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VI Curso de Inverno- Tópicos em Fisiologia Comparativa

COMISSÃO ORGANIZADORA

Aline Dal Olio Gomes


Ananda Brito de Assis
Cristiéle da Silva Ribeiro
Érika Cecon
Leopoldo Francisco Barletta Marchelli
Maria Natália de Carvalho Magalhães Moraes
Meirielen Caroline da Silva
Patrícia Lacouth da Silva
Tatiana Hideko Kawamoto
Vanessa Ap. Rocha Oliveira Vieira

Coordenação: Profa. Dra. Renata Guimarães Moreira

REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO

Julho/2009
Livro do VI
Curso de 6 a 24 de Julho

Inverno -
Tópicos em
Fisiologia
2009
Comparativa
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa

Apresentação

O objetivo maior do curso de inverno 2009 é promover a disseminação do


conhecimento e dos mecanismos Fisiológicos estudados pelos alunos de Pós-
Graduação do Instituto de Biociências da USP, com o intuito de trocar
experiências acumuladas ao longo do tempo. Mais do que uma oportunidade
para os selecionados, o curso tornou-se uma “escola” para os pós-graduandos,
que têm a oportunidade de não somente ensinar, mas também de aprender e
transpor para a prática a vivencia em sala de aula.
Este livro visa complementar os conteúdos discutidos em sala de aula,
proporcionando uma fonte adicional de consulta para os participantes. O livro é
composto de 10 unidades que abrangem os mais variados temas dentro da
Fisiologia Comparativa, os quais apresentam desde teorias básicas até as mais
novas discussões da atualidade.

Desejamos uma boa leitura a todos,

Comissão Organizadora
VI Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa
Universidade de São Paulo / Inverno de 2009

Julho/2009 II
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa

Sumário

Unidade1
MÉTODO CIENTÍFICO APLICADO A ESTUDOS EM FISIOLOGIA COMPARATIVA
Páginas 1 a 19
Coordenador: Agustín Camacho Guerrero
Laboratório de Herpetologia
agustin.camacho@usp.br

Unidade 2
ENDOCRINOLOGIA REPRODUTIVA E METABOLISMO DE VERTEBRADOS E CTOTÉRMICOS
Páginas 20 a 100
Capítulo 1. Abordagem dos Principais Sinalizadores Aferentes do Processo Fisiológico
da Reprodução em Ectotérmicos
Capítulo 2. Esteroidogênese Gonadal em Animais Ectotérmicos
Capítulo 3. Desenvolvimento Gonadal e Hermafroditismo em Animais Ectotérmicos.
Capítulo 4. A Vitelogenina em Vertebrados Ectotérmicos e Seu Papel no Monitoramento
Ambiental
Capítulo 5. Influência dos Fatores Ambientais no Metabolismo Larval
Capítulo 6. Aspectos Fisiológicos do Cuidado Parental em Vertebrados Ectotérmicos
Capítulo 7. Compostos Nitrogenados: Efeitos Fisiológicos em Animais Ectotérmicos
Aquáticos
Capítulo 8. Fisiologia da Respiração em Vertebrados Não Mamíferos.
Capítulo 9. Estudo de Caso: Peixes como Modelo Biológico.

Revisado por: Profa. Dra. Renata Guimarães Moreira


Coordenadora: Juliane Suzuki Amaral
Laboratório de Reprodução e Metabolismo de Organismos Aquáticos
jusuzuki@usp.br

Julho/2009 III
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa

Unidade 3
SAZONALIDADE
Páginas 101 a 141
Capítulo 1. Sazonalidade
Revisado por: Profa. Dra. Gisele Akemi Oda
Capítulo 2. Ecofisiologia da Estivação em Anfíbios Anuros
Revisado por: Prof. Dr. José Eduardo de Carvalho
Capítulo 3. Fisiologia em câmera lenta: mecanismos de depressão metabólica sazonal.
Revisado por: Profa. Dra. Silvia Cristina Ribeiro de Souza
Capítulo 4. Controle hipotalâmico da fome e do gasto energético: animais sazonais
como modelo de investigação
Revisado por: Profa. Dra. Silvia Cristina Ribeiro de Souza

Coordenador: Lilian Cristina da Silveira


Laboratório de Metabolismo e Energética
lli_cris@yahoo.com.br

Unidade 4
A CURIOSA SAGA DA FISIOLOGIA EVOLUTIVA
Páginas 142 a 151
Revisado por: Prof. Dr. Carlos Arturo Navas
Coordenador: Ananda Brito e Meirielen Silva
Laboratório de Ecofisiologia Evolutiva
meiriunesp@gmail.com
nirmalananda@gmail.com

Unidade 5
ASPECTOS DA CRONOBIOLOGIA
Páginas 152 a 260
Capítulo 1. Introdução à Cronobiologia
Revisado por: Profa.Dra. Gisele Akemi Oda
Capítulo 2. Comunicação Celular: Entendendo a Ritmicidade Endógena
Revisado por: Profa.Dra. Ana Maria de Lauro Castrucci

Julho/2009 IV
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa

Capítulo 3. Fotorrecepção: principal aferência para sincronização dos osciladores


endógenos.
Revisado por: Dr. Eduardo Koji Tamura
Capítulo 4. Bases Moleculares do Relógio Biológico Central
Revisado por: Dr. Pedro Augusto Carlos Magno Fernandes
Capítulo 5. Eferências dos NSQs como forma de Integração e Sincronização dos
Organismos.
Revisado por: Profa. Dr. Débora Rejane Fior Chadi
Capítulo 6. Melatonina e Seus Diversos Aspectos
Revisado por: Dr. Eduardo Koji Tamura e Dr. Pedro Augusto Carlos Magno
Fernandes
Capítulo 7. Relógios Periféricos
Revisado por: Profa. Dra. Ana Maria de Lauro Castrucci
Capítulo 8. Estudos de Casos em Cronobiologia
Revisado por: Dr. Eduardo Koji Tamura

Coordenadora: Daiane Gil Franco


Laboratório de Cronofarmacologia
daianegfranco@yahoo.com.br

Unidade 6
NEUROFISIOPATOLOGIA
Páginas 261 a 275
Capítulo 1. Neuroanatomia básica comparada
Capítulo 2. Controle neural da pressão arterial e hipertensão

Revisado por: Profa. Dra. Margareth Rose Priel


Profa. Dra. Merari Ramirez Ferrari

Coordenadora: Karen L. G. Farizatto


Laboratório de Neurotransmissão e Modulação Neural da Pressão Arterial
karen.farizatto@yahoo.com.br

Unidade 7
FISIOLOGIA SENSORIAL
Páginas 276 a 317
Capítulo 1. Fisiologia Sensorial
Capítulo 2. Mecanismos Neurossensoriais
Revisado por: Prof. Dr. Carlos Arturo Navas

Julho/2009 V
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa

Capítulo 3. Neurofisiologia da Música


Revisado por: Prof. Dr. Gilberto F. Xavier e Prof. Dr. André Frazão Helene
Capítulo 4. Neurofisiologia da Linguagem
Revisado por: Prof. Dr. Gilberto F. Xavier e Prof. Dr. André Frazão Helene

Coordenador: Felipe Viegas Rodrigues


Laboratório de Neurociência e Comportamento
fvrodrigues@usp.br

Unidade 8
NEUROCIÊNCIA COGNITIVA
Páginas 318 a 414

Capítulo 1. Cognição
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias e Dr. Pedro Leite Ribeiro
Capítulo 2. Biologia da Cognição: Introdução
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Prof. Dr Gilberto Fernando Xavier e
Claudia Franco de Olim Marote
Biologia da Cognição: Integração Neural
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Claudia Franco de Olim Marote
Capítulo 3. Percepção
Revisado por: Arnaldo Cheixas-Dias
Capítulo 4. Atenção
Revisado por: Prof. Dr. André Frazão Helene, Arnaldo Cheixas Dias
Capítulo 5. Memória
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Prof. Dr. André Frazão Helene
Capítulo 6. Tomada de Decisões
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Claudia Maria Sallai
Capítulo 7. Emoção
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Prof. Dr Gilberto Fernando Xavier,
Ronald Ranvaud
Capítulo 8. Modelos e Cognição
Revisado por: Prof. Dr. André Frazão Helene, Arnaldo Cheixas Dias, Prof.
Dr.Gilberto Fernando Xavier

Julho/2009 VI
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa

Capítulo 9. Neurogênese no sistema nervoso adulto de mamíferos


Revisado por: Prof. Dr. Gilberto Fernando Xavier

Coordenador: Rodrigo Pavão


Laboratório de Neurociências e Comportamento
rpavao@gmail.com

Unidade 9
COMPLEXIDADE E TERMODINÂMICA EM SISTEMAS BIOLÓGICOS
Páginas 415 a 446
Capítulo 1. Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Capítulo 2. Primeira Lei da Termodinâmica
Capítulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica
Capítulo 4. Informação

Revisado por: Prof. Dr. José Guilherme Chauí-Berlinck


Coordenadora: Talita de Cássia Glingani Sebrian
Laboratório de Fisiologia Teórica
talitasebrian@yahoo.com.br

Unidade 10
ASPECTOS DA BIOLOGIA CELULAR E FARMACOLOGIA DE INVERTEBRADOS MARINHOS
Páginas 446 a 501
Capítulo 1. Introdução aos Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de
Invertebrados Marinhos
Revisado por: Prof. Dr. Márcio Reis Custódio
Capítulo 2. Relações Endosimbiônticas
Capítulo 3. Introdução à biologia da regeneração em invertebrados marinhos
Revisado por: Prof. Dr. Márcio Reis Custódio
Capítulo 4. Invertebrados venenosos e peçonhentos: Toxinas e mecanismos de ação
Capítulo 5. Toxinas de animais marinhos como ferramentas para o estudo e controle
da dor.
Revisado por: Profa. Dra. Yara Cury

Coordenadora: Patricia Lacouth


Lab. De Biologia Celular de Invertebrados Marinhos
patricialacouth@gmail.com

Julho/2009 VII
Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Método Científico Aplicado a Estudos


em Fisiologia Comparativa

Este capítulo tem 4 objetivos básicos. A) Introduzir aos leitores os principais métodos
usados para gerar conhecimento científico, B) Mostrar como a fisiologia comparativa vale-se
de dois destes métodos: o método indutivo e o hipotético-dedutivo, C) Revisar o processo de
geração de conhecimento, passando pelo levantamento de perguntas científicas, desenho
experimental e análise e, por fim, D) Dar uma lista de dicas básicas sobre comunicação
científica. No final do capítulo, existe um glossário que define os termos em negrito.
Por que ler este texto?
Infelizmente, muitos cursos em biologia colocam as disciplinas de método científico como
optativas, em lugar de inserir este tipo de preparo em cada uma das disciplinas oferecidas
na grade curricular. Deste modo, muitos alunos não têm um preparo mínimo para planejar,
executar projetos científicos, nem comunicar os resultados obtidos. Como conseqüência, a
os primeiros trabalhos de um aluno têm sua qualidade comprometida. Ao passo que, na
atualidade, a valia dos pesquisadores se mede pela quantidade e quantidade de artigos
publicados em revistas, este capítulo pretende apresentar ao aluno alguns conceitos básicos
sobre como a ciência funciona, assim como dicas para auxiliar aos alunos nos seus
primeiros encontros com o processo de trabalho científico. Nas aulas do Curso de Inverno
em Fisiologia Comparativa, veremos estes conceitos da forma mais didática possível, mas
neste capítulo tem dicas que não serão explicadas na aula.

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

O que é ciência e como praticá-la: a fisiologia comparativa em um


contexto epistemológico.
Agustín Camacho Guerrero
Laboratório de Herpetologia
agustin.camacho@usp.br

O que é ciência?
Uma bonita forma de começar a preparar-nos é sabermos o que significa a palavra
que vamos usar durante o resto das nossas vidas. A palavra ciência provém do latim
“scientia” proveniente do verbo “scire = saber”, este está relacionado com o verbo, também
latim, “scindo = dividir”. Existem várias definições de ciência, mais ou menos completas, seja
com ênfase nos seus objetivos ou nos métodos que usam. Uma definição bastante completa
é:
“1. The systematic observation of natural events and conditions in order to discover
facts about them and to formulate laws and principles based on these facts. 2. The organized
body of knowledge that is derived from such observations and that can be verified or tested
by further investigation. 3. Any specific branch of this general body of knowledge, such as
biology, physics, geology or astronomy.” Academic Press Dictionary of Science &
Technology.
Neste módulo, seguiremos uma visão de ciência como busca e comunicação de
conhecimento, o mais confiável possível, sobre a natureza.
Métodos conceituais de obtenção do conhecimento.
Desde séculos antes de Cristo, filósofos e estatísticos como Aristóteles, Bacon,
Bayes, Popper, Jaynes vêm aprimorando os métodos conceituais de obter conhecimento do
mundo natural, de forma a obter mais conhecimento e com maior confiabilidade. A
continuação, veremos apenas as bases dos métodos mais conhecidos e utilizados. Existem
explicações bastante didáticas e de livre aceso sobre estes temas na wikipedia
(http://es.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Portada). Entretanto, lhe recomendo que sempre leia
as fontes originais, isto permite construir nossas próprias interpretações, uma das principais
qualidades dos cientistas.
No século IV a.c., Aristóteles definiu o raciocínio demonstrativo, ou lógica aristotélica,
em seis obras conhecidas coletivamente como Organon. De acordo com Aristóteles, existem
termos gerais (Ex. os homens) e termos particulares (Ex. Socrates). Segundo este método,
estes elementos podem ser identificados e, usando construções lógicas, chamadas de
silogismos, é possível gerar inferências, conhecimento que seria novo e necessariamente
certo. Que um conceito seja mais ou menos geral implica que se aplique a um maior ou

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

menor número de casos (ex. existem mais casos chamados homens que casos chamados
Sócrates). Entretanto, Aristóteles não oferece um sistema formal para determinar o grau de
generalidade de um termo.
O Inglês Francis Bacon (1620), critica o método aristotélico enunciando o princípio do
indutivismo no seu livro Novum Organum. Para Bacon, o método aristotélico só consegue
classificar o que já é previamente conhecido e não se preocupa em saber se o
conhecimento admitido como verdadeiro é na verdade uma farsa. Ele propõe evitar que
prévias doutrinas intercedam nas nossas observações e que só é possível aumentar nosso
conhecimento através da experimentação e observações. O conhecimento gerado
permitiria, segundo ele, explicar de forma cautelosa, situações relativamente similares.
Produzir explicações sobre grupos de casos gerais com base no que sabemos de casos
particulares é conhecido como indução. Para Bacon, este conhecimento deve gerar novos
experimentos e ser testado em diversas situações. Ele defendia que os cientistas deveriam
ser céticos acima de tudo, e não aceitar explicações que não possam ser verificadas pela
observação e experiência.
A continuação, Bayes (1670) elaborou uma forma lógica de atribuir uma
probabilidade à estamentos gerados por indução, conhecida como lógica probabilística
indutiva. Basicamente, este método assume que a probabilidade de uma hipótese ser
verdadeira pode ser calculada multiplicando A) nossa expectativa de que a hipótese seja
certa, expressada em forma de probabilidade prévia, vezes B) um valor de
verossimilhança (likelihood) obtido a partir de novas observações (Bayes 1763). Desta
forma, à probabilidade bayesiana fornece uma medida de quanto é razoável acreditar em
uma hipótese usando toda a informação de que dispomos (Jaynes 2003). O indutivismo
bayesiano é a forma de indutivismo mais comumente encontrada em textos científicos hoje
em dia.
O Método hipotético-dedutivo, chamado também probabilismo ou falsificacionismo,
parece ser formalmente enunciado pela primeira vez por Karl Popper (1934). Segundo
Popper (1959), este método baseia-se na premissa de que não é possível calcular, de forma
lógica, a probabilidade de uma generalização a partir das propriedades dos casos
particulares que a geraram. Isto significa que não é possível derivar probabilidades a partir
de estamentos gerados por indução (Popper 1959) (ex. o simples fato de que todos os
corvos que vi até agora são pretos, não permite calcular a probabilidade de que o próximo
corvo que veja será seja preto). Para Popper, o conhecimento deve estar justificado de
forma lógica. Deste modo, ele defende que para justificar de forma lógica a crença em uma
teoria, previsões derivadas logicamente desta, devem ter suportado testes com base em
observações. Segundo este autor, uma teoria deve ser testada seguindo 4 linhas: 1)
Comparação lógica das conclusões (também chamadas previsões, predições ou

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

hipóteses) de uma teoria entre elas. Isto permite detectar se as hipóteses contradizem-se
entre elas e, conseqüentemente, se a teoria tem problemas de inconsistência interna. Estas
hipóteses deveriam ser as mais facilmente testáveis dentre todas as levantadas e, entre
dentre estas, deveriam ser escolhidas aquelas que vão de encontro à teoria, pois sua
verificação provocaria alta rejeição sobre a mesma; 2) Verificação da estrutura lógica da
teoria, para determinar se é empírica ou é uma tautologia; 3) Comparação com outras
teorias para saber se o fato de superar nossos testes suporia uma avanço científico; 4)
Testar empiricamente as conclusões.
A pesar de ser questionado por isto, Popper (1959) defende que as hipóteses devem
relacionar-se logicamente com a teoria, a fim de poder refutá-la ou suportá-la através do
teste das suas hipóteses. O falsificacionismo é o método de obtenção de conhecimento
mais reconhecido na atualidade. Por isto, o estudaremos mais aprofundadamente ao longo
deste capítulo.
Como você pode ver, os métodos de obtenção de conhecimento foram desenhados
para superar as dificuldades humanas de enxergar e compreender a realidade, a fim de
obter conhecimento da maior qualidade possível. Você pode ter observado também que, ao
ter sempre uma visão limitada da realidade, o máximo que nós humanos podemos esperar é
ter certa confiança no que pensamos sobre ela. Tanto os indutivistas quanto os
falsificacionistas buscam gerar uma medida objetiva de confiança sobre certos estamentos
(hipóteses), atribuindo probabilidades a estes em função das nossas observações. Ao longo
deste capítulo, nos centraremos em como isto é feito no método falsificacionista.
Veja agora um exemplo de como funciona cada métodode obtenção de
conhecimento. Imagine três perus cientistas entre dezenas de perus normais dentro de um
curral. No curral, a cada dia um peru é escolhido e sacrificado em uma casa comunicada
com o curral por uma janela de vidro e uma porta fechada. A porta só se abre quando o
dono abre sai para escolher mais um peru. Consegue imaginar qual método daria mais
chances aos perus de escapar?E como seria o raciocínio de cada peru? Veja a Fig. 1.
Evaristo, o peru aristotélico, veria um peru saindo do curral a cada dia e entrar na
casa. Extrairia uma verdade geral sobre aquilo que sempre viu. Por exemplo: “a cada dia,
um peru entra na casa” ou que “nas casas sempre tem espaço para um peru a mais”, depois
geraria uma relação lógica entre elas: se um peru entra cada dia na casa e na casa sempre
tem espaço para mais um peru, então um dia todos os perus terão entrado na casa. E então
continuaria raciocinando logicamente sem buscar novas observações. Francisco, o peru
indutivista, veria os perus saírem a cada dia e nunca mais retornar, mas também exploraria
todo o curral. De vez em quando estaria olhando através da janela ao tempo que algum peru
é sacrificado. Depois de ver muitos perus saírem e não retornando, e só algumas vezes os
perus sendo degolados na casa, ele só conseguiria levantar a hipótese de que, talvez, um

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

dia ele também entraria, e com menor certeza, que, talvez, ele também seria degolado lá
dentro. A certeza iria aumentar com o passar dos dias... até estar totalmente certo ao chegar
seu dia!

Figura 1- Três perus usam diferentes métodos de obtenção de conhecimento durante sua vida em um curral.

Pops, o peru hipotético-dedutivo, se perguntaria por que os perus estariam saindo e


não mais retornando. Com base nas premissas: 1) um peru sai todo dia e 2) esse peru não
volta mais, ele pensaria teorias que lhe parecessem mais informativas ou relevantes.
Supondo que para um peru o importante é saber se vai dar-se bem ou não, então, Pops,
imaginativo, poderia pensar “ Os perus saem e se dão bem”. A continuação, derivaria uma
ou várias hipóteses que permitissem refutar sua teoria: se os perus se dão bem eles terão
aparência de felizes dentro da casa, se não eles terão outro aspecto. Depois, buscaria
observações que lhe permitissem falsear ou verificar esta hipótese. Como por exemplo,
pular perto da janela de vidro e ver o que acontece dentro. Após presenciar a morte de
vários perus, Pops, teria confiança para rejeitar sua teoria de que ao entrar na casa os perus
se daria bem. Observe que Pops poderia ter levantado outros possíveis modelos com
diferentes previsões. Escolher que modelos nos permitem fazer descobertas mais
relevantes pode não ser um processo racional ou lógico (Popper, 1959). Na atualidade, o
método usado pelo terceiro peru, é um dos mais respeitados métodos de obtenção de
conhecimento.

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Agora você tente pensar em uma situação onde Evaristo ou Francisco teriam-se
saído melhor que Pops. Consegue?
Chegando ao ponto, o que é Fisiologia Comparativa.
A Fisiologia comparativa pode ser considerada uma disciplina científica independente
ou simplesmente um modo de estudar fisiologia dos organismos, baseada no método
comparativo. Usar o método comparativo em fisiologia significa comparar características
fisiológicas de distintas espécies, observando a identidade e relações entre as espécies
como variáveis adicionais nas análises (Prosser, 1950).
Em 1950, Prosser definiu alguns objetivos da fisiologia comparativa. Estes foram:
1) Descrever como os organismos obtêm seus requerimentos no ambiente onde moram.
2) Prover bases fisiológicas para entender a ecologia.
3) Chamar a atenção sobre animais particularmente bons para estudar processos
fisiológicos.
4) Encontrar generalizações derivadas do uso de distintas espécies animais em estudos
fisiológicos.
Hoje em dia, talvez o campo com maior aplicação da fisiologia comparativa é a
fisiologia evolutiva, pois uma vez que as técnicas moleculares têm acelerado nosso
conhecimento das relações filogenéticas, muitos cientistas tentam desvendar processos
evolutivos através da comparação de características fisiológicas em diferentes espécies
(wiens, 2008).
Vamos ver um exemplo de como dois métodos de obtenção do conhecimento se
combinam na fisiologia comparativa (Fig. 2). Imagine que queremos saber se, em lagartos,
morar em habitats abertos implica em ter taxas metabólicas mais altas em relação a morar
em florestas. Para isto, poderíamos comparar espécies de área aberta com espécies de
floresta. Assim, poderíamos obter que espécies de áreas abertas têm uma maior taxa
metabólica (Fig. 2, esquerda). Entretanto, as espécies são elementos que apresentam
relações filogenéticas. Imagine que estas fossem representadas pelo gráfico A, veríamos
que as espécies de área florestada pertencem à linhagem da esquerda e as de área aberta
à linhagem da direita. Poderíamos ter certeza que é o tipo de hábitat quem faz aumentar a
taxa metabólica? Teríamos mais certeza se nossa hipótese fosse representada por B?

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

sp1 sp2 sp3 sp4 sp5 sp6 sp7 sp8

sp5
taxa metabólica
sp6
sp7 A
sp1
sp8
sp2 sp6 sp2 sp8 sp4 sp5 sp1 sp7 sp2

sp3
sp4

floresta área B
aberta
Figura 2- Comparação hipotética da taxa metabólica entre espécies de lagartos de áreas de floresta e de área
aberta. Os cladogramas A e B mostram diferentes relações filogenéticas entre as espécies comparadas. Sob a
hipótese de parentesco A, as espécies de cada tratamento são aparentadas, implicando em que a taxa
metabólica mais baixa pode ser devida a viver em floresta ou a ser uma característica ancestral do grupo. Sob a
hipótese de parentesco B, a menor taxa metabólica pode ser melhor considerada como relacionada a viver em
florestas.

Em estatística, considerar-se-ia que as observações (valor da taxa metabólica em


cada espécie) realizadas para fazer o teste não são independentes porque existe um fator
(no caso, sua origem filogenética) que relaciona as amostras dentro dos tratamentos
(Hurberlt 1984), afetando nosso resultado. Com base em métodos indutivos, podemos
escolher dentre as duas hipóteses de relações filogenéticas entre as espécies que estamos
estudando (consulte Amorim 2002, como texto básico em português sobre como se obter e
interpretar relações filogenéticas entre espécies). Uma vez conhecidas as relações
filogenéticas poderíamos controlar o problema da falta de independência, usando o método
dos contrastes filogenéticos independentes, concebido por Felsenstein (1985), mas essa é
outra história.

Formulando perguntas em fisiologia comparativa

Antes de continuar, uma chamada ao senso comum: busque um bom orientador.


Entre os conselhos do celebre fisiólogista George A. Bartholomew, compilados em (Huey e
Bennet, 2008) figura o seguinte:

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

“If one is so unfortunate as to receive his training under a person who is either technically or
intellectually obsolescent, one finds himself to be a loser before he starts”.
Não deixe de ler também Stearns (1987) e Huey (1987), as dicas de outros dois
influentes fisiologistas para o planejamento da vida acadêmica de jovens científicos como
você. A planificação da sua vida acadêmica é tão importante para seu futuro quanto seu
sucesso na produção e publicação de conhecimento, que é o que nos ocupa neste
momento.

Buscando trabalho: como levantar uma pergunta a responder.


Centremo-nos agora sobre o seu trabalho: fazer ciência. Você sempre deverá
começar com uma pergunta que, para ter certeza de que vale a pena respondê-la, deverá
ter surgido do conhecimento do estado da arte da disciplina de interesse. Quando
realizamos perguntas baseadas sobre conhecimento levantando por outros pesquisadores,
as chances de gerar um maior avanço científico se multiplicam. “Levante-se sobre os
ombros dos gigantes” diria Issac Newton. Cuidado ao descrever um aspecto da fisiologia de
uma espécie ou grupo de espécies sob o pretexto único de que “nunca foi estudado”. Isto
pode estar escondendo o problema de que não sabemos o que é mais relevante saber
sobre nosso objeto de estudo (Peters, 1987).
Visto que não é possível descrever tudo de um sistema e que só conseguimos
acessar a amostras do mesmo, Underwood (2000) propõe realizar as descrições de
sistemas testando a presença de padrões. Isto permite evitar que ambos, o acaso e a
influência exercida no nosso subconsciente pelas teorias que conhecemos, alterem nossas
observações (Underwood, 2000).
Existem várias ferramentas para encontrar os trabalhos de outros pesquisadores,
(Web of Science, Biological Abstracts, Zoological Records, Google Acadêmico etc.) através
das quais podemos procurar artigos ou livros que falem sobre nosso tema de interesse. É
importante uma cuidadosa seleção de palavras chave, para encontrar o grupo de artigos
que tratam o tema de nosso interesse (uma opção: pra começar, use os elementos da sua
hipótese de estudo). Uma vez conseguidas algumas referências devemos procurar o
material. Nas universidades públicas brasileiras o portal de periódicos da CAPES garante
acesso a vários jornais científicos on-line. Em são Paulo, a Fapesp ainda fornece acesso ao
site Jstor, com artigos mais antigos. “O sistema COMUT de bibliotecas brasileiras permite,
mediante prévio pagamento, a solicitação de xérox ou arquivos ”.PDF” de quaisquer artigos
ou separatas que se encontrem numa biblioteca brasileira. Por último, você pode pedir
diretamente ao autor ou conseguir na internet do seu site pessoal, ou site do laboratório
onde trabalha. Exija da sua universidade maior acesso a revistas científicas e participe da
solicitação de livros na biblioteca da sua unidade! Em seguida, leia organizadamente o

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

material bibliográfico e busque mais entre as referências bibliográficas destes trabalhos. As


perguntas surgirão como hipóteses que refutam as previsões da teoria corrente, ou como
falta de dados sobre aspectos fisiológicos de determinadas espécies ou grupos.
Como ser objetivo: Transformação da
1.Leitura e observações
pergunta em um gráfico
prévias
Uma vez que tenhamos uma pergunta e
2. Identificação da lacuna de confiamos em que esta tem relevância suficiente
conhecimento
como para investir o esforço necessário,
3. Emissão da pergunta cuja deveremos formulá-la da maneira mais clara
resposta preenche a lacuna possível. Isto é fundamental para: A) determinar o
que queremos medir exatamente, desenhar
4. Desenho das observações
nossas observações de modo a evitar fatores de
que respondem à pergunta
confusão; e B) fazer testes estatísticos honestos,
5. Execução e análise das que nos permitam obter confiança sobre se o que
observações estamos vendo é esperado pelo acaso, ou não.

7. Interpretação (Underwood, 1997; Magnusson e Mourão, 2004).


Uma pergunta clara pode ser expressa como
8. Comunicação de resultados uma previsão, ou hipótese, Ex. “a testosterona
e conclusões. estimula o comportamento agressivo na
Quadro 1. Esquema básico do piranha?”, ou “a taxa de crescimento dos girinos
processo de trabalho científico. é mais alta em presença de Iodo na água?”. Um
indício de que a pergunta está bastante clara é que você pode ver nos dois exemplos, é que
podemos transformar a pergunta em hipótese só tirando o ponto de interrogação.
Levantar uma pergunta clara sobre o mundo implica necessariamente que possamos
representá-la em um gráfico. Fazer uma representação gráfica dos nossos objetivos ajuda a
esclarecer quais os tipos de variáveis devemos e podemos medir. Ainda, ao facilitar a
exposição dos nossos objetivos e resultados esperados a outras pessoas (Cleveland, 1984),
permite que as outras pessoas realizem sugestões ou críticas mais importantes antes de
começar todo o trabalho (Magnusson e Mourão, 2004).
Os eixos do gráfico devem representar as partes de nossa pergunta. Os fatores ou
variáveis independentes serão representados sempre no eixo horizontal e as variáveis
dependentes ou de interesse são representadas sempre no eixo vertical (Cleveland,
1984).
Agora estamos em condições de decidir se usaremos variáveis contínuas ou
categóricas. Variáveis contínuas representam grandezas da natureza que podem ser
mensuradas atribuindo-se quaisquer números reais, enquanto que variáveis categóricas
admitem apenas critérios subjetivos para representá-las (etiquetas, categorias). Entre os

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

exemplos mais comuns de variáveis contínuas estão: comprimento de onda, peso,


comprimento, concentração, etc. como variáveis categóricas podemos citar cores, sexo,
tratamento. As variáveis contínuas proporcionam mais informação, enquanto as categóricas
são mais simples de entender e manejar. O melhor tipo de variável vai depender
essencialmente da sua pergunta e dos recursos disponíveis.
Os tipos de variáveis escolhidas determinarão o tipo de gráfico utilizado. Os gráficos
mais utilizados e mais fáceis de entender são os gráficos de nuvens de pontos, gráficos de
dispersão, ou scatter plots (Magnusson e Mourão, 2004). Podemos encontrar dois tipos
principais, o primeiro tem variáveis categóricas no eixo horizontal, o segundo usa variáveis
contínuas no eixo horizontal (Fig. 3).

O CHUMBO NA ÁGUA INFLUENCIA A TAXA METABÓLICA DOS GIRINOS?


taxa metabólica

taxa metabólica

pouco muito concentração de


A B
chumbo chumbo chumbo na água

Figura 3 - Exemplos de gráficos de dispersão. A) gráfico com fator categórico. B) Gráfico com fator contínuo
(modificado de Magnusson e Mourão, 2004).

Como mostra a Fig. 3, quando categorizamos variáveis podemos perder informação


(Magnusson e Mourão, 2004). Se na pergunta anterior o pesquisador tivesse escolhido
comparar duas concentrações de chumbo, não teria detectado o efeito do chumbo sobre o
crescimento dos girinos, mesmo quando realmente existe uma relação entre as variáveis.
Por isto é necessário estar seguro sobre qual informação se quer obter para decidir sobre
que tipo de variável usar.

10
Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Evitando confundir-nos: aspectos fundamentais do desenho


experimental e a estatística inferencial.

Agora que já sabemos qual é nossa pergunta e como representá-la, deveremos


realizar observações que a respondam. Entretanto, um dos maiores problemas para
responder perguntas sobre sistemas naturais é que estes são afetados por múltiplos fatores.
Estes são fatores cujo efeito se mistura com o do nosso fator de estudo, de maneira que é
impossível saber se a variação observada na variável dependente é derivada de nosso fator
ou destes fatores (Hurlbert, 1984). Por exemplo, um experimentador poderia determinar que
a secreção de saliva pode ser controlada pela presença de alimentos na boca, uma vez
depositados alimentos na boca de um animal e medindo variações no volume de saliva.
Entretanto, se ele não tiver o cuidado de administrar alimentos sem que o animal os veja, a
secreção de saliva poderia ser provocada pela visão destes. Para um cientista, é crucial
aprender a enxergar e evitar fatores que confundam suas conclusões de maneira não
desejada ou oculta. O desenho experimental representa nossa decisão de quantas
observações necessitamos e como as distribuímos para evitar que fatores de confusão,
influenciem em nossa resposta (Quinn e Keogh, 2002).
Erros cometidos durante o desenho amostral podem fazer com que o efeito de
fatores inadvertidos seja indistinguível do efeito dos teus fatores de estudo. Para evitar
confusões ao comunicar-se com colaboradores durante a fase de planejamento é
conveniente aprender claramente os seguintes conceitos: Unidade amostral, repetição ou
réplica: cada uma das observações que gera uma resposta a sua pergunta (são os pontos
nos gráficos); Universo amostral: é aquela parte da natureza sobre a qual se quer obter
informações por meio de observações e a qual se aplicam nossas conclusões.

O que significa testar uma hipótese?


Como vimos, a melhor forma conhecida para aceitar ou rejeitar uma teoria é derivar
hipóteses cuja rejeição implicaria na rejeição da teoria. Quando testamos uma hipótese,
geralmente comparamos observações de nossa variável de interesse feitas em duas ou
mais situações diferentes (tratamentos), ou então observamos os valores que nossa
variável de interesse toma quando temos determinados valores de variáveis independentes
(fatores) (Fig.4). Você pode estar se perguntando: para que toda esta complicação? Para
saber se nossos resultados podem ser devidos ao acaso. Usando técnicas de estatística
inferencial, podemos estimar o quanto a resposta a nossa pergunta, derivada dos resultados
das nossas observações e comparações, dista do esperado ao acaso.

11
Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

A estatística inferencial fornece um método objetivo de avaliar a probabilidade de que


a variação em um conjunto de valores (ex. resultados de um experimento) seja resultado do
acaso. Para isto, distribui-se a variação encontrada em tal conjunto de dados em variação
provocada pelo tratamento (efeito) e a variação não devida a este tratamento (ruído) (Fig.
4). A finalidade de um experimento é avaliar se a variação provocada pelo fator é maior do
que o ruído. A finalidade de um teste estatístico é gerar um valor objetivo sobre as
possibilidades de que a diferença entre a magnitude do efeito e do ruído seja devida ao
acaso.

ruído
variável variável
dependente dependente variação
ruído
provocada
pelo fator
variação
provocada
pelo fator

f ator tratamento tratamento


A B 1 2
Figura 4- “Scatter-plots” mostrando a distribuição da variação em dois tipos básicos de análise: A) análise da
relação entre duas variáveis e B) comparação do efeito de dois tratamentos sobre uma variável.

Repetição, pseudorepetição e confiança.


Lembra do problema no final do capítulo 1? Quando um fator altera os valores de
nossas repetições, de modo que faz com que seu valor esteja relacionado, as repetições
são chamadas de pseudorepetições. Aumentar o número de repetições nos permite
aumentar nossa confiança no resultado, mas isso não acontece com as pseudorepetições,
apesar de que aumentar o número de pseudorepetições pode nos dar uma falsa sensação
de confiança.
Para entender a relação entre fatores de confusão, confiança e pseudorepetição, leia
o seguinte exemplo: Imagine que você quer ir “bonito(a)” a uma festa. Em que caso você se
sentiria com maior confiança sobre as opiniões: depois de perguntar a sua mãe? Depois de
perguntar a sua mãe, avós e tias? Depois de perguntar a um(a) colega, ou depois de
perguntar a várias meninas não muito próximas? Como pode ter deduzido, perguntar a suas
avós e tias depois de perguntar a sua mãe não vai trazer tanta confiança, pois é provável
que vão dizer que você está muito bonito(a). Na opinião de cada uma delas está embutido o
fator de confusão “parentesco” (que, vamos lá, é importante neste caso!). Agora, se você
pergunta a um(a) colega, e sua resposta é que você está “muito bonito(a)”, você poderia
ainda pensar que “ele(a) quer te agradar”. Finalmente, se a resposta deste(a) colega)

12
Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

concordar com a de outros(as) colegas não relacionados(as) com ele(a), sua confiança em
que você está bonito(a) aumentará muito! Cair na pseudorepetição é acreditar que
repetições aumentaram nossa confiança sobre a resposta a nossa pergunta quando estas,
na realidade, estão relacionadas por um fator de confusão. Busque sempre respostas
independentes para suas perguntas!
Provocam pseudorepetição aqueles fatores que não fazem parte do estudo e que
fazem com que os valores de nossas observações não sejam independentes entre eles.
Tipos gerais de pseudo-repetição incluem: espacial= as observações tem valores
relacionados por causa da sua posição no espaço, temporal= quando o fator que relaciona
os valores das observações é o tempo, filogenética= provocada por relações de origem
comum entre as observações e técnica= quando é um elemento do equipamento ou
procedimento experimental que está relacionando os valores obtidos nas observações.
Obtenha informações mais detalhadas e mais exemplos em Hulbert (1984) e Magnusson e
Mourão (2004).
Existem outros passos importantíssimos do desenho experimental. Por exemplo,
decidir quantas observações serão necessárias, se estas serão dispostas aleatória ou
sistematicamente, e como serão feitos os controles. Explicar isto está fora do tempo
disponível para este módulo, mas lhe recomendo (para seu próprio bem) que leia a maior
quantidade de literatura possível sobre desenho experimental e estatística antes de começar
a coletar seus dados. Comece pela tabela de Magnusson e Mourão (2004), pag. 4, continue
com Quinn e Keogh (2002) e busque material mais específico. Não fazer isto “porque você
não teve tempo” facilmente acabará em que todo o esforço e dinheiro público investido não
sirvam para nada (Peters, 1987).

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

O Fim da Picada: Comunicando Ciência.

Pense por um segundo no momento no qual você terminará seu experimento. Foi um
caminho árduo: você teve que ler vários artigos que não entendia bem ou com os quais nem
concordava para levantar uma pergunta não respondida até agora. Passou tempo lendo,
pensando e discutindo o projeto com outras pessoas que, às vezes, não lhe entendiam bem.
Suas idéias sofreram críticas, você teve que esperar longas burocracias (licenças,
solicitação de fundos) e repetir seu experimento várias vezes, sorteando inúmeros
problemas (animais que morrem antes de obter os dados, infra-estrutura falha, falta dinheiro,
segurança, etc.). Conseguiu imaginar? Com certeza você vai lembrar-se deste parágrafo
depois do seu mestrado...
Bom, se você não tem cuidado no que vem agora, tudo isso pode não ter servido de
nada. Hoje em dia, a valia dos cientistas se mede a través da qualidade e quantidade de
artigos científicos que publicam. Para isto, uma grande dose de experiência é necessária.
Recomendo que você a procure em seu orientador e lendo artigos nas revistas onde ambos,
você e seu orientador, pretendam publicar. Assim mesmo, busque textos (Ex. referências
neste capítulo) e faça cursos especializados no tema. A continuação veremos algumas dicas
básicas para estruturar textos científicos. Estas dicas estão baseadas no livro de Peters
(1984), e você deve dominá-las desde o começo. Repassaremos aqui as partes de um
relatório de pesquisa e o que devem conter.

Partes e estrutura de um relatório de pesquisa.


Um relatório de pesquisa deve ser tão claro, preciso e curto como seja possível
quanto possível. Basicamente, consta de 7 partes: título, resumo, introdução, material e
métodos, resultados, discussão, agradecimentos e referências. Veja dicas úteis sobre o
título, agradecimentos e referências na tabela 1. Iremos nos estender mais nas seções de
resumo, introdução, material e métodos, resultados e discussão.
O resumo se compõe normalmente de um parágrafo que demonstra a relevância e
os objetivos do estudo, e explica de forma sucinta os métodos empregados e os principais
resultados e conclusões.
Dentro da introdução devem ficar claros: A) o problema que vamos abordar e sua
relevância B) o estado da arte sobre o problema, mostrando a lacuna de conhecimento que
pretendemos preencher e porque precisa ser preenchida e C) as decorrências dos possíveis
resultados de nosso trabalho. Por último, os objetivos devem aparecer da forma mais clara
possível. Concretamente, em forma de hipótese a ser testada.

14
Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

O “material e métodos” deve conter uma explicação clara dos métodos empregados
para alcançar o objetivo declarado no fim da introdução. Desta forma, as técnicas, o
desenho experimental e as análises devem aparecer explicados e justificados de forma que
os leitores sejam capazes de: A) entender como alcançam o objetivo escolhido B) Repeti-lo
C) perceber possíveis fraquezas no delineamento. Se evitarmos mostrar claramente nosso
desenho experimental pode ser que rejeitem nosso relatório na revista que o queremos
publicar. Pior ainda, podemos enganar aos nossos leitores.
A seção de “resultados” deve dar toda a informação necessária para responder
nossa pergunta inicial e que outros possam avaliar se a respondemos mesmo ou não. Isto
implica em descrever as observações feitas, estabelecendo as relações que foram
estatisticamente significativas e as que não foram. Os dados, quando numerosos, devem
ser apresentados em forma de tabelas. Os gráficos devem expor a parte mais importante
dos nossos resultados (nossa pergunta e as observações que a respondem) e informar
sempre o número de repetições. Se nos nossos resultados, os gráficos não representam as
partes de nossa pergunta, a evidência gerada para respondê-la parecerá fraca a vista dos
outros (Magnusson, 1966). Tanto tabelas quanto gráficos devem ter uma legenda curta e
auto-explicativa, e serem numerados, de forma que possam ser referidos no texto. Dados
apresentados em tabelas e gráficos devem ser explicados também no texto, mas evitando
redundância.
Na discussão, devemos expor como nossos resultados se relacionam com a
hipótese que pretendíamos testar, reconhecendo as fraquezas que puderem comprometer
os resultados. Em seguida, mostrar a consistência (ou inconsistência) dos nossos resultados
com os resultados de outros trabalhos levantados na introdução, mostrando quais as
implicações dos nossos resultados sobre a lacuna de conhecimento levantada. Por último,
este é o lugar onde apontar, curtamente, futuros experimentos ou hipóteses testáveis que
permitam avançar no entendimento do problema abordado.
Se o relatório tem vários objetivos, estes devem seguir a mesma ordem na
introdução, material e métodos, resultados e discussão. A fim de facilitar a interpretação do
leitor. Veja uma lista de verificação básica para identificar problemas em seu relatório de
pesquisa (Tab.1).

Busque críticas, seja crítico e ajude à ciência progredir.


Einstein dizia que se você não consegue explicar seu trabalho a seu avô, é porque
você não entende bem o que está fazendo. Agora, eu digo a você que, explicando
corretamente para ele, até seu avô poderia fazer críticas imprevistas e acertadas sobre o
seu trabalho. A comunidade científica deve ajudar-se a través de visão crítica e sentido
construtivo.

15
Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Lembre-se que em ciência, tratamos com assuntos que, via de regra, são
complicados. Isto faz com que todos nós cometamos erros. Para evitar erros em seu
experimento, a melhor saída é apresentar seu projeto a pessoas com visão crítica. Se estas
pessoas conseguem entendê-lo perfeitamente, poderão julgar se foram convencidas ou não
pelos seus argumentos. Encontrar falhas nos aspectos do desenvolvimento lógico do
trabalho de um colega pode ser de grande ajuda para ele, antes que invista grande esforço
e dinheiro em um projeto mal planejado. Assim mesmo, podemos evitar que um trabalho
confunda a comunidade científica através da geração de evidências ou argumentos que
permita mostrar que este está errado.
Considerações finais.
Terminou este capítulo que pretendia mostrar-lhe um pouquinho do que vem pela
frente. A melhor forma de enfrentar os próximos anos de preparação é você que deve
planejar. A lista de referências que segue é uma seleção da literatura que fez muita
diferença na minha própria formação (alguma delas chegou um pouco tarde). Espero que
lhe ajude.

Tabela 1: Lista de verificação na redação de um relatório de pesquisa.


No título
O titulo representa os elementos da sua pergunta? E o universo de estudo?
Na introdução:
A lacuna de conhecimento está clara?
Esta se deriva logicamente do estado da arte da disciplina?
Os objetivos buscam preencher esta lacuna?
Os conceitos mantêm o significado ao longo do texto?
Os objetivos buscam testar ou verificar uma hipótese?
Nos métodos:
Há pontos importantes para julgar a validade do trabalho que não foram explicados?
Está claro para que serve cada seção dos métodos?
As medidas realizadas e os procedimentos adotados estão claramente justificados?
No caso de várias hipóteses, as análises estão redigidas na mesma ordem que os
objetivos?
Nos resultados:
Um gráfico de dispersão representa a resposta a nossa pergunta principal?
O número de observações está claro no gráfico?
Existe redundância entre a informação mostrada no texto e os dados apresentados nos
gráficos e/ou tabelas?

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

No caso de vários objetivos, os resultados foram apresentados na mesma ordem que as


análises dos métodos?
Os dados mostrados permitem julgar se as análises foram feitas corretamente?
Na discussão
Foram discutidos problemas que possam ter interferido na resposta?
Os resultados de estudos comparados com o nosso são mesmo comparáveis?
As conclusões e sugestões derivam logicamente dos resultados?
Mostraram-se novas hipóteses para avançar no entendimento do tema abordado?
Nos reconhecimentos
As pessoas/organizações que prestaram a ajuda ou licenças mais fundamentais estão
presentes?
Nas referências
Todas as citações, e só as que estão no texto, aparecem na seção referencias?

Glossário:
(Este glossário foi criado usando definições encontradas na internet, usando a opção
“define” do buscador Google. Todo termo possui diferentes definições que variam um pouco
em função da fonte. Aqui foram escolhidas as que permitiram uma maior coerência lógica
dentro do plano seguido para este módulo).

Casos gerais e particulares: Para Aristóteles e Bacon, são duas categorias que
mostram generalidade de aplicação de um conceito.
Conclusões, previsões, predições ou hipóteses: uma proposição aceitável, mas
ainda não conferida.
Efeito: influencia de um elemento sobre outro.
Epistemológica: relativa ao estudo do funcionamento da ciência.
Fatores ou variáveis independentes: elemento ou circunstância que contribui a
produzir um estado em uma variável influenciada por ele.
Indução: Raciocínio ou forma de conhecimento pelo qual passamos do particular ao
universal, do especial ao geral, do conhecimento dos fatos ao conhecimento das leis.
Inferência: Realizar predições sobre uma população, a partir dos dados disponíveis.
Probabilidade prévia: estimação subjetiva da probabilidade de um evento, prévia a
qualquer experimento.
Pseudorepetições: observações cujos valores estão afetados por um fator de confusão.
Ruído: variação não devida ao fator.
Silogismos: arranjos de três proposições lógicas onde a última se deduz
necessariamente das duas anteriores

17
Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Tautologia: uma explicação onde a mesma idéia é repetida com termos diferentes.
Teoria empírica: Segundo Popper, aquela teoria que pode ser testada.
Teoria: explicação sobre um fenômeno. Para Popper, deve ser um conjunto de
estamentos.
Teste: prova ensaio, exame.
Tratamento: propriedade que permite distinguir entre duas ou mais populações.
Variáveis dependentes ou de interesse: variável cuja variação estamos interessados
em explicar, sendo influenciada pelos fatores.
Verossimilhança: probabilidade hipotética de que um evento que já haja ocorrido
tivesse obtido um resultado específico.

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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa

Bibliografia

Amorim, D. S. (2002) Fundamentos de sistemática filogenética. Editora Holos, Ribeirão Preto, Brazil,
154 pp.

Aristóteles (350 A.C). Prior Analytics (livro 1). Trad. Por A.J. Jenkinson. Disponível em:
http://ebooks.adelaide.edu.au/ (Maio 2009). 59 pp.

Bayes, T. (1763) An Essay towards solving a Problem in the Doctrine of Chances. Philosophical
Transactions of the Royal Society of London 53, 370–418.

Cleveland, W. S. (1987) Graphs in scientific publications. American Statistician 38: 26-19.

Francis Bacon. (1620) Novum Organum.Trad por J. Spedding (1858). Disponível em:
http://en.wikisource.org/wiki/Novum_Organum (Maio 2009).

Jaynes, E. T. (2003) Probability Theory: The Logic of Science. Cambridge University Press,
Cambridge. Disponível em: http://www-biba.inrialpes.fr/Jaynes/prob.html (maio 2009).

Magnusson, W. E. (1996). How To Write Backwards. Bulletin of Ecological Society of America 77, 88-
88.

Magnusson, W. E.; Mourão, G. (2004) Statistics without Math. 1. ed: Editora Planta / Sinauer
Associates. Londrina. 136 pp.

Morris C. (1992) Academic Press Dictionary of Science & Technology. Morris Books, Escondido,
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Peters, R. H. (1991) A Critique for Ecology. Cambridge University Press, New York 366 pp.

Popper, K. R.(1959). The logic of scientific discovery. First English edition by Hutchinson & Co. 545
pp.

Quinn G.P.; Keogh M.J. (2002) Experimental design and data analysis for biologists. Cambridge
University Press; Cambridge. 557pp.

Raymond B. Huey. (1987) Reply to Stearns: Some acynical advice for

graduate students. Bulletin of the Ecological Society of America 68: 150-153.

Stearns, S.C. (1987) Some modest advice for graduate students. Bulletin of the Ecological Society of
America 68: 145-150.

Underwood, A. J.; Chapman M. G. e Connell. S. D. (2000) Observations in ecology: you can’t make
progress on processes without understanding the patterns. Journal of Experimental Marine
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Wiens, J. J. 2008. Systematics and herpetology in the age of genomics. Bioscience 58, 297–307.

19
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

ENDOCRINOLOGIA REPRODUTIVA E METABOLISMO DE


VERTEBRADOS ECTOTÉRMICOS

A presente unidade abordará aspectos fisiológicos reprodutivos com ênfase nos


vertebrados ectotérmicos. A reprodução nos vertebrados é regulada através de um controle
endócrino gerenciado pelo eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, culminando com uma série de
mudanças metabólicas associadas à reprodução, que serão discutidas com detalhes ao
longo dessa unidade. Será conduzida também uma abordagem sobre o metabolismo
respiratório, cuidado parental e desenvolvimento de larvas e principais causas dos
compostos nitrogenados em ectotérmicos aquáticos.

20
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Abordagem dos Principais Sinalizadores Aferentes do


Processo Fisiológico da Reprodução em Ectotérmicos

Carlos Eduardo Tolussi


Laboratório de Reprodução e Metabolismo de Organismos Aquáticos
ctolussi@gmail.com

O eixo reprodutivo formado pelo hipotálamo, hipófise e gônadas é o principal


modulador da reprodução na maioria dos vertebrados. As interações neste eixo são
reguladas por complexas interações de sinais neuronais e hormonais, que se convergem
para alguns neurônios hipotalâmicos, que por sua vez liberam o hormônio liberador de
gonadotropinas (GnRH) (Evans e Claiborne, 2006).
O GnRH age diretamente na hipófise, estimulando a liberação do hormônio folículo
estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH), que alcançam seus respectivos
receptores na gônadas, cuja resposta é a liberação de hormônios esteróides (Evans e
Claiborne, 2006).
Nas gônadas de fêmeas de todos os vertebrados há a liberação do hormônio 17β–
estradiol, estimulada pelo FSH, promovendo a síntese da vitelogenina. Posteriormente há a
síntese de progestágenos devido à estimulação pelo LH. Nos peixes o progestágeno mais
importante é a 17α, 20β-dihidroxiprogesterona, e para os anfíbios e répteis a progesterona é
a mais importante, porém estes dois promovem a maturação folicular e a ovulação.
Em machos o FSH estimula a liberação de andrógenos, que possuem a função de
regulação da espermiogênese. Contudo, em peixes o andrógeno mais importante é a 11-
cetotestosterona, mas para os anuros, urodelos e répteis a 5α- dehidrotestosterona, a 11β-
hidroxitestosterona e a testosterona são os mais importantes, respectivamente. Já os
progestágenos em machos estão envolvidos na mobilidade do espermatozóide e na
espermiação (Evans e Claiborne, 2006).
Além disso, estes hormônios gonadais (estrógenos e andrógenos) estão envolvidos no
controle de feedback negativo no hipotálamo (liberação de GnRH) e na hipófise (liberação
de FSH, LH), que também sofre o efeito da inibição de liberação de gonadotropinas sob a
ação da dopamina (DA) (Evans e Claiborne, 2006).
Para que este processo descrito acima ocorra, é necessário que as informações e os
estímulos ambientais cheguem por meio de sinalizações neuroquímicas e/ou glandulares ao
eixo hipotálamo-hipófise-gônadas através de uma via aferente, gerando o início do processo
reprodutivo (Tsutsui, 2009). Um desses importantes sinalizadores para o início do processo
reprodutivo é a kisspeptina.

21
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Em 1999 foi descoberto em ratos e subsequentemente em humanos, um receptor de


membrana acoplado a proteína G que foi chamada de GPR54 (Kotani e col., 2001). Sua
expressão foi observada em diferentes tecidos periféricos como o pâncreas, rins, placenta,
testículos e também em regiões como a hipófise e mais fortemente no hipotálamo, área pré-
óptica, mesencéfalo, amídala e medula (Kauffman e col., 2007).
Em 2001 foi descoberto através do gene Kiss 1 um peptídeo denominado kisspepitina
que após sua transcrição contém uma cadeia de 145 aminoácidos que é subsequentemente
clivado em moléculas menores e biologicamente ativas (Kisspeptina-54, 14, 13, 10) e que
possuem uma grande afinidade com o receptor GPR54 (Kauffman e col., 2007).
Uma das características importantes da kisspeptina é que ela contém uma sequência
Arg-Phe-NH2 na sua região C-terminal (RFamide peptídeos), que é encontrada em muitos
peptídeos de diversos vertebrados. A RFamide peptídeos tem um importante papel
fisiológico endócrino, comportamental, sensorial e anatômico (Othaki e col., 2001), e será
discutido com mais detalhes posteriormente.
Em ratos, ovelhas e primatas o RNAm da Kiss 1 já foi bem evidenciado nos núcleos
arquedos (ARC), núcleos paraventriculares anteroventral (AVPV), núcleo paraventricular
anterodorsal (APN) e como foi observado para o receptor GPR54 o gene Kiss 1 também é
encontrado em diferentes tecidos periféricos como placenta, ovário, testículo, pâncreas e
fígado (Kauffman col., 2007).
Estudos realizados com mutações no receptor GPR54 em humanos e em ratos
demonstram uma diminuição na atividade reprodutiva, incluindo um baixo desenvolvimento
na puberdade, queda nos níveis de esteróides, diminuição da gametogênese e ausência do
estro ou ciclo menstrual. Além disso, mutações e deleções neste receptor causam uma
severa queda nos níveis das gonadotropinas (FSH e LH) e também na liberação do GnRH.
Efeitos similares foram observados em ratos submetidos ao knockout do gene Kiss 1
(Kauffman e col., 2007).
Como o GnRH estimula a hipófise a liberar as gonadotropinas, há evidências
apontando que o complexo kisspeptina–GPR54 ativam apenas a liberação de GnRH, que
por sua vez irá influenciar na produção de FSH e LH. Isto porque, em ratos e primatas o
aumento da secreção de gonadotropinas pela indução de kisspepitina pode ser bloqueada
com antagonistas de GnRH. Além disso, a elevação da expressão da kisspeptina
potencializa a ação dos neurônios que liberam GnRH, aumentando o seu nível no
hipotálamo e na circulação porta, e finalmente, a administração de kisspeptina não induziu
a secreção de LH (Irwig e col., 2005; Messager e col., 2005; Parhar e col., 2004).
Como já fora observado, a kisspeptina é crucial para a regulação do GnRH, e como
muitos animais sincronizam sua reprodução com o ambiente externo, principalmente com o

22
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

fotoperíodo, este então, pode exercer um efeito direto ou indireto no controle da reprodução
através da melatonina e/ou da kisspeptina.
Para os mamíferos as informações do ambiente de claro e escuro chegam pela retina
e vão ao núcleo supraquiasmático (SCN) e este regula por vias multisinápticas a síntese de
melatonina, que é um hormônio protéico produzido apenas a noite (Goldman, 2001).
Em hamsters expostos a noites longas, para que haja um aumento na liberação de
melatonina, houve uma inibição no eixo reprodutivo e quando submetidos a dias longos os
animas apresentaram a atividade de reprodução (Prendergast, 2005). Contudo há pouca ou
nenhuma ligação observada da melatonina com a região anterior do cérebro que continham
neurônios liberadores de GnRH (Weaver e col., 1989).
No hamster Sirio (Mesocricetus auratus), foi observada a diminuição da Kiss 1 e da
kisspeptina no núcleo arqueado (ARC), correlacionando este fato com a diminuição da
atividade reprodutiva quando estes animais foram submetidos a dias curtos, sendo
importante salientar que existem receptores de melatonina no ARC, o que sugere um efeito
direto da melatonina sobre a kisspeptina (Kauffman e col., 2007).
Com essas informações é concebível diagnosticar que a melatonina exerce um efeito
sobre a kisspeptina, através de sítios que respondem a este hormônio (Kauffman e col.,
2007).
Estudos com imunoreatividade em hamster siberiano (Phodopus sungorus) mostraram
uma super regulação do ARC sobre o nível de kisspeptina, havendo um aumento desse
peptídeo em dias curtos. Isto demonstra que pode haver diferenças na produção e
regulação da kisspeptina entre as espécies. Contudo esta elevação nos dias curtos em
hamster siberiano pode estar relacionada ao aumento do estoque da kisspeptina, já que a
sua liberação foi baixa neste período (Kauffman e col., 2007).
Em peixes, como nos outros vertebrados, é bem estabelecido o funcionamento das
cascatas hormonais que controlam o eixo hipotálamo – hipófise - gônadas, porém os
processos que desencadeiam o início da puberdade não são bem conhecidos (Weltzien,
2004). O receptor da GPR54 foi encontrado em espécies de peixes como tilápias
(Oreochromis niloticus), tainha (Mugil cephalus), cobia (Rachycentron canadum), fathead
minnow (Pimephales promelas) e zebrafish (Danio rerio). Além disso, a expressão gênica
deste receptor aumentou significativamente no inicio da puberdade, demonstrando sua
importância no processo reprodutivo assim como nos mamíferos. Já a Kiss 1, só foi
encontrada em zebrafish, contudo a kisspeptina é pobremente conservada entre os grupos,
com exceção da kisspeptina 10 (Van Aerle e col., 2008). Nesta espécie, a expressão da
GPR54 foi alta no cérebro e baixa nos olhos e para a kisspeptina a sua expressão ocorreu
no cérebro, intestino, tecido adiposo e testículo (Van Aerle e col., 2008).

23
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Fica claro que a Kisspeptina tem influência no processo fisiológico da reprodução,


porém é necessária ainda a condução de número maior de experimentos não só em
mamíferos, mas também em outros grupos de vertebrados, para que se possa detectar a
sua presença e também de elucidar o seu real mecanismo de ação.
Outro peptídeo importante na regulação da reprodução foi descoberto em 2000 nas
aves e é conhecido como Hormônio Inibidor de Gonadotropinas (GnIH). Este é um
dodecapeptídeo que age diretamente inibindo a liberação de GnRH e de gonadotropinas
nestes animais (Tsutsui e col., 2000). Esta recente descoberta abriu uma porta para novos
estudos no campo da neuroendocrinologia reprodutiva.
Com a descoberta do GnIH foram também encontrados peptídeos homólogos a este
em outros vertebrados como mamíferos, anfíbios e teleósteos. O que o GnIH tem em
comum com os outros peptídeos é principalmente a sequência LPXRFamido em sua região
C-terminal (X= L ou Q) (Tsutsui e Osugi, 2009), que também esta presente na sequência da
kisspeptina.
As relações ortólogas entre os genes dos peptídeos LPXRFamido são confirmadas
pela conservação dos cromossomos entre os mamíferos, aves e peixes ósseos (Tsutsui e
Osugi, 2009). Mais especificamente em peixes, foram encontrados cDNA de três peptídeos
em goldfish (Carassius auratus) homólogos ao GnIH, denominados de goldfishLPXRFa-1, -2,
e 3 (gLPXRFamide). As células, que os produzem foram encontradas apenas nos núcleos
posteriores paraventriculares (NPPv) e nos núcleos terminais (NT) no hipotálamo. Já as
fibras estão distribuídas em diferentes regiões incluindo a pars distalis e em outros locais da
hipófise-, o que sugere que este neruropeptideo tenha influência na liberação de
gonodotropinas (Sawada e col., 2002; Amano e col., 2006).
Estudos in vitro com hipófise de salmão Oncorhynchus nerka demonstraram que o
gLPXRFamide está presente no cérebro e na hipófise do salmão Oncorhynchus nerka e que
este peptídeo estimula a liberação de FSH, LH e hormônio de crescimento (GH) (Amano e
col., 2006).
Em anfíbios também foi identificado um peptídeo com uma sequência LPXRFamido
em sua região C-terminal denominados de fRFamido. Foram descobertos também três
peptídeos fGRP-RP-1, -RP-2, e RP-3 que antecedem esta molécula (Ukena e col., 2003).
Alguns estudos com imunohistoquímica, também em anfíbios, indicam que os neurônios que
liberam peptídeos fRFamido estão no SCN e na eminência média no hipotálamo e suas
fibras se estendem até a região da hipófise, o que indica mais uma vez que este peptídeo
pode ter uma alta influência na regulação hormonal nesta glândula (Pinelli e col., 1999).
Em rã touro (Rana catesbeiana) foram localizadas células que produzem o peptídeo
fRFamido no telencéfalo e diencéfalo. No telencéfalo estas células estavam ao redor da
região médio-septal e no núcleo da banda diagonal de Broca, já no diencéfalo elas foram

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

encontradas em grande quantidade na região do SCN, e na área pré-óptica anterior foram


detectadas poucas dessas células. As fibras estavam presentes nas regiões do
mesoencéfalo, diencéfalo e na eminência média, porém eram provindas do SCN (Koda e
col., 2002).
Experimentos realizados in vitro com células da hipófise anterior de machos de rã
touro (Rana catesbeiana) encubadas com fRFamide peptídeos, demonstraram que houve a
liberação de GH após 12 horas de incubação (Koda e col., 2002). No entanto, este peptídeo
só causou a liberação de PRL juntamente com o GH após a adição do hormônio liberador
de tireotropinas (TRH), e não houve estímulo para a liberação de gonadotropinas em
nenhuma das análises. Já em vivo após a injeção deste peptídeo, houve um aumento
apenas no nível de GH plasmático (Koda e col., 2002).
Os dados acima mostram claramente que o fRFamide está envolvido com a liberação
de GH em rã touro, porém são necessários mais estudos para que se possa estabelecer se
há alguma relação deste peptídeo com o controle fisiológico da reprodução.
Em outro trabalho em rã touro, foi observado que um dos antecessores do fRFamide,
o fGRP-RP-2, estimulou a liberação de PRL e GH nas células da hipófise anterior, o que foi
confirmado quando este peptídeo foi injetado in vivo, e os animais apresentaram um maior
nível de PRL plasmática em relação ao controle (Koda e col., 2002).
Os outros precursores (fGRP-RP-1 e fGRP-RP-3) não promoveram nenhum aumento
nestes hormônios (GH e PRL). É importante ressaltar que esses peptídeos são expressos
apenas no SCN, e as suas fibras estão localizadas na eminência média, e é deste local que
é expresso o fGRP-RP-2 (Koda e col., 2002).Com isso é possível observar que tanto para
os anfíbios, quanto para os répteis ainda não foram descobertos um peptídeo que tenha
uma função parecida ou igual ao GnIH ou mesmo com a kisspetina.
Como já foi dito anteriormente, a melatonina em mamíferos e em vertebrados
ectotérmicos, pode influenciar no processo fisiológico da reprodução. Em répteis, a pineal é
bem desenvolvida, com exceção das serpentes e crocodilos. Em tuatara (Sphenodon
punctatus) e muitos lagartos, além do órgão da pineal existe um olho parintal (“terceiro
olho”), que é considerado um órgão parapineal (Mayer e col., 1997). O efeito do fotoperíodo
sobre a reprodução foi diagnosticado em répteis. Experimentos retirando o órgão da pineal
(pinealectomia) em anoles (Anolis carolinensis) demonstraram que houve um estímulo na
reprodução, com a elevação da massa ovariana, do oviduto e do desenvolvimento do
folículo. Estes resultados ocorreram no mês de janeiro (dias mais curtos), mas não em julho,
setembro e em novembro, o que pode indicar que a melatonina tem um efeito inibitório no
desenvolvimento gônadal (Mayer e col., 1997).
Em machos de anoles foram feitos experimentos em fotoperíodos de CE (claro-escuro)
8:16 e CE 14:10, com pinealectomia e adição de doses de melatonina nos meses de verão e

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

de outono (Mayer e col., 1997). Foi constatado que no verão, com o fotoperíodo de CE 8:16
houve uma diminuição da massa dos testículos e da espermiogênese. Já para CE 14:10, na
mesma estação do ano estes parâmetros não se alteraram e no outono os testículos
estavam inativos nos dois fotoperiodos. A pinealectomia e a injeção de melatonina não
influenciaram a massa dos testículos submetidos ao fotoperíodo de CE 8:16. Já para o
grupo com incidência de luz maior, o fotoperíodo aumentou a massa dos testículos, mas a
injeção de melatonina não influenciou neste resultado (Mayer e col., 1997). O efeito da
melatonina na reprodução de anoles está relacionado aos efeitos inibitórios, como foi
observado para lagartos que foram injetados com doses de melatonina gerando uma
supressão dos parâmetros reprodutivos. Contudo, é importante mencionar que, mesmo com
a pinealectomia, a influência do fotoperíodo é significativa na reprodução, e assim, conclui-
se que o fotoperíodo não está exercendo a sua influência apenas via glândula pineal (Mayer
e col., 1997).
Em serpentes, a pineal não possui uma função fotorreceptora, com isso um fator que
interfere no nível de melatonina é a temperatura, que pode suprimir os níveis desse
hormônio à noite, como foi visto em experimentos com Nerodia rhombifera (Telden e
Hutchiscln, 1993).
Foram realizados experimentos com Natrix piscator expostos a diferentes
temperaturas, fotoperíodos e umidades durante o ciclo reprodutivo, aliados a pinealectomia
ou apenas com a cirurgia, mas sem a retirada da pineal (Haldar, 1989). Os resultados
mostraram que com a elevação da umidade, os testículos dos Natrix piscator aumentaram
de tamanho, mas quando os animais sofreram a pinealectomia e foram submetidos a
mesma umidade não houve crescimento deste órgão, e em baixas e moderadas umidades
houve um aumentou do seu tamanho. Para o fotoperíodo, o tamanho dos testículos
diminuiu em dias longos e foi estimulado em dias curtos. Em relação à temperatura os
testículos dos Natrix piscator perderam peso em 40°C, mas não 20° e 32°C (Haldar, 1989).
Os efeitos causados pela temperatura e o fotoperíodo desapareceram com a
pinealectomia, o que indica que a retirada do órgão da pineal possui um efeito inibitório nos
testículos e, além disso, a umidade, a temperatura e o fotoperíodo apresentam algum efeito
nesta glândula.
Em anfíbios existem muitos estudos com órgão da pineal e a melatonina, contudo os
resultados não são conclusivos sobre a sua importância na reprodução. Além disso, foi
comprovado que a retina é o principal órgão de síntese de melatonina (Mayer e col., 1997).
Nos em répteis, a temperatura também influência na liberação de melatonina, sendo
que em baixas temperaturas há uma queda no nível deste hormônio no sangue (Rawding e
col., 1992).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Muitos trabalhos com anfíbios apontam a temperatura como o principal fator


desencadeador da reprodução, enquanto que o fotoperíodo não apresenta, ou possui efeitos
mínimos sobre esse processo (Mayer e col., 1997).
Em estudos realizados para diagnosticar o efeito do órgão da pineal na reprodução
mostrou-se que a pinealectomia diminuiu a atividade espermatogênica em sapos (B.
melanostictus), e em outro estudo com a mesma espécie, foi demonstrado que a
pinealectomia, na fase de hibernação, provocou a estimulação dos testículos, porém na fase
de reprodução este procedimento não apresentou efeito (Chanda e col., 1984).
Em relação à melatonina, em anuros, foi observado que a injeção desse hormônio
inibe a reprodução, como foi observado para machos de B. melanostictus na qual houve a
inibição das células de Leydig e a espermeogênese (Mayer e col., 1997).
Tanto em répteis quanto em anfíbios, a melatonina parece ter um efeito inibitório nas
gônadas, contudo não há comprovações até o presente momento de que este hormônio
tenha algum efeito no hipotálamo ou na hipófise.
Em peixes, a melatonina é liberada também pela pineal e tem um importante papel na
reprodução. Foi observado que animais expostos em dias longos obtiveram sua maturação
final completa e os que foram submetidos a dias curtos não apresentaram maturação final
(Mayer e col., 1997). Experimentos com truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) mostraram
que os níveis de GnRH e o número de neurônios que expressavam o RNAm do GnRH na
área pré óptica e no telencéfalo ventral modificaram-se com as alterações do fotoperíodo em
relação ao grupo controle (Bromage e col., 2001).
Le Menn (1998) mostrou que modificações no fotoperíodo provocaram alterações nos
níveis de FSH e LH, demonstrando claramente a influência do fotoperíodo e da melatonina
no processo neuroendócrino da reprodução em peixes.
Embora esteja claro que o fotoperíodo e a melatonina exercem um efeito no eixo
hipotálamo – hipófise – gônadas na maioria dos vertebrados, é muito difícil demarcar as
áreas do cérebro às quais se ligam a melatonina, e que estão envolvidas no controle
reprodutivo, porque estes locais, como em peixes por exemplo, são muito dispersos. Outro
fator importante é o fato de terem sido encontrados poucos centros de ligação de melatonina
na hipófise, nas regiões que produzem o GnRH no hipotálamo e nos neurônios
dopaminérgicos (Bromage e col., 2001).
Sugere-se que a melatonina exerça um efeito indireto na produção de GnRH sobre
vias interneuronais, e segundo Bromage e col., (2001), esta ligação pode ser realizada por
neurônios gabaminérgicos.
Como dito anteriormente, o controle endócrino reprodutivo ocorre através do eixo
hipotálamo-hipófise-gônadas, e, como visto até agora, também pela pineal, onde a
melatonina e a kisspeptina possuem um papel importante nessa regulação. Após disparados

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

os sinais que iniciam o processo reprodutivo, promovendo a síntese de GnRH no hipotálamo,


FSH e LH pela hipófise, os hormônios esteróides, sintetizados nas gônadas, também terão
atuação importante para que processos finais da reprodução ocorra.

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Esteroidogênese Gonadal em Animais Ectotérmicos


Juliane Suzuki Amaral
Laboratório de Reprodução e Metabolismo de Organismos Aquáticos
jusuzuki@usp.br

Os hormônios esteróides são pequenas moléculas derivadas do colesterol


universalmente encontradas em cordados e artrópodes. Ambos os filos, os esteróides são
requerimentos absolutos para o desenvolvimento, manutenção da homeostase e reprodução
(Young e col., 2005).
Em vertebrados adultos, três classes de hormônios esteróides que afetam a
reprodução (os estrógenos, andrógenos e progestágenos) são produzidos em momentos
apropriados em células especializadas na produção dos mesmos, nas gônadas e no córtex
adrenal de animais de ambos os sexos. Estas células expressam uma série de enzimas
esteroidogênicas que modificam o colesterol em hormônios esteróides.
A biossíntese dos hormônios esteróides nas gônadas evoluiu cerca de 500 milhões
de anos atrás. A influência na diferenciação sexual, controle dos investimentos metabólicos,
especialmente no que diz respeito à formação do ovo, são funções importantes nos
vertebrados primitivos (Lange e col., 2003).Os esteróides sexuais agem diretamente no
desenvolvimento de células germinativas, nas glândulas acessórias e nos órgãos
reprodutivos, assim como atua na modificação do comportamento, para assegurar que a
reprodução ocorra. Embora muitos esteróides sejam quimicamente idênticos na maioria das
classes de vertebrados, seu papel pode diferir em funções especializadas.
Os andrógenos e estrógenos são importantes em ambos os sexos em vários
aspectos do crescimento, do desenvolvimento e na regulação do comportamento e dos
ciclos sexual e reprodutivo. Entretanto, os andrógenos predominam nos machos, enquanto
os estrógenos predominam nas fêmeas. Em peixes, anfíbios e répteis, os andrógenos
desencadeiam o desenvolvimento das características masculinas primárias no embrião e
das características secundárias no juvenil. Os andrógenos também contribuem para o
crescimento geral e a síntese protéica, em particular, a síntese de proteínas miofibrilares no
músculo, como evidenciado pela maior musculatura dos machos em relação às fêmeas em
muitas espécies de vertebrados. Durante o ciclo reprodutivo, os andrógenos são
sintetizados em maior quantidade e promovem a espermatogênese nos testículos. Já nas
fêmeas os andrógenos servem de substrato para a síntese dos estrógenos (Randall e col.,
2000).
Os estrógenos estimulam o desenvolvimento tardio das características sexuais
primárias em fêmeas e também são responsáveis pelo desenvolvimento das características
secundárias, pela regulação dos ciclos reprodutivos e comportamento reprodutivo. Durante

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

o ciclo reprodutivo dos animais ovíparos (peixes, anfíbios e répteis), os estrógenos


promovem o crescimento do oócito com a incorporação de vitelogenina. Com o
desenvolvimento da fertilização interna em répteis, o estradiol está envolvido na retenção de
cálcio e fósforo e deposição dos mesmos para a formação da casca do ovo, assim como no
comportamento reprodutivo para a formação de ninhos. Ainda em répteis, os estrógenos
juntamente com os progestágenos, regulam a produção da chamada proteína branca do ovo
(egg-white protein) (Lange e col., 2003).
Os progestágenos possuem papel importante no final da reprodução em fêmeas de
peixes, anfíbios e répteis, promovendo a maturação final dos oócitos, processo esse que
ocorre antes da ovulação, e é um pré-requisito para o sucesso da fertilização. Os
progestágenos também estão envolvidos na ovulação dos oócitos.

Controle Endócrino da Reprodução em Vertebrados Ectotérmicos


O controle endócrino da reprodução nos vertebrados ectotérmicos é moduladopelos
estímulos ambientais que agem sobre o eixo hipotálamo-hipófise-gônadas, culminando com
a síntese dos esteróides gonadais (Fig. 1).
Em peixes, anfíbios e répteis o controle endócrino do ciclo reprodutivo em fêmeas
adultas envolve um eixo hipotálamo-hipófise-gônadas (Rocha & Rocha, 2006) e é modulado
por fatores ambientais como temperatura, fotoperíodo e regime de chuvas, que estimulam o
hipotálamo a sintetizar e liberar o hormônio liberador de gonadotropinas (GnRH), que
estimula as células gonadotrópicas da hipófise a sintetizar e liberar o hormônio folículo
estimulante (FSH), que via corrente sanguínea chega às camadas foliculares do oócito e na
camada teca, e converte o colesterol em testosterona. Esta é transportada à camada
granulosa, na qual é aromatizada em 17β-estradiol (principal estrógeno em ectotérmicos)
pela enzima aromatase, também sob influência do FSH (Kobayashi, 1989).
O 17β-estradiol age no fígado, estimulando a síntese de vitelogenina, que promove
crescimento no oócito devido à incorporação de vitelo. Na fase de vitelogênese, que é um
processo pelo qual o citoplasma do oócito acumula substâncias de reservas para posterior
utilização pela larva, ocorre um aumento nos níveis plasmáticos de 17β-estradiol e
testosterona, e esse aumento inibe a síntese de FSH através de feedback negativo e
juntamente com ação do GnRH estimulam a secreção hipofisária do hormônio luteinizante
(LH) nas fases finais da vitelogênese. O LH estimula a camada teca do folículo a produzir o
progestágeno 17α-hidroxiprogesterona (17αOHP), que é transportado à camada granulosa
e convertido a 17α-20β-dihidroxi-4-pregnen-3-one (17α20βP) pela enzima 20β-hidroxi-
esteróide-desidrogenase (20βHSD). O 17α20βP é o principal progestágeno responsável
pela maturação final do oócito e ovulação na maioria dos teleósteos (Young e col., 2005).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Em anfíbios e répteis, a progesterona e 17αOHP são os principais progestágenos efetivos


nos estádios finais da reprodução (Canosa
(Cano e col., 2003).
Em peixes machos adultos, o controle da síntese de esteróides é semelhante ao das
fêmeas. FSH e LH estimulam a produção dos andrógenos, testosterona e 11
11-ceto-
testosterona pelas células de Leydig nos testículos (Rocha & Rocha,
Rocha, 2006). A testosterona e
a 11ceto-testosterona
testosterona promovem a espermatogênese nos testículos.
testículos Ambas gonadotropinas
estimulam, além da produção de andrógenos, os progestágenos, principalmente a 17α20βP,
sendo esta última produzida em maior quantidade pela ação
a da LH e tem relação com a
motilidade dos espermatozóides (Young e col., 2005). Em anfíbios e répteis, os andrógenos
testosterona e 5α-dihidrotestosterona
dihidrotestosterona (DHT) representam os principais andrógenos
secretado
ecretado pelos testículos (Canosa
(Canos e col., 2003).

Fatores ambientais: chuvas,


temperatura, fotoperíodo

HIPOTÁLAMO

GnRH (+) GnRH (+)


↑ 17β
β - Estradiol HIPÓFISE ↑ Testosterona
(-) (-)
FSH
E
OVÁRIO LH TESTÍCULO
(+)

17β
β - estradiol Progesterona Testosterona, Progesterona,
17α20β
17α βP 11-ceto-T 17
17αα20β
βP

Maturação final do
Vitelogenina Espermatogênese Motilidade dos
oócito, ovulação
espermatozóides

Figura 1 – Esquema hipófise-gônadas.


squema do controle endócrino reprodutivo através do eixo hipotálamo-hipófise

Esteroidogênese e Principais Enzimas Envolvidas


Todos os esteróides de vertebrados são sintetizados a partir do colesterol, um lipídio
anfipático presente na membrana plasmática de todas as células animais
animais. O colesterol
contém átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio, e a sua forma molecular é C27H46O. A
sua estrutura é constituída por uma região de 4 anéis de hidrocarbonetos (também

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

conhecido como núcleo esteróide) ligados a um grupo hidroxila em uma ponta e a uma
cauda de hidrocarbonetos na outra. O grupo hidroxila é a única parte hidrofílica da molécula,
o que a torna insolúvel no sangue (Fig. 2).
O colesterol utilizado para a síntese dos esteróides gonadais é proveniente da dieta
ou é sintetizado a partir do acetato (acetil CoA) produzido pela glicólise ou via oxidação dos
ácidos graxos. A maioria do colesterol é sintetizada no fígado e é liberado no sangue como
lipoproteínas. O córtex adrenal, os ovários e os testículos também podem sintetizar
colesterol, mas utilizam preferencialmente complexos lipoprotéicos absorvidos pelo intestino
(quilomícrons) ou sintetizados no fígado (lipoproteínas) como fonte de colesterol (Norris,
1997).
Os folículos ovarianos em todos os vertebrados são compostos de duas principais
camadas celulares, uma externa chamada de camada teca e uma interna chamada de
camada granulosa. As células foliculares do ovário (teca e granulosa) e as células de Leydig
nos testículos possuem grande capacidade esteroidogênica e são os principais locais onde
ocorre a síntese dos esteróides gonadais, embora como já mencionado, também sejam
sintetizadas em pequena parte pelo córtex adrenal.
Colesterol (c27)

Pregnenolona (c21) Esteróide basal

Progesterona, 17α-HSD, 17α,20β-P (c21) Progestágenos

Testosterona, 11ceto-T (c19) Andrógenos

Estradiol, 17β-Estradiol, Estriol, Estrona (c18) Estrógenos


Figura 2 – Estrutura química da molécula de colesterol
constituída de 27 carbonos (C27) e por uma região de 4 Figura 3 – Produção das diferentes classes de esteróides
anéis de hidrocarbonetos (Modificado de Norris, 1997) gonadais utilizando o colesterol como precursor.

O primeiro passo para a síntese dos esteróides gonadais é estimulada pelo FSH e
LH

O primeiro passo para a síntese dos esteróides gonadais é estimulada pelo FSH e
LH que se ligam a receptores de membrana na camada teca do folículo ovariano ativando a
adenilato ciclase e formação de cAMP.
Para a produção das diferentes classes de esteróides gonadais, o colesterol
armazenado nessas células é recrutado via proteína quinase A, e passa por subseqüentes
conversões por enzimas pertencentes à superfamília do citocromo P450 e das

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

hidroxiesteróides desidrogenases (HSD). A primeira enzima que atua sobre o colesterol na


formação dos esteróides é a citocromo P450scc (P450 side-chain cleavage) que está
localizada na membrana mitocondrial interna e converte o colesterol em pregnenolona. A
produção de pregnenolona pela P450scc é limitada à disponibilidade do colesterol. Uma
proteína transportadora StAR (Steroidogenic acute regulatory protein) é necessária para
transportar o colesterol através da membrana mitocondrial onde se encontra a enzima
P450scc (Young e col., 2005) (Fig. 4).
O transporte do colesterol para a membrana mitocondrial é um pré-requisito para a
esteroidogênese gonadal e adrenal para a produção do esteróide basal, a pregnenolona. A
pregnenolona por sua vez, serve como substrato para a enzima citocromo P450 17-
hydroxilase (P450C17). Dependendo do momento do ciclo reprodutivo, a P450C17 possui
duas atividades enzimáticas: 1) catalisa a hidroxilação do pregnenolona para 17α-
hidroxipregnenolona e atua novamente na remoção de dois resíduos de carbono originando
o andrógeno dehidroepiandrosterona ou 2) catalisa somente a hidroxilação da
pregnenolona para 17α-hidroxipregnenolona e este serve de substrato para a síntese dos
progestágenos (Young e col., 2005). O hormônio LH está associado com os processos finais
da reprodução e por isso parece estar envolvido na regulação da P450c17 para a formação
de progestágenos, pois estes são os hormônios efetivos na ovulação e desova.
Para a síntese da 11-ceto-testosterona, o andrógeno dehidroepiandrosterona serve
de substrato para a enzima 3β-hidroxiesteróide desidrogenase (3βHSD) convertendo-o em
androstenediona que subseqüentemente é convertida em testosterona pela enzima 17β-
hidroxiesteróide desidrogenase (17βHSD). Finalmente, a enzima P450 11β-hidroxilase (11β-
HSD) converte a testosterona em 11-ceto-testosterona, sendo este o principal andrógeno
efetivo em peixes machos, e promove a espermatogênese.
Para a síntese do 17β-estradiol, a testosterona serve de substrato para a enzima
P450arom (aromatase) convertendo este andrógeno em 17β-estradiol, sendo este o
principal estrógeno efetivo em fêmeas nas fases iniciais da reprodução, promovendo a
vitelogênese.
Para a síntese da 17α20β-dihidroxy-4-pregnen-3-one (17α20βP), a progesterona é
convertida em 17α-hidroxiprogesterona pela enzima 3β-hidroxiesteróide desidrogenase
(3βHSD) e subseqüentemente convertida em 17α20βP pela enzima 20β-hidroxiesteróide
desidrogenase (20βHSD). O 17α20βP é o principal progestágeno em peixes, sendo
considerado o esteróide indutor da maturação (MIS) e ovulação (Fig.5).
Pregnene-, androstene-, e estrene-derivativos podem ser modificados mais adiante
em outros esteróides por uma série de hidroxilases, redutases, oxiredutases e isomerases.
As enzimas 3β-hidroxiesteróide desidrogenase (3βHSD) e 17β-hidroxiesteróide

33
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

desidrogenase (17βHSD) merecem atenção por promover importantes oxirreduções na


síntese de esteróides bioativos (Young e col., 2005).

LH e FSH

ATP cAMP
Éster de
colesterol
Colesterol Colesterol éster Proteína
livre hidrolase quinase A
PKA

StAR Steroidogenic Acute Regulatory protein

P450scc
Pregnenolona

Progesterona Testosterona
17α
α20β
β-P 11ceto-T 17β
β-Estradiol

Figura 4 – Vias de síntese dos esteróides gonadais numa célula esteroidogênica. Após a ligação do FSH ou LH em
seus receptores, a proteína StAR é rapidamente sintetizada no citoplasma através da via cAMP. A proteína StAR
associa-se rapidamente com o colesterol livre e é rapidamente transferida para dentro da membrana mitocondrial
interna onde a enzima P450scc está localizada.

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Mecanismos de Ação dos Esteróides


Os esteróides, por serem lipofílicos, podem passar através de membranas celulares
e interagir com receptores intracelulares. Estes receptores geralmente estão no citosol de
células alvo para corticosteróides e no núcleo para estrógenos e andrógenos, mas
alterações nestes padrões podem ocorrer, principalmente com relação aos receptores de
corticosteróides no sistema nervoso central. O modelo original da ação dos hormônios
esteróides foi proposto por Elwood Jensen em 1970 e embora o modelo precise de uma
revisão considerada, as características básicas são ainda válidas (Norris, 1997).
Os estrógenos e os andrógenos são capazes de produzir efeitos celulares de
mecanismos similares. Uma vez que os esteróides entram em suas células alvo, eles
difundem-se para o núcleo onde se ligam a receptores específicos (ER para 17β-estradiol e
AR para a 11-ceto-testosterona). Uma vez ligado ao receptor, conduz fatores de transcrição,
ligando-se em elementos específicos de resposta hormonal (hormone-responsive elements
HREs) ou em sítios no DNA e inicia uma nova síntese de RNAm. Uma vez que o receptor é
ocupado, ele é fosforilado formando um dímero antes de se ligar ao HRE associado com a
região promotora do gene. Uma segunda fosforilação ocorre depois de se ligar ao DNA. A
síntese resultante de novas proteínas pelas células alvo traz eventos clássicos associados
com a ação desses hormônios (Norris, 1997).

Pregnenolona

17α
α-Hidroxipregnenolona Progesterona

P450c17 3β
β -HSD

17α
α-Hidroxiprogesterona
Dehidroepiandrosterona (DHEA)

β-HSD 20β
β-HSD

17α
α,20β
β -Dihidroxiprogesterona
Androstenediona
17β
β-HSD
P450arom
Testosterona
17β
β-Estradiol
P45011β
β
Figura 5 – Via esteroidogênica em
11β
β -Hidroxitestosterona
gônadas de teleósteos. Setas
11β
β -HSD brancas indicam via de síntese de
andrógenos e estrógenos e setas
11ceto-Testosterona
azuis indicam via de síntese de
progestágenos.

35
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Desenvolvimento Gonadal e Hermafroditismo em Animais


Ectotérmicos.

Jandyr de Almeida Rodrigues Filho


Laboratório de Reprodução e Metabolismo de Organismos Aquáticos
jajajandyr@gmail.com

Os esteróides sexuais, produzidos sob o controle do eixo hipotálamo-hipófise-gônada,


são tidos como os principais fatores no controle do desenvolvimento gonadal e da
reprodução (Pough, 1993; Reinboth, 1998; Devlin e Nagahama, 2002), iniciando os
processos de gametogênese gonadal, que inclui todo o processo de proliferação,
crescimento e maturação dos gametas. A gametogênese nos testículos é denominada
espermatogênese, e nos ovários é chamada de oogênese.
Os peixes teleósteos exibem vários padrões sexuais durante sua ontogenia, nos quais
as gônadas se transformam em ovários ou testículos funcionais. Nas distintas Ordens em
peixes, podem ser encontradas espécies gonocóricas, assim como hermafroditas, tanto
simultâneas quanto seqüenciais ou consecutivas.
De um modo geral, as gônadas são órgãos (ovário e testículos) de estruturas pares,
alongadas e/ou ovais que se localizam dentro da cavidade abdominal, com funções de
produção de gametas (espermatozóide e oócito), e como órgãos endócrinos com funções
esteroidogênicas (produção de esteróides) (Atwood, 1955; Taylor e Guttman, 1977;
Pough,1998).

Desenvolvimento Testicular
Os testículos dos vertebrados ectotérmicos, assim como demais vertebrados,
compartilham uma série de características altamente conservadas durante a evolução
(Parenti e Grier, 2004). Internamente, os testículos dos animais ectotérmicos podem ser
lobulares ou tubulares e estruturalmente são formados por uma cápsula testicular, e
divididos em compartimento intersticial e compartimento germinativo (Lo Nostro e cols.,
2003; Andrew e Hickman, 1974).
A cápsula testicular é composta por tecido conectivo denso, músculo liso, cordões
nervosos, vasos linfáticos e sanguíneos. O compartimento intersticial, que está localizado
entre os lóbulos ou túbulos, é formado por fibras colágenas, nervos, vasos linfáticos,
capilares e pelas células de Leydig (Grier e col., 1989; Pudney, 1993). O compartimento
germinativo, que forma a parede dos lóbulos ou túbulos seminíferos, consiste de células de
Sertoli (células somáticas) que formam os cistos de células germinativas (epitélio
germinativo). As células germinativas desenvolvem-se em contato com células de

36
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

sustentação (as células de Sertoli), que se estendem da periferia até a luz dos túbulos
seminíferos e fornecem nutrição durante o processo de desenvolvimento e diferenciação
das células germinativas (espermatogênese) (Grier e col., 1989; Pudney, 1993).
Os critérios histológicos para caracterizar um epitélio germinativo devem conter: (1)
delimitar uma cavidade ou superfície; (2) possuir células somáticas conectadas por
complexos juncionais; (3) estar apoiado sobre uma membrana basal e (4) ser avascular,
sendo assim, se alguma das características supracitadas acima estiver ausente o tecido não
é considerado um epitélio germinativo. O epitélio germinativo masculino, de acordo com os
estágios de desenvolvimento e maturação, é constituído por espermatocistos ou cistos de
espermatogônias que diferenciam em espermatócitos, espermátides e espermatozóides
durante os ciclos reprodutivos dos animais (Grier e Lo Nostro, 2000).
As espermatogônias são as maiores células da linhagem germinativa e as primeiras
células do desenvolvimento dos gametas. Estão envoltas completamente pelos
prolongamentos citoplasmáticos das células de Sertoli, possuem um núcleo volumoso,
central, com cromatina homogeneamente descondensada, e nucléolos de componentes
fibrilar e granulares evidentes. As espermatogônias sofrem sucessivas divisões mitóticas
antes de originar os espermatócitos. Os espermatócitos I são células menores que as
espermatogônias, apresentadas em grupos de células arredondadas, com o citoplasma
pouco corado, núcleo grande e central (Nóbrega, 2006).
Os espermatócitos II, resultantes da primeira divisão meiótica, entram rapidamente em
meiose II, e após as duas etapas da meiose, cada espermatócito primário dá origem a
quatro espermátides, cada uma contendo o número haplóide de cromossomos. Uma
espermátide pode conter todos os cromossomos que o macho herdou de sua mãe, aquele
que herdou de seu pai, ou mais provavelmente uma combinação dos cromossomos de seus
progenitores (Nóbrega, 2006).
As espermátides iniciais apresentam cromatina heterogeneamente condensada e
citoplasma com algumas mitocôndrias. Seu diâmetro nucleolar é praticamente a metade do
diâmetro nucleolar dos espermatócitos I. As espermátides são encontradas em diferentes
estágios da espermiogênese, e ao final da espermiogênese as espermátides se rompem
liberando os espermatozóides no lúmen que seguem para o ducto espermático nos
testículos saculares. Nos testículos do tipo tubular, as células que estão nas fases iniciais da
espermatogênese são encontradas junto ao fundo cego dos túbulos e, a medida que vão se
desenvolvendo, migram em direção ao ducto espermático (Nóbrega, 2006).
Desta forma, as alterações histológicas, no epitélio germinativo masculino têm sido
utilizadas para documentar e classificar os ciclos reprodutivos dos animais, tais como:
imaturos ou repouso, maturação inicial, intermediária, maduro e regressão.

37
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Desenvolvimento ovariano
Os ovários nos animais ectotérmicos são divididos em dois grupos: lobulares (peixes,
anfíbios, sáurios e ofídeos) ou sólidos (quelônios e crocodilianos). Em sua maioria os
ovários apresentam ovidutos, exceto em algumas espécies de anfíbios e peixes que
apresentam o ovário com uma cavidade. O oviduto é encontrado com modificações na
maioria dos vertebrados. Ao longo do oviduto podem ser formadas expansões
especializadas para diferentes propósitos: armazenamento de óvulos antes da postura,
deposição de uma casca ou retenção do ovo durante o desenvolvimento embrionário
(Romer e Parsons, 1985).
As células precursoras das células germinativas no ovário, chamadas de oogônias,
multiplicam por meio de mitose. Cada oogônia contém um número diplóide de cromossomos
e após cessarem a sua multiplicação, as oogônias aumentam de tamanho, tornando-se
oócitos primários. Quando a primeira divisão reducional ocorre, o citoplasma divide-se de
forma desigual, com uma das células filhas, o oócito secundário, com tamanho maior,
recebendo a maior parte do citoplasma; e a outra, muito pequena, chamada de primeiro
corpúsculo polar (Hickman, 2004).
Na segunda divisão meiótica, o oócito secundário divide-se novamente em outro
corpúsculo polar (segundo) e outra célula, que desenvolve-se em um óvulo funcional pronto
para iniciar as fases de desenvolvimento oocitário, desde crescimento a maturação. Os
corpúsculos polares não são funcionais, e desintegram-se. A formação dos corpúsculos é
necessária para permitir que o óvulo elimine o excesso de cromossomos (Hickmam, 2004).
De acordo com as fases de desenvolvimento oocitário, as células germinativas
femininas, ou oogônias, passam por profundas modificações durante seu desenvolvimento,
podendo caracterizar fases ao longo desse processo. Essas fases recebem denominações
distintas por diferentes autores. Apesar de o desenvolvimento ovariano ser um processo
contínuo e cíclico, ele é descrito em fases didáticas, por estádios de maturidade, sendo que
o número desses estádios varia de acordo com o tipo de desova e o grau de conhecimento
sobre o processo reprodutivo de cada espécie. De uma forma geral, para todos os
ectotérmicos, o desenvolvimento oocitário será descrito de acordo com a classificação mais
utilizada para peixes de água doce feita por Vazzoler (1996), pois nos vertebrados as fases
de desenvolvimento são semelhantes. Entretanto, são encontradas algumas denominações
diferentes correspondentes a terminologia adotada para os grupos nos ectotérmicos.
Vazzoler (1996) descreve cinco fases do desenvolvimento ovocitário:
Fase I – Cromatina-nucleolar: essas células podem ser denominadas oogônias ou
ovócitos que estão nas primeiras fases de desenvolvimento. Elas encontram-se agrupadas
em “ninhos” inseridos nas lamelas do ovário, em regiões vascularizadas; seu citoplasma é

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

escasso, o núcleo arredondado, intensamente basófilo, geralmente com um único núcleo de


posição central.
Fase II – Perinucleolar: os ovócitos saem do agrupamento em “ninhos”, provavelmente,
devido ao aumento de seu volume. Inicialmente são bem arredondados e, posteriormente
são encontrados em formas ovais, retangulares ou triangulares, devido à pressão de uns
contra os outros quando se tornam ainda maiores. O citoplasma é bem definido e mais
basófilo que na fase anterior; o núcleo apresenta inicialmente de 1 a 2 nucléolos esféricos e
intensamente basófilos, que vão tornando mais numerosos e volumosos, migrando para a
periferia nuclear.
Fase III – Formação da vesícula vitelínica: fase em que começa a vitelogênese, processo
celular pelo qual o citoplasma acumula substâncias de reserva para posterior utilização na
alimentação do embrião. Ocorre a vacuolização do citoplasma, que representa a deposição
lipídica; esta pode iniciar-se no citoplasma cortical, próximo a membrana celular ou no
citoplasma perinucleolar, invadindo todo o citoplasma. O núcleo cresce, mas não na mesma
proporção do citoplasma, contendo vários nucléolos alongados e achatados, localizados na
periferia do núcleo, nem sempre bem definidos.
Fase IV – Vitelogênese: o aparecimento de deposição de proteínas na forma de plaquetas
(ou grânulos) acidófilas, geralmente a partir do citoplasma, marca o início desta fase.
Fase V – Maduro (vitelogênese completa): o ovócito aumenta rapidamente de tamanho,
em função do aumento acelerado do numero de grânulos de vitelo acidófilo. Não se
percebem mais as vesículas vitelínicas e a basofilia desaparece quase totalmente. O núcleo
mantém suas características, com nucléolos bem pequenos, perde sua forma esférica e
contrai-se. Quando os ovócitos atingem esta fase o núcleo inicia-se a migração em direção
ao pólo animal da célula, na região onde está presente a micrópila, região pela qual o
espermatozóide penetrará no ovócito.
Os ovários podem apresentar também oócitos em atresia, denominados folículos
atrésicos em absorção, por não terem sido eliminados ou por outras razões fisiológicas,
alguns ovócitos sofrem processos degenerativos, sendo desintegrados e absorvidos. Os
grânulos de vitelo, quando presentes, perdem sua individualidade constituindo uma massa
amorfa de substancia acidófila. Os núcleos emitem prolongamentos no citoplasma e
desintegram-se rapidamente; ocorrem células da linhagem linfocitária e macrófagos
(Vazoller, 1996).

Hermafroditismo nos ectotérmicos


Animais que possuem tanto órgãos reprodutores masculinos quanto femininos são
chamados de hermafroditas. Ao contrário do estado dióico, onde os dois sexos são
separados, os hermafroditas são monóicos, o que significa que tanto os órgãos masculinos

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

quanto os femininos estão presentes no mesmo organismo (Hickman, 2004). O


hermafroditismo é comum em vertebrados anamniotas, especialmente entre os peixes, mas
é praticamente ausente dentre os amniotas (Pough, 1993).
O hermafroditismo tem por base a função reprodutiva (Chan e Yeung, 1989), podendo
ter indivíduos com gônadas que atuam como ovários e/ou como testículos. Uma espécie é
considerada hermafrodita se uma relativa proporção de indivíduos da população funciona
com ambos os sexos, seja simultânea ou sequencialmente, em algum período do ciclo de
vida (Sadovy & Shapiro, 1987). Segundo Reinboth (1988), o hermafroditismo simultâneo
apresenta indivíduos com ambos os sexos funcionais ao mesmo tempo, caracterizado pela
presença de tecido feminino e masculino desde os estágios iniciais de desenvolvimento
gonadal, e funcionais durante o período reprodutivo e todo o ciclo de vida dos indivíduos.
Este tipo de hermafroditismo é pouco difundido entre os teleósteos e está restrito a espécies
marinhas que habitam recifes de coral.
Por outro lado, o hermafroditismo sequencial é amplamente difundido entre os
teleósteos (Reinboth, 1988) e encerra uma das mais marcantes expressões da plasticidade
no desenvolvimento sexual: a mudança de sexo (Francis, 1992). Dois tipos de
hermafroditismo seqüencial são descritos, a protandria e a protoginia. Na protandria, os
indivíduos inicialmente são machos, e mais tarde, na vida adulta, transformam-se em
fêmeas, sendo os testículos substituídos por ovários funcionais. Na protoginia, mais
freqüente entre os teleósteos, os indivíduos são fêmeas e, posteriormente, na vida adulta,
os ovários são substituídos por testículos, transformando-os em machos reprodutivamente
ativos (Devlin e Nagahama, 2002).
Em ambos os casos, a mudança de sexo nos indivíduos adultos envolve a
degeneração do tecido gonadal do primeiro sexo, e o crescimento e maturação do tecido do
sexo oposto, em substituição ao anterior, passando por uma fase chamada de intersexo
(Chan, 1970). Durante o referido processo, diversos eventos simultâneos são observados:
aparente desorganização da arquitetura gonadal padrão; massiva degeneração das células
somáticas e germinativas, e estruturas associadas do primeiro sexo; intensa proliferação
das células germinativas e de tecido intersticial, com o aparecimento de estruturas típicas do
segundo sexo; e presença de macrófagos, granulócitos, melanomacrófagos e centros
melanomacrofágicos – estruturas estas provavelmente envolvidas na remoção e reabsorção
de restos teciduais (Sadovy e Shapiro, 1987).
Antonelli (2006), estudando espécie de peixe hermafrodita sequencial protogínico,
Synbranchus marmoratus, relata que a primeira evidencia no remodelamento do tecido
gonadal na inversão sexual está na proliferação e diferenciação das células de Leydig pelas
células mesenquimais, encontradas na cápsula do ovário e no interstício. Sendo assim,

40
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

ocorre um aumento na produção dos andrógenos e posteriormente inicia-se os processos


de espermatogênese.
Em anfíbios, em especial algumas espécies da família Bufonidae, existe o órgão de
Bidder, uma estrutura semelhante a um ovário rudimentar que se localiza na região anterior
de cada testículo (Orr, 1986). Para a família Bufonidae, o órgão de Bidder ocorre em macho
e em fêmeas e é exclusivo para esse táxon (Witschi, 1933; Pancak-Roessler e col., 1990;
Duellman e Trueb 1994; Oliveira e col., 2003).
Entretanto, a presença do órgão de Bidder nos anfíbios não configura um caso de
hermafroditismo, pois muitos autores relatam que esse órgão não é funcional. Sabe-se que
alguma substância produzida nos testículos impede o desenvolvimento do órgão de Bidder e
quando uma porção do testículo é removida, o órgão de Bidder se desenvolve em um
tecido (ovário) funcional (Pancak-Ressler e col., 1990). No entanto, esse fenômeno tem sido
raramente reportado em condições naturais (Sullivan e col., 1996).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

A Vitelogenina em Vertebrados Ectotérmicos e Seu Papel


no Monitoramento Ambiental

Cristiéle da Silva Ribeiro


Laboratório de Reprodução e Metabolismo de Organismos Aquáticos
cristiele@usp.br

Como visto até agora, a diferenciação gonadal de um organismo inclui todo o


processo de proliferação, crescimento e maturação dos gametas, onde um organismo
imaturo desenvolve-se em um adulto pronto pra iniciar o processo reprodutivo. Para os
vertebrados ovíparos, durante a reprodução, os ovos colocados devem conter todos os
nutrientes requeridos para sustentar o completo desenvolvimento do embrião, até a eclosão,
onde a vitelogenina é a principal molécula responsável por essa nutrição.

Vitelogênese e Vitelogenina
Em animais não-placentários o desenvolvimento inicial dos embriões é dado pelo
consumo do vitelo, sendo este essencialmente derivado de multidomínios de vitelogenina
(VTG), uma molécula com origem glicolipofosfoprotéica, presente em vertebrados e
invertebrados (Finn, 2007) e que garante o sucesso e crescimento de embriões.
Os ovos podem ser classificados pela presença de pouca, moderada ou grande
quantidade de vitelo (Wells, 2007). Espécies em que a grande fonte de energia embriológica
é o vitelo são chamadas de lecitotróficas. Em espécies ovíparas, o vitelo é a única fonte
nutricional para o desenvolvimento do embrião. Em animais vivíparos a fêmea pode
substituir o vitelo por nutrientes transferidos para o embrião durante o desenvolvimento,
sendo que este processo envolve a presença da placenta.
Uma das atividades mais intensivas durante o período reprodutivo em fêmeas de
espécies não-placentárias é a vitelogênese, que consiste primariamente na síntese de
vitelogenina, uma proteína fêmea-específica produzida nos hepatócitos em resposta a uma
cascata endócrina que envolve o cérebro, ovário, fígado e sistema circulatório (Finn, 2007;
Germond e col., 1984) e incorporada aos oócitos em crescimento (Vilecco e col.,1999 ).
A detecção de vitelogenina, como precursor de vitelo protéico tem sido intensamente
pesquisada nas últimas décadas, desde a síntese do 17β-estradiol (Hahn, 1967) como
produto de ação no fígado até estudos com enfoque ambientais, como por exemplo, os
disruptores endócrinos que são fatores externos que podem afetar o sistema endócrino e
assim, toda a fisiologia reprodutiva (GoksØyr e col., 2003).
Além de ser estimulada pela ação direta do estradiol, a vitelogênese também pode
ser afetada pela temperatura, andrógenos, fatores hipofisários, hormônio de crescimento

42
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

(GH), prolactina, hormônios tireoidianos, glicocorticóides


glic e cortisol.. Como citado
anteriormente, na
a grande maioria dos vertebrados ovíparos os fatores ambientais citados
estimulam o hipotálamo a sintetizar e liberar o hormônio liberador de gonadotropinas
(GnRH), que estimula as células gonadotrópicas na hipófise a sintetizar e liberar o hor
hormônio
folículo estimulante (FSH), que via corrente sangüínea chega às camadas foliculares dos
oócitos em desenvolvimento e na camada teca, converte o colesterol em testosterona. Esta
é transportada à camada granulosa, na qual é aromatizada a 17β-estradiol
17 estradiol pela enzima
aromatase, também sob influência do FSH. O 17β-estradiol
17 estradiol age no fígado (via corrente
sangüínea), estimulando a síntese da glicolipofosfoproteína (vitelogenina) que, também via
corrente sangüínea, é “seqüestrada” pelo oócito por micropinocitose (processo dependente
de FSH), promovendo o crescimento do oócito e incorporação de vitelo (Bowder
(Bowder e col., 1991)
(Fig. 1).

Figura 1 – Controle hormonal da vitelogênese. 17β-estradiol (E2) produzido nas células da camada
granulosa é o principal estimulo à síntese de vitelogenina nos hepatócitos. Em anfíbios existe a evidência de que
o hormônio do crescimento (GH), a prolactina (PRL), a triiodotironina (T3) e a tiroxina(T4) têm efeitos sobre o
estradiol ou VTG, o mesmo sendo encontrado para peixes (Modificado
( de Sumpter e Jobling, 1995).

O termo vitelogênese é utilizado para designar as fases de todo um processo


complexo, entre as quais a síntese de compostos orgânicos dentro do ovócito, a
incorporação de macromoléculas sintetizada no fígado é transportada pelo sangue, e a
profunda reorganização de todas estas reservas no momento da maturação meiótica
(Jalabert, 2005).
A duração da vitelogênese é extremamente variável dependendo da espécie. Pode
ser um processo lento, que dura de muitos meses até um ano em espécies
espécies que desovam
uma vez ao ano e necessitam de grandes ovos, como os salmonídeos, ou ser
extremamente rápida, como em tilápias, animais que desovam várias vezes durante o
período reprodutivo com vitelogênese de 1-2
1 2 semanas de duração, ou mesmo como nos
peixes medaka que têm desova diária e vitelogênese ocorrendo no mesmo período (Jalabert,
2005).
Quando se estuda a vitelogênese do ponto de vista estrutural é possível montar uma
seqüência de fatos temporais até a formação total da vitelogenina:

43
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

1- A ativação via estrógenos de lipases no tecidos adiposo;


2- Hidrólise dos triacilgliceróis por lipases lipoprotéicas gerando ácidos graxos livres;
3- Exportação desses ácidos graxos pelo plasma por albumina e absorção pelo
fígado;
4- Incorporação dos ácidos graxos livres em fosfolípídeos (70% do total) e
triglicerídeos;
5- Associação destes recém formados lipídeos com apoproteínas biossintetizadas
no retículo endoplasmático rugoso do tecido hepático de aminoácidos mobilizados de tecido
muscular, para formar a vitelogenina que será exportada para os oócitos via corrente
sanguínea (Sargent, 1995).
Quimicamente a VTG é composta por 79% de proteínas e 19% de lipídeos, sendo
que destes lipídios, 70% correspondem a fosfolipídeos (Alabert, 2005). A molécula de VTG é
composta de duas subunidades de tamanho molecular entre 180 000 e 240 000 daltons de
acordo com a espécie (Stifani e col., 1990). A molécula de vitelogenina é altamente
conservada na escala evolutiva, uma vez que quando seqüências aminoacídicas estão
disponíveis, como no caso de aves, anfíbios e peixes é possível observar grande
similaridade não apenas funcional como estrutural (Vilecco, 1999).
Em vertebrados uma VTG completa é composta por um peptídeo sinal, uma cadeia
pesada (Lipovitelina- LvH), uma fosvitina (Pv), uma cadeia leve (lipovitelina- LvL) e um fator
von Willebrand tipo D (Vwfd), sendo que em alguns animais este fator é quebrado numa
região C-terminal e um componente β. Depois da remoção deste peptídeo sinal a molécula
madura de VTG de vertebrados é linearmente organizada da seguinte forma: NH2- (LvH-Pv-
LvL-Vwfd)-COO-, enquanto que se a região Vwfd for quebrada a molécula apresentará a
seguinte constituição: : NH2- (LvH-Pv-LvL-β-CT)-COO- , como apresentado na Fig.1. A VTG
é glicosilada e fosforilada no retículo endoplasmático, após a formação no fígado e
secretada na forma de dímeros no plasma (Fig.2) (Finn, 2007).

Figura 2 – Escala linear de representação da vitelogenina (Modificada de Finn, 2007).

44
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Durante a passagem pelo ovário, receptores específicos (VTGr) que estão ancorados
na membrana plasmática dos oócitos se ligam aos dímeros de vitelogenina e a internalizam
via endocitose mediada por clatrinas, que são proteínas citoplasmáticas responsáveis pela
invaginação e estrangulamento da membrana plasmática na endocitose. Em anfíbios, este
transporte é realizado por vesículas e endossomos multivesiculares e incorporados
posteriormente (Villeco e col., 1999).
Após ser internalizada a grande molécula é clivada em subunidades menores como
as lipovitelinas, fosvitina e a região β (Finn, 2007). Depois de clivadas, cada região da
molécula apresenta funções importantes para o desenvolvimento oocitário, tais como:
* Fosvitina- Ligação e carreamento dos grupos fosfato e cálcio para dentro dos
oócitos, grupos responsáveis pela formação do esqueleto do embrião. Por ser carreadora de
grupos tão importantes na embriogênese esta região forma estruturas tridimensionais que
“protegem” os grupamentos Ca e PO4 contra a degradação prematura (Finn, 2007).
*Lipovitelina- Esta região tem a função nutricional da vitelogenina, como fonte de
aminoácidos e lipídeos para o embrião (Mylonas e col., 2009);
* VwFD, região C termina e grupo β - Região muito conservada em metazoários com
alta concentração de cisteína, facilitando a ligação da VTG em seus receptores na superfície
do oócito (Finn, 2007).

Vitelogenina como Biomarcador de Contaminação Ambiental


Inúmeros são os efeitos desencadeados pelos hormônios sexuais sobre a biota:
alteração nas taxas de fecundidade, fertilização, eclosão, mudanças comportamentais,
histopatologias, imunodepressão, hermafroditismo, inibição de desenvolvimento de órgãos
sexuais, reversão sexual, entre outros (Reis-Filho e col., 2006). Estes efeitos se manifestam
após a interação do animal com agentes bioquímicos e assim as respostas são perceptíveis
antes de atingirem níveis superiores de organização como populações, comunidades e
ecossistema.
Essas observações levaram os cientistas a iniciar estudos com biomarcadores, que
são sinais prematuros de ação de um agente químico, estrogênico ou não no ambiente que
desencadeiam uma resposta em nível sub-individual, tanto dentro do organismo (enzimas,
proteínas, hormônios, etc.) como seus produtos (urina, fezes, pelos, etc) indicando desvios
das condições normais de vida destes organismos (Adams e Rowland,1996; Depledge,
1992).
Um biomarcador muito utilizado para identificar a ação de estrógenos ambientais é a
glicolipofosfoproteína vitelogenina, sendo que a concentração deste composto é o efeito
mais documentado de ação de xenoestrógenos (Matozzo e col., 2008).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Fêmeas tem concentrações plasmáticas aumentadas de vitelogenina durante a


maturação sexual, concomitante com o aumento da concentração 17β-estradiol (Scott e
Sumpter, 1983), alcançando dezenas de miligramas por mililitro em algumas espécies no
momento em que vitelogenina é a principal molécula circulante. Essas altas concentrações
de vitelogenina são necessárias para a incorporação do vitelo nos milhares de oócitos e
crescimento do ovário que pode representar 25% do peso corporal na fase final de
maturação. Em contrapartida, pouquíssima vitelogenina é detectada no organismo de
machos e fêmeas imaturas (Copeland et al.,1986), presumivelmente porque as
concentrações de estrógenos circulantes são muito baixas para acionar a expressão dos
genes de vitelogenina nestes animais. Embora estes genes se comportem de forma
silenciosa, a produção de vitelogenina pode ser induzida se os mesmos são tratados com
estrogênios.
A presença, portanto, desta proteína estrógeno-induzida no plasma de animais
machos, fêmeas em fase imatura ou mesmo em ovos, pode ser tomada como prova de
exposição a estrógenos endógenos ou exógenos ou componentes que mimetizam esta ação
hormonal. Desta forma, a VTG é considerada um bom biomarcador por ser uma técnica
não-invasiva (pois pode ser detectada, por exemplo, pela técnica de dot-blot, que detecta
VTG no muco (Moncaut e col., 2003)) de exposição dos animais a estrógenos no ambiente
durante o tempo (Jones e col., 2000), além de ser facilmente detectável por uma grande
variedade de técnicas altamente sensíveis e rápidas. Outra vantagem é a resposta rápida
(dias ou semanas), e clara, não podendo ser confundida com artefatos de experimentação
obtida em laboratório em experimentos dose- dependentes, que pode ser facilmente
interpretada na comparação com grupos controle.
Exposição de peixes machos a várias concentrações de estrogênios naturais e
sintéticos mostrou efeitos dose-resposta muito pronunciados (Bromage e Cumaranatunga,
1988) e também evidenciou que animais machos são muito sensíveis ao estrogênio
presentes na água. Por exemplo, uma concentração do 17β (etinilestradiol) tão baixa como
0,1 ng /L foi suficiente para provocar um aumento significativo na concentração plasmática
de vitelogenina em peixes machos após alguns dias de exposição (Purdon e col.,1994).
Outro trabalho com exposição de peixes juvenis machos a herbicidas mostrou que para
“zebrafish” o efeito deste herbicida foi estrogênico proporcionando a produção de VTG
endógena pelo animal (Jurcikova e col., 2007).
Palmer & Palmer (1995), mostraram que injeções diárias de 1 µg/g de estradiol
durante 7 dias induziu a produção de VTG em machos de tartaruga (Trachemys scripta).
Trabalhos com coleta de tartarugas da espécie Crysemys picta em locais contaminados
mostram grande incidência de ovotestes, além de aumento de deformidades, ovos não
chocados e contaminados com altas concentrações de PCB´s (Irwin e col.,2001). O

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

resultado deste trabalho também mostrou o aumento de VTG circulante em fêmeas adultas
fora do período reprodutivo, dos níveis basais normais de 1-2 mg/ml para 40 mg/ml em
animais coletados em locais contaminados. Jones e col., (2000), sugerem que níveis
elevados de vitelogenina circulante tanto em machos como em fêmeas, fora do período
reprodutivo, pode levar a efeitos adversos, tais como malformação de rins.
Estrógenos agem no organismo através de receptores específicos, se difundindo
através da membrana celular para se ligar aos receptores de estrógenos nucleares (Parker,
1993). Estes receptores são muito conservados na escala evolutiva, o que explica que
substâncias químicas exógenas possam agir em uma larga gama de animais (Le Roux e
col.,1993). Os efluentes podem ter ação mimetizando a ação de estrógenos no trato
reprodutivo dos animais (Fry and Toone, 1981) por se ligarem aos receptores de estrógenos.
Baseando-se nesta afinidade de ligação a potência de ação deste componente pode ser
mensurada por ensaios laboratoriais (Jones e col., 2000).
Uma gama surpreendente de produtos químicos tem ação estrogênica, incluindo
produtos químicos naturais como fitoestrógenos e micoestrógenos e os produtos químicos
industriais tais como alguns pesticidas organoclorados, bifenilas policloradas (PCBs),
hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), dibenzodioxinas policloradas (PCDD),
tensoativos e plastificantes (Sumpter e Jobling, 1995). Assim, com base no fato de que mais
de 60.000 substâncias químicas são produzidas pelo homem, e estão em uso regular (e um
número não identificado de seus produtos de degradação também estão presentes no
ambiente aquático), é provável que muitos produtos químicos ou grupos de produtos
químicos tenham ação estrogênica.
Muitas dessas substâncias químicas produzidas pelo homem são amplamente
utilizadas em grandes indústrias, como a agricultura, a indústria petroquímica, a indústria de
plásticos, sabões e detergentes industriais. Outra fonte grande de estrógenos ambientais
está nos hormônios (estrógenos naturais como estradiol e estrona, assim como estrógenos
sintéticos como etinilestradiol (Jones e col., 2000) excretados através da urina e fezes que
seguem para a rede coletora, adentrando depois ao ambiente (Fig. 3) (Reis-Filho e col.,
2006). O lançamento deste tipo de efluente é uma significativa fonte de contaminação
ambiental e, apesar de possuírem meia vida curta quando comparados a outros compostos
orgânicos (como alguns pesticidas), os estrógenos naturais são continuamente introduzidos
ao ambiente, o que lhes concede um caráter de persistência. Embora grande parte dos
estrógenos seja metabolizada e excretada de forma inativa, quando conjugados com outros
compostos, a ação de enzimas produzidas por bactérias comumente encontradas em áreas
de despejo de efluentes, prontamente os biotransformam em compostos biologicamente
ativos e passíveis de desencadear efeitos indesejáveis (Reis-Filho e col., 2006).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

O destino dos estrógenos no ambiente depende de suas características físicas e


químicas e das propriedades do meio receptor. Portanto, é muito difícil garantir que os
animais estão tendo contato com apenas um contaminante estrogênico, mas ao invés disso
é coerente afirmar que existe a ação conjunta de uma gama de contaminantes, assim é
preciso voltar os estudos para estas possibilidades. No entanto é muito complicado
reproduzir em condições laboratoriais as condições ambientais, porém é preciso nestes
estudos se perguntar se as respostas obtidas podem ser replicadas.
Outra questão importante a ser discutida é se os contaminantes estrógenos que
afetam uma determinada espécie, terão os mesmos efeitos em outra espécie, isto é, existe
alguma especificidade da resposta a estrógenos químicos? Em geral, pode-se dizer que
esta especificidade não ocorre. Por exemplo, White e col., (1994), mostraram que
concentrações diferentes de compostos alquilofenólicos (derivados da degradação de uma
classe de surfactantes) tiveram ação estrogênica em células de peixes, aves e mamíferos.

Figura 3 – Representação esquemática da principal via de entrada de disruptores endócrinos em sistemas


aquáticos. (Modificado de Reis-Filho e col., 2006).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Além disso, a potência de ação dos compostos foi aproximadamente a mesma,


independente da origem das células. A explicação para esta falta de especificidade está na
grande conservação evolutiva dos receptores de estrógenos.
A maioria dos produtos químicos estrogênicos discutidos acima são lipofílicos e
hidrofóbicos e, portanto, têm uma forte tendência para a bioacumulação e bioconcentração
em organismos aquáticos, tanto plantas quanto animais (Ahel e col.,1993). Por exemplo,
fatores de bioconcentração (BCFs) para PCB´s e muitos outros pesticidas organoclorados
em peixes são entre 1000 e 100.000 (Saito e col.,1992). Uma consequência desta
bioacumulação é que os produtos químicos que têm ação pouco estrogênica in vitro, como
acontece com a maioria, se não de todos os estrógenos ambientais, podem ser ativos in
vivo em concentrações consideravelmente mais baixas. Distintos organismos irão
bioconcentrar estrógenos químicos diferentes, em diferentes graus. Mesmo dentro de um
único organismo, é pouco provável que a bioconcentração de compostos seja repartida
equitativamente por todos os tecidos, sendo mais provável que sejam preferencialmente
concentrados em poucos tecidos, como tecido adiposo.
O que acontece com estes compostos, uma vez dentro de um organismo, como
ocorre esta bioconcentração, ainda são processos pouco conhecidos; eles podem ser
fisiologicamente inativos, enquanto armazenados no tecido adiposo, mas quando esta
gordura é mobilizada (o que muitas vezes ocorre durante a reprodução), os compostos
podem ser liberados para atuar em outros locais ou podem ser metabolizados em outros
compostos que podem ou não estar ativos como estrógenos (Sumpter e Jobling,1995).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Influência dos Fatores Ambientais no Metabolismo Larval


Bruno Cavalheiro Araújo
Paulo Henrique de Mello
Laboratório de Reprodução e Metabolismo de Organismos Aquáticos
bru.biol1@gmail.com
paulombio@gmail.com

Como dito anteriormente, a vitelogenina é uma molécula incorporada pelos oócitos


durante o período reprodutivo de um organismo, e está diretamente relacionado ao sucesso
do desenvolvimento do embrião.
O ciclo de vida de muitos organismos inclui um estágio larval de desenvolvimento
que é morfologicamente distinto do adulto, e as larvas podem habitar um ambiente diferente
daquele em que vive o adulto. Tais espécies apresentam desenvolvimento indireto; as larvas
sofrem metamorfose, se transformam em, ou são substituídas, pelos adultos (Hall e Wake,
1999). Em muitas espécies o desenvolvimento larval e a biologia da larva são pontos ainda
não explorados e, em alguns casos sequer foram descritos (Leis, 1989, 1991).

Definições
1.1. Estrutural – É um estado estrutural ou uma série de estados estruturais que ocorre
desde o início da morfogênese seguindo o desenvolvimento embrionário (clivagem, blástula,
gástrula) e metamorfose para o plano adulto. As larvas são também uma transição dos
estágios e adaptações para a vida larval que será substituída e modificada na metamorfose.
Tais características serão remodeladas para o estágio pré-adulto e adulto após a
metamorfose (Hall e Wake, 1999).
1.2. Ecológica – Esta definição vai contra a forma estrutural. Em um sentido ecológico o
estágio larval é uma forma de vida livre, no qual o organismo é considerado larva somente
quando este eclode e por determinado período passa por uma fase pelágica (Hall e Wake,
1999). Ainda segundo Hall e Wake (1999), a larva é um estágio do desenvolvimento que
compreende desde o estágio pós-embrionário até a metamorfose, sendo este estágio
distinto do adulto em morfologia, nutrição ou habitat.
Diversas teorias para a definição de larva estão sendo propostas, entretanto o conceito
do estágio larval varia com a área de pesquisa, o que vem gerando inúmeras discussões
acerca de qual teoria melhor define um conceito comum para o termo larva.

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Características gerais
Durante o texto, vamos abordar o termo larvas como sendo um estágio transicional
entre a eclosão e o estágio juvenil, onde este sofre uma série de modificações originando
um individuo semelhante ao adulto.
Os teleósteos são geralmente caracterizados por larvas não especializadas, com
uma transição gradual para a fase de juvenil. As larvas de teleósteos possuem uma reserva
alimentar (saco vitelínico) que será a fonte de substrato ao longo da organogênese. O
consumo destas reservas é concomitante ao desenvolvimento de estruturas fundamentais
para o início da alimentação exógena, como a abertura da boca, abertura do poro urogenital,
desenvolvimento do tubo digestório, pigmentação dos olhos, entre outros. A composição
desta reserva é determinada pela alocação de recursos dos progenitores (vitelogênese), e
irá influenciar diretamente no desenvolvimento inicial da larva (Baldisseroto, 2002).
Durante o estágio larval a taxa de crescimento é muito alta e, o crescimento está
principalmente relacionado à deposição de proteínas no músculo. Com isso um alto fluxo de
proteínas é exigido do alimento para o incremento de biomassa.
Assim como as proteínas, os lipídios têm um papel central na taxa de crescimento e
no desenvolvimento das larvas de peixes, sendo a principal fonte de energia metabólica ao
longo dos estágios de desenvolvimento, sendo os lipídios extremamente importantes como
fontes de energia, ácidos graxos essenciais, atuando ainda como transportadores de certos
nutrientes não lipídios e vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) (Sargent, 1995).

Influência dos fatores ambientais no metabolismo


Durante o período larval, alguns fatores ambientais são determinantes para a
sobrevivência e o desenvolvimento da larva, uma vez que afetam diretamente o seu
metabolismo. Além dos fatores extrínsecos, alguns fatores intrínsecos também afetam o
metabolismo como sexo, genética, tamanho do ovo, quantidade e composição do vitelo,
porém estes não serão abordados no decorrer deste capítulo.
Dentre os fatores ambientais, considerados fundamentais, serão abordados ao longo
do texto, a temperatura, a luminosidade, a salinidade e o pH.

Temperatura
Animais capazes de manter uma temperatura corpórea elevada pela produção
interna de calor são classificados como animais endotérmicos. E os animais que dependem
de fontes externas de calor, principalmente proveniente da radiação solar são classificados
como ectotérmicos, sendo que dentro deste grupo alguns animais suportam grandes

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

variações de temperatura, sendo denominados de euritérmicos, e outros não suportam


grande variação, sendo denominados estenotérmicos (Schmidt-Nielsen, 1975).
Por serem ectotérmicas, as larvas de peixes e anfíbios sofrem influência direta da
temperatura do meio em seu metabolismo, em processos como, absorção do saco vitelínico,
digestão e consumo de oxigênio, sendo que para cada espécie existe uma faixa de conforto
térmico adequada. Esta faixa em peixes de clima temperado é em geral, de 4ºC a 25ºC,
sendo mais ampla que a dos peixes de regiões polares, que é de 4ºC a 15ºC, e tropicais,
nos quais essa faixa tem uma amplitude limitada de 25ºC a 35ºC (Parker e Davis, 1981). A
faixa de conforto térmico pode ser alterada durante o crescimento e desenvolvimento dos
organismos, havendo diferenças nos limites de tolerância para diferentes espécies e
diferentes estágios do ciclo de vida. Os peixes e anfíbios são sensíveis às mudanças na
temperatura, principalmente durante os estágios iniciais do seu desenvolvimento
(Baldisseroto, 2002).
A temperatura é um fator que interfere na velocidade de reações catalisadas por
enzimas, conseqüentemente alterando o metabolismo energético dos animais. Segundo a
regra de Van’t Hoff, um aumento na temperatura em 10ºC, proporciona uma elevação de 2 a
3 vezes na velocidade das reações metabólicas catalisadas por enzimas do organismo.
Apesar da elevação da temperatura aumentar a taxa metabólica, o aumento da ação
enzimática ocorre apenas enquanto a enzima conservar sua estrutura original (Steffens,
1987; Lovell, 1998.).
De uma forma geral a maioria das espécies de peixes e anfíbios em seus estágios
iniciais apresenta um padrão típico, ou seja, elevam rapidamente a taxa de crescimento com
o aumento da temperatura passando por um pico (temperatura ótima), e posteriormente
diminuindo drasticamente, quando altas temperaturas tornam-se adversas (Brett, 1979;
Baras e col., 2001). Em temperaturas acima de 50ºC, grande parte das enzimas são
desnaturadas, o que acarreta em alterações na conformação e na potencialidade da catálise,
sendo que cada espécie requer uma temperatura ótima que permite a maximização do
ganho de peso em menor tempo. Essa temperatura, aliada a outros fatores, como elevadas
concentrações de oxigênio dissolvido, pode produzir esse resultado mais facilmente (Landau,
1992).
Em experimentos realizados com trutas e salmões, Weatherley (1972) constatou que
as baixas temperaturas da água durante o inverno afetaram drasticamente a quantidade de
alimento ingerido e conseqüentemente o incremento em peso destes animais.
Apesar da maioria das espécies possuírem uma tolerância a variações de
temperaturas, quando estes são submetidos a um tempo de exposição prolongado em
condições adversas, esta exposição pode acabar sendo letal para o animal, como
demonstrado em experimento realizado com Leporinus obtusidens (Fig.1).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Outro fator influenciado pela temperatura que devemos levar em consideração é o


consumo do saco viltelínico, sendo que a temperatura exerce papel estimulante e limitante
na taxa de consumo do vitelo. Segundo Jaworski e Kamler (2002), de uma forma geral o
aumento da temperatura acelera o metabolismo das larvas, até uma faixa ótima, acelerando
o consumo do saco vitelínico, entretanto o aumento na temperatura a partir da faixa ótima é
observado um decréscimo nesta taxa de consumo das reservas.
Com relação aos anuros, a temperatura talvez seja o mais importante e o mais
dramático nos seus efeitos na fisiologia, ecologia e comportamento das larvas. A
temperatura afeta diretamente a metamorfose das larvas podendo acelerar ou reduzir a
mesma. (Mcdiarmid, 1999).

Figura 1 – Percentagem de sobrevivência dos juvenis de Leporinus obtusidens expostos a diferentes


temperaturas ao longo do cultivo (Modificado de Pianas, 2003).

As larvas de anuros possuem sistemas de aclimatação diante de variações de


temperatura do ambiente que podem ser: a capacidade de regulação fisiológica do corpo
diante das variações de temperatura, comportamental e as alterações fisiológicas diante das
variações (aclimatação) (Mcdiarmid, 1999).
Para girinos também existe um limite de tolerância a temperaturas adversas que é
denominado CTmax e CTmin que significa respectivamente tolerância máxima e mínima de
uma determinada espécie a temperatura e é usualmente definida por Cowles e Bogert
(1944) como quando a atividade locomotora torna-se desorganizada e o animal perde sua
habilidade de escapar das condições do ambiente que o levarão a morte.
Para a maioria das larvas de anuros, quando comparadas no mesmo estágio de
desenvolvimento e mesmo temperatura de aclimatação, o CTmax atinge valores entre 38°C e
42°C. Por exemplo, para Cyclorana cultripes, C pltycephala, e Litoria rubella que ocorrem na

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Austrália a CTmax chega a 39,2°C (Main, 1968), Limnonectes cancrivorus CTmax é de 42°C
(Dunson, 1977), Scaphiopus cauchii chega a 39-40°C (Mayhew, 1965), Pseudacris triseriata
chega a 36,5°C e para Bufo marinus CTmax de 44,9°C conforme Fig. 2
Tanto as larvas de anuros quanto os adultos apresentam padrões comportamentais
em resposta as variações de temperatura dos ambientes (Brattstrom, 1970). Muitos
processos bioquímicos e fisiológicos estão envolvidos nesta regulação como: velocidade
máxima sustentada, taxa de crescimento, tamanho corpóreo na metamorfose, mecanismos
de trocas gasosas e taxa metabólica. Por exemplo, em Rana sylvatica, a diferenciação e a
taxa de crescimento aumenta com o aumento da temperatura (Fig. 3), até a faixa onde a
temperatura se torna inibitória, respostas estas semelhantes em algumas espécies de
peixes.

Figura 2 – Aclimatação a temperatura em Bufo marinus (Modificado de McDiamird, 1999).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Figura 3 – Influência da temperatura na diferenciação tecidual e crescimento em Rana sylvatica.


(Modificado de McDiamird, 1999).

Luminosidade
A maioria dos ritmos considerados como fundamentais na natureza estão
diretamente relacionados com a periodicidade da luz (Boeuf e Le Bail, 1999). A alimentação
de larvas de peixes e anfíbios na natureza está ligada à presença de luz solar durante o dia
e ausência total ou parcial de luz durante a noite. Os ciclos alimentares diários variam de
acordo com as espécies que podem ser diurnas (alimentação com a presença de luz),
noturnas (com ausência de luz) ou diuturnas (quando o animal se alimenta durante todo o
dia). De acordo com os ritmos endógenos de cada espécie é possível determinar um ritmo
circadiano de alimentação ótimo, sendo este um período em que a utilização do alimento
está ao máximo a favor do potencial de crescimento do animal (Spieler, 2001).
O fotoperíodo produz efeito direto na pineal, induzindo a ativação de uma cascata de
hormônios, com efeitos principalmente no crescimento e reprodução (Boeuf e Le Bail, 1999).
A pineal pode ser classificada como um órgão transdutor neuroendócrino, ou seja, um órgão
que converte impulsos luminosos em descargas hormonais.
Em peixes, a receptividade de luz muda de acordo com a fase do desenvolvimento.
Os cones da retina são importantes receptores primários de luz, e são essenciais para o
desenvolvimento e crescimento, sendo que no decorrer da ontogênese ocorre um aumento
destas estruturas. Logo quando eclodem, os peixes possuem olhos despigmentados, e com
retina ainda indiferenciada. Alguns experimentos demonstraram que a luz tem grande
influência na pigmentação dos olhos, e o desenvolvimento de anormalidades aparece com
frequência na ausência de luz.

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Os requerimentos de luz variam de acordo com as espécies e o estágio de


desenvolvimento (Puvanendran e Brown, 2002). Fielder e col., (2002) estudaram o efeito do
fotoperíodo sobre o crescimento e sobrevivência de larvas de Pagrus auratus, e registraram
mortalidade total nos períodos de menor duração de luz (6 horas luz e 0 hora luz), quando
as pós-larvas ainda estavam na fase de primeira alimentação, sendo recomendado um
fotoperíodo de 12 horas de luz durante esta fase, pois mesmo não apresentando índices de
maior crescimento foi responsável por uma maior sobrevivência.
Para espécies de siluriformes (bagres) ocorre um melhor crescimento e
sobrevivência em ausência total de luz, pois estes animais possuem hábito alimentar
noturno, e são estimulados a se alimentar independente da visão, o que favorece um maior
incremento em peso quando o regime de luz é realizado com 0 hora de luz (Baldisseroto,
2002). Em experimentos realizados com larvas de Pseudoplastystoma corruscans em
diferentes fotoperíodos, Campagnolo (2004) constatou que ocorreu uma maior
sobrevivência em um menor tempo de exposição à luz como mostra a Fig. 4.

Figura 4 – Sobrevivência em relação ao fotoperíodo em P. corrunscans.


(Modificado de Campagnolo, 2004).

O fotoperíodo afeta algumas espécies de anuros, que reagem positivamente ou


negativamente à presença de luz (Duellman e Trueb, 1986; Wollmuth e col.,1987), no
entanto a faixa de temperatura corporal preferencial (PBT) não difere entre o dia e a noite,
como ocorre em Rana pipiens (Casterlin e Reynolds, 1977). Em algumas espécies como
Ascaphulus trueri o PBT aumenta quando o fotoperíodo aumenta (De. Vlaming e Bury,

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

1970). Muitas respostas fototáticas podem ocorrer devido ao aumento de temperatura da


água que é precedido pela exposição ao sol (Beiswenger, 1977; Duellman e Trueb, 1983).
O fotoperíodo também afeta o CTmáx e CTmin das larvas de anuros, como por exemplo,
em Bufus marinus, de uma forma que parece aumentar a sobrevivência sob condições
térmicas extremas (Floyd, 1985).

Salinidade
Quando ocorre uma alteração na concentração do meio externo, o animal pode
reagir de duas maneiras. A primeira é alterar a concentração osmótica dos fluídos corpóreos
para adaptar-se ao meio, permanecendo, desta forma, isosmótico em relação ao meio,
sendo assim considerado um organismo osmoconformador. A outra maneira, é manter ou
regular sua concentração osmótica apesar das alterações na concentração externa, sendo
neste caso considerado uma animal, osmorregulador (Schmidt-Nielsen, 1975).
Alguns animais aquáticos conseguem tolerar grandes variações na concentração
salina da água na qual vivem, sendo considerados animais eurialínos. Por outro lado alguns
animais apresentam uma tolerância limitada as variações na concentração do meio, sendo
estes denominados animais estenoalinos (Schmidt-Nielsen, 1975).
Entre os peixes teleósteos, muitas espécies adequam a ingestão de alimentos a
salinidade do meio, sendo um indício de que esta salinidade esteja relacionada com o
crescimento. Além disto muitos hormônios (da tireóide, TH; do crescimento, GH; fator de
crescimento tipo-insulina I, IGF-1, entre outros) que estão claramente envolvidos no controle
e regulação do crescimento, estão também envolvidos nos processos osmorregulatórios
(Boeuf e Payan, 2001). Entre estes, o hormônio do crescimento, como o nome sugere,
envolvido no controle do crescimento, afeta o metabolismo de lipídios, proteínas e
carboidratos exercendo suas funções diretamente sobre os órgãos alvo como através do
estimulo da produção do fator de crescimento tipo-insulina1 (IGF-1). Além disto, estudos
com diferentes espécies de peixes demonstraram que o GH atua nos processos
osmorregulatórios de aclimatação à água salgada aumentando a tolerância através do
aumento da atividade da enzima Na+ - K+ - ATPase em brânquias (Bolton e col., 1987;
Richman e Zaugg, 1987; Sakamoto e col., 1993, 1997; Auperin e col., 1995).
Estudos analisando incrementos exógenos do hormônio do crescimento
demonstraram um aumento na tolerância à salinidade em algumas espécies de salmonídeos
(Bolton e col., 1987; Richman e Zaugg, 1987; Sakamoto e col., 1997), estimulando a
expressão do gene do IGF-1 em trutas (Sakamoto e col., 1997), o que provavelmente
explica a presença de sítios de ligação do GH em brânquias, intestino e rim. Isto porque em
nível tissular, as ações pleiotrópicas do GH resultam na interação do hormônio com
receptores específicos (GHR) presentes na superfície das células alvo. Este receptor é uma

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

proteína de membrana que se liga ao GH com alta afinidade e especificidade e a partir desta
ligação um sistema de sinalização “pós- receptor” é acionado, culminando com as ações
biológicas características deste hormônio. (Meier, 2005)
Isto explica a presença de moléculas de mRNAs do GHR encontrados em uma série
de tecidos tais como fígado, músculo, rim, pulmão, glândula mamária, placenta, tecido
adiposo, sendo que a expressão deste gene é específica em relação ao tipo de tecido e ao
estágio de desenvolvimento em que o animal se encontra. Embora os fatores que controlam
esta expressão não sejam bem conhecidos, muito dos seus efeitos provavelmente são
manifestados de acordo com o nível de transcrição do gene GHR, cuja regulação tem um
papel crítico em numerosos processos fisiológicos e patológicos (Menon e col., 1995).
O conhecimento da sequência do GH e seus respectivos receptores têm permitido
um aumento no número de estudos enfocando os processos de osmorregulação em peixes,
nos quais eles certamente têm importante função.
O aumento na produção e liberação deste hormônio, durante os processos de
aclimatação de espécies eurialinas à salinidade alta, certamente produz um aumento na
expressão dos genes de seus receptores em tecidos relacionas à atividade osmorregulatória
do animal. Embora os peixes mantidos em salinidades próximas ao seu ponto isosmótico
possam apresentar um maior crescimento devido ao decréscimo da energia gasta com a
osmorregulação, a atuação do hormônio do crescimento na aclimatação para a água
salgada pode contribuir para um maior crescimento em salinidades altas devido ao aumento
dos níveis deste hormônio (Sakamoto, 1997).
Com relação às larvas de anfíbios, as mesmas ocorrem em ambientes aquáticos e
que estão sujeitos a grandes variações de salinidade, sendo que muitos habitats são
extremamente diluídos, como poças, pântanos, lagoas temporárias, e águas localizadas em
granitos basálticos, etc. Alguns girinos de espécies como Rana catesbeiana podem ser
criados inclusive em água destilada (Alvarado e Moody, 1970).
Tanto em peixes como em anfíbios a exposição à ambientes de água destilada,
soluções hiposmóticas e soluções hiperosmóticas estimulam o transporte da bomba de
sódio e potássio, podendo aumentar o número de sítios de transporte desses sais. Tais
respostas a esses fatores são características que ajudam a manter o balanço osmótico de
Na+ e K-, e com isso reduzem os custos energéticos com a regulação iônica (Mcdiamird,
1999).
Inversamente, algumas espécies de anfíbios ocorrem em ambientes altamente
salinos, e algumas espécies suportam concentrações de 40%, como Bufo viridis e
Limnonectes cancrivorus, que são extremamente especializadas nesses ambientes, sendo
algumas encontradas em lagoas com variações de 16-75% de salinidade (Mcdiamird, 1999).
Entretanto estes autores verificaram em laboratório que a metamorfose não foi induzida em

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Limnonectes cancrivorous a uma salinidade de 20%, embora os maiores animais tenham


sido encontrados em lagoas altamente salinas. Isto sugere que estes girinos não são
capazes de finalizar a metamorfose em altas salinidades, embora estes resultados devam
ser vistos com cautela. Os adultos são capazes de sobreviver em altas concentrações
salinas através da elevação da uréia plasmática, o que aumenta a pressão osmótica no
plasma e assim eliminando a pressão de desidratação que ocorre nos ambientes salinos
(Mcdiamird, 1999).
Os girinos são osmorreguladores e em todas as salinidades (0-100% água salina)
cerca de 90-100% da pressão osmótica é causada pelos íons Na+, K+ e Cl -. E da mesma
forma que ocorre em teleósteos marinhos, estes girinos se osmorregulam ingerindo água
salgada (meio hiperosmótico) e excretando pequenas quantidades de urina isosmótica
(Mcdiamird, 1999).

pH
O pH da água exerce um papel extremamente importante no metabolismo e fisiologia
dos animais aquáticos (Parra e Baldisseroto, 2007). Valores extremos de pH podem afetar
negativamente o crescimento dos animais e sua reprodução (Zweig e col., 1999), podendo
ainda causar uma massiva mortalidade nas populações ou em cultivos de peixes. Os
valores extremos são muito tóxicos, especificamente com relação à regulação iônica (Scott
e col., 2005) e tal desequilíbrio iônico pode levar a um colapso do sistema circulatório e
eventualmente à morte (Van Diik e col., 1993). Valores de pH altamente ácidos causam
degeneração dos tecidos branquiais e aumentam a produção de muco, o que pode levar o
peixe à morte por asfixia (Boyd, 1990). Por outro lado, em água com pH extremamente
básico, ocorre uma imediata inibição da excreção de amônia, causando um aumento nos
níveis de amônia no plasma que pode ser letal (Wilkie e Wood, 1994).
O estágio larval em anfíbios é o mais sensível de todo o desenvolvimento do
organismo (Freda, 1986). Em uma relação entre as larvas dos filos dos vertebrados
ectotérmicos, os anfíbios são muito mais tolerantes ao pH do que os peixes.
O primeiro efeito tóxico do pH baixo na fisiologia dos girinos é sua atuação como um
disruptor do balanço osmótico do Na+ e K- (Freda e Dunson, 1984; McDonald e col., 1984).
Exposições agudas a uma concentração letal inibem, a captação ativa de Na+ e K-
estimulando uma perda passiva de Na+ e K-. O influxo do Na+ é linearmente relacionado ao
pH e a inibição total ocorre em um pH 4, sendo que a perda de Na+ aumenta
exponencialmente apenas a partir da faixa letal. Em todas as espécies testadas, a morte
ocorre quando a concentração corporal de Na+ é reduzida pela metade (Mcdiamird, 1999).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Aspectos Fisiológicos do Cuidado Parental em Vertebrados


Ectotérmicos

Aline Dal’Olio Gomes


Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
eniladal@gmail.com

Até o momento, foi visto que a reprodução está associada com os esteróides
gonadais, que por sua vez determina o desenvolvimento gonadal de um organismo. Nas
espécies ovíparas, a vitelogenina é uma molécula importante que determina o sucesso da
sobrevivência do embrião em primeira instância, e vimos também a importância dos fatores
ambientais também no desenvolvimento e eclosão de larvas. Agora abordaremos um
assunto sobre a evolução do cuidado parental, que representa uma grande inovação na
história de vida dos animais, aumentando a sobrevivência da prole sob uma ampla
diversidade de condições ambientais. O cuidado da prole pelos pais está presente em
muitos invertebrados, incluindo insetos, aracnídeos, crustáceos, moluscos e equinodermos,
e em todos os grupos de vertebrados. De uma forma geral, o cuidado parental inclui todo o
investimento não gamético da prole seguindo a fertilização, com uma implicação de custos
aos pais, tornando-o altamente energético (Crump, 1996).
Diferentes padrões de cuidado parental são encontrados entre os diferentes grupos
de animais; algumas espécies abandonam seus filhotes, enquanto outras provêm cuidado
materno, paterno ou biparental (Fig. 1), podendo ser obrigatório ou facultativo, de curta ou
longa duração (Gross, 2005).
Entre as espécies de vertebrados, por exemplo, os mamíferos exibem
predominantemente cuidado materno. As aves, por outro lado, são dominadas por cuidado
biparental, em répteis, anfíbios e peixes a maioria do cuidado parental é realizado por
machos (Gross, 2005).

Cuidado Parental Observado nos Ectotérmicos


O grau de cuidado parental que os pais dispensam à prole, associado a outras
características como o ambiente selecionado para deposição dos gametas ou dos ovos,
determina os estilos reprodutivos (Vazzoler, 1996).

60
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Biparental

Paterno Materno

Sem cuidado

Figura 1 – Possíveis padrões de cuidado parental encontrado entre os diferentes grupos de animais.

Peixes
Dentre os peixes, 3 principais modos de cuidado parental são reconhecidos
(Vazzoler,1996) :
♦ Não guardadores: espécies que não protegem seus ovos e jovens em ninhos. Os pais
simplesmente eliminam seus gametas no ambiente aberto ou ocultam os ovos no cascalho,
lodo, fendas ou no meio de folhagens;
♦ Guardadores: cuidam dos ovos até que ocorra a eclosão e, muitas vezes, também das
fases larvais, sendo comum apresentarem comportamento de corte elaborado e
territorialidade. Os embriões são quase sempre guardados pelos machos que os protegem
contra predadores, provocam correntes de água que garantem a oxigenação do ambiente e
mantêm os embriões livres de materiais adesivos. Os guardadores incluem espécies que
constroem ou não ninhos;
♦ Carregadores: carregam embriões, e algumas vezes jovens, externa (transferência da
prole de um local para outro, auxiliadores de prole, transporte da prole na boca, câmara
branquial ou bolsas especiais) ou internamente (retenção dos ovos no oviduto).

Anfíbios
O ambiente terrestre é inóspito para os ovos anamnióticos devido aos problemas de
dessecação. Em resposta a essas condições ambientais severas, alguns anfíbios têm
desenvolvido formas únicas de cuidado parental que aumentam a sobrevivência da prole.
Sendo assim, para os anfíbios, alguns principais modos de cuidado parental podem ser
reconhecidos (Crump, 1996; Pough e col., 1998):
♦ Assistência dos ovos e larvas: ovos e larvas são protegidos pelos pais em locais fixos;
♦ Transporte dos ovos e larvas: ovos e larvas são transportados dentro ou fora do corpo dos
pais (dorso, saco vocal, boca, estômago) de um local para outro;
♦ Alimentação: larvas se alimentam de ovos não fertilizados ou secreções produzidas pelos

61
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

pais.
O cuidado parental é exibido pelas cecílias, salamandras e anuros. O cuidado
parental feito por cecílias e salamandras consiste basicamente em assistência aos ovos e,
em alguns casos, alimentação dos jovens. As fêmeas de todas as cecílias ovíparas cuidam
de seus ovos, e apenas 20% das espécies de salamandras cuidam da sua prole após a
oviposição. Em contraste a estes dois grupos de anfíbios, os anuros exibem diferentes
formas de cuidado parental (Crump, 1996).

Répteis
O cuidado parental é distribuído desigualmente entre os principais clados de répteis.
As tartarugas, por exemplo, raramente exibem cuidado parental, já o cuidado parental por
crocodilianos é extensivo, e geralmente é feito por fêmeas, mas machos frequentemente
estão envolvidos. As fêmeas tipicamente permanecem nos ninhos após a oviposição e os
defende contra predadores. No fim da incubação, os jovens vocalizam e atraem as fêmeas
ou ambos os pais que abrem o ninho e ajudam-nos a escapar da casca, podendo também
carregá-los até a água. Para os esquamatas, o cuidado parental inclui também a defesa do
ninho, assistência dos ovos e proteção térmica por termogênese muscular (Pough e col.,
1998).

Tamanhos dos Ovos e Cuidado Parental


Na maioria dos ectotérmicos ovíparos, o tamanho do ovo varia entre as espécies em
que os adultos cuidam ou não da prole. Por exemplo, em algumas famílias de peixes
ovíparos (Cichlidae, Percidae, Salmonidae) o tamanho do ovo aumenta em relação a
qualidade e duração do cuidado parental. Em anfíbios os ovos são menores em espécies
que distribuem amplamente seus ovos na água, ou são maiores em espécies que depositam
os ovos na terra e exibem o cuidado parental (Cluton-Brock, 1991).
O comportamento parental presumivelmente diminui a mortalidade dos ovos, e neste
caso o número de ovos é menor, mas ele apresenta um tamanho grande. Contudo, em
espécies em que não há cuidado parental a chance de sobrevivência é mínima, então há
necessidade de produzir ovos menores, mas em grande número, o que garante a
sobrevivência de pelo menos alguns descendentes (Cluton-Brock, 1991).

Custos e Benefícios do Cuidado Parental


Os vertebrados exibem um intenso consumo energético durante o cuidado parental,
para proteger sua prole e mantê-la em condições térmicas e hídricas adequadas durante o
desenvolvimento (Clutton-Brock, 1991). Este comportamento restringe a mobilidade do

62
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

animal, assim os pais se tornam mais vulneráveis à predação e as chances de sucessos


reprodutivos futuros são diminuídas, principalmente porque nesta fase a oportunidade de
acasalamentos adicionais é reduzida. Além disso, muitas espécies apresentam a diminuição
na ingestão de alimentos devido a falta de oportunidade de forrageamento. Adultos que
exibem o cuidado parental, normalmente apresentam uma quantidade de tecido adiposo
menor do que os adultos que não exibem este tipo de comportamento. Este potencial custo
da menor alimentação é maior para fêmeas, principalmente pelo efeito que causa nas
futuras reproduções (Crump, 1996), pois deve ser levado em consideração o gasto na
produção de vitelo.

Principais Fontes de Reservas Energéticas


Sendo o cuidado parental um comportamento altamente energético, é indispensável
que os animais tenham uma fonte de energia armazenada, suficiente para mantê-los
durante este período. Desta maneira, o alto conteúdo calórico dos lipídios faz deste grupo
um eficiente armazenador de energia, sendo, provavelmente o mais utilizado entre os
grupos de animais.
Para os peixes, os lipídios são a principal fonte de reserva energética, sendo
geralmente armazenados no fígado, tecido adiposo e/ou músculos e são mobilizados em
resposta às necessidades energéticas, especialmente para suprir a demanda para
crescimento, manutenção e reprodução. Desta forma, a concentração de lipídios
armazenados se altera significativamente ao longo do tempo entre os indivíduos e
populações, em resposta às necessidades energéticas (Meffe e Snelson, 1993; Moreira e
col., 2002).
Os padrões de armazenamento de lipídios e sua utilização podem refletir a história
de vida de um grupo de animais, sendo o tecido adiposo o local de deposição primária. Em
anfíbios, os lipídios são distribuídos entre muitos locais, incluindo gordura corporal, carcaça,
cauda, gônadas, músculo e fígado. Os lipídios de carcaça têm sido muito estudados em
vários anfíbios e parece ser muito importante em urodelos. Os depósitos de lipídios nesses
grupos estão localizados posteriormente à pelvis e se estendem até a cauda. O acúmulo de
lipídio nos diferentes tecidos é altamente dependente da qualidade nutricional, bem como da
estação e do status de desenvolvimento e reprodução, incluindo períodos de dormência e
cuidado parental (Sheridan, 1994).
O padrão de armazenamento nos répteis é semelhante ao dos anfíbios. A maior
parte dos lipídios é armazenada subcutaneamente ou em corpos gordurosos, além da
carcaça, cauda, gônadas e fígado, sendo que os lipídios presentes nos corpos gordurosos
podem corresponder a 50% do total armazenado (Sheridan, 1994; Souza e col., 2004).

63
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Mobilização e Deposição dos Lipídios


De uma forma geral, os lipídios são sintetizados e depositados em diferentes tecidos
e podem ser também transportados para os diferentes órgãos pelas lipoproteínas. Os
lipídios transportados no sangue resultam de três fontes: dieta, o qual é agregado na
mucosa intestinal e transportado no sangue como quilomícron; os lipídios endógenos, que
são processados no fígado e transportados no sangue principalmente como uma
lipoproteína de densidade muito baixa; e os lipídios mobilizados dos locais de depósito,
principalmente como ácidos graxos livres (Sheridan, 1994) (Fig. 2).
O armazenamento dos lipídios é feito pela ação de uma lipase lipoprotéica, que
hidroliza os lipídios transportados em ácidos graxos e glicerol. Estes se difundem para as
células de reserva. Uma vez na célula de reserva, ocorre o armazenamento na forma de
triglicérides que são ressintetizados por lipases localizadas no retículo endoplasmático
(Sheridan, 1994).
Durante os períodos, no qual as fontes alimentares são abundantes ou a demanda
energética é baixa, o conteúdo lipídico aumenta, ao contrário, quando as fontes alimentares
são escassas ou a demanda energética é alta, como por exemplo durante o cuidado
parental, os lipídios são mobilizados e seu conteúdo diminui nos mais diversos órgãos de
armazenamento deste substrato (Moreira e col., 2002).
Lipídio da dieta

Digestão
Absorção

Intestino Reservas de Periferia


- Lipases hidrolisam os lipídios - β-oxidação
triglicérides (TG)
-Ácidos graxos são
- β-Oxidação - Lipogênese
absorvidos pela mucosa - Reesterificação para (vitelo)
e convertidos a TG armazenagem
- Mobilização

Transporte de lipídios por


Transporte de lipídios na lipoproteínas ou lipídios
forma de TG incorporados mobilizados como ácidos
nos quilomícrons para os graxos livres
tecidos de reserva

Figura 2 – Processos bioquímicos envolvidos no metabolismo lipídico (Modificado de Sheridan, 1988).

Controle Endócrino do Cuidado Parental


Muitos estudos investigam o comportamento parental e enfatizam explicações
funcionais ou adaptativas do porque dos pais proverem cuidado a prole. A endocrinologia

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

está sendo altamente usada como ferramenta para o entendimento dos mecanismos que
controlam o cuidado parental (Neff e Gross, 2001).

Prolactina e Andrógenos
A prolactina (PRL) é um hormônio que está relacionado com o controle de diversas
funções como, crescimento, reprodução, osmorregulação, sistema imune e é melhor
conhecida no controle da produção de leite em mamíferos. Contudo, a PRL não é essencial
apenas para o controle da reprodução em fêmeas, participa também de uma função
significante no comportamento paterno do cuidado parental (Schradin e Anzenberger, 1999).
Em duas espécies de peixes com cuidado paterno exclusivo, uma relação casual
entre a PRL e o cuidado parental tem sido registrada. Machos de Lepomis macrochirus
(bluegill) constroem ninhos em colônias e as fêmeas visitam os ninhos para desovarem e
desaparecem, permanecendo os machos sozinhos com a prole. O cuidado parental
mostrada pelos machos de bluegill inclui a ventilação dos ovos (para fornecimento de
oxigênio) e proteção dos ovos e larvas contra predadores. Nesta fase há um aumento da
concentração de prolactina plasmática nos machos que se relaciona com o aumento do
comportamento de cuidado parental e produção de muco pelas células epidérmicas que
serve de alimento para os filhotes (Kindler e col., 1991). Esta mesma relação é observada
em machos de algumas espécies de aves e mamíferos (Schradin e Anzenberger, 1999).
Um hormônio pode modular diretamente o comportamento quando atua no sistema
nervoso central. Em Lepomis gibbosus, uma população de neurônios da área dorsal do
telencéfalo é conhecida por ser ativada pela prolactina, e injeções combinadas de
testosterona e PRL induzem o comportamento de cuidado paterno na espécie. Uma
possível explicação para este comportamento é o aumento de receptores de PRL induzidos
por esteróides (Fig. 3) (Kindler e col., 1991).
A prolactina é sintetizada pelas células da hipófise anterior, sob controle estimulatório
do peptídeo intestinal vasoativo (VIP), o qual é sintetizado por neurônios hipotalâmicos
basais. A concentração de PRL aumenta na estação reprodutiva como um resultado
fotoestimulatório. Para os animais ectotérmicos o controle da secreção da prolactina no
cuidado parental ainda não é bem conhecido, mas em aves sabe-se que este aumento é
estimulado pela atividade aumentada do VIP, através de estímulos tácteis e visuais do ninho,
ovos ou dos juvenis. Contudo, a secreção da PRL é relativamente independente destes
estímulos em aves que são ausentes nos ninhos por um período prolongado, assim o
aumento deste hormônio resulta de um ciclo endógeno.

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

HIPOTÁLAMO

HIPÓFISE

FSH
LH

TESTÍCULO
PROLACTINA

Testosterona, 11ceto-T CUIDADO PARENTAL

Figura 3 – Regulação do cuidado parental através da liberação de prolactina estimulada por andrógenos em
peixes.

Na maioria das aves o aumento da PRL é registrado concomitantemente com a


diminuição da testosterona (Angelier e Chastel, 2009), diferente do que foi observado para
os peixes.
No mesmo trabalho mencionado acima com bluegill (Lepomis macrochirus), os autores
encontraram altas concentrações de andrógenos durante o período de corte e desova, mas
houve uma diminuição do hormônio no início do período do cuidado parental. Contudo, as
concentrações tornaram a aumentar e se mantiveram até o final do cuidado parental (Magee
col., 2006). Estes resultados também foram observados para outros teleósteos, Porichthys
notatus, (Knapp e col., 1999) e anfíbios anuros, Eleutherodactylus, (Towsend e col., 1991),
mas se opõem ao que tem sido descrito para aves, como já mencionado anteriormente.
De acordo com Magee e col., (2006), altas concentrações desses andrógenos podem
suportar a expressão do comportamento parental, pois envolve movimentos agressivos e/ou
o uso de principais grupos musculares que podem ser beneficiados pelos níveis elevados de
um hormônio anabólico durante este período.

Glicocorticóides
Durante o cuidado parental os animais estão associados a diversos estressores como
ataque de predadores ou eventos climáticos deletérios. Além disso, o período parental está
associado a alterações na demanda energética, relacionado a privação alimentar e defesa
de território. Todos esses estressores afetam negativamente a sobrevivência dos pais
podendo levá-los a morte. Os vertebrados têm evoluído respostas comportamentais e
fisiológicas a esses estressores mediadas pelo mecanismo neuroendócrino que envolve o
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, catecolaminas e citocinas (Angelier e Chastel, 2009).

66
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Os glicocorticóides (GC), importantes no controle do comportamento reprodutivo,


participam então, de uma função central na resposta ao estresse de vertebrados através da
mobilização de reservas energéticas que suportam os gastos do comportamento parental
(Nelson, 2000). Os pais normalmente passam por condições fisiológicas estressantes
devido ao forrageamento reduzido ou o aumento de comportamentos agonísticos
associados com a competição entre machos ou defesa de jovens. Assim, o aumento da
concentração de glicocorticóides é usado como indicador do estresse energético dos pais
durante o período de cuidado (Magee e col., 2006).
O aumento de GC durante o cuidado parental sugere que este comportamento seja
altamente custoso aos pais. Magee e col., (2006) em seu trabalho com bluegill encontraram
um aumento de cortisol plasmático após dois dias de cuidado parental. Uma relação similar
também foi observada para o tamanho dos ninhos, em que machos e fêmeas com ninhos
maiores apresentaram concentrações mais altas de corticosterona (Silverin, 1986).

Oviparidade x Viviparidade
A oviparidade e a viviparidade são modos reprodutivos que frequentemente ocorrem
nos vertebrados. A viviparidade tem sido definida como um “processo no qual jovens são
carregados no trato genital das fêmeas por todo (ou parcialmente) o seu desenvolvimento”.
Deste modo, um dos passos na transição da oviparidade para viviparidade é a retenção dos
ovos fertilizados no oviduto (Kupfer e col., 2006).
Segundo Thompson e Speake (2006), as espécies com placentação simples retêm
os ovos no útero e são providos com poucos nutrientes através da placenta, tendo embriões
sustentados predominantemente por nutrientes do vitelo (condição lecitotrófica). Esta
viviparidade lecitotrófica envolve a retenção dos ovos, com casca reduzida nos ovidutos até
que o embrião esteja completamente desenvolvido. Espécies com placentação complexa
ovulam poucos ovos e transportam nutrientes para o desenvolvimento do embrião através
da placenta (condição placentotrófica).
A viviparidade é às vezes vista como um modo reprodutivo que ocorre apenas em
mamíferos, mas pode estar presente também em outros grupos de vertebrados (exceto em
agnatas, aves, crocodilos e quelônios). A viviparidade apresenta uma vantagem evolutiva
para o desenvolvimento dos embriões, e é também um risco, pois o embrião pode ser
rejeitado e então não alcançar a maturação completa (Thompson, 2007).
Os ovos colocados pelas espécies ovíparas devem conter todos os nutrientes
requeridos para sustentar o completo desenvolvimento do embrião, até a eclosão. Contudo,
a evolução da viviparidade apresenta a oportunidade para as mães reduzirem o
investimento no ovo, como um abastecimento compensatório de nutrientes ao embrião via
placenta durante a gestação (Speake e Thompson, 2000).

67
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Sendo assim, o cuidado parental na viviparidade é considerado como parte dos pais
e na oviparidade como cuidado voluntário, uma vez que os pais têm a opção de
permanecerem ou não próximos aos ovos e larvas (Crump, 1996; Towsend e col., 1991).
Deste modo, podemos observar claramente que na oviparidade as fêmeas apresentam um
gasto energético muito alto na produção de vitelo, contudo na viviparidade não há
necessidade de se produzir um ovo com um vitelo tão rico em nutrientes, pois todo o
fornecimento de alimento é feito através da placenta, portanto o gasto energético é maior
para as espécies lecitotróficas e placentotróficas durante o cuidado parental, que
obrigatoriamente é feito pelas fêmeas. De uma forma geral, a retenção dos ovos provê uma
maneira efetiva de aumentar a sobrevivência da prole e em alguns casos acelerar o
crescimento (Shine, 1985).
É esperado que a viviparidade se desenvolva onde a sobrevivência ou crescimento
da prole vivípara seja substancialmente maior do que a ovípara, ou onde os custos da
retenção dos ovos sejam mais baixos. A variação dos fatores bióticos e físicos (temperatura,
anóxia, estresse osmótico) pode aumentar a sobrevivência de ovos retidos no interior do
corpo. Além disso, em animais que mantêm a temperatura corpórea abaixo da temperatura
ambiente, a viviparidade pode aumentar a taxa de desenvolvimento do embrião (Shine,
1985).
Em peixes, a viviparidade é encontrada na maioria dos condrictes e apenas em
algumas espécies de teleósteos sendo a maioria de água doce. Este modo reprodutivo
oferece uma ampla variedade de vantagens às espécies tropicais, incluindo proteção contra
predadores e patógenos além de uma maior regulação dos fatores ambientais. Na maioria
das vezes, a viviparidade envolve as fêmeas, mas há casos de machos, como visto em
cavalos-marinhos (Cluton-Brock, 1991).
Entre os anfíbios, a viviparidade é encontrada em todos os grupos, tendo como
principal vantagem a redução do perigo de dessecação dos juvenis e assim como em peixes,
está associada a ambientes desfavoráveis. Entre os répteis a viviparidade tem surgido
independentemente no grupo dos esquamatas estando associada a climas frios, o que
auxilia a aumentar a taxa de desenvolvimento dos ovos. Esse rápido desenvolvimento reduz
o tempo gasto no solo quando os ovos são vulneráveis a predadores, aumenta o tempo
durante o qual a prole pode se alimentar antes do início do inverno e reduz a chance de
eclodirem quando as condições ainda são subótimas (Cluton-Brock, 1991).
Comparando espécies ovíparas e vivíparas, há uma redução no tamanho do ovo
com o aumento da complexidade placentária, mas não há redução na concentração de
lipídio dentro do ovo com o aumento da placentotrofia. Então, a redução relativa na
contribuição de lipídio nas espécies lecitotróficas é resultado de uma diminuição no tamanho
do ovo e não no conteúdo lipídico (Speake e Thompson, 2000).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Há uma clara distinção no perfil das classes de lipídios do vitelo entre espécies
ovíparas e lecitotróficas e aquelas em que as proporções dos nutrientes orgânicos dos
embriões são suplementadas via placenta. Esta reorganização do perfil de lipídios do vitelo
contribui para uma redução no investimento materno de energia durante a maturação
oocitária (Speake e Thompson, 2000).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Compostos Nitrogenados: Efeitos Fisiológicos em Animais


Ectotérmicos Aquáticos

Vanessa Ap. Rocha Oliveira Vieira


Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
vroliveira@usp.br

Pode-se considerar que os compostos nitrogenados são alguns dos produtos de


fundamental importância no cotidiano dos ecossistemas aquáticos, pois estão presentes em
fatores que interferem na qualidade da água como, dejetos industriais e agrícolas,
principalmente fertilizantes (Boyd,1992). O acúmulo destas substâncias constitui um dos
principais obstáculos para o desenvolvimento da vida aquática, pois a assimilação destes
compostos pelo fitoplâncton pode acarretar crescimento descontrolado dessa comunidade
(Paerl e Tucker, 1995) levando a modificações nos parâmetros físico-químicos da água.
Outra forma destes compostos estarem presentes na água é através da excreção,
resultado do metabolismo de proteínas. Os animais excretam três principais produtos
nitrogenados: amônia (amoniotélicos), ácido úrico (uricotélicos) e uréia (ureotélicos), e o
produto final excretado vai depender do ambiente que este animal vive (Fig. 1) (Wright,1995)
podendo se tornar um produto tóxico se acumulado em grandes quantidades nos tecidos, e
isso pode se tornar um problema a esses animais. Durante a evolução, os animais
terrestres desenvolveram formas de excretar produtos que não fossem tão tóxicos, quando
acumulados, como a amônia, convertendo-a em ácido úrico ou uréia dependendo do
ambiente em que vivem. Porém os anfíbios, por dependerem de água para o
desenvolvimento larval, apresentam a excreção sob duas formas: na fase larval apresentam
quase que 80% de excreção sob a forma de amônia e durante a metamorfose ocorre a
indução de enzimas envolvidas na síntese de uréia e gradualmente ocorre a transformação
da excreção e os animais se tornam ureotélicos (Brown e col.,1959; Atkinson,1994).
Neste texto trataremos principalmente da amônia e seus sub-produtos, por ser o
principal produto de excreção de peixes e larvas de anfíbios. Geralmente animais aquáticos
são mais tolerantes a amônia, pois este é muito solúvel em água mantendo-se abaixo das
concentrações tóxicas. (Brown e col., 1959; Atkinson,1994; Wrigth, 1995)
A formação de compostos nitrogenados reduzidos como o nitrito e nitrato ocorre
como resultado da decomposição aeróbia e anaeróbia da matéria orgânica . A nitrificação é
um processo aeróbio e comumente acontece na coluna da água e na superfície dos
sedimentos, e é realizada pelas bactérias do gênero Nitrossomas, que utiliza o íon amônio
(NH4+) como doador de hidrogênio e o oxida a nitrito (NO2-), e a bactéria do gênero
Nitrobacter que oxidam nitrito a nitrato (NO3-). A desnitrificação reduz o nitrato a nitrogênio
molecular ou a redução do nitrato a íon amônio, que ocorre em condições anaeróbias

70
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

geralmente no sedimento onde há baixas condições de oxigenação e há disponibilidade de


grande quantidade de substrato orgânico (Esteves,1998).
Ambos os processos ocorrem acoplados e são dependentes de pH e temperatura da
água. Ao fim de um período de condições anaeróbias ocorre grande quantidade de
nitrogênio amonical, com a oxigenação do meio iniciando-se
iniciando um grande processo de
nitrificação. Quando os animais são expostos a estes compostos pode
pode-se iniciar um
processo de toxicidade que vai ter seu grau aumentado ou diminuído dependendo das
condições externas deste ambiente, como por exemplo, o pH e a tempera
temperatura, já citada,
oxigênio dissolvido e salinidade. Esses fatores juntamente com as características dos
próprios indivíduos como idade, tamanho e a espécie interferem na relação e proporção dos
íons de NH3 e NH4+ (Whitfield, 1974; Lemarié, 2004;
200 Ruyet e col., 1997).
A toxicidade gerada por estes compostos depende da forma em que se encontram
na água. A principal forma tóxica da amônia, por exemplo, é a forma não ionizada ((NH3), a
forma ionizada (NH4+) é considerada menos tóxica, assim como o nitrito e o nitr
nitrato, que
podem ter seus níveis de toxicidade influenciado por outros compostos presentes na água
(Thurston e col.,1984).

Figura 1 – Diagrama
iagrama do metabolismo do nitrogênio e excreção dos animais. Os três principais produtos
nitrogenados de excreção estão destacados (Modificado de Wright, 2005).

Os principais processos fisiológicos afetados pela toxicidade da amônia serão


discutidos mais adiante, dentre eles, estão aspectos ligados ao metabolismo e ao sistema
endócrino. Substâncias
ubstâncias que poluem os ecossistemas e que de alguma forma alteram o
sistema endócrino dos animais são conhecidas como EDC do inglês Endocrine Disrupting
Compouds. Os disruptores endócrinos, mesmo em baixas concentrações, exercem efeitos

71
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

biológicos neste sistema alterando os processos de síntese e/ou degradação de hormônios,


seja bloqueando os receptores hormonais ou interferindo na ação dos próprios hormônios
(Mathissen e Johnson, 2007).

Efeitos Fisiológicos da Toxicidade do Nitrato em Anuros


Quando falamos em anfíbios e ambiente aquático devemos lembrar que estes
animais necessitam de água em uma fase de seu desenvolvimento, como discutido
anteriormente e muitas espécies de anfíbios tem um aumento da mortalidade principalmente
nestes estágios devido à acidificação ou poluição da água (Rouse e col., 1999; Gibbs e col.,
2005) e esse fatores associados têm sido propostos como possíveis causas para o declínio
de populações de anfíbios (Blaustein e col., 2003). Embora não seja conhecido o processo
pelo qual o nitrato ou o baixo pH da água podem afetar a reprodução de anfíbio, vários
trabalhos têm demonstrado que alguns padrões de reprodução podem ser alterados por
estes tipos de poluição (Wyman e Hawksley-Lescault, 1987; Ortiz-Santaliestra e col., 2005).
O pH baixo provoca alterações na membrana que envolve o ovo (Fig. 2) e os ovos
ficam mais suscetíveis a passagem de substâncias químicas, neste caso a amônia e o
nitrato (Schuytema e Nebeker,1999). Quando em contato com esses compostos, há um
aumento na absorção dos mesmos e após a eclosão vários efeitos são verificados nas
larvas como: diminuição no tamanho do corpo e peso, metamorfose tardia e taxas reduzidas
de alimentação e consequentemente crescimento (Baker e Waights, 1993; Hecnar, 1995; Xu
e Oldham, 1997; Schuytema e Nebeker, 1999). Outros efeitos de exposição ao nitrato
incluem deformidades da cabeça, olhos, sistema digestório e cauda, desequilíbrio, natação
diminuída; paralisia; edema cardíaco e abdominal e aumento da mortalidade (Becker e
Waights, 1993; Hecnar, 1995; Xu e Oldham, 1997).
Os efeitos do nitrato no crescimento e desenvolvimento de anfíbios podem ser
mostrados por vários mecanismos fisiológicos associados com o eixo hipotálamo-hipófise-
tireóide. Neste eixo o hipotálamo secreta o hormônio liberador de tireotrofina (TRH) que
estimula a hipófise a liberar o hormônio estimulante da tiróide (TSH) nos folículos do tecido
da tiróide promovendo a síntese e liberação dos hormônios triiodotironina (T3) e tiroxina
(T4),essa secreção é regulada pelo feedback negativo desses dois hormônios (T3 e T4) no
hipotálamo e na hipófise.(Randall e col., 2000) (Fig. 3).
Para entender este processo, vamos rever como é o processo de metamorfose em
anfíbios.O processo de metamorfose é caracterizado por um aumento nas concentrações de
tiroxina (T4) circulantes (Huang e col., 2001). O hormônio T4 que contém iodo é o hormônio
primário circulante, na forma inativa do hormônio da tiróide. Para se tornar ativo, o T4 é
convertido a T3 através do tipo II da enzima deiodenase iodotironina (D2). A cronometragem
da metamorfose é então uma função combinada de síntese de T4 e da expressão de

72
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

D2,que acontece primeiro nos membros e cauda. As concentrações de T3 e a expressão da


enzima D2 suprimem a expressão da subunidade β do hormônio liberador de tireotropina
hipofisário (TSH) (Huang e col., 2001).

Figura 2 – Índices de sobrevivência de eclosão de embriões com (cinza) e sem (preto) membrana envoltória de
Triturus pygmaeus expostos a nitrato e baixo pH. Resultados de analise de variância (ANOVAs) mostram que
sem proteção há uma diminuição na taxa de sobrevivência quando expostos a nitrato. (NS, P > 0.05; *P < 0.05)
(Modificado de Ortiz- Santaliestra e col., 2007)

Em vertebrados, o consumo de nitrato é associado com hipotiroidismo, alimentação


reduzida, crescimento lento, baixo T3 e T4 circulante no soro e reduzida produção do fator
liberador do hormônio de crescimento no hipotálamo (IGF-1) (Allen e col., 1996; Crow e col.,
1998; Kursa e col., 2000; Simon e col., 2000; Zaki e col., 2004). O nitrato prejudica a
síntese do hormônio tireoidiano impedindo, em parte, a entrada, síntese, transporte e
retenção do iodo (Hampel e Zollner, 2004). Portanto o crescimento e a metamorfose de
anfíbios sendo reguladas por hormônios tiroidianos (Stolow e col., 1997; Boorse e Denver,
2004), sofrem diretamente com a contaminação por nitrato.

Efeitos Fisiológicos da Toxicidade de Amônia e Nitrito em Peixes


A amônia (NH3) é estressante aos peixes mesmo em baixas concentrações,
independente da sensibilidade de cada espécie. Primariamente, os efeitos da toxicidade se
manifestam no consumo de O2, pois o NH3 se difunde através da membrana das células
branquiais, provocando edema e fusão das lamelas secundárias (Miron e col, 2008)
dificultando as trocas gasosas e desestabilizando os mecanismos osmorregulatórios
(PoleKsec e Mitrovic-Tutundzia,1994), veremos então como ocorre o processo de entrada
na célula.

73
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

As duas formas de amônia encontradas na água apresentam maneiras diferentes de


entrarem nas células. A NH3 é uma molécula menor e lipossolúvel facilmente encontrada em
compartimentos alcalinos como os fluidos extra-celulares enquanto que NH4+ depende da
sua concentração e do gradiente eletrolitico, não penetrando facilmente pela membrana
requerendo transportadores especializados.(Towle e Holleland,1987). A amônia total (soma
de NH3 e NH4+) é encontrada em compartimentos ácidos como o fluído intracelular por
exemplo, porque quando NH3 se difunde na célula, se une a H+ e são convertidos a
NH4+ .(Wright e col., 1988 a,b). Desta forma quando há um desequilíbrio eletrolítico no meio,
NH3 penetra facilmente nas células dos rins e brânquias dos peixes (Knepper e col., 1989;
Wright e col.,1989) ficando acumulada e provocando graves alterações no fígado e
brânquias (Wilkie e Wood,1996), além de alterações do comportamento da natação,
diminuição no apetite (Ruyet e col., 1997) e severas alterações nos parâmetros metabólicos
(Shaffi, 1980). Todos esses fatores resultam em um quadro de estresse que juntamente com
as condições de hipóxia levam a uma condição de anaerobiose e rápida degradação de
glicogênio no fígado e músculo (Vijayavel e col.,2006; Miron e col.,2008) desta forma,
verifica-se então, que a toxicidade da amônia é pH-dependente.
Há espécies de peixes que respondem diferentemente a esta exposição como por exemplo
o pirarucu (Arapaima gigas). Estes animais quando expostos à amônia em condições de
temperatura e pH constantes, continuam alimentando-se normalmente, com 100% de
sobrevivência (Cavero e col., 2004). A capacidade do pirarucu de tolerar situações
adversas do ambiente é atribuída à respiração aérea, a qual é realizada principalmente
quando os níveis de oxigênio dissolvido são baixos (Brauner e Val, 1996, apud Cavero e
col., 2004).
Semelhante ao que ocorre com a amônia, a sensibilidade da toxicidade do nitrito
-
(NO2 ) é diferente entre as espécies de peixes. O nitrito se difunde pelas células branquiais
pelo mesmo sistema de troca iônica entre Cl-/HCO3-, assim espécies com altas taxas de
troca destes íons são mais suscetíveis a toxicidade por nitrito (Jensen, 2003)

74
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

( -) (+)

Figura 3 – Eixo Hipotálamo-Hipófise-Tiróide. O hipotálamo libera TRH que estimula a hipófise a liberar TSH, este
estimula a produção de T3 e T4 pela tireóide. Note, uma baixa concentração do hormônio T4 retarda a
metamorfose (Modificado de: http://www.scielo.br/img/revistas/ca/v18n3/a03fig01.gif. e
http://www.qualibio.ufba.br/imagens/capitulo6/ f054.jpg.)

Ao cair na corrente sanguínea, o NO2- se difunde nas hemácias e provoca oxidação


do átomo de ferro da hemoglobina convertendo-a em metahemoglobina (Kiese,1974) pela
seguinte fórmula: 4 Hb(Fe2+)O2 + 4 NO2- + 4 H+ = 4Hb (Fe3+) + 4NO3- + O2 + 2H2O, e a
coloração do sangue passa de vermelho a marrom estabelecendo um quadro de hipóxia e
cianose (Kroupova, 2005) . Indivíduos com metabolismo normal, nos quais os estoques de

75
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

glicogênio no fígado garantem uma via de glicólise anaeróbica conseguem sobreviver por
longos períodos com elevados índices de metahemoglobina no sangue (Perrone e Meade,
1977). Essa sobrevivência é possível porque além dos mecanismos de desintoxicação do
próprio organismo como a ação da enzima metahemoglobina redutase que converte
metahemoglobina em hemoglobina , os hepatócitos têm a capacidade de oxidar nitrito a
nitrato, porém se o animal já estiver debilitado com um estresse gerado por toxicidade de
amônia por exemplo esse processo é prejudicado.(Doblander e Lackner,1996)
A resposta a este estressor é rápida, e estudos com exemplares de matrinxã (Brycon
cephalus) expostos a baixas concentrações de nitrito (0,02 a 0,6 mg/L) mostraram que este
composto causou alterações hematológicas, com a diminuição do hematócrito, da
hemoglobina total e do número de hemácias e um aumento de metahemoglobina de 1%
para 69% apenas em 24 horas de exposição e drasticamente de 5-6% para 90% em 96
horas de exposição levando os peixes a anemia hemolítica (Avilez e col., 2004).
Entre outros efeitos do NO2- sobre a fisiologia de peixes está o desequilíbrio do
balanço de potássio na célula. Este composto promove um aumento de potássio extracelular
originados da perda deste íon das células vermelhas e do músculo (Jensen,1990; Stormer e
col., 1996). Esse processo é desfavorável para o coração e outros tecidos excitáveis porque
causa despolarização e pode causar mau funcionamento do sistema nervoso (Jensen, 2003)
além de promover a excitação dos canais de cotransporte de K+/Cl- envolvidos na
manutenção do volume celular (Jensen,1990,1992).
O nitrito pode induzir uma vasodilatação via óxido nítrico gerado do próprio nitrato
(Gladwin e col., 2000) esse sub-produto é resposta de um processo induzido por baixo pH,
situações de hipóxia e altas concentrações de nitrato (Benjamin e col., 1994). Então é
possível que o nitrato possa interferir em inúmeros processos que este mediador esteja
envolvido como controle da pressão arterial, tônus vascular, sinalização neural, funções
imunológicas e síntese de hormônios esteróides (Ahsan e col., 1997; Cymeryng e col.,1998)
Como dito explanado anteriormente, em fêmeas adultas de peixes teleósteos o
controle hormonal da reprodução ocorre através de um eixo neuroendócrino composto pelo
hipotálamo – hipófise – gônadas (Fig.4), sob a influência de fatores ambientais (como
fotoperíodo por exemplo). O hipotálamo passa a sintetizar e liberar um neurohôrmonio
conhecido como GnRH (hormônio liberador de gonadotropina) que estimula a adenohipófise
a sintetizar as gonadotropinas, que são transportadas, através do sangue, para as gônadas
e na camada das células foliculares (especificamente na camada teca) promove a síntese
de testosterona tendo o colesterol como precursor. A testosterona é transportada à camada
granulosa (também parte do folículo) onde é convertida a 17β – estradiol (E2) através do
complexo enzimático citocromo P450 –aromatase (Billard, 1992). O mecanismo envolvido

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

na conversão do nitrito a óxido nítrico parece inibir justamente a ação desta


enzima.(Panesar e Chan,2000).

Figura 4 – Local de ação da enzima P450scc (círculo) sobre o eixo endócrino impedindo a formação
de progesterona, testosterona e estradiol (Marcados com um quadrado) em peixes (Modificado de
Nakamura, Lokman e Goetz, 2004).

Além de desajustes no eixo citado acima, também já houve observações de


alterações nos hormônios tireoidianos, especificamente no hormônio tiroxina (T4), no
aumento na síntese de hormônios de estresse Heat Shock Proteins (HSP70) nas brânquias
e HSP 90 no rins e fígado (Deane e Wuo, 2007).
Dentre todas as informações citadas, já foram encontradas alterações hepáticas ,
tais como degeneração celular, acúmulo de NO2-, e infiltração de células com características
de macrófagos, além de vasodilatação do sistema circulatório (Costa,2002), alterações na
coloração da pele, lesões nos epitélios dos ductos biliares e pâncreas, que podem resultar
em inchaços abdominais devido a excessiva quantidade de fluido na cavidade abdominal e
estômago (Costa, 2001).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Diante do exposto é possível verificar que o estresse causado pelos compostos


nitrogenados induz alterações no metabolismo energético e na endocrinologia de animais
ectotérmicos aquáticos, tendo como principal porta de entrada o sistema respiratório, mais
propriamente dito, os canais de troca gasosa.

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Fisiologia da Respiração em Vertebrados Não Mamíferos.


Estudo de Caso: Peixes como Modelo Biológico.

Renato Massaaki Honji


Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
honjijp@usp.br

Em relação à diversidade de vertebrados existentes, 9% são mamíferos, 14 % são


répteis, 18% são aves, 9% são anfíbios e 50% são peixes (Wooton, 1990; Nelson, 1994;
Moyle e Cech, 2003; Hickman e col., 2003). Esse sucesso do grupo dos peixes é atribuído a
uma série de adaptações fisiológicas, anatômicas, morfológicas entre outras características
relacionadas aos processos de reprodução, nutrição, osmorregulação, sistema nervoso e
principalmente a respiração (Hoar, 1969; Wooton, 1990; Moyle e Cech, 2003; Zavala-Camin,
2004).
Em um ambiente natural, muitos processos biológicos chamam a atenção, não
apenas de pesquisadores, mas também de pessoas leigas que se interessam por biologia.
Ao observar um animal na natureza, muitas questões surgem, como por exemplo: Por que
os animais respiram? Qual é a função do oxigênio em um organismo? Como os animais
aquáticos conseguem retirar o oxigênio neste ambiente? Os animais conseguem sobreviver
durante um período sem o oxigênio?
Essas e outras perguntas podem ser respondidas estudando a biologia dos animais,
principalmente a fisiologia comparativa, que neste módulo está relacionada com a evolução
dos organismos, a interação dos animais com o ambiente (terrestre ou aquático) e a
comparação entre os diferentes Filos, não sendo restrita apenas à fisiologia humana.
A Terra possui em torno de 510x106 Km2 de superfície terrestre, dos quais 310x106
Km2 são cobertos pelos oceanos, além disso, uma pequena fração dessa superfície (se
comparado com os oceanos) é coberta por rios, lagos, calota e gelo polar. Com base nesses
dados, aproximadamente 71% da superfície da Terra são cobertos por água e, neste sentido,
o ambiente aquático oferece mais espaço habitável se comparado com o ambiente terrestre
(Wooton, 1990; Moyle e Cech, 2003).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Figura 1 – Esquema de bombeamento de água em peixes. A água é bombeada sobre as brânquias


de um peixe por um sistema duplo de bombeamento. Com o auxílio de válvulas adequadas, as
bombas provêm um fluxo unidirecional da água sobre a superfície da brânquia (Modificado de
Schmidt-Nielsen, 2002).

Quando nos referimos aos habitantes encontrados no ambiente aquático,


lembramos rapidamente dos teleósteos (peixes ósseos), que são o mais numeroso e diverso
grupo de vertebrados (Nelson, 1994; Wooton, 1990; Moyle e Cech, 2003). Os peixes
representam aproximadamente 50% dos vertebrados, englobando cerca de 28.000 espécies
viventes que ocupam ambientes aquáticos os mais diversos, ocorrendo desde as altas
latitudes até as fossas submarinas dos oceanos (Nelson, 1994; Moyle e Cech, 2003). Em
relação à sua distribuição, 58% das espécies são marinhas, 41% são dulciaqüícolas e 1%
vive entre esses dois ambientes, ou seja, essas espécies realizam migrações entre o
ambiente marinho e o ambiente de água doce (Wooton, 1990). Além da importância como
fonte alternativa de alimento, os peixes também constituem uma rica fonte de material
biológico que podem ser utilizados como modelos para entender os controles dos processos
biológicos (Blázquez e col., 1998).
O processo de troca de gases que ocorrem, principalmente de oxigênio (O2) e
dióxido de carbono (CO2), entre o meio ambiente e os fluídos corpóreos, denominamos de
respiração (Withers, 1992; Randall e col., 2000; Schmidt-Nielsen, 2002). Demonstrando a
enorme importância de se estudar a fisiologia respiratória nos animais. Em peixes podemos
encontrar os seguintes tipos de respiração: respiração aquática e respiração aérea

80
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

(facultativa e obrigatória). A maioria das espécies de peixes apresenta respiração branquial


(aquática), na qual as brânquias são ventiladas com um fluxo unidirecional de água, sendo
que, a simples abertura da boca e do opérculo, adicionado ao deslocamento do animal na
água, faz com que haja um fluxo em uma única direção (mais pronunciada principalmente
em peixes migradores, como os atuns e albacora). A grande parte dos peixes apresenta
ainda uma musculatura esquelética na cavidade bucal e opercular, que mantém o
bombeamento ativo da água nas brânquias, mantendo assim um suplemento regular de O2
(Fig. 1) (Withers, 1992; Graham, 1997; Randall e col., 2000; Schmidt-Nielsen, 2002; Graham,
2006).
As brânquias dos peixes consistem geralmente de quatro arcos branquiais e desses
arcos estendem-se duas fileiras de filamento branquiais, sendo que, cada filamento possui
várias lamelas que são estruturas achatadas e densamente enfileiradas onde ocorrem as
trocas gasosas. Conforme a água flui entre essas lamelas em uma direção, o fluxo
sanguíneo flui em direção oposta, esse tipo de fluxo é denominado contracorrente (Fig. 2).
Desta forma, quando o sangue está saindo das lamelas, o mesmo encontra a água cujo
oxigênio ainda não foi removido e, conforme a água passa entre as lamelas, ela encontra o
sangue com uma pressão de oxigênio sempre abaixo e, portanto continua liberando mais
oxigênio. Essa disposição anatômica permite que, depois de passar pelas brânquias, a água
possa ter perdido mais ou menos 80 a 90% de seu conteúdo de oxigênio (Withers, 1992;
Graham, 1997; Randall e col., 2000; Schmidt-Nielsen, 2002; Graham, 2006).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

Água

150 120 90 60 30

140 110 80 50 20

Sangue

Figura 2 – Diagrama do fluxo contracorrente nas brânquias de peixes. Os números indicam as pressões parciais
de oxigênio (Po2, em mmhg) na água e no sangue. O sangue entra na brânquia com uma Po2 baixa (neste
exemplo, 20mmhg) e o oxigênio difunde-se da água para o sangue. À medida que o sangue flui ao longo da
lamela, mais oxigênio é captado da água e, assim que sai da lamela, alcança aproximadamente a Po2 da água
que entrou rica em oxigênio. A água, fluindo em direção oposta, perde gradualmente mais e mais oxigênio e
deixa a brânquia depois de ter perdido a maior parte de seu conteúdo de oxigênio (Modificado de Schmidt-
Nielsen, 2002).

Quando o ambiente aquático apresenta baixa concentração de oxigênio dissolvido


(ambiente hipóxico), é possível observar que muitas espécies de peixes sobem até a
superfície, com o intuito de ventilar as brânquias com a fina camada de água oxigenada.
Esta fina camada de água oxigenada é obtida pela difusão do oxigênio atmosférico na água
e este comportamento apresentado pelos teleósteos é conhecido como “Aquatic Surface
Respiration” (ASR).
Este comportamento (ASR) é freqüentemente observado em viveiros de cultivo de
peixes (pisciculturas). A Fig. 3 apresenta uma espécie de peixe neotropical (Piaractus
mesopotamicus) que apresenta este comportamento (ASR). Além disso, este teleósteo
desenvolve uma projeção do lábio inferior da mandíbula, com o intuito de captar mais
eficientemente (como um funil) esta fina camada de água oxigenada.

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

A B

Figura 3 – A-B) “Aquatic surface respiration – (ASR)” A) Duas espécies de peixes teleósteos que apresentam o
comportamento (ASR) quando expostos a condições de hipóxia. Poecilia reticulata e Piaractus mesopotamicus. B)
Comportamento ASR apresentado pelo pacu (Piaractus mesopotamicus). Notar a projeção do lábio inferior da
mandíbula (Modificado de Jobling, 1994).

Além das brânquias, muitas espécies de peixes apresentam estruturas capazes de


realizar trocas gasosas como, por exemplo: vesícula gasosa, intestino, estômago, esôfago e
até pulmões, entre outras estruturas, e esses animais são chamados de peixes com
respiração aérea (Fig. 4). A maioria das espécies de peixes com respiração aérea habita
ambientes aquáticos nos quais em algum período do dia ou estação, a concentração de
oxigênio é muito baixa, ou em ambientes hipóxicos, ou seja, locais no qual o nível de
oxigênio é reduzido. Esses peixes responderão a diminuição da concentração de oxigênio
na água, nadando até a superfície para sorver uma bolha de ar pela boca, o que resulta num
melhoramento no suprimento de oxigênio. A respiração aérea pode ser facultativa ou
obrigatória. Na respiração facultativa, se o ambiente não estiver hipóxico, o animal consegue
retirar da água toda quantidade de oxigênio necessária para a sua manutenção, apenas
bombeando a água através das brânquias. Quando o ambiente estiver hipóxico, essas
espécies retiram uma parte do oxigênio necessário para a sua manutenção, da atmosfera
(Val e col., 1996; Graham, 1997; Hochachka e Somero, 2002; Schmidt-Nielsen, 2002;
Graham, 2006).
Os rios da Amazônia são bons exemplos de ambiente aquático nos quais se
observa uma variação de concentração de oxigênio durante a estação de seca (Val e col.,
1996). Muitos Siluriformes apresentam esse tipo de respiração aérea facultativa (Fig. 4b). As
espécies de peixes com respiração aérea obrigatória são aquelas que necessitam subir até
a superfície da água para respirar ar atmosférico, no qual, sorvem uma bolha de ar e o
oxigênio é absorvido pelas estruturas relacionadas acima. Quem disse que peixe não morre
afogado!!! Neste caso, se o peixe com respiração aérea obrigatória for impedido de subir até
a superfície da água, ele morre afogado sim (como por exemplo, Arapaima gigas, pirarucu –
Fig. 4a), pois não apresenta brânquias desenvolvidas para retirar o oxigênio da água.

83
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

No que diz respeito aos aspectos relacionados às trocas gasosas realizadas pela
vesícula gasosa (“bexiga natatória”) em teleósteos, poucos estudos têm sido realizados.
Sabe-se que a vesícula gasosa é formada a partir de uma evaginação do trato digestório
(origem embriológica) e, em teleósteos é possível identificar dois tipos de vesícula gasosa.
Alguns teleósteos conhecidos como “fisóstomos”, mantêm uma conexão entre a vesícula
gasosa e o esôfago, conseguindo encher a vesícula “tomando” ar na superfície. No outro
tipo, conhecido como “fisóclisto”, o ducto degenera e não há conexão da vesícula gasosa
com o meio externo, assim, os gases no interior da vesícula são provenientes de processos
de difusão, a partir do sangue (Wooton, 1990; Schmidt-Nielsen, 2002; Moyle e Cech, 2003;
Zavala-Camin, 2004). Os mecanismos fisiológicos envolvidos na troca gasosa entre o
sangue e a vesícula gasosa são discutidos na literatura especializada (Wooton, 1990;
Schmidt-Nielsen, 2002; Moyle e Cech, 2003; Zavala-Camin, 2004).

A B

Figura 4 – A-B Peixes com respiração aérea (obrigatória e facultativa). A) Arapaima gigas (pirarucu), vesícula
gasosa modificada para a respiração aérea (obrigatória). Foto do autor. B) Hypostomus sp. (cascudo), troca
gasosa realizada também pelo intestino (facultativo) (Foto cortesia de Renata Guimarães Moreira).

Ainda em relação à respiração aérea, existem seis espécies de peixes com


respiração pulmonar, uma espécie australiana, Neoceratodus forsteri (Família
Ceratodontidae), outra espécie sul-americana, Lepidosiren paradoxa (Família
Lepidosirenidae) e quatro espécies africanas, do gênero Protopterus sp. (Família
Protopteridae) (Graham, 2006).
Protopterus sp. e Lepidosiren sp. vivem em águas paradas e em lagos, nos quais
na falta de chuvas pode ocorrer o ressecamento total do seu habitat (Graham, 2006). Essas
espécies estivam até a próxima estação chuvosa, quando saem dos seus casulos que
estavam enterrados na lama. A espécie australiana habita rios e corpos de água lênticos,
estivando também em períodos de seca (Val e col., 1996; Graham, 1997; Schmidt-Nielsen,

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

2002; Graham, 2006). A Fig. 5 apresenta a porcentagem de troca pelos pulmões e


brânquias nessas espécies de peixes com respiração pulmonar (Schmidt-Nielsen, 2002).
Na Fig. 5 é possível observar que, apesar das três espécies de peixes
apresentarem pulmões, as brânquias ainda apresentam funções nas trocas gasosas nessas
espécies. Vale ressaltar, que na espécie Lepidosiren paradoxa (América do Sul) a maior
porcentagem de troca gasosa é realizada através dos pulmões, já na espécie australiana
(Neoceratodus forsteri) a maior porcentagem de troca gasosa é realizada pelas brânquias.

Neoceratodus Protopterus Lepidosiren


(Austrália) (África) (América do Sul)

Figura 5 – Funções relativas das brânquias (gráfico superior) e dos pulmões (gráfico inferior) nas trocas
de gases respiratórios em três espécies de peixes pulmonados quando mantidos na água e com acesso
ao ar (Modificado de Schmidt-Nielsen, 2002).

Em resumo, em relação à fisiologia respiratória em peixes podemos encontrar os


seguintes tipos de respiração: respiração aquática e respiração aérea (facultativa e
obrigatória) como mencionado anteriormente. Desta forma, levando em consideração essas
informações sobre o ambiente aquático e a diversidade de peixes, enfocamos a nossa
discussão na fisiologia da respiração de peixes ao longo da evolução desses animais, além
de analisar as interações e adaptações fisiológicas apresentadas pelos teleósteos nos
vários ambientes aquáticos (ambiente marinho, dulciaqüícola, região equatorial, regiões

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

tropicais, regiões polares, regiões profundas e regiões de grandes altitudes); além de


analisar as interações e adaptações fisiológicas apresentadas pelos teleósteos nos vários
ambientes aquáticos (Prosser, 1991; Levinton, 1995; Val e col., 1996; Graham, 1997;
Hochachka e Somero 2002; Schmidt-Nielsen, 2002; Graham, 2006).

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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos

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100
Sazonalidade

Sazonalidade

A existência de ciclos anuais ambientais e seus correlatos com a fisiologia dos


organismos são de conhecimento de todos nós. Quem nunca ouviu falar em migração e
hibernação? Façamos, portanto, um “mergulho” no fenômeno da sazonalidade, abordando
primeiramente seus aspectos cronobiológicos, uma área ainda pouco conhecida e que
oferece inúmeras possibilidades de investigação. A seguir, veremos que alguns anfíbios
permanecem inativos durante a estação seca do ano, um fenômeno denominado estivação.
Logo depois, colocaremos uma lente de aumento no processo de depressão metabólica
presente, inclusive, na estivação e amplamente observado dentre os animais em uma
variedade de condições. Por último, veremos que animais sazonais representam modelos
interessantes para o estudo do controle hipotalâmico da fome e do gasto energético e que
podem ajudar a resolver um dos principais problemas de saúde da nossa época: a
obesidade.

101
Sazonalidade

Sazonalidade

Cintia Etsuko Yamashita e Jéssica Martins Camargo


Laboratório de Cronobiologia de Insetos
ycintia@usp.br; jessica.camargo@usp.br

A percepção humana da existência da sazonalidade é muito antiga. Os homens


primitivos observaram que alguns animais geravam sua prole em épocas específicas do
ano, e que determinadas espécies “desapareciam“ em algumas épocas e “misteriosamente”
reapareciam tempos depois. O mesmo era verificado com alguns frutos. A sazonalidade
tinha importância direta na disponibilidade e variabilidade de recursos e a administração
temporal dos mesmos estava intimamente atrelado a estes conhecimentos (Lofts, 1970).
A associação dos comportamentos rítmicos dos organismos e condições ambientais
cíclicas remonta a Antiguidade. A civilização egípcia já reconhecia a importância das cheias
anuais do Nilo para garantir boas safras de alimentos, sendo relatado acompanhamento do
nível de inundação deste rio desde 3050 antes de Cristo (Bell, 1970).
As variações climáticas que se repetem anualmente são chamadas de ciclos anuais,
e apresentam período de aproximadamente 365 dias. São resultantes do movimento de
translação da Terra, aliado à existência de um ângulo de inclinação entre o eixo de rotação
do planeta e uma perpendicular traçada em relação ao seu plano elíptico ao redor do Sol.
Essas características resultam na alteração do ângulo de incidência dos raios solares na
superfície da Terra ao longo do ano e na modificação do número de horas iluminadas e não
iluminadas (comprimento da fase clara e escura) (Fig.1). Devido a esse ângulo de
inclinação, os hemisférios Norte e Sul apresentam estações opostas (sendo verão em um e
inverno no outro hemisfério), bem como existe variação no tempo decorrente entre nascer e
pôr-do-sol, entre as diferentes latitudes (Rohli e Vega, 2007).
As variações climáticas sazonais resultam numa subdivisão temporal no ciclo de vida
dos organismos, com exposição a épocas mais e menos favoráveis para determinadas
atividades (Enright, 1970; Bradshaw e Holzapfel, 2007). A previsibilidade das variações
cíclicas permitiu que fossem selecionados organismos com capacidade de antecipação às
épocas cruciais, passando por modificações prévias de sua morfologia, comportamento e
fisiologia, de forma que essas características estejam ajustadas temporalmente com o
ambiente.

102
Sazonalidade

Figura 1- Esquema do movimento de translação da Terra. Notar que o eixo de inclinação da Terra em relação ao
seu plano orbital não se modifica. As estações do ano representadas são referentes ao Hemisfério Sul. Durante
o verão neste Hemisfério é inverno no Hemisfério Norte e assim sucessivamente. Modificado de
http://bimedia.ftp.clickability.com/wshmwebftp/WebStuff/Earth-Sun-Seasons.jpg, acesso: 17/05/2009.

Algumas variáveis ambientais exercem pressão seletiva intensa restringindo certas


atividades numa época específica do ano, podendo excluir indivíduos que apresentam
atividades fora do momento exato, principalmente àquelas relacionada com a sobrevivência
da prole. Esses fatores seletivos são denominados fatores distais (Baker, 1938; Thomson,
1950; citado em Gwinner, 1986). Eles afetam diretamente o "fitness" (sucesso individual)
reprodutivo dos organismos através da otimização dos investimentos de energia na estação
adequada, na reprodução e em outras atividades (Dunlap, 2004, Bradshaw e Holzapfel,
2007).
Os fatores distais são específicos para cada espécie e para cada atividade sazonal. A
disponibilidade de recurso alimentar é na maioria dos casos, considerado o fator distal mais
importante, pois é determinante no número de jovens que poderão ser alimentados até a
fase reprodutiva (Lofts, 1970). A maioria das espécies apresenta a fase reprodutiva
coincidindo com a fase de máxima abundância do alimento (Gwinner, 1986). A existência de
locais apropriados para a formação de ninhos (principalmente para aves), a predação e a
competição, também foram sugeridos como sendo fatores distais (Gwinner, 1986).

103
Sazonalidade

Muitas funções sazonais requerem relativamente longas fases de desenvolvimento e


devem ser iniciados com antecedência, muitas vezes mesmo quando as condições
ambientais estejam longe do ótimo (Gwinner, 1986). A importância do preparo dos
organismos fica evidente ao analisar a reprodução. Para que ela ocorra, há uma
necessidade de aumento prévio da ingestão alimentar, precedido por desenvolvimento
gonadal, comportamento de corte, construção de ninho e gestação/incubação, tudo isso
acontecendo no tempo certo para que o filhote nasça na estação do ano com condições
mais favoráveis para sua sobrevivência, formando uma “ordem temporal anual”, ou um
“mapa anual de fases” (Gwinner, 1986).
A migração de alguns organismos, a hibernação nos vertebrados e a diapausa em
insetos também exige modificações do metabolismo, comportamento e processos
fisiológicos, que devem estar adequados à demanda energética necessários nestes
momentos específicos.
A antecipação dos processos biológicos está intimamente relacionada com a
capacidade dos organismos em perceber e responder a sinalizadores ambientais
cíclicos que ocorrem regularmente antes da estação ótima. Esses sinalizadores são
denominados fatores proximais. Os fatores proximais não representam necessariamente
características adversas ou favoráveis, mas afetam indiretamente o “fitness” reprodutivo
dos organismos, à medida que ajustam o momento ideal dos processos biológicos ao fator
distal.
A diferença e a relação entre os fatores distais e proximais ficam mais claras quando
analisamos o processo de diapausa da pupa do bicho da seda Platysamia cecropia. O fator
distal (pressão seletiva) nesta espécie corresponde ao clima ameno e a abundância de
alimentos, entre outras variáveis associadas à primavera, os quais favorecem o encontro
dos adultos, a postura e a eclosão das larvas. As larvas se alimentam, aumentam de
tamanho e de massa corpórea, e então empupam entre o fim do verão e o começo do
outono. Durante esta fase da metamorfose inicia-se o processo de diaupausa, um processo
geneticamente programado, que é caracterizado por uma fase com baixa atividade
metabólica, com supressão da alimentação, do crescimento e do desenvolvimento, e
aumento da resistência a baixas temperaturas (Tauber e col., 1986). A diapausa se estende
durante o outono e inverno e é durante este último que os fatores proximais ocorrem. Nesta
espécie, a pista ambiental que promove o preparo das funções fisiológicas e metabólicas
para o fim da diapausa e emergência do adulto é a passagem pelo mínimo de temperatura
anual durante um intervalo suficiente para sinalizar passagem do inverno (Williams, 1946,
1956) (Fig.2).

104
Sazonalidade

Figura 2- Gráfico esquemático da temperatura ao longo do ano. Notar que cada uma das fases de vida do bicho
da seda ocorre numa estação do ano específica. Os fatores distais nesta espécie é a emergência do adulto,
reprodução, postura de ovos e fase de larva durante a primavera e o verão, quando existe abundancia de
alimento no ambiente. A fase de pupa se inicia no começo do outono e se estende até o fim do inverno. O fator
proximal, que indica a aproximação da primavera e eclosão do adulto, é a passagem pelo mínimo de
temperatura. O esquema apresentado foi baseado nos trabalhos de Williams, (1946, 1956).

A ação sincronizadora dos fatores proximais sobre os ritmos dos organismos é


dependente do seu momento de vida. Isso significa que o organismo apresenta fases
sensíveis específicas e de fase restrita à ação dos fatores proximais. Estas características
permitem o ajuste fino entre os indivíduos e o ambiente, garantindo a ocorrência no
momento exato e mais favorável dos fatores distais.
Foi visto que alguns ritmos sazonais persistem mesmo na ausência de pistas
ambientais, com um período próprio de aproximadamente (mas nunca igual) 365 dias.
Esses ritmos endógenos são chamados de ritmos circanuais e são ajustados pelos ciclos
ambientais através de agentes sincronizadores, que permitem a manutenção de uma
relação de fase estável entre o ciclo ambiental e o ritmo endógeno, com período igual a um
ano (Aschoff, 1955; citado em Farner 1985).
Uma das primeiras comprovações da existência de ritmo circanual foi realizada em
ritmos de hibernação de uma espécie de esquilo por Pengelley e Fisher (1957,1963). Esses
pesquisadores mantiveram os esquilos isolados, sob fotoperíodo (razão entre a duração da
fase clara e a escura) e temperatura constantes durante três anos. Mesmo nessas

105
Sazonalidade

condições constantes os animais continuaram a apresentar comportamento rítmico de


hibernação, com um período aproximado de 12 meses. Foi observado também um ritmo na
massa corpórea e no consumo de alimento dos animais, mesmo com disponibilidade
constante de alimento. Esses experimentos desmistificaram a idéia de que o animal entra
em hibernação em decorrência da indisponibilidade de alimento e das baixas temperaturas
ambientais, como uma reação direta e passiva a esses fatores ambientais (Fig.3).
Ritmos circanuais já foram descritos em diversos grupos filogeneticamente distintos,
como: plantas, artrópodes, moluscos, répteis, aves, peixes e mamíferos (para revisão
consultar: Farner, 1985; Gwinner, 1986; Dunlap, 2004). Muito embora já descrito em
diversos grupos, a caracterização conclusiva de um ritmo anual ser circanual para algumas
espécies é dificultada, pois para observação da expressão do ritmo são necessárias
condições constantes e permissivas a essa espécie e a esse ritmo específico. Desta forma,
o animal deve ser mantido numa duração da fase clara (fotofase), qualidade/intensidade
luminosa e temperatura constantes (Farner, 1985). Muitas vezes o fotoperíodo permissivo é
restrito, apresentando determinado ritmo sobre uma, mas não sobre outras condições
fotoperiódicas (Dunlap, 2004).
A relação entre a fase clara e escura parece ser informativa para o ajuste temporal
do ritmo do animal, funcionando como um importante fator proximal. Os organismos
possuem a habilidade de usar o comprimento do dia como uma pista antecipada aos
eventos sazonais subseqüentes (fatores distais). Essa habilidade é conhecida como
fotoperiodismo, e é geneticamente determinada.
As mudanças no comprimento do dia parecem ser um fator importante para
sinalização da antecipação às variações sazonais, principalmente nas zonas temperadas e
polares onde essa mudança anual da fotofase é particularmente marcada. Conforme existe
um distanciamento da região equatorial, a variação anual da duração da fotofase vai se
tornando maior, chegando a preencher 24 horas em certos dias de verão nas latitudes
maiores que 67º (Bradshaw e Holzapfel, 2007). Em latitudes inferiores a 15º a variação
anual do comprimento do dia é cada vez menor, não variando no equador (Bradshaw e
Holzapfel, 2007). Apesar da existência, nessas regiões, de outros fatores cíclicos mais
evidentes, tais como os de umidade relativa e de alimentação (Loft, 1970), o fotoperiodismo
é evidente em diversas espécies, demonstrando a importância do fotoperíodo como fator
ambiental mais preciso de sinalização das fases do ano.

106
Sazonalidade

Figura 3- Ritmos circanuais do esquilo, Spermophilus lateralis. Variação da massa corpórea (curva “w”),
consumo de alimentos (barras de histograma, “f”) e hibernação (barra em preto) em dois indivíduos mantidos por
23 meses em ciclo de 12 horas de claro e 12 horas de escuro e sob temperatura de 21 ºC ou a 0 ºC. Modificado
de Pengelley e Fisher, (1963).

O fotoperiodismo nos diferentes grupos não é totalmente compreendido, mas


algumas generalizações podem ser feitas. O comprimento do dia é captado por um
fotoreceptor, traduzido para o sistema nervoso onde é processado e transmitido para todo o
organismo, através de vias nervosas e/ou hormonais (Bradshaw e Holzapfel, 2007).
Especula-se que o mecanismo de medição fotoperiódica está intimamente associado
ao sistema de temporização endógeno dos ritmos circadianos (ritmos com período
endógeno de aproximadamente 24 horas). Nos mamíferos a transmissão da informação
fotoperiódica é efetuada pela glândula pineal em liberar o hormônio melatonina. A
melatonina é sintetizada e liberada durante a fase escura do dia, servindo como sinalizador

107
Sazonalidade

interno do comprimento do mesmo. A informação fotoperiódica é transmitida a partir de vias


sensoriais para um oscilador circadiano localizado no sistema nervosos central. Esse
oscilador, por sua vez, gera um sinal que regula a síntese e secreção da melatonina durante
a noite. A secreção de melatonina é diferente quanto à sua duração e amplitude do pico
noturno entre dias curtos e longos. A variação anual desse hormônio sistêmico serviria como
“código” interno do comprimento do dia ao longo do ano. Em ovelhas, a curta duração da
fase de produção da melatonina (coincidente com dias longos) sinaliza a inibição da
reprodução. A melatonina não é, entretanto, um hormônio inibidor em todas as espécies de
mamíferos. Em outras espécies, como em alguns roedores, a longa duração da fase de
liberação de melatonina (correspondente a dias curtos) sinaliza a fase de estimulação da
reprodução (Dunlap, 2004) A melatonina, em si, não é um hormônio pró ou anti-
gonadotrópico, sendo a duração de sua secreção diária sinalizadora das estações do ano
para o sistema reprodutivo (Fig.4). Em aves, por outro lado, estudos indicam que a
melatonina sistêmica não afeta de forma direta o eixo reprodutivo, mas atua na regulação da
expressão de características sexuais secundárias, importantes no processo reprodutivo
(Dawson e col., 2001).

Figura 4- Representação esquemática da relação entre a duração da secreção de melatonina e o comprimento


da fase clara do dia. A informação fotoperiódica é transmitida através de vias sensitivas até o oscilador
circadiano (representado pelo relógio). Em dias curtos (a) a duração da liberação de melatonina é maior do que
em dias longos (b). A duração diferencial deste hormônio ao longo do ano sinaliza o fotoperíodo na
sincronização do estado reprodutivo com as estações do ano. Modificado de Goldman, (2001).

Nos insetos, o mecanismo responsável pelo fotoperiodismo está intimamente


relacionado com fenômenos de diapausa (Tauber e Kyriacou, 2001). Experimentos de
ablação demonstram a participação essencial do cérebro no mecanismo fotoperiódico,
especificamente em uma região denominada protocérebro dorsal. Nesta região estão
localizadas células neurossecretoras que sintetizam neurohormonios responsáveis pelo

108
Sazonalidade

controle hormonal da diapausa, sendo que seus componentes variam em composição e/ou
em ação nas diferentes espécies de inseto. (Shiga e Numata, 2007).
Em suma, os mecanismos e bases anatômicas que determinam a capacidade
de responder antecipadamente às condições sazonais ainda não foram totalmente
esclarecidos. O que há em comum a todos os ritmos anuais estudados é a utilização de
determinados sinalizadores ambientais (fatores proximais) que permitem a sincronização
perfeita entrem a atividade dos organismos e as condições ambientais mais favoráveis
(fatores distais). Estes atuam como fortes agentes de seleção natural. Em muitos ritmos
sazonais conhecidos, a pista ambiental utilizada como fator proximal mais preciso é o
fotoperíodo.

109
Sazonalidade

Ecofisiologia da Estivação em Anfíbios Anuros

Isabel Cristina Pereira


Laboratório Ecofisiologia e Fisiologia Evoltiva
belcristina@gmail.com

A estivação

Em certos grupos de anuros a sobrevivência durante a fase de estiagem está


associada ao comportamento de estivação, no qual os animais baseados na sazonalidade
das fases de chuva (Fig. 1) exibem este comportamento (Abe, 1995; Storey e Storey, 1990;
Pinter e col., 1992).
Estivação é um conjunto de estratégias adotadas para sobrevivência em condições
áridas, mas também pode estar associado a falta de alimentação e as altas temperaturas. É
um fenômeno complexo que pode ser influenciado por reajustes metabólicos para otimizar
as funções do organismo durante os meses de dormência. Essas mudanças incluem uma
maior dependência da oxidação de reservas de lipídeos e uma baixa taxa de
gluconeogênese de glicerol ou aminoácidos para manter o suplemento de glicose no
organismo (Fuery e col., 1998). Particularmente em anfíbios anuros, a estivação é também
caracterizada por uma drástica redução na respiração cutânea com conseqüente redução
da perda de água (Guppy e Withers, 1999; Abe 1995; Guppy e col., 1994; Hochachka e
Guppy, 1987). Durante essa fase podem ser utilizados meios físicos (como a formação de
casulo) e metabólicos (como o acúmulo de uréia) para evitar a desidratação (Storey, 2002).

Nível de hidratação

A maioria dos anuros possui uma alta tolerância a desidratação, chegando a suportar
cerca de 60% de perda de peso em relação a hidratação total do corpo. Ao longo da fase de
estivação Cyclorana platycephala perde cerca de 36% da sua massa hidratada inicial. Um
dos problemas causados é o aumento da viscosidade do sangue e prejuízo à circulação, o
que pode causar falta de oxigênio em alguns órgão.
A reidratação envolve a reoxigenação dos tecidos que podem incluir elementos de
estresse oxidativo, também conhecidos como radicais livres ou espécies reativas de
oxigênio (ROS). Esses elementos são capazes de degradar macromoléculas, com é o caso
de inúmeras proteínas celulares. A produção de ROS representa uma proporção fixa do total
de oxigênio processado, aproximadamente 5% do oxigênio consumido por organismos

110
Sazonalidade

aeróbios. A redução da taxa metabólica durante a estivação reduz as injúrias causadas por
ROS e assim limita a extensão dos danos oxidativos. A demanda dos sistemas de defesa
(antioxidantes) e reparo (produção de novas proteínas) são atenuados e a taxa de atrofia é
reduzida. As enzimas antioxidantes diminuem significativamente suas atividades durante a
estivação (Grundy e Storey, 1998).
Uma das estratégias utilizadas para minimizar a perda de água é mudar a
concentração de solutos no plasma. Scaphiopus couchii aumenta significativamente a
concentração de sódio e uréia no plasma nos três primeiros meses de estivação. Ocorre
também nestes animais um aumento na diluição da urina da bexiga (McClanahan, 1972),
sugerindo que são capazes de absorver água diretamente do solo. Possivelmente em uma
tentativa de encontrar uma maior disponibilidade de água esses animais migrem
verticalmente como foi observado por McClanahan (1972) em experimentos que mostraram
que ao longo dos meses ocorre um aumento na profundidade em que os animais são
encontrados. Nos primeiros meses estão localizados a 15 cm do solo e após 17 meses a
profundidade é de 50cm (McClanahan, 1972).

Figura 1- Índice pluviométrico (mm) e atividade de Cyclorana australis ao longo de dois anos. Retirado de Tracy
e col., (2007)

111
Sazonalidade

Figura 2- Atividade máxima das enzimas GAPDH (gliceraldeído fosfato dehidrogenase), PK (piruvato quinasa),
LDH (lactato desidrogenase) IDH (isocitrato desidrogenase), GPT (transaminase glutâmico-pirúvica), CK
(creatinoquinase), BDH (hidroxibutirato desidrogenase) FBP (frutose-1,6-bisfosfatase) e ME (enzima málica) no
fígado de Scaphiopus couchii em atividade e depois de dois meses estivando. * Valores diferentes para animais
estivando e em atividade, p>0,05. Retirado de Cowan e col., (2000).

Casulos e abrigos

Os anuros são capazes formar casulos, que são um tipo de proteção que recobre o
corpo do animal (Fig. 3), que podem variar no número de camadas, que acabam por
influenciar a espessura da proteção e, na maioria das vezes, envolve um aumento de
depósito dessas camadas lipoprotéicas ao longo da fase de estivação. Outros se enterram e
não formam casulo. A profundidade em que esses animais se enterram pode variar de 2 e 8
cm para Cyclorana australis (Tracy e col., 2007) até mais de 1m para Pleurodema
diplolistris, Proceratophrys e Physalaemus (Navas e col., 2004). Sapos Ceratophrys formam
um casulo quando são expostos a condições áridas. O aparecimento rápido do casulo provê
uma proteção contra a dessecação quando exposto no solo seco (McClanahan e col., 1978).
Os indivíduos assumem posição de conservação de água e iniciam a formação do casulo,
que pode ser semi-transparente, como em Cyclorana australis e Cyclorana cultripes que
formam em cerca de 48 dias um casulo com 33 camadas em média. Junto com a diminuição
do consumo de oxigênio, este casulo diminui a perda de água por evaporação em
aproximadamente 15 vezes (Withers e Thompson 2000). Animais sem casulo podem ter um

112
Sazonalidade

aumento na vascularização dorsal, o que aumentaria a área de absorção, pois todo o corpo
estaria em contato com o solo (Cartledge e col., 2006).
A presença de casulo em animais fossoriais é bem conhecida, mas aparentemente
isso não é universal. Scaphiopus couchii é um típico estivador, mas não forma casulo,
poucas vezes foi relatada a presença de flocos sobre a pele que não o recobrem totalmente
e podem ser desfeitos facilmente (McClanahan, 1967). O casulo de Lepidobatrachus
llanensis é continuo não existindo apenas na região das narinas externas, podendo até ser
removido intacto. Aparentemente esse tipo de proteção contribui muito para evitar a perda
de água.
Algumas variáveis do solo podem influenciar o sucesso dessa estratégia, como o
potencial hídrico que influencia diretamente na taxa de hidratação do animal e a
granulosidade que pode formar um ambiente hipóxico. A granulosidade do solo influencia
diretamente na disponibilidade de água, podendo o solo reter mais ou menos água.
Scaphiopus couchii enterrados em solos com baixos potenciais hídricos tem uma
concentração do plasma maior que animais enterrados em solos com alto potencial hídrico
(McClanahan, 1972) o que mostra a relação direta entre a disponibilidade de água no solo e
o estado fisiológico do animal. Aparentemente o microhabitat formado por Scaphiopus
couchii possui concentração de oxigênio próxima à encontrada sobre a superfície (Seymour,
1973).
A imobilização pode causar problemas adicionais como a atrofia muscular,
caracterizada pela redução da área transversal do músculo e comprometimento da função
locomotora. Os músculos aeróbios parecem ser mais suscetíveis à atrofia muscular que
músculos glicolíticos durante a estivação. Cyclorana aloboguttata, por exemplo, é capaz de
inibir o efeito da atrofia durante o desuso dos músculos sartório e ibofibulares (Symonds e
col., 2007). Outros trabalhos mostraram que esta espécie também não apresentou diferença
no tamanho ou quantidade de água no gastrocnêmico. Experimentos mostraram que a
contração isométrica e a fatigabilidade foram semelhantes no gastrocnêmico (Hudson e
Franklin, 2002). A função muscular foi preservada durante os três primeiros meses de
estivação (Hudson e Franklin, 2002).

113
Sazonalidade

a) b)

c) d)

e) f)

Figura 3– Registros fotográficos da estivação de Neobatrachus aquilonius e Notaden Nichollsi. As fotos “a” e “b”
mostram a superfície do local escavado pelos animais, as fotos “c” e “d” mostram as covas dos animais depois
de aproximadamente 5 meses enterrados e Neobatrachus aquilonius encasulado no fundo da cova. A foto “e”
mostra um casulo de N. aquilonius retirado após seis meses de estivação e na foto “f” um Notaden Nichollsi, sem
o casulo. Retirado de Thompson e col., (2005).

Metabolismo energético
A estivação também é caracterizada pela redução da taxa metabólica, processo
aparentemente desencadeado em resposta a diminuição da disponibilidade de recursos
tróficos, hídricos ou a exposição às altas temperaturas que acompanham a seca, e parece
contribuir para manutenção do balanço energético no organismo como um todo,

114
Sazonalidade

promovendo sua sobrevivência durante esta fase (Pinter e col., 1992, Guppy e col., 1994).
Para certos grupos de animais, o hipometabolismo que acompanha a estivação é
tipicamente caracterizado pela diminuição dos movimentos, da alimentação, dos batimentos
cardíacos e da atividade cerebral, (Secor, 2005; Storey e Storey, 1990; Pinter e col., 1992),
assim como parece estar diretamente associado a importantes modificações nos processos
bioquímicos em diversos tecidos (Hochachka e Somero, 1984). O ajuste da atividade de
enzimas do metabolismo energético é conhecido em algumas espécies, como Scaphiopus
couchii, que diminuem a atividade das enzimas representativas do metabolismo durante a
estivação (Fig. 2). Um dos ajustes metabólicos mais visíveis está relacionado com o
acúmulo prévio de reservas energéticas em adição à redução da taxa metabólica, o que
parece sustentar não somente a fase depressiva, mas também a retomada da atividade
durante a re-hidratação (Pinter e col., 1992; Storey e Storey, 1990).
Na rã Neobatrachus wilsmorei, o consumo de oxigênio é reduzido em 80 a 85%
durante a fase de inatividade quando comparado aos valores observados durante o estado
normal de atividade nos meses de chuva (Hand e Hardewing, 1996). Assim, essa drástica
redução do metabolismo aeróbio contribui para o balanço hídrico no organismo como um
todo, especialmente nas espécies terrestres (Abe, 1995). Bufo alvarius, Ceratophrys ornata
e Pyxicephalus adspersus apresentam uma redução de 20% na taxa metabólica quando
induzidos à estivação (Secor, 2005). Adicionalmente, ajustes específicos sobre as vias de
metabolização de substratos energéticos modulam a mobilização desses compostos em
adequação a demanda dos tecidos (Guppy, e col., 1994). Durante a estivação do sapo
Scaphiopus couchii, os estoques hepáticos de glicogênio são amplamente preservados
durante a fase hipometabólica, o que sugere uma baixa utilização de carboidratos durante
esta fase (Storey e Storey, 1990). Estudos in vitro em fígado de Neobratrachus centralis, um
sapo estivador do deserto australiano, indicam uma diminuição de 67% da síntese de
proteínas durante a estivação. A taxa metabólica de Neobratrachus centralis e Cyclorana
maini diminuem significativamente após 30 dias de estivação e se mantém baixa ao longo
dessa fase (Withers, 1993).
Com relação aos estoques de lipídeos, pouco é conhecido do ponto de vista
energético sobre as alterações sazonais desses compostos em anuros que estivam,
especialmente pela limitada capacidade de armazenamento nesses animais, muitas vezes
restrita aos tecidos hepático e muscular (Duellman e Trueb, 1986). Entretanto, a ciclagem
sazonal de lipídeos parece desempenhar um importante papel durante a reprodução, o que
está associado não somente à formação das reservas para os embriões nas fêmeas, mas
também com a manutenção da atividade nos machos durante o período de vocalização
(Wells, 2001). Já em lagartos Tupinambis merianae, estudos realizados mostram que
durante a fase de dormência os lipídeos constituem o principal substrato energético para os

115
Sazonalidade

tecidos (Carvalho e col., 1996) e que durante este estado há uma depressão metabólica de
75 a 85%, que pode durar de três a quatro meses, fase na qual o organismo é mantido
aerobicamente, pelo uso de lipídeos como substrato energético, ocorrendo um aumento no
depósito de glicogênio no cérebro e músculo cardíaco (Carvalho, 1996). Para Scaphiopus
couchii o orçamento energético total durante a fase de estivação foi calculado com 72% de
oxidação de ácidos graxos, 23% de proteínas e 5% de carboidrato (Jones, 1980).
Scaphiopus couchii estivando passa por uma reorganização metabólica (Cowan e col.,
2000).

Reprodução

É provável que um dos grandes desafios para a sobrevivência em condições


adversas seja, na verdade, a fase de recuperação e saída do estado inativo (Hochachka e
Guppy, 1987). A fase final da estivação em condições naturais apresenta problemas
fisiológicos adicionais aos animais, particularmente em locais onde as estações chuvosas
são imprevisíveis (Pinder e col., 1992). Os anfíbios estivadores dessas regiões possuem um
comportamento reprodutivo oportunista, baseado na rápida saída do estado hipometabólico
nos primeiros dias de precipitação de chuva, quando estes tornam-se aptos à reprodução
(Pinder e col., 1992). Essa preparação para a reprodução inclui tanto a ovogênese quanto o
ciclo espermatogênico, processos estes que dependem de considerável investimento
energético. Indivíduos de Rana temporaria apresentam espermatogênese normal durante a
estivação, mas o prolongamento desse período pode afetar profundamente esse processo
(Jørgensen, 1992). Além disso, o sucesso reprodutivo depende diretamente da manutenção
dos níveis protéicos durante a fase de reprodução, e o emprego de proteínas na
manutenção da homeostase energética durante a fase hipometabólica pode comprometer o
desempenho em condições normais (Pinder e col., 1992; Guppy e col., 1994).
Como a síntese protéica apresenta um alto custo energético, esta é
conseqüentemente inibida durante a estivação para evitar gastos (Hand e Hardewing, 1996),
porém é amplamente ativada na fase pós-depressiva em anuros estivadores (Duellman e
Trueb, 1986). Em condições adequadas de estoque de nutrientes, os organismos tendem a
manter a quantidade de proteínas relativamente constante durante a estivação, como
observado em moluscos espécie Helix apersa durante a depressão metabólica (Pakay e col,
2002) e em Scaphiopus couchii durante a estivação (Cowan e col., 2000). Entretanto, se a
fase prévia de preparação para a entrada em dormência for prejudicada e os estoques
energéticos estiverem limitados, as reservas endógenas de proteínas se tornam a mais
importante fonte de energia (Hochachka e Somero, 1984). Sob condições extremas o

116
Sazonalidade

estoque protéico pode representar uma fonte essencial de combustível para o animal
(Guppy e col., 1994; Hochachka e Somero, 1984).
Assim, o conjunto dessas evidências sugere que os ajustes fisiológicos relacionados
com a depressão metabólica em anuros está intimamente relacionados com a modulação
dos processos que produzem e utilizam-se de ATP de um modo geral no organismo, a fim
de garantir a sobrevivência durante a fase de estiagem.

117
Sazonalidade

Fisiologia em câmera lenta: mecanismos de depressão


metabólica sazonal
Lílian Cristina da Silveira
Laboratório de Metabolismo e Energética
lli_cris@yahoo.com.br

A habilidade de deprimir a taxa metabólica de repouso e ingressar em um estado de


dormência frente a condições ambientais desfavoráveis é de ampla ocorrência nos animais
e considerada um dos exemplos de plasticidade fenotípica mais fascinantes. A estivação
possibilita que muitos animais, incluindo anuros, peixes e caramujos, sobrevivam à
escassez de água. Já a hibernação geralmente está associada aos efeitos combinados de
temperaturas reduzidas e escassez de alimento. Beija-flores e alguns pequenos mamíferos
apresentam torpor diário, um estado de hipometabolismo semelhante à hibernação, mas
com apenas algumas horas de duração, que está associado a fase do dia na qual a
disponibilidade de alimento é reduzida. Tartarugas sobrevivem longos períodos em anóxia,
sem acesso ao ar atmosférico, embaixo da camada de gelo que se forma nos lagos durante
o inverno. Seja em condições anóxicas ou na presença de oxigênio, a depressão metabólica
estende o tempo de sobrevivência dos organismos por reduzir a demanda de energia e a
velocidade de utilização das reservas de substratos. Na maioria dos casos, a taxa
metabólica é reduzida para 5–40% da taxa metabólica de repouso, mas alguns organismos
como esporos e cistos sofrem depressão metabólica ainda maior e, em muitos casos, a taxa
metabólica simplesmente não pode ser detectada, uma condição denominada criptobiose
(Storey e Storey, 2004; Carey e col., 2003).
A depressão metabólica é caracterizada por uma redução geral da atividade: há uma
redução da locomoção, das frequências cardíaca e respiratória, da filtração renal e da
atividade elétrica cerebral e a alimentação é interrompida, eliminando os custos
relacionados aos processos de digestão e absorção. Além disso, em animais endotermos a
temperatura corpórea cai a valores tão baixos quanto 0ºC e os animais ingressam em um
estado de hipotermia voluntária, enquanto que não hibernantes expostos a temperaturas
entre 10 e 25°C tipicamente sofrem falência cardíaca (Driedzic e Gesser, 1994; Ruf e
Arnold, 2008).
O efeito letal da hipotermia nas células de mamíferos não hibernantes deve-se, em
grande parte, ao efeito assimétrico da temperatura nas taxas das reações, que resulta em
um desacoplamento entre a produção e o consumo de energia. Dado que a manutenção do
gradiente de íons através das membranas é um processo dependente de energia, que supre
a atividade de enzimas como a Na+,K+-ATPase, um maior consumo em relação à produção
de ATP resulta em despolarização de membranas e em uma cascata de eventos que

118
Sazonalidade

culminam na morte celular. Curiosamente, hibernantes durante a fase ativa são tão
suscetíveis a estes efeitos quanto não hibernantes, o que sugere que os mecanismos
celulares de resposta ao estresse são semelhantes em hibernantes e não hibernantes e,
portanto, reforça a importância dos ajustes que ocorrem antes da fase de hibernação
(Storey, 2004). Esta semelhança, somada à constatação de que a habilidade de hibernar é
amplamente observada nos mamíferos, podendo ser considerada uma característica
ancestral e uma propriedade básica da sua fisiologia, indica que o fenótipo hibernante não é
resultado da expressão de genes exclusivos de hibernantes, mas sim da expressão
diferenciada de genes comuns a todos os mamíferos (Heldmaier e col., 2004; Storey, 2004).
Com base neste pressuposto, bastaria encontrar um mecanismo para a ativação deste
conjunto de genes para que a indução do hipometabolismo em não hibernantes se tornasse
possível.
A indução de um estado hipometabólico em seres humanos, por exemplo, traria
benefícios para a medicina em uma variedade de condições. Os mecanismos moleculares
que preservam a viabilidade dos órgãos em hibernantes por longos períodos, a
temperaturas próximas a 0º e em condições de restrição energética, são de grande
interesse para pesquisadores que buscam melhorar e estender o tempo de preservação de
órgãos destinados a transplantes. Esta idéia, que beira a ficção científica, ganhou novo
fôlego em 2005, quando o pesquisador Mark Roth divulgou que camundongos expostos a
gás sulfídrico (H2S), um inibidor específico e reversível da enzima mitocondrial citocromo c
oxidase (CCO), tiveram seu consumo de oxigênio diminuído em 90% seguido por uma
queda da temperatura corpórea para 2 ºC acima da temperatura ambiente (~15 ºC). Após 6
h de exposição ao H2S, estes animais retomaram sua taxa metabólica e temperatura
normais quando colocados novamente em contato com o ambiente (Blackstone e col.,
2005). Provavelmente, ajustes paralelos nos processos consumidores de energia, assim
como ocorre nas células dos hibernantes, acompanharam a inibição do metabolismo
mitocondrial nestes camundongos, preservando a viabilidade celular.
Um dos aspectos mais característicos da dormência sazonal é a antecipação do
fenômeno. Meses antes do estresse ambiental, os animais iniciam uma série de ajustes
comportamentais e fisiológicos que possibilitam, dentre outras respostas, o armazenamento
de substratos, seja na forma de alimento em suas tocas ou tornando-se obesos, ou ambos.
Quando a oferta de O2 no ambiente não é limitante, como na maioria dos casos de
hibernação e estivação, a energia é estocada principalmente na forma de lipídios, uma
forma de estocagem vantajosa do ponto de vista energético uma vez que a oxidação de
ácidos graxos fornece mais energia por grama de substrato que carboidratos. Esquilos, por
exemplo, dobram sua massa corpórea e triplicam a massa adiposa durante a fase de
preparação para a dormência (Dark, 2005).

119
Sazonalidade

Os eventos de deposição/mobilização de lipídios, que resultam em


aumento/diminuição da massa adiposa, da taxa metabólica basal (TMB) e da ingestão de
alimentos estão ligeiramente dessincronizados. A diminuição da ingestão alimentar ocorre
bem antes que a massa corpórea atinja seu máximo. E uma diminuição da TMB já no meio
do verão, antes que a ingestão de alimentos diminua, possibilita um aumento da massa
corpórea dado pelo acúmulo de substratos, principalmente gordura. A massa corpórea
máxima é atingida no final do verão ou início do outono, quando a secreção de insulina
(hormônio lipogênico) também é máxima e os níveis de absorção de glicose são mínimos,
indicando uma possível insensibilidade à insulina nos adipócitos (Dark, 2005). Tais
fenômenos são bem caracterizados em mamíferos, mas ciclos semelhantes de
deposição/mobilização de lipídios ocorrem em ectotermos (Souza e col., 2004).
As alterações da adiposidade em animais hibernantes não são simplesmente
resultado de aumento da ingestão alimentar e/ou diminuição da taxa metabólica, mas
principalmente de uma mudança programada do nível ideal de adiposidade (Dark, 2005).
Lesões cerebrais que produzem obesidade em ratos de laboratório também aumentam a
massa corpórea em hibernantes, mas o ciclo anual de deposição de gordura persiste
(Barnes e Mrosovsky, 1974), fornecendo um indício da robustez desta resposta sazonal.
Desta maneira, estes ciclos parecem ser altamente regulados ou controlados,
provavelmente por um mecanismo central, que deve utilizar-se de um sinal proveniente do
tecido adiposo branco que informa a quantidade total de reservas e, desta forma, possibilita
o ajuste da adiposidade do animal ao momento de seu ciclo anual de atividades.
Quando o nível de adiposidade adequado é atingido e o animal está pronto para
iniciar a fase de hibernação ele progressivamente diminui a atividade e procura seu abrigo
onde permanecerá até a primavera. Alguns comportamentos são mantidos durante a
hibernação, tais como movimentos para ajustes posturais e vocalizações. A entrada em
hibernação é caracterizada por uma rápida diminuição da taxa metabólica acompanhada por
uma diminuição da temperatura corpórea. Em pequenos mamíferos, a hibernação consiste
de fases de torpor que duram de uma a três semanas, interrompidos por despertares
periódicos que, geralmente, duram menos de 24 horas, nos quais os animais acordam,
elevam a temperatura corpórea para aproximadamente 37º C e restabelecem todas as
funções fisiológicas (Fig.1). Este padrão de hibernação interrompida por despertares
periódicos consome substancialmente mais energia quando comparado à hibernação
contínua, apresentada por outros animais, por exemplo, alguns anfíbios e répteis. Na
marmota, 72% da energia consumida durante a hibernação é gasta nos despertares (17%) e
durante os períodos de eutermia (57%). A importância biológica dos despertares periódicos
ainda não é conhecida, mas tem sido sugerido que sejam importantes no reconhecimento

120
Sazonalidade

de patógenos e iniciação de resposta imune (Prendergast e col., 2002) além de reposição


de RNAm e proteínas degradados durante o hipometabolismo (Knight e col., 2000).

Figura 1– Registro contínuo da taxa metabólica (TM) e da temperatura corpórea (Tc) na marmota ((Marmota
marmota),
), evidenciando o hipometabolismo e hipotermia durante a entrada em hibernação (1), a manutenção do
hipometabolismo durante a hibernação (2), o rápido reaq
reaquecimento
uecimento durante o despertar (3), e a eutermia (4). A
ventilação é reduzida em uníssono com a queda da taxa metabólica e assume um padrão episódico, com
ventilações seguidas por períodos de apnéia que podem durar de alguns minutos a uma hora ou mais (à di
direita).
Ta representa temperatura ambiente. Modificado de Heldmaier e col., (2004).

Em hibernantes clássicos, a depressão metabólica é alcançada através do efeito


termodinâmico das baixas temperaturas no inverno combinado à inibição ativa do
metabolismo através de diversos mecanismos de regulação. A contribuição relativa destes
mecanismos é variável dependendo do processo e do animal considerado. O processo de
transcrição gênica, por exemplo, é inibido, em grande parte, devido aos efeitos da
temperatura e a contribuição de um mecanismo de inibição intrínseco não tem sido
confirmada (Carey e col., 2003; Van Breukelen e Martin, 2002). Entretanto, alguns
endotermos e ectotermos, apresentam depressão metabólica em temperaturas
relativamente altas. Lêmures de Madagascar
Madagascar podem hibernar a temperaturas corpóreas
acima de 20 ºC (Heldmaier e col., 2004) e o lagarto teiú hiberna a uma temperatura
corpórea de cerca de 17 ºC, apresentando uma redução de cerca de 80% do metabolismo
(Souza e col., 2004).

121
Sazonalidade

a b

Figura 2- a) Lagarto teiú Tupinambis merianae;


merianae b) Primata lêmure Microcebus murinus

Durante a depressão metabólica, alguns processos fisiológicos diminuem, enquanto


outros são totalmente interrompidos.
interrompidos. Embora algumas funções cerebrais sejam deprimidas,
tais
is como o controle hipotalâmico da temperatura corpórea, os ritmos cardíaco e respiratório
e a sensibilidade a estímulos externos são mantidos durante o hipometabolismo.
Durante toda fase de dormência o coração deve continuar a bombear sangue,
embora, muitas
as vezes, a uma temperatura corpórea muito menor e contra uma resistência
periférica maior do que durante a fase ativa do animal (Fahlman e col.,
col 2000). Pequenos
mamíferos em torpor reduzem a freqüência cardíaca de 200-300
200 para 3-5
5 batimentos por
minuto (Carey e col., 2003). Diferentemente da função cardíaca, o fluxo sanguíneo renal, a
taxa de filtração glomerular e a formação de urina são muito reduzidos
reduzidos ou cessam
completamente durante o hipometabolismo. Nos mamíferos, estes processos são retomados
durante os despertares periódicos, de maneira que poucas alterações são observadas na
osmolaridade e na concentração de eletrólitos no plasma. Outros animais
animais encontraram
soluções diferentes para lidar com resíduos: formação de produtos finais voláteis,
estocagem de lactato nas carapaças de tartarugas e acúmulo da uréia resultante do
catabolismo de proteínas a fim de aumentar a resistência à dissecação durante
durante a estivação
(Storey e Storey, 2007). Dado o elevado custo dos processos de digestão, absorção e
assimilação de alimentos (ação dinâmica específica), a interrupção da alimentação também
contribui de maneira significativa para a economia energética do animal.
animal. O trato
gastrointestinal apresenta um intenso metabolismo, atingindo cerca de 20
20-30% do
metabolismo basal em mamíferos (Tracy e Diamond, 2005) e o jejum prolongado envolve
alterações na estrutura e função deste órgão. Na depressão metabólica sazonal,
sazonal, observa
observa-se
uma pronunciada atrofia do intestino, embora a capacidade funcional do órgão seja
preservada, garantindo que o animal esteja apto a digerir e absorver nutrientes após o
despertar. Na dormência sazonal de lagartos teiú jovens, a depressão metab
metabólica é
acompanhada por uma redução de 37% da massa do intestino médio, seguida por um

122
Sazonalidade

aumento de três vezes da massa total do órgão após o despertar e a retomada da


alimentação (Nascimento e col., 2007)
Na primavera, quando os animais despertam da fase de dormência, a taxa
metabólica eleva-se antes que a ingestão de alimentos seja restabelecida e ocorre uma
diminuição da massa corpórea mesmo após o início da alimentação (Dark, 2005). Em
alguns mamíferos hibernantes, a elevação da temperatura corpórea envolve o aumento da
produção de calor no tecido adiposo marrom através da oxidação de ácidos graxos e
ciclagem fútil de elétrons através de proteínas desacopladoras da membrana mitocondrial
interna. Neste momento, as reservas remanescentes de carboidratos são utilizadas e algum
grau de oxidação de proteínas faz-se necessário, provendo aminoácidos para a síntese de
glicose, essencial ao aumento de atividade metabólica dos tecidos dependentes de glicose.
Os mecanismos moleculares de depressão metabólica devem ser reversíveis,
possibilitando o rápido restabelecimento das funções metabólicas no despertar. Um
mecanismo bastante conservado filogeneticamente e que parece ser responsável por
grande parte dos ajustes na depressão metabólica é a fosforilação reversível, que consiste
na ligação de grupos fosfato a resíduos de aminoácidos específicos de uma proteína,
catalisada por proteínas quinases, e na remoção desses grupos, catalisada por proteínas
fosfatases. Quando o aminoácido modificado está localizado em uma região da proteína que
é crítica para a sua estrutura tridimensional, ocorrem efeitos marcantes que modificam
algumas de suas propriedades ou a sua interação com outras proteínas ou estruturas sub-
celulares. Em diversas condições fisiológicas, várias enzimas glicolíticas, receptores e
transportadores de membrana, proteínas responsáveis pela transcrição gênica, síntese e
degradação de proteínas e regulação do ciclo celular são reguladas por fosforilação
reversível.
O primeiro relato do papel da fosforilação reversível nos ajustes ao hipometabolismo
veio de estudos com moluscos marinhos, nos quais a fosforilação da piruvato quinase (PK)
causou diminuição da atividade desta enzima e do fluxo pela via glicolítica (Storey e Storey,
1990). Na depressão metabólica há uma inibição coordenada de processos que produzem e
consomem energia nas células, além de ajustes específicos, como mudanças no tipo de
substrato energético preferencial e de catabólitos acumulados. Em condições anóxicas,
carboidratos são o principal substrato para a produção de ATP, já quando a oferta de O2 no
ambiente não é limitante, como na maioria dos casos de hibernação e estivação, há uma
tendência geral à inibição do catabolismo de carboidratos e maior contribuição dos ácidos
graxos como combustível energético (Carey e col., 2003). Tais ajustes nas vias catabólicas
são alcançados, principalmente, pela regulação de enzimas reguladoras de taxa de reação.
De uma maneira geral, o catabolismo de carboidratos é regulado no nível das
enzimas glicogênio fosforilase (GP), hexoquinase (HK), fosfofrutoquinase-I e II (PFK-1 e

123
Sazonalidade

PFK-II)
II) e PK, por regulação alostérica e/ou fosforilação reversível. Observa-se,
Observa se, entretanto,
que a regulação destas enzimas durante o hipometabolismo ocorre de maneira mais
sistemática durante a depressão metabólica anaeróbia. Nos casos de depressão metabólica
aeróbia, tem sido demonstrado que o ponto de regulação mais importante é a piruvato
piruvato-
desidrogenase (PDH), que exibe
ibe uma forte inibição em vários órgãos de todos os
hibernantes já estudados. Este complexo enzimático, que atua convertendo o piruvato
proveniente da glicólise a acetil-CoA
CoA e regula desta forma a entrada dos carboidratos na via
de fosforilação oxidativa, é convertido em uma forma menos ativa quando sofre uma
fosforilação catalisada pela enzima piruvato desidrogenase quinase (PDK) (Fig.3).

Figura 3- Resumo esquemático das vias de oxidação de glicose e ácidos graxos, com as enzimas reguladoras
de taxa destacadas em vermelho. As seguintes alterações foram observadas no fígado de animais dormentes:
diminuição da atividade máxima de enzimas, indicadas co
com
m X em azul, aumento da atividade máxima de
enzimas, indicadas por setas largas em vermelho, aumento ou diminuição de metabólitos e substratos,
indicados por setas largas em verde.

A mudança do tipo de substrato preferencial é regulada, em parte, no nív


nível da
expressão gênica. Para ilustrar como esta regulação acontece, vejamos o que acontece no
coração de esquilos terrícolas durante a hibernação (Fig.4). Durante a fase de dormência,
há um aumento da expressão e síntese da isoforma 4 da PDK (PDK4), o que resulta em

124
Sazonalidade

uma diminuição da porcentagem ativa da PDH e, consequentemente, da formação de acetil-


CoA a partir de piruvato. Estes ajustes favorecem: a diminuição do uso de carboidratos,
preservados para utilização pelo cérebro, um tecido dependente de glicose, uma ênfase na
utilização de ácidos graxos e a diminuição da taxa metabólica do animal. Curiosamente,
ratos submetidos a jejum apresentam maior expressão da PDK4 em diversos tecidos,
sugerindo que a resposta observada em animais hibernantes pode ser padrão em
mamíferos, levando à supressão da oxidação de carboidratos em uma condição onde a
oxidação de lipídios deve ser priorizada (Wu e col., 2000).
Confirmando esta idéia, alterações na expressão de enzimas envolvidas na
oxidação e síntese de ácidos graxos também foram observadas durante o hipometabolismo.
A diminuição da expressão da enzima acetil-CoA carboxilase, que catalisa a formação de
malonil-CoA a partir de acetil-CoA, primeiro passo da síntese de ácidos graxos, inibe a
síntese e favorece a oxidação de ácidos graxos ao diminuir a formação de malonil-CoA, um
inibidor da enzima responsável pelo transporte de ácidos graxos para dentro da mitocôndria
(carnitina palmitoil transferase – CPT). Paralelamente, há um aumento da expressão da
lipase pancreática, uma enzima envolvida na hidrólise de triglicerídeos e geralmente
expressa no pâncreas, no coração do hibernante. A quantidade de lipase pancreática, assim
como da lípase hormônio sensível, também se encontra aumentada no tecido adiposo
branco dos esquilos durante a hibernação o que favorece uma maior liberação de ácidos
graxos no plasma (Van Breukelen e Martin, 2002).
A regulação da atividade de enzimas mitocondriais também desempenha importante
papel na depressão das taxas do metabolismo oxidativo (Storey e Storey, 2004). Assumindo
que o equilíbrio redox e o balanço entre as concentrações de adenilatos (carga energética)
não se alteram durante a transição do estado ativo para o estado dormente, a inibição do
fluxo de substratos através do Ciclo de Krebs seria dada por regulação da concentração de
enzimas mitocondriais, como a citrato sintase, e /ou pela regulação de enzimas que suprem
a via com os intermediários que constituem substratos em diferentes etapas de reação.
Evidências sugerem ainda que a densidade de mitocôndrias encontra-se diminuída nos
tecidos de animais dormentes, diminuindo a capacidade de oxidação aeróbia e o custo
energético da biogênese mitocondrial.

125
Sazonalidade

Figura 4– Modelo de regulação proposto para a mudança do tipo de substrato preferencial,


preferencial, de carboidratos
para ácidos graxos, durante a hibernação em mamíferos. Foram indicados os efeitos da concentração
plasmática de insulina e ácidos graxos (AG) na expressão gênica da isoforma 4 da enzima piruvato quinase
desidrogenase (PDK4) e na oxidação
ção de carboidratos e ácidos graxos no coração dos animais durante a
atividade de outono e dormência de inverno. As linhas com cabeça de seta indicam ativação e as linhas
terminadas em elipse indicam inibição; linhas sólidas indicam a regulação predominante
predominante e as linhas pontilhadas
indicam vias menos atuantes. As setas em vermelho indicam aumento ou diminuição na concentração ou
atividade e o ajuste correspondente nas taxas de oxidação de AG e de carboidratos. PPARα
PPAR é um receptor
nuclear, ativado por ácidos graxos, que funciona como fator de transcrição de genes envolvidos no metabolismo
de lipídios. TG, triglicerídeos; HSL, lípase hormônio sensível. Modificado de Carey e col., (2003).

Adicionalmente, estudos envolvendo comparações intra-específicas


intra específicas da comp
composição
lipídica de membrana sugerem que seria um importante alvo de regulação em estados de
depressão metabólica, embora ainda sejam poucos os trabalhos que confirmam esta
hipótese que é baseada em uma teoria intensamente debatida na literatura por Hulbert e
colaboradores na ultima década (Hulbert e Else, 2000; Hulbert, 2007). Uma vez que fração
substancial do metabolismo está relacionada com a função de enzimas associadas às
membranas de suas células, os autores propuseram que a composição lipídica das
membranas
branas desempenha papel determinante na intensidade metabólica de uma espécie
através de sua influência sobre a atividade destas enzimas. De maneira geral, animais
menores possuem membranas mais insaturadas e, consequentemente, taxa metabólica
massa específica
ífica maior que animais maiores. Adicionalmente, as adaptações à temperatura
em peixes e outros ectotermos que vivem em ambientes frios, próximos à região polar,
aparentemente envolvem um aumento do conteúdo de ácidos graxos poliinsaturados

126
Sazonalidade

(PUFA) que mantém a fluidez das membranas e preserva a função de proteínas de


membrana em órgãos vitais (Gibbs, 1998). Em um caramujo terrestre estivante, alterações
na composição da membrana mitocondrial interna do hepatopâncreas, dissociadas de
efeitos da temperatura, foram sugeridas com base na redução de cerca de 80% do conteúdo
de cardiolipina durante o estado hipometabólico e tais alterações estariam relacionadas à
redução de proporções similares da atividade da CCO (Stuart e col., 1998). Esquilos em
torpor apresentam uma diminuição da porcentagem de ácidos graxos saturados (SFA) e
aumento de PUFA nas membranas dos cardiomiócitos, provavelmente em resposta à queda
da temperatura corpórea, embora a atividade da Na+,K+-ATPase ainda esteja diminuída em
comparação com as taxas em animais ativos (Charnock e col., 1980). Na marmota, um
hibernante herbívoro, alterações sutis em ácidos graxos específicos dos fosfolipídeos
parecem desempenhar um papel importante na regulação metabólica durante a dormência
sazonal, observando-se um aumento da razão entre os PUFA n-6 e n-3 nos cardiomiócitos
(Ruf e Arnold, 2008). Tais alterações estariam relacionadas ao controle dos níveis de Ca++ e
à ausência de arritmia cardíaca durante a queda da temperatura corpórea e o torpor, ao
contrário dos severos efeitos da hipotermia sobre a função cardíaca em mamíferos não
hibernantes. Curiosamente, evidências sugerem que o ajuste não ocorre no ventrículo
cardíaco de lagartos teiú, provavelmente em virtude da dormência nestes animais ocorrer
em temperaturas relativamente elevadas e à ausência de despertares periódicos durante o
estado hipometabólico, além de outras diferenças na morfologia e função do órgão desses
animais.
Face à redução das taxas de produção de energia, a inibição de processos celulares
que a consomem é crucial para que um novo estado de equilíbrio seja alcançado. A
manutenção de gradientes iônicos adequados através das membranas é critica para a
viabilidade celular e, durante a depressão metabólica, há uma diminuição do movimento dos
íons em ambas as direções, tanto passivo através de canais iônicos, quanto pelo transporte
ativo, o que possibilita grande economia energética. A atividade da Na+,K+-ATPase, utiliza
19%-28% do ATP produzido nos tecidos de mamíferos no estado basal (Rolfe e Brown,
1997) e a inibição deste processo contribui, de forma significativa, para a depressão
metabólica e sobrevivência dos animais durante a dormência (Carey e col., 2003). A
fosforilação reversível e as alterações da composição lipídica das membranas têm sido
sugeridas como os principais mecanismos afetando a atividade desta proteína.
Outro processo que envolve alto custo energético e que constitui um alvo na
depressão metabólica é a síntese protéica. As atividades de síntese protéica e transcrição
gênica utilizam 25%-30% e 1%-10% do ATP produzido nos tecidos de mamíferos no estado
basal (Rolfe e Brown, 1997). A síntese protéica pode ser inibida como uma conseqüência da
inibição da transcrição gênica através de uma diminuição dos níveis de RNAm ou

127
Sazonalidade

diretamente através da fosforilação reversível de proteínas ribossomais e consequente


inibição da maquinaria de tradução. Em alguns moluscos e mamíferos hibernantes, a
quantidade de RNAm sofre pouca alteração nas células em depressão metabólica e esta
aparente extensão da meia-vida do RNAm levou os autores a proporem o termo “RNAm
latente”. Portanto, a inibição da síntese protéica parece acontecer principalmente através da
fosforilação reversível de proteínas da maquinaria de tradução e de alterações no estado de
agregação dos polissomos (Storey e Storey, 2004). Paralelamente, dada a inibição da
síntese de proteínas, a degradação também parece ser inibida durante o hipometabolismo,
aumentando a meia vida destas moléculas, o que além de contribuir para a economia
energética, diminui a formação de produtos nitrogenados e os custos de seu
processamento, estocagem e excreção.
A depressão metabólica não se manifesta com a mesma magnitude em todos os
mecanismos e processos no interior das células ou em todos os órgãos e tecidos do animal.
Acredita-se que exista uma ‘hierarquia’ entre os processos consumidores de energia nas
células de mamíferos, com a síntese de proteínas e RNA sendo mais sensíveis a variações
no suprimento de energia do que o bombeamento de íons, o que evidencia a importância da
manutenção do gradiente iônico através das membranas (Buttgereit e Brand,1995).
Adicionalmente, o grau de inibição em diferentes órgãos e tecidos parece ser variável. Por
exemplo, a atividade da Na+,K+-ATPase no tecido cardíaco de esquilos mantém-se
inalterada durante a hibernação, embora esteja significativamente reduzida no músculo
esquelético, rins e fígado (Balaban e Bader, 1984; MacDonald e Storey, 1999). No conjunto,
a inibição destes vários processos, cuja atividade é mais intensamente deprimida no estado
dormente, resulta na diminuição do gasto energético e da velocidade de utilização das
reservas de substratos endógenos, possibilitando a sobrevivência do animal durante a fase
de dormência e a extensão da vida dos indivíduos de uma dada espécie.

128
Sazonalidade

Controle hipotalâmico da fome e do gasto energético:


animais sazonais como modelo de investigação

Lucas Francisco Ribeiro do Nascimento


Laboratório de Metabolismo e Energética
lribeiro_bio@yahoo.com.br

A obesidade é um dos mais importantes problemas clínicos da atualidade e resulta


de uma alteração no balanço entre caloria ingerida e energia gasta. Mudanças no estilo de
vida, como o aumento no consumo de dietas ricas em gordura associadas ao sedentarismo
contribuem para o crescente quadro epidemiológico que se observa em diversas regiões do
planeta.
Desde o surgimento da neurobiologia moderna, no final do século IX, esforços
intelectuais e experimentais foram feitos na tentativa de identificar e isolar o papel do
sistema nervoso central (SNC) na regulação do metabolismo energético. Naquela época, as
observações experimentais que permitiram estabelecer o papel do tronco encefálico na
respiração levaram Sherrington a propor que um mecanismo similar, presente no sangue,
ligaria a periferia ao SNC e atuaria regulando a ingestão de alimento. Outros pesquisadores
propuseram a existência de sinais humorais periféricos secretados pelo trato digestório que
seriam responsáveis por uma resposta apropriada do cérebro em detrimento da demanda
energética do animal (Horvath, 2005).
Em 1938, o psicólogo comportamental e cientista Karl Lashley publicou um artigo
intitulado “Análise Experimental do Comportamento Instintivo” no qual ele propôs que a fome
não era simplesmente uma resposta reflexo ao estímulo dado pelo estômago vazio.
Segundo ele, trata-se de um comportamento complexo que envolve o cérebro na tomada de
decisão entre dois estados motivacionais (fome/não-fome), em resposta à uma interação
entre diferentes estímulos. O problema é que, até aquele momento, Lashley não tinha idéia
de quais regiões do cérebro estariam envolvidas nessa tomada de decisão. Ele tentou
responder essa questão treinando ratos numa esteira e oferecendo alimento como
recompensa, usando esse experimento para deduzir quão famintos os ratos estavam e
então estudar o efeito de pequenas lesões feitas em diferentes regiões cerebrais. Esse
modelo experimental foi rapidamente adotado por outros pesquisadores nas décadas de
1940 e 1950 e, das várias regiões do cérebro investigadas, o hipotálamo emergiu como um
dos sítios mais críticos de regulação da homeostase energética. Lesões no hipotálamo
ventromedial, paraventricular e no núcleo dorsomedial induziram hiperfagia, enquanto que
lesões no hipotálamo lateral reduziram a ingestão de alimento (Lutz, 2006).
Na década de 1950, um camundongo mutante, excessivamente obeso, surgiu

129
Sazonalidade

espontaneamente nos Laboratórios Jackson nos EUA. Ele foi chamado ob/ob porque estava
claro que a mutação original era um defeito num único gene recessivo que causava a
obesidade. Quando heterozigotos ob/+ cruzavam entre si, um quarto da ninhada era de
homozigotos mutantes ob/ob, e eles se alimentavam vorazmente em comparação com seus
irmãos e se tornavam muito obesos. Ao mesmo tempo, outros camundongos mutantes com
disfunções no comportamento alimentar foram criados e desenvolvidos, como os
camundongos obesos e diabéticos db/db.
Nos anos 70, uma série de experimentos de parabiose, técnica cirúrgica que interliga
animais através da corrente sangüínea, foram conduzidos com camundongos ob/ob e db/db
na tentativa de esclarecer os aspectos dos defeitos genéticos apresentados por esses
animais. Quando os obesos ob/ob eram colocados em parabiose com os selvagens (+/+),
eles comiam menos e perdiam peso. No entanto, quando os db/db eram ligados aos
selvagens (+/+), eles não eram afetados, porém os selvagens diminuíam a ingestão de
alimento e eventualmente morriam por inanição. O mesmo procedimento com ob/ob e db/db
teve um resultado similar ao observado com ob/ob e +/+, isto é, o camundongo ob/ob
reduziu a ingestão de alimento e começou a perder peso, mas o db/db continuou se
alimentando normalmente e ganhando peso. A partir desses experimentos, ficou claro que
os camundongos ob/ob têm um defeito na geração de sinais que informam quão gordos eles
estão e, na ausência desse sinal, elevavam a taxa de ingestão alimentar como se
estivessem magros ao extremo. Em parabiose com os camundongos selvagens, eles
recebem um sinal vindo da gordura corpórea dos selvagens que diminui a ingestão de
alimento. Dado que o mesmo foi observado quando os camundongos ob/ob foram
colocados em parabiose com os db/db, os mutantes db/db aparentemente têm um problema
distinto relacionado com a leitura desse sinal do cérebro. Quando colocados em parabiose
com os selvagens não há efeitos na ingestão alimentar uma vez que produzem o sinal em
abundância. No entanto, as conseqüências são mais sérias para os camundongos
selvagens que recebem uma dose grande desse sinal vindo da gordura corpórea dos db/db
e isso diminui sua ingestão alimentar e causa perda de massa (Speakman e Król, 2005).
Apenas vinte anos mais tarde esse sinal foi identificado como sendo o hormônio
leptina, secretado principalmente pelo tecido adiposo, e a mutação observada no
camundongo ob/ob como uma mutação simples na base de um gene localizado no
cromossomo seis (Zhang e col., 1994). Um avanço considerável ocorreu a partir dessa
época e estudos subseqüentes mostraram a presença de receptores para leptina em
estruturas do hipotálamo (Tartaglia e col., 1995), algumas das quais estariam envolvidas na
regulação do metabolismo corroborando os estudos com lesões. No entanto, os receptores
para leptina se acumulavam predominantemente no núcleo arqueado do hipotálamo, o qual
não foi especificamente sugerido nos estudos com lesões. O que confirmou o papel desse

130
Sazonalidade

pequeno núcleo hipotalâmico na homeostase energética foi a descoberta da participação de


um sistema de melanocortina envolvido na obesidade. Como a melanocortina é encontrada
em neurônios do núcleo arqueado, foi intuitivo testar como a leptina afetava o metabolismo
mediado pelo sistema de melanocortina (Horvath, 2005).
O núcleo arqueado do hipotálamo possui duas regiões homólogas compostas por
células pró-opiomelanocortina (POMC) e células produtoras do neuropeptídio Y
(NPY/AgRP). Nesse modelo, a ativação dos neurônios POMC pela leptina promove a
liberação do hormônio α-malanócito estimulante (α-MSH) do terminal axônico dos neurônios
POMC que, por sua vez, ativa os receptores de melanocotina 4 (MC4R) no núcleo
paraventricular, suprimindo a ingestão de alimento e aumentando o gasto energético
(Horvath, 2005). Simultaneamente, a leptina suprime a atividade dos neurônios NPY/AgRP
que de outra maneira poderia antagonizar o efeito do α-MSH nos MC4R através da
liberação de AgRP. Além dos neurônios NPY/AgRP antagonizarem os sinais anorexigênicos
dos neurônios melacortina nos seus sítios alvo onde se localizam os MC4R, eles também
inibem diretamente a atividade dos POMC através da liberação do neurotransmissor
inibitório GABA nos terminais que conectam os NPY/AgRP até os POMC (Figura 1).

Figura 1- Esquema de sistemas hipotalâmicos que mostram remodelação em resposta a mudanças metabólicas
periféricas. Modificado de Horvarth (2005).

Essa disposição anatômica unidirecional permite uma inibição tônica das células
produtoras de melanocortina enquanto os neurônios NPY estão ativos. Ambos os grupos de
neurônios são alvos diretos da leptina e também podem ser afetados por outros sinais
periféricos que informam o estado metabólico do animal (Horvath, 2005). A presença de

131
Sazonalidade

nutrientes no intestino e no plasma, a distensão mecânica do trato digestório e a liberação


de hormônios entéricos, como o peptídio YY, a grelina, a colecistocinina e a gastrina
determinam a quantidade e a freqüência das refeições. Embora alguns nutrientes como
ácidos graxos livres e glicose, citocinas como interleucina-6 e fator de necrose tumoral-α, e
hormônios como glicocorticóides, também possam exercer efeitos sobre o metabolismo, a
leptina, juntamente com a insulina são os dois principais sinais que cumprem um papel
adipostático, controlando em longo prazo o balanço energético e a massa corpórea dos
animais (Morton e col., 2006).
A insulina e a leptina atuam em conjunto no hipotálamo e a insulina potencializa a
atividade de transcrição gênica induzida pela leptina num fenômeno de comunicação entre
as duas vias e modulação de eventos celulares que se denomina cross-talk molecular. Mas
ambos os hormônios exercem controles predominantes sobre vias distintas o que tem
implicações no padrão de regulação temporal da fome. A insulina tem um efeito inibitório
mais imediato sobre a fome enquanto a leptina tem um efeito mais robusto, porém mais
tardio. Atuando predominantemente sobre o ritmo de disparos, a insulina exerce controle
sobre fenômenos mais imediatos, ao passo que a leptina, controlando predominantemente a
transcrição gênica, coordena fenômenos mais duradouros (Carvalheira e col., 2005). A
resistência à ação desses hormônios no hipotálamo pode ser dada em defeitos pré-receptor,
defeitos do receptor e defeitos pós-receptor. Tanto a leptina quanto a insulina dependem de
um sistema de transporte especializado para que possam alcançar os seus órgãos-alvo no
sistema nervoso central. Uma diminuição no número de transportadores presentes tanto no
plexo coróide quanto em capilares cerebrais comprometeria o transporte, resultando numa
redução relativa dos níveis centrais desses hormônios. Alterações na quantidade de
receptores de leptina ou insulina ou modificações estruturais dadas por mutações ou
polimorfismos também são possíveis causas para resistência à ação dos hormônios
(Velloso, 2006).
Apesar de diversos trabalhos mostrarem a importância do sistema de melanocortina
na regulação do balanço energético, ainda não está claro se alterações crônicas nesse
sistema podem contribuir para o aumento e prevalência da obesidade, que é tão evidente na
população humana. Manipulações nos componentes desse sistema deveriam alterar o
balanço energético e poderiam corrigir distúrbios ligados à obesidade. No entanto, embora
manipulações genéticas tenham resultado em fenótipos metabólicos alterados, as
estratégias para tratamento da obesidade ou da caquexia resultantes não foram bem
sucedidas (Horvarth, 2005; Morton e col., 2006). Uma possível explicação se apóia na
presença de outros sistemas hipotalâmicos que estão fortemente vinculados a esse
mecanismo regulatório, incluindo duas populações distintas de neurônios orexigênicos no
hipotálamo lateral que produzem o hormônio concentrador de melatonina (MCH) ou

132
Sazonalidade

hipocretina/orexina. A interação desse sistema de melanocortina com outros sistemas


hipotalâmicos e extra-hipotalâmicos é redundante, mas reflete uma característica peculiar
dos sistemas neurais de controle da ingestão de alimentos e do gasto energético, que diz
respeito à flexibilidade dos neurônios hipotalâmicos de se interconectarem e estabelecerem
novas sinapses frente a alterações nos seus componentes (Horvarth, 2005).
Nesse cenário, diversos grupos de pesquisadores vêm desenvolvendo modelos de
obesidade em camundongos ou ratos a partir de manipulações na dieta, mas variações
anuais na massa corpórea são relativamente comuns em outros animais que desenvolveram
respostas de ajuste para sobrevivência em ambientes sazonais, onde o suprimento e o
gasto energético são previsíveis. Como muitas dessas mudanças anuais requerem tempo
para se esboçarem, elas podem ser iniciadas em antecipação à próxima estação e alguns
animais dependem de dicas ambientais, como o aumento ou diminuição do comprimento do
dia, para iniciar as mudanças. Em geral, essas espécies fazem estoques de reservas
energéticas na forma de gordura durante a primavera e verão, quando a disponibilidade de
alimento é grande, e depois catabolizam essas reservas como parte dos mecanismos de
sobrevivência no inverno (Mercer e col., 2002; Peacock e col., 2004; Shuhler e Ebling, 2006;
Król e Speakman, 2007). As mudanças sazonais na quantidade de gordura corpórea estão
associadas com alterações nos níveis de leptina circulante. No geral, os níveis plasmáticos
de leptina aumentam numa proporção direta ao aumento da massa de gordura do animal
(Król e Speakman, 2007). Se a leptina exerce um efeito anorexigênico e aumenta o gasto
energético, como esses animais ignoram os sinais dados por esse hormônio e continuam
aumentando a taxa de ingestão de alimento e acumulando gordura na fase que antecede o
inverno? Por serem altamente resistentes a perturbações no balanço energético, eles têm
sido considerados excelentes modelos para explorar o papel dos sistemas hipotalâmicos de
controle da ingestão de alimento e do gasto energético e os fenômenos de resistência a
hormônios adipostáticos, uma das possíveis causas do aumento da massa corpórea na fase
que antecede o inverno e da obesidade.
Em animais com variações sazonais da massa corpórea, as mudanças em resposta
aos hormônios adipostáticos, em particular à leptina, parecem refletir um aumento da
síntese de proteínas que participam de mecanismos intracelulares inibitórios de sinais
anorexigênicos. Por exemplo, os níveis de SOCS3 são significativamente maiores no núcleo
arqueado do hipotálamo de hamsters siberianos aclimatados em dias longos, quando a
massa corpórea e os níveis de leptina são maiores (Shuhler e Ebling, 2006). A massa
corpórea e a expressão de SOCS3 no núcleo arqueado do hipotálamo também são maiores
no roedor Microtus agrestis exposto a dias longos e não se observa aumento na expressão
gênica do RNAm de NPY, AgRP, POMC e CART no hipotálamo (Król e Speakman, 2007). A
proteína SOCS3 tem sua síntese aumentada em resposta a sinais inflamatórios no

133
Sazonalidade

hipotálamo, particularmente as citocinas TNF-alfa, IL-1beta e IL-6, expressas em maior


quantidade em animais com mais gordura corpórea (Velloso, 2006).
Além de um efeito central, dado por um aumento da síntese de SOCS3 no
hipotálamo, um aumento na eficiência digestiva em animais aclimatados a dias longos
parece constituir um efeito importante para um aumento nos estoques de gordura (Król e
Speakman, 2007). Um efeito similar é observado em animais que apresentam variação
sazonal da massa corpórea associada ao jejum e hipometabolismo, nos quais ajustes na
estrutura e na capacidade funcional do intestino frente a variações na demanda e
suprimento energéticos conferem notável plasticidade fenotípica ao intestino. Um aumento
na capacidade absortiva do intestino é observado no esquilo Spermophilus tridecemlineatus
no período de acúmulo de estoques energéticos para a hibernação e essa capacidade, dada
por ajustes na morfologia do órgão, decresce com a entrada do animal no estado dormente
(Carey, 1990). Tais ajustes podem ter sido favorecidos por seleção natural, reduzindo o
custo metabólico de manutenção na fase em que o órgão encontra-se em desuso.
O intestino é o primeiro órgão a ser diretamente afetado por mudanças nas taxas de
ingestão alimentar. Boa parte da energia ingerida é destinada à manutenção deste órgão,
que apresenta um intenso metabolismo, dado principalmente pela atividade de
transportadores e de síntese protéica, esta última para reposição de componentes celulares,
que resulta em um elevado custo de manutenção do tecido, atingindo cerca de 20-30% do
metabolismo basal em mamíferos (Tracy e Diamond, 2005). Em mamíferos hibernantes se
observa uma atrofia da musculatura do intestino e da camada mucosa durante a dormência,
com diminuição pela metade do seu conteúdo protéico, causando um encurtamento da
região das vilosidades. Embora as alterações observadas possam representar um potencial
comprometimento da capacidade total de digestão e absorção do órgão, a arquitetura e a
capacidade funcional do epitélio intestinal por unidade de massa encontram-se bem
preservadas ao final da fase de dormência, inclusive se comparadas a de animais em plena
atividade. Esta característica pode estar associada com a ocorrência de vários episódios de
despertar durante a fase total de dormência, típica de pequenos hibernantes, permitindo a
síntese de proteínas e o reabastecimento de estoques celulares. Desse modo, apesar da
atrofia, a preservação da capacidade funcional do tecido teria grande relevância na fase
crítica que inicia na primavera, garantindo que o animal esteja apto a digerir e absorver
nutrientes logo após o despertar, quando os estoques corpóreos de energia encontram-se
reduzidos (Carey e col., 2003).
Em contraste com mamíferos, a dormência sazonal em certos anfíbios e répteis é um
processo contínuo ao longo de vários meses, não incluindo episódios de despertar, e a
contribuição relativa do tecido intestinal para a economia energética na fase dormente pode
ser maior que a observada em hibernantes típicos. Em lagartos teiú jovens, a depressão

134
Sazonalidade

metabólica na dormência atinge 80% das taxas de repouso na fase de atividade (Souza e
col., 2004) e há uma redução de 37% da massa do intestino médio durante o estado
hipometabólico. No retorno à atividade e retomada da alimentação, há um aumento de duas
vezes da massa total do órgão (Nascimento e col., 2007). Em sapos estivantes, a acentuada
atrofia do intestino no período de dormência é seguida de uma recuperação total do órgão
em apenas 36 h após a retomada da alimentação, e ao término desta fase o animal
responde com um aumento de cinco vezes da massa intestinal (Cramp e Franklin, 2005).
Além disso, os receptores para leptina, OB-R, também são transcritos em grande
quantidade no intestino e evidências sugerem que, neste tecido, o principal papel da leptina
seria o de regular o transporte de lipídios e de açúcar (Morton e col., 1998). O efeito
periférico da leptina no intestino, associado ao aumento da capacidade absortiva do órgão,
embora negligenciado em muitos estudos, parece constituir um importante mecanismo em
animais sazonais nas fases de crescimento e armazenamento de estoques energéticos e
deveria ser considerado nas investigações sobre obesidade, em complementação às
alterações nos sistemas de controle central da ingestão de alimentos e do gasto energético.

135
Sazonalidade

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141
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

A Curiosa Saga da Fisiologia Evolutiva

A Fisiologia vem, há muito, desvendando grandes mistérios relacionados à vida


na Terra. Ao longo dos tempos, adquiriu importantes ferramentas e ciências aliadas na
busca do entendimento dos padrões fisiológicos e das relações entre os seres vivos. A
Teoria da Evolução, de Darwin, contribuiu enormemente para a compreensão dos
mecanismos existentes relacionados à aptidão. A Biologia Molecular e a Ecologia
permitiram avaliar outros aspectos envolvidos no quadro que se mostrava, evidenciando
controles e interferências do meio.
E foram tantas as novidades e contribuições que elencá-las aqui, brevemente, é
uma maneira de compreender seu valor e inspirar os que têm interesses em investigar a
vida.

142
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

Darwin e sua Blasfema Teoria

Meirielen Silva e Ananda Brito


Laboratório de Ecofisiologia Evolutiva
meiriunesp@gmail.com
nirmalananda@gmail.com

“Existe uma grandeza nessa visão de mundo, com seus vários poderes, tendo sido
originalmente insuflados em poucas formas, ou em apenas uma; enquanto este planeta
continuou girando segundo as leis da gravidade, desde o mais simples começo,
infindáveis formas, as mais belas e mais maravilhosas, evolveram ou estão evolvendo.”
Charles Darwin, em A origem das espécies, 1859.

No ano de 1831, aos 22 anos, o jovem Charles Robert Darwin embarcou, após
ter desistido do curso de Medicina, no HMS Beagle. O navio inglês comandado por
Robert Fitzroy deu a volta ao mundo em missão da Marinha. No caminho, Darwin teve a
oportunidade de realizar estudos em Geologia e conhecer e coletar espécimes de
animais e vegetais diversos (Zimmer, 2004).
Anos após a viagem, Darwin observava alguns exemplares de pássaros que
coletara em Galápagos. As diferenças entre animais provindos de ilhas do mesmo
arquipélago, aliadas às observações de fósseis e à leitura de Um ensaio sobre o
princípio da população, de Thomas Malthus, conduziram Darwin à então perigosa teoria
da seleção natural. Segundo ela, pressões ambientais acabariam por favorecer
indivíduos com determinadas características em vez de outros que não as possuíssem.
Dessa maneira, tal característica seria transmitida geração a geração. Com a mudança
das pressões - e outras variáveis que só viriam a ser incorporadas mais tarde-, as
espécies evoluiriam, ou, nas palavras de Darwin, dariam origem a uma “descendência
com modificação” (Gould, 1987). Era uma teoria blasfema numa época em que o
materialismo filosófico empregado na teoria de Darwin (não havia transcendência; a
mente só existia por meio do corpo; o que guiava a evolução eram leis naturais) era
considerado escandaloso. Ao contrário do que se pode supor, as idéias evolucionistas já
eram comuns na época, e foi esta inflexibilidade filosófica que fez a teoria de Darwin
parecer tão herege. Por esse motivo, Darwin precisou embasar muito bem sua hipótese,
o que fez ao longo de 15 anos. Felizmente, em 1859, um ano depois de ter trocado
correspondências com Alfred Russel Wallace, um naturalista que parecia ter chegado a

143
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

conclusões muito semelhantes sobre a evolução, Darwin publicou o seu Sobre a origem
das espécies por meio da seleção natural. O livro gerou enorme polêmica, mas Darwin
preferiu ficar longe da badalação, em casa ou cuidando da saúde. Veio a falecer em
1882, e foi sepultado próximo ao túmulo de Isaac Newton.
Apesar de a comunidade científica ter aceitado amplamente as idéias de Darwin
já em 1870 como um dos mecanismos da evolução, a contextualização de sua teoria só
ocorreu no século XX, com o advento da descoberta das moléculas da hereditariedade.
Daí para frente, a Biologia tem empregado a teoria de Darwin na resolução de vários
mistérios sobre a vida dos organismos, evidenciando mecanismos por ele descritos, e
revolucionando a sistemática por meio de descobertas em diversas áreas, dentre as
quais a Fisiologia.

O que é e como surgiu a Fisiologia Evolutiva

A Fisiologia em si estuda como os organismos suprem necessidades funcionais.


Estudos em Biologia Evolutiva permitem compreender, por meio de características
anatômicas, por exemplo, como surgiram os diversos padrões de organismos
observados e de que maneira estes estão relacionados entre si.
A partir do final da década de 1970, começou o desenvolvimento, tanto
metodológico quanto conceitual, da Fisiologia Evolutiva. As produções científicas
mostraram cada vez mais a preocupação dos cientistas em elucidar os mecanismos
fisiológicos sob a luz da evolução. O primeiro ponto foi admitir que os padrões
observados nos caracteres biológicos eram resultantes de eventos de adaptação.
Depois, o reconhecimento da não-independência das espécies como unidades
analíticas para estudos comparativos. O terceiro fator foi a incorporação da perspectiva
e ferramentas da Genética Evolutiva e estudos de seleção. Por último, a incorporação
de técnicas de Biologia Molecular e Engenharia Genética que são amplamente
aplicáveis em diversas espécies (Garland e Carter, 1994; Feder et al., 2000; Bozinovic,
2003). A Fisiologia Evolutiva foi amplamente influenciada por esses acontecimentos e
áreas.
Na década de 80, começaram a surgir trabalhos interessados na integração de
aspectos genéticos quantitativos e comportamento e ecologia fisiológica (Garland e
Carter, 1994). Estes estudos buscavam avaliar a magnitude e causas da variação
fisiológica dentro de uma população. Tal abordagem ecofisiológica serviu de base para
o surgimento da Fisiologia Evolutiva, que se seguiu (Feder et al., 2000). Esta objetiva
elucidar a maneira como os organismos funcionam, e de que forma estes padrões

144
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

funcionais possibilitaram seu sucesso e a ocupação de diferentes hábitats ao longo do


tempo, evidenciando relações filogenéticas.
Num primeiro momento, quando ainda tínhamos uma “pré-Fisiologia Evolutiva” a
questão central era explicar como o fenótipo dos organismos os capacitavam para
explorar o ambiente, e esta preocupação mantém-se até os dias de hoje. As
explanações, portanto, eram ambiente ou táxon-específicas. Já a Fisiologia Evolutiva
focaliza as transformações que ocorreram durante a evolução dos aspectos fisiológicos.

As grandes áreas que se integram e fazem parte da abordagem integrativa da


Fisiologia Evolutiva são: Fisiologia, Ecologia e Comportamento. Dentro destas,
destacam-se as subáreas Ecofisiologia e Fisiologia Comparativa. Na primeira, elucidam-
se os caracteres e demonstra-se o significado destes para a sobrevivência do
organismo no ambiente natural. Na segunda, a maior contribuição está no corpo de
dados acumulados sobre o funcionamento de características fisiológicas em diversos
grupos. Assim, Fisiologia Evolutiva também tem implicações nos estudos de
biogeografia e diversidade.

Dos mecanismos de evolução fisiológica

Os organismos possuem mecanismos fisiológicos e/ou comportamentais que


lhes permitem permanecer e estabelecer populações nos mais variados ambientes.
Pouco se sabe sobre a cadeia detalhada de eventos que ocorre em um organismo, a
partir de um estímulo ecológico sobre uma população natural, e a manifestação da
resposta nas características fisiológicas. O paradigma geral é que os genes codificam o
fenótipo, o fenótipo determina o desempenho do organismo no ambiente natural, o
desempenho determina o sucesso daquela linhagem (fitness) e este determina a
freqüência de alelos no pool gênico da próxima geração (Garland e Carter, 1994). Os
detalhes do que ocorre em cada um dos passos cabe à Fisiologia Evolutiva.
Estudos demonstram correlações entre o genótipo, ou entre a freqüência de
alelos, e fatores ambientais ou ecológicos, e muitos autores interpretam tais correlações
como sendo indicativos de seleção natural, apesar dessa abordagem não considerar as
mutações randômicas e a deriva genética. A abordagem bioquímica pode ser usada
para estudar o significado evolutivo da variação genética em um gene específico em
resposta a mudanças ambientais (Garland e Carter, 1994). A Fisologia Evolutiva
aprofunda-se na interface ambiente-fenótipo, fazendo correlações entre ambos, com o
pressuposto de que variações na fisiologia tenham bases na expressão genética. No

145
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

entanto, pouco se conhece sobre a herdabilidade de caracteres fisiológicos e


plasticidade fenotípica.
Ambos os efeitos, genético e ambiental, durante o desenvolvimento e ontogenia
do indivíduo, determinam mudanças em características bioquímicas, fisiológicas ou
morfológicas (Svidersky, 2000). Atuando em conjunto, essas características determinam
o desempenho do organismo como um todo. Tal desempenho define a extensão ou os
limites das capacidades de um organismo, e o comportamento, por outro lado, indica
como um organismo usa essa capacidade. A seleção, por sua vez, atua mais
diretamente no comportamento, porém o comportamento é limitado pelo desempenho
(Garland e Carter, 1994). Por isso, as variações genotípicas ou bioquímicas deveriam
estar sujeitas à seleção se elas tivessem efeito no nível do desempenho do organismo
e, portanto, comportamental. A definição operacional de seleção natural como uma
correlação entre fitness e fenótipo nos conduz a possibilidade de que efeitos ambientais
atuem diretamente no desempenho ou comportamento.

Seleção

Quando se estuda a fisiologia de um caráter da perspectiva evolutiva é primordial


ter em mente dois aspectos: a variabilidade e a herdabilidade do caráter, em
concordância com o contexto ambiental. Há autores que consideram que somente as
características fisiológicas produto de diferenciação genotípica podem ser herdadas e,
portanto, são passíveis de sofrer pressão de seleção e configuram adaptação evolutiva.
As variações puramente fenotípicas, que se dão apenas ao longo de uma vida ou
desenvolvimento de um indivíduo, por outro lado, não são consideradas variações
genotípicas e, por isso, não têm valor adaptativo (Bennett & Lenski, 1999; Garland e
Carter, 1994). No entanto, a diferenciação genotípica pode ocorrer através de processos
como deriva e hibridização, que não têm valor adaptativo direto.

O tempo

Quando integramos a Fisiologia aos estudos de Biologia Evolutiva, podemos


elucidar melhor de que forma o elemento tempo atua no processo evolutivo.
Principalmente, porque a Fisiologia nos traz o conhecimento acerca dos ajustes
fisiológicos, que se estendem aos morfológicos, uma vez que estrutura e função são
inerentes um ao outro. A complexidade da resposta adaptativa está positivamente
relacionada com o tempo que há disponível para que ela aconteça. Há adaptações que
são produtos da influência do ambiente sobre o caráter durante um tempo evolutivo, ou

146
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

seja, que acontecem no transcorrer do tempo de existência de várias gerações; e


adaptações que ocorrem durante a vida do indivíduo, por exemplo, eventos de
aclimatação e aclimatização (Hochachka & Somero, 2002). Nesse contexto, o termo
adaptação tem sido usado de pelo menos duas maneiras na literatura fisiológica, como
veremos na seção seguinte.
Adaptação fisiológica

A conquista das espécies dos diversos ambientes do planeta revela a


capacidade dos organismos de se adaptarem. À capacidade do organismo para ajustar-
se fisiologicamente às mudanças ambientais em várias escalas de tempo, seja ela
aguda, crônica ou evolutiva, damos o nome de adaptação fisiológica (Bradley e Zamer,
1999).
O termo adaptação tem sido usado para designar mudanças compensatórias
frente a mudanças ambientais ou distúrbios orgânicos, que são mudanças fenotípicas
que revelam a própria plasticidade fisiológica do indivíduo (o tempo durante a vida do
indivíduo). Também é usado no sentido genético e evolutivo, que envolve pressão e
seleção natural (Wells, 1989). Os estudos de adaptação fisiológica podem contribuir
com o entendimento dos mecanismos fisiológicos, o que permite definir onde estão os
limites físicos dos organismos sobre os quais a pressão ambiental pode atuar,
determinando de qual sentido de adaptação se trata.
As alterações que ocorrem no nível bioquímico em decorrência de uma alteração
ambiental são possíveis devido a duas propriedades principais: primeiro, os
constituintes bioquímicos e as interações entre eles são susceptíveis à perturbação
direta de fatores ambientais; segundo, as células são capazes de manter um nível
adequado de energia circundante. Esse segundo fato é importante porque as células
precisam preservar as taxas adequadas de energia para que as funções vitais do
organismo se mantenham e muitas mudanças ambientais não causam danos diretos à
célula, mas sim à sua habilidade de manter a energia circundante (Hochachka &
Somero, 2002). O comportamento pode, também, alterar padrões fisiológicos e
anatômicos uma vez que submete o organismo a diferentes demandas e pressões.
Ao avaliar a natureza de uma característica, devemos atentar para o fato de que
nem todas são adaptativas. As características que determinado organismo possui hoje
podem não ter sofrido pressões seletivas, mas apenas sido herdadas (exaptações).
Algumas características foram mantidas por seleção, mas não originaram-se devido às
mesmas pressões.É o caso da sutura cranial de mamíferos que permite o nascimento
de uma prole dotada de um grande cérebro em algumas espécies (como os humanos)
mas que surgiu muito antes na história evolutiva (Garland e Carter, 1994). Em outros

147
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

casos, a característica pode ter sido selecionada no passado, mas é herdada hoje por
“inércia filogenética” apenas.

Das ferramentas que permitem estudos de Fisiologia Evolutiva mais


refinados

Tanto a Ecofisiologia quanto a Fisiologia Comparativa, áreas que se integram dentro


da Fisiologia Evolutiva, utilizam três técnicas atuais:

1. Métodos filogenéticos comparativos


Em meados da década de 80, espalhou-se pelo meio científico a necessidade
de tomar cuidado ao se comparar espécies. Considerando a filogênese, todas as
espécies compartilham ancestralidade e genes, em menor ou maior grau. Dessa
maneira,quando de estudos comparativos, as espécies não devem ser tratadas
como unidades analíticas independentes. Em artigo de 1985, Felsenstein descreveu
o problema e sugeriu um método analítico robusto para resolvê-lo: o contraste
independente (Feder e col., 2000). Este método estatístico foi o primeiro a incorporar
dados filogenéticos. A idéia é usar informação filogenética para transformar dados
iniciais de uma espécie em valores estatisticamente independentes e identicamente
distribuídos. O contraste independente é um método comparativo e, portanto, não
objetiva a criação de árvores filogenéticas, mas sim a verificação da ocorrência, a
partir de uma estimativa independente de árvore (derivada de análises filogenéticas
separadas, como seqüências de DNA, por exemplo) de sinais filogenéticos em
características escolhidas. Assim, a idéia é averiguar se há uma correlação
significativa entre duas ou mais adaptações estudadas, ou entre adaptações e o
ambiente em que ocorrem, ou seja, que é pouco provável que o padrão de
correlação entre duas características por ventura encontrado seja produto do acaso.

2. Estudos de seleção
A Biologia Evolutiva criou diversos métodos para tentar avaliar a
presença, intensidade e direção da seleção natural em populações selvagens. A
locomoção, por exemplo, é um aspecto bastante estudado pelos fisiologistas
evolutivos e sua relevância para o fitness é conhecida em muitos casos (Feder e
col., 2000). Correntemente, estudos em seleção atentam para a necessidade de
se analisar populações repetidamente, de modo a levar em consideração as
mudanças nos padrões ao longo do tempo.
Estudos em laboratório permitem alterar pressões seletivas e analisar
como a seleção se processa. Os experimentadores podem tanto alterar

148
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

condições ambientais e observar quais características estão presentes nos que


sobrevivem, quanto selecionar uma determinada característica e somente
permitir que seus portadores se reproduzam. A escolha entre um ou outro tipo de
seleção depende do objetivo do estudo.

3. Técnicas de genética
Dentre as diversas maneiras que a Genética vem contribuindo com a
Fisiologia Evolutiva, podemos citar:
a) Estudos de Fisiologia-para-genes (prediz que cada caráter tem base no nível
genético): aplicação de técnicas de genética quantitativa para estimar a
herdabilidade de diversas características funcionais, caracterizar variação
genotípica X fenotípica em características, estabelecer relações entre
características e fitness.
b) Estudos de genes-para-Fisiologia: esclarecer como genes discretos e seus
produtos, agindo sobre uma determinada característica, influenciam no
fitness e desempenho.
As duas abordagens surgiram para tentar desvendar o que havia por detrás
das variações observadas numa mesma população, e só puderam ser efetivadas
graças aos avanços no estudo do DNA e isolamento dos produtos dos genes
(Feder e col., 2000).

A incorporação de dados de Biologia Molecular nos estudos de Fisiologia


Evolutiva permite um maior detalhamento durante a construção de árvores filogenéticas
(Bradley & Zamer, 1999). Por meio de técnicas moleculares é possível compreender-se
mecanismos fisiológicos e mesmo da interface estrutura-função. Os estudos que
envolvem, por exemplo, mutagênese e deleção de genes podem elucidar a importância
de terminados produtos, como proteínas, em vias metabólicas (Svidersky, 2000). Ou
mesmo as mudanças fisiológicas que acontecem no organismo na tentativa de
compensar a perda. Esses estudos podem revelar a importância adaptativa de uma
característica.
Após a explosão de trabalhos em genética, onde o foco principal era “ler” o que
continha o livro genético, agora temos a preocupação com a função (fisiologia) desses
genes. O que fazem os genes? Qual é papel das proteínas produzidas? O que
determina a presença ou ausência de determinadas proteínas? Como funciona esse
aparato no ambiente? A Biologia Integrativa é uma área que traz grande contribuição à
Fisiologia Evolutiva porque integra todos os níveis de organização biológica, da
molecular à ecológica e biogeográfica.

149
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

A integração de pesquisadores oriundos das diversas áreas, que mantenham o


apreço em tratar das questões científicas à luz da multidisciplinaridade, e estejam
dispostos a fazer uso do vasto arsenal instrumental de que se dispõe, trará, certamente,
contribuições muito significativas para o entendimento da história evolutiva da vida na
Terra.

150
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva

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Zimmer, C. (2004) O livro de ouro da evolução. Ediouro, Rio de Janeiro, 598 pp.

151
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

O tempo, conceito tão discutido por filósofos e físicos, não tem uma
definição consensual. É uma noção que temos adquirida pela nossa vivência,
assim como o espaço. No entanto, não temos dúvida de que o tempo é um fator
importante determinístico da vida na Terra e uma das maneiras como o
percebemos é através dos ritmos. Estes são ciclos que se repetem de tempo em
tempo, como, por exemplo, os movimentos de rotação e translação da Terra,
que tem como conseqüência o dia e a noite e as estações do ano,
respectivamente. Os seres vivos estão sujeitos a estes e outros ritmos e
precisam estar adaptados a eles. Mas será que os organismos vivos apenas
respondem a estes fenômenos de forma passiva? Como veremos nesse módulo,
os organismos desenvolveram um complexo mecanismo intrínseco de ritmos
endógenos, os “Relógios Biológicos”, capaz de se antecipar e se ajustar aos
fenômenos geofísicos.

“O tempo é relativo e não pode ser medido exatamente


do mesmo modo e por toda a parte.”

Albert Einstein

152
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Introdução à Cronobiologia

Cláudia Emanuele Carvalho de Sousa


Laboratório de Cronofarmacologia
claudiaemanuelle@bol.com.br

1 - Conhecendo a Cronobiologia, entendendo os ritmos biológicos, o


tempo como dimensão fundamental aos seres vivos

A Cronobiologia é o ramo da ciência que se dedica ao estudo de como se


caracteriza a organização temporal dos seres vivos (Halberg, 1969). Isso significa
investigar as manifestações que acontecem de maneira rítmica nos organismos e os
mecanismos responsáveis por essas manifestações.
Embora as observações de fenômenos rítmicos na natureza tenham sido
relatadas desde a antiguidade a Cronobiologia é considerada nova como disciplina, até
mesmo a utilização do termo é recente (Marques e Menna-Barreto, 2003). Importante a
concepção de que mesmo tendo sido institucionalizada apenas na segunda metade do
século XX a constatação de ritmos biológicos tem origem nas pesquisas de diferentes
áreas da biologia como a genética, evolução e biologia do desenvolvimento (Ehret,
1980). Dessa forma, a Cronobiologia tem, historicamente, e em sua essência um forte
caráter multidisciplinar e comparativo, uma vez que, as contribuições de diversas áreas
do conhecimento bem como a demonstração da generalidade da expressão dos ritmos
que possibilitou grande avanço no entendimento da organização temporal dos seres
vivos
É evidente que a organização espacial e o funcionamento dos seres vivos
estão interconectados. De igual importância é a dimensão temporal, no nível fisiológico,
por exemplo, “não apenas a quantidade certa da substância certa no lugar certo, mas
também que isso ocorra no tempo certo” (Halberg, 1960). Isso é verdadeiro para o
organismo como um todo porque ele tem que se posicionar temporalmente em
condições fisiológicas favoráveis (Edmunds, 1988).
Os ritmos podem ser considerados os fenômenos mais frequentes em relação
à vida, tanto que são parte integral de sua manifestação. A própria distinção entre a vida
e a morte no homem e em muitos animais inclui a ausência de ritmos (ondas cerebrais,
batimentos cardíacos, respiração) como sinal de discriminação. Como um caráter
inerente a matéria viva a ritmicidade está presente desde os seres vivos de organização
mais simples como bactérias e algas unicelulares aos grandes vertebrados,
manifestando-se em diferentes tipos de organização, do nível celular ao sistêmico,

153
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

presente nas várias fases do desenvolvimento, das fases iniciais ao envelhecimento,


influenciando desde padrões de comportamento a processos fisiológicos (Rusack e
Zucker, 1979).
A ubiquidade da manifestação de ritmos nos diferentes tipos de organização
como a dependência de mecanismos de temporização sobre a viabilidade das espécies
demonstra a importância da organização temporal nos seres vivos, e implica, portanto,
em considerar o tempo como uma dimensão fundamental para as formas de vida
(Cerejido, 1983). Por isso é impossível dissociar a fisiologia animal de aspectos
cronobiológicos. O tempo, mais especificamente a marcação do tempo e a expressão
dos ritmos, independente do modelo ou espécie estudada, pode por si não ser o motivo
das investigações, mas, faz parte dos processos biológicos e devem ser entendidos e,
em muitas vezes considerados dependendo de qual pergunta se faz diante do
funcionamento e da manutenção do equilíbrio do organismo.

Figura1 - Representação esquemática de um ritmo. O período representado é de 24 horas,


sendo que a duração da fase de iluminação é de 15 horas e escuro, 9 horas. (Modificado de
Koukkari & Sothern, 2006).

A palavra ritmo é de origem grega, “rhytmos”, significa processo que se repete


a intervalos regulares, ou seja, em se tratando de ritmos biológicos podemos entender
que é expressão de um processo que se repete com o mesmo período ao longo do
tempo. Para se entender a fenomenologia dos ritmos considera-se alguns parâmetros
importantes que os caracterizam e os definem (Fig. 1). Como já descrito anteriormente,
o período é o intervalo de tempo no qual um ciclo se completa. A fase (σ) significa cada
momento de um ritmo utilizado na cronobiologia para mostrar estados de um processo
ou ciclo ambiental. A freqüência (f) indica o número de revoluções (ciclos, voltas,

154
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

oscilações, etc.) por unidade de tempo (Koukkari e Sothern, 2006). Pensando em um


exemplo, temos o ciclo de um dia, no qual designamos a fase de escuro, para noite e
fase de claro para o dia, neste caso o período correspondente é de 24 horas

2 - Um breve histórico sobre a ritmicidade, princípios gerais da organização


temporal dos seres vivos

A vida possui um histórico remoto de existência na Terra. Em todo tempo


decorrido os organismos sempre conviveram com mudanças no ambiente, algumas
delas transformações drásticas nas condições abióticas e bióticas, responsáveis pelas
grandes variações da biodiversidade (Reichenbacher e col., 2006). No entanto, muitas
dessas mudanças persistem de forma cíclica ao longo do tempo, em função da própria
organização do sistema solar e das interações da Terra com o Sol e a Lua, tais como o
ciclo claro-escuro, representando o dia e a noite, as estações do ano, oscilação das
marés, fases da Lua.
As observações de ritmos na natureza e no homem são antigas, alguns dos
exemplos mais notáveis ao longo da história são as descrições de Hippocrates (460-370
a.c.) e Galeno (130 - 200 d.c.) sobre a recorrência de alguns sinais e sintomas exibidos
durante determinadas doenças (apud Aschoff, 1974; apud Virey, 1819). Muitas dessas
observações chegaram a admitir que os ciclos ambientais fossem as forças
responsáveis pela geração dos fenômenos rítmicos biológicos, ou seja, associavam as
variações rítmicas dos fenômenos biológicos às oscilações percebidas no ambiente.
Em 1729 Jean Jacques d’Ortus Mairan (1678-1771), astrônomo francês, ao
observar uma planta sensitiva (sismonastia), percebeu que suas folhas apresentavam
movimentos periódicos, abriam-se durante o dia e dobravam-se à noite. Mairan decidiu
investigar sobre a natureza daquele comportamento biológico, se era simplesmente uma
resposta à luz do sol. Na tentativa de elucidar a sua questão realizou um experimento
no qual a planta, provavelmente Mimosa pudica (já que a nomenclatura de Linnaeu não
era empregada ainda), permanecia em um ambiente totalmente escuro. Ele notou que
as folhas, mesmo na condição de isolamento de luz, continuavam a exibir o movimento
periódico, concluindo então que o ritmo diário de abertura-dobramento das folhas não
requeria o ritmo diário da luz do sol, foi por essa obervação que ele chegou a reportar à
Academia Real de Ciências da França que “a planta sensitiva percebia o sol sem
mesmo vê-lo” (Mairan, 1729). Os experimentos de Mairan marcam o início dos trabalhos
experimentais com ritmos biológicos, no entanto, sua observação não demonstrava se

155
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

as oscilações eram em resposta a outros fatores além da luz, ou se era intrínseco à


planta.
Aproximadamente 100 anos se passaram e ainda havia a discussão sobre a
natureza dos ritmos. De Candole, um renomado botânico suíço, estudando o ritmo de
abertura-dobramento da planta sensitiva, assim como Mairan havia feito, também
observou que a periodicidade continuava existir mesmo sobre iluminação constante.
Mais além dessa observação ele notificou que o período do ritmo era menor que 24
horas (de Candole, 1832), ou seja, se algum fator geofísico fosse responsável pelo
ritmo, o período deveria ser exatamente de 24 horas, um período diferente desse
significaria que era gerado pela própria da planta. Portanto, agora se chegava a
constatação do caráter endógeno da ritmicidade biológica, e é exatamente o fato de
ser gerado internamente que faz com que mesmo sob ausência de sinais ambientais
exista um período próprio do organismo, denominado tau, representado pela letra grega
τ.
A endogenicidade na promoção dos ritmos confere às espécies capacidade
antecipatória frente às mudanças ambientais cíclicas porque lhes permite antecipar
tanto comportamentalmente como fisiologicamente antes mesmo do início de um
evento. Dessa forma, todas as alterações rítmicas são determinantes para a
sobrevivência da espécie uma vez que ela prevê que os ajustes internos coincidam com
a fase mais propícia do ciclo ambiental (Turek, 1998; Anokhin, 1974). Por outro lado, a
expressão de ritmos também se torna essencial para garantir determinadas funções, ou
mesmo antecipação de mudanças internas (Marques e Menna-Barreto, 2003) como
exemplo de diversos ritmos fisiológicos.
Nesse sentido, seguiram vários estudos que envolviam a manipulação das
variáveis ambientais através da observação dos ritmos biológicos em condições
ambientais constantes, e que assumiam ao longo tempo a possibilidade da natureza
hereditária de mecanismos orgânicos responsáveis pela marcação do tempo, na
seguinte perspectiva: se os ritmos eram endogenamente gerados, logo, um marcador de
tempo deveria existir
Atualmente é sabido que esses mecanismos se caracterizam como “relógios
biológicos”, sendo que o mecanismo autônomo desses “relógios” na geração dos
ritmos é que garante sua persistência endógena. A necessidade de um relógio biológico,
gerador de ritmo endógeno é uma questão crucial na sobrevivência das espécies, a
capacidade de antecipação é uma vantagem adaptativa e por isso nos leva a crer ter
sido conservada em uma grande variedade de organismos (De Coursey, 2004). O
conceito atual de relógio, o qual integra a concepção de sistema oscilante e auto-
sustentado vem da demonstração de estruturas anatomicamente definidas que

156
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

expressam esse padrão de manifestação, desde seres unicelulares aos vertebrados. A


partir disso, ainda reconhecendo que as oscilações ambientais não são as forças
responsáveis pela geração dos ritmos, de nada adiantaria a existência de relógios
internos se estes não estiverem relacionados com as variações do meio interno e
externo dos organismos (para revisão Woelfle e col., 2004; Sharma, 2003).

Figura 2 - Efeitos da iluminação constante no período circadiano. Os actogramas mostram


ritmos de atividade locomotora do camundongo (Mus musculus), e do rato do Nilo (Arvicanthis
nilotilus) mantidos em condições de sincronização com ciclo claro-escuro (A), no escuro
constante (B), e claro constante (C). Para as duas espécies o período sob ciclo claro escuro é de
24 horas, menor do que 24 em condição de escuro constante e maior que 24 no claro constante.
As barras na parte superior representam o regime de iluminação no qual os animais foram
submetidos, cada linha representa os dias em arranjo vertical, representados em ordem
cronológica, já as barras escuras em cada linha indicam a atividade locomotora (revoluções por
intervalo de tempo) (Jud, 2005). Retirado de Refinetti (2006)

Todas essas observações levaram ao entendimento de que havia um sistema de


temporização próprio dos organismos, no qual os relógios internos eram responsáveis
pelo período de oscilação endógena, no entanto, os ciclos ambientais tinham o papel de
sincronizar o relógio endógeno. Essa sincronização é alcançada através do processo

157
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

de arrastamento: no qual o ritmo em livre-curso (Fig. 2), ou seja, em condições


ambientais constantes e por isso expressando seu período (τ) característico, tem sua
fase e freqüência ajustadas por um ou mais fatores cíclicos ambientais (Pittendrigh,
1981). Ao fator cíclico ambiental responsável pelo arrastamento deu-se o nome de
Zeitgeber (palavra alemã, que significa “doador de tempo”). Para maioria dos
organismos o ciclo claro-escuro é o zeitgeber predominante (Aschoff e col., 1982), mas
outros fatores além dos ciclos geofísicos constituem-se em zeitgebers, como os ciclos
de acesso a alimentação (Jilge, 1991) e de pistas sociais, como já exemplificado em
algumas espécies de aves que são sincronizadas por ciclos de canto (Gwinner, 1966). E
mesmo se o organismo em seu meio natural recebe influência de vários ciclos somente
alguns deles serão zeitgebers, isso significa que apenas alguns levarão ao arrastamento
dos relógios internos e a modulação do seu tau (τ) (Refinetti, 2006).

3 - Os ritmos e suas freqüências, a organização do sistema circadiano

Existe uma classificação dos ritmos biológicos que é amplamente usada, a qual
propõe três categorias para os ritmos biológicos: ritmos infradianos, circadianos e
ultradianos. Essa classificação se baseia na duração do ritmo circadiano, cujo período
varia de 20 a 28 horas, de acordo com a espécie. Os ritmos com períodos maiores que
28 horas são classificados como infradianos, e ritmos de curta duração, com períodos
inferiores a 20 horas, denominados ultradianos (revisto em Koukkari & Sothern, 2006). A
utilização dos prefixos infra e ultra é baseada na freqüência dos ritmos, no entanto, a
maioria dos ritmos é descrita em função do período observado (Fig. 3) (Refinetti, 2006).
Um dos problemas dessa classificação é que essa categorização acaba
supervalorizando os ritmos circadianos já que os outros são classificados em relação à
frequência de um ciclo em cada 24 horas (Marques e Menna-Barreto).

158
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

24 h

8h

96 h

Figura 3 - Exemplos de padrões oscilatórios. Primeiro exemplo: ritmo circadiano,


periodicidade de 24 horas; Segundo: ritmo ultradiano, período de 8h, último exemplo: ritmo
infradiano, período de 96 horas (Retirado de Refinetti, 2006).

Dos ritmos infradianos pode-se exemplificar aqueles relacionados à reprodução,


como ciclo menstrual em humanos e ciclo estral em roedores, entre os ritmos
ultradianos, pode-se citar o ritmo de batimentos cardíacos, disparo do potencial de ação
de neurônios, respiração, esses últimos característicos pela alta freqüência, com
períodos que vão de milissegundos a minutos.

4 - Entendendo a organização do sistema circadiano

Como já descrito, os seres vivos sempre conviveram com mudanças ambientais


que persistem de forma cíclica ao longo do tempo. O movimento da Terra em torno de
seu eixo expôs os organismos a oscilações diárias das variáveis ambientais. A mudança
mais conspícua em relação aos ciclos de 24 horas é a variação na iluminação
ambiental, traduzindo- se no que denominamos por dia e noite, respectivamente, fase
clara e fase escura. Embora não tão pronunciado há também uma variação na
temperatura e umidade relativa do ambiente (Zaha, 1972; Trewartha e Horn, 1983).
Dessa forma, em função de sua própria sobrevivência os organismos tiveram que
adaptar seu modo de vida a ciclos de 24 horas, dotando para isso de mecanismo de
temporização, capazes de medir a passagem de tempo em 24 horas (Buijs & Andries
Kalsbeek, 2001; Paranjpe & Sharma, 2005). Uma evidência dessa adaptação é a
conspicuidade de ritmos circadianos em praticamente todos os organismos (Fig. 4).

159
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura - 4. “Sistemas Circadianos na árvore universal da vida”. O comprimento das linhas


corresponde à distância evolucionária entres os grupos, medida por taxas de mudanças em
pequenas subunidades de genes rRNA. Os três maiores grupos de organismos: Archaebacteria,
Eubacteria, e Eukaryota divergem de um ancestral comum, em azul são os grupos filogenéticos
nos quais ritmos circadianos já foram descritos e/ou corresponde a sistemas circadianos
experimentais bem estudados, em vermelho são dados os nomes e posições dos sistemas onde
a genética e análise molecular do mecanismo do relógio teve progresso significativo (Retirado de
Dunlop, 1999).

A expressão circadiano (Halberg, 1959) designa literalmente “aproximadamente


diário”, vem da combinação em Latim do termo circa – aproximadamente e dies- dia.
Essa designação “aproximadamente” convém com a idéia da endogenicidade do ritmo
com período diferente do que o ciclo ambiental, sendo o processo de arrastamento o
responsável por sincronizá-los de um intervalo de 20-28 horas a períodos de
exatamente 24 horas. Para que um ritmo seja considerado circadiano ele deve possuir
três características importantes: ser gerado endogenamente, apresentando um período
de livre-curso de aproximadamente 24 horas; poder ser arrastado por ciclos ambientais

160
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

com período de 24 horas e apresentar período em livre-curso com compensação à


temperatura (Aschoff, 1981; Hong e col., 2007; Bell-Pedersen e col., 2009).
“Os ritmos circadianos são resultado observável de um sistema complexo, como
mãos de um relógio eles estão acoplados a um processo oscilatório subjacente, o
oscilador circadiano” (Lumsden, 1991). Ao referir o oscilador não significa a existência
de um único marcador de tempo, muitos modelos sugerem que o ritmo circadiano é
resultante do acoplamento de vários osciladores. Os estudos dos sistemas circadianos
consideram que existem três componentes principais e necessários para expressão dos
ritmos circadianos, que em conjunto constituem o sistema de temporização circadiana
(Fig.5):

1 - captação de sinais ambientais por estruturas especializadas e a transmissão das


informações percebidas por meio de vias de aferência até o oscilador;
2 - um ou mais osciladores capazes de marcar de forma independente o tempo e de
sincronizar o ritmo observado ao ambiente cíclico;
3 - vias de comunicação (eferências) entre o oscilador e as diversas partes do
organismo resultando na expressão dos ritmos

Aferência Eferências
Oscilador
Zeitgeber
~
Figura 5 - Esquema da organização do sistema de temporização circadiana. O zeitgeber
representa o sinal ambiental de arrastamento o qual leva a sincronização do oscilador com o
ciclo ambiental, gerando a expressão do ritmo (Modificado de Lumsden, 1991).

161
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Comunicação Celular: Entendendo a Ritmicidade Endógena

Maria Nathália de Carvalho Magalhães Moraes


Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação
nathalia.moraes@usp.br

1 - Evolução da Multicelularidade

O grande passo obtido através da evolução da unicelularidade para a


pluricelularidade certamente foi a capacidade de comunicação entre as células, por
meio da evolução a partir de uma única célula, a qual desempenhava todas as funções
necessárias para o organismo, para um conjunto de células especializadas
proporcionando interações entre elas (Ben-Shlomo e col., 2003). Os ancestrais dos
organismos multicelulares seriam simples agregados de seres unicelulares, que
formavam estruturas designadas colônias. Inicialmente todas as células da colônia
desempenhavam a mesma função. Contudo, ao longo do tempo algumas das células da
colônia especializaram-se em determinadas funções. A diferenciação celular,
relacionada com a função especifica acentuou-se no decorrer da evolução, originando
os verdadeiros seres multicelulares. Neste processo foram surgindo diferentes tipos de
células, que mais tarde originaram tecidos, os quais levaram ao aparecimento de
órgãos. A especialização celular permitiu uma melhor utilização da energia, levando a
uma diminuição da taxa metabólica, além de uma maior independência em relação ao
ambiente.
Para que as células pudessem sincronizar as tarefas e perceber informações do
ambiente, foi necessária a especialização de células para percepção do ambiente
(receptores sensoriais), centros integradores dessas informações (sistema nervoso) e
efetuadores de ajustes homeostáticos (sistema muscular, endócrino e exócrino) (Isoldi e
Castrucci, 2007).
Para garantir o sucesso e a diversificação da vida, foi necessário o aparecimento
de estruturas de ligação e principalmente de comunicação entre as diferentes células.
Nos organismos multicelulares, a manutenção da homeostase é dependente de um
processamento continuo de informações através de uma complexa rede de células.
Além disso, para que o organismo responda a constantes mudanças do ambiente, sinais
intracelulares devem ser transduzidos, ampliados e finalmente convertidos para uma
resposta fisiológica adequada (Pires-da-Silva e Sommer, 2003). Muitos hormônios,
neurotransmissores, quimiocinas, mediadores locais e estímulos sensoriais exercem

162
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

seus efeitos sobre as células através de ligação a diferentes classes de receptores.


Esses transdutores altamente especializados são capazes de modular a sinalização de
várias vias que levam a diversas respostas biológicas (Cabrera-Vera e col., 2003). A
maioria das famílias de receptores evoluiu com o advento da multicelularidade e com a
necessidade de um comportamento coordenado do organismo (Ben-Shlomo e col.,
2003).

2 - Alvos para ação dos mensageiros químicos

Os mensageiros químicos intercelulares devem atingir células alvo, que possam


interpretar os sinais. Para que as células interpretem esses sinais devem apresentar
elementos que reconheçam esses mensageiros, os chamados receptores, que mudam
sua conformação quando os mensageiros se ligam a eles. A ligação mensageiro-
receptor inicia uma cascata de sinalização que irá evocar a participação de diversos
segundos mensageiros, ativando múltiplas vias de sinalização. Cada classe de receptor
ativa segundos mensageiros específicos, os quais amplificam o sinal e desencadeiam
respostas intracelulares específicas para o sinal inicial. Os princípios moleculares nos
quais a transdução do sinal se baseia são representados por associações específicas
de proteínas e sua fosforilação ou desfosforilação, onde a fosforilação de alvos
protéicos leva geralmente a mudanças imediatas em sua configuração e atividade.
Deste modo, o balanço entre fosforilação e desfosforilação é determinante para a
transdução do sinal intracelular. Ainda, os receptores podem evocar tipos diferentes de
efeitos celulares. Alguns deles são muito rápidos em escala de milissegundos, enquanto
os efeitos produzidos por hormônios esteróides, por exemplo, ocorrem dentro de
algumas horas ou dias (Fig. 1) (Rang e Dale, 2007).
Os mensageiros químicos extracelulares podem ser classificados de acordo com
a distância que percorrerão do local de sua síntese até a célula alvo, bem como o tipo
de inter-relação entre a célula produtora e a célula alvo. Os sinalizadores secretados
pela própria célula produtora e que atuam em células adjacentes próximas são
chamados de parácrinos, enquanto os sinalizadores que atuam na própria célula
produtora são conhecidos como autócrinos, além dos sinalizadores que são lançados na
corrente sanguínea, cuja célula alvo encontra-se distante, os quais são chamados de
hormônios. Os sinalizadores parácrinos produzidos por células nervosas são
denominados neurotransmissores, os quais são lançados na região entre neurônios,
entre neurônios e fibra muscular ou entre neurônios e glândula exócrina ou endócrina;
essa região é conhecida como fenda sináptica. Os ligantes podem ainda ser

163
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

classificados quanto à sua solubilidade, em hidrossolúveis e lipossolúveis. Os


hidrossolúveis são incapazes de atravessar a membrana celular, e dessa forma, devem
ser reconhecidos por receptores localizados na membrana. Já os compostos
lipossolúveis apresentam alta afinidade química pela membrana podendo, portanto,
atravessar a membrana e atuar dentro das células, chegando muitas vezes ao núcleo,
dessa forma sendo reconhecidos por receptores intracelulares (Isoldi e Castrucci, 2007).

Figura 1 – Relação receptor e tempo de ação (Adaptado de Rang e Dale, 2007)

3 - Interação molécula-receptor

Existe uma diferença importante entre agonistas e antagonistas. Agonistas e


antagonistas são poderosas ferramentas que permitem a caracterização de estruturas e
funções de subtipos de receptores (Squire e col, 2003). Os agonistas ativam os
receptores, enquanto os antagonistas podem se combinar com os mesmos sítios, porém
sem causar ativação desse receptor, e dessa forma bloqueando o efeito dos agonistas.
A ocupação de um receptor por uma molécula de um ligante pode ou não resultar na
ativação desse receptor. A ativação do receptor ocorre através da ligação da molécula
de tal modo que desencadeie uma resposta tecidual. A ligação e ativação representam
duas etapas distintas da geração de uma resposta mediada por um receptor, que é
iniciada por um agonista. A tendência de um ligante se ligar aos receptores é dada
através de sua afinidade. Os ligantes com alta potência geralmente apresentam alta
afinidade pelos receptores e, consequentemente, ocupam uma porcentagem
significativa dos receptores, mesmo em baixas concentrações (Rang e Dale, 2007).

164
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

4 - Tipos de receptores

Segundo a estrutura molecular e a natureza do mecanismo de transmissão, os


receptores são agrupados em quatro superfamílias, a saber: (1) superfamília tipo 1 -
receptores-canal (ou ionotrópicos), receptores de membrana que formam o próprio
canal iônico; (2) superfamília tipo 2 - receptores acoplados à proteína G (GPCRs ou 7-
TM ou metabotrópicos), receptores de membrana acoplados a sistemas efetores
intracelulares por meio de proteína G; (3) superfamília tipo 3 – receptores enzimáticos,
receptores de membrana com domínio intracelular de proteína quinase (em geral,
tirosina quinase, fosfatase e outras) e (4) superfamília tipo 4 - receptores reguladores da
transcrição de genes (ou receptores nucleares ou receptores intracelulares), receptores
solúveis no citosol (Fig. 2).

Figura 2 - Tipos de famílias de receptores

4.1 - Superfamília tipo 1: receptores-canal

Os íons são incapazes de penetrar na bicamada lipídica da membrana celular, e


só podem atravessá-la com a ajuda de proteínas transmembrânicas na forma de canais
ou transportadoras. Os receptores do tipo canal são compostos por 4 ou 5 subunidades
(α, β, γ, δ) combinadas para formar um canal iônico através da membrana (Fig. 3). Cada
subunidade consiste de 4 segmentos transmembrana (TM) referidos como TM1-TM4.
Na ausência de um neurotransmissor, esses canais iônicos permanecem em estado
fechado e são impermeáveis aos íons. A ligação do neurotransmissor induz uma rápida
mudança conformacional que abre o canal, permitindo o fluxo dos íons (Fig. 4). As
mudanças na corrente da membrana resultante da ligação do ligante ao canal
ionotrópico são geralmente mensuradas numa escala de milissegundos. O fluxo iônico

165
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

cessa quando o transmissor se dissocia do receptor ou quando o receptor se torna


dessensibilizado (Squire e col., 2003). O primeiro receptor dessa família a ser clonado,
foi o receptor nicotínico da acetilcolina (nAchR), o qual é usado como modelo para o
estudo da estrutura dos receptores ionotrópicos. Sua estrutura pentamérica (2α, β, γ, δ)
possui dois sítios de ligação à acetilcolina, cada um na interface das duas subunidades
α. Para que o receptor seja ativado, duas moléculas de acetilcolina devem se ligar a
esses sítios e, dessa forma, o canal se abre quase que instantaneamente, permitindo a
passagem de íons (Rang e Dale, 2007).
Os canais controlados por voltagem abrem-se quando a membrana celular é
despolarizada. Essa abertura (ativação) induzida pela despolarização da membrana é
de curta duração, mesmo quando a despolarização é mantida. Os canais mais
importantes nesse grupo são os canais seletivos para sódio, potássio e cálcio.

Figura 3 – Estrutura do receptor canal. Figura 4 - Esquema de abertura do canal.


Retirado de Squire e col., 2003. Retirado de Squire e col., 2003.

Os canais controlados por ligantes são ativados através da ligação de um


mensageiro químico extracelular a um sítio na molécula do canal. Os receptores desse
tipo controlam os eventos sinápticos mais rápidos do sistema nervoso. A maior parte
dos neurotransmissores excitatórios, como acetilcolina, glutamato, ácido gama-amino
butírico (GABA) e ATP agem dessa maneira e causam aumento na permeabilidade ao
Na+ e K+. Alguns canais controlados por ligantes respondem a sinais intracelulares e
não extracelulares, tais como: (i) canais de potássio ativados por cálcio, se abrem,
hiperpolarizando a célula, quando ocorre um aumento da [Ca2+]i; (ii) canais de potássio
sensíveis a ATP, se abrem quando a concentração intracelular de ATP cai. Esses
canais são distintos daqueles que medeiam os efeitos excitatórios de ATP extracelular;
(iii) existem ainda outros canais que respondem a ligantes intracelulares, como canais
de potássio sensíveis a diacilglicerol, cujas funções ainda não estão bem esclarecidas.
Dependendo do íon para o qual o canal é seletivo a alteração no potencial de repouso

166
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

da célula poderá atuar de forma diferente, podendo levar à despolarização


celular, como é o caso de alguns subtipos de receptores de acetilcolina e glutamato, que
são canais de sódio ou cálcio; ou dificultando uma eventual resposta de despolarização
a um estimulo excitatório, como é o caso de GABA e glicina, que são canais de cloro
(Squire e col., 2003).
Os receptores canais de glutamato são responsáveis pelo fenômeno de
potenciação de longo termo (LTP), plasticidade sináptica e neurodegeneração. O influxo
de íons através do canal aberto é conseqüência da liberação de glutamato do neurônio
pré-sináptico e da despolarização da membrana do neurônio pós-sináptico, essa
mudança de voltagem da membrana expele íons Mg2+ que estavam bloqueando o canal,
fazendo com que este permita o influxo de cálcio e a geração de oxido nítrico e/ou
espécies reativas de oxigênio (Kloda e col., 2007).

4.2 - Superfamília tipo 2: receptores acoplados a proteínas G

Os receptores da família tipo 2 são de origem antiga, sendo os primeiros


receptores a emergirem entre os organismos unicelulares. O papel central desses
receptores em organismos multicelulares é refletido por suas divergentes estruturas e
funções. A ligação do mensageiro ao receptor acoplado a proteína G (GPCRs) induz
uma mudança conformacional no receptor, o qual recruta e ativa diferentes proteínas G,
as quais estimulam a geração de adenosina 3’,5’ monofosfato (AMPc), fosfoinositídeos,
diacilglicerol e outros segundos mensageiros. Em termo, esses segundos mensageiros
disparam eventos como ativação de cascatas cinéticas e fosforilação de fatores
citosólicos e transcrição de fatores nucleares (Brivanlou e Darnell, 2002). Os estímulos
extracelulares que ativam os GPCRs incluem luz, íons, nucleotídeos, lipídeos,
esteróides, aminoácidos modificados, peptídeos e hormônios glicoprotéicos (Ben-
Shlomo e col., 2003).

4.2.1 - Estrutura da proteína G

A interação de hormônios, neurotransmissores ou glicoproteínas com os


receptores 7TM na superfície da célula induz uma mudança conformacional do receptor
que ativa a proteína G – composta das subunidades α, β, γ – no interior da célula. No
estágio inativo GDP liga-se à subunidade Gα. (Fig. 5a). Quando a proteína G é ativada,
o GDP é liberado, e o GTP liga-se à subunidade Gα e assim ocorre a dissociação do

167
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

complexo Gα-GTP do complexo Gβγ. Dessa forma tanto Gα-GTP quanto Gβγ
encontram-se livres para ativar seus efetores, como por exemplo canais iônicos ou
enzimas (Pierce e col., 2002). A duração do sinal é determinada pela taxa de hidrólise
do GTP da subunidade Gα e subseqüente reassociação de Gα-GDP com Gβγ (Hamm,
1998). A cinética da ativação da proteína G através dos GPCRs tem sido descrita
recentemente. Baseado em observações de que a atividade GTPásica de proteínas G
isoladas é mais baixa do que sob condições fisiológicas, postulou-se a existência de
mecanismos que aceleram a atividade GTPásica. Vários efetores tem sido apontados
como promotores da atividade GTPásica da subunidade α da proteína G.
Recentemente, uma família de proteínas chamadas “reguladoras da sinalização da
proteína G” (proteína RGS), capaz de aumentar a atividade GTPásica da subunidade α
da proteína G foi identificada (Wettschureck e Offermanns, 2005).
Classicamente, as proteínas G são divididas em quatro famílias baseadas na
similaridade de suas subunidades α: Gαi/0, Gαs, Gαq e Gα12/13 (fig. 5b) (Cabrera-Vera e
col., 2003; Pierce e col., 2002). Cada família consiste de vários membros que
frequentemente mostram padrões de expressão específicos. Membros de uma família
são estruturalmente similares e frequentemente compartilham algumas de suas
propriedades funcionais.

Figura 5 - Mecanismo de ação do receptor acoplado a proteína G. A interação do ligante


exógeno com o receptor de membrana promove a ativação do receptor e sua interação com a
proteína G intracelular. O acoplamento do receptor a proteína G faz com que ocorra uma
mudança de GDP para GTP na subunidade Gα. Gα-GTP então se dissocia do complexo Gβγ e
do receptor. Ambas subunidades estão livres para modular a atividade de uma grande variedade
de efetores intracelulares. O sinal é finalizado quando a γ-fosfatase do GTP é removida pela
intrínseca atividade GTPásica da subunidade Gα, levando a ligação do GDP a Gα. A
reassociação de GDP com Gα completa o ciclo.

168
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Após ativação do receptor acoplado a proteína Gs, adenililciclase (AC) é ativada


pela subunidade α da proteína Gs passando a sintetizar AMPc (Isoldi e Castrucci, 2008).
Existem 9 tipos de adenililciclases conhecidas em mamíferos, as quais podem ser
ativadas pelo complexo cálcio/calmodulina, outras inibidas por baixas concentrações de
cálcio ou por calcineurina (uma proteína fosfatase dependente de Ca2+) ou pela
fosforilação de proteínas quinases II dependentes de Ca2+/calmodulina (CAMK II). Em
alguns casos, a subunidade α da proteína G inibe a adenililciclase (Gi), promovendo
assim uma diminuição dos níveis de AMPc, ou pode ainda ligar-se a canais modulando-
os e dessa forma não exercendo função reguladora sobre adenililciclase (Schwartz,
2001). Para estudar as funções das proteínas Gi tem sido muito utilizada uma toxina
extraída do Clostridium botulinum (toxina de pertússis ou PTX) a qual é capaz de
ribosilar ADP dessas proteínas tornando-as incapaz de interagir com o receptor. Dessa
forma o tratamento com PTX resulta em um desacoplamento do receptor com a proteína
Gi (Wettschureck e Offermanns, 2005).
Depois de formado, o AMPc liga-se a proteínas quinases dependentes de AMPc
(PKAs). Na sua forma inativa, a PKA é formada por duas subunidades reguladoras (R),
e duas subunidades catalíticas (C). Ativação da PKA ocorre através da ligação do AMPc
nas subunidades (R), e subsequente liberação da subunidade (C). Após ativação, PKA
pode atuar em diferentes substratos e desencadear uma variedade de respostas. Na
ausência de AMPc, a subunidade (C) volta a inibir a PKA pela reassociação com a
subunidade (R). As subunidades C livres são capazes de fosforilar o fator de transcrição
CREB, levando a célula a um aumento da transcrição de genes específicos. CREB liga-
se a regiões do gene que contêm um elemento de resposta ao AMPc (CRE) e sob
fosforilação inicia a cascata de expressão de genes (Schwartz, 2001).

169
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 6 - Representação esquemática da cascata de sinalização evocada por proteínas G.


As setas em vermelho representam inibição de um componente da via, e as setas em verde a
ativação. A subunidade Giα inibe adenililciclase, promovendo a diminuição de AMPc. A
subunidade Gsα ao contrario de Giα promove aumento do concentração de AMPc. A subunidade
Gqα ativa a produção de DAG e IP3, e dessa forma IP3 atua em receptores do reticulo
promovendo liberação do cálcio.

A família da proteína Gq é uma das mais bem caracterizadas entre as proteínas


G. Quando a proteína Gq é estimulada, promove a ativação da enzima fosfolipase Cβ
(PLCβ). Uma vez ativada, a PLCβ promove a catálise do fosfolipídio de membrana 4,5-
bisfosfato de fosfatidilinositol, gerando 1,4,5-trisfosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol
(DAG). IP3 difunde-se da membrana para o interior da célula, onde se ligará aos
receptores de IP3 (IP3R), que são canais de cálcio existentes na membrana do retículo
endoplasmático ou sarcoplasmático. Essa ligação promove a abertura desses canais de
cálcio e a conseqüente liberação dos estoques desse íon para o citoplasma. Em muitos
tipos celulares, a liberação de cálcio dos estoques intracelulares induz a abertura de
canais de cálcio da membrana celular, promovendo assim um influxo de cálcio do meio
extracelular para o interior da célula. O DAG permanece na membrana podendo
promover ativação da proteína quinase C (PKC) desencadeando assim uma cascata de
fosforilação, ou ainda, podendo ser clivado, gerando ácido araquidônico, o qual dá inicio
à via de síntese de eicosanóides como as prostaglandinas (Isoldi e Castrucci, 2007).
Existe ainda uma superfamília de proteínas G, referidas como proteínas G
monoméricas (são formadas somente pela subunidade α), ou Ras. Essas proteínas Ras
estão envolvidas em uma variedade de processos celulares, incluindo proliferação,
diferenciação, migração, maturação e apoptose. A ativação de Ras sob estimulação de
GPCRs e receptores de fatores de crescimento é regulada pela mudança do fator

170
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

nucleotídeo de guanina, o qual estimula uma mudança na atividade de GDP/GTP


resultando na ligação do GTP em seu estado ativo à proteína (Schaafsma e col., 2008).
As proteínas Ras processam sinais vindos de receptores tirosina quinase e GPCRs,
para o interior das células, afetando a transcrição gênica (Schenk e Snaar-Jakelska,
1999).

4.3 - Superfamília do tipo 3: receptores enzimáticos

São encontrados quatro receptores com diferentes domínios enzimáticos:


tirosina quinase, serina/treonina quinase, tirosina fosfatase, guanililciclase. Os
receptores do tipo serina/treonina apresentam como ligante o fator de crescimento
transformante beta (TGFβ). Esses receptores se apresentam em dois sub-tipos, os
receptores do tipo I e II, os quais são classificados de acordo com suas propriedades
estruturais e funcionais. O domínio citoplasmático do receptor tipo II é constitutivamente
ativo e este fosforila o receptor tipo I em resíduos serina e treonina em resposta à
ligação do mensageiro extracelular. O receptor tipo I ativado tradicionalmente fosforila
proteínas SMAD citoplasmáticas, dessa forma ativando a transdução do sinal para o
núcleo. As proteínas SMAD ligam-se ao DNA reprimindo ou estimulando a transcrição
de genes e, desse modo, essa cascata de sinalização de TGF-β pode representar um
papel chave na patogênese de várias doenças incluindo o câncer (Wright e col., 2009).
As proteínas tirosina quinase foram identificadas em 1980 como as maiores
representantes no câncer resultando na investigação desses receptores como alvos
terapêuticos. (Levitzki, 2003). Receptores tirosina quinase (RTK) são glicoproteínas
transmembrânicas que são ativados pela ligação de ligantes cognatos e transduzem o
sinal extracelular para o citoplasma através da fosforilação do resíduo de tirosina no
próprio receptor (autofosforilação) (Hubbard e Till, 2000). Os RTKs ativam numerosas
vias de sinalização dentro da célula, levando a proliferação, diferenciação, migração, ou
mudanças metabólicas. A família dos RTKs inclui os receptores de insulina e muitos
fatores de crescimento, tais como fator de crescimento epidérmico (EGF), fator de
crescimento de fibroblasto (FGF), fator de crescimento derivado de plaqueta (PDGF),
fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). Os RTKs consistem de uma porção
extracelular que se liga aos ligantes polipeptídicos, uma hélice transmembrânica e uma
porção citoplasmática que possui tirosina quinase com atividade catalítica. A grande
maioria de RTKs é monomérica e dimeriza-se na presença do ligante. A ativação do
receptor pelo ligante leva à ativação da porção quinásica do receptor, resultando em

171
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

autofosforilação e fosforilação de substratos SHC, o que culmina com a ativação da


proteína G monomérica Ras. Nas vias de sinalização de receptores monoméricos, a
cascata de MAP quinases (MAPK) é recrutada, resultando na ativação de fatores de
transcrição como CREB, c-Fos e Elk-1, envolvidos na transcrição de genes relacionados
à proliferação celular. Em adição aos RTKs, existe uma ampla família de tirosina
quinases citosólicas não receptoras (NRTKs), as quais incluem Src, Janus Kinases
(Jaks), Ab1. Os NRTKs são componentes das cascatas de sinalização disparadas por
RTKs e por outros receptores de superfície como receptores acoplados a proteína G e
receptores do sistema imunológico (Hubbard e Till, 2000).
Em contrapartida, os receptores tirosina fosfatase, quando ativados por ligantes,
desfosforilam proteínas celulares. Esses receptores têm sido implicados na
angiogênese e na adesão celular (Isoldi e Castrucci, 2007).
Os receptores guanililciclases (GC) são ativados por um hormônio peptídico
denominado peptídeo atrial natriurético (ANP), o qual possui um importante papel na
regulação da homeostase cardiovascular, através da manutenção da pressão arterial.
As ações dos peptídeos natriuréticos são mediadas por sua ligação a três tipos de
receptores. Os receptores NPR A e B (receptor peptídico natriurético A e B) são
guanililciclases que aumentam a concentração intracelular de GMPc e ativam proteínas
quinases dependentes de GMPc. A ativação dos receptores NPRC resulta na inibição da
atividade da adenililciclase (Woodard e Rosado, 2008)

4.4 - Superfamília do tipo 4: receptores reguladores da transcrição de


genes

A família de receptores reguladores da transcrição de genes ou receptores


nucleares (NR) compreende fatores de transcrição de uma grande família de genes,
incluindo receptores de hormônio da tireóide (TH), esteróides, retinóides, vitamina D,
colesterol entre outros. Os receptores nucleares são bem difundidos e representam
importante papel no desenvolvimento, metabolismo, homeostase e doenças (Togash e
col., 2005). A ativação dos receptores nucleares ocorre através de ligantes lipofílicos,
fosforilação e interação com outras proteínas. Estes podem ativar ou reprimir genes
alvos pela ligação direta ao elemento responsivo ao DNA como homo- ou hetero-
dímeros ou pela ligação de outras classes de fatores de transcrição ligados ao DNA.
Essa atividade tem sido relacionada à formação de complexos com moléculas que
parecem servir como co-ativadoras ou co-repressoras, causando modificação local da
estrutura da cromatina para regular a expressão desses genes alvo (Hart, 2002).

172
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Os receptores nucleares representam uma classe evolutiva altamente


conservada de fatores de transcrição em mamíferos, e podem ser classificados de
acordo com o tipo de hormônio que se liga a eles. Desse modo os receptores são
divididos em: esteróides (glicocorticóides, mineralocorticóides, andrógenos e estrógeno),
derivados de esteróides (vitamina D3), não esteróides (hormônios da tireóide, retinóides,
prostaglandinas) e receptores para os quais não foi encontrado ainda um ligante
específico (receptores órfãos). A diferente classificação é baseada no modo de ligação
ao elemento responsivo ao DNA, e assim são classificados dentro de quatro grupos,
dependendo de sua habilidade para se ligar à sequência de DNA e dimerizar: (1) os
receptores esteróides são associados com a proteína de choque térmico (“shock heat”
hsps). A ligação do hormônio leva a mudança conformacional, dissociação da proteína
hsps e ligação a sequências do DNA como homo-dímeros. Deste modo o papel do
hormônio é induzir a ligação ao DNA; (2) a segunda classe representa os receptores tais
como hormônios da tireóide, retinóides, prostaglandinas e vitamina D3. Membros dessa
classe são ligados ao DNA na ausência do hormônio. A ligação do ligante ao receptor
leva a mudança conformacional do domínio de ligação ao hormônio e conseqüente
ativação transcricional. Os receptores dessa classe são predominantemente ligados ao
DNA como hetero-dímeros; (3) os receptores órfãos que podem se ligar ao DNA como
formas monoméricas; (4) ou como dímeros (Tenbaum e Baniahmad, 1997).
Em geral, os receptores nucleares possuem em comum três domínios: um
variável domínio amino-terminal de ligação ao promotor, um domínio de ligação ao DNA
altamente conservado (DBD), e um domínio c-terminal menos conservado, de ligação
ao ligante (LBD) (Ribeiro e col., 1995). O motivo de ligação ao DNA é essencial para o
reconhecimento do elemento responsivo pelo receptor. O motivo de ligação consiste de
66 aminoácidos contendo dois motivos em dedos de zinco. Quatro resíduos de cisteína
altamente conservados são requeridos para coordenar a ligação dos íons Zn2+ (Ribeiro
e col., 1995; Tenbaum e Baniahmad, 1997). O LBD confere especificidade na ligação ao
ligante e possui um número de funções reguladas por essa ligação. Essas funções
incluem a liberação do receptor do complexo hsps, translocação para o núcleo,
homodimerização, heterodimerizção e ativação transcricional (Ribeiro e col., 1995).

173
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Fotorrecepção: principal aferência para sincronização dos


osciladores endógenos

Sanseray da Silveira Cruz-Machado


Laboratório de Cronofarmacologia
sanseray@usp.br

Para que ocorra um bom e adequado funcionamento do organismo é necessário


que este esteja pronto para receber determinada informação para gerar uma resposta.
Este conceito implica na antecipação do que ocorre no ambiente para que a resposta
efetuada seja apropriada. Considerando que a ritmicidade diária é imposta pelo
ambiente, e que esta informação é interpretada e coordenada pelos osciladores
endógenos torna-se necessário a existência de sensores que percebam esta variação
temporal no ambiente (Fig. 1).

Figura 1 – Diagrama do sistema de temporização circadiana de mamíferos: Através da


fotorrecepção a retina envia aferências neurais através do trato retino-hipotalâmico para
sincronizar o oscilador endógeno. Esta sincronização por sua vez, promove ajuste das respostas
fisiológicas, metabólicas e comportamentais do organismo (Modificado de Serón-Ferré e col.,
2002).

Através de fotopigmentos, os seres vivos percebem as variações ambientais de


luminosidade. Nos vertebrados não-mamíferos, os fotopigmentos podem estar
localizados na glândula pineal, em áreas profundas do cérebro e na retina. Tais

174
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

fotopigmentos respondem à luz que penetra pela pele, crânio e pelo tecido cerebral. No
entanto, em mamíferos a fotorrecepção é feita exclusivamente por fotopigmentos
presentes nas células da retina. Dentre as principais células retinianas (Fig. 2) podemos
citar os cones, bastonetes, células ganglionares, células amácrinas e as células
bipolares (Menaker, 2003).

Figura 2 – Esquema simplificado que mostra os principais tipos celulares da retina:


fotorreceptores (cones e bastonetes), células bipolares, células amácrinas, células horizontais e
células ganglionares. (Retirado de Baldo e Hamassaki-Britto, 1999).

Os cones possuem uma estrutura especial que ajuda na detecção de detalhes


da imagem, como por exemplo, o formato de um corpo ou de um objeto e ainda a visão
em cores. Já os bastonetes são os principais responsáveis pela visão no escuro.
Basicamente, os cones e os bastonetes apresentam dois segmentos (interno e externo)
que são responsáveis por funções distintas (Fig. 3). No segmento interno, são
encontradas organelas responsáveis pelo bom funcionamento celular. No segmento
externo há a presença de grande número de discos que correspondem a invaginações
da membrana celular. Cada célula fotorreceptora possui cerca de 1.000 discos contendo
fotopigmentos. No caso dos bastonetes, o fotopigmento presente é a rodopsina e nos

175
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

cones as substâncias fotoquímicas possuem composição apenas ligeiramente diferente


da composição da rodopsina. Tanto a rodopsina como os outros fotopigmentos são
proteínas conjugadas que estão incorporadas às membranas dos discos sob forma de
proteínas transmembrânicas. As concentrações desses pigmentos fotossensíveis nos
discos são tão altas que eles constituem aproximadamente 40% da massa total do
segmento externo e funcionam praticamente da mesma maneira que a rodopsina, no
entanto sua sensibilidade espectral é diferente (Guyton e Hall, 2002).

Figura 3 – Células Fotorreceptoras especializadas da retina: Cones e Bastonetes são


divididos em: segmento externo (responsável pela fototransdução), segmento interno (onde se
encontra a maquinaria biossintética da célula) e o terminal simpático (que faz sinapse com outros
neurônios; (Retirado de Baldo e Hamassaki-Britto, 1999).

Quando a energia luminosa é absorvida, as substâncias químicas presentes no


segmento externo de cones e bastonetes se decompõem pela exposição à luz e, no
processo, excitam fibras nervosas. Após deixarem as retinas, estes impulsos nervosos
seguem em direção centrípeta pelos nervos ópticos e no quiasma óptico, todas as fibras
das metades nasais das retinas cruzam para o lado oposto para se juntar as fibras
retinianas temporais para formar os feixes ópticos. As fibras de cada feixe óptico fazem
sinapse no núcleo geniculado lateral dorsal. Desse núcleo saem fibras que se dirigem
ao córtex visual primário (Fig. 4) situado na área calcarina do lobo occipital (Guyton e
Hall, 2002).

176
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

É importante salientar, que a informação sobre a luminosidade percebida pelos


fotorreceptores/fotopigmentos é o principal estímulo ambiental que sincroniza os
osciladores endógenos. Acreditou-se, por muito tempo que os cones e bastonetes,
fotorreceptores visuais clássicos da retina, constituíssem também os principais
fotorreceptores para transmissão das informações sobre o ciclo claro/escuro ambiental
para o relógio biológico endógeno. No entanto, quando estes fotorreceptores são
eliminados seletivamente em experimentos com ratos e camundongos sem que haja
dano adicional à retina, não causam alteração na sincronização circadiana,
demonstrando que outro fotorreceptor está envolvido no envio de informações
ambientais para ajustar o relógio biológico central (Menaker, 2003).
De fato, recentemente foi demonstrada a existência da melanopsina, um
fotopigmento presente nas células ganglionares da retina, que faz parte de uma
superfamília de receptores acoplados a proteínas G altamente sensíveis à luz. A
melanopsina é expressa na retina em todas as classes de vertebrados examinadas até
o momento, sendo vista desde peixes até mamíferos. O padrão de expressão de
melanopsina difere entre as classes de vertebrados, mas sua presença em células
ganglionares da retina é constante. Nos mamíferos, essas são as únicas células que
expressam melanopsina (Panda e col., 2002, revisto por Rollag e col., 2003).

Figura 4 – Corte longitudinal do cérebro de rato ilustrando as vias aferentes para os NSQs
originárias da retina através do trato retino-hipotalâmico e do folheto intergeniculado (IGL)

177
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

através do trato geniculo-hipotalâmico. Note que a via retiniana emite projeções para a região
occipital através do trato óptico para as áreas visuais específicas e que o TRH atua sobre o IGL,
que por sua vez atua sobre os NSQs em mecanismo de feedback (Modificado de Esseveldt e
col., 2000).

Em mamíferos as informações visuais percebidas por cones e bastonetes


seguem pelo trato óptico até atingir as áreas visuais específicas localizadas no córtex
occipital. Por outro lado, as informações relacionadas ao ciclo claro/escuro ambiental
são percebidas pela melanopsina das células ganglionares e projetadas através do trato
retino-hipotalâmico (TRH) para uma importante região do hipotálamo onde estão
localizados os núcleos supraquiasmáticos (NSQs) sincronizando este oscilador (Fig. 4).
Em resposta a luz os neurotransmissores glutamato e PACAP (do inglês, pituitary
adenilate cyclase-activating peptide) são liberados no terminal axonal do TRH (Fig. 5) e
estimulam seus receptores localizados nos neurônios dos NSQs para que a sinalização
intracelular promova o arrastamento do oscilador endógeno (Hannibal, 2002, Hirota e
Fukada, 2004, revisto por Meijer e Schwartz, 2003).

Figura 5 – Visão esquemática da circuitaria retiniana demonstrando a entrada de luz ao sistema


circadiano através das células ganglionares projetando esta informação para os NSQs. Estas

178
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

células contendo melanopsina estimulam a liberação dos neurotransmissores PACAP e


glutamato. A via de transdução de sinal envolve a liberação de glutamato e/ou PACAP e sua
atuação em seus receptores de membrana, promovendo mudanças nos níveis intracelulares de
Ca2+ e a ativação de kinases como MAPK (mitogen-activated pepitide kinase), PKA (cAMP-
2+
activater protein kinase) e CaMK (Ca -Calmodulin-dependent kinase). Por último, estes sinais
intracelulares poderão promover a fosforilação e ativação de CREB (cAMP-response-element-
binding protein) e induzir transcrição gênica (Retirado de Morse e Sassone-Corsi, 2002, revisto
por Meijer e Schwartz, 2003).
Além da percepção da luminosidade ambiental realizada pelas células
ganglionares da retina (aferência retiniana), trabalhos descrevem aferências neurais
originárias de outras regiões do sistema nervoso central que influenciam e/ou modulam
a sincronização dos NSQs. Exemplificaremos esta modulação através das duas maiores
aferências extra-retinianas projetadas aos NSQs originárias do folheto intergeniculado
do tálamo (IGL) e do núcleo da rafe.
O IGL envia densas projeções neurais aos NSQs contendo neuropeptídeo Y
(NPY, Fig. 6). A infusão de NPY nos NSQs em animais em livre-curso promove uma
mudança de fase no ritmo circadiano da atividade locomotora destes animais.
Consistente com esta observação, estudos demonstraram que a lesão bilateral do IGL
bloqueia a atividade locomotora induzida por mudanças de fase, sugerindo portanto que
o trato geniculo-hipotalâmico medeia a entrada de estímulos não-fóticos para modular a
sincronização do relógio biológico (Moga e Moore, 1997)

Figura 6 – Representação esquemática da organização circadiana de mamíferos em


relação às aferências projetadas para os NSQs: A informação sobre luminosidade ambiental
capitada pelas células ganglionares permite liberação de glutamato pelo TRH, que atua nos

179
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

NSQs e no IGL. Do IGL há liberação de NPY que pode ser estimulado por glutamato do TRH. Do
núcleo da rafe há liberação de serotonina. A liberação desses transmissores atua na
transcrição/repressão de genes que permitirão a sincronização do organismo e geração de
ritmos fisiológicos, metabólicos e comportamentais (Retirado de Ibata e col., 1999).

Os NSQs recebem ainda densa inervação de fibras contendo 5-hidroxitriptamina


(5-HT, serotonina) originárias do núcleo da rafe dorsal (Fig. 6). Além disso, os NSQs
possuem diferentes subtipos de receptores para 5-HT (Brown e Piggins, 2007). Os
efeitos deste neurotransmissor sobre o funcionamento dos NSQs parecem ser
predominantemente inibitórios tanto em ratos (hábito noturno) quanto em hamsters
(hábitos diurnos). In vivo, os NSQs de ratos exibem um aumento na sensibilidade a
serotonina durante a noite. É interessante ainda, que agonistas de receptores de
serotonina inibem a atividade locomotora induzida pela luz em hamsters. Serotonina e
agonistas de receptores 5-HT também são conhecidos por promover mudança de fase
em ratos e camundongos, além de avanço de fase quando administrado durante o dia
(Brown e Piggins, 2007).
No início deste capítulo descrevemos que através dos fotopigmentos a maioria
dos seres vivos percebe as variações luminosas do ambiente. Até o momento,
apresentamos que a luz é a principal aferência sincronizadora dos NSQs (Fig. 7) e que
esta informação é percebida pela melanopsina presente nas células ganglionares da
retina. Em vertebrados não-mamíferos, é possível encontrar células fotorreceptoras em
outros locais além da retina, como em áreas profundas do cérebro e na glândula pineal.
Ainda é discutida a relevância da presença de fotorreceptores em áreas profundas do
cérebro, bem como sua função. No entanto, é bem evidente que em peixes, anfíbios e
aves a glândula pineal possui células fotorreceptoras semelhantes às células da retina.
Em mamíferos a glândula pineal é tipicamente endócrina e, portanto, não possui
fotorreceptores desenvolvidos (Bloom e Fawcet, 1994).

180
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 7 – Representação esquemática dos efeitos da luz sobre o ritmo circadiano de um animal
em ciclo de claro/escuro (LD, Light/Dark) e, portanto, sincronizado pela a um ritmo de 24 horas.
Quando este animal é mantido em escuro constante (DD, Dark/Dark) entra em livre curso. Um
pulso de luz no final do período de atividade promove um adiantamento de fase (phase advance)
e um pulso de luz no início do período de atividade promove um atraso de fase (phase delay). As
barras pretas indicam a atividade do animal (roedor se movimentando na gaiola, bebendo água
ou se alimentando) em dias sucessivos. A lesão nos NSQs faz com que a luz ambiental não seja
mais interpretada (apesar de ainda estar sendo percebida) havendo desincronização, o que
explica a fragmentação do registro de atividade deste animal (Retirado de Esseveldt e col.,
2000).

Morfologicamente, os pinealócitos de vertebrados não-mamíferos apresentam


muitas analogias estruturais, funcionais e bioquímicas aos fotorreceptores retinianos
(Fig. 8), pois possuem segmento externo contendo discos como os cones e bastonetes,
além de possuir o fotopigmento rodopsina nestes discos (Oishi e col., 2001). Assim
como as células retinianas, os pinealócitos fotosensíveis são passíveis de transformar a
informação luminosa ambiental em um sinal neural. Além disso, sintetizam melatonina
ou seja, realizam uma função a mais (fotorrecepção) sem perder as características
teciduais endócrinas deste órgão (Meissl, 1997).

181
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 8 – Evolução filogenética dos pinealócitos e sua estrutura microscópica: (A) Em


peixes, anfíbios, répteis e aves as células da pineal atuam como células fotorreceptoras ou
células fotorreceptoras rudimentares, enquanto que em mamíferos, as células da pineal são
caracterizadas como pinealócitos, as quais apresentam apenas característica endócrina
(Retirado de Nelson, 1995).

Para exemplificar, podemos utilizar o exemplo de aves, em que a existência de


fotorreceptores extra-retinianos em diversas espécies já foi bem estuda e descrita, como
em codornas japonesas e patos. Nestes animais, os estudos indicam um sistema multi-
fotorreceptor (Fig. 9) em que os fotorreceptores presentes na glândula pineal, retina e
em áreas profundas do cérebro atuam também como osciladores (relógios biológicos),
modulando as funções fisiológicas do organismo como a reprodução, devido a presença
de resposta máxima do crescimento gonadal mesmo com extirpação do globo ocular e
com pinealectomia (isoladamente, ou de forma combinatória). Esta função reprodutiva
está presente sem que haja desincronização do organismo (ver revisão Oishi e col.,
2001).

182
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 9 – Representação esquemática do sistema circadiano de mamíferos e vertebrados


não-mamíferos: Em mamíferos, o sistema circadiano é definido como um sistema unificado, em
que a luz é percebida por fotorreceptores retinianos para sincronizar o oscilador central (NSQs) e
gerar uma eferência (ex. Produção de melatonina pela glândula pineal). Já os vertebrados não-
mamíferos possuem organização em sistema de multi-fotorreceptores, onde a luz é percebida
por fotorreceptores situados em diferentes locais, os quais também atuam como osciladores para
gerar eferências para modular o funcionamento fisiológico, metabólico e comportamental do
organismo (Modificado de Oishi e col., 2001).

Em resumo, podemos concluir que vertebrados mamíferos e não mamíferos


utilizam a fotorrecepção para ajustar o oscilador/osciladores endógenos ao ciclo
claro/escuro ambiental. Para que isso ocorra, existem células especializadas que
traduzem um estímulo luminoso em um estímulo elétrico e químico para orquestrar um
bom funcionamento fisiológico do organismo. Comparativamente, existem diferenças
entre a fotorrecepção de mamíferos, visto que é exclusivamente retiniana, com a
fotorrecepção de vertebrados não-mamíferos que além de ocorrer na retina, também
ocorre em áreas profundas do cérebro e na glândula pineal. Podemos concluir também,

183
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

que em relação aos mamíferos a presença de melanopsina permite a percepção de uma


informação específica para o ajuste do oscilador central e que este mecanismo é
passível de modulação por vias neurais provenientes de outras áreas do sistema
nervoso central (extra-retinianos).

184
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Bases Moleculares do Relógio Biológico Central

Erika Cecon
Laboratório de Cronofarmacologia
erika.cecon@usp.br

1 - Identificação anatômica do relógio biológico central

Após a comprovação científica da existência de ritmos biológicos endógenos, as


pesquisas nesse campo avançaram na direção de identificar a menor unidade
responsável pela geração dessa ritmicidade.
O estudo da maquinaria do relógio biológico adquiriu especial importância com
os estudos de Curt P. Richter que, em 1960, reuniu uma quantidade considerável de
dados provenientes de pacientes hospitalizados, demonstrando que nas mais diversas
moléstias poderia ser encontrada ao menos uma variável rítmica. É atribuído a este
mesmo autor os primeiros experimentos voltados para a identificação anatômica do
oscilador circadiano de vertebrados.
De maneira geral, esses primeiros ensaios consistiam em lesionar diversos
órgãos e verificar o efeito da lesão no ritmo de atividade locomotora de ratos. Nessa
mesma linha de experimentos, o grupo de Michael Menaker, em 1971, demonstrou que
a extirpação da glândula pineal causava arritmicidade em pardais (Binkley e col., 1971).
A continuação desses estudos provou ainda que o transplante deste órgão entre
indivíduos mantidos em condições de claro/escuro deslocados de 12h fazia com que
cada indivíduo passasse a expressar atividade de acordo com a fase determinada pelo
doador. Com este dado ficou definitivamente comprovado que a glândula pineal
corresponde ao oscilador circadiano nessas aves (Menaker e Zimmerman, 1976), pois
este órgão obedecia aos dois critérios estabelecidos por Inouye e Kawamura (1979)
para que uma estrutura possa ser considerada um oscilador endógeno. Tais critérios
são:
- persistência da oscilação em condições de cultura (in vitro), ou seja, na
ausência de aferências e eferências;
- transferência do padrão de oscilação no caso de transplante do órgão, sendo
que o indivíduo transplantado passa a exibir o período e a fase da oscilação
correspondente ao que era encontrado no indivíduo doador.

185
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Este último quesito, porém, só poderia ser utilizado no caso de um oscilador que
se comunique com o resto do organismo por vias humorais, como é o caso da glândula
pineal nos pardais, pois a técnica de transplante não se aplicaria se a estrutura se
comunicasse por vias neurais, como parecia ser o caso nos roedores (Inouye e
Kawamura, 1979).
Em continuidade aos experimentos de Richter em busca do oscilador de
mamíferos, Stephan e Zucker (1972) realizaram lesões sucessivas em diferentes
regiões do hipotálamo de ratos e identificaram os núcleos supraquiasmáticos (NSQs)
como a estrutura final de suas buscas. Moore e Eichler (1972) chegaram à mesma
conclusão na mesma época, com a marcação com composto radioativo dos nervos que
saem da retina e seguem por uma rota nervosa distinta daquela responsável pela visão,
o trato retinohipotalâmico, cujo ponto final são os NSQs. Com tais experimentos, ficou
constatado não somente que os NSQs estão altamente relacionados aos ritmos
biológicos como também que estes comunicam-se diretamente com o meio externo
através do trato retinohipotalâmico, o que lhes permite ter acesso direto às informações
ambientais captadas sensorialmente pela percepção retiniana.
Em 1979, Inouye e Kawamura conseguiram isolar os NSQs in vivo, cortando
todas as ligações neurais entre os NSQs e o restante do hipotálamo, construindo o que
eles descreveram como “ilha hipotalâmica”. Neste experimento, eles demonstraram a
existência de ritmos circadianos na atividade elétrica detectada por eletrodos
implantados na região hipotalâmica externa e interna aos NSQs antes do isolamento
neural. Após este isolamento, a ritmicidade era evidenciada somente nos potenciais
medidos pelos eletrodos internos, ficando a região externa arrítmica (Fig.1).

Figura 1 – Ritmo circadiano de disparos no núcleo caudado e no hipotálamo de animais intactos


(A) ou na ilha de NSQ isolado (B). Nas abscissas, a barra preta indica a fase de escuro, das
21h00 às 09h00 (Retirado de Inouye e Kawamura, 1979).

186
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Por fim, o experimento que faltava para sanar qualquer dúvida remanescente a
respeito da identidade do relógio biológico de mamíferos era o transplante dessa
estrutura entre animais que apresentassem diferentes fases ou período para um mesmo
ritmo, de acordo com os critérios já citados. Isso só foi possível muitos anos depois e foi
realizado em hamsters “tau-mutantes” (que apresentam mutação no período circadiano,
τ ≈ 20h), cujos NSQs foram transplantados em hamsters selvagens (τ ≈ 24h). Os
animais selvagens, ao terem os NSQs lesionados, ficaram arrítmicos e, após o
transplante, passaram a apresentar ritmos de atividade-repouso com o mesmo período
do doador mutante (Ralph e col., 1990). Confirmara-se então o caráter oscilatório dos
NSQs de mamíferos.
Apesar destas primeiras conclusões a cerca do oscilador circadiano central de
mamíferos terem sido continuamente comprovadas com o passar dos anos, o mesmo
não foi observado para os estudos com as aves. Em cada espécie, ou até mesmo
família, estudadas, o sistema oscilatório (aferências, oscilador central e eferências)
apresenta composições estruturais distintas entre si e daquelas observadas
primeiramente em pardais.

2 - Da estrutura à célula

Desde os primeiros estudos a respeito dos ritmos biológicos, mesmo quando


ainda muito pouco era conhecido sobre este assunto, já era postulado que os
mecanismos básicos da maquinaria do relógio seriam encontrados na menor unidade
organizacional que compõe os organismos vivos – a célula. Essa hipótese se justificava
devido à presença de ritmos circadianos já bem descritos nos mais diversos táxons, de
vertebrados a organismos unicelulares como Euglena e Paramecium e, inclusive, em
células neuronais em cultura (Strumwasser, 1965).
Após concluir que os osciladores circadianos de mamíferos estão nos NSQs, os
cientistas passaram a analisar quais as características destas células seriam as
responsáveis para que esta estrutura exerça esta importante função. Considerando que
os NSQs são um conglomerado de neurônios, qual seria então a variável
correspondente ao oscilador circadiano nos NSQs?
Estudando essas células, foi observado que elas apresentam ritmos auto-
sustentados de consumo de glicose e de disparos de potenciais de ação (Schwartz e
Gainer, 1977; Schwartz, 1980). Pressupunha-se então que o ritmo metabólico era uma
conseqüência do ritmo de atividade (disparos) destes neurônios, e esta foi a primeira

187
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

variável candidata a ser a essência do oscilador – a atividade elétrica. Essa


possibilidade se fortalecia ainda mais pelo fato de outras estruturas oscilatórias, como a
glândula pineal, retina e os olhos de insetos e moluscos (Block e Wallace, 1982) –
identificados como osciladores nos invertebrados – também serem de natureza
neuronal.
O trabalho fundamental no teste desta hipótese foi o de William Schwartz, em
1987, no qual foi realizada uma infusão crônica de tetrodotoxina (TTX) no NSQ de ratos
cirurgicamente cegos (ou seja, animais que não podiam se sincronizar à informação
luminosa ambiental e, portanto, expressavam seus ritmos em livre-curso). TTX é um
bloqueador seletivo de canais de sódio voltagem-dependentes que impede o disparo de
potenciais de ação nos axônios. Conforme pode ser observado na Fig. 2, os animais
perfundidos com solução-veículo (fluido cérebro-espinhal) apresentaram ritmo de
atividade em livre-curso, com tau um pouco maior que 24h, enquanto que os animais
perfundidos com TTX tornaram-se totalmente arrítmicos durante a perfusão (Fig.2). O
fato realmente interessante foi que, após o término da perfusão, os animais não só
retomaram seu ritmo de atividade em livre-curso, com o mesmo tau, mas também
retomaram a mesma fase prevista caso o livre-curso não tivesse sido interrompido
nesses 14 dias.
Dessa forma, esses autores confirmaram sua hipótese de que a atividade
elétrica dos NSQs corresponde somente aos mecanismos de aferência (quando
sincronizados pela informação luminosa) e eferência (controlando os demais ritmos do
organismo, estejam eles sincronizados ou em livre-curso) do oscilador, mas não sua
essência, pois ele continuava sendo capaz de “contar” o tempo (ciclar) mesmo na
presença de TTX.
Este resultado foi ainda corroborado em condições de cultura: o mesmo
tratamento com TTX foi realizado com os neurônios dos NSQs in vitro. Após ter sua
atividade de disparo de potenciais inibida por dois dias e meio, quando a droga era
retirada os potenciais retornavam em fase consistente com a projetada a partir do ritmo
exibido antes do tratamento (Welsh et al., 1995). O mesmo trabalho também
demonstrou que uma única célula neuronal é capaz de apresentar ritmo circadiano de
atividade de disparos e, mais ainda, que cada célula de uma mesma cultura apresenta
ritmo circadiano independente. Esses dados indicam então que esta atividade neuronal
de disparos não é necessária nem para o funcionamento do oscilador e nem para
sincronizar as demais células neuronais vizinhas.

188
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 2 – Actogramas de dois ratos cegos, implantados com cânulas no NSQ. Fluido cérebro-
espinhal artificial (A) ou tetrodotoxina (B) foram perfundidos durante os 14 dias indicados pelas
setas (Retirado de Schwartz e col., 1987).

Assim, reunindo estas informações com os dados sobre ritmos observados em


organismos unicelulares, chegava-se então à unidade básica do oscilador endógeno: a
célula.

3 - Da célula às bases moleculares

A partir deste ponto, novas discussões foram iniciadas a respeito de qual


compartimento celular (núcleo ou citoplasma) exerceria o papel de relógio central.
Muitos experimentos com organismos anucleados que continuavam apresentando
ritmicidade apontavam para a hipótese de que o citoplasma seria a porção celular
essencial para a manutenção dos ritmos circadianos (Karakashian e col. 1976) Por outro
lado, a realização de experimentos com actiomicina-D, um inibidor de transcrição
gênica, apontavam para a importância do núcleo (Karakashian e Hastings, 1962; Snyder
e col., 1967).

189
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Mas por onde começar a busca pelo relógio biológico dentro do núcleo celular?
Desde a década de 30, o pesquisador alemão Erwin Bünning, através de estudos de
ritmos em plantas, já previa que, se a antecipação era algo tão generalizado dentre os
organismos vivos e a percepção do tempo algo tão importante, deveria haver uma base
genética para essa característica se perpetuar (Chandrashekaran, 2007). Essa teoria
pôde ser confirmada com a descoberta de algumas moscas-da-fruta (Drosophila
melanogaster) que apresentavam aberrações em seus ritmos de postura de ovos e/ou
de eclosão.
Percebeu-se então que este modelo seria muito útil ao estudo dos ritmos
biológicos, já que tratava-se de um organismo de fácil manipulação, desenvolvimento
rápido e com o qual era possível obter os mais variáveis mutantes. Iniciaram-se assim
uma série de experimentos genéticos com este organismo, sendo que os alvos das
primeiras mutações eram genes responsáveis pelo desenvolvimento e funcionamento
do organismo como um todo, pois partiam do pressuposto de que a expressão de um
ritmo requer um sistema integrado (Konopka e Benzer, 1971).

190
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 3 – Ritmo de eclosão em livre-curso (escuro


constante) de Drosophila melanogaster
ritmicamente normais (A) ou mutantes (B-D),
previamente mantidas em ciclo claro/escuro
12h:12h. T=20º (Retirado de Konopka e Benzer,
1971).

Um dos primeiros trabalhos selecionou três mutantes de Drosófila para estudar


os ritmos de eclosão e de locomoção. Um dos mutantes era arrítmico, outro exibia um
período de 19h e o terceiro tinha período de 28h em relação ao ritmo de eclosão das
pupas, conforme demonstram os gráficos na Fig. 3. O ritmo de locomoção também se
encontra alterado nesses mesmos mutantes (Fig.4), confirmando a ausência da
expressão do relógio circadiano.
Este trabalho de 1971 foi importante por ter demonstrado a base genética de
ritmos circadianos comprovando, inclusive, que os genes mutados responsáveis pelos
fenótipos de ritmos alterados estão ligados ao cromossomo X (Konopka e Benzer,
1971).

191
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 4 – Ritmo de atividade locomotora em Drosófilas ritmicamente normais (A) ou mutantes


(B-D), T=25ºC (Retirado de Konopka e Benzer, 1971).

Como essas mutações resultaram em uma alteração no período dos ritmos até
mesmo em condições constantes, o gene mutado recebeu o nome de per (period), e foi
o primeiro dos chamados “genes do relógio” a ser descoberto, pois afeta a maquinaria
básica do oscilador.

4 - Os genes do relógio de Drosophila melanogaster e sua auto-regulação

Os estudos genéticos em Drosófilas contribuíram muito para a descoberta dos


mecanismos moleculares do relógio circadiano de mamíferos, pois estimularam a
descoberta e descrição de diversos outros genes do relógio, sendo que muitos genes
ortólogos a estes foram encontrados em mamíferos.
Em 1990, Hardin e colaboradores descreveram que a própria proteína do gene
per de Drosófila é necessária para que ocorra o acúmulo cíclico de seu RNA
mensageiro. Dessa forma, a proteína auto-regularia sua própria transcrição em um
mecanismo de alças de feedback negativo e, conforme sabemos hoje, este é o
mecanismo básico através do qual os genes do relógio expressam sua ritmicidade e
regulam a transcrição de seus próprios componentes e de outros genes alvos.
Atualmente, a maquinaria molecular do relógio biológico de Drosófila
compreende as seguintes proteínas (e seus respectivos genes): CLOCK (CLK), CYCLE
(CYC), TIMELESS (TIM), CRYPTOCHROME (CRY), VRI e PDPI.
O heterodímero CLK:CYC ativa a transcrição gênica de per e tim. Por sua vez, o
hetrodímero PER:TIM, quando fosforilado, transloca-se ao núcleo e inibe sua própria

192
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

transcrição. Outro feedback negativo ocorre entre CLK:CYC e VRI e PDI, sendo que a
transcrição dessas duas últimas é dependente de CLK:CYC e a transcrição de dClock é
regulada por VRI e PDI, que apresentam efeitos antagônicos. Já a proteína CRY tem
sido relacionada ao processo de sincronização do relógio ao ciclo claro-escuro
ambiental, atuando como uma fotopigmento sensível à luz azul. Quando ativada pela
luz, CRY leva a uma rápida degradação de TIM, o que faz com que o relógio possa ser
zerado (reset) diariamente (Ashmore e Sehgal, 2003). A relação entre essas alças de
retroalimentação está representada na Fig. 5 a seguir.

Figura 5 – Alças de feedback interconectadas do relógio biológico de Drosophila melanogaster


(Retirado de Paranjpe e Sharma, 2005).

O mecanismo pelo qual essa rede é capaz de regular a expressão dos mais
diversos ritmos biológicos no organismo obedece aos mesmos princípios que são
encontrados nos mamíferos, e estão explicados em maiores detalhes no item seguinte.

5 - Os genes do relógio de mamíferos e seus mecanismos de auto-


regulação

Além da verificação da existência em mamíferos de ortólogos do gene per da


Drosófila (per 1, 2 e 3), também foram identificados ortólogos para Clock (Vitaterna e
col., 1994) e Cryptochrome. Atualmente, o relógio central molecular de mamíferos é
composto por pelo menos 11 proteínas distintas: PERIOD1, PERIOD2, PERIOD3,
CLOCK, BMAL1 (do inglês, brain and muscle ARNT-like 1, onde ARNT= aryl
hydrocarbon receptor nuclear translocator), CRYPTOCHROME1, CRYPTOCHROME2,

193
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

CASEÍNA KINASE Iε, REV-ERBα e β (Pando e Sassone-Corsi, 2001) e ROR (receptor


órfão relacionado ao ácido-retinóico, Dardente e col. 2007). Assim como em Drosófilas,
essas proteínas encontram-se altamente relacionadas nas alças de autorregulação e/ou
na formação de heterodímeros, mas com algumas diferenças funcionais entre as
diferentes classes de organismos.
No primeiro feedback estão os elementos que são membros da família de fatores
de transcrição que apresentam o domínio bHLH-PAS (do inglês, basic helix-loop-helix,
Period-ARNT-Single-minded) – CLOCK (CLK) e BMAL1 (Gekakis e col., 1998). Estas
duas proteínas formam um heterodímero capaz de se ligar a promotores gênicos que
contenham uma sequência E-box e regular sua transcrição, o que inclui os promotores
de Period (Per1, 2 e 3) e Cryptochrome (Cry1 e 2). O feedback negativo é realizado pelo
heterodímero PER:CRY que transloca-se ao núcleo e, após atingir determinada
concentração, interage com o heterodímero CLK:BMAL, evitando então que esses
últimos ativem mais transcrições gênicas. Como conseqüência, os níveis de RNAm e de
proteína de PER e CRY vão decrescendo até o ponto em que tornam-se insuficientes
para reprimir a atividade de CLK:BMAL, reiniciando um novo ciclo (Yoo e col., 2005).
Além disso, CLK:BMAL1 inicia outra alça de feedback, ativando a transcrição de
Rev-erbα e Rorα, cujas proteínas competem entre si pela ligação ao elemento
responsivo ao ROR (ROREs) presente no promotor de Bmal1, onde terão ações
antagônicas: ROR ativa a transcrição de Bmal1 enquanto que REV-ERB a inibe (para
revisão ver Ko e Takahashi, 2006). Todos esses ciclos em conjunto levam cerca de 24h
para se completarem e a concentração fásica dessas diferentes proteínas é o que
constitui a base molecular do relógio biológico (Fig.6).
Modificações pós-traducionais, como a atividade de fosforilação de caseínas
kinase (CK I ε e δ), também são essenciais para a regulação rítmica desses diferentes
fatores, propiciando estabilidade e translocação nuclear adequadas. Sua relevância foi
demonstrada em organismos mutantes que não expressavam essas quinases e
apresentavam fenótipos com ritmos circadianos alterados (Gachon e col., 2004).

194
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 6 – Rede de alças de feedback nos processos de transcrição-tradução constituem o


relógio circadiano de mamíferos (Retirado de Ko e Takahashi, 2006).

Diferentemente do observado em Drosófila, a proteína responsável pela


sincronização ao ciclo claro-escuro ambiental no caso dos mamíferos parece ser a
PERIOD1, pois os níveis de seu RNAm aumentam rapidamente após um pulso de luz,
enquanto os outros componentes não são alterados (Field e col. 2000). Assim, o reset
diário do relógio é dado pelo aumento da transcrição de Per1 induzido pela luz (Fig.7).

Figura 7 – Sincronização da maquinaria molecular do relógio biológico de mamíferos pelo


aumento do complexo PER(1/2):CRY(1/2) devido à indução luminosa da transcrição gênica de
Per1 (Retirado de Paranjpe e Sharma, 2005).

195
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Agora que compreendemos como ocorre a organização intracelular para a


geração de uma maquinaria rítmica auto-sustentada, resta a pergunta: Como isso se
propaga para fora da célula e para o restante do organismo?
Isso é feito através dos ccgs, representados em todas as figuras mostradas aqui.
Estes ccgs significam clock-controlled genes e correspondem a diversos genes
diferentes que tem em comum o elemento E-box em sua região promotora, o que faz
com que suas transcrições sejam dependentes dos componentes do relógio biológico
(CLK:BMAL1) e, portanto, apresentem uma variação rítmica e circadiana também. Estes
genes codificam as mais diversas substâncias, podendo ser neuropeptídeos, como a
vasopressina (Duffield, 2003), neurotransmissores, hormônios, fatores de transcrição,
moléculas de sinalização intracelular, dentre outros, regulando a atividade dos
neurônios dos NSQs que, por sua vez, sincronizam o restante do organismo através de
inervações diretas sobre o tecido-alvo ou por secreção hormonal (Bosek e col. 2009).
Assim, os ccgs constituem o mecanismo molecular de eferência do relógio
circadiano, através da qual todo o organismo pode estar conectado à maquinaria básica
do oscilador central.

196
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Eferências dos NSQs como forma de Integração e


Sincronização dos Organismos
Marco Antonio Pires Camilo Lapa
Laboratório de Cronofarmacologia
marcolapabio@gmail.com

1 - Conceituando Eferência

Em mamíferos, com a chegada das vias de aferência aos Núcleos


Supraquiasmáticos (NSQs), tanto a informação ambiental (informação fótica via retina)
quanto endógena (que são sinais vindos por inervações do sistema límbico [cognitiva],
corticais [emocional], e informação dos núcleos do trato solitário e parabraquial
[viscerais]) devem ser integradas e transpostas em um conjunto de sinais que farão a
sincronização dos relógios endógenos com as condições em que se encontra um dado
organismo. Estas informações e sinais que são integrados e projetados pelos NSQs,
respectivamente, e que são responsáveis pela sincronização do relógio central com os
diversos relógios periféricos, é o que chamamos de eferência.
Estas eferências podem ocorrer tanto por vias neurais (sinalização direta via
feixes nervosos) como por vias humorais (mediada por substâncias liberadas na
circulação, i.e. hormônios) (Kalsbeek, 2006). E em alguns casos estas duas vias
modulam uma mesma resposta fisiológica, como por exemplo, no ritmo diário de
corticosterona, que tem sua liberação regulada pela sinalização através de neurônios
neuroendócrinos que controlam a síntese do hormônio ACTH (adrenocorticotropic
hormone), e também controlando a sensibilidade da glândula adrenal ao ACTH via
sistema nervoso autonômico (Ulrich-Lai, 2006; Ishida, 2005; Buijs, 1999).

2 - Sinais dos NSQs

Os NSQs emitem sinais através de três tipos principais de neurônios, que se


localizam nas imediações dos NSQs, na área média do hipotálamo, e estas inervações
são demonstradas na Fig.1.

197
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura1 – Esquema dos diferentes “outputs” dos NSQs . VP= vasopressina; OT=oxitocina; HPG=
hipotálamo-pituitária-gônada; HPT= hipotálamo-pituitária-tireóide; HPA= hipotálamo-pituitária-
adrenal; SCN= Núcleos Supraquiasmáticos (Retirado de Kalsbeek et al., 2006)

3 - Neurônios Adjacentes

Os neurônios adjacentes estão localizados na Zona Subparaventricular Ventral


(vSPZ) e recebem estímulos diretos dos NSQs. Esses neurônios emitem sinais para os
neurônios pré-autonômicos, de forma que haja uma regulação fina neste grupo neural,
fazendo um balanço à inervação direta dos NSQs.
Os neurônios adjacentes inervam as seguintes áreas do hipotálamo (Fig.2):
1) Zona Subparaventricular Dorsal (dSPZ) e Núcleo Dorsomedial do Hipotálamo (DMH),
ambas relacionadas à ingestão de alimentos, mediada principalmente pelos hormônios
grelina e leptina;
2) Região Pré-óptica Medial (MPO), através da inervação ao dSPZ, sinais dos NSQs
chegam ao MPO, regulando, também, a termorregulação;
3) Núcleo Paraventricular Parvocelular Medial (PVHm) e Dorsal (PVHd), as inervações
dos neurônios adjacentes também atuam sobre o PVHm via vSPZ que inerva DMH e
este o PVHm, que modula a secreção de corticosterona; e existe uma inervação direta
destes ao PVHd, modulando também a secreção de melatonina;
4) Núcleo Pré-óptico Ventrolateral (VLPO), através das inervações ao DMH, os
neurônios adjacentes modulam o sono via inibição GABAérgica do VLPO, e por meio de
glutamato e TRH (thyrotropin-releasing hormone) ocorre sinalização ao hipotálamo
lateral e este por sua vez, atua no ciclo sono-vigília e ingestão de alimentos, via orexina

198
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

(responsável pela inibição do apetite) e MCH (melanin-concentrating hormone),


hormônio que induz a ingestão de alimentos (Saper, 2005).

Figura 2 – Sumário das vias do Sistema Nervoso Central que integram a sinalização oriunda dos
NSQs com outros estímulos para acoplar o oscilador central com os periféricos e produzir os
diferentes ritmos circadianos, fisiológicos e comportamentais. SCN=Núcleos Supraquiasmáticos;
MPO= Região Medial Pré-óptica; dSPZ= Zona Subparaventricular dorsal; vSPZ= Zona
Subparaventricular Ventral; DMH= Núcleo Dorsomedial do Hipotálamo; VMH= Núcleo
Ventromedial; PVHd/PVHm= Núcleo Paraventricular dorsal/medial; ARC= Núcleo Arqueado;
VLPO=Núcleo Pré-óptico Ventrolateral; LHA=Hipotálamo Lateral (Retirado de Saper e col.,
2005).

4 - Neurônios Pré-Autonômicos

Os neurônios pré-autonômicos são um grupo de neurônios inervados


diretamente pelos NSQs que estão relacionados com a preparação de órgãos
endócrinos para a recepção de hormônios, o que significa que grande parte destes atua
diretamente sobre órgãos periféricos específicos. Estes neurônios se relacionam com
seus alvos através de vias simpáticas e parassimpáticas, conforme mostra a Fig. 3.

199
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 3 – Visão esquemática das interações autonômicas entre os NSQs e PVN e os órgãos
periféricos. As linhas contínuas representam inervações simpáticas, e as descontínuas
inervações parassimpáticas. SCN= Núcleos Supraquiasmáticos; PVN=Núcleo Paraventricular;
NTS=Núcleo do Trato Solitário; DMV=Núcleo Dorsal-Motor do Vago; IML=Coluna
Intermediolateral (Retirado de Buijs e col., 2003).

A atuação exercida sobre os órgãos periféricos ocorre por meio de inervações


simpáticas e parassimpáticas oriundas do Núcleo Paraventricular (PVN), e este se
comunica com: Núcleo do Trato Solitário (NTS), Núcleo Motor Dorsal do Vago, Fígado,
Coluna Intermediolateral e Glândulas Adrenais (Kalsbeek, 2006).
Estas conexões permitem uma modulação na dinâmica da secreção de
hormônios que possuem um ritmo de liberação, como insulina, glucagon, leptina e
melatonina (Kalsbeek, 2006).

5 - Neurônios Neuroendócrinos

São os neurônios magnocelulares e hipofisiotrópicos. Responsáveis


principalmente pela sinalização hormonal para a periferia do organismo. Estão
relacionados diretamente com os eixos HPG (Hipotálamo-Pituitária-Gônadas), HPT
(Hipotálamos-Pituitária-Tireóide) e HPA (Hipotálamo-Pituitária-Adrenal). Também estão
relacionados com os neuropeptídios que atuam como hormônios Oxitocina e
Vasopressina. A oxitocina é um hormônio que atua sobre contrações uterinas durante o
parto, o processo de aleitamento materno e também em aspectos comportamentais. A
vasopressina, também conhecida como ADH (do inglês antidiuretic hormone), atua
sobre a adrenal diminuindo a eliminação de água pela urina (Guyton e Hall, 1997) e
sobre o DMH inibindo a atividade do eixo HPA (Kalsbeek e Buijs, 2002).

200
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

6 - Eferência: Integrando as Respostas Fisiológicas

6.1 - Ingestão de Alimento

O controle da ingestão de alimentos ocorre principalmente através da via do


Núcleo Dorsomedial do Hipotálamo (DMH), que é regulado tanto pela inervação oriunda
dos NSQs como pela atuação direta da leptina (hormônio inibidor de apetite produzido e
secretado pelo tecido adiposo, epitélio intestinal, placenta, leite materno, pelo músculo
esquelético, músculo gástrico, e também pelo cérebro) (Könner, 2009) e pela grelina
(hormônio causador da sensação de fome que é sintetizado por células especializadas
da mucosa do estômago) via Núcleo Arqueado, integrando dessa forma, informações
externas e internas ao organismo. O DMH é sensível às flutuações de leptina na
corrente sanguínea e, através da modulação exercida pelo Núcleo Arqueado via
neuropeptídio Y (NPY) e o hormônio AgRP (Aguti Related Protein), ele modula no
Hipotálamo Lateral a secreção de orexina e MCH (Melanin-concentrating hormone),
sendo estes hormônios os efetores da modulação da ingestão de alimentos e também
do estado de vigília em mamíferos (Williams, 2008; Saper, 2005; Presse, 1996).
Esta regulação da ingestão de alimentos é orquestrada por um conjunto de
fatores bastante delicados que envolvem diversos hormônios e alças de
retroalimentação. O ritmo de ingestão de alimentos ocorre de forma intrínseca,
obviamente, coincidindo com os momentos de maior atividade do animal, mas está
sujeito a estímulos dos mais variados: vindos do sistema límbico; variação nos níveis
plasmáticos de glicose, ácidos graxos livres, orexina, leptina, glucagon, somatotrofina,
adrenalina e triiodotironina, dentre outras substâncias.

6.2 - Termorregulação

A termorregulação nos mamíferos possui um ritmo endógeno, pois animais


homeotérmicos precisam manter sua temperatura corporal relativamente constante e de
forma independente do ambiente. Porém, esta temperatura possui uma pequena
variação que ocorre ao longo do dia, sendo esta variação negativa na fase de escuro
ambiental, o que coincide, em animais diurnos como humanos, com a fase de sono. Em
animais de hábitos noturnos, como certos roedores, esta diminuição da temperatura
ocorre também na fase de escuro ambiental (Fig.4) e que, neste caso, coincide com um
momento de atividade (Saper e col., 2005).

201
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 4 – Regulação diferencial dos ritmos de sono e temperatura corporal pelo integrador
circadiano hipotalâmico. vSPZ= Zona Subparaventricular Ventral; dSPZ= Zona
Subparaventricular dorsal; DMH= Núcleo Dorsomedial do Hipotálamo (Retirado de Saper e col.,
2005).

A Fig. 4 mostra o resultado obtido após remoção cirúrgica de certas áreas


hipotalâmicas (vSPZ-X, dSPZ-X, e DMH-X) nos ritmos circadianos de sono e
temperatura corporal de ratos. Como se pode inferir da FIG.4, a estrutura principal na
regulação da temperatura é a Zona Subparaventricular Dorsal (dSPZ), que recebe sinais
relacionados a uma informação fótica dos NSQs, e do Núcleo Ventromedial (VMH) após
receber estímulo do hormônio leptina. O dSPZ atua diretamente sobre a região Pré-
Óptica Medial, e este regula a temperatura no organismo através de um balanço de
modulações gabaérgias e glutamatérgicas (Chen, 2005; De Novellis, 1995).

6.3 - Sono-Vigília

O ciclo de sono-vigília dos mamíferos tem sua regulação oriunda dos NSQs
através de diferentes vias de sinalização que geram uma resultante fisiológica.

202
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Dos NSQs, um feixe sinaliza aos neurônios adjacentes do vSPZ, que atua sobre
o DMH que modula via GABA e glutamato o VLPO resultando em um ritmo circadiano
de sono. Do DMH uma projeção glutamatérgica para o LHA age conjuntamente sobre o
estado de vigília e ingestão de alimentos através da orexina (Fig. 2) (Saper, 2005).
Durante as fases de atividade, existe uma predominância da atividade do sistema
simpático, enquanto durante a inatividade o sistema parassimpático exerce maior
influência no organismo (Kalsbeek, 2006).
Foi observado diferença na atividade dos neurônios dos NSQs entre os animais
de hábitos noturnos e diurnos, mas esta diferença não se dá nas vias de eferência e
seus alvos, mas basicamente na composição dos sinais emitidos pelos NSQs
(transmissores com ação oposta, como GABA e glutamato) que chegam principalmente
aos neurônios intermediários e não aos neurônios endócrinos ou motores (Kalsbeek,
2006; Saper, 2005; Kalsbeek e Buijs, 2002)

6.4 - Atividade Locomotora

A atividade locomotora é uma função altamente correlata à outras funções


fisiológicas, principalmente de caráter comportamental, como busca e ingestão de
alimentos ou resposta à condições de estresse. Inervações diretas dos NSQs sobre
vSPZ são as principais vias de eferência sobre a atividade locomotora (Lu, 2001).
Experimentos com realização de lesões no DMH causaram (em ratos) alterações
importantes nos ritmos circadianos de sono e vigília, alimentação, secreção de
corticosterona e, finalmente, na atividade locomotora. Estes dados demonstram a
importância para a atividade locomotora das inervações dos NSQs para o vSPZ, e
deste, para o DMH, região onde diversos ritmos circadianos são integrados (Saper,
2005).
Ainda foi determinado, em mamíferos, que certos compostos atuam como
“outputs” humorais dos NSQs inibindo a atividade locomotora: TNFα (Tumoral Necrosis
Factor α), procineticina 2, e citocina tipo cardiotropina (Kramer, 2001; Cheng, 2002;
Kraves & Weitz, 2006).

6.5 - Eixos Hipotálamo - Pituitária - Glândula Endócrina

Os eixos de conexão e integração entre hipotálamo, pituitária (ou hipófise) e uma


glândula endócrina são regulados por um conjunto de fatores que envolvem sinais que
chegam aos NSQs, com a integração desses sinais, e uma posterior eferência vinda dos

203
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

NSQs comunicando a resultante dessas integrações às glândulas endócrinas, para que


haja o ajuste das respostas destas as condições em que o organismo se encontra.
A comunicação do hipotálamo com a hipófise ocorre por meio de mediadores
químicos que estimulam ou inibem a liberação de hormônios que irão atuar na glândula
endócrina. Usaremos o eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal) como exemplo para
ilustrar como o oscilador central, após integrar informações ambientais e internas do
organismo, modula a atividade de um sistema que possui uma ritmicidade endógena
através de suas eferências.
A liberação de corticosterona apresenta um ritmo diário, que depende de pelo
menos dois neurotransmissores dos NSQs, no caso, a vasopressina (VP), que liberada
no DMH inibe a atividade do eixo HPA durante a fração inicial da fase de claro, e outro
transmissor, ainda desconhecido, que estimula a atividade do eixo à partir da metade da
fase de claro até o inicio da fase de escuro (Kalsbeek & Buijs, 2002). Diversos
transmissores foram cogitados para ser o transmissor estimulatório (VIP, GRP,
Neuromedina U) mas nenhum dado obtido pôde confirmar se um destes se enquadrava
nesta função (Kalsbeek, 2006).
A eferência direta dos NSQs sobre o vSPZ e deste para o DMH se combina com
estímulos oriundos do Núcleo Arqueado (ARC), atuando sobre o PVN medial, de forma
a modular a liberação do hormônio CRH (corticotropin release hormone) na hipófise, e
esta por sua vez, secretar o ACTH (adrenocorticotropic hormone) que é responsável
pela liberação de corticosterona na adrenal (Fig. 2) (Saper, 2005). Além desta
modulação que os NSQs exercem sobre o eixo através de neurônios neuroendócrinos,
os NSQs podem atuar na adrenal através de neurônios pré-autonômicos presentes no
PVN e na medula espinal. Deste modo, causando uma sensibilização do córtex da
adrenal ao hormônio ACTH, maximizando a produção de corticosterona (Buijs, 1999;
Ishida, 2005; Ulrich-Lai, 2006).

6.6 - Melatonina

A eferência dos NSQs à glândula pineal é responsável pela liberação rítmica de


melatonina na fase de escuro, e passa diretamente dos NSQs aos neurônios pré-
autonômicos do PVN dorsal (Fig.2) de modo que neurônios gabaérgicos dos NSQs
façam uma tradução da inibição causada pela luz direta sobre a síntese de melatonina
na pineal (Saper, 2005; Perreau-Lenz, 2004). Uma inibição que interrompe a via de
estímulo que iria do PVN para o gânglio cervical superior (SCG), e deste para a glândula

204
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

pineal por uma inervação adrenérgica (Fig. 5) (Simonneux e Ribelayga, 2003). Porém, a
síntese e liberação de melatonina pela pineal não ocorre meramente por uma “liberação
de um efeito inibitório”, mas esta precisa de um estímulo que vem de neurônios dos
NSQs que se encontram ativos durante a noite (Perreau-Lenz, 2004).

Figura 5 – Via de sinalização dos NSQs para a Glândula Pineal e síntese de melatonina noturna
em mamíferos. SCN=Núcleos Supraquiasmáticos; PVN=Núcleo Paraventricular; SCG= Gânglio
Cervical Superior (Modificado de Macchi e Bruce, 2004).

Dentre todas as eferências dos NSQs, a emissão final à GLÂNDULA PINEAL


exerce papel de relevante destaque, visto que a produção e a liberação de seu
hormônio (melatonina) se dão de forma rítmica com pico noturno. Desta forma, a
glândula pineal, por meio da MELATONINA, atua como um fototransdutor biológico ou
seja, converte a informação fótica (ciclo claro-escuro) em informação química difusa, a
qual pode ser agora transmitida a todo organismo.

205
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Melatonina e Seus Diversos Aspectos


Daiane Gil Franco
Laboratório de Cronofarmacologia
daianegfranco@yahoo.com.br

1 - Glândula Pineal e Melatonina: um pouco de história

A primeira descrição conhecida da glândula pineal foi feita no século III pelo
anatomista Herophilo, que lhe atribuiu à função de regulação do fluxo de pensamentos.
Quase meio século mais tarde, o médico e filósofo Cláudio Galeno (131-200) batizou a
pequena estrutura em forma de semente de pinho de glândula pineal. É interessante
notar que Galeno foi o primeiro a denominar a pineal como uma glândula e, como tal,
ela deveria dar “suporte” aos vasos sanguíneos, sendo seu papel específico regular a
fluidez do espírito. No início do século XII, o francês René Descartes estudou
intensamente o órgão pineal e chegou à conclusão de que este era o terceiro olho.
Porém, ele não tinha nenhum conhecimento de fotorrecepção para comparar a pineal a
um olho e o que ele quis dizer foi que a pineal era a sede da alma. Através dos nossos
sentidos captados pelos órgãos duplos (olhos, mãos, narinas), as nossas percepções se
uniriam na pineal antes de chegar à alma (Descartes, 1973). Descartes é considerado o
primeiro estudioso a dar um enfoque “fisiológico” à pineal devido à possibilidade do
ambiente influenciar em sua atividade (ver revisão Simonneaux e Ribelayga, 2003).
A descoberta da melatonina é bem mais recente, tendo início quando Carey P.
McCord e Floyd P. Allen, em 1917, extraíram da glândula pineal de bovino uma
substância capaz de alterar a coloração da pele de anfíbio, por agregar os grânulos que
contém melanina (melanossomas), no interior dos melanóforos dermais. Apenas em
1958, Aaron B. Lerner, utilizando a pele de rã (Rana pippiens) como modelo, conseguiu
isolar a substância fotossensível presente na glândula pineal bovina, a qual deu o nome
de melatonina. Após as descobertas iniciais, verificou-se que o papel da melatonina não
estava apenas ligado a mudança da coloração da pele de anfíbio, mas também das
lampréias (Young, 1935) e, mais adiante, na regulação da temperatura em lagartos
(Stebbins e Eakin, 1958). Em 1959, Julius Axelrod iniciou uma série de investigações
utilizando a pineal de ratos. Junto de seu assistente de laboratório Richard J. Wurtman,
em 1965, propuseram a “hipótese da melatonina” a qual preconiza que a secreção deste

206
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

hormônio é controlada pela variação luminosa ambiental e induz alterações das funções
reprodutivas em mamíferos.

2 - Glândula Pineal: características gerais

A pineal apresenta cinco tipos diferentes de células: pinealócitos, células


intersticiais, fagócitos e neurônios clássicos e peptidérgicos, além de pequenos vasos
sanguíneos (para revisão ver Møller e Baeres, 2002). Os pinealócitos são as células
mais abundantes, produzem melatonina e são utilizadas na caracterização das
modificações morfológicas e fisiológicas da glândula entre os filos. De um modo geral, a
pineal de vertebrados não-mamíferos é um órgão diretamente fotorreceptor, enquanto
que, a pineal de mamíferos perdeu essa capacidade e passa a ser um órgão
neuroendócrino, exclusivamente secretor e ajustado pelo fotoperíodo, mais
especificamente pela eferência proveniente dos Núcleos Supraquiasmáticos (NSQs)
(Ekström e Meissl, 2003).

3 - Via de sinalização para síntese de melatonina em vertebrados

Todos os vertebrados apresentam um pico de melatonina na fase escura. No


entanto, a via de ativação da síntese de melatonina na glândula pineal se dá de forma
diferente em diversos grupos. Em roedores (Fig. 1), na fase escura, a noradrenalina
(NA) proveniente da inervação simpática proveniente do gânglio cervical superior é
liberada na fenda sináptica, ativando receptores α1 e β1. Em condições de higidez,
somente os receptores β1 são ativados. Este receptor é acoplado a proteína G
estimulatória (Gs) e leva a produção de adenosina monofosfato cíclica (AMPc) através
da adenilil ciclase (AC). O AMPc, por sua vez, ativa a proteína quinase A II dependente
de AMPc 2 (PKA II). Em roedores esta enzima fosforila o fator de transcrição CREB (do
inglês, cyclic AMP response element binding) que, no núcleo, ativa a transcrição de
novo RNA mensageiro da enzima arilalquilamina-N-acetiltransferase (AA-NAT). Uma
vez transcrita e traduzida, esta enzima pode ser degradada por proteassoma ou ser
fosforilada pela PKA e se ligar a proteína 14-3-3, mantendo-se estável e com seu sítio
ativo exposto. Já em primatas e ungulados, o gene Aa-nat é tanscrito e traduzido
constitutivamente, porém a proteína AA-NAT só acumula durante a noite, quando a
liberação noturna de NA ativa PKAII e previne a degradação da AA-NAT pelo

207
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

proteassoma. Tanto para roedor quanto para humano a enzima AA-NAT é o passo
chave da síntese de melatonina.
A biossíntese da melatonina é iniciada pela captação do triptofano da corrente
sangüínea que é convertido a 5-hidroxitriptofano (5-HTP) e, em seguida, a serotonina
(5-HT). A 5-HT é, então, acetilada pela enzima AA-NAT formando a N-acetilserotonina
(NAS) que, por fim, é metilada pela enzima hidroxindol-O-metiltransferase (HIOMT)
dando origem à em melatonina. (ver revisão: Simonneuax e Ribelayga, 2003) (Fig. 2).

Figura 1 – Representação da regulação diferencial em roedores e primatas da atividade da AA-


NAT na glândula pineal.

Em aves o sistema circadiano é resultante do acoplamento entre pineal, núcleo


supraquiasmático e, em algumas espécies, pela retina (Menaker e Cassone, 1984),
sendo que os relógios da pineal e da retina se comunicam com o hipotálamo através da

208
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

liberação rítmica da melatonina. Nesta classe, a síntese de melatonina pela pineal é


regulada pela liberação diurna de NA, que ativa os receptores α2-adrenérgicos. Estes
inibem a formação do AMPc que, por sua vez, inibe a atividade da AA-NAT, diminuindo
os níveis de melatonina (Skwarlo-Sonta e col., 2003) (Fig. 2).

Figura 2 – Regulação adrenérgica da síntese de melatonina na pineal de mamíferos e de aves.


Nos mamíferos, NA é liberada do terminal nervoso simpático na fase escura. A NA se liga aos
receptores α1 e β1 estimulando a formação de AMPc ativando a AA-NAT. Em aves, a liberação de
NA ocorre durante a fase de claro e, ao se ligar aos receptores α2, inibe a formação do AMPc,
bloqueando assim, a produção de AA-NAT e consequentemente de melatonina (Modificado de
Skwarlo-Sonta e col., 2003).

4 - Melatonina: características gerais

A melatonina é uma indolamina, conhecida farmacologicamente como 5-metoxi-


N-acetil-triptamina estando presente em organismos unicelulares (bactérias e
protozoários), macroalgas, plantas vasculares, fungos, invertebrados (gastrópodes,
crustáceos e insetos, ver revisão Vivien-Roels e Pévet, 1993) e vertebrados. Porém, não
foi detectada a presença de melatonina em briófitas, pteridófitas, esponjas, anelídeos,
quelicerados e equinodermos (ver revisão Hardeland e Poeggler, 2003).
Na literatura, quase sempre, a melatonina é caracterizada como hormônio.
Existem razões para isso, visto que, esta indolamina foi descoberta na pineal de um
mamífero e, neste grupo, a pineal é um órgão neuroendócrino. Porém, é discutido se o
papel da melatonina se restringe a de um hormônio (Tan e col., 2003). Classicamente,
um hormônio é definido como um mensageiro químico sintetizado por um órgão
endócrino, liberado na circulação sanguínea e que atua em outros tecidos e órgãos. Por

209
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

meio de receptores e sistemas de feedback um hormônio é capaz de regular diversas


funções fisiológicas. Muitas características da melatonina a distingue dessa
classificação e as mais relevantes serão descritas a seguir:
a) diversos tecidos e órgãos são capazes de sintetizar melatonina, como por
exemplo: a retina (Cardinali e Rosner, 1971; Tosini e Menaker, 1998), células da medula
óssea (Conti e col., 2000), trato gastrointestinal (Bubenik 2002), pele (Slominsk e col.,
2005a,b) células do sistema imunológico (Finocchiaro e col., 1991; Carrillo-Vico e col.,
2004; Pontes e col., 2006). Em anfíbios e peixes, por exemplo, a retina tem uma
participação substancial na liberação da melatonina no sangue (Delgado e col., 1989;
Sanchez-Vazquez e col., 2000). Já as células imunocompetentes quando ativadas
liberam uma grande quantidade de melatonina que atua no local da injúria como uma
potente antioxidante (ver revisão: Markus e col., 2007). O trato gastrointestinal produz
mais melatonina que a pineal, porém de uma forma não rítmica. Animais
pinealectomizados perdem o ritmo circadiano de melatonina mas, os níveis basais
dessa indolamina são mantidos pelo trato gastrointestinal (ver revisão: Konturek e col.,
2007).
b) a liberação de melatonina pela pineal não se dá apenas na circulação
sistêmica, mas também, pode ser liberada, através do terceiro ventrículo, no líquido
cefalorraquidiano (Tan e col., 2003). Esta melatonina é captada rapidamente pelos
tecidos circundantes tendo, portanto, uma ação parácrina.
c) a capacidade de produzir melatonina não é exclusiva de organismos
multicelulares. Procariontes, como as bactérias Rhodospirillum rubrum e Erythrobacter
longus e eucariontes unicelulares como o dinoflagelado Gonyaulax polyedrum são
capazes de sintetizar melatonina, indicando que a função primordial desta molécula não
é apenas a de um hormônio. Esta função deve ter sido adquirida ao longo dos estágios
evolucionários da organização multicelular.
d) a melatonina é uma molécula lipofílica, capaz de ultrapassar a membrana
celular e agir diretamente em alvos intracelulares, sem precisar ligar a um receptor de
membrana.
Em vertebrados a melatonina produzida na glândula pineal atua como um típico
hormônio, tendo ação cronobiótica capaz de sincronizar o ritmo sono-vigília e o ritmo de
reprodução sazonal. Além disso, não só a melatonina produzida pela pineal, mas
também a produzida pelos diversos tecidos, podem ter ação antioxidante, oncostática,
imunomoduladora, na contração vascular e na neuroplasticidade. Assim, a

210
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

caracterização da melatonina como um hormônio é verdadeira em alguns modelos,


enquanto que em outros, é necessário adotar uma abordagem mais abrangente.

5 - Mecanismos de ação da melatonina

Muitas das ações da melatonina são mediadas por receptores de membrana


(MT1 e MT2 e Mel1c) que pertencem à superfamília dos receptores acoplados à proteína
G. No sistema nervoso central (SNC), esses receptores estão associados
principalmente ao ritmo circadiano. Na periferia contribuem, por exemplo, na modulação
de diversas respostas imunológicas e do sistema vasomotor (ver revisão Pandi-Perumal
e col., 2006). Um outros receptor para melatonina é intracelular, denominado MT3.
Sabemos atualmente que este receptor é a enzima quinona redutase, que reduz a
glutationa dissulfeto (GSSG) na sua forma sulfidrila (GSH), um importante antioxidante
celular.
O alto índice de partição óleo/água permite à melatonina atravessar a membrana
e atuar no citosol independentemente de receptores de membrana. Desta forma, a
melatonina pode se ligar a calmodulina, proteína regulatória de diversos eventos
intracelulares em vertebrados e a proteínas nucleares como os receptores retinóides Z
(RZR α e β) (Steinhilber e col., 1995). O fato da melatonina atravessar a membrana
celular também facilita seu papel antioxidante. Sabemos que esta indolamina e seus
metabólitos tem, ação sobre os radicais livres estimulando as enzimas antioxidantes:
glutationa peroxidase (GPx), glutationa redutase (GRd), catalase (CAT), superóxido
dismutase (SOD) e glutamilcisteína sintase e inibindo enzimas prooxidantes: sintase de
óxido nítrico (NOS),ou ainda, mantendo os níveis da molécula antioxidante GSH (Reiter
e col., 2007). Essas características tornam a melatonina um agente importante no
combate aos sinais e às doenças relacionadas ao envelhecimento, favorecendo a
longevidade.

6 - Melatonina nos organismos unicelulares

A primeira descrição da presença de melatonina em um organismo não


metazoário se deu em um dinoflagelado bioluminescente, Gonyaulax polyedrum
(Poeggler e col., 1991). Esse organismo produz uma grande quantidade de melatonina

211
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

noturna, muitas vezes superior à encontrada na glândula pineal de mamíferos, de forma


rítmica semelhante à encontrada nos vertebrados.
Nestes organismos, acredita-se que a melatonina seja mediadora do escuro
(Balzer e Hardeland, 1991). A simulação de um dia de inverno (fotofase curta e
temperatura baixa) é capaz de induzir o encistamento. A interrupção da escuridão por 2
horas de luz previne a formação do cisto, mesmo quando a duração da fase clara
continua menor que a duração da fase escura (dia curto). Quando é dado um
fotoperíodo que não induz o encistamento a incubação com melatonina é capaz de
promover a formação do cisto. Nas espécies de dinoflagelados, a melatonina é
deacetilada para formar 5- metoxitriptamina (5-MTP), sendo este, talvez, um agonista
mais importante do que a melatonina no processo de estimulação da bioluminescência e
do encistamento (Hardeland e col., 1996). O pico de melatonina ocorre no início da fase
escura, enquanto que o pico da 5-MTP ocorre na segunda metade da escotofase.
Componentes celulares da Gonyaulax catalisam a fotooxidação da melatonina,
tendo como um dos principais produtos a formação de N1 -acetyl-N -formyl-5-
methoxykynuramine (AFMK) a partir da reação com ânions superóxidos, importantes
agentes oxidantes. Assim, é possível determinar pelo menos duas funções da
melatonina nesses organismos: uma ação fototransdutora e outra antioxidante. Essas
duas funções da melatonina podem estar essencialmente interligadas. Por ser altamente
degradada pela luz na presença de catalisadores intracelulares, a melatonina só
aparece em grandes concentrações na fase escura. Desta forma, muitos organismos
devem ter desenvolvido mecanismos que utilizavam essa molécula como mediadora do
escuro. Nessa fase, a melatonina vai reagir com substâncias resultantes da
fotooxidação, atuando como antioxidante explicitando um papel primário e
evolutivamente mais antigo da melatonina nos seres vivos.

7 - Plantas

A determinação de melatonina em plantas requer um cuidado maior.


Diferentemente dos animais, as plantas possuem uma grande quantidade de
indolaminas e outras substâncias que possuem estrutura e peso molecular semelhantes
ao da melatonina como, por exemplo, as auxinas. Até o momento já foi identificada a
presença da melatonina em algas e angiospermas (mono e dicotiledôneas) (Cassone e
Nateson, 1997).

212
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Ainda não existe na literatura um resultado satisfatório que indique o papel da


melatonina sobre o ritmo circadiano ou circanual das plantas. A floração é bastante
estudada, mas, até o momento, apenas na planta de dia-curto (florescem no solstício de
inverno), Chenopodium rubrum, a melatonina influenciou a resposta fotoperiódica de
floração (Kolár e col., 2003). Em outras espécies, de dia longo ou curto, o tratamento
com melatonina bloqueou a floração (Van Tassel, 1997; Wolf e col., 2001). Em
comparação com o que se sabe sobre os efeitos da melatonina em animais, são feitas
especulações sobre seus efeitos nas plantas como: antioxidante (Hardeland e
Poeggeler, 2003), antiapoptótica (Jou e col., 2004) ou como antagonista da calmodulina
e do citoesqueleto (Benítez-King e Antón-Tay, 1993). O efeito antioxidante é de grande
interesse, pois são encontradas grandes quantidades de melatonina em sementes e
frutas (Balzer e Hardeland, 1996), sendo que esta melatonina pode ser adquirida na
dieta.

8 - Melatonina nos invertebrados

Entre os invertebrados, o estudo da presença e função da melatonina é mais


conhecido na mosca da fruta Drosophila melanogaster. Este inseto possui um padrão
diferente em relação à maioria dos organismos estudados quanto à expressão rítmica
de melatonina pois, há uma maior liberação dessa indolamina na fase clara em relação
a fase escura (Hintermann e col. 1996).
Em mamíferos a atividade da enzima chave AA-NAT é maior à noite. Já em D.
melanogaster, foi clonada uma enzima que converte 5-HT em NAS, a AA-NAT2, que
possui uma atividade diurna predominante (Hintermann e col., 1996). Avaliando a
seqüência dessas enzimas, em um estudo de cladística, foi proposto que a biossíntese
da melatonina em Drosophila, e possivelmente em outros artrópodes, tem uma relação
homoplástica (convergência) com a via encontrada em vertebrados (Cassone e
Natesan, 1997). Isso sugere que a via de biossíntese da melatonina deve ter surgido
mais de uma vez na escala evolutiva.
Na Drosophila, a AANAT2 é expressa em todo o sistema nervoso e intestino
sendo importante para a neurotransmissão, esclerotização da cutícula e, talvez, no ritmo
de expressão da melatonina, regulando fenômenos fotoperiódicos (Hintermann e col.,
1996).
Não se sabe ao certo qual o real papel da melatonina nessa mosca, mas, o
estudo de Bonilla e colaboradores (2002) indicam que a ingestão de melatonina

213
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

adicionada ao meio nutritivo de larvas prolonga a longevidade e aumenta a resistência à


mudanças na temperatura ambiental e ao estresse oxidativo provocado por paraquato
(substância tóxica, cáustica e irritante usada como herbicida).
A grande maioria dos trabalhos com melatonina em invertebrados se restringe a
Drosophila por esta ser o modelo biológico desse grupo de animais. Porém, a
melatonina já foi estudada em outros insetos (abelhas, baratas, moscas, gafanhotos,
entre outros). No grilo Gryllus bimaculatus, por exemplo, a melatonina é produzida
ritmicamente, no entanto, o pico altera de acordo com a região do corpo. Assim, no
cérebro e nos olho, o pico ocorre na fase escura, enquanto que nos apêndices ocorre na
fase clara (ver revisão Hardeland e Poeggeler, 2003). Com relação às abelhas, foi
dosado melatonina na cabeça e no abdômen no verão e no inverno. O abdômen sempre
apresentou uma quantidade maior de melatonina que a cabeça e no verão, essa
proporção aumenta cerca de seis vezes (Meyer-Rochow e Vakkuri, 2002). Ainda não
existe uma explicação para esses fenômenos.

9 - Melatonina nos vertebrados não-mamíferos

Nas lampreias, peixes cartilaginosos e ósseos, anfíbios, tartarugas, lagartos e


aves a glândula pineal é um órgão fotossensor que contém células responsivas a
variações de luminosidade ambiental. Nestes organismos, não existe um único oscilador
central. A pineal, a retina, regiões semelhantes aos NSQs do hipotálamo e outros
tecidos e órgãos, são capazes de atuar como osciladores.

9.1 - Peixes
Nos peixes, a pineal está envolvida em inúmeras funções comportamentais e
fisiológicas que possuem padrões rítmicos diários ou anuais. Entre essas funções,
podemos citar a atividade locomotora (incluindo a migração vertical), a procura por
alimento, a preferência por temperaturas adequadas, a osmorregulação, a pigmentação
da pele, a reprodução e o crescimento. O papel da melatonina na reprodução dos
peixes teleósteos é o mais estudado, embora a grande variabilidade dos resultados
obtidos entre indivíduos de espécies diferentes ou até na mesma espécie considerando
sexo, condições de iluminação ou fase reprodutiva diferentes, gerem muitas
controvérsias (Ekström e Meissl, 1997; Mayer, 1997).
Entre os peixes teleósteos é possível distinguir três grupos, segundo as
propriedades da pineal (Migaud e col., 2007):

214
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Salmonides: a pineal é fotossensível, mas não atua como oscilador;


Bacalhau e robalo: pineal fotossensível e atua como oscilador;
Tilápia e bagre: pineal é fotossensível e atua como oscilador, porém existe uma
rede de transdução do sinal fótico da retina para a pineal.

9.2 - Anfíbios
Assim como os peixes, a glândula pineal de anfíbios é frontal e fotossensível. No
entanto, na fase adulta, esses animais possuem um conteúdo de melatonina maior na
retina do que na glândula pineal, sugerindo que a retina é a principal produtora dessa
indolamina em anfíbios (Delgado & Vivien-Roels, 1989). Ainda são necessários novos
estudos para determinar a origem da melatonina plasmática em anfíbios anuros.
Um papel interessante que a melatonina pode desenvolver nesse grupo de
animais está relacionado à metamorfose. A transformação do girino em adulto é um
processo que pode ser afetado pela temperatura ambiental e pelo fotoperíodo e é
induzido pelo aumento gradual dos hormônios da tireóide. Apesar de sabermos que a
melatonina tem uma ação inibitória sobre o crescimento e liberação de hormônios da
glândula tireóide, os trabalhos que relacionam metamorfose e a indolamina são
contraditórios. Alguns indicam que o tratamento com melatonina acelera o processo,
outros que retarda, enquanto alguns citam que não há efeito algum (ver revisão, Wright,
2002). Estas inconsistências podem refletir diferentes metodologias e concentrações
usadas pelos pesquisadores.

9.3 - Répteis
Muitas observações indicam que a organização circadiana em répteis varia ao
longo do ano. Em uma espécie de lagarto (Podarcis sicula) a atividade locomotora
passa de unimodal na primavera, para bimodal no verão, voltando a ser unimodal no
outono. Essas características são mantidas mesmo quando o animal é submetido a
condições constantes de luz e temperatura, indicando que a atividade locomotora possui
um componente circadiano. No entanto, nessas mesmas condições constantes, a
produção de melatonina mantém o ritmo de produção noturna apenas no verão, sendo
esta arrítmica na primavera e no outono. Tanto a pinealectomia quanto a administração
crônica de melatonina induz uma transição imediata do padrão locomotor de verão para
o padrão visto na primavera e no outono. Os autores desse trabalho propõem que,
nesses animais, a pineal funcione como um relógio apenas no verão, mas não nas
demais estações (Bertoluci e col., 2001).

215
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Em répteis, animais ectotérmicos, o controle da temperatura corpórea está


associada à atividade locomotora e, provavelmente, à produção de melatonina pela
pineal. Em uma espécie de cobra de hábito diurno (Pituophis melanoleucus), a
administração de melatonina leva a seleção de temperaturas corpóreas mais baixas em
um gradiente termal ambiental. Já, quando a melatonina é administrada a uma cobra de
hábito noturno (Lamprophis fuliginosus), não há diferença significativa na seleção do
gradiente termal (Lutterschmidt e col., 2002). Esses e outros resultados indicam que a
melatonina induz um comportamento, por seleção de temperatura corporal, diferente em
animais ectotérmicos de hábitos noturno e diurno (ver revisão: Seebacher e Franklin,
2005).

9.4 - Aves
Em aves, os olhos, o hipotálamo e a pineal respondem de forma independente à
luz mas, juntos mantém a ritmicidade circadiana. O papel da pineal nesse conjunto varia
de espécie para espécie. Em pardais, por exemplo, a pinealectomia abole ou
desestabiliza os ritmos de atividade, alimentação e temperatura corporal (Heigl e
Gwinner, 1995).
Um aspecto bastante estudado nessa classe é a reprodução. Codornas
apresentam dimorfismo sexual em relação à distribuição de receptores de melatonina
(alta densidade em machos e baixa em fêmeas) no núcleo telencefálico, na área visual
e na área preóptica. Esses dados sugerem um papel diferencial para esse hormônio na
modulação da percepção visual, na produção gonadotrófica e no comportamento sexual
sazonal entre machos e fêmeas (Aste e col., 2001; Bentley, 2001).

10 - Melatonina nos mamíferos

Nos mamíferos a glândula pineal perdeu a capacidade fotossensora, mas


responde à luz através de uma via multissináptica que se inicia nas células ganglionares
da retina que contém o fotopigmento melanopsina. É nessa classe de animais que se
concentra a grande maioria das pesquisas sobre melatonina. E entre as diversas
propriedades dessa indolamina descritas nos mamíferos, aqui destacaremos a função
desta na reprodução.
Como vimos, a melatonina é liberada da glândula pineal com um ritmo circadiano
marcante. O comprimento do dia é transmitido ao organismo como uma informação

216
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

fotoperiódica resultando na organização do ritmo endógeno circadiano e sazonal. Em


relação à reprodução sazonal, a capacidade da melatonina em estimular ou suprimir as
gônadas é espécie-específica e depende da época fértil e do tempo de gestação. Assim,
em Hamster Siberiano, por exemplo, quando o fotoperíodo é curto, ou seja, a noite é
maior que o dia (outono e inverno) e, portanto, a amplitude do pico de melatonina está
aumentada, há uma inibição das gônadas que previne o acasalamento. Já na
primavera, quando o dia se torna mais longo que a noite e o acasalamento acontece
gerando a cria no próximo verão. Em ovelhas, que possuem um longo período de
gestação, o aumento da amplitude do pico de melatonina, no outono e no inverno,
estimula o desenvolvimento das gônadas e o comportamento reprodutivo. Tanto o
roedor, quanto a ovelha, são adaptados sazonalmente, permitindo que a prole seja
concebida na fase de maior comprimento de luz, quando a obtenção de alimento e a
temperatura favorecem o crescimento da mesma (ver revisão Pandi-Perumal e col.,
2007).
Em humanos, apesar de não serem considerados reprodutores sazonais, já
foram verificados receptores para melatonina nos órgãos reprodutivos e de receptores
de hormônios sexuais na pineal, indicando que a melatonina interfere no sistema
reprodutor e vice-versa (Cardinali, 1977; Soares e col., 2003). De fato, em mulheres
amenorréicas, foi detectado um alto índice de melatonina (Berga e col., 1988). No
hemisfério Norte, há um aumento da concepção no verão, fato esse relacionado a
mudanças nas secreções do hormônio luteinizante (LH) e da melatonina. O nível
noturno de melatonina plasmática no décimo dia do ciclo menstrual é maior no inverno
do que no verão, enquanto que os níveis do LH são maiores no verão do que no inverno
(Kivela e col., 1988). Esses estudos indicam que um alto índice de melatonina está
relacionado à uma diminuição do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas (ver revisão Pandi-
Perumal e col., 2006).

11 - Conclusão

A melatonina, inicialmente descoberta como um hormônio da glândula pineal de


mamífero, é produzida por diversos organismos, de unicelulares a mamíferos. Entre os
vertebrados, a glândula pineal sofreu modificações anatômico-funcionais, passando de
um órgão fotorreceptor, em não-mamíferos, a um órgão neuroendócrino em mamíferos.
Em todos os vertebrados a melatonina é sintetizada e liberada na fase de escuro pela
glândula pineal, dando-lhe a capacidade de traduzir o fotoperíodo e levar esta

217
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

informação para os tecidos e órgãos internos. No entanto, outros tecidos e órgãos são
capazes de sintetizar esta indolamina que, nestes casos, apresenta uma ação parácrina.
Além do aspecto cronobiótico, muitas outras funções têm sido atribuídas a esta
molécula como: regulação da atividade de algumas enzimas, influência na organização
do citoesqueleto, modulação do sistema imune, regulação do sistema vascular,
neuroplasticidade e ação antioxidante. A proteção contra os danos causados pelos
radicais livres tem sido relacionada como a função mais primitiva da melatonina,
principalmente porque esta função aparece em todos os grupos filogenéticos, desde
bactéria até humanos. Desta forma, é sugerido que a função de transdução do escuro
apareceu secundariamente na escala evolutiva.

218
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Relógios Periféricos

Leonardo Henrique Ribeiro Gracani de Lima


Laboratório de Fisiologia Comparativa da Pigmentação
leohrgl@yahoo.com.br

Durante muito tempo acreditou-se que os NSQs do hipotálamo eram os únicos


reguladores dos ritmos circadianos de mamíferos. Essa conclusão era fundamentada
em estudos de lesão e transplante (explantes) dos NSQs, e em demonstrações de que
os NSQs geram seus próprios ritmos de potencial de ação (disparo neuronal)
(Takahashi e col. 2001; Lowrey e Takahashi 2004). Pesquisas eletrofisiológicas
revelaram também que neurônios dos NSQs, quando dissociados e mantidos em
cultura, exibem ritmos de disparo independentes que são retomados sem se
enfraquecer, mesmo que os potenciais de ação sejam bloqueados com inibidores de
canais de sódio voltagem-dependentes como a tetrodoxina (TTX) (Fig.1). Por outro lado,
estes experimentos também mostraram que as células dos NSQs quando isoladas
umas das outras (Fig. 2), apresentam fases e períodos diferentes entre si (Fig. 3)
(Welsh e col. 1995; Liu e col. 1997; Herzog e col. 1998).
Após o esclarecimento de que o mecanismo molecular do relógio circadiano de
mamíferos consiste de um grupo de genes denominado “genes de relógio”, e que estes
regulam a ritmicidade endógena por meio de alças de retro-alimentação de transcrição
gênica, verificou-se que a expressão de genes de relógio também ocorre fora dos NSQs
(Sun e col. 1997), do cérebro (Zylka 1998), em outros tecidos (Welsh e col. 2004).

219
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Com o advento de sondas bioluminescentes incorporadas na região promotora


do gene Per de Drosophila (Fig.4) e de Danio rerio (Zebrafish) (Fig. 5), ficou claro que
existem osciladores periféricos independentes em diferentes tecidos desses organismos
(Plautz e col. 1997; Whitemore e col. 2000).
Quando essa abordagem molecular foi aplicada em mamíferos, foi possível uma
análise mais contínua e prolongada da expressão de genes de relógio em tecidos
periféricos de animais transgênicos, e de fibroblastos transfectados. Dessa maneira, a
expressão rítmica de genes de relógio foi encontrada até mesmo em linhagens de
células imortalizadas de mamíferos (Balsalobre e col. 1998).

220
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Porém, os resultados dessas análises culminaram na crença de que osciladores


periféricos diferem do oscilador central dos NSQs, uma vez que animais submetidos a
avanços ou atrasos de fase (ou seja, re-sincronização ou jet-lag induzido) (Fig 6)
apresentam atrasos de 3-9h em relação à nova acrofase dos NSQs, e ritmicidade
enfraquecida ou nula dentre 2 a 7 dias quando isolados in vitro (Fig 7) (Yamazaki e col.
2000)

221
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Postulou-se então, que osciladores periféricos de mamíferos dependem de sinais


sincronizadores neurais ou humorais do oscilador dos NSQ para manter a homeostase
do organismo, ao contrário do que ocorre em tecidos periféricos de Drosophila e Danio,
onde os tecidos periféricos são fotossensíveis, e capazes de se sincronizar até mesmo
quando isolados (Figs. 8 e 9).
As primeiras evidências de que os relógios periféricos podem ser sincronizados
por sinais humorais surgiram junto com a descoberta de que culturas de fibroblastos de
mamíferos expressam genes de relógio de forma rítmica (Balsalobre e col. 1998). Neste
trabalho, verificou-se que um choque de soro fetal bovino é capaz de sincronizar a
expressão desses genes em culturas antes arrítmicas.
Logo em seguida, descobriu-se que até mesmo uma simples troca do meio de
cultivo é capaz de sincronizar o oscilador interno de cada célula (Fig. 10) (Yamazaki e
col. 2000).
A partir de então, ficou evidente que cada célula do organismo contém um
oscilador próprio, e que essa é uma característica muito conservada ao longo da
evolução que apresenta pequenas alterações de acordo com o programa de
diferenciação celular. Pois além dos genes de relógio dos NSQs, outros fatores de
transcrição pertencentes a família bHLH-PAS podem ser diferencialmente expressos de
um tecido para o outro, e por meio de elementos ativadores Ebox permitir alterações
circadianas tecido-específicas na expressão gênica local, em resposta aos sinais
endógenos (Hogenesch e col. 1998; Reick e col. 2001; Schoenhard e col. 2002).

222
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

223
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Novas substâncias endógenas e exógenas têm sido reconhecidas como agentes


sicronizadores, dentre estas hormônios, ácidos graxos, retinóis e outros (Fig. 11)
(Balsalobre e col. 2000). Essas descobertas sugerem o envolvimento de receptores
nucleares em tal evento, pois muitas dessas substânicas são lipossolúveis, e por assim
ser, a ativação de seus receptores poderia regular diretamente a expressão dos genes
de relógio.
A análise da expressão gênica circadiana de todos os 49 receptores nucleares
de camundongos, em tecido adiposo marrom, branco, fígado e músculo esquelético
revelou que dentre os quarenta e cinco receptores nucleares expressos, vinte e cinco
são expressos de forma rítmica, e três apresentam um pico de expressão quatro horas
após o início da fase clara (Fig. 12) (Yang e col. 2006).

224
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Atrelados a análises de expressão gênica circadiana em diferentes tecidos,


esses resultados revelam que existem interações muito importantes devidas ao
acoplamento entre os relógios de cada célula em um dado tecido (Fig. 13) (Liu e
col.2007), assim como entre os diferentes tecidos do organismo (Fig. 14) para a
manutenção geral de sua homeostasia.

225
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Dentre os CCGs identificados, muitos exercem funções biossintéticas em


processos que incluem o metabolismo de colesterol, de lipídios, glicose,
gliconeogênese, fosforilação oxidativa e vias de desentoxicação, sendo que enzimas-
chave (passo-limitante) em muitos destes processos estão sob controle circadiano
(Fig.15) (Panda e col. 2002).

Por meio de suas funções cruciais no metabolismo e na produção de energia, o


fígado controla diretamente o status fisiológico do organismo. O suprimento sanguíneo
dado pelo sistema porta fornece uma grande quantidade de nutrientes, elementos
xenobióticos e patogênicos vindos do sistema digestório, enquanto que as artérias
hepáticas fornecem uma variedade de elementos endobióticos, incluindo citocinas,
metabólitos e hormônios capazes de atuar como sincronizadores do relógio hepático
(Fig. 16). Sendo assim, é difícil concluir se a ritmicidade desse órgão é governada pelo
mecanismo molecular dos genes de relógio, ou se esta é gerada pelo perfil rítmico da
atividade e/ou alimentação dos animais estudados (Green e Takahashi 2009).

226
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Para avaliar estas questões foram gerados animais transgênicos, nos quais o
relógio circadiano pode ser desligado apenas e especificamente no fígado. Nesses
animais, os hepatócitos super expressam o gene Rev-erbα, o que inibe a expressão de
Bmal1 quando a dioxiciclina (um antibiótico análogo a tetraciclina) é retirada da
alimentação destes. Quando a dioxiciclina é adicionada à dieta, o relógio hepático volta
a funcionar normalmente (Fig. 17). Essa estratégia revelou que quando o relógio
hepático é desligado, o número de genes que apresentam perfil circadiano de
expressão cai de 351, para 31 (Fig. 18). Mostrando que o controle da expressão
circadiana é complexo, pois a maioria dos genes que ciclam é controlada pelo relógio
hepático, mas uma pequena fração destes também pode ser regulada por pistas
sistêmicas (Kornman e col. 2006).

227
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Atualmente sabe-se que os relógios periféricos são capazes de se sincronizar,


independentemente dos sinais dos NSQs, e que a alimentação é um zeitgeber
dominante nesses casos. Roedores submetidos a restrição alimentar, onde o alimento
fica disponível apenas em algumas horas do dia (período em que os roedores noturnos
normalmente não se alimentam), a fase de muitos relógios periféricos é alterada em até
180o dentro de uma semana nessas condições (Damiola e col. 2000; Stokkan e col.
2001). O relógio do fígado é arrastado rapidamente a regimes alimentares, com avanços
de fase significativos dentro de dois dias em regimes alimentares alterados.
Um exemplo interessante do efeito do regime alimentar no relógio hepático vem
de estudos com o roedor Microtus arvalis que normalmente apresenta um ritmo de
atividade ultradiano, com pequenos picos de alimentação a cada 2-3 horas (Van der
Veen e col. 2006). Esses animais possuem ritmos circadianos de expressão gênica em
seus NSQs, mas não no fígado. Entretanto, se estes animais forem submetidos a
regimes alimentares com hora controlada, ou se os ritmos de atividade se tornarem
circadianos (o que acontece quando eles recebem uma roda de atividade), o período do
relógio hepático é alterado, e passa a oscilar de forma circadiana (Fig.19). Deve-se
ressaltar que esse fenômeno não ocorre em camundongos, e trata-se de um
mecanismo espécie-específico.

228
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Esses resultados esclarecem a importância dos genes de relógio, e também dos


sinais sistêmicos para o funcionamento correto de órgãos e tecidos periféricos no
organismo.
Pesquisas clínicas e epidemiológicas sugerem que disfunções circadianas são
associadas a complicações cardiovasculares e metabólicas em diversos segmentos da
população humana. Trabalhadores de turnos apresentam aumento da prevalência de
síndrome metabólica, aumento do índice da massa corpórea (IMC) e também de
complicações cardiovasculares. Essas observações levantam a possibilidade de que o
desalinhamento crônico entre os ciclos de sono-vigília, e também os de jejum-
alimentação contribuem para a progressão de quadros de obesidade, síndrome
metabólica, hipertensão, diabetes (Figs. 20 e 21) (Frank e col., 2009).

229
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Outra questão de saúde pública atrelada a ritmos circadianos diz respeito ao


controle molecular que o relógio circadiano celular exerce sobre o ciclo celular, apoptose
e reparo de DNA. Recentemente foi descoberto que o mecanismo molecular do relógio
exerce controle negativo na atividade transcricional de alguns genes-chave envolvidos
na regulação do ciclo e proliferação celular em tecidos saudáveis e malignos. Dois
estudos identificaram que c-mync, p53 e Wee1 fazem parte dos CCGs, sendo que o
gene c-mync e o Wee1 promovem a progressão do ciclo de G1 para S, e de G2 para M
respectivamente. Além disso, c-mync também pode exercer efeitos pró-apoptóticos por
vias p53 dependentes ou independentes. Muitos outros genes que controlam a
progressão do ciclo celular, ou apoptose, apresentam ritmos de expressão com 24
horas (Fig. 22) (Lévi e col. 2007).
Levando em consideração que a sociedade moderna atual de 24 horas gera
padrões de atividade aos quais os seres humanos, e conseqüentemente os outros seres
vivos (que vivem no mesmo habitat) não foram selecionados para viverem, o estudo da
cronobiologia nos processos fisiológicos torna-se muito importante (Fig. 23).

230
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

231
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Estudos de Casos em Cronobiologia


Kelly Dhayane Abrantes Lima
kellydhayane@yahoo.com.br
Marina Marçola Pereira de Freitas
marina_mpf@yahoo.com.br
Laboratório de Cronofarmacologia

Após serem vistos todos os conceitos e processos envolvidos no sistema


circadiano é importante associar esses conhecimentos com a vida cotidiana e
compreender como o estudo da Cronobiologia pode estar presente em nosso dia-a-dia.
Diversos distúrbios relacionados à disfunções rítmicas acometem grande parte da
população propiciando uma baixa qualidade de vida. Muitas vezes o tratamento é
simples e requer uma reeducação dos hábitos diários. Por outro lado, o
comprometimento da ritmicidade endógena pode estar associado a doenças mais
graves, como o câncer.
Os seres vivos estão submetidos a um ciclo aproximado de 12 horas de claro e
12 horas de escuro nas regiões tropicais, esse ciclo garante a sincronização dos ritmos
endógenos, porém o mundo contemporâneo está repleto de fatores que podem interferir
nesta comunicação. A luz natural deixou de ser o único agente sincronizador, e outros
fatores ambientais, sociais e hábitos cotidianos passaram a interferir na ritmicidade
interna. Quando esses fatores se sobressaem à regulação pela luz natural, o indivíduo
pode apresentar alguns distúrbios. Aqui, serão discutidos alguns desses fatores e como
estes podem acarretar o mau funcionamento do organismo e ainda serão abordados
métodos cronoterapêuticos para o tratamento de algumas doenças.
Como já bem estabelecido neste módulo, a informação luminosa é capaz de
inibir a síntese e liberação da melatonina, principal hormônio comunicante do sistema
circadiano. Sendo assim, o ritmo circadiano endógeno poderia ser afetado por
mecanismos artificiais de iluminação? Estudos comprovam que a intensidade luminosa
acima de 4000 lux em humanos cessa a produção dessa indolamina provocando
diversas disfunções fisiológicas como fatiga, dor de cabeça, diminuição da capacidade
cognitiva e disfunções gastrointestinais (Erren e col., 2008; Srinivasan e col., 2008).
Levando em consideração a vida contemporânea a qual exige que alguns
trabalhadores troquem de turno e se readaptem a esse cotidiano, será que estes podem
ser mais propensos a desenvolver alguma disfunção decorrente das atividades de sua
profissão?

232
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Diversos estudos têm relacionado a probabilidade de desenvolver câncer de


mama e próstata com mulheres e homens que invertem seu turno de trabalho (do
inglês “shift work”) ou trabalham como atendentes de vôos transmeridionais. A
exposição à luz com alta intensidade durante a noite ou o efeito ‘jet lag’ (mal-estar
decorrente de alterações de fase ocasionadas em viagens que cruzam vários fusos
horários; Benedito, 2008) acarretam na diminuição da produção de melatonina (redução
de 56% na concentração urinária de 6-sulfatoximelatonina, composto de degradação da
melatonina) e do aumento do hormônio estrógeno, sendo causas para o
desenvolvimento de câncer de mama. Além disso, nesses casos são encontradas altas
taxas de fatores de crescimento que favorecem a proliferação de células tumorais
(Srinivasan e col., 2008). A relação entre a troca de turno e a propensão a câncer de
próstata ainda não está bem compreendida, mas acredita-se que nesses trabalhadores,
o risco de desenvolver a doença aumente em até 70% (Erren e col., 2008).
Em mulheres deficientes visuais, que não apresentam percepção luminosa, o
risco de desenvolver câncer de mama é menor, já que por não estarem submetidas às
variações luminosas, elas mantêm o ritmo endógeno de produção de melatonina
(Stevens, 2009). Animais submetidos a procedimentos que ocasionam a cegueira ou a
remoção dos bulbos olfativos, que propiciam a síntese máxima de melatonina, tiveram a
diminuição de fatores que ocasionam o câncer de mama, tais como estradiol e
prolactina. Por outro lado, animais pinealectomizados ou com os NSQs retirados
tiveram maior propensão a desenvolverem o câncer, enquanto que a reposição de
melatonina retornou ao estado basal (Erren e col, 2008; Srinivasan e col., 2008).
Em casos de atendentes de vôo, a disfunção circadiana não ocorre somente por
distúrbios de sono e vigília, mas sim por um distúrbio a nível molecular, pois a
expressão de genes de relógio em animais submetidos a condições de “jet lag” foi
diferente da de animais mantidos em condições de ciclo claro-escuro de 12/12 horas,
acarretando uma tendência para o desenvolvimento de câncer e diminuição da
longevidade nesses animais (Eren e col., 2008).
Davis e col. (2007) demonstraram que a predisposição para desenvolver câncer
de mama aumenta com a freqüência em que a mulher se submete à exposição de luz
de alta intensidade durante a noite. A qualidade de sono dessas mulheres é pior do que
naquelas que possuem a rotina de trabalho durante o dia, sugerindo que elas possam
apresentar uma desordem na produção do hormônio do escuro. Mas como a produção
de melatonina pode ser afetada nesses casos? A fig. 1 mostra que ocorre um arraste de
fase na produção de melatonina dessas mulheres obtendo um pico de produção

233
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

aproximadamente às 5 horas da manhã. Neste estudo (Graham e col., 2001), um grupo


de mulheres foi submetido à intensidade luminosa de 5200 lux das 21 horas à 1:00 hora
enquanto que o grupo controle recebeu apenas 25lux, o que não comprometeu a
síntese do hormônio.

Figura 1 - Concentração de melatonina no


sangue de mulheres submetidas a 25lx e
5200lx mostrando que a exposição luminosa
compromete a produção de melatonina
(baseada em Graham e col., 2001).

A partir dessas observações passou-se a acreditar que a presença de


melatonina pode funcionar como um agente anti-tumoral e por isso a glândula pineal
funcionaria como uma “glândula oncostática”. O processo carcinogênico pode ser
regulado pelo ritmo circadiano da melatonina e por isso sua disfunção pode ser um dos
principais fatores promotores do tumor. O efeito benéfico da melatonina sobre o
desenvolvimento do câncer pode estar relacionado às suas propriedades imunológicas
(fig. 2; Srinivasan e col., 2008).

Figura 2 - Efeitos da melatonina na


sua “atividade oncostática” (retirado
de Srinivasan e col., 2008).

A incidência de câncer dentro da população mundial tem tido um aumento


considerado nas últimas décadas, o que tem alertado os mais diversos setores sociais.

234
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

A “toxicidade luminosa” a qual temos nos submetidos pode ser um dos


precursores responsáveis por esses altos índices.
A luminosidade recebida durante a noite também pode acarretar outros
distúrbios, como as desordens do sono (Tab. 1), que acometem uma grande
porcentagem da população mundial (revisto por, Martinez e col., 2008; Passarella e
Duong, 2008).
O ritmo circadiano da secreção de melatonina e o ciclo sono-vigília de 24 horas
exibem uma consistente e constante fase relacionada ao ritmo de muitas funções
fisiológicas. Quando mantidos em livre curso, esse ciclo é alterado de acordo com o
ritmo estabelecido pelo relógio endógeno, no caso dos humanos, é de
aproximadamente 25 horas (Wever, 1979).

Tabela 1- Classificação das desordens de sono do ciclo circadiano (adaptado de Martinez e col.
2008).

Desordens primárias Desordens secundárias

Atraso na fase do sono ‘Jet Lag’


Avanço na fase do sono DSCC secundário para trabalho em
Padrão irregular do ciclo horas irregulares
sono-vigília DSCC secundário para doenças
Ciclo sono-vigília diferente DSCC secundário para o uso de
das 24 horas. drogas e medicamentos
Outras DSCCs

DSCC: Desordens de sono do ciclo circadiano.

Em diversos casos, nota-se que os distúrbios do sono estão relacionados à


dessincronização do ritmo de produção da melatonina pela pineal (fig.3). Em indivíduos
normais, que conseguem dormir sem dificuldades, a produção de melatonina começa
no início da noite baixando seus níveis até o amanhecer (fig. 3a). No caso de
adiantamento da fase do sono, a produção de melatonina atinge seu pico
aproximadamente às 22 horas, cessando às 04 horas. Nesses casos o sujeito tende a
dormir e acordar mais cedo (fig. 3b). De forma contrária, quando ocorre um atraso de
fase, o pico de melatonina é mais tardio e o indivíduo tende a dormir e acordar mais
tarde (fig. 3c).

235
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 3 - Diagrama representativo do


período de sono (linha contínua) e da
secreção de melatonina (linha pontilhada)
em indivíduos normais (a), com
adiantamento de fase do sono (b) ou com
atraso de fase do sono (c) (modificado de
Martinez e col., 2008).

Doljansky e col. (2005) apresentaram o caso de um lapidador de diamantes, que


deu entrada no Instituto de Medicina para Fadiga e Sono (Tel-Hashomer, Israel)
queixando-se de forte fadiga, sonolência diurna, e incapacidade de manter um horário
regular para dormir nos últimos 20 anos causando muito sofrimento e uma marcante
deterioração de seu ritmo diário. Por sete anos, ele precisou mudar seu período de
trabalho para meio turno, pois era incapaz de trabalhar um turno inteiro. Seu histórico
médico incluía depressão e síndrome da fadiga crônica (SFC), no entanto, remédios
antidepressivos falharam para melhorar sua condição. Será que a profissão poderia
influenciar na condição do paciente? Um registro gráfico de dez dias revelou uma
tendência irregular do padrão de sono-vigília com variabilidade diária no tempo do início
e na duração do sono, mostrando que em 36 horas o pico de temperatura oral se dava
por volta da meia noite (fig. 4a) e o pico de melatonina ao meio dia (fig.4b).

Figura 4 - Mudanças na temperatura oral antes do tratamento e após o tratamento (A). Variações
temporais das concentrações de melatonina na saliva antes do tratamento (B) (modificado de
Doljansky e col., 2005).

236
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Exames demonstraram que a sua extrema fadiga diurna ou fragmentação do


sono não poderiam ser explicados por apnéia obstrutiva do sono. Uma avaliação
objetiva da ritmicidade circadiana do paciente foi então obtida utilizando registros
actiográficos do padrão de sono-vigília. A fig. 5 mostra os resultados do monitoramento
actiográfico antes do diagnóstico (A), durante a tentativa de tratamento inicial (B), e
durante o tratamento conclusivo (C).
O monitoramento actiográfico revelou uma irregularidade no padrão de sono-
vigília, dado no início do sono, que variou de 03h–09h, como na duração diária do sono
que variou de 4-13 horas. As avaliações da temperatura oral e das concentrações de
melatonina na saliva também mostraram padrões anormais. Com base nesses
resultados e nos conhecimentos adquiridos previamente com os capítulos anteriores,
por que o tratamento com antidepressivos não deu resultado neste caso? Qual seria o
tratamento adequado para o paciente?
Do mesmo modo, o ‘jet lag’ é uma conseqüência do desalinhamento circadiano
tão rápido que o sistema não consegue acompanhar o ritmo circadiano (Sack, 2009) e
que afeta pessoas que atravessam no mínimo três fusos horários. Os principais
sintomas associados ao ‘jet lag’ são: distúrbios do sono, irritabilidade, depressão,
desorientação, perda de apetite, distúrbios gastrintestinais, dor de cabeça, distorção de
tempo, espaço e distância. Estes sintomas não somem com apenas uma noite de sono,
podendo persistir por dias (Manfredini e col., 1998).
Sabe-se que o rendimento esportivo é dependente de uma boa noite de sono.
Os atletas competitivos estão expostos às conseqüências negativas de uma mudança
de ritmo circadiano influenciando no seu desempenho máximo (Benedito, 2008). A força
das pernas de atletas que viajaram por cinco fusos horários para oeste foi mensurada
por Reilly e col. (1997), os quais demonstraram que os atletas demoraram cinco dias
para atingir o patamar de força máxima dos membros inferiores que eles apresentavam
antes da viagem (fig. 6).

237
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 5 - Actograma. Monitoramento actográfico antes do tratamento (A). Durante o tratamento


inicial (B). Durante o tratamento completo (C). Cada linha representa um único dia. Cada faixa
preta vertical representa um movimento. Um segmento com alta densidade de faixas é
interpretada como vigília, enquanto que um segmento com baixa densidade de faixas é
considerada como sono/repouso (retirado de Doljansky e col., 2005).

Figura 6 - Os valores de força dos membros inferiores mensurados em quatro horários distintos
nos dias 1, 3, 5 e 7 , após os atletas voarem por cinco fusos horários para oeste. Os atletas

238
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

demoraram cinco dias para alcançar o pico de força máxima às cinco da tarde, que seria o
horário da competição (retirado de Benedito, 2008).

Bullock e col. (2006) verificaram a influência do ‘jet lag’ em doze atletas de elite
de um esporte chamado “skeleton”, um esporte olímpico de inverno que consiste em
descida de trenó no gelo. Cinco desses atletas permaneceram no mesmo local e sete
voaram para o leste, cuja viagem durou 24 horas, atravessando quase 9 fusos horários.
Todos os atletas foram submetidos a treinamentos semelhantes na mesma hora do dia.
Os atletas fizeram uma bateria de testes físicos durante alguns dias. Além disso, antes
de cada teste de corrida eles foram submetidos a exercícios de aquecimento muscular.
Amostras de saliva e urina foram coletadas para análise de concentrações de cortisol e
da gravidade específica respectivamente, antes deles viajarem e durante todo o estudo.
Os resultados indicaram que não houveram efeitos prejudiciais do ‘jet lag’ nos
testes físicos de corrida, e não encontraram diferenças significativas nas análises de
urina. Porém os níves de cortisol salivar foram alterados naqueles indivíduos que
viajaram. Somente no 9º dia após a viagem, 90% deles tiveram os níveis de cortisol
próximos ao patamar mensurados antes da viagem, mostrando que o tempo de
ressincronização demora um dia para cada fuso atravessado.
Os autores deste artigo concluíram que a capacidade física dos atletas não foi
significativamente afetada pela viagem de longo curso para leste. Isso pode ser
atribuído ao fato de o aquecimento feito nos atletas antes dos testes poderem ter
induzido um estímulo suficiente para esquentar os músculos e assim o ritmo circadiano
poderia acompanhar a performance muscular em curto prazo (Bullock e col. 2006).
Artigos relacionados ao ‘jet lag’ entram em controvérsia a respeito dos efeitos na
performance dos atletas, quando estes viajam mais de três fusos horários. Por que a
literatura é tão contraditória neste assunto? O que estaria influenciando nos resultados
dos dois casos apresentados acima? Existe um resultado mais confiável que o outro?
Por outro lado, o estudo da Cronobiologia não preza somente a relação entre as
disfunções fisiopatológicas e os distúrbios rítmicos, o ritmo endógeno dos seres vivos
também abre portas para o tratamento de doenças. É esse o objetivo da Cronoterapia,
propiciar o melhor momento para o tratamento de determinadas doenças, com base nos
fundamentos da Cronobiologia.
Uma vez que as células possuem seus genes de relógio, o ciclo celular também
é regulado por fatores que apresentam ritmicidade. Assim, a mitose em alguns tecidos
pode ocorrer de maneira rítmica. Por exemplo, no fígado a taxa de mitose das células

239
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

hepáticas é maior durante o dia, sendo quase nula na fase escura (Halberg e col.,
2003), como demonstrado na fig. 7.
Pensando dessa forma, será que existe uma disfunção rítmica nas células
cancerígenas? Com certeza, algum mecanismo desregulador que leve ao aumento da
taxa de proliferação dessas células deve estar associado a genes do relógio. Na
verdade, pouco se sabe do funcionamento desses genes em células tumorais (Fig. 8),
porém alguns dímeros protéicos reguladores do relógio celular estão presentes nessas
células interferindo na sua proliferação. Além disso, genes como per1, per2, Bmall e
Rer-erbα também são encontrados em modelos de roedores com câncer, e nesses
casos, a taxa de expressão é mais baixa do que de uma célula normal, porém os genes
ainda ciclam (Lévi e col., 2007). Existe um pico de síntese de DNA em células tumorais
diferente das células normais.

Figura 7: Ritmo da taxa de mitose de células


hepáticas de camundongos demonstrando que a
proliferação celular dessas células ocorre
preferencialmente na fase clara (retirado de
Halberg e col., 2003).

240
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Figura 8 - Esquema do sistema circadiano mostrando como é feita suas aferências e eferências.
Sabe-se que o metabolismo e a proliferação celular estão sendo diretamente regulados pelo
sistema circadiano, porém ainda não está completamente compreendido quais mecanismos são
responsáveis por essa regulação. CNS: Sistema Nervoso Central, PVN: Núcleo Paraventricular,
SCN: Núcleo Supraquiasmárico, RHT: Trato Retinohipotalâmico, LD: Dia-noite, 5-HT: 5-
Hidroxitriptofano, NPY: Neuropeptídio Y, IGL: Folheto Intergeniculado(retirado de Mormont e Lévi,
2003).

Uma hipótese acerca da formação do tumor leva em consideração que essa


diferença de expressão dos genes de relógio no tecido pode refletir na dessincronização
de cada célula em particular, que por sua vez pode ciclar diferentemente da célula
vizinha acarretando na formação do tumor.
Em modelo animal, quando o ritmo de atividade tem um ciclo de 24 horas, este
ritmo garante o funcionamento mais saudável do metabolismo celular, uma vez que a
proliferação e a atividade metabólica levam a um baixo crescimento e diferenciação
tumoral. Quando essa organização rítmica é perdida, ocorre um rápido crescimento e
consequentemente estágios avançados de tumores (Mormont e Lévi, 2003).
Foi observado que em pacientes com câncer, diversos ritmos de hormônios e
enzimas estão alterados. Essas alterações parecem estar associadas ao tipo de tumor, à
taxa de crescimento e ao nível de diferenciação, podendo piorar de acordo com a
severidade da doença. Citocinas e fatores de crescimento hematológicos liberados pelas

241
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

células cancerígenas são os responsáveis pela modificação do sistema circadiano


central ou periférico (Mormont e Lévi, 2003).
Assim sendo, se os ritmos celulares interferem na formação do tumor, também é
possível que as células tumorais tenham um horário no qual o tratamento seja mais
eficaz?
Em 1973, uma paciente com câncer de útero, após a remoção do tumor por
técnicas cirúrgicas, foi encaminhada para tratamento com quimioterapia por 20 meses.
Nos primeiros quatro meses de tratamento, as doses dos medicamentos foram dadas em
horários diferentes do dia, e posteriormente verificou-se que a tolerância da paciente se
dava por volta das quatro horas da manhã (Halberg e col. 2006). Será que a coincidência
do horário de tratamento com o horário de maior tolerância da paciente levou a um
melhor prognóstico?
A cronoterapia direcionada ao tratamento de tumores tem o intuito de aprimorar a
eficiência e/ou tolerância dos quimio/radioterápicos associando-os com os ritmos
circadianos. Para que isso seja garantido, deve-se haver um estudo integrado do sistema
circadiano, o ciclo celular e as vias farmacológicas da droga. Alguns medicamentos anti-
tumorais possuem uma hora mais apropriada para sua administração.
Diversos estudos, tanto em modelos animais quanto em pacientes humanos, têm
levado em consideração os fundamentos da cronoquimioterapia em busca de uma
melhor qualidade de vida e prognóstico em sujeitos com câncer. Esse tipo de tratamento
diminui o efeito colateral do fármaco e promove uma resposta mais eficiente contra o
câncer. A fig. 9 mostra a diminuição dos efeitos colaterais em pacientes com tumor
colorretal tratados com os princípios da cronoterapia, assim como o aumento da
eficiência desse tratamento. Essa tolerância possibilita o aumento da dose do
quimioterápico ocasionando uma resposta mais objetiva (Lévi e col., 2007).

Figura 9 - Dados da resposta de pacientes tratados com


cronoterapia (Chrono) ou sem considerar seus princípios
(Flat). A cronoquimioterapia leva a diminuição dos
efeitos colaterais do medicamento e da resposta do
tumor, favorecendo um melhor prognóstico do paciente
(retirado de Lévi e col., 2007).

242
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Outro fator que acomete distúrbios circadianos é a ingestão crônica de álcool. É


fácil perceber que um indivíduo que ingere altas concentrações de álcool diariamente
apresenta distúrbio do ciclo de sono e vigília. Mas não é somente este sistema que é
afetado. Diversos estudos têm focado a relação do etanol, assim como o processo de
abstinência, com os distúrbios rítmicos. Porém ainda não se sabe ao certo como essa
substância atua sobre o sistema circadiano.
Rosenwasser e col. (2005) verificaram que a ingestão crônica de álcool altera o
ritmo de ratos mantidos em livre curso. A partir dessa informação, seria possível dizer em
qual processo (aferência, oscilador ou eferência) o etanol atua? Apesar de ainda não ser
bem compreendido esse mecanismo de atuação do álcool, sabe-se que ele interage com
neurotransmissores que agem diretamente nos NSQs.
Em um estudo de caso, Danel e col. (2009) verificaram que durante o efeito do
álcool e após 24 horas de abstinência, o ritmo de melatonina é invertido. 50% dos
pacientes investigados apresentaram pico de produção de melatonina durante a tarde.
Outro relato interessante foi realizado por Mukai e col. (2008) os quais verificaram que
dois pacientes alcoólatras submetidos a tratamento de abstinência e que apresentavam
quadros de delírio decorrentes da ausência de álcool, tiveram alterações na quantidade e
no ritmo de produção de cortisol e melatonina (fig. 10), enquanto que pacientes em
tratamento que não apresentaram delírio não alteraram esses ritmos.

Figura 10 – Concentração de cortisol (A e B) e melatonina (C e D) de dois indivíduos alcoólatras


durante (linha preta) e depois (linha cinza) o tratamento.

243
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

Nesses dois pacientes os níveis de cortisol tinham picos noturnos de produção


(em indivíduos normais esse hormônio é pouco produzido à noite) e a taxa mínima de
produção de melatonina foi aumentada, principalmente durante o dia. Após um mês
decorrido o tratamento, os níveis e ritmos desses hormônios foram restabelecidos e os
quadros de delírio desapareceram.
Uma vez que a ingestão de álcool pode desencadear uma dessincronização do
ritmo de alguns hormônios é possível que esse hábito possa acarretar fisiopatologias
mais graves? Como já vimos, distúrbios ou ausência na síntese de melatonina noturna
pode ser um dos fatores que favorecem o desenvolvimento do câncer. Uma
predisposição ao desenvolvimento de tumores é o alcoolismo, mas como é feita essa
relação? Será que a desordem rítmica ocasionada pelo consumo abusivo de álcool pode
ser o mecanismo que favorece o desenvolvimento de câncer nesses indivíduos? Estudos
devem focar essa linha de pesquisa para melhor compreender esses processos.
Podemos concluir que os estudos em Cronobiologia são de extrema importância
para entendimento de diversos distúrbios que acometem a população mundial. Muitas
vezes seus princípios não são levados em consideração pela sociedade médica, mas é
preciso que novos estudos sejam feitos para que essa linha de pesquisa seja empregada
no cotidiano da clínica hospitalar. Para maiores informações sobre os casos aqui
expostos procurar nos artigos citados durante o capítulo.

244
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos

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260
Neurofisiopatologia

Neurofisiopatologia

Introdução ao sistema nervoso central


O funcionamento do sistema nervoso central (SNC) é fascinante e misterioso tanto para
os mais leigos quanto para os estudiosos do assunto. O SNC é composto por células neuronais e
gliais que interagem entre si para seu correto funcionamento, estas células são morfológica e
fisiologicamente diferentes, mas complementares. Com os avanços na tecnologia está sendo
possível desvendar os mistérios do SNC através dos estudos destes tipos celulares e de sua relação
com comportamentos e funções vegetativas.
Os comportamentos e as funções vegetativas são regulados por grupamentos celulares
distribuídos por todo o encéfalo. Dependendo da região onde estes núcleos se encontram, a função
será predominantemente vegetativa, comportamental ou mista. A posição anatômica ou mesmo a
presença ou ausência de determinado grupamento celular pode ser modificado de acordo com a
classe animal, por isso a neuroanatomia comparada nos dá dicas sobre os possíveis papéis dos
diversos núcleos encefálicos para a manutenção do equilíbrio fisiológico do organismo.
Uma das principais funções do SNC é fazer com que o organismo responda
coerentemente aos estímulos do meio ambiente, seja através de ajustes vegetativos ou através de
comportamentos. Um ajuste bastante importante é o da pressão arterial, que ao ser danificado
pode desencadear a hipertensão.
O SNC pode sofrer outros transtornos como a neurodegeneração, por exemplo, e
enquanto não há cura para este tipo de doença, diversos profissionais desenvolvem abordagens
terapêuticas para a reabilitação dos indivíduos acometidos pela neurodegeneração. Este módulo
contempla várias funções exercidas pelo sistema nervoso e algumas disfunções promovidas por
fatores intrínsecos e extrínseco.

261
Neurofisiopatologia

Neuroanatomia básica comparada


Karen L. G. Farizatto
Laboratório de Neurotransmissão e Modulação Neural da Pressão Arterial
karen.farizatto@yahoo.com.br

Desenvolvimento do Sistema Nervoso


O tubo neural consiste em um longo tubo com um canal central, composto
basicamente por neurônios e células gliais. Durante o desenvolvimento embrionário,
este canal (canal do epêndima) é cercado por três tipos de tecidos, denominados
camadas ependimária (canal do epêndima), do manto e marginal (que envolve
externamente o tubo neural).
No final do estágio embrionário, no momento em que surge o tecido que originará
o sistema nervoso, a região ventral do canal espinal começa a se diferenciar, sendo
possível notar o espessamento de três regiões: o prosencéfalo, o mesencéfalo e o
rombencéfalo (Fig. 1).
A primeira região espessada da coluna espinal, o prosencéfalo, dará origem ao
telencéfalo – o cérebro propriamente dito – e ao diencéfalo – região que engloba o
tálamo, hipotálamo, glândula pineal, e outras estruturas.
A segunda região espessada, o mesencéfalo – encéfalo médio –, continuará
indiferenciada e igualmente denominada.
A terceira região espessada, rombencéfalo, se diferenciará em metencéfalo - parte
que se transformará em cerebelo - e mielencéfalo, que se tornará o bulbo encefálico
(Bear e col., 2002).

Como o encéfalo está organizado?


Podemos classificar as estruturas que revestem o encéfalo de fora para dentro da
seguinte forma; crânio (proteção mecânica), meninges: dura-máter (camada mais
externa), aracnóide (camada média), e a pia-máter (mais interna). Entre a aracnóide e a
pia-máter há o líquido cerebroespinal, que nutre o encéfalo, além de fornecer proteção
mecânica.

262
Neurofisiopatologia

Figura 1- Estruturas do encéfalo durante a embriogênese. 1- Prosencéfalo, 2- mesencéfalo, 3- robencéfalo,


4 – futura medula espinal, 5- Diencéfalo, 6- Telencéfalo, 7- Mielencéfalo (futuro bulbo), 8- Medula Espinal, 9-
Hemisfério cerebral, 10- Lóbulo Olfatório, 11- Nervo Óptico, 12- Cerebelo, 13- Metencéfalo.
Fonte:www.afh.bio.br (20/06/2009).

O encéfalo corresponde ao telencéfalo (cérebro), diencéfalo, cerebelo, e tronco


encefálico, que se divide em: bulbo (situado caudalmente), mesencéfalo (situado
cranialmente) e ponte (situada entre ambos) (Fig. 2).

Figura 2- Divisões do encéfalo humano em corte sagital. Fonte:www.afh.bio.br (20/06/2009).

263
Neurofisiopatologia

O telencéfalo ou cérebro é dividido em dois hemisférios, bastante desenvolvidos


nos mamíferos, nos quais situam-se as sedes da memória e dos nervos (sensitivos e
motores). O líquido cerebroespinal circula no Sistema Nervoso Central através de
canais e reservatórios (os ventrículos). Ao todo, são dois ventrículos laterais, o terceiro e
o quarto ventrículos, localizados no encéfalo e tronco encefálico.
A camada externa do cérebro é conhecida como córtex, formada pela substância
cinzenta. O nome córtex, que significa casca em latim, lhe foi dado por sua aparência
rugosa e também pelo fato de recobrir a maior parte do restante do cérebro.
O córtex de cada hemisfério é dividido em quatro lobos, denominados a partir dos
ossos cranianos localizados acima deles. O lobo temporal está localizado nas partes
laterais do crânio, é relacionado primariamente com o sentido de audição, possibilitando
o reconhecimento de tons específicos e intensidade do som. O lobo frontal, que se
localiza na frente do encéfalo, abaixo do osso frontal do crânio, é responsável pela
elaboração do pensamento, planejamento, programação de necessidades individuais e
emoção e controle motor. O lobo parietal, localizado dorsalmente, atrás do lobo frontal,
é responsável pela sensação de dor, tato, gustação, temperatura, pressão. Também
está relacionado com a lógica matemática. O lobo occipital, localizado na região da
nuca, é responsável pelo processamento da informação visual (Fig. 3).
Em meio a substância branca, sob o telencéfalo, há grupos de corpos celulares
neuronais que formam os núcleos da base, relacionados com o controle do movimento.

Figura 3- Divisão anatômica do encéfalo. Fonte: www.afh.bio.br (20/06/2009).

Córtex: aumento de tamanho e de importância ao longo da filogenia


O córtex aumenta de tamanho ao longo da filogenia, alcançando seu tamanho
máximo nos mamíferos. Nos mamíferos, este é o principal centro de integração de

264
Neurofisiopatologia

aferências ao sistema nervoso. Nos demais vertebrados, os núcleos da base são os


principais centros integradores. Além disso, nos demais vertebrados o controle da visão
não se dá principalmente pelo córtex, como nos mamíferos. Este ocorre no
mesencéfalo, na região do teto.
O diencéfalo localiza-se sob o telencéfalo. Nele encontramos importantes
estruturas, como o hipotálamo - constituído por substância cinzenta - o principal centro
integrador das atividades dos órgãos viscerais, sendo um dos principais responsáveis
pela homeostase corporal. Ele faz ligação entre o sistema nervoso e o sistema
endócrino, atuando na ativação de diversas glândulas. É o hipotálamo que controla a
temperatura corporal, regula o apetite, o balanço de água no corpo e o sono, além de
estar envolvido na emoção e no comportamento sexual. Tem amplas conexões com as
demais áreas do prosencéfalo e com o mesencéfalo. Aceita-se que o hipotálamo
desempenhe, ainda, papel nas emoções: especificamente as partes laterais parecem
envolvidas com o prazer e a raiva, enquanto a porção mediana parece mais ligada à
aversão, ao desprazer e à tendência ao riso (gargalhada) incontrolável. De modo geral,
contudo, a participação do hipotálamo é menor na gênese (“criação”) do que na
expressão (manifestações sintomáticas) dos estados emocionais.
Todas as mensagens sensoriais, com exceção das provenientes dos receptores
do olfato, passam pelo tálamo antes de atingir o córtex cerebral. Esta é uma região de
substância cinzenta localizada entre o tronco encefálico e o cérebro. O tálamo atua
como estação retransmissora de impulsos nervosos para o córtex cerebral. Ele é
responsável pela condução dos impulsos às regiões apropriadas do cérebro onde
devem ser processados. O tálamo também está relacionado com alterações no
comportamento emocional que decorrem, não só da própria atividade, mas também de
conexões com outras estruturas do sistema límbico (que regula as emoções).
Situado atrás do cérebro está o cerebelo (Fig. 4), que é primariamente um centro
para o controle dos movimentos iniciados pelo córtex motor (possui extensivas
conexões com o cérebro e a medula espinal). Como o cérebro, também está dividido em
dois hemisférios. Porém, ao contrário dos hemisférios cerebrais – que controlam o lado
inverso do corpo (contralateral) – os hemisférios cerebelares estão relacionados aos
movimentos do mesmo lado do corpo (ipsilateral).
O cerebelo recebe informações do córtex motor e dos núcleos da base sobre
todos os estímulos enviados aos músculos. A partir das informações do córtex motor
sobre os movimentos musculares pretendidos e de informações proprioceptivas - que
recebe diretamente do corpo (articulações, músculos, áreas de pressão do corpo,
aparelho vestibular e olhos) – o cerebelo avalia o movimento realmente executado.
Após a comparação entre desempenho e aquilo que se teve em vista realizar, estímulos

265
Neurofisiopatologia

corretivos são enviados de volta ao córtex para que o desempenho real seja igual ao
pretendido. Dessa forma, o cerebelo relaciona-se com os ajustes dos movimentos,
equilíbrio, postura e tônus muscular a cada instante.
O cerebelo tem seu tamanho e forma relacionados não só com a classe, mas
também com o hábito de vida do animal. Este é relativamente mais desenvolvido nas
espécies com maior movimentação espacial, como peixes. O cerebelo em aves e
mamíferos encontra seu tamanho máximo e o maior número de sulcos e giros (Guyton e
col., 1996).
O tronco encefálico (Fig. 5) interpõe-se entre a medula e o diencéfalo, situando-se
ventralmente ao cerebelo. Possui três funções gerais; (1) receber informações
sensitivas de estruturas cranianas e controla os músculos da cabeça; (2) contém
circuitos nervosos que transmitem informações da medula espinal até outras regiões
encefálicas e, em direção contrária, do encéfalo para a medula espinhal; (3) regular a
atenção, função esta que é mediada pela formação reticular. Além destas 3 funções
gerais, as várias divisões do tronco encefálico desempenham funções motoras e
sensitivas específicas.
Na constituição do tronco encefálico entram corpos de neurônios que se agrupam
em núcleos e fibras nervosas. Muitos dos núcleos do tronco encefálico recebem ou
emitem fibras nervosas que participam da constituição dos nervos cranianos, que
emergem diretamente do encéfalo.

266
Neurofisiopatologia

Figura 4- Estruturas do cerebelo. Fonte: www.afh.bio.br (20/06/2009).

Figura 5: Estruturas do tronco encefálico. Fonte: www.afh.bio.br (20/06/2009).

Medula espinal
A medula espinal é uma estrutura de formato cilíndrico, ocupando a maior parte do
canal vertebral. Em corte transversal, observa-se uma região interna mais escura, em
formato de H. Esta é a região denominada substância cinzenta. A região em sua volta,
mais clara, é denominada substância branca. A substância cinzenta é originária do
canal do manto e de células da camada ependimária, enquanto as células da substância
branca são originárias da camada marginal.
A substância cinzenta é formada por neurônios amielínicos encontrando-se nela
principalmente corpos celulares de neurônios, seus dendritos e células gliais. Já a
substância branca é formada por células mielinizadas e é onde encontramos os axônios
em conjunto formando tratos.

267
Neurofisiopatologia

Na região dorsal da substância cinzenta, nos chamados cornos dorsais,


encontramos neurônios principalmente sensoriais – aferentes, encaminham o estímulo
ao encéfalo - enquanto nos cornos ventrais encontramos neurônios principalmente
motores – eferentes, encaminham o estímulo ao órgão efetor.
Na região dorsal da substância branca, os tratos que existem correm em direção
ao encéfalo, enquanto na região ventral os tratos correm em direção ao corpo. Já a
região lateral possui tratos em direção aos dois sentidos.
Na medula espinal, os corpos celulares das células nervosas agrupam-se nas
colunas cinzentas dorsais e ventrais, que são contínuas por toda sua extensão. No
encéfalo, ao contrário, os corpos celulares funcionalmente relacionados aglomeram-se
na superfície do cérebro e cerebelo onde formam o córtex desses órgãos ou juntam-se
em massas descontínuas no interior do encéfalo. Um conjunto desse tipo é denominado
núcleo, mas também pode receber o nome de centro ou corpo (Carlson, 2000)..

Sistema nervoso autônomo


O Sistema Nervoso Central está conectado ao resto do corpo por meio de fibras
nervosas. Estas fibras se conectam aos receptores sensoriais, a órgãos internos e
músculos. Todas essas fibras nervosas que irradiam do encéfalo e da medula espinal
são denominadas Sistema Nervoso Periférico.
Dentro do Sistema Nervoso, temos o Sistema Nervoso Autônomo. Este é a parte
relacionada ao controle da vida vegetativa, ou seja, controla funções como a respiração,
circulação do sangue, controle de temperatura e digestão. No entanto, ele não se
restringe a isto. Ele é o principal responsável pelo controle automático do corpo frente
às diversidades do ambiente. Dessa maneira, pode-se perceber que o organismo possui
um mecanismo que permite ajustes corporais mantendo assim o equilíbrio do corpo,
também chamado homeostase. Apesar de se chamar Sistema Nervoso Autônomo ele
não é independente do restante do Sistema Nervoso.
Sabe-se que o Sistema Nervoso Autônomo é constituído por um conjunto de
neurônios que se encontram na medula e no tronco encefálico. Estes, através de
gânglios periféricos, coordenam a atividade da musculatura lisa, da musculatura
cardíaca e de inúmeras glândulas exócrinas. O Sistema Nervoso Autônomo divide-se
em Simpático e Parassimpático. Os neurônios pré-ganglionares do sistema Simpático
emergem dos segmentos toracolombares (da região do tórax e logo abaixo), ao passo
que os do sistema parassimpático emergem dos segmentos encefálicos e sacrais (da
região da cabeça e logo acima dos glúteos) (Kandel e col., 2000).

268
Neurofisiopatologia

Características do sistema nervoso por classes:


O encéfalo dos peixes varia muito, devido ao grande número de gêneros de peixes
existentes.
O encéfalo dos anfíbios é notavelmente não especializado. O corpo estriado é
pequeno e os lobos ópticos apresentam dimensões pequenas a moderadas. O cerebelo
ainda é rudimentar.
O encéfalo dos répteis é estreito, alongado e quase reto. Os bulbos olfativos
tendem a ser menores que os dos peixes. Os tratos olfativos são longos e o cerebelo é
grande em função da expansão.
O encéfalo das aves são relativamente grandes, uniformes e peculiares. Os bulbos
e tratos olfativos são, de modo geral, menores do que nos outros vertebrados. O
hemisfério cerebral das aves é superado em tamanho apenas pelo de alguns
mamíferos, devido ao enorme desenvolvimento do corpo estriado com seu neocórtex.
Os nervos, tratos e quiasmas ópticos são grandes. Nas aves e mamíferos, o cerebelo é
muito volumoso, lobulado e convoluto, formando giros e sulcos. As porções superficiais
do córtex são delgadas e a substância cinzenta tornou-se externa. Nas aves, o cerebelo
é maior do que nos outros vertebrados, salvo alguns mamíferos.
Nos mamíferos, os bulbos e tractos olfativos variam de imensos a muito pequenos.
Embora menor que nos répteis e aves, o corpo estriado é bem desenvolvido. O amplo
neocórtex representa a característica dos mamíferos, dominando o encéfalo
estruturalmente e funcionalmente. Estes são lisos em mamíferos pequenos e convolutos
na maioria dos de grande porte. Uma nova comissura, corpo caloso, liga os hemisférios
(Hildebrand, 1995).
A cobertura dorsal do mesencéfalo, denominada teto, é o local onde encontramos
em todos os vertebrados, exceto nos mamíferos, o centro primário de percepção da
visão. Nos mamíferos, a percepção visual é migrada, em grande parte, para o cérebro,
apesar do teto do mesencéfalo ainda ser funcional na visão.

269
Neurofisiopatologia

Controle neural da pressão arterial e hipertensão


Paulo Roberto Maciel Filho
Laboratório de Neurotransmissão e Modulação Neural da Pressão Arterial
paulomaciel@usp.br

A manutenção dos níveis pressóricos dentro de uma faixa de normalidade


depende de variações do débito cardíaco ou da resistência periférica ou de ambos.
Diferentes mecanismos de controle estão envolvidos não só na manutenção como na
variação da pressão arterial (PA), regulando o calibre e a reatividade vascular, a
distribuição de fluido dentro e fora dos vasos e o débito cardíaco. O estudo dos
mecanismos de controle da PA tem indicado grande número de substâncias e sistemas
fisiológicos que interagem de maneira complexa para garantir a PA em níveis
adequados nas mais diversas situações.
Desta forma, a dinâmica da PA é efetuada por mecanismos neuro-humorais que
corrigem prontamente os desvios dos níveis basais da PA, para mais ou para menos
(Michelini, 2007). Sendo assim, estes mecanismos reguladores da PA agem como em
um arco-reflexo: envolve receptores, aferências, centro de integração, eferências e
efetores cardiovasculares, além das alças hormonais (id).
Entre os componentes que controlam a PA, os mecanorreceptores ou
barorreceptores são os principais responsáveis pela regulação momentânea da PA.
Localizados na crossa da aorta e no seio carotídeo (Fig. 6), são constituídos por
terminações nervosas livres situadas na adventícea, próximas à borda média –
adventicial, que são extensamente ramificadas e apresentam varicosidades e
convoluções a espaços irregulares (Krauhs, 1979; Chapleau e col., 2001), (Fig. 7).
Mecanorreceptores são sensíveis a distensão ou deformação da parede vascular,
deformações estas que são geradas pela passagem do pulso de pressão. Os
barorreceptores transduzem esse sinal mecânico em sinal elétrico através de canais
iônicos sensíveis a deformações, pertencentes à família das degerinas/canais epiteliais
de Na+ (DEG/EnaC) e presentes nos terminais nervosos. Estes, durante a sístole,
permitem o influxo de Na+ e Ca++ que despolarizam os terminais na proporção direta da
deformação, ou seja, quanto maior a deformação, maior o influxo de íons, maior a
despolarização e vice-versa (Figura 7c). Esses sinais são transmitidos ao longo das
fibras aferentes mielinizadas e não-mielinizadas.
As fibras barorreceptoras aórticas (Nervo Depressor Aórtico ou de Cyon)
caminham pelo nervo vago, enquanto as carotídeas (Nervo Sinusal ou de Hering)
incorporam-se ao nervo glossofaríngeo. Há diferenças interespécies quanto à

270
Neurofisiopatologia

distribuição anatômica do nervo depressor aórtico, como exemplos no cão onde a região
cervical é praticamente inseparável do tronco vagal (que contém, igualmente, o
simpático cervical) ou no coelho em que este nervo corre isoladamente.

Figura 6- A- barorreceptores no seio carotídeo / B- barorreceptores no arco aórtico.


Modificado de Boron & Boulpaep, 2007.

Na pressão basal, o nível de descarga dos mecanorreceptores é intermediário


entre as situações extremas (limiar e saturação); a atividade aferente é intermitente e
sincrônica com a expansão da aorta verificada durante o período sistólico (Irigoyen e
col., 2005) e a deformação diastólica não é suficiente para gerar uma descarga de
potenciais de ação. O nível de atividade das fibras aferentes carotídeas e aórticas é,
portanto, função direta das variações instantâneas da deformação e tensão vasculares
induzidas pela PA. As informações sobre os níveis de PA, fornecidas pela frequência de
descarga dos receptores, são conduzidas ao bulbo, ou mais especificamente ao núcleo
do trato solitário (NTS) (Dampney, 1994).
O NTS desempenha papel fundamental na regulação cardiovascular, não só por
ser o local de convergência das aferências periféricas (barorreceptores,
quimioreceptores, receptores cardiopulmonares), como de aferências suprabulbares

271
Neurofisiopatologia

(hipotalâmicas) em sua primeira estação sináptica, mas também por distribuir as


informações aferentes em tais núcleos bulbares de integração primária (Michelini, 2007).
Desta forma, estes núcleos recebem informação do NTS (o núcleo dorsal motor do vago
(DMV), o núcleo ambíguo (NA) e o bulbo ventro lateral caudal (BVLc)). Entretanto, o
BVLc, constituído por neurônios inibitórios gabaérgicos (Fig. 8), projeta-se para a mais
importante fonte de estimulação simpática, o bulbo ventro lateral rostral (BVLr).

Figura 7- Reconstrução tridimensional dos barorreceptores. Modificado de Michelini, (2007).

A resposta neural comandada pelos barorreceptores é sumarizada da seguinte


maneira: quando há elevação da PA os barorreceptores são estimulados e promovem
aumento da geração de potenciais de ação, conduzidos pelas aferências (carotídeas e
aórticas) até o NTS, excitando-o, através da liberação do neurotransmissor glutamato
(Sved & Gordon, 1994). Por sua vez, o NTS através da liberação do neurotransmissor
glutamato, ativa os neurônios do NA e DMV que, via nervo vago, promove bradicardia
reflexa e redução do débito cardíaco. Concomitantemente à ativação do NA e DMV, os
neurônios inibitórios do BVLc são ativados, inibindo, via liberação do neurotransmissor
ácido γ-aminobutírico (GABA) no BVLr, a atividade simpática.
Em situação de hipotensão os efeitos são inversos à situação de alta pressão, ou
seja, diminuição da atividade vagal e aumento da atividade simpática. Porém, no NTS
há uma grande quantidade de neurotransmissores, neuromoduladores e receptores,

272
Neurofisiopatologia

cada um com sua especificidade, como a angiotensina II, adenosina, vasopressina,


ocitocina, óxido nítrico entre outros; montando uma rede complexa de aferências, que
aumenta sua complexidade, plasticidade e acurácia na regulação momento a momento
da pressão arterial.

Figura 8- Visão esquemática sagital do bulbo de rato: ▲ neurônios excitatórios, ∆ neurônios inibitórios.
Modificado de Colombari, (2001).

Estima-se que a parcela de hipertensos no Brasil seja da ordem de 15% a 20% da


população adulta, chegando a ser de aproximadamente 50% nos idosos (Sociedade
Brasileira de Hipertensão, 2001). Na hipertensão há aumento no padrão de disparos dos
barorreceptores causado pela elevação da PA. Este aumento causa saturação dos
barorreceptores, diminuindo a resposta reflexa em situações de mudanças abruptas da
PA. Porém, muitos anos atrás, Krieger e colaboradores (1982) demonstraram que os
barorreceptores, após dois dias de hipertensão, conseguem se adaptar ajustando seu
padrão de disparo, mesmo com a PA elevada, ou seja, nessa situação o novo regime de
pressão é reconhecido como “normal”, de forma que as mudanças abruptas da PA
serão corrigidas. Isso é possível porque os elementos elásticos na parede do vaso à
qual os barorreceptores estão ligados sofrem uma deformação devida suas
propriedades elásticas, diminuindo a tensão exercida nos barorreceptores, estes então,
voltando à conformação de níveis normais de PA (Fig. 9).

273
Neurofisiopatologia

Figura 9- Registro da ativação dos barorreceptores. Modificado de Michelini (2007).

Reis e colaboradores (1984) propuseram que a hipertensão arterial sistêmica deve


ser resultado de um desbalanço entre a rede neural central que ativa os neurônios
simpáticos vasomotores e aqueles que os inibem, favorecendo uma alta descarga
simpática, que acarreta em elevação dos níveis pressóricos. Ainda hoje os mecanismos
envolvidos na gênese da hipertensão arterial sistêmica não estão completamente
desvendados. Porém, houve muita evolução nos conceitos e no seu tratamento, mas há
ainda muito que pesquisar nesta área tão promissora.

274
Neurofisiopatologia

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275
Fisiologia Sensorial

Fisiologia Sensorial

Os receptores sensoriais existentes nos animais, ponto de contato entre o


mundo físico externo e o sistema nervoso, permitem a captação e a transdução de todo
tipo de estímulos ambientais, sejam ondas eletromagnéticas, ondas mecânicas ou
moléculas (estímulo químico). Descreveremos os mecanismos de transdução das
diferentes modalidades sensoriais e quais as regiões encefálicas envolvidas com o
processamento primário dos estímulos ambientais, ainda evidenciando a relação do
habitat e estilo de vida de diferentes organismos com seus mecanismos sensoriais.
Trataremos em detalhes o Sistema Auditivo, segunda principal modalidade para
localização e percepção de estímulos ambientais nos primatas. Outros mamíferos, como
os morcegos, usam a audição como principal meio de localização espacial e procura de
alimentos. No homem, é ela que permite produtos da Cognição tão avançados quanto a
música ou a linguagem.

276
Fisiologia Sensorial

Sistemas Sensoriais

Felipe Viegas Rodrigues


Laboratório de Neurociência e Comportamento
fvrodrigues@usp.br

Introdução

Os sistemas nervosos de todos os organismos podem ser modelados em sua


forma mais simples como um sistema que possui entrada de dados (células receptoras),
nenhum ou algum processamento do sinal (interneurônios) e sistemas de saída (células
efetoras) (Fig. 1).

Figura 1 – Modelo simplificado do arranjo de um Sistema Nervoso. O interneurônio pode ou não estar
presente entre as células receptora e efetora.

O arranjo mais simples possível, com uma única célula (nervosa) recebendo o
estímulo em um ponto do organismo e diretamente atuando numa célula efetora, é
chamado arcorreflexo. Esse arranjo já permite que um organismo exiba uma série de
respostas comportamentais úteis a sua sobrevivência. Eventualmente, modificou-se
para um arranjo com duas células: uma receptora e outra efetora, formando um arco
reflexo monossináptico (e.g. reflexo patelar). Ressalta-se que a comunicação entre as
duas células já poderia representar uma forma de modulação do sinal e, portanto,
flexibilizar o comportamento.
Há ainda o arcorreflexo polissináptico, com pelo menos um interneurônio
entre as células receptora e efetora. A existência do interneurônio (e, portanto, de mais
corpos celulares) nessa interface deu origem aos gânglios, que são acúmulos de corpos
celulares no organismo. Em última instância, nosso cérebro é um gânglio (ou um grande
conjunto deles). O mais complexo que se tem conhecimento.
A rede neural mais simples em organismos vivos é aquela encontrada nos
Celenterados. O arranjo das células nervosas é difuso, com cruzamentos desordenados
de axônios, e sem preferência de direção do estímulo gerado. Em alguns Celenterados
há um início de organização em direção a arcos-reflexo monossinápticos, que é
presente em todos os outros organismos multicelulares (com tecido verdadeiro). Apesar
disso, os arcos-reflexo polissinápticos são mais comuns.
As células receptoras, de agora em diante chamadas receptores sensoriais,
são o ponto de contato entre o mundo físico externo e o sistema nervoso. Eles permitem

277
Fisiologia Sensorial

a sensação de diferentes estímulos ambientais: seja uma onda eletromagnética (visão),


uma onda mecânica (audição e tato), aceleração (equilíbrio) ou estímulos químicos
(olfato e paladar). Este estímulo ambiental precisa ser transduzido, isto é, transformado
de uma forma de energia em outra. No caso dos recetores sensoriais, do estímulo físico
que é em um sinal elétrico para que possa ser processado pelo encéfalo. Os receptores
tendem a ser muito específicos e, em conjunto com o arranjo no qual estão dispostos
em um órgão no animal, respondem preferencialmente para um tipo de estímulo.
É importante ressaltar que não há sistemas mais ou menos evoluídos, mas
apenas aqueles mais adequados para um determinado ambiente. A luz parece ter sido o
estímulo preferido por diversos organismos para se localizar e locomover no espaço.
Seu desenvolvimento se deu independentemente em diversos grupos animais. Isso será
discutido em maiores detalhes no capítulo seguinte. Esse fato não ocorreu por acaso,
entretanto. A luz tem excelentes propriedades direcionais e a maior velocidade de
deslocamento conhecida, sendo o melhor estímulo físico para localização e locomoção
pela fidelidade com que retrata mudanças no ambiente; portanto, útil a presas e
predores. Olhando as atuais espécies diurnas e terrestres, fica claro que os olhos são
essenciais para a sobrevivência desses animais.
Por outro lado, aqueles com hábitos noturnos tiveram favorecimento de outros
sistemas sensoriais, como, por exemplo, a ecolocalização de morcegos. Os que
insistiram no uso do sistema visual têm mecanismos de compensação das condições
mínimas de luz. Gatos possuem um tecido refletivo na retina (chamado Tapetum
Lucidum – Tapete Brilhante, em latim), que faz com que a luz passe duas vezes pela
retina, uma vez que ela entre no globo ocular. Outros mamíferos, como os Tarsius, têm
globos oculares extremamente grandes.
Apesar da melhor adequação de alguns mecanismos sensoriais para
determinados ambientes, a Seleção Natural não atua somente sobre o que é melhor,
mas sobre o que está bem adaptado. Nesse sentido, há animais que tem visão e
audição pobres, mesmo no meio terrestre e são dependentes dos sentidos químicos
para encontrarem presas. As cobras são um excelente exemplo. E os sentidos químicos
parecem ser extremamente adaptativos para algumas funções, pois persiste em
diferentes grupos. Vejamos em detalhes como esses mecanismos funcionam e em que
condições eles são importantes para os organismos.

Visão
O sistema visual é o mais bem estudado de todos os sistemas sensoriais. Isso
é um provável reflexo da importância que ele tem para nós. A faixa de luz visível pelos
animais compreende-se do infravermelho até o ultravioleta (Fig. 2). O fato de nos mais

278
Fisiologia Sensorial

diversos organismos a faixa de energia eletromagnética captada ser tão restrita deve-se
simplesmente aos comprimentos de onda abaixo (comprimento de onda menor) do
infravermelho não carregarem energia suficiente para um efeito apreciável e aqueles
acima do ultravioleta carregarem muita energia, a ponto de serem danosos para os
tecidos (raios ultravioleta A e B – UVA e UVB – são danosos à pele).

Figura 2 – Faixa de luz (visível) utilizada pelos receptores dos organismos vivos.

Mecanismo de transdução

Os olhos são os órgãos especializados para a captação da luz e eles surgiram


independentemente em diversos grupos animais. Apesar das diferenças no formato e no
funcionamento destes, o mecanismo básico envolve a captação da luz e a estimulação
de fotorreceptores específicos. A molécula fundamental para esse processo é uma
combinação entre opsina e um carotenóide. Todo fotorreceptor possui essa
combinação em suas membranas. A combinação mais encontrada, tanto em
vertebrados como em invertebrados, é entre opsina e Retinal (uma molécula derivada
da Vitamina A) formando a Rodopsina.
Essas moléculas se encontram em abundância nas dobras de membrana do
receptor (uma a cada 5 nm em alguns receptores) e mudam sua conformação com a
estimulação luminosa, provocando uma cascata bioquímica no interior da célula. Em
última instância, há uma alteração da atividade eletrofisiológica do receptor, que é
transmitida até o Sistema Nervoso Central.
O mecanismo descrito até aqui é muito simples e acontece na presença das
moléculas certas. Nesse sentido, mesmo alguns organismos unicelulares apresentam
resposta à luz – uma simples fototaxia (movimento em direção à luz). Mas mais do que
gerar uma resposta intracelular pela estimulação luminosa, para que possamos
enxergar, precisamos formar uma imagem representativa do ambiente que nos rodeia.
Isso só é possível nos organismos multicelulares e na presença dos órgãos
especializados para captação de luz.

279
Fisiologia Sensorial

Os invertebrados mais bem estudados com respeito ao sistema visual são os


insetos. Eles possuem olhos compostos por unidades individuais chamadas
omatídeos, cada qual com um receptor sensorial. Este, na verdade, é formado por um
dendrito central de uma célula chamada excêntrica, rodeado por entre 6 a 12 células
retinulares, as quais enviam uma densa profusão de microvilos em direção ao dendrito
da célula excêntrica, formando o rabdômero (Fig.3). A formação de imagem nesse tipo
de olho se dá pela composição das diversas partes do campo visual captadas pelos
diversos omatídeos, formando um mosaico.
Os vertebrados chegaram a
outra solução para a utilização da luz
que foi reunir todos os receptores em
um mesmo local (a retina, Fig. 4A e B),
abrigados por uma câmara com
entrada de luz controlada e
intermediada por uma lente, um arranjo
que permite a projeção de uma imagem
invertida sobre a retina. A maioria dos
grupos possui dois tipos de receptores:
Cones e Bastonetes (Fig. 4D e E).
Poucas generalizações podem ser
feitas quanto ao envolvimento desses
receptores na visão de cores e outras
propriedades de uma imagem (como
brilho e bordas), dado que as variações
entre os grupos são grandes. O
comprimento de onda que será
Figura 3 – Representação de um omatídeo do olho
composto de invertebrado. absorvido em cada receptor é também
bastante variável. A maioria dos primatas tem na retina dois tipos de cones (cada um
com um pigmento) mais bastonetes (Casagrande, Khaytin e Boyd, 2006). Alguns têm
três tipos de cones, incluindo os humanos, e todos os primatas têm os cones
concentrados na porção central da retina, chamada fóvea, onde ocorre um afastamento
das camadas celulares superiores, formando uma depressão (Fig. 4C). É o ponto de
maior acuidade visual, sendo processado por quase 50% do córtex visual primário
(V1) (Fig. 5), ainda que responda por menos de 1% do campo visual. Essa discrepância
de valores é resultado da extrema fidelidade com a qual as imagens desse ponto do
campo visual são tratadas. Conforme se afasta do centro da retina em direção à

280
Fisiologia Sensorial

periferia, menos cones e mais bastonetes são encontrados, com virtualmente nenhum
cone nas regiões mais periféricas, o inverso do centro da fóvea.

Figura 4 – (A) Olho em câmara de vertebrados. (B) Foto in vivo da retina de um olho humano. (C) Detalhe da fóvea
no centro da retina. (D) Camadas celulares da retina, representando arranjo de cones e bastonetes. (E) Corte histológico
da retina de um macaco. Retirado de Lent, 2006.

Figura 5 - Córtex visual primário (V1), em vermelho, no córtex occipital do homem, do gato e do rato.

281
Fisiologia Sensorial

Experimentos com esses receptores demonstram que os bastonetes são mais


sensíveis à luz (podendo responder a apenas um fóton! O equivalente à luz de uma vela
a 1 km de distância). Eles são extremamente importantes para a detecção de bordas e
movimento. Semelhantemente, é pela maior acuidade visual dessas células que
tendemos a enxergar imagens acinzentadas (ou simplesmente sem cor) em condições
de pouca luz, como em um quarto escuro. A percepção de cores através dos cones se
dá pela interação da estimulação dos três tipos de pigmento a todo instante,
constituindo todas as tonalidades de cores que enxergamos.
Em outros vertebrados, apenas bastonetes podem estar presentes (com um
ou dois subtipos de pigmento) ou bastonetes e um ou dois subtipos de cones. Mais uma
vez, a presenção de três subtipos de cones mais um bastonete em primatas não
significa que esse seja o arranjo mais evoluído possível, mas apenas o mais adaptado.
Alguns crustáceos apresentam até oito diferentes pigmentos em seu sistema visual
(Cronin, 2006), provavelmente gerando imagens muito diferentes daquilo que
conhecemos.
Neurônios com axônios longos, as células ganglionares (Fig. 4D), formam o
nervo óptico que transmite a alteração da atividade eletrofisiológica resultante da
estimulação dos fotorreceptores em direção à V1 (Fig. 5). Esse caminho, porém, não é
direto. Em primeiro lugar, há um cruzamento de parte das fibras que se dirigem ao SNC
(Fig. 6). As células ganglionares do hemicampo temporal em ambos os lados não se
cruzam e seguem ipsilateralmente. As fibras do hemicampo nasal se cruzam no
quiasma óptico e seguem para o lado contralateral. Dessa forma, toda a estimulação do
lado direito irá para o córtex esquerdo e vice-versa.

282
Fisiologia Sensorial

Figura 6 – Cruzamento das fibras do nervo óptico e hemicampos contemplados em cada hemisfério
cerebral. Modificado de Bear e colaboradores (1996).

Note na figura que há uma extensa área de sobreposição dos campos


esquerdo e direito. É ela quem permite a visão binocular, responsável pela visão em
profundidade e criada pela proximidade entre os dois globos oculares (voltados,
portanto, para um mesmo lado da cabeça), algo constante em animais carnívoros.
Herbívoros, por outro lado, tem os olhos em lados opostos da cabeça, o que reduz
sensivelmente a visão binocular, mas potencializa a visão em todas as direções,
permitindo que esses animais percebam a aproximação de predadores
independentemente do local para o qual eles estejam direcionados.
Após o cruzamento no quiasma óptico, todas as fibras passarão pelo Tálamo,
mais especificamente pelo Núcleo Geniculado Lateral. Esse núcleo tem seis regiões
citoarquitetônicas muito bem definidas nos primatas. As duas camadas mais inferiores
possuem neurônios com corpos celulares grandes e trazem as informações vindas dos
bastonetes: é a camada magnocelular. As outras quatro camadas, chamadas
parvocelulares, têm neurônios com corpo celulares pequenos e trazem informações
vindas dos cones com pigementos sensíveis à luz vermelha e verde. Entremeado
nessas camadas, há células chamadas koniocelulares que trazem informações dos
cones sesíveis ao azul. Em ambos os lados, as camadas dois, três e cinco são de
células vindas do mesmo lado em questão (ipsilateral). As camadas um, quatro e seis
recebem axônios que cruzaram o plano médio no quiasma óptico.
Após o estímulo passar por esse núcleo talâmico, ele se dirige ao Córtex
Visual Primário, no córtex occipital, que tem um mapa retinotópico, isto é, tem uma
região cortical para cada região na retina (que tem saída de uma célula ganglionar).
Lembrando que a região compreendida pela fóvea corresponde a quase 50% de V1, fica
claro que a fidelidade entre célula ganglionar e receptor sensorial deve ser altíssima na
fóvea (ou pelo menos na fóvea central – algo como 1:1) e que esse número deve ser
bem reduzido nas regiões periféricas da retina, com cada vez mais células receptoras
para cada célula ganglionar. Esse fato introduz o conceito de Campo Receptivo: a área
da retina para qual uma célula ganglionar responde, maior quanto mais nos afastamos
do centro da retina.
Veremos no capítulo sobre Percepção que a complexidade torna-se cada vez
maior conforme avançamos do Córtex Visual Primário (ou qualquer que seja o córtex
sensorial) para o Secundário e assim em diante, sempre com algumas ou várias células
convergindo em apenas uma próxima, além de como as outras regiões que processam
estímulos visuais (V2, V3, V4, etc.) colaboram para a percepção da imagem captada na
retina.

283
Fisiologia Sensorial

Audição
A audição tem um peso muito importante no nosso dia-a-dia, sendo
fundamental para a comunicação entre indivíduos; seguramente ela trabalha
complementando nosso sentido visual.
O aparelho auditivo
humano está limitado a captar
freqüências entre 20 Hz e
20.000 Hz. Tal limitação é
causada por características
implícitas a um órgão do
sistema auditivo chamado
cóclea (Fig. 7), mais
especificamente, por uma
estrutura chamada membrana
basilar, dentro da cóclea, que
Figura 7 – Detalhe da estrutura do ouvido humano.
não vibra com sons fora dessa
faixa de frequências.
Diferentemente da visão, não necessariamente o intervalo de freqüências que
é captado por outros animais é semelhante. Infra-sons (freqüências abaixo de 20 Hz)
são utilizados por Tigres e Elefantes como forma de comunicação, que, no caso de
elefantes, pode ser feita a quilômetros de distância.
No outro extremo, morcegos têm faixa de audição começando em 10.000 Hz
e indo até cerca de 120.000 Hz. Os superagudos, freqüências acima de 10.000 Hz, têm
comportamento extremamente direcional e reflexivo, características que se tornam
ainda mais exacerbadas nos ultra-sons, freqüências acima de 20.000 Hz. Emitindo sons
acima de 50.000 Hz, os morcegos podem perfeitamente voar no escuro total,
conseguindo desviar dos obstáculos presentes em seu caminho. Eles utilizam-se do que
chamamos de sonar: um mecanismo de ecolocalização baseado na percepção da
posição de objetos no espaço pela geração de um som e recaptura do mesmo após
reflexão nas barreiras do ambiente.
A energia sonora no ambiente chega até ao tímpano pelo canal auditivo (Fig.
7), parte da orelha externa. Essa energia, com todas as suas características de
freqüência e intensidade, é transmitida pelo tímpano aos ossículos da orelha média
(martelo, bigorna e estribo), que farão a transmissão para a janela oval na cóclea,
integrantes da orelha interna. A interação existente entre os três ossículos causa uma
amplificação de até 1,6x na energia sonora que recebemos e a diferença de área entre
o tímpano e a janela oval outra de 20x, resultando em um ganho de 32x

284
Fisiologia Sensorial

aproximadamente.
A cóclea é a
estrutura onde toda a
mágica da transdução
acontece. Ela é uma
estrutura tubular
enrolada sobre si
mesmo, com três
câmaras internas (Fig. 7
e 8). As câmaras são
chamadas escalas e
são preenchidas por
Figura 8 - Representação da cóclea em corte transversal, evidenciando líquidos de
suas três câmaras internas.
composições
específicas (Fig. 8).
A vibração transmitida à janela oval é então transferida para os líquidos
internos da cóclea e para a membrana basilar. Como a cóclea é um tubo inextensível, a
Janela Redonda funciona como uma válvula de escape, permitindo a movimentação dos
líquidos internos e vibração nas membranas (Fig. 7).
Como já dito, a membrana basilar é a responsável pela nossa amplitude de
audição. Estruturas de sua composição, chamadas fibras basilares (não representadas
nas figuras) tem tamanhos progressivamente variáveis ao longo da cóclea. Essas
estruturas fazem com que diferentes regiões da membrana (e da cóclea) sejam mais
sensíveis a uma ou outra freqüência. Sons agudos, altas freqüências, são melhores
percebidos no início da cóclea. Sons médios, no meio dela. E sons graves, baixas
freqüências, no final da cóclea, próximo
à região chamada de helicotrema (Fig.
9). Tais constatações não significam
que um som fará com que só aquela
região vibre. Pelo contrário, todo som
causará com que a membrana basilar
Figura 9 – Representação esquemática da cóclea,
como um todo vibre. Mas essa vibração
mostrando como o som se propaga em seu
interior. será muito pequena fora do ponto ótimo
de vibração, não alterando a atividade eletrofisiológica nesses pontos da membrana.
Vale lembrar também que sons puros são raros na natureza e um mesmo som, sempre
causará a vibração de partes distintas da membrana basilar.
O órgão de Corti é o responsável pela transdução da energia sonora em

285
Fisiologia Sensorial

impulsos nervosos. Nele se encontram os


receptores sensoriais (mecanorreceptores)
que iniciam a despolarização que chegará
ao cérebro, conduzida inicialmente pelo
nervo coclear (Fig. 10).
A membrana tectorial no órgão
de Corti é uma estrutura rígida e fixa. A
vibração da membrana basilar acaba
causando o deslocamento de todo esse
Figura 10 – Representação esquemática da cóclea,
mostrando como o som se propaga em seu interior.
órgão; os cílios dos mecanorreceptores, no
entanto, não se deslocam por estarem
imersos e fixos na membrana tectorial, movimentando-se em relação à célula e
causando abertura ou fechamento de canais pelo estiramento da membrana celular e
influxo de Potássio e Cálcio. Isso resultará em
despolarização ou hiperpolarização do receptor e
a mensagem transmitida pelos neurônios
bipolares que integram o nervo coclear será maior
ou menor freqüência de disparos.
As fibras nervosas que saem da cóclea,
não atingem diretamente o cérebro, mas algumas
sinapses acontecem no trajeto (Fig. 11).
Resumidamente, o primeiro ponto de sinapse é
logo que as fibras entram na medula espinhal, em
sua porção terminal superior. Daí, as fibras
secundárias dirigem-se ao núcleo olivar superior,
onde algumas fibras fazem nova sinapse. Subindo
pela ponte, algumas poucas fibras param no
Núcleo do Lemnisco Lateral e, enfim, a maioria
delas chega ao colículo inferior, no mesencéfalo,
onde todas (ou quase todas) fazem sinapse e, por
último, chegam ao Núcleo Geniculado Medial
(NGM), onde todas sofrem nova sinapse. Só
então, os potenciais de ação que codificam Figura 11 – Trajeto percorrido pelos impulsos
nervosos provenientes da cóclea até o córtex
estímulos sonoros chegam ao cérebro, na região auditivo primário no cérebro.
chamada córtex auditivo (Fig. 12).
O Córtex Auditivo Primário (A1) localiza-se no lobo temporal do cérebro,
bilateralmente. Todas as fibras que saem do NGM chegam até essa região do córtex,

286
Fisiologia Sensorial

formando um mapa tonotópico da


membrana basilar da cóclea com
frequências graves mais anteriores e
as agudas mais posteriores (Fig. 12).
Esse arranjo permite o que é
chamado “Princípio de Localização”:
uma determinada população de
neurônios de A1 com sua atividade
alterada indica fielmente uma
determinada frequência de vibração
na membrana basilar. Dele, os
estímulos partem para o córtex
auditivo de associação, também
chamado de Córtex Auditivo
Secundário (A2), que também
recebe algumas fibras intra-talâmicas,
de regiões vizinhas ao NGM.
Figura 12 – Localização do córtex auditivo pimário (A1) O capítulo sobre Percepção
no cérebro.
tratará como a informação de A1 é
integrada com os córtices associativos (inclusive A2) e as consequências para nossa
percepção.

Somestesia
O sistema somatossensorial permite perceber estímulos na pele através de
uma diversidade de receptores sensoriais especializados: modificações nas terminações
de neurônios unipolares que alteram sua atividade eletrofisiológica pela pressão,
temperatura ou dor. Esses neurônios fazem conexões diretas com neurônios motores
para permitir reflexos e evitar eventuais danos à pele (em última instância, ao
organismo) – um arcorreflexo monossináptico como o reflexo patelar, discutido no início
deste capítulo brevemente e, mais extensivamente, no capítulo “Neurofisiologia da
Cognição I - Circuitos e Redes”. As vibrissas de ratos e camundongos são também um
órgão tátil, utilizado para se localizarem no ambiente e mais importantes a eles do que
os olhos, já que estes têm hábitos noturnos.
Os estímulos somestésicos também são levados ao córtex cerebral via
tálamo, formando um mapa somatotópico do organismo. Assim como na visão, algumas
regiões são mais privilegiadas do que outras, como a ponta dos dedos, lábios e língua
tendo os menores campos receptivos do sistema (e, portanto, as maiores áreas de

287
Fisiologia Sensorial

processamento). O córtex somatossensorial faz parte do lobo parietal do cérebro


humano, no giro pós-central (Fig. 5).

Sistema Vestibular
Associado às estruturas que permitem a audição, todos os vertebrados
contam também com o sistema vestibular, com o qual podem perceber fenômenos de

Figura 13 – Órgãos do
equilíbrio no ouvido
humano.

aceleração e postura corporal. Raramente mencionado, esse sistema deve ser


considerado um sexto sentido dos organismos (Graf, 2006), tendo íntima relação com o
sistema motor, permitindo correções posturais reflexas a estimulações bruscas e
estabilização do olho durante a movimentação corporal.
O sistema é composto por três canais semicirculares para percepção de
acelerações angulares (rotações) e os otólitos (sáculo e utrículo), para acelerações
lineares na maioria dos vertebrados (Graf, 2006) (Fig. 13). A presença de três canais
semicirculares surge nos Gnastomados, pela adição do canal horizontal, ausente nos
agnathas.
Os canais são completamente preenchidos por líquido e contém uma
dilatação (ampola) com células ciliadas (mecanorreceptores) associadas a uma
estrutura gelatinosa (cúpula). Os movimentos de rotação do organismo causam o
deslocamento do líquido em relação ao canal, resultando em movimentação da cúpula e
despolarização ou hiperpolarização das células ciliadas, tal qual naquelas presentes na
cóclea.
A maioria das projeções do nervo vestibular vai para um núcleo homônimo na
medula; outras seguem diretamente para o cerebelo. Interessantemente, algumas
projeções vão para os núcleos dos nervos cranianos que controlam o movimento ocular
(nervos cranianos III, IV e VI). Essas projeções permitem o reflexo vestíbulo-ocular que
corrige o movimento dos olhos enquanto andamos ou simplesmente movimentamos a

288
Fisiologia Sensorial

cabeça, permitindo a formação de imagens estáveis na retina. Pessoas com lesão no


nervo vestibular têm sérias dificuldades em enxergar enquanto se deslocam (Carlson,
2005).

Sentidos químicos
Olfação
As conexões neurais da via olfativa até o córtex sugerem que esse é um dos
sistemas sensoriais mais antigos dos animais. É o único sistema que faz conexões
diretas com o córtex cerebral (córtex olfatório) sem passar pelo tálamo. Após o córtex,
outras conexões neurais conduzem os estímulos recebidos ao tálamo e fazem também
conexões com o lobo frontal do neocórtex e diversas conexões com o sistema límbico.
Diferente do que acontece com os sistemas auditivo e visual, não há vias paralelas de
processamento neural para a olfação. São as conexões com o lobo frontal que
provavelmente nos permitem ter consciência dos cheiros ao nosso redor e as conexões
com o sistema límbico, os comportamentos ligados à homeostase e às emoções (Lent,
2006).
O sistema olfativo é um bom exemplo de como o sistema sensorial mais
importante a uma espécie dependerá das pressões seletivas e do que é mais adaptativo
para o habitat. Cachorros não são capazes de enxergar em cores como nós
enxergamos; por outro lado, são detentores de um olfato apuradíssimo, frequentemente
sendo vistos farejando o chão atrás de algo que lhes interessa. Treinados, são hoje
largamente utilizados para encontrar drogas em bagagens e pessoas soterradas em
terremotos, sendo melhores que os humanos fazendo tais buscas visualmente.
Tubarões também são fantásticos na detecção de odores, podendo perceber uma gota
de sangue em dezenas de litros de água. O caso mais espetacular de percepção
química, porém, é o das mariposas: os machos de algumas espécies são capazes de
detectar concentrações de apenas uma molécula do feromônio de atração sexual da
fêmea para até 1017 moléculas de ar! Isso se traduz em conseguir perceber uma fêmea
a milhas de distância.
Feromônios são moléculas intraespecíficas que servem à comunicação entre
gêneros – resultando, em última instância, no acasalamento – e também à demarcação
de território entre indivíduos. Até hoje sua existência não foi confirmada em humanos;
porém, fatos como a coincidência do ciclo menstrual entre mulheres que moram juntas
por um longo período de tempo, a tendência de homens classificarem-nas como mais
atraentes quando em período fértil e a tendência a escolhermos mais roupas com suor
do sexo oposto em um teste feito às cegas trazem indícios fortes de que esse

289
Fisiologia Sensorial

mecanismo também exista em humanos. Alguns desses exemplos nos mostram que
nem sempre precisamos estar conscientes de um estímulo para responder ao mesmo.

Gustação
A gustação está presente na maioria dos vertebrados e depende de
receptores específicos na língua, que detectam cinco qualidades: amargor, acidez,
doçura, salinidade e umami. Há claras razões adaptativas para a seleção de tais
receptores. Curiosamente, felinos não possuem receptores para doçura (Carlson, 2005).
Os animais tendem a ingerir rapidamente tudo o que é doce ou salgado;
doçura indica presença de açúcares, claramente um alimento. Já receptores para sal,
indicam a presença de cloreto de sódio, extremamente importante para o equilíbrio
eletroquímico do organismo. Por outro lado, substâncias amargas ou azedas serão
evitadas. Acidez é um indicativo de decomposição, resultado da ação bacteriana. Já o
amargor é um excelente indicativo da presença de alcalóides potencialmente venenosos
produzidos por plantas. Umami é um sabor relacionado à presença de glutamato
monossódico, substância naturalmente presente em carnes, queijos e alguns vegetais.
Um sexto tipo de receptor poderia também detectar a presença de ácidos-graxos nos
alimentos; de fato, trabalhos recentes indicam respostas celulares causadas pela
presença de ácidos-graxos específicos (Gilbertson e col., 1997 apud Carlson, 2005).
As vias neurais da gustação se dão através do núcleo posteromedial ventral
do tálamo para a base do córtex frontal e para o córtex insular. Outras projeções se dão
para a amígdala e hipotálamo. Sugere-se que a via hipotalâmica sirva para mediar
efeitos reforçadores de sabores doces e salgados.

Outros sentidos

Há ainda outras modalidades sensoriais que merecem ser mencionadas.


Ainda que presentes em poucos organismos, tais mecanismos revelam que o repertório
de estimulações físicas que servem à orientação não se limita àquelas que podemos
perceber. Insetos, por exemplo, conseguem se guiar pelo Sol mesmo quando há nuvens
no céu impedindo luz direta. Isso só é possível pelo arranjo dos microvilos no
rabdômero do omatídeo (Fig. 3), formando um ângulo de 90° uns com os outros. A
estimulação pela luz é até seis vezes maior nos microvilos que estão paralelos à
orientação do vetor de polarização.
Alguns peixes têm células eletrorreceptoras que são modificações de células
ciliadas da linha lateral. Essas células podem captar correntes elétricas produzidas por
tecidos ativos de outros peixes próximos (e.g., coração) mesmo que eles estejam

290
Fisiologia Sensorial

enterrados sob a areia do fundo do lago ou oceano. Esse mecanismo é frequentemente


utilizado por elasmobrânquios, que não tem corrente elétrica própria. Outros peixes são
capazes de produzir uma corrente elétrica fraca, através de uma série de
despolarizações sincronizadas das células de seu órgão elétrico. A corrente gerada flui
da parte posterior para a anterior do peixe e qualquer material próximo que tenha uma
condutividade diferente daquela da água causará uma alteração no campo elétrico,
sendo detectado.
A própria linha lateral de peixes e anfíbios é um órgão sensorial. Ela está
ausente nos grupos superiores de vertebrados e é extremamente adaptativa ao
ambiente em que esses organismos vivem. O mecanismo receptor presente ao longo da
linha lateral é uma célula ciliada como aquela descrita para os órgãos de audição e
equilíbrio.
Termorreceptores são extremamente importantes tanto em mamíferos, que
precisam manter sua temperatura regulada, quanto em outros animais que dependem
desse tipo de receptor para capturar presas. Cobras dos gêneros Crotalus e Sistrurus
têm termorreceptores com altíssima sensibilidade, sendo capazes de detectar aumentos
de temperatura tão pequenos quanto 0,002 °C. Em testes comportamentais, elas são
capazes de detectar um camundongo distante 40 cm se ele estiver 10°C acima da
temperatura ambiente.
O campo magnético da Terra também parece ser um estímulo utilizado por
alguns animais para orientação. Algumas aves migratórias e os pombos-correio (uma
variação do pombo-comum) parecem se utilizar desse mecanismo durante voos
prolongados. Se esse mecanismo realmente existe é algo ainda muito controverso.
Eckert (1983) relata evidências de que ele possa existir em salamandras, enguias e até
mesmo bactérias.

Conclusões

Os mecanismos sensoriais empregados pelos organismos são os mais


diversos possíveis e produto das pressões seletivas que um dado ambiente pode gerar.
Não há melhores órgãos e sistemas, mas apenas aqueles mais bem adaptados. A
comparação entre grupos revela que algumas soluções são muito semelhantes, ainda
que elas sejam análogas entre espécies. Estímulos físicos como a luz, presente no
planeta de forma irrestrita, tornaram possível o desenvolvimento independente de
órgãos receptores em diversos organismos (ver capítulo seguinte).
Outras especializações, como a linha lateral de peixes são extremamente
dependentes do ambiente aquático, sendo encontradas somente nestes e em anfíbios

291
Fisiologia Sensorial

na filogenia. Interessantemente o receptor sensorial envolvido na transdução da energia


não desaparece, podendo ser encontrado na cóclea e no labirinto dos vertebrados
terrestres, sendo homólogo entre todos os grupos (Graf, 2006). As interrelações com
outros mecanorreceptores, por outro lado, podem ser traçadas até o nemátoda C.
elegans, passando pelas drosófilas, apontando para um desenvolvimento
evolutivamente precoce desses receptores. (idem).
É provável que outras formas de estimulação (ou percepção de estímulos)
existam que ainda não tenham sido identificadas. A forma como percebemos o mundo
também não necessariamente é a forma como outros animais com órgãos análogos ou
mesmo homólogos o percebem, dado que a área cortical dedicada a um determinado
sistema pode variar imensamente. Em última instância, qualquer observação
comportamental merece uma postura cautelosa na busca de quais estímulos estão
moldando um determinado comportamento.

292
Fisiologia Sensorial

Mecanismos neurossensoriais e “o exemplo da Visão”

Antonio Carlos da Silva


Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia
Evolutiva
acdsilva@gmail.com

Introdução
Desde a formação da Terra há bilhões de anos atrás a luz, provavelmente,
tem exercido uma potente força de seleção sobre os organismos vivos. Os milhares de
amanheceres e pores-do-sol desde o início da vida têm levado a evolução dos olhos
que usam a luz para visão e outros fins, incluindo a navegação e noção de tempo. Um
pássaro em uma manhã de primavera ouvindo o canto de outros machos competidores
em busca de uma fêmea para acasalar, um lagarto do deserto buscando abrigo do sol
escaldante, ou uma águia em seu vôo em busca de uma presa - em todos os exemplos,
estes animais precisam de uma acurada informação sobre o que ocorre ao seu redor
para decidirem o que fazer em seguida. A sua decisão poderá ser apropriada somente
se a informação oferecida pelo meio ambiente for corretamente codificada e
transformada em sinais que possam ser processados pelo sistema nervoso central.

Origens evolutivos
No caso da “visão”, embora os olhos apresentem uma variedade de formas,
tamanhos, desenhos ópticos e localização corporal, todos eles fornecem informações
similares a respeito de ondas e intensidade de suas fontes. Logicamente, os olhos
podem ter uma origem monofilética, ou seja, de um único ancestral comum, ou podem
ter uma origem polifilética, surgido mais de uma vez durante a evolução.
Estudos filogenéticos relevaram que olhos evoluíram independentemente em
diferentes grupos sistemáticos, o que nos leva a tentar compreender quais as soluções
encontradas por cada grupo de animais durante o processo de evolução no qual resulta
essa enorme diversidade ( Halder, 1995; Salviani-Plawen e Mayr, 1977).
Estas estruturas (ex. ocelos, olhos compostos, olhos em câmara) que
asseguraram aos organismos “captarem estímulos luminosos”, nos levam a relembrar
Darwin em “como a seleção natural... pode produzir um órgão tão maravilhoso como o
olho” (Darwin, 1859). Os olhos são suscetíveis de coletar o sinal luminoso e focar com
lentes em células fotorreceptoras especializadas para converter fótons em sinais
neurais. Existem alguns olhos sem pupila ou lentes (Nautilus), mas, por definição, todos
os olhos requerem células especializadas para fototransdução.

293
Fisiologia Sensorial

Três filos emergem do período Cambriano com olhos funcionais: Mollusca,


Arthropoda e Chordata. Estas linhagens produziram essencialmente oito soluções
ópticas para coletar e focar a luz. (Fig.1). Duas dessas soluções aparecem em
Chordata, e uma delas é nominalmente usada como gradiente para um indíce de
refração para produção de lentes.

Figura 1 – Tipos de olhos. Modificado de Fernald, 2000.

Fotorreceptores
As unidades básicas do olho, as células fotorreceptoras, podem ser divididas em
duas grandes classes, uma ciliar (conjunto de cílios sensíveis a luz) e um tipo microvilar
(rabdomérico) o qual é constituído por um conjunto de células receptoras de luz,
paralelas umas às outras, o exemplo mais comum é em olhos compostos de insetos que
são formados por omatídeos (um pequeno sensor que distingue a claridade da
escuridão) e este é formado de uma lente e um rabdoma (Halder, 1995).

294
Fisiologia Sensorial

A estrutura ancestral que poderia ser chamada de precursora do olho – “foto-


olho” – não tem bem esclarecido o seu surgimento na árvore evolutiva. Alguns
pesquisadores argumentam que o foto-olho poderia ter surgido como duas pequenas
estruturas compostas por células fotorreceptoras e um pigmento celular, como
observado em pequenas larvas ciliadas no poliqueta trocóforo (Fig. 2) (Gehring and
Ikeo, 1999; Pichaud and Desplan, 2002).

Figura 2 – Foto ilustrativa (D. Arendt), Duas


células - olho larval e protótipo pigmento-taça com
olho fotoreceptores microvilares em Platynereis
dumerilii (Polychaeta, Annelida, Lophotrochozoa).
Ultra-estrutura larval 24 h (canto superior
esquerdo), (canto superior direito) adulto (72 h) e
(estrutura maior abaixo) olhos totalmente
crescidos. Em amarelo: células fotoreceptoras
microvilar; verde: células de pigmento.

Em sua origem, o olho simples (ex. protozoário Euglena possui pequenas


vesículas sensíveis a luz “eyes spot”) poderia ter realizado alguma forma primitiva de
visão a qual teria a função de detectar a direção da luz para fototaxia e, além disso,
poderia ter uma forma primitiva de relógio circadiano, que permitisse a oscilação do
animal entre ciclos de claro e escuro (Gehring e Rosbash, 2003).
Especializado, este órgão fotorreceptor primitivo providencia uma discreta
informação à célula dermal sensível a luz. A localização de fotorreceptores em
pequenas vesículas ou bolsas com pigmentos sensíveis a luz proporciona informação
adicional como observado em Euglena, existem células sensíveis a luz no citoplasma
que contém um pigmento vermelho-alaranjado responsável por essa percepção da luz.
Alguns estudos sugerem que o olho do tipo ciliar é comum a vertebrados e o do
tipo microvilar mais predominante em invertebrados (Land,1992; Fernald, 2000).
Entretanto novas descobertas relacionando o gene “controlador principal” - homeobox,
genes estruturais responsáveis por determinar qual a posição de determinadas
estruturas dentro do organismo - têm revelado um terreno comum aos olhos de
praticamente todos os animais multicelulares (Arendt, 2003).
Durante a evolução do olho, tipos adicionais de células foram surgindo entre elas
células dermais fotossensíveis. Aquelas que compõem as estruturas sensíveis à luz

295
Fisiologia Sensorial

atingiram sua diversidade máxima na estrutura “olho em câmara” de vertebrados e


cefalópodes, assim como nos olhos compostos de artrópodes (Arendt e
Wittbrodt.,2001).
Todos os fotorreceptores sensíveis à luz utilizam um pigmento derivado da
vitamina A e este pigmento está vinculado a uma proteína chamada Opsina. A
informação luminosa ativa a opsina e causa uma mudança na conformação do pigmento
fotossensível, o qual permite que a opsina se ligue a uma proteína G – uma molécula
comum e versátil usado em muitos sinais de transdução por cascata intracelular. Estas
semelhanças sugerem que todos os olhos têm um antepassado evolutivo comum
(Arendt, 2001).
Nos vertebrados, a pax6 – importante fator de transcrição no desenvolvimento
de tecidos específicos – é exigida para a formação de praticamente todos os tipos de
células da retina (Marquardt, 2001). Em Drosophila a pax6 é necessária para a
formação de todo o disco dos olhos (Jang, 2003).
Fotorreceptores microvilares são encontrados nos olhos compostos de
artrópodes. Eles aumentam as suas superfícies apicais em numerosas dobras, nas
quais a célula parece ter um achatamento, com a composição de cerdas finas e cerdas
membranosas, apesar de a própria célula poder assumir muitas formas em espécies
diferentes. A Transdução do sinal em fotorreceptores microvilares envolve ativação de
fosfolipase C (PLC) e do inositol tri-fosfato (IP3). Um exemplo de como se dá a
formação de imagem pode ser observado na Fig. 3 (Arendt, 2003; Arendt e Wittbrodt,
2001).

296
Fisiologia Sensorial

olho composto

olho de vertebrados

Figura 3 – Representação da formação da imagem no (A) olho composto e no (B) olho em


câmara.

Fotorreceptores ciliares são comuns em vertebrados. Sua característica é um


aumento da área superficial na membrana celular externa, uma modificação do cílio. A
membrana ciliar é expandida e empacotada em dobras profundas de modo que a região
de receptores da célula se parece com uma pilha de discos. Os fotorreceptores ciliares
usam uma via diferente de sinalização, ativam uma fosfodiesterase (PDE) que muda a
concentração de GMP cíclico na célula. Tanto o IP3 e o PDE existem em todos os
animais, a diferença está na via que é utilizada nos diferentes fotorreceptores (Arendt e
Wittbrodt, 2001).

Conclusão
As diferenças fundamentais de morfologia, desenvolvimento e estrutura dos
fotorreceptores de diversos tipos de olhos encontrados no reino animal sugerem que os
olhos surgiram independentemente pelo menos 40 vezes, especialmente ao
compararmos as camadas da célula da retina que compõem o olho em câmara dos
vertebrados (ganglionar, plexiforme interna, nuclear interna, plexiforme externa, nuclear
externa, externa, epitélio pigmentar) (Fig. 4 do capítulo anterior). Os sistemas de

297
Fisiologia Sensorial

transdução, por outro lado, são muito parecidos, desempenhando operações de


detecção, amplificação e transmissão (Randall,1997).
As evidências aqui levantadas nos mostram que existem relações importantes
entre as estruturas básicas dos fotorreceptores e nos levam a refletir sobre o processo
de evolução, onde cada grupo animal enfrentando pressões seletivas nos mais variados
ambientes desenvolveu uma grande diversidade de tipos de olhos, cada um com sua
peculiaridade, atendendo a condições necessárias a sobrevivência do indivíduo e,
conseqüentemente, da espécie.

298
Fisiologia Sensorial

Neurofisiologia da Música

Felipe Viegas Rodrigues


Laboratório de Neurociências e Comportamento
fvrodrigues@usp.br

Introdução
A música é uma forma de arte e expressão humana presente mundialmente
(Hauser e McDermott, 2003; Gray e col., 2001; Tramo, 2001), irrestrito a gênero, classe
social, língua ou idade. Freqüentemente tratada apenas como uma manifestação
cultural, um alvo de pesquisa “não-essencial” (Zatorre, 2003), essa distribuição global
gera indícios de que a música é mais do que isso. Ainda assim, não há uma explicação
clara e consensual de suas vantagens adaptativas (Pinker, 1998).

A física por trás da música


A grande maioria dos sons encontrados na natureza, senão todos, assim
como notas musicais, são complexos, formados pela composição espectral de ondas
senoidais (isto é, por mais de uma freqüência). A composição de várias ondas produz
um som muito específico, que carrega uma “assinatura sônica” do corpo que a produz.
É o seu timbre.
Se tal som tem período definido (chamado som musical) ele possuirá uma
freqüência fundamental, igual à freqüência da senoidal de menor comprimento de onda
na composição espectral. As outras ondas envolvidas naquela composição são
chamadas de harmônicos e são múltiplos da freqüência fundamental. É justamente a
composição espectral de seus harmônicos que dá a cada som seu timbre. A uma
composição qualquer é dado o nome série harmônica.
Notas musicais são uma classificação subjetiva de freqüências sonoras ao
longo do nosso espectro de audição. Elas estão baseadas em uma tonalidade, a qual é
um atributo perceptual do som, o que se contrapõe à freqüência, que é um atributo físico
(Bendor e Wang, 2006). É por isso que nem todos os povos utilizam o mesmo Sistema
de Afinação para compor suas notas musicais (ver Porres, 2007), isto é, diferentes
culturas utilizam em suas músicas diferentes instrumentos musicais com diferentes
conjuntos de notas musicais.
Apesar das diferenças interculturais, há algumas particularidades nos
sistemas de afinação; uma característica sempre presente, independente do sistema de
afinação utilizado é a repetição de notas ao longo do espectro de audição, isto é, por
mais que escutemos sons distintos, um mais grave e outro mais agudo, eles ainda soam

299
Fisiologia Sensorial

muito semelhantes (e são considerados a mesma nota musical). Portanto, ao longo do


espectro de audição, temos um determinado conjunto de notas (definido de acordo com
o sistema de afinação utilizado) se repetindo em intervalos regulares. A esse fenômeno
dá-se o nome oitavas musicais. É possível explicar neurofisiologicamente esse
fenômeno.

Base dos mecanismos neurais da música em humanos


Além do arranjo já descrito no primeiro capítulo deste módulo, temos
populações de neurônios específicas para a percepção de freqüências fundamentais.
Bendor e Wang (2005), estudando o córtex de sagüis, encontraram em A1 neurônios
capazes de disparar potenciais de ação não apenas para um único som complexo, mas
também para seus múltiplos. Exemplificando: a mesma população de neurônios que
dispara para sons com freqüência fundamental de 440 Hz, dispara também para sons
com fundamental em 110, 220, 880, 1.760, 3.520 Hz e etc. Uma dada população pode
disparar inclusive na ausência da freqüência fundamental, quando apenas os outros
harmônicos da composição espectral daquele som estão presentes.
Essa descoberta colabora para o entendimento de como o sistema nervoso
processa informações para a percepção de timbre, conceito, que apesar da extrema
relevância (bebês recém-nascidos são capazes de reconhecer o timbre da voz de suas
mães) (Trehub e Hannon, 2006), ainda não tinha o mecanismo fisiológico que o
descrevia completamente compreendido. É o disparo dessas populações de neurônios
que permite que nós associemos vozes diferentes (devido ao espectro de frequências
específico das cordas vocais de cada pessoa) como semelhantes, quando a
fundamental envolvida é a mesma: tais neurônios disparam para sinalizar essa
fundamental.
Estes mecanismos perceptuais nos mostram dois fatos importantes: (1) a
percepção de tons musicais está na base do mecanismo fisiológico que propicia a
audição em humanos (e, provavelmente, também em outros organismos); (2) fazemos a
classificação de notas musicais de acordo com aquilo que nosso cérebro está apto a
perceber e não por pura subjetividade. Convencionamos chamar todo som com
freqüência fundamental de 440 Hz de “Lá”. Mas também assim chamamos seus
múltiplos (as oitavas) porque temos uma mesma população de neurônios disparando
potenciais de ação para todos eles, em última instância, fornecendo ao ouvinte a
percepção de tais sons são iguais em alturas diferentes.

Música para quê?

300
Fisiologia Sensorial

Os mecanismos anteriormente descritos, no entanto, não justificam por si só a


existência de música globalmente. Enfim, para que existe música? Há vantagens
evolutivas nela? Diversos autores já tentaram responder a essa pergunta (Gess, 2007;
Masataka, 2007; Hauser e McDermott, 2003; Benítez-Bribiesca, 2001; Gray e col., 2001;
Tramo, 2001; Wright e col., 2000; Pinker, 1998; Clark, 1879, Darwin, 1874; para citar
alguns) e não há consenso nas respostas.
O autor Steven Pinker estabelece uma proposta bem abrangente, baseada
em seis pontos principais, para tentar responder à questão. Ele ousa dizer: “Eu suspeito
que a música seja um ‘bolo de queijo’ auditivo, uma confecção rara artesanalmente
construída para agradar os pontos sensíveis de pelo menos seis de nossas faculdades
mentais” (Pinker, 1998 - pág. 534). O primeiro aspecto levantado por Pinker é a própria
fala. O autor defende que a letra presente nas músicas faz com que ela ative circuitos
neurais “emprestados”, em particular, da prosódia. Achados mais recentes, relacionando
música e linguagem, serão apresentados mais adiante neste texto.
O segundo aspecto refere-se ao circuito neural relacionado à análise auditiva
do ambiente. Pinker compara a audição à visão, dizendo que assim como recebemos
uma série de estímulos luminosos que precisam ser diferenciados e separados (uma
pessoa de um fundo de árvores, por exemplo), precisamos distinguir os diversos
estímulos sonoros que nos são apresentados, por exemplo, separar um solista de uma
orquestra, uma voz em um ambiente cheio de ruídos, uma vocalização animal em meio
a uma floresta cheia de ruídos. O autor defende que nosso ouvido detecta cada
freqüência e envia cada uma delas ao sistema nervoso, que as associa, percebendo-as
como um tom complexo. “Presumivelmente o cérebro as associa para construir nossa
percepção da realidade do som” – pág. 535. Isto é, a interpretação em tons complexos
provavelmente se dá pelo fato de que sons naturais não ocorrem em freqüências puras,
mas como tons complexos; logo, o sistema nervoso associa novamente as diferentes
freqüências que constituem um som oriundo de um mesmo ponto no espaço e ao
mesmo tempo porque são, em verdade, uma mesma fonte sonora. Nesse sentido,
“melodias são agradáveis ao ouvido pela mesma razão que linhas simétricas, regulares,
paralelas ou repetitivas são agradáveis aos olhos”. O sistema nervoso, então, se utiliza
desse circuito neural para fazer a interpretação das melodias e harmonias presentes na
música.
O terceiro aspecto defendido por Pinker é a emoção trazida pela música.
Baseando-se na sugestão de Darwin de que a música surgiu no homem devido às
chamadas de acasalamento de nossos ancestrais, o autor defende que uma série de
“chamadas emocionais” (como murmurar, chorar, rir, resmungar, gritar) tem um apelo
acústico próprio; “é provável que melodias evoquem fortes emoções porque sua

301
Fisiologia Sensorial

estrutura assemelha-se a chamadas emocionais de nossa espécie”. A música, então,


traria diversos sentimentos à tona semelhantemente a essas expressões emocionais. É
interessante notar que, segundo tal proposta de Darwin, a música poderia ser até
anterior à fala.
Outro aspecto apontado por Pinker é a seleção de habitat. Fazendo mais uma
comparação entre o campo visual e auditivo, o autor ressalta que prestamos atenção a
uma série de características visuais que sinalizam segurança, insegurança ou mudança
de habitat, como vistas distantes, paisagens verdejantes, nuvens (que trazem chuva) ou
pôr-do-sol. Ele então escreve:
“Talvez nós também prestemos atenção a características do mundo
auditivo que sinalizem segurança, insegurança ou mudança de habitat. Trovões,
ventos, água correndo, pássaros cantando, rosnados, passos, corações e galhos
batendo, todos têm efeitos emocionais, presumivelmente porque eles revelam
eventos dignos de atenção no mundo” - pág. 537.

A música também interferiria com tais circuitos neurais, de tal forma que ela
altera nossas emoções e nossa noção de segurança ou insegurança.
O quinto aspecto ressaltado por Pinker é o controle motor. O ritmo é um
componente universal da música e até mesmo único em algumas culturas. Tal
ritmicidade que nos faz dançar, bater palmas, balançar, e acompanhar a música,
certamente estimula nosso sistema motor.
O último aspecto defendido pelo autor é um “algo a mais” sem explicação
conhecida e que ele coloca como sendo, possivelmente, desde um acidente do
funcionamento conjunto de diversos circuitos neurais até uma ressonância entre
disparos neuronais e ondas sonoras.
As sobreposições entre música e linguagem vão muito além do relatado por
Pinker (1998) em seu livro. Patel (2003a) faz uma revisão da sobreposição existente no
processamento da sintaxe. Música também possui sintaxe e circuitos neurais que fazem
o processamento dessa característica musical parecem ser os mesmos utilizados para a
fala. A evidência vem de ambos os processos gerarem um potencial evocado P600,
significativamente indistinto em amplitude e distribuição no escalpo, após a
apresentação de sentenças verbais ou seqüências de acordes musicais com
incongruências de sintaxe (baseadas em regras de estrutura verbal para os estímulos
verbais e regras harmônicas para os estímulos sonoros). O processamento sintático
ocorre em regiões do lobo frontal anterior.
Koelsch e col. (2004) testaram a capacidade da música para representar
significados. Eles apresentaram palavras aleatórias a voluntários após eles terem
ouvido ou uma frase ou um trecho musical (apenas instrumental). Um

302
Fisiologia Sensorial

eletroencefalograma com registro de potenciais evocados mostrou a expressão de um


componente N400 para a apresentação de palavras não relacionadas ao estímulo
inicial, independente deste ser uma frase ou um trecho musical, o qual não variou em
latência, distribuição no escalpo, fontes neurais e amplitude. O componente N400 já
havia sido descrito em experimentos de semântica, aparecendo após a apresentação de
palavras não relacionadas com o contexto prévio. Diante dos resultados, os autores
concluíram que “a música pode não apenas influenciar o processamento de palavras,
mas ela pode também pré-ativar representações de conceitos, sejam eles abstratos ou
concretos, independente do conteúdo emocional desses conceitos”; em outras palavras,
assim como a linguagem, a música pode facilitar a compreensão de significados (em
palavras e, provavelmente, também contextos).
Há ainda mais: paralelos entre a rítmica da linguagem e a da música (Patel,
2003b). A análise do ritmo da linguagem e da música em subcomponentes e a
comparação entre os domínios revelam que o agrupamento rítmico é semelhante na
linguagem e na música, mas não sua estrutura periódica (que é mais organizada na
música). Novas evidências ainda sugerem que a rítmica de linguagem de uma cultura
deixa impressões na sua rítmica musical. Isto é, diferenças na rítmica da linguagem
refletem-se na rítmica musical nas diferentes culturas. Esses achados reforçam a noção
de que a música possui tanto sintaxe quanto semântica e seja, possivelmente, como a
linguagem, relativamente inerente ao homem e não um simples produto da cultura.
Novos estudos transculturais permitirão afirmar se essas evidências se confirmam.
Fica claro, portanto, que a música tem estreitas e importantes relações com o
funcionamento de diversos circuitos neurais. Estes não foram selecionados por
vantagens adaptativas trazidas pela música, mas permitem, em última instância, sua
criação e percepção. A própria capacidade de discriminação de timbres seguramente
não é produto da necessidade de reconhecimento de diferentes instrumentos musicais.
O reconhecimento de sons complexos com freqüência fundamental definida é
importante também para diferenciar diferentes vocalizações de animais na natureza,
além da própria comunicação entre indivíduos; eles seriam uma boa indicação para
distinguir as vocalizações de ruídos de fundo (Zatorre, 2005). As tonalidades e o timbre
certamente serviriam também à identificação de vozes (lembrem-se dos bebês
reconhecendo a voz da mãe). A percepção de sons complexos evoluiu ao ponto de
tornar a percepção de dois sons muito consonantes como iguais, não só em humanos
(Wright e col., 2000). Essa percepção, provavelmente deu vantagem adaptativa aos
seus possuidores. Qual ou quais vantagens é algo ainda incerto. (Pinker, 1998).

Origens da musicalidade

303
Fisiologia Sensorial

Se de fato a música tem envolvimento com tantos circuitos neurais, essa


propriedade não pode ser uma exclusividade apenas da espécie humana, mas deve
estar presente no cérebro de outros animais também. A capacidade para interpretar
música, de uma forma diferente de outros sons quaisquer (também chamados sons não
musicais) ou, até mesmo, produzi-la, deve estar presente pelo menos em outras
espécies de mamíferos.
O primeiro grupo lembrado quando se fala de música em animais, no entanto,
são os pássaros. Desde o século retrasado (Clark, 1879) tal grupo é investigado. As
razões são óbvias, percebidas por qualquer pessoa que já tenha entrado em contato
com a natureza (e escutado o som dos pássaros). Estudos recentes sobre o assunto
(Baptista e keister, 2000) apontam semelhanças entre a melodia do canto dos pássaros
e as melodias produzidas pelo homem. Segundo os autores, os pássaros
“frequentemente usam as mesmas variações rítmicas, relações tonais, permutações e
combinações de notas que os compositores humanos”. Detalhes presentes nas músicas
produzidas pelo homem são também notadas nas melodias usadas pelos pássaros,
como inversões de intervalo, relações harmônicas simples e retenção de uma
determinada melodia com a troca de registro (tonalidade) usado. O caso mais atípico e
impressionante, talvez, seja da espécie Probosciger aterrimus, a Cacatua-Negra, uma
espécie de papagaio do extremo norte da Austrália e Nova Guiné, que molda gravetos
para que se assemelhem a baquetas (de bateria) e batucam em diversos troncos até
que achem um com ressonância agradável e, então, o utilizam para produzir sons como
parte de seu ritual de acasalamento.
Mas voltando aos mamíferos, Wright e col. (2000), trabalhando com macacos-
rhesus, mostraram que os mesmos são capazes de reconhecer como semelhantes
melodias idênticas tocadas em oitavas diferentes, mas não em tons diferentes. Ainda,
tal reconhecimento positivo aconteceu para melodias tonais, mas não para melodias
atonais. Estes resultados são consistentes com o achado de Bendor e Wang (2005), já
descrito. O experimento de Wright e colegas, porém, pode ter sido afetado pela
exposição prévia dos animais a música. Freqüentemente tais animais ficam em
ambientes com televisões ligadas para os mesmos (Hauser e McDermott, 2003),
portanto, expostos a música e melodias diversas.
É provável que o caso mais conhecido e consistente de musicalidade nos
mamíferos esteja nas baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae). Há décadas que se
conhece o “canto” dessas baleias e estudos recentes (Payne, 2000) também apontam
para semelhanças estreitas com as regras de construção musical utilizadas pelo
homem. A despeito de poderem produzir sons sem ritmicidade ou tonalidade, as baleias
optam por produzir sons rítmicos, de forma semelhante a composições humanas e com

304
Fisiologia Sensorial

tonalidade definida. Mais do que isso:


- O canto produzido por elas é composto de fraseados de tamanho
semelhante às frases na música composta por homens e, assim como nós, elas
exploram diversos fraseados dentro de um mesmo tema antes de partir para um tema
diferente. Da mesma forma, são freqüentes composições que exploram um tema,
partem para uma seção mais elaborada e, depois, retornam ao tema inicial (semelhante
ao nosso formato de composição: estrofe – refrão – estrofe);
- O tamanho total de um canto (uma música?) assemelha-se ao tamanho
médio de músicas produzidas pelo homem, possivelmente pelo fato de que o tamanho
de seu córtex permite uma capacidade atencional semelhante à nossa;
- Ainda que elas tenham uma extensão tonal que alcança sete oitavas
musicais, as baleias preferem compor músicas com intervalo entre notas também
semelhantes às nossas composições (que raramente explora toda essa extensão em
uma única composição);
- Elementos percussivos são incorporados à música e intercalados com tons
puros numa taxa semelhante àquela encontrada em composições humanas;
- Algumas repetições encontradas são semelhantes a rimas, indicando que as
baleias possam usar desse artefato tanto quanto os humanos usam: um recurso
mnemônico para lembrar-se de composições complexas.
Tantos elementos comuns entre os sons musicais produzidos por essas
diferentes espécies apontam para o fato de que a música não possa ser apenas um
produto cultural humano. Nas palavras de Gray e col., 2001:
“O fato de que a música das baleias e dos homens tem tanto em
comum, mesmo com nossos caminhos evolucionários não tendo se cruzado
em 60 milhões de anos, sugere que a música deve ‘predar’ os humanos, ao
invés de sermos os inventores dela. Nós somos adeptos tardios do ambiente
musical.” – pág. 53

Tais indícios de produção musical em outras espécies animais reforçam a


idéia de que as raízes da musicalidade devem residir em outros fatores que não a
cultura humana. Talvez uma conseqüência natural da interação entre as freqüências
sonoras, que causa sons mais ou menos desagradáveis ao encéfalo dependendo das
freqüências envolvidas. De fato, as notas utilizadas no sistema de afinação da música
ocidental, e em grande parte do mundo, são derivadas da Série Harmônica (ver
http://www.phy.mtu.edu/ ~suits/overtone.html para maiores detalhes), com as escalas
musicais sendo construídas com base nas interações entre notas de maior consonância.
Sons musicais chamados de dissonantes causam um fenômeno chamado batimento,
relatado como desagradável pela grande maioria das pessoas e que são

305
Fisiologia Sensorial

freqüentemente utilizados na música para gerar sensações de suspense e tensão.


Ainda, sons dissonantes apresentados a bebês de apenas quatro meses causam
afastamento da fonte sonora, expressões faciais fechadas e até choro, enquanto que
sons consonantes os fazem virar-se para a fonte sonora e freqüentemente sorrirem
(Trainor e Heinmiller, 1998). Dado que recém-nascidos não tem conhecimento algum de
escalas musicais, é improvável que tais respostas emocionais à música acontecem
nestes da mesma forma que elas acontecem nos adultos. É então plausível que a
própria física da interação de freqüências induza a percepção daquilo que é agradável
ou desagradável e permita a produção ou reconhecimento de sons musicais mesmo em
espécies que não o homem.
Apesar de tantas evidências, a falta de consenso entre pesquisadores sobre a
musicalidade em outras espécies animais permanece. As críticas são freqüentemente
embasadas no fato dos cantos serem essencialmente produzidos por machos, como
parte do ritual de acasalamento. Ainda assim, tal uso não invalida que elas sejam
capazes de produzir sons musicais e que a estrutura das “músicas” produzidas seja
semelhante à humana. Muito pelo contrário, a organização musical semelhante entre
diferentes espécies nos mostra que ela não é um acidente, mas uma propriedade
específica do sistema nervoso central, que caminha em estreitas relações com a
comunicação intra-específica e a seleção sexual.
É possível que a origem da musicalidade de humanos resida nestes mesmos
mecanismos (de seleção sexual), como apontado por Darwin. Mais provável ainda que
sua existência se apóie em diversos fatores e não apenas em um deles, uma
propriedade emergente da interação de diversos sistemas, como apontado por Pinker
(1998). Independente dos motivos pelos quais a música se originou no homem,
seguramente os motivos pelos quais ela permanece são outros (a não ser que ela já
tenha se originado por esses outros motivos, claro – improvável quando se compara
com outros grupos). Na espécie humana, a música adquire outros significados muito
mais fortes como promover a coesão de grupo e a interação social (podendo até possuir
a mesma capacidade de abstração e atribuição de significados que a linguagem, como
apontado por Koelsch e col., 2004). Se há algo de exclusivo entre homem e música,
isso parece ser a produção e a apreciação da mesma por puro prazer.

306
Fisiologia Sensorial

Neurofisiologia da Linguagem

Rodrigo Collino
Laboratório de Neurociências e Comportamento
rodrigocollino@terra.com.br

Introdução
Dentro das ciências cognitivas, o estudo da linguagem tem ganhado grande
atenção nas últimas décadas. É uma área que envolve diversos detalhes e grande
complexidade, dado o emprego de técnicas desenvolvidas apenas recentemente (a
partir da metade do séc. XX) em estudos neurocientíficos. Anteriormente a este período,
as conclusões de médicos acerca da neurofisiologia da linguagem eram abstraídas
somente através da análise da casos clínicos, advindos de acidentes que causassem
danos a áreas específicas do cérebro, e que acabavam por desenvolver sequelas de
cunho linguístico – na compreensão da fala, ou na produção de mesma, por exemplo.
Retrocedendo mais ainda no tempo, pensava-se na Grécia Antiga que o controle da
linguagem estivesse concentrado totalmente na língua do indivíduo. Assim, ao encontrar
um indivíduo que, provavelmente devido a um acidende vascular cerebral (AVC),
apresentasse dificuldades na dicção, era comum oferecer-lhe tratamento através de
massagens em sua língua, na esperança de recobrar-lhe a fala. Atualmente, estudiosos
da neurociência contam com instrumentos aguçados de avaliação da atividade cerebral,
tais como fMRI, MEG, PET e ERP, a fim de correlacionar características da linguagem e
regiões cerebrais específicas e seus respectivos padrões de ativação neuronal.
Neste capítulo, vamos explorar algumas das maravilhas da linguagem
produzidas pelo cérebro humano: o que a torna tão particular da espécie humana, sua
lateralização e modularidade cerebral, distúrbios ocasionados pela falha em alguns de
seus mecanismos, e como é possível o cérebro aprender e utilizar mais de uma língua
para nossa comunicação.

A Linguagem é exclusiva do Homem?


Vivemos imersos neste complexo comportamento chamado linguagem;
ouvimos, falamos, lemos e escrevemos quase que instintivamente e inconscientemente,
sem pensar muito na ordem das palavras que emitimos, ou no som das sílabas que
ouvimos. Bebês nascem e, em questão de 1 ou 2 anos, já entendem muito de sua
língua-mãe e não levam muito mais tempo para se comunicarem fluentemente.

Antes objeto de estudo apenas de linguistas, hoje a Linguagem passa


também ao domínio de neurocientistas que procuram traçar sua ontogenia cerebral, e

307
Fisiologia Sensorial

até mesmo encontrar semelhanças entre a nossa comunicação e aquela usada por
outros animais. De certo, algumas espécies de animais se comunicam, como as aves,
cães, lobos e primatas, mas até que ponto esta forma de comunicação pode ser
equiparada à nossa? Será que alguma outra espécie poderia aprender a “linguagem dos
homens”?

Neste sentido, vários experimentos têm sido realizados, especialmente com


chipanzés. Em um deles, tentou-se ensiná-los a aprender palavras em Inglês de
elementos presentes em seu ambiente, e esperar que falassem ou ao menos
entendessem o que lhes fora apresentado. Um dos resultados mais significativos deste
experimento foi perceber que tais primatas possuem um sistema fonador diferenciado
do nosso, o que limita enormemente a produção de nuances dos sons que podem ser
emitidos pela espécie humana, e também que conseguiam compreender apenas 400
palavras aos 2,5 anos. Em outra tentativa de ensinar um chipanzé a comunicar-se,
optou-se pela Linguagem de Sinais (ASL), e chegou-se à seguinte conclusão: até os 4
anos de idade, o chipanzé havia aprendido a sinalizar 160 palavras, e chegou até
mesmo a produzir a composição “water bird” ao ver um cisne em um lago. Pois bem,
comparando-se com crianças de nossa espécie, aos 4 anos de idade, elas já possuem
um vocabulário de aproximadamente 3.000 palavras. Além disso, não é possível saber
com certeza se a produção de “water bird” por aquele chipanzé representava uma
alegoria ao cisne ou se, simplesmente, eram duas mensagens separadas – uma
indicando a água em si, e a outra indicando o cisne.

De modo muito diferente, a espécie humana parece ter sido selecionada com
esta característica inata à linguagem: atualmente, no planeta, contam-se 10.000 idiomas
e dialetos dentre todos os povos da raça humana. Além disso, casos de indivíduos que
cresceram em total isolamento com a sociedade relatam o desenvolvimento de formas
próprias de comunicação. Por fim, há algumas características que diferem a
comunicação humana daquela encontrada em qualquer outra espécie animal. São elas:

• criatividade: a capacidade de gerar novas associações de palavras – ou até


mesmo criar um novo dialeto;
• forma: uso de fonemas e sílabas para compor palavras, e emprego de regras
sintáticas bem definidas para compor sentenças, tudo isso sem a necessidade
de intrução formal, mas da aprendizagem implícita – experienciada em nosso
dia-dia;
• conteúdo: não só as palavras, mas também gestos, expressões faciais e a
entonação utilizadas carregam significado na comunicação humana.

308
Fisiologia Sensorial

• uso: a língua serve o propósito de meio de comunicação social e também


para identidade própria (expressa nossos pensamentos e emoções).
Assim, podemos dizer que nossa forma de comunicação é única e complexa
dentre os seres vivos de nosso planeta. Surgem também algumas questões, de
discussão atual no meio científico: esta capacidade única do ser humano reflete algum
ajuste fino do cérebro primata para o propósito específico da linguagem? Ou tal
capacidade dever-se-ia ao desenvolvimento de uma arquitetura neural completamente
nova? Para melhor nos ajudar na busca por respostas a estas perguntas, vamos agora
olhar para dentro do centro da linguagem: o cérebro humano.

Neuroanatomia da Linguagem
Todos os aspectos da linguagem são comandados pelo cérebro: a captação
de ondas sonoras provenientes da conversa entre duas pessoas é levada ao sistema
nervoso central pelo nosso sistema auditivo; a produção da fala, envolvendo a
articulação dos lábios e língua, também tem seu controle motor coordenado pelo
cérebro; a leitura e a escrita, e até mesmo nossa linguagem corporal, intermediados
pelos sistemas visual e motor, são orquestrados Figura 1 – Principais áreas anatômicas
pelos 1,5 quilo de massa cinzenta que se encontra do cérebro humano.
dentro de nossa caixa craniana.
Cada uma destas funções linguísticas encontra-se sob responsabilidade de
áreas neuroanatômicas bem definidas e localizadas, que serão ilustradas na Figura 1 e
Tabela 1:

Tabela 1 - Relação de algumas estruturas cerebrais e seus respectivos papéis na linguagem.

Estrutura neuroanatômica Função controlada

Região temporo-superior posterior esquerda Compreensão da fala e escrita

309
Fisiologia Sensorial

Região frontal inferior posterior esquerda Expressão oral e escrita


Córtex auditivo primário Percepção de sons
Região temporo-parietal esquerda Categorização de fonemas
Córtex estriado e pré-estriado Visualização de palavras
Córtex pré-frontal Iniciação e categorização de palavras
Tálamo Interface semântico-lexical

Percebemos, então, um fenomêno de lateralização cerebral no que se diz


respeito ao controle da linguagem, determinando o hemisfério esquerdo como
dominante. De fato, 99% das pessoas destras e 70% dos canhotos desenvolvem tal
característica. O hemisfério direito também participa em características importantes da
linguagem, tais como compreensão de respostas não-verbais, leitura de números, letras
Figura 2 – Níveis relativos de fluxo sanguíneo
e palavras curtas, e conferir entonação, ritmo e prosódia à lingua falada. O centro de
representado por cores. Vermelho indica os
compreensão prosódica também localiza-se no hemisfério direito (córtex
maiores níveis, posterior).
e níveis progressivamente
Hoje é possível “ver” o cérebro em funcionamento
menores são através de por
indicados procedimentos
laranja, amarelo,
verde e azul. Retirado de
como PET e fMRI. Vários experimentos tem sido feito envolvendo linguagem Posner e Raichie,e1994.

mapeamento cerebral. Na Figura 2 estão representados resultados obtidos quando da


ativação cerebral em função de diferentes usos da linguagem:

Portanto, podemos prever que danos em determinada porção do tecido


cerebral podem afetar uma característica específica da linguagem. São diversas as
disfunções decorrentes de AVC, conhecidas como afasias (difunções na produção ou
compreensão da fala), alexias (disfunções na leitura) e agrafias (disfunções na escrita).
As mais conhecidas são as afasias de Broca, de Wernicke e de Condução.
A afasia de Broca afeta o conteúdo da expressão oral e escrita.Geralmente é
decorrente de lesões na região fronto-posterior esquerda, produzindo alterações no
paciente equivalentes a uma “fala telegráfica”: substantivos são usados apenas no

310
Fisiologia Sensorial

singular, verbos sem flexão, levando até mesmo a uma total quebra na sintaxe da frase
(p.e., “Senhoras e senhores, por favor dirijam-se à sala de jantar”, seria produzido por
um destes pacientes como “senhora, senhor, sala”). A afasia de Wernicke não prejudica
a produção, mas sim a compreensão da fala e da escrita. Devido a esta dificuldade de
compreensão, sua fala fica afetada por uma fluência em excesso, com abundância de
palavras e frequentes trocas de assunto dentro do mesmo trecho discursivo, produzindo
uma espécie de “vazio” na fala. Geralmente é resultado de lesões na região temporo-
posterior superior esquerda. A afasia de Condução ocorre quando o fascículo arqueado
(região parietal esquerda), que interliga as regiões de Broca e Wernicke, é rompido.
Seus principais sintomas são dificuldades na repetição de frases e palavras e na
nomeação de objetos, e troca de letras durante a escrita.
Existem também disfunções da linguagem observadas por lesões no
hemisfério direito do cérebro: indivíduos que utilizam um único tom de voz na linguagem
após lesão no córtex frontal direito, e indivíduos que não conseguem realizar
compreensão prosódica após lesão no córtex posterior direito.
Há, ainda, aqueles distúrbio linguísticos sem lesões vasculares ou mecânicas
aparentes, apontando apenas para um componente genético. A dislexia, por exemplo,
envolve grandes dificuldades em processos fonêmicos, ocasionando atrasos no
aprendizado de leitura e grafia incorreta de palavras. Estudos recentes apontam para
um possível correlato anatômico da dislexia: indivíduos disléxicos apresentam tamanho
levemente reduzido do hemisfério esquerdo, com grupos de neurônios “mal-
posicionados” no planum temporale esquerdo – o que sugere um atraso na migração
daquelas células durante o desenvolvimento. Existe, ainda, uma dificuldade em
processar estímulos sensoriais (visuais ou auditivos) de forma rápida por parte de
indivíduos disléxicos, quando comparados à população normal.

O Cérebro Bilíngue
Comunicar-se, portanto, parece pertencer ao acervo biológico do homem,
herdado geneticamente de nossos ancestrais; em nossa espécie, há um instinto para o
desenvolvimento da linguagem – apesar dos possíveis problemas ou deficiências no
decorrer do percurso. E quanto à comunicação em duas línguas? Como está preparado
o nosso cérebro para aprender dois ou mais idiomas, e processá-los a nível neural?
Existem populações neurais específicas para cada idioma, ou que se complementam no
processamento de mais de um idioma? Aqui, devido à modularidade cerebral - já
conhecida não apenas para diferentes funções cognitivas do ser humano (como
memória, motricidade, visão, olfato), mas também para diferentes características
linguísticas, temos novamente que discernir entre as várias habilidades envolvidas

311
Fisiologia Sensorial

também na comunicação bilíngue: percepção de fonemas estrangeiros, aquisição de um


léxico e de estruturas próprias da língua em questão, articulação da fala
fala e compreensão
auditiva a uma velocidade adequada para interação com nativos daquela língua, entre
outras.
Experimentos em eletrofisiologia têm privilegiado as questões linguísticas que
envolvem aquisição e uso do léxico e da gramática em uma ou mais línguas (Perani &
Abutalebi, 2005), enquanto outros se propuseram a abordar a percepção fonêmica,
destacando-se
se entre estes Kuhl (2000), Stager & Werker (1997) e Rivera
Rivera-Gaxola .
(2001), apontando para padrões de organização neural no córtex auditivo primár
primário de
crianças e adultos.
A plasticidade neural particularmente em crianças é algo notável e aceito
tanto pela comunidade científica como pela sociedade leiga em geral, a qual percebe a
facilidade e velocidade de aprendizado de novas tarefas – em especial, a aquisição de
outro idioma. Mehler e Christophe (2000) sugerem que recém-nascidos
nascidos já discriminam
entre dois idiomas estrangeiros, ao passo que, curiosamente, bebês aos dois meses de
idade não o fazem mais.. Isso parece indicar haver um período ótimo para esta
percepção, após o qual ela deixa de existir. Ainda assim, percebe-se
percebe se que a facilidade
em aprender uma outra língua (o chamado período crítico) continua até
aproximadamente quando se inicia a puberdade (Stromsworld, 2000), caracterizando ao
longo do desenvolvimento
senvolvimento infantil algumas janelas de oportunidade - períodos em que a
aquisição de habilidades específicas seriam favorecidas por fatores genéticos,
hormonais e de plasticidade neural. Os primeiros estudos utilizando-se
utilizando se de indivíduos
bilíngues demonstraram
raram que adultos que haviam aprendido duas línguas
simultaneamente na infância apresentaram uma região em comum para processamento
de ambas as línguas, ao passo que aqueles adultos que haviam aprendido duas línguas
em momentos distintos de sua vida apresentavam
apresentavam regiões corticais também distintas
quando utilizando cada um dos idiomas (Fig.
(Fig 3):

312
Fisiologia Sensorial

Figura 3 – Resultados de fMRI mostrando centros de ativação da linguagem para a fala em


dois idiomas, em dois indivíduos adultos, sendo o da esquerda uma situação de aprendizado
tardio do idioma, e o da direita, de aprendizado simultâneo de duas línguas. Retirado de Kim ,
1997.

Outro importante estudo neste campo provou que não somente a idade, mas
também o nível de proficiência (ou domínio) do idioma influi na representação cerebral.
Estudos com fMRI encontraram maior densidade de massa cinzenta na região temporo-
parietal esquerda do cérebro daquelas pessoas que haviam aprendido mais
precocemente duas línguas e que possuíam maior grau de proficiência. (Mechelli,
2004). Isto equivale a dizer que quanto mais cedo alguém é exposto a um idioma
estrangeiro, maior a quantidade de conexões entre neurônios naquela região cerebral
específica envolvida no processamento daqueles idiomas.
De fato, tomado de um ponto de vista neurobiológico, nascemos prontos para
aprender qualquer idioma. Uma criança que nasce na Coréia vai aprender coreano tão
bem quanto uma criança que aprende italiano por ter nascido na Itália, embora estas
duas línguas possuam sotaques e alguns sons de vogais e consoantes próprios,
diferentes entre elas. Nosso cérebro, nos primeiros anos da infância, não faz distinção
entre japonês e inglês, português e alemão, ou quaisquer outras línguas entre si. É
somente após alguns meses de vida que nosso sistema nervoso central começa a
privilegiar os sons mais freqüentes ao nosso meio, e por consequência, a não mais
reconhecer fonemas estrangeiros que não fazem parte do sistema de sons a que a
criança está sendo exposta (Fig. 4). Daí vem a dificuldade que muitos adultos
encontram em, primeiro, perceber auditivamente e, depois, em pronunciar determinados
fonemas estrangeiros – como nas palavras bad e bed, em inglês, para os brasileiros, ou
como nas palavras avô e avó, em português, para os povos de língua espanhola.
Figura 4 – Linha do
tempo para percepção
de sons da fala em
bebês, de 0 a 12 meses
de idade. Retirado de
Kuhl, 2004.

Conclusão e Perspectivas
O campo da neurociência se abre cada vez mais para estudos da linguagem.
Processos que envolvem desde a aquisição de uma língua, passando pelo seu

313
Fisiologia Sensorial

processamento, distúrbios, anomalias, codificação gênica, representação mental, e


chegando até o fenômeno do bilinguismo, todos ainda reservam perguntas que têm
ajudado em nossa construção do conhecimento acerca desta fascinante área.
Podemos apontar como perspectivas para o futuro algumas linhas de estudo:
• Interação entre linguagem e sistemas de memória;
• Ontogenia, prevenção e reabilitação de afasias e dislexias;
• Melhor compreensão do papel de estruturas subcorticais no processamento
linguístico;
• Organização do léxico de duas ou mais línguas na memória;
• Neurofisiologia da aquisição e processamento de duas ou mais línguas em
diferentes idades e níveis de proficiência.

314
Fisiologia Sensorial

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317
Neurociência Cognitiva

Neurociência Cognitiva

O entendimento atual sobre origem, funcionamento e capacidade do sistema


nervoso é resultado do esforço de múltiplas áreas do conhecimento, denominadas
genericamente por neurociências. Esta ampla área inclui disciplinas como
neuroanatomia (estudo da estrutura do sistema nervoso), neurofisiologia (estudo do
funcionamento de células nervosas e conjuntos de células nervosas) e neuropsicologia
(estudo dos processos cognitivos e suas relações com anatomia e fisiologia). A
neurociência cognitiva atual assume o conceito de modularidade do funcionamento do
sistema nervoso, investigando funções como percepção, atenção, memória, emoção,
ação e consciência, por ser considerada uma estratégia de abordagem interessante,
além de didática, no estudo das neurociências. Essa estratégia foi adotada no presente
tópico que inclui uma apresentação inicial às neurociências e comportamento, e discute
as bases do comportamento animal e das funções cognitivas.

318
Neurociência Cognitiva

Cognição
Wataru Sumi
Laboratório de Neurociências e Comportamento
wataru_sumi@yahoo.com.br

Os animais exibem diferentes tipos de comportamento, uns mais simples, outros


mais complexos. Os mais simples são as respostas reflexas, que são respostas
estereotipadas e fixas a estímulos específicos (Dethier, 1973). A resposta à dor é um
exemplo clássico de como um estímulo ambiental desencadeia uma resposta motora
automaticamente (Fig. 1.A). Existem também respostas bastante elaboradas, que
podem durar alguns minutos, desencadeadas por um único estímulo, como é o caso da
resposta de fuga apresentada por algumas espécies de anêmonas-do-mar. Quando ela
é tocada por uma estrela-do-mar, seus receptores são estimulados e assim, é iniciada
uma sequência de movimentos estereotipados (Fig. 1.B) que a faz se desprender do
substrato e iniciar o nado.

Figura 1 - A. Reflexo a dor. B. Comportamento reflexo de fuga na anêmona-do-mar. Retirado de: 1. A


http://scienceblogs.com e 1. B Dethier, 1973.

Como exemplo de comportamento altamente complexo, podemos citar a


habilidade dos corvos da Nova Caledônia para construir ferramentas, que são hastes
manufaturadas a partir das folhas das plantas locais e utilizadas para retirar insetos de
dentro das cascas das árvores ou troncos apodrecidos. Essas ferramentas possuem
ganchos, uma característica observada apenas nesses animais e em humanos (Hunt
,1996). Além disso, essas ferramentas são altamente uniformes, porém, variando de
acordo com as diferentes regiões onde vivem os corvos, sugerindo que o conhecimento
para produzir essas ferramentas seja transmitido de um indivíduo para outro (Hunt e
Gray, 2004).

319
Neurociência Cognitiva

Um exemplo mais próximo de nós humanos é o uso de diferentes ferramentas


por chimpanzés: eles são capazes de utilizar gravetos para “pescar” cupins ou formigas
(Fig. 2); pedras fazendo papel de martelo e bigorna para quebrar nozes ou, ainda;
galhos como lanças para espetar presas entocadas em buracos além do alcance de
seus braços. Essas habilidades são aprendidas por observação e transmitidas de
geração a geração (i.e. culturalmente) (Wilson, 2000).

Figura 2 - Uso de ferramentas por chimpanzés. Um graveto é usado para “pescar” formigas. Retirado de
Naish.

Dentre os exemplos de comportamento apresentados até agora, todos


concordariam que, no primeiro caso (resposta reflexa), o comportamento não envolveria
processos cognitivos e, no segundo caso (uso de ferramentas), se trataria do mais
genuíno exemplo de cognição observado na natureza. Porém, entre esses dois tipos
bastante distintos de comportamentos, o reflexo e a capacidade de produzir e utilizar
ferramentas, existe um grande repertório comportamental regido tanto pelo instinto
como pelo aprendizado.
Os instintos são padrões de comportamento estereotipados que aparecem em
sua forma funcional desde a primeira vez em que são executados, mesmo que o animal
não tenha experiência prévia com o estímulo eliciador do comportamento. A rede neural
responsável pela detecção do estímulo e ativação do programa motor é denominada
mecanismo de liberação inato (Alcock, 2005).
Esses mecanismos inatos muitas vezes são modulados a partir das experiências
vividas pelos animais, ou seja, o aprendizado pode modificar o comportamento inato. Os
esquilos, por exemplo, que comem diferentes tipos de sementes e nozes, reconhecem-
nas e abrem-nas instintivamente mas, dada a variedade de formatos de sementes, é
necessária uma técnica específica para abrir cada uma delas. A habilidade de abrir um

320
Neurociência Cognitiva

determinado tipo de noz é adquirida por tentativa e erro até que chegam à perfeição
(Tinbergen, 1971).
Vimos que existe um continuum de complexidade do comportamento. Como já
mencionado anteriormente, nem todos eles são tratados como cognição. A partir de que
grau de complexidade podemos dizer que um determinado comportamento é cognitivo?
Essa resposta varia enormemente entre diferentes autores. Uma definição mais
abrangente entende a cognição como sendo os mecanismos pelos quais os animais
captam a informação do ambiente, a retêm e a usam para ajustar o comportamento às
condições locais ou, simplesmente, como processamento da informação. Em uma
definição mais estrita, cognição é tratada como o conjunto de processos que produzem
o comportamento intencional (Heyes e Huber, 2000), ou manipulação do conhecimento
declarativo (saber que), não sendo considerada cognição o conhecimento de
procedimento (saber como) (McFarland, 1991).
A definição adotada pela neurociência cognitiva é a mais ampla, ou seja,
considera a cognição como o processamento da informação. Se pensarmos que, por
exemplo, a memória pode ser dividida em explicita e implícita (Fig. 3), sendo que a
memória explícita seria responsável pelo comportamento intencional, a adoção da
definição mais restrita de cognição implicaria em estudar apenas parte desses
processos.

Figura 3 - Existem diferentes tipos de memória. A memória de longa duração pode ser dividida em:
memória declarativa e memória não-declarativa (retirado de Gazzaniga e col., 2006).

Como vimos até agora, a nossa definição de cognição não se restringe apenas a
processos mentais mais elevados, aqueles que nos permitem filosofar, calcular etc..

321
Neurociência Cognitiva

Durante o dia, realizamos inúmeras atividades nas quais utilizamos a cognição.


Conversamos com um amigo, lemos um jornal, vamos até a padaria da esquina,
preparamos uma refeição, assistimos à televisão, andamos de bicicleta etc.. A maioria
das nossas ações envolve cognição, ou seja, processos como percepção, memória,
atenção, tomada de decisão e emoção.
Então, qual será o papel dos processos cognitivos em nossas atividades diárias?
Será que todos eles são utilizados? Veremos o “passo a passo” da recepção da
informação e subsequente processamento. Antes de qualquer coisa, para interagir com
o ambiente, precisamos de uma interface que faça a ligação do mundo exterior com o
mundo interior, representada pelos diferentes receptores sensoriais (foto-receptor,
quimio-receptor etc.), que transformam os estímulos do ambiente em potenciais
elétricos transmitidos pelos neurônios.
Após o recebimento das informações do ambiente, elas são processadas pelo
sistema perceptual. Diferentes regiões do cérebro são responsáveis por processar as
diferentes características dos objetos. Por exemplo, quando vemos um pintinho amarelo
andando, essa informação é processada por três subsistemas distintos, responsáveis
por forma, cor e movimento. Apesar dessas características dos objetos serem
separadas durante o processamento da informação, elas são percebidas como uma
unidade e não apenas como forma, cor e movimento separadamente (Gazzaniga e
col.,2002).
A qualidade da informação detectada do ambiente não recebe modulação dos
receptores sensoriais, isso depende basicamente das características do estímulo. A
quantidade de informações recebidas por nossos sistemas sensoriais é enorme. Para
entender essa grandeza, imagine perceber todos os detalhes existentes de uma
paisagem em alguns poucos segundos; isso é uma tarefa impossível. Nosso sistema
nervoso é simplesmente incapaz de processar todas as informações ambientais
simultaneamente. Isso fica evidente também quando tentamos realizar simultaneamente
duas atividades distintas, por exemplo, conversar e ler um livro.
O sistema nervoso, por meio da atenção, seleciona certos estímulos para serem
adequadamente processados. Os objetos ou eventos escolhidos para posterior
processamento variam de acordo com a sua relevância. Por exemplo, se queremos ler
um livro, direcionamos voluntariamente a atenção visual para as letras e palavras. Há
também, certos estímulos que atraem a atenção automaticamente. Esses estímulos se
caracterizam por ser mais salientes do que outros, como por exemplo, a sirene e as
luzes intermitentes das ambulâncias.
Vamos supor que estamos engajados em uma conversa. A atenção seleciona as
informações que julgamos relevantes e essas informações são processadas pelo

322
Neurociência Cognitiva

sistema sensorial auditivo e posteriormente enviadas para áreas responsáveis pela


linguagem. É importante ressaltar que o processamento da linguagem não envolve
apenas o sentido auditivo, mas também o visual e o somático. Quando lemos um texto
utilizando a visão (mais comum) ou o tato (leitura em braile), as informações desses
diferentes sentidos são igualmente processadas nas áreas da linguagem.
Para manter uma conversa, direcionar a atenção ou perceber o mundo como nós
percebemos, é necessária, além dos processos já mencionados, também a memória. A
memória nos permite lembrar a tabuada, o caminho para a faculdade, o rosto de nossas
mães, nossos nomes, o significado das palavras etc. Para mantermos uma conversa
precisamos da memória, caso contrário não nos lembraríamos da última palavra ouvida
ou falada.
A atenção sustentada, que é o comportamento de manter a atenção focada em
um objeto ou situação por algum tempo, é possível graças à memória. Se mantemos a
atenção voluntariamente direcionada para algo, é porque provavelmente isso é
relevante para nós. Ou seja, as informações da memória influenciam o controle do
direcionamento da atenção.
Direcionar a atenção voluntariamente ou realizar qualquer outra atividade,
envolve a tomada de decisão. A todo instante devemos decidir: continuamos a assistir
TV ou começamos a estudar para a prova? Comer mais uma fatia de pão no café da
manhã? Usar a camiseta vermelha ou a azul? Viajar para a praia ou para a montanha
no feriado? A maioria dos nossos comportamentos envolve algum tipo de decisão. A
decisão não é apenas uma simples escolha entre diferentes opções, mas uma escolha
dependente de diversos fatores. Um deles é a memória: quando sabemos, por
experiências passadas, que uma determinada opção pode nos trazer mais benefícios, é
natural que essa escolha seja preferida em detrimento das outras.
Outro fator importante na tomada de decisão é a emoção. Se tivermos medo de
algo, certamente nos comportaremos de modo a evitá-lo. Em um experimento clássico
avaliou-se o efeito da emoção no comportamento de risco. Eram apresentados a
voluntários dois montes de cartas. Em um deles (A), ganhava-se uma recompensa de
$50, correndo-se o risco de perder até $100. Por outro lado, no outro monte (B), podia-
se ganhar $100, mas podia-se perder até $1200, ou seja, o risco de perder era muito
maior comparado ao ganho. Sabendo dos riscos, os voluntários poderiam escolher
livremente entre os dois montes. Voluntários controles evitavam as cartas do monte B e
a simples cogitação de escolher a pilha mais arriscada desencadeava uma clara
resposta emocional involuntária. Por outro lado, pacientes com lesões específicas no
córtex cerebral, relacionadas à emoção, escolhiam sempre o monte mais arriscado e
não apresentavam resposta emocional.

323
Neurociência Cognitiva

Esses são apenas alguns exemplos de como os diferentes processos cognitivos


atuam para produzir o nosso comportamento. Cada um desses processos pode ser
mais ou menos utilizado de acordo com a situação, a atividade realizada. Isso fica
bastante claro quando comparamos dois tipos de atividades como, por exemplo, fazer
uma prova e assistir à TV. Em ambos os casos utilizamos a memória, mas esse
processo cognitivo é muito mais ativo na primeira situação.
Estudando o funcionamento de cada um desses processos e como eles se inter-
relacionam, a neurociência cognitiva tenta entender como o sistema nervoso produz o
comportamento. Nos capítulos seguintes estudaremos como os diferentes processos
cognitivos atuam, além, é claro, do funcionamento do sistema nervoso propriamente
dito, suas unidades funcionais e os mecanismos de integração e processamento da
informação.

324
Neurociência Cognitiva

Biologia da Cognição: Introdução


Renata Pereira Lima
Laboratório Neurociência e Comportamento
rplim@usp.br

No sistema nervoso, neurônios nunca funcionam isolados; eles estão


organizados em circuitos que processam tipos específicos de informações. O sistema
nervoso parece organizado em grupos de circuitos, i.e., módulos, cujas funções servem
a um propósito comportamental específico. Desta maneira, sistemas sensoriais como a
visão ou audição adquirem e processam informações a partir do ambiente, o sistema
motor permite que o organismo responda a tais informações através da geração de
ações. Há, entretanto, um grande número de células e circuitos que estão entre estas
mais ou menos bem definidas aferências e eferências. Eles são coletivamente referidos
como sistemas de associação e são responsáveis pelas mais complexas funções.
Além destas amplas distinções, os neurocientistas têm convencionalmente
dividido o sistema nervoso dos vertebrados, sob o ponto de vista anatômico, em
componentes centrais e periféricos (Fig. 1). O sistema nervoso central (SNC)
compreende o encéfalo e a medula espinal. O sistema nervoso periférico (SNP) inclui
fibras de neurônios que conectam os receptores sensoriais na superfície do corpo ao
SNC e a porção motora, que consiste em axônios de nervos motores que conectam o
encéfalo e a medula espinal aos músculos esquelético, viscerais, cardíaco e glândulas.

Figura 1. Arranjo anatômico do sistema nervoso em


humanos. Em azul o sistema nervoso central (SNC) e em
amarelo, o sistema nervoso periférico (SNP). Retirado de
Bear, 1996.

325
Neurociência Cognitiva

Embora o arranjo dos circuitos que compõem estes sistemas varie grandemente
de acordo com suas funções, algumas características são comuns entre eles. As
conexões sinápticas que definem um circuito são tipicamente realizadas numa densa
malha de dendritos e terminais axonais. A direção do fluxo de informação em um circuito
particular é essencial para se entender sua função. Células nervosas que transmitem
informações em direção ao sistema nervoso central são chamadas de neurônios
aferentes; já as que transmitem informações para fora do encéfalo e da medula espinal
(ou para fora do circuito em questão), são chamadas de neurônios eferentes. Células
nervosas que participam somente no aspecto local do circuito são chamadas de
interneurônios. Estas três classes – neurônios aferentes, neurônios eferentes e os
interneurônios – são os constituintes básicos de todos os circuitos neurais.
De modo geral, podemos classificar os circuitos como:
• Convergentes: aqueles nos quais um grupo de neurônios recebe uma
aferência (entrada) de um neurônio pré-sináptico e o circuito tende a se tornar
concentrado. Para demonstrar este tipo de circuito, imagine que tenhamos os neurônios
A, B e C e que cada um deles possua uma entrada diferente. Estes neurônios se
projetam para um neurônio D e este se projeta para outro neurônio E, realizando uma
eferência (saída). Circuitos convergentes são responsáveis, por exemplo, pela
interpretação dos estímulos sensoriais (Fig. 2, à esquerda).
• Divergentes: são os circuitos que funcionam de maneira oposta aos
circuitos convergentes. Em vez de concentrar as aferências, estas se projetam
separadamente para diferentes neurônios. No caso do circuito divergente, o neurônio A
possui uma aferência e se projeta para os neurônios B, C e D. A característica básica de
um circuito divergente é o fato de que um único neurônio iniciará respostas de maneira
crescente em outros neurônios. Tais circuitos são encontrados nos sistema motores e
sensoriais (Fig. 2, centro).
• Reverberantes: o sinal de aferência é transmitido ao longo de uma série
de neurônios e cada um destes fará sinapses com neurônios de uma porção da via
previamente percorrida. O impulso reverbera sendo enviado ao longo do circuito
continuamente até que um neurônio seja inibido. Então, uma aferência no neurônio A se
projeta para o neurônio B, que se projeta para o neurônio C e então para o D e este se
projeta de volta para o neurônio A (ou para o B) e o ciclo se repete até que um neurônio
(que pode ser tanto A, quanto B, C ou D) seja inibido. Circuitos reverberantes estão
envolvidos no ciclo de sono-vigília, atividades motoras, memórias de longa duração, etc
(Fig. 2, à direita).

326
Neurociência Cognitiva

Figura 2 - Esquema representativo dos modelos de circuitos. À esquerda, o modelo de circuitos


convergentes, no centro o modelo divergente e o reverberante à direita.

Além disto, circuitos podem funcionar paralela ou serialmente. No funcionamento


paralelo, sinais aferentes são processados em vias distintas e as informações são
analisadas de maneira analítica concomitantemente no tempo. Por exemplo, o sistema
visual funciona em vias paralelas que processam a informação neural de forma
simultânea e integrada. Sinais representando cores, movimento, forma e localização,
por exemplo, são processados simultaneamente em diferentes regiões do encéfalo.
Atividades concomitantes (e sincronizadas) nas vias visuais dorsal e ventral (que são
anatomicamente distintas) são responsáveis pela percepção unitária da imagem. No
funcionamento serial, os resultados dos processamentos de um circuito são necessários
para que o próximo circuito possa contribuir para o processamento total. Isto é, um
neurônio estimula outro neurônio, que por sua vez estimula outro neurônio e assim por
diante. Um exemplo clássico de processamento serial é o arco reflexo, em que há
produz uma reação involuntária rápida, na maioria das vezes inconsciente, que protege
o organismo. Tal reação é originada a partir de um estímulo externo que gera uma
resposta antes mesmo do indivíduo tomar conhecimento da existência do estímulo
periférico e, conseqüentemente, antes deste poder comandá-la voluntariamente. Muitos
reflexos motores são controlados por neurônios localizados na substância cinzenta da
medula espinhal e do tronco encefálico (bulbo, ponte e mesencéfalo),
independentemente da vontade, como por exemplo:
• a retirada imediata da mão de uma panela muito quente;
• extensão da perna após a percussão e estiramento do tendão patelar;
• fechamento da pupila com o aumento da intensidade luminosa;
• aumento da secreção gástrica com a chegada do alimento no estômago.
Desta maneira, o ato reflexo é um mecanismo que gera uma reposta involuntária
do organismo a um determinado estímulo (dor, estiramento, aumento da intensidade
luminosa, variações da pressão arterial etc). Ocorrendo um estímulo, a fibra sensitiva
de um nervo aferente (ou sensitivo) transmite-o até a medula espinhal passando pela
raiz posterior, ou ao tronco encefálico, por meio de um nervo craniano. Na medula ou
no tronco encefálico o neurônio aferente comunica-se com o eferente diretamente ou

327
Neurociência Cognitiva

por meio de interneurônios associativos, gerando, no neurônio motor, a atividade que


leva à ação. Os axônios eferentes que levam essa ordem da medula (pela raiz anterior)
ou do tronco encefálico (por um nervo craniano) constituem as fibras eferentes motoras
ou vegetativas que levam a informação ao órgão efetor (músculo estriado esquelético,
glândula, músculo liso ou músculo cardíaco) que, por sua vez, executará a resposta ao
estímulo inicial.
É importante ressaltar que o processamento serial é a maneira mais simples por
meio da qual um circuito pode funcionar. Este tipo de processamento está envolvido nas
respostas mais simples e estereotipadas. Durante o processamento de funções mais
complexas, de modo geral, os circuitos envolvidos, além de processar informações de
modo serial, funcionam concomitantemente em paralelo com outros circuitos de maneira
sincronizada.

Construção de circuitos e sua modificação pela experiência


A construção da circuitaria do sistema nervoso envolve processos ontogenéticos
associados à interação do sistema com o ambiente. Assim, fatores químicos liberados
por determinados neurônios em diferentes estágios do desenvolvimento ontogenético
atraem projeções de outros neurônios intrinsecamente; paralelamente, essas projeções
e conexões entre neurônios podem originar-se também em associação com a
estimulação proporcionada pelo ambiente e/ou pela atividade de certos conjuntos de
neurônios. Assim, os padrões macroscópicos básicos das conexões no sistema nervoso
estabelecidas filogeneticamente podem ser microscopicamente alterados por padrões
de atividade neuronal (isto é, experiência), modificando a circuitaria sináptica do
encéfalo. A atividade neuronal gerada em decorrência de interações com o ambiente
pré e pós-natal influencia a estrutura e a função do sistema nervoso, além da
construção de sua circuitaria.
A história de interação de um indivíduo com o ambiente, i.e., sua experiência
acumulada, molda os circuitos neurais, determinando seu comportamento. Em alguns
casos, as experiências funcionam primariamente como gatilhos que ativam alguns
comportamentos inatos. Mais freqüentemente, entretanto, experiências desenvolvidas
em períodos específicos no início da vida (referidos como períodos críticos) determinam
um repertório comportamental no indivíduo adulto. Estes períodos críticos influenciam
comportamentos diversos incluindo laços maternais, preferências sexuais e aquisição
de linguagem, entre outros.
Embora seja possível identificar conseqüências comportamentais de
determinados estímulos que foram apresentados em períodos críticos para
determinadas funções, suas bases biológicas ainda não estão completamente

328
Neurociência Cognitiva

esclarecidas. Talvez o exemplo mais bem investigado relacione-se ao período crítico no


estabelecimento da visão. Alguns estudos mostraram que a experiência é traduzida em
padrões distintos de atividade neuronal que influenciam a função e a conectividade dos
neurônios relevantes. No sistema visual (e em outros sistemas também) a competição
entre aferências com diferentes padrões de atividade é um determinante importante na
consolidação dos padrões de conectividade. Em um axônio aferente, padrões de
atividade correlatos tendem a estabilizar as conexões. Quando padrões normais de
atividade são rompidos (experimentalmente, em animais, ou patologicamente, em
humanos) durante um período critico na infância, a conectividade no córtex visual é
alterada, assim como a função visual. Se não é feita a manutenção destes padrões até
o final do período critico, estas alterações estruturais da circuitaria nervosa dificilmente
se restabelecem posteriormente.
A conectividade nervosa estabelecida ao longo do desenvolvimento normal
possibilita ao encéfalo armazenar vasta quantidade de informações que refletem a
experiência específica daquele individuo. Como esperado, a construção dessa
conectividade que tanto influencia o desenvolvimento do sistema nervoso gera
alterações maiores nos estágios iniciais de desenvolvimento. Assim, em um animal
adulto, o sistema nervoso se torna gradativamente mais refratário a lições da
experiência e os mecanismos celulares que medeiam as alterações da conectividade
neuronal se tornam menos plásticos.

Integração entre circuitos: o modelo de redes


O conceito de que no córtex cerebral há domínios discretos dedicados mais ou
menos exclusivamente a algumas funções cognitivas, tais como discriminação visual,
linguagem, atenção espacial, reconhecimento de face, retenção de memória, memória
operacional, etc., tem sido questionado devido à falta de evidências conclusivas que o
apóiem. Em seu lugar, modelos de redes neurais têm sido apresentados como uma
alternativa mais coerente com as evidências disponíveis sobre seu funcionamento.
Em 1949, Donald Hebb hipotetizou uma forma de plasticidade sináptica
proporcionada por uma continuidade temporal das atividades pré e pós-sinápticas. Além
de acreditar que as conexões sinápticas eram as bases das associações mentais, ele foi
além do simples conexionismo dos behavioristas. Primeiro, ele argumentou que uma
associação não poderia ser localizada numa simples sinapse. Ao contrário, os neurônios
estariam agrupados em “assembléias de células” e esta associação era distribuída nas
suas conexões sinápticas. Segundo, Hebb rejeitou a noção de que a relação estímulo-
reposta poderia ser explicada somente por um simples arco reflexo conectando
neurônios sensoriais a neurônios motores. Assim, era necessário postular “um

329
Neurociência Cognitiva

mecanismo central que explicasse o atraso existente entre o estímulo e a resposta que
é tão característico do pensamento” (Hebb, 1949). Seguindo as idéias do
neurofisiologista Lorente de Nó, Hebb acreditava que a estimulação sensorial poderia
iniciar padrões de atividade neural que eram mantidas centralmente pela circulação em
loops de feedbacks sinápticos. Tal “atividade reverberante” torna estes padrões
possíveis para as respostas que são subseqüentes aos estímulos posteriores ao atraso.
Em resumo, Hebb hipotetizou um “mecanismo com fundamentos duplos” da memória. A
atividade neural reverberante era o fundamento da memória de curta duração, enquanto
as conexões sinápticas eram o fundamento da memória de longa duração. Desta
maneira, Hebb propôs que:
“A persistência ou repetição de uma atividade reverberante tende a induzir
mudanças celulares permanentes que promovem estabilidade no sistema” (Hebb,
1949).
Esta proposição pode ser precisamente colocada da seguinte forma: quando um
axônio da célula A repetidamente ou persistentemente dispara, alguns processos de
crescimento ou mudanças metabólicas acontecem em uma ou em ambas as células (A
ou B) de tal modo que a eficiência de A, uma das células que estão agindo sob B, é
aumentada.
Além disto, Hebb hipotetiza uma função específica para esta “sinapse hebbiana”:
a conversão da memória de curta duração em memória de longa duração pela
estabilização de padrões de atividade reverberante. Uma vez que este padrão de
atividade foi armazenado nas conexões sinápticas, ele pode ser resgatado
repetidamente a partir da excitação de neurônios sensoriais ou a partir de outros
padrões de atividade reverberante.
A hipótese de Hebb foi verificada décadas depois com a descoberta da
potenciação de longa duração, LTP (do inglês, long-term potentiation) (Fig. 3). A LTP é
um estreitamento da conexão entre dois neurônios que resulta de uma estimulação
simultânea de ambos e pode ser induzida experimentalmente aplicando-se uma
seqüência de pequenos estímulos de alta freqüência na célula nervosa. Este
estreitamento pode durar de minutos a horas (in vitro) ou de horas a dias ou meses (in
vivo).
Pela eficiência aumentada da transmissão sináptica, a LTP aumenta a habilidade
de dois neurônios, um pré-sináptico e outro pós-sináptico, de comunicarem-se através
da sinapse. O mecanismo preciso para este aumento da transmissão ainda não é bem
estabelecido, em partes porque a LTP é controlada por múltiplos mecanismos que
variam de acordo com a região em que acontecem, a idade do animal em questão e
espécie. Entretanto, nas formas de LTP mais compreendidas, a melhora desta

330
Neurociência Cognitiva

comunicação é predominantemente feita através do aumento da sensibilidade das


células pós-sinápticas em receber sinais das células pré-sinápticas. Estes sinais, na
forma de moléculas de neurotransmissores, são recebidos por receptores presentes na
superfície da célula pós-sináptica. Este aumento de sensibilidade é devido não somente
ao aumento da atividade dos receptores já existentes na superfície, mas também por
um aumento do número destes receptores.
Interessantemente, a LTP compartilha muitas características com a memória de
longa duração, o que faz dela uma candidata muito atrativa como um mecanismo celular
do aprendizado. Por exemplo, a LTP e a memória de longa duração dependem da
síntese de novas proteínas, possuem propriedades associativas e podem durar
potencialmente vários meses. A LTP também pode responder por vários tipos de
aprendizado, desde o relativamente simples condicionamento clássico presente em
todos os animais, até respostas mais complexas, como a cognição observada em
humanos.
De acordo com essa concepção, a alteração estrutural leva ao armazenamento
da informação podendo explicar o fenômeno da memória. Este modelo postula que
todas as representações cognitivas consistem em redes de neurônios cuja atividade foi
associada pela experiência (estímulos repetidos). Nesse contexto, pode-se assumir que
memórias filogenéticas correspondem a redes que se consolidaram ao longo das
gerações e não necessitam de experiência individual para serem funcionais, embora
possam ser aprimoradas pela experiência individual.

331
Neurociência Cognitiva

Figura 3 - Modelo representativo do funcionamento da Potenciação de Longa-Duração (LTP). Os


receptores NMDA (vermelho) constituem a maquinaria molecular da aprendizagem. O neurotransmissor é
libertado durante atividade basal e durante a indução de LTP (topo, à esquerda). A expressão de LTP pode
dever-se à presença de mais receptores AMPA (receptores em amarelo, à esquerda, abaixo) ou à presença
de receptores AMPA mais eficientes (à direita, abaixo). Disponível em www.braincampaign.org -
09/06/2009.

Se considerarmos que um neurônio tipicamente recebe informações de cerca de


10 neurônios e, por sua vez, projeta-se para outros 104 neurônios e, que o encéfalo
4

humano contém pelo menos 1011 neurônios, isto significa dizer que pelo menos 1019
conexões sinápticas são formadas no cérebro. Entretanto, a complexidade de seu
funcionamento é evidentemente maior, em particular quando se considera os arranjos
seqüenciais pelos quais uma informação pode viajar ao longo de seqüências de
neurônios. Quanto mais freqüentes as exposições a estímulos relevantes, mais fortes
tornam-se essas conexões. Como conseqüência, a informação tende a ser arquivada de
maneira relacional. Isso permite entender porque a recordação envolve, usualmente,
categorias. Por exemplo, ao pedirmos para uma pessoa listar todos os animais de que
se recorda, não raro a lista conterá animais agrupados por categorias de similaridade,

332
Neurociência Cognitiva

ou seja, quadrúpedes, aves, animais aquáticos, invertebrados etc. O mesmo ocorre em


relação a alimentos; a recordação também será categórica (frutas, verduras, legumes,
carnes etc.). Isso ocorre porque o aumento de atividade eletrofisiológica em
determinados circuitos neurais (que levam à recordação de uma dada informação) tende
a estimular a atividade em circuitos relacionados. Assim, quando aprendemos que
determinado estímulo se refere a um determinado conceito, estamos na verdade
fazendo associações com conceitos que já conhecemos (associando nós de uma rede
com outros). Então, quando visualizamos a imagem de uma maçã caindo, integramos
todas as informações disponíveis (cor, forma, contexto, movimento) com os circuitos já
consolidados previamente e que em algum momento foram associados ao conceito
“maçã”. O mesmo vale para uma outra modalidade de estímulo, ou seja, um som
específico que atribuímos como característico de um determinado animal, o cheiro de
uma comida que está intimamente ligado com o seu sabor etc.

333
Neurociência Cognitiva

Biologia da Cognição: Integração Neural


Renata Pereira Lima
Laboratório Neurociência e Comportamento
rplim@usp.br

Todas as formas de comportamento adaptativo requerem o processamento de


um fluxo de informação sensorial e sua transdução em uma série de ações direcionadas
a um objetivo. Desde a mais primitiva espécie animal, todo o processo é regulado por
feedbacks externos (ambiente) e internos (Fig.1). Esse padrão de funcionamento torna o
organismo apto a forragear, fugir de predadores, lutar e reproduzir-se.

Figura 1 - Uma das finalidades da percepção é permitir uma interação com o ambiente. Interações podem
incluir andar de um lugar para outro, pegar um objeto, conversar com uma pessoa ou dirigir um carro. De
modo circular, tais ações afetam diretamente nossa percepção do mundo. Esta interdependência entre ação
e percepção é ilustrada pelo “Ciclo Percepção-Ação” da figura acima. A visão que temos na integração
sensoriomotora é que em vários aspectos do comportamento, ações motoras e processos sensoriais estão
conectados inseparavelmente e, desta forma, precisam ser estudados juntos.

O sistema nervoso evoluiu, sobretudo nos mamíferos, de tal forma que uma
grande complexidade estrutural e funcional foi alcançada não tanto pelas vias aferentes,
responsáveis por canalizar as informações sensoriais, ou pelas vias eferentes,
responsáveis por emitir as respostas motoras, mas por circuitos neurais que
intermedeiam essas vias de entrada e saída. Os complexos circuitos neurais que se
localizam entre as vias sensoriais e motoras são os principais responsáveis pela
riqueza, flexibilidade e plasticidade de comportamentos observados. Isso se manifesta
na enorme diversidade de estímulos que podem ser reconhecidos pelos sistemas
sensoriais, na multiplicidade de graus de liberdade com que ações são organizadas
pelos sistemas motores e, sobretudo, pela rica e plástica relação que se estabelece
entre esses dois conjuntos.

334
Neurociência Cognitiva

A progressiva elaboração dos circuitos neurais pode ser entendida como uma
conseqüência da seleção de ações mais vantajosas (organizadas por circuitos “pré-
motores”) em resposta à identificação seletiva de estímulos específicos (realizada por
circuitos “perceptivos”), provavelmente pressionada por fatores ambientais. Podemos
supor então que, ao tornar-se cada vez mais complexo, o funcionamento dos circuitos
neurais que organizam a integração sensório-motora expressa aquilo que chamamos de
“percepção”, “atenção”, “aprendizado”, “memória”, “ação” e, por fim, “consciência”.
Esses rótulos estão longe, em sua maioria, de uma definição completa e consensual.
Eles são, mais provavelmente, o resultado das limitações que ainda temos em
compreender a essência do funcionamento do sistema nervoso, não se constituindo em
entidades separadas e independentes da função neural.
Desta forma, se considerarmos que a percepção do mundo, onde “perceber”
algo, derivado do latim, significa “apoderar-se” dele, logo veremos que não há
percepção sem que alguma forma de atenção esteja em jogo. E é só por meio da
percepção atenta que temos de um estímulo que sentimos, de um evento que
presenciamos ou de uma resposta que emitimos, que poderemos mais tarde nos
lembrar desse objeto, desse evento ou dessa resposta, resgatando uma memória
arquivada por meio de um processo de aprendizado. E, de forma um tanto óbvia, todo
trabalho investido em se “apoderar” do mundo, “arquivá-lo” e “resgatá-lo”, seria inútil e
sem sentido se não usássemos essa informação na organização e emissão de uma
ação sobre o mundo, com ele interagindo de forma contínua e coerente, permitindo
nossa permanência nesse mesmo mundo, apesar de seus constantes desafios.

Percepção envolve ação


Perceber algo geralmente requer alguma ação por parte de quem esta
percebendo. Freqüentemente temos que olhar (direcionar os olhos) para ver, fazendo
uma varredura visual do ambiente até que o objeto de desejo seja encontrado. Da
mesma forma, para um som ser audível, temos que direcionar nossos ouvidos em sua
direção. Quando tocamos um objeto, ele é mais facilmente identificado se for explorado
pelos nossos dedos.
Todos estes exemplos demonstram que a percepção é um processo ativo que
funciona para direcionar e otimizar o comportamento através do seu refinamento. Além
disso, uma vez que um objeto tenha sido percebido, podemos decidir se iremos nos
aproximar ou nos afastar. Ao ouvir um barulho podemos responder a ele ou ficar quieto.
Ao identificar um objeto pelo toque podemos descartá-lo ou mantê-lo conosco. Em cada
um destes casos nosso comportamento depende do que é percebido.
A orientação da percepção por meio de uma ação induz uma distinção

335
Neurociência Cognitiva

interessante entre os vários sentidos que tem a ver com a proximidade do observador
em relação ao objeto percebido. Tocar e saborear algo requer um contato direto entre o
observador e a fonte de estimulação. Cheirar também é um certo contato com a fonte de
estímulação; substâncias químicas voláteis são diluídas conforme a distância da fonte
aumenta; desta forma, o cheirar funciona mais eficientemente para substâncias que
estão próximas. Em contraste, ver e ouvir,não dependem tanto deste contato. Os olhos
e os ouvidos podem capturar a informação originária de fontes remotas, neste sentido
eles funcionam como um radar. Eles permitem que o indivíduo faça contato perceptual
com um objeto que não está próximo, eles estendem a percepção para um mundo além
dos limites dos dedos e do nariz. Estes dois sentidos substituem o deslocamento até a
fonte de estímulo, permitindo que o indivíduo explore a vizinhança.

Organização e hierarquia no ciclo percepção-ação


Em todo o sistema nervoso central, o processamento de seqüências de ações
guiadas sensorialmente segue um fluxo a partir de estruturas geralmente posteriores
(sensórias), em direção a estruturas anteriores (motoras), com feedbacks em todos os
níveis. Assim, no nível cortical, a informação flui de maneira circular ao longo de uma
série de áreas hierarquicamente organizadas e entre conexões que constituem o ciclo
percepção-ação (Fig. 2).
Ações automáticas e/ou muito freqüentes em resposta a estímulos sensoriais
são integradas em níveis mais inferiores do ciclo, nas áreas sensoriais da hierarquia
(perceptiva) e em áreas motoras da hierarquia (executiva). Comportamentos mais
complexos, guiados por estímulos também mais complexos e distantes no tempo,
requerem uma integração em níveis corticais mais superiores de ambas as hierarquias
(perceptuais e executivas), basicamente áreas superiores de associação sensorial e
córtex frontal anterior.

336
Neurociência Cognitiva

Figura 2 - O substrato cortical do ciclo percepção-


ação. Em azul está representado o lado da
percepção no ciclo e em vermelho o lado da ação.
Os retângulos vazios representam áreas
intermediárias ou subáreas do córtex. As setas
representam vias anatomicamente identificadas
em macacos e ressaltam a conectividade
recíproca entre os córtices posterior e anterior.
Retirado de Fuster, 2006.

Para garantir as interações entre as duas hierarquias corticais, longas fibras


cortico-corticais conectam recíproca e topologicamente as áreas da hierarquia
perceptual com as áreas equivalentes executivas. Assim, áreas pré-motoras se
conectam com áreas sensoriais associativas relativamente inferiores (áreas inferiores de
ambas as hierarquias), enquanto áreas frontais anteriores se conectam com áreas
associativas superiores do córtex posterior (áreas superiores). Do mesmo modo, há
evidências anatômicas de conexões ordenadas descendentes do córtex frontal anterior
ao córtex pré-motor e deste para o córtex motor. Em cada estágio deste processo em
cascata na hierarquia executiva, a próxima ação de uma seqüência é determinada por
dois tipos de influências: 1) o processamento dos aspectos globais da seqüência nas
áreas frontais superiores e 2) os sinais sensoriais que estão ocorrendo naquele
momento. A ativação progressiva de áreas frontais inferiores que processam a ação é
cumulativa. Da mesma forma, as entradas sensoriais associativas do córtex posterior
são progressivamente mais concretas e mais dependentes de um contexto espacial e
temporal imediato. Sinais que necessitam ser processados em um contexto temporal
mais amplo (episódico) requerem ações que dependem de uma integração temporal em
graus mais elevados. Estes sinais são processados no córtex posterior e
concomitantemente nas áreas superiores do córtex frontal anterior (rostral). Em ambos
os córtices, os sinais são integrados simultaneamente com as informações prévias (as
regras de uma determinada tarefa e as instruções eventualmente dadas) antes mesmo
de serem enviados para o processamento em estágios inferiores da hierarquia frontal.
Sendo assim, o córtex frontal anterior integra as mais elaboradas associações da
informação sensorial que estão armazenadas em redes dos córtices sensoriais e
motores.
Se considerarmos que a execução de uma ação não se limita, em geral, a uma

337
Neurociência Cognitiva

única oportunidade, temos uma grande vantagem ao construirmos representações


perceptivas do mundo e guardá-las na memória, podendo usar essa informação em
uma próxima oportunidade em que ações semelhantes sejam requeridas. Esse
aprendizado permite um refinamento a longo prazo de nossas ações, fornecendo
subsídios para ações mais complexas, mais integrativas e de maior alcance adaptativo.

Integrando percepção e ação: o sistema de neurônios espelho


Quando temos que explicar uma ação humana, a neurociência tem duas
abordagens maiores: a sensoriomotora e a ideomotora. Na abordagem sensoriomotora,
tudo começa com uma estimulação, e as ações são consideradas uma conseqüência
desta estimulação. De modo inverso, na abordagem ideomotora, tudo começa com uma
intenção, e as ações são consideradas como o meio de realizar estas intenções, isto é,
as ações são vistas como o meio para determinados fins que seguem a intenção.
Assim como vimos acima, existe uma sobreposição e uma dependência entre as
percepções e as ações, tanto nos seus sistemas quanto nas respostas
comportamentais. Desde modo, fica difícil imaginar que nossas ações sejam meras
escravas de nossas percepções.
Em uma situação em que uma pessoa observa as ações de outra pessoa, a
abordagem ideomotora oferece uma predição muito consistente. Considerando o fato de
sermos seres sociais, nós humanos passamos boa parte do nosso tempo observando
as outras pessoas, tentando entender o que elas estão fazendo e por que. Esta
“comunicação primitiva” é essencial para estratégias de sobrevivência e sociabilidade do
indivíduo. Contudo, como reconhecemos e entendemos as intenções das outras
pessoas? Quais as bases neurofisiológicas desta habilidade? A recente descoberta de
neurônios espelho tem inspirado uma série de estudos em busca destas respostas.
O reconhecimento de uma ação foi inicialmente concebido como baseado
apenas no sistema visual (abordagem sensoriomotora); isto é, numa análise dos
componentes visuais da ação específica, do agente envolvido, do objeto ao qual a ação
é direcionada e do contexto no qual ela está inserida. Assim, a interação de todos estes
elementos identificados visualmente permitiria ao observador reconhecer e entender
uma ação feita por outra pessoa. Uma hipótese alternativa admite que a observação de
uma ação estimularia uma “representação motora interna” que envolveria as mesmas
estruturas neurais envolvidas na execução da ação observada; de acordo com esta
concepção, embora nenhum movimento efetivo seja executado, a representação motora
evocada pela observação permitiria o reconhecimento do significado do que é visto.
Com a descoberta de que há ativação de neurônios na região do córtex pré-motor
durante a observação de ações, os assim denominados “neurônios espelho”, e

338
Neurociência Cognitiva

considerando que esta hipótese não exclui a possibilidade de que outro processo
cognitivo, baseado na descrição do objeto e do movimento, possa participar desta
função, esta hipótese motora vem ganhando cada vez mais adeptos. Todavia, tem sido
proposto que os neurônios espelho formam um sistema que combina observação e
execução – percepção e ação.
Neurônios espelho são um grupo particular de neurônios cuja atividade aumenta
durante a execução de uma ação motora particular ou da observação da mesma ação
desempenhada por outro indivíduo. Sua descoberta ocorreu durante experimentos com
macacos envolvendo o controle motor de ações desempenhadas com as mãos, como
por exemplo, pegar/manipular um objeto ou alimento. Os descobridores destes
neurônios, entre eles Giacomo Rizzolatti, implantaram eletrodos no córtex frontal inferior
de macacos (área F5) e registraram a atividade dos neurônios individualmente enquanto
os animais alcançavam pedaços de alimentos. Eles observaram que alguns destes
neurônios (situados no setor superior da área F5), disparavam não somente quando o
macaco pegava o alimento, como também quando ele observava outro indivíduo
(macaco ou humano) desempenhando esta ação, como se a mesma tivesse sido
“refletida” no seu córtex motor (Fig. 3). Estudos posteriores mostraram que pelo menos
10% dos neurônios envolvidos no controle motor de ações desempenhadas com as
mãos são “neurônios espelho”.

Figura 3 - Experimento feito com macacos em que


ele executa uma ação (pegar o amendoim) e também
observa esta mesma ação sendo feita pelo
experimentador. À direita está um esquema que
exemplifica a atividade dos neurônios espelho nas
duas situações. Retirado de Rizzolatti,1996.

339
Neurociência Cognitiva

Estes estudos mostram que além do reconhecimento da ação motora por meio
de informações visuais, o sistema de neurônios espelho lida com informações mais
abstratas, a fim de reconhecer o objetivo final da ação. Esta resposta, baseada também
em outras modalidades, isto é, auditiva, sugere que a atividade espelho depende da
riqueza das experiências próprias do observador e de ações presentes em seu
repertório motor (memória de planos motores). Entretanto, aparentemente, o
reconhecimento do objetivo final de uma ação baseado em exposição prévia do
observador só parece possível se houver dicas suficientes no ambiente acerca da
intenção desse outro indivíduo. Isto é, uma ação implica em um agente e um objetivo.
Conseqüentemente, o reconhecimento de uma ação implica no reconhecimento de um
objetivo e, em outra perspectiva, o entendimento da intenção do agente: “João vê Maria
pegando uma maça”. Vendo sua mão movimentando-se em direção à maça, ele
reconhece o que Maria fará (pegará algo), e também reconhece que Maria quer pegar
uma maça, isto é, o estímulo é ligado à intenção do agente.
Desta maneira, o sistema de neurônios espelho oferece um modelo de
integração entre percepção e ação bastante interessante. Através do reconhecimento
de ações e, não apenas pelo sistema sensorial, mas também no próprio sistema motor
do observador, ocorre uma integração online das informações recebidas do ambiente - a
ação observada sendo executada por outra pessoa - e também entre informações
presentes no sistema nervoso do observador - representação motora da ação
observada.

340
Neurociência Cognitiva

Percepção
Felipe Viegas Rodrigues
Laboratório de Neurociência e Comportamento
fvrodrigues@usp.br

Percepção é um produto do sistema nervoso central que depende do


entendimento dos sistemas sensoriais, mas vai além destes. Entender percepção é
entender não somente como percebemos alguma coisa (seja vendo, ouvindo ou
sentindo estímulos), mas também por que percebemos e quais as implicações para com
outros aspectos da cognição, como a memória ou a atenção. Falar em percepção é falar
sobre os córtices associativos. Esse campo de estudo lida com dois problemas: (1)
como todos os aspectos de um estímulo sensorial são entendidos e processados (cor,
forma, movimento para visão; intensidade, timbre, altura para audição, por exemplo) e
(2) qual a relação com outros produtos da cognição, especialmente atenção e memória.
Uma das principais diferenças entre a percepção e as sensações é a
constância perceptual. Tome por exemplo a Fig. 1. Não importa qual a posição do
carro mostrado na figura, sabemos que se trata do mesmo carro, apesar das quatro
imagens serem distintas e
provocarem estimulações
diferentes nas regiões iniciais do
sistema visual. O mesmo
princípio é verdadeiro para a
percepção de uma mesma nota
musical tocada por instrumentos
diferentes. Embora as
frequências produzidas por eles
Figura 1 – A imagem na retina é imensamente diferente para os
sejam diferentes, com alterações
quatro desenhos. Ainda assim, perceptualmente logo nos damos
conta de que se trata do mesmo carro. Retirado de Gazzaniga, dos harmônicos que compõem o
Ivry e Mangun (2006).
som resultante (dando a cada
instrumento seu timbre), a percepção de uma determinada nota é mantida.
A constância perceptual só é possível pela integração da informação sensorial
com a informação de outras regiões encefálicas, inclusive (ou talvez principalmente) das
memórias adquiridas ao longo da vida. Esse mecanismo depende, portanto, de
aprendizado e ele é possivelmente uma particularidade da espécie humana.
Experimente colocar um capacete de ciclismo (que cobre apenas a parte superior da
cabeça) e aparecer diante do seu cachorro. Ele seguramente o estranhará. Por outro
lado, o reconhecerá pelo cheiro e voz, o que o fará parar de hesitar após algum tempo.
Humanos são únicos em sua capacidade de abstração, capazes de ver um tronco

341
Neurociência Cognitiva

cortado em uma floresta e imediatamente pensar: “Que bom! Um banco para


descansar!”.
O interesse pelos mecanismos de percepção veio a partir de casos clínicos de
lesões cerebrais, em geral por acidentes vasculares cerebrais (AVC), em que os
pacientes tiveram comprometimento da percepção. Tais pessoas se tornaram incapazes
de reconhecer objetos ou pessoas que antes lhes eram muito familiares. Uma
investigação minuciosa evidencia que tais pessoas podem descrever em detalhes o que
lhes é pedido, o que descarta problemas de memória. Mais do que isso, a estimulação
por outra modalidade sensorial resulta em imediata identificação do objeto ou pessoa
em questão, levando ao entendimento de que o problema é perceptual e, em geral,
associado a apenas uma modalidade sensorial. Ao conjunto de sintomas de
incapacidade de percepção é dado o nome agnosia.

Vias perceptuais
As lesões cerebrais que levam a problemas de percepção frequentemente
são aquelas que ocorrem em áreas dos córtices parietal posterior, temporal inferior ou
face lateral do córtex occipital. Essas regiões encontram-se na confluência das áreas
sensoriais e, como já mencionado, são parte dos chamados córtices associativos,
pois recebem aferências corticais das regiões sensoriais e integram entradas múltiplas
para desempenhar funções cognitivas supramodais e comportamentais específicas.
Algumas dessas regiões são neoformações em primatas e elas constituem a maior
parte do córtex cerebral, particularmente no caso da espécie humana (Preuss, 2006).

Visão
O sistema visual é a modalidade mais estudada de todos os sistemas
sensoriais conhecidos. No capítulo sobre fisiologia sensorial foi possível entender como
se dá o processo de transdução do estímulo luminoso em sinal elétrico e como essa
informação é levada até o córtex. Vamos elucidar agora como essa informação é
manipulada e integrada com informações de outras regiões corticais para, de fato,
entender como percebemos.
A informação que chega até o córtex visual não para em V1, muito pelo
contrário, essa informação continua avançando por diferentes regiões, cada vez mais
próximas dos córtices temporal inferior e parietal posterior, passando por populações de
neurônios especializadas no processamento de características específicas de um
estímulo visual. Uma particularidade desse sistema sequencial é que a cada sinapse
que é realizada a partir de V1, mais fibras vão convergindo para um mesmo neurônio.
Com esse arranjo, quanto mais adiante na sequência esteja um neurônio, mais

342
Neurociência Cognitiva

específica é sua função no


processamento visual:
enquanto aqueles no início
da cadeia de
processamento disparam
para simples estímulos em
forma de barra (com
populações específicas
para as diversas
angulações possíveis
dessa barra), há neurônios
mais adiante nessa cadeia
que só dispararão para
combinações dessas
barras ou se o estímulo em
questão tiver
características de um
móvel (Fig. 2).
Apesar do arranjo
Figura 2 – Estrutura sequencial na organização dos córtices sequencial, as evidências
associativos do SNC. Quanto mais adiante na sequência, mais
complexo é o estímulo para qual a população de neurônios irá atuais apontam para um
responder. Modificado de Lent, 2006. processamento em
paralelo dessas diversas regiões. Casos clínicos de pacientes que tiveram um AVC em
regiões muito específicas do encéfalo (nos córtices associativos) revelam a perda de
percepção de algum componente da visão, como movimento ou cor, mas não de outras
características, mesmo que estas sejam processadas mais adiante na sequência de
processamento visual. O maior tempo de reação para detecção de um estímulo visual
quando mais de uma característica precisa ser analisada em um teste perceptual (cor e
forma, por exemplo) também reforça a ideia de processamento em paralelo. Se apenas
uma das características for necessária para a detecção do estímulo, independente de
qual delas, o tempo de reação é menor.
Na Fig. 3 pode ser vista uma representação das diferentes regiões de
processamento visual e o papel de cada uma delas na construção de um percepto
visual. Vale ressaltar que o arranjo existente nos permite definir uma via dorsal e outra
ventral de processamento. Através da via dorsal, podemos entender “onde” vemos um
objeto, já que essa via nos trás informações sobre movimento e posição espacial de um

343
Neurociência Cognitiva

objeto. Já a via ventral nos traz informações de “o quê” vemos, permitindo identificar
características como cor e forma de um objeto.

Figura 3 – Vias paralelas de processamento do estímulo visual: via dorsal (córtex parietal posterior), para
processamento de informações sobre localização espacial e movimento, e uma via ventral (córtex temporal
inferior), para processamento de informações como cor e forma do objeto em questão. Retirado de Kandel e
col. (2000).

Evidências clínicas, mais uma vez, não deixam dúvidas de que essas vias
colaboram de forma independente para a percepção de um objeto qualquer. Um
paciente com lesão em regiões da via ventral poderá afirmar não existir uma caneta
(objeto) sobre uma mesa diante dele. Apesar disso, se ele for instruído a imaginar um
objeto sobre a mesa e demonstrar como seria o movimento para pegar esse objeto,
esse indivíduo faria o movimento correto e até mesmo poderia pegar a caneta. A
ativação de todas as regiões corticais é necessária para que possamos ter a “correta”
percepção de um objeto à nossa frente; o uso de aspas justifica-se porque, falando-se
em percepção, simplesmente não há “correto”, mas sim uma experiência pessoal que é
fortemente influenciada pelas nossas memórias, emoções e a atenção deslocada a um
dado estímulo do ambiente. Falaremos mais sobre isso nos tópicos seguintes.

Audição
O sistema auditório e seus córtices associativos adjacentes têm sido mais
bem estudados nos últimos anos. Novos experimentos têm trazido evidências de que o
processamento de diferentes características do som também ocorre em diferentes
regiões corticais. Semelhantemente ao sistema visual, existiriam duas vias de saída
para os córtices associativos: uma anteroventral, relacionada à percepção de
características do som como timbre e tonalidade; e outra posterodorsal para a
percepção de características espaciais e localização do estímulo.

344
Neurociência Cognitiva

De fato, Bendor e Wang (2005) encontraram no córtex auditivo de saguis-


comuns (na região anteroventral) neurônios capazes de perceber tons, isto é, que
disparam para uma determinada frequência e também para seus múltiplos. Essa relação
entre frequências é exatamente aquela encontrada entre duas oitavas musicais. Essa
população de neurônios provavelmente existe também em outras espécies de primatas,
incluindo os humanos. É possivelmente pelo disparo desses neurônios que
identificamos as notas semelhantes entre dois instrumentos musicais diferentes. Como
no carro da Figura 1, é a constância perceptual acontecendo para estímulos auditivos.
Por outro lado (ou, melhor dizendo, por outra via...), morcegos são um
exemplo brilhante da capacidade de localização por estímulos sonoros. Acredita-se que
eles sejam capazes de estabelecer um mapa do ambiente por onde se locomovem tão
preciso quanto aquele que estabelecemos pela estimulação visual. Tentar imaginar algo
como isso é quase impossível, mas, novamente, isto é apenas um reflexo da forma
como percebemos o mundo. Seria como tentar imaginar como um cego (de nascença)
percebe o mundo. Embora você provavelmente tenha pensado em fechar seus olhos e
prestar atenção aos sons, cheiros e pressões (táteis) ao seu redor, isto não é o que um
cego percebe do mundo. Para ele a estimulação visual nunca existiu, logo, perceber o
mundo não é “ver” uma imagem preta e atentar às outras sensações. Para ele, são
apenas as outras sensações.
Há casos bem documentados de pessoas que conseguiram desenvolver a
capacidade de se ecolocalizar (como os morcegos) para se locomover. Essas pessoas
parecem criar mapas rudimentares do ambiente, precisos o suficiente para se
locomoverem sem maiores problemas.

Memórias atentas ao contexto


Em diversos mamíferos, após um estímulo percorrer todos os circuitos
necessários à sua percepção (ainda que de forma inconsciente), invariavelmente ele
chegará à região anterior do lobo frontal (ou estruturas homólogas). Essa região está
envolvida com memória operacional e atenção, especialmente no caso de primatas (e
possivelmente em outros mamíferos), e é onde o estímulo será integrado com memórias
passadas e, se o estímulo tiver maior relevância para o organismo (ou simplesmente se
for um estímulo muito forte – como um ruído muito alto), ganhará maior processamento
neural destes circuitos, resultando em um fenômeno que chamamos comumente de
atenção.
É interessante notar que a definição de qual estímulo receberá atenção em
um dado momento também dependerá do contexto em que se encontra uma pessoa.
Imagine-se na sua rotina diária no colégio alguns anos atrás. Você consegue se lembrar

345
Neurociência Cognitiva

com que facilidade você percebia o sinal da sua escola soar perto do horário de ir
embora? Ou mesmo quantos “alarmes-falsos” você tinha durante essa espera? Da
mesma forma, círculos vermelhos não devem significar nada para você neste exato
momento, mas eles terão muita importância quando estiver dirigindo para algum lugar.
Essas diferenças sutis naquilo que percebemos são produto de ativação de circuitos de
atenção e das memórias que acumulamos ao longo da vida.

Ilusões e hemisférios cerebrais


Ter memórias significa aprender sobre o ambiente que nos rodeia. Quando
essas memórias são integradas com nossa percepção, não é raro que tenhamos uma
visão distorcida daquilo que está diante de nós. Tome por exemplo a Fig. 4A. Qual das
duas barras horizontais é maior? À primeira vista, todos dirão que a barra superior é
maior. Apenas alguns, após uma análise mais cuidadosa, dirão que ambas tem o
mesmo tamanho. Isso não significa que falhamos em enxergar. Apenas nos deixamos
levar pelo aprendizado que tivemos em toda nossa vida: ao longo dos anos, vemos que
linhas de mesmo tamanho parecem diferentes quanto mais distantes elas estão de nós.
As barras convergentes na Fig. 4 criam a ilusão de algo que se distancia. Assim,
percebemos as barras paralelas como sendo de diferentes tamanhos. Olhe a Fig. 4B e
isso ficará ainda mais claro.

Figura 4 – Ilusão de Ponzo. As


linhas paralelas em (A) parecem ter
diferentes tamanhos, apesar de
serem iguais. Em (B) uma possível
explicação biológica para esse
efeito.

(A) (B)

Nosso treino para perceber formas


geométricas nos faz enxergá-las até mesmo onde
elas não existem. A Fig. 5 sugere o formato de um
triângulo, mas sem todas as suas bordas esperadas,
de fato. A figura é conhecida como Triângulo de
Kanisa. Algumas pessoas chegam a dizer que ele é
mais branco que as áreas em volta! A explicação
direta é que nos acostumamos a enxergar com mais
luz algo que está em primeiro plano.
Figura 5 – Triângulo de Kanisa.
As ilusões de óptica não se resumem

346
Neurociência Cognitiva

apenas a fenômenos mnemônicos (que dizem respeito à memória). Há também efeitos


causados pelos próprios receptores sensoriais. Você provavelmente já se deparou com
imagens como as que estão na Fig. 6. A estimulação de um determinado receptor
retiniano para cor por um período prolongado leva à percepção da cor complementar
correspondente, o que faz com que, ao olhar para um fundo neutro (branco, preto ou
qualquer tom de cinza), perceba-se cores trocadas na imagem.

Figura 6 – Efeito de pós-imagem. Uma ilusão criada pelos receptores sensoriais quando
superestimulados por uma determinada cor. Olhe fixamente por cerca de 30 segundos para
qualquer um dos pontos pretos nas imagens e, em seguida, para uma parede branca. O que
você vê?

Essa questão torna-se extremamente importante quando pensamos em


contraste. A percepção de uma cor em um determinado momento é influenciada não
somente pela cor em si, mas pelas cores em volta da mesma. Quão diferentes são as
cores dos quadrados “A” e “B” na Fig. 7? A resposta correta é: nada diferentes! Não há
modificações! Isso acontece porque as cores ao redor da cor atentada influenciam a
percepção da mesma.

Figura 7 - Os quadrados
“A” e “B” da figura são
diferentes na cor? Não! Os
quadrados não são
diferentes!

De forma mais ampla, somos influenciados por diferenças entre nossos


hemisférios cerebrais. Apesar de estes trabalharem sempre em conjunto, com ativações
bilaterais, diferenças sutis na ativação refletem certas dominâncias inter-hemisféricas
que podem também resultar em diferenças na percepção. Testes com pacientes que
sofreram um AVC e estudos com animais lesionados sugerem que o hemisfério
esquerdo se encarrega primordialmente da percepção de detalhes de uma imagem,
enquanto que o hemisfério direito se encarrega das características globais. Veja na Fig.
8 como estes pacientes desempenham em um teste simples de cópia de uma figura.

347
Neurociência Cognitiva

Essas diferenças manifestam-se também na percepção de figuras com conteúdo


ambíguo. O que você percebe à primeira vista na Fig. 9?

348
Neurociência Cognitiva

Figura 8 – Desempenho de pacientes com hemisférios


cerebrais paralisados em um teste de cópia de figura.
Pacientes que tem apenas o hemisfério esquerdo
funcionante, percebem os detalhes das imagens
originais, mas perdem a forma global. Por outro lado,
pacientes com apenas o hemisfério direito funcionante
percebem a forma global, mas não se dão conta dos
detalhes. Retirado de Lent, 2006.
Sinestesia
A sinestesia é um caso muito
específico de percepção em que uma
determinada modalidade sensorial gera a
percepção de outra modalidade. Um dos
eventos mais frequentes é a percepção
secundária de cores após a estimulação primária por um grafema, seja um número ou
uma letra (ou até mesmo palavras). A percepção induzida pelo estímulo primário é
sempre muito específica e unidirecional (a estimulação pelo percepto induzido não gera
a percepção do estímulo indutor pareado, isto é, se a palavra “casa” induz a percepção
da cor amarela, o contrário não acontecerá). Um sinesteta pode repetir mais de
centenas de pares de percepções com pouco ou nenhum erro.
Frequentemente a percepção induzida
é a de cores, seja por grafemas, como dito
acima, ou por sons (palavras em geral); mas há
relatos bem documentados de palavras gerando
percepção de gostos, gostos gerando formas,
cheiros para cores e, mais curiosamente, música
(ou intervalos tonais ou simplesmente tons) para
cores ou formas. As percepções secundárias de
gostos e também cheiros são menos comuns,
embora exista pelo menos um caso bem
documentado de percepção secundária de
gostos induzida por intervalos tonais (musicais).
A mesma pessoa reporta possuir o caso mais
comum de sinestesia entre tonalidades musicais
e cores. Figura 9 – O que você vê nesse quadro?
A investigação sobre o fenômeno é
ainda muito recente e algumas perguntas básicas sobre o assunto só agora começaram
a ser respondidas. Em relação aos mecanismos neurais que possibilitam a sinestesia,
duas proposições foram feitas: alterações estruturais e alterações funcionais. A Fig. 10
apresenta um resumo dos modelos de mecanismos possíveis.

349
Neurociência Cognitiva

Figura 10 - Modelos de Sinestesia. Os modelos diferem na rota proposta de ativação cruzada (direta ou
indireta) entre as regiões indutora e concorrente e nas diferenças subjacentes ao sinesteta (estruturais ou
funcionais). Regiões em amarelo estão ativas (começando pela região indutora) e, em azul, inativas.
Conexões excitatórias são mostradas como flechas e inibitórias como pontas em traço. Linhas pontilhadas
representam conexões presentes estruturalmente, mas funcionalmente inativas. Modificado de Bargary e
Mitchell (2008).

As evidências de casos clínicos e fenomenologia da sinestesia apontam mais


fortemente para alterações estruturais na conectividade cerebral, com ligações anormais
entre as regiões indutora e induzida no cérebro de sinestetas (Bargary e Mitchell, 2008).
Vale ressaltar que diferentes possuidores de uma mesma sinestesia (tons para cores,
por exemplo) podem reportar associações diferentes para a cor induzida. Se um deles
disser que um dó maior é azul, o outro poderá dizer: “Isto está errado!”. Não se sabe por
que a indução de cores é muito mais frequente que a indução de outras percepções.
Diferenças na manifestação da sinestesia ainda levaram à sugestão de uma
classificação em dois tipos de sinestetas: (1) de ordem baixa e (2) de ordem alta
(Ramachandran e Hubbard, 2003). Essa divisão leva em consideração o estágio de
processamento em que ocorre o fenômeno perceptual. Sinestetas de ordem baixa
tendem a ter o efeito de indução apenas com estímulos muito específicos, por exemplo:
números escritos na língua de origem. Já os sinestetas de ordem alta têm o efeito de
indução toda vez que o conceito que um determinado indutor sugere está presente.
Tomando por base o exemplo anterior, nos sinestetas de ordem alta mesmo algarismos
escritos em números romanos (que nada mais são do que letras) poderiam gerar a
percepção induzida.

350
Neurociência Cognitiva

A incidência da sinestesia na população mundial é de algo entre 1% e 4%


(Simner e colaboradores, 2006), um valor bem diferente dos 0,05% anteriormente
sugeridos. Estudos em primatas dão indícios de que essas conexões “anormais” estão
naturalmente presentes no organismo durante a fase fetal e o período de lactância, mas
após esse período essa hiperconectividade de regiões sensoriais tende a ser removida
do cérebro. Isto ainda não fora comprovado em recém-nascidos humanos, mas
observações comportamentais levam à sugestão de que há uma “confusão sinestésica”
nas primeiras semanas de vida. A plena maturação perceptual e a segregação dos
sentidos viriam apenas após alguns poucos meses de vida, portanto. De qualquer
forma, não ouse afirmar que um sinesteta tem sentidos menos maduros ou perguntar a
ele “como é viver assim?”. A resposta sempre presente após essa pergunta é: “Como
você vive assim?!”.

Concluir é um problema
Uma das maiores questões ainda não respondidas com respeito à percepção
é como geramos um percepto único das estimulações constantes à nossa frente se
aspectos diferentes de um estímulo são processados em regiões distintas do córtex
cerebral (e.g. cor, forma, movimento, etc., no caso da visão). É o chamado binding
problem.
Uma das possíveis explicações para a forma como geramos um percepto é a
de que, pelo sequenciamento de neurônios no encéfalo, com cada vez mais neurônios
se juntando em um próximo neurônio (e, consequentemente, complexando o estímulo
processado), ao final do processamento, invariavelmente todas as informações sobre o
estímulo estariam ali reunidas. A quantidade de regiões envolvidas e a divisão do
processamento em duas vias (dorsal e ventral), porém, não favorece essa explicação.
Parece mais plausível aos pesquisadores que o encéfalo forme um percepto
único pela sincronização do disparo dos neurônios das diferentes regiões corticais,
ainda que cada uma delas esteja envolvida no processamento de distintos aspectos de
um estímulo apresentado. Essa explicação, porém, ainda carece de comprovações.
O estudo de casos de sinestesia tem trazido algumas colaborações para
aquilo que entendemos sobre percepção. Alguns sinestetas relatam a percepção de
cores estranhas, diferentes de qualquer cor que eles já tenham visto em algum objeto
ou lugar. Um deles chegou a chamar essas percepções sinestésicas de “cores
marcianas”. Ramachandran e Hubbard (2003) atribuem essas cores estranhas à ligação
cruzada (ou direta) de um córtex sensorial para outro, o que “desviaria” o
processamento de estágios iniciais da percepção de cores. Segundo os autores, isso
sugere que a experiência subjetiva da percepção de cores depende não só do

351
Neurociência Cognitiva

processamento final, mas de todo o padrão de atividade neural que leva à formação de
um percepto, incluindo as fases iniciais do processo.
Estando certa ou não a sugestão dada por Ramachandran e Hubbard (idem),
fica claro que ainda precisamos entender muito sobre os mecanismos pelos quais
simplesmente percebemos o mundo que está ao nosso redor. Ou talvez um dia
tenhamos a certeza de que, desde sempre, apenas representamos internamente o que
é percebido externamente. Pelo menos é isso que os estudos sobre atenção e memória
sugerem cada vez mais fortemente.

352
Neurociência Cognitiva

Atenção
Wataru Sumi
Laboratório de Neurociências e Comportamento
wataru_sumi@yahoo.com.br

A todo instante somos expostos a uma grande quantidade de estímulos


ambientais que são captados por nossos órgãos sensoriais. A maioria desses estímulos
não é percebida pelo observador, apenas alguns selecionados para serem
posteriormente analisados. Acredita-se que o sistema nervoso é incapaz de processar
todas essas informações. Assim, para permitir um processamento eficiente, a atenção
selecionaria apenas algumas poucas informações que nós recebemos (Bear e col.,
1996).
O conhecimento acumulado sobre atenção no último século tem trazido à luz,
mais e mais fenômenos relacionados com esse processo cognitivo. A partir da década
de 1950, muitos cientistas cognitivos propuseram diferentes teorias para abarcar o
conjunto de dados revelados pelas mais diversas técnicas de avaliação do
comportamento e de medições das atividades do cérebro. O presente texto será focado
nos aspectos comportamentais da atenção, portanto, não nos ateremos aos processos
neurofisiológicos responsáveis pela atenção nem nas diferentes teorias criadas ao longo
das últimas décadas para explicar o funcionamento geral desse que é um dos mais
interessantes e enigmáticos processos cognitivos.

Atenção e percepção
Como mencionado anteriormente, a atenção seleciona um conjunto de
informações do ambiente enquanto ignoram outros. Veremos ao longo do texto
diferentes exemplos de experimentos nos quais é evidenciado esse fenômeno,
principalmente na atenção visual. Antes, começaremos com os efeitos da atenção sobre
a percepção auditiva.
Na década de 1950, Cherry realizou um experimento no qual era avaliada a
capacidade de selecionar um dentre dois estímulos auditivos simultaneamente
apresentados. O voluntário utilizava fones de ouvido e recebia diferentes estímulos, um
para cada ouvido. O voluntário era então instruído a prestar atenção apenas a um dos
ouvidos. Ele observou que os voluntários eram incapazes de relatar o que foi
apresentado ao ouvido não atendido (Gazzaniga e col., 2002). Esse efeito não aparece
apenas quando ouvimos estímulos diferentes em cada ouvido. Somos frequentemente
expostos a situações nas quais recebemos diferentes estímulos auditivos, selecionando
os que nos interessa e ignorando os demais. Para ilustrar melhor esse efeito, podemos

353
Neurociência Cognitiva

nos imaginar em uma festa: existem dezenas de pessoas, umas falando mais alto que
outras, além da música no volume máximo. Apesar disso, somos capazes de selecionar
estímulos específicos que nos interessam como a fala de um amigo ou eventualmente a
música sendo tocada.
Apesar da avaliação da atenção auditiva ter contribuído bastante com
entendimento da atenção, os estudos nessa área concentram-se principalmente na
atenção visual. Isso fica claro quando tanto pelo numero de artigos publicados como
pela diversidade de tarefas desenvolvidas pelos cientistas. Consequentemente, o
conhecimento acumulado sobre esse sistema perceptual é muito maior. Vamos a seguir
ver os diferentes efeitos comportamentais da atenção sobre a percepção visual.
Para compreendermos melhor a atenção, podemos utilizar a metáfora do
holofote: enxergamos os objetos iluminados pela luz, mas não somos capazes de
enxergar os objetos que permanecem nas sombras. De forma semelhante, para
percebermos os estímulos do ambiente, eles devem estar sob o foco da atenção. Um
experimento realizado no final do século XIX por Herman von Helmholtz demonstra isso
claramente. Nesse experimento, os voluntários eram colocados em frente a um painel e
eram instruídos a direcionar a atenção a um ponto específico da tela. O painel era mal
iluminado e o voluntário era incapaz de observar qualquer letra impressa nele. Quando
um flash de luz era acionado, era então possível ver as letras. Porém, os voluntários
eram capazes de discriminar apenas as letras localizadas na região onde a atenção
estava previamente focada (Gazzaniga e col., 2002).
Como citado anteriormente, não somos capazes de processar eficientemente
todas as informações que recebemos do ambiente. Quando procuramos algo específico
no ambiente, podemos ter mais ou menos facilidade de acordo com a característica do
alvo. Quando um estímulo se destaca muito no meio de outros estímulos, a atenção
pode ser atraída automaticamente, como ocorre, por exemplo, com as luzes
intermitentes dos automóveis. Por outro lado, quando a diferença entre o alvo e os
outros elementos da cena (distratores) é pequena, é necessário procurá-la, ou seja,
direcionar voluntariamente a atenção. Ambos os processos podem ser avaliados na
tarefa de busca visual (Fig. 1). Quando o alvo (1-A: barra vertical e; 1-B: barra vermelha)
é muito diferente dos distratores, a sua detecção é quase imediata, independentemente
do número de elementos, ou seja, podem ser cinco ou cinquenta distratores sem que o
tempo para a detecção do alvo seja afetado. Isso porque a atenção é atraída
automaticamente. Porém, quando a diferença entre alvo (1-C: barra azul horizontal) e os
distratores é pequena, o tempo de detecção aumenta de acordo com o aumento do
número de elementos distratores, isso porque é necessário analisar cada um dos itens

354
Neurociência Cognitiva

isoladamente de forma serial; assim, quanto mais elementos precisarem ser analisados,
maior será o tempo necessário para detectar o alvo (Treisman e Gelade, 1980).

Figura 1- Tarefa de busca visual. 1a e 1b: o alvo difere em apenas uma característica em relação aos
distratores: forma e cor, respectivamente. 1c: o alvo possui duas características que o torna diferente dos
distratores (horizontal azul).

Falha na percepção
Quando não prestamos atenção ao ambiente por estarmos distraídos ou por
estarmos prestando atenção fixamente em algo, deixamos de perceber diferentes
estímulos. Existem experimentos nos quais são evidenciados esses efeitos. Um deles é
denominado cegueira inatencional. Isso se caracteriza pela incapacidade do voluntário
de reportar a presença de um objeto no centro de seu campo visual, perfeitamente
visível, mas inesperado, porque a atenção estava engajada em outra tarefa (Neisser e
Becklen, 1975).
Outra evidência do papel da atenção na percepção é a cegueira para mudança,
um fenômeno relacionado com a cegueira inatencional, mas com sutis diferenças. Esse
efeito se refere à incapacidade em identificar diferenças entre duas imagens
apresentadas em seqüência (Simons e Rensink, 2005). Essas imagens podem ser
fotografias diferentes, algo como os jogos de sete erros, ou mesmo objetos do
ambiente. Em uma “pegadinha” realizada por uma emissora de TV, o atendente de uma
loja abaixa-se atrás do balcão para, supostamente, pegar uma mercadoria, ele então
troca de lugar com outra pessoa que, após se levantar, continua a interagir com os
clientes-vítimas como se nada tivesse acontecido. Poucos clientes percebiam a troca.

Teste de Posner
Uma das maiores contribuições para os estudos da atenção foi feita por Posner,
que desenvolveu uma tarefa que pode ser utilizada para testar diferentes aspectos da
atenção. Essa tarefa (Fig. 2) consiste em manter o olhar fixo no centro de um monitor de
vídeo. Apresenta-se, então, uma pista indicando o provável (por exemplo, 80%) local de

355
Neurociência Cognitiva

aparecimento de um alvo, que pode ser para a direita ou esquerda do monitor. Nesse
caso, a pista é chamada de válida. No restante das tentativas (20%), a pista indica o
local oposto de aparecimento do alvo, sendo chamada então de pista inválida. Após o
aparecimento da pista, o voluntário deve direcionar a atenção, mas não o olhar, para o
local indicado pela pista. Finalmente, após o aparecimento do alvo, o voluntário deve
responder pressionando um único botão, independente do lado e da validade da pista
(Bear e col., 1996).
Quando o voluntário direciona a atenção para o local de aparecimento do alvo
(i.e. tentativa com pista válida) ele responde mais rápido do que na situação em que ele
direciona a atenção para o lado oposto do monitor de vídeo. Essa tarefa nos permite
avaliar diferenças entre esses tempos de resposta na ordem de dezenas de
milissegundos.
Se alterarmos a intensidade do estímulo alvo, será possível observar claramente
os efeitos atencionais sobre a percepção. Nesse caso, o estímulo deve estar um pouco
acima do limiar de percepção do voluntário. Então, se o alvo for precedido da pista
válida, quando o sujeito direciona a atenção para o local de aparecimento do alvo, ele
responde normalmente, mas, quando o voluntário direciona a atenção para o lado
errado em decorrência da pista inválida, ele simplesmente não vê o alvo.

356
Neurociência Cognitiva

Figura 2- Tarefa de orientação espacial da atenção. O voluntário deve manter o olhar fixo no centro do
monitor. Ele será, então, instruido a direcionar a atenção para um dos lados de acordo com uma pista e,
finalmente, responder ao aparecimento do alvo. Retirado de Lent, 2002.

Uma alteração dessa tarefa pode nos mostrar o efeito do direcionamento


atencional na percepção da coincidência temporal da apresentação de estímulos. Nessa
tarefa, os voluntários eram orientados a direcionar a atenção para um dos lados do
monitor, de acordo com uma pista sinalizadora, mas ao invés de aparecer apenas um
alvo, à direita ou à esquerda, apareciam dois alvos, um de cada lado, mas com um
intervalo de algumas dezenas de milissegundos. Observou-se que os voluntários
percebiam um estímulo mais rapidamente quando prestavam atenção ao local de
aparecimento; por exemplo, se ele direcionasse a atenção para o lado direito e
aparecesse um estímulo à esquerda e 30ms depois na direita, o voluntário relataria que
os alvos apareceram simultaneamente, apesar da defasagem temporal entre os
estímulos (Stelmach e Herdman, 1991).

Efeitos das lesões do sistema nervoso na atenção


Até agora, vimos os efeitos produzidos pela alocação ou não da atenção nas
atividades do cotidiano ou em condições experimentais que nos auxiliam a entender
como ela funciona. Outra fonte muito importante de informação sobre as relações desse
processo cognitivo que tem contribuído com os avanços nessa área é a observação de
indivíduos com graves deficiências atencionais, decorrentes de lesões provocadas por
AVC, tumores, traumas, etc.
Lesões no córtex parietal, na junção com o córtex temporal (principalmente no
hemisfério direito), produzem um efeito conhecido como síndrome de heminegligência
(Fig. 3), que consiste em ignorar objetos ou eventos presentes no lado oposto à lesão
(Robertson e Rafal, 2000). Apesar do prejuízo em relatar eventos no campo
contralateral, os pacientes dessa síndrome ainda são capazes de identificá-los
precariamente, porém, quando estímulos são apresentados simultaneamente em ambos
os lados do campo visual, eles identificam apenas os estímulos apresentados no lado
ipsolateral (Gazzaniga e col., 2002). Esse efeito é chamado de extinção.

357
Neurociência Cognitiva

Figura 3- Desenho feito por um paciente com a


sindrome de heminegligência. À esquerda,
desenho modelo e, à direita, cópia feita pelo
paciente. Metade da figura é ignorada pelo
paciente. Modificado de Gawryszewski e col.,
2007.

Em um experimento clássico é possível observar que a heminegligência não


afeta apenas a percepção. Um paciente que sofre dessa síndrome foi orientado a
descrever uma paisagem com a qual ele estava bastante familiarizado (a praça central
da cidade em que vivia). Imaginando-se posicionado em um dos lados da praça, ele
descrevia apenas a metade da paisagem. Mas, quando ele era orientado a se imaginar
do lado oposto da praça, ele descrevia os objetos anteriormente ignorados e mantendo
a tendência de ignorar metade do campo visual (Gazzaniga e col., 2002).
A lesão no córtex parietal dos dois hemisférios cerebrais produz a síndrome de
Balint. O portador dessa síndrome percebe apenas um objeto de cada vez (agnosia
simultânea), mesmo quando dois objetos estão próximos ou sobrepostos (Gazzaniga e
col., 2002). Para esses pacientes, os objetos aparecem de repente e as mudanças do
campo visual para outros objetos são aleatórias. A capacidade de reconhecer rostos,
formas, cores e palavras são mantidas, mas a incapacidade de ver dois objetos
simultaneamente faz com que esses pacientes percam a noção de espaço. Eles são
incapazes de dizer se um objeto está à direita, à esquerda, acima ou abaixo em relação
a eles ou outros objetos (Robertson e Rafal, 2000).
As propriedades atencionais descritas aqui mostram explicitamente a relação
entre atenção e percepção, mas não apenas isso. Sabendo, por exemplo, que a nossa
memória se constrói principalmente a partir do que percebemos do mundo, fica claro
também que a atenção tem grande importância na formação de memória. É importante
ressaltar também que, se por um lado a atenção afeta o funcionamento das outras
funções cognitivas, a recíproca também é verdadeira, pois todas as funções cognitivas
são inter-relacionadas, modulando-se mutuamente, como será visto nas demais aulas
desse curso.

358
Neurociência Cognitiva

Memória
Leopoldo F. Barletta Marchelli
Laboratório de Neurociência e comportamento
lmarchelli@usp.br

Das propriedades que emergem da organização e funcionamento do sistema


nervoso, a memória é tida como um dos resultados mais fascinantes. O que demonstra
a presença de memória em um organismo é a capacidade que ele tem de alterar seu
comportamento em função de informações adquiridas e armazenadas. Uma vez que
ocorra interação entre ambiente e indivíduo, os sistemas de memórias, aptos a
aprenderem sobre informações e regras ambientais relevantes (altamente informativas),
guiam adaptativamente o comportamento desses indivíduos. Com o acúmulo de
informações, o sistema nervoso passa a detectar regularidades e antecipar eventos em
função de experiências anteriores. Desta forma, organismos portadores de memórias
podem relacionar grandes quantidades de informações passadas e presentes e
selecionar quais receberão um processamento preferencial por meio do direcionamento
da atenção. Isso quer dizer que em função de experiências prévias, tais organismos
podem flexibilizar o controle de seus comportamentos. Isso lhes garante um repertório
de soluções para os mais diversos problemas que a sobrevivência impõe.

Aspectos comportamentais e evolutivos


Aos olhos da teoria proposta por Charles Darwin em 1859, sistemas biológicos
são tidos como produtos da evolução por seleção natural, que pode favorecer o
desenvolvimento de um sistema mais adaptado. Além de a seleção atuar sobre
estruturas e mecanismos, ela age também selecionando comportamentos. Por exemplo,
se um ambiente é relativamente simples e possui certa regularidade, a seleção natural
pode favorecer indivíduos que sejam capazes de gerar “previsões” de tal ambiente e
responder de maneira antecipatória. Neste caso esses indivíduos estariam então mais
aptos para tal ambiente. Se, no entanto, a complexidade de tal ambiente aumentar, a
imprevisibilidade pode tornar-se um problema. Indivíduos que tiverem um sistema mais
flexível, capaz de obter e armazenar o máximo de informações relevantes sobre o
ambiente, estarão mais aptos a reagirem prontamente a estímulos ambientais. Assim
sendo, serão capazes de solucionarem problemas de maneira antecipatória quando um
padrão regular puder ser identificado. Ainda sim, mesmo quando um padrão não puder
ser identificado e os problemas forem inesperados, com informações prévias, os
indivíduos portadores de sistemas flexíveis de armazenamento de informações poderão
resolver problemas de forma não-antecipatória.

359
Neurociência Cognitiva

O processo de evolução do sistema nervoso, sobretudo da memória, parece


estar relacionado com a ideia do desenvolvimento de sistemas seletivos capazes de
lidar com novidades ao longo da vida do individuo. À medida que um individuo consegue
identificar estímulos, prever o ambiente e gerar as “inferências” e respostas mais
adequadas, ele se beneficiará; estará, portanto, mais apto para determinado ambiente.
Deste modo, a emissão de comportamento antecipatório e a resolução de problemas,
ambos baseados em experiências antecedentes, conferem ao repertório
comportamental do sujeito alto valor adaptativo. Uma vez que a emissão de
determinados comportamentos diante de algumas situações também traz ganhos
adaptativos, parece razoável considerar que a memória seja um dos resultados de
maior sucesso ao longo da evolução biológica.
O conceito de memória pode estar relacionado com uma ideia de “representação
interna” do ambiente em organismos mais desenvolvidos. Do ponto de vista evolutivo,
isso pode ser altamente vantajoso, pois tais representações permitem avaliar
consequências futuras de ações correntes, sem comprometer de algum modo a
integridade do sistema no desempenho da ação.

O sistema nervoso como uma estrutura que suporta os sistemas de


memória
O funcionamento dos sistemas de memória implica no armazenamento de uma
quantidade substancial de informações sobre o ambiente, sobre suas regularidades e
sobre os efeitos de ações anteriores. Essas informações ficam inteiramente
armazenadas no sistema nervoso do indivíduo. Assim, os sistemas de memória são
claramente dependentes da estrutura e do funcionamento do sistema nervoso.
O sistema nervoso de um humano adulto possui bilhões de neurônios, células
nervosas capazes de processar e conduzir impulsos elétricos. O processamento
neuronal visa receber a informação, avaliá-la e passar o sinal a outros neurônios. Cada
neurônio envia projeções para milhares de outros neurônios e, por sua vez, recebe
projeções de outros milhares de neurônios. Uma mensagem passa de um neurônio para
outro através da sinapse. É nesse momento que ocorre modulação do processamento
de informações. Conectadas aos neurônios, há células especializadas para a recepção
de informações ambientais (receptores sensoriais), que transformam diferentes formas
de energia (e.g. luz, som, odores etc.) em potenciais elétricos, influenciando assim tanto
a atividade elétrica quanto a química dos neurônios. Essas informações sensoriais, sob
a forma de impulsos elétricos, são transmitidas por circuitos definidos do sistema
nervoso, havendo circuitos neurais dedicados ao processamento preferencial de

360
Neurociência Cognitiva

informações de cada uma das modalidades sensoriais, e outros circuitos responsáveis


pela integração de informações de diferentes modalidades sensoriais.

Aspectos fisiológicos da memória


Pressupõe-se que a atividade eletrofisiológica, gerada por atividade espontânea,
estímulos ambientais e respostas a esses estímulos, desencadeie processos que levam
à alteração da conectividade entre células nervosas, alterando a transmissão de
impulsos elétricos por esses circuitos neurais. Todas essas modificações provocadas
em elementos constituintes do sistema nervoso caracterizam (representam) assim o
armazenamento de informações, as memórias. Uma decorrência lógica dessa
suposição é que seja possível detectar a ocorrência de alterações bioquímicas
associadas à alteração da conectividade nervosa relacionada ao processo de formação
de memórias.
O conhecimento atual sobre memória é resultado do trabalho de inúmeros
personagens. Gold e colaboradores (1970) expuseram ratos a uma câmara clara
conectada, por uma porta tipo guilhotina, a uma câmara escura cujo assoalho é
constituído de barras metálicas eletrificáveis. Os ratos rapidamente entram na câmara
escura; após entrarem nessa câmara, levam um choque nas patas. Em uma etapa de
teste, realizada 24 horas depois, os animais inseridos na câmara clara não entram na
câmara escura (ver a barra vermelha da Fig. 1). Animais de um grupo controle, que não
receberam choque nas patas no dia anterior, entram rapidamente na câmara escura
(ver barra verde da Fig. 1). Em experimentos adicionais, depois do treinamento com
choque nas patas, foram aplicadas correntes elétricas no sistema nervoso dos animais
com diferentes intervalos de tempo entre o choque na pata e o choque eletroconvulsivo
(ver Fig. 1 - esquerda). Observa-se que quanto menor o intervalo de tempo entre o
choque nas patas e o choque no sistema nervoso, maior é o prejuízo de memória
aversiva sobre o ambiente escuro. À medida que esse intervalo de tempo aumenta,
menor é o efeito, como se o choque eletroconvulsivo perdesse sua efetividade para
evitar sua consolidação. (ver Fig. 1 – direita: barras de cor laranja).

361
Neurociência Cognitiva

Intervalo de tempo entre choque nas


patas e choque eletroconvulsivo (S).

Figura 1 – Experimento de Gold e colaboradores (1970). A organização temporal dos eventos (esquerda) e
os resultados (direita): o tempo que os ratos submetidos aos diferentes tratamentos demoraram para entrar
na câmara escura – quanto menor o intervalo de tempo entre o choque nas patas e o choque
eletroconvulsivo menor é a lembrança do evento aversivo. Modificado de Pavão (2009) e Gold (1970).
Outro experimento que trata de questões fisiológicas sobre a memória foi feito
por Shashoua (síntese publicada em 1985). O experimentador prendeu um flutuador nas
nadadeiras peitorais de peixinhos dourados para fazer com que os animais ficassem em
posição desconfortável. Após longo esforço de cerca de 3 horas, alguns peixes voltaram
à posição normal, apesar do flutuador (Fig. 2, treino inicial representado pela curva
verde). Se o flutuador for removido e recolocado três dias depois, os animais realizam a
tarefa mais rapidamente; i.e., os peixes retornam à posição normal em apenas 15
minutos, o que indica que eles aprenderam e retiveram a solução desse desafio (Fig. 2,
curva azul) (para detalhes sobre esses experimentos, ver Helene e Xavier, 2007). Em
outro teste, Shashoua (1985) injetou valina marcada com hidrogênio radioativo (valina-
H*) no ventrículo encefálico de animais que ficaram por 4h com o flutuador, e valina
marcada com carbono radioativo (valina-C*) no ventrículo de animais que não foram
treinados. Os encéfalos dos animais dos dois grupos foram homogeneizados
conjuntamente e as proteínas foram separadas por peso molecular. A maioria das
proteínas presentes estava marcada tanto com valina-H* quando com valina-C*; porém,
algumas delas estavam mais marcadas com valina-H*, indicando que elas foram
incorporadas no cérebro dos animais que aprenderam a tarefa; essas proteínas foram
denominadas ependiminas. Num terceiro teste, as ependiminas foram isoladas e
injetadas em coelhos para produção de anticorpos específicos contra as ependiminas.
Então, os anticorpos foram injetados no ventrículo encefálico de peixes que tinham
acabado de aprender a tarefa de nadar com o flutuador; no teste de memória realizado
3 dias depois, esses peixes demoraram cerca de 3h para voltar à posição normal (Fig.
2, curva vermelha). Ou seja, esses animais comportaram-se como se nunca tivessem
sido submetidos ao treinamento. Atualmente, as ependiminas são denominadas

362
Neurociência Cognitiva

“moléculas de adesão celular” e estão diretamente relacionadas com o fortalecimento e


formação de sinapses.

Figura 2 – Experimentos de Shashoua (1985) envolvendo aprendizagem em peixes dourados. Flutuadores


foram presos aos animais, que em ficavam em posição desconfortável (esquerda, acima). com treino de
cerca de 180 minutos, ficavam em posição confortável (esquerda, abaixo) – curva verde. Em segundo
momento, 3 dias depois, os flutuadores foram recolocados, e os animais demoraram cerca de 15 minutos
para ficar na posição confortável, indicando que aprenderam essa habilidade – curva azul. Animais
treinados tratados com anticorpos para proteínas envolvidas com a alteração de circuitos neurais
apresentam desempenho similar a animais não tratados – os traços de memória foram apagados pelo
tratamento. Modificado de Pavão (2009) e Shashoua (1985).

Em conjunto, os resultados obtidos a partir de experimentos envolvendo choques


eletroconvulsivos e síntese de proteínas sugerem que há dois processos envolvidos na
manutenção da memória. Um deles, mais instável, é prejudicado pelo choque eletro-
convulsivo, estando relacionado ao padrão de atividade eletrofisiológica dos neurônios
(frequência de disparos, por exemplo). O outro, associado com produção de proteínas,
parece envolver alterações estruturais nas sinapses, gerando circuitos alterados no
sistema nervoso.
Posteriormente ao experimento de Shashoua, muitos trabalhos com proteínas
associadas aos processos de arquivamento de informação ao nível celular vêm sendo
desenvolvidos. Muitas moléculas subjacentes à formação de memória já foram
descobertas. Isso tem trazido importantes informações acerca das diferentes etapas e
modalidades do processo de formação de memórias em nível celular, inclusive o
envolvimento dessas proteínas na alteração plástica do sistema nervoso.

Plasticidade neural
O sistema nervoso possui a capacidade de se modificar estruturalmente e
funcionalmente em decorrência de estímulos que de algum modo incidem sobre ele. Tal
fenômeno denomina-se neuroplasticidade ou, simplesmente, plasticidade. Inerente ao
funcionamento do sistema nervoso, a neuroplasticidade é uma característica marcante e
constante da função neural. Muito dos processos cognitivos depende de tal propriedade.
Parece haver dois tipos básicos de plasticidade sináptica, uma de curta duração
e a outra de longa duração. A plasticidade sináptica de curta duração pode ser induzida

363
Neurociência Cognitiva

rapidamente; parece não requerer síntese proteica e mantém-se por, no máximo,


algumas horas. Esse tipo de plasticidade reflete alterações na força de sinapses pré-
existentes, pela modificação de proteínas pré e pós-sinápticas. Diferentemente, a
plasticidade sináptica de longa duração (que parece ter sido a modalidade principal
investigada nos estudos de Shashoua) dura dias, meses ou anos, envolve processos de
transcrição gênica e síntese de novas proteínas; esse tipo de plasticidade sináptica
parece envolver a remodelação de sinapses existentes ou a formação de novas
sinapses.
Com base nessas e em outras características do sistema nervoso apresentadas
até aqui, percebe-se que além de aumentar a capacidade de comunicação entre as
diversas populações de neurônios, sua estrutura e funcionamento possibilitam a
formação de memórias em decorrência de experiências vividas. As diferentes
modalidades de arquivamento parecem envolver alguns tipos de alterações no sistema:
(1) alterações transitórias na atividade eletrofisiológica (taxa de disparos) de populações
de neurônios, que estariam ligadas ao arquivamento por curtos períodos de tempo; (2)
alteração na facilidade com que a atividade eletrofisiológica é transmitida entre
neurônios, relacionada com o arquivamento por períodos intermediários de tempo (que
pode durar de minutos até meses); (3) alterações estruturais permanentes na
conectividade neuronal que levam à formação de circuitos neurais, ou redes nervosas,
cuja atividade representaria informações mantidas por um longo período de tempo, anos
ou até mesmo uma vida inteira.

Aquisição e manutenção da memória


Donald Hebb (1949) baseou-se na plasticidade sináptica para afirmar que a
transmissão de informações entre dois neurônios deveria ser facilitada e tornar-se
estável quando ocorresse sincronia entre os disparos do primeiro e do segundo
neurônio. Sendo assim, a transmissão de mensagens entre os neurônios poderia ser
regulada: não seria um fenômeno rígido e imutável, mas sim algo modulável de acordo
com as circunstâncias.
Um importante elemento descrito inicialmente no hipocampo que atua na
alteração de sinapses (portanto, na formação de memórias) é o fenômeno denominado
potenciação de longa duração (LTP). Aparentemente, o hipocampo (e outras estruturas
do lobo temporal medial) está envolvido em um processo de ativação repetitiva de
circuitos envolvidos na representação da informação que determina alteração estrutural
desses circuitos. Trata-se de uma plasticidade sináptica específica que ocorre entre um
neurônio pré e um neurônio pós-sináptico, assim como Hebb havia proposto. Acredita-
se que a LTP seja um importante mecanismo envolvido no armazenamento de

364
Neurociência Cognitiva

informações cuja natureza é essencialmente associativa. Tal mecanismo pode envolver


a interação entre diferentes sinapses de um mesmo neurônio, permitindo que uma
sinapse fraca se fortaleça pelo disparo concomitante com uma sinapse forte, tornando-
as associadas. Sendo assim, a LTP permite uma facilitação na comunicação sináptica.
Com o aumento na frequência de disparos das sinapses produzidas em
decorrência de estímulos ambientais, ocorrem alterações na eficiência sináptica dos
neurônios recrutados, de maneira a intensificar a comunicação dessas células. Uma vez
que a comunicação sináptica seja facilitada, qualquer referência ao estímulo inicial já
causa um disparo das células envolvidas. Com estímulos muito pequenos pode-se
desencadear um processo efetivo de ativação neural. A LTP é fundamental para o
arquivamento de informações sobre eventos experienciados. Esse processo parece
essencial para a retenção de informações sobre “o que” ocorreu, mas não sobre “como”
desempenhar uma tarefa perceptomotora.
Estímulos ambientais e experiências geram atividade eletrofisiológica em
conjuntos de neurônios. Como vimos, essa atividade pode levar à formação de novas
sinapses ou à alteração das sinapses já existentes, o que permite estabelecer circuitos
neurais envolvendo populações de neurônios cuja atividade, correspondente àquela
gerada durante a experiência original, representa a experiência adquirida.
A recordação da informação representada em circuitos se dá pela ativação
eletrofisiológica de sua população de neurônios; isso pode ocorrer tanto em decorrência
de estímulos que de alguma forma estão relacionados à experiência original, como por
um ato de vontade para recordar aquela experiência. É curioso notar que os sistemas
de memória permitem identificar estímulos muito específicos e responder a eles, mesmo
quando estes não são apresentados em sua totalidade. Uma vez ativos, esses circuitos
podem estabelecer novas conexões com outros circuitos ativos, ou contar com a adição
de novos elementos em decorrência de novas experiências.
Quanto mais frequentes as exposições a estímulos relevantes, mais fortes
tornam-se as conexões. Como consequência, a informação tende a ser arquivada de
maneira relacional. Isso permite entender porque a recordação envolve, usualmente,
categorias. Tal fato ocorre porque o aumento de atividade eletrofisiológica em
determinados circuitos neurais (que levam à recordação de uma dada informação) tende
a estimular a atividade em circuitos relacionados.
É importante ressaltar que os mesmos circuitos neurais associados à atenção,
percepção, ação e outros processos cognitivos, são os que se alteram para a formação
de memórias de diferentes tipos. Isso significa que, quando esses circuitos forem
posteriormente mobilizados, o processamento das informações será diferente em
relação às experiências anteriores, dado que o circuito vem sendo alterado a cada uma

365
Neurociência Cognitiva

delas. Assim sendo, a percepção e as habilidades se alteram ao longo da história de


vida. Além disso, estão profundamente associadas com os processos de memória.

Redes neurais e memória


Praticamente todas as regiões do sistema nervoso estão envolvidas de alguma
forma no arquivamento de memórias de um tipo ou de outro. Em primatas, costuma-se
atribuir uma grande importância ao neocórtex (a porção filogeneticamente mais recente
do córtex) no arquivamento de informações. Esse tecido envolve sistemas de
processamento modalmente específicos e sistemas de integração de informações de
diferentes modalidades (denominados polimodais e supramodais).
A maioria das experiências humanas inclui diferentes modalidades sensoriais,
organizadas no tempo e espaço. Por exemplo: a partir de uma estimulação perceptual
específica, o sistema nervoso mobilizaria um grupo de neurônios para representar o
evento, por meio de sua atividade e conexões, produzindo uma espécie de "rede" de
interconexões que se mantém em contínua reconstrução ao longo da vida. A formação
de uma memória sobre esse evento envolveria o fortalecimento das conexões entre as
células dedicadas a essa percepção, resultando num grupamento celular cujas
conexões seriam mais eficientes. Depois do desaparecimento do estímulo gerador da
atividade, "nós" da rede, quando ativados, excitariam ou inibiriam outros nós numa rica
e complexa rede de conexões, de forma que representações seriam mantidas enquanto
houvesse reverberação da atividade nervosa correspondente ao estímulo inicial.
Nessa rede, uma dada população de nós disparando, provavelmente com níveis
de atividade diferentes em várias regiões nervosas, representa uma determinada
informação, enquanto a malha representa as ligações associativas das relações entre
os nós; essas ligações podem variar em intensidade. Nesse sentido, um mesmo nó
pode estar envolvido em representações distintas, já que a informação é representada
pelo conjunto de disparos dos nós a ela relacionados e não por um nó individual. Isso
nos sugere que processos de memória estariam baseados em um funcionamento
sistêmico de determinadas populações de neurônios.
Hebb (1949) propõe algumas previsões sobre o funcionamento da memória. Por
exemplo, parece plausível pensar que estimulações parciais correspondentes à
experiência original sejam capazes de regenerar a atividade em toda a rede,
contribuindo para a lembrança completa da experiência original. Além disso, se dois
eventos forem pareados no tempo supõe-se que haja a formação de redes tais que a
estimulação da atividade do primeiro evento gera o padrão de atividade eletrofisiológica
associada ao segundo evento, levando à sua previsão.

366
Neurociência Cognitiva

O autor sugere que haveria apenas três aspectos centrais que determinariam o
funcionamento de um sistema neuronal: (1) a conexão entre neurônios é mais eficaz
quanto maior for o grau de relação entre as porções pré e pós-sináptica; (2) grupos de
neurônios que tendem a disparar conjuntamente irão formar agrupamentos celulares
cuja atividade se mantém expressa mesmo após o fim do estímulo que gerou a
atividade e; (3) cognição deriva da atividade sequencial destes agrupamentos celulares
facilitados.

Figura 3 - Esquema representativo de redes neurais de Hebb. Os pontos pretos são os neurônios e as
linhas são as conexões. A rede tem uma organização inicial como representado em (A); ao receber um
estímulo, é ativada (B); esse estímulo pode ser apresentado repetidas vezes, ou pode ter reverberado
nessa rede, de modo que as conexões entre os neurônios são fortalecidas (C e D); então, um estímulo mais
fraco ou mesmo incompleto, mas que mantenha algumas das características do inicial (D) é capaz de ativar
a rede fortalecida (E). Modificado de Bear, 2002 e de Helene e Xavier, 2007.

367
Neurociência Cognitiva

Modularidade e os diferentes processos de memória


A noção de que a memória compõe um conjunto de habilidades mediadas por
diferentes módulos do sistema nervoso, que funcionam de forma independente, porém
cooperativa, parece atualmente bem difundida. Este conceito de modularidade de
funções tem embasado investigações acerca dos processos de memória. Segundo essa
ideia, o processamento de informações nesses módulos acontece de forma paralela e
distribuída, possibilitando que um grande número de unidades de processamento
influencie outras em qualquer momento no tempo, e que grande quantidade de
informações seja processada concomitantemente.
O refinamento nas técnicas de neuroimagem permite investigar unidades
funcionais em indivíduos normais durante o desempenho de tarefas que envolvem o
engajamento dos diferentes módulos de memória, trazendo informações mais precisas
sobre as regiões e processos cerebrais envolvidos nessas funções. No entanto, muitas
das evidências relevantes para o desenvolvimento de modelos de memória -
correlações entre funções e módulos do sistema nervoso – derivaram de correlatos
anatomofuncionais, isto é, estudos envolvendo dificuldades de memória em pacientes
com danos cerebrais identificáveis. A partir de então foi possível chegar a definições de
memória e modelos baseados na dupla dissociação entre memória de curta e longa
duração. Inclusive os conceitos de dissociações entre os sistemas particulares da
memória de longa duração foram também amplamente desenvolvidos.
Um estudo que muito contribuiu para o desenvolvimento e formalização dos
modelos de memória foi o caso do paciente H.M., descrito por Scoville e Milner (1957).
Na ocasião, o paciente sofria de epilepsia intratável. O foco epiléptico, que se situava no
lobo temporal medial (bilateralmente), foi removido cirurgicamente; isso resultou na
remoção dos 2/3 anteriores do hipocampo e da amígdala, além de outras porções
corticais. Após a remoção das estruturas, H.M. apresentou um quadro de amnésia
anterógrada (era incapaz de formar novas memórias) e também retrógrada (eventos
ocorridos pouco antes da cirurgia); porém, neste último caso a amnésia era
temporalmente graduada. O prejuízo cognitivo de H.M. estava restrito à aquisição de
memórias de longa duração; suas capacidades perceptuais se mantiveram, assim como
seu QI, sua personalidade e a memória de curta duração.
Mesmo apresentando alguns prejuízos de memória, H.M. ainda conseguia
adquirir e reter diversas informações. Por exemplo, aprendeu a ler palavras invertidas,
como se apresentadas por meio de um espelho e também novas habilidades motoras e
cognitivas (ver Helene e Xavier, 2007). O paciente apresentava um bom desempenho
nessas tarefas. Curiosamente, quando consultado sobre seu treinamento prévio, ele
alegava nunca ter feito isso.

368
Neurociência Cognitiva

Como dito anteriormente, o hipocampo atua em um processo de ativação


repetitiva de circuitos envolvidos na representação da informação, uma espécie de
reverberação da atividade neural que resulta no arquivamento de informação. Essa
reverberação seria essencial para o arquivamento das informações sobre “o que”
ocorreu, mas não sobre “como” desempenhar uma tarefa perceptomotora. Trazendo
esse conceito para o caso do paciente H.M, pode-se dizer que, embora o paciente seja
capaz de adquirir uma habilidade motora, ele não é capaz de se recordar “que” já a
praticou. Em suma, a natureza da informação “saber que” é diferente da natureza da
informação sobre “saber como” (ver Helene e Xavier, 2007).
Curiosamente, pacientes com doença de Parkinson (caracterizada por
disfunções em estruturas nervosas denominadas gânglios da base) possuem um quadro
oposto ao dos amnésicos (que, como visto, têm lesão no lobo temporal medial). Os
pacientes com disfunções nos gânglios da base exibem dificuldades na aquisição de
habilidades motoras e cognitivas, ao mesmo tempo em que são perfeitamente capazes
de descrever verbalmente as experiências vivenciadas nessas situações de teste. Neste
contexto, pacientes parkinsonianos exibem, por exemplo, prejuízo na aprendizagem da
habilidade de leitura de palavras invertidas.
Duplas dissociações, caracterizadas pelo prejuízo de desempenho em algumas
tarefas concomitantemente ao desempenho normal em outras tarefas, são apontadas
como evidência da existência de sistemas de memória distintos no sistema nervoso.
Resultados de estudos como do paciente H.M. e pacientes parkinsonianos sugerem a
existência de módulos de memória cujo funcionamento seria relativamente
independente, embora possam cooperar entre si.

Modelos de memória
Baseados em estudos envolvendo duplas dissociações, Cohen (1984) e Squire e
Zola-Morgan (1991) propuseram uma distinção para os sistemas de memória de longa
duração segundo a qual haveria uma memória declarativa (ou explícita), usualmente
prejudicada em pacientes amnésicos e preservada em pacientes cerebelares ou com
disfunções nos gânglios da base, e uma memória de procedimentos (ou implícita),
usualmente preservada nos pacientes amnésicos, mas prejudicada nos pacientes
cerebelares ou com danos nos gânglios da base (Fig. 4). Em outras palavras, memórias
que atualmente são denominadas memórias implícitas correspondem ao “saber como”
(o que faz bastante sentido, pois é muito difícil declarar como se anda de bicicleta) e
“saber que” são denominadas memórias explícitas.

369
Neurociência Cognitiva

Paciente Pacientes com


H.M. doença de
Parkinson
Aquisição de
novos fatos e
eventos (saber Prejuízo Preservada
QUE)
Aquisição de
novas
Preservada Prejuízo
habilidades
(saber COMO)
Figura 4 – Esquema da dupla-dissociação entre funções e áreas envolvendo
os sistemas de memória de longa duração. Modificado de Helene e Xavier,
2007.

Memória de longa duração


A memória de longa duração se refere à retenção de informações por
prolongados períodos de tempo. Sendo assim, ela pode ser dividida em dois tipos (ou
módulos): memória explícita e memória implícita (Fig. 5). Tanto no caso das memórias
explícitas como no caso das implícitas, o arquivamento de informações envolveria
alterações sinápticas, como já descritas; porém, em cada caso, elas ocorreriam em
diferentes regiões do sistema nervoso com diferentes regras de funcionamento.

Figura 5 - Taxonomia dos sistemas de memória de longa duração. Modificado de Helene e Xavier, 2007.

A memória explícita (ou declarativa) caracteriza a retenção de experiências


sobre fatos e eventos passados e é passível de relato verbal, ou seja, possui um acesso

370
Neurociência Cognitiva

consciente. Além disso, o arquivamento de informações pode se dar por associações


arbitrárias que podem formar-se mesmo após uma única experiência.
A memória implícita (ou de procedimentos) se expressa pelo desempenho
habilidoso das atividades previamente treinadas. Sua aquisição é gradual e dependente
de treino, ocorre de forma cumulativa. O conhecimento contido neste tipo de memória
manifesta-se pela ativação das estruturas nervosas envolvidas no processo de
aquisição.

Memória operacional
Baddeley e Hitch (1974) conceberam um modelo de memória denominado
"memória operacional". Tal modelo refere-se a um arquivamento temporário e
gerenciamento de informações para o desempenho de uma diversidade de tarefas
cognitivas. Segundo os autores, memória operacional compreende um sistema de
controle de atenção, a central executiva, auxiliado por dois sistemas de suporte
responsáveis pelo arquivamento temporário e manipulação de informações, um de
natureza vísuo-espacial e outro de natureza fonológica.
Posteriormente, para lidar com a associação entre as informações mantidas
nesses sistemas de apoio e promover sua integração com informações da memória de
longa duração, Baddeley inseriu um quarto componente no modelo, denominado de
retentor episódico, que corresponderia a um sistema de capacidade limitada no qual a
informação evocada da memória declarativa tornar-se-ia consciente. A central executiva
proporcionaria a conexão entre os sistemas de suporte e a memória de longa duração e
seria o responsável pela seleção de estratégias e planos; sua atividade estaria
relacionada ao funcionamento do lobo frontal, que teria a função de supervisionar
informações a serem codificadas, armazenadas e evocadas concomitantemente ao seu
ingresso no sistema (Fig. 6).

Figura 6 - Modelo de
memória operacional: três
componentes propostos
inicialmente por Baddeley e
Hitch (1974). A área central
executiva se refere ao
componente de gerencia-
mento atencional (a central
executiva), enquanto as
áreas laterais da figura
representam as alças de
manutenção de informações
por curto período de tempo
(adaptado de Baddeley,
1982).

371
Neurociência Cognitiva

Ainda sim, a memória operacional estaria ligada ao desempenho de uma grande


variedade de funções cognitivas, incluindo raciocínio lógico, resolução de problemas,
imagética (relacionado ao treinamento imaginativo) e compreensão de linguagem.

Sistemas de memórias e seus aspectos evolutivos


Em conclusão, a evolução filogenética teria atuado na seleção de sistemas
neurais capazes de modificar-se gradualmente pelo desempenho de ações repetitivas (o
exemplo mais típico seria o caso de habilidades motoras e perceptuais) de sistemas
capazes de arquivar informações depois de uma única experiência, e de sistemas
capazes de reter informações temporariamente, enquanto úteis. É provável que a
seleção desses sistemas, com propriedades distintas, esteja relacionada ao fato de que
memórias são especializações adaptativas que proporcionam vantagens seletivas para
a solução de determinados tipos de problema; as propriedades que tornam um sistema
eficiente para a solução de determinados tipos de problema (e.g., aquisição após uma
única experiência de treino) o tornam incompatíveis com a solução de um problema de
natureza diversa (e.g., aquisição de conhecimento pela mudança cumulativa e gradual
de experiências). Assim, do ponto de vista evolutivo, a organização do sistema nervoso,
inclusive dos diferentes módulos de memória, teria derivado da interação do organismo
com demandas ambientais específicas, resultando em especializações adaptativas que
permitem ao organismo lidar com problemas específicos.

372
Neurociência Cognitiva

Tomada de Decisões
Camile Maria Costa Corrêa
Laboratório de Neurociências e Comportamento
camile.mc.correa@gmail.com

A pesquisa sobre tomada de decisões é a área da neurociência pela qual se


desenvolvem métodos voltados à compreensão dos processos neurais responsáveis
pelas escolhas. Isso aguça a curiosidade na busca por respostas aos processos
subjacentes aos nossos julgamentos e ações.
As decisões estão constantemente presentes em nossas vidas, de forma mais
ou menos explícita. Decidimo-nos, a todo instante, entre alternativas banais, cotidianas,
chegando a juízos mais complexos. Embora percebamos o quanto esses atos são
registradamente humanos, eles também se fazem presentes no repertório
comportamental de outros animais.
Decisões são consideradas escolhas baseadas em propósitos; ações orientadas
para alcançar determinado objetivo. Para isso, uma entre muitas alternativas de ações
possíveis é escolhida quando do confronto com um problema, a fim de resolvê-lo.
Muitas situações podem ser problematizadas para apreendermos o fenômeno da
tomada de decisão. Que roupa vestir antes de sair de casa? Descer pela escada ou
pelo elevador? Onde almoçar hoje? Comprar ou não uma bicicleta agora? Onde prestar
mestrado? Como julgar inocentes e condenáveis? Que opinião formar sobre questões
polêmicas? Algumas escolhas são mais simples que outras, ou porque têm sua
resolução mais rápida, ou por envolver menos alternativas a serem processadas. Na
problematização dessas questões, podem-se levar em conta diferentes critérios.
Entretanto, por mais que se tente discriminar quais são as estratégias utilizadas,
sabemos que nossas decisões provavelmente não sofrem o mesmo tipo de
processamento a cada instante e a todo contexto. Muitas das nossas escolhas são
automáticas, emocionais, inconscientes. Muitas vezes somos impulsivos ou
completamente indecisos frente a dilemas. Tanto que não é difícil encontrar pessoas
que reportam dificuldades para decidir, e há mesmo casos de pacientes incapazes de
tomar decisões. Percebemos, então, que se podem propor vários métodos para
compreender esse fenômeno.Com efeito, o tema da decisão acompanha as produções
da humanidade tanto nas artes como na filosofia e ciência, chegando às abordagens
clínicas e experimentais do tema. A psicologia cognitiva, a partir de 1950, vem
integrando modelos tradicionais de tomada de decisões em humanos, aproximando-se
de modelos de processamento de informações (Sternberg, 2000). A pesquisa básica da
chamada “decision making” vem tomando corpo com a realização de experimentos

373
Neurociência Cognitiva

associados a estudos da neurobiologia (vias de neurotransmissores, correlatos


anátomo-funcionais), principalmente em ratos e primatas não humanos, lançando mão
de modelos matemáticos e probabilísticos para a análise dos dados (e.g., Körding e
Wolpert, 2006; Kepecs, 2008). Recentemente, pesquisas clínicas têm se debruçado
sobre o tema e suas correlações com o desempenho em tarefas que envolvem decisão
(distratibilidade, perseveração) em populações com alterações funcionais em áreas
específicas do sistema nervoso e em grupos de pacientes psiquiátricos (e.g., Bechara,
2001; 2004; Cavedini, 2002; Schurman, 2005).
A neurociência, por sua vez, vem desenvolvendo métodos para avaliar a
contribuição da cognição, emoção, atenção e memória, além de outras variáveis,
partindo do pressuposto de que a decisão não é uma simples escolha entre alternativas,
mas um processo dependente da experiência do indivíduo que decide e de sua
capacidade de identificar os principais fatores da situação na qual se deve decidir.
Esses estudos têm permitido concluir que o processo, tanto em humanos quanto em
outros animais, é modulado não só pelo contexto ambiental, mas também pelo estado
do organismo.
Entender como decidimos é perguntar como processamos as informações, de
que forma atribuímos diferentes valores a elas e como optamos entre alternativas,
direcionando as ações pelas quais somos, em princípio, responsáveis. Para que se
escolha, então, é necessário não só um funcionamento íntegro e orquestrado do
sistema nervoso, como também a capacidade de selecionar informações e estímulos
aos quais o organismo é exposto e aos quais deve reagir - optando. Nesse processo
contínuo, sugere-se que tanto variáveis extrínsecas quanto intrínsecas, conscientes ou
não, concorrem para a tomada de decisão.

Dilemas e Estratégias
A teoria dos jogos, desenvolvida por Nash, estuda situações estratégicas onde
jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno. Um exemplo
envolvendo estratégias mútuas é ilustrado pelo dilema do prisioneiro, em que dois
suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para
condená-los, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um
dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em
silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de
sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de
cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada
prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem

374
Neurociência Cognitiva

certeza da decisão do outro. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer?
Como o prisioneiro vai reagir? Abaixo, uma matriz de ganhos do dilema do prisioneiro:

Tabela 1 – Dilema do prisioneiro

Prisioneiro B fica em silêncio Prisioneiro B confessa

Prisioneiro A: 10 anos
Prisioneiro A fica em silêncio 6 meses cada
Prisioneiro B: liberdade
Prisioneiro A: liberdade
Prisioneiro A confessa 5 anos cada
Prisioneiro B: 10 anos

Em linhas gerais, não importa os valores das penas em si, mas o cálculo das
vantagens de uma decisão cujas consequências estão atreladas às decisões de outros
agentes, onde a confiança e a traição fazem parte da estratégia em jogo. Dilemas que
envolvem estratégias mútuas em grupos sociais também podem ser simulados: Robert
Axelrod estudou uma extensão do dilema do prisioneiro, denominada dilema do
prisioneiro iterado (DPI), em que esse problema é jogado repetidas vezes. Num torneio
de programação, os participantes deveriam escolher uma e outra vez a sua estratégia
mútua, e tinham memória dos seus encontros prévios (encontros com outros programas
em que deveriam optar por ser altruístas ou egoístas). Os programas que participaram
variavam amplamente a complexidade do algoritmo: hostilidade inicial, capacidade de
perdão e similares.
Axelrod descobriu que, durante a repetição dos encontros com muitos jogadores,
cada um com estratégias distintas, as estratégias "egoístas" tendiam a ser piores a
longo prazo, enquanto que as estratégias "altruístas" eram melhores, julgando-as
unicamente com respeito ao interesse próprio. Nesse torneio, a melhor estratégia
determinista foi a de “olho por olho” ("tit for tat"), desenvolvida e apresentada no torneio
por Anatol Rapoport: o mais simples de todos os programas apresentados, contendo
apenas quatro linhas de BASIC, foi o que ganhou o concurso. A estratégia consistiu em
cooperar na primeira interação do jogo, e, depois disso, escolher aquilo que o oponente
escolhera na rodada anterior. Esse padrão de decisão pôde demonstrar, por exemplo,
um possível mecanismo que explicasse de que forma é possível evoluir um
comportamento altruísta a partir de mecanismos puramente egoístas na seleção natural.

Origens
Campos, Santos e Xavier (1997) defendem que regularidades ambientais
presentes ao longo da evolução das espécies possibilitaram a seleção de sistemas que
assim tornaram-se adaptados e otimizados para esses ambientes, possibilitando a

375
Neurociência Cognitiva

emissão de respostas comportamentais antecipatórias. Porém, a complexidade


ambiental teria contribuído também para a seleção de mecanismos mais flexíveis,
envolvendo o acúmulo de informações sobre o ambiente, que permitiram a
extrapolação, com base nessas informações arquivadas, para a solução de novas
demandas ambientais. Esses mecanismos seriam adaptativos, pois permitem lidar com
circunstâncias novas e inesperadas. Mesmo bactérias, como a E. coli, apresentam
sistemas sensórios voltados à detecção de nutrientes, fontes de energia, toxinas e
capacidade para armazenar e avaliar as informações vindas desses receptores. O
resultado final da integração sensorial no comportamento de busca por nutrientes é a
decisão, por exemplo, de continuar nadando numa mesma direção ou mudar de rumo.
Assim, características fundamentais de integração cognitiva, tais como integração
sensorial, memória, tomada de decisão e controle comportamental podem ser
encontradas em organismos muito simples. (Allman, 1999).
Para além disso, a flexibilidade comportamental de diferentes grupos de animais
parece estar relacionada com a quantidade relativa de tecido nervoso
(proporcionalmente ao tamanho corpóreo). Em vertebrados, as porções anteriores do
sistema nervoso, relacionadas à manipulação e integração de informações, memória,
antecipação, atenção e produção de respostas, variam enormemente, sendo maiores
nos primatas, particularmente em seres humanos (Campos, Santos e Xavier, 1997).
Apesar de estar presente em todas as espécies de mamíferos, o córtex frontal sofreu
grande expansão ao longo da evolução dos primatas, especialmente nas regiões mais
anteriores, contribuindo para o grande desenvolvimento de capacidades cognitivas
(Gazzaniga e coll., 2006). Não surpreende, portanto, seu envolvimento em processos de
tomada de decisões. A função dessa classe de comportamentos se estabelece na
relação direta de nossas ações, pois são elas as que são selecionadas ao agirmos
sobre o meio de forma adaptativa.

Interação
Observemos um quadro em que o organismo se relaciona com eventos
exteriores a ele: as informações vindas do meio devem ser processadas de forma a
serem traduzidas em códigos reconhecíveis pelo sistema nervoso. Essa conversão de
diferentes formas de energia, incluindo a química, a térmica, a mecânica, a sonora,
entre outras, em energia elétrica, passível de ser traduzida e conduzida na forma de
potenciais de ação, é denominada transdução. Ao longo desse processamento, em que
estruturas nervosas são funcional e hierarquicamente mobilizadas, identificam-se
interações entre percepções – tanto internas quanto externas; o acesso e mesmo
alterações em registros de memória; a confluência de motivações e a construção de um

376
Neurociência Cognitiva

programa que habilite o sujeito a fazer uma nova transdução, convertendo agora a
informação processada em planos de ação direcionados ao meio. Na modulação desse
processo, influenciariam estados imunitários, emocionais e atencionais, diferenciando
nossas escolhas e imprimindo nossa personalidade a elas.
Percepção, emoção, atenção e memória, entre outras funções cognitivas,
interferem nesse processo, dependente da experiência prévia do indivíduo que decide,
de sua capacidade de identificar os principais fatores da situação na qual se deve
decidir, de quais desses fatores são ressaltados e valorizados, além da afetividade
relacionada à decisão. Revisamos, na sequência, a contribuição relativa de processos
cognitivos envolvidos nas nossas escolhas.

Percepção temporal
Demandas por escolhas frequentemente envolvem a ponderação entre
vantagens e riscos assumidos em curto prazo frente a expectativas de longo prazo.
Diariamente, e isto se intensifica nas manhãs de inverno, ao termos o sono interrompido
pelo despertador, iniciamos uma luta travada entre o prazer de continuar no estado de
sonolência e a obrigação de aumentarmos a vigília, iniciando os afazeres pelos quais
assumimos responsabilidade. De forma semelhante, pessoas que querem entrar em
dieta encontram dificuldades para iniciá-la e mantê-la; as tentativas de parar de fumar
podem ser frustrantes; o impulso por comprar imediatamente pode conflitar com
planejamentos de economia a médio e longo prazo. Interessantemente, a percepção
temporal que os sujeitos têm na hora de avaliar alternativas pode fornecer pistas
interessantes na pesquisa sobre como decidimos, apontando diretamente para
comportamentos, práticas de consumo, economia e política.

Processos inconscientes
Ao estabelecermos que uma decisão se inicia com uma percepção, seja de
estímulos, seja de variáveis ou de probabilidades, muitas vezes não se tem acesso a
tais percepções em nível consciente. Num artigo de 1987, Kihlstrom apontou o impacto
de estruturas e processos inconscientes na experiência consciente do indivíduo,
reportando-se a von Helmholtz, para quem a percepção consciente era produto de
inferências inconscientes baseadas no conhecimento do mundo e de experiências
prévias. Para Kihlstrom, processos perceptivos são capazes de ativar nós da rede
neuronal, os quais codificariam representações mentais de estímulos externos, ou
mesmo por mecanismos internos de pensamento.

377
Neurociência Cognitiva

Se, no sistema nervoso, subsistemas podem operar independentemente e sob


regras diversas, apenas alguns módulos seriam acessíveis à consciência; portanto,
potencialmente sob domínio de controle voluntário. Há situações em que tanto o número
de processos ativos simultâneos quanto a velocidade com que a informação é trocada
podem exceder a capacidade de atenção consciente. Os processos inconscientes
seriam rápidos e paralelos, enquanto que o processamento consciente seria lento e
serial.
Do ponto de vista experimental, portanto, tem-se conhecimento sobre os
objetivos e condições dos procedimentos, bem como dos produtos de suas execuções,
mas não se tem acesso às operações por elas mesmas. De forma análoga, o
conhecimento sobre as operações que levam às decisões não seriam acessíveis à
consciência. E aí o papel da experimentação é fundamental, na tentativa de desvelar
esses processos.

Atenção
A orientação da atenção pode ser considerada um processo decisório. Desde o
que se considerem os níveis mais elementares de tomada de decisão até as escolhas
mais complexas, o ato de decidir envolve o engajamento, consciente ou não, de um foco
atencional. Decidir, em outras palavras, envolve seleção e processamento preferencial
de alguns estímulos em detrimento de outros. Os processos que levam a esse
processamento dependem não apenas da história prévia do sistema selecionador, isto
é, suas memórias, como também de expectativas geradas com base em memórias
sobre regularidades passadas e planos de ação.

Memória
Com o acúmulo de registros sobre ocorrências anteriores, memórias no sentido
amplo da palavra, e a identificação de regularidades na ocorrência desses eventos, o
sistema nervoso passa a gerar previsões (probabilísticas) sobre o ambiente. Xavier,
Saito e Stein (1991) sugeriram que a antecipação, com base na identificação de
regularidades ambientais passadas, permite reagir mais prontamente à estimulação
esperada, pois o organismo direciona a atenção para os setores do ambiente que são
relevantes.
A memória operacional, um tipo de memória temporária, contém representações
ativas do organismo em seu ambiente atual, com seus objetivos em curso e com
estruturas de conhecimentos explícitos (declarativos) já existentes, ativadas por
entradas perceptivas ou por outros processos dos quais não se tem consciência.

378
Neurociência Cognitiva

Helene e Xavier (2007) postularam que, como produto final de seu


funcionamento, a memória pode ser vista como base fundadora dos processos de
formação, não somente de comportamentos estereotipados, mas também de um vasto
conjunto de comportamentos adaptativos, dentre eles, podemos dizer, a decisão.

Controle executivo
Ao planejar, ao agir antecipatoriamente, o sistema nervoso pode tanto gerar
ações que levem aos resultados desejados como atuar no sentido de selecionar
determinados tipos de informação para processamento adicional (direcionamento da
atenção). Decidir envolve não só a percepção de regularidades passadas, como a
lembrança dos planos de ação, a prever os efeitos prováveis da escolha, considerando
todos os reflexos possíveis que ela pode causar no curso do tempo. O conceito de
controle executivo ilustra, então, a capacidade que temos de planejar, gerenciar ações,
modular o comportamento e criticar processos. Ao decidirmos, ponderamos de forma
mais ou menos flexível, transitando entre alternativas que se nos apresentam, fazendo
com que nossas escolhas situem-se entre a impulsividade e a perseveração.

Estudos clínicos
O desempenho de pacientes neurológicos ajuda a direcionar as investigações
sobre o processo de tomada de decisão em humanos. Bechara e col. (1997)
questionaram a premissa segundo a qual decidir de forma vantajosa numa situação
complexa requer racionalização de conhecimento declarativo. Esse grupo investigou a
possibilidade de que a racionalização manifesta fosse precedida por uma etapa não
consciente, cujos sistemas neurais seriam diferentes dos que suportam o conhecimento
declarativo. Para isso, participantes normais e pacientes com lesão prefrontal (e deficits
na tomada de decisão) realizaram o Yowa Gambling Task, um simulador de tomada de
decisões, que envolve escolhas monetárias, permitindo classificar o comportamento de
decisão do indivíduo em termos de aversão ou busca pelo risco. A tarefa envolve a
escolha de uma carta de um dentre quatro baralhos (cinco blocos de vinte jogadas
cada). Cada um desses trabalhos inclui uma longa série de ganhos e perdas. A partir de
um processo de aprendizagem, os participantes criam padrões de probabilidade e
inferem quais baralhos são vantajosos e quais não são. Eles devem desenvolver o
conhecimento de quais baralhos são arriscados e quais são lucrativos em longo prazo
(Schneider e Parente, 2006).
No estudo do grupo de Bechara, pessoas normais começaram a escolher de
forma vantajosa antes que percebessem qual era a melhor estratégia, enquanto

379
Neurociência Cognitiva

pacientes com disfunções prefrontais continuaram a escolher de forma desvantajosa,


mesmo depois de terem conhecimento de qual era a estratégia correta. Além disso, os
sujeitos normais começaram a gerar respostas antecipadas de aumento da condutância
de pele frente a uma escolha arriscada, sendo que os pacientes nunca chegaram a
desenvolver essas respostas antecipatórias, embora alguns tenham eventualmente
percebido quais escolhas eram arriscadas.
Os resultados sugerem que, em indivíduos normais, vieses não conscientes são
capazes de guiar comportamentos antes mesmo que o conhecimento consciente o faça.
Sem a influência de tais tendenciosidades o conhecimento manifesto pode ser
insuficiente para assegurar comportamentos vantajosos. Assim, uma vez que
comportamentos de maior risco foram encontrados na amostra clínica (lesão frontal) e
não no grupo controle, tornou-se possível identificar níveis progressivos tanto de
desempenho na tarefa como de acesso explícito ao conteúdo da informação. Os autores
sugerem, a partir disso, uma relativa dissociação entre desempenho e consciência.
Ainda no âmbito das pesquisas clínicas, apontam-se correlações entre o
desempenho de tarefas que envolvem tomada de decisões em humanos e um aumento
da atividade em regiões definidas do sistema nervoso, como revelado por estudos de
neuroimageamento funcional. Essas regiões parecem estar afetadas em pessoas com
disfunções patológicas nos processos de tomada de decisões, tais como pacientes com
lesões frontais, pacientes esquizofrênicos e jogadores compulsivos. (Bechara, 2001;
2004; Cavedini, 2002; Schurman, 2005).

Livre arbítrio e determinismo


O estudo da tomada de decisões envolve, em última análise, não só a
compreensão de diversas funções cognitivas, como permite pensarmos questões éticas
sobre como os seres humanos assumem responsabilidade sobre a própria vida.
O livre arbítrio é a crença filosófica que defende que as escolhas e julgamentos
morais possam ser realizados de forma autônoma, livre e isenta de influências. Esse
conceito, ainda que aqui delineado de maneira geral, leva a importantes implicações
religiosas, morais, psicológicas e científicas. A doutrina oposta a essa é a do
determinismo psíquico, que afirma que todos os eventos, incluindo as vontades e
escolhas humanas, são causados diretamente por acontecimentos anteriores, o que
abala a noção de liberdade de escolha.
Voltados a esse tema, pesquisadores ousaram debater o tema da liberdade de
escolha de forma experimental. Por exemplo, Soon e col., num artigo amplamente
divulgado (2008), questionam em que extensão decisões podem ser subjetivamente
consideradas como “livres” se são determinadas por atividade cerebral detectada

380
Neurociência Cognitiva

anteriormente no tempo; os autores relatam que o resultado de uma decisão pode ser
codificada na atividade cerebral dos córtices prefrontal e parietal até 10 ms antes do
acesso consciente à decisão. Esse atraso, presumivelmente, refletiria a operação de
uma rede nervosa de controle que inicia o preparo da decisão em curso mesmo antes
de qualquer acesso explícito ao seu conteúdo.
Independente de nossas posições pessoais sobre o assunto, os resultados
experimentais influenciam no desenvolvimento dos métodos de investigação
posteriores, ajudando a determinar os passos seguintes da investigação sobre o tema.
Mecanismos decisórios fazem com que sejamos capazes de elaborar juízos ao
tomarmos contato com problemas a fim de resolvê-los. Essa capacidade aproxima o
estudo do processo da tomada de decisão a outras funções cognitivas, na medida em
que são necessários planejamento, gerenciamento de ações, modulação do
comportamento, crítica e flexibilidade.
Investigar a tomada de decisões é presenciar o momento em que as
contingências passam a ser atualizadas pelas ações do sujeito, que é capaz de fazer
interfaces entre eventos externos e internos e, assim, aprende a prever as
consequências de seus comportamentos.

381
Neurociência Cognitiva

Emoção
Diego de Carvalho
Laboratório de Neurociências e Comportamento
diegocarvalho@ib.usp.br

Introdução
A capacidade de racionalizar, sentir e se emocionar torna os seres humanos
únicos em relação às outras espécies e dentro da sociedade. A emoção está presente
permanentemente no nosso dia-a-dia e, apesar dessa existência corriqueira, é muito
difícil definir através de palavras o que sentimos. É possível que essa dificuldade resida
na aceitação do fato de que o controle das emoções, algo tão imaterial, esteja ligado a
algo tão físico como o cérebro e não a um fator externo ao corpo, como propôs
Descartes em sua teoria da mente e do corpo. Além disso, talvez até pela dificuldade de
ligar o cérebro às emoções, a neurociência negligenciou os estudos dos aspectos
emocionais do comportamento por um longo tempo.
Em 1848 um incidente trágico tornou claro que as emoções, a personalidade e a
vivência em sociedade são regidas por funções neurais. Phineas Gage, um operário de
uma estrada de ferro, estava dinamitando algumas rochas e ao pressionar a pólvora em
um buraco com uma barra de ferro iniciou o processo de detonação. A barra trespassou
a face de Gage e saiu pela testa. Surpreendentemente, ele continuou lúcido e foi
declarado curado em poucos dias, porém sua capacidade de se emocionar e tomar
decisões foi comprometida após o incidente, sendo o primeiro relato de que uma lesão
nos lobos frontais (confirmada posteriormente) pode alterar a personalidade de uma
pessoa.
Após o caso Gage, visto que as funções comportamentais relacionadas à
emoção eram exercidas e/ou controladas por algumas regiões do encéfalo, a
neurociência teve que vencer alguns obstáculos para incorporar a emoção ao estudo
científico: Como dimensionar a emoção em pessoas com vivências diferentes, ou
mesmo, como dimensionar o que está se sentindo? Como gerar sentimentos que sejam
próximos aos espontâneos? Como criar um modelo palpável de manipulação
experimental em humanos e animais? Estas perguntas aparentemente geraram, além
de dúvida, um desconforto nos neurocientistas que culminou em uma demora na
inserção das emoções ao plano científico.
Embora todas estas perguntas tenham alta relevância científica, a maior
dificuldade ainda está na real definição de emoção. Uma noção generalista é de que a
emoção é composta por três fatores principais: um componente sentimental, uma
resposta comportamental e as adequações fisiológicas pertinentes. Esta noção, além de

382
Neurociência Cognitiva

generalista, descarta os componentes psicológicos que, no caso de humanos, altera


significativamente o modo que a emoção se processará. Contudo, é possível concluir
que um dado sentimento gerado por fatores exógenos ou endógenos, levará a alguma
resposta motora, seja esta estereotipada, isto é, simples e de natureza reflexa ou
complexa de natureza volitiva; e ainda terá os ajustes fisiológicos pertinentes, como a
liberação de hormônios, dada a intensidade do sentimento e diferindo quanto às
situações e personalidade dos indivíduos. Em casos normais as respostas emocionais
devem ser de caráter imediato e transitório, porém, em casos de desordens afetivas
ocorrem respostas prolongadas.
Esta definição de emoção, ainda que generalista, permite entender o significado
da emoção, mas não define cada experiência emocional isoladamente. Por exemplo,
estar feliz, triste, furioso, entediado, desapontado, excitado, chateado, com medo,
apaixonado, exaltado ou satisfeito definem vários estados emocionais, sejam positivos
ou negativos, fortes ou fracos. É possível, então, notar que alguns destes exemplos são
apenas variações quanto à intensidade do sentimento: alegre, satisfeito, excitado são
apenas termos que exprimem diferentes amplitudes de felicidade. Então, nota-se que há
dois novos componentes das emoções: (1) o fator intensidade ou amplitude e; (2) há
várias denominações dependentes da intensidade de uma emoção básica.
Desde a expressão das emoções nos homens e nos animais de Charles Darwin
(1872), os cientistas vêm tentando definir um conjunto finito de emoções primárias. Em
estudos com expressões faciais foi descoberto que independente do local, cultura e
etnia algumas emoções tem respostas comportamentais muito semelhantes (Ekman e
Frieser, 1971). Baseado nestes estudos foi proposto que existem 6 tipos de expressões
faciais básicas humanas que denotam emoções. São elas: raiva, medo, aborrecimento,
felicidade, tristeza e surpresa. A definição de emoções básicas permite diferentes
manipulações experimentais para investigação dos sistemas neurais envolvidos nas
emoções e diferentes propostas para quantificá-las. Chegando novamente à pergunta:
como dimensionar e quantificar a emoção em pessoas com vivências diferentes?

Emoção, Cognição e Comportamento


Aparentemente a correlação entre cérebro e emoções está, hoje, bem
estabelecida. Entretanto, a inserção dos processos emocionais dentro de estudos
cognitivos soa um tanto quanto abstrata. Algumas dualidades parecem perdurar na
história humana, como era, por exemplo, na teoria de alma e corpo de Descartes, a
alma regeria os aspectos emocionais e o corpo regeria a razão. Ainda hoje razão e
emoção parecem palavras antônimas e da mesma forma cognição e emoção podem
parecer contrastantes. Mas novos estudos têm demonstrado que a emoção é um fator

383
Neurociência Cognitiva

que influencia, modula e pode ser até mesmo preponderante em sistemas


classicamente cognitivos como na memória e aprendizado (Immordino-Yang e Damásio,
2007). Ainda neste mérito, Antônio Damásio, em o “Erro de Descartes” (1994), propõe
que a razão é consequência da avaliação emocional de um ato, portanto tratar emoção
e razão como domínios totalmente isolados seria um erro.
Mesmo estabelecendo que a emoção seja adequada aos estudos cognitivos, a
grande variedade de personalidades existentes na sociedade, mesmo em um grupo
restrito, torna o estudo em laboratório altamente desafiador; agora imagine um estudo
global da espécie humana, no qual além de personalidades diferentes, diferem também
as culturas e os valores. Portanto, a tarefa de manipular e estudar a emoção em
situações controladas exige algumas técnicas, que vem se desenvolvendo ao longo dos
anos.
Os conceitos de que uma emoção pode ser positiva ou negativa parecem estar
bem claros. Por exemplo, é de comum acordo que felicidade é uma experiência positiva
e tristeza negativa. Também parece claro que uma emoção pode ter diferentes
intensidades: A felicidade de achar uma moeda na rua não é de mesma amplitude que
ganhar na loteria. Então, a avaliação da emoção em laboratório visa, basicamente,
manipular a amplitude e o contexto emocional a fim de elucidar como são deflagradas
as ações subsequentes ao estímulo, como é o processamento neural por detrás dos
sentimentos e como isso pode influenciar em outros processos cognitivos. Em termos
gerais, em experimentos com emoção, há uma tentativa de indução de um estado
emocional no sujeito, seja por indução, em que se pede que o indivíduo tente evocar um
estado emocional em particular; por métodos de recompensa e punição, nos quais um
estímulo motivacional é a chave do teste, seja ele reforçador ou aversivo; ou ainda pela
apresentação de estímulos que evocam emoções, como a apresentação de algumas
cenas carregadas de sentidos emocionais. Em 1995, Lang e colaboradores reuniram
uma coleção de imagens que evocam uma série de respostas emocionais. Os autores
pediram que várias pessoas de diversas etnias classificassem estas figuras por valência
(intensidade da emoção gerada) e por alerta (quanto a imagem os deixou em alerta).
Este trabalho acabou virando um sistema internacional de figuras afetivas (IAPS –
International Affective Pictures System) que é usado como padrão em testes
comportamentais (Figura 1).

384
Neurociência Cognitiva

Figura 1 – À esquerda exemplo de imagem de contexto emocional positivo, e à direita, negativo. Retirado
de: IAPS, 1995.

Os métodos de quantificação de impacto emocional que gerado por diferente


técnicas podem ser avaliados através de questionários ou através de testes
subsequentes, como por exemplo, a escolha entre dois objetos, em que a preferência
será a medida observada. Em modelos animais, algumas respostas comportamentais
podem ser quantificadas (ver adiante) ou ainda é possível avaliar algumas respostas
autonômicas, como pressão arterial, resposta de condutância da pele e frequência
cardíaca.
A resposta de condutância da pele pode ser utilizada tanto em humanos como
em animais. As propriedades elétricas da pele são medidas através de eletrodos
durante a realização de uma tarefa ou apresentação de um estímulo. Em condições de
estresse a condutividade aumenta significativamente. Esta avaliação foi por muito tempo
a base do detector de mentiras.
Os processos emocionais podem ainda interferir na realização de algumas
tarefas que exigem outros processos cognitivos, como tomada de decisão, memória,
aprendizado e atenção. Em uma determinada tarefa o fator emocional pode influenciar
de forma a inibir ou facilitar o desempenho. Por exemplo, utilizando o IAPS os indivíduos
tendem a lembrar mais de imagens de caráter negativo quando solicitados a lembrar de
algumas imagens que lhes foram apresentadas (Pratto e Jonh, 1991).

Neurobiologia das Emoções


Ao longo dos anos diversas teorias foram construídas a fim de explicar como as
emoções se processavam no sistema nervoso. Uma das primeiras teorias é a de James
e Lange datada do início do século XIX, quando pouco era sabido das interações dos
eventos neurais e comportamento. Os autores postularam que a emoção decorria após
alguns eventos fisiológicos, ou seja, o comportamento emocional se dava após a
percepção de alterações fisiológicas ocorridas no organismo. Então poderia se supor
com esta teoria que a tristeza decorre por causa do choro e não o contrário.
Em seguida Cannon e Bard (1928) refutaram a teoria de James-Lange e
propuseram que a resposta emocional estava ligada a eventos no sistema nervoso

385
Neurociência Cognitiva

central, mais precisamente no tálamo e hipotálamo. Entretanto, o conhecimento atual


permite avaliar que faltam evidências de participações talâmicas nas emoções.
Enfim, Papez, em 1937, teorizou que haveria todo um sistema relacionado com o
processamento da emoção. Este sistema ficou conhecido anos mais tarde como
sistema límbico; após algumas alterações da teoria inicial, foram atribuídas as
participações do hipotálamo, hipocampo, tálamo anterior, giro do cíngulo, amígdala e o
córtex orbitofrontal. A teoria inicial de Papez foi atualizada algumas vezes baseada em
novos experimentos, atualmente sabe-se que muitas estruturas límbicas participam de
fato do processamento emocional. Entretanto nem todas as descritas como
participantes iniciais do sistema tem participação comprovada. Apesar de existir toda
uma circuitaria neural que compreende diversas estruturas e mediadores, duas
estruturas têm se destacado particularmente: A amígdala e o córtex orbitofrontal.
Voltando ao Phineas Gage, anos após sua morte, o crânio foi exumado e
estudado por técnicas de formação e recomposição computadorizada do acidente (Fig.
2). Ficou claro que era uma lesão frontal, a qual abrangia o córtex orbitofrontal. Esta
estrutura não fazia, então, parte do sistema límbico descrito por Papez, mas
desempenha papel fundamental nas emoções e tomadas de decisão. O real papel do
córtex orbitofrontal nos processos emocionais ainda não está bem estabelecido, porém
sabe-se que tem grande importância nas tomadas de decisões sejam elas de caráter
emocional ou não.
As lesões frontais têm sido alvo de estudos ao longo dos anos. Um indivíduo
com tal lesão perde o senso de responsabilidade, capacidade de concentração, perda
do poder discriminativo ao tomar decisões e ainda tem prejuízo na expressão de
estados afetivos. Um exemplo disso era quando se praticava a lobotomia pré-frontal
como tratamento para algumas psicopatologias, o indivíduo perdia a capacidade de
expressar e reconhecer respostas emocionais e afetivas.

386
Neurociência Cognitiva

Figura 2 - Reconstituição computadorizada do crânio de Phineas Gage após o acidente.

Damásio (1994) demonstrou uma série de experimentos que comprovaram a


participação dos córtices frontais nos processos de tomada de decisão. O autor ainda
teorizou, a partir destes estudos com pacientes com lesões frontais, que o
conhecimento de características emocionais guia nossas escolhas racionais; por
exemplo, um grupo era convidado a escolher uma carta de duas pilhas distintas. A partir
de certo ponto o indivíduo aprendia que uma pilha continha cartas com premiações
maiores, mas o risco de perda era igualmente maior. Os indivíduos controles tendiam a
evitar esta pilha, e quando decidiam pegar uma carta desta, exibiam respostas
emocionais autônomas claras, ao passo que os pacientes com lesão frontal não
evitavam a pilha arriscada e nem exibiam tais respostas emocionais. Portanto, neste
caso o papel das regiões frontais, sobretudo do córtex orbitofrontal, parece ser o de
basear as ações conforme as informações emocionais de cada estímulo. Esta
associação também parece ser altamente dependente de conexões das áreas frontais e
outras estruturas cerebrais, como a amígdala.
A amígdala desempenha papel fundamental na formação das emoções. Esta
estrutura em forma de amêndoa e seus variados núcleos têm ligações com outras
importantes estruturas cerebrais, como hipocampo, porção dorsal do tálamo, áreas pré-
frontais e núcleos do septo. Cada uma destas vias, e a própria amígdala, são
importantes mediadoras de comportamentos em resposta a um estímulo emocional. Ela
é responsável pela associação do estímulo emocional e a resposta comportamental,
mediação da memória associativa, alguns autores ainda a citam como responsável pelo
comportamento agressivo e mediador da consolidação de algumas memórias
emocionais, podendo, por ação de alguns hormônios liberados em situações de grande
estresse, facilitar a retenção da informação. Talvez por isso seja, na maioria das vezes,
tão fácil lembrar episódios carregados de contexto emocional. Um bom exemplo disso é

387
Neurociência Cognitiva

que em testes que utilizam o sistema de imagens afetivas a maioria das pessoas lembra
mais fortemente de imagens de contexto emocional negativo, com alta valência, em
comparação às imagens neutras e positivas (Hansen e Hansen, 1988; Pratto e Jonh ,
1991; Huang e Luo, 2006)
As primeiras observações de que a amígdala tem participação importante nas
respostas emocionais datam de 1939 (Klüver e Bucy), em que macacos com lesões
nesta estrutura não reconheciam mais objetos antes carregados de grande contexto
emocional. A partir deste achado, muitos estudos têm sido realizados enfocando tal
estrutura. Sabe-se que a amígdala está envolvida em aprendizados que exigem
associações, como por exemplo, no condicionamento aversivo. Um rato que é colocado
experimentalmente em uma caixa onde um choque elétrico nas patas é pareado com
um estímulo neutro, como uma luz, exibirá após o pareamento uma resposta de medo,
por exemplo, um sobressalto. Um animal cujas funções amigdalares não estejam
íntegras não responderá desta forma na apresentação somente do estímulo neutro
como ocorre normalmente em ratos sem dano algum (Davis, 1992).
Mesmo nos aprendizados mais complexos, observados nos seres humanos,
como no medo instruído; no qual o evento aversivo não é vivido e sim contado por outra
pessoa, a amígdala é requerida. Isto porque ela tem conexões importantes com outras
estruturas neurais envolvidos fortemente com a memória, como por exemplo, o
hipocampo. Então, atuando em conjunto com outras estruturas, a amígdala é importante
mediadora da consolidação de eventos emocionais, modulando a intensidade e o
impacto destas memórias (McGaugh, 2004).
Lesões experimentais em determinados núcleos da amígdala ou desconexões
de algumas vias que ela faz parte têm sido praticadas para estudo da função da
estrutura neural e suas vias, bem como nas respostas emocionais. Diferentes vias e
estruturas podem participar da expressão das emoções, e grande parte dos achados até
agora se devem, em grande parte, a modelos animais.

Modelos animais
Os modelos animais permitem práticas de lesões precisas e desconexões
funcionais igualmente corretas para estudo da função neural, o que não é observado em
casos envolvendo humanos, nos quais a lesão acidental geralmente envolve múltiplas
estruturas e em geral é uma lesão difusa. Então, modelos animais podem ajudar a
elucidar como a emoção se processa no cérebro. Contudo, a linguagem ainda é uma
barreira; como estudar emoção se não conseguimos saber de fato se a emoção é
pertinente ao animal? Para responder esta pergunta e ainda ter ferramentas para
responder outros questionamentos, foram criados modelos animais para estudo do

388
Neurociência Cognitiva

comportamento de respostas ao medo, ansiedade e respostas à estímulos positivos e


negativos. Testes como o labirinto em cruz elevado (LCE), testes de esquiva, medo
condicionado, e diversas tarefas que utilizam reforços tem se mostrado muito eficazes
em avaliar respostas emocionais, que são até de certa forma subjetivas, principalmente
para animais, como é o caso da ansiedade.
A ansiedade é um estado subjetivo de apreensão que se difere do medo por não
haver causa direta ou pelo menos aparente (File, 1992) provocando reações fisiológicas
e comportamentais. Tarefas comportamentais, como o LCE e o Campo Aberto (Fig. 3)
permite que façamos inferências sobre o estado e o nível de ansiedade que um animal,
em geral ratos ou camundongos, apresenta. No LCE existem quatro braços, sendo que
dois possuem paredes
altas e dois são Figura 4 – Exemplo de medo condicionado, no caso um teste de sobressalto
potencializado pelo medo, no qual primeiramente o animal recebe um
abertos. Um animal
pareamento de luz e choque, em seguida um som que provoca uma reação de
ansioso evitará a
sobressalto e depois o pareamento de luz e som que levará a uma resposta
permanência exagerada de sobressalto. Retirado de Davis, 1992.
prolongada nos braços
abertos, uma vez que estes animais tendem a evitar ambientes abertos e se
demonstram desconfortáveis com a altura. No campo aberto a premissa é semelhante,
dado o desconforto pela presença no novo ambiente o animal exibirá uma série de
comportamentos que nos permitem fazer uma análise do nível de estresse que ele está
submetido.

Figura 3 – À esquerda o LCE como dois braços abertos e dois fechados; à direita o teste do Campo Aberto.
Como anteriormente citado, o medo é um estado no qual um agente externo
conhecido provoca reações de tensão, como por exemplo, algumas respostas de defesa
como luta ou fuga. O condicionamento é a base das tarefas de medo, no qual um
estímulo neutro (luz), pareado com um estímulo incondicionado por algumas vezes
gerará uma resposta comportamental a apresentação apenas do estímulo neutro inicial
(luz). Manipulações usando esta premissa são freqüentes, por exemplo, avaliações de
tarefas potencializadas ou inibidas pelo medo. A associação de um estímulo

389
Neurociência Cognitiva

incondicionado, como um som alto, ao choque e uma luz potencializará uma reação de
medo no animal, como por exemplo, um sobressalto (Fig. 4). Portanto, diferentes
pareamentos e manipulações podem elucidar alguns pontos chaves do comportamento
emocional e suas bases neurais, como a função amigdalar.

Os modelos animais têm sido ferramentas de grande valia no estudo, tanto dos
substratos neurais envolvidos nos comportamentos emocionais, bem como em
experimentos farmacológicos para o teste de drogas antidepressivas e ansiolíticas, que
são amplamente utilizados em casos de desordens psicológicas humanas.
A inclusão do estudo dos comportamentos emocionais nas neurociências
permitiu a elucidação de alguns substratos neurais envolvidos nestes comportamentos.
Entretanto, novos avanços devem ser feitos com mais estudos.
Algumas respostas, como os reais papéis de determinadas
estruturas, podem ser alcançadas. E ainda a inclusão da
emoção como um domínio cognitivo permite que a levemos em
conta no estudo dos mais variados comportamentos,
influenciando diretamente em cada um deles.

390
Neurociência Cognitiva

Modelos e Cognição
Rodrigo Pavão
Laboratório de Neurociências e Comportamento
rpavao@gmail.com

A construção de conhecimento científico envolve observação de fenômenos


associada à reflexão sobre eles, e também a formulação de hipóteses e criação de
modelos. Hipóteses e modelos científicos são criações humanas que tentam representar
a realidade de modo sintético e aproximado. Hipóteses e modelos têm o propósito de
facilitar a compreensão da realidade e permitir a previsão de fenômenos.
Existem diferentes tipos de modelos, dependendo de seus objetivos e
organização. Por exemplo, há modelos que remetem aos principais achados empíricos,
ou que representam relações entre partes do processo, ou ainda modelos
classificatórios que ressaltam semelhanças e diferenças entre processos, e até mesmo
representações físicas, como o modelo em estrutura metálica da molécula de DNA,
desenvolvido por Watson e Crick. Os modelos podem ser alterados para abordar
aspectos não notados em sua criação. Além disso, um mesmo fenômeno natural pode
ser abordado por diferentes modelos.
Ademais, modelos podem exibir diferentes graus de generalidade e poder
explanatório. A teoria da evolução proposta por Darwin é um exemplo de modelo de
ampla generalidade e poder explanatório, pela sua aplicabilidade a uma ampla gama de
fenômenos biológicos. Em neurociências existem modelos de um único processo (p.ex.,
um modelo de memória para tarefa de lembrança de listas de palavras) ou modelos
mais gerais (p.ex., o modelo hebbiano de plasticidade sináptica, que descreve que a
eficácia sináptica aumenta com a estimulação repetitiva). Um modelo geral é aquele que
se aplica a uma variedade de circunstâncias distintas, e pode ser definido como um
paradigma (Sayão, 2001).

Modelos sobre processos cognitivos


Assim como em outras áreas da ciência, processos cognitivos também são
compreendidos e estudados por meio de modelos. Modelos de processos cognitivos são
representações dos processos mentais; aqueles propostos pela assim chamada área de
neurociência cognitiva representam sistemas e interações destes sistemas. Há modelos
que representam também o modo de funcionamento, relacionando funções cognitivas a
estruturas neuroanatômicas e a mecanismos neurofisiológicos, e que têm o objetivo de
facilitar a compreensão dos mecanismos. Adicionalmente, os modelos cognitivos podem
ter poder preditivo em relação ao comportamento. Serão apresentados dois exemplos

391
Neurociência Cognitiva

de funções cognitivas e alguns modelos relevantes para sua compreensão.


Exemplo 1 - Memória
Diversos modelos tentaram identificar a existência de múltiplas formas de
memória associadas a sistemas neurais distintos, cada qual com diferentes
características. Por exemplo, o modelo proposto por Atkinson e Shiffrin (1971), que ficou
conhecido como “modelo modal”, definia três tipos de estocagem mnemônica, incluindo
(1) registros sensoriais, o primeiro estágio da percepção, cujo conteúdo seria transferido
para (2) registros de curta duração, um armazenamento temporário das informações,
que seriam transferidas para (3) um registro de longa duração (Fig. 1 – esquerda).
Assim, a informação fluiria através de estágios sucessivos de processamento, podendo
ser estocada em uma memória de longa duração, o último estágio da cascata. No
entanto, contrariamente a essa proposta, havia evidências de que a informação poderia
fluir para memória de longa duração independentemente de sua permanência na
memória de curta duração.
Como uma alternativa aos registros sensoriais e de curta duração do modelo
modal de memória, Baddeley e Hitch (1974) propuseram o modelo de memória
operacional para descrever a retenção temporária e manipulação de informações. A
memória operacional compreenderia um sistema de controle de atenção, o executivo
central, auxiliado por dois sistemas de suporte responsáveis pelo arquivamento
temporário e pela manipulação de informações, um de natureza visuo-espacial e outro
de natureza fonológica (Fig. 1 – centro).
Adicionalmente, a memória de longa duração também foi dividida em sistemas
diferentes a partir de estudos de dupla dissociação envolvendo pacientes com lesões ou
disfunções no lobo temporal medial e nos gânglios basais. Assim, a memória de longa
duração pode ser dividida em conhecimento explícito - relacionado a fatos e eventos,
expresso pela lembrança da informação sob forma passível de relato verbal - e
conhecimento implícito, que poderia ser subdivididos em subsistemas (Squire e
Knowton, 1995) (Fig. 1 – direita).

Figura 1 – Modelos modal de memória (à esquerda) (modificado de Atkinson e Shiffrin, 1971), memória
operacional (ao centro) (modificado de Baddeley e Hitch, 1974) e memória de longa duração (à direita)
(modificado de Squire e Knowton, 1995).

É possível exemplificar a atuação dos sistemas de memória operacional e de

392
Neurociência Cognitiva

longa duração através de atividades. A memória operacional é fundamental para a


atividade de lembrar uma lista de itens por um curto período de tempo, como ao
memorizar um número de telefone temporariamente até discá-lo. A memória explícita,
por sua vez, é fundamental para lembrar uma lista de itens por período de tempo
prolongado, ou lembrar de evento ocorrido em momento remoto. A memória implícita
não está envolvida na lembrança declarativa de itens; é fundamental, no entanto, para
aprender e desempenhar relações percepto-motoras como andar de bicicleta ou tocar
um instrumento musical (como em situação em que, ao se tocar uma série de notas no
violão ou bateria, outras notas podem ser tocadas sem fazer um planejamento explícito),
cujo relato declarativo é freqüentemente inviável.
Uma estratégia bem controlada de avaliar a memória implícita é o uso da tarefa
de aprendizagem de seqüências. Nessa tarefa o voluntário deve apertar, o mais rápido
possível, botões correspondentes a estímulos apresentados numa tela de computador.
Os estímulos podem ser apresentados aleatoriamente ou em uma seqüência. Pode-se
controlar quais os estímulos apresentados, sua duração, taxa de apresentação etc.,
além de acessar com exatidão a velocidade das respostas e a precisão do voluntário,
permitindo comparar o efeito de diferentes tratamentos, incluindo o uso de seqüências.
Em apresentação de estímulos aleatórios os tempos de resposta são maiores do que
para apresentação de estímulos em seqüência; isso indica que a seqüência é
aprendida. É interessante notar que essa redução dos tempos de reação ocorre mesmo
sem que a organização da seqüência seja percebida conscientemente; essa é a razão
de classificar essa tarefa como de memória implícita.

Exemplo 2 - Atenção
Modelos dos processos atencionais são menos consensuais que os modelos de
memória. Há classificações controversas como a atenção sustentada (prontidão do
sistema nervoso), atenção dividida (direcionamento da atenção concomitantemente a
mais de uma fonte) e atenção seletiva (processamento de informações oriundas de uma
fonte, ignorando as demais) (Muir, 1996), que não parecem de grande utilidade pela
ampla sobreposição dos processos e pelo fato de que em qualquer das situações
existiria um processamento seletivo. Há também o debate sobre como se daria essa
seleção: como filtro (permitindo processamento adicional de apenas uma parte da
informação transmitida pelo sistema sensorial), filtro atenuador (manutenção do sinal a
ser processado, associado à redução dos demais sinais não atendidos), ou
intensificador (amplificação do sinal a ser processado, associado à manutenção dos
demais sinais não atendidos) (Fig. 1 – esquerda). A seleção do que seria processado
preferencialmente poderia se dar em diferentes níveis do sistema nervoso – desde o

393
Neurociência Cognitiva

sistema sensorial até as áreas integrativas. Há também o debate sobre como se dá o


direcionamento da atenção (Fig. 2 – centro e direita); há modelos que o desmembram
em direcionamento automático e direcionamento voluntário, envolvendo diversas
estruturas com diferentes funções (Posner, 1987; Laberge, 1989). Há ainda a
interpretação de que a atenção seja um processo de seleção modulado pelo registro do
passado, expectativa e funções superiores (Fig. 2 – direita).

Figura 2 – Seleção por filtros simples, atenuador ou amplificador (à esquerda) (modificado de Helene e
Xavier, 2003). Modelo de etapas do direcionamento da atenção visual no espaço (ao centro) (modificado de
Posner, 1987). Interação do filtro atencional com outros processos cognitivos (à direita). Modificado de
Laberge, 1989.

Um tipo de avaliação amplamente utilizado em estudos sobre o direcionamento


espacial da atenção visual foi proposto por Posner (1980). Os participantes devem
pressionar um botão assim que detectam um estimulo luminoso (“alvo”) que aparece ou
na mesma região do espaço que um estímulo prévio (“pista válida”) ou na região oposta
(“pista inválida”) (Fig. 2 – centro, parte superior – representação da apresentação da
pista, à direita do ponto de fixação do olhar). O tempo de resposta quando a pista é
válida é menor do que quando a pista é inválida; essa diferença de tempo é uma medida
do benefício da orientação atencional gerado pela pista válida, que facilita o
processamento do estímulo visual, associado ao prejuízo gerado pela pista inválida em
decorrência do direcionamento da atenção para o local incorreto, dificultando assim a
detecção do alvo que é apresentado num outro local. Esse protocolo é comumente
usado para avaliação da atenção automática quando associado a 50% de tentativas
válidas e 50% de tentativas inválidas (pistas não preditivas da posição do alvo). Uma
modificação desse protocolo, com o uso de pistas simbólicas, centrais (apresentadas
próximas do ponto de fixação) e outra proporção entre pistas válidas e inválidas
(tornando a pista preditiva da posição do alvo), é usada para avaliação do
direcionamento voluntário da atenção espacial. Além da orientação espacial da

394
Neurociência Cognitiva

atenção, estuda-se também o direcionamento atencional para processamento de


formas, contrastes etc.
Esses modelos esquemáticos são geralmente consistentes com achados
empíricos e clínicos, além de serem intuitivamente plausíveis. Há, no entanto, outras
estratégias de modelagem que tratam das computações envolvidas nos processos
cognitivos.

Modelagem Computacional
A neurociência cognitiva tem usado a modelagem computacional como
ferramenta para explicação e entendimento dos mecanismos neurais subjacentes aos
processos cognitivos, por meio da implementação de programas de computador que
traduzem modelos abstratos em simulações concretas de processos cognitivos. Uma
ampla gama de processos pode ser modelada computacionalmente, desde a
neurofisiologia neuronal até as computações envolvidas em funções cognitivas
complexas. A modelagem computacional tem, portanto, um grande potencial na
simulação de processos de integração incluindo os níveis da neurofisiologia,
neuroanatomia e neuropsicologia, podendo oferecer “insights” sobre os processos
computacionais complexos envolvidos no funcionamento integrado de redes neuronais e
na determinação do comportamento.
Um modelo computacional que vem sendo aplicado cada vez mais
frequentemente nas neurociências é a teoria de detecção de sinais, que
apresentaremos a seguir.

Teoria de Detecção de Sinais


A teoria de detecção de sinais é uma adaptação da teoria de decisão estatística
para o campo da percepção (Swets e col., 1961). Uma estratégia interessante de
explicação dessa teoria é o uso do exemplo do diagnóstico de tumor por um médico
observando imagens de tomografia computadorizada (adaptado de Heeger, 2007).
A interpretação de imagens de tomografia é difícil e demanda bastante treino.
Em razão dessa dificuldade, há sempre incerteza sobre o julgamento. Pode existir um
tumor (sinal presente) ou não (sinal ausente). O médico pode ver o tumor (resposta
“sim”) ou não (resposta “não”). Existem quatro possibilidades, duas boas (identificação e
rejeição corretas) e duas más (omissão e alarme falsos).

resposta resposta
“sim” “não”
sinal acerto omissão

395
Neurociência Cognitiva

presente
sinal
alarme falso rejeição correta
ausente

Figura 3 – Combinações possíveis entre presença/ausência de sinal e resposta sim/não da teoria de


detecção de sinais. Acertos (sinal presente, resposta sim) e rejeições corretas (sinal ausente e resposta
não) são positivos; alarmes falsos e omissões são negativos.

Dois fatores são fundamentais para a decisão: a aquisição de informação e o


critério.
A aquisição de informação, no nosso exemplo, se dá pela observação das
imagens da tomografia: formato, cor, textura etc. do tecido observado. Com bastante
treino, o médico consegue obter informação suficiente dessas imagens. Além disso,
outros métodos poderiam ser usados, como ressonância magnética, que poderiam
fornecer informação adicional. A aquisição de informação define a resposta interna (ver
adiante).
O critério, por outro lado, é mais subjetivo ao próprio médico. Dois médicos
diferentes com mesma capacidade de análise, observando o mesmo exame, podem ter
diferentes opiniões sobre o que fazer. Um deles pode assumir que estará perdendo a
oportunidade de fazer um diagnóstico precoce que pode significar a diferença entre a
vida e a morte, e que um alarme falso poderia resultar em uma operação de rotina para
biópsia; e, nesse contexto, opta pela resposta “sim”. Outro médico pode assumir que
cirurgias desnecessárias, mesmo de rotina, são ruins, caras, estressantes etc.; e, nesse
contexto, pode adotar uma postura mais conservadora e optar pela resposta “não”. Este
último médico deixará de diagnosticar pacientes com tumor, principalmente em estágios
iniciais, mas estará reduzindo o número de cirurgias desnecessárias. Assim, o critério
não se refere à informação, mas sim à decisão que será tomada com essa informação.
Adicionalmente, existem ruídos que são processados juntamente com o sinal.
Ruídos, no nosso exemplo, correspondem às limitações da técnica, ou algo no tecido
sadio que é similar ao tumor. Além disso, o médico também exibe variações na maneira
pela qual analisa o exame. A soma do sinal com os ruídos determina a resposta interna.
A resposta interna poderia ser colocada de forma mais concreta, supondo que o
médico possua “neurônios-tumor” que têm a freqüência de disparo (em spikes/s)
aumentada ao ver exame com evidência de tumor. Note que apesar de este ser um
exemplo bastante didático, é bem pouco provável que o processamento realmente se dê
desse modo. No entanto, é bastante certo que o reconhecimento de tumores em
exames de tomografia envolva atividade diferenciada em alguns circuitos neurais de
médicos neurologistas. A atividade diferenciada nos circuitos neurais referentes ao
reconhecimento de sinais será referido como resposta interna.

396
Neurociência Cognitiva

O processo pode ser formalizado como representado na Fig. 4. A curva à


esquerda expressa apenas ruído (tecido sadio), e a curva à direita expressa sinal (tumor
presente) mais ruído. A abscissa representa a resposta interna, e a ordenada a
probabilidade de ocorrência. Numa situação envolvendo apenas ruído haverá,
usualmente, 10 unidades de resposta interna; porém, algumas vezes pode haver bem
mais do que isso, i.e., até 18 ou 19 unidades de resposta interna. De maneira similar,
numa situação envolvendo ruído mais sinal pode haver menos do que 20 unidades de
resposta interna, podendo gerar uma sobreposição entre as curvas das duas condições.

Figura 4 – Resposta interna do observador (no exemplo, o médico que analisa os exames) para as
condições apenas ruído (tecido sadio) e sinal (tumor) mais ruído (à esquerda). Dois médicos com a mesma
habilidade podem adotar critérios distintos, levando a mais acertos e mais alarmes falsos (à direita, acima)
ou menos alarmes falsos e menos acertos, i.e., omissões (à direita, abaixo).

Exemplo 1 - Memória e a Teoria de Detecção de Sinais


A teoria de detecção de sinais tem sido usada nos modelos formais de
aprendizagem e memória. O modelo apresentado por Berry e col. (2008), por exemplo,
expressa valores de familiaridade amostrados em uma distribuição normal (análogo à
resposta interna) a cada item. A familiaridade exprime a força da memória que, na
prática, pode ser entendida como a facilidade de lembrar este item. O treinamento de
um item específico gera o aumento do valor da familiaridade daquele item (Fig. 5 –
direita); assim, assume-se que a média da familiaridade é maior para itens treinados do
que para itens não treinados, já que a familiaridade aumenta face a exposições
repetidas do item em questão. Tal valor de familiaridade é usado para fazer julgamentos
de reconhecimento (“já vi” se valor de “f” (familiaridade) for maior que um dado critério, e
“não vi” se “f” for menor que o critério). A familiaridade é usada também para obter
medidas de pré-ativação, por exemplo, o tempo de resposta para o item (Fig. 5 –
esquerda).

397
Neurociência Cognitiva

Figura 5 – Esquerda: Familiaridade para um item em função da quantidade de treino e seu reflexo sobre a
lembrança e o tempo de reação. Esse modelo pode ser aplicado a diversas situações em que
tradicionalmente se julgam como necessários os sistemas de memória explícita (lembrança de lista de
palavras, ou diferenciar palavras apresentadas de não-apresentadas – inserindo critério de distinção dessas
categorias) e implícita (como tocar uma seqüência completa de notas, p.ex., 1-2-3-4, ou modificada, p.ex.,
1-2-3-9). Direita: O efeito do treino altera os valores de familiaridade fazendo com que itens inicialmente
indiferenciados (parte superior) tornem-se paulatinamente distintos (parte inferior). Esse modelo se aplica
ao treinamento da capacidade de médicos de diferenciar exames com tecido sadio e/ou tumor, treino para
reconhecimento de palavras e aprendizagem de seqüências, entre muitos outros.

Exemplo 2 - Atenção e a Teoria de Detecção de Sinais


A aplicação dos conceitos da teoria de detecção de sinais ao estudo da atenção
leva à sugestão de que a atenção atua aumentando a resposta interna aos estímulos
selecionados (Fig. 6 – esquerda). Esse tipo de abordagem é bastante utilizada em
experimentos de detecção de contrastes, havendo relatos de alterações
neurofisiológicas associadas a estímulos aos quais a atenção foi direcionada. Por
exemplo, quando a atenção é direcionada para um dado estímulo, a taxa de disparos de
neurônios isolados aumenta em relação à apresentação de um estímulo de mesmo
contraste, porém, sem o direcionamento da atenção ao mesmo (Kim e col, 2007) (Fig. 6
– direita).

Figura 6 – Curvas de probabilidades da resposta interna, conforme a teoria de detecção de sinais aplicada
à atenção (esquerda). Resposta neural a estímulos aos quais a atenção foi ou não direcionada (direita).
Modificado de Kim e col, 2007.

398
Neurociência Cognitiva

Assim, também a atenção também pode ser modelada pela teoria de detecção
de sinais. Processos atencionais envolvendo a facilitação do processamento
(possibilitando a emissão de respostas mais rápidas ou melhor detecção de estímulos)
poderiam, inclusive, ser interpretados como fundamentados na mesma base que os
processos de memória. De fato, o experimento de Kim e col. (2007) consiste em
apresentar uma pista indicando o lado provável de apresentação do estímulo (com
diferentes contrastes) que se assemelha ao experimento de aprendizagem de
seqüências (estímulos anteriores indicam o próximo estímulo); assim, parece bastante
plausível o uso do mesmo modelo.

Conclusão
Esse capítulo apresenta a possibilidade de investigar memória e atenção sob um
mesmo prisma, isto é, adotando um mesmo modelo básico. O modelo apresentado aqui
é a teoria de detecção de sinais, cuja aplicação parece vantajosa, na medida que facilita
a compreensão de processos cognitivos como atenção e memória e é um modelo
elaborado de forma a permitir previsões.
Nesse modelo, o processamento de estímulos seria facilitado de acordo com
respostas internas; ou seja, os tempos de resposta, lembrança, detecção etc. seriam
definidos pelo grau de preparação prévio do sistema nervoso. Esse grau de preparação
é dado pela estrutura e atividade dos circuitos neurais. Assim, a força das sinapses, a
quantidade ou a sincronização da atividade elétrica, entre outros, definiriam a facilidade
de resposta aos eventos.
A estratégia aplicada na Neurociência Cognitiva de assumir que existem
módulos para cada uma das funções cognitivas tem seu ganho na organização do
estudo da cognição. Essa e outras abordagens similares criaram modelos para cada um
desses processos cognitivos. E, realmente, o uso de modelos específicos para cada um
dos casos tem sua função de facilitar a compreensão daquele fenômeno; porém, é clara
a interação (e até mesmo similaridade) entre os diversos processos cognitivos. De fato,
a estreita relação entre atenção e memória já foi apresentada previamente por Helene e
Xavier (2003). A visão defendida aqui, entretanto, é que a computação desses dois
processos é de tal modo similar que haveria ganho na compreensão e na previsão de
fenômenos através da adoção de um mesmo modelo geral que fizesse a tradução da
neurofisiologia para o comportamento. A teoria de detecção de sinais é um modelo que
tem se mostrado capaz de atuar desse modo; de fato, a generalidade dessa teoria é tal
que outros processos cognitivos poderiam vir a ser modelados vantajosamente.

399
Neurociência Cognitiva

Neurogênese no sistema nervoso adulto de mamíferos


Ilton Santos da Silva
Laboratório de Neurociências e Comportamento
silvais@ib.usp.br

Breve histórico
As primeiras descrições detalhadas de células nervosas foram realizadas no final
do século XIX por Camilo Golgi e Ramón y Cajal, contribuindo imensamente para a
compreensão dos aspectos estruturais do sistema nervoso. Golgi desenvolveu técnicas
de coloração utilizando sais de prata para corar neurônios, revelando detalhes da
estrutura neuronal sob o microscópio, tais como o corpo celular, dendritos e axônio.
Utilizando a técnica de coloração empregada por Golgi, o histologista espanhol Santiago
Ramón y Cajal observou que o tecido nervoso é formado por uma rede de células
distintas e que estas seriam os elementos fundamentais do sistema nervoso (Fig.1).
Ramón y Cajal estudou as diferentes fases de desenvolvimento dos neurônios em
mamíferos, observando que não havia a presença de qualquer sinal do surgimento de
novas células no encéfalo adulto, além daquelas já estabelecidas ao nascimento. Outros
pesquisadores da época também concluiram que a elaborada arquitetura do encéfalo de
mamíferos permanece fixa e defenderam a idéia de que a adição de novas células era
completamente inconcebível. Dessa forma, postulou-se que o sistema nervoso central
possui conexões fixas e imutáveis, sem qualquer possibilidade de que novos neurônios
surgissem.
Já na primeira metade do século XX, alguns estudos mostraram que havia o
nascimento de novas células em encéfalos adultos (Hamilton, 1901; Allen, 1912; Sugita,
1918). Entretanto, a grande dificuldade era afirmar se essas novas células eram
realmente neurônios ou glia, tendo em vista a limitação dos métodos empregados na
época.
Na década de 1960, Joseph Altman publicou uma série de estudos relatando a
ocorrência de neurogênese em ratos jovens e adultos (Altman, 1962; Altman, 1963;
Altman & Das, 1965; Altman & Das, 1966; Altman, 1966; Altman, 1969). Utilizando a
técnica de auto-radiografia com [3H]-Timidina, uma substância que é incorporada ao
DNA das células em divisão, Altman observou o surgimento de novas células em
diversas áreas, incluindo neocórtex, giro denteado e bulbo olfatório. Esse autor sugeriu
ainda que estas células, que ele chamava de “microneurônios”, possuíam axônios
curtos e apresentavam forma granular ou estelar (Altman, 1967).

400
Neurociência Cognitiva

Figura 1: Neurônios no cerebelo de ave. Desenho realizado por Ramón y Cajal, mostrando os cinco tipos
celulares existentes no cerebelo: células de Purkinje; células esteladas; células em forma de cesto; células
granulares e células de Golgi. Retirado de Sotelo, 2003.

Novamente as críticas surgiram em relação ao método empregado, que de fato


não era o mais adequado para diferenciar células gliais de neurônios propriamente
ditos. Outro motivo da não aceitação das observações de Altman foi a pouca
credibilidade direcionada ao pesquisador, que na ocasião era pós-doutorando e
trabalhava por conta própria. Dessa forma foi julgado incapaz de alterar um fato
amplamente aceito pela comunidade científica contemporânea.
Com a ajuda da microscopia eletrônica, Michael Kaplan e seus colaboradores
realizaram vários estudos, publicados a partir de 1977, mostrando que as células
incorporadas com [3H]-Timidina no giro denteado e bulbo olfatório de ratos possuíam
características ultra-estruturais de neurônios, tais como dendritos e sinapses, o que não
é observado em astrócitos e oligodendrócitos (Kaplan & Hinds, 1977; Kaplan, 1984). O
mesmo autor observou ainda novos neurônios no córtex cerebral de ratos adultos
(Kaplan, 1981; Kaplan, 1985), confirmando assim as afirmações feitas por Altman. Os
trabalhos de Kaplan receberam pouca atenção e também não foram suficientes para
quebrar o dogma que parecia fortemente estabelecido.
O grande avanço no estudo da neurogênese ocorreu no final da década de 1980
com o emprego da 5-bromo-3’-deoxiuridina (BrdU) que é incorporada ao genoma das
células durante a fase S da mitose, sendo desta forma, um marcador de células em
proliferação. As células marcadas com BrdU podem ser visualizadas por técnicas de
imunocitoquímica, sem a necessidade de empregar auto-radiografia (Nowakowski e col.,
1989). Desde então, vários estudos mostraram que a neurogênese é um processo que
ocorre continuamente em certas regiões encefálicas de diversas espécies, incluindo
aves (Goldman & Nottebohm, 1983), roedores (van Praag e col., 1999), macacos
(Kornack & Rakic, 1999), e humanos (Eriksson e col.., 1998). Portanto, depois de mais

401
Neurociência Cognitiva

de um século de estudos e muita resistência quanto à existência do fenômeno, hoje a


neurogênese em encéfalos adultos é um fato amplamente aceito pelos neurocientistas.
Como ocorre maior parte da neurogênese no hipocampo, uma estrutura nervosa
reconhecidamente envolvida em processos de aprendizagem e memória (O’Keefe &
Nadel, 1978), as pesquisas recentes na área tentam apontar qual seria o papel desses
novos neurônios nestas funções.
O surgimento de novos neurônios pode ainda ser regulado por fatores psico-
fisiológicos como estresse e complexidade ambiental a que o animal é exposto. Estas
questões serão discutidas com mais detalhes nos tópicos a seguir.

Regulação da Neurogênese
Diversos fatores podem interferir nos processos de neurogênese (e.g., neurais,
endócrinos e ambientais), aumentando ou diminuindo a produção de novos neurônios
no indivíduo adulto. Por exemplo, a elevação nos níveis de glicocortcóides decorrente
de experiências estressantes como a exposição ao odor de um predador natural, diminui
a taxa de proliferação de células granulares do giro denteado de ratos (Heale e col.,
1994), possivelmente por meio de um mecanismo que envolve a liberação e o acúmulo
de glutamato no hipocampo (Moghddam e col., 1994; Gould e col., 2000). Eisch e col.
(2000) mostraram também que o tratamento crônico com morfina ou heroína reduz
significativamente a taxa de neurogênese na camada de células granulares do giro
denteado de ratos. E esse resultado parece não estar relacionado com alterações dos
níveis circulantes de glicocorticóides, pois os mesmos efeitos foram observados em
animais que foram submetidos à adrenalectomia e posterior reposição de
corticosterona.
Por outro lado, certas condições propiciam a produção de novas células no
hipocampo. Tanapat e col. (1999) mostraram que ratas submetidas ao procedimento de
ovariectomia, visando eliminar a produção de estrógenos, apresentam menor número de
células marcadas com BrdU. No mesmo estudo, os autores observaram que durante o
proestro (fase do ciclo estral de ratas em que os níveis de estrógenos estão altos)
ocorre maior produção de novas células, sendo que a maioria delas adquire
características neuronais.
Ambientes que fornecem uma combinação variada de estímulos também podem
aumentar a neurogênese. Roedores adultos que são mantidos em gaiolas que contém
objetos diferentes, tais como pequenos brinquedos, túneis, rodas de atividade física e
obstáculos, exibem significativo aumento no número de células no giro denteado (Fig.2),
(Kempermann e col., 1997). Ou seja, parece que o aumento da atividade exploratória e
novas experiências sensoriais proporcionadas por estímulos diversos do ambiente

402
Neurociência Cognitiva

enriquecido estimulam a aprendizagem, fazendo com que esses animais aumentem a


sua capacidade de desempenhar tarefas cognitivas, diferentemente daqueles que vivem
em gaiolas comuns de laboratório.

Figura 2 – Parâmetros em que camundongos mantidos em ambiente enriquecido diferem de animais


controle. (a) Número de células marcadas com BrdU na camada granular do giro denteado (GCL) um dia ou
4 semanas após injeção intraperitoneal de BrdU, (b) o volume total do giro denteado 4 semanas após a
injeção, (c) número absoluto de células granulares do giro denteado 4 semanas após a injeção, e (d)
extensão do trajeto até encontrar a plataforma no labirinto aquático de Morris. Retirado de Kempermann e
col., 1997.

Esses animais mostram ainda melhor desempenho quando submetidos a uma


tarefa de aprendizagem e memória espacial no labirinto aquático de Morris (Fig. 2-d)
(Kempermann e col., 1997), que consiste na busca por uma plataforma submersa ao
longo de vários dias de treino (Morris, 1981). Porém, os autores deixam claro que não
se pode concluir que esse desempenho melhor seja devido ao aumento do número de
células no hipocampo, embora seja plausível pensar que a combinação do maior
número de neurônios, sinapses e dendritos, contribua para um melhor desempenho
induzido pelo ambiente enriquecido. Entretanto, tal ambiente é formado por diversos
componentes, incluindo a oportunidade de interação social, atividade física e
aprendizagem. Cabe questionar, então, se o aumento de células no hipocampo e o
melhor desempenho na tarefa espacial (Kempermann e col., 1997) seriam decorrentes
das experiências sensoriais no ambiente enriquecido ou da constante atividade física
proporcionada pelas rodas de atividade, túneis e obstáculos presentes nas gaiolas.
van Praag e col. (1999) tentaram identificar quais destes fatores (atividade física
voluntária ou forçada e uma tarefa que envolve aprendizagem) contribuem para o
aumento da neurogênese hipocampal em camundongos adultos.

403
Neurociência Cognitiva

A
Figura 3 – Condições experimentais
utilizadas por van Praag e col. (1999).
(A) animais mantidos em ambiente
enriquecido; (B) em gaiola contendo a
roda de exercício físico voluntário; ou
(C) em gaiolas-padrão de laboratório.
B C Retirado de van Praag e col., 1999.

Grupos independentes de camundongos foram submetidos às seguintes


condições: acondicionamento em ambiente enriquecido; treino de busca pela plataforma
no labirinto aquático; natação forçada; exercício voluntário em roda de atividade física, e
acondicionamento em gaiolas-padrão (grupo controle) (Fig.3). A proliferação de células
no giro denteado foi investigada por meio da marcação com BrdU e posterior análise
imunohistoquímica. Os resultados (Fig.4-a) mostraram que o grupo submetido à roda de
atividade física exibiu maior proliferação do que qualquer outro grupo avaliado. Já a
avaliação da sobrevivência da progênie das células em divisão foi feita quatro semanas
após a última injeção de BrdU. A análise estatística mostrou que os animais submetidos
ao ambiente enriquecido e roda de atividade física apresentaram taxas maiores de
sobrevivência das novas células (Fig.4-b) (85% e 56%, respectivamente), quando
comparados aos grupos que passaram pelo treinamento no labirinto aquático (42%) e
natação forçada (46%). Além disso, em ambos os grupos (ambiente enriquecido e roda
de atividade física) a maioria das células marcadas com BrdU apresentou
características neuronais, reveladas por meio do uso de marcadores específicos.

404
Neurociência Cognitiva

Figura 4 – Número estimado de células marcadas com BrdU no giro denteado de camundongos adultos. (a)
número total de células em proliferação marcadas um dia após a última injeção de BrdU, (b) número
estimado de células sobreviventes quatro semanas após a última injeção de BrdU (extraído de van Praag e
col., 1999).

Portanto, este estudo mostra que somente o exercício físico voluntário é


suficiente para estimular a proliferação de células hipocampais em camundongos
adultos. Porém, quanto à taxa de sobrevivência dessas células, as duas condições
(ambiente enriquecido e exercício físico) mostraram efeito significativo, sugerindo que
diferentes protocolos de manipulações comportamentais podem aumentar
consideravelmente a neurogênese e manutenção dos novos neurônios formados.
Embora ambos os grupos apresentem números comparáveis de células marcadas com
BrdU após quatro semanas, a sobrevivência dessas células foi relativamente menor no
grupo submetido ao exercício físico voluntário (56%) quando comparado ao grupo
mantido em ambiente enriquecido (85%), sugerindo que estas condições apresentam
efeitos diferentes a longo prazo. Os autores discutem ainda se o tempo de treino
empregado no labirinto aquático teria sido suficiente para revelar eventuais efeitos sobre
a neurogênese. E também considerando possíveis efeitos prejudiciais induzidos pelo
estresse, a natação forçada pode ter sido um fator que prejudicou a proliferação e
sobrevivência das novas células devido à elevação nos níveis de glicocorticóides.
Dessa forma, a neurogênese no hipocampo, regulada por diferentes variáveis
ambientais, reforça a idéia de que a produção de novos neurônios não faz parte de
vestígios dos estágios iniciais de desenvolvimento do sistema nervoso, mas constituem
um recurso neural notadamente flexível e adaptativo também na idade adulta.

Possíveis funções dos novos neurônios: Aprendizagem e Memória?


Estudos relatando neurogênese no sistema nervoso permitem afirmar que
milhares de neurônios novos são formados todos os dias no encéfalo adulto,
principalmente no giro denteado da formação hipocampal. No entanto, diversas

405
Neurociência Cognitiva

questões relativas à possível função (ou funções) da neurogênese em adultos têm


gerado debates e muitas especulações entre os pesquisadores.
Kempermann (2002) propôs que os novos neurônios do giro denteado atuam
como “comportas” na “entrada de informações” para a memória (Fig.5). Segundo o
autor, os novos neurônios são adicionados em um local do circuito hipocampal
determinante no processamento de informações. Como não há evidências de que o
hipocampo possa armazenar memórias por um longo período de tempo, a neurogênese
hipocampal adulta não estaria envolvida nesse tipo de memória “per se”, mas no
processamento de informações mantidas transitoriamente. Nesse caso, se os novos
neurônios forem estrategicamente introduzidos na circuitaria existente, podem aumentar
significativamente a capacidade de processamento de informações e também sua
complexidade.

Figura 5 – Teoria proposta por Kempermann (2002). (A) Segundo o autor, os novos neurônios atuam como
“comportas”, reforçando circuitarias pré-existentes conforme a demanda do ambiente; (B) uma analogia
com um computador, mostrando que os novos neurônios podem aumentar a capacidade de processamento
de informações na memória “RAM”, função atribuída ao hipocampo; e (C) localização estratégica dos novos
neurônios (em vermelho) na circuitaria pré-existente (Cx=áreas corticais; DG=giro denteado; e sub-campos
CA1 e CA3 da formação hipocampal) (extraído de Kempermann, 2002).

Uma vez que as novas células granulares do giro denteado apresentam


propriedades funcionais similares aos neurônios maduros, incluindo potenciais de ação,
sinapses e recebem aferências de outras regiões do circuito (van Praag e col., 2002),
aparentemente, elas são integradas funcionalmente à circuitaria hipocampal. Portanto,
considerando que poucos dos novos neurônios sobrevivem e um número menor ainda é
funcionalmente integrado ao sistema, parece que a neurogênese hipocampal adulta
representa um “ajuste a longo prazo” da circuitaria para processar conteúdos em um
alto nível de complexidade (Kempermann, 2002).

406
Neurociência Cognitiva

No entanto, a real contribuição dos novos neurônios sobre o desempenho de


animais experimentais em tarefas dependentes do hipocampo permanece
desconhecida, pois os resultados obtidos são divergentes. Por exemplo, alguns estudos
sugerem que o aumento da neurogênese pode melhorar o desempenho em alguns tipos
de tarefa espacial, como no labirinto aquático de Morris (Kempermann e col., 1997; van
Praag e col., 1999); paralelamente, prejuízos são observados na ausência de novos
neurônios (Kempermann & Gage, 2002). Entretanto, existe ainda relação inversa entre
os fatores regulatórios da neurogênese e a aprendizagem; fatores que diminuem a
produção de novos neurônios, como a elevação nos níveis de glicocorticóides,
decorrentes de estresse moderado não necessariamente alteram o desempenho, mas
podem até mesmo facilitar a aquisição de uma tarefa espacial (Akirav e col., 2004).
Outro estudo mostra que a diminuição da neurogênese decorrente da idade também
não interfere no desempenho de uma tarefa espacial no labirinto aquático (Bizon &
Gallagher, 2003). Essa discrepância de resultados pode ser devido a diversos fatores. O
agente antimitótico acetato de metilazoximetanol (MAM) e a radiação ionizante
geralmente são utilizados para cessar a produção de precursores de células granulares
(Cameron & Christie, 2007); assim, a neurogênese e seus efeitos no giro denteado
podem ser estudados. Porém, estes métodos podem causar efeitos secundários e levar
a interpretações viesadas sobre o comportamento dos animais. Além disso, ambiente
enriquecido e a atividade física podem causar outros efeitos, como angiogênese (Isaacs
e col., 1992) e alterações estruturais nos neurônios pré-existentes (Leggio e col., 2005),
induzindo dessa forma a obtenção de resultados falsos positivos em relação a
contribuição da neurogênese sobre o comportamento.
Embora existam fortes evidências de correlação entre neurogênese e função
hipocampal, seria de grande valia o desenvolvimento de abordagens experimentais que
contemplassem o papel da neurogênese hipocampal adulta por si só.

Considerações finais
As pressões cotidianas exigem que mecanismos neurais diferenciados sejam
desenvolvidos, permitindo a sobrevivência dos animais, pois os mesmos não nascem
com um repertório comportamental completo. Neste sentido, a plasticidade do sistema
nervoso tem papel fundamental na adaptação às contingências ambientais. A
neurogênese, hoje um fenômeno indiscutivelmente bem estabelecido e amplamente
aceito, oferece a oportunidade de entender como o sistema nervoso desenvolveu
mecanismos para suprir as demandas comportamentais. Embora pouco ainda se saiba
sobre a função da neurogênese adulta, parece que o surgimento de novas células
nervosas faz parte de uma gama de recursos neurais que podem contribuir para a

407
Neurociência Cognitiva

flexibilidade comportamental dos animais. Considerando que um número substancial de


neurônios é gerado em uma região crítica para as funções de memória, é pouco
provável que essas novas células não tenham qualquer função e apenas façam parte de
vestígios do desenvolvimento neural.

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414
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Complexidade e Termodinâmica em Sistemas


Biológicos

O que é complexidade? E um sistema? E complexidade de um sistema? Neste


módulo forneceremos uma visão geral sobre esses termos e apontaremos o que eles
não significam. Para tanto recorreremos a ferramentas físicas, matemáticas,
computacionais e a uma boa dose de intuição. Portanto o que poderia ser
complexidade? Complexo é basicamente tudo o que não é simples! Nós chamamos de
simples os sistemas que, aparentemente, possuem um ou poucos objetos e ações
constituintes. Imagine 1 mol de um gás à CNTP encerrado em uma caixa de 1cm³. Isso
é um sistema simples ou complexo? Muitos diriam que é um sistema simples, pois ele
“não faz nada” nem “vai para lugar algum”. Contudo estamos falando de 6,023. 10²³
moléculas de gás comportando-se individualmente, ou seja, estamos falando do que
Boltzmann chamou de caos molecular. Complexo? Foi justamente estudando sistemas
desse tipo que Boltzmann e seus contemporâneos descobriram que era possível prever
o comportamento médio de um sistema através de previsões estatísticas: nasciam as
leis da Termodinâmica. Dessa forma, complexidade, caos, fractais, entropia e outros
monstros são partes de um assunto muito mais amplo: a Dinâmica. Essa última trata de
como os sistemas evoluem com o passar do tempo, ou seja, estuda Sistemas
Dinâmicos. Qual a ligação entre Termodinâmica e a Biologia e mais qual a relação entre
informação e Biologia, serão os temas abordados ao longo desse módulo. Durante
muitos anos os cientistas vêm debatendo como aplicar conceitos de entropia
termodinâmica e informacional a sistemas biológicos. Veremos, ao longo deste módulo,
como o estudo dos sistemas vivos tem colocado em discussão essas idéias.

415
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Complexidade e Termodinâmica em Sistemas


Biológicos
Breno Teixeira Santos
Laboratório de Fisiologia
Teórica
breno.santos@gmail.com

Algumas Definições

Antes de começarmos nossa discussão sobre termodinâmica e complexidade


em sistemas biológicos precisamos, primeiramente, estabelecer duas definições: a
definição de complexidade e a definição de sistema, começando pela segunda delas.
Vamos observar definições de sistema advindas de mundos (aparentemente!) muito
distintos.

“A system is a combination of components that act together and perform a certain


objective. A system is not limited to physical ones. The concept of the system can be
applied to abstract, dynamic phenomena such as those encountered in economics. The
word system should, therefore, be interpreted to imply physical, biological, economics,
and the like, systems.”
Ogata, K., Modern Control Engineering

“... system is defined as a unit by the relations between its components which realize
the system as a whole, and its properties as a unity are determined by the way this unity
is defined, and not by the particular properties of its components.”

Varela, F. G., Maturana, H. R. e Uribe, R., Autopoiesis: The Organization of Living


Systems, Its Characterization and a Model

Podemos perceber então, que as ciências exatas e as ciências biológicas


possuem um denominador comum a respeito da definição do termo sistema; é um
conjunto de partes as quais estabelecem relações entre si. Se podemos reduzi-lo à
soma de suas partes constituintes, ou se apresenta as chamadas propriedades
emergentes, isso é discussão para outra hora e local!
E quanto à complexidade? O senso comum chama de simples os sistemas que,
aparentemente, possuem um ou poucos objetos e ações constituintes. Imagine um mol
de um gás às CNTP, em equilíbrio, encerrado em uma caixa de 1cm³. Isso é um sistema
simples ou complexo? Muitos diriam que é um sistema simples, pois não percebemos

416
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

nenhuma atividade coordenada ou forma de dinâmica, esse sistema “não faz nada” nem
“vai para lugar algum”. Porém perceba que estamos falando de, nessas condições,
6,023 x 10²³ moléculas de gás, comportando-se individualmente (dado que a interação
entre elas ocorre em escalas de angstroms), ou seja, estamos falando do que
Boltzmann chamou de caos molecular. Complexo ou não? Observemos o seguinte
trecho escrito pelo físico Murray Gell-Mann (grifos nossos):

“As measures of something like complexity for an entity in the real world, all such
quantities are to some extent context-dependent or even subjective. They depend on the
coarse graining (level of detail) of the description of the entity, on the previous
knowledge and understanding of the world that is assumed, on the language
employed, on the coding method used for conversion from that language into a string of
bits, and on the particular ideal computer chosen as a standard.”
Gell-Mann, M., What is Complexity?

O que Gell-Mann quer nos dizer é que uma medida de complexidade está
intimamente conectada a idéias sobre informação. Na teoria da informação proposta por
Shannon, uma seqüência de bits aleatória é a que possui a maior quantidade de
informação. Ouvir o chiado (“random sequence”) de um rádio mal sintonizado lhe traz
alguma informação? Não. Porém o chiado começar ou parar sim. Vejamos o que diz
Russel Standish:

“Random sequences have maximum complexity, as by definition a random sequence


can have no generating algorithm shorter than simply listing the sequence. ..., this
contradicts the notion that random sequences should contain no information.”
Standish, R. K., On Complexity and Emergence.

Na seção intitulada Informação, será apresentado o conceito de Informação


Pragmática, que está ligado ao fato de que, se algo é informativo, é informativo para
alguma entidade e deve, portanto, causar mudanças de estado nessa entidade.
A imensa maioria dos sistemas complexos se apresentará na forma de sistemas
não-lineares e muitos desses serão ainda, sistemas com memória, ou seja, o passado
(os valores de suas variáveis em instantes anteriores ao presente), interfere no estado
atual do mesmo. O modelo teórico utilizado para descrever o sistema deverá levar isso
em conta além de outras duas características, se o sistema é de tempo contínuo ou
discreto e a parâmetros concentrados ou distribuídos. Vejamos o que Steven Strogatz
nos diz a respeito:

417
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

“... a linear system is precisely equal to the sum of the parts. But many things in nature
don’t act this way. Whenever parts
parts of a system interfere, or cooperate, or compete, there
are nonlinear interactions going on. Most of every day life is nonlinear, and the principle
of superposition fails spectacularly.”
Strogatz, S. H., Nonlinear Dynamics and Chaos.

Dessa maneira, se estamos interessados em modelar matematicamente


sistemas biológicos, teremos que estar preparados para lidar com fenômenos não
lineares como, por exemplo, saturações e crescimentos ou decaimentos exponenciais,
para citar dois extremamente simples! No mesmo livro, Strogatz apresenta a figura
abaixo (Fig. 1). Observe que os modelos de sistemas biológicos mais simples se
inserem em sistemas lineares com muitas variáveis ou sistemas não lineares com duas
variáveis sendo que, a imensa maioria de fenômenos, reside
reside após a fronteira dos
sistemas não lineares com muitas variáveis!

Figura 1 - Onde estão inseridos os sistemas biológicos.


bi Retirado de Strogatz , 1994.

Ruído, Caos e Fractais


Toda a medida realizada em um sistema está sujeita à presença de ruído, seja
ele ruído térmico (inerente às oscilações térmicas dos elétrons que compõem a matéria)
do próprio sistema, ou dos instrumentos de medida ou, ainda, o ruído de quantização

418
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

quando digitalizamos dados ao passá-los para um microcomputador. Portanto, como é


possível discernir entre ruído e comportamento caótico? Essa é uma pergunta bastante
complicada e, ainda hoje, se procuram métodos para responder essa questão de
maneira definitiva, se é que isso será possível (ao menos no que tange a medidas
experimentais). Todo ruído térmico, também chamado ruído branco ou ruído Gaussiano,
é definido através de uma distribuição normal de probabilidades mas muitas séries
temporais caóticas também o são.
O aparecimento de caos na dinâmica de um sistema está vinculado a:

- imprevisibilidade: o conhecimento do estado do sistema durante um tempo


arbitrariamente longo não permite predizer, de maneira imediata, sua evolução
posterior.

- espectro contínuo de freqüências: a energia do sistema está igualmente distribuída ao


longo de diferentes freqüências. Essa característica indica comportamento aperiódico.

- invariância de escala: não importa a escala em que se observe o fenômeno (pense


nisso como um zoom) a estrutura hierárquica do mesmo apresenta características de
auto-similaridade.

- estacionariedade: grosso modo, embora aperiodicamente, os padrões tendem a


repetição.

Todas essas características estão associadas ao que chamamos de


dependência sensitiva às condições iniciais (DCI). O caos determinístico é
essencialmente devido à DCI. Essa dependência resulta das não-linearidades presentes
no sistema, as quais amplificam exponencialmente pequenas diferenças nas condições
iniciais do sistema. Isso foi observado por Edward Norton Lorenz, matemático e
meteorologista que, quando trabalhando com previsão do tempo no exército norte
americano durante a II Grande Guerra, observou que o resultado dos cálculos de seu
modelo de movimentação do ar na atmosfera eram sempre diferentes a cada vez que
ele os computava em seu computador analógico (sim, analógico!!!). O problema era que
a impressão de seus resultados estava limitada a uma determinada quantidade de
casas decimais e quando ele utilizava esses dados truncados para uma nova
computação (ou seja, usava-os como novas condições inicias, levemente diferentes das
anteriores devido ao truncamento) o resultado era absurdamente diferente. Isso ficou
então conhecido como efeito borboleta, e o atrator de Lorenz (Fig. 2) ganhou o mundo.

419
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Figura 2 - O atrator de Lorenz.

Temos então ainda um novo conceito a ser esclarecido, o conceito de atrator.


Imagine que uma bolinha será colocada na superfície apresentada na Figura 3.
Dependendo da posição inicial da bolinha e se a mesma foi apenas colocada ou foi
impulsionada em alguma direção, ninguém duvidaria que a bolinha, em algum momento,
irá parar dentro de algum dos poços da figura. Após ela parar seu movimento dentro de
algum desses poços, ela nunca mais sairá de lá a menos que lhe seja cedida energia de
alguma forma. Pois bem, os fundos dos poços são o que chamamos de atratores. Se
algo estiver próximo o suficiente desse atrator e se esperarmos o tempo necessário,
esse algo irá se dirigir ao atrator.

420
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Figura 3 - Poços de potencial são atratores pontuais.

Mas isso é bem diferente do que podemos observar na Figura 2, porque o atrator
apresentado lá é de outro tipo, chamado atrator estranho. Perceba que, embora o
sistema não evolua para um determinado ponto, ele está confinado em um determinado
volume e no caso de um sistema dissipativo (ou seja, um sistema no qual a energia
interna do mesmo vai sendo perdida através de alguma ineficiência do processo), esse
volume se tornará cada vez menor. Para que exista uma DCI é necessário um atrator
estranho e, sistemas determinísticos que apresentam evolução temporal que conduz
assintoticamente a atratores estranhos, apresentam dinâmica caótica. Os fundos dos
poços, tendo em mente o espaço euclidiano tridimensional representado (X, Y e Z ou
largura, altura e profundidade), são na verdade pontos (mais matematicamente, uma
tríade (x, y, z)), portanto possuem dimensão menor (um ponto tem dimensão 0) do que
a do espaço no qual estão incluídos. Um atrator sempre terá dimensão menor do que a
do espaço que o contém, caso contrário ele seria o próprio espaço e, portanto,
poderíamos “passear” livremente sem necessariamente convergir para nenhum lugar
restrito do mesmo. Observando novamente o atrator de Lorenz e sem nenhum rigor
matemático, percebemos que esse atrator é “maior do que um ponto, maior do que uma
reta, mas menor do que uma superfície”. Estamos nos aproximando do conceito de
fractal, ou melhor, dimensão fractal. Vamos a um exemplo mais simples, porém
altamente elucidativo. Observe a Fig. 4, que mostra geometricamente a maneira de se
construir um conjunto de Cantor. Para termos um conjunto de Cantor tome a barra inicial
e divida-a em três partes iguais. Agora jogue fora o terço central e repita o mesmo
processo para os dois terços restantes e assim por diante.

421
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Figura 4 - O conjunto de Cantor.

Para n muito grandes, teremos uma nuvem de pontos que possui dimensão
maior do que a de um único ponto, porém, obviamente, menor do que a de uma reta, ou
seja, o conjunto de Cantor tem dimensão maior que 0 e menor do que 1! Utilizando
processos que não iremos descrever aqui (para maiores detalhes consulte nas
bibliografias sugeridas o assunto: algoritmos de contagem de caixas – box counting
algorithms), calculamos que a dimensão do conjunto de Cantor é 0,63! Estamos lidando
com entidades que possuem dimensão não inteira e, para tanto, Benoît Mandelbrot
cunhou o termo fractal que vem do latim fractus que significa quebrado, fraturado.
Agora, com uma definição um pouco melhorada do que vem a ser uma dimensão
fractal, podemos dizer que atratores estranho possuem dimensão fractal, como o
atrator de Lorenz.
Na Fig. 5 temos um outro famoso fractal, o conjunto de Mandelbrot. Observe,
nas miniaturas, que mostram aproximações cada vez maiores, que a invariância de
escala é marcante. Existem diversos exemplos de dimensão fractal na biologia, a
ramificação dendrítica neural, a superfície pulmonar, a ramificação arterial, a superfície
interna das cristas mitocondriais, microvilosidades intestinais e acoplamento entre
osciladores (disparo de neurônios ou canto de animais, por exemplo).

Biologia e Sistemas Complexos


Sistemas biológicos são inerentemente complexos, pois, mesmo o mais simples
deles, possui um grande número de partes constituintes cujas interações levam a
comportamentos coletivos complicados. Esse conjunto de interações e a existência de
uma hierarquia funcional e estrutural tornam os sistemas biológicos não-lineares.
Quando um sistema é reconhecidamente não-linear não podemos, por exemplo, utilizar
o princípio de superposição para estudá-lo. Esse princípio rege que, sendo o sistema

422
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

linear, é possível estudar as respostas de cada parte e combiná-las de forma a obter


sua resposta, ou seja, sua dinâmica evolucionária global. Portanto, a esperança de
Newton e seus contemporâneos em serem capazes de prever a dinâmica de qualquer
sistema, dado o conjunto completo de suas condições iniciais e de todas as interações
entre as partes, foi inútil. Isso foi percebido pelos cientistas dos séculos XVII e XVIII ao
se depararem com a impossibilidade de criar uma descrição analítica para o problema
do movimento de três corpos sob interação da lei da atração gravitacional (sim, apenas
3!).
No século XIX, Boltzmann e seus contemporâneos obtiveram resultados que
demonstravam que era possível prever o comportamento médio de um sistema que
fosse constituído por partículas idênticas com fraca interação entre si. Nasciam as leis
da Termodinâmica, baseadas nas descrições estatísticas das partes microscópicas do
sistema. Mas nem os princípios aplicáveis aos sistemas lineares, nem as leis da
Termodinâmica, são capazes de descrever de maneira completa os sistemas
complexos, principalmente nos quais as interações não são fracas.

423
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Figura 5 - Detalhes do conjunto de Mandelbrot.

Antes que possamos partir para uma tentativa de clarificar de que forma
podemos então estudar um sistema complexo, já que aparentemente nada visto até
aqui se presta a isso, precisamos de dois conceitos bem estabelecidos, calor e entropia
(detalhes mais formais serão vistos nas próximas seções). Vamos tentar definir esses
dois termos de forma termodinâmica e intuitiva. Quando dizemos “estou morrendo de
calor” não estamos utilizando o termo “calor” como definido pelos físicos. Calor é o
processo espontâneo de transferência de energia térmica entre dois corpos de
temperaturas diferentes e ocorre sempre do corpo mais quente para o corpo mais frio.
Benjamin Thompson, enquanto ocupava a superintendência de broqueamento de
canhões, nas oficinas do arsenal militar em Munique, percebeu que trabalho mecânico e
calor eram ambos formas de transferência de energia. Lembre que trabalho mecânico
se calcula como o produto entre uma força e o deslocamento sofrido pelo corpo. Devido
ao atrito entre a ferramenta de corte e o cobre do corpo dos canhões; trabalho
mecânico, tem-se o aumento de temperatura do cobre (perceba que se transmitiu
energia, sem transferência de calor). As aparas metálicas então, com temperaturas
elevadas, eram capazes de iniciar o processo de ebulição da água (agora temos calor
transferindo energia térmica das aparas, mais quentes, para a água, mais fria).
Entropia, S, foi definida inicialmente por Rudolph Clausius e sua variação, dS, pode ser
calculada, pra um processo reversível, como a variação de calor, dQ (calor transferido
ou recebido) dividido pela temperatura T, do sistema durante essa transferência de
calor. Portanto, se tivermos uma variação de entropia nula, isso significa que cessou o
processo de transferência de energia térmica, ou seja, lembrando do que Thompson
observou, cessou nossa capacidade de realizar trabalho. Assim, podemos encarar a
entropia de um sistema como uma medida de sua capacidade de realizar trabalho.
Munidos desses novos conceitos podemos ver que evolução temporal em
física, está ligada à aproximação do equilíbrio térmico, ou seja, a incapacidade de
realizar trabalho e, portanto, a eliminação de não-uniformidades nas variáveis
macroscópicas que caracterizam o sistema. Porém, biologicamente falando, evolução
está associada a aumento de complexidade, organização e especialização. Nas últimas
décadas tem-se recorridos às teorias de auto-organização para explicar a dinâmica dos

424
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

sistemas complexos. Essas teorias mostram que para um dado valor crítico de um
parâmetro de ordem, valor esse que pode ser atingido devido às flutuações aleatórias
internas ao sistema, amplificam-se interações entre partes que disparam um processo
auto-organizante. Ou seja, o sistema será auto-organizante se for capaz de adquirir
espontaneamente uma estrutura de natureza funcional, temporal e/ou espacial,
demonstrada pelo surgimento de uma coerência de longo alcance entre as variáveis do
sistema. Um exemplo de estruturas auto-organizantes são micelas, como a camada bi-
lipídica da membrana celular e os lipossomos. Existem, então, sistemas capazes de
operar de forma a não evoluírem da maneira como prevê a termodinâmica clássica, são
sistemas regidos pela termodinâmica fora de equilíbrio, um ramo da ciência bastante
desenvolvido por Ilya Prigogine. O fato é que as leis da termodinâmica garantem que a
entropia total do universo está sempre aumentando e, portanto, utilizando todo o
universo como o nosso sistema o mesmo tende a tornar-se homogêneo. Como então
explicar a existência dessas “ilhas de ordem”? Um sistema só pode diminuir ou manter
estável sua entropia às custas de aumentar a entropia do meio externo. Só
conseguimos nos manter vivos graças a degradação dos alimentos que ingerimos, ou
seja, nossa organização em detrimento do aumento de entropia do pé de alface, do boi,
do refrigerante, que agora não passam de um aglomerado de moléculas.

Apesar de superficial, essa pequena introdução ao mundo dos sistemas


complexos mostra a enorme aplicabilidade dessa teoria para o estudo dos sistemas
biológicos que são, na sua maioria absoluta, sistemas regidos por dinâmicas não
lineares. Durante a evolução temporal desses sistemas podemos passar por dinâmicas
caóticas, sincronização, “edge of chaos”, ou seja, estudar esses sistemas com as
técnicas aplicadas a sistemas lineares e, muitas vezes admitindo-os no equilíbrio (ou
muito próximos deles) pode nos levar a conclusões nebulosas sobre o seu
funcionamento. Cada vez mais estamos observando que a biologia não pode mais
evoluir sem unir forças com outros ramos do conhecimento como matemática, física e
engenharia o que pode, no futuro, culminar em teorias gerais da biologia.

425
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Primeira Lei da Termodinâmica

José Eduardo Soubhia Natali


Laboratório de Fisiologia
Teórica
jesnatali@gmail.com

O surgimento da termodinâmica está ligado ao crescimento das cidades e a


descoberta do “novo continente” nos séculos XV e XVI. Esses acontecimentos
provocaram uma grande expansão do comércio de mercadorias, o qual não conseguia
mais ser suprido apenas pelo trabalho artesanal. Nesse contexto, surgiu a máquina a
vapor, desenvolvida por Watt entre 1765 e 1769, que permitia transformar a energia
química do combustível em energia térmica, e essa, em trabalho mecânico;
revolucionando assim os meios de produção e transporte. A termodinâmica surgiu da
necessidade de entender o funcionamento das maquinas térmicas, e suas duas leis
foram fundamentais nesse entendimento (Brush, 1966 apud Monteiro e Piqueira, 2000).
A primeira lei da termodinâmica foi sugerida independentemente por vários
cientistas entre 1842 e 1847, mas o crédito é normalmente atribuído a Joule e Mayer
(Brush, 1983 apud Monteiro e Piqueira, 2000). Podemos entender melhor sua
formulação a partir de um exemplo simples. Se levarmos em conta que temos um
sistema genérico (um gás contido em uma caixa com um pistão), ele pode trocar calor
(Q) ou trabalho (W) com seu entorno (Fig. 6). Podemos imaginar que a troca de calor
ocorrerá se o gás estiver em uma temperatura maior que o ambiente, perdendo parte
dessa grandeza física para o ambiente; por sua vez se o gás for capaz de levantar o
pistão ele estará realizando trabalho no meio externo (lembrando que nos dois casos o
contrário também é possível). Historicamente o trabalho era medido em unidades
mecânicas (força x metro ou joule) e o calor em unidades térmicas (caloria).

Figura 6 – Exemplo de um sistema com trocas de calor e trabalho.

A primeira lei da termodinâmica surgiu a partir da observação de que existia uma


proporcionalidade entre a troca de calor e o trabalho realizado, ou seja, no nosso

426
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

sistema hipotético, se aquecêssemos o gás deveríamos ter uma ascensão proporcional


do pistão. Atualmente, sabemos que tanto o trabalho quanto o calor são medidas de
troca de energia do sistema, e que aquela proporcionalidade é na verdade uma
igualdade.
Além de calor e trabalho, existem outras formas de energia (E), cuja unidade no
Sistema Internacional de Unidades é joule (J), associadas às mudanças de estado que
também estão contidas na primeira lei da termodinâmica. Isso pode ser evidenciado
pois, caso não existisse o pistão no exemplo acima, uma transferência de energia
térmica para o sistema iria contra a conservação de energia imposta pela primeira lei. O
que ocorre nesse caso é uma mudança de estado do sistema associada às mudanças
em outras formas de energia como: a energia cinética (EC), a energia potencial (EP) e
energia interna (U) uma forma de energia do sistema que não está associada a um
sistema de coordenadas. Essa diferença quer dizer que temos algumas energias
associadas com a posição do sistema (EC e EP), e outras que são totalmente
independentes (U). Existem ainda outras formas de energia, como elétrica ou química,
que não levaremos em conta para facilitar o entendimento.
Temos então que:

dE = dU + d ( EC ) + d ( EP ) (1)

Sendo que:
1
EC = mµ 2
2
EP = mgZ
Para m=massa, µ =velocidade, g = gravidade e Z=distância em relação a um
plano de referência. Aqui fica clara a dependência dessas duas energias de um sistema
de coordenadas, já que energia potencial depende da altura, e a cinética da velocidade,
e consequentemente da posição. Por exemplo, para calcularmos a energia cinética de
um carro, devemos saber sua velocidade em relação a uma referencial, o mesmo
acontece para calcularmos a energia potencial, devemos saber a altura em relação a
um plano de referência. Por outro lado, para sabermos a energia térmica (temperatura)
de um corpo não precisamos de nenhuma informação em relação a sua posição, ou
seja, não importa onde ele está.
Assim podemos reescrever a primeira lei da termodinâmica para uma mudança
de estado da seguinte maneira:

427
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

δQ = dU + d ( EC ) + d ( EP ) + δW (2)

Verbalmente, essa equação estabelece que energia pode cruzar a fronteira de


um sistema na forma de calor e trabalho, e que a transferência líquida de energia será
igual a variação líquida da energia do sistema, que ocorre por mudanças na energia
cinética, potencial e interna. Podemos tirar dessa formulação que a quantidade total de
energia é sempre conservada, o que ocorre é a transição entre suas diversas formas.
Enquanto as reais implicações da segunda lei da termodinâmica em sistemas
biológicos ainda são um pouco obscuras e motivo de estudo, a contribuição da primeira
lei é natural. No ponto em que estamos, ninguém mais acredita que a energia que
utilizamos para desempenhar nossas atividades vitais surja espontaneamente do nada.
Sabemos que o trabalho necessário para realizarmos atividades físicas, a energia
térmica dos endotérmicos ou ainda a energia associada à movimentação do líquido no
sistema circulatório são provenientes da energia interna de moléculas orgânicas que os
animais ingerem. Todas essas são transições entre formas de energia que obedecem à
conservação de energia.
O exemplo do sistema circulatório é bem interessante para analisarmos outra
formulação da primeira lei, quando analisamos um trecho de uma artéria com influxo e
saída de sangue, passamos a ter outro problema, nesse caso temos a entrada e saída
de matéria (e energia associada a ela) na região que estamos estudando (Fig. 7). Essa
região de interesse é definida por um volume arbitrário no espaço, que permite a
entrada e saída de massa, e é chamada de volume de controle.
Nesse caso, continuamos a ter troca de trabalho e calor na fronteira do volume
analisado, porém passamos a ter uma entrada e saída de matéria, que por sua vez traz
e leva consigo energia (cinética, potencial, interna e trabalho).

Figura 7 – Balanço das energias que entram e saem de um segmento de artéria generalizado.

428
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

A potencia associada a esse escoamento (a notação de um ponto em cima do


parâmetro, indica estamos interessados na variação do trabalho no tempo) pode ser
definido como uma força multiplicada por um deslocamento:
.
W escoamento = Fd

área
Se multiplicarmos por ficamos com:
área
. F
W escoamento = da
a
F
Como = Pr essão e da = Volume
a
Temos que:
. F .
W escoamento = da = p V
a
.
V
Sendo v = , ou seja, estamos observando o trabalho por unidade de massa, ficamos
m
com:
.
W escoamento = pv (4)

Ou seja, a potência associada ao escoamento pode ser calculada pela


multiplicação da pressão pelo fluxo de líquido, por unidade de massa. Se considerarmos
agora as outras formas de energia envolvida temos que a energia total associada ao
escoamento, por unidade de massa, é dada por:
1
e + pv = u + pv + µ + gZ (5)
2
Nesse momento é importante definir uma outra propriedade termodinâmica.
Quando analisamos tipos específicos de processos muitas vezes combinações de
propriedades aparecem recorrentemente, isso faz com que seja interessante nomear
uma nova propriedade que facilite o entendimento do assunto, sem deixar de apresentar
as características originais. No caso de processos que envolvem fluxos em volumes de

controle, frequentemente lidamos com a soma u + pv (como visto na equação 5),


tornando-se conveniente definir uma nova propriedade, dependente da massa,
chamada entalpia (h):

h = u + pv (6)

429
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Juntando a equação (5) com a (6) temos que:

1 1
e + pv = u + pv + µ + gZ = h + µ + gZ (7)
2 2

Agora que sabemos a energia associada ao escoamento, podemos definir a


primeira lei da termodinâmica para volumes de controle. Para isso, sabemos que ela
varia com o calor e trabalho trocado (equação (3)), e também com a energia associada
ao fluxo que entra e sai (equação (7)). Temos assim que:

.
dE v .c . . .
 1   1 
= Q v .c . − W v .c . + m e  he + µ 2 e + gZ e  − m s  hs + µ 2 s + gZ s  (8)
dt  2   2 

Sendo que o sobrescrito “v.c.” se refere a volume de controle, “e” a energias


associadas a entrada de matéria e “s” a energias associadas a saída de matéria. Essa
forma da primeira lei define que a variação da energia é dada pelo taxa líquida de
transferência de calor, pela taxa líquida da realização de trabalho e aos fluxos de
energia nas fronteiras do volume de controle.
A grande questão que fica é qual a contribuição disso para o sistema circulatório.
O ponto é que isso tudo é o sistema circulatório, ou pelo menos o cerne do que o faz
funcionar. O sangue só circula porque temos no coração uma grande bomba, que
coloca entalpia no sistema, levando a uma diferença de energias que possibilita o
movimento. Movimento esse, que só é contínuo porque a conservação de energia
permite que o trabalho seja armazenado na parede das grandes artérias na sístole, para
depois ser devolvido ao sistema circulatório na diástole. Associado a isso tudo temos a
transformação dessa energia em energia cinética, o que implica no movimento do
sangue e de todos seus constituintes.
É importante enfatizar que, apesar desses exemplos mais pontuais, a primeira lei
está presente em todos os processos que envolvem energia, desde reações químicas
até movimentos musculares, sendo o seu entendimento formal fundamental para
compreendermos a segunda lei da termodinâmica e suas consequências na biologia.

430
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Segunda Lei da Termodinâmica


Breno Teixeira Santos
Fernando Silveira Marques
José Eduardo Soubhia Natali
Talita de Cássia Glingani
Sebrian
Vitor Hugo Rodrigues
Laboratório de Fisiologia
Teórica
fernando_six@yahoo.com.br

Todos nós utilizamos carro, ônibus ou qualquer outro meio de transporte que
necessita, obrigatoriamente, de um combustível (seja ele fóssil ou não) para que se
locomova. Todos nós sabemos que o motor dos meios de transporte aquece. Por que
será?
As bases da segunda lei da termodinâmica foram desenvolvidas pelo físico
francês Sadi Carnot em 1824, antes da primeira lei (Brush, 1976, 1983 apud Monteiro e
Piqueira, 2000). Carnot, fascinado pelo impacto das máquinas na Inglaterra e também
interessado em aumentar o rendimento das máquinas térmicas (como os motores de
nossos meios de transporte, por exemplo), publicou a monografia “Reflexões sobre a
força motriz do fogo e sobre as máquinas que desenvolvem essa força”, na qual mostra
que o contato entre corpos de temperaturas diferentes gerava um fluxo de energia
(calor) que deixava de ser utilizada para executar trabalho mecânico.

Energia
Máquina Trabalho

Fonte de Quente

Energia
Perdida

Figura 8 - A queima do combustível fornece energia (fonte quente). A energia é utilizada pela máquina na
geração de trabalho. Contudo, parte é perdida para o meio externo, que possui uma temperatura menor que
a da máquina.

Em outras palavras, ele notou que parte da energia fornecida pelos combustíveis
aos nossos meios de transporte, por exemplo, é perdida sob a forma de energia térmica
em vez de ser transformada em movimento pura e simplesmente, porque há uma

431
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

diferença de temperatura entre o motor e o meio externo (ar, água) que o circunda (Fig.
8) [lembre-se que dU (energia interna) = dQ (calor) - dW (trabalho)]. Além disso, Carnot
mostra que é fundamental que uma parte da energia seja perdida, pois só assim a
máquina pode continuar a realizar trabalho.
Podemos começar a entender esse fenômeno estudando o ciclo de Carnot (Fig.
9). Neste ciclo, estão representados quatro pontos com diferentes parâmetros que os
descrevem (pressão, volume e temperatura): A, B, C e D. A mudança de cada um dos
pontos (ou estados) para outro ocorre espontaneamente, sendo assim isoentrópico,
porém para o ciclo ser completo é necessário que a magnitude da transferência de
energia Qa seja igual à Qb. Isso em um sistema isolado (na mesma escala de do ciclo
de Carnot) implica na transferência de energia de um corpo mais frio para um corpo
mais quente. Isto torna esse ciclo impossível, pois sabemos que só há fluxo de calor
de um corpo mais quente (T maior) para um mais frio (T menor), e nunca o
contrário (Feynman e col.,1970), o que torna a condução de calor um processo
irreversível (Monteiro e Piqueira, 2000). Dizemos que um processo é irreversível quando
a probabilidade de que ele aconteça é tão baixa que sua ocorrência chega a ser
considerada impossível (Hopf, 1988 apud Monteiro e Piqueira, 2000).

Figura 9 - Ciclo de Carnot. Note que Ta>Tb e que as curvas Ta e Tb são isotermas, assim as transições A-
>B e C->D ocorrem à temperatura constante e B->C e D->A são transições adiabáticas (sem troca de
energia com o meio). Todas as expansões e contrações do clico de Carnot são reversíveis, neste modelo a
entropia aumenta e diminui, porém em uma transformação de A->B->C->D->A, a variação de entropia é
igual zero (isoentrópica). Lembre-se que o trabalho útil é dado pela área hachurada da figura.

Este ciclo foi criado por Carnot como modelo de uma máquina que minimizaria o
tão famigerado problema da perda de energia sob a forma de calor, mas, infelizmente,
não é possível construí-la (não até agora, pelo menos).

432
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

A segunda lei da termodinâmica está associada exatamente a essa perda de


energia. Porém, para melhor entendermos o que está por trás da segunda lei, uma
formalização maior é necessária.
Clausius deu à segunda lei seu formato mais famoso ao introduzir uma função
de estado denominada entropia (representada por S), a qual era, segundo ele, uma
medida de capacidade de mudança de um sistema: em um sistema isolado, a
quantidade de energia é constante, contudo a quantidade de energia capaz de ser
transformada em trabalho pode se alterar (tendendo a diminuir) com o passar do tempo
(Monteiro e Piqueira, 2000). Desta maneira, sempre que passamos de um estado de
equilíbrio a outro (as transições do ciclo de Carnot, por exemplo), temos um aumento de
entropia.
Em sistemas isolados, ou seja, nos que não apresentam troca de calor com o
meio, a entropia varia da seguinte forma:
 em processos reversíveis, não há variação (∆S=0);
 em processos irreversíveis, a entropia sempre aumenta (∆S>0).
Em sistemas não isolados operando de maneira reversível a variação de
entropia é dada por:

∂Qreversível
dS = ,
T
sendo dS a variação de entropia, ∂Q, a quantidade de calor transferida para o sistema e
T, sua temperatura absoluta.
Lembra da irreversibilidade da troca de calor? Se pensarmos que o mesmo calor
que sai de um corpo com temperatura Ta é TRANFERIDO por outro corpo de
temperatura Tb, ao olharmos bem a equação acima podemos notar que ∆S>0, fato típico
de processos irreversíveis.
Sendo assim, podemos concluir que ∆S (variação de entropia) está ligada à
variação de calor em dada temperatura em cada um dos corpos do sistema:

dQ
∆S = ∫
T
Em princípio, a definição de entropia de Clausius pode parecer estranha, mas
esta entropia é a mesma que talvez você conheça de outra forma ou com outra
representação, como as apresentadas a seguir.
A maneira mais comum de se definir entropia é como sendo uma medida de
(des)organização: quanto maior a entropia, menor a organização do sistema. Neste
caso, assumimos que os sistemas caminham todos espontaneamente para um estado
de maior “bagunça”, haja visto que a entropia sempre tende a aumentar (Fig. 10).

433
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Entretanto, isto não se reflete em exatamente todos os sistemas existentes. Um


exemplo bem interessante é o de uma solução supersaturada do sal tiossulfato de sódio
que, espontaneamente, forma cristais bastante organizados espacialmente (Monteiro e
Piqueira, 2000), o que implica que seu estado de maior entropia é o de maior
organização.
Dessa forma, fica mais claro pensarmos que o aumento da entropia está
relacionado a uma maior desordem estatística, mas não necessariamente a uma
desorganização (Wicken, 1978). A importância estatística da segunda lei da
termodinâmica será abordada mais para frente.

Figura 10 – Em (a), temos moléculas com disposição “ordenada”. Se isso ocorreu em um determinado
momento, o mais provável é que, em tempos futuros, a disposição seja mais “desordenada”, como em (b).
Isto significa, portanto, que os processos naturais em sistemas isolados tendem para uma entropia maior.
http://www.mspc.eng.br/termo/termod0120.shtml (25/05/2009).

Um outro modo de definir entropia é a entropia molecular ou estatística, que foi


desenvolvida por Boltzmann. Aqui, entropia é considerada uma medida de energia
dispersa entre microestados acessíveis, ou seja, é uma medida de uma combinação
particular de moléculas distribuídas entre níveis de uma dada quantidade de energia
(Kozliak, 2004).
Microestados são estados do sistema no qual a localização e o momento de
cada molécula e átomo são especificados em grande detalhe (Kozliak, 2004), e o
número de microestados possíveis está diretamente, mas não apenas, relacionado às
alterações na temperatura (assim como a entropia de Clausius também está).
Boltzmann demonstrou que a entropia de Clausius pode ser escrita relacionando
os W modos em que um microestado poderia gerar um macroestado (o estado
macroscópico formado pelos microestados). Nessa visão estatística, quanto maior a
quantidade de microestados acessíveis, maior o número de possibilidades em que o
sistema pode se arranjar e, conseqüentemente, maior a entropia:

434
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

S = kB ln W ,

sendo S entropia, kB, a constante de Boltzmann, de valor pré-definido, e W, o número de


microestados acessíveis.
Porém podemos ter esta formulação em termos de probabilidade, onde se
considerarmos que a energia total do sistema (E), foi dividida entre as partículas que o
constituem. Se tivermos N partículas no sistema, existem muitas maneiras de distribuir a
energia total E entre as N partículas, onde cada uma dessas maneiras é específica de
cada microestado (Monteiro e Piqueira, 2000).
Então, expressando entropia de uma maneira probabilística, o sistema tem uma
probabilidade pi de estar num instante qualquer em qualquer um dos W os
microestados, onde ∑ipi=1, para isso, temos que:

S = -kB ∑i pi ln pi

(Monteiro e Piqueira, 2000).


A grande contribuição da definição estatística da entropia é fazer a ligação entre
os estados macroscópicos com os microscópicos. É importante ressaltar que, apesar de
agora podermos calcular a entropia sem estar necessariamente associada A fluxos de
calor e energia, as duas formulações são essencialmente a mesma coisa, e os
conceitos inicialmente definidos continuam valendo. Sendo assim, pensar a entropia
nesta abordagem molecular pode ser uma forma mais fácil (e correta) de entender o
conceito.

Entropia e os sistemas vivos


“Seres vivos são sistemas termodinâmicos fora do equilíbrio”. Esta frase talvez
cause certo impacto ao ser lida, no entanto o quanto ela pode ter de verdade? Se
considerarmos entropia como o grau de organização apresentado por um sistema,
então, realmente, ela faz sentido. Seres vivos mantêm organização interna, à custa de
criar desordem no meio externo, ou seja, operam em baixos níveis de entropia, mas
aumentam a entropia presente no ambiente. Isso, lógico, se tomarmos entropia como o
grau de desorganização do sistema observado.
Isso foi proposto por Schroedinger em 1944 (Monteiro e Piqueira, 2000), no
entanto Ilya Prigogine leva estas idéias mais a fundo. Em seus trabalhos com sistemas
abertos (sistemas abertos são aqueles que trocam massa e energia com o ambiente),
ele propõe que as mudanças de entropia nestes sistemas podem ser decompostas em
uma medida de entropia que o sistema troca com o meio e uma medida de entropia de

435
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

processos irreversíveis internos do sistema (e.g.: reações químicas). Nesse balanço de


forças entre as entropias, é possível para este sistema atingir um estado onde sua
entropia é menor que a do início sem infringir a segunda lei (Prigogine, 1955, 1980;
Prigogine, 1972 a, 1972 b, apud Monteiro e Piqueira, 2000).
Esse balanço entre entropias está associado a manter entropia interna baixa ao
custo de uma geração de entropia alta no meio. Por exemplo, quando o sistema troca
matéria com o ambiente (por exemplo, ingestão de alimento), ocorre uma variação de
entropia. O sistema consegue compensar essa variação e assim manter uma entropia
baixa aumentando a entropia externa (e.g. dissipação de energia térmica).
Manter uma entropia interna baixa também é importante se lembrarmos que um
aumento na entropia acarreta em uma menor capacidade de realizar trabalho. Assim,
podemos definir que uma menor geração de entropia está relacionada à diminuição da
destruição de “energia útil” num sistema (Bejan, 2002), o que parece ser altamente
adaptativo.
Alguns acreditam que como a segunda lei da termodinâmica é a única lei física que
indica a direção temporal na qual um sistema evolui, a evolução biológica é uma
conseqüência direta desta lei (Monteiro e Piqueira, 2000), o que nos remete à frase que
inicia esta seção. Por mais que se tente pensar evolução num sentido não finalista, ela
parece ter uma direção no tempo. Isto pode estar ligado à segunda lei, e também a
todos os fenômenos citados acima. A vida, arrumando uma “solução” para problemas
que o ambiente impõe a ela, mas sem entrar em equilíbrio com o mesmo, porque afinal,
se ela entrasse neste estado, ela provavelmente não existiria.

436
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Informação
Vitor Hugo Rodrigues
Laboratório de Fisiologia
Teórica
bombras@gmail.com

Informação é uma palavra utilizada em muitos contextos, comumente citada em


diversos meios, e que assume, no geral, uma gama de significados, como por exemplo,
“Conjunto de conhecimentos sobre alguém ou alguma coisa, conhecimentos obtidos por
alguém, fato ou acontecimento que é levado ao conhecimento de alguém ou de um
público através de palavras, sons ou imagens, elemento de conhecimento susceptível
de ser transmitido e conservado graças a um suporte e um código”, ou “informação
vem do latim informationem, ("delinear, conceber idéia"), ou seja, dar forma ou moldar
na mente, como em educação, instrução ou treinamento”, ou ainda “aquilo que reduz
incerteza”.
Essa palavra descreve fenômenos que são comuns a diversos tipos de
sistemas, não somente a nós, humanos, pois o processo de comunicação se dá em
diversos níveis que vão de células a populações inteiras, passando, inclusive, por
sistemas inanimados. Frente à definição de informação dada, podemos ver que, na
verdade, nos processos de comunicação, há transmissão de informação: se obtemos
conhecimento sobre algo, alguém, ou algum fato, isto ocorre porque fomos
comunicados de alguma forma.
Quando observamos algo, procuramos de alguma forma, reduzir a incerteza
que temos sobre aquilo que observamos, e, para isso, tentamos obter o máximo de
informação sobre o objeto (aqui definido em senso amplo). Por exemplo, quando se está
em uma festa e uma pessoa nos chama a atenção, podemos, de pronto, tomar duas
posturas:
1. De alguma forma tentar nos aproximar e nos apresentar para iniciar uma
conversa.
2. Ou não ir conversar com a pessoa, observá-la a noite inteira, e nos remoer em
algum canto, torcendo para ela vir falar conosco (o que não vai acontecer, a não
ser que você seja o Giannechinni).
Supondo que a primeira opção tenha sido escolhida, e, a abordagem tenha
sido feita (seja lá de que forma for), o diálogo (que pode virar um monólogo dependendo
da reação da outra pessoa) certamente vai envolver perguntas como “Você vem sempre
aqui?”, “Qual é seu nome?”, entre outras. Tudo isso sempre observando o
comportamento da pessoa com quem se fala, para obter o máximo de informação

437
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

possível, e assim, reduzir algumas incertezas as quais, por ventura, possam surgir,
como “Será que ela vai sequer falar comigo?” ou “Vou sair sozinho desta festa hoje?”.
Então, do exemplo, podemos dizer que o ambiente fornece parte das
mensagens (reação, aparência, ou se a pessoa está acompanhada), assim como a
própria conversa (informações relevantes (ou não!), como nome, idade, o que gosta,
etc.).

Um pouquinho de história
A história da Teoria da Informação remonta aos idos de 1928, quando Ralph
Hartley, no artigo “Transmission of information”, apresenta uma formula para a
quantificação de informação, o qual ressalta que o fator importante nesse processo é a
habilidade do receptor em selecionar símbolos em um dado vocabulário. Então, tendo W
símbolos disponíveis, a quantidade de informação H em uma dada seleção é H = logW.
Hartley estava interessado em comparar a capacidade de transmissão de diversos
sistemas elétricos de telecomunicação.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Claude Shannon trabalhava com
criptografia e sistemas de controle e automação no Bell Lab, nos Estados Unidos. Com
o fim da guerra, e com muitas idéias advindas de seu trabalho com criptografia,
Shannon desenvolveu a importante e controversa (ao menos na sua aplicabilidade em
biologia) teoria da informação em 1948, com a publicação de um artigo, A Mathematical
Theory of Communication (Shannon,1948). Esse artigo foi publicado em forma de tese
em 1949, com uma pequena alteração no titulo (a qual, sinceramente, faz toda a
diferença), para The Mathematical Theory of Communication (Shannon & Weaver,
1949).
Shannon, logo no começo de seu artigo, inicia sua linha de raciocínio dizendo
que o principal problema da comunicação é reproduzir num ponto exatamente ou da
maneira mais próxima possível, uma mensagem que foi selecionada e enviada de outro
ponto, e que a verdadeira mensagem é uma que é escolhida de um conjunto de
mensagens possíveis. Então, o sistema tem que operar sobre qualquer seleção
possível, e não com a que vai realmente ser escolhida uma vez que essa é
desconhecida no momento anterior à mensagem ser enviada, ou seja, não é possível
prever qual é a mensagem que será transmitida. Isso só será conhecido no momento da
recepção (Shannon, 1948).
A partir disso, vemos que, para Shannon, comunicação é um processo
probabilístico, e que para problemas de engenharia (com os quais ele estava
preocupado), o significado e veracidade das mensagens não importavam. Portanto, a
teoria da informação está relacionada com a redução da incerteza do receptor, pois a

438
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

mensagem tem uma probabilidade de fazer com que o receptor mude de estado, depois
da transmissão da mensagem, narrando algum evento.
Imagine, então, um sistema como o da Figura 11, onde se tem uma fonte de
informação que produz uma mensagem, ou seqüência de mensagens, as quais serão
transmitidas pelo... Adivinha só? Se estiver olhando a figura e falou transmissor,
acertou. Esse transmissor enviará um sinal para o receptor, por um canal, que nada
mais é do que o meio pelo qual essa mensagem é enviada (sejam letras que se
concatenam formando palavras, ou variação de voltagem, ou traços e pontos de código
Morse, etc.). O receptor tem o papel de receber (porque isso me soa redundante?), e
reconstruir a mensagem enviada, e, por fim, existe o destino que é quem deve receber a
mensagem (seja uma pessoa ou coisa).

Fonte de sinal receptor destino


Transmissor
informação

Figura 11 - Diagrama esquemático simplificado de um sistema de informação, com seus


componentes. Modificado de Shannon, 1948.

Então, imagine um evento que você gostaria muito que acontecesse; como
ganhar na loteria e passar o resto da vida deitado numa rede tomando seu drinque
favorito. Para você saber se ganhou ou não, alguém precisa comunicá-lo, e, para isso, é
necessária uma mensagem. Imagine que H é uma medida de informação e pi é a
probabilidade de ocorrência de um evento dentre vários possíveis (quantidade de
números acertada) e h é a informação recebida pela transmissão de uma mensagem
informando um dos possíveis eventos ocorridos (por exemplo, você acertou todos os
números), temos que h= - log pi. Então, a medida informação H, que é uma somatória
da quantidade de informação de todos os h, ou na forma matemática, vale H=
− ∑ pi log pi , sendo que H é chamado de entropia informacional.
Reanalisando tudo isso a partir do exemplo acima, podemos ver que existiu um
transmissor de informação (Caixa Econômica Federal, que é quem faz os sorteios), por
um meio (transmitiu o sorteio pela TV ou rádio, ou publicou o resultado no jornal). Então
o receptor (seus olhos ou ouvidos, ou os dois) recebeu a mensagem, e seu cérebro
atento, que é o destino (ou destinatário) da mensagem, é quem vai processar a
mensagem enviada e comparar com os números contidos no seu bilhete. Aí, a glória
celestial vai preencher seu coração, ou a frustração do “droga, perdi de novo” vai
amargurá-lo, mais uma vez.

439
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Sendo assim, se quiséssemos medir a quantidade de informação presente na


transmissão deste evento:

 Tomaríamos a probabilidade de cada evento que no exemplo seria não acertar


nenhum número (p0), acertar um (p1), dois (p2), três (p3), quatro (p4), cinco (p5) ou
o bilhete irradiar uma imensa quantidade de felicidade mostrando que você
acertou os seis números (p6, sem querer ser estraga prazeres, essa é irrisória).
 Então, multiplicaríamos, as probabilidades, pelos logaritmos das respectivas
probabilidades (h0= p0 log (p0); h1=p1log(p1); e assim por diante).
 E somaríamos todos os h. Fácil, não?

Teríamos, portanto, uma medida da informação contida na transmissão deste


evento, segundo a teoria de Shannon. Isso, realmente, pode parecer um tanto esquisito,
pois se ele partiu do pressuposto de que comunicação é um evento probabilístico, fica
fácil ver o porquê de usar a probabilidade de cada evento, mas porque usar o logaritmo
da probabilidade????
Shannon explica:

 Alguns parâmetros em engenharia como tempo, comprimento de onda, variam


linearmente com o logaritmo do numero de possibilidades. Por exemplo,
dobrando o tempo de uma série temporal, eleva-se ao quadrado o numero de
mensagens possíveis, ou dobra-se o logaritmo dessas possibilidades num
logaritmo de base 2.
 É próximo do que intuitivamente se chamaria de medida apropriada, pois se
costuma comparar coisas por comparações lineares. Por exemplo, dois
DVD’s tem o dobro de capacidade de armazenar informação do que um
único DVD (nota: no exemplo de Shannon, foi usado cartão furado. Observe
o quanto os meios de armazenamento de informação, e o tamanho dos
computadores mudou de lá pra cá).
 É matematicamente mais apropriado, pois facilita algumas operações.

Entropia...palavra recorrente...
Se olhadas mais de perto, as funções de Boltzmann e de Shannon são bem
parecidas, este, aliás, foi um motivo pelo qual a fórmula de Shannon citada acima foi
batizada de entropia. As principais diferenças são as constantes de proporcionalidade e
as bases logarítmicas, que, ainda assim, não trazem diferenças significativas às duas
formas.

440
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Acredita-se que a entropia de Shannon tira a definição de entropia do âmbito


termodinâmico, e trás mais perto de referenciais de distribuições de probabilidade no
geral. Uma das idéias associadas à noção de entropia é a da quantidade de energia
distribuída pelos microestados ocupados pelo sistema, quanto mais homogênea é a
distribuição (ou seja, a energia das partículas que compõem o sistema é igualmente
distribuída entre os microestados do sistema) e a generalização de Shannon, pode ser
encarada como a organização de um sinal ou série temporal qualquer. Quanto maior a
Entropia Informacional contida naquele sinal, maior a “desorganização” do sinal como,
por exemplo, ruído branco (que pode ser estática de rádio, ou da TV, que é um sinal que
tem sua energia igualmente distribuída por todas as freqüências). Ou seja, mesmo
tendo origens diferentes, a Entropia de Shannon dá um sentido um pouco mais geral ao
conceito de Entropia.
Além disso, a entropia termodinâmica pode se relacionar com a entropia
informacional, já que a quantidade de microestados possíveis pode ser limitada por um
acréscimo de informação ao observador. Esse é o principio de neguentropia da
informação de Briollouin que leva em conta que nesse processo a entropia e a
informação são intercambiáveis.

Acho que entendi, mas o que isso tem a ver com Biologia?
Alguns pesquisadores tentaram se utilizar da entropia informacional de
Shannon para quantificar informação biológica. Considerando que informação é uma
propriedade importante dos seres vivos, pois desde alguns dos menores níveis de
organização (células, tecidos) envolve comunicação, ou transmissão de informação por
moléculas (DNA no processo de transcrição e replicação por exemplo), uma medida
como essa permitiria quantificar o nível de organização ou complexidade de um
organismo.
No entanto, alguns pesquisadores faziam criticas severas ao uso desta teoria
em biologia evolutiva. Primeiro que, para o cálculo desta complexidade, as unidades de
informação são arbitrárias, sendo que diferentes quantidades de informação serão
obtidas dependendo do que se chama de unidade de informação. Um zigoto seria
menos complexo que o Homem, pelo simples fato dele ser menor. Em segundo, quando
se utilizam, por exemplo, proteínas constituintes como unidades de informação, calcula-
se que a informação contida em um homem é de 5.1025 bits. No entanto, outra critica
curiosa e bem apropriada é que isto não pode ser levado em conta pelo fato de que
tanto um homogeneizado de homem quanto um homem inteiro teriam a mesma
quantidade de informação. Contudo, de todos os arranjos moleculares possíveis entre
as moléculas que formam o Homem, apenas alguns podem formar um Homem vivo.

441
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

Outra crítica que se coloca é a de que não se pode utilizar a teoria de Shannon,
na qual se tem emissor, receptor e decodificador, para moléculas como o DNA, pois
aqueles componentes não são aparentes em um sistema químico e, portanto, estes
processos não carregam informação. Alem disso, a Teoria de Shannon não se
preocupa com a veracidade ou com o significado da informação e, em sistemas
biológicos, a qualidade da informação é tão importante quanto a quantidade de
informação.
Se há críticas por um lado, há, por outro, interesse na Teoria de Shannon.
Segundo Maynard-Smith (2000), se é possível transmitir informação por ondas elétricas,
sonoras ou por eletricidade, por que não seria possível transmitir informação por meios
químicos? Para ele, um dos grandes ganhos da teoria de Shannon é que a mesma
informação pode ser transmitida por diferentes carreadores físicos. Engenheiros não
usaram carreadores químicos justamente pela dificuldade de colocar ou tirar informação
de meios químicos, uma dificuldade que segundo ele, os sistemas vivos conseguiram
superar. É realmente difícil ver todos os elementos da teoria de Shannon no modelo de
transcrição do DNA para RNA e da tradução deste RNAm para proteína. Se pensarmos
na comunicação entre duas pessoas por código Morse, por exemplo, podemos
identificar todos os elementos da figura 1, pois uma pessoa é a fonte da informação,
existe o aparelho onde a mensagem será “digitada”, que é o transmissor, existe o meio
de transmissão (eletricidade através de fios e cabos), existe o receptor, e o
decodificador do código, que é o operador da maquina que recebe a mensagem. No
entanto, é difícil imaginar uma decodificação de mensagem do RNAm para proteína,
uma vez que o código não foi codificado por uma proteína para RNAm.
Porém, nesse caso, Maynard Smith se utiliza de uma analogia que se estende
por parte do artigo, que é da comunicação por código Morse. Neste caso, o codificador
não é a maquininha que produz o sinal do código, e sim, a pessoa que converte
significado em um encadeamento de fonemas, e que depois é convertido em código
Morse. Já no exemplo do aparato celular de transcrição/tradução gênica, é a seleção
natural. Por quê? Pelo simples fato de que foi por seleção natural que selecionaram as
seqüências de bases, dentre muitas seqüências possíveis, que originariam proteínas
funcionais e constituintes dos sistemas vivos, por meio do canal de transmissão de
informação descrito pela teoria de Shannon. Como ele diz em seu artigo: “Onde um
engenheiro vê design, um biólogo vê seleção natural!”.
Maaaasss... como nem tudo são flores, existem alguns pontos em que a teoria
da Informação realmente peca quando aplicada em biologia. Warren Weaver, que
trabalhou com Shannon no artigo em que se apresenta a teoria, diz que se pode medir a
efetividade num processo de comunicação observando três preceitos básicos:

442
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

1. O quão acuradamente os símbolos que codificam a mensagem podem ser


transmitidos (o problema técnico).
2. O quão precisamente os símbolos transmitidos transportam o significado
desejado (o problema de significado).
3. A efetividade da mensagem recebida na mudança de estado do receptor.

E a Teoria da Informação está apenas preocupada com o preceito 1, e em


biologia, os outros dois preceitos são muito importantes, também. Assim, baseado na
teoria de Shannon e focado no preceito 3, Weinberger (2002) propôs uma medida
chamada informação pragmática, com o intuito de “medir” evolução. Na verdade, a
informação pragmática mede a capacidade que uma mensagem tem de fazer com que o
receptor mude de estado (e com isso quero dizer que se o sistema estava operando de
uma determinada forma, vai passar, após a recepção da mensagem, a operar em outra;
por exemplo, se você estiver parado, e seus olhos virem no relógio de que você está
atrasado para a prova, seu coração disparará, e suas pernas se moverão loucamente...
percebeu a mudança de estado?).
Se imaginarmos um conjunto M de mensagens m, que chega a um receptor
que por sua vez está ligado a um “tomador de decisão”, que enviará uma alternativa a
um efetor. Esse efetor tinha um conjunto de possíveis “saídas” oi, cada uma com uma
probabilidade q(oi) antes da mensagem atingir o receptor (maiores detalhes na figura 2).
Até aí, nenhuma novidade. A grande novidade desse modelo é que quando o receptor
capta a mensagem, as probabilidades q(oi) são revistas e as probabilidades de uma
determinada “saída” se torna p(oi). Ou seja, imagine a festa do começo do capítulo, e
imagine que aquela pessoa que te despertou o interesse está momentaneamente
sozinha em algum canto, e deu uma olhadela sexy e uma piscadela marota pra você.
Com essa mensagem, as probabilidades de uma possível postura que você pode tomar
(como por exemplo, ir até a pessoa, ou ir até a pessoa com um drinque, ou ir até a
pessoa chegando pelas costas; por que convenhamos, a probabilidade q(não chegar na
pessoa), é quase nula nesse caso), no entanto, numa segunda observada que você dá
nessa pessoa, você se depara com ela um pouco distraída, e ela enfia o dedo no nariz.
Bem, depois dessa outra mensagem, as probabilidades vão ser revistas, e a
probabilidade de você se aproximar se torna menor, e a de você não se aproximar,
maiores.
A informação pragmática torna-se uma medida, então, onde o contexto, e a
semântica são relevantes, e então é uma medida que pode ser muito mais útil para ser
usada em processos biológicos, apesar de algumas dificuldades, como por exemplo,

443
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

determinar os conjuntos de ações possíveis, de mensagens possíveis e suas


probabilidades.

Figura 12 - Diagrama esquemático simplificado dos componentes que aparecem na informação


pragmática. Modificado de Weinberger, 2002.

Nossa, que confusão!


É, a coisa é realmente confusa. E provavelmente essa confusão ainda perdure
na cabeça das pessoas por muito tempo. Mas, mesmo assim, algumas coisas bem
legais estão surgindo da Teoria de Shannon. A própria informação pragmática é uma
tentativa de quantificar informação, derivada da teoria de Shannon, mas que tenta
estabelecer uma aplicabilidade para questões evolutivas.
A Teoria da Informação tem sido (mas não amplamente) usada em
neurofisiologia, e em alguns estudos de comunicação de sapos e golfinhos para
caracterização sonora dos cantos emitidos por estes animais (para maiores detalhes,
ver Suggs e Simmons, 2005; McCowan e col., 1999). E pode ser uma base para
projetos que tentem ver processamento no sistema nervoso central de algum animal, a
partir de eventos de comunicação (como cantos, para animais que cantam). Por isso,
apesar das limitações a Teoria da Informação de Shannon, ela abre precedentes para
se pensar em transmissão de informação em processos de comunicação. Shannon,
relembrando, se focou em problemas de comunicação na engenharia, e obviamente não
se pode transpor diretamente esse tipo de teoria para a biologia. Mas tentativas de
adaptação, como a de Weinberger com a Informação Pragmática, são muito bem-
vindas, pois tentar entender e quantificar comunicação e informação em processos
biológicos pode trazer grandes ganhos no entendimento desses sistemas malucos que
são os sistemas vivos.

444
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos

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446
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de


Invertebrados Marinhos

Entender as células, seu comportamento e a maneira como interagem é o objetivo


de muitos experimentos em fisiologia. Com estes conhecimentos, nós podemos começar a
entender como um conjunto de células funciona como tecido e como grupos de tecidos
funcionam como órgãos. Neste sentido, fisiologistas vêm desenvolvendo experimentos
para aprender sobre o controle e regulação dos processos dentro dos grupos de células e
como as atividades combinadas destes grupos de células afetam a função do animal.
Para estas aplicações os invertebrados podem ser considerados como um ótimo
modelo. Nosso interesse em entender a função e funcionamento dos ecossistemas
marinhos tem sido acelerado nos últimos anos com o reconhecimento da sua importância
para a vida humana associadas a mudanças climáticas, qualidade do meio ambiente e o
uso de recursos marinhos vivos. Inseridos neste ambiente, os invertebrados marinhos
representando mais de 30% de todas as espécies de invertebrados conhecidas, divididas
em cerca de 20 filos diferentes. Representam um rico recurso de tipos de células e
tecidos, com extrema variabilidade mesmo entre espécies pertencentes a um mesmo
grupo taxonômico.
Seus processos evolutivos em um ambiente com grandes pressões seletivas
resultou em organismos altamente adaptados, constituídos de diversos tipos celulares
que possuem uma extensa potencialidade morfogenética, produzem substâncias únicas
com funções ecológicas e aplicabilidades farmacêuticas, e participam das mais
diversas interações biológicas

447
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Introdução aos Aspectos da Biologia Celular e


Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Suélen Felix

Laboratório de Biologia Celular de Invertebrados Marinhos

sufelixbio@usp.br

O principal objetivo da Fisiologia Animal é entender o funcionamento individual e


integrado de tecidos, órgãos e sistemas em organismos multicelulares (Randall e
col.,2002). Para o perfeito entendimento dessas interações, pesquisas são realizadas
abordando todos os níveis – desde moléculas a organismos inteiros (Fig. 1)

Figura 1- Níveis de organização dos seres vivos: molécula – célula – tecido – órgão – sistema – organismo.
Modificado de Randall e col., 2002

448
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Apesar das células serem consideradas as menores unidades constituintes dos


seres vivos, são por sua vez constituídas por diversas organelas, elementos menores
ainda e que possuem funções próprias. Células semelhantes que se agrupam e formam
tecidos permanecem unidas pela membrana, que apresenta diversos receptores
responsáveis pelo reconhecimento das células entre si. Além disso, a membrana tem o
potencial para interagir com substâncias endógenas ou exógenas e íons, a fim de
selecionar o que entra e o que sai da célula (Fig. 2).

Figura 2- Permeabilidade da membrana frente a diferentes solutos. As setas íntegras demonstram solutos
com alta permeabilidade; as setas pontilhadas indicam permeabilidade moderada; os demais solutos logo
abaixo são relativamente impermeáveis.

Compreender o funcionamento dos animais requer um conhecimento detalhado


das interações moleculares envolvidas nos processos celulares. Este conhecimento
permite que os fisiologistas elaborem experimentos para elucidar os mecanismos de

449
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

regulação e controle de grupos de células e as atividades combinadas desses grupos


que influenciam no funcionamento do organismo (Randall e col., 2002). Ao longo do
desenvolvimento células embrionárias essencialmente idênticas, adquirem formas e
funções características, portanto, um mesmo organismo possui diferentes tipos
celulares (Fig. 3).

Figura 3- Diferentes tipos celulares encontrados na esponja Hymeniacidon heliophila. (Custódio e


col.,2004).

Cultura de células in vitro

Muitos tipos celulares, de uma grande variedade de invertebrados, possuem


grandes potencialidades morfogenéticas (multipotência, totipotência, incluindo
crescimento anormal. Isto se traduz in vivo em plasticidade de formatos, estruturas (Fig.
4), substituição de células, processos de proliferação e linhagem celular entre diferentes

450
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

taxas, que diferem significativamente mesmo entre grupos sistematicamente


relacionados (Rinkevich, 1999; Lyons-Alcantara, 2001). Estes fatores tornam a
classificação celular in vitro extremamente complicada (Gomot, 1971; Rinkevich e
Rabinowitz, 1994; Lyons-Alcantara, 2001).

Figura 4- Comparação entre duas Mycale angulosa (Porífera). Fotos: E. Hajdu e F. Moraes
respectivamente.

A totipotência observada nas células de vários invertebrados marinhos é


responsável pela alta capacidade regenerativa que estes apresentam. A regeneração
consiste na reposição de células, tecidos e órgãos após danos ocasionais, ou causados
pelos próprios organismos como mecanismos de defesa (destacamento de membros,
autotomia, evisceração e outros) (Fig. 5). Apesar de demandar um alto custo energético,
é fundamental para a manutenção fisiológica dos organismos, pois torna-se
indispensável para que sobrevivam e prosperem frente às constantes perturbações do
ambiente (Alvarado, 2000).

451
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Uma das ferramentas mais eficientes para a investigação da estrutura e do


funcionamento das células é a cultura in vitro. Essa técnica revolucionou a habilidade de
estudar os processos fisiológicos suportados pelas células em nível de tecidos e órgãos.
Basicamente, o procedimento consiste em dissociar os tecidos em células individuais e
suspende-las em meio rico em nutrientes específicos, no qual podem crescer e se dividir
(Randall e col.,2002).

A cultura de células em invertebrados marinhos, no entanto é pouco


desenvolvida se compararmos com o que existe para células de mamíferos. Devido à
imensa quantidade de filos e espécies, o conhecimento preciso sobre as necessidade
nutricionais é fragmentado, e manter linhagens de células em crescimento torna-se
desafiador (Mothersill e Austin, 2000). Além disso, a grande diversidade celular entre os
invertebrados marinhos torna a caracterização difícil.

Figura 5- Regeneração de braços na estrela-do-mar Linckia laevigata. Fonte:


http://imgcache.allposters.com/images/NPLPOD/1150709.jpg

Interesse aplicado

Os invertebrados marinhos, principalmente os sésseis ou com capacidade


limitada de locomoção, estão muito susceptíveis a pressões impostas pelo ambiente.
Embora tenham desenvolvido diversos mecanismos morfológicos de defesa (espinhos,
superfície escorregadia, conchas) (Dyrinda, 1986; Davis e col.,1989) (Fig. 6), a principal
proteção é química. Já é conhecida sua capacidade de produção de substâncias
atuantes em diversas interações ecológicas como a defesa contra predação,
incrustação, competidores e microrganismos patogênicos (Hay, 1996; Felix, 2007).

452
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Embora o custo energético para a produção dessas substâncias, provenientes de


metabolismo secundário, seja elevado, a energia gasta é perfeitamente compensada
pelas múltiplas vantagens que conferem aos organismos (Michalek-Wagner e
col.,2001). Ainda não se sabe se a regulação da produção dessas “defesas químicas” é
desencadeada por fatores genéticos ou ambientais, mas dados os efeitos dos
metabólitos secundários marinhos, essa variação pode ter efeitos fisiológicos
significativos para os organismos (Paul, 1992; Hay, 1996). Substâncias chamadas
briostatinas, produzidas pelo briozoário Bugula neritina e utilizadas no combate do
câncer em humanos, só estão presentes em poucas populações das várias estudadas
dentro de uma comunidade, o que indica controle ambiental da produção (Pettit, 1991).
A gorgônia Briarium asbetinum produz entre 5 e 15 metabólitos secundários diferentes,
mas a produção desses metabólitos varia quantitativamente com a profundidade,
indicando controle genético no aspecto qualitativo e controle ambiental no aspecto
quantitativo (Harvell e col.,1993).

Figura 6- Defesas morfológicas: espinhos em ouriço-do-mar, superfície escorregadia em ascídia e concha


em gastropode.

Muitas destas substâncias químicas fisiologicamente ativas isoladas a partir de


organismos marinhos possuem ações tóxicas sobre células de mamíferos (Ohizumi,
1997) e estão sendo alvo de diversas pesquisas na área de farmacologia. As principais
toxinas marinhas apresentam alta complexidade e são poliéteres (Faulkner, 2000). A
maitotoxina (isolada de dinoflagelados tóxicos e de peixes venenosos) é o maior
composto orgânico (massa molecular 3424 Da), causa liberação contínua de
neurotransmissores por algumas células e contrações musculares (Takahasshi e
col.,1982; Ohizumi e Yasumoto, 1983; Moriya e col.,1998). A palytoxina (massa
molecular 2676 Da) isolada primeiramente de cnidários (Ko e col.,1982; Fujioka e
col.,1982; Moriya e col.,1998) (Fig. 7), também causa potentes contrações de vários

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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

músculos lisos (Ito e col.,1977; Ohizumi & Shibata, 1980; Ishida e col.,1985, Moriya e
col.,1998). Compostos polioxigenados de cadeia longa, chamados zooxantelatoxinas-A
e –B, foram isolados do dinoflagelado simbionte Symbiodinium sp., e apresentam
potente ação vasoconstritora (Nakamura e col.,1993, Moriya e col.,1998). A
zooxantelatoxina-A tem mostrado provocar trombócitos em coelhos, acompanhado por
um aumento na concentração intracelular de Ca2+ (Rho e col.,1995; Moriya e col.,1998)
e elevação da fosforilação da tirosina (Rho e col.,1997; Moriya e col.,1998). A
zooxantelatixina-B produz uma elevação na concentração de Na+ e uma redução da
concentração de K+ nas células aórticas de coelhos (Moriya e col.,1998), o que pode
ser o indicativo de despolarização da membrana plasmática como as observadas
resultantes da ação da palitoxina em células nervosas e musculares (Dubois & Cohen,
1977; Muramatsu e col.,1984; Ito e col.,1985; Ecault e Sauviant, 1991; Moriya e
col.,1998).

Figura 7- Estrutura molecular da palytoxina, demonstrando sua alta complexidade

No entanto, o uso dessas substâncias para fins clínicos esbarra em alguns


problemas. Devido a sua complexidade estrutural, muitos destes compostos são
impossíveis de sintetizar ou teriam altos custos de produção, o que tornaria seu uso

454
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

proibitivo. Tendo em vista que em geral estão presentes em quantidades pequenas, da


ordem de microgramas por quilo, a sua obtenção a partir dos estoques naturais não
seria suficiente sequer para suprir as demandas de testes clínicos preliminares. .
Existem duas soluções disponíveis. A primeira é o cultivo de organismos intactos em
tanques ou em campo; a segunda é o cultivo de células in vitro, de preferência
juntamente com os organismos que vivem naturalmente em relação de simbiose (Müller
e Custódio, 2000; Sipkema e col.,2005).

Apesar dos invertebrados marinhos serem heterótrofos, associam-se a diversas


microalgas e bactérias fotossintetizantes, e lançam mão dos recursos produzidos por
elas quando as fontes alimentares são escassas (Johannes, 1974). Dinoflagelados do
gênero Symbiodinium são os mais comuns desses endosimbiontes fotossintéticos
dentre os cnidários coloniais e os corais hermatípicos (Trench, 1997; Rowan, 1998;
Baker, 2003). A sua presença contribui substancialmente para a produtividade, a
sobrevivência e o sucesso dos seus hospedeiros (Muscatine e Porter, 1977). O
metabolismo desses simbiontes (zooxantelas) também está associado ao processo de
calcificação em corais formadores de recifes (hermatípicos) (Goureau e Goureau, 1959;
Chalker e Barnes, 1990), à mediação do fluxo de nutrientes elementares (D’Elia e
Weibe, 1990), ao abastecimento de carbono fixado pela via fotossintética (Muscatine,
1989) e à produção de metabólitos secundários (Banin e col.,2001; Wild e col.,2004). As
zooxantelas se beneficiam do suprimento constante de CO2 e nutrientes (Cook e
col.,1988), da proteção contra herbívoros e contra danos causados por radiação UV
(e.g. Lesser e Shick, 1989). Apesar de existirem vários estudos a respeito da interação
simbionte-hospedeiro, os resultados inconclusivos sobre o grau de interação e
importância desses organismos tornam necessários o aperfeiçoamento e a utilização de
novas técnicas. Talvez a reprodução in vitro seja uma eficiente ferramenta para
esclarecer o estabelecimento e a relevância das relações simbióticas.

Nas últimas décadas, houve um crescente aumento dos processos de


degradação dos ambientes marinhos, particularmente sobre os recifes de corais. Dentre
as formas de expressão destas alterações destaca-se o fenômeno do branqueamento
(Goreau e Haynes, 1994; Brown, 1997). O branqueamento consiste na perda dos
simbiontes e a conseqüente perda da pigmentação do coral (Brown, 1997) (Fig. 8).
Pode levar à morte, uma vez que a maior parte do carbono necessário ao metabolismo
do coral é provida pelas zooxantelas (Muscatine e col.,1981) e o obtido através do
consumo de zooplâncton não é suficiente para suprir as exigências metabólicas (Porter,
1974). Aparentemente este fenômeno está ligado às diversas variáveis ambientais
(temperatura, irradiação solar, sedimentação), e o stress causado por bruscas

455
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

alterações destas condições leva a quebra da interação existente entre o coral e as


zooxantelas (Michalek-Wagner e Bowden, 2000). A simbiose está intrinsecamente
associada à assimilação e reciclagem de nitrogênio e de fósforo na relação hospedeiro-
simbionte. Portanto, esta quebra pode afetar a produção de defesas químicas
indiretamente, pela supressão nutricional, ou diretamente se os simbiontes realmente
forem responsáveis pela produção desses metabólitos (Michalek-Wagner e Bowden,
2000).

Figura 8- Dinoflagelado Symbiodinium sp. isolado de cnidários, colônia de Palythoa caribaeorum íntegra,
colônia de Palythoa caribaeorum em processo de branqueamento.

Considerações finais

A Biologia Celular de invertebrados marinhos tem contribuído com muitos


avanços a cerca dos processos fisiológicos que regulam o funcionamento dos
organismos. É uma área de pesquisa que apresenta uma grande interdisciplinaridade,
integrando Biologia Marinha, Bioquímica, Química, Biologia Molecular, Fisiologia,
Farmacologia, Ecologia, Zoologia, Genética, Evolução, dentre outros, promovendo
significativo desenvolvimento para todas essas áreas. Representa inesgotável fonte de
pesquisa, pois no ambiente marinho estão contidas cerca de 30% de todas as espécies
de invertebrados conhecidas e o baixo número relativo de pesquisadores não suporta
essa grande demanda de recursos. Infelizmente, as pesquisas são realizadas por
poucos grupos especializados, concentrados em poucos centros de pesquisa
espalhados pelo mundo, além disso, muito das informações geradas, deixam de ser
publicadas por inúmeros motivos, inclusive por serem consideradas sigilosas por
empresas que financiam essas pesquisas, isto torna esses dados valiosos inacessíveis
e contribui para a fragmentação do conhecimento.

456
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Relações Endosimbiônticas

Enrique E. Rozas

Laboratório de Biologia Celular de Invertebrados Marinhos


enrique.sanchez@lycos.com

A definição de simbiose, que em sua origem etimológica significa “viver juntos”,


tem sido aplicada a organismos que possuem uma intima e prolongada relação
ecológica (Wilson e col., 1974). Esta relação, que em muitas oportunidades não se
comporta de forma equilibrada para os organismos que a integram, abrange diversas
interações. Estas podem ir desde relações mutualisticas, onde a atividade de cada um
trás benefícios para ambos, ate as relações parasíticas, nas quais um organismo se
beneficia de outro, prejudicando a existência do hospedeiro. Mas o comensalismo, uma
relação na qual um organismo se beneficia sem prejudicar o outro, se perfila como uma
relação de interfase, entre parasita e mutualista. Neste processo o parasita diminui seu
metabolismo até não ser prejudicial, e na seguinte etapa o hospedeiro recebe algum
beneficio deste relacionamento. Esta adaptação não só depende da modificações que
possa realizar o parasita, como a perda da patogênese, mas também a adaptação do
sistema imune do hospedeiro. Este processo adaptativo é o fundamento das teorias da
origem da mitocôndria e do cloroplasto, assim como do núcleo nos eucariotes (Goebel e
Gross, 2001).
Assim, mais do que exemplificar as diversas relações simbiônticas que se
encontram na natureza, neste capitulo discutiremos sobre a importância da simbiose na
evolução, postulando-lha como a base da organização estrutural dos metazoa.
A simbiose, que durante muito tempo foi considerada como uma singularidade
da natureza, uma associação entre animais como resposta ao médio ambiente, agora é
percebida como uma força de transformação que modifica o ecossistema. Ao descobrir,
sob um olhar microscópico, que essa relação se estendia através de todas as interfases
organismo-ambiente físico, tornou-se o eixo fundamental da vida (Waterman, 2001).
Num principio o Rhizobium, um gênero bacteriano que forma nódulos nas raízes das
leguminosas, foi considerado um exemplo de simbiose, pois ao fixar o Nitrogênio
atmosférico como nitrato, a bactéria fornece um nutriente imprescindível à planta
(Zahran, 1999). Depois foi descoberta a relação simbiôntica entre os fungos da classe
Leucocoprineous e as formigas cortadoras de folhas, onde estes fungos cultivados pelas

457
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

formigas forneciam alimento necessário para a colônia. Esta relação, simples num
principio, foi logo caracterizada como um complexo sistema integrado pelas formigas, o
fungo cultivado, seu parasita, um fungo do gênero Escorvopsis e as bactérias que
controlam seu crescimento, também cultivadas pelas formigas (Currie e col., 2003).
Mas, ainda que esta organização e dependência entre espécies tenha
significado uma revolução no entendimento da interligação dentro da biosfera, nada
superou a aparição do conceito de endosimbiose, que tem suas origens no fundamento
da vida celular. No momento em que diferentes tipos bacterianos, se fusionaram e ainda
assim mantiveram sua integridade como indivíduos, mas formando parte de um sistema
organizado que os incluía e dependia deles (Taylor e col., 2007). Assim surgia uma das
teorias mais fascinantes da organização celular em eucariontes, que no consenso
contemporâneo é aceito que as mitocôndrias e cloroplastos, tanto de plantas como
protistas, tem seu origem em alfa-proteobacterias e cianobacterias de vida livre,
respectivamente (Fig 1) (Margulis, 1992). Além destas organelas, microbiologos
evolucionistas postulam que o núcleo ter-se-ia originado da fusão de duas bactérias que
foram incorporadas à célula hospedeira primitiva (Goebel e Gross, 2001).

Figura 1- A imagem representa a teoria da evolução das células eucarióticas a partir de uma célula
procariótica ancestral. Nesta representação, a célula procariótica ancestral forma o envoltório nuclear e
adquire do meio os procariontes anaeróbicos heterotróficos que formaram a mitocôndria e os procariontes
foto sintéticos que originaram os cloroplastos.

458
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Muitos pesquisadores se referem à explosão Cambriana (560-495 MY) como o


“big-ban” da biologia, mas a real explosão de diversidade aconteceu faz 1800 milhões
de anos, quando os eucariontes entraram em cena (Embley e Martin, 2006). Seu núcleo
coberto por uma membrana, a mitoses, meioses e os genes empacotados em
cromossomos, permitiu a diferenciação das células em tecidos, órgãos e sistemas que
conectam tais órgãos, nos diversos arranjos que originaram as plantas e os animais
(Martin e Koonin, 2006). A célula eucariótica desempenha um papel fundamental na
evolução, ela representa os micróbios morfologicamente e bioquimicamente mais
complexos, se constituindo na maior biomassa da terra. Estes micróbios associados
coletivamente como simbiontes realizaram funções especificas para seu hospedeiro,
como fotosintetisar, fixar nitrogênio metabolizar sulfuro ou defender de patôgenos. Esta
associação às vezes pode ser tão estreita que suas partes sejam confundidas com um
organismo só, da mesma forma que as organelas dentro da célula (Osteryoung e
Nunnari 2003).
Os simbiontes estão amplamente distribuídos na natureza cobrindo as
superfícies de animais e plantas, tanto externa como internamente. Muitas espécies de
protistas e bactérias se estabeleceram como comunidades microbianas, nos intestinos
de insetos comedores de folhas, sugadores de sangue, térmites e ruminantes
contribuindo com enzimas, vitaminas, energia e açucares (Dillon e Dillon, 2004). Em
alguns casos os simbiontes são imprescindíveis para a vida de seus hospedeiros,
podendo alcançar a morte se eles faltarem, seja isto pelo efeito dos poluentes na
natureza ou pela ação de vírus. Como é o caso dos corais que perdem a camada de
microalgas associadas, produto da poluição, deixando os pólipos expostos (Grant e col.,
2003).
Estes simbiontes que possuem uma estreita associação com seus hospedeiros,
são adquiridos do meio ambiente em cada geração ou de seus pais depois do
nascimento. No entanto, existem simbiontes que são herdados, transmitidos
sexualmente de uma geração à outra como se fossem organelas. Esta forma de
simbiose tem sido profusamente estudada em insetos, especialmente afideos
(Hemíptera) que transmitem a bactéria do gênero Buchnera, de mãe para filho através
do ovo (Douglas, 1998). Este fato também foi observado nas esponjas marinhas do
gênero Chondrilla, que incluem bactérias heterotróficas e a cianobacteria
Synechococcus spongiarium no ovo não fecundado dentro de vacúolos. Assim, estas
relações de estrita dependência estabelecidas milhões de anos atrás entre duas o mais
espécies, é produto de um processo continuo no qual ás espécies intimamente
associadas se estabelecem intracelularmente como endosimbontes (Maldonado e col.,
2005).

459
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Dos microorganismos, os procariontes, têm uma alta afinidade pelas células


eucarióticas de qualquer tipo, fazendo possível uma ampla variedade de interações
mutualisticas, comensalistas ou parasíticas (Hentschel, 2000). O estudo de bactérias
patogênicas em plantas e mamíferos tem entregado informação essencial para entender
os genes que codificam os fatores de virulência, mas ainda são desconhecidas a origem
e evolução desses genes (Stahl e Bishop, 2000).
Em geral, estas interações requerem da união do procarionte à membrana celular,
o transporte deste organismo para dentro da célula, por médio de uma fagocitosis e a
sobrevivência deste organismos, permitindo sua replicação (Barker e Brown, 1994).
Esta transição do ambiente extracelular ao intracelular, a pesar de ser um grande passo
evolutivo, não oferece grandes dificuldades, devido a que o habita intracelular favorece
o estabelecimento de organismos, oferecendo pouco stress. O sucesso do
endosimbionte depende de uma serie de adaptações para uma vida intracelular exitosa,
permitindo a sobrevivência das novidade evolutivas e aumentando a probabilidade de
um salto evolutivo. Processo que se observa em enterobacterias, que evoluem de uma
forma de parasita letal até fazer parte de uma ameba hospedeira, em tão só 200
gerações (Corsaro e col., 1999).
A transição da forma virulenta a uma menos virulenta pode permitir inicialmente
que um parasito intracelular se transforme em endosimbionte, como acontece com as
alfa-proteobacterias. Estas espécies têm a tendência a estabelecer uma associação
intracelular com células eucarióticas, e estão relacionadas morfológica e filogenéticos
com as mitocôndrias, sugerindo que estas derivam das bacterias (Embley e Martin,
2006).
No ambiente marinho no só as mitocôndrias representam aquisições ancestrais
para o ambiente intracelular, mas também outros organismos como fungos e bactérias,
são descritos usualmente como associações benéficas. Estes microorganismos têm
como principal função assimilar compostos dissolvidos e material particulado, presentes
na água. Por exemplo, a esponja Cladorhiza sp. depende de uma bactéria metanotrófica
para remover o metano dos tecidos, permitindo sua sobrevivência em fontes
hidrotermais (Vacelet et al. 1995, 1996). De forma similar, Asbestopluma hypogea, uma
espécie carnívora, está associada a uma bactéria endocítica, que produz enzimas que
participam na digestão intracelular do alimento (Vacelet e Duport, 2004).
Assim, o estudo da adaptação dos microorganismos à vida intracelular, não só nos
entrega conhecimento sobre o processo adaptativo que tem sofrido estas espécies, mas
também nos permite elucidar os componentes bioquímicos envolvidos neste processo.
Destes componentes, alem das moléculas de sinalização que reconhecem e identificam
o simbionte, existem moléculas que inibem a resposta imune das células, evitando a

460
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

rejeição do organismo que esta começando na vida intracelular. Estas moléculas, por
sua capacidade de inibir a resposta imune são propostas como imunossupressores, que
podem nos auxiliar, evitando a rejeição de órgãos transplantados em humanos.
As esponjas (Filo Porifera), consideradas um dos grupos de animais multicelulares
mais antigos que existem, possuem um efetivo sistema de defesa contra micróbios e
parasitas, com um sistema de transdução de sinal que prepara a célula para a resposta
imune. Estudos de transplantes de tecido e células de esponja têm demonstrado
complexas estratégias moleculares para respostas alogenicas e autogenicas (Müller e
col., 2003).
Muitos estudos têm apontado para a existência de moléculas de resposta imune
nas células de esponjas, apresentando semelhanças significativas com seus homólogos
nos demais Metazoa. Por exemplo, receptores Toll-like presentes em Suberites
domuncula mediam a resposta imune inata no reconhecimento de microorganismos
invasores (Wiens e col., 2006). Receptores do tipo tirosina quinase de Geodia cydonium
possuem dois domínios do tipo imunoglobulina semelhantes ao receptor MHC de classe
I, da família de multigenes humanos KIR (Pancer e col., 1998). Já os receptores tirosina
fosfatase presentes em G. cydonium apresentam um domínio do tipo imunoglobulina na
porção intracelular, sendo semelhantes à família de multigenes humanos C2 (Müller e
col., 2001). Quando S. domuncula é exposta a LPS bacterianos a expressão da MyD88,
uma proteína composta pela interação de domínios dos receptores Toll/interleucina-1,
aumenta. Por sua vez, a interação desta proteína com o LPS estimula a expressão da
perforin-like, expressa em macrófagos como resposta à agressão bacteriana (Wiens e
col., 2005). Logo, é esperado que organismos associados não exponham qualquer
molécula que ative os receptores da célula do hospedeiro, pois caso contrário serão
fagocitados e eliminados (Cooper, 2006). Uma outra estratégia utilizada para evitar que
isso aconteça é a produção de substâncias que bloqueiam a cascata de sinalização que
leva à resposta imune. Tal é o caso de fungos e bactérias, tanto de ambientes terrestres
como marinhos, que secretam imunossupressores das mais diversas estruturas
moleculares (Ramachandran ecol., 2007; Kerzaon e col., 2008).
Por outro lado, pouco se sabe ainda sobre a diversidade e função dos
microrganismos presentes nas esponjas, deixando um cenário incompleto sobre as
comunidades associadas. Apesar da identificação de mais de 800 cepas a partir de
esponjas (Holler e col., 2000, Wang e col., 2008), praticamente não existem evidências
que apóiem a idéia de uma verdadeira simbiose. O único exemplo descrito de uma
relação endosimbiôntica é representado por uma levedura ainda não identificada, que é
transmitida verticalmente em três espécies de Chondrilla (Fig 2) (Maldonado e col.,
2006). No entanto, observações realizadas em cultura de células de Haliclona melana,

461
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

mostram a presencia de fungos celulares associados ás células, inclusive estreitamente


relacionados com o nucleo da célula (Fig.3) (Rozas e col., em revisão.)

Figura 2- Oócitos maduros de Chondrilla nucula. (a) Bactéria heterotrófica (B), cianobacteria (C) e inclusões
rodeadas de membrana (?), grânulos de lipídeos. (b, c) A diversidade bacteriana e ilustrada por grandes
bastões e pequenos cocos (CO). (D) exibe o detalhe de duas cianobactérias. (Retirado Maldonado e col.,
2005

462
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Figura 3- Crescimento hifal dos fungos intracelulares Há IV e HaV isolados de células em cultura de
Haliclona. Melana.. (A) Exibe o micélio de HaIV crescendo desde uma célula de esponja. O inserto mostra
uma célula sem fungo em seu interior (n: núcleo). (B) Crescimento
Crescimento hifal de HaV, aparentemente associado
ao núcleo da célula. (C) e (D) Apresentam HaIV e HaV, respectivamente, 24 h depois dos fungos
começaram a crescer .desde as células

Estas comunidades de microorganismos associados têm demonstrado possuir


uma relação
o ancestral com seus hospedeiros, o que talvez tenha facilitado o sucesso
destes na conquista de novos ambientes (Taylor e col., 2007). Para as esponjas da
Ordem Haplosclerida, isso ocorreu no período Jurássico (c.a. 210-140
210 140 milhões de anos
atrás) durante a separação dos continentes sul-americano
sul americano e africano e a formação do
Atlântico Sul. Neste evento, ocorreu inicialmente a formação de um canal de águas
salobras, que foi ocupado por um estoque de esponjas desta ordem, que teriam se
adaptado durante gerações às salinidades menores até habitar as águas
completamente doces da região austral da América do Sul (Pearson, 1978; Pronzato e
Manconi, 1994).
Ainda que a identificação molecular dos organismos que se encontram nas
esponjas permita inferir relações ecológicas
ecológ (Kenedy e col., 2008), o grau real de
associação só pode ser estabelecido mediante o estudo da resposta imune da esponja
sobre seus associados (Müller e Muller, 2003). Neste cenário, podem haver duas

463
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

possibilidades: a primeira é que estes organismos não induzem uma resposta imune por
parte da esponja; a segunda é que eles produzem substâncias imunossupressoras que
evitam a rejeição por parte da esponja (Corsaro e col., 1999).
Por tal razão, o estudo dos microrganismos endosimbionticamente associados
às esponjas nos abre portas ao descobrimento de soluções imunológicas resolvidas
através da evolução. E através deste conhecimento dominar os mecanismos e
compostos imunogênicos para a solução de problemas imunológicos em humanos.

464
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Introdução à biologia da regeneração em invertebrados


marinhos
Patricia Lacouth
Laboratório de Biologia Celular de Invertebrados Marinhos
patricialacouth@gmail.com

A possibilidade de regenerar é certamente um recurso muito útil e pode ser


considerada uma adaptação a lesões, permitindo a reposição de partes do corpo
perdidas em decorrência de acidentes, parasitismo ou predação. Um plausível ponto de
vista suportado por muitos pesquisadores atribui à regeneração um papel de recurso
primordial à vida. De acordo com esta hipótese, todos os organismos, a principio,
possuem um potencial latente para regeneração, que pode ter sido inibido/eliminado por
pressões evolutivas. Nestes casos, esta característica não ajudaria na sobrevivência e
reprodução, ou não contrabalançaria as desvantagens do seu alto custo metabólico.
A reposição de órgãos, ou parte destes (podendo ser a mera reposição de uma
população de células ou a completa regeneração de partes perdidas), é um processo
fisiológico executado por todos os organismos conhecidos. Está presente desde os filos
mais basais aos mais derivados, independente do nível de complexidade e posição
filogenética. No entanto, varia consideravelmente entre diferentes grupos, entre
espécies proximamente relacionadas, e mesmo nos diferentes tecidos e órgãos do
mesmo animal.
Entre os invertebrados marinhos, são vários os filos conhecidos pelas amplas
capacidades regenerativas. Desde as esponjas, que são capazes de formar um
organismo inteiro a partir de células dissociadas, até os equinodermos, nos quais estes
processos de reposição servem a uma variedade de funções biológicas, como regenerar
braços perdidos ou mesmo formar um novo indivíduo a partir de um fragmento
amputado do braço.
O fenômeno regeneração tem sido extensivamente estudado com o objetivo de
entender como os organismos auto-organizam suas estruturas corporais. Entretanto, os
mecanismos moleculares e celulares básicos da regeneração continuam não muito
claros. Especula-se que isso ocorra devido ao não entendimento de certos princípios da
regeneração. O objetivo deste capítulo é pontuar, brevemente, os conceitos básicos que
sustentam e definem a regeneração, utilizando os invertebrados marinhos como
modelo.

465
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

O que é regeneração?

Existem diversas definições para regeneração, tanto conceituais como em questões


filogenéticas, discutindo sua presença e importância nos diferentes grupos.
Regeneração pode ser definida como a “reprodução ou reconstituição de uma parte
perdida ou injuriada” ou “uma forma de reprodução assexuada”. Alguns autores
acreditam que a regeneração é o “rebrotamento” ou a reposição de células, tecidos,
órgãos e membros. Todas as definições no entanto concordam que o processo abrange
um vasto espectro como um fenômeno natural que opera através de diferentes
mecanismos. É um mecanismo amplamente representado entre todos os filos, embora
de uma maneira não uniforme, e pode ser considerado como uma propriedade
fundamental de todos os organismos, até mesmo a nível celular (Abeloos, 1932). Sabe-
se que é um mecanismo fundamental para a manutenção fisiológica. Desprovida de
funções especializadas e reduzidas à sua propriedade mais fundamental, a restauração
de tecidos torna-se obrigatória para a sobrevivência contra as constantes e
perturbadoras forças da natureza (Sanchez-Alvarado, 2000).
Os diversos modos pelos quais a regeneração é realizada é um tópico de muito
interesse, assim como a sua distribuição entre os grupos. Desde os primeiros estudos
com regeneração de Hydras, tem-se procurado entender os processos moleculares e
celulares pelos quais alguns animais facilmente se reconstroem após uma injúria. Por
anos, a literatura sobre regeneração tem sido preenchida com discussões a respeito dos
tipos de processos regenerativos. Cada classificação tem o seu valor quando processos
bem entendidos são delineados e comparados. Infelizmente, muitos processos
regenerativos são pobremente entendidos o que dificulta a inserção em alguma
categoria.
É, portanto indispensável definir inicialmente as principais formas de regeneração
como a fisiológica, a reparativa, o epimórfismmo e a morfalaxia; além de certos
fenômenos gerais que tem estreita relação com o processo, como a autotomia e a
reprodução assexuada. Estratégias regenerativas incluem o rearranjo de tecidos pré-
existentes, o uso de células tronco e a desdiferenciação e/ou transdiferenciação das
células. Mais de um destes mecanismos podem atuar em diferentes tecidos do mesmo
animal, mas sempre resultam no restabelecimento da polaridade apropriada para o
tecido, a estrutura e a forma (Sanchez Alvarado e col., 2006). Boa parte do atual
entendimento dos mecanismos básicos nestes processos tem emergido de estudos
usando invertebrados como sistemas modelo. De fato, os invertebrados são os
campeões da regeneração, repondo rapidamente muito do seu corpo a partir de

466
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

pequenos fragmentos isolados ou mesmo de agregados de células. Entre os


vertebrados os poderes de regeneração são diminuídos e a reprodução assexuada não
acontece (Bekkun, 2004).

Regeneração nos invertebrados

Animais invertebrados mostram uma série de habilidades regenerativas, que tem


sido estudadas a mais de 200 anos. Em 1744, Abraham Trembley descreveu, pela
primeira vez como uma Hydra, desenvolvia dois novos indivíduos após ser cortada
(Davenport, 2004). Nos últimos tempos, duas classes tem recebido maior atenção: entre
os animais diploblásticos a Hydra vulgaris, e entre os triploblásticos, planárias de água
doce como Schmidtea mediterranea e Dugesia japonica. Porém, muitos outros
apresentam impressionantes capacidades regenerativas como porifera, cnidários,
moluscos, artrópodes, poliquetas e equinodermos, embora alguns tenham reduzido
essa capacidade ao longo da evolução.
A cicatrização dos ferimentos e a regeneração de membros perdidos são muito
disseminadas entre esses organismos. A regeneração nos invertebrados é utilizada
principalmente para reparar danos ocasionados a partir de mecanismos de defesa como
autotomia, evisceração e outros. Invertebrados que estendem sua cabeça ou outras
partes do corpo a partir de tubos e buracos protetores e não as retraem de forma rápida
o suficiente são freqüentemente mordidos por predadores ocasionais. Nestes casos, a
perda de partes corporais geralmente não resulta em morte, e quase sempre as porções
perdidas se regeneram. Como contrapartida, durante a regeneração grande parte dos
indivíduos fica mais susceptível à morte e ataques de predadores, por alocaram grande
parte dos seus recursos para o processo. Invertebrados com o sistema nervoso difuso
podem exibir também poderes de regeneração do tecido nervoso, com o crescimento da
maioria dos tecidos se efetuando em uma direção proximal-distal. Significativamente,
em planárias decapitadas o primeiro tecido regenerado a partir das células
indiferenciadas é o do gânglio anterior.
O aspecto mais fascinante da regeneração dos invertebrados é a sua
associação com a reprodução assexuada. Nestes casos, partes do corpo são capazes
de se desenvolver em um novo organismo completo. Em alguns animais, por exemplo,
as Hydras, um novo pólipo pode crescer de algumas células isoladas (Fig.1), e um novo
animal emerge de células provenientes da ectoderme e endoderne que estiverem
conjuntamente disponíveis. Algumas estrelas-do-mar, como as do gênero Linckia

467
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

(popularmente conhecidas como estrela cometa), são capazes de gerar um novo


organismo a partir de um fragmento do braço ou do disco (Fig.2).

Figura 1- Regeneração de uma Hydra a partir de reagregados de células dissociadas. O desenvolvimento


da estrutura do pólipo ocorre em 96 hr. Modificado de Holstein e col., 2003.

Figura 2- Linckia multiflora, conhecida como estrela-cometa por sempre possuir um braço maior do que os
outros.

468
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Regeneração Fisiológica

Em um animal totalmente desenvolvido, muitos tecidos estão continuamente se


renovando durante todo o ciclo de vida. Por unidade de tempo, uma certa proporção de
células sempre são eliminadas, e estas perdas devem ser repostas para manter a
homeostase (Bekkun, 2004). A regeneração fisiológica é a reposição natural de partes
do corpo esgotadas ou extrudidas, e é um fenômeno universal, característico de todos
os animais, plantas e microorganismos, de todos os órgãos, tecidos e células.
Caracteriza-se por ser difundida, regular, e desacompanhada de destruição acidental de
estruturas normais, e representa a restauração de elementos perdidos durante ciclos de
atividade normal.
Uma característica importante das muitas variedades de regeneração fisiológica
é que a sua intensidade pode ser ajustada de acordo com as necessidades fisiológicas
momentâneas. Mas é importante entender que o termo regeneração fisiológica não
implica em um tipo de mecanismo especifico. Existe uma grande diferença entre a
simples reposição do ciclo de uma célula epidérmica e a formação de um órgão, o que
envolve uma complexidade maior da regeneração de um membro inteiro. Então,
regeneração fisiológica deve ser vista como um termo de conveniência que personifica
uma variedade de processos designados para manter o equilíbrio normal dos tecidos do
corpo (Carlson, 2007). Um dos melhores exemplos de regeneração fisiológica, em
mamíferos, é o ciclo de trocas da epiderme ou células epiteliais, a renovação do
endométrio, e a reposição de células sanguíneas. Já entre os invertebrados temos como
exemplos a ecdise e a renovação de células do líquido celomático Todos esses
exemplos possuem mecanismos de controle e processos celulares diferentes, mas a
característica que possuem em comum é a função de manter o equilíbrio celular e/ou
tecidual.

Regeneração morfalática x Regeneração epimórfica

No inicio do século 20, T.H. Morgan descreveu as duas principais formas de


regeneração: epimorfia e morfalaxia (Fig.3). Epimorfia é um padrão de regeneração que
envolve a geração de novo de partes do corpo ou tecidos através da proliferação
celular. Este processo pode envolver a desdiferenciação de estruturas adultas e/ou a
ativação e proliferação de populações de células tronco para formar uma massa de
células, chamada blastema, que então se diferencia. Um exemplo de epimorfia é a
regeneração de membros em anfíbios (Goss, 1969). A definição de blastema é

469
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

bastante vaga, mas um blastema pode ser facilmente reconhecido como a “região
branca”, formada na superfície cortada do tecido e composta basicamente de células
indiferenciadas.
Morfalaxia, por outro lado, envolve a transformação de partes do corpo ou de
tecidos já existentes em novas estruturas. Neste processo ocorre pouca ou nenhuma
proliferação celular, e o novo tecido é formado a partir de células pré-existentes no local
ou próximo da injúria, como ocorre na reorganização de partes do corpo nas Hydras
após a amputação (Holstein e col., 2003)

Figura 3 - Principais formas de regeneração: Epimorfia e Morfalaxia. (A) Regeneração epimórfica de um


membro de anfíbio. (B) Regeneração morfalaxica em Hydra. Modificado de Agata, 2007.

Autotomia
O termo “autotomia” ou “auto-corte” foi primeiramente proposto por Frederick, em
1883, para descrever o mecanismo pelo qual alguns animais destacam uma parte do
corpo. O processo é normalmente disparado a partir de um estímulo externo, e efetivado

470
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

por um mecanismo intrínseco e mediado pelo sistema nervoso. Nos casos mais comuns
é usado como uma estratégia de defesa anti-predação (Wilkie, 2001), mas pode
também incluir todas as formas de escapar de um encarceramento ou remoção de uma
parte do corpo infectada ou lesionada.
Descartando alguma parte do corpo, um animal pode melhorar sua chance de
sobrevivência em um evento que poderia ser fatal. Tais perdas podem ser vantajosas
para um organismo desde que: a estrutura autotomizada não seja essencial para a sua
sobrevivência; seja a parte mais freqüentemente atacada e que, preferencialmente,
contenha alguma substância repugnante para o predador (Fleming e col., 2007). Apesar
desta imediata vantagem para a sobrevivência, a autotomia pode ter grandes
conseqüências para a locomoção, forrageamento, sobrevivência, e/ou reprodução.
Geralmente executada após o animal ter sido capturado, a autotomia pode ser uma
adaptação de defesa secundária, já que nem todo animal possui a capacidade de
regenerar integralmente as partes perdidas.
O processo envolve a amputação ou quebra de uma parte do corpo ao longo de um
plano de quebra predeterminado. Plano de autotomia se refere a um plano que corta
toda a estrutura anatômica do organismo no sitio de destacamento, como todo o braço
de um ofiuróide. E compreende várias zonas de quebra separadas. Por exemplo, o
plano de autotomia do braço de um ofiuróide inclui zona de quebra na epiderme, no
ligamento intervertebral, nervo radial e canal hidrovascular radial. Zonas de quebra são
predeterminadas e consistem de níveis de menor resistência ou fraqueza mecânica
(tração). Entretanto, existem as zonas de quebra que são sempre níveis de menor
resistência, as quais devem ser chamadas de zonas de fraqueza permanentes, e zonas
que se tornam fracas apenas na autotomia, que devem ser chamadas de zonas
potenciais de fraqueza. No caso dos ofiuróides, a epiderme do braço contém uma zona
permanente, enquanto que os ligamentos intervertebrais representam zonas potenciais
(Wilkie, 2001).

Reprodução Assexuada x Regeneração

Para muitos invertebrados, reprodução assexuada representa um meio de


aumentar o número de indivíduos sem o envolvimento de gametas. Os principais modos
de reprodução assexuada são fissionamento, brotamento e fragmentação (Fig.4).

471
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Figura 4 - Modos de reprodução assexuada entre alguns invertebrados.

Fissão, como o nome já diz, representa uma subdivisão natural do corpo em


uma ou mais partes e a reorganização de cada parte em um organismo completo. Para
muito protozoários, isso representa
esenta o meio de reprodução padrão. Em platelmintos e
anelídeos, fissão ou fragmentação são os mais comuns meios de reprodução
assexuada. Nestes grupos cada fissão é transversal, e a localização do plano de corte
varia de espécie para espécie. Em muitas planárias,
planárias, não há indicação do futuro local de
fissionamento, mas em outras, o plano de fissão é precedido pela formação de um
sulco. Especialmente entre planárias imaturas sexualmente a fissão é estimulada por
um ambiente desfavorável. Uma vez fissionada, os
os fragmentos destes organismos irão
se regenerar em novos indivíduos por combinações de mecanismos de morfalaxia e
epimorfia.
Até mesmo animais maiores são capazes de se reproduzir assexuadamente.
Como exemplo temos as estrelas do gênero Linckia, no qual adultos descartam
fragmentos de braço, sem o disco central, e cada braço é capaz de gerar um novo
indivíduo (Fig.5).

472
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Figura 5- Autotomia na estrela do mar Linckia multiflora. As fotos em sequência mostram o braço "cometa",
o qual é maior do que os outros, e sua subsequente constricção e autotomia. Ambos os fragmentos irão
regenerar uma estrela completa. Modificado de Brockes e col., 2001

Enquanto algumas espécies se reproduzem por fissão, outras se reproduzem


por brotamento (ou paratomia). Nestes casos, o indivíduo é completamente formado
antes da fissão e depois se destaca do organismo parental. Este processo é comum em
muitos anelídeos, cnidários, briozoários e tunicados, tanto nas formas coloniais ou
isoladas. Já a reprodução por fragmentação ocorre em anêmonas do mar e nemertinos
(Fig. 6).
Nos organismos que são capazes de regenerar indivíduos inteiros a partir de
pequenos fragmentos, os mecanismos celulares do seu modo de reprodução assexuada
são indistinguíveis dos mecanismos de regeneração morfoláticos ou epimórficos.
Portanto, a única diferença entre a reprodução assexuada e a regeneração parece ser o
estimulo que desencadeia esses dois eventos. Para reprodução o estimulo é fornecido
por condições favoráveis, como abundância de comida, enquanto que para a

473
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

regeneração o estímulo seria iniciado a partir de eventos deletérios, como injúrias


(Sanchez-Alvarado, 2000)

Figura 6 - Reprodução assexuada por fragmentação. (a) destacamento das peças da parte basal do corpo
de uma anêmona e sua transformação em organismos filhos. (b) fragmentação de um nemertino, cada
fragmento se reorganiza em um novo organismo. (c) Reprodução por brotamento
brotamento na planária Planaria
fussipara. Antes mesmo da fissão no nível indicado pela seta, a parte posterior da planária já está apta a se
transformar em um novo indivíduo. Modificado de Carlson B.M. 2007.

Então, o que veio primeiro? A regeneração ou a reprodução


reprodução assexuada?
Poderíamos dizer que a regeneração tem suas origens na reprodução assexuada? A
única diferença óbvia entre os dois é o estímulo. Isto indica que as cascatas
moleculares que são geralmente associadas com a regeneração podem ter aparecido
em primeiro lugar como uma forma de propagar a espécie (reprodução assexuada).
Posteriormente, tais cascatas podem ter sido co-optado
co optado por muitos organismos para
lidar com lesões ou qualquer outro evento catastrófico.
A habilidade de desencadear a reproduç
reprodução
ão após um dano sério tem óbvias
vantagens adaptativas, e não é difícil de ver como essa propriedade pode ter sido
selecionada. Além disso, uma explicação sobre a forma como um recurso pré-
pré-existente,
tal como reprodução assexuada poderia ter sido co-optado
co em um novo recurso como a
regeneração não precisa ser surreal. Este recurso só pode ter exigido, por exemplo, que
os estímulos necessários para a regeneração (lesão) ativem o mesmo mensageiro para
as moléculas utilizadas para mediar reprodução assexuada.

474
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

De fato, fortes evidências moleculares que suportam esta idéia são fornecidas pela
Hydra. Neste organismo ambos os estágios iniciais de brotamento e regeneração são
mediados pela secreção de peptídeos sinalizadores. Durante a reprodução assexuada,
ocorre um aumento localizado dos peptídeos secretados conhecidos como Head
Activator (HA). A ligação destes a receptores na superfície de células intersticiais
pluripotentes induz um aumento do cAMP, o qual ativa proteínas quinase A, resultando
na fosforilação do fator de transcrição (CREB) (cAMP response element–binding
protein). Este então ativa os genes responsáveis pela diferenciação das células
nervosas, as quais são responsáveis pelo processo de brotamento. Finalmente, o broto
emergente irá se diferenciar e produzir um novo e completo organismo.
Diferentes formas de gerar a mesma estrutura às vezes envolvem o uso de
diferentes células e/ou moléculas precursoras como recurso para regeneração.
Especialmente entre os invertebrados, a mesma estrutura pode ser formada como
resultado de diferentes processos, frequentemente envolvendo alguns dos processos
usados na reprodução assexuada ou embriogênese somática.

Considerações finais
Apesar de todos os benefícios associados ao processo, como reposição de
células, tecidos e órgãos após injúrias ocasionais causadas pelo próprio organismo ou
predadores, a regeneração necessita de uma mobilização metabólica que gera altos
custos ao organismo. Associada com a sobrevivência prejudicada devido à falta de um
órgão ou membro, pode afetar o crescimento somático e reprodutivo, desviando
recursos destinados a outros processos para que a reposição seja a mais rápida
possível. Tal fato pode ser proibitivo, se consideramos que apenas a alocação
fisiológica de recursos para o crescimento físico às vezes demanda mais da metade da
energia total disponível (Maginnis, 2006). Isso pode ser mensurado em conseqüências
ecológicas para esses animais, afetando principalmente o desenvolvimento e a
reprodução, mas também sua mobilidade, forrageamento e capacidade de defesa.
Entretanto, a regeneração continua sendo um mecanismo fundamental na
existência dos organismos e possui uma significância evolutiva no desenvolvimento de
táticas de sobrevivência. Como já postulou Goss, em 1969: “Se não existisse a
regeneração, não haveria vida, Se tudo regenerasse, não haveria morte”.

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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Invertebrados venenosos e peçonhentos


Toxinas e mecanismos de ação
Bruno Ramos
Lab. de Produtos Naturais de Invertebrados Marinhos
bcrramos@gmail.com

Há muito tempo postula-se que a vida tenha surgido nos oceanos, assim não é
de se surpreender que esse ambiente continue a abrigar uma enorme diversidade de
animais, o que inclui uma grande variedade de invertebrados. Alguns grupos como os
cnidários e os equinodermos, são completamente ou em grande parte marinhos. Essa
tremenda variedade e abundância de invertebrados nos oceanos de todo mundo são
resultados de vários números de fatores, muitos dos quais estão relacionados a
condições de redução de estresse químico e físico nas atividades diárias dos
organismos.
Num ambiente com grandes pressões seletivas e uma enorme variedade de
organismos, as interações intra e interespecíficas tem um papel determinante na
evolução desses organismos. Muitas dessas interações são mediadas pela liberação
de substâncias biologicamente ativas e podem ser classificadas de acordo com seu
papel ecológico. Feromônios são substancias que atuam na comunicação entre
membros da mesma espécie, cairomônios atuam na comunicação entre membros de
espécies diferentes com vantagens para a espécie receptora e alomônios, substâncias
químicas defensivas e ofensivas com vantagens adaptativas para a espécie que libera a
substância no meio. Nesse contexto alomônios ofensivos são substâncias empregadas
por organismos predadores, para paralisar e subjugar sua presa, enquanto alomônios
defensivos são utilizados para deterem inimigos (predadores ou competidores).
Os alomônios são comumente chamados de toxinas, e ocorre a tendência de se
considerar as diferentes toxinas, popularmente, como venenos. Cientificamente, no
entanto, faz-se necessária a diferenciação entre venenos e peçonhas.
Venenos são substâncias tóxicas encontradas em diferentes tecidos, e peçonhas
são substâncias tóxicas capazes de serem inoculadas pelo animal, normalmente por via
parenteral, através de órgãos especializados nesta função.

Com base neste critério, faz-se a diferenciação entre animais venenosos (que
expressam venenos) e animais peçonhentos (que expressam peçonhas).

476
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Animais venenosos são aqueles que acumulam toxinas (venenos) em diversos


tecidos de sua economia. Sua ação tóxica se dá, normalmente, pela ingestão do animal
(mexilhões e mariscos, por exemplo). Estes animais podem ser venenosos primários,
quando possuem vias metabólicas especializadas na produção das toxinas, como, por
exemplo, o dinoflagelado marinho Guamberdiscus toxicus, produtor da ciguatoxina.
Também podem ser venenosos secundários, quando adquirem suas toxinas através de
cadeia alimentar, pela ingestão de organismos venenosos primários. Por exemplo,
peixes que adquirem a ciguatoxina, alimentam-se de organismos bentônicos marinhos
associados ao Guamberdiscus toxicus. Alguns peixes considerados como animais
venenosos primários são, na verdade, secundários, tais como os Baiacus e certos
crustáceos, que expressam saxitoxina e tetrodotoxina. Estas neurotoxinas têm origem
em bactérias associadas a diferentes tecidos corpóreos. No caso do mexilhão Perna
perna, que possui pequenos níveis de saxitoxina e tetrodotoxina, sabe-se que elas
provêm de bactérias tipo Vibrio sp e Pseudomonas sp, isoladas em suas glândulas
digestivas.
Animais peçonhentos são aqueles que possuem órgãos capazes de inocular
suas toxinas (peçonhas, geralmente toxinas peptídicas) por via parenteral. A inoculação
pode ser ativa ou predatória (quando o animal inocula a toxina ativamente, como no
caso do Conus regius) ou passiva ou de defesa, quando o animal é manipulado, ou
simplesmente tocado (como, por exemplo, no caso do “peixe-escorpião” e certos
anfíbios). As toxinas estão normalmente localizadas em glândulas cutâneas, e os
órgãos inoculadores podem estar incompletos ou mesmo ausentes.
Ao longo da escala filogenética, freqüentemente encontramos a produção de
substâncias químicas comuns, com a finalidade de defesa, de ataque ou de simples
comunicação, o que é natural, dado o meio aquático onde vivem os animais marinhos.
Estas substâncias parecem ter importância na regulação da energia disponível
de um ecossistema: se uma toxina é letal para certa espécie, ela confere vantagem
seletiva ao produtor da toxina, mas ao mesmo tempo, pela predação mais eficiente,
reduz a disponibilidade de alimento, limitando sua vantagem reprodutiva, regulando o
“quantum” de energia total do sistema. Por outro lado, e ao mesmo tempo, esta toxina
pode afetar outros organismos através da dieta (venenos) ou da inoculação (peçonhas),
influenciando de maneira complexa a natureza do ecossistema tomado como um todo.
Invertebrados venenosos ou peçonhentos são comumente encontrados em
Poríferos, Cnidários, Moluscos e Artrópodes. Porém, alguns dinoflagelados também
produzem toxinas extremamente potentes e também serão abordados a seguir.

477
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Marés Vermelhas

Os dinoflagelados são um dos grupos mais abundantes no plâncton marinho e,


como na sua maioria são autotróficos têm um importante papel na produção primaria do
globo. No entanto, algumas espécies como, Alexandrium tamarense e Alexandrium
catenella são responsáveis pelas chamadas “marés vermelhas”. Em condições
favoráveis de temperatura e nutrientes podem reproduzir-se em grande escala
produzindo grandes quantidades de Saxitoxina. A Saxitoxina é uma potente toxina
neurotóxica que se prende aos canais de sódio voltagem-dependentes impedindo a
propagação dos potencias de ação de células excitáveis. A brevetoxina é outra potente
toxina encontrada nas “marés vermelhas”, produzida por dinoflagelados da espécie
Karenia brevis, a brevetoxina age ligando-se aos canais de Na+ voltagem dependente,
impedindo que o mesmo se feche depois de ser aberto. Ambas as toxinas são
extremamente lipofílicas, sendo rapidamente absorvidas pelos tratos gastrointestinais e
respiratórios.

Porífera

Esponjas, que constituem o filo Porífera, são os mais primitivos dos animais
multicelulares, não possuem órgãos, mas tem tecido conjuntivo bem desenvolvido. Seu
esqueleto pode ser formado por espículas calcárias, espículas silicosas, fibras de
espongina protéicas ou uma combinação dessas duas últimas. Vários animais se
alimentam de esponjas, embora o dano causado por estes predadores seja geralmente
pequeno. Alguns moluscos, ouriços e estrelas-do-mar, além de peixes tropicais
(donzelas, peixes-borboleta) e tartarugas, comem Esponjas. Muitas espécies são
totalmente expostas aos predadores, e na impossibilidade de “bater em retirada”
apresentam mecanismos alternativos de defesa contra a predação excessiva. O
mecanismo primário de defesa das Esponjas é de natureza química. As esponjas
produzem ou acumulam uma ampla gama de compostos tóxicos, alguns bastante
potentes e que podem ser expelidos por poros presentes na superfície externa desses
animais. Espécies de alguns gêneros como Tedania e Neofibularia, podem mesmo
causar dermatites dolorosas em seres humanos. Muitas espécies produzem compostos
com atividade antimicrobiana (antibacteriana, antifúngica, antiviral). Além de defesas
antipredação e contra infecções microbianas, as toxinas de esponjas servem também
para a competição por espaço com outros invertebrados, como briozoários, ascídias,
corais e até mesmo outras esponjas. Isto permite a algumas esponjas crescer
rapidamente e recobrir a fauna e a flora adjacentes.

478
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Cnidários
Um dos grupos que mais vem ganhando destaque no quadro internacional
quando o assunto é toxinas são os cnidários. Os cnidários possuem células urticantes
características presentes em todos os representantes do filo. Essas células produzem
organelas especializadas denominadas nematocistos, que contém um bulbo venoso e
um filete eversível capaz de injetar toxinas. A peçonha contida nos nematocistos desses
animais contém uma grande variedade de toxinas provocando efeitos dos mais diversos
quando injetado na presa ou no predador.
Extensivos estudos têm sido realizados nesse grupo devido aos vários relatos de
contato desses animais, principalmente das classes Cubozoa e Sciphozoa, com
humanos, com resultados potencialmente fatais.
As classes Cubozoa e Sciphozoa são representadas pelas conhecidas medusas,
onde se destacam os cubozoários chironex fleckri, tido como o animal mais peçonhento
do mundo, e Carukia barnesi, conhecido por causar a “síndrome de Irukandji” (forte
hipertensão que pode resultar em edema pulmonar, hemorragia intracerebral e infarto
agudo) e os cifozoários Cyanea capillata e Chrysaora quinquecirrha.
De maneira geral, as fatalidades observadas em humanos e animais de
laboratório se devem aos efeitos cardiotóxicos gerados pela peçonha. A entrada de
cálcio através de poros formados nas células, a liberação de substâncias endógenas
como epinefrina e histamina, a interferência nos canais iônicos das membranas
celulares, ou a combinação desses fatores e de fatores ainda não conhecidos podem
levar ao colapso cardiovascular.
Apesar de décadas de estudos, muito pouco é conhecido da peçonha desses
animais do ponto de vista farmacológico. O grande número de proteínas e substancias
presentes na peçonha aliado a instabilidade de muitas toxinas fazem do seu estudo um
trabalho difícil e complexo.
Diferentemente dos membros das duas classes anteriores, os membros da
Classe Anthozoa, representada pelas anêmonas e corais, produzem potentes toxinas
estáveis. Por esse motivo, muitas toxinas de varias espécies já foram isoladas e
caracterizadas. As mais conhecidas são as neurotoxinas que agem nos canais de sódio.
São polipeptídios de 3~5KDa e foram primeiramente isoladas da espécie Anemonia
viridis e denominados ATX I, ATX II e ATX III (hoje Av1, Av2 e Av3). Essas toxinas
agem impedindo a inativação dos canais de sódio através da estabilização das
conformações do seu estado ativo.
Toxinas que agem nos canais de potássio também têm sido descritas em
diversos membros dessa classe. Essas toxinas fazem parte de uma única família de

479
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

bloqueadores de canais de potássio, com massa variando entre 3.5 - 6.5KDa, onde a
primeira toxina a ser isolada foi a ShK, da anêmona Stichodactyla hielanthus.
Outra classe de toxinas bem estudada e caracterizada em anêmonas são os
polipeptídios citolíticos. Essas toxinas podem agir formando poros nas membranas
celulares, onde são destacados os estudos realizados com Equinatoxina II (Eqt II), da
anêmona Actínia eqüina e Sticholisina (St II), da Stichodactyla hielanthus, ou atuando
como enzimas, que podem ter ou não ação fosfolipásica.
A última Classe dentro do grupo dos cnidários analisada aqui, é a Classe
Hydrozoa Os poucos trabalhos realizados com membros desse grupo se restringem a
algumas espécies de hidras, caravelas (Physalia) e hidrocorais (Millepora). As
dificuldades no estudo desses organismos são o tamanho diminuto de seus pólipos, a
dificuldade de extrair a peçonha diretamente dos seus nematocistos e a instabilidade de
suas toxinas. Mesmo com essas dificuldades algumas toxinas interessantes foram
isoladas desses animais como, por exemplo, as hidralisinas, uma nova categoria de
citolisinas formadoras de poros, isoladas primeiramente da hidra Chlorohydra viridissima
e a phisalia toxina, uma das primeiras toxinas de cnidários isoladas diretamente dos
nematocistos. Essa toxina tem massa de 240KDa, é composta por 3 subunidades
glicosiladas e é letal quando injetada intraperitonialmente em camundongos.

Moluscos e crustáceos
A maioria dos membros desses grupos são animais venenosos que acumulam
toxinas em seus tecidos, de maneira primaria ou secundária, salvas algumas exceções.
O molusco Dollabela curicularia produz peptídeos citotóxicos com forte atividade
anti-neoplásica, mostrando cerca de 70% de eficácia no melanoma humano,
interrompendo a divisão celular na metáfase. Eles agem em receptores de tubulina,
comprometendo, assim, a fisiologia celular.
A Aplysia brasiliana a partir de pré-toxinas existentes em algas produz a
brasilenina, sesquiterpênio com ação ictiotóxica, usada contra ataques de tubarões.
Produz ainda o cloreto de trimetil sulfônio, que interage com receptores muscarínicos e
nicotínicos, capaz de produzir parada respiratória em camundongos através de injeção
intraperitonial.
Merece especial referência a família Conidae, dos gastrópodes representados
pelo molusco piscívoro Conus sp. Os membros do gênero Conus produzem toxinas
denominadas conotoxinas. Foram isolados 5 tipos de conotoxinas, cada uma atuando
em diferentes alvos. Eles se alimentam de bivalves e monovalves acumuladores de
toxinas do plâncton, assim como de poliquetos.

480
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Eles acumulam as toxinas dentro de um aparelho peçonhento bastante


sofisticado de sua probóscide, usado primariamente para a predação, mas também
como equipamento defensivo, existindo relatos de casos fatais entre seres humanos.
Estes moluscos são vermívoros, moluscívoros e piscívoros, sendo que o Conus
regius preda poliquetos. Sua toxina provoca paralisia por ação neurotóxica, que se dá
++
através de diversos mecanismos: bloqueio de canais de Ca voltagem dependente, e
da condução axonal e bloqueio pós-sináptico do receptor de acetil-colina, assim como a
inibição da difusão dos potenciais de ação pelo músculo.
Os conídeos são gastrópodes de hábitos noturnos e, talvez por isso, o número
de acidentes com seres humanos seja limitado.
Os crustáceos venenosos normalmente concentram as toxinas em seu interior
por comer algas que as produzem. Ao serem ingeridos por seres humanos, podem
apresentar ação tóxica, muitas vezes letal. Normalmente seu estômago é impermeável
à tetrodotoxina e, portanto, são resistentes a ela. O Lophozosimus pictur, sintetiza uma
proteína capaz de inativar a tetrodotoxina, além de acumular palitoxina em seu interior.
Outros exemplos podem ser citados: o Actaeodes tomentosus, do Japão, é
concentrador de toxinas da Jania sp, tendo provocado incidentes fatais entre seres
humanos; o Zosimus aeneus, da Ilha Ishigaki (Japão), o Portunus pelagicus, da Malásia,
que recebe as toxinas da Pyrodinium bahamense; o Cancer magister, dos EUA, que
recebe toxinas da Gonyaulax tamarensis (assim como o Cancer irroratus, o Cancer
productus e o Cancer borealis).
Algumas espécies de lagostas, também são capazes de concentrar toxinas
(fitotoxinas/tetrodotoxina). Alguns exemplos podem ser citados: Panulirus versicolor e
Panulirus longipes que recebem suas toxinas do Pyroidinium bahamense; a Homarus
americanus, que recebe as toxinas da Gonyaulax tamarensis e da Alexandrium
tamarense.
Os camarões penacídeos (Penacidae) e penaeídeos, também concentram as
toxinas, recebendo-as da Pyrodinium bahamense.

Mecanismos de ação
Toxinas que agem em canais celulares

De maneira geral essas toxinas agem bloqueando, ativando, impedindo ou


retardando o fechamento dos canais presentes nas células excitáveis, causando um
completo desequilíbrio iônico e levando consequentemente ao colapso funcional da
célula. Dentre os canais que são alvos dessas toxinas vale a pena destacar os canais

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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

de sódio voltagem-dependentes (Nav). Esses canais exercem um papel primário na


excitabilidade da maioria dos animais, permitindo a iniciação e propagação dos
potenciais de ação. Dado ao seu papel crucial, os Navs se tornaram alvos de inúmeras
e variadas toxinas.

Toxinas que agem nas membranas celulares

Conhecidas como citolisinas essas toxinas atacam a célula alvo pelo aumento
muitas vezes, não especifico da permeabilidade da membrana a íons e pequenas
moléculas. O efeito da permeabilização pode ser letal se for forte o suficiente para
alterar a capacidade de regulação homeostática da célula para além de sua capacidade
de regulação ou mesmo se comprometer a estrutura da membrana. As citolisinas
podem ser classificadas da seguinte maneira:

• Toxinas formadoras de poros, as quais produzem lesões bem definidas nas


membranas celulares.
• Toxinas com características enzimáticas (fosfolipase e esfingomielase)
• Toxinas com característica detergente, que promovem a desestabilização da
membrana através da solubilização dos componentes lipídicos da membrana.

Toxinas que agem no citoesqueleto celular

O citoesqueleto de células eucariontes é composto principalmente por duas


proteínas, actina e tubulina. Ambas compartilham uma propriedade comum de se
agruparem reversivelmente em longos e flexíveis polímeros, denominados filamentos de
actina e microtúbulos. Essas proteínas desempenham uma variedade de importantes
atividades em muitos processos celulares como a distribuição de organelas nas células,
formato, adesão e divisão celular. Um grande número de toxinas se liga a essas
proteínas inibindo ou aumentando sua polimerização.
O Ácido Ocadáico, produzido por dinoflagelados do gênero Prorocentrum e
Dinophysis, e a ostreocina-D atuam nos filamentos de actina provocando rompimento ou
mudanças na sua conformação.
Existem evidencias de que o ácido ocadáico induz apoptose em alguns tipos
celulares e é aneugenico em células Caco-2 de humanos, assim pode ser considerado
como uma genotoxina.

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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Palitoxina

Palitoxina é uma das toxinas mais potentes existentes e foi isolada


primeiramente de zoantharios (Hexacorallia) do gênero Palytoa. Hoje, a palitoxina e
vários dos seus análogos são encontrados numa grande variedade de organismos
marinhos, incluindo anêmonas, poliquetos, dinoflagelados, algas, caranguejos e peixes.

A palitoxina demonstrou ser 200 vezes mais potente do que a tetrodotoxina


quando injetada intraperitonialmente em camundongos. Essa toxina atacou todas as
células animais testadas, provocando violentas contrações de músculos lisos, estriados
e cardíacos, induzindo secreção massiva de células secretoras e despolarizando todo
tecido excitável investigado.
Devido ao seu mecanismo não usual de ação, aos inúmeros tipos de células
afetados e ao mascaramento do seu mecanismo devido aos efeitos secundários
gerados, muitas conclusões erradas foram feitas a respeito do seu mecanismo de ação.
Após anos de investigação e discussão finalmente foi descoberto o mecanismo
de ação dessa toxina, um mecanismo único que transforma a bomba de Na+/K+ em um
canal iônico não especifico para íons monovalentes. Esse canal permite o influxo de
sódio e o efluxo de potássio, acabando rapidamente como o equilíbrio iônico da célula e
levando ao colapso celular.

Toxinas como ferramentas fisiológicas?

Além do potencial obvio de interferir nas vias metabólicas, e por esse motivo
serem utilizadas como remédios ou venenos, as toxinas também podem ser usadas
indiretamente como ferramentas fisiológicas. Isso se deve a especificidade que muitas
toxinas têm com sítios celulares específicos.
A palitoxina é um bom exemplo, assim que seu mecanismo de ação foi
determinado essa toxina se tornou uma importante ferramenta no estudo do
funcionamento da bomba de Na+/K+. O melhor exemplo dessa utilidade foram os
estudos realizados sobre a influência da palitoxina na oclusão dos cátions (um passo
intermediário no ciclo da bomba) e na fosforilação da bomba (processo necessário para
sua mudança de conformação).
Outro bom exemplo são as conotoxinas, os cinco tipos de conotoxinas agem em
diferentes alvos. Por exemplo, a υ-conotoxina, inibe os canais de sódio voltagem-
dependentes nos músculos e a ω -conotoxina, age nos canais de cálcio voltagem-
dependentes do tipo N, que são canais relacionados à analgesia. Assim as

483
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

especificidades das diferentes toxinas podem contribuir tanto para o desenvolvimento de


novas drogas, quanto para os estudos de sítios específicos nas células, como domínios
de membranas e tipos e subtipos de canais iônicos.

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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Toxinas de animais marinhos como ferramentas


para o estudo e o controle da dor
Wils on Alv es Ferreira Júnior

Laborat ório de Fis iopatologia – Unidade de Dor (Inst ituto But antã)

will vetera@g mail.co m

“A Dor é uma experiência sensitiva e


emocional desagradável associada ou
relacionada à lesão real ou potencial dos tecidos.
Cada indivíduo aprende a utilizar esse termo
através das suas experiências anteriores”. Este
conceito foi criado, em 1994, pela International
Association for the Study of Pain (IASP). A dor
continua sendo uma das grandes preocupações
da humanidade. Existem algumas evidências,
como registros gráficos e documentos escritos,
que sugerem que o homem sempre procurou
esclarecer as razões que justificassem a
ocorrência de dor e os procedimentos destinados

ao seu controle. Dentro deste cenário, vários compostos obtidos a partir de animais
marinhos, com especial relevância para as neurotoxinas, estão sendo empregados como
ferramentas para caracterizar os mecanismos fisiológicos envolvidos no processo de
geração e transmissão da dor e como modelos para o desenvolvimento de novos
fármacos analgésicos. O Ziconodite, uma ω-conotoxina purificada inicialmente da
peçonha do Conus magus, age como um bloqueador específico de canais de cálcio
dependente de voltagem. Aprovado pela FDA e UE, o Prialt, nome comercial do
Ziconotide, vem sendo utilizado como analgésico em pacientes com dores crônicas,
resistentes aos analgésicos usuais. O Xen2174, um análogo da χ-conotoxina Mr1A obtida
do Conus marmoreus, encontra-se na fase III da pesquisa clínica. Por inibir seletivamente
transportadores de norapinefrina, o Xen2174 é candidato a novo agente terapêutico em
pacientes com dores neuropáticas persistentes. Ainda, novas moléculas purificadas de
peçonhas de anêmonas do mar também têm contribuído para ampliar o conhecimento
sobre a ação moduladora de neurotoxinas em canais iônicos ou receptores envolvidos no
processo de dor. Recentemente foi demonstrado que um composto isolado da anêmona

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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Heteractis crispa induz efeito analgésico por inibir corrente iônica dos receptores
vanilóides (TRPV1). Atualmente esta sendo caracterizado, pelo nosso grupo, o efeito
analgésico induzido por um composto não peptídico, obtido da anêmona Bunodosoma
cangicum, capaz de atuar em receptores para serotonina.

Fisiologia da Dor

Considerações Gerais

Dor é uma experiência complexa que envolve não apenas a transdução de


estímulos nocivos, mas também o processamento cognitivo e emocional. Todos os
sistemas sensoriais devem converter estímulos ambientais em sinais eletroquímicos. Na
percepção de sinais visuais e olfativos, os neurônios sensoriais primários detectam
apenas um tipo de estímulo (luz ou odores químicos) e empregam, para transmissão,
uma via de sinalização convergente (Fig. 1a). Diferentemente, a nocicepção pode ser
considerada um sistema sensorial único, uma vez que os neurônios sensoriais da via da
dor (neurônios nociceptivos) apresentam a notável capacidade de detectar uma ampla
gama de modalidades de estímulos, incluindo os de natureza física e química (Julius &
Basbaum, 2001). Comparado a outros neurônios sensoriais, as fibras aferentes
nociceptivas são equipadas com um repertório diversificado de dispositivos empregados
na transdução dos estímulos nociceptivos (Fig. 1b). Alem disso, estímulos químicos,
induzidos tanto pela capsaicina ou pela alteração da concentração de prótons do meio
(alteração da acidez), ou mesmos estímulos físicos induzido pelo calor, podem excitar
neurônios nociceptivos ativando um único receptor (Julius & Basbaum, 2001). Estas
propriedades permitem ao organismo integrar as informações e responder às complexas
mudanças no meio fisiológico.
A transmissão da dor está associada à atividade elétrica das fibras nervosas
aferentes primárias, as quais possuem terminações sensoriais nos tecidos periféricos,
denominadas nociceptores (receptores da dor). Os nociceptores, proposto por Sherrigton
no inicio do século passado, são terminações nervosas livres desprovidas de estruturas
receptoras específicas sendo, portanto, uma continuação da própria fibra nervosa (Text
Book of Pain, 1999). Os nociceptores ou fibras aferentes nociceptivas primárias são
normalmente ativados por estímulos de alta intensidade. Estes estímulos podem ser de
origem mecânica, térmica e/ou química. Os neurônios aferentes primários desempenham
três funções principais no que diz respeito à nocicepção: 1- detecção do estímulo
nociceptivo ou nocivo (transdução); 2- condução do impulso da periferia para a medula
espinhal; 3- transferência desses impulsos para neurônios secundários e interneurônios
presentes em lâminas específicas do corno dorsal da medula espinhal (transmissão

486
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

sináptica) (Caviedes & Herranz, 2002). Da medula espinhal, as informações nociceptivas


são conduzidas ao tronco cerebral, tálamo e córtex cerebral, onde ocorre a percepção da
dor (Schaible & Richter, 2004).

Figura 1 - Receptores para dor polimodais utilizam grande diversidade de mecanismos para detectar os
estímulos nocivos. a- Em mamíferos, luz ou odores quimicos são detectados por uma via de sinalização
convergente, na qual os receptores acoplados a proteína G ativam segundos mensageiros que, em
seguida, alteram a excitabilidade do neurônio sensorial. Este efeito é regulado pela atividade de um único
tipo de receptor canal iônico. b- Em contrapartida, nociceptores utilizam diferentes mecanismos de
transdução para detectar os estimulos físicos e químicos

Muitas fibras aferentes nociceptivas são desprovidas de mielina e, portanto


possuem baixa velocidade de condução (< 1m/s). Estas fibras são denominadas fibras C
e são também caracterizadas como nociceptores polimodais uma vez que respondem a
estímulos mecânicos, térmicos e químicos. As fibras nociceptivas mielinizadas,
denominadas Aδ, conduzem mais rapidamente os estímulos periféricos (> 1m/s). As fibras
nociceptivas terminam nas camadas superficiais do corno dorsal da medula espinhal,
formando conexões sinápticas com os neurônios secundários que se dirigem ao tálamo
(Julius & Basbaum, 2001). Durante o desenvolvimento de uma resposta inflamatória,
fibras nociceptivas, particularmente as do tipo C, são sensibilizadas e,
consequentemente, podem ser ativadas por estímulos de menor intensidade, acarretando
hipernocicepção (aumento da resposta a estímulos nocivos) ou alodinia (resposta a

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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

estímulos não nocivos) (Kidd & Urban, 2001), considerados os mais importantes
fenômenos nociceptivos de um processo inflamatório. Cabe ressaltar que os termos
hipernocicepção e alodinia são usualmente empregados para descrever sensação de dor
em humanos. É importante salientar que, além dos receptores polimodais C, um grupo
adicional de nociceptores, denominados receptores "silenciosos" ou "adormecidos"
(silent/sleeping nociceptors), são ativados durante processos inflamatórios, contribuindo
para a hipernocicepção. Estas fibras aferentes são encontradas na pele, articulações e
em órgãos viscerais (Schaeffer R. C. e col., 1988).
Várias substâncias sintetizadas e liberadas durante o processo inflamatório, tais
como prótons extracelulares, mediadores lipídicos, incluindo prostaglandinas, além de
bradicinina, aminas biogênicas, entre outros, podem interferir com a atividade dos
neurônios nociceptivos primários (Fig. 2) (Julius & Basbaum, 2001). Os mediadores
periféricos da hipernocicepção atuam via receptores ligados a intermediários celulares
regulatórios (proteína G, segundos mensageiros), que regulam a permeabilidade da
membrana e a concentração iônica celular (Text Book of Pain, 1999). A sensibilização dos
neurônios nociceptivos primários é decorrente, em parte, do incremento das
concentrações intracelulares de AMPc, ativação de proteínoquinases, como PKA,
acarretando a fosforilação de canais iônicos e o aumento do influxo de Ca2+ intracelular. A
consequência destes efeitos metabólicos é a despolarização parcial da membrana
neuronal facilitando a geração e a transmissão de impulsos nervosos (Cunha F. Q. e col.,
1999). Alguns mediadores hipernociceptivos elevam diretamente as concentrações
intracelulares de AMPc, enquanto outros, cujos receptores não estão acoplados a
adenilato ciclase, sensibilizam nociceptores por mecanismos independentes da formação
direta do AMPc. Estes mecanismos incluem a geração de prostanóides e a ativação da
proteínoquinase C (PKC) (Text Book of Pain 1999). A ativação da PKC acarreta a
fosforilação e o aumento da atividade de canais iônicos permeáveis a Ca2+ e Na+
(Lorenzetti & Ferreira, 1996). Independentemente do mecanismo de sinalização
intracelular, o aumento na expressão e fosforilação de canais iônicos em membranas de
neurônios periféricos é o principal fator responsável pelo aumento da excitabilidade da
membrana destas células (Woolf C. J., 2000). Os principais canais iônicos responsáveis
pela geração de potenciais de ação na membrana de neurônios nociceptivos são os
canais de sódio dependentes de voltagem (Woolf C. J. 2004).
Além da sensibilização dos neurônios nociceptivos primários, outros mecanismos
podem estar envolvidos na gênese da hipernocicepção e alodinia, como excitabilidade
ectópica, aumento da excitabilidade dos neurônios no corno dorsal da medula espinhal ou
no núcleo trigeminal do tronco cerebral (Sensibilização Central), reorganização estrutural
e redução da atividade de sistemas inibitórios endógenos (Woolf C. J. 2004).

488
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

O corno dorsal da medula espinhal é um sítio importante no processo de


transmissão e modulação da informação nociceptiva da periferia para o SNC (Aimone &
Yaksh, 1989). O principal neurotransmissor excitatório envolvido na sensação nociceptiva
é o glutamato, enquanto neuropeptídeos como a substância P, a neurocinina A e o
peptídeo relacionado ao gene da Calcitonina parecem atuar como neuromoduladores da
transmissção nociceptiva (Kidd & Urban, 2001). Estes neuromoduladores agem em
receptores específicos na membrana pós-sináptica, favorecendo a transmissão da
informação nociceptiva. A ativação e a modulação dos receptores NMDA para glutamato
têm papel importante na indução e manutenção da sensibilização dos neurônios
medulares (Sensibilização Central) (Schaible & Richter, 2004). Contudo, a liberação de
neuropeptídeos, de fatores neurotróficos e de prostaglandinas, neste sítio medular,
também contribui para a gênese do processo de Sensibilização Central. Dados de
literatura têm evidenciado que as células da glia (astrócitos e microglia) presentes na
medula espinhal, por meio da liberação de vários mediadores nociceptivos, contribuem
também para a sensibilização central.
A transmissão nociceptiva na medula espinhal é modulada por tratos
descendentes excitatórios e inibitórios, os quais podem atuar em fibras aferentes
primárias, ou ter ações em fibras pós-sinápticas ou em interneurônios presentes no corno
dorsal da medula espinhal (Cousins & Cohen, 2005). Os múltiplos tratos descendentes
inibitórios se originam de núcleos presentes no tronco cerebral. Neurotransmissores como
acetilcolina, GABA, glicina e opióides modulam a atividade destes tratos descendentes
inibitórios (Millan M. J. 2002). A nocicepção é, portanto, um processo gerado na periferia
e modulado no SNC. Alterações no controle descendente da nocicepção também podem
provocar sensibilização central e, consequentemente, estados hipernociceptivos.
Importantes progressos têm sido feito na identificação dos locos corticais, no
sistema nervoso central (SNC), envolvidos no processamento dos estímulos nociceptivos.
No entanto, os maiores avanços têm sido alcançados na compreensão dos mecanismos
moleculares periféricos envolvidos na percepção e transmissão dos estímulos dolorosos.
Estas idéias surgiram a partir da análise dos sistemas sensoriais em mamíferos, assim
como a partir de estudos de invertebrados. Apesar de não detectarem estímulos
dolorosos, os invertebrados apresentam mecanismos que os permitem detectar e evitar
estímulos potencialmente nocivos do meio ambiente. Essas vias de sinalização podem
ser consideradas como precursoras do sistema sensorial nociceptivo dos vertebrados.
Estudos genéticos têm contribuído para a identificação e caracterização funcional de
moléculas e vias de sinalização que contribuem para a detecção de estímulos nocivos.

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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Figura 2-. A injúria tecidual ou o processo inflamatório promove a liberação de neurotransmissores e


neuromoduladores que agem facilitando ou aumentando a ativação das fibras sensoriais nociceptivas.
Este processo caracteriza a quadro de hipernocicepção. Modificado de TestBooK of Pain, 4th edition

Controle periférico da dor


O desenvolvimento de novos fármacos analgésicos tem objetivado a busca por
fármacos desprovidos de efeitos adversos no SNC e/ou que tenham preferencialmente
ação periférica. Pesquisas clínicas relacionadas à analgesia têm direcionado sua atenção
para a identificação de agentes farmacológicos que possuam alta especificidade pelo seu
sitio de ação, diminuindo assim, os efeitos adversos dessas drogas. Estas pesquisas,
além de favorecer a obtenção de novos fármacos analgésicos, têm contribuído para
ampliar o conhecimento dos mecanismos periféricos envolvidos na gênese e manutenção
da dor bem como de sua modulação, ainda no terminal nociceptivo primário. É importante
salientar que os estudos visando o desenvolvimento de novos fármacos analgésicos têm
mostrado que toxinas isoladas de venenos animais, em decorrência de sua seletividade e
especificidade por canais iônicos, enzimas e componentes de membranas neuronais
(receptores metabotrópicos e ionotrópicos) envolvidos no processo de transmissão da dor
e de seu controle (Fig. 3), apresentam potencial como agentes terapêuticos para o
tratamento da dor (Cury & Picolo, 2006).
Analgésicos, de maneira geral, atuam prevenindo a sensibilização dos
nociceptores (Ferreira S. H., 1972), como os antiinflamatórios não esteroidais, ou

490
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

interferindo, direta ou indiretamente, com os receptores da dor já sensibilizados, como,


por exemplo, a dipirona, os opióides ou substâncias liberadoras de opióides endógenos e
o óxido nítrico.
Vários estudos sobre os mecanismos moleculares envolvidos na ação periférica
dos fármacos que agem interferindo com os receptores da dor já sensibilizados, têm
mostrado a existência de uma via única comum para a ação de alguns destes fármacos.
Estes trabalhos têm evidenciado que opióides, substancias doadoras de óxido nítrico ou
mesmo antiinflamatórios não esteroidais, como o ketorolac promovem analgesia via
ativação da via óxido nítrico/GMPc/PKG e abertura de canais para potássio. Desta forma,
os canais de potássio têm sido considerados como um dos mediadores finais da ação
analgésica periférica destes fármacos. Estes canais têm sido caracterizados como canais
de potássio sensíveis a ATP, ativados por cálcio ou dependentes de voltagem (Santos A.
R., 1999).

Figura 3.– Vias de sinalização da Dor: Os neurônios excitatórios e inibitórios formam redes
altamente complexas e sintonizadas. Estão ilustrados, grande parte, dos receptores de membranas
que são expressos nos gânglios da raiz dorsal (DRG) que respondem aos estímulos dolorosos:
canais de sódio Nav1.8, receptor vanilóide TRPV1 , canais sensíveis a pH (ASIC) entre outros. Estão
também representados alguns precursores modulatórios da via descendente facilitatória e inibitória,

491
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Toxinas Marinhas – Novos Analgésicos

Os oceanos tornaram-se,
Moleclar Intervetion - Baldomero M. Oliveira & Russell W.
atualmente, uma importante
fonte de novas moléculas com
potencial terapêutico. Os
produtos naturais marinhos têm
despertado interesse na
comunidade médica e científica
por apresentarem alta
especificidade farmacológica.
Esponjas, tunicatos, briozoários,
cnidários e moluscos, são alguns
dos invertebrados que vem
sendo
investigados como fornecedores de novas moléculas. É importante ressaltar que
compostos de origem marinha já estão, atualmente, em fase avançada dos ensaios
clínicos ou sob avaliação pré-clinica para desenvolver novos medicamentos analgésicos.
Os moluscos marinhos da família Conotidea parecem ter, cada espécie, um
repertório de 100 – 200 diferentes conopeptideos em sua peçonha. A caracterização
destas toxinas tem mostrado que não há, até o presente, sobreposição molecular entre os
conopeptideos. Seguindo o raciocínio, se existem descritos na literatura um numero
superior a 500 espécies de Conos, a estimativa é que existem entre 50.000 a 100.000
diferentes compostos.
O Ziconodite, uma ω-conotoxina purificada inicialmente da peçonha do Conus
magus, age como um bloqueador específico de canais de cálcio dependente de voltagem.
Aprovado pela FDA e UE, o Prialt, nome comercial do Ziconotide, vem sendo utilizado
como analgésico em pacientes com dores crônicas, resistentes aos analgésicos usuais,
ver tabela 1. As ω-conotoxina atuam bloqueando especificamente canais de cálcio
dependentes de voltagem do tipo N (Wang X. Y. e col., 2000).
A molécula sintética, denominada Xen2174, é um análogo de outro conopeptideo,
χ-conotoxina Mr1A obtida do Conus marmoreus. Recentemente o Xen2174 iniciou a fase
III da pesquisa clínica. Por inibir seletivamente transportadores de norapinefrina, o
Xen2174 é candidato a novo agente terapêutico em pacientes com dores neuropáticas
persistentes (Nielsen C. K. e col. 2005).

492
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Tabela 1- Diversidade de peptideos neurotóxicos de Conus sp. –. Modificaddo de Olivera & Teichert ,2007

Outro grupo de toxinas que vem sendo bastante estudada são as obtidas a partir
da peçonha de anêmonas do mar. Estes animais, juntamente com os corais, águas
vivas e hidras, formam o filo dos Cnidários. Os animais deste filo apresentam células
especializadas, os cnidócitos, as quais possuem estruturas celulares microscópicas,
similares a arpões, denominadas de nematocistos, responsáveis pela inoculação de
peçonha rica em neurotoxinas paralisantes.
Desde a década de 1970, vários estudos vêm sendo realizados com o intuito de
caracterizar os mecanismos envolvidos na ação das toxinas de anêmonas.Neste sentido,
foi possível evidenciar que as toxinas isoladas de anêmonas do mar apresentam ações
em diversos tipos de canais iônicos, mostrando grande potencial farmacológico. A toxina
APTx2, isoladas de extratos da anêmona Anthopleura elegantíssima (Diochot S. e col.,
2004), bloqueia especificamente canais do tipo ASIC (“Acid-sensing Ion Channels”). Já foi
demonstrado que estes canais têm importante participação na vias de transmissão de
estímulos nociceptivos. Além das neurotoxinas, está sendo investigado o papel
farmacológico de compostos de baixo peso molecular de anêmonas.

493
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

Foi observado que


uma fração da peçonha da
anêmona Phyllactis
flosculifera, bloqueava
receptores glutamatérgicos
metabotrópicos em
neurônios de gastrópodes
(Garateix et al. 1996).
Como apresentamos
anteriormente
o glutamato é um importante
neurotransmissor excitatório do
SNC.
Recentemente foram isolados compostos bromados e de baixo peso molecular
provenientes da peçonha da anêmona do mar Bunodosoma cangicum.. A estrutura dessas
moléculas é composta de um núcleo estrutural semelhante à serotonina e conectada,
através de uma ligação peptídica, a um aminoácido. No composto, denominado
Bunodosina 391 (BDS391), a ligação peptídica ocorre entre o núcleo molecular
serotonina-símile
símile e uma histidina. Apesar da
da estrutura molecular semelhante à serotonina,
foi demonstrado, pela primeira vez, em nosso laboratório, por ensaios farmacológicos,
que o composto BDS391 induz efeito antinociceptivo em modelos de hiperalgesia
induzida por prostaglandina E2 e carragenina e em modelo de dor neuropática induzida
por constrição crônica do nervo ciático de ratos
ratos. Estudos anteriores demonstram que a
serotonina é um importante inibidor da transmissão da informação nociceptiva na medula
espinhal (Bardin L. e col., 1997),
1997) contudo, na periferia, tem sido relatado que a sua
administração ou liberação pode evocar dor ou analgesia (Zeitz K. P. e col., 2002).
2002)
Sugere-se que,, no futuro próximo, outras
outras toxinas sejam isoladas,
conseqüentemente, novos canais iônicos serão caracterizados como alvos destas
toxinas. Desta maneira, a ampliação dos estudos sobre os peptídeos de anêmonas
permitirá o emprego destas toxinas como protótipos para o desenvolvimento de novas
drogas ou como importantes ferramentas farmacológicas no estudo da biofísica de canais
iônicos.

494
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos

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