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CURITIBA 2013
GABRIELLE THAMI DEMOZZI
CURITIBA 2013
Aos catadores de material reciclável da Coopersol
Agradecimentos
Agradecer é algo extremamente importante, pois ao concluir uma etapa, muitas pessoas
estavam envolvidas neste processo.
Eu agradeço principalmente a Magda por ter me apresentado aos catadores de material
reciclável, facilitando as visitas, e me acompanhando em várias delas. Além disso, aprendi
com ela muito a respeito do amor ao próximo, humildade, e paixão mesmo que para isso
exista tamanha diversidade.
Ao meu orientador, que muitas vezes agiu como um bom amigo e durante todo o
processo de construção do tema, divagações a respeito do trabalho, sobre a vida, sobre a
sociologia ambiental me fez ter orgulho de ter cursado ciências sociais.
Aos amigos “reitorianos” que sem eles este processo teria sido bem doloroso, mas com os
sorrisos, as canções as tentativas de trabalho e estudo em grupo, os almoços no R.u trouxeram
alegria e demonstraram que uma grande amizade dura por toda a vida, independente do rumo
que tomamos. Posto isto, cito alguns nomes: Alana, Gabs, Bianca, Camila,Celina, Francisco,
Laura, Juca, Fernanda, Ellen, Max, Séfora Obrigada por tudo mesmo.
Aos amigos Emerson e Luciana, por todas as conversas e afagos que contribuíram para
que eu finalmente conseguisse terminar este trabalho, e por todas as vezes que vocês tiveram
que escutar sobre meu tema, mesmo não sendo da área.
Ao amigo Murilo por ter dispensado horas de seu tempo para escutar reclamações e
divagações e estar presente na alegria e na tristeza.
Ao meu companheiro Rudhá, por ter demonstrado tanta paciência, e sempre colocar a
música certa na hora certa.
Aos meus pais, porque sem eles nada disso seria possível.
E finalmente aos meus irmãos, Sabrina por ter destruído a primeira ideia que eu tinha
para este trabalho, obrigada estava realmente horrível, e ao meu irmão Junior que tem uma
capacidade infinita de demonstrar que não importa o tamanho do problema, tudo se resolve
fazendo uma piada ridícula.
Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
Êh, oô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!
Introdução 05
Considerações Finais 41
Referências Bibliográficas 43
5
Introdução
A Reciclagem dos resíduos sólidos aparece como proposta ideal tanto por parte do
governo local, através de campanhas e incentivos, como também do marketing que por meio
de propagandas relacionadas a produtos e serviços investem em campanhas a favor dos
retornáveis e maneiras eficazes de contribuir para o meio ambiente por meio de uma tentativa
de desenvolvimento sustentável.
Mas ao mesmo tempo em que a reciclagem aparece como beneficio ambiental no discurso
midiático e governamental, ela também gera custos, gastos e resíduos além de dar uma falsa
sensação de que de certa maneira contribuímos para uma limpeza do planeta, ou visto em
outro ponto que a culpa pela grande produção de lixo é amenizada somente pelo fato de
reciclar.
Para tanto, utilizaremos principalmente o texto de José Carlos Rodrigues, em seu livro
Higiene e Ilusão, que faz um levantamento antropológico, sociológico e histórico a respeito da
concepção do lixo enquanto problema cultural e simbólico. Neste sentido, o autor contribui
para a análise em relação à mudança de percepção a respeito do lixo, e as suas significações
sociais, a principio aceito e no decorrer dos tempos condenado, e novamente posto em pauta
devido à reciclagem e o valor econômico embutido neste processo.
a importância do lixo tem o nascimento, a partir de onde cresce até a angustia que
nos envolve atualmente, sempre chamando a atenção para o fato de existirem no
lixo, pelo menos duas histórias entrelaçadas e inseparáveis: a do significado e a do
objeto material1.
1
RODRIGUES, José Carlos. Higiene e ilusão. Rio de Janeiro: NAU,1995. Pág. 11
7
Porém, utilizando autores como Leila Ferreira da Costa e Ulrich Beck, percebemos que a
industrialização e a modernidade trazem contradições, e que embora existam tais políticas
ambientais, a pratica se mostra bem diferente. Não é à toa, que embora vivemos no ápice da
modernidade, não existe meio eficazes para a reciclagem sem a utilização da mão de obra
marginalizada dos catadores de materiais recicláveis.
Embora o objetivo geral desta monografia seja a análise do estigma social presente no
oficio de catador de material reciclável, é necessário perceber o lixo como objeto socialmente
construído para entender a existência de tal fenômeno histórico/ambiental.
Contudo o objetivo deste capítulo é analisar o lixo como objeto socialmente construído a
partir da perspectiva histórica e social, a onde é possível perceber que os problemas oriundos
da produção de resíduos sólidos não é exclusividade do século XX, e, portanto se faz
necessária uma breve explanação do que era a representação relacionada aos resíduos sólidos
na Idade Média na Europa. Posteriormente, a geração de resíduos começou a ser objeto de
preocupação também por parte do Estado no Brasil.
Desta maneira, segundo José Carlos Rodrigues, em seu livro Higiene e Ilusão (1995), e
Emilio Maciel Eigenheer, no livro a História do Lixo (2009), é possível perceber que somente
a partir da segunda metade do século XIX se faz distinção entre lixo (resíduos sólidos) e
resíduos eliminados pelo corpo humano (fezes, urina).
Eric Hobsbawn mostra que o camponês típico era um servo que vivia em função do
trabalho forçado na terra do senhor2.
2
HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira e
Marcos Penchel. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. Pág. 33
9
O século XVIII, em todo caso não vivia um período de estagnação agrícola. E na segunda
metade do século uma grande expansão demográfica culminava com a urbanização crescente,
de fabricação e comercio que encorajava a melhoria da agricultura. O mundo moderno já
apontava para um crescente e ininterrupto aumento da população.
O mundo agrícola era lerdo, a não ser talvez em seu setor capitalista. Já os mundos
do comércio e das manufaturas; e as atividades intelectuais e tecnológicas que os
acompanhavam, eram seguros de si e dinâmicos, e as classes que deles se
beneficiavam eram ativas, determinadas e otimistas5.
Desta maneira, o fenômeno urbano surge no final do século XVIII, a onde a necessidade
de separar era desejo fundamental dos urbanistas vanguardistas da época. Em 1794 surge à
primeira cadeira de Higiene Publica preocupada em transformar a cidade no sentindo de
pavimentar as ruas, separar os cemitérios, e o interesse em cobrir o solo dava-se ao medo que
a matéria em decomposição causava 6.
Eigenheer (2009) aponta para o fato que o lixo na história sempre encontrou a dualidade
de ser algo necessário a descartar e, ao mesmo tempo, aceito por sua utilidade de alguma
maneira. Assim, se a geração de resíduos sempre existiu na história da humanidade nem
3
Idem. Pág. 35
4
Idem. Pág. 36
5
Idem. Pág. 38
6
RODRIGUES, José Carlos. Higiene e ilusão. Rio de Janeiro: NAU,1995. Pág. 42.
10
sempre foram cultivados sentimentos relacionados ao lixo como algo “asqueroso” ou até
mesmo “perigoso” 7.
A escolha da Idade Média como ponto de partida, segundo Rodrigues se faz importante
pelo fato de que, embora seja um modelo generalizador, é relevante o fato que os dejetos,
assim como os corpos, não se separavam. O cemitério e as sepulturas coletivas entreabertas
eram o centro da vida coletiva; as pessoas conviviam com os cadáveres e não existe registro
de reclames sobre isso.8 A representação social do que era considerado asqueroso, portanto,
era culturalmente diferente da sociedade capitalista e industrial, e a convivência com dejetos
humanos era uma prática social decorrente.
Outro ponto importante de se destacar é que a escolha pela Idade Média também se faz
pelo fato que essa era uma época quando a cultura industrial não existia, e que o sistema
capitalista nasce da ruptura das relações sociais e políticas medievais, e consequentemente
com uma nova maneira de interpretar as relações e os contextos sociais. 9
7
Idem. Pág. 11
8
Idem. Pág. 29
9
Idem. Pág. 23
10
Idem. Pág. 24
11
sociedade atual e, portanto livres de uma negatividade histórica construída. Assim, o ponto de
partida do autor, são os anos que antecederam a sociedade em crise medieval.
Com uma perspectiva estritamente histórica, Eigenheer aponta que na baixa Idade Média
muitas casas tinham áreas livres para o destino de excrementos e resíduos sólidos. A parte
orgânica constituía boa parte dos resíduos domésticos e era utilizada para as esterqueiras. A
situação se complica com a redução dos espaços livres e consequentemente com o aumento
populacional. 12 Além disso, era comum a criação de animais, e existia costume de armazenar e
jogar dejetos humanos e de animais defronte às casas, prática que no século XIX era
condenada pelos setores administrativos em uma tentativa de limpeza urbana.
11
Idem. Pág. 32
12
EIGENHEER, Emílio Maciel. Lixo: A limpeza urbana através dos tempos. 2009. Pág. 92
12
No Rio de Janeiro era comum a utilização de vasos para o despejo dos dejetos humanos e
por dificuldade geográfica era difícil enterrar determinados resíduos, pois eram regiões
úmidas e com os lençóis freáticos muito altos, que impossibilitavam a técnica de enterrar os
dejetos. Desta maneira os dejetos eram depositados nas ruas ou até mesmo no mar.
Em meados do século XIX tais práticas foram condenadas sob pena de punição para quem
continuasse depositando os dejetos em lugares inapropriados. Na formatação do primeiros
códigos urbanos de conduta social, estipulou-se, portanto, horários e locais específicos para o
despejo dos dejetos, assim como a utilização de carroças para o recolhimento do lixo. Apenas
a partir de 1854 que o governo ficou responsável pela limpeza da cidade.
Várias tentativas de eliminação dos resíduos foram implantadas depois deste ano, e a
contratação de empresas privadas para o serviço além da organização publica esbarrava em
vários problemas técnicos e administrativos e até mesmo com o costume da população.
Emílio Maciel Eigenheer argumenta que um fator importante para a limpeza urbana no Rio de
13
Idem. Pág. 48
14
RODRIGUES, J.C. Op. Cit. Pág.22
13
A partir da segunda metade do século XX, o lixo começa a adquirir aspectos mais
problemáticos, e, no auge da industrialização, as cidades começam a se expandir e
consequentemente a produzir mais resíduos. Esta contradição que é presente na expansão de
maneira insustentável é questionável e surge a necessidade de se buscar soluções para o
reaproveitamento daquilo que foi jogado fora. A preocupação com programas voltados a
coleta seletiva começa a surgir15.
Porém, ainda hoje o gerenciamento do lixo urbano encontra vários entraves, em parte
porque a política de resíduos sólidos encontra alguns problemas no que concerne ao destino
final do lixo, além da maneira como os municípios lidam com a questão do lixo, que encontra
diversos impasses em relação aos trabalhadores que lidam com esse tipo de material. Além
disso, a cultura em relação aos catadores de resíduos sólidos permanece e como mostra
Eigenheer, estes trabalhadores existem há muito tempo na história do mundo.
Na Europa do século XIX os catadores foram alvo da atenção dos teóricos e adeptos
de movimentos revolucionários, que viam neles não só uma das mais degradantes
consequências do sistema capitalista como também parte da estratégia
revolucionária. A resistência nas ruas poderia contar com um grupo potencialmente
contestador.16
15
BEZERRA, Rafael Ginane. Da prática da separação do lixo: estudo de caso sobre as representações sociais
do lixo entre os participantes do programa Câmbio Verde em um bairro de Curitiba. Dissertação de
mestrado(2003). Pág. 26
16
Idem. Pág. 115.
14
materiais, acabavam revirando o lixo e desta maneira depositando nas ruas o que não era de
seu interesse. No Brasil existiram várias tentativas de auxilio a para os catadores,
principalmente na criação de Cooperativas para a separação e a triagem do lixo. Porém ainda
é visível a falta de incentivos estatais para este tipo de atividade. Este tema será abordado com
mais detalhes no próximo capítulo.
17
BEZERRA, R.G. Op. Cit. Pág. 09
18
EIGENHEER, E.M. Op. Cit. Pág. 119
19
Sobre o assunto, ver: GRIPPI, Sidney. Lixo: reciclagem e sua história. Rio de Janeiro, Interciência, 2006.
15
Além disso, o Brasil, durante esta breve explanação nas questões relacionadas ao destino
final dos resíduos, teve demandas tímidas em relação a uma política nacional de resíduos
sólidos que foi implantada somente em 2010, e prevê a articulação envolvendo os três entes
federados – União, Estados e Municípios além do setor produtivo e sociedade civil em busca
de soluções para os graves problemas relacionados aos resíduos.
A Coleta Seletiva em Curitiba foi implantada em 1985 no Bairro de São Francisco a partir
da iniciativa da associação de moradores de São Francisco, e pressupõe a separação na fonte
dos materiais que se deseja tratar. Curitiba foi à primeira cidade a utilizar esse recurso como
alternativa para o destino final do lixo em 1988. Hoje mais de 200 cidades brasileiras tem
este tipo de coleta implantada, “contudo, entre nós esta prática tem enfatizado mais a
separação prévia de materiais destinados à reciclagem industrial (na tradição dos
catadores), e menos a compostagem da fração orgânica do lixo20”.
Hoje estes depósitos de lixo estão em condição de aterros controlados. A cidade foi
pioneira nos programas de coleta seletiva, e desta maneira a reciclagem aparece como
alternativa viável para a diminuição de lixos enviados para o aterro sanitário.
Programas como o “Lixo que não é Lixo”, o “Cambio Verde” sempre estiveram
associados à imagem bem difundida de cidade planejada e que de certa maneira encontrou
soluções eficazes para a manutenção e reaproveitamento das matérias que podem voltar ao
circulo econômico a partir da reciclagem. A data da implantação destas iniciativas feita pela
20
EIGENHEER, E.M. Op. Cit. Pág. 104
16
Prefeitura de Curitiba é o mesmo ano em que começa a operação para o aterro localizado
próximo ao bairro do Caximba.
Vale destacar, que embora a cidade disponibilize certos programas, a reciclagem nunca
esteve desassociada dos catadores de materiais recicláveis que desempenham um papel
fundamental nesta empreitada.
As primeiras ações voltadas para o meio ambiente em Curitiba tiveram destaque na década
de 70, principalmente com a gestão de Jaime Lerner, a onde aparece em políticas publicas a
necessidade de preservação de áreas verdes construídas e consequentemente o aparecimento
de parques como o da Barreirinha. 21
Marcio de Oliveira mostra que até a década de 80, embora ocorressem várias mudanças
em relação à manutenção e criação das áreas verdes e a evolução da legislação ambiental não
existia nenhum programa estritamente ambiental22.
Foi a partir dos anos 90 que a cidade começa a ganhar notoriedade em relação aos seus
programas e planejamento urbano combinado com a manutenção do meio ambiente. Os
programas de Coleta Seletiva como o “Lixo que não é Lixo” e o “Compra do Lixo” são
premiados em 1990 pela ONU por intermédio do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente, e começam a receber atenção fora da cidade. Desta maneira, a construção do ideal
de cidade ecológica vai firmando e o titulo de capital ecológica é conquistado 23.
Porém Marcio Oliveira demonstra que o sucesso em relação a tais programas e ao mérito
concebido por ser uma cidade planejada e consequentemente preocupada com o meio
ambiente, é ligado muitas vezes além de uma boa administração.
21
OLIVEIRA, Márcio de. A trajetória do discurso ambiental em Curitiba (1960-2000) in>
www.scielo.br/pdf/rsocpln16/a06n16pdf. Pág. 04
22
Idem. Pág. 09
23
Idem. Pág. 06
24
Idem. Pág. 10
17
O autor cita o “Cambio Verde” programa criado em 1991 que tinha como objetivo o
cambio de lixo reciclável por produtos hortigranjeiros para as populações carentes. Além
disso, para a implantação do programa a parte prática em relação a quem coletaria o lixo em
regiões como favelas e comunidades ribeirinhas invadidas e de difícil acesso, ficava a cargo
da população interessada em fazer o cambio por alimentos.
O fato de a população trocar o lixo que produzia, portanto, era uma maneira eficaz e
barata de limpeza e ligada consequentemente a fatores econômicos aquém a preocupação com
o meio ambiente. Cabe reassaltar que as tentativas para eliminação do lixo urbano sempre
encontraram entraves na implementação por diversos motivos tanto de planejamento quanto à
demora em dispor os lixos orgânicos em um lugar apropriado que seriam o aterro sanitário
controlado. E que em Curitiba até pouco tempo atrás a preocupação ambiental surgia a partir
da elaboração de planos a respeito da criação de parques e áreas verdes. O pioneirismo em
relação à coleta seletiva se dá também por uma dualidade a onde em determinadas regiões da
cidade era difícil fazer a coleta, e por esse motivo programas de cambio do lixo contribuíram
para que a população carente fizesse a troca desses materiais.
Vale destacar, que o aterro sanitário do Caximba, já havia esgotado sua capacidade em
2009, e em 2010 começaram as atividades para a desativação do aterro.
Embora no site da prefeitura, o destino final do lixo domiciliar esteja associado ao nome
do Caximba, na realidade, após o fechamento do aterro, estão sendo utilizados aterros
sanitários temporários, sendo que 2,4 mil das 2,5 mil toneladas de lixo são destinadas ao
aterro da Estre em Fazenda Rio Grande, e as 100 toneladas restantes vão para a Essencis na
divisa de Curitiba com Araucária. Isto demonstra dentre outros pontos, que mesmo que cidade
tenha sido pioneira em programas, já citados, para a reciclagem de lixo como o “Lixo que não
é lixo” ou o “Cambio Verde” e que tenha conquistado o titulo de capital ecológica, não quer
dizer que tenha encontrado soluções permanentes para a manutenção da disposição final do
lixo, tendo que utilizar aterros temporários para solucionar este problema. Ou seja, a cidade
encontra soluções imediatas para amenizar os conflitos que este problema ambiental causa.
Outro ponto importante, é que a informação a respeito dos aterros temporários não consta no
site oficial, o que dificulta a pesquisa a respeito do destino final do lixo domiciliar. A
informação foi encontrada a partir de reportagem feita pela gazeta do povo, e quando se faz
uma busca a respeito do Aterro Sanitário de Curitiba, conhecido como Caximba, a maior parte
18
das noticias são relacionadas aos problemas que este aterro trouxe a população que morava
aos arredores, e principalmente como à região foi desfavorecida por ter tal empreendimento
por perto.25
25
As fontes dessa parte do texto foram retiradas de uma matéria do jornal Gazeta do Povo. Única fonte
encontrada para essa pesquisa. Link: www.gazetadopovo.com.br/conteudo.phtml?id=1186502
26
FERREIRA, Leila da Costa. A questão ambiental: sustentabilidade e políticas públicas no Brasil. Boitempo
Editorial, 1998. Pág. 81
19
Não por acaso, a criação do Sema (Secretaria Especial de Meio Ambiente) teve
influencias diretas da Exposição dos Motivos nº 100/71. Elaborada então pelo secretário do
Conselho de Segurança Nacional, João Baptista Figueiredo, elencava dentre outros pontos a
sugestão para a posição nacional em Estocolmo, acentuando o caráter primário a favor do
desenvolvimento econômico do país. A Sema foi criada em 1973, sob coordenação do
Ministério do Interior, e em resposta a uma situação emergencial.
Desta maneira, Leila Ferreira da Costa mostra que as políticas públicas relacionadas ao
meio ambiente são controvérsias, de alguma maneira, pois entram em contradição com o
desenvolvimento e para que sejam efetivas é necessário que criem conflitos. Desta maneira o
ponto principal das políticas ambientais no Brasil, segundo a autora, é administrar bem os
conflitos.
Isto coloca os policymakers, que lutam para implementar políticas ambientais hoje,
em um dilema: de um lado se encontram em posições adversas ao desenvolvimento;
de outro, são compelidos ao exercício de persuasão, do convencimento, da indução.
Surge então, a noção de que para ter uma política ambiental efetiva é necessário que
se criem conflitos. Nesse contexto, a questão crucial se transforma em como
administrar bem os conflitos.27
27
Idem. Pág. 83
28
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São
Paulo, Editora 34, 2010. Pág, 26.
20
Embora a reciclagem seja vendida como solução, ela também gera uma inversão social
do que seria uma limpeza do planeta. Assim, da mesma maneira que a ciência traga diversas
certezas ela também projeta uma visibilidade de riscos e incertezas, pois ainda não existem
maneiras eficazes de recolhimento do material reciclável sem a utilização da mão de obra
marginalizada dos catadores.
A política nacional de resíduos sólidos foi decretada em 2010, após 20 anos de trâmite
legislativo, como complemento e reajuste da lei de 12 de fevereiro de 1998. Com o intuito de
estabelecer diretrizes relativas à gestão integrada para o gerenciamento de resíduos sólidos.
29
Idem. Pág. 12
21
A análise das leis que regem a manutenção e eliminação dos resíduos sólidos no Brasil
determina entre outros pontos, a responsabilidade para o gerenciamento do lixo em junção
entre a união e os municípios. Cada estado disponibiliza a sua própria lei de resíduos sólidos,
além da lei nacional.
É possível encontrar, disponível para consulta publica o Panorama dos Resíduos Sólidos
no Brasil que aponta não só a necessidade de eliminação dos lixões no país como também a
implantação de coletas seletivas eficazes, mecanismos de inclusão dos catadores e programas
de logística reversa para grandes geradores de lixo.
Além disso, contempla a lei 12.305 (agosto de 2010) que prevê a eliminação dos lixões até
2013, e pressupõe que cada município envie a sua proposta para a gestão de lixo. Em todo
caso em matéria publicada na Gazeta do Povo do dia 25/09/2012, 95% das prefeituras do
Brasil não haviam entregado o plano de gestão do lixo.
Embora os pontos necessários para a gestão do lixo urbano estejam contemplados em lei,
a prática se mostra bem diferente. Como foi apontado anteriormente, em Curitiba, até 1990
não existia um lugar adequado como aterros sanitários controlados, para o destino final do
lixo. O aterro sanitário do Cachimba até ser efetivamente desativado, gerou uma serie de
revoltas por parte da população que reclamava do mau cheiro, e a sua capacidade já havia sido
esgotada desde 2009.
O Brasil , assim como em diversos países no mundo, viveu nos anos pós-guerra uma
intensa industrialização e urbanização, como é possível perceber ao considerar que nos anos
50 a população brasileira atingia a cifra de 18 milhões de habitantes, e em 1980 atinge 80
22
milhões. (IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1980). Levando em conta que
esse dinamismo urbano é aliado à criação de novos empregos em diversas áreas como de
transporte e na indústria de informação assim como outras ocupações modernas, ao mesmo
tempo em que cria um processo de exclusão de profissionais expostos às incertezas de um
mercado de trabalho dinâmico e instável.
No final dos anos 80, o sistema urbano e as cidades brasileiras do ponto de vista de
sua organização espacial, expressam esse processo contraditório. Dentro das
cidades- e quanto mais complexa for sua estrutura ocupacional e social – acentuou-
se a segregação espacial e generalizou-se a existência de periferias urbanas, antes
triste privilégio dos grandes centros.30
John Hannigan aponta para os discursos ambientais elencados por outros autores, e
destaca Brulle que discorre a respeito de nove discursos que são complementares entre si: o
manifesto de destino, o manejo da vida selvagem, a conversação, a preservação, a reforma
ambientalista, a ecologia profunda, a justiça ambiental o ecofeminismo, e a ecoteologia. Para
Brulle, segundo Hannigan, não pode haver uma ação ambiental significativa sem uma
mudança estrutural, isto que dizer que os discursos ambientais devem estar atentos às origens
sociais da degradação ambiental e proclamar uma visão coerente do bem comum.
A presente pesquisa tem como objetivo a análise do estigma social associada à profissão
de Catadores de Materiais Recicláveis, popularmente conhecidos como catadores de papéis ou
carrinheiros, procurando demonstrar como a problemática do lixo sai de um âmbito privado,
particular e silencioso durante o transcorrer da história, para se tornar um dos assuntos
públicos mais relevantes para a sociedade do século XXI.
30
Idem. Pág. 103.
23
Procura-se salientar dentre a manutenção dos resíduos sólidos a Coleta Seletiva que
pressupõe a separação do lixo para a conservação de matérias recicláveis, que poderiam ser
danificados ou teriam seu valor reduzido pelo contato com materiais não recicláveis. Porém, é
necessário destacar essa atividade como uma dentre várias em relação à manutenção dos
resíduos sólidos em uma cidade.
A coleta seletiva é entendida como um meio eficaz de enviar o menor numero de matérias
recicláveis para os aterros sanitários ou lixões. Esta separação pode ser feita por diversos
agentes, e no caso da presente pesquisa será analisada esta atividade desenvolvida pelos
catadores de materiais recicláveis, conhecidos como catadores de papeis, que encontram na
catação de lixo o meio principal de sobrevivência. Cabe-nos ressaltar também que existem os
catadores de materiais recicláveis que não trabalham cooperativados e recolhem o material
por conta própria, assim eles acabam repassando o que coletam em condições mais adversas,
como por exemplo, por preços mais precários.
Quando a Coleta é feita por um grupo de catadores associados, estes recolhem o material
e transportam para o barracão, no qual são realizadas a separação, a prensa, e a pesagem do
material, para posteriormente serem vendidos. Neste caso, eles conseguem segurar o material
por algum tempo antes de passar para o atravessador, conseguindo assim um valor mais alto
para o material.
Durante a pesquisa foram realizadas visitas a alguns barracões no Bairro Novo, Almirante
Tamandaré e Piraquara. Todos estes grupos fazem parte da Cooperativa de Catadores
Coopersol, uma cooperativa para a comercialização de resíduos sólidos. O objetivo desta
cooperativa é eliminar a figura do atravessador, fortalecer a categoria dos catadores de
materiais recicláveis e consequentemente aumentar o lucro das famílias que são envolvidas
neste processo.
A associação de catadores do Bairro Novo, chamado Projeto Mutirão foi a que recebeu
maior atenção, devido à facilidade de inserção por meio de uma pessoa que desenvolve
oficinas, e programas de conscientização para o grupo. O Projeto Mutirão surge em proposta
apresentada pela Paróquia Profeta Elias em 2002 para o enfrentamento à fome e a miséria no
Bairro Novo. A associação faz parte de um projeto de economia solidária que participam
panificadoras, oficinas de costura e grupos de artesanato - estes grupos pautam-se nos
princípios de autogestão, propriedade coletiva dos meios de produção, partilha justa e fraterna
do resultado do trabalho.
24
Esta afirmação fica ainda mais clara, quando se faz uma busca de quais pessoas
desempenham a atividade voltada à limpeza urbana. Dentre os grupos de catadores visitados,
e através de pesquisas informais, é possível perceber que os grupos são geralmente outsiders,
mesmo associados ainda recebem um salário baixo relacionado ao trabalho que é complicado
e exige grande esforço físico para que seja realizado. Os carrinhos são pesados, além disso,
são submetidos às nuances do tempo e a colaboração dos moradores dos bairros onde o
material reciclável é coletado. Fora isso, quando o lixo é separado, muitas vezes encontram
materiais perigosos como ácidos, seringas, dentre outros. É comum encontrar pessoas com as
mãos queimadas por algum produto químico incluído no lixo ou até mesmo com várias
marcas no corpo relacionadas ao sol.
A maioria, não possui ensino médio completo, o que dificulta a inserção no mercado de
trabalho formal.
Foi realizado em 2013 um estudo feito pelo Instituto de Economia Aplicada (IPEA) para
demonstrar os indicativos sócios econômicos dos catadores de materiais recicláveis em todas
as regiões do Brasil, porém nesta monografia serão apresentados e abordados alguns
indicativos referentes à região sul. Pela dificuldade em encontrar dados referentes apenas a
Curitiba, utilizaremos os dados que contemplam o Paraná. O objetivo de demonstrar estes
indicativos é entender que o estigma vai além das situações em que ele é posto, e neste caso
tem ramificações sociais, e políticas quando percebemos como vivem os catadores de
materiais recicláveis no Brasil.
25
Cabe-nos ressaltar que todos os gráficos que analisaremos a seguir nesse capítulo são de
uma mesma fonte, a pesquisa feita pelo IPEA
Ao verificar apenas os números referentes à região Sul, nota-se que, enquanto entre a
população como um todo com 25 anos ou mais, 52,13% completaram o ensino fundamental,
entre os trabalhadores da reciclagem o percentual para essa mesma faixa etária é de apenas
20,6%. Ou seja, apenas um em cada cinco trabalhadores possui ensino fundamental completo
nessa atividade. Nenhum dos estados da região possui um percentual acima da média
nacional. Santa Catarina, com apenas 19,5%, apresenta o pior cenário nesse quesito. O maior
percentual é verificado no Rio Grande do Sul, com 21,6%.
A mesma situação pode ser observada na região Sul, onde 35,96% da população geral
possui ensino médio completo, enquanto entre catadoras e catadores esse número é bem
inferior, 7,9%. Ou seja, menos de uma em cada doze pessoas que trabalham na atividade de
reciclagem possui ensino médio completo. Nenhum dos estados da região alcança a média
nacional. O Rio Grande do Sul tem o índice mais baixo da região, 7,2%. O Paraná apresenta o
índice mais alto, 8,8%.
Estes gráficos são importantes, pois é possível perceber que a situação escolar dentre os
grupos de catadores de materiais recicláveis é bem complicada. Nota-se que mesmo o Paraná
que disponibiliza o índice mais alto em relação aos catadores que possuem ensino médio
completo com 25 anos ou mais, a situação é critica. Dentre os grupos que foram visitados em
Curitiba, a maioria não possuía ensino médio completo.
27
Isso reflete, dentre outras fatores, a dificuldade que estes profissionais tem em entrar no
mercado de trabalho formal.
O gráfico abaixo irá demonstrar uma questão fundamental levantada na pesquisa, que é a
respeito da remuneração dos catadores de materiais recicláveis. De acordo com o Censo
Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, a média do salário era de R$ 571,56. Na região
Sul, o maior salário é o de Santa Catarina com uma média de R$ 701,02, e no Paraná a média
do salário é de R$ 580,12.
Para tratar sobre Estigma, Erwin Goffman apresenta uma discussão relacionada
diretamente ao individuo que sofre o estigma, e salienta que esse termo é impregnado mais a
própria desgraça da pessoa, do que um atributo pessoal. Assim, para uma compreensão do
28
estigma que está presentes nas relações entre pessoas que trabalham com o lixo e as pessoas
que não trabalham, a análise do estigma se faz necessária para uma compreensão mais
aprofundada do tema.
Ao lidar com outra pessoa que não é prevista no circulo pessoal, tende-se a fazer uma
série de julgamentos a respeito da sua identidade social, trata-se o outro com um emaranhado
de ideias normativas de como esse outro deve ser. Assim alguém que trabalha com o lixo, do
lixo deve ser, pois mesmo que o lixo esteja presente na vida não existe uma relação tão grande
com ele, pois representa algo que não é aceito e pode ser descartado.
Por definição é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja
completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações,
através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances
de vida32.
A sociedade contemporânea tende a pensar o trabalho de catador como uma profissão que
uma pessoa normal não se submeteria. É lógico que dada às proporções isso se apresenta de
uma maneira clara, o fato é que existem milhões de catadores de papeis no Brasil, e eles já
fazem parte do cotidiano, inclusive já são regulamentados como uma classe de
trabalhadores33. Porém, quando o problema maior disso é que se alguém tem que colocar a
mão no lixo, percebe-se que quem deve fazer isto são os trabalhadores marginalizados.
Desta maneira, a percepção do estigma vai além de um atributo pessoal do catador, mas a
maneira como é encarado a profissão que desempenha e até mesmo a aceitação por parte da
sociedade civil, de uma maneira cínica. Quando é percebida a necessidade deste tipo de
trabalhador ai sim é designado a ele um papel importante de agente ambiental. Contudo, em
31
GOFFMAN, Ervin. Estigma – Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Ltc,
2008. Pág, 12.
32
Idem. Pág. 15.
33
A categoria profissional de Catador de Material Reciclável foi reconhecida em 2002 no Código Brasileiro de
Ocupações (CBO).
29
conversas com os catadores, essa aceitação é bem diferente. A maioria reclama que as os
moradores recolhem o lixo quando eles estão passando e recolocam quando o caminhão da
prefeitura está fazendo a coleta. Além disso, são atribuídos a eles estereótipos construídos de
homem do saco, e até mesmo marginais. Durante as conversas, muitas vezes, eles assumem a
necessidade de respeito pelo trabalho que desempenham.
Sendo assim, Goffman demonstra que o estigma também faz parte de uma ideologia
construída para explicar a inferioridade de alguém, ao mesmo tempo em que é posta uma
característica desejável no indesejável para torna-se talvez, melhor a maneira como seja
encarada sua existência34.
Sendo assim, ao lidar com algo que já foi excluído, estes trabalhadores entram em um
processo de reaproveitamento daquilo que fora descartado, e desta maneira encontram no lixo
uma maneira de inserção social através do trabalho e consequentemente uma tentativa de
praticar a sua cidadania, esta que como aponta a autora, se apresenta necessariamente pelo
trabalho e pela tentativa de conquista de direitos.
Essa identidade construída faz parte do discurso dos catadores que admitem o seu trabalho
como importante para o processo de limpeza urbana, e consequentemente entendem que
desempenham papéis fundamentais no sistema de recolhimento do material reciclável nos
moldes que conhecemos hoje.
34
GOFFMAN, Ervin, loc. cit.
35
WALTY, Ivete Lara Camargo. Corpus Rasurado, Exclusão e resistência na narrativa urbana. Belo Horizonte,
Editora Autêntica, 2005
30
admitem, mas que no fim não aceitam e não estão dispostos a aceitarem esta condição
baseado em uma comparação entre iguais36.
Fernando Braga da Costa no livro intitulado Homens Invisíveis relata a experiência que
teve sobre o trabalho dos garis, e como são vistos em um âmbito elitista que é a Universidade.
Desta maneira, para efetuar a pesquisa, Fernando passou 10 anos trabalhando como gari na
instituição de ensino que ele estudava. A invisibilidade social é apresentada de uma maneira
interessante porque ao fazer a observação participante Fernando conseguiu entender na prática
o que é ser um individuo considerado invisível e que possui determinado estigma pela
profissão que desenvolve.
36
GOFFMAN, Ervin. Op. Cit. Pág. 16-17.
37
Ibid.¸pág. 17
38
Ibid., pág. 27
31
Além disso, o autor aponta para a discussão acerca da humilhação social e como esta se
apresenta de uma maneira histórica fazendo parte e determinando em muitos pontos o
cotidiano das classes mais pobres . Corresponde também à desigualdade política e como esta
exclusão traz características negativas à formação do individuo.
O autor vincula em sua análise três pontos subjetivos e intersubjetivos que caracterizam o
trabalho de gari, sendo a reificação, a humilhação social e a invisibilidade pública. No
decorrer da sua pesquisa, Fernando Braga da Costa descreve a sensação que teve ao entrar na
universidade com o uniforme de gari e como foi à reação das pessoas que ele conhecia e
convivia todos os dias. O intuito de entrar na faculdade era buscar dinheiro para poder
almoçar com um colega gari, e ao caminhar por colegas e amigos ninguém se quer reparou em
sua presença e muito menos chegaram a cumprimentar ou olhar para ele e o seu companheiro.
Em outro exemplo, Fernando estava fora da faculdade trabalhando como gari e dois
professores dele ficaram a sua frente. O autor descreve que faltou um deles esbarrar nele, pois
39
COSTA, Fernando Braga da. Homens Invisíveis: relatos de uma humilhação social - São Paulo: Globo,2004.
Pág. 63
32
não tinham notado a sua presença vestido como gari, diferente era a relação quando este
estava como um aluno qualquer da universidade.
Quando a universidade é vista pelos normais como limpa, aí sim o trabalho do gari é
considerado, caso contrário dificilmente este vai ser visto como pessoa. Ou em outras
palavras, neste ambiente só aparece o que devem fazer figurando personagens simples.
A visibilidade social também é ponto debatido por Goffman quando esta está vinculada ao
estigma. O autor aponta para a questão de percepção relacionada ao “defeito” de outra pessoa,
e principalmente como a identidade do individuo é relacionada às atividades diárias, e
relações sociais envolvidas nestas atividades. O fato é que entre os normais existe uma visão
relacionada à objetividade ou não a respeito da desqualificação de outra pessoa. O estigma
não é somente um atributo, mas uma linguagem de relações a onde ao estigmatizar alguém se
pode confirmar a normalidade de outrem.
Portanto, fazendo uma análise do sentido do termo visibilidade, Goffman mostra três
pontos necessários para a elucidação a respeito de como a visibilidade do estigma se difere em
algumas situações, sendo elas: a possibilidade de conhecimento ou não de determinado
atributo estigmatizado, a reação dos normais perante a um atributo visivelmente
estigmatizado, e finalmente como este atributo é percebido.
40
Ibid., pág. 124
33
de lixo. A ligação entre o que é estabelecido em relação a uma profissão que é aceita no
circulo social e o que é outsider.
Para Elias, as condições em que um grupo consegue lançar um estigma sobre o outro, vai
além do desprezo que um individuo tem sobre o outro. A situação apresentada em Winston
Parva mostra que a relação de preconceito social não é somente voltada ao individuo e suas
qualidades pessoais, mas sim, ao grupo que faz parte que é considerado coletivamente
diferente e inferior ao grupo estigmatizador.
Afixar o rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas usadas
pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua
superioridade social. Nesta situação o estigma social imposto pelo grupo mais
poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com
isso enfraquecê-lo e desarmá-lo41.
Dentre os grupos humanos é visto, como aponta Elias, uma série de maneiras faladas para
estigmatizar outro grupo e que só fazem sentido em contextos de relações especificas entre
estabelecidos e outsiders. Como no caso dos catadores quando eles relatam que outras pessoas
se dirigem a eles como ladrão, homem do saco, mendigo dentre outras retaliações. A maneira
41
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2000. Pág. 24.
34
Assim é possível perceber que a relação de poder é a relação entre duas ou mais pessoas, é
um atributo que se mantém num equilíbrio instável de forças. Os estabelecidos vêm nos seus
valores sinais de valor humano mais elevado. Os outsiders vivem a sua inferioridade de poder
como um sinal de inferioridade humana.
Nas relações entre estabelecidos e outsiders, quando é justificada a relação de poder mais
acentuada, é visto que os grupos outsiders são comumente tidos como sujos e quase
inumanos. Não que esse discurso seja dito diretamente, mas é entendível a partir do momento
que percebemos quem são as pessoas que trabalham com o lixo.
Em uma situação relatada por uma catadora do projeto mutirão no bairro novo, a
perspectiva de inferioridade humana é posta. Ela conta que ao entrar no colégio que estuda
muitos alunos não falam com ela porque ela lida com lixo. A profissão que desempenha é
subjulgada devido ao manuseamento de algo que foi jogado fora e assume a característica de
algo ruim, sujo, por isso foi descartado. Desta maneira, visto pelos outros ela não é digna de
estar ali.
Para Elias, os grupos outsiders normalmente são vistos como anômicos, ou seja, não
respeitam a partir da noção dos estabelecidos determinadas normas e regras sociais. Isto faz
com que o contato intimo como eles seja sentido como desagradável:
O contato íntimo como os grupos outsiders, segundo Elias pode fazer com que o
estabelecido tenha sua situação superior colocada a prova, e isso o rebaixaria de alguma
maneira, perante os iguais. Esta noção de desordem que os catadores podem ameaçar, em
algumas situações do cotidiano é possível notar isso: é comum as pessoas do bairro
42
Idem. Pág. 26.
35
reclamarem que os catadores bagunçam o lixo que está em frente à casa para buscar somente
o que lhe interessa, ou até mesmo quando estão com os carrinhos no trafego são considerados
desordeiros e que deviam fazer seu trabalho em outro lugar
Elias demonstra que a estigmatização de grupos outsiders exibe alguns traços semelhantes
quando é entendido que determinado grupo desempenha papéis passíveis de desconfiança por
serem indisciplinados e desordeiros.
Esta fantasia coletiva, muitas vezes são associações simbólicas que enaltecem e depreciam
o outro, representam um papel muitas vezes óbvio na administração das questões humanas
relacionadas ao poder. Elias salienta que em muitas situações diferentes é possível verificar a
configuração de estabelecidos e outsiders, porém todas elas são vinculadas a uma maneira de
mudar o equilíbrio de poder. Em todo caso, os grupos outsiders tendem a agir com o objetivo
43
Ibid., pág. 35
36
Interessante perceber que o desprezo não é só sentido por pessoas de diferentes classes
sociais, mas da mesma classe social, ao escutar histórias em que os catadores relatam que são
pessoas do próprio bairro que descriminam eles.
O estudo foi baseado em observação, porém não participante, porque não cheguei a
trabalhar como catadora de material reciclável, justamente pela falta de tempo e pela
dificuldade de inserção no grupo.
Como dito anteriormente o barracão do bairro novo chamado Projeto Mutirão, recebeu
maior atenção e tive conversas com praticamente todos que trabalhavam lá. Os outros
barracões como Almirante Tamandaré, Piraquara eu fiz apenas uma visita, mas que trouxe
percepções consideráveis para o enriquecimento da pesquisa.
Como um dos objetivos da pesquisa foi à análise dos discursos simbólicos dos Catadores
de Papéis para perceber como eles se reconhecem no mundo capitalista, a metodologia
escolhida é a observação, utilizando um diário como apresenta Wright Mills:
Dessa maneira a escolha pela observação surge como uma boa maneira de análise,
pois proporciona ao pesquisador uma maior liberdade para as resoluções das próprias
inquietações que nascem do cotidiano.
A narrativa como forma discursiva, como história de vida, história imaginaria, tem
sido abordada por diversas correntes de pensamento, abrangendo tanto as áreas de
análises culturais e literárias, como também na filosofia, psicologia, ciências sociais
e históricas. É de importante relevância o fato de que a narrativa, a comunicação e o
contar histórias se configuram em uma necessidade elementar da vida humana. A
grande ênfase que toda narrativa humana se constitui é a de proporcionar uma
“perspectiva de mundo” em relação à realidade. Através do enredo as narrativas
tomam forma e adquirem coerência e sentido45.
As narrativas são de extrema importância para a análise proposta nesta pesquisa. Foi a
partir delas que tive uma percepção diferenciada a respeito do estigma que os catadores de
materiais recicláveis sofrem, e como lidam com isso.
44
BAUER, M. W., MILLS, Wright. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda, 1975.
Pág. 213.
45
JOVCHELOVITCH, S. ; BAUER, M. W. Entrevista narrativa. In: BAUER, M. W. ; GASKELL, G. (Org.).
Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002
38
Ledo engano, o cheiro incomoda, e a primeira vez que visitei o barracão do bairro novo,
mesmo que tomasse banho aquele cheiro não saía. Na segunda visita pude ficar mais tempo, e
de alguma maneira o cheiro não incomodava mais.
Embora os catadores de materiais recicláveis lidem com plástico, papel, papelão e etc, é
muito comum na hora da separação ter caixa de leite, por exemplo, com leite coalhado dentro,
e quando prensa, o leite coalhado exala um cheiro terrível.
Uma das maneiras de interpretar tal fato é que de alguma maneira os catadores de
material reciclável fazem o mais pesado do trabalho, sendo que financeiramente recebem
menos. Isto está muitas vezes ligado ao estigma que as pessoas que lidam com lixo sofrem, e
como exemplo podemos usar o discurso de uma das catadoras: “A sociedade vê o catador
muito baixo, pensam que os catadores de papel não são gente. Daí na rua e fica todo mundo
olhando46”.
Culminado com o fato que existe uma grande desigualdade social, na residência dos
catadores de material reciclável. Isto fica claro, quando visitei o barracão de Almirante
Tamandaré, o qual pude perceber a desigualdade em metros de distancia.
46
Transcrição literal da fala da catadora de lixo entrevistada.
39
Não é a toa que quando os catadores são questionados a respeito da profissão que
desenvolvem sempre relatam situações onde é envolvido o grupo de catador de material
reciclável como um todo.
É comum nas conversas eles falarem que as pessoas os confundem com ladrões,
mendigos, lixeiros e que tem medo deles. É interessante notar que utilizar o termo lixeiro é
extremamente ofensivo, inclusive ao que concerne a designação do lixo reciclável. Todos eles
usam o termo “material” para falar sobre o lixo reciclável, eles se reconhecem como “catador
de material reciclável”, mas não lixeiro.
47
GOFFMAN, Ervin. Op. Cit. Pág.123
40
dispomos em lixeiras, frente às casas nas docas dos prédios, e etc. Porém a respeito do destino
final dele poucas pessoas se questionam sobre isso. E manusear algo em decomposição e que
tenham cheiros desagradáveis gera desconforto, e quem trabalha com isso também sofre
retaliações.
Portanto, visto desta maneira, o lixo reciclável recebe maior atenção por não ser
necessariamente um material que entra em decomposição tão facilmente. E que pode ser
reutilizado, ou que podemos prolongar a vida de algo que foi descartado, Jose Carlos
Rodrigues apresenta esta discussão, fazendo um paralelo com a morte, ele discorre a respeito
de como a sociedade tem medo dos vestígios que a matéria em decomposição causa:
A questão da morte também tem muito a ver com a do lixo. Não tanto, ao contrários
do que tenderíamos a acreditar, porque o lixo seja aquilo que já tenha morrido, que
já não sirva e a que se tende dar uma sobrevida através dessa preocupação bem
contemporânea que é a reciclagem. Mas a analogia entre morte e lixo se faz muito
forte em nosso tempo porque na cultura industrial morrer é maios menos ir para o
lixo48.
Esta é das definições possíveis a entender o porquê o lixo gera tanta angústia, além
logicamente da quantidade que é produzida que gera muitos problemas. Mas o interesse em
demonstrar tal fato, é que também para os catadores de materiais recicláveis o lixo é visto
como algo ruim.
“- Pessoa rejeitar os catadores só porque trabalha aqui. Por a gente ser sujo”.
48
RODRIGUES, J.C. Op. Cit. Pág 12
49
Todas as frases foram transcritas de forma literal a fala dos catadores de materiais recicláveis entrevistados.
41
Este fato é interessante, pois o nojo é voltado justamente pelo fato de trabalhar com lixo.
Isto caracteriza muitas conversas que tive com os catadores. Eles relatavam que as pessoas
pensam que eles são sujos de fato, e por isso evitam contato.
Outro discurso decorrente é que eles dizem que os outros perguntam a eles porque
são catadores de materiais recicláveis, e que deveriam fazer outra coisa da vida. Porém é a
partir desta profissão que muitos deles conseguiram de alguma maneira se estabelecer no
mundo do trabalho, e conseguir condições de subsistência. Muitos, inclusive, apontam para o
fato de que não ter patrões contribuiu efetivamente para a melhora de sua situação social.
Considerações Finais
A construção social da percepção e da relação que possuímos com o lixo é algo pouco
explorado no âmbito acadêmico de ciências sociais. No entanto, considerando que é um
assunto ambiental, percebemos a importância sociológica em tratar determinado tema, e
principalmente que esta é uma pesquisa que permite diversas ramificações do tema, e que não
se esgota por si só, pelo contrário, a possibilidade de ampliar e intensificar este tema foram
um dos objetivos desta pesquisa.
Este fato como mostramos é vinculado ao estigma, e principalmente como o não aceito, é
aceito só quando convém.
Aqui, ficam claras as definições a respeito dos contatos mistos, a onde os catadores de
materiais recicláveis necessariamente precisem entrar em contato com os normais. Ao entrar
em lojas, mercados, farmácias, hospitais e etc. E aí que o estigma que existe é posto, e julgado
e retalhado. Porém no discurso midiático, na definição da profissão eles são vistos como
agentes ambientais.
50
GOFFMAN, Ervin. Op. Cit. Pág. 132
43
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUER, M. W., MILLS, Wright. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editor Ltda, 1975.
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião
Nascimento. São Paulo, Editora 34, 2010.
COSTA, Fernando Braga da. Homens Invisíveis: relatos de uma humilhação social - São
Paulo: Globo,2004
EIGENHEER, Emílio Maciel . Lixo: A limpeza urbana através dos tempos. 2009.
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda,
2000.
GRIPPI, Sidney. Lixo: reciclagem e sua história. Rio de Janeiro, Interciência, 2006.