos a fim do
atacar as desigualdades regionais. Nesse jogo nao cooperativo, as
bancadas dos estados nordestinos, como normalmente se articu-
lam melhor entre si do que os parlamentares de outras Regioes,
procuram garantir recursos do Governo Federal, seja mediante a
criagao de mecanismos institucionais de repasse de recursos, seja
mediante barganha politica, isto é, em troca de apoio no Congres—
so Nacional se obtém verbas dos cofres da Uniao.
O fato é que, mesmo com a introdugao de normas constitu-
cionais regulamentando a redistribuigao de recursos regionais,
os estados do N ordeste mantém ainda a forma de negociagao ad
hoc com a Uniao para obter recursos, dando em troca apoio po-
litico, porém se responsabilizando muito pouco sobre a destina-
qao dos recursos‘g. Uma forma por exceléncia de obtengao poli—
tica de recursos e que envolvia sobretudo acordos feitos pela
Uniao para angariar apoio no Congresso, foi o das transferen—
cias negociadas. Em 1992, por exemplo, os dois estados que mais
receberam transferéncias negociadas foram, em ordem decres-
cente, Bahia e Pernambuco, que juntos captaram cerca de vinte
por cento do total dessas transferéncias (Roarelli, 19942164). A
redistribuioao de recursos inter—regionais, que deveria ser feita
numa arena pfiblica onde todos os estados decidem como e para
quem Vao os recursos, era definida nos gabinetes do Executivo
Federal, levando em conta somente as necessidades dos gover-
nos de plantao nos ambitos federal e estadual.
Para resolver a questao dos desequilibrios regionais seria

‘9 Alguns bons exemplos comprovando que a Uniao nao sabe a0 certo


qual o destino dos recursos distribuidos a0 Nordeste sao dados pela
matéria “DNOCS: contas secas”, do jornalista José Casado (Gazeta
Mercantil, 26/11/93). Dois exmplos citados na matéria ja mostram
o doscalabro da “indfistria da seca”: em primeiro lugar, US$433
milhoes do Orgamento Federal para o ano de 1993 foram destina-
dos a 62 projetos de obras contra a seca absolutamente desconhe—
cidos. O orgao encarregado de fornecer o dinheiro, o Dnocs, nao
dispunha da mais remota informagao técnica ou analise custo/
beneficio desses projotos. O segundo exemplo refere-se a0 desvio do
vorbas federais contra a seca no valor de US$12,7 milhoes que f0-
ram parar na cidade do Cabo, no litoral sul pernambucano, bem
longe da caatinga.
O federalismo estadualista e o veto dos barées | I93

necessario criar um verdadeiro contrato federativo. O pressu-


posto para se chegar a isso, contudo, é a criagao de um pacto
nacional, o qual teve no federalismo estadualista um dos seus
maiores inimigos.
Em suma, a relagao entre os estados dentro do federalismo
estadualista obedeceu a um padrao né‘io cooperativo de relacio—
namento, ou aquilo que Sérgio Abranches denomina de légica
do facgao (Abranches, 1989). Essa logica impediu acordos mais
amplos, como 0 necessario para criar um modelo racional de
redistribuigao de recursos inter-regionais. E esse tipo de fede-
ralismo que explica em grands medida por que os governadores
(ou parte deles), apesar de fortes, n50 conseguiram estabelecer
um pacto hegeménico, capaz de criar uma alianga governativa
em torno deles. A guerra fiscal é 0 exemplo mais acabado desse
tipo de relacionamento entre os estados.
Cinco fatores levaram a0 recrudescimonto da guerra fiscal
apos a Constituigao de 1988. Em primeiro lugar, as auséncias
de uma politica industrial nacional e de politicas regionais de
desenvolvimento tornaram 0s estados praticamente os finicos
responsaveis pela atragao e manutengao do capital em seus ter-
ritorios —— exatamente num novo memento capitalista em que
as empresas ganharam maior mobilidade fisica. Em segundo
lugar, os governos estaduais obtiveram gigantesca autonomia
em suas politicas tributarias, somente comparavel a situagao
dos estados americanos. Em terceiro lugar, a disputa entre os
estados por investimentos ficou mais acirrada graoas as altera-
goes efetuadas pelo II PND, especialmente na area do infra—es-
trutura, beneficiando um conjunto consideravel de estados que
antes nao conseguiam competir em igualdade do condigoes com
as unidades estaduais mais ricas. A partir da montagem de con-
digfies minimas, esses estados periféricos poderiam agora com—
petir pela atragao de novos recursos do setor privado. Além dis-
so, 0 II PND também modificou a posigao relativa dos estados
mais ricos, aumentando a disputa entre eles e, o mais impor-
tante, retirando Séio Paulo da comfortavel posigao ocupada ante—
riormente. Ainda, a recessao iniciada no governo Collor acelo-
rou a luta selvagem por investimentos que garantissom alguma
recuperaqao de receita e a criaqao do empregos substitutos aos
oliminados pelos efoitos 1150 so da recessao mas igualmente da
abertura comorcial. E, por fun, a falta do um verdadeiro forum
I94 I O federalismo estadualista e o veto dos baroes

institucional capaz de controlar essa guerra, uma vez que 0 Con—


faz nunca conseguiu realizar tal papel.
Foi a partir de enté'io que a chamada guerra fiscal teve seu
grande impulso. Nas condicoes extremamente desfavoraveis em
que se encontravam, e com a impossibilidade financeira da Uniao
em ajuda—105, so restavam aos estados duas alternativas: se alia—
rem para realizarem programas conjuntos de gastos e atracao
de investimentos (opcao cooperativa), ou cada um procurar por
si so armar uma estratégia para conquistar novas empresas ao
parque produtivo do estado (opcao pela competicao nae—coopera-
tiva). A segunda alternativa foi a escolhida, exatamente porque
o federalismo estadualista incentivava a adocao de comporta-
mentos individualistas e nao-cooperativos por parte dos esta—
dos.
A guerra fiscal tornou os estados “miopes”. Recentes estudos
do Ipea concluiram que, em primeiro lugar, os governos esta—
duais nao aumentaram suas receitas com a politica de atracao
de novas empresas; a0 contrario, a rejeicao a politicas fiscais
ativas somente tern contribuido para que os estados nao consi—
gam dar conta de suas novas despesas e encargos com pessoal,
ambos elevados apos a Constituicao de 1988 (Piancastelli & Pe-
robelli, 1996229). Além disso, a perversa dinamica da guerra fis-
cal leva todos os estados a oferecer um conjunto semelhante de
beneficios as empresas. O resultado da generalizacao dessa po—
litica é que as isencoes perdem seu poder de estimulo, e tornam-
se mera renfincia de arrecadacao (Varsano, 1997:12).
Para piorar ainda mais, a generalizacao das isencoes faz as
empresas direcionarem os seus investimentos para os lugares
em que ha melhor infra-estrutura e recursos humanos mais pre—
parados. Em outras palavras, os capitais vao para os estados
mais desenvolvidos, e assim a guerra fiscal ajuda a ampliar a
desigualdade regional presente no Pais (Varsano, 1997:12).
E, por fim, a guerra fiscal traz prejuizos a toda nacao, pois 0s
custos deste jogo sao repassados para a Uniao, que deve cobrir
os rombos dos caixas estaduais causados pelo aumento conti-
nuo de remincia fiscal, ou mesmo financiar diversas politicas
sociais, ja que com a perda da arrecadacao os estados ficam com
menos recursos para investir em tais politicas. Em conseqijén-
cia, pode haver a elevacao do deficit do Governo Federal, que
nao consegue pagar mais esta “conta”, e entao todos os governos
O federalismo estadualista e to veto dos barées | I95

estaduais saem perdendo, em funeao dos efeitos macroeconémi—


cos perversos decorrentes do crescimento desmesurado dos gas-
tos da Uniao — inflagao e aumento das taxas de juros sao dois
deste efeitos perversos. Essa situagao perversa é mantida pelo
seguinte paradoxo: mesmo que apenas um dos estados utilize os
mecanismos da guerra fiscal, os demais terao que fazé—lo para
evitar prejuizos individuais. A nao-cooperagao entre os estados
transformava-se em “prima-irma” do comportamento predato-
rio, maléfico a todos, mas do qual nao se consegue sair (Abrucio,
1996:61).
Na relagao entre os estados e a Uniao a relagao de competi-
gao néio cooperativa também imperou. 0 obj etivo dos estados no
embate com o Governo Federal era manter a distribuioao de
recursos e poder vigentes na estrutura federativa.
A tentativa do Governo Federal 0m descentralizar os encargos
comegou com a chamada “operaeao desmonte”, idealizada pelo
governo Samey, logo apés a promulgaeao da Constituigao de 1988.
O Governo Federal pretendia descentralizar indiscriminadamen-
te seus encargos aos estados, o que, no entanto, nao conseguiu
fazer. Na verdade, iniciava-se ali um arduo p'rocesso que 08 go—
vernos Sarney, Collor e Itamar vivenciaram. As negociagées das
varias descentralizaooes setoriais ocorreram em um terreno em
que o podor de barganha dos governadores era grande, nao so no
sentido de evitar a descentralizagao de determinadas politicas,
mas sobretudo de retardar o processo, e economizando assim re-
cursos pdblicos estaduais as custas do Tesouro Nacional.
Mesmo assim, os estados e municipios ampliaram sua atua—
950 nas politicas pfiblicas, num processo intitulado por José
Serra & José Roberto Afonso do “operagao desmanche”, ou seja,
as unidades subnacionais, em virtude do aumento de seus re-
cursos no pos-88 e da faléncia da maquina pdblica federal, as-
sumiram mais encargos governamentais (Serra & Afonso, 1993:
41).
A descentralizagéio foi feita no pior dos mundos: sem a coor-
denagao do Governo Federal, que nao conseguiu ter poder poli-
tico para realizar tal tarefa, 0 com os estados retardando o pro~
cesso, so 0 realizando de fato dada a necessidade de se cobrir o
vazio deixado pela Uniao. Neste sentido, o federalismo estadua-
lista transformou a descentralizaeao num processo por muitas
vezes irracional e criador de novas desigualdades, ja que nao
I96 | O federalismo estadualista e o veto dos baroes

houve um planej amento capaz de levar em conta a heterogenei—


dade regional do Pais do ponto do vista socioeconémico.
O interessante aqui é entender como os estados se tornaram
obstaculos a descentralizacao. O estado é o ente federativo com
o papel menos definido no que tange a distribuicao de compe—
téncias‘zo, Como ja mostrei no capitulo anterior, o estado—mem-
bro tern apenas uma competéncia privativa material (explora-
cao dos servicos de gas canalizado) e exerce outra quase que
exclusivamente, que é a seguranca publica. Os estados partici—
pam das outras atividades governamentais, mas a maioria de—
las é vista ou como de atribuicao do municipio on da Uniao. O
proprio debate sobre a descentralizacao localiza apenas duas
variaveis no universo federativo: a da Municipalizacao, sinoni-
mo por exceléncia da doscentralizacao, e a da coordenacao geral
das politicas, a cargo da Uniéio. Para 0 estado néio ha nenhuma
delimitacao de funcao, nem em termos genéricos.
Durante o periodo ostudado, interessou ao estado manter cssa
posicao indefinida quanto a divisao do tarefas governamenta.'s.
Iss0 porque os g(,)vernos estaduais sofriam assim menos pres-
soes para assumir claramente os encargos governamentais, ca-
bendo basicamente aos municipios, particularmente de médio e
grande porte, a assuncao desses encargos. Além do mais, mui-
tos municipios queriam assumir as atividados governamentais,
sobrotudo por causa da pressao da populacao no ni’vel local so—
bre o prefeito, exigindo uma melhor prestacao do servicos da
rede publica municipal. O poder estadual tem baixa Visibilida—
de para os cidadaos, o que resulta em menor pressao sobre o
Executivo estadual no tocante a rosponsabilizacao polas politi—
cas publicas.
Os estados, em resumo, constituiram-se om obstaculos a0 pro-
cesso de descentralizacao, o que n50 quer dizer que elcs nao
tenham aumentado sua atuacao e sous gastos nas politicas pu-
blicas. O fato é que a descentralizacao das politicas ocorreu se-

2” Segundo Fernanda Almeida, “a analiso das competéncias privati-


vas de cada esfera de poder revela uma clara preponderancia do
poder federal, um certo fortalecimento do poder municipal e a per-
manéncia da situacao desconfortavel do poder estadual, cujos po-
deres remanescentes continuaram esvaziados do conteudo e do sig-
nificado pratico” (Almeida, 19912174).
O federalismo esmdualista e o veto dos barées | I97

gundo as conveniencias politicas de cada governs estadual. Esta


atemizaeao, come a Vista no case da guerra fiscal, tern reflexes
verdadeiramente predatérios para 0 conjunto da Federagao.
N0 campo financeiro, es estados também atuaram de forma
nae cooperativa com relagao a Uniae. Essa pratica nae-coopera-
tiva se manifestava de trés fermas:
a) As unidades estaduais se recusavam a participar de um
esforge conjunto com 0 Governo Federal para efetuar um ajuste
fiscal. Iss0 se ternava claro a0 constatarmos que es governado-
de
res se constituiram n0 maior obstaculo as filtimas prepostas
nadas pelos govern os Collor e Itamar .
referma tributaria propug
Os estados, na verdade, nae queriam assumir nenhuma cota de
sacrifieie para ajustar as centas pdblicas nacionais, lutando com
afince pela defesa da ordem federativa estabelecida pela Cons-
tituieao de 1988.
Mas 0s estados, além de nae auxiliarem no ajuste fiscal, pos—
0 go—
tergam 0 pagamento de suas dividas com a Uniao. Desde
obtiver am condigé es extremamen—
verne Figueiredo, 0s estados
te favoraveis para rolar suas dividas com 0 Governo Federal.
A Tabela 13 mostra a espantosa evolugao das dividas esta-
duais d0 fim do regime militar até 1995.

Tube-1a 13. A evolueae (in divida estadual (em bilhées (1e reais)
1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
Ann 1983 1984 1985 1986

Ham-.05
ll 15 13 14 14 17 If} 22 2|
Estaduais 5") 6 {3 7
Titulos
(In divitln
7 ’3 4 ‘3 5 4 4 4
nstnduul H 7 5! 8 8

Dividu
4 3 (i 4 2 1 I2 13
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3f} 33 30 3.‘3 1'3 40 44 8") 97
Total 18 18 21 27

Fonte: Banco Mundial, apud Abrucio & Coutn, 1996128.

5) As unidades subnacionais, sobretudo 0s estados, adotaram


is
medidas ecenémicas sem se preocupar com os seus passive
do Govern o Federa l. José
efeitos nas politieas macroeconémieas
Roberto Afense teca n0 ponte fulcral do problema:
I98 I O federalismo estadualista e o veto dos barées

“Na prética, os governos subnacionais nao demonstram


maiores preocupagées com a pressao inflacionéria e 05
im-
pactos setoriais (por exemplo, sobre a politica energética)
que
provocam ao administrar e aumentar os seus tributos e
tari-
fas, perque a responsabilidade, formal e factual, pela
esta-
bilizagao da economia é do Governo Federal. A despeito dos
variados cheques econémicos adotados pelas autoridades fe-
derais, em geral estes nz’io contemplam medidas que impli-
quem na efetiva participagao e divisao de responsabilidades
com os governos subnacionais [...]” (Afonso, 1994:82-3).
A politica adotada pelos estados com relagao a0 ICMS é 0
Inelhor exemplo de um instrumento econémico que nae
levou
em conta as politicas macroeconémicas implementada
s pelo
Governo Federal. José Roberto Afonso mostra isto com clareza:
“Sendo esse um imposto [ICMS] de abrangéncia tao ampla
9 com aliquota tao elevada, 0 resultado é que os Estados
tor—
naram docisivos para ditar 0s rumos d0 pouco que resta
no
pais em termos de politica industrial, agricola e desenvolvi-
mento regional. Mais uma vez, sem as atribuigées de carater
macroeconémico, os governos estaduais manejam os incenti—
vos do ICMS sem preocupagées quantos aos impactos cres-
centes e efetivos para a concorréncia no mercado interno

(Afonso, 1994:83)”.
Assim, os estados, mais uma vez, néo praticaram um jogo
cooperativo com a Uniao.
c) Muitas vezes as relagées dos estados com a Uniao assu—
miram nae 56 um padr’ao nae—cooperative come també
m urn
carater predatério. A relagao predatéria é uma apropriagao
de
recursos que possui trés caracteristicas: a relagao n50 é estabe—
lecida entre dois parceiros, mas baseada em uma competige’io
feroz por recursos; nao ha um accountability intergovernam
en-
tal, pois 0 “predador” adquire 0s recursos sem se reponsabili-
zar por uma contrapartida; e 0 “predador” obtém privilégios e
nao direitos. Em suma, a relagao predatéria é contraria
aos
principios do fedoralismo republicano, porque nega os princi—

2‘ E importante destacar que o ICMS, em 1991, respond


ia sozinho
por trinta por cento do total dos tributes nacionais, O
que revela a
importancia dosse imposto para a economia brasileira (cf.
Afonso,
1994:45).
O federalismo estadualista e o veto dos baroes | I99

pios da competigao-cooperativa, da responsabilizagao mdtua e


da logica dos direitos.
O caso dos bancos estaduais foi o maior exemplo de relagao
predatoria. Os bancos estaduais se tornaram fonte de “recur-
sos protegidos” para os governadores no federalismo estadua—
lista, sobrando para a Uniao a resolugao dos problemas finan-
ceiros dessas instituigoes financeiras. Foram constituidas 89
instituigoes financeiras estaduais no pais, sendo que, desde fe-
vereiro de 1987, sessenta delas foram submetidas ao “regime
de administragao especial” (intervengao do BC) on ao “proces-
so de liquidagao extrajudicial”. O Governo Federal, na tentati—
va de recuperar os bancos estaduais, gastou US$2,315 bilhées
de 1984 a 1994. Além disso, outros US$31,589 bilhfjes foram
usados no pagamento de credores e na cobertura de despesas
de liquidaqoes extrajudiciais (Folha de S.Paulo, 29/5/94, encar-
te especialz9).
Documento do Banco Central, produzido em 1993, fez um exa—
me das instituigoes financeiras estaduais, localizando no tempo
0 comego das dificuldades desses bancos: a eleigao de 1982. Biz
0 documento:
“O inicio da deterioragao da performance dos bancos esta-
duais [...] se identifica com a realizagao das eleigoes para os
Governos Estaduais em 1982, cujo resultado se converteu em
momento relevante para a compreensao do processo politico
contemporaneo. O grupo de governantes que chegava ao fim
de seus mandatos, na maioria integrante do entao partido
majoritario que apoiava o Governo Federal, se esforgou para
eleger seus substitutos. Para tanto utilizaram todos os ele—
mentos disponl’veis. Nesse r01 se encontravam os bancos es-
taduais. A manipulagao heterodoxa das instituigoes financei-
ras estaduais nao ficou restrita, é evidente, a esse pleito esta—
dual” (Banco Central do Brasil, 1993z9).
Depois de 1982, os governadores se fortaleceram — e muito
——- diante do Executivo Federal, pois o presidente necessitava
de base de sustentagao politica e tinha de negociar com os go-
vernadores, comandantes das bancadas estaduais no Congres-
so Nacional. Para obter apoio dos chefes dos Executivos esta—
duais, o Governo Federal distribuia varies tipos de recursos,
entre eles 0 socorro financeiro aos bancos estaduais. Dessa ma—
neira, 0 Banco Central tornou-se um financiador quase sem li-
200 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

mites dos gastos politicos dos governadores”, que, mesmo as-


sim, nao ofereciam apoio seguro a0 Executivo Federal.
O efeito principal dessa relacao predatéria era que, como apon—
tou Sérgio Werlang, “todos os bancos estaduais tém potencial
de transferéncia do déficit fiscal do Estado para a Uniao, nao de
direito mas de fato. Dessa forma, a politica macroeconomica do
Governo Federal passa a depender dos Governos Estaduais”
(apud Banco Central do Brasil, 1992:181). Em suma, a situagao
dos Bancos estaduais mostrava que os estados 1150 so so recusa-
vam a cooperar nas politicas de ajuste fiscal, como ajudavam a
aprofundar a crise financeira do Tesouro nacional.
O quadro federativo apresentado nesta secao aponta para trés
conclusoes acerca do federalismo estadualista desenvolvido a0
longo da redemocratizacao. Em primeiro lugar, o carater nao
cooperativo das relacoes dos estados entre si impossibilitava nao
apenas a hegemonia de um grupo de estados no plano politico
nacional mas também a instalacao de mecanismos de compen-
sacao financeira regional, justamente num Pais com enormes
desequill’brios econémicos entre 0s estados. Era uma situacao,
portanto, de triunfo do estadualismo puro, que tornava o nosso
federalismo antifedorativo, isto é, sem um pacto que regulasse
a conduta das Varias unidades autonomas.
Em segundo lugar, o federalismo estadualista nao estabele—
ceu um accountability intergovernamental. A0 contrario, 0 re-
lacionamento intergovernamental dos estados era meramente
defensivo, quando nao predatério, aproveitando—se da fraqueza
do Governo Federal. As solucoes para 0 ajuste fiscal, dessa ma-
neira, passavam integralmente pelos sacrificios da Uniao.
Em terceiro lugar, o federalismo estadualista foi um obsta-
culo para a formacao de um pacto politico hegemonico que cons-

” Pérsio Arida resumiu bem a situagao dos Bancos estaduais: “Penso


que a especificidade principal dos bancos estaduais resida [...] na
capacidade politica dos governadores em desafiar os controles do
Banco Central. Para um banco privado, néio cumprir os requeri-
mentos do Banco Central traz o risco da intervencao; para um ban-
co estadual, a intervencéio nao depende apenas do desempenho do
banco mas também do poder do governador e do estado como um
todo no jogo politico da federacao. Nessa medida, a licenca regula-
toria passa a constituir-se automaticamente em garantia politica
de solvéncia” (apud Banco Central do Brasil, 1992:2013).
l 20|
O federalismo estadualista e o veto dos baroes

e de—
truisse um novo tipo do Estado. A logica nao-cooperativa
estado s, por agar) dos governador es e/ou
fensiva adotada pelos
tou 0 es—
das bancadas estaduais no Congresso Nacional, dificul
as que implem entass em algurn as deci-
tabelecimento de aliane
soes vitais para reform ar o Estado brasile iro.
no
Foi nesse contexto federativo que os governadores agiram
plano nacional, no periodo de 1991 a 1994.

Os barfies e 05 vetos ao ajuste fiscal

o Executivo
Estudo aqui o embate entre os governadores e
4, partic ularm ente na questao fis—
Federal no quadriénio 1991-9
pelo Palac io do Plana lto nestes
cal. Dois presidentes passaram
de Mello, eleito em 1989, e Itamar
quatro anos: Fernando Collor
do im-
Franco, ernpossado definitivamente apés a aprovagao
i em conta as
peachment do Presidents Collor. Portanto, levare
ambos para fazer a analise.
caracteristicas dos governos do
seqao so situa no periodo Col—
A parte mais importante desta
sobre 0s
lor. Assirn sendo, é preciso fazer um pequeno historico
dos govern
primérdios de seu governo, iniciado antes da posse
nadores que analiso.
ente
O Presidente Fernando Collor de Mello foi eleito presid
imo, vencendo
da Repfiblica em 1989, cm urn pleito disputadiss
Inacio Lula da Silva, do Par—
no segundo turno 0 candidato Luiz
a prime ira eleiga o presidencial
tido dos Trabalhadoresz“. Era
se a época , como ficou patente
direta apos 29 anos. Acreditava-
l, que o presid ente teria a
no decorrer da campanha presidencia
idade neces saria para reali-
partir daquele memento a legitim
o foi re—
zar amplas reformas. Este carater messianico da eleiga
ando tanto
forgado pelo fato de 0 pleito ter sido “solteiro”, facilit
partidos
a vitéria de um outsider, como a derrota dos grandes
(PMDB e PFL), desgastados pela Nova Repfi blica
montado ex-
Assim, Collor se elegeu por um pequeno partido
um dis-
clusivamente para o pleito de 1989, o PRN, bradando
u sem o supor te politico dos
curso salvacionista. Como se elege

presidencial do 1989,
'33 Do total de votos no segundo turno da eleieao
obteve 42,75% dos
incluindo os brancos e nulos, Fernando Collor
Lula recebe u 37,86‘70, mostra ndo como a disputa
votos, enquanto
entre os dois foi acirrada.
202 | O federalismo estadualista e o veto dos baroes

grandes partidos, preferiu entao adotar 0 estilo bonapartista,


que alias fazia maisjus a sua personalidade.
Com base em dados recolhidos por Rogerio Arantes, vemos
que o novo presidente nao tinha maioria no Congresso Nacio-
nal. Na Camara Federal, havia 206 deputados pré-governo, 216
que se consideravam oposigao “cr1’tica”—— composta pelo PMDB
e PSDB —— e 64 filiados a uma oposigao “sistematica”. No Sena—
do, 27 senadores eram favoraveis a0 governo, 39 oposigfio“cr1’ti-
ca” e seis oposigéo “sistematica” (Arantes, 1997:138). Esses da-
dos nos permitem concluir, no entanto, que Collor n50 estava
em posigéo desconfortavel, pois havia boa margem do manobra
para conseguir maiorias pontuais, mediante acordos com a opo—
sigao “critica”.
Mas Fernando Collor tinha um born subterfiigio para adotar
uma politica que passasse por cima do Legislativo: o caos infla—
cionario registrado no fim do governo Sarney, que justificava a
implementagao de “medidas emergenciais”. Com esse argumen-
to, e aproveitando-se tanto de sua popularidade como também
da falta de credibilidade dos deputados em fim de mandato, Col—
lor praticamente ignorou o Congresso e fez da Medida Provi-
soria seu instrumento de governo por exceléncia. A0 longo do
ano de 1990, foram editadas 143 Medidas Provisérias (Arantes,
19972148).
Entretanto, no fim de 1990, problemas no caixa do Governo
Federal e a volta da inflaefio, causada pelo fracasso de uma es—
tratégia de estabilizagao que basicamente so contemplava 0 as-
pecto monetario do fenémeno inflacionario, fizeram o governo
enviar ao Congresso uma série de medidas tributarias emer—
genciais‘z“. Ficava claro a partir dai que 0 tipo de politica adota-
da por Collor realmente possuia uma “bala so”, isto é, se ele nao
conseguisse debelar o “tigre da inflagao”, o Congresso Nacional
voltaria a expressar sua autonomia, barganhando por maior par-
ticipagao no processo decisorio.
Foi isso que aconteceu na votagao do “pacote” tributario do
emergéncia, quando o lider do governo, Arnaldo Faria de sa

3“ O texto escrito por Maria Helena de Castro Santos, Maria das Gra-
Qas Rua, Erica Massimo Machado & Adriana Luisa Machado (1994),
forneceu a maior part0 das informagoes sobre a questao fiscal nos
governos Collor e ltamar.
| 203
O federalismo estadualista e o veto dos barées

Ricardo Fifiza (PE) e


(PRN-SP), e o lider e Vice-lider do PFL,
o Congresso a
Humbero Souto (MG), tentaram negociar com
fiscais e tributarias
aprovacao das medidas. Das oito medidas
aprovadas
enviadas ao Congresso Nacional, apenas trés foram
e do IPI sobre refrig erantes
—- elevagao da aliquota do Finsocial
do Impo sto de Rend a (Cas-
e bebidas alcoélicas, e a simplificagao
de aprov ar as medid as
tro Santos et alii, 1994:21). A dificuldade
tégia bona partis ta, pois
no Legislativo refletia o fracasso da estra
Collor e resolveu
o Congresso estava insatisfeito com o estilo
reagir‘ig‘.
a em 1990, Co-
Apos o fracasso do ajuste fiscal de emergénci
mant er a estratégia de
llor ainda tentou, bem no inicio do 1991,
ante a criacao do Fo—
governar sem o Congresso Nacional, medi
por técnic os da buro—
rum de Entendimento Nacional, composto
—elei tos governado-
cracia, empresarios, sindicalistas e 03 recém
ndim ento Nacional
res dc estado. A funcao do Forum de Ente
iacée s, superve-
seria atuar “[...] como arena prévia de negoc
l de ratific ador das
niente ao Congresso, ao qual caberia o pape
1994 :23). Essa expe—
decisocs tomadas” (Castro Santos et alii,
dado que o Congres-
riéncia estava, todavia, fadada a0 fracasso,
marc ada pela legiti-
so Nacional tinha uma nova composicao,
e feito: o experimen—
midade de eleicoes recém-realizadas. Dito
fulmi nante , e Collor
to do Entendimento Nacional teve fracasso
abandonou a estratégia bonapartista.
r uma es—
A licao do primeiro ano de governo fez Collor arma
. Em primeiro lugar,
tratégia diferente para o decorrer de 1991
aprovar seus pro-
buscaria o apoio da classe politica, para poder
lugar, em vez de ado-
jetos no Congresso Nacional. Em segundo
economicos, Collor
tar apenas medidas topicas ou megachoques
tural do Estado
tentaria aprovar um projeto de reforma estru
questoes Vinculadas
que, entre outras coisas, deveria tocar em
dois objetivos, o
a Federacao. A fim de conseguir atingir esses
co a obtencao
governo Collor escolheu como principal alvo politi
eleito s no final
do apoio dos governadores de estado que foram
de 1990.

Nacional com Execu—


2" Um dos motivos do insatisfacao do Congresso
foi o veto aplica do pelo Presi dente Collor, em agosto
Livo Federal Legislativo (cf.
pelo

E __+:+___ .___ _
de 1990, ao Projcto de Lei salar ial aprov ado
Castro Santos at alii, 1994223).
204 | O federalismo estadualista e o veto dos
barées

O poder dos governadores no quad


riénio 1991-94, portanto,
foi exercido em um contexto no qual
, por um lado, o presidente
precisava de respaldo politico dos
governadores para fazer as
reformas, mas por outro lado, as mud
angas propostas por Collor
atingiriam diretamente os estados.
A definigao dos rumos desse
processo dependeu, em grande med
ida, do carater da eleieao de
1990 e do perfil dos governadores esco
lhidos.
O pleito de 1990 envolvia a disputa
pelos governos estaduais,
pelos cargos proporcionais estadua
is e federais e pela renova-
géio de um tergo d0 Senado. Novame
nte se repetia a eleigao “ca-
sada” do governador de estado com os
deputados federais, cujo
efeito principal, como mostrei ante
riormente, é a criaeao de um
pact o de lealdade entre o chefe do Executiv
e estadual 9
0s par~
lamentares federais, para garantir
a eleigao de ambos. Se 0 can—
didate a governador eleger—se, cobr
ara apoio dos deputados fe—
derais que fizeram 0 pacto com ele.
Assim, o governador garan-
to a fidelidade de grande parcela
dos congressistas de seu esta—
do, que serao mais fiéis aos interesses do Exe
cutivo estadual do
que aos dos partidos ou mesmo aos do
Executive Federal.
O efeito estadualista da eleieéio “cas
ada” de governador com
os deputad os federais teve maior forea na
eleieao de 1990 do
que nos outros pleitos ocorridos
na redemocratizagao. Iss0 por-
que, tanto em 1982 como em 1986
, havia também importantes
questoes nacionais em jogo, O que
acabava por nacionalizar um
pouco a disputa. Na eleigéio de 1982
, por exemplo, a disputa teve
feigao plebiscitaria, causada pela
dicotomia oposigao versus re-
gime mili tar, que dava aos deputados um com
promissocom ob—
jetivos mais nacionais. O pleito de
1986, por sua vez, envolvia a
formagéo do Congresso Constitu
inte, onde seriam decididos te-
mas de abrangéncia nacional, que afet
ariam os mais variados
grupos de interesse.
Ja na eleigao de 1990, n50 estava em
questao nenhuma tarefa
nacional a ser realizada pelo Congres
so. Comentando a disputa
eleitoral em 1990, o jornalista Clovis
Rossi escreveu:
“A popularidade regional esta send
o 0 fator mais impor—
tante para definir as primeiras posi
gées nas pesquisas sobre
as eleigoes estaduais [...] do que
as tradicionais disputas es-
querda x direita ou oposigao x
apoio a0 governo Fernando
Collor de Mello” (apud Lamoun
ier, 1991:42).
Nesse contexto, a grande maioria
dos governadores foi eleita
H E"
O federalismo estadualista e 0 veto dos barées | 205

os-
com um discurso oxtromamonto vinculado aos problemas
oloito quo fez um discurs o mais
taduais. O finico governador
nacional foi 0 podotista Leonel Brizola, nas oloigfios do Estado
do Rio do J aneiro. .Os outros grandos “caciquos” rogionais com
projogao nacional quo foram oloitos —— como Antonio Carlos Ma-
galhaos o Iris Rosendo —— trataram praticamonto so dos tomas
mais candontos em sous ostados. Os governadoros ologoram-so
com um discurso do “ostadista do provincia”, para rotomar uma
motafora do Império.
E intorossanto também observar a configuragao do quadro
partidario com rolagao as govemadorias apés as oloigoos do 1990,
tal como doscrovo na Tabola 14.
Tabola 14. Govornadoros eloi‘gos por cadawpirtido on] 1990

Partidos Governadorias conquistadas Estados

PFL 9 AP, BA, MA, MT, PE, PI, RN, SC, SE


PMDB 7 AM, GO, PA, PB, PR, SP, TO
PDT 3 ES, RJ, RS
PTB 2 MS, RR
PTR 2 DF, R0
PSDB 1 CE
PBS 1 AC
PBS 1 MG
1

a
Algumas conclusoos podom sor tiradas no quo diz rospoito
safra do governadoros oloitos em 1990:
a) Em primoiro lugar, nao houvo uma grando Vitéria do do-
to—
torminado partido om ambito nacional, pois ombora o PFL
nha conquistado novo governadorias, osso rosultado tovo muito
mais a vor com a forqa do partido no Nordosto, ondo conquistou
con-
sois governos ostadu ais —— quaso sotonta por conto do total
quistado polo PFL —, do quo corn alguma articulagao partidaria
nacional. Em 1982, a disputa foi marcada nacionalmonto polo
confronto entro o PDS o o PMDB, onquanto em 1986 a vitéria
osmagadora do PMDB tovo dimensao nacionalzs;

na-
2“ A0 afirmar quo as oloigoos do 1982 o 1986 tivoram carater mais
en-
cional, nao ostou doscartando quo 0 aspecto regional foi fundam
tal nossas oloigfios - como do rosto foi om toda a transigao o rode-
is quo
mocratizagao. Aponas quoro rossaltar que os temas naciona
oloigoos atonuar am o ostadua lismo, fato quo nao
circundaram ossas
ocorrou no ploito do 1990.
206 l O federalismo estadualista e o veto dos baroes

b) As governadorias foram conquistadas por um


nfimero maior
de partidos do que mas eleiooes anteriores.
Trés partidos elege-
ram governadores de estado em 1982 (PDS
, PMDB E PDT), dois
em 1986 (PMDB e PFL) e nove em 1990
(PFL, PMDB, PDT,
PTB, PTR, PSDB, PDS, PRS e PSC). A primeira Vista
, 0 resulta-
do da eleigao reprosentou aumento da comp
etigao interelites no
Brasil; no entanto, o que aconteceu foi mais
uma desagregagao
do antigas elites que pertenciam aos partid
os tradicionais. O
caso de Hélio Garcia, ex—peemedebista, é
paradigmético, pois o
seu partido, o PRS, constituiu—se em mera legen
da para ele con-
correr a eleigao de 1990, nao chegando a dura
r mais de dois
anos. Portanto, o fato a notar é o cresc
imento do nlimero de
candidaturas do “caciques” regionais que
disputaram as elei—
goes fora dos quadros dos grandes partidos,
significando maior
atomizagao das elites regionais. Dessa mane
ira, logo no inicio
de 1991, a negociagao politica efetuada
pelo presidente Collor
teve muitas vezes que passar por “gove
rnadores-partido”, au—
mentando ainda mais o cacife desses gove
rnadores;
c) Nos trés estados mais importantes do
Sudeste — o “trian-
gulo das bermudas”, como os chamava Uliss
es Guimaraes -—,
venceram candidatos a governador de trés
partidos diferentes:
em 8510 Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho
do PMDB; em Minas
Gerais, Hélio Garcia do PBS; 9 no Rio de
Janeiro, Leonel Brizo-
la do PDT. Essa situagao dificultava o estabeleci
mento do alian—
ga mais solida entre estes estados ou, espe
cialmente, do presi—
dente com eles. Fenomeno somelhante ocorr
eu no Sul, onde em
cada um dos trés estados houve vencedor
de partido diferente:
no Rio Grande do Sul, Alceu Collares do
PDT; em Santa Cata—
rina, Vilson Kleinubing do PFL; e no Para
na, Roberto Requiao
do PMDB.
Nas Regioes Norte e Centro-Oesto, tamb
ém houve grande
disperséio partidaria, destacando-se como lidera
ngas que extra-
polavam os limites de seus estados os gove
rnadores de Goias,
Iris Resende, e do Para, Jader Barbalho.
No Nordeste, contudo,
a vitoria do PFL em seis dos nove estad
os (quase setenta por
cento do total) facilitou a alianga entre estad
os que historica-
mente ja se unem por meio de um discurso
comum, como mos-
trei anteriormonte.
0!) Na disputa do governo estadual, Collor
apoiou Varios can—
didatos que foram derrotados, entre eles
Joao Castelo no Mara—
O federalismo estadualista e o veto dos barées | 207

nhao, Hélio Costa em Minas Gerais o José Ignacio no Espirito


Santo. Além disso, em nenhum dos estados do Sudeste o vence-
dor era ligado a Collor. Em resumo, 0 presidente Fernando Col—
lor colheu varias derrotas e plantou poucas —— e insignificantes
—— vitorias. O significado desse fato é que os resultados das elei—
cées de 1990 nao trouxeram aliados para o Governo Federal;
e) Finalmente, o inicio do quadriénio 1991—94 foi marcado por
forte recessao econémica. Com isso, os estados, sobretudo os mais
ricos que dependem muito d0 ICMS, diminuiram sua arrecada-
cao tributaria. Essa situacao tornou a postura dos estados mais
de
defensiva diante de qualquer participacao — leia-se: perda
recursos — no ajuste fiscal da Uniao.
Portanto, o resultado da eleicao de 1990 teve dois legados
principais: primeiro o estabelecimento de uma situacao em que
praticamente inexistiam lacos politicos ligando os governado-
res entre si, a nao ser no case do Nordeste; segundo, Collor nao
conquistou importantes aliados entre os governadores eleitos
em 1990, o que conformou uma situacao de grande independen—
cia dos novos governadores perante o presidente. Ademais, a
recessao economica reforcou o carater defensive dos estados na
relacées com a Uniao, como também gerou uma guerra fiscal
entre as unidades estaduais, que agravou o contencioso federa~
tivo. Foi nesse contexto politico desfavoravel que o presidente
Collor tentou obter apoio dos governadores em 1991.
As primeiras negociacoes com os governadores, ainda que de
maneira informal, aconteceram ja n0 lancamento do chamado
Projetéo, lancado em marco de 1991, quando a equipe economi—
ca ainda era composta pela dupla Zélia—Kandir. Com a mudan—
ca da equipe economica, em maio de 1991, Marcilio Marques
Moreira assumiu o posto de ministro da Fazenda, dando maior
flexibilidade politica ao governo. 0 move ministro da Fazenda
propés 0 Emendao, composto por uma série de emendas consti-
tucionais relacionadas, basicamente, as reformas fiscal e tri-
butaria.
A aprovacao do Emendao teria de necessariamente passar
pelo Congresso Nacional. Para tanto, 0 presidente optou por ter
os governadores como principais interlocutores, em razao do
poder deles sobre as bancadas no Congresso Nacional, e porquc
varias das propostas continham mudancas na estrutura federa—
tiva. 0 Executive Federal queria que os governadores assumis-
208 | O federalismo estadualisca e o veto dos barées

sem uma carta de inteneoes, como a


feita com o FMI, porém,
como bem observava o semanario Cart
a Politico, so que neste
caso o Governo Federal era réfem dos
governadores (Carta Po-
litico, 14/20 de outubro de 1991).
Em agosto de 1991, o presidente Collo
r entregou aos gover—
nadores o “Memorando de Entendim
ento”, 0 qual conclamava
os chefes dos Executivos estaduais
a aprovar Varias medidas
econémicas de cunho estrutural, a fim
de evitar a imposioao de
novo “choque” para conter a inflagao.
Além do aumento dos im—
postos, havia uma medida que ating
ia aos governos subnacio—
nais, que era a rolagem de divida dos estad
os, feita com recu r-
sos provenientes de oitenta por cent
o dos Fundos Constitucio-
nais do Nordeste, Norto e Centro—O
este, de parte do Fundo de
Amparo a0 Trabalhador (FAT), na arrec
adagao do PIS/Pasep, e
da redugao de cinco por cento da quota
—parte do ICMS dos mu-
nicipios (cf. Castro Santos et alii, 1994
:31).
A prOposta de rolagem da divida dos esta
dos continha grav e
erro de estratégia, pois propunha mex
er em recursos dos muni—
cipios e dos Fundos Constitucionais regio
nais, fundamentais para
os governadores do PFL e para parte
dos vinculados a0 PMDB,
os dois partidos de maior bancada
no Congresso Nacional. Se-
riam atingidos com essas medidas
oito dos nove governadores
do PFL e cinco dos sete governadores
do PMDB. A partir dai, o
projeto se inviabilizou, e os governad
ores barraram a aprovagao
das medidas de varias formas, seja por
meio de suas bancadas,
seja prOpondo a0 Executivo Federal
a formagao de um governo
de coalizao, o que, na verdade, era uma man
eira de tumultuar 0
processo decisério. Posteriormente, em
outubro de 1991, 0 Emen-
dao afundou junto com o fracasso da
primeira gran'de negocia—
950 do governo Collor com os governadores
. Era o primeiro de
uma série de vetos dos baroes.
Esse episédio mostra como era problema
tico negociar com os
governadores, em razao da diversida
de de interesses envolvi-
dos, como também em virtude do grau
de multipolarizagao da
Federagao. Se a aprovaeao da rolagem
da divida dos estad os
beneficiava basicamente a SE10 Paul
o, Minas Gerais, Rio de Ja-
neiro e Rio Grande do Sul, a retirada
de recursos dos munici-
pios e sobretudo dos Fundos Constitu
cionais regionais afetava
ao restante das unidades estaduais.
O que se instalou, portan-
to, foi um jogo do vetos entre esses
estados, resultando numa
O federalismo estadualista e o veto dos barées | 209

e, ca—
nae-decisae. A0 Geverne Federal, para resolver tal impass
, sem
bia criar uma formula que agradasse a ambos es grupes
a gesté‘io
prejudicar a Uniae. Esse desafie permanecera em toda
de Celler e na de Itamar.
uma
Ne fim de 1991, 0 Executive Federal procuraria mais
iar
vez es governadores de estade, desta vez para tentar negoc
o geverne
uma referma tributaria de emergéncia. Isse perque
Na-
Cellor nae tinha uma base partidaria solida no Congresse
es Eco—
cion al. Pesquisa realizada pelo Idesp (Institute de Estud
Paulo ) entre setem bro e no-
némicos, Seciais e Peliticos de 850
ente a péssim a situac ae do
vembre de 1991 mostrava claram
s
Presidente Fernando Collor de Mello diante dos parlamentare
federais, ceme mestra a Tabela 15.

Tabslfl 15-as:lia¢é9s9_<lesemp£§139do gonna Cellorflporcentasere?PTB PT Outres”


Total PMDB PFL PDT PDS PRN PSDB
Avaliacae
1 — - 10 — — - —
etimo 38 — 14 - 3
4

-
3

-
Bom 5 - 3
66 1] 68 48 21 36 3 46
Regular 35 17
18 43 25 5 45 39 23 33
Ruim 34 51
30 10 40 4 - 33 11 73 16
Pessime 24
3 - — - - - 1
Outras respestes 1 -
- 3 - - — - -
Sem epiniae 1 1
avalia e desempenhe do geverne
* Texte da pergunta: “De maneira geral, come 0 sr.(a)
Celler nesse 21110 e meie de mandate?”
# lnclui parlamentares sem partides.
Fonte: Lameunier & Seuza, 1991215.

Fernando
Esses dades mestram a fraqueza do Presidente
am. Dezei te per
Celler inclusive junte aes particles que o apeiav
Ne PMDB ,
cento dos pefelistas consideravam seu geverne ruim.
parlam cntare s
maier partide do Congresse Nacienal, 51% dos
trinta
censideravam ruim e desempenhe do governe Celler e
per cente o avaliavam come péssime.
a
Diante desse quadre e da necessidade de aprovar a referm
itava que
tributaria de emergéncia em fins de 1991, Celler acred
grand e peder
semente e apeio dos gevernaderes —- que tinham
a apro-
de influéncia sebre es parlamentares —— pederia viabilizar
a épeca que
vacae do prejete do Executive Federal. Calculava-se
e (cf. Car-
es gevernaderes pederiam trazer 150 votes a0 gevern
ta Politico, 14/20 de eutubre de 1991).
m da
A prova de foge seria novamente a negociacao da relage
sava aes estado s
divida dos estades. Naquele memento, interes
2|0 | O federalismo estadualista e o veto dos baroes

assinar um acordo de rolagem porque eles estavam impedidos


de pedir empréstimos ou aval ao Governo Federal. Como no pro-
ximo ano ocorreriam as eleigoes municipais, fundamentais no
jogo do poder estadual, os governadores precisariam de “dinhei—
ro novo”, visto que a situagao dos Tesouros estaduais era pessi-
ma. Para a Uniao, 0 acordo sobre a rolagem da divida dos esta-
dos e municipios traria dois beneficios: um, a entrada no caixa
do Governo Federal de recursos anuais da ordem de quatro bi—
lhées de délares — 0 dobro do que estava recebendo anterior-
mente; 0 outro era a troca da aprovagao da rolagem da divida
pela aprovagéo do “pacote” fiscal elaborado pelo governo, a par-
tir do qual o Executivo Federal esperava obter em torno de doze
bilhées de dolares, quantia essencial para acertar as contas p11—
blicas nacionais e para viabilizar o acordo com 0 FMI.
Na votagao da rolagem da diVida dos estados e municipios, os
governadores mobilizaram suas bancadas de forma impressio-
nante, aprovando o projeto em apenas 48 horas. Os governado-
res dos Estados de Sao Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio
Grande do Sul e Bahia acompanharam de perto o processo. O
governador Alceu Collares, do Rio Grande do Sul, chegou a de—
mitir por um dia (sic) o secretario da agricultura Aldo Pinto
(PDT) para que ele reassumisse como deputado federal e votas—
se no Congresso Nacional, ja que seu suplente na Camara, Jor-
ge Uequed (PSDB), era contra o projeto. O governador Alceu
Collares teria dito a Aldo Pinto: “Aldo, vai e retorna quando tu
quiseres” (Veja, 25/12/91:17).
O projeto refinanciava a divida dos estados por um periodo
de Vinte 31105, e em troca o Governo Federal ganharia 9,7 bi—
lhoes de dolares com a aprovaeéio do ajuste fiscal. O deputado
federal César Maia comentou sobre esse acordo: “Este é um pro-
j eto de pacificagao nacional, destinado a normalizar as relagoes
na Federagao” (Gazeta Mercantil, 12/12/91).
Contudo, apos a aprovagao da rolagem da divida dos estados
e municipios, os governadores nao cumpriram sua parte no acor-
do. 0 Executivo Federal n30 conseguiu aprovar a criagao de
impostos novos, a aliquota de 35% para o Imposto de Renda
para Pessoa Fisica (PL 11.0 2.159/91), o estabelecimento da facul-
dade de transaeao para dividas referentes a impostos e contri—
buigoes (PL 11." 2.157/ 91) e nem 0 aumento da aliquota do ITR
(PL 11." 2155/91) (Cf. Castro Santos et olii, 1994:37). Mesmo o
O federalismo estadualista e o veto dos baroes | 2| I

acordo aprovado de rolagem da divida dava aos estados e muni-


cipios 120 dias para assinar o contrato de refinanciamento, pos—
sibilitando as unidades subnacionais receber novamente empres-
timos do Governo Federal sem ter ainda assinado a rolagem da
divida. O resultado foi que apenas dois estados, Santa Catarina
e Ceara, assinaram o acordo. Na verdade, esses dois estados
nao faziam parte do grupo dos maiores devedores do Governo
Federal.
Em suma, esta dupla derrota do Governo Federal represen-
tava mais um veto dos baroes da Federaoao, o segundo no go—
verno Collor.
0 ano de 1992 foi ainda mais dificil para o governo Collor na
barganha com os governadores. Mantendo o proposito de man—
dar um projeto de reforma de cunho estrutural ao Congresso
Nacional, Fernando Collor de Mello cria a chamada Comissao
Ary Oswaldo, a fim de elaborar um projeto de reforma tributa-
ria. Novamente o governo recorre a atores de fora do Congresso
para discutir e dar legitimidade ao seu projeto, que nesse caso
foram notadamente os empresarios.
O projeto de reforma tributaria da Comissao Ary Oswaldo
tinha como um dos pontos mais polémicos a redistribuigao dos
encargos entre os entes federativos vis-d-vis a diminuigao das
receitas dos estados e municipios (cf. Castro Santos et alii,
1994:41). Essa proposta gerou muita controvérsia entre prefei-
tos, governadores e deputados no Congresso, o que dava sinais
da inviabilidade dessa alteraoao federativa. Mas o projeto Ary
Oswaldo nao foi adiante em razao de todo o processo envolven—
do 0 pedido de impeachment do Presidente Fernando Collor de
Mello.
Nos meses de agosto e setembro de 1992, Collor tentou evitar
a todo custo a abertura pela Camara Federal do processo de
impeachment, e para isso procurou cooptar os governadores de
estado do Norte, Centro-Oeste e, sobretudo, 08 do Nordeste. Iss0
porque nesta regiao o presidente contava com o apoio de Anto—
nio Carlos Magalhaes, que tinha ascendéncia sobre os governa-
dores nordestinos, notadamente sobre 05 do PFL. Essa estraté-
gia fica visivel ao olharmos para 0 volume de transferéncias
negociadas repassadas para os estados do Norte, Centro-Oeste
e Nordeste no ano de 1992, que equivaleram a 76% do total.
Ademais, neste ano, os dois estados que mais receberam trans-
2l2 | O federalismo estadualista e o veto dos baroes

feréncias negociadas foram Bahia e Pernambuco, respectivamen-


te (Roarelli, 1992:167).
Todavia, a estratégia de Collor fracassou e ele teve o processo
de impeachment aprovado. Assumiu o vice—prosidente da Repli—
blica, Itamar Franco, 0 qual teve, inicialmente, apoio do parcela
significativa do PMDB, como também o suporte do PSDB. Co-
mecava um novo governo que teve muitas dificuldades para
negociar com os governadores, mas que conseguiu uma grande
Vitéria em 1994, com a aprovagao do Fundo Social de Emer-
géncia.
Logo que assumiu, Itamar Franco propos uma reforma tri-
butaria ao Congresso Nacional, aproveitando—se da discussao
sobre o Orcamento de 1993. A principal medida seria a criacao
do IPMF (Imposto Provisério sobre Movimentacoes Financoi-
ras). Esse imposto nao entraria para a reparticao constitucio-
nal de recursos e também foram isentos os estados e munici—
pios da incidéncia desse tributo. Dessa maneira, num primei—
r0 momento, o governo Itamar nao mexia com as questoes mais
espinhosas do federalismo, tanto no aspecto tributario, como
no que se refere a divisao de competéncias entre os niveis de
governo.
Somente a partir do ano de 1993, quando Fernando Henri-
que Cardoso assume 0 Ministério da Fazenda, é que o governo
Itamar Franco atuou com mais firmeza no front federativo. Fer-
nando Henrique Cardoso lancou o chamado Plano Verdade, que
propunha a resolucao de duas questoes federativas da maior
relevancia, quais sejam, o problema dos bancos estaduais e da
rolagem da divida dos estados e municipios. A questao dos ban-
cos estaduais nao foi resolvida e, no final da gestao do Fernando
Henrique no Ministério da Fazenda, sua situacao piorou, pois 0
Banco Central financiou a divida dos bancos estaduais median-
te compra de seus titulos no mercado financeiro.
Com relagao a rolagem da divida dos estados, o governo Ita-
mar teve certo éxito. O Ministro Fernando Henrique Cardoso
conseguiu estabelecer acordo com os principais estados da Fe-
deracao, criando novas regras para a rolagom da divida. Em-
bora Fernando Henrique tenha conseguido fazer um acordo
referente ao refinanciamento da divida dos ostados, somen-
to conseguiu fazé-lo nas chamadas dividas contratuais com os
bancos federais, que perfaziam apenas 38% do montante t0-
O federalismo estadualista e o veto dos barées | 2|3

tal'”. Os outros componentes das dividas estaduais, como a di—


vida mobiliaria e a divida externa vencida e a veneer, nao fo-
ram contemplados no acordo, o que significava que 62% do to-
tal ainda nao tinha sido refinanciado. Os grandee veto players
do processo foram, novamente, os governadores. Em seu pri—
meiro embate com os governadores, o governo Itamar, ou mais
especificamente, o Ministro Fernando Henrique, teve uma vi-
toria de pirro.
Mas logo no inicio de 1994, Fernando Henrique Cardoso 0b-
teve a primeira grande vitoria fiscal da Uniao desde 1988. Por
meio de Emenda Constitucional, em margo de 1994, foi apro-
vado o Fundo Social de Emergéncia, que retinha parte dos re~
curses que eram comumente repartidos as unidades subnacio—
nais.
Na verdade, o Fundo Social de Emergéncia estava ligado a0
Programa de Estabilizacao, lancado em dezembro de 1993. No
texto do Programa de Estabilizacao, as metas com relacao a
Federacao eram mais ambiciosas, com objetivo de reequilibrar
as atribuicoes entre os niveis de governo. Esse ponto, no entan~
to, nao poderia avancar naquele momento do federalismo esta—
dualista. O que se conseguiu, na verdade, foi uma recentrali-
zacao dos recursos, mas com um “porém” importante, nas pro—
prias palavras do Programa de Estabilizacao:
“E de ressaltar, portanto, que em termos reais os Estados
e Municipios nada perderéo: estarao asseguradas transferen-
cias em 1994 iguais as de 1993” (Programa de Estabilizaccio,
7 de dezembro de 199317).
Mesmo com este “porém”, é preciso lembrar que a pressiio
dos estados e municipios para néo mudar a atual distribuicao
de recursos na Federacao tinha sido fortissima desde pelo me-
nos a Constituicao de 1988. O Governo Federal poderia, além
disso, manejar livremente vinte por cento dos recursos orgamen-
tarios federais, fortalecendo a0 Executivo Federal ante 0s ou-
tros “poderes”, Congresso Nacional e Governadores, que tinham
vetado todas as medidas nesse sentido nos filtimos dez anos. A0
saber do propésito do Fundo Social de Emergéncia, 0 entao Se-
nador Mario Covas comentou aos técnicos do governo:

'37 Segundo dados de janeiro de 1994. Cf. Afonso, 1994279.


2 I4 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

“Vocés estao brincando [...]. Querem tirar dinheiro dos go-


vernadores e dos prefeitos. N50 estéo dando nada em troca,
nenhum beneficio imediato [...] e ainda estao achando que
isso vai passar pelo Congresso em pleno ano eleitoral. Nem
em sonho” (Dimenstein & Souza, 1994:119).
Apesar de todos os problemas apresentados pelo senador
Mario Covas, o Fundo Social de Emergéncia foi aprovado. Ela-
boro a seguir algumas hipéteses para tentar explicar este feno—
meno, sendo elas complementares entre si, formando um arca-
bougo explicativoz".
a) As duas primeiras hipéteses estao intimamente ligadas a
eleigao presidencial de 1994. Em primeiro lugar, a grande pos-
sibilidade de vitc’Jria do candidato Luiz Inacio Lula da Silva, do
Partido dos Trabalhadores, mobilizou 0 establishment, que né—io
desejava que o candidato presidencial petista chegasse ao po—
der, mas também néo queria que um novo Collor virasse pre-
sidente. Portanto, o trauma da experiéncia de 1989 fez as elites
brasileiras se organizarem melhor para o pleito de 1994. Nesse
sentido, a candidatura de Fernando Henrique Cardoso, se ele
conseguisse domar o “dragao” da inflagao, seria bem-vinda.
Aproveitando-se disso, Fernando Henrique “chantageou” boa
parte da elite societaria e partidaria, e neste filtimo caso espe—
cificamente 0 PFL, para que aprovassem o Fundo Social de Emer-
géncia para Viabilizar sua candidatura presidencial”.
Mas além desse fato conjuntural, havia outro aspecto impor—

2” A elaboragao das hipotese foi feita com base em conversas com de-
putados federais, assessores legislativos, técnicos do Executivo Fe-
deral, muitas delas em off, motivo pelo qual nao revelei o nome dos
entrevistados. Entretanto, dada a diversidade de razées apontadas
como responsaveis pelo sucesso, tive de armar um quadro explicativo
mais coerente. Dessa forma, a rosponsabilidade pelo ordenamento
do conjunto de hipoteses é totalmente minha.
29 No comego de fevereiro de 1994, Fernando Henrique Cardoso, irri-
tado com a falta de quorum que impedia a votagao do Fundo Social
de Emergéncia, ameagou o Congresso Nacional: “Se esse plano nao
passar até torga—feira, na quarta eu nao sou mais ministro” (cf.
0
Estado de 8. Paulo, 4/2/94rA-6). Foi neste tom, junto aos parlame
n-
tares do PFL e alguns governadores, tomorosos quanto a uma pos—
sivel vitéria de Lula, que Fernando Henrique conseguiu o apoio
necessario para aprovar o Fundo Social de Emergéncia.
O federalismo estadualista e o veto dos barées | 2|5

tantissimo da eleicao presidencial de 1994: ela seria “casada”


com os pleitos de governador, senador, e deputado federal e es-
tadual. Isso mudava a logica do jogo eleitoral. O préprio presi—
dente Itamar teria condicoes de influir na eleicao gracas a esse
dispositivo. No entanto, o ponto fulcral da eleicao era que 0 can-
didato a presidente seria importante “locomotiva” do pleito, tal
como fora o governador nas trés eleicoes passadas. Assim, con-
seguir o apoio do presidente ja seria born cacife eleitoral. Fer—
nando Henrique usou disso para aprovar o Fundo Social de
Emergéncia.
b) Dois importantes lideres regionais, os governadores An-
tonio Carlos Magalhaes, da Bahia, e Hélio Garcia, de Minas
Gerais, foram importantes articuladores da candidatura de Fer-
nando Henrique Cardoso, e assim o ajudaram a aprovar 0 Fun-
do Social de Emergéncia. E importante lembrar que Antonio
Carlos Magalhaes tinha ascendéncia sobre outros governadores
nordestinos, tendo assim influéncia sobre outros deputados fe-
derais, especialmente os pefelistas. Ja Hélio Garcia possuia uma
forte ascendéncia sobre 0s parlamentares mineiros, independen-
temente do partido. Como esses dois importantes baroes da Fe-
deracao nao conseguiram articular suas candidaturas e/ou du—
vidaram da possibilidade de eles préprios vencerem 0 candidate
presidencial petista, apostaram portanto todas as suas fichas
na candidatura de Fernando Henrique Cardoso‘m. E a candi—
datura de Fernando Henrique dependia da aprovacao do Fundo
Social do Emergéncia.
c) Alguns governadores nao se articularam contra a aprova—
cao do Fundo Social de Emergéncia, tais como o governador
paulista, Luiz Antonio Fleury Filho, o governador goiano, Iris
Resende, o governador paraense, Jader Barbalho e Leonel Bri-
zola, governador do Estado do Rio de Janeiro. Trés motives ex-
plicam esse fato: primeiro, eles estavam com os olhos voltados

3” Marcie Moreira Alves, num artigo escrito em 0 Estado de S. Paulo,


mostrou de forma muita arguta como a declaracao de apoio do go—
vernador mineiro Hélio Garcia a Fernando Henrique Cardoso obri-
gou 0 PFL — leia-se Antonio Carlos Magalhaes — a optar rapi—
damente entre Maluf 0 Fernando Henrique. E claro que o apoio de
Hélio Garcia a Fernando Henrique levou o PFL a aderir pronta—
mente a candidatura presidencial tucana (Moreira Alves, 1994).
2 I6 I O federalismo estadualista e o veto dos barées

para a Emenda Constitucional que garantiria a mudanca no


prazo de desincompatibilizacao, possibilitando a eles tempo
maior de permanéncia em seus cargos, o que poderia auxilia-los
eleitoralmente em suas pretensoes presidenciais. Dessa forma,
principalmente Fleury e Brizola, concentraram suas forcas na
aprovacao da Emenda de desincompatibilizacao, e 11:10 jogaram
todas as suas forcas pelo veto do Fundo Social de Emergéncia.
O pior é que nao conseguiram nem aprovar a Emenda de desin-
compatibilizacéo, vetada pelo PFL, basicamente impulsionado
pelos seus governadores nordestinos, liderados por Antonio Car-
los Magalhaes; do PSDB, que queria proteger a candidatura de
Fernando Henrique; da parte quercista do PMDB, a qual desc-
java manter as condicoes para que Quércia fosse realmente o
candidato do partido; além dos votos de deputados de outros
partidos, que consideraram um casuismo a proposta.
O segundo motivo refere-se ao tipo de recursos dos estados e
municipios que foram retidos pelo Fundo Social de Emergéncia.
Eram recursos de transferéncias constitucionais que nao pesam
fortemente no Orcamento dos Estados de Sao Paulo e Rio de Ja—
neiro, como também no de Minas Gerais. Assim sendo, esses
estados n50 teriam grande motivo para vetar o Fundo Social de
Emergéncia, pois este nao afetava os seus interesses mais ime-
diatos.
Mesmo nao tendo grande motivo para vetar o Fundo, SE10
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ainda conseguiram barga-
nhar privilégios para si em troca do voto no projeto do Governo
Federal. O privilégio obtido foi o socorro aos seus bancos esta—
duais, mediante a compra de titulos desses bancos pelo Governo
Federal. Esse é o terceiro motivo da anuéncia dos governadores
do “triangulo das “bermudas” com relagao a aprovacao do Fun-
do Social de Emergéncia.
O importante é notar que esses titulos dos bancos estaduais
nao seriam comprados por nenhum grupo privado no mercado
financeiro, em razao da péssima situacao financeira desses ban-
cos. Na verdade, desde julho de 1994, quando foi implementado
0 Real, 0 Governo Federal gastou US$5 bilhoes para “socorrer”
os bancos estaduais, valor equivalente a mais do que o dobro do
que fora injetado nas instituicfies financeiras estaduais nos seis
anos anteriores (cf. 0 Estado de S. Paulo, 23/10/942B-1).
Esses trés motivos facilitaram a aprovacao do Fundo Social
O federalismo estadualista e o veto dos barées | 217

de Emergéncia. Na realidade, foi a primeira vitéria, em termos


tributaries da Uniao sobre os estados desde que fora aprovada a
Constituigao de 1988; contudo, é preciso ressaltar que born 1111-
mero de governadores concordou e lutou pela aprovagao do Fun-
do, ganhando pelo menos alguma contrapartida por isso. Os es-
tados mais ricos, como falei acima, obtiveram 0 socorro do BC
para sous bancos estaduais. Aos mais pobres, apesar da reten-
950 de recursos importantes pelo Fundo Social de Emergéncia,
houve a promessa do Governo Federal de realizar obras nestes
estados. Os famosos “bilhetinhos” do Ministro Alexis Stepanenko
dao subsidios para que essa hipétese seja confirmada.
Em suma, o Executivo Federal conseguiu neutralizar 0 veto
dos barfies na aprovagao do Fundo Social de Emergéncia, embo-
ra tivesse de adotar algumas medidas financeiras para obter a
anuéncia dos estados.

Conclusfio

Tentei mostrar, a0 longo do capitulo, que os governadores


foram atores fortissimos no plano politico nacional no periodo
entre 1988 e 1994. A atuagao dos governadores se inseriu no
contexto do federalismo estadualista, assumindo, em linhas bem
gerais, trés caracteristicas:
a) Os governadores eram fortes no cenario nacional gragas a
forte influéncia exercida SObre os parlamentares federais. Des—
sa maneira, os governadores conseguiam contrapor—se a qual-
quer iniciativa presidencial que visasse alterar a ordem federa—
tiva vigente, a qua] era extremamente favoravel as unidades
estaduais;
b) Os governadores nao atuavam de forma coordenada e coo—
perativa, mas, at) contrario, prevalecia a conduta individualista
e nao-cooperativa. Apesar de deterem grande poder politico, os
governadores nao estabeleciam aliangas duradouras para es-
tabelecer um projeto politico hegemonico; as finicas aliangas que
os chefes dos Executives estaduais conseguiam firmar eram de
carater meramente defensive e pontual;
c) 05 governadores n50 estabeleciam relagées cooperativas
com 0 Governo Federal, de modo a instituir um accountability
intergovernamental. A0 longo da redemocratizagz‘io, os gover-
nadmes aumentaram seu poder, mas 11510 suas responsabilida—
2 l8 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

des, assumindo uma légica de facoao, que é propicia a dinamica


do veto e nao a da negociagao. Num momento de crise fiscal,
qualquer comportamento mais cooperative dos governadores im-
plicaria a distribuigao de tarefas e até de perdas. Mas facgoes,
como lembra Sérgio Abranches, “nao estabelecem relagées de
reciprocidade e disciplina” (Abranches, 1989228).
Esse poder dos governadores e a configuragéio estadualista,
centrifuga e predatéria assumida pela Federagao brasileira na
redemocratizagao, nao encontram paralelo nas experiéncias fe-
derativas mais consolidadas do mundo, como os E.U.A. e a Ale—
manha. Tomando novamente como contraponto o caso america-
no, em primeiro lugar, 1a 05 governadores nao possuem deter—
'ninado poder de veto sobre as iniciativas do presidente, por meio
do controle dos deputados no Congresso. Muitas vezes até 0s
prefeitos das grandes cidades americanas tém influéncia maior
sobre os parlamentares do que os governadores-‘1.
Em segundo lugar, os governadores, para obter projegao na—
cional, precisam fortalecer—se nos partidos. E interessante no—
tar que dos filtimos quatro presidentes, trés eram ex-governa-
dores (Carter, Reagan e Clinton); no entanto, eles s6 se torna-
ram presidentes porque venceram a disputa interna de seus
partidos e nao porque eram “caciques regionais” com grande
forga na politica nacional. Alias, o caso de Bill Clinton, gover-
nador de um estado sem nenhuma expresse’io politica, confirma
plenamente essa assertiva.
Em terceiro lugar, os governadores nao atuam como inimigos
entre si, tal qual no Brasil. E claro que ha competigao entre eles
por recursos pliblicos federais, mas nao a ponto de inviabilizar a
formagao de aliangas. Tanto isso é verdade que existe uma asso-
ciagao nacional de governadores, a National Governors’ Asso-
ciation (NGA), a qual articula reunifies periédicas entre os go-
vernadores para que eles atuem juntos pelos seus interesses
(Elazar, 1984:195).
Em quarto lugar, os governadores se legitimam politicamen-
te nao por meio do controle da classe politica de seus estados —
como ocorre no Brasil —, mas por meio da popularidade e “qua-

“ Essa informagao me foi fornecida pelo ex—senador e professor uni-


versitario, John Anderson, em seminario realizado no Cedec no dia
25/5/94.
O federalismo estadualista e o veto dos baroes | 2I9

lidade gerencial” de seus gestfies. Aqui a questao né‘io é que os


governadores americanos escolhem, por livre e espontanea von-
tade, atuar de tal forma; a verdade é que o sistema politico es-
tadual, em que 0 Legislative é forte 9 ha grande controle insti-
tucional do poder, os impele a adotar essa postura.
N0 fundo, a origem do poder dos governadores encontra—se
na configuragao do sistema politico na esfera estadual. No caso
brasileiro, o governador controla as bases politicas estaduais,
substrate eleitoral tanto de deputados federais como de deputa-
dos estaduais. No caso americano, o governador nao controla os
distritos dos deputados, que por isso nao sao dependentes elei-
toralmente do governador. Ai esta, em grande medida, a dife-
renga que explica o poder dos governadores nos dois paises.
No ambito das relagées intergovernamentais, vigora nos Es—
tados Unidos um padréo de competigao—cooperativa. Isso acon—
tece primeiro porque os estados assumem uma postura de maior
responsabilidade no sistema federativo. Nesse sentido, um exem-
plo elucidativo é que os governos estaduais americanos admi—
nistram dois dos trés maiores programas sociais americanos:
o Aid to Family with Dependent Children (AFDC) e 0 Medicaid
(Cigler, 19932181). Ha também um importante orgao que da su—
porte as negociagoes federativas: o ACIR —— Advisory Comission
for Intergovemamental Relations —-——, cujo papel é auxiliar na
racionalizaqao do processo de barganha entre os entes federati-
vos. No Brasil, ha um vazio institucional na esfera das relagoes
federativas, o que aumenta o grau de fragmentagao e 03 impas—
ses decisorios no campo intergovernamental. Em suma, o siste—
ma federativo americano conseguiu estabelecer um ponto de
equilibrio entre cooperaqao e competigao, e entre a Uniao e 08
estados.
O caminho para o Brasil construir uma nova Federagao, mais
préxima do ideal do federalismo republicano, passa pela substi-
tuigao do federalismo estadualista epredatério. A aprovagao do
Fundo Social de Emergéncia, primeira grande alteragao fiscal
sem veto dos barées desde 1988, sinalizou para uma possivel
mudanga da estrutura federativa. Mas foi a vitoria de Fernando
Henrique Cardoso a Presidéncia da Repfiblica, conquistada em
conjunto com aliados em importantes estados da Federagao, que
anunciou a possibilidade de mudanga no federalismo estadua—
lista.
220 | O federalismo estadualista e o veto dos barées

A Vitéria de Fernando Henrique Cardoso foi marcada por um


contexto bastante propicio a alteragao do federalismo estadua-
lista. Este contexto continha os seguintes aspectos:
0 Primeiro, a eleigao presidencial de 1994 foi “casada”com as
disputas para deputado federal e governador. Assim, ao contra-
rio dos outros pleitos ocorridos na redemocratizagao, o presiden—
te eleito teve significativa influéncia na formagao da Cfimara Fe-
deral e nas governadorias. Isso aumentou a possibilidade de 0

'.
..
presidente formar um bloco politico para implementar reformas,

:
rmmmtw- '
e até reconstruir urn novo pacto politico hegeménico;
. Segundo, Fernando Henrique conseguiu eleger aliados nos

WWW: . .
cinco estados mais importantes da Federagao, quais sej am, Sao

"Hr-«m
Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do 8111 e Bahia.

.....
Ademais, o apoio do presidente eleito teve influéncia decisiva
para quatro dos cinco candidatos vencedores nestes estados;
0 Terceiro, os novos governadores assumiram estados com-
pletamente falidos. Iss0 0s fez depender fortemente dos recursos
do Governo Federal, e por isso tiveram de apoiar determinadas
medidas do presidente;
° Quarto, a atual situagao econémico-financeira da Uniao é,
comparativamente, melhor do a que vivida por todos os presi-
dentes desde Figueiredo, além de Fernando Henrique ter obti-
do, com 0 Plano Real, a estabilizaqao economica do Pais;
' Quinto, a situagao econémica internacional era a mais fa-
voravel para o Brasil desde 1982.
0 quadro acima demonstra que Fernando Henrique chegou
ao poder numa posigao mais privilegiada para negociar com os
governadores as mudanoas necessarias para construir uma nova
Federagao, como também um novo modelo de Estado.
Veremos a seguir, na conclusao, que o presidente Fernando
Henrique conseguiu alterar varios aspectos do federalismo es—
tadualista e predatorio vigentes anteriormente. Apesar disso,
nao foi construido um novo modelo de Federagéo, nem destrui—
do 0 ultrapresidencialismo estadual. Por essas razoes, o sistema
politico brasileiro continua se alimentando de raizes nae-repu-
blicanas, as mesmas que ainda sustentam grande parte do 1110-
delo do baronato.
CONSIDERAcéEs FINAIS

A0 analisar o desenvolvimento historico do papel dos Barfies


da Federaez’io, da Primeira Repfiblica até o recente processo
de redemocratizaqz’io, esse estudo procurou entender, basicamen-
te, a interconexéo entre a Federagéo e o sistema politico no Bra—
sil. A partir deste enfoque, concluiu—se, em linhas gerais, que:
a) Primeiro, o arranjo federativo brasileiro tem sido marcado
por uma grande autonomia dos estados, o que tem permanecido
mesmo com 0 continue fortalecimento do Governo Federal des—
de 1930. Apenas 0s regimes autoritérios conseguiram acabar
com esta regra, mas mediante um processo de centralizagéo que
passava necessariamente pela negociagfio com as elites regio—
nais. A literatura comparativa sobre o federalismo ressalta 0
peso dos atores subnacionais na politics nacional brasileira, em
um nivel que poucas federagées possuem (Stepan, 1997). O caso
do Brasil chega a ser classificado como um “robust federalism”
(Mainwaring & Samuels, 1997z5). Essa caracteristica torna, tam-
bém, mais consociativo o sistema politico brasileiro, uma vez
que os governadores dos estados constituem-se como contrape-
sos poderosos do Executivo Federal. Obviamente, a balanea fe-
derativa estaré vinculada a distribuigfio de poder e recursos em
cada momento histérico — e 113 redemocratizagéo tal péndulo
esteve mais a favor das unidades estaduais. E mesmo com o
aumento do poderio do Poder Central no periodo de 1994 a 1998,
como veremos mais adiante, o presidente tem de conversar e
negociar com os governadores nas questoes mais importantes
decididas no nivel Federal, e a importfincia da conversa entre
22]
222 l Consideracées finais

estes dois atoms, per muitas vezes acima dos partidos e do Con—
gresso Nacional, néo encontra paralelo em qualquer pais federa-
tivo. A votacao da reforma administrativa on da reeleicéio cons-
tituem alguns dos casos mais notorios nos quais 0s governado—
res foram chamados a Brasilia para ajudar o Executivo Federal
a convencer 0s deputados a aprovar tais medidas (Abrucio &
Couto, 1996; Abrucio & Samuels, 1997).
O impacto dos estados se faz sentir no plano nacional em dois
outros pontos fundamentais do sistema politico: no Senado, que
é completamente dominado pela légica estadualista, e na Céma—
ra, cujos integrantes possuem igualmente urn comportamento
permeado por padrées regionais de atuacao. Tal padrao de com-
portamento do deputado federal deriva do tipo de socializacéio
politica predominante no Pais, como descrevo a seguir;
b) A sobrevivéncia classe politica tradicional brasileira de-
pende do born desempenho no distrito eleitoral estadual e/ou
dos recursos financeiros e de poder fornecidos pelo governo esta-
dual. Isso porque, em primeiro lugar, a carreira dos politicos no
Brasil, como mostrado ao longo do livro, é construida sob as ba—
ses dos Executivos e nao dentro dos Legislativos, os quais nao
séio considerados, para a maioria dos parlamentares, como pa—
tamares importantes em Si mesmos. Esta caracteristica, dentre
outras do sistema politico, tende a enfraquecer os partidos e
tornar aqueles que comandam ou ocupam postos-chave no Exe—
cutive os mais capazes de agregar a classe politica.
N510 obstante, é born frisar que os partidos nao sao pecas sem
sentido para os politicos brasileiros. Estudo recente de Limongi
e Figueiredo (1995) mostra claramente que os partidos cumprem
urn papel relevante na distribuicao das preferéncias ideolégicas
dos parlamentares no Congresso Nacional. Outro trabalho, de
Otavio Amorim Netc (1994), analisa os periodos democraticos
do pos—g'uerra e demonstra de forma convincente que na forma-
9510 do gabinete presidencial, e no conseqfiente aumento da con—
vergéncia entre 0 Executive 0 o Congresso, a obtencéo do apoio
d0 maior partido no Congresso tem sido um elemento funda~
mental para a governabilidade.
Além do mais, 0s parlamentares utilizam-se do partido e da
influéncia dos grandes lideres partidarios para obter 0s tao neces-
saries recursos do Executivo. Sozinhos nao conseguiriam nada.
Isso é mais verdadeiro quanto mais dsistante 0 parlamentar es—
Consideragées finais | 223

tiver de sua base eleitoral e quanto mais atores de lugares di-


versos lutarem por um quinhao dos recursos do Executivo. As-
sim, seguindo esta légica, 0s partidos tendem a ganhar mais
importancia na estratégia dos parlamentares da esfera federal,
decrescendo a sua importancia no plano subnacional. E a maior
relevancia dos partidos para a estratégia dos congressistas tarn—
bém acontece porque o Legislativo Nacional possui regras in-
ternas do concentracao de poder que favorecern aos lideres dos
grandes partidos (Figueiredo & Limongi, 1995).
A importancia dos partidos, contudo, 1150 OS transforma nos
principais agregadores da acéo dos politicos. No nivel estadual
isso é mais claro, pois os Executives possuem um poder enorme
de interferir na carreira politica dos deputados estaduais. Mas
mesmo no ambito nacional é igualmente 0 Poder Executive 0
principal articulador da acao dos parlamentares. Em todas as
principais votacoes no Congresso quem da 0 primeiro lance é
sempre o Governo Federal, seja porque ele é o verdadeiro dono
da “chave do cofre” —— e nao o Congresso, que nem consegue
controlar a execucao orcamentaria —, seja porque ha um gran-
de nfimero de cargos que, em tese, podem ser livremente distri-
buidos pelo presidente o chamado “poder da caneta’”.

-
Cabe lembrar que, como instrumento de controle do compor—
tamento parlamentar, as nomeacfies sao tie on mais eficazes do
que o repasse de verbas. A ocupagéo de postos—chave permite
verificar se 08 recursos chegaram 30 local previsto on se foram
bem utilizados; permite também atuar na distribuicao de tare-
fas, de status on de poder a parcela significativa da burocracia;
possibilita ainda a0 ocupante do cargo agir dentro do Estado em
consonancia com determinados grupos de interesse; enfim, o

1 Bern Schneider (1994) foi o primeiro autor a enfatizar mais siste-


maticamente a importéncia das nomeacées no sistema politico bra-
sileiro. Fez isso mostrando, primeiramente, que 3510 as nomeacoes
aos postos do alto escalao que ordenam a estrutura de poder e o
funcionamento efetivo do Estado, muito mais do que as regras for—
mais. Além disso, Schneider notou que o poder presidencial brasi-
leiro de patronagem pode ser medido pelo grande nfimero de car—
gos de confianca do Governo Federal, o qual é incomparavelmente
maior do que o presente nas democracias consolidadas (Schneider,
1994:115).
224 | Consideracoes finais

nomeado, em boa parte dos casos, é responsavel pela implemen—


tacao das diretrizes gerais do governo, o é na discricionarieda—
de dessa implementacao que se efetiva o poder, sobrotudo em
razao da fragilidade do modelo burocratico brasileiro. A essa
mesma conclusao sobre o poder da patronagem ja chegara Ul—
timo de Carvalho, uma das raposas politicas do antigo PSD, ao
afirmar que no Brasil “a esséncia do poder esta em quatro ver-
bos: nomoar, domitir, prender e soltar’”.
O Poder Executivo, como vimos, é o que detém o maior poder
de otimizar e interferir na carreira politica tipica. Nao por aca—
so, quando o Executivo Federal possui uma menor gama de recur-
sos a distribuir ou perde o controle da distribuicao de cargos,
como na redemocratizacao, os congressistas procuram se garantir
junto aos governos estaduais.
O interessante é notar que apesar de 0 Governo Federal ter
59 recuperado financeiramente e em termos de poder no quadrié—
nio 1995-1998, ainda assim o governo estadual continua sendo
estratégico para os parlamentares federais, muito mais do que
o Congresso Nacional em si. E o que argumenta um ex-deputa—
do oposicionista, Virgilio Guimaraes (PT-MG), em referéncia a
atual legislatura:
“Os Executives estaduais tém a capacidade de empreen-
(191' OS grandes projetos pl’lblicos, capacidade que o Legislati—
vo nacional n50 tern. Os governos estaduais iniciam projetos
para beneficiar seus aliados, e assim obtém suporte politico.
Dessa forma, normalmente OS Executivos estaduais contro-
lam a maioria da bancada estadual no Congresso” (Abrucio &
Samuels, 1997:152).
Neste sistema em que 350 OS Executivos os principais — em—
bora nao os finicos —— organizadores da carreira politica e no
qual, para a maioria dos politicos, deve-se fundamentalmente
procurar responder as clientelas locais, as liderancas mais im-

2 Schneider, 1994:115. Embora ainda seja importante o poder de


“prender e soltar”, particularmente nos estados e municipios,
atualmente a esséncia do poder no Brasil, especiali'nente no m’vol
federal, poderia ser definida pola seguinte frase: “a osséncia do poi
der esta em quatro verbos: nomoar, domitir, liberar o contingen—
ciar recursos”.
Consideracées finais | 225

portantes séio os chamados caciques regionais. Percebe—se isso


nitidamente quando analisamos o perfil dos principais lideres
politicos nacionais desde o fim do regime militar. De modo ge-

?“ .
ral, sao politicos com grande proeminéncia em seus estados — e
em alguns casos, até em Regioes intciras —, que ja foram gover-
nadores e buscam ter influéncia, direta ou indireta, nos gover-
nos estaduais. Ademais, dadas a sua influéncia nas bases locais
dos deputados e a necessidade de 0 presidente ter suporte par-
lamentar, 0s caciques regionais conseguem interferir no proces-
so decisério no nivel federal, tanto no provimento dos cargos
como na distribuicao das verbas. Em suma, os caciques regio—
nais tornam-se capazes de obter recursos de ambos os Executi-
vos, 0 estadual e 0 federal, o que lhes (151 um grande poder sobre
a classe politica. Ressalte-se que tal situacao somente se man-
tém caso estes lideres regionais continuem a trazer beneficios a
base local dos deputados. Assim, controlar as governadorias 011,
no minimo, estabelecer um bom relacionamcnto com os gover-
nadores, constituem importantes fatores de manutencao de po—
der.
E o ambiente descrito acima que circunscreve a socializacao
da classe politica brasileira. A sobrevivéncia dos politicos tradi—
cionais passa, portanto, pela obediéncia a esta légica Vinculada
a érbita do Executivo e a0 estadualismo. Novamente aqui 0 go-
vernador é uma peca-chavc;
c) No nivel estadual, espaco por exceléncia da socializacao da
classe politica, tern vigorado 0 ultrapresidoncialismo, no qual 0s
governadores exercem seu poder sem qualquer fiscalizacao ins—
titucional, tornando 0 sistema politico predominantemente anti—
republicano. O maior problema d0 ultrapresidencialismo nao é
0 governador ter muito poder, mas 0 tipo de poder que ele tem e
as consequencias disso para a formacao dos politicos, de suas
preferéncias e estratégias dominantes. Este é um dos lados per—
versos do ultrapresidencialismo.
Mas ha um outro lado perverso do ultrapresidencialismo. O
poder dos governadores brasileiros sobrc a liderancas politicas
estaduais e municipais nz’io tcm paralelo em outras experien-
cias federativas. A possibilidade do pluralismo politico provir
de “baixo para cima” da Federacao é abortada pelo controle que
o Executivo cstadual tcm sobre 0s prefeitos. E uma grande par-
cela destes, para sobreviver politicamento ou avancar na car-
226 | Consideracées finals

reira, resolve seguir a estrutura politica oligarquica que emana


do governo estadual. Finalmente, a absorcao desse modelo oligar-
quico pelos muniCipios, sobretudo os de porte pequeno e médio,
enfraquece o papel positivo do plano local na formacao dos cida—
daos — um dos raciocinios que levou os americanos a optar pelo
federalismo. Assim, o ultrapresidencialismo tem impactos per-
versos mile 86 sobre a classe politica, como também sobre os ci-
dadaos.
d) O poder dos governadores na redemocratizacao, além do
contexto geral apresentado, beneficiou—se do momento de crise
que Viviam o Estado nacional e a Presidéncia da Repfiblica. Con-
seguiram constituir uma ordem legal favoravel aos estados, e
mantiveram-na vetando as propostas de mudanca do pacto fe—
derativo apresentadas pelos presidentes Sarney, Collor e Ita-
mar — neste filtimo caso, a excecao foi 0 Fundo Social de Emer-
géncia. A conseqfiéncia mais importante deste poder de veto nao
foi estabelecer empecilhos incontornaveis a governabilidade no
plano federal. Uma imensa producao legal, corn destaque espe-
cial para as Medidas Provisorias, foi confeccionada pelos presi-
dentes desde a Constituicao de 1988. O que o Executivo Federal
nao conseguia, como dito anteriormente, era fazer reformas no
Estado que implicassem alteracao da estrutura federativa.
A manutencao dessa ordem federativa estadualista resultou
também no estabelecimento de padrées nao-cooperativos 9 pre—
datérios de relacionamento dos estados com a Uniao e deles en-
tre si. Com isso, a Federacao brasileira seguia o seu caminho
histérico de nao conseguir estabelecer um verdadeiro contrato
federativo, baseado na interdependéncia responsavel entre os
niveis de governo. Apenas uma interdependéncia responsavel
pode aumentar o controle sobre as perversidades de nosso fede-
ralismo —— evitando mecanismos como os precatorios, por exem-
plo, que transferem, de forma intransparente, custos de um a
unidade federativa as demais. E também somente com uma in-
terdependéncia responsavel pode so atacar outro grande pro-
blema: a desigualdade regional. A falta de equidade é poten-
cializada pela luta selvagem dos estados por recursos —— luta
esta que tem na guerra fiscal uma das suas mais importantes
facetas. Mas por que a interdependéncia responsavel entre os
niveis de governo néio é construida, a despeito de seus benefi-
cios inegaveis a todos? A principal resposta encontra-se no com—
Consideragées finais | 227

portamento individualista e defensive adotado pelos governado-


res desde a Constituigao de 1988.
N0 processo de redemocratizagz’io, em suma, a Federagao bra—
sileira ficou ainda mais desequilibrada. E mais uma vez 05 go—
Vernadores foram personagens decisivos.
Algumas da caracteristicas da Federagao brasileira descritas
ao longo do livro foram modificadas pelo governo d0 presidente
Fernando Henrique Cardoso. Outros aspectos, todavia, perma-
necem. Nesta parte final, pretendo descrever, muito sucinta—
mente, as razées que levaram a determinadas rupturas e as que
ajudam a manter certas estruturas federativas erigidas em nossa
histéria e/ou na redemocratizagao.
Inicialmente, cabe frisar que 0 Governo Federal recuperou
poder ante 0s estados na balanga federativa. A ordem estadua—
lista, com isso, perdeu alguns de seus pilares. Contribuiu para
isso, em primeiro lugar, 0 contexto da vitéria eleitoral de Fer-
nando Henrique. Ele chegou a Presidéncia numa eleigao casada,
ou seja, estavam em jogo concomitantemente os cargos propor—
cionais e 0s majoritarios, ao contrario d0 que 0c0rrera durante
toda a redemocratizaqao. Assim, 03 moves congressistas tinham
sua legitimidade vinculada a0 mesmo pleito que elegera Fer-
nando Henrique, colocando sob a mesma soberania 0 Executive
0 0 Legislative
Além disso, varios aliados de Fernando Henrique foram elei—
tos nas disputas aos governos estaduais. Os trés principais es—
tados da Federagao -—- Sao Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais
— tinham novos governadores tucanos, cujas vitérias estavam
estreitamente ligadas a0 “carro—chefe” da campanha presiden-
cial e 30 sucesso do plano de estabilizagao. As reformas com
impacto na estrutura federativa seriam provavelmente facilita-
das nesta situagao. A intervengao n0 Banespa, por exemplo, nao
teria sido realizada com tanta firmeza se 0 governador nao fos-
se 0 pessedebista Mario Covas.
A eleigao de Fernando Henrique foi marcada também pelo
trauma das elites politicas e econémicas em relagao ao fenéme—
n0 Collor. Isto é, elas nao estariam dispostas a aceitar um novo
outsider. Fernando Henrique soube como poucos se utilizar des—
sa situagao para barganhar apoio politico a sua campanha e,
depois, a0 seu governo.
Per fim, ainda sobre 0 contexto da eleigao de 1994, 0 éxito d0
228 | Consideracées finais

Plano Real dou uma logitimidade enor


me a0 presidente. A atua-
cao om nomo da ostabilidade oconémic
a, inclusive om altera—
coes que moxom na questéio fodorativ
a — como no Fundo de
Estabilizacao Fiscal (FEF), antes Fundo
Social do Emergéncia
—- é o grando motor do governo Fern
ando Honrique.
Mas além do contexto oleitoral, Fernando
Honrique Cardoso
so boneficiou da molhor situacao financeira
em comparacao aos
periodos prosidenciais anterioros ——
parte desta boa situa
cao
dorivou do sua propria atuacao como mini
stro da Fazonda do
prosidento Itamar Franco. 0 ambiente
externo, adomais, trazia
consoqfléncias favoravois ao presiden
to, mosmo quando turbu-
lento. Explico melhor: no periodo 1994
—1998 0 Executive foi be—
noficiado, do um lado, pola rotorno
do lovas consideraveis do
capital ostrangeiro ao Pais —— o que na
verdadeja estava acon~
tecendo dosde 1993 ——, e, per outro,
paradoxalmento pelas cri—
ses financeiras internacionais, como
a do Mexico, pois estas co—
locaram a mesa apenas duas opgoes
a classe politica: ou apoiar
as politicas adotadas polo Exocutivo
, ou a crise podoria piorar
ainda mais. Esso “paradoxo das crise
s” vem so repotindo em
outros paisos latino-amoricanos, como
na Argentina, ondo Me—
nem tom aumontado o sou podor a cada
grando abalo no merca-
do internacional.
O fortalocimonto do Podor Executive
Federal completou-se
com a montagom do um gabinote do
coalizao com uma forca
congressual bom superior a alcancada pelo
s presidentes posto—
rioros ao regime militar, o ainda a part
ir do comprometimonto
do presidento com uma agenda ocon
émica consolidada junto as
elites politicas o econémicas o a popu
lagao. Provavolmento por
isso o presidento comecou a roforma
constitucional pela ordom
econ émica, estroitando assim sous lacos com
a coalizao partida-
ria que o sustentava.
O aumento do podorio financeiro da Unia
o, da legitimidade
presidencial junto a opiniao publica —
sobretudo om virtudo do
Plano Real ——-, a VitOria do governad
oros aliados nos principais
ostados, e a construcao do uma coali
zao basoada om uma agen-
da inicial bastanto consensual ontre
os componentos da base
governista, rossaltaram os aspectos
majoritarios do sistema po-
litico, beneficiando o Governo Fede
ral. Mas a reversao da ba-
langa foderativa do podor precisou
ainda do outro fator: a criso
financeira e administrativa dos osta
dos
Consideragées finais | 229

0 Plano Real foi o estopim da crise financeira dos estados.


Primeiro porque com o fim da inflaoao os governos estaduais
deixaram de ganhar a importante receita provinda do floating.
Os orgamentos estaduais, portanto, ficavam desnudados, mas
as despesas com pessoal ou fornecedores permaneceram por um
born tempo presas a logica da indexagao vigente anteriormente.
Como bem resumiu o governador paulista, Mario Covas:
“Varia de estado para estado, mas a maioria se defronta
com este fato: as despesas ainda correm em regime inflacio—
nario e as receitas ja atuam em regime de estabilidade” (Pa—
drao & Caetano, 1997:23).
As finanoas estaduais sofreram um outro impacto do Plano
Real: uma elevaoao brutal das dividas estaduais, sobretudo nos
quesitos titulos e dividas dos Bancos estaduais, tudo em decor—
réncia do aumento da taxa de juros (Sela, Garman & Marques,
1997:28). Aqui, o maior estrago foi feito nos Bancos estaduais.
Banespa, Banerj e outros n'ao conseguiriam sobreviver diante
da equagao composta pela elevagao do passivo dos governos es-
taduais que eles portavam, somada ao aumento da competigao
entre os bancos, causada pela reestruturagao do sistema finan—
ceiro resultante da nova realidade economica. Como mostrado
no capitulo anterior, o Governo federal segurou esta situagao
durante a eleioao, comprando os titulos dos estados; depois, a
estratégia mudou, e se buscou desestruturar 0 sistema finan—
ceiro estadual, fechando ao maximo as “torneirinhas” do Banco
Central on pressionando os governadores para pagarem os seus
débitos, concentrados nas carteiras dos bancos estaduais.
A situaoao financeira dos estados teve, por fim, que suportar
os aumentos concedidos ao funcionalismo ao pagar das luzes
dos antigos governos. E os recém-eleitos governadores descobri-
ram algo além disso: os gastos dos governos estaduais com pes-
soal eram exorbitantes. Em alguns cases, no inicio de 1995, ma]
dava para pagar 0 funcionalismo e dar conta das despesas cor—
rentes. Covas teve, por exemplo, de parcelar o salario de janei—
r0. 0 governador do Mato Grosso, Dante de Oliveira, ficou tao
surpreso quanto o governador paulista: a folha de salaries do
Executivo havia passado de R33 27 milhoes/més em 1994 para
R$ 48 milhoes/més em 1995, abocanhando 80 % da receita do
governo, de R$ 73 milhoes/més (Padrao & Caetano, 1997:24).
Em pior situagao encontravam—se Espirito Santo e Alagoas, que
230 | Consideragées finais

gastavam mais de 90% da receita liqui


da com pessoal. Para a
maioria dos estados, o caos financeiro
estava instalado.
A0 longo do quadriénio 1995-1998,
pouquissimos estados cum-
priram os requisitos da Lei Cam
ata, que determina aos gover—
nos nao gastarem mais de 60% da receita
liquida com pess
oal. O
modelo predatério e irresponsave
l adotado pelos governos esta-
duais durante a redemocratizagao é
o culpado por esse quadro.
Os antigos governadores, como mos
trado no capitulo 3, 11510 ape—
nas aumentaram 0 mimero de serv
idores como concederam rea-
justes e estabilidade a uma parcela do
funcionalismo fund
amen—
tal para o projeto eleitoral dos Exe
cutivos estaduais. No cenario
federativo da redemocratizagéo,
composto pela jungao do ultra-
presidencialismo com 0 federalismo
estadualista, n50havia es-
timulos para a reformulaqao do
aparelho estatal — razao cen-
tral que levou os estados a comegaram
a privatizagao depois do
Governo Federal —— nem para a adog
ao de padroes responsaveis
no trato da coisa publica.
Desse modo, pode—se concluir que
a deterioragao das finan-
gas estaduais nao derivou apenas
de medidas adotadas pelo Go-
verno Federal; grande parte da responsabili
dade pelo quadro
atual é dos préprios estados, pois
o feitigo que lhes trouxe poder
durante a redemocratizagao vira—
se, agora, contra o feiticeiro. O
descontentamento da populagao
com a piora dos servigos publi—
cos, 0 proliferagao das greves do
funcionalismo, atingindo até a
Policia Militar, enfim, uma desestr
uturagao gigantesca dos go-
vernos estaduais os fez negociar com
a Uniao, aceitando um ajus-
te que pudesse leva-los a funcionar
minimamente.
Foi a partir deste contexto que o Gov
erno Federal modificou
vario s aspectos da antiga estrutura fede
rativa. Em linhas ge-
rais, as medidas tomadas foram as
seguintes:
0 A reestruturagao dos Bancos estadua
is, hoje sem o poder
de emitir moeda que antes possul’am.
Houve uma drastica dimi-
nuigao do mimero de instituigées fina
nceiras estaduais —— de 33
para 1 1 —- e algumas foram privatizadas ou enta
o estao em pro-
cesso de privatizagao. Os governad
ores vém perdendo assim um
importante instrumento de atuagao
politica;
' O Governo Federal conseguiu,
pela primeira vez apés a
Constituigao do 1988, renegociar a divida
dos estados em bloco,
num total de R35 103 bilhfies (Padrao
& Caetano, 1997 :116), ci-
fra impressionante quando compara
da as dividas da maior par-
Consideragées finais | 23 I

te dos paises do mundo. Apesar de a gestao de Fernando Henri—


que ter conseguido construir um modelo institucional capaz, ern
tese, de penalizar os devedores, nesse caso ainda é cedo para
contabilizar a vitoria para o lado da Uniao, pois as regras foram
estabelecidas mas os estados nunca cumpriram os acordos an-
teriores. No entanto, é fato que os limites para novos endivida-
mentos sao bastante rigidos;
*- O programa de privatizacoes também avancou muito nos
estados, trazendo, basicamente, quatro beneficios para o Governo
Federal. Primeiro, houve uma diminuicao do poder de patro-
nagem e de endividamento dos governos estaduais antes obtido
através das estatais. Segundo, parcela dos recursos da privati-
zacao foi utilizada para o pagamento de dividas junto a Uniao.
Terceiro, por meio das privatizacoes foram reestruturados al-
guns setores econémicos, como o elétrico, cuja mudanca fazia
parte do programa economico do governo de aumentar o inves-
timento nas areas do infra-estrutura. Quarto, essas privatiza-
coes trouxeram urn volume significativo de capital externo ao
Pais, exatamente num momento que o Governo Federal precisa
fechar as contas da balanca comercial;
0 Na area tributaria, embora o Governo Federal nao consiga
derrubar por completo o veto dos barfies, duas importantes medi—
das de impacto federativo foram tornadas. Uma, é a manutencao
do Fundo Social de Emergéncia, agora com um novo nome (Fundo
de Estabilizagao Fiscal), retirando receitas antes repassadas aos
governos subnacionais. A outra é a aprovacao da Lei Kandir
que, ao mexer com a tributacao de ICMS sobre as exportacoes,
afetou fortemente Varios estados que tém neste imposto uma
das suas principais —- senao a principal — fontes de receita;
O For fim, a aprovacao da Emenda 14, criando o chamado
Fundao, alterou a distribuigao de receitas entre os niveis de go-
verno na area do educacao. Com essa medida, busca o Governo
Federal retomar as rédeas do processo de descentralizacao de
politicas, aspecto fundamental do pacto federativo. Do sucesso
desta medida dependera a definicao das competéncias num se-
tor social essencial.
A implementacao destas medidas tem fortalecido o Governo
Federal na balanca federativa, mas elas nao acabam por inteiro
com o estadualismo nem constroem uma nova estrutura federa-
tiva, baseada numa competicao-cooperativa e nao em urn mode-
232 | Consideracées finais

lo predatorio. Isso pode ser veri


ficado pela manutengao de cer-
tos poderes estaduais de resistir
a0 ajuste foderativo, pelo custo
do processo de transformagoes
, pela continuidade de relagoe
intergovernamentais predatorias s
e, finalmente, pola nao cons—
trugao de um novo modelo fede
rativo.
Embora mais fracos, os governo
s estaduais buscaram resistir
ao ajuste federativo. Primeiro
, criando novas “torneirinhas”.
mais importante do periodo fora A
m os precatérios, que deram,
pelo menos por um momento,
um novo falego aos estados. Res
salte—se que o Governo Fed -
eral somente desmontou o esquem
dos precatorios gragas a uma a
CPI no Senado cuja motivag
inicialfoi a briga entre adversaries no ao
plano politico estadual,
mais especificamente em Santa Cat
arina e em SE10 Paulo. A mais
recente “torneirinha” dos gov
ernadores é a privatizagao das
tatais. Segundo estimativas do es-
Citibank, os estados obtiveram
US$ 12,7 bilhoes corn privatiz
agoes em 1997, podendo fatu
ainda mais em 1998 (Pinto, 199 rar
8a). Obviamente, a venda e con—
cessao de estatais estaduais sao
fundamentais para reestrutu~
rar a area do infra-estrutura e
de prestagao de servigos pfiblico
no Brasil, além de haver a1’ uma s
importante quitagao de débitos
que globalmente afetam o défi
cit pliblico. Mas é bom lembra
que os governadores, com rara r
s excegoes, estao mais preocup
dos em adquirir recursosfina a-
nceiros para as suas reeleigo
Tanto isto é verdade que ape es.
nas a minoria dos estados preo
cupou—se em constituir agéncia —
s regulatorias para controlar as
novas concessionarias dos serv
igos publicos.
Mesmo no plano federal os esta
dos conseguiram novos recur-
sos. O Senado Federal ignorou
normas restritivas por ele criado
e concedeu mais cinqiienta ope
ragoes de crédito as unidades es-
taduais em 1997, acrescendo
mais 11,7 bilhoes de dividas aos
governos estaduais (0 Estado de 860 Paulo, 8/3/
1997, B-l).
A tentativa do Governo Federal
de alterar a estrutura fe-
derativa também nao pode ser ana
lisada sem levar em conta os
custos deste processo. Primeiro
, obviamente, 0s custos economi—
cos do processo. Apenas no caso
do Banespa, o subsidio implici-
to do Governo Federal contido na
renegociagao da divida do
Estado de 850 Paulo foi de R$
15,6 bilhoes (Pinto, 1998). Mas
além destes custos financeiros
, ha aqueles que se constituem
com a demora no processo dec
isério e mesmo com a falta de
certeza quanto ao cumprimento
dos acordos estabelecidos, com
o
Consideracées finais | 233

no caso da rolagem das dividas estaduais. Por enquanto, apesar


dos avancos, nao ha garantias institucionais para estes contra-
tos federativos, pois a filtima palavra vai depender do Senado e/
os
on da necessidade de ocasiéio do presidente ter os votos que
governadores podem arreban har.
As mudancas realizadas pelo Governo Federal tampouco atin-
giram as relacoes predatérias firmadas pelos estados. A guerra
fiscal é o maior exemplo neste sentido, e no periodo 1995-1998,
ela aumentou sua intensidade. A Folha de S.Po:ulo (14/9/1997,
A-12) calculou que os governos estaduais ja abriram mao de
R33 9 bilh6es para atrair novos investimentos. Entre marco e
junho de 1995, os trés mais importantes governadores do Pais,
todos do partido do presidente, se engalfinharam em uma bata-
lha para obter os investimentos das multinacionais do setor au-
tomobilistico. A cada promessa de um estado, o outro oferecia
tros
mais incentivos, 0s quais, é claro, estavam fora dos parame
do Confaz. A vitOria do Rio de Janeiro no caso da Volksw agen
na
nao encerrou a guerra pelos investimentos, que continuou
luta pelas fabricas da Renault, da Merced es Bens, da Toyota
etc., e que depois envolveu um universo maior de estados inte—
ressados. Nesta luta, os governos do Parana e do Rio Grande
oras
Sul ofereceram recursos as escondidas para trazer montad
aos seus estados.
dis-
E interessante notar que mesmo o governo paulista, cujo
curso era inicialmente voltado ao cumprimento das normas e a
de
busca da cooperacao federativas, hoje se curva ao cenario
luta selvagem existente e tenta atuar dentro da mesma racio—
nalidade adotada pelos outros estados. O secretario de Ciéncia,
cnologia e Desenvolvimento Econémico de 850 Paulo, Emer-
son Kapaz, sempre atacou a guerra fiscal. “Enganam-se 0s esta-
dos que acreditam atrair empresas com incentivos fiscais. O que
pesa é o custo”, argumentou Kapaz em outubro de 19953. No
Covas
comeco de fevereiro de 1996, contudo, o governador Mario
mandou a Assembléia Legislativa projeto que criava o Progra-
ma Estadual de Desenvolvimento Industrial, com uma logica
interna igual a dos outros programas de beneficios tributarios
o
oferecidos pelos outros estados. Covas, antes inimigo ferrenh

3 Gazeta Mercantil, 4/10/1995, A-5.


234 | Consideracées finais

das vantagens fiscais para atrair empresas


, justificou o projeto:
“O governo de 850 Paulo continua contr
a a guerra fiscal, mas
precisa igualar as condicées com os outr
os estados’”.
E essa dinamica perversa afeta igualmen
te a Uniao, uma vez
que os custos futuros provavelmente
seréio pagos pelo préprio
Governo Federal, que nao tera condicoes
para resistir as pres-
soes politicas das bases estaduais, fund
amentais para a aprova-
950 de projetos no Congresso Nacional
.
Apesar dos problemas apontados, o
fato é que a gestao do
presidente Fernando Henrique Cardoso cons
eguiu acabar com
o modelo predatério em algumas ques
toes — como no caso dos
Bancos estaduais ——, e em outras deu
o pontapé inicial no sen—
tido de altera-lo —— como no caso da refor
ma administrativa. O
resultado dessas medidas, entretanto
, resume—5e a uma maior
centralizacao de poder e recursos nas
maos da Uniao e a uma
desconstrucao conjuntural de parte do antig
o modelo favorave l
aos governadores. Uma nova Federaca
o, Iastreada em um pacto
politico nacional, nao foi engendrada.
E para que isso aconteca,
é preciso alterar a legica meramente
estadualista que permeia
o sistema politico brasileiro.
Cabe aqui uma conjectura: se 05 estad
os ajustarem suas con—
tas publicas —— como boa parte parece esta
r fazendo —- e os atuais
governadores reelegerem-se, e se ainda
o presidente perder parte
do seu atual poderio em razao da piora
das contas publicas ou
entao da diminuicao do impacto do plan
o de estabilizacao sobre
a sociedade, o quadro federativo prov
avelmente se alterara de
figura. Os governadores se preparara
o para os novos rounds da
batalha federativa com mais Vigor, e o
presidente tera nova—
mente problemas com os vetos dos baroes.
O fato é que a conti-
nuagao das reformas na Federacao depender
a da construcao de
instituicées politicas verdadeiramente
nacionais, capazes de
equilibra r as relacoes intergovernamentais,
tornando-as
nem
estadualistas, nem centralizadoras, mas
sim, federativas, tal
qua] esta palavra significa nos EUA
ou na Alemanha5. Essas

4 Gazeta Mercantil, 14/2/1996, A-5.


5 Apesar das diferencas existentes entre
as Federacoes alema e nor-
te-americana, o que as marca profu
ndamente é a presenca de um
forte accountability intergovernam
ental.
Consideracées finais | 235

e o Congresso Nacio-
instituigoes nacionais seriam os partidos
bem observou J airo
na1,hoje bem distantes deste ideal, pois corno
Nicolau:
brasilei-
“Na realidade, a centralidade do sistema politico
estad uais
ro tom derivado das disputas intra—elites politicas
nais” (Ni-
(presidencialismo estadual) e niio das disputas nacio
colau, 1994:19).
para recons-
A reforma politica, portanto, é agenda obrigatéria
rso hoje hege—
truir nosso federalismo. E, a0 contrario do discu
politica deveria
monico entre os cientistas politicos, a reforma
circunscrevem o sis-
comegar pela alteragao das instituigoes que
nao republicana que
tema politico estadua], pois é nesta esfera
. No quadriénio
ocorre a socializagao da classe politica brasileira
ual nao so per-
1995-1998, a situaoao do sistema politico estad
qoes para a sua
maneceu a mesma, como foram criadas as condi
piora.
e, mesmo corn
O ultrapresidencialismo manteve-se firmement
Dos quinze es-
as péssimas condiqoes financeiras dos estados.
rnadores obtiveram
tados antes estudados, em catorze os gove
seja, continuou
maioria solida nas Assembléias Legislativas. Ou
Rio Grande do Sul, an-
o mesmo quadro do periodo anterior“. 0
cionismo, tornou-se o
tes o unico estado fora da regra do situa
o, o governador Anto-
mais novo sécio deste clube. Apés a eleiga
doze dos cinquenta e
nio Britto contava com o apoio de apenas
s a quase todos, fa-
cinco deputados; negociou e distribuiu cargo
pelo PFL e PMDB.
zendo uma alianga do PPB ao PSDB, passando
em um estado com
Conseguiu assim juntar inimigos histéricos
ada de doze para
forte tradigao pluralista, e aumentou sua banc
e do apoio ga—
trinta e trés parlamentares. Assim, Britto dispo
que detinha 0 ex-
rantido de 60% da Assembléia, contra os 20%
governador, Alceu Collares.
foi quebrada.
No Espirito Santo, outra regra antes verificada

janeiro de 1995 a abril


‘5 Todos os dados citados cobrem o periodo de
inform agoes foram obtida s atravé s de novas entre-
de 1998. Essas
adas para pesqu isa do Centro de
vistas e visitas a0 estados, realiz tudo, a partir
Cultu ra Conte mpor anea (Cede c) e, sobre
Estudos de e
lista Liege Albuquerqu
de Inatéria da Gazeta Mercantil, da jorna
(Gazeta Mercantii, 8/4/1998). Gostaria de agradecé-la pelos dados
fornecidos.
236 | Consideragées finais

Na redemocratizagao, os poucos candidato


s nao pertencentes
a0 circuito politico tradicional tinham grand
e dificuldade de con-
seguir maioria na Assembléia. O governado
r Vitor Buaiz, do
PT, 56 teve mesmo problemas com os coleg
as de seu partido, o
que o fez mudar para 0 PV. De resto, conseguiu
o apoio de 22
dos 30 deputados.
Em Pernambuco, 0 governador socialista, Migu
el Arraes, con-
quistou 0s votos de 70% da Assembléia. Até
abril de 1998, dos
598 projetos enviados a0 Legislativo pema
mbucano, apenas trés
foram rejeitados. No Parana, o governad
or Jaime Lerner obte—
ve o apoio de 36 dos 54 deputados, e apro
vou 92,7% dos seus
projetos. Mas melhor sorte teve o governad
or baiano, Paulo Sou-
to, que aprovou, nada mais nada meno
s, todos os projetos en-
viados a Assembléia Legislativa (Gazeta
Mercantil, 8/4/1998,
A-lO).
O finico estado em que o governador néo
obteve maioria fol-
gada foi o Distrito Federal, o que ne‘io
impediu a aprovagao da
maioria dos projetos enviados pelo Exec
utivo, embora o gover—
nador Cristévam Buarque seja o que teve mais
dificuldades go-
vernativas durante esta legislatura.
A situagao ultrapresidencial dos gove
rnadores nas Assem—
bléias Legislativas é resumida lapidarme
nte pelo deputado esta—
dual Luiz Romanelli, do PMDB paranaens
e. Comentando o poder
do governador de seu estado, disse ele:
“Se 0 governador Jaime Lerner colocar o
Palacio Iguagu (sede
do governo paranaense) a venda, a Asse
mbléia aprova” (Gazeta
Mercantil, 8/4/1998, A-lO).
Os governadores do filtimo quadriénio
ainda continuaram a
governar sem os checks and balances tipico
s do sistema presi-
dencialista. Os orgaos de controle, nova
mente, nao deram tra-
balho aos governos estaduais. Basta lembrar
que a fiscalizagéo
institucional estadual néo funcionou no maio
r escandalo do pe-
riodo, o dos precatorios. Verdade seja dita:
as falcatruas envol-
vendo os precatérios so foram descobertas
porque os orgaos de
imprensa com perfil mais nacional e uma
instancia politica fe-
dera l, o Senado, exerceram o papel de contr
ole. Ta] papel deve-
ria ter sido ocupado prioritariamente
pelas instituiqoes politi-
cas e judiciarias estaduais, que entraram
mais tarde no proces—
so e cujas decisoes foram, no minimo,
frustrantes. Novamente,
faltaram os checks and balances sobre
os governadores.
Consideracoes finais | 237

Além do mais, a despeito da péssima situacao financeira, 0s


governadores tiveram um excelente resultado nas eleicoes mu-
nicipais de 1996: em 21 dos 26 estados, o partido do governador
foi o que elegeu mais prefeitos (Folha de S.Paulo, 1/1/1997, A-
9). Se adicionarmos os outros partidos da coalizao que davam
suporte ao Executivo, em apenas um estado o governador nao
conseguiu a maioria das prefeituras. O controle dos governado-
res sobre as liderancas locais manteve-se solido.
Este quadro ultrapresidencialista tende a piorar com a intro—
ducao da reeleicao. Na redemocratizacao, apesar de todo o po—
derio do governador, a impossibilidade de reeleicao tornava o
momento eleitoral mais competitive, fazendo com que pelo me-
nos houvesse uma competicao entre as elites tradicionais, ou
ainda alguma chance de Vitoria para os outros grupos politicos
fora do establishment. Em abril de 1998, uma pequena pesquisa
realizada pelo jornal O Estado de Stio Paulo mostrava que, na
grande maioria dos estados, a entrada dos atuais governadores
na disputa forcava a antecipacéo das coligacoes do segundo tur—
no ja para o primeiro turno (5/4/1998, A-12). Ou seja, constatou-
se uma forte oligarquizacao da competicao eleitoral. As lideran-
cas estaduais optam por diminuir a competicao entre elas a par-
tir do seguinte calculo: com a reeleicao, o governador devera
usar ainda mais a poderosa méquina dos governos estaduais,
pois o seu futuro estara mais em jogo do que nunca. Afinal, se
antes um certo governador dissera “quebrei a maquina do esta-
do, mas elegi meu sucessor”, o que deverao fazer entao aqueles
que vao colocar seus nomes na disputa? E ainda ha 0 detalhe de
que a tendéncia é haver um menor controle da opiniao pliblica
sobre 0 pleito estadual, dada a grande preocupacao com a elei—
950 presidencial, além de es orgaos de fiscalizacao dos Executi-
vos estaduais, como vimos, serem praticamente controlados pe-
los préprios governadores (Abrucio & Samuels, 1997a).
A reeleicao torna mais urgente a reforma das instituicoes
politicas estaduais. Se antes elas ja produziam efeitos deleté-
rios a formacao da classe politica, agora entao é que o ideal repu-
blicano tendera a se transformar em uma quimera em nosso
sistema politico. E assim, o governador tera reforcado, uma vez
mais, o seu poder do barao da Federagao.
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