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COMISSÃO ORGANIZADORA
REALIZAÇÃO
PATROCÍNIO
Julho/2009
Livro do VI
Curso de 6 a 24 de Julho
Inverno -
Tópicos em
Fisiologia
2009
Comparativa
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa
Apresentação
Comissão Organizadora
VI Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa
Universidade de São Paulo / Inverno de 2009
Julho/2009 II
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa
Sumário
Unidade1
MÉTODO CIENTÍFICO APLICADO A ESTUDOS EM FISIOLOGIA COMPARATIVA
Páginas 1 a 19
Coordenador: Agustín Camacho Guerrero
Laboratório de Herpetologia
agustin.camacho@usp.br
Unidade 2
ENDOCRINOLOGIA REPRODUTIVA E METABOLISMO DE VERTEBRADOS E CTOTÉRMICOS
Páginas 20 a 100
Capítulo 1. Abordagem dos Principais Sinalizadores Aferentes do Processo Fisiológico
da Reprodução em Ectotérmicos
Capítulo 2. Esteroidogênese Gonadal em Animais Ectotérmicos
Capítulo 3. Desenvolvimento Gonadal e Hermafroditismo em Animais Ectotérmicos.
Capítulo 4. A Vitelogenina em Vertebrados Ectotérmicos e Seu Papel no Monitoramento
Ambiental
Capítulo 5. Influência dos Fatores Ambientais no Metabolismo Larval
Capítulo 6. Aspectos Fisiológicos do Cuidado Parental em Vertebrados Ectotérmicos
Capítulo 7. Compostos Nitrogenados: Efeitos Fisiológicos em Animais Ectotérmicos
Aquáticos
Capítulo 8. Fisiologia da Respiração em Vertebrados Não Mamíferos.
Capítulo 9. Estudo de Caso: Peixes como Modelo Biológico.
Julho/2009 III
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa
Unidade 3
SAZONALIDADE
Páginas 101 a 141
Capítulo 1. Sazonalidade
Revisado por: Profa. Dra. Gisele Akemi Oda
Capítulo 2. Ecofisiologia da Estivação em Anfíbios Anuros
Revisado por: Prof. Dr. José Eduardo de Carvalho
Capítulo 3. Fisiologia em câmera lenta: mecanismos de depressão metabólica sazonal.
Revisado por: Profa. Dra. Silvia Cristina Ribeiro de Souza
Capítulo 4. Controle hipotalâmico da fome e do gasto energético: animais sazonais
como modelo de investigação
Revisado por: Profa. Dra. Silvia Cristina Ribeiro de Souza
Unidade 4
A CURIOSA SAGA DA FISIOLOGIA EVOLUTIVA
Páginas 142 a 151
Revisado por: Prof. Dr. Carlos Arturo Navas
Coordenador: Ananda Brito e Meirielen Silva
Laboratório de Ecofisiologia Evolutiva
meiriunesp@gmail.com
nirmalananda@gmail.com
Unidade 5
ASPECTOS DA CRONOBIOLOGIA
Páginas 152 a 260
Capítulo 1. Introdução à Cronobiologia
Revisado por: Profa.Dra. Gisele Akemi Oda
Capítulo 2. Comunicação Celular: Entendendo a Ritmicidade Endógena
Revisado por: Profa.Dra. Ana Maria de Lauro Castrucci
Julho/2009 IV
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa
Unidade 6
NEUROFISIOPATOLOGIA
Páginas 261 a 275
Capítulo 1. Neuroanatomia básica comparada
Capítulo 2. Controle neural da pressão arterial e hipertensão
Unidade 7
FISIOLOGIA SENSORIAL
Páginas 276 a 317
Capítulo 1. Fisiologia Sensorial
Capítulo 2. Mecanismos Neurossensoriais
Revisado por: Prof. Dr. Carlos Arturo Navas
Julho/2009 V
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa
Unidade 8
NEUROCIÊNCIA COGNITIVA
Páginas 318 a 414
Capítulo 1. Cognição
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias e Dr. Pedro Leite Ribeiro
Capítulo 2. Biologia da Cognição: Introdução
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Prof. Dr Gilberto Fernando Xavier e
Claudia Franco de Olim Marote
Biologia da Cognição: Integração Neural
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Claudia Franco de Olim Marote
Capítulo 3. Percepção
Revisado por: Arnaldo Cheixas-Dias
Capítulo 4. Atenção
Revisado por: Prof. Dr. André Frazão Helene, Arnaldo Cheixas Dias
Capítulo 5. Memória
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Prof. Dr. André Frazão Helene
Capítulo 6. Tomada de Decisões
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Claudia Maria Sallai
Capítulo 7. Emoção
Revisado por: Arnaldo Cheixas Dias, Prof. Dr Gilberto Fernando Xavier,
Ronald Ranvaud
Capítulo 8. Modelos e Cognição
Revisado por: Prof. Dr. André Frazão Helene, Arnaldo Cheixas Dias, Prof.
Dr.Gilberto Fernando Xavier
Julho/2009 VI
Livro do VI Curso de Inverno -Tópicos em Fisiologia Comparativa
Unidade 9
COMPLEXIDADE E TERMODINÂMICA EM SISTEMAS BIOLÓGICOS
Páginas 415 a 446
Capítulo 1. Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Capítulo 2. Primeira Lei da Termodinâmica
Capítulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica
Capítulo 4. Informação
Unidade 10
ASPECTOS DA BIOLOGIA CELULAR E FARMACOLOGIA DE INVERTEBRADOS MARINHOS
Páginas 446 a 501
Capítulo 1. Introdução aos Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de
Invertebrados Marinhos
Revisado por: Prof. Dr. Márcio Reis Custódio
Capítulo 2. Relações Endosimbiônticas
Capítulo 3. Introdução à biologia da regeneração em invertebrados marinhos
Revisado por: Prof. Dr. Márcio Reis Custódio
Capítulo 4. Invertebrados venenosos e peçonhentos: Toxinas e mecanismos de ação
Capítulo 5. Toxinas de animais marinhos como ferramentas para o estudo e controle
da dor.
Revisado por: Profa. Dra. Yara Cury
Julho/2009 VII
Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
Este capítulo tem 4 objetivos básicos. A) Introduzir aos leitores os principais métodos
usados para gerar conhecimento científico, B) Mostrar como a fisiologia comparativa vale-se
de dois destes métodos: o método indutivo e o hipotético-dedutivo, C) Revisar o processo de
geração de conhecimento, passando pelo levantamento de perguntas científicas, desenho
experimental e análise e, por fim, D) Dar uma lista de dicas básicas sobre comunicação
científica. No final do capítulo, existe um glossário que define os termos em negrito.
Por que ler este texto?
Infelizmente, muitos cursos em biologia colocam as disciplinas de método científico como
optativas, em lugar de inserir este tipo de preparo em cada uma das disciplinas oferecidas
na grade curricular. Deste modo, muitos alunos não têm um preparo mínimo para planejar,
executar projetos científicos, nem comunicar os resultados obtidos. Como conseqüência, a
os primeiros trabalhos de um aluno têm sua qualidade comprometida. Ao passo que, na
atualidade, a valia dos pesquisadores se mede pela quantidade e quantidade de artigos
publicados em revistas, este capítulo pretende apresentar ao aluno alguns conceitos básicos
sobre como a ciência funciona, assim como dicas para auxiliar aos alunos nos seus
primeiros encontros com o processo de trabalho científico. Nas aulas do Curso de Inverno
em Fisiologia Comparativa, veremos estes conceitos da forma mais didática possível, mas
neste capítulo tem dicas que não serão explicadas na aula.
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
O que é ciência?
Uma bonita forma de começar a preparar-nos é sabermos o que significa a palavra
que vamos usar durante o resto das nossas vidas. A palavra ciência provém do latim
“scientia” proveniente do verbo “scire = saber”, este está relacionado com o verbo, também
latim, “scindo = dividir”. Existem várias definições de ciência, mais ou menos completas, seja
com ênfase nos seus objetivos ou nos métodos que usam. Uma definição bastante completa
é:
“1. The systematic observation of natural events and conditions in order to discover
facts about them and to formulate laws and principles based on these facts. 2. The organized
body of knowledge that is derived from such observations and that can be verified or tested
by further investigation. 3. Any specific branch of this general body of knowledge, such as
biology, physics, geology or astronomy.” Academic Press Dictionary of Science &
Technology.
Neste módulo, seguiremos uma visão de ciência como busca e comunicação de
conhecimento, o mais confiável possível, sobre a natureza.
Métodos conceituais de obtenção do conhecimento.
Desde séculos antes de Cristo, filósofos e estatísticos como Aristóteles, Bacon,
Bayes, Popper, Jaynes vêm aprimorando os métodos conceituais de obter conhecimento do
mundo natural, de forma a obter mais conhecimento e com maior confiabilidade. A
continuação, veremos apenas as bases dos métodos mais conhecidos e utilizados. Existem
explicações bastante didáticas e de livre aceso sobre estes temas na wikipedia
(http://es.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Portada). Entretanto, lhe recomendo que sempre leia
as fontes originais, isto permite construir nossas próprias interpretações, uma das principais
qualidades dos cientistas.
No século IV a.c., Aristóteles definiu o raciocínio demonstrativo, ou lógica aristotélica,
em seis obras conhecidas coletivamente como Organon. De acordo com Aristóteles, existem
termos gerais (Ex. os homens) e termos particulares (Ex. Socrates). Segundo este método,
estes elementos podem ser identificados e, usando construções lógicas, chamadas de
silogismos, é possível gerar inferências, conhecimento que seria novo e necessariamente
certo. Que um conceito seja mais ou menos geral implica que se aplique a um maior ou
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
menor número de casos (ex. existem mais casos chamados homens que casos chamados
Sócrates). Entretanto, Aristóteles não oferece um sistema formal para determinar o grau de
generalidade de um termo.
O Inglês Francis Bacon (1620), critica o método aristotélico enunciando o princípio do
indutivismo no seu livro Novum Organum. Para Bacon, o método aristotélico só consegue
classificar o que já é previamente conhecido e não se preocupa em saber se o
conhecimento admitido como verdadeiro é na verdade uma farsa. Ele propõe evitar que
prévias doutrinas intercedam nas nossas observações e que só é possível aumentar nosso
conhecimento através da experimentação e observações. O conhecimento gerado
permitiria, segundo ele, explicar de forma cautelosa, situações relativamente similares.
Produzir explicações sobre grupos de casos gerais com base no que sabemos de casos
particulares é conhecido como indução. Para Bacon, este conhecimento deve gerar novos
experimentos e ser testado em diversas situações. Ele defendia que os cientistas deveriam
ser céticos acima de tudo, e não aceitar explicações que não possam ser verificadas pela
observação e experiência.
A continuação, Bayes (1670) elaborou uma forma lógica de atribuir uma
probabilidade à estamentos gerados por indução, conhecida como lógica probabilística
indutiva. Basicamente, este método assume que a probabilidade de uma hipótese ser
verdadeira pode ser calculada multiplicando A) nossa expectativa de que a hipótese seja
certa, expressada em forma de probabilidade prévia, vezes B) um valor de
verossimilhança (likelihood) obtido a partir de novas observações (Bayes 1763). Desta
forma, à probabilidade bayesiana fornece uma medida de quanto é razoável acreditar em
uma hipótese usando toda a informação de que dispomos (Jaynes 2003). O indutivismo
bayesiano é a forma de indutivismo mais comumente encontrada em textos científicos hoje
em dia.
O Método hipotético-dedutivo, chamado também probabilismo ou falsificacionismo,
parece ser formalmente enunciado pela primeira vez por Karl Popper (1934). Segundo
Popper (1959), este método baseia-se na premissa de que não é possível calcular, de forma
lógica, a probabilidade de uma generalização a partir das propriedades dos casos
particulares que a geraram. Isto significa que não é possível derivar probabilidades a partir
de estamentos gerados por indução (Popper 1959) (ex. o simples fato de que todos os
corvos que vi até agora são pretos, não permite calcular a probabilidade de que o próximo
corvo que veja será seja preto). Para Popper, o conhecimento deve estar justificado de
forma lógica. Deste modo, ele defende que para justificar de forma lógica a crença em uma
teoria, previsões derivadas logicamente desta, devem ter suportado testes com base em
observações. Segundo este autor, uma teoria deve ser testada seguindo 4 linhas: 1)
Comparação lógica das conclusões (também chamadas previsões, predições ou
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
hipóteses) de uma teoria entre elas. Isto permite detectar se as hipóteses contradizem-se
entre elas e, conseqüentemente, se a teoria tem problemas de inconsistência interna. Estas
hipóteses deveriam ser as mais facilmente testáveis dentre todas as levantadas e, entre
dentre estas, deveriam ser escolhidas aquelas que vão de encontro à teoria, pois sua
verificação provocaria alta rejeição sobre a mesma; 2) Verificação da estrutura lógica da
teoria, para determinar se é empírica ou é uma tautologia; 3) Comparação com outras
teorias para saber se o fato de superar nossos testes suporia uma avanço científico; 4)
Testar empiricamente as conclusões.
A pesar de ser questionado por isto, Popper (1959) defende que as hipóteses devem
relacionar-se logicamente com a teoria, a fim de poder refutá-la ou suportá-la através do
teste das suas hipóteses. O falsificacionismo é o método de obtenção de conhecimento
mais reconhecido na atualidade. Por isto, o estudaremos mais aprofundadamente ao longo
deste capítulo.
Como você pode ver, os métodos de obtenção de conhecimento foram desenhados
para superar as dificuldades humanas de enxergar e compreender a realidade, a fim de
obter conhecimento da maior qualidade possível. Você pode ter observado também que, ao
ter sempre uma visão limitada da realidade, o máximo que nós humanos podemos esperar é
ter certa confiança no que pensamos sobre ela. Tanto os indutivistas quanto os
falsificacionistas buscam gerar uma medida objetiva de confiança sobre certos estamentos
(hipóteses), atribuindo probabilidades a estes em função das nossas observações. Ao longo
deste capítulo, nos centraremos em como isto é feito no método falsificacionista.
Veja agora um exemplo de como funciona cada métodode obtenção de
conhecimento. Imagine três perus cientistas entre dezenas de perus normais dentro de um
curral. No curral, a cada dia um peru é escolhido e sacrificado em uma casa comunicada
com o curral por uma janela de vidro e uma porta fechada. A porta só se abre quando o
dono abre sai para escolher mais um peru. Consegue imaginar qual método daria mais
chances aos perus de escapar?E como seria o raciocínio de cada peru? Veja a Fig. 1.
Evaristo, o peru aristotélico, veria um peru saindo do curral a cada dia e entrar na
casa. Extrairia uma verdade geral sobre aquilo que sempre viu. Por exemplo: “a cada dia,
um peru entra na casa” ou que “nas casas sempre tem espaço para um peru a mais”, depois
geraria uma relação lógica entre elas: se um peru entra cada dia na casa e na casa sempre
tem espaço para mais um peru, então um dia todos os perus terão entrado na casa. E então
continuaria raciocinando logicamente sem buscar novas observações. Francisco, o peru
indutivista, veria os perus saírem a cada dia e nunca mais retornar, mas também exploraria
todo o curral. De vez em quando estaria olhando através da janela ao tempo que algum peru
é sacrificado. Depois de ver muitos perus saírem e não retornando, e só algumas vezes os
perus sendo degolados na casa, ele só conseguiria levantar a hipótese de que, talvez, um
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
dia ele também entraria, e com menor certeza, que, talvez, ele também seria degolado lá
dentro. A certeza iria aumentar com o passar dos dias... até estar totalmente certo ao chegar
seu dia!
Figura 1- Três perus usam diferentes métodos de obtenção de conhecimento durante sua vida em um curral.
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
Agora você tente pensar em uma situação onde Evaristo ou Francisco teriam-se
saído melhor que Pops. Consegue?
Chegando ao ponto, o que é Fisiologia Comparativa.
A Fisiologia comparativa pode ser considerada uma disciplina científica independente
ou simplesmente um modo de estudar fisiologia dos organismos, baseada no método
comparativo. Usar o método comparativo em fisiologia significa comparar características
fisiológicas de distintas espécies, observando a identidade e relações entre as espécies
como variáveis adicionais nas análises (Prosser, 1950).
Em 1950, Prosser definiu alguns objetivos da fisiologia comparativa. Estes foram:
1) Descrever como os organismos obtêm seus requerimentos no ambiente onde moram.
2) Prover bases fisiológicas para entender a ecologia.
3) Chamar a atenção sobre animais particularmente bons para estudar processos
fisiológicos.
4) Encontrar generalizações derivadas do uso de distintas espécies animais em estudos
fisiológicos.
Hoje em dia, talvez o campo com maior aplicação da fisiologia comparativa é a
fisiologia evolutiva, pois uma vez que as técnicas moleculares têm acelerado nosso
conhecimento das relações filogenéticas, muitos cientistas tentam desvendar processos
evolutivos através da comparação de características fisiológicas em diferentes espécies
(wiens, 2008).
Vamos ver um exemplo de como dois métodos de obtenção do conhecimento se
combinam na fisiologia comparativa (Fig. 2). Imagine que queremos saber se, em lagartos,
morar em habitats abertos implica em ter taxas metabólicas mais altas em relação a morar
em florestas. Para isto, poderíamos comparar espécies de área aberta com espécies de
floresta. Assim, poderíamos obter que espécies de áreas abertas têm uma maior taxa
metabólica (Fig. 2, esquerda). Entretanto, as espécies são elementos que apresentam
relações filogenéticas. Imagine que estas fossem representadas pelo gráfico A, veríamos
que as espécies de área florestada pertencem à linhagem da esquerda e as de área aberta
à linhagem da direita. Poderíamos ter certeza que é o tipo de hábitat quem faz aumentar a
taxa metabólica? Teríamos mais certeza se nossa hipótese fosse representada por B?
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
sp5
taxa metabólica
sp6
sp7 A
sp1
sp8
sp2 sp6 sp2 sp8 sp4 sp5 sp1 sp7 sp2
sp3
sp4
floresta área B
aberta
Figura 2- Comparação hipotética da taxa metabólica entre espécies de lagartos de áreas de floresta e de área
aberta. Os cladogramas A e B mostram diferentes relações filogenéticas entre as espécies comparadas. Sob a
hipótese de parentesco A, as espécies de cada tratamento são aparentadas, implicando em que a taxa
metabólica mais baixa pode ser devida a viver em floresta ou a ser uma característica ancestral do grupo. Sob a
hipótese de parentesco B, a menor taxa metabólica pode ser melhor considerada como relacionada a viver em
florestas.
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
“If one is so unfortunate as to receive his training under a person who is either technically or
intellectually obsolescent, one finds himself to be a loser before he starts”.
Não deixe de ler também Stearns (1987) e Huey (1987), as dicas de outros dois
influentes fisiologistas para o planejamento da vida acadêmica de jovens científicos como
você. A planificação da sua vida acadêmica é tão importante para seu futuro quanto seu
sucesso na produção e publicação de conhecimento, que é o que nos ocupa neste
momento.
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
taxa metabólica
Figura 3 - Exemplos de gráficos de dispersão. A) gráfico com fator categórico. B) Gráfico com fator contínuo
(modificado de Magnusson e Mourão, 2004).
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
ruído
variável variável
dependente dependente variação
ruído
provocada
pelo fator
variação
provocada
pelo fator
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
concordar com a de outros(as) colegas não relacionados(as) com ele(a), sua confiança em
que você está bonito(a) aumentará muito! Cair na pseudorepetição é acreditar que
repetições aumentaram nossa confiança sobre a resposta a nossa pergunta quando estas,
na realidade, estão relacionadas por um fator de confusão. Busque sempre respostas
independentes para suas perguntas!
Provocam pseudorepetição aqueles fatores que não fazem parte do estudo e que
fazem com que os valores de nossas observações não sejam independentes entre eles.
Tipos gerais de pseudo-repetição incluem: espacial= as observações tem valores
relacionados por causa da sua posição no espaço, temporal= quando o fator que relaciona
os valores das observações é o tempo, filogenética= provocada por relações de origem
comum entre as observações e técnica= quando é um elemento do equipamento ou
procedimento experimental que está relacionando os valores obtidos nas observações.
Obtenha informações mais detalhadas e mais exemplos em Hulbert (1984) e Magnusson e
Mourão (2004).
Existem outros passos importantíssimos do desenho experimental. Por exemplo,
decidir quantas observações serão necessárias, se estas serão dispostas aleatória ou
sistematicamente, e como serão feitos os controles. Explicar isto está fora do tempo
disponível para este módulo, mas lhe recomendo (para seu próprio bem) que leia a maior
quantidade de literatura possível sobre desenho experimental e estatística antes de começar
a coletar seus dados. Comece pela tabela de Magnusson e Mourão (2004), pag. 4, continue
com Quinn e Keogh (2002) e busque material mais específico. Não fazer isto “porque você
não teve tempo” facilmente acabará em que todo o esforço e dinheiro público investido não
sirvam para nada (Peters, 1987).
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
Pense por um segundo no momento no qual você terminará seu experimento. Foi um
caminho árduo: você teve que ler vários artigos que não entendia bem ou com os quais nem
concordava para levantar uma pergunta não respondida até agora. Passou tempo lendo,
pensando e discutindo o projeto com outras pessoas que, às vezes, não lhe entendiam bem.
Suas idéias sofreram críticas, você teve que esperar longas burocracias (licenças,
solicitação de fundos) e repetir seu experimento várias vezes, sorteando inúmeros
problemas (animais que morrem antes de obter os dados, infra-estrutura falha, falta dinheiro,
segurança, etc.). Conseguiu imaginar? Com certeza você vai lembrar-se deste parágrafo
depois do seu mestrado...
Bom, se você não tem cuidado no que vem agora, tudo isso pode não ter servido de
nada. Hoje em dia, a valia dos cientistas se mede a través da qualidade e quantidade de
artigos científicos que publicam. Para isto, uma grande dose de experiência é necessária.
Recomendo que você a procure em seu orientador e lendo artigos nas revistas onde ambos,
você e seu orientador, pretendam publicar. Assim mesmo, busque textos (Ex. referências
neste capítulo) e faça cursos especializados no tema. A continuação veremos algumas dicas
básicas para estruturar textos científicos. Estas dicas estão baseadas no livro de Peters
(1984), e você deve dominá-las desde o começo. Repassaremos aqui as partes de um
relatório de pesquisa e o que devem conter.
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
O “material e métodos” deve conter uma explicação clara dos métodos empregados
para alcançar o objetivo declarado no fim da introdução. Desta forma, as técnicas, o
desenho experimental e as análises devem aparecer explicados e justificados de forma que
os leitores sejam capazes de: A) entender como alcançam o objetivo escolhido B) Repeti-lo
C) perceber possíveis fraquezas no delineamento. Se evitarmos mostrar claramente nosso
desenho experimental pode ser que rejeitem nosso relatório na revista que o queremos
publicar. Pior ainda, podemos enganar aos nossos leitores.
A seção de “resultados” deve dar toda a informação necessária para responder
nossa pergunta inicial e que outros possam avaliar se a respondemos mesmo ou não. Isto
implica em descrever as observações feitas, estabelecendo as relações que foram
estatisticamente significativas e as que não foram. Os dados, quando numerosos, devem
ser apresentados em forma de tabelas. Os gráficos devem expor a parte mais importante
dos nossos resultados (nossa pergunta e as observações que a respondem) e informar
sempre o número de repetições. Se nos nossos resultados, os gráficos não representam as
partes de nossa pergunta, a evidência gerada para respondê-la parecerá fraca a vista dos
outros (Magnusson, 1966). Tanto tabelas quanto gráficos devem ter uma legenda curta e
auto-explicativa, e serem numerados, de forma que possam ser referidos no texto. Dados
apresentados em tabelas e gráficos devem ser explicados também no texto, mas evitando
redundância.
Na discussão, devemos expor como nossos resultados se relacionam com a
hipótese que pretendíamos testar, reconhecendo as fraquezas que puderem comprometer
os resultados. Em seguida, mostrar a consistência (ou inconsistência) dos nossos resultados
com os resultados de outros trabalhos levantados na introdução, mostrando quais as
implicações dos nossos resultados sobre a lacuna de conhecimento levantada. Por último,
este é o lugar onde apontar, curtamente, futuros experimentos ou hipóteses testáveis que
permitam avançar no entendimento do problema abordado.
Se o relatório tem vários objetivos, estes devem seguir a mesma ordem na
introdução, material e métodos, resultados e discussão. A fim de facilitar a interpretação do
leitor. Veja uma lista de verificação básica para identificar problemas em seu relatório de
pesquisa (Tab.1).
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
Lembre-se que em ciência, tratamos com assuntos que, via de regra, são
complicados. Isto faz com que todos nós cometamos erros. Para evitar erros em seu
experimento, a melhor saída é apresentar seu projeto a pessoas com visão crítica. Se estas
pessoas conseguem entendê-lo perfeitamente, poderão julgar se foram convencidas ou não
pelos seus argumentos. Encontrar falhas nos aspectos do desenvolvimento lógico do
trabalho de um colega pode ser de grande ajuda para ele, antes que invista grande esforço
e dinheiro em um projeto mal planejado. Assim mesmo, podemos evitar que um trabalho
confunda a comunidade científica através da geração de evidências ou argumentos que
permita mostrar que este está errado.
Considerações finais.
Terminou este capítulo que pretendia mostrar-lhe um pouquinho do que vem pela
frente. A melhor forma de enfrentar os próximos anos de preparação é você que deve
planejar. A lista de referências que segue é uma seleção da literatura que fez muita
diferença na minha própria formação (alguma delas chegou um pouco tarde). Espero que
lhe ajude.
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
Glossário:
(Este glossário foi criado usando definições encontradas na internet, usando a opção
“define” do buscador Google. Todo termo possui diferentes definições que variam um pouco
em função da fonte. Aqui foram escolhidas as que permitiram uma maior coerência lógica
dentro do plano seguido para este módulo).
Casos gerais e particulares: Para Aristóteles e Bacon, são duas categorias que
mostram generalidade de aplicação de um conceito.
Conclusões, previsões, predições ou hipóteses: uma proposição aceitável, mas
ainda não conferida.
Efeito: influencia de um elemento sobre outro.
Epistemológica: relativa ao estudo do funcionamento da ciência.
Fatores ou variáveis independentes: elemento ou circunstância que contribui a
produzir um estado em uma variável influenciada por ele.
Indução: Raciocínio ou forma de conhecimento pelo qual passamos do particular ao
universal, do especial ao geral, do conhecimento dos fatos ao conhecimento das leis.
Inferência: Realizar predições sobre uma população, a partir dos dados disponíveis.
Probabilidade prévia: estimação subjetiva da probabilidade de um evento, prévia a
qualquer experimento.
Pseudorepetições: observações cujos valores estão afetados por um fator de confusão.
Ruído: variação não devida ao fator.
Silogismos: arranjos de três proposições lógicas onde a última se deduz
necessariamente das duas anteriores
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
Tautologia: uma explicação onde a mesma idéia é repetida com termos diferentes.
Teoria empírica: Segundo Popper, aquela teoria que pode ser testada.
Teoria: explicação sobre um fenômeno. Para Popper, deve ser um conjunto de
estamentos.
Teste: prova ensaio, exame.
Tratamento: propriedade que permite distinguir entre duas ou mais populações.
Variáveis dependentes ou de interesse: variável cuja variação estamos interessados
em explicar, sendo influenciada pelos fatores.
Verossimilhança: probabilidade hipotética de que um evento que já haja ocorrido
tivesse obtido um resultado específico.
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Método Científico Aplicado a Estudos em Fisiologia Comparativa
Bibliografia
Amorim, D. S. (2002) Fundamentos de sistemática filogenética. Editora Holos, Ribeirão Preto, Brazil,
154 pp.
Aristóteles (350 A.C). Prior Analytics (livro 1). Trad. Por A.J. Jenkinson. Disponível em:
http://ebooks.adelaide.edu.au/ (Maio 2009). 59 pp.
Bayes, T. (1763) An Essay towards solving a Problem in the Doctrine of Chances. Philosophical
Transactions of the Royal Society of London 53, 370–418.
Francis Bacon. (1620) Novum Organum.Trad por J. Spedding (1858). Disponível em:
http://en.wikisource.org/wiki/Novum_Organum (Maio 2009).
Jaynes, E. T. (2003) Probability Theory: The Logic of Science. Cambridge University Press,
Cambridge. Disponível em: http://www-biba.inrialpes.fr/Jaynes/prob.html (maio 2009).
Magnusson, W. E. (1996). How To Write Backwards. Bulletin of Ecological Society of America 77, 88-
88.
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Associates. Londrina. 136 pp.
Morris C. (1992) Academic Press Dictionary of Science & Technology. Morris Books, Escondido,
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Peters, R. H. (1991) A Critique for Ecology. Cambridge University Press, New York 366 pp.
Popper, K. R.(1959). The logic of scientific discovery. First English edition by Hutchinson & Co. 545
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Quinn G.P.; Keogh M.J. (2002) Experimental design and data analysis for biologists. Cambridge
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Stearns, S.C. (1987) Some modest advice for graduate students. Bulletin of the Ecological Society of
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fotoperíodo, este então, pode exercer um efeito direto ou indireto no controle da reprodução
através da melatonina e/ou da kisspeptina.
Para os mamíferos as informações do ambiente de claro e escuro chegam pela retina
e vão ao núcleo supraquiasmático (SCN) e este regula por vias multisinápticas a síntese de
melatonina, que é um hormônio protéico produzido apenas a noite (Goldman, 2001).
Em hamsters expostos a noites longas, para que haja um aumento na liberação de
melatonina, houve uma inibição no eixo reprodutivo e quando submetidos a dias longos os
animas apresentaram a atividade de reprodução (Prendergast, 2005). Contudo há pouca ou
nenhuma ligação observada da melatonina com a região anterior do cérebro que continham
neurônios liberadores de GnRH (Weaver e col., 1989).
No hamster Sirio (Mesocricetus auratus), foi observada a diminuição da Kiss 1 e da
kisspeptina no núcleo arqueado (ARC), correlacionando este fato com a diminuição da
atividade reprodutiva quando estes animais foram submetidos a dias curtos, sendo
importante salientar que existem receptores de melatonina no ARC, o que sugere um efeito
direto da melatonina sobre a kisspeptina (Kauffman e col., 2007).
Com essas informações é concebível diagnosticar que a melatonina exerce um efeito
sobre a kisspeptina, através de sítios que respondem a este hormônio (Kauffman e col.,
2007).
Estudos com imunoreatividade em hamster siberiano (Phodopus sungorus) mostraram
uma super regulação do ARC sobre o nível de kisspeptina, havendo um aumento desse
peptídeo em dias curtos. Isto demonstra que pode haver diferenças na produção e
regulação da kisspeptina entre as espécies. Contudo esta elevação nos dias curtos em
hamster siberiano pode estar relacionada ao aumento do estoque da kisspeptina, já que a
sua liberação foi baixa neste período (Kauffman e col., 2007).
Em peixes, como nos outros vertebrados, é bem estabelecido o funcionamento das
cascatas hormonais que controlam o eixo hipotálamo – hipófise - gônadas, porém os
processos que desencadeiam o início da puberdade não são bem conhecidos (Weltzien,
2004). O receptor da GPR54 foi encontrado em espécies de peixes como tilápias
(Oreochromis niloticus), tainha (Mugil cephalus), cobia (Rachycentron canadum), fathead
minnow (Pimephales promelas) e zebrafish (Danio rerio). Além disso, a expressão gênica
deste receptor aumentou significativamente no inicio da puberdade, demonstrando sua
importância no processo reprodutivo assim como nos mamíferos. Já a Kiss 1, só foi
encontrada em zebrafish, contudo a kisspeptina é pobremente conservada entre os grupos,
com exceção da kisspeptina 10 (Van Aerle e col., 2008). Nesta espécie, a expressão da
GPR54 foi alta no cérebro e baixa nos olhos e para a kisspeptina a sua expressão ocorreu
no cérebro, intestino, tecido adiposo e testículo (Van Aerle e col., 2008).
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de outono (Mayer e col., 1997). Foi constatado que no verão, com o fotoperíodo de CE 8:16
houve uma diminuição da massa dos testículos e da espermiogênese. Já para CE 14:10, na
mesma estação do ano estes parâmetros não se alteraram e no outono os testículos
estavam inativos nos dois fotoperiodos. A pinealectomia e a injeção de melatonina não
influenciaram a massa dos testículos submetidos ao fotoperíodo de CE 8:16. Já para o
grupo com incidência de luz maior, o fotoperíodo aumentou a massa dos testículos, mas a
injeção de melatonina não influenciou neste resultado (Mayer e col., 1997). O efeito da
melatonina na reprodução de anoles está relacionado aos efeitos inibitórios, como foi
observado para lagartos que foram injetados com doses de melatonina gerando uma
supressão dos parâmetros reprodutivos. Contudo, é importante mencionar que, mesmo com
a pinealectomia, a influência do fotoperíodo é significativa na reprodução, e assim, conclui-
se que o fotoperíodo não está exercendo a sua influência apenas via glândula pineal (Mayer
e col., 1997).
Em serpentes, a pineal não possui uma função fotorreceptora, com isso um fator que
interfere no nível de melatonina é a temperatura, que pode suprimir os níveis desse
hormônio à noite, como foi visto em experimentos com Nerodia rhombifera (Telden e
Hutchiscln, 1993).
Foram realizados experimentos com Natrix piscator expostos a diferentes
temperaturas, fotoperíodos e umidades durante o ciclo reprodutivo, aliados a pinealectomia
ou apenas com a cirurgia, mas sem a retirada da pineal (Haldar, 1989). Os resultados
mostraram que com a elevação da umidade, os testículos dos Natrix piscator aumentaram
de tamanho, mas quando os animais sofreram a pinealectomia e foram submetidos a
mesma umidade não houve crescimento deste órgão, e em baixas e moderadas umidades
houve um aumentou do seu tamanho. Para o fotoperíodo, o tamanho dos testículos
diminuiu em dias longos e foi estimulado em dias curtos. Em relação à temperatura os
testículos dos Natrix piscator perderam peso em 40°C, mas não 20° e 32°C (Haldar, 1989).
Os efeitos causados pela temperatura e o fotoperíodo desapareceram com a
pinealectomia, o que indica que a retirada do órgão da pineal possui um efeito inibitório nos
testículos e, além disso, a umidade, a temperatura e o fotoperíodo apresentam algum efeito
nesta glândula.
Em anfíbios existem muitos estudos com órgão da pineal e a melatonina, contudo os
resultados não são conclusivos sobre a sua importância na reprodução. Além disso, foi
comprovado que a retina é o principal órgão de síntese de melatonina (Mayer e col., 1997).
Nos em répteis, a temperatura também influência na liberação de melatonina, sendo
que em baixas temperaturas há uma queda no nível deste hormônio no sangue (Rawding e
col., 1992).
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HIPOTÁLAMO
17β
β - estradiol Progesterona Testosterona, Progesterona,
17α20β
17α βP 11-ceto-T 17
17αα20β
βP
Maturação final do
Vitelogenina Espermatogênese Motilidade dos
oócito, ovulação
espermatozóides
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conhecido como núcleo esteróide) ligados a um grupo hidroxila em uma ponta e a uma
cauda de hidrocarbonetos na outra. O grupo hidroxila é a única parte hidrofílica da molécula,
o que a torna insolúvel no sangue (Fig. 2).
O colesterol utilizado para a síntese dos esteróides gonadais é proveniente da dieta
ou é sintetizado a partir do acetato (acetil CoA) produzido pela glicólise ou via oxidação dos
ácidos graxos. A maioria do colesterol é sintetizada no fígado e é liberado no sangue como
lipoproteínas. O córtex adrenal, os ovários e os testículos também podem sintetizar
colesterol, mas utilizam preferencialmente complexos lipoprotéicos absorvidos pelo intestino
(quilomícrons) ou sintetizados no fígado (lipoproteínas) como fonte de colesterol (Norris,
1997).
Os folículos ovarianos em todos os vertebrados são compostos de duas principais
camadas celulares, uma externa chamada de camada teca e uma interna chamada de
camada granulosa. As células foliculares do ovário (teca e granulosa) e as células de Leydig
nos testículos possuem grande capacidade esteroidogênica e são os principais locais onde
ocorre a síntese dos esteróides gonadais, embora como já mencionado, também sejam
sintetizadas em pequena parte pelo córtex adrenal.
Colesterol (c27)
O primeiro passo para a síntese dos esteróides gonadais é estimulada pelo FSH e
LH
O primeiro passo para a síntese dos esteróides gonadais é estimulada pelo FSH e
LH que se ligam a receptores de membrana na camada teca do folículo ovariano ativando a
adenilato ciclase e formação de cAMP.
Para a produção das diferentes classes de esteróides gonadais, o colesterol
armazenado nessas células é recrutado via proteína quinase A, e passa por subseqüentes
conversões por enzimas pertencentes à superfamília do citocromo P450 e das
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LH e FSH
ATP cAMP
Éster de
colesterol
Colesterol Colesterol éster Proteína
livre hidrolase quinase A
PKA
P450scc
Pregnenolona
Progesterona Testosterona
17α
α20β
β-P 11ceto-T 17β
β-Estradiol
Figura 4 – Vias de síntese dos esteróides gonadais numa célula esteroidogênica. Após a ligação do FSH ou LH em
seus receptores, a proteína StAR é rapidamente sintetizada no citoplasma através da via cAMP. A proteína StAR
associa-se rapidamente com o colesterol livre e é rapidamente transferida para dentro da membrana mitocondrial
interna onde a enzima P450scc está localizada.
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Pregnenolona
17α
α-Hidroxipregnenolona Progesterona
P450c17 3β
β -HSD
17α
α-Hidroxiprogesterona
Dehidroepiandrosterona (DHEA)
3β
β-HSD 20β
β-HSD
17α
α,20β
β -Dihidroxiprogesterona
Androstenediona
17β
β-HSD
P450arom
Testosterona
17β
β-Estradiol
P45011β
β
Figura 5 – Via esteroidogênica em
11β
β -Hidroxitestosterona
gônadas de teleósteos. Setas
11β
β -HSD brancas indicam via de síntese de
andrógenos e estrógenos e setas
11ceto-Testosterona
azuis indicam via de síntese de
progestágenos.
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Desenvolvimento Testicular
Os testículos dos vertebrados ectotérmicos, assim como demais vertebrados,
compartilham uma série de características altamente conservadas durante a evolução
(Parenti e Grier, 2004). Internamente, os testículos dos animais ectotérmicos podem ser
lobulares ou tubulares e estruturalmente são formados por uma cápsula testicular, e
divididos em compartimento intersticial e compartimento germinativo (Lo Nostro e cols.,
2003; Andrew e Hickman, 1974).
A cápsula testicular é composta por tecido conectivo denso, músculo liso, cordões
nervosos, vasos linfáticos e sanguíneos. O compartimento intersticial, que está localizado
entre os lóbulos ou túbulos, é formado por fibras colágenas, nervos, vasos linfáticos,
capilares e pelas células de Leydig (Grier e col., 1989; Pudney, 1993). O compartimento
germinativo, que forma a parede dos lóbulos ou túbulos seminíferos, consiste de células de
Sertoli (células somáticas) que formam os cistos de células germinativas (epitélio
germinativo). As células germinativas desenvolvem-se em contato com células de
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
sustentação (as células de Sertoli), que se estendem da periferia até a luz dos túbulos
seminíferos e fornecem nutrição durante o processo de desenvolvimento e diferenciação
das células germinativas (espermatogênese) (Grier e col., 1989; Pudney, 1993).
Os critérios histológicos para caracterizar um epitélio germinativo devem conter: (1)
delimitar uma cavidade ou superfície; (2) possuir células somáticas conectadas por
complexos juncionais; (3) estar apoiado sobre uma membrana basal e (4) ser avascular,
sendo assim, se alguma das características supracitadas acima estiver ausente o tecido não
é considerado um epitélio germinativo. O epitélio germinativo masculino, de acordo com os
estágios de desenvolvimento e maturação, é constituído por espermatocistos ou cistos de
espermatogônias que diferenciam em espermatócitos, espermátides e espermatozóides
durante os ciclos reprodutivos dos animais (Grier e Lo Nostro, 2000).
As espermatogônias são as maiores células da linhagem germinativa e as primeiras
células do desenvolvimento dos gametas. Estão envoltas completamente pelos
prolongamentos citoplasmáticos das células de Sertoli, possuem um núcleo volumoso,
central, com cromatina homogeneamente descondensada, e nucléolos de componentes
fibrilar e granulares evidentes. As espermatogônias sofrem sucessivas divisões mitóticas
antes de originar os espermatócitos. Os espermatócitos I são células menores que as
espermatogônias, apresentadas em grupos de células arredondadas, com o citoplasma
pouco corado, núcleo grande e central (Nóbrega, 2006).
Os espermatócitos II, resultantes da primeira divisão meiótica, entram rapidamente em
meiose II, e após as duas etapas da meiose, cada espermatócito primário dá origem a
quatro espermátides, cada uma contendo o número haplóide de cromossomos. Uma
espermátide pode conter todos os cromossomos que o macho herdou de sua mãe, aquele
que herdou de seu pai, ou mais provavelmente uma combinação dos cromossomos de seus
progenitores (Nóbrega, 2006).
As espermátides iniciais apresentam cromatina heterogeneamente condensada e
citoplasma com algumas mitocôndrias. Seu diâmetro nucleolar é praticamente a metade do
diâmetro nucleolar dos espermatócitos I. As espermátides são encontradas em diferentes
estágios da espermiogênese, e ao final da espermiogênese as espermátides se rompem
liberando os espermatozóides no lúmen que seguem para o ducto espermático nos
testículos saculares. Nos testículos do tipo tubular, as células que estão nas fases iniciais da
espermatogênese são encontradas junto ao fundo cego dos túbulos e, a medida que vão se
desenvolvendo, migram em direção ao ducto espermático (Nóbrega, 2006).
Desta forma, as alterações histológicas, no epitélio germinativo masculino têm sido
utilizadas para documentar e classificar os ciclos reprodutivos dos animais, tais como:
imaturos ou repouso, maturação inicial, intermediária, maduro e regressão.
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Desenvolvimento ovariano
Os ovários nos animais ectotérmicos são divididos em dois grupos: lobulares (peixes,
anfíbios, sáurios e ofídeos) ou sólidos (quelônios e crocodilianos). Em sua maioria os
ovários apresentam ovidutos, exceto em algumas espécies de anfíbios e peixes que
apresentam o ovário com uma cavidade. O oviduto é encontrado com modificações na
maioria dos vertebrados. Ao longo do oviduto podem ser formadas expansões
especializadas para diferentes propósitos: armazenamento de óvulos antes da postura,
deposição de uma casca ou retenção do ovo durante o desenvolvimento embrionário
(Romer e Parsons, 1985).
As células precursoras das células germinativas no ovário, chamadas de oogônias,
multiplicam por meio de mitose. Cada oogônia contém um número diplóide de cromossomos
e após cessarem a sua multiplicação, as oogônias aumentam de tamanho, tornando-se
oócitos primários. Quando a primeira divisão reducional ocorre, o citoplasma divide-se de
forma desigual, com uma das células filhas, o oócito secundário, com tamanho maior,
recebendo a maior parte do citoplasma; e a outra, muito pequena, chamada de primeiro
corpúsculo polar (Hickman, 2004).
Na segunda divisão meiótica, o oócito secundário divide-se novamente em outro
corpúsculo polar (segundo) e outra célula, que desenvolve-se em um óvulo funcional pronto
para iniciar as fases de desenvolvimento oocitário, desde crescimento a maturação. Os
corpúsculos polares não são funcionais, e desintegram-se. A formação dos corpúsculos é
necessária para permitir que o óvulo elimine o excesso de cromossomos (Hickmam, 2004).
De acordo com as fases de desenvolvimento oocitário, as células germinativas
femininas, ou oogônias, passam por profundas modificações durante seu desenvolvimento,
podendo caracterizar fases ao longo desse processo. Essas fases recebem denominações
distintas por diferentes autores. Apesar de o desenvolvimento ovariano ser um processo
contínuo e cíclico, ele é descrito em fases didáticas, por estádios de maturidade, sendo que
o número desses estádios varia de acordo com o tipo de desova e o grau de conhecimento
sobre o processo reprodutivo de cada espécie. De uma forma geral, para todos os
ectotérmicos, o desenvolvimento oocitário será descrito de acordo com a classificação mais
utilizada para peixes de água doce feita por Vazzoler (1996), pois nos vertebrados as fases
de desenvolvimento são semelhantes. Entretanto, são encontradas algumas denominações
diferentes correspondentes a terminologia adotada para os grupos nos ectotérmicos.
Vazzoler (1996) descreve cinco fases do desenvolvimento ovocitário:
Fase I – Cromatina-nucleolar: essas células podem ser denominadas oogônias ou
ovócitos que estão nas primeiras fases de desenvolvimento. Elas encontram-se agrupadas
em “ninhos” inseridos nas lamelas do ovário, em regiões vascularizadas; seu citoplasma é
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Vitelogênese e Vitelogenina
Em animais não-placentários o desenvolvimento inicial dos embriões é dado pelo
consumo do vitelo, sendo este essencialmente derivado de multidomínios de vitelogenina
(VTG), uma molécula com origem glicolipofosfoprotéica, presente em vertebrados e
invertebrados (Finn, 2007) e que garante o sucesso e crescimento de embriões.
Os ovos podem ser classificados pela presença de pouca, moderada ou grande
quantidade de vitelo (Wells, 2007). Espécies em que a grande fonte de energia embriológica
é o vitelo são chamadas de lecitotróficas. Em espécies ovíparas, o vitelo é a única fonte
nutricional para o desenvolvimento do embrião. Em animais vivíparos a fêmea pode
substituir o vitelo por nutrientes transferidos para o embrião durante o desenvolvimento,
sendo que este processo envolve a presença da placenta.
Uma das atividades mais intensivas durante o período reprodutivo em fêmeas de
espécies não-placentárias é a vitelogênese, que consiste primariamente na síntese de
vitelogenina, uma proteína fêmea-específica produzida nos hepatócitos em resposta a uma
cascata endócrina que envolve o cérebro, ovário, fígado e sistema circulatório (Finn, 2007;
Germond e col., 1984) e incorporada aos oócitos em crescimento (Vilecco e col.,1999 ).
A detecção de vitelogenina, como precursor de vitelo protéico tem sido intensamente
pesquisada nas últimas décadas, desde a síntese do 17β-estradiol (Hahn, 1967) como
produto de ação no fígado até estudos com enfoque ambientais, como por exemplo, os
disruptores endócrinos que são fatores externos que podem afetar o sistema endócrino e
assim, toda a fisiologia reprodutiva (GoksØyr e col., 2003).
Além de ser estimulada pela ação direta do estradiol, a vitelogênese também pode
ser afetada pela temperatura, andrógenos, fatores hipofisários, hormônio de crescimento
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Figura 1 – Controle hormonal da vitelogênese. 17β-estradiol (E2) produzido nas células da camada
granulosa é o principal estimulo à síntese de vitelogenina nos hepatócitos. Em anfíbios existe a evidência de que
o hormônio do crescimento (GH), a prolactina (PRL), a triiodotironina (T3) e a tiroxina(T4) têm efeitos sobre o
estradiol ou VTG, o mesmo sendo encontrado para peixes (Modificado
( de Sumpter e Jobling, 1995).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
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Durante a passagem pelo ovário, receptores específicos (VTGr) que estão ancorados
na membrana plasmática dos oócitos se ligam aos dímeros de vitelogenina e a internalizam
via endocitose mediada por clatrinas, que são proteínas citoplasmáticas responsáveis pela
invaginação e estrangulamento da membrana plasmática na endocitose. Em anfíbios, este
transporte é realizado por vesículas e endossomos multivesiculares e incorporados
posteriormente (Villeco e col., 1999).
Após ser internalizada a grande molécula é clivada em subunidades menores como
as lipovitelinas, fosvitina e a região β (Finn, 2007). Depois de clivadas, cada região da
molécula apresenta funções importantes para o desenvolvimento oocitário, tais como:
* Fosvitina- Ligação e carreamento dos grupos fosfato e cálcio para dentro dos
oócitos, grupos responsáveis pela formação do esqueleto do embrião. Por ser carreadora de
grupos tão importantes na embriogênese esta região forma estruturas tridimensionais que
“protegem” os grupamentos Ca e PO4 contra a degradação prematura (Finn, 2007).
*Lipovitelina- Esta região tem a função nutricional da vitelogenina, como fonte de
aminoácidos e lipídeos para o embrião (Mylonas e col., 2009);
* VwFD, região C termina e grupo β - Região muito conservada em metazoários com
alta concentração de cisteína, facilitando a ligação da VTG em seus receptores na superfície
do oócito (Finn, 2007).
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resultado deste trabalho também mostrou o aumento de VTG circulante em fêmeas adultas
fora do período reprodutivo, dos níveis basais normais de 1-2 mg/ml para 40 mg/ml em
animais coletados em locais contaminados. Jones e col., (2000), sugerem que níveis
elevados de vitelogenina circulante tanto em machos como em fêmeas, fora do período
reprodutivo, pode levar a efeitos adversos, tais como malformação de rins.
Estrógenos agem no organismo através de receptores específicos, se difundindo
através da membrana celular para se ligar aos receptores de estrógenos nucleares (Parker,
1993). Estes receptores são muito conservados na escala evolutiva, o que explica que
substâncias químicas exógenas possam agir em uma larga gama de animais (Le Roux e
col.,1993). Os efluentes podem ter ação mimetizando a ação de estrógenos no trato
reprodutivo dos animais (Fry and Toone, 1981) por se ligarem aos receptores de estrógenos.
Baseando-se nesta afinidade de ligação a potência de ação deste componente pode ser
mensurada por ensaios laboratoriais (Jones e col., 2000).
Uma gama surpreendente de produtos químicos tem ação estrogênica, incluindo
produtos químicos naturais como fitoestrógenos e micoestrógenos e os produtos químicos
industriais tais como alguns pesticidas organoclorados, bifenilas policloradas (PCBs),
hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), dibenzodioxinas policloradas (PCDD),
tensoativos e plastificantes (Sumpter e Jobling, 1995). Assim, com base no fato de que mais
de 60.000 substâncias químicas são produzidas pelo homem, e estão em uso regular (e um
número não identificado de seus produtos de degradação também estão presentes no
ambiente aquático), é provável que muitos produtos químicos ou grupos de produtos
químicos tenham ação estrogênica.
Muitas dessas substâncias químicas produzidas pelo homem são amplamente
utilizadas em grandes indústrias, como a agricultura, a indústria petroquímica, a indústria de
plásticos, sabões e detergentes industriais. Outra fonte grande de estrógenos ambientais
está nos hormônios (estrógenos naturais como estradiol e estrona, assim como estrógenos
sintéticos como etinilestradiol (Jones e col., 2000) excretados através da urina e fezes que
seguem para a rede coletora, adentrando depois ao ambiente (Fig. 3) (Reis-Filho e col.,
2006). O lançamento deste tipo de efluente é uma significativa fonte de contaminação
ambiental e, apesar de possuírem meia vida curta quando comparados a outros compostos
orgânicos (como alguns pesticidas), os estrógenos naturais são continuamente introduzidos
ao ambiente, o que lhes concede um caráter de persistência. Embora grande parte dos
estrógenos seja metabolizada e excretada de forma inativa, quando conjugados com outros
compostos, a ação de enzimas produzidas por bactérias comumente encontradas em áreas
de despejo de efluentes, prontamente os biotransformam em compostos biologicamente
ativos e passíveis de desencadear efeitos indesejáveis (Reis-Filho e col., 2006).
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Definições
1.1. Estrutural – É um estado estrutural ou uma série de estados estruturais que ocorre
desde o início da morfogênese seguindo o desenvolvimento embrionário (clivagem, blástula,
gástrula) e metamorfose para o plano adulto. As larvas são também uma transição dos
estágios e adaptações para a vida larval que será substituída e modificada na metamorfose.
Tais características serão remodeladas para o estágio pré-adulto e adulto após a
metamorfose (Hall e Wake, 1999).
1.2. Ecológica – Esta definição vai contra a forma estrutural. Em um sentido ecológico o
estágio larval é uma forma de vida livre, no qual o organismo é considerado larva somente
quando este eclode e por determinado período passa por uma fase pelágica (Hall e Wake,
1999). Ainda segundo Hall e Wake (1999), a larva é um estágio do desenvolvimento que
compreende desde o estágio pós-embrionário até a metamorfose, sendo este estágio
distinto do adulto em morfologia, nutrição ou habitat.
Diversas teorias para a definição de larva estão sendo propostas, entretanto o conceito
do estágio larval varia com a área de pesquisa, o que vem gerando inúmeras discussões
acerca de qual teoria melhor define um conceito comum para o termo larva.
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Características gerais
Durante o texto, vamos abordar o termo larvas como sendo um estágio transicional
entre a eclosão e o estágio juvenil, onde este sofre uma série de modificações originando
um individuo semelhante ao adulto.
Os teleósteos são geralmente caracterizados por larvas não especializadas, com
uma transição gradual para a fase de juvenil. As larvas de teleósteos possuem uma reserva
alimentar (saco vitelínico) que será a fonte de substrato ao longo da organogênese. O
consumo destas reservas é concomitante ao desenvolvimento de estruturas fundamentais
para o início da alimentação exógena, como a abertura da boca, abertura do poro urogenital,
desenvolvimento do tubo digestório, pigmentação dos olhos, entre outros. A composição
desta reserva é determinada pela alocação de recursos dos progenitores (vitelogênese), e
irá influenciar diretamente no desenvolvimento inicial da larva (Baldisseroto, 2002).
Durante o estágio larval a taxa de crescimento é muito alta e, o crescimento está
principalmente relacionado à deposição de proteínas no músculo. Com isso um alto fluxo de
proteínas é exigido do alimento para o incremento de biomassa.
Assim como as proteínas, os lipídios têm um papel central na taxa de crescimento e
no desenvolvimento das larvas de peixes, sendo a principal fonte de energia metabólica ao
longo dos estágios de desenvolvimento, sendo os lipídios extremamente importantes como
fontes de energia, ácidos graxos essenciais, atuando ainda como transportadores de certos
nutrientes não lipídios e vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) (Sargent, 1995).
Temperatura
Animais capazes de manter uma temperatura corpórea elevada pela produção
interna de calor são classificados como animais endotérmicos. E os animais que dependem
de fontes externas de calor, principalmente proveniente da radiação solar são classificados
como ectotérmicos, sendo que dentro deste grupo alguns animais suportam grandes
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Austrália a CTmax chega a 39,2°C (Main, 1968), Limnonectes cancrivorus CTmax é de 42°C
(Dunson, 1977), Scaphiopus cauchii chega a 39-40°C (Mayhew, 1965), Pseudacris triseriata
chega a 36,5°C e para Bufo marinus CTmax de 44,9°C conforme Fig. 2
Tanto as larvas de anuros quanto os adultos apresentam padrões comportamentais
em resposta as variações de temperatura dos ambientes (Brattstrom, 1970). Muitos
processos bioquímicos e fisiológicos estão envolvidos nesta regulação como: velocidade
máxima sustentada, taxa de crescimento, tamanho corpóreo na metamorfose, mecanismos
de trocas gasosas e taxa metabólica. Por exemplo, em Rana sylvatica, a diferenciação e a
taxa de crescimento aumenta com o aumento da temperatura (Fig. 3), até a faixa onde a
temperatura se torna inibitória, respostas estas semelhantes em algumas espécies de
peixes.
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Luminosidade
A maioria dos ritmos considerados como fundamentais na natureza estão
diretamente relacionados com a periodicidade da luz (Boeuf e Le Bail, 1999). A alimentação
de larvas de peixes e anfíbios na natureza está ligada à presença de luz solar durante o dia
e ausência total ou parcial de luz durante a noite. Os ciclos alimentares diários variam de
acordo com as espécies que podem ser diurnas (alimentação com a presença de luz),
noturnas (com ausência de luz) ou diuturnas (quando o animal se alimenta durante todo o
dia). De acordo com os ritmos endógenos de cada espécie é possível determinar um ritmo
circadiano de alimentação ótimo, sendo este um período em que a utilização do alimento
está ao máximo a favor do potencial de crescimento do animal (Spieler, 2001).
O fotoperíodo produz efeito direto na pineal, induzindo a ativação de uma cascata de
hormônios, com efeitos principalmente no crescimento e reprodução (Boeuf e Le Bail, 1999).
A pineal pode ser classificada como um órgão transdutor neuroendócrino, ou seja, um órgão
que converte impulsos luminosos em descargas hormonais.
Em peixes, a receptividade de luz muda de acordo com a fase do desenvolvimento.
Os cones da retina são importantes receptores primários de luz, e são essenciais para o
desenvolvimento e crescimento, sendo que no decorrer da ontogênese ocorre um aumento
destas estruturas. Logo quando eclodem, os peixes possuem olhos despigmentados, e com
retina ainda indiferenciada. Alguns experimentos demonstraram que a luz tem grande
influência na pigmentação dos olhos, e o desenvolvimento de anormalidades aparece com
frequência na ausência de luz.
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Salinidade
Quando ocorre uma alteração na concentração do meio externo, o animal pode
reagir de duas maneiras. A primeira é alterar a concentração osmótica dos fluídos corpóreos
para adaptar-se ao meio, permanecendo, desta forma, isosmótico em relação ao meio,
sendo assim considerado um organismo osmoconformador. A outra maneira, é manter ou
regular sua concentração osmótica apesar das alterações na concentração externa, sendo
neste caso considerado uma animal, osmorregulador (Schmidt-Nielsen, 1975).
Alguns animais aquáticos conseguem tolerar grandes variações na concentração
salina da água na qual vivem, sendo considerados animais eurialínos. Por outro lado alguns
animais apresentam uma tolerância limitada as variações na concentração do meio, sendo
estes denominados animais estenoalinos (Schmidt-Nielsen, 1975).
Entre os peixes teleósteos, muitas espécies adequam a ingestão de alimentos a
salinidade do meio, sendo um indício de que esta salinidade esteja relacionada com o
crescimento. Além disto muitos hormônios (da tireóide, TH; do crescimento, GH; fator de
crescimento tipo-insulina I, IGF-1, entre outros) que estão claramente envolvidos no controle
e regulação do crescimento, estão também envolvidos nos processos osmorregulatórios
(Boeuf e Payan, 2001). Entre estes, o hormônio do crescimento, como o nome sugere,
envolvido no controle do crescimento, afeta o metabolismo de lipídios, proteínas e
carboidratos exercendo suas funções diretamente sobre os órgãos alvo como através do
estimulo da produção do fator de crescimento tipo-insulina1 (IGF-1). Além disto, estudos
com diferentes espécies de peixes demonstraram que o GH atua nos processos
osmorregulatórios de aclimatação à água salgada aumentando a tolerância através do
aumento da atividade da enzima Na+ - K+ - ATPase em brânquias (Bolton e col., 1987;
Richman e Zaugg, 1987; Sakamoto e col., 1993, 1997; Auperin e col., 1995).
Estudos analisando incrementos exógenos do hormônio do crescimento
demonstraram um aumento na tolerância à salinidade em algumas espécies de salmonídeos
(Bolton e col., 1987; Richman e Zaugg, 1987; Sakamoto e col., 1997), estimulando a
expressão do gene do IGF-1 em trutas (Sakamoto e col., 1997), o que provavelmente
explica a presença de sítios de ligação do GH em brânquias, intestino e rim. Isto porque em
nível tissular, as ações pleiotrópicas do GH resultam na interação do hormônio com
receptores específicos (GHR) presentes na superfície das células alvo. Este receptor é uma
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
proteína de membrana que se liga ao GH com alta afinidade e especificidade e a partir desta
ligação um sistema de sinalização “pós- receptor” é acionado, culminando com as ações
biológicas características deste hormônio. (Meier, 2005)
Isto explica a presença de moléculas de mRNAs do GHR encontrados em uma série
de tecidos tais como fígado, músculo, rim, pulmão, glândula mamária, placenta, tecido
adiposo, sendo que a expressão deste gene é específica em relação ao tipo de tecido e ao
estágio de desenvolvimento em que o animal se encontra. Embora os fatores que controlam
esta expressão não sejam bem conhecidos, muito dos seus efeitos provavelmente são
manifestados de acordo com o nível de transcrição do gene GHR, cuja regulação tem um
papel crítico em numerosos processos fisiológicos e patológicos (Menon e col., 1995).
O conhecimento da sequência do GH e seus respectivos receptores têm permitido
um aumento no número de estudos enfocando os processos de osmorregulação em peixes,
nos quais eles certamente têm importante função.
O aumento na produção e liberação deste hormônio, durante os processos de
aclimatação de espécies eurialinas à salinidade alta, certamente produz um aumento na
expressão dos genes de seus receptores em tecidos relacionas à atividade osmorregulatória
do animal. Embora os peixes mantidos em salinidades próximas ao seu ponto isosmótico
possam apresentar um maior crescimento devido ao decréscimo da energia gasta com a
osmorregulação, a atuação do hormônio do crescimento na aclimatação para a água
salgada pode contribuir para um maior crescimento em salinidades altas devido ao aumento
dos níveis deste hormônio (Sakamoto, 1997).
Com relação às larvas de anfíbios, as mesmas ocorrem em ambientes aquáticos e
que estão sujeitos a grandes variações de salinidade, sendo que muitos habitats são
extremamente diluídos, como poças, pântanos, lagoas temporárias, e águas localizadas em
granitos basálticos, etc. Alguns girinos de espécies como Rana catesbeiana podem ser
criados inclusive em água destilada (Alvarado e Moody, 1970).
Tanto em peixes como em anfíbios a exposição à ambientes de água destilada,
soluções hiposmóticas e soluções hiperosmóticas estimulam o transporte da bomba de
sódio e potássio, podendo aumentar o número de sítios de transporte desses sais. Tais
respostas a esses fatores são características que ajudam a manter o balanço osmótico de
Na+ e K-, e com isso reduzem os custos energéticos com a regulação iônica (Mcdiamird,
1999).
Inversamente, algumas espécies de anfíbios ocorrem em ambientes altamente
salinos, e algumas espécies suportam concentrações de 40%, como Bufo viridis e
Limnonectes cancrivorus, que são extremamente especializadas nesses ambientes, sendo
algumas encontradas em lagoas com variações de 16-75% de salinidade (Mcdiamird, 1999).
Entretanto estes autores verificaram em laboratório que a metamorfose não foi induzida em
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
pH
O pH da água exerce um papel extremamente importante no metabolismo e fisiologia
dos animais aquáticos (Parra e Baldisseroto, 2007). Valores extremos de pH podem afetar
negativamente o crescimento dos animais e sua reprodução (Zweig e col., 1999), podendo
ainda causar uma massiva mortalidade nas populações ou em cultivos de peixes. Os
valores extremos são muito tóxicos, especificamente com relação à regulação iônica (Scott
e col., 2005) e tal desequilíbrio iônico pode levar a um colapso do sistema circulatório e
eventualmente à morte (Van Diik e col., 1993). Valores de pH altamente ácidos causam
degeneração dos tecidos branquiais e aumentam a produção de muco, o que pode levar o
peixe à morte por asfixia (Boyd, 1990). Por outro lado, em água com pH extremamente
básico, ocorre uma imediata inibição da excreção de amônia, causando um aumento nos
níveis de amônia no plasma que pode ser letal (Wilkie e Wood, 1994).
O estágio larval em anfíbios é o mais sensível de todo o desenvolvimento do
organismo (Freda, 1986). Em uma relação entre as larvas dos filos dos vertebrados
ectotérmicos, os anfíbios são muito mais tolerantes ao pH do que os peixes.
O primeiro efeito tóxico do pH baixo na fisiologia dos girinos é sua atuação como um
disruptor do balanço osmótico do Na+ e K- (Freda e Dunson, 1984; McDonald e col., 1984).
Exposições agudas a uma concentração letal inibem, a captação ativa de Na+ e K-
estimulando uma perda passiva de Na+ e K-. O influxo do Na+ é linearmente relacionado ao
pH e a inibição total ocorre em um pH 4, sendo que a perda de Na+ aumenta
exponencialmente apenas a partir da faixa letal. Em todas as espécies testadas, a morte
ocorre quando a concentração corporal de Na+ é reduzida pela metade (Mcdiamird, 1999).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Até o momento, foi visto que a reprodução está associada com os esteróides
gonadais, que por sua vez determina o desenvolvimento gonadal de um organismo. Nas
espécies ovíparas, a vitelogenina é uma molécula importante que determina o sucesso da
sobrevivência do embrião em primeira instância, e vimos também a importância dos fatores
ambientais também no desenvolvimento e eclosão de larvas. Agora abordaremos um
assunto sobre a evolução do cuidado parental, que representa uma grande inovação na
história de vida dos animais, aumentando a sobrevivência da prole sob uma ampla
diversidade de condições ambientais. O cuidado da prole pelos pais está presente em
muitos invertebrados, incluindo insetos, aracnídeos, crustáceos, moluscos e equinodermos,
e em todos os grupos de vertebrados. De uma forma geral, o cuidado parental inclui todo o
investimento não gamético da prole seguindo a fertilização, com uma implicação de custos
aos pais, tornando-o altamente energético (Crump, 1996).
Diferentes padrões de cuidado parental são encontrados entre os diferentes grupos
de animais; algumas espécies abandonam seus filhotes, enquanto outras provêm cuidado
materno, paterno ou biparental (Fig. 1), podendo ser obrigatório ou facultativo, de curta ou
longa duração (Gross, 2005).
Entre as espécies de vertebrados, por exemplo, os mamíferos exibem
predominantemente cuidado materno. As aves, por outro lado, são dominadas por cuidado
biparental, em répteis, anfíbios e peixes a maioria do cuidado parental é realizado por
machos (Gross, 2005).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Biparental
Paterno Materno
Sem cuidado
Figura 1 – Possíveis padrões de cuidado parental encontrado entre os diferentes grupos de animais.
Peixes
Dentre os peixes, 3 principais modos de cuidado parental são reconhecidos
(Vazzoler,1996) :
♦ Não guardadores: espécies que não protegem seus ovos e jovens em ninhos. Os pais
simplesmente eliminam seus gametas no ambiente aberto ou ocultam os ovos no cascalho,
lodo, fendas ou no meio de folhagens;
♦ Guardadores: cuidam dos ovos até que ocorra a eclosão e, muitas vezes, também das
fases larvais, sendo comum apresentarem comportamento de corte elaborado e
territorialidade. Os embriões são quase sempre guardados pelos machos que os protegem
contra predadores, provocam correntes de água que garantem a oxigenação do ambiente e
mantêm os embriões livres de materiais adesivos. Os guardadores incluem espécies que
constroem ou não ninhos;
♦ Carregadores: carregam embriões, e algumas vezes jovens, externa (transferência da
prole de um local para outro, auxiliadores de prole, transporte da prole na boca, câmara
branquial ou bolsas especiais) ou internamente (retenção dos ovos no oviduto).
Anfíbios
O ambiente terrestre é inóspito para os ovos anamnióticos devido aos problemas de
dessecação. Em resposta a essas condições ambientais severas, alguns anfíbios têm
desenvolvido formas únicas de cuidado parental que aumentam a sobrevivência da prole.
Sendo assim, para os anfíbios, alguns principais modos de cuidado parental podem ser
reconhecidos (Crump, 1996; Pough e col., 1998):
♦ Assistência dos ovos e larvas: ovos e larvas são protegidos pelos pais em locais fixos;
♦ Transporte dos ovos e larvas: ovos e larvas são transportados dentro ou fora do corpo dos
pais (dorso, saco vocal, boca, estômago) de um local para outro;
♦ Alimentação: larvas se alimentam de ovos não fertilizados ou secreções produzidas pelos
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
pais.
O cuidado parental é exibido pelas cecílias, salamandras e anuros. O cuidado
parental feito por cecílias e salamandras consiste basicamente em assistência aos ovos e,
em alguns casos, alimentação dos jovens. As fêmeas de todas as cecílias ovíparas cuidam
de seus ovos, e apenas 20% das espécies de salamandras cuidam da sua prole após a
oviposição. Em contraste a estes dois grupos de anfíbios, os anuros exibem diferentes
formas de cuidado parental (Crump, 1996).
Répteis
O cuidado parental é distribuído desigualmente entre os principais clados de répteis.
As tartarugas, por exemplo, raramente exibem cuidado parental, já o cuidado parental por
crocodilianos é extensivo, e geralmente é feito por fêmeas, mas machos frequentemente
estão envolvidos. As fêmeas tipicamente permanecem nos ninhos após a oviposição e os
defende contra predadores. No fim da incubação, os jovens vocalizam e atraem as fêmeas
ou ambos os pais que abrem o ninho e ajudam-nos a escapar da casca, podendo também
carregá-los até a água. Para os esquamatas, o cuidado parental inclui também a defesa do
ninho, assistência dos ovos e proteção térmica por termogênese muscular (Pough e col.,
1998).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Digestão
Absorção
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
está sendo altamente usada como ferramenta para o entendimento dos mecanismos que
controlam o cuidado parental (Neff e Gross, 2001).
Prolactina e Andrógenos
A prolactina (PRL) é um hormônio que está relacionado com o controle de diversas
funções como, crescimento, reprodução, osmorregulação, sistema imune e é melhor
conhecida no controle da produção de leite em mamíferos. Contudo, a PRL não é essencial
apenas para o controle da reprodução em fêmeas, participa também de uma função
significante no comportamento paterno do cuidado parental (Schradin e Anzenberger, 1999).
Em duas espécies de peixes com cuidado paterno exclusivo, uma relação casual
entre a PRL e o cuidado parental tem sido registrada. Machos de Lepomis macrochirus
(bluegill) constroem ninhos em colônias e as fêmeas visitam os ninhos para desovarem e
desaparecem, permanecendo os machos sozinhos com a prole. O cuidado parental
mostrada pelos machos de bluegill inclui a ventilação dos ovos (para fornecimento de
oxigênio) e proteção dos ovos e larvas contra predadores. Nesta fase há um aumento da
concentração de prolactina plasmática nos machos que se relaciona com o aumento do
comportamento de cuidado parental e produção de muco pelas células epidérmicas que
serve de alimento para os filhotes (Kindler e col., 1991). Esta mesma relação é observada
em machos de algumas espécies de aves e mamíferos (Schradin e Anzenberger, 1999).
Um hormônio pode modular diretamente o comportamento quando atua no sistema
nervoso central. Em Lepomis gibbosus, uma população de neurônios da área dorsal do
telencéfalo é conhecida por ser ativada pela prolactina, e injeções combinadas de
testosterona e PRL induzem o comportamento de cuidado paterno na espécie. Uma
possível explicação para este comportamento é o aumento de receptores de PRL induzidos
por esteróides (Fig. 3) (Kindler e col., 1991).
A prolactina é sintetizada pelas células da hipófise anterior, sob controle estimulatório
do peptídeo intestinal vasoativo (VIP), o qual é sintetizado por neurônios hipotalâmicos
basais. A concentração de PRL aumenta na estação reprodutiva como um resultado
fotoestimulatório. Para os animais ectotérmicos o controle da secreção da prolactina no
cuidado parental ainda não é bem conhecido, mas em aves sabe-se que este aumento é
estimulado pela atividade aumentada do VIP, através de estímulos tácteis e visuais do ninho,
ovos ou dos juvenis. Contudo, a secreção da PRL é relativamente independente destes
estímulos em aves que são ausentes nos ninhos por um período prolongado, assim o
aumento deste hormônio resulta de um ciclo endógeno.
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
HIPOTÁLAMO
HIPÓFISE
FSH
LH
TESTÍCULO
PROLACTINA
Figura 3 – Regulação do cuidado parental através da liberação de prolactina estimulada por andrógenos em
peixes.
Glicocorticóides
Durante o cuidado parental os animais estão associados a diversos estressores como
ataque de predadores ou eventos climáticos deletérios. Além disso, o período parental está
associado a alterações na demanda energética, relacionado a privação alimentar e defesa
de território. Todos esses estressores afetam negativamente a sobrevivência dos pais
podendo levá-los a morte. Os vertebrados têm evoluído respostas comportamentais e
fisiológicas a esses estressores mediadas pelo mecanismo neuroendócrino que envolve o
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, catecolaminas e citocinas (Angelier e Chastel, 2009).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Oviparidade x Viviparidade
A oviparidade e a viviparidade são modos reprodutivos que frequentemente ocorrem
nos vertebrados. A viviparidade tem sido definida como um “processo no qual jovens são
carregados no trato genital das fêmeas por todo (ou parcialmente) o seu desenvolvimento”.
Deste modo, um dos passos na transição da oviparidade para viviparidade é a retenção dos
ovos fertilizados no oviduto (Kupfer e col., 2006).
Segundo Thompson e Speake (2006), as espécies com placentação simples retêm
os ovos no útero e são providos com poucos nutrientes através da placenta, tendo embriões
sustentados predominantemente por nutrientes do vitelo (condição lecitotrófica). Esta
viviparidade lecitotrófica envolve a retenção dos ovos, com casca reduzida nos ovidutos até
que o embrião esteja completamente desenvolvido. Espécies com placentação complexa
ovulam poucos ovos e transportam nutrientes para o desenvolvimento do embrião através
da placenta (condição placentotrófica).
A viviparidade é às vezes vista como um modo reprodutivo que ocorre apenas em
mamíferos, mas pode estar presente também em outros grupos de vertebrados (exceto em
agnatas, aves, crocodilos e quelônios). A viviparidade apresenta uma vantagem evolutiva
para o desenvolvimento dos embriões, e é também um risco, pois o embrião pode ser
rejeitado e então não alcançar a maturação completa (Thompson, 2007).
Os ovos colocados pelas espécies ovíparas devem conter todos os nutrientes
requeridos para sustentar o completo desenvolvimento do embrião, até a eclosão. Contudo,
a evolução da viviparidade apresenta a oportunidade para as mães reduzirem o
investimento no ovo, como um abastecimento compensatório de nutrientes ao embrião via
placenta durante a gestação (Speake e Thompson, 2000).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Sendo assim, o cuidado parental na viviparidade é considerado como parte dos pais
e na oviparidade como cuidado voluntário, uma vez que os pais têm a opção de
permanecerem ou não próximos aos ovos e larvas (Crump, 1996; Towsend e col., 1991).
Deste modo, podemos observar claramente que na oviparidade as fêmeas apresentam um
gasto energético muito alto na produção de vitelo, contudo na viviparidade não há
necessidade de se produzir um ovo com um vitelo tão rico em nutrientes, pois todo o
fornecimento de alimento é feito através da placenta, portanto o gasto energético é maior
para as espécies lecitotróficas e placentotróficas durante o cuidado parental, que
obrigatoriamente é feito pelas fêmeas. De uma forma geral, a retenção dos ovos provê uma
maneira efetiva de aumentar a sobrevivência da prole e em alguns casos acelerar o
crescimento (Shine, 1985).
É esperado que a viviparidade se desenvolva onde a sobrevivência ou crescimento
da prole vivípara seja substancialmente maior do que a ovípara, ou onde os custos da
retenção dos ovos sejam mais baixos. A variação dos fatores bióticos e físicos (temperatura,
anóxia, estresse osmótico) pode aumentar a sobrevivência de ovos retidos no interior do
corpo. Além disso, em animais que mantêm a temperatura corpórea abaixo da temperatura
ambiente, a viviparidade pode aumentar a taxa de desenvolvimento do embrião (Shine,
1985).
Em peixes, a viviparidade é encontrada na maioria dos condrictes e apenas em
algumas espécies de teleósteos sendo a maioria de água doce. Este modo reprodutivo
oferece uma ampla variedade de vantagens às espécies tropicais, incluindo proteção contra
predadores e patógenos além de uma maior regulação dos fatores ambientais. Na maioria
das vezes, a viviparidade envolve as fêmeas, mas há casos de machos, como visto em
cavalos-marinhos (Cluton-Brock, 1991).
Entre os anfíbios, a viviparidade é encontrada em todos os grupos, tendo como
principal vantagem a redução do perigo de dessecação dos juvenis e assim como em peixes,
está associada a ambientes desfavoráveis. Entre os répteis a viviparidade tem surgido
independentemente no grupo dos esquamatas estando associada a climas frios, o que
auxilia a aumentar a taxa de desenvolvimento dos ovos. Esse rápido desenvolvimento reduz
o tempo gasto no solo quando os ovos são vulneráveis a predadores, aumenta o tempo
durante o qual a prole pode se alimentar antes do início do inverno e reduz a chance de
eclodirem quando as condições ainda são subótimas (Cluton-Brock, 1991).
Comparando espécies ovíparas e vivíparas, há uma redução no tamanho do ovo
com o aumento da complexidade placentária, mas não há redução na concentração de
lipídio dentro do ovo com o aumento da placentotrofia. Então, a redução relativa na
contribuição de lipídio nas espécies lecitotróficas é resultado de uma diminuição no tamanho
do ovo e não no conteúdo lipídico (Speake e Thompson, 2000).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Há uma clara distinção no perfil das classes de lipídios do vitelo entre espécies
ovíparas e lecitotróficas e aquelas em que as proporções dos nutrientes orgânicos dos
embriões são suplementadas via placenta. Esta reorganização do perfil de lipídios do vitelo
contribui para uma redução no investimento materno de energia durante a maturação
oocitária (Speake e Thompson, 2000).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Figura 1 – Diagrama
iagrama do metabolismo do nitrogênio e excreção dos animais. Os três principais produtos
nitrogenados de excreção estão destacados (Modificado de Wright, 2005).
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Figura 2 – Índices de sobrevivência de eclosão de embriões com (cinza) e sem (preto) membrana envoltória de
Triturus pygmaeus expostos a nitrato e baixo pH. Resultados de analise de variância (ANOVAs) mostram que
sem proteção há uma diminuição na taxa de sobrevivência quando expostos a nitrato. (NS, P > 0.05; *P < 0.05)
(Modificado de Ortiz- Santaliestra e col., 2007)
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( -) (+)
Figura 3 – Eixo Hipotálamo-Hipófise-Tiróide. O hipotálamo libera TRH que estimula a hipófise a liberar TSH, este
estimula a produção de T3 e T4 pela tireóide. Note, uma baixa concentração do hormônio T4 retarda a
metamorfose (Modificado de: http://www.scielo.br/img/revistas/ca/v18n3/a03fig01.gif. e
http://www.qualibio.ufba.br/imagens/capitulo6/ f054.jpg.)
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Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
glicogênio no fígado garantem uma via de glicólise anaeróbica conseguem sobreviver por
longos períodos com elevados índices de metahemoglobina no sangue (Perrone e Meade,
1977). Essa sobrevivência é possível porque além dos mecanismos de desintoxicação do
próprio organismo como a ação da enzima metahemoglobina redutase que converte
metahemoglobina em hemoglobina , os hepatócitos têm a capacidade de oxidar nitrito a
nitrato, porém se o animal já estiver debilitado com um estresse gerado por toxicidade de
amônia por exemplo esse processo é prejudicado.(Doblander e Lackner,1996)
A resposta a este estressor é rápida, e estudos com exemplares de matrinxã (Brycon
cephalus) expostos a baixas concentrações de nitrito (0,02 a 0,6 mg/L) mostraram que este
composto causou alterações hematológicas, com a diminuição do hematócrito, da
hemoglobina total e do número de hemácias e um aumento de metahemoglobina de 1%
para 69% apenas em 24 horas de exposição e drasticamente de 5-6% para 90% em 96
horas de exposição levando os peixes a anemia hemolítica (Avilez e col., 2004).
Entre outros efeitos do NO2- sobre a fisiologia de peixes está o desequilíbrio do
balanço de potássio na célula. Este composto promove um aumento de potássio extracelular
originados da perda deste íon das células vermelhas e do músculo (Jensen,1990; Stormer e
col., 1996). Esse processo é desfavorável para o coração e outros tecidos excitáveis porque
causa despolarização e pode causar mau funcionamento do sistema nervoso (Jensen, 2003)
além de promover a excitação dos canais de cotransporte de K+/Cl- envolvidos na
manutenção do volume celular (Jensen,1990,1992).
O nitrito pode induzir uma vasodilatação via óxido nítrico gerado do próprio nitrato
(Gladwin e col., 2000) esse sub-produto é resposta de um processo induzido por baixo pH,
situações de hipóxia e altas concentrações de nitrato (Benjamin e col., 1994). Então é
possível que o nitrato possa interferir em inúmeros processos que este mediador esteja
envolvido como controle da pressão arterial, tônus vascular, sinalização neural, funções
imunológicas e síntese de hormônios esteróides (Ahsan e col., 1997; Cymeryng e col.,1998)
Como dito explanado anteriormente, em fêmeas adultas de peixes teleósteos o
controle hormonal da reprodução ocorre através de um eixo neuroendócrino composto pelo
hipotálamo – hipófise – gônadas (Fig.4), sob a influência de fatores ambientais (como
fotoperíodo por exemplo). O hipotálamo passa a sintetizar e liberar um neurohôrmonio
conhecido como GnRH (hormônio liberador de gonadotropina) que estimula a adenohipófise
a sintetizar as gonadotropinas, que são transportadas, através do sangue, para as gônadas
e na camada das células foliculares (especificamente na camada teca) promove a síntese
de testosterona tendo o colesterol como precursor. A testosterona é transportada à camada
granulosa (também parte do folículo) onde é convertida a 17β – estradiol (E2) através do
complexo enzimático citocromo P450 –aromatase (Billard, 1992). O mecanismo envolvido
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Figura 4 – Local de ação da enzima P450scc (círculo) sobre o eixo endócrino impedindo a formação
de progesterona, testosterona e estradiol (Marcados com um quadrado) em peixes (Modificado de
Nakamura, Lokman e Goetz, 2004).
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Água
150 120 90 60 30
140 110 80 50 20
Sangue
Figura 2 – Diagrama do fluxo contracorrente nas brânquias de peixes. Os números indicam as pressões parciais
de oxigênio (Po2, em mmhg) na água e no sangue. O sangue entra na brânquia com uma Po2 baixa (neste
exemplo, 20mmhg) e o oxigênio difunde-se da água para o sangue. À medida que o sangue flui ao longo da
lamela, mais oxigênio é captado da água e, assim que sai da lamela, alcança aproximadamente a Po2 da água
que entrou rica em oxigênio. A água, fluindo em direção oposta, perde gradualmente mais e mais oxigênio e
deixa a brânquia depois de ter perdido a maior parte de seu conteúdo de oxigênio (Modificado de Schmidt-
Nielsen, 2002).
82
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
A B
Figura 3 – A-B) “Aquatic surface respiration – (ASR)” A) Duas espécies de peixes teleósteos que apresentam o
comportamento (ASR) quando expostos a condições de hipóxia. Poecilia reticulata e Piaractus mesopotamicus. B)
Comportamento ASR apresentado pelo pacu (Piaractus mesopotamicus). Notar a projeção do lábio inferior da
mandíbula (Modificado de Jobling, 1994).
83
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
No que diz respeito aos aspectos relacionados às trocas gasosas realizadas pela
vesícula gasosa (“bexiga natatória”) em teleósteos, poucos estudos têm sido realizados.
Sabe-se que a vesícula gasosa é formada a partir de uma evaginação do trato digestório
(origem embriológica) e, em teleósteos é possível identificar dois tipos de vesícula gasosa.
Alguns teleósteos conhecidos como “fisóstomos”, mantêm uma conexão entre a vesícula
gasosa e o esôfago, conseguindo encher a vesícula “tomando” ar na superfície. No outro
tipo, conhecido como “fisóclisto”, o ducto degenera e não há conexão da vesícula gasosa
com o meio externo, assim, os gases no interior da vesícula são provenientes de processos
de difusão, a partir do sangue (Wooton, 1990; Schmidt-Nielsen, 2002; Moyle e Cech, 2003;
Zavala-Camin, 2004). Os mecanismos fisiológicos envolvidos na troca gasosa entre o
sangue e a vesícula gasosa são discutidos na literatura especializada (Wooton, 1990;
Schmidt-Nielsen, 2002; Moyle e Cech, 2003; Zavala-Camin, 2004).
A B
Figura 4 – A-B Peixes com respiração aérea (obrigatória e facultativa). A) Arapaima gigas (pirarucu), vesícula
gasosa modificada para a respiração aérea (obrigatória). Foto do autor. B) Hypostomus sp. (cascudo), troca
gasosa realizada também pelo intestino (facultativo) (Foto cortesia de Renata Guimarães Moreira).
84
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
Figura 5 – Funções relativas das brânquias (gráfico superior) e dos pulmões (gráfico inferior) nas trocas
de gases respiratórios em três espécies de peixes pulmonados quando mantidos na água e com acesso
ao ar (Modificado de Schmidt-Nielsen, 2002).
85
Endocrinologia Reprodutiva E Metabolismo De Vertebrados Ectotérmicos
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100
Sazonalidade
Sazonalidade
101
Sazonalidade
Sazonalidade
102
Sazonalidade
Figura 1- Esquema do movimento de translação da Terra. Notar que o eixo de inclinação da Terra em relação ao
seu plano orbital não se modifica. As estações do ano representadas são referentes ao Hemisfério Sul. Durante
o verão neste Hemisfério é inverno no Hemisfério Norte e assim sucessivamente. Modificado de
http://bimedia.ftp.clickability.com/wshmwebftp/WebStuff/Earth-Sun-Seasons.jpg, acesso: 17/05/2009.
103
Sazonalidade
104
Sazonalidade
Figura 2- Gráfico esquemático da temperatura ao longo do ano. Notar que cada uma das fases de vida do bicho
da seda ocorre numa estação do ano específica. Os fatores distais nesta espécie é a emergência do adulto,
reprodução, postura de ovos e fase de larva durante a primavera e o verão, quando existe abundancia de
alimento no ambiente. A fase de pupa se inicia no começo do outono e se estende até o fim do inverno. O fator
proximal, que indica a aproximação da primavera e eclosão do adulto, é a passagem pelo mínimo de
temperatura. O esquema apresentado foi baseado nos trabalhos de Williams, (1946, 1956).
105
Sazonalidade
106
Sazonalidade
Figura 3- Ritmos circanuais do esquilo, Spermophilus lateralis. Variação da massa corpórea (curva “w”),
consumo de alimentos (barras de histograma, “f”) e hibernação (barra em preto) em dois indivíduos mantidos por
23 meses em ciclo de 12 horas de claro e 12 horas de escuro e sob temperatura de 21 ºC ou a 0 ºC. Modificado
de Pengelley e Fisher, (1963).
107
Sazonalidade
108
Sazonalidade
controle hormonal da diapausa, sendo que seus componentes variam em composição e/ou
em ação nas diferentes espécies de inseto. (Shiga e Numata, 2007).
Em suma, os mecanismos e bases anatômicas que determinam a capacidade
de responder antecipadamente às condições sazonais ainda não foram totalmente
esclarecidos. O que há em comum a todos os ritmos anuais estudados é a utilização de
determinados sinalizadores ambientais (fatores proximais) que permitem a sincronização
perfeita entrem a atividade dos organismos e as condições ambientais mais favoráveis
(fatores distais). Estes atuam como fortes agentes de seleção natural. Em muitos ritmos
sazonais conhecidos, a pista ambiental utilizada como fator proximal mais preciso é o
fotoperíodo.
109
Sazonalidade
A estivação
Nível de hidratação
A maioria dos anuros possui uma alta tolerância a desidratação, chegando a suportar
cerca de 60% de perda de peso em relação a hidratação total do corpo. Ao longo da fase de
estivação Cyclorana platycephala perde cerca de 36% da sua massa hidratada inicial. Um
dos problemas causados é o aumento da viscosidade do sangue e prejuízo à circulação, o
que pode causar falta de oxigênio em alguns órgão.
A reidratação envolve a reoxigenação dos tecidos que podem incluir elementos de
estresse oxidativo, também conhecidos como radicais livres ou espécies reativas de
oxigênio (ROS). Esses elementos são capazes de degradar macromoléculas, com é o caso
de inúmeras proteínas celulares. A produção de ROS representa uma proporção fixa do total
de oxigênio processado, aproximadamente 5% do oxigênio consumido por organismos
110
Sazonalidade
aeróbios. A redução da taxa metabólica durante a estivação reduz as injúrias causadas por
ROS e assim limita a extensão dos danos oxidativos. A demanda dos sistemas de defesa
(antioxidantes) e reparo (produção de novas proteínas) são atenuados e a taxa de atrofia é
reduzida. As enzimas antioxidantes diminuem significativamente suas atividades durante a
estivação (Grundy e Storey, 1998).
Uma das estratégias utilizadas para minimizar a perda de água é mudar a
concentração de solutos no plasma. Scaphiopus couchii aumenta significativamente a
concentração de sódio e uréia no plasma nos três primeiros meses de estivação. Ocorre
também nestes animais um aumento na diluição da urina da bexiga (McClanahan, 1972),
sugerindo que são capazes de absorver água diretamente do solo. Possivelmente em uma
tentativa de encontrar uma maior disponibilidade de água esses animais migrem
verticalmente como foi observado por McClanahan (1972) em experimentos que mostraram
que ao longo dos meses ocorre um aumento na profundidade em que os animais são
encontrados. Nos primeiros meses estão localizados a 15 cm do solo e após 17 meses a
profundidade é de 50cm (McClanahan, 1972).
Figura 1- Índice pluviométrico (mm) e atividade de Cyclorana australis ao longo de dois anos. Retirado de Tracy
e col., (2007)
111
Sazonalidade
Figura 2- Atividade máxima das enzimas GAPDH (gliceraldeído fosfato dehidrogenase), PK (piruvato quinasa),
LDH (lactato desidrogenase) IDH (isocitrato desidrogenase), GPT (transaminase glutâmico-pirúvica), CK
(creatinoquinase), BDH (hidroxibutirato desidrogenase) FBP (frutose-1,6-bisfosfatase) e ME (enzima málica) no
fígado de Scaphiopus couchii em atividade e depois de dois meses estivando. * Valores diferentes para animais
estivando e em atividade, p>0,05. Retirado de Cowan e col., (2000).
Casulos e abrigos
Os anuros são capazes formar casulos, que são um tipo de proteção que recobre o
corpo do animal (Fig. 3), que podem variar no número de camadas, que acabam por
influenciar a espessura da proteção e, na maioria das vezes, envolve um aumento de
depósito dessas camadas lipoprotéicas ao longo da fase de estivação. Outros se enterram e
não formam casulo. A profundidade em que esses animais se enterram pode variar de 2 e 8
cm para Cyclorana australis (Tracy e col., 2007) até mais de 1m para Pleurodema
diplolistris, Proceratophrys e Physalaemus (Navas e col., 2004). Sapos Ceratophrys formam
um casulo quando são expostos a condições áridas. O aparecimento rápido do casulo provê
uma proteção contra a dessecação quando exposto no solo seco (McClanahan e col., 1978).
Os indivíduos assumem posição de conservação de água e iniciam a formação do casulo,
que pode ser semi-transparente, como em Cyclorana australis e Cyclorana cultripes que
formam em cerca de 48 dias um casulo com 33 camadas em média. Junto com a diminuição
do consumo de oxigênio, este casulo diminui a perda de água por evaporação em
aproximadamente 15 vezes (Withers e Thompson 2000). Animais sem casulo podem ter um
112
Sazonalidade
aumento na vascularização dorsal, o que aumentaria a área de absorção, pois todo o corpo
estaria em contato com o solo (Cartledge e col., 2006).
A presença de casulo em animais fossoriais é bem conhecida, mas aparentemente
isso não é universal. Scaphiopus couchii é um típico estivador, mas não forma casulo,
poucas vezes foi relatada a presença de flocos sobre a pele que não o recobrem totalmente
e podem ser desfeitos facilmente (McClanahan, 1967). O casulo de Lepidobatrachus
llanensis é continuo não existindo apenas na região das narinas externas, podendo até ser
removido intacto. Aparentemente esse tipo de proteção contribui muito para evitar a perda
de água.
Algumas variáveis do solo podem influenciar o sucesso dessa estratégia, como o
potencial hídrico que influencia diretamente na taxa de hidratação do animal e a
granulosidade que pode formar um ambiente hipóxico. A granulosidade do solo influencia
diretamente na disponibilidade de água, podendo o solo reter mais ou menos água.
Scaphiopus couchii enterrados em solos com baixos potenciais hídricos tem uma
concentração do plasma maior que animais enterrados em solos com alto potencial hídrico
(McClanahan, 1972) o que mostra a relação direta entre a disponibilidade de água no solo e
o estado fisiológico do animal. Aparentemente o microhabitat formado por Scaphiopus
couchii possui concentração de oxigênio próxima à encontrada sobre a superfície (Seymour,
1973).
A imobilização pode causar problemas adicionais como a atrofia muscular,
caracterizada pela redução da área transversal do músculo e comprometimento da função
locomotora. Os músculos aeróbios parecem ser mais suscetíveis à atrofia muscular que
músculos glicolíticos durante a estivação. Cyclorana aloboguttata, por exemplo, é capaz de
inibir o efeito da atrofia durante o desuso dos músculos sartório e ibofibulares (Symonds e
col., 2007). Outros trabalhos mostraram que esta espécie também não apresentou diferença
no tamanho ou quantidade de água no gastrocnêmico. Experimentos mostraram que a
contração isométrica e a fatigabilidade foram semelhantes no gastrocnêmico (Hudson e
Franklin, 2002). A função muscular foi preservada durante os três primeiros meses de
estivação (Hudson e Franklin, 2002).
113
Sazonalidade
a) b)
c) d)
e) f)
Figura 3– Registros fotográficos da estivação de Neobatrachus aquilonius e Notaden Nichollsi. As fotos “a” e “b”
mostram a superfície do local escavado pelos animais, as fotos “c” e “d” mostram as covas dos animais depois
de aproximadamente 5 meses enterrados e Neobatrachus aquilonius encasulado no fundo da cova. A foto “e”
mostra um casulo de N. aquilonius retirado após seis meses de estivação e na foto “f” um Notaden Nichollsi, sem
o casulo. Retirado de Thompson e col., (2005).
Metabolismo energético
A estivação também é caracterizada pela redução da taxa metabólica, processo
aparentemente desencadeado em resposta a diminuição da disponibilidade de recursos
tróficos, hídricos ou a exposição às altas temperaturas que acompanham a seca, e parece
contribuir para manutenção do balanço energético no organismo como um todo,
114
Sazonalidade
promovendo sua sobrevivência durante esta fase (Pinter e col., 1992, Guppy e col., 1994).
Para certos grupos de animais, o hipometabolismo que acompanha a estivação é
tipicamente caracterizado pela diminuição dos movimentos, da alimentação, dos batimentos
cardíacos e da atividade cerebral, (Secor, 2005; Storey e Storey, 1990; Pinter e col., 1992),
assim como parece estar diretamente associado a importantes modificações nos processos
bioquímicos em diversos tecidos (Hochachka e Somero, 1984). O ajuste da atividade de
enzimas do metabolismo energético é conhecido em algumas espécies, como Scaphiopus
couchii, que diminuem a atividade das enzimas representativas do metabolismo durante a
estivação (Fig. 2). Um dos ajustes metabólicos mais visíveis está relacionado com o
acúmulo prévio de reservas energéticas em adição à redução da taxa metabólica, o que
parece sustentar não somente a fase depressiva, mas também a retomada da atividade
durante a re-hidratação (Pinter e col., 1992; Storey e Storey, 1990).
Na rã Neobatrachus wilsmorei, o consumo de oxigênio é reduzido em 80 a 85%
durante a fase de inatividade quando comparado aos valores observados durante o estado
normal de atividade nos meses de chuva (Hand e Hardewing, 1996). Assim, essa drástica
redução do metabolismo aeróbio contribui para o balanço hídrico no organismo como um
todo, especialmente nas espécies terrestres (Abe, 1995). Bufo alvarius, Ceratophrys ornata
e Pyxicephalus adspersus apresentam uma redução de 20% na taxa metabólica quando
induzidos à estivação (Secor, 2005). Adicionalmente, ajustes específicos sobre as vias de
metabolização de substratos energéticos modulam a mobilização desses compostos em
adequação a demanda dos tecidos (Guppy, e col., 1994). Durante a estivação do sapo
Scaphiopus couchii, os estoques hepáticos de glicogênio são amplamente preservados
durante a fase hipometabólica, o que sugere uma baixa utilização de carboidratos durante
esta fase (Storey e Storey, 1990). Estudos in vitro em fígado de Neobratrachus centralis, um
sapo estivador do deserto australiano, indicam uma diminuição de 67% da síntese de
proteínas durante a estivação. A taxa metabólica de Neobratrachus centralis e Cyclorana
maini diminuem significativamente após 30 dias de estivação e se mantém baixa ao longo
dessa fase (Withers, 1993).
Com relação aos estoques de lipídeos, pouco é conhecido do ponto de vista
energético sobre as alterações sazonais desses compostos em anuros que estivam,
especialmente pela limitada capacidade de armazenamento nesses animais, muitas vezes
restrita aos tecidos hepático e muscular (Duellman e Trueb, 1986). Entretanto, a ciclagem
sazonal de lipídeos parece desempenhar um importante papel durante a reprodução, o que
está associado não somente à formação das reservas para os embriões nas fêmeas, mas
também com a manutenção da atividade nos machos durante o período de vocalização
(Wells, 2001). Já em lagartos Tupinambis merianae, estudos realizados mostram que
durante a fase de dormência os lipídeos constituem o principal substrato energético para os
115
Sazonalidade
tecidos (Carvalho e col., 1996) e que durante este estado há uma depressão metabólica de
75 a 85%, que pode durar de três a quatro meses, fase na qual o organismo é mantido
aerobicamente, pelo uso de lipídeos como substrato energético, ocorrendo um aumento no
depósito de glicogênio no cérebro e músculo cardíaco (Carvalho, 1996). Para Scaphiopus
couchii o orçamento energético total durante a fase de estivação foi calculado com 72% de
oxidação de ácidos graxos, 23% de proteínas e 5% de carboidrato (Jones, 1980).
Scaphiopus couchii estivando passa por uma reorganização metabólica (Cowan e col.,
2000).
Reprodução
116
Sazonalidade
estoque protéico pode representar uma fonte essencial de combustível para o animal
(Guppy e col., 1994; Hochachka e Somero, 1984).
Assim, o conjunto dessas evidências sugere que os ajustes fisiológicos relacionados
com a depressão metabólica em anuros está intimamente relacionados com a modulação
dos processos que produzem e utilizam-se de ATP de um modo geral no organismo, a fim
de garantir a sobrevivência durante a fase de estiagem.
117
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118
Sazonalidade
culminam na morte celular. Curiosamente, hibernantes durante a fase ativa são tão
suscetíveis a estes efeitos quanto não hibernantes, o que sugere que os mecanismos
celulares de resposta ao estresse são semelhantes em hibernantes e não hibernantes e,
portanto, reforça a importância dos ajustes que ocorrem antes da fase de hibernação
(Storey, 2004). Esta semelhança, somada à constatação de que a habilidade de hibernar é
amplamente observada nos mamíferos, podendo ser considerada uma característica
ancestral e uma propriedade básica da sua fisiologia, indica que o fenótipo hibernante não é
resultado da expressão de genes exclusivos de hibernantes, mas sim da expressão
diferenciada de genes comuns a todos os mamíferos (Heldmaier e col., 2004; Storey, 2004).
Com base neste pressuposto, bastaria encontrar um mecanismo para a ativação deste
conjunto de genes para que a indução do hipometabolismo em não hibernantes se tornasse
possível.
A indução de um estado hipometabólico em seres humanos, por exemplo, traria
benefícios para a medicina em uma variedade de condições. Os mecanismos moleculares
que preservam a viabilidade dos órgãos em hibernantes por longos períodos, a
temperaturas próximas a 0º e em condições de restrição energética, são de grande
interesse para pesquisadores que buscam melhorar e estender o tempo de preservação de
órgãos destinados a transplantes. Esta idéia, que beira a ficção científica, ganhou novo
fôlego em 2005, quando o pesquisador Mark Roth divulgou que camundongos expostos a
gás sulfídrico (H2S), um inibidor específico e reversível da enzima mitocondrial citocromo c
oxidase (CCO), tiveram seu consumo de oxigênio diminuído em 90% seguido por uma
queda da temperatura corpórea para 2 ºC acima da temperatura ambiente (~15 ºC). Após 6
h de exposição ao H2S, estes animais retomaram sua taxa metabólica e temperatura
normais quando colocados novamente em contato com o ambiente (Blackstone e col.,
2005). Provavelmente, ajustes paralelos nos processos consumidores de energia, assim
como ocorre nas células dos hibernantes, acompanharam a inibição do metabolismo
mitocondrial nestes camundongos, preservando a viabilidade celular.
Um dos aspectos mais característicos da dormência sazonal é a antecipação do
fenômeno. Meses antes do estresse ambiental, os animais iniciam uma série de ajustes
comportamentais e fisiológicos que possibilitam, dentre outras respostas, o armazenamento
de substratos, seja na forma de alimento em suas tocas ou tornando-se obesos, ou ambos.
Quando a oferta de O2 no ambiente não é limitante, como na maioria dos casos de
hibernação e estivação, a energia é estocada principalmente na forma de lipídios, uma
forma de estocagem vantajosa do ponto de vista energético uma vez que a oxidação de
ácidos graxos fornece mais energia por grama de substrato que carboidratos. Esquilos, por
exemplo, dobram sua massa corpórea e triplicam a massa adiposa durante a fase de
preparação para a dormência (Dark, 2005).
119
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Figura 1– Registro contínuo da taxa metabólica (TM) e da temperatura corpórea (Tc) na marmota ((Marmota
marmota),
), evidenciando o hipometabolismo e hipotermia durante a entrada em hibernação (1), a manutenção do
hipometabolismo durante a hibernação (2), o rápido reaq
reaquecimento
uecimento durante o despertar (3), e a eutermia (4). A
ventilação é reduzida em uníssono com a queda da taxa metabólica e assume um padrão episódico, com
ventilações seguidas por períodos de apnéia que podem durar de alguns minutos a uma hora ou mais (à di
direita).
Ta representa temperatura ambiente. Modificado de Heldmaier e col., (2004).
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a b
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PFK-II)
II) e PK, por regulação alostérica e/ou fosforilação reversível. Observa-se,
Observa se, entretanto,
que a regulação destas enzimas durante o hipometabolismo ocorre de maneira mais
sistemática durante a depressão metabólica anaeróbia. Nos casos de depressão metabólica
aeróbia, tem sido demonstrado que o ponto de regulação mais importante é a piruvato
piruvato-
desidrogenase (PDH), que exibe
ibe uma forte inibição em vários órgãos de todos os
hibernantes já estudados. Este complexo enzimático, que atua convertendo o piruvato
proveniente da glicólise a acetil-CoA
CoA e regula desta forma a entrada dos carboidratos na via
de fosforilação oxidativa, é convertido em uma forma menos ativa quando sofre uma
fosforilação catalisada pela enzima piruvato desidrogenase quinase (PDK) (Fig.3).
Figura 3- Resumo esquemático das vias de oxidação de glicose e ácidos graxos, com as enzimas reguladoras
de taxa destacadas em vermelho. As seguintes alterações foram observadas no fígado de animais dormentes:
diminuição da atividade máxima de enzimas, indicadas co
com
m X em azul, aumento da atividade máxima de
enzimas, indicadas por setas largas em vermelho, aumento ou diminuição de metabólitos e substratos,
indicados por setas largas em verde.
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espontaneamente nos Laboratórios Jackson nos EUA. Ele foi chamado ob/ob porque estava
claro que a mutação original era um defeito num único gene recessivo que causava a
obesidade. Quando heterozigotos ob/+ cruzavam entre si, um quarto da ninhada era de
homozigotos mutantes ob/ob, e eles se alimentavam vorazmente em comparação com seus
irmãos e se tornavam muito obesos. Ao mesmo tempo, outros camundongos mutantes com
disfunções no comportamento alimentar foram criados e desenvolvidos, como os
camundongos obesos e diabéticos db/db.
Nos anos 70, uma série de experimentos de parabiose, técnica cirúrgica que interliga
animais através da corrente sangüínea, foram conduzidos com camundongos ob/ob e db/db
na tentativa de esclarecer os aspectos dos defeitos genéticos apresentados por esses
animais. Quando os obesos ob/ob eram colocados em parabiose com os selvagens (+/+),
eles comiam menos e perdiam peso. No entanto, quando os db/db eram ligados aos
selvagens (+/+), eles não eram afetados, porém os selvagens diminuíam a ingestão de
alimento e eventualmente morriam por inanição. O mesmo procedimento com ob/ob e db/db
teve um resultado similar ao observado com ob/ob e +/+, isto é, o camundongo ob/ob
reduziu a ingestão de alimento e começou a perder peso, mas o db/db continuou se
alimentando normalmente e ganhando peso. A partir desses experimentos, ficou claro que
os camundongos ob/ob têm um defeito na geração de sinais que informam quão gordos eles
estão e, na ausência desse sinal, elevavam a taxa de ingestão alimentar como se
estivessem magros ao extremo. Em parabiose com os camundongos selvagens, eles
recebem um sinal vindo da gordura corpórea dos selvagens que diminui a ingestão de
alimento. Dado que o mesmo foi observado quando os camundongos ob/ob foram
colocados em parabiose com os db/db, os mutantes db/db aparentemente têm um problema
distinto relacionado com a leitura desse sinal do cérebro. Quando colocados em parabiose
com os selvagens não há efeitos na ingestão alimentar uma vez que produzem o sinal em
abundância. No entanto, as conseqüências são mais sérias para os camundongos
selvagens que recebem uma dose grande desse sinal vindo da gordura corpórea dos db/db
e isso diminui sua ingestão alimentar e causa perda de massa (Speakman e Król, 2005).
Apenas vinte anos mais tarde esse sinal foi identificado como sendo o hormônio
leptina, secretado principalmente pelo tecido adiposo, e a mutação observada no
camundongo ob/ob como uma mutação simples na base de um gene localizado no
cromossomo seis (Zhang e col., 1994). Um avanço considerável ocorreu a partir dessa
época e estudos subseqüentes mostraram a presença de receptores para leptina em
estruturas do hipotálamo (Tartaglia e col., 1995), algumas das quais estariam envolvidas na
regulação do metabolismo corroborando os estudos com lesões. No entanto, os receptores
para leptina se acumulavam predominantemente no núcleo arqueado do hipotálamo, o qual
não foi especificamente sugerido nos estudos com lesões. O que confirmou o papel desse
130
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Figura 1- Esquema de sistemas hipotalâmicos que mostram remodelação em resposta a mudanças metabólicas
periféricas. Modificado de Horvarth (2005).
Essa disposição anatômica unidirecional permite uma inibição tônica das células
produtoras de melanocortina enquanto os neurônios NPY estão ativos. Ambos os grupos de
neurônios são alvos diretos da leptina e também podem ser afetados por outros sinais
periféricos que informam o estado metabólico do animal (Horvath, 2005). A presença de
131
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metabólica na dormência atinge 80% das taxas de repouso na fase de atividade (Souza e
col., 2004) e há uma redução de 37% da massa do intestino médio durante o estado
hipometabólico. No retorno à atividade e retomada da alimentação, há um aumento de duas
vezes da massa total do órgão (Nascimento e col., 2007). Em sapos estivantes, a acentuada
atrofia do intestino no período de dormência é seguida de uma recuperação total do órgão
em apenas 36 h após a retomada da alimentação, e ao término desta fase o animal
responde com um aumento de cinco vezes da massa intestinal (Cramp e Franklin, 2005).
Além disso, os receptores para leptina, OB-R, também são transcritos em grande
quantidade no intestino e evidências sugerem que, neste tecido, o principal papel da leptina
seria o de regular o transporte de lipídios e de açúcar (Morton e col., 1998). O efeito
periférico da leptina no intestino, associado ao aumento da capacidade absortiva do órgão,
embora negligenciado em muitos estudos, parece constituir um importante mecanismo em
animais sazonais nas fases de crescimento e armazenamento de estoques energéticos e
deveria ser considerado nas investigações sobre obesidade, em complementação às
alterações nos sistemas de controle central da ingestão de alimentos e do gasto energético.
135
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141
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
142
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
“Existe uma grandeza nessa visão de mundo, com seus vários poderes, tendo sido
originalmente insuflados em poucas formas, ou em apenas uma; enquanto este planeta
continuou girando segundo as leis da gravidade, desde o mais simples começo,
infindáveis formas, as mais belas e mais maravilhosas, evolveram ou estão evolvendo.”
Charles Darwin, em A origem das espécies, 1859.
No ano de 1831, aos 22 anos, o jovem Charles Robert Darwin embarcou, após
ter desistido do curso de Medicina, no HMS Beagle. O navio inglês comandado por
Robert Fitzroy deu a volta ao mundo em missão da Marinha. No caminho, Darwin teve a
oportunidade de realizar estudos em Geologia e conhecer e coletar espécimes de
animais e vegetais diversos (Zimmer, 2004).
Anos após a viagem, Darwin observava alguns exemplares de pássaros que
coletara em Galápagos. As diferenças entre animais provindos de ilhas do mesmo
arquipélago, aliadas às observações de fósseis e à leitura de Um ensaio sobre o
princípio da população, de Thomas Malthus, conduziram Darwin à então perigosa teoria
da seleção natural. Segundo ela, pressões ambientais acabariam por favorecer
indivíduos com determinadas características em vez de outros que não as possuíssem.
Dessa maneira, tal característica seria transmitida geração a geração. Com a mudança
das pressões - e outras variáveis que só viriam a ser incorporadas mais tarde-, as
espécies evoluiriam, ou, nas palavras de Darwin, dariam origem a uma “descendência
com modificação” (Gould, 1987). Era uma teoria blasfema numa época em que o
materialismo filosófico empregado na teoria de Darwin (não havia transcendência; a
mente só existia por meio do corpo; o que guiava a evolução eram leis naturais) era
considerado escandaloso. Ao contrário do que se pode supor, as idéias evolucionistas já
eram comuns na época, e foi esta inflexibilidade filosófica que fez a teoria de Darwin
parecer tão herege. Por esse motivo, Darwin precisou embasar muito bem sua hipótese,
o que fez ao longo de 15 anos. Felizmente, em 1859, um ano depois de ter trocado
correspondências com Alfred Russel Wallace, um naturalista que parecia ter chegado a
143
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
conclusões muito semelhantes sobre a evolução, Darwin publicou o seu Sobre a origem
das espécies por meio da seleção natural. O livro gerou enorme polêmica, mas Darwin
preferiu ficar longe da badalação, em casa ou cuidando da saúde. Veio a falecer em
1882, e foi sepultado próximo ao túmulo de Isaac Newton.
Apesar de a comunidade científica ter aceitado amplamente as idéias de Darwin
já em 1870 como um dos mecanismos da evolução, a contextualização de sua teoria só
ocorreu no século XX, com o advento da descoberta das moléculas da hereditariedade.
Daí para frente, a Biologia tem empregado a teoria de Darwin na resolução de vários
mistérios sobre a vida dos organismos, evidenciando mecanismos por ele descritos, e
revolucionando a sistemática por meio de descobertas em diversas áreas, dentre as
quais a Fisiologia.
144
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
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A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
Seleção
O tempo
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A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
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A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
casos, a característica pode ter sido selecionada no passado, mas é herdada hoje por
“inércia filogenética” apenas.
2. Estudos de seleção
A Biologia Evolutiva criou diversos métodos para tentar avaliar a
presença, intensidade e direção da seleção natural em populações selvagens. A
locomoção, por exemplo, é um aspecto bastante estudado pelos fisiologistas
evolutivos e sua relevância para o fitness é conhecida em muitos casos (Feder e
col., 2000). Correntemente, estudos em seleção atentam para a necessidade de
se analisar populações repetidamente, de modo a levar em consideração as
mudanças nos padrões ao longo do tempo.
Estudos em laboratório permitem alterar pressões seletivas e analisar
como a seleção se processa. Os experimentadores podem tanto alterar
148
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
3. Técnicas de genética
Dentre as diversas maneiras que a Genética vem contribuindo com a
Fisiologia Evolutiva, podemos citar:
a) Estudos de Fisiologia-para-genes (prediz que cada caráter tem base no nível
genético): aplicação de técnicas de genética quantitativa para estimar a
herdabilidade de diversas características funcionais, caracterizar variação
genotípica X fenotípica em características, estabelecer relações entre
características e fitness.
b) Estudos de genes-para-Fisiologia: esclarecer como genes discretos e seus
produtos, agindo sobre uma determinada característica, influenciam no
fitness e desempenho.
As duas abordagens surgiram para tentar desvendar o que havia por detrás
das variações observadas numa mesma população, e só puderam ser efetivadas
graças aos avanços no estudo do DNA e isolamento dos produtos dos genes
(Feder e col., 2000).
149
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
150
A Curiosa Saga Da Fisiologia Evolutiva
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151
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
O tempo, conceito tão discutido por filósofos e físicos, não tem uma
definição consensual. É uma noção que temos adquirida pela nossa vivência,
assim como o espaço. No entanto, não temos dúvida de que o tempo é um fator
importante determinístico da vida na Terra e uma das maneiras como o
percebemos é através dos ritmos. Estes são ciclos que se repetem de tempo em
tempo, como, por exemplo, os movimentos de rotação e translação da Terra,
que tem como conseqüência o dia e a noite e as estações do ano,
respectivamente. Os seres vivos estão sujeitos a estes e outros ritmos e
precisam estar adaptados a eles. Mas será que os organismos vivos apenas
respondem a estes fenômenos de forma passiva? Como veremos nesse módulo,
os organismos desenvolveram um complexo mecanismo intrínseco de ritmos
endógenos, os “Relógios Biológicos”, capaz de se antecipar e se ajustar aos
fenômenos geofísicos.
Albert Einstein
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Introdução à Cronobiologia
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Existe uma classificação dos ritmos biológicos que é amplamente usada, a qual
propõe três categorias para os ritmos biológicos: ritmos infradianos, circadianos e
ultradianos. Essa classificação se baseia na duração do ritmo circadiano, cujo período
varia de 20 a 28 horas, de acordo com a espécie. Os ritmos com períodos maiores que
28 horas são classificados como infradianos, e ritmos de curta duração, com períodos
inferiores a 20 horas, denominados ultradianos (revisto em Koukkari & Sothern, 2006). A
utilização dos prefixos infra e ultra é baseada na freqüência dos ritmos, no entanto, a
maioria dos ritmos é descrita em função do período observado (Fig. 3) (Refinetti, 2006).
Um dos problemas dessa classificação é que essa categorização acaba
supervalorizando os ritmos circadianos já que os outros são classificados em relação à
frequência de um ciclo em cada 24 horas (Marques e Menna-Barreto).
158
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
24 h
8h
96 h
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
160
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Aferência Eferências
Oscilador
Zeitgeber
~
Figura 5 - Esquema da organização do sistema de temporização circadiana. O zeitgeber
representa o sinal ambiental de arrastamento o qual leva a sincronização do oscilador com o
ciclo ambiental, gerando a expressão do ritmo (Modificado de Lumsden, 1991).
161
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
1 - Evolução da Multicelularidade
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
3 - Interação molécula-receptor
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
4 - Tipos de receptores
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
complexo Gα-GTP do complexo Gβγ. Dessa forma tanto Gα-GTP quanto Gβγ
encontram-se livres para ativar seus efetores, como por exemplo canais iônicos ou
enzimas (Pierce e col., 2002). A duração do sinal é determinada pela taxa de hidrólise
do GTP da subunidade Gα e subseqüente reassociação de Gα-GDP com Gβγ (Hamm,
1998). A cinética da ativação da proteína G através dos GPCRs tem sido descrita
recentemente. Baseado em observações de que a atividade GTPásica de proteínas G
isoladas é mais baixa do que sob condições fisiológicas, postulou-se a existência de
mecanismos que aceleram a atividade GTPásica. Vários efetores tem sido apontados
como promotores da atividade GTPásica da subunidade α da proteína G.
Recentemente, uma família de proteínas chamadas “reguladoras da sinalização da
proteína G” (proteína RGS), capaz de aumentar a atividade GTPásica da subunidade α
da proteína G foi identificada (Wettschureck e Offermanns, 2005).
Classicamente, as proteínas G são divididas em quatro famílias baseadas na
similaridade de suas subunidades α: Gαi/0, Gαs, Gαq e Gα12/13 (fig. 5b) (Cabrera-Vera e
col., 2003; Pierce e col., 2002). Cada família consiste de vários membros que
frequentemente mostram padrões de expressão específicos. Membros de uma família
são estruturalmente similares e frequentemente compartilham algumas de suas
propriedades funcionais.
168
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
174
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
fotopigmentos respondem à luz que penetra pela pele, crânio e pelo tecido cerebral. No
entanto, em mamíferos a fotorrecepção é feita exclusivamente por fotopigmentos
presentes nas células da retina. Dentre as principais células retinianas (Fig. 2) podemos
citar os cones, bastonetes, células ganglionares, células amácrinas e as células
bipolares (Menaker, 2003).
175
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
176
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 4 – Corte longitudinal do cérebro de rato ilustrando as vias aferentes para os NSQs
originárias da retina através do trato retino-hipotalâmico e do folheto intergeniculado (IGL)
177
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
através do trato geniculo-hipotalâmico. Note que a via retiniana emite projeções para a região
occipital através do trato óptico para as áreas visuais específicas e que o TRH atua sobre o IGL,
que por sua vez atua sobre os NSQs em mecanismo de feedback (Modificado de Esseveldt e
col., 2000).
178
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
179
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
NSQs e no IGL. Do IGL há liberação de NPY que pode ser estimulado por glutamato do TRH. Do
núcleo da rafe há liberação de serotonina. A liberação desses transmissores atua na
transcrição/repressão de genes que permitirão a sincronização do organismo e geração de
ritmos fisiológicos, metabólicos e comportamentais (Retirado de Ibata e col., 1999).
180
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 7 – Representação esquemática dos efeitos da luz sobre o ritmo circadiano de um animal
em ciclo de claro/escuro (LD, Light/Dark) e, portanto, sincronizado pela a um ritmo de 24 horas.
Quando este animal é mantido em escuro constante (DD, Dark/Dark) entra em livre curso. Um
pulso de luz no final do período de atividade promove um adiantamento de fase (phase advance)
e um pulso de luz no início do período de atividade promove um atraso de fase (phase delay). As
barras pretas indicam a atividade do animal (roedor se movimentando na gaiola, bebendo água
ou se alimentando) em dias sucessivos. A lesão nos NSQs faz com que a luz ambiental não seja
mais interpretada (apesar de ainda estar sendo percebida) havendo desincronização, o que
explica a fragmentação do registro de atividade deste animal (Retirado de Esseveldt e col.,
2000).
181
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
183
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Erika Cecon
Laboratório de Cronofarmacologia
erika.cecon@usp.br
185
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Este último quesito, porém, só poderia ser utilizado no caso de um oscilador que
se comunique com o resto do organismo por vias humorais, como é o caso da glândula
pineal nos pardais, pois a técnica de transplante não se aplicaria se a estrutura se
comunicasse por vias neurais, como parecia ser o caso nos roedores (Inouye e
Kawamura, 1979).
Em continuidade aos experimentos de Richter em busca do oscilador de
mamíferos, Stephan e Zucker (1972) realizaram lesões sucessivas em diferentes
regiões do hipotálamo de ratos e identificaram os núcleos supraquiasmáticos (NSQs)
como a estrutura final de suas buscas. Moore e Eichler (1972) chegaram à mesma
conclusão na mesma época, com a marcação com composto radioativo dos nervos que
saem da retina e seguem por uma rota nervosa distinta daquela responsável pela visão,
o trato retinohipotalâmico, cujo ponto final são os NSQs. Com tais experimentos, ficou
constatado não somente que os NSQs estão altamente relacionados aos ritmos
biológicos como também que estes comunicam-se diretamente com o meio externo
através do trato retinohipotalâmico, o que lhes permite ter acesso direto às informações
ambientais captadas sensorialmente pela percepção retiniana.
Em 1979, Inouye e Kawamura conseguiram isolar os NSQs in vivo, cortando
todas as ligações neurais entre os NSQs e o restante do hipotálamo, construindo o que
eles descreveram como “ilha hipotalâmica”. Neste experimento, eles demonstraram a
existência de ritmos circadianos na atividade elétrica detectada por eletrodos
implantados na região hipotalâmica externa e interna aos NSQs antes do isolamento
neural. Após este isolamento, a ritmicidade era evidenciada somente nos potenciais
medidos pelos eletrodos internos, ficando a região externa arrítmica (Fig.1).
186
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Por fim, o experimento que faltava para sanar qualquer dúvida remanescente a
respeito da identidade do relógio biológico de mamíferos era o transplante dessa
estrutura entre animais que apresentassem diferentes fases ou período para um mesmo
ritmo, de acordo com os critérios já citados. Isso só foi possível muitos anos depois e foi
realizado em hamsters “tau-mutantes” (que apresentam mutação no período circadiano,
τ ≈ 20h), cujos NSQs foram transplantados em hamsters selvagens (τ ≈ 24h). Os
animais selvagens, ao terem os NSQs lesionados, ficaram arrítmicos e, após o
transplante, passaram a apresentar ritmos de atividade-repouso com o mesmo período
do doador mutante (Ralph e col., 1990). Confirmara-se então o caráter oscilatório dos
NSQs de mamíferos.
Apesar destas primeiras conclusões a cerca do oscilador circadiano central de
mamíferos terem sido continuamente comprovadas com o passar dos anos, o mesmo
não foi observado para os estudos com as aves. Em cada espécie, ou até mesmo
família, estudadas, o sistema oscilatório (aferências, oscilador central e eferências)
apresenta composições estruturais distintas entre si e daquelas observadas
primeiramente em pardais.
2 - Da estrutura à célula
187
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 2 – Actogramas de dois ratos cegos, implantados com cânulas no NSQ. Fluido cérebro-
espinhal artificial (A) ou tetrodotoxina (B) foram perfundidos durante os 14 dias indicados pelas
setas (Retirado de Schwartz e col., 1987).
189
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Mas por onde começar a busca pelo relógio biológico dentro do núcleo celular?
Desde a década de 30, o pesquisador alemão Erwin Bünning, através de estudos de
ritmos em plantas, já previa que, se a antecipação era algo tão generalizado dentre os
organismos vivos e a percepção do tempo algo tão importante, deveria haver uma base
genética para essa característica se perpetuar (Chandrashekaran, 2007). Essa teoria
pôde ser confirmada com a descoberta de algumas moscas-da-fruta (Drosophila
melanogaster) que apresentavam aberrações em seus ritmos de postura de ovos e/ou
de eclosão.
Percebeu-se então que este modelo seria muito útil ao estudo dos ritmos
biológicos, já que tratava-se de um organismo de fácil manipulação, desenvolvimento
rápido e com o qual era possível obter os mais variáveis mutantes. Iniciaram-se assim
uma série de experimentos genéticos com este organismo, sendo que os alvos das
primeiras mutações eram genes responsáveis pelo desenvolvimento e funcionamento
do organismo como um todo, pois partiam do pressuposto de que a expressão de um
ritmo requer um sistema integrado (Konopka e Benzer, 1971).
190
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
191
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Como essas mutações resultaram em uma alteração no período dos ritmos até
mesmo em condições constantes, o gene mutado recebeu o nome de per (period), e foi
o primeiro dos chamados “genes do relógio” a ser descoberto, pois afeta a maquinaria
básica do oscilador.
192
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
transcrição. Outro feedback negativo ocorre entre CLK:CYC e VRI e PDI, sendo que a
transcrição dessas duas últimas é dependente de CLK:CYC e a transcrição de dClock é
regulada por VRI e PDI, que apresentam efeitos antagônicos. Já a proteína CRY tem
sido relacionada ao processo de sincronização do relógio ao ciclo claro-escuro
ambiental, atuando como uma fotopigmento sensível à luz azul. Quando ativada pela
luz, CRY leva a uma rápida degradação de TIM, o que faz com que o relógio possa ser
zerado (reset) diariamente (Ashmore e Sehgal, 2003). A relação entre essas alças de
retroalimentação está representada na Fig. 5 a seguir.
O mecanismo pelo qual essa rede é capaz de regular a expressão dos mais
diversos ritmos biológicos no organismo obedece aos mesmos princípios que são
encontrados nos mamíferos, e estão explicados em maiores detalhes no item seguinte.
193
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
1 - Conceituando Eferência
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura1 – Esquema dos diferentes “outputs” dos NSQs . VP= vasopressina; OT=oxitocina; HPG=
hipotálamo-pituitária-gônada; HPT= hipotálamo-pituitária-tireóide; HPA= hipotálamo-pituitária-
adrenal; SCN= Núcleos Supraquiasmáticos (Retirado de Kalsbeek et al., 2006)
3 - Neurônios Adjacentes
198
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 2 – Sumário das vias do Sistema Nervoso Central que integram a sinalização oriunda dos
NSQs com outros estímulos para acoplar o oscilador central com os periféricos e produzir os
diferentes ritmos circadianos, fisiológicos e comportamentais. SCN=Núcleos Supraquiasmáticos;
MPO= Região Medial Pré-óptica; dSPZ= Zona Subparaventricular dorsal; vSPZ= Zona
Subparaventricular Ventral; DMH= Núcleo Dorsomedial do Hipotálamo; VMH= Núcleo
Ventromedial; PVHd/PVHm= Núcleo Paraventricular dorsal/medial; ARC= Núcleo Arqueado;
VLPO=Núcleo Pré-óptico Ventrolateral; LHA=Hipotálamo Lateral (Retirado de Saper e col.,
2005).
4 - Neurônios Pré-Autonômicos
199
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 3 – Visão esquemática das interações autonômicas entre os NSQs e PVN e os órgãos
periféricos. As linhas contínuas representam inervações simpáticas, e as descontínuas
inervações parassimpáticas. SCN= Núcleos Supraquiasmáticos; PVN=Núcleo Paraventricular;
NTS=Núcleo do Trato Solitário; DMV=Núcleo Dorsal-Motor do Vago; IML=Coluna
Intermediolateral (Retirado de Buijs e col., 2003).
5 - Neurônios Neuroendócrinos
200
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
6.2 - Termorregulação
201
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 4 – Regulação diferencial dos ritmos de sono e temperatura corporal pelo integrador
circadiano hipotalâmico. vSPZ= Zona Subparaventricular Ventral; dSPZ= Zona
Subparaventricular dorsal; DMH= Núcleo Dorsomedial do Hipotálamo (Retirado de Saper e col.,
2005).
6.3 - Sono-Vigília
O ciclo de sono-vigília dos mamíferos tem sua regulação oriunda dos NSQs
através de diferentes vias de sinalização que geram uma resultante fisiológica.
202
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Dos NSQs, um feixe sinaliza aos neurônios adjacentes do vSPZ, que atua sobre
o DMH que modula via GABA e glutamato o VLPO resultando em um ritmo circadiano
de sono. Do DMH uma projeção glutamatérgica para o LHA age conjuntamente sobre o
estado de vigília e ingestão de alimentos através da orexina (Fig. 2) (Saper, 2005).
Durante as fases de atividade, existe uma predominância da atividade do sistema
simpático, enquanto durante a inatividade o sistema parassimpático exerce maior
influência no organismo (Kalsbeek, 2006).
Foi observado diferença na atividade dos neurônios dos NSQs entre os animais
de hábitos noturnos e diurnos, mas esta diferença não se dá nas vias de eferência e
seus alvos, mas basicamente na composição dos sinais emitidos pelos NSQs
(transmissores com ação oposta, como GABA e glutamato) que chegam principalmente
aos neurônios intermediários e não aos neurônios endócrinos ou motores (Kalsbeek,
2006; Saper, 2005; Kalsbeek e Buijs, 2002)
203
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
6.6 - Melatonina
204
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
pineal por uma inervação adrenérgica (Fig. 5) (Simonneux e Ribelayga, 2003). Porém, a
síntese e liberação de melatonina pela pineal não ocorre meramente por uma “liberação
de um efeito inibitório”, mas esta precisa de um estímulo que vem de neurônios dos
NSQs que se encontram ativos durante a noite (Perreau-Lenz, 2004).
Figura 5 – Via de sinalização dos NSQs para a Glândula Pineal e síntese de melatonina noturna
em mamíferos. SCN=Núcleos Supraquiasmáticos; PVN=Núcleo Paraventricular; SCG= Gânglio
Cervical Superior (Modificado de Macchi e Bruce, 2004).
205
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
A primeira descrição conhecida da glândula pineal foi feita no século III pelo
anatomista Herophilo, que lhe atribuiu à função de regulação do fluxo de pensamentos.
Quase meio século mais tarde, o médico e filósofo Cláudio Galeno (131-200) batizou a
pequena estrutura em forma de semente de pinho de glândula pineal. É interessante
notar que Galeno foi o primeiro a denominar a pineal como uma glândula e, como tal,
ela deveria dar “suporte” aos vasos sanguíneos, sendo seu papel específico regular a
fluidez do espírito. No início do século XII, o francês René Descartes estudou
intensamente o órgão pineal e chegou à conclusão de que este era o terceiro olho.
Porém, ele não tinha nenhum conhecimento de fotorrecepção para comparar a pineal a
um olho e o que ele quis dizer foi que a pineal era a sede da alma. Através dos nossos
sentidos captados pelos órgãos duplos (olhos, mãos, narinas), as nossas percepções se
uniriam na pineal antes de chegar à alma (Descartes, 1973). Descartes é considerado o
primeiro estudioso a dar um enfoque “fisiológico” à pineal devido à possibilidade do
ambiente influenciar em sua atividade (ver revisão Simonneaux e Ribelayga, 2003).
A descoberta da melatonina é bem mais recente, tendo início quando Carey P.
McCord e Floyd P. Allen, em 1917, extraíram da glândula pineal de bovino uma
substância capaz de alterar a coloração da pele de anfíbio, por agregar os grânulos que
contém melanina (melanossomas), no interior dos melanóforos dermais. Apenas em
1958, Aaron B. Lerner, utilizando a pele de rã (Rana pippiens) como modelo, conseguiu
isolar a substância fotossensível presente na glândula pineal bovina, a qual deu o nome
de melatonina. Após as descobertas iniciais, verificou-se que o papel da melatonina não
estava apenas ligado a mudança da coloração da pele de anfíbio, mas também das
lampréias (Young, 1935) e, mais adiante, na regulação da temperatura em lagartos
(Stebbins e Eakin, 1958). Em 1959, Julius Axelrod iniciou uma série de investigações
utilizando a pineal de ratos. Junto de seu assistente de laboratório Richard J. Wurtman,
em 1965, propuseram a “hipótese da melatonina” a qual preconiza que a secreção deste
206
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
hormônio é controlada pela variação luminosa ambiental e induz alterações das funções
reprodutivas em mamíferos.
207
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
proteassoma. Tanto para roedor quanto para humano a enzima AA-NAT é o passo
chave da síntese de melatonina.
A biossíntese da melatonina é iniciada pela captação do triptofano da corrente
sangüínea que é convertido a 5-hidroxitriptofano (5-HTP) e, em seguida, a serotonina
(5-HT). A 5-HT é, então, acetilada pela enzima AA-NAT formando a N-acetilserotonina
(NAS) que, por fim, é metilada pela enzima hidroxindol-O-metiltransferase (HIOMT)
dando origem à em melatonina. (ver revisão: Simonneuax e Ribelayga, 2003) (Fig. 2).
208
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7 - Plantas
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
9.1 - Peixes
Nos peixes, a pineal está envolvida em inúmeras funções comportamentais e
fisiológicas que possuem padrões rítmicos diários ou anuais. Entre essas funções,
podemos citar a atividade locomotora (incluindo a migração vertical), a procura por
alimento, a preferência por temperaturas adequadas, a osmorregulação, a pigmentação
da pele, a reprodução e o crescimento. O papel da melatonina na reprodução dos
peixes teleósteos é o mais estudado, embora a grande variabilidade dos resultados
obtidos entre indivíduos de espécies diferentes ou até na mesma espécie considerando
sexo, condições de iluminação ou fase reprodutiva diferentes, gerem muitas
controvérsias (Ekström e Meissl, 1997; Mayer, 1997).
Entre os peixes teleósteos é possível distinguir três grupos, segundo as
propriedades da pineal (Migaud e col., 2007):
214
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
9.2 - Anfíbios
Assim como os peixes, a glândula pineal de anfíbios é frontal e fotossensível. No
entanto, na fase adulta, esses animais possuem um conteúdo de melatonina maior na
retina do que na glândula pineal, sugerindo que a retina é a principal produtora dessa
indolamina em anfíbios (Delgado & Vivien-Roels, 1989). Ainda são necessários novos
estudos para determinar a origem da melatonina plasmática em anfíbios anuros.
Um papel interessante que a melatonina pode desenvolver nesse grupo de
animais está relacionado à metamorfose. A transformação do girino em adulto é um
processo que pode ser afetado pela temperatura ambiental e pelo fotoperíodo e é
induzido pelo aumento gradual dos hormônios da tireóide. Apesar de sabermos que a
melatonina tem uma ação inibitória sobre o crescimento e liberação de hormônios da
glândula tireóide, os trabalhos que relacionam metamorfose e a indolamina são
contraditórios. Alguns indicam que o tratamento com melatonina acelera o processo,
outros que retarda, enquanto alguns citam que não há efeito algum (ver revisão, Wright,
2002). Estas inconsistências podem refletir diferentes metodologias e concentrações
usadas pelos pesquisadores.
9.3 - Répteis
Muitas observações indicam que a organização circadiana em répteis varia ao
longo do ano. Em uma espécie de lagarto (Podarcis sicula) a atividade locomotora
passa de unimodal na primavera, para bimodal no verão, voltando a ser unimodal no
outono. Essas características são mantidas mesmo quando o animal é submetido a
condições constantes de luz e temperatura, indicando que a atividade locomotora possui
um componente circadiano. No entanto, nessas mesmas condições constantes, a
produção de melatonina mantém o ritmo de produção noturna apenas no verão, sendo
esta arrítmica na primavera e no outono. Tanto a pinealectomia quanto a administração
crônica de melatonina induz uma transição imediata do padrão locomotor de verão para
o padrão visto na primavera e no outono. Os autores desse trabalho propõem que,
nesses animais, a pineal funcione como um relógio apenas no verão, mas não nas
demais estações (Bertoluci e col., 2001).
215
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
9.4 - Aves
Em aves, os olhos, o hipotálamo e a pineal respondem de forma independente à
luz mas, juntos mantém a ritmicidade circadiana. O papel da pineal nesse conjunto varia
de espécie para espécie. Em pardais, por exemplo, a pinealectomia abole ou
desestabiliza os ritmos de atividade, alimentação e temperatura corporal (Heigl e
Gwinner, 1995).
Um aspecto bastante estudado nessa classe é a reprodução. Codornas
apresentam dimorfismo sexual em relação à distribuição de receptores de melatonina
(alta densidade em machos e baixa em fêmeas) no núcleo telencefálico, na área visual
e na área preóptica. Esses dados sugerem um papel diferencial para esse hormônio na
modulação da percepção visual, na produção gonadotrófica e no comportamento sexual
sazonal entre machos e fêmeas (Aste e col., 2001; Bentley, 2001).
216
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
11 - Conclusão
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
informação para os tecidos e órgãos internos. No entanto, outros tecidos e órgãos são
capazes de sintetizar esta indolamina que, nestes casos, apresenta uma ação parácrina.
Além do aspecto cronobiótico, muitas outras funções têm sido atribuídas a esta
molécula como: regulação da atividade de algumas enzimas, influência na organização
do citoesqueleto, modulação do sistema imune, regulação do sistema vascular,
neuroplasticidade e ação antioxidante. A proteção contra os danos causados pelos
radicais livres tem sido relacionada como a função mais primitiva da melatonina,
principalmente porque esta função aparece em todos os grupos filogenéticos, desde
bactéria até humanos. Desta forma, é sugerido que a função de transdução do escuro
apareceu secundariamente na escala evolutiva.
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Relógios Periféricos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Para avaliar estas questões foram gerados animais transgênicos, nos quais o
relógio circadiano pode ser desligado apenas e especificamente no fígado. Nesses
animais, os hepatócitos super expressam o gene Rev-erbα, o que inibe a expressão de
Bmal1 quando a dioxiciclina (um antibiótico análogo a tetraciclina) é retirada da
alimentação destes. Quando a dioxiciclina é adicionada à dieta, o relógio hepático volta
a funcionar normalmente (Fig. 17). Essa estratégia revelou que quando o relógio
hepático é desligado, o número de genes que apresentam perfil circadiano de
expressão cai de 351, para 31 (Fig. 18). Mostrando que o controle da expressão
circadiana é complexo, pois a maioria dos genes que ciclam é controlada pelo relógio
hepático, mas uma pequena fração destes também pode ser regulada por pistas
sistêmicas (Kornman e col. 2006).
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Tabela 1- Classificação das desordens de sono do ciclo circadiano (adaptado de Martinez e col.
2008).
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 4 - Mudanças na temperatura oral antes do tratamento e após o tratamento (A). Variações
temporais das concentrações de melatonina na saliva antes do tratamento (B) (modificado de
Doljansky e col., 2005).
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 6 - Os valores de força dos membros inferiores mensurados em quatro horários distintos
nos dias 1, 3, 5 e 7 , após os atletas voarem por cinco fusos horários para oeste. Os atletas
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
demoraram cinco dias para alcançar o pico de força máxima às cinco da tarde, que seria o
horário da competição (retirado de Benedito, 2008).
Bullock e col. (2006) verificaram a influência do ‘jet lag’ em doze atletas de elite
de um esporte chamado “skeleton”, um esporte olímpico de inverno que consiste em
descida de trenó no gelo. Cinco desses atletas permaneceram no mesmo local e sete
voaram para o leste, cuja viagem durou 24 horas, atravessando quase 9 fusos horários.
Todos os atletas foram submetidos a treinamentos semelhantes na mesma hora do dia.
Os atletas fizeram uma bateria de testes físicos durante alguns dias. Além disso, antes
de cada teste de corrida eles foram submetidos a exercícios de aquecimento muscular.
Amostras de saliva e urina foram coletadas para análise de concentrações de cortisol e
da gravidade específica respectivamente, antes deles viajarem e durante todo o estudo.
Os resultados indicaram que não houveram efeitos prejudiciais do ‘jet lag’ nos
testes físicos de corrida, e não encontraram diferenças significativas nas análises de
urina. Porém os níves de cortisol salivar foram alterados naqueles indivíduos que
viajaram. Somente no 9º dia após a viagem, 90% deles tiveram os níveis de cortisol
próximos ao patamar mensurados antes da viagem, mostrando que o tempo de
ressincronização demora um dia para cada fuso atravessado.
Os autores deste artigo concluíram que a capacidade física dos atletas não foi
significativamente afetada pela viagem de longo curso para leste. Isso pode ser
atribuído ao fato de o aquecimento feito nos atletas antes dos testes poderem ter
induzido um estímulo suficiente para esquentar os músculos e assim o ritmo circadiano
poderia acompanhar a performance muscular em curto prazo (Bullock e col. 2006).
Artigos relacionados ao ‘jet lag’ entram em controvérsia a respeito dos efeitos na
performance dos atletas, quando estes viajam mais de três fusos horários. Por que a
literatura é tão contraditória neste assunto? O que estaria influenciando nos resultados
dos dois casos apresentados acima? Existe um resultado mais confiável que o outro?
Por outro lado, o estudo da Cronobiologia não preza somente a relação entre as
disfunções fisiopatológicas e os distúrbios rítmicos, o ritmo endógeno dos seres vivos
também abre portas para o tratamento de doenças. É esse o objetivo da Cronoterapia,
propiciar o melhor momento para o tratamento de determinadas doenças, com base nos
fundamentos da Cronobiologia.
Uma vez que as células possuem seus genes de relógio, o ciclo celular também
é regulado por fatores que apresentam ritmicidade. Assim, a mitose em alguns tecidos
pode ocorrer de maneira rítmica. Por exemplo, no fígado a taxa de mitose das células
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
hepáticas é maior durante o dia, sendo quase nula na fase escura (Halberg e col.,
2003), como demonstrado na fig. 7.
Pensando dessa forma, será que existe uma disfunção rítmica nas células
cancerígenas? Com certeza, algum mecanismo desregulador que leve ao aumento da
taxa de proliferação dessas células deve estar associado a genes do relógio. Na
verdade, pouco se sabe do funcionamento desses genes em células tumorais (Fig. 8),
porém alguns dímeros protéicos reguladores do relógio celular estão presentes nessas
células interferindo na sua proliferação. Além disso, genes como per1, per2, Bmall e
Rer-erbα também são encontrados em modelos de roedores com câncer, e nesses
casos, a taxa de expressão é mais baixa do que de uma célula normal, porém os genes
ainda ciclam (Lévi e col., 2007). Existe um pico de síntese de DNA em células tumorais
diferente das células normais.
240
Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
Figura 8 - Esquema do sistema circadiano mostrando como é feita suas aferências e eferências.
Sabe-se que o metabolismo e a proliferação celular estão sendo diretamente regulados pelo
sistema circadiano, porém ainda não está completamente compreendido quais mecanismos são
responsáveis por essa regulação. CNS: Sistema Nervoso Central, PVN: Núcleo Paraventricular,
SCN: Núcleo Supraquiasmárico, RHT: Trato Retinohipotalâmico, LD: Dia-noite, 5-HT: 5-
Hidroxitriptofano, NPY: Neuropeptídio Y, IGL: Folheto Intergeniculado(retirado de Mormont e Lévi,
2003).
241
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242
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Fisiologia e Seus Aspectos Cronobiológicos
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Neurofisiopatologia
Neurofisiopatologia
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Neurofisiopatologia
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Neurofisiopatologia
corretivos são enviados de volta ao córtex para que o desempenho real seja igual ao
pretendido. Dessa forma, o cerebelo relaciona-se com os ajustes dos movimentos,
equilíbrio, postura e tônus muscular a cada instante.
O cerebelo tem seu tamanho e forma relacionados não só com a classe, mas
também com o hábito de vida do animal. Este é relativamente mais desenvolvido nas
espécies com maior movimentação espacial, como peixes. O cerebelo em aves e
mamíferos encontra seu tamanho máximo e o maior número de sulcos e giros (Guyton e
col., 1996).
O tronco encefálico (Fig. 5) interpõe-se entre a medula e o diencéfalo, situando-se
ventralmente ao cerebelo. Possui três funções gerais; (1) receber informações
sensitivas de estruturas cranianas e controla os músculos da cabeça; (2) contém
circuitos nervosos que transmitem informações da medula espinal até outras regiões
encefálicas e, em direção contrária, do encéfalo para a medula espinhal; (3) regular a
atenção, função esta que é mediada pela formação reticular. Além destas 3 funções
gerais, as várias divisões do tronco encefálico desempenham funções motoras e
sensitivas específicas.
Na constituição do tronco encefálico entram corpos de neurônios que se agrupam
em núcleos e fibras nervosas. Muitos dos núcleos do tronco encefálico recebem ou
emitem fibras nervosas que participam da constituição dos nervos cranianos, que
emergem diretamente do encéfalo.
266
Neurofisiopatologia
Medula espinal
A medula espinal é uma estrutura de formato cilíndrico, ocupando a maior parte do
canal vertebral. Em corte transversal, observa-se uma região interna mais escura, em
formato de H. Esta é a região denominada substância cinzenta. A região em sua volta,
mais clara, é denominada substância branca. A substância cinzenta é originária do
canal do manto e de células da camada ependimária, enquanto as células da substância
branca são originárias da camada marginal.
A substância cinzenta é formada por neurônios amielínicos encontrando-se nela
principalmente corpos celulares de neurônios, seus dendritos e células gliais. Já a
substância branca é formada por células mielinizadas e é onde encontramos os axônios
em conjunto formando tratos.
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Neurofisiopatologia
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Neurofisiopatologia
distribuição anatômica do nervo depressor aórtico, como exemplos no cão onde a região
cervical é praticamente inseparável do tronco vagal (que contém, igualmente, o
simpático cervical) ou no coelho em que este nervo corre isoladamente.
271
Neurofisiopatologia
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Neurofisiopatologia
Figura 8- Visão esquemática sagital do bulbo de rato: ▲ neurônios excitatórios, ∆ neurônios inibitórios.
Modificado de Colombari, (2001).
273
Neurofisiopatologia
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Neurofisiopatologia
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Fisiologia Sensorial
Fisiologia Sensorial
276
Fisiologia Sensorial
Sistemas Sensoriais
Introdução
Figura 1 – Modelo simplificado do arranjo de um Sistema Nervoso. O interneurônio pode ou não estar
presente entre as células receptora e efetora.
O arranjo mais simples possível, com uma única célula (nervosa) recebendo o
estímulo em um ponto do organismo e diretamente atuando numa célula efetora, é
chamado arcorreflexo. Esse arranjo já permite que um organismo exiba uma série de
respostas comportamentais úteis a sua sobrevivência. Eventualmente, modificou-se
para um arranjo com duas células: uma receptora e outra efetora, formando um arco
reflexo monossináptico (e.g. reflexo patelar). Ressalta-se que a comunicação entre as
duas células já poderia representar uma forma de modulação do sinal e, portanto,
flexibilizar o comportamento.
Há ainda o arcorreflexo polissináptico, com pelo menos um interneurônio
entre as células receptora e efetora. A existência do interneurônio (e, portanto, de mais
corpos celulares) nessa interface deu origem aos gânglios, que são acúmulos de corpos
celulares no organismo. Em última instância, nosso cérebro é um gânglio (ou um grande
conjunto deles). O mais complexo que se tem conhecimento.
A rede neural mais simples em organismos vivos é aquela encontrada nos
Celenterados. O arranjo das células nervosas é difuso, com cruzamentos desordenados
de axônios, e sem preferência de direção do estímulo gerado. Em alguns Celenterados
há um início de organização em direção a arcos-reflexo monossinápticos, que é
presente em todos os outros organismos multicelulares (com tecido verdadeiro). Apesar
disso, os arcos-reflexo polissinápticos são mais comuns.
As células receptoras, de agora em diante chamadas receptores sensoriais,
são o ponto de contato entre o mundo físico externo e o sistema nervoso. Eles permitem
277
Fisiologia Sensorial
Visão
O sistema visual é o mais bem estudado de todos os sistemas sensoriais. Isso
é um provável reflexo da importância que ele tem para nós. A faixa de luz visível pelos
animais compreende-se do infravermelho até o ultravioleta (Fig. 2). O fato de nos mais
278
Fisiologia Sensorial
diversos organismos a faixa de energia eletromagnética captada ser tão restrita deve-se
simplesmente aos comprimentos de onda abaixo (comprimento de onda menor) do
infravermelho não carregarem energia suficiente para um efeito apreciável e aqueles
acima do ultravioleta carregarem muita energia, a ponto de serem danosos para os
tecidos (raios ultravioleta A e B – UVA e UVB – são danosos à pele).
Figura 2 – Faixa de luz (visível) utilizada pelos receptores dos organismos vivos.
Mecanismo de transdução
279
Fisiologia Sensorial
280
Fisiologia Sensorial
periferia, menos cones e mais bastonetes são encontrados, com virtualmente nenhum
cone nas regiões mais periféricas, o inverso do centro da fóvea.
Figura 4 – (A) Olho em câmara de vertebrados. (B) Foto in vivo da retina de um olho humano. (C) Detalhe da fóvea
no centro da retina. (D) Camadas celulares da retina, representando arranjo de cones e bastonetes. (E) Corte histológico
da retina de um macaco. Retirado de Lent, 2006.
Figura 5 - Córtex visual primário (V1), em vermelho, no córtex occipital do homem, do gato e do rato.
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Fisiologia Sensorial
282
Fisiologia Sensorial
Figura 6 – Cruzamento das fibras do nervo óptico e hemicampos contemplados em cada hemisfério
cerebral. Modificado de Bear e colaboradores (1996).
283
Fisiologia Sensorial
Audição
A audição tem um peso muito importante no nosso dia-a-dia, sendo
fundamental para a comunicação entre indivíduos; seguramente ela trabalha
complementando nosso sentido visual.
O aparelho auditivo
humano está limitado a captar
freqüências entre 20 Hz e
20.000 Hz. Tal limitação é
causada por características
implícitas a um órgão do
sistema auditivo chamado
cóclea (Fig. 7), mais
especificamente, por uma
estrutura chamada membrana
basilar, dentro da cóclea, que
Figura 7 – Detalhe da estrutura do ouvido humano.
não vibra com sons fora dessa
faixa de frequências.
Diferentemente da visão, não necessariamente o intervalo de freqüências que
é captado por outros animais é semelhante. Infra-sons (freqüências abaixo de 20 Hz)
são utilizados por Tigres e Elefantes como forma de comunicação, que, no caso de
elefantes, pode ser feita a quilômetros de distância.
No outro extremo, morcegos têm faixa de audição começando em 10.000 Hz
e indo até cerca de 120.000 Hz. Os superagudos, freqüências acima de 10.000 Hz, têm
comportamento extremamente direcional e reflexivo, características que se tornam
ainda mais exacerbadas nos ultra-sons, freqüências acima de 20.000 Hz. Emitindo sons
acima de 50.000 Hz, os morcegos podem perfeitamente voar no escuro total,
conseguindo desviar dos obstáculos presentes em seu caminho. Eles utilizam-se do que
chamamos de sonar: um mecanismo de ecolocalização baseado na percepção da
posição de objetos no espaço pela geração de um som e recaptura do mesmo após
reflexão nas barreiras do ambiente.
A energia sonora no ambiente chega até ao tímpano pelo canal auditivo (Fig.
7), parte da orelha externa. Essa energia, com todas as suas características de
freqüência e intensidade, é transmitida pelo tímpano aos ossículos da orelha média
(martelo, bigorna e estribo), que farão a transmissão para a janela oval na cóclea,
integrantes da orelha interna. A interação existente entre os três ossículos causa uma
amplificação de até 1,6x na energia sonora que recebemos e a diferença de área entre
o tímpano e a janela oval outra de 20x, resultando em um ganho de 32x
284
Fisiologia Sensorial
aproximadamente.
A cóclea é a
estrutura onde toda a
mágica da transdução
acontece. Ela é uma
estrutura tubular
enrolada sobre si
mesmo, com três
câmaras internas (Fig. 7
e 8). As câmaras são
chamadas escalas e
são preenchidas por
Figura 8 - Representação da cóclea em corte transversal, evidenciando líquidos de
suas três câmaras internas.
composições
específicas (Fig. 8).
A vibração transmitida à janela oval é então transferida para os líquidos
internos da cóclea e para a membrana basilar. Como a cóclea é um tubo inextensível, a
Janela Redonda funciona como uma válvula de escape, permitindo a movimentação dos
líquidos internos e vibração nas membranas (Fig. 7).
Como já dito, a membrana basilar é a responsável pela nossa amplitude de
audição. Estruturas de sua composição, chamadas fibras basilares (não representadas
nas figuras) tem tamanhos progressivamente variáveis ao longo da cóclea. Essas
estruturas fazem com que diferentes regiões da membrana (e da cóclea) sejam mais
sensíveis a uma ou outra freqüência. Sons agudos, altas freqüências, são melhores
percebidos no início da cóclea. Sons médios, no meio dela. E sons graves, baixas
freqüências, no final da cóclea, próximo
à região chamada de helicotrema (Fig.
9). Tais constatações não significam
que um som fará com que só aquela
região vibre. Pelo contrário, todo som
causará com que a membrana basilar
Figura 9 – Representação esquemática da cóclea,
como um todo vibre. Mas essa vibração
mostrando como o som se propaga em seu
interior. será muito pequena fora do ponto ótimo
de vibração, não alterando a atividade eletrofisiológica nesses pontos da membrana.
Vale lembrar também que sons puros são raros na natureza e um mesmo som, sempre
causará a vibração de partes distintas da membrana basilar.
O órgão de Corti é o responsável pela transdução da energia sonora em
285
Fisiologia Sensorial
286
Fisiologia Sensorial
Somestesia
O sistema somatossensorial permite perceber estímulos na pele através de
uma diversidade de receptores sensoriais especializados: modificações nas terminações
de neurônios unipolares que alteram sua atividade eletrofisiológica pela pressão,
temperatura ou dor. Esses neurônios fazem conexões diretas com neurônios motores
para permitir reflexos e evitar eventuais danos à pele (em última instância, ao
organismo) – um arcorreflexo monossináptico como o reflexo patelar, discutido no início
deste capítulo brevemente e, mais extensivamente, no capítulo “Neurofisiologia da
Cognição I - Circuitos e Redes”. As vibrissas de ratos e camundongos são também um
órgão tátil, utilizado para se localizarem no ambiente e mais importantes a eles do que
os olhos, já que estes têm hábitos noturnos.
Os estímulos somestésicos também são levados ao córtex cerebral via
tálamo, formando um mapa somatotópico do organismo. Assim como na visão, algumas
regiões são mais privilegiadas do que outras, como a ponta dos dedos, lábios e língua
tendo os menores campos receptivos do sistema (e, portanto, as maiores áreas de
287
Fisiologia Sensorial
Sistema Vestibular
Associado às estruturas que permitem a audição, todos os vertebrados
contam também com o sistema vestibular, com o qual podem perceber fenômenos de
Figura 13 – Órgãos do
equilíbrio no ouvido
humano.
288
Fisiologia Sensorial
Sentidos químicos
Olfação
As conexões neurais da via olfativa até o córtex sugerem que esse é um dos
sistemas sensoriais mais antigos dos animais. É o único sistema que faz conexões
diretas com o córtex cerebral (córtex olfatório) sem passar pelo tálamo. Após o córtex,
outras conexões neurais conduzem os estímulos recebidos ao tálamo e fazem também
conexões com o lobo frontal do neocórtex e diversas conexões com o sistema límbico.
Diferente do que acontece com os sistemas auditivo e visual, não há vias paralelas de
processamento neural para a olfação. São as conexões com o lobo frontal que
provavelmente nos permitem ter consciência dos cheiros ao nosso redor e as conexões
com o sistema límbico, os comportamentos ligados à homeostase e às emoções (Lent,
2006).
O sistema olfativo é um bom exemplo de como o sistema sensorial mais
importante a uma espécie dependerá das pressões seletivas e do que é mais adaptativo
para o habitat. Cachorros não são capazes de enxergar em cores como nós
enxergamos; por outro lado, são detentores de um olfato apuradíssimo, frequentemente
sendo vistos farejando o chão atrás de algo que lhes interessa. Treinados, são hoje
largamente utilizados para encontrar drogas em bagagens e pessoas soterradas em
terremotos, sendo melhores que os humanos fazendo tais buscas visualmente.
Tubarões também são fantásticos na detecção de odores, podendo perceber uma gota
de sangue em dezenas de litros de água. O caso mais espetacular de percepção
química, porém, é o das mariposas: os machos de algumas espécies são capazes de
detectar concentrações de apenas uma molécula do feromônio de atração sexual da
fêmea para até 1017 moléculas de ar! Isso se traduz em conseguir perceber uma fêmea
a milhas de distância.
Feromônios são moléculas intraespecíficas que servem à comunicação entre
gêneros – resultando, em última instância, no acasalamento – e também à demarcação
de território entre indivíduos. Até hoje sua existência não foi confirmada em humanos;
porém, fatos como a coincidência do ciclo menstrual entre mulheres que moram juntas
por um longo período de tempo, a tendência de homens classificarem-nas como mais
atraentes quando em período fértil e a tendência a escolhermos mais roupas com suor
do sexo oposto em um teste feito às cegas trazem indícios fortes de que esse
289
Fisiologia Sensorial
mecanismo também exista em humanos. Alguns desses exemplos nos mostram que
nem sempre precisamos estar conscientes de um estímulo para responder ao mesmo.
Gustação
A gustação está presente na maioria dos vertebrados e depende de
receptores específicos na língua, que detectam cinco qualidades: amargor, acidez,
doçura, salinidade e umami. Há claras razões adaptativas para a seleção de tais
receptores. Curiosamente, felinos não possuem receptores para doçura (Carlson, 2005).
Os animais tendem a ingerir rapidamente tudo o que é doce ou salgado;
doçura indica presença de açúcares, claramente um alimento. Já receptores para sal,
indicam a presença de cloreto de sódio, extremamente importante para o equilíbrio
eletroquímico do organismo. Por outro lado, substâncias amargas ou azedas serão
evitadas. Acidez é um indicativo de decomposição, resultado da ação bacteriana. Já o
amargor é um excelente indicativo da presença de alcalóides potencialmente venenosos
produzidos por plantas. Umami é um sabor relacionado à presença de glutamato
monossódico, substância naturalmente presente em carnes, queijos e alguns vegetais.
Um sexto tipo de receptor poderia também detectar a presença de ácidos-graxos nos
alimentos; de fato, trabalhos recentes indicam respostas celulares causadas pela
presença de ácidos-graxos específicos (Gilbertson e col., 1997 apud Carlson, 2005).
As vias neurais da gustação se dão através do núcleo posteromedial ventral
do tálamo para a base do córtex frontal e para o córtex insular. Outras projeções se dão
para a amígdala e hipotálamo. Sugere-se que a via hipotalâmica sirva para mediar
efeitos reforçadores de sabores doces e salgados.
Outros sentidos
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Fisiologia Sensorial
Conclusões
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Fisiologia Sensorial
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Fisiologia Sensorial
Introdução
Desde a formação da Terra há bilhões de anos atrás a luz, provavelmente,
tem exercido uma potente força de seleção sobre os organismos vivos. Os milhares de
amanheceres e pores-do-sol desde o início da vida têm levado a evolução dos olhos
que usam a luz para visão e outros fins, incluindo a navegação e noção de tempo. Um
pássaro em uma manhã de primavera ouvindo o canto de outros machos competidores
em busca de uma fêmea para acasalar, um lagarto do deserto buscando abrigo do sol
escaldante, ou uma águia em seu vôo em busca de uma presa - em todos os exemplos,
estes animais precisam de uma acurada informação sobre o que ocorre ao seu redor
para decidirem o que fazer em seguida. A sua decisão poderá ser apropriada somente
se a informação oferecida pelo meio ambiente for corretamente codificada e
transformada em sinais que possam ser processados pelo sistema nervoso central.
Origens evolutivos
No caso da “visão”, embora os olhos apresentem uma variedade de formas,
tamanhos, desenhos ópticos e localização corporal, todos eles fornecem informações
similares a respeito de ondas e intensidade de suas fontes. Logicamente, os olhos
podem ter uma origem monofilética, ou seja, de um único ancestral comum, ou podem
ter uma origem polifilética, surgido mais de uma vez durante a evolução.
Estudos filogenéticos relevaram que olhos evoluíram independentemente em
diferentes grupos sistemáticos, o que nos leva a tentar compreender quais as soluções
encontradas por cada grupo de animais durante o processo de evolução no qual resulta
essa enorme diversidade ( Halder, 1995; Salviani-Plawen e Mayr, 1977).
Estas estruturas (ex. ocelos, olhos compostos, olhos em câmara) que
asseguraram aos organismos “captarem estímulos luminosos”, nos levam a relembrar
Darwin em “como a seleção natural... pode produzir um órgão tão maravilhoso como o
olho” (Darwin, 1859). Os olhos são suscetíveis de coletar o sinal luminoso e focar com
lentes em células fotorreceptoras especializadas para converter fótons em sinais
neurais. Existem alguns olhos sem pupila ou lentes (Nautilus), mas, por definição, todos
os olhos requerem células especializadas para fototransdução.
293
Fisiologia Sensorial
Fotorreceptores
As unidades básicas do olho, as células fotorreceptoras, podem ser divididas em
duas grandes classes, uma ciliar (conjunto de cílios sensíveis a luz) e um tipo microvilar
(rabdomérico) o qual é constituído por um conjunto de células receptoras de luz,
paralelas umas às outras, o exemplo mais comum é em olhos compostos de insetos que
são formados por omatídeos (um pequeno sensor que distingue a claridade da
escuridão) e este é formado de uma lente e um rabdoma (Halder, 1995).
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Fisiologia Sensorial
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Fisiologia Sensorial
olho composto
olho de vertebrados
Conclusão
As diferenças fundamentais de morfologia, desenvolvimento e estrutura dos
fotorreceptores de diversos tipos de olhos encontrados no reino animal sugerem que os
olhos surgiram independentemente pelo menos 40 vezes, especialmente ao
compararmos as camadas da célula da retina que compõem o olho em câmara dos
vertebrados (ganglionar, plexiforme interna, nuclear interna, plexiforme externa, nuclear
externa, externa, epitélio pigmentar) (Fig. 4 do capítulo anterior). Os sistemas de
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Fisiologia Sensorial
298
Fisiologia Sensorial
Neurofisiologia da Música
Introdução
A música é uma forma de arte e expressão humana presente mundialmente
(Hauser e McDermott, 2003; Gray e col., 2001; Tramo, 2001), irrestrito a gênero, classe
social, língua ou idade. Freqüentemente tratada apenas como uma manifestação
cultural, um alvo de pesquisa “não-essencial” (Zatorre, 2003), essa distribuição global
gera indícios de que a música é mais do que isso. Ainda assim, não há uma explicação
clara e consensual de suas vantagens adaptativas (Pinker, 1998).
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Fisiologia Sensorial
A música também interferiria com tais circuitos neurais, de tal forma que ela
altera nossas emoções e nossa noção de segurança ou insegurança.
O quinto aspecto ressaltado por Pinker é o controle motor. O ritmo é um
componente universal da música e até mesmo único em algumas culturas. Tal
ritmicidade que nos faz dançar, bater palmas, balançar, e acompanhar a música,
certamente estimula nosso sistema motor.
O último aspecto defendido pelo autor é um “algo a mais” sem explicação
conhecida e que ele coloca como sendo, possivelmente, desde um acidente do
funcionamento conjunto de diversos circuitos neurais até uma ressonância entre
disparos neuronais e ondas sonoras.
As sobreposições entre música e linguagem vão muito além do relatado por
Pinker (1998) em seu livro. Patel (2003a) faz uma revisão da sobreposição existente no
processamento da sintaxe. Música também possui sintaxe e circuitos neurais que fazem
o processamento dessa característica musical parecem ser os mesmos utilizados para a
fala. A evidência vem de ambos os processos gerarem um potencial evocado P600,
significativamente indistinto em amplitude e distribuição no escalpo, após a
apresentação de sentenças verbais ou seqüências de acordes musicais com
incongruências de sintaxe (baseadas em regras de estrutura verbal para os estímulos
verbais e regras harmônicas para os estímulos sonoros). O processamento sintático
ocorre em regiões do lobo frontal anterior.
Koelsch e col. (2004) testaram a capacidade da música para representar
significados. Eles apresentaram palavras aleatórias a voluntários após eles terem
ouvido ou uma frase ou um trecho musical (apenas instrumental). Um
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Origens da musicalidade
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Fisiologia Sensorial
Neurofisiologia da Linguagem
Rodrigo Collino
Laboratório de Neurociências e Comportamento
rodrigocollino@terra.com.br
Introdução
Dentro das ciências cognitivas, o estudo da linguagem tem ganhado grande
atenção nas últimas décadas. É uma área que envolve diversos detalhes e grande
complexidade, dado o emprego de técnicas desenvolvidas apenas recentemente (a
partir da metade do séc. XX) em estudos neurocientíficos. Anteriormente a este período,
as conclusões de médicos acerca da neurofisiologia da linguagem eram abstraídas
somente através da análise da casos clínicos, advindos de acidentes que causassem
danos a áreas específicas do cérebro, e que acabavam por desenvolver sequelas de
cunho linguístico – na compreensão da fala, ou na produção de mesma, por exemplo.
Retrocedendo mais ainda no tempo, pensava-se na Grécia Antiga que o controle da
linguagem estivesse concentrado totalmente na língua do indivíduo. Assim, ao encontrar
um indivíduo que, provavelmente devido a um acidende vascular cerebral (AVC),
apresentasse dificuldades na dicção, era comum oferecer-lhe tratamento através de
massagens em sua língua, na esperança de recobrar-lhe a fala. Atualmente, estudiosos
da neurociência contam com instrumentos aguçados de avaliação da atividade cerebral,
tais como fMRI, MEG, PET e ERP, a fim de correlacionar características da linguagem e
regiões cerebrais específicas e seus respectivos padrões de ativação neuronal.
Neste capítulo, vamos explorar algumas das maravilhas da linguagem
produzidas pelo cérebro humano: o que a torna tão particular da espécie humana, sua
lateralização e modularidade cerebral, distúrbios ocasionados pela falha em alguns de
seus mecanismos, e como é possível o cérebro aprender e utilizar mais de uma língua
para nossa comunicação.
307
Fisiologia Sensorial
até mesmo encontrar semelhanças entre a nossa comunicação e aquela usada por
outros animais. De certo, algumas espécies de animais se comunicam, como as aves,
cães, lobos e primatas, mas até que ponto esta forma de comunicação pode ser
equiparada à nossa? Será que alguma outra espécie poderia aprender a “linguagem dos
homens”?
De modo muito diferente, a espécie humana parece ter sido selecionada com
esta característica inata à linguagem: atualmente, no planeta, contam-se 10.000 idiomas
e dialetos dentre todos os povos da raça humana. Além disso, casos de indivíduos que
cresceram em total isolamento com a sociedade relatam o desenvolvimento de formas
próprias de comunicação. Por fim, há algumas características que diferem a
comunicação humana daquela encontrada em qualquer outra espécie animal. São elas:
308
Fisiologia Sensorial
Neuroanatomia da Linguagem
Todos os aspectos da linguagem são comandados pelo cérebro: a captação
de ondas sonoras provenientes da conversa entre duas pessoas é levada ao sistema
nervoso central pelo nosso sistema auditivo; a produção da fala, envolvendo a
articulação dos lábios e língua, também tem seu controle motor coordenado pelo
cérebro; a leitura e a escrita, e até mesmo nossa linguagem corporal, intermediados
pelos sistemas visual e motor, são orquestrados Figura 1 – Principais áreas anatômicas
pelos 1,5 quilo de massa cinzenta que se encontra do cérebro humano.
dentro de nossa caixa craniana.
Cada uma destas funções linguísticas encontra-se sob responsabilidade de
áreas neuroanatômicas bem definidas e localizadas, que serão ilustradas na Figura 1 e
Tabela 1:
309
Fisiologia Sensorial
310
Fisiologia Sensorial
singular, verbos sem flexão, levando até mesmo a uma total quebra na sintaxe da frase
(p.e., “Senhoras e senhores, por favor dirijam-se à sala de jantar”, seria produzido por
um destes pacientes como “senhora, senhor, sala”). A afasia de Wernicke não prejudica
a produção, mas sim a compreensão da fala e da escrita. Devido a esta dificuldade de
compreensão, sua fala fica afetada por uma fluência em excesso, com abundância de
palavras e frequentes trocas de assunto dentro do mesmo trecho discursivo, produzindo
uma espécie de “vazio” na fala. Geralmente é resultado de lesões na região temporo-
posterior superior esquerda. A afasia de Condução ocorre quando o fascículo arqueado
(região parietal esquerda), que interliga as regiões de Broca e Wernicke, é rompido.
Seus principais sintomas são dificuldades na repetição de frases e palavras e na
nomeação de objetos, e troca de letras durante a escrita.
Existem também disfunções da linguagem observadas por lesões no
hemisfério direito do cérebro: indivíduos que utilizam um único tom de voz na linguagem
após lesão no córtex frontal direito, e indivíduos que não conseguem realizar
compreensão prosódica após lesão no córtex posterior direito.
Há, ainda, aqueles distúrbio linguísticos sem lesões vasculares ou mecânicas
aparentes, apontando apenas para um componente genético. A dislexia, por exemplo,
envolve grandes dificuldades em processos fonêmicos, ocasionando atrasos no
aprendizado de leitura e grafia incorreta de palavras. Estudos recentes apontam para
um possível correlato anatômico da dislexia: indivíduos disléxicos apresentam tamanho
levemente reduzido do hemisfério esquerdo, com grupos de neurônios “mal-
posicionados” no planum temporale esquerdo – o que sugere um atraso na migração
daquelas células durante o desenvolvimento. Existe, ainda, uma dificuldade em
processar estímulos sensoriais (visuais ou auditivos) de forma rápida por parte de
indivíduos disléxicos, quando comparados à população normal.
O Cérebro Bilíngue
Comunicar-se, portanto, parece pertencer ao acervo biológico do homem,
herdado geneticamente de nossos ancestrais; em nossa espécie, há um instinto para o
desenvolvimento da linguagem – apesar dos possíveis problemas ou deficiências no
decorrer do percurso. E quanto à comunicação em duas línguas? Como está preparado
o nosso cérebro para aprender dois ou mais idiomas, e processá-los a nível neural?
Existem populações neurais específicas para cada idioma, ou que se complementam no
processamento de mais de um idioma? Aqui, devido à modularidade cerebral - já
conhecida não apenas para diferentes funções cognitivas do ser humano (como
memória, motricidade, visão, olfato), mas também para diferentes características
linguísticas, temos novamente que discernir entre as várias habilidades envolvidas
311
Fisiologia Sensorial
312
Fisiologia Sensorial
Outro importante estudo neste campo provou que não somente a idade, mas
também o nível de proficiência (ou domínio) do idioma influi na representação cerebral.
Estudos com fMRI encontraram maior densidade de massa cinzenta na região temporo-
parietal esquerda do cérebro daquelas pessoas que haviam aprendido mais
precocemente duas línguas e que possuíam maior grau de proficiência. (Mechelli,
2004). Isto equivale a dizer que quanto mais cedo alguém é exposto a um idioma
estrangeiro, maior a quantidade de conexões entre neurônios naquela região cerebral
específica envolvida no processamento daqueles idiomas.
De fato, tomado de um ponto de vista neurobiológico, nascemos prontos para
aprender qualquer idioma. Uma criança que nasce na Coréia vai aprender coreano tão
bem quanto uma criança que aprende italiano por ter nascido na Itália, embora estas
duas línguas possuam sotaques e alguns sons de vogais e consoantes próprios,
diferentes entre elas. Nosso cérebro, nos primeiros anos da infância, não faz distinção
entre japonês e inglês, português e alemão, ou quaisquer outras línguas entre si. É
somente após alguns meses de vida que nosso sistema nervoso central começa a
privilegiar os sons mais freqüentes ao nosso meio, e por consequência, a não mais
reconhecer fonemas estrangeiros que não fazem parte do sistema de sons a que a
criança está sendo exposta (Fig. 4). Daí vem a dificuldade que muitos adultos
encontram em, primeiro, perceber auditivamente e, depois, em pronunciar determinados
fonemas estrangeiros – como nas palavras bad e bed, em inglês, para os brasileiros, ou
como nas palavras avô e avó, em português, para os povos de língua espanhola.
Figura 4 – Linha do
tempo para percepção
de sons da fala em
bebês, de 0 a 12 meses
de idade. Retirado de
Kuhl, 2004.
Conclusão e Perspectivas
O campo da neurociência se abre cada vez mais para estudos da linguagem.
Processos que envolvem desde a aquisição de uma língua, passando pelo seu
313
Fisiologia Sensorial
314
Fisiologia Sensorial
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
Cognição
Wataru Sumi
Laboratório de Neurociências e Comportamento
wataru_sumi@yahoo.com.br
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Neurociência Cognitiva
Figura 2 - Uso de ferramentas por chimpanzés. Um graveto é usado para “pescar” formigas. Retirado de
Naish.
320
Neurociência Cognitiva
determinado tipo de noz é adquirida por tentativa e erro até que chegam à perfeição
(Tinbergen, 1971).
Vimos que existe um continuum de complexidade do comportamento. Como já
mencionado anteriormente, nem todos eles são tratados como cognição. A partir de que
grau de complexidade podemos dizer que um determinado comportamento é cognitivo?
Essa resposta varia enormemente entre diferentes autores. Uma definição mais
abrangente entende a cognição como sendo os mecanismos pelos quais os animais
captam a informação do ambiente, a retêm e a usam para ajustar o comportamento às
condições locais ou, simplesmente, como processamento da informação. Em uma
definição mais estrita, cognição é tratada como o conjunto de processos que produzem
o comportamento intencional (Heyes e Huber, 2000), ou manipulação do conhecimento
declarativo (saber que), não sendo considerada cognição o conhecimento de
procedimento (saber como) (McFarland, 1991).
A definição adotada pela neurociência cognitiva é a mais ampla, ou seja,
considera a cognição como o processamento da informação. Se pensarmos que, por
exemplo, a memória pode ser dividida em explicita e implícita (Fig. 3), sendo que a
memória explícita seria responsável pelo comportamento intencional, a adoção da
definição mais restrita de cognição implicaria em estudar apenas parte desses
processos.
Figura 3 - Existem diferentes tipos de memória. A memória de longa duração pode ser dividida em:
memória declarativa e memória não-declarativa (retirado de Gazzaniga e col., 2006).
Como vimos até agora, a nossa definição de cognição não se restringe apenas a
processos mentais mais elevados, aqueles que nos permitem filosofar, calcular etc..
321
Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
Embora o arranjo dos circuitos que compõem estes sistemas varie grandemente
de acordo com suas funções, algumas características são comuns entre eles. As
conexões sinápticas que definem um circuito são tipicamente realizadas numa densa
malha de dendritos e terminais axonais. A direção do fluxo de informação em um circuito
particular é essencial para se entender sua função. Células nervosas que transmitem
informações em direção ao sistema nervoso central são chamadas de neurônios
aferentes; já as que transmitem informações para fora do encéfalo e da medula espinal
(ou para fora do circuito em questão), são chamadas de neurônios eferentes. Células
nervosas que participam somente no aspecto local do circuito são chamadas de
interneurônios. Estas três classes – neurônios aferentes, neurônios eferentes e os
interneurônios – são os constituintes básicos de todos os circuitos neurais.
De modo geral, podemos classificar os circuitos como:
• Convergentes: aqueles nos quais um grupo de neurônios recebe uma
aferência (entrada) de um neurônio pré-sináptico e o circuito tende a se tornar
concentrado. Para demonstrar este tipo de circuito, imagine que tenhamos os neurônios
A, B e C e que cada um deles possua uma entrada diferente. Estes neurônios se
projetam para um neurônio D e este se projeta para outro neurônio E, realizando uma
eferência (saída). Circuitos convergentes são responsáveis, por exemplo, pela
interpretação dos estímulos sensoriais (Fig. 2, à esquerda).
• Divergentes: são os circuitos que funcionam de maneira oposta aos
circuitos convergentes. Em vez de concentrar as aferências, estas se projetam
separadamente para diferentes neurônios. No caso do circuito divergente, o neurônio A
possui uma aferência e se projeta para os neurônios B, C e D. A característica básica de
um circuito divergente é o fato de que um único neurônio iniciará respostas de maneira
crescente em outros neurônios. Tais circuitos são encontrados nos sistema motores e
sensoriais (Fig. 2, centro).
• Reverberantes: o sinal de aferência é transmitido ao longo de uma série
de neurônios e cada um destes fará sinapses com neurônios de uma porção da via
previamente percorrida. O impulso reverbera sendo enviado ao longo do circuito
continuamente até que um neurônio seja inibido. Então, uma aferência no neurônio A se
projeta para o neurônio B, que se projeta para o neurônio C e então para o D e este se
projeta de volta para o neurônio A (ou para o B) e o ciclo se repete até que um neurônio
(que pode ser tanto A, quanto B, C ou D) seja inibido. Circuitos reverberantes estão
envolvidos no ciclo de sono-vigília, atividades motoras, memórias de longa duração, etc
(Fig. 2, à direita).
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
mecanismo central que explicasse o atraso existente entre o estímulo e a resposta que
é tão característico do pensamento” (Hebb, 1949). Seguindo as idéias do
neurofisiologista Lorente de Nó, Hebb acreditava que a estimulação sensorial poderia
iniciar padrões de atividade neural que eram mantidas centralmente pela circulação em
loops de feedbacks sinápticos. Tal “atividade reverberante” torna estes padrões
possíveis para as respostas que são subseqüentes aos estímulos posteriores ao atraso.
Em resumo, Hebb hipotetizou um “mecanismo com fundamentos duplos” da memória. A
atividade neural reverberante era o fundamento da memória de curta duração, enquanto
as conexões sinápticas eram o fundamento da memória de longa duração. Desta
maneira, Hebb propôs que:
“A persistência ou repetição de uma atividade reverberante tende a induzir
mudanças celulares permanentes que promovem estabilidade no sistema” (Hebb,
1949).
Esta proposição pode ser precisamente colocada da seguinte forma: quando um
axônio da célula A repetidamente ou persistentemente dispara, alguns processos de
crescimento ou mudanças metabólicas acontecem em uma ou em ambas as células (A
ou B) de tal modo que a eficiência de A, uma das células que estão agindo sob B, é
aumentada.
Além disto, Hebb hipotetiza uma função específica para esta “sinapse hebbiana”:
a conversão da memória de curta duração em memória de longa duração pela
estabilização de padrões de atividade reverberante. Uma vez que este padrão de
atividade foi armazenado nas conexões sinápticas, ele pode ser resgatado
repetidamente a partir da excitação de neurônios sensoriais ou a partir de outros
padrões de atividade reverberante.
A hipótese de Hebb foi verificada décadas depois com a descoberta da
potenciação de longa duração, LTP (do inglês, long-term potentiation) (Fig. 3). A LTP é
um estreitamento da conexão entre dois neurônios que resulta de uma estimulação
simultânea de ambos e pode ser induzida experimentalmente aplicando-se uma
seqüência de pequenos estímulos de alta freqüência na célula nervosa. Este
estreitamento pode durar de minutos a horas (in vitro) ou de horas a dias ou meses (in
vivo).
Pela eficiência aumentada da transmissão sináptica, a LTP aumenta a habilidade
de dois neurônios, um pré-sináptico e outro pós-sináptico, de comunicarem-se através
da sinapse. O mecanismo preciso para este aumento da transmissão ainda não é bem
estabelecido, em partes porque a LTP é controlada por múltiplos mecanismos que
variam de acordo com a região em que acontecem, a idade do animal em questão e
espécie. Entretanto, nas formas de LTP mais compreendidas, a melhora desta
330
Neurociência Cognitiva
331
Neurociência Cognitiva
humano contém pelo menos 1011 neurônios, isto significa dizer que pelo menos 1019
conexões sinápticas são formadas no cérebro. Entretanto, a complexidade de seu
funcionamento é evidentemente maior, em particular quando se considera os arranjos
seqüenciais pelos quais uma informação pode viajar ao longo de seqüências de
neurônios. Quanto mais freqüentes as exposições a estímulos relevantes, mais fortes
tornam-se essas conexões. Como conseqüência, a informação tende a ser arquivada de
maneira relacional. Isso permite entender porque a recordação envolve, usualmente,
categorias. Por exemplo, ao pedirmos para uma pessoa listar todos os animais de que
se recorda, não raro a lista conterá animais agrupados por categorias de similaridade,
332
Neurociência Cognitiva
333
Neurociência Cognitiva
Figura 1 - Uma das finalidades da percepção é permitir uma interação com o ambiente. Interações podem
incluir andar de um lugar para outro, pegar um objeto, conversar com uma pessoa ou dirigir um carro. De
modo circular, tais ações afetam diretamente nossa percepção do mundo. Esta interdependência entre ação
e percepção é ilustrada pelo “Ciclo Percepção-Ação” da figura acima. A visão que temos na integração
sensoriomotora é que em vários aspectos do comportamento, ações motoras e processos sensoriais estão
conectados inseparavelmente e, desta forma, precisam ser estudados juntos.
O sistema nervoso evoluiu, sobretudo nos mamíferos, de tal forma que uma
grande complexidade estrutural e funcional foi alcançada não tanto pelas vias aferentes,
responsáveis por canalizar as informações sensoriais, ou pelas vias eferentes,
responsáveis por emitir as respostas motoras, mas por circuitos neurais que
intermedeiam essas vias de entrada e saída. Os complexos circuitos neurais que se
localizam entre as vias sensoriais e motoras são os principais responsáveis pela
riqueza, flexibilidade e plasticidade de comportamentos observados. Isso se manifesta
na enorme diversidade de estímulos que podem ser reconhecidos pelos sistemas
sensoriais, na multiplicidade de graus de liberdade com que ações são organizadas
pelos sistemas motores e, sobretudo, pela rica e plástica relação que se estabelece
entre esses dois conjuntos.
334
Neurociência Cognitiva
A progressiva elaboração dos circuitos neurais pode ser entendida como uma
conseqüência da seleção de ações mais vantajosas (organizadas por circuitos “pré-
motores”) em resposta à identificação seletiva de estímulos específicos (realizada por
circuitos “perceptivos”), provavelmente pressionada por fatores ambientais. Podemos
supor então que, ao tornar-se cada vez mais complexo, o funcionamento dos circuitos
neurais que organizam a integração sensório-motora expressa aquilo que chamamos de
“percepção”, “atenção”, “aprendizado”, “memória”, “ação” e, por fim, “consciência”.
Esses rótulos estão longe, em sua maioria, de uma definição completa e consensual.
Eles são, mais provavelmente, o resultado das limitações que ainda temos em
compreender a essência do funcionamento do sistema nervoso, não se constituindo em
entidades separadas e independentes da função neural.
Desta forma, se considerarmos que a percepção do mundo, onde “perceber”
algo, derivado do latim, significa “apoderar-se” dele, logo veremos que não há
percepção sem que alguma forma de atenção esteja em jogo. E é só por meio da
percepção atenta que temos de um estímulo que sentimos, de um evento que
presenciamos ou de uma resposta que emitimos, que poderemos mais tarde nos
lembrar desse objeto, desse evento ou dessa resposta, resgatando uma memória
arquivada por meio de um processo de aprendizado. E, de forma um tanto óbvia, todo
trabalho investido em se “apoderar” do mundo, “arquivá-lo” e “resgatá-lo”, seria inútil e
sem sentido se não usássemos essa informação na organização e emissão de uma
ação sobre o mundo, com ele interagindo de forma contínua e coerente, permitindo
nossa permanência nesse mesmo mundo, apesar de seus constantes desafios.
335
Neurociência Cognitiva
interessante entre os vários sentidos que tem a ver com a proximidade do observador
em relação ao objeto percebido. Tocar e saborear algo requer um contato direto entre o
observador e a fonte de estimulação. Cheirar também é um certo contato com a fonte de
estímulação; substâncias químicas voláteis são diluídas conforme a distância da fonte
aumenta; desta forma, o cheirar funciona mais eficientemente para substâncias que
estão próximas. Em contraste, ver e ouvir,não dependem tanto deste contato. Os olhos
e os ouvidos podem capturar a informação originária de fontes remotas, neste sentido
eles funcionam como um radar. Eles permitem que o indivíduo faça contato perceptual
com um objeto que não está próximo, eles estendem a percepção para um mundo além
dos limites dos dedos e do nariz. Estes dois sentidos substituem o deslocamento até a
fonte de estímulo, permitindo que o indivíduo explore a vizinhança.
336
Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
considerando que esta hipótese não exclui a possibilidade de que outro processo
cognitivo, baseado na descrição do objeto e do movimento, possa participar desta
função, esta hipótese motora vem ganhando cada vez mais adeptos. Todavia, tem sido
proposto que os neurônios espelho formam um sistema que combina observação e
execução – percepção e ação.
Neurônios espelho são um grupo particular de neurônios cuja atividade aumenta
durante a execução de uma ação motora particular ou da observação da mesma ação
desempenhada por outro indivíduo. Sua descoberta ocorreu durante experimentos com
macacos envolvendo o controle motor de ações desempenhadas com as mãos, como
por exemplo, pegar/manipular um objeto ou alimento. Os descobridores destes
neurônios, entre eles Giacomo Rizzolatti, implantaram eletrodos no córtex frontal inferior
de macacos (área F5) e registraram a atividade dos neurônios individualmente enquanto
os animais alcançavam pedaços de alimentos. Eles observaram que alguns destes
neurônios (situados no setor superior da área F5), disparavam não somente quando o
macaco pegava o alimento, como também quando ele observava outro indivíduo
(macaco ou humano) desempenhando esta ação, como se a mesma tivesse sido
“refletida” no seu córtex motor (Fig. 3). Estudos posteriores mostraram que pelo menos
10% dos neurônios envolvidos no controle motor de ações desempenhadas com as
mãos são “neurônios espelho”.
339
Neurociência Cognitiva
Estes estudos mostram que além do reconhecimento da ação motora por meio
de informações visuais, o sistema de neurônios espelho lida com informações mais
abstratas, a fim de reconhecer o objetivo final da ação. Esta resposta, baseada também
em outras modalidades, isto é, auditiva, sugere que a atividade espelho depende da
riqueza das experiências próprias do observador e de ações presentes em seu
repertório motor (memória de planos motores). Entretanto, aparentemente, o
reconhecimento do objetivo final de uma ação baseado em exposição prévia do
observador só parece possível se houver dicas suficientes no ambiente acerca da
intenção desse outro indivíduo. Isto é, uma ação implica em um agente e um objetivo.
Conseqüentemente, o reconhecimento de uma ação implica no reconhecimento de um
objetivo e, em outra perspectiva, o entendimento da intenção do agente: “João vê Maria
pegando uma maça”. Vendo sua mão movimentando-se em direção à maça, ele
reconhece o que Maria fará (pegará algo), e também reconhece que Maria quer pegar
uma maça, isto é, o estímulo é ligado à intenção do agente.
Desta maneira, o sistema de neurônios espelho oferece um modelo de
integração entre percepção e ação bastante interessante. Através do reconhecimento
de ações e, não apenas pelo sistema sensorial, mas também no próprio sistema motor
do observador, ocorre uma integração online das informações recebidas do ambiente - a
ação observada sendo executada por outra pessoa - e também entre informações
presentes no sistema nervoso do observador - representação motora da ação
observada.
340
Neurociência Cognitiva
Percepção
Felipe Viegas Rodrigues
Laboratório de Neurociência e Comportamento
fvrodrigues@usp.br
341
Neurociência Cognitiva
Vias perceptuais
As lesões cerebrais que levam a problemas de percepção frequentemente
são aquelas que ocorrem em áreas dos córtices parietal posterior, temporal inferior ou
face lateral do córtex occipital. Essas regiões encontram-se na confluência das áreas
sensoriais e, como já mencionado, são parte dos chamados córtices associativos,
pois recebem aferências corticais das regiões sensoriais e integram entradas múltiplas
para desempenhar funções cognitivas supramodais e comportamentais específicas.
Algumas dessas regiões são neoformações em primatas e elas constituem a maior
parte do córtex cerebral, particularmente no caso da espécie humana (Preuss, 2006).
Visão
O sistema visual é a modalidade mais estudada de todos os sistemas
sensoriais conhecidos. No capítulo sobre fisiologia sensorial foi possível entender como
se dá o processo de transdução do estímulo luminoso em sinal elétrico e como essa
informação é levada até o córtex. Vamos elucidar agora como essa informação é
manipulada e integrada com informações de outras regiões corticais para, de fato,
entender como percebemos.
A informação que chega até o córtex visual não para em V1, muito pelo
contrário, essa informação continua avançando por diferentes regiões, cada vez mais
próximas dos córtices temporal inferior e parietal posterior, passando por populações de
neurônios especializadas no processamento de características específicas de um
estímulo visual. Uma particularidade desse sistema sequencial é que a cada sinapse
que é realizada a partir de V1, mais fibras vão convergindo para um mesmo neurônio.
Com esse arranjo, quanto mais adiante na sequência esteja um neurônio, mais
342
Neurociência Cognitiva
343
Neurociência Cognitiva
objeto. Já a via ventral nos traz informações de “o quê” vemos, permitindo identificar
características como cor e forma de um objeto.
Figura 3 – Vias paralelas de processamento do estímulo visual: via dorsal (córtex parietal posterior), para
processamento de informações sobre localização espacial e movimento, e uma via ventral (córtex temporal
inferior), para processamento de informações como cor e forma do objeto em questão. Retirado de Kandel e
col. (2000).
Evidências clínicas, mais uma vez, não deixam dúvidas de que essas vias
colaboram de forma independente para a percepção de um objeto qualquer. Um
paciente com lesão em regiões da via ventral poderá afirmar não existir uma caneta
(objeto) sobre uma mesa diante dele. Apesar disso, se ele for instruído a imaginar um
objeto sobre a mesa e demonstrar como seria o movimento para pegar esse objeto,
esse indivíduo faria o movimento correto e até mesmo poderia pegar a caneta. A
ativação de todas as regiões corticais é necessária para que possamos ter a “correta”
percepção de um objeto à nossa frente; o uso de aspas justifica-se porque, falando-se
em percepção, simplesmente não há “correto”, mas sim uma experiência pessoal que é
fortemente influenciada pelas nossas memórias, emoções e a atenção deslocada a um
dado estímulo do ambiente. Falaremos mais sobre isso nos tópicos seguintes.
Audição
O sistema auditório e seus córtices associativos adjacentes têm sido mais
bem estudados nos últimos anos. Novos experimentos têm trazido evidências de que o
processamento de diferentes características do som também ocorre em diferentes
regiões corticais. Semelhantemente ao sistema visual, existiriam duas vias de saída
para os córtices associativos: uma anteroventral, relacionada à percepção de
características do som como timbre e tonalidade; e outra posterodorsal para a
percepção de características espaciais e localização do estímulo.
344
Neurociência Cognitiva
345
Neurociência Cognitiva
com que facilidade você percebia o sinal da sua escola soar perto do horário de ir
embora? Ou mesmo quantos “alarmes-falsos” você tinha durante essa espera? Da
mesma forma, círculos vermelhos não devem significar nada para você neste exato
momento, mas eles terão muita importância quando estiver dirigindo para algum lugar.
Essas diferenças sutis naquilo que percebemos são produto de ativação de circuitos de
atenção e das memórias que acumulamos ao longo da vida.
(A) (B)
346
Neurociência Cognitiva
Figura 6 – Efeito de pós-imagem. Uma ilusão criada pelos receptores sensoriais quando
superestimulados por uma determinada cor. Olhe fixamente por cerca de 30 segundos para
qualquer um dos pontos pretos nas imagens e, em seguida, para uma parede branca. O que
você vê?
Figura 7 - Os quadrados
“A” e “B” da figura são
diferentes na cor? Não! Os
quadrados não são
diferentes!
347
Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
349
Neurociência Cognitiva
Figura 10 - Modelos de Sinestesia. Os modelos diferem na rota proposta de ativação cruzada (direta ou
indireta) entre as regiões indutora e concorrente e nas diferenças subjacentes ao sinesteta (estruturais ou
funcionais). Regiões em amarelo estão ativas (começando pela região indutora) e, em azul, inativas.
Conexões excitatórias são mostradas como flechas e inibitórias como pontas em traço. Linhas pontilhadas
representam conexões presentes estruturalmente, mas funcionalmente inativas. Modificado de Bargary e
Mitchell (2008).
350
Neurociência Cognitiva
Concluir é um problema
Uma das maiores questões ainda não respondidas com respeito à percepção
é como geramos um percepto único das estimulações constantes à nossa frente se
aspectos diferentes de um estímulo são processados em regiões distintas do córtex
cerebral (e.g. cor, forma, movimento, etc., no caso da visão). É o chamado binding
problem.
Uma das possíveis explicações para a forma como geramos um percepto é a
de que, pelo sequenciamento de neurônios no encéfalo, com cada vez mais neurônios
se juntando em um próximo neurônio (e, consequentemente, complexando o estímulo
processado), ao final do processamento, invariavelmente todas as informações sobre o
estímulo estariam ali reunidas. A quantidade de regiões envolvidas e a divisão do
processamento em duas vias (dorsal e ventral), porém, não favorece essa explicação.
Parece mais plausível aos pesquisadores que o encéfalo forme um percepto
único pela sincronização do disparo dos neurônios das diferentes regiões corticais,
ainda que cada uma delas esteja envolvida no processamento de distintos aspectos de
um estímulo apresentado. Essa explicação, porém, ainda carece de comprovações.
O estudo de casos de sinestesia tem trazido algumas colaborações para
aquilo que entendemos sobre percepção. Alguns sinestetas relatam a percepção de
cores estranhas, diferentes de qualquer cor que eles já tenham visto em algum objeto
ou lugar. Um deles chegou a chamar essas percepções sinestésicas de “cores
marcianas”. Ramachandran e Hubbard (2003) atribuem essas cores estranhas à ligação
cruzada (ou direta) de um córtex sensorial para outro, o que “desviaria” o
processamento de estágios iniciais da percepção de cores. Segundo os autores, isso
sugere que a experiência subjetiva da percepção de cores depende não só do
351
Neurociência Cognitiva
processamento final, mas de todo o padrão de atividade neural que leva à formação de
um percepto, incluindo as fases iniciais do processo.
Estando certa ou não a sugestão dada por Ramachandran e Hubbard (idem),
fica claro que ainda precisamos entender muito sobre os mecanismos pelos quais
simplesmente percebemos o mundo que está ao nosso redor. Ou talvez um dia
tenhamos a certeza de que, desde sempre, apenas representamos internamente o que
é percebido externamente. Pelo menos é isso que os estudos sobre atenção e memória
sugerem cada vez mais fortemente.
352
Neurociência Cognitiva
Atenção
Wataru Sumi
Laboratório de Neurociências e Comportamento
wataru_sumi@yahoo.com.br
Atenção e percepção
Como mencionado anteriormente, a atenção seleciona um conjunto de
informações do ambiente enquanto ignoram outros. Veremos ao longo do texto
diferentes exemplos de experimentos nos quais é evidenciado esse fenômeno,
principalmente na atenção visual. Antes, começaremos com os efeitos da atenção sobre
a percepção auditiva.
Na década de 1950, Cherry realizou um experimento no qual era avaliada a
capacidade de selecionar um dentre dois estímulos auditivos simultaneamente
apresentados. O voluntário utilizava fones de ouvido e recebia diferentes estímulos, um
para cada ouvido. O voluntário era então instruído a prestar atenção apenas a um dos
ouvidos. Ele observou que os voluntários eram incapazes de relatar o que foi
apresentado ao ouvido não atendido (Gazzaniga e col., 2002). Esse efeito não aparece
apenas quando ouvimos estímulos diferentes em cada ouvido. Somos frequentemente
expostos a situações nas quais recebemos diferentes estímulos auditivos, selecionando
os que nos interessa e ignorando os demais. Para ilustrar melhor esse efeito, podemos
353
Neurociência Cognitiva
nos imaginar em uma festa: existem dezenas de pessoas, umas falando mais alto que
outras, além da música no volume máximo. Apesar disso, somos capazes de selecionar
estímulos específicos que nos interessam como a fala de um amigo ou eventualmente a
música sendo tocada.
Apesar da avaliação da atenção auditiva ter contribuído bastante com
entendimento da atenção, os estudos nessa área concentram-se principalmente na
atenção visual. Isso fica claro quando tanto pelo numero de artigos publicados como
pela diversidade de tarefas desenvolvidas pelos cientistas. Consequentemente, o
conhecimento acumulado sobre esse sistema perceptual é muito maior. Vamos a seguir
ver os diferentes efeitos comportamentais da atenção sobre a percepção visual.
Para compreendermos melhor a atenção, podemos utilizar a metáfora do
holofote: enxergamos os objetos iluminados pela luz, mas não somos capazes de
enxergar os objetos que permanecem nas sombras. De forma semelhante, para
percebermos os estímulos do ambiente, eles devem estar sob o foco da atenção. Um
experimento realizado no final do século XIX por Herman von Helmholtz demonstra isso
claramente. Nesse experimento, os voluntários eram colocados em frente a um painel e
eram instruídos a direcionar a atenção a um ponto específico da tela. O painel era mal
iluminado e o voluntário era incapaz de observar qualquer letra impressa nele. Quando
um flash de luz era acionado, era então possível ver as letras. Porém, os voluntários
eram capazes de discriminar apenas as letras localizadas na região onde a atenção
estava previamente focada (Gazzaniga e col., 2002).
Como citado anteriormente, não somos capazes de processar eficientemente
todas as informações que recebemos do ambiente. Quando procuramos algo específico
no ambiente, podemos ter mais ou menos facilidade de acordo com a característica do
alvo. Quando um estímulo se destaca muito no meio de outros estímulos, a atenção
pode ser atraída automaticamente, como ocorre, por exemplo, com as luzes
intermitentes dos automóveis. Por outro lado, quando a diferença entre o alvo e os
outros elementos da cena (distratores) é pequena, é necessário procurá-la, ou seja,
direcionar voluntariamente a atenção. Ambos os processos podem ser avaliados na
tarefa de busca visual (Fig. 1). Quando o alvo (1-A: barra vertical e; 1-B: barra vermelha)
é muito diferente dos distratores, a sua detecção é quase imediata, independentemente
do número de elementos, ou seja, podem ser cinco ou cinquenta distratores sem que o
tempo para a detecção do alvo seja afetado. Isso porque a atenção é atraída
automaticamente. Porém, quando a diferença entre alvo (1-C: barra azul horizontal) e os
distratores é pequena, o tempo de detecção aumenta de acordo com o aumento do
número de elementos distratores, isso porque é necessário analisar cada um dos itens
354
Neurociência Cognitiva
isoladamente de forma serial; assim, quanto mais elementos precisarem ser analisados,
maior será o tempo necessário para detectar o alvo (Treisman e Gelade, 1980).
Figura 1- Tarefa de busca visual. 1a e 1b: o alvo difere em apenas uma característica em relação aos
distratores: forma e cor, respectivamente. 1c: o alvo possui duas características que o torna diferente dos
distratores (horizontal azul).
Falha na percepção
Quando não prestamos atenção ao ambiente por estarmos distraídos ou por
estarmos prestando atenção fixamente em algo, deixamos de perceber diferentes
estímulos. Existem experimentos nos quais são evidenciados esses efeitos. Um deles é
denominado cegueira inatencional. Isso se caracteriza pela incapacidade do voluntário
de reportar a presença de um objeto no centro de seu campo visual, perfeitamente
visível, mas inesperado, porque a atenção estava engajada em outra tarefa (Neisser e
Becklen, 1975).
Outra evidência do papel da atenção na percepção é a cegueira para mudança,
um fenômeno relacionado com a cegueira inatencional, mas com sutis diferenças. Esse
efeito se refere à incapacidade em identificar diferenças entre duas imagens
apresentadas em seqüência (Simons e Rensink, 2005). Essas imagens podem ser
fotografias diferentes, algo como os jogos de sete erros, ou mesmo objetos do
ambiente. Em uma “pegadinha” realizada por uma emissora de TV, o atendente de uma
loja abaixa-se atrás do balcão para, supostamente, pegar uma mercadoria, ele então
troca de lugar com outra pessoa que, após se levantar, continua a interagir com os
clientes-vítimas como se nada tivesse acontecido. Poucos clientes percebiam a troca.
Teste de Posner
Uma das maiores contribuições para os estudos da atenção foi feita por Posner,
que desenvolveu uma tarefa que pode ser utilizada para testar diferentes aspectos da
atenção. Essa tarefa (Fig. 2) consiste em manter o olhar fixo no centro de um monitor de
vídeo. Apresenta-se, então, uma pista indicando o provável (por exemplo, 80%) local de
355
Neurociência Cognitiva
aparecimento de um alvo, que pode ser para a direita ou esquerda do monitor. Nesse
caso, a pista é chamada de válida. No restante das tentativas (20%), a pista indica o
local oposto de aparecimento do alvo, sendo chamada então de pista inválida. Após o
aparecimento da pista, o voluntário deve direcionar a atenção, mas não o olhar, para o
local indicado pela pista. Finalmente, após o aparecimento do alvo, o voluntário deve
responder pressionando um único botão, independente do lado e da validade da pista
(Bear e col., 1996).
Quando o voluntário direciona a atenção para o local de aparecimento do alvo
(i.e. tentativa com pista válida) ele responde mais rápido do que na situação em que ele
direciona a atenção para o lado oposto do monitor de vídeo. Essa tarefa nos permite
avaliar diferenças entre esses tempos de resposta na ordem de dezenas de
milissegundos.
Se alterarmos a intensidade do estímulo alvo, será possível observar claramente
os efeitos atencionais sobre a percepção. Nesse caso, o estímulo deve estar um pouco
acima do limiar de percepção do voluntário. Então, se o alvo for precedido da pista
válida, quando o sujeito direciona a atenção para o local de aparecimento do alvo, ele
responde normalmente, mas, quando o voluntário direciona a atenção para o lado
errado em decorrência da pista inválida, ele simplesmente não vê o alvo.
356
Neurociência Cognitiva
Figura 2- Tarefa de orientação espacial da atenção. O voluntário deve manter o olhar fixo no centro do
monitor. Ele será, então, instruido a direcionar a atenção para um dos lados de acordo com uma pista e,
finalmente, responder ao aparecimento do alvo. Retirado de Lent, 2002.
357
Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
Memória
Leopoldo F. Barletta Marchelli
Laboratório de Neurociência e comportamento
lmarchelli@usp.br
359
Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
361
Neurociência Cognitiva
Figura 1 – Experimento de Gold e colaboradores (1970). A organização temporal dos eventos (esquerda) e
os resultados (direita): o tempo que os ratos submetidos aos diferentes tratamentos demoraram para entrar
na câmara escura – quanto menor o intervalo de tempo entre o choque nas patas e o choque
eletroconvulsivo menor é a lembrança do evento aversivo. Modificado de Pavão (2009) e Gold (1970).
Outro experimento que trata de questões fisiológicas sobre a memória foi feito
por Shashoua (síntese publicada em 1985). O experimentador prendeu um flutuador nas
nadadeiras peitorais de peixinhos dourados para fazer com que os animais ficassem em
posição desconfortável. Após longo esforço de cerca de 3 horas, alguns peixes voltaram
à posição normal, apesar do flutuador (Fig. 2, treino inicial representado pela curva
verde). Se o flutuador for removido e recolocado três dias depois, os animais realizam a
tarefa mais rapidamente; i.e., os peixes retornam à posição normal em apenas 15
minutos, o que indica que eles aprenderam e retiveram a solução desse desafio (Fig. 2,
curva azul) (para detalhes sobre esses experimentos, ver Helene e Xavier, 2007). Em
outro teste, Shashoua (1985) injetou valina marcada com hidrogênio radioativo (valina-
H*) no ventrículo encefálico de animais que ficaram por 4h com o flutuador, e valina
marcada com carbono radioativo (valina-C*) no ventrículo de animais que não foram
treinados. Os encéfalos dos animais dos dois grupos foram homogeneizados
conjuntamente e as proteínas foram separadas por peso molecular. A maioria das
proteínas presentes estava marcada tanto com valina-H* quando com valina-C*; porém,
algumas delas estavam mais marcadas com valina-H*, indicando que elas foram
incorporadas no cérebro dos animais que aprenderam a tarefa; essas proteínas foram
denominadas ependiminas. Num terceiro teste, as ependiminas foram isoladas e
injetadas em coelhos para produção de anticorpos específicos contra as ependiminas.
Então, os anticorpos foram injetados no ventrículo encefálico de peixes que tinham
acabado de aprender a tarefa de nadar com o flutuador; no teste de memória realizado
3 dias depois, esses peixes demoraram cerca de 3h para voltar à posição normal (Fig.
2, curva vermelha). Ou seja, esses animais comportaram-se como se nunca tivessem
sido submetidos ao treinamento. Atualmente, as ependiminas são denominadas
362
Neurociência Cognitiva
Plasticidade neural
O sistema nervoso possui a capacidade de se modificar estruturalmente e
funcionalmente em decorrência de estímulos que de algum modo incidem sobre ele. Tal
fenômeno denomina-se neuroplasticidade ou, simplesmente, plasticidade. Inerente ao
funcionamento do sistema nervoso, a neuroplasticidade é uma característica marcante e
constante da função neural. Muito dos processos cognitivos depende de tal propriedade.
Parece haver dois tipos básicos de plasticidade sináptica, uma de curta duração
e a outra de longa duração. A plasticidade sináptica de curta duração pode ser induzida
363
Neurociência Cognitiva
364
Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
O autor sugere que haveria apenas três aspectos centrais que determinariam o
funcionamento de um sistema neuronal: (1) a conexão entre neurônios é mais eficaz
quanto maior for o grau de relação entre as porções pré e pós-sináptica; (2) grupos de
neurônios que tendem a disparar conjuntamente irão formar agrupamentos celulares
cuja atividade se mantém expressa mesmo após o fim do estímulo que gerou a
atividade e; (3) cognição deriva da atividade sequencial destes agrupamentos celulares
facilitados.
Figura 3 - Esquema representativo de redes neurais de Hebb. Os pontos pretos são os neurônios e as
linhas são as conexões. A rede tem uma organização inicial como representado em (A); ao receber um
estímulo, é ativada (B); esse estímulo pode ser apresentado repetidas vezes, ou pode ter reverberado
nessa rede, de modo que as conexões entre os neurônios são fortalecidas (C e D); então, um estímulo mais
fraco ou mesmo incompleto, mas que mantenha algumas das características do inicial (D) é capaz de ativar
a rede fortalecida (E). Modificado de Bear, 2002 e de Helene e Xavier, 2007.
367
Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
Modelos de memória
Baseados em estudos envolvendo duplas dissociações, Cohen (1984) e Squire e
Zola-Morgan (1991) propuseram uma distinção para os sistemas de memória de longa
duração segundo a qual haveria uma memória declarativa (ou explícita), usualmente
prejudicada em pacientes amnésicos e preservada em pacientes cerebelares ou com
disfunções nos gânglios da base, e uma memória de procedimentos (ou implícita),
usualmente preservada nos pacientes amnésicos, mas prejudicada nos pacientes
cerebelares ou com danos nos gânglios da base (Fig. 4). Em outras palavras, memórias
que atualmente são denominadas memórias implícitas correspondem ao “saber como”
(o que faz bastante sentido, pois é muito difícil declarar como se anda de bicicleta) e
“saber que” são denominadas memórias explícitas.
369
Neurociência Cognitiva
Figura 5 - Taxonomia dos sistemas de memória de longa duração. Modificado de Helene e Xavier, 2007.
370
Neurociência Cognitiva
Memória operacional
Baddeley e Hitch (1974) conceberam um modelo de memória denominado
"memória operacional". Tal modelo refere-se a um arquivamento temporário e
gerenciamento de informações para o desempenho de uma diversidade de tarefas
cognitivas. Segundo os autores, memória operacional compreende um sistema de
controle de atenção, a central executiva, auxiliado por dois sistemas de suporte
responsáveis pelo arquivamento temporário e manipulação de informações, um de
natureza vísuo-espacial e outro de natureza fonológica.
Posteriormente, para lidar com a associação entre as informações mantidas
nesses sistemas de apoio e promover sua integração com informações da memória de
longa duração, Baddeley inseriu um quarto componente no modelo, denominado de
retentor episódico, que corresponderia a um sistema de capacidade limitada no qual a
informação evocada da memória declarativa tornar-se-ia consciente. A central executiva
proporcionaria a conexão entre os sistemas de suporte e a memória de longa duração e
seria o responsável pela seleção de estratégias e planos; sua atividade estaria
relacionada ao funcionamento do lobo frontal, que teria a função de supervisionar
informações a serem codificadas, armazenadas e evocadas concomitantemente ao seu
ingresso no sistema (Fig. 6).
Figura 6 - Modelo de
memória operacional: três
componentes propostos
inicialmente por Baddeley e
Hitch (1974). A área central
executiva se refere ao
componente de gerencia-
mento atencional (a central
executiva), enquanto as
áreas laterais da figura
representam as alças de
manutenção de informações
por curto período de tempo
(adaptado de Baddeley,
1982).
371
Neurociência Cognitiva
372
Neurociência Cognitiva
Tomada de Decisões
Camile Maria Costa Corrêa
Laboratório de Neurociências e Comportamento
camile.mc.correa@gmail.com
373
Neurociência Cognitiva
Dilemas e Estratégias
A teoria dos jogos, desenvolvida por Nash, estuda situações estratégicas onde
jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno. Um exemplo
envolvendo estratégias mútuas é ilustrado pelo dilema do prisioneiro, em que dois
suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para
condená-los, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um
dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em
silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de
sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de
cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada
prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem
374
Neurociência Cognitiva
certeza da decisão do outro. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer?
Como o prisioneiro vai reagir? Abaixo, uma matriz de ganhos do dilema do prisioneiro:
Prisioneiro A: 10 anos
Prisioneiro A fica em silêncio 6 meses cada
Prisioneiro B: liberdade
Prisioneiro A: liberdade
Prisioneiro A confessa 5 anos cada
Prisioneiro B: 10 anos
Em linhas gerais, não importa os valores das penas em si, mas o cálculo das
vantagens de uma decisão cujas consequências estão atreladas às decisões de outros
agentes, onde a confiança e a traição fazem parte da estratégia em jogo. Dilemas que
envolvem estratégias mútuas em grupos sociais também podem ser simulados: Robert
Axelrod estudou uma extensão do dilema do prisioneiro, denominada dilema do
prisioneiro iterado (DPI), em que esse problema é jogado repetidas vezes. Num torneio
de programação, os participantes deveriam escolher uma e outra vez a sua estratégia
mútua, e tinham memória dos seus encontros prévios (encontros com outros programas
em que deveriam optar por ser altruístas ou egoístas). Os programas que participaram
variavam amplamente a complexidade do algoritmo: hostilidade inicial, capacidade de
perdão e similares.
Axelrod descobriu que, durante a repetição dos encontros com muitos jogadores,
cada um com estratégias distintas, as estratégias "egoístas" tendiam a ser piores a
longo prazo, enquanto que as estratégias "altruístas" eram melhores, julgando-as
unicamente com respeito ao interesse próprio. Nesse torneio, a melhor estratégia
determinista foi a de “olho por olho” ("tit for tat"), desenvolvida e apresentada no torneio
por Anatol Rapoport: o mais simples de todos os programas apresentados, contendo
apenas quatro linhas de BASIC, foi o que ganhou o concurso. A estratégia consistiu em
cooperar na primeira interação do jogo, e, depois disso, escolher aquilo que o oponente
escolhera na rodada anterior. Esse padrão de decisão pôde demonstrar, por exemplo,
um possível mecanismo que explicasse de que forma é possível evoluir um
comportamento altruísta a partir de mecanismos puramente egoístas na seleção natural.
Origens
Campos, Santos e Xavier (1997) defendem que regularidades ambientais
presentes ao longo da evolução das espécies possibilitaram a seleção de sistemas que
assim tornaram-se adaptados e otimizados para esses ambientes, possibilitando a
375
Neurociência Cognitiva
Interação
Observemos um quadro em que o organismo se relaciona com eventos
exteriores a ele: as informações vindas do meio devem ser processadas de forma a
serem traduzidas em códigos reconhecíveis pelo sistema nervoso. Essa conversão de
diferentes formas de energia, incluindo a química, a térmica, a mecânica, a sonora,
entre outras, em energia elétrica, passível de ser traduzida e conduzida na forma de
potenciais de ação, é denominada transdução. Ao longo desse processamento, em que
estruturas nervosas são funcional e hierarquicamente mobilizadas, identificam-se
interações entre percepções – tanto internas quanto externas; o acesso e mesmo
alterações em registros de memória; a confluência de motivações e a construção de um
376
Neurociência Cognitiva
programa que habilite o sujeito a fazer uma nova transdução, convertendo agora a
informação processada em planos de ação direcionados ao meio. Na modulação desse
processo, influenciariam estados imunitários, emocionais e atencionais, diferenciando
nossas escolhas e imprimindo nossa personalidade a elas.
Percepção, emoção, atenção e memória, entre outras funções cognitivas,
interferem nesse processo, dependente da experiência prévia do indivíduo que decide,
de sua capacidade de identificar os principais fatores da situação na qual se deve
decidir, de quais desses fatores são ressaltados e valorizados, além da afetividade
relacionada à decisão. Revisamos, na sequência, a contribuição relativa de processos
cognitivos envolvidos nas nossas escolhas.
Percepção temporal
Demandas por escolhas frequentemente envolvem a ponderação entre
vantagens e riscos assumidos em curto prazo frente a expectativas de longo prazo.
Diariamente, e isto se intensifica nas manhãs de inverno, ao termos o sono interrompido
pelo despertador, iniciamos uma luta travada entre o prazer de continuar no estado de
sonolência e a obrigação de aumentarmos a vigília, iniciando os afazeres pelos quais
assumimos responsabilidade. De forma semelhante, pessoas que querem entrar em
dieta encontram dificuldades para iniciá-la e mantê-la; as tentativas de parar de fumar
podem ser frustrantes; o impulso por comprar imediatamente pode conflitar com
planejamentos de economia a médio e longo prazo. Interessantemente, a percepção
temporal que os sujeitos têm na hora de avaliar alternativas pode fornecer pistas
interessantes na pesquisa sobre como decidimos, apontando diretamente para
comportamentos, práticas de consumo, economia e política.
Processos inconscientes
Ao estabelecermos que uma decisão se inicia com uma percepção, seja de
estímulos, seja de variáveis ou de probabilidades, muitas vezes não se tem acesso a
tais percepções em nível consciente. Num artigo de 1987, Kihlstrom apontou o impacto
de estruturas e processos inconscientes na experiência consciente do indivíduo,
reportando-se a von Helmholtz, para quem a percepção consciente era produto de
inferências inconscientes baseadas no conhecimento do mundo e de experiências
prévias. Para Kihlstrom, processos perceptivos são capazes de ativar nós da rede
neuronal, os quais codificariam representações mentais de estímulos externos, ou
mesmo por mecanismos internos de pensamento.
377
Neurociência Cognitiva
Atenção
A orientação da atenção pode ser considerada um processo decisório. Desde o
que se considerem os níveis mais elementares de tomada de decisão até as escolhas
mais complexas, o ato de decidir envolve o engajamento, consciente ou não, de um foco
atencional. Decidir, em outras palavras, envolve seleção e processamento preferencial
de alguns estímulos em detrimento de outros. Os processos que levam a esse
processamento dependem não apenas da história prévia do sistema selecionador, isto
é, suas memórias, como também de expectativas geradas com base em memórias
sobre regularidades passadas e planos de ação.
Memória
Com o acúmulo de registros sobre ocorrências anteriores, memórias no sentido
amplo da palavra, e a identificação de regularidades na ocorrência desses eventos, o
sistema nervoso passa a gerar previsões (probabilísticas) sobre o ambiente. Xavier,
Saito e Stein (1991) sugeriram que a antecipação, com base na identificação de
regularidades ambientais passadas, permite reagir mais prontamente à estimulação
esperada, pois o organismo direciona a atenção para os setores do ambiente que são
relevantes.
A memória operacional, um tipo de memória temporária, contém representações
ativas do organismo em seu ambiente atual, com seus objetivos em curso e com
estruturas de conhecimentos explícitos (declarativos) já existentes, ativadas por
entradas perceptivas ou por outros processos dos quais não se tem consciência.
378
Neurociência Cognitiva
Controle executivo
Ao planejar, ao agir antecipatoriamente, o sistema nervoso pode tanto gerar
ações que levem aos resultados desejados como atuar no sentido de selecionar
determinados tipos de informação para processamento adicional (direcionamento da
atenção). Decidir envolve não só a percepção de regularidades passadas, como a
lembrança dos planos de ação, a prever os efeitos prováveis da escolha, considerando
todos os reflexos possíveis que ela pode causar no curso do tempo. O conceito de
controle executivo ilustra, então, a capacidade que temos de planejar, gerenciar ações,
modular o comportamento e criticar processos. Ao decidirmos, ponderamos de forma
mais ou menos flexível, transitando entre alternativas que se nos apresentam, fazendo
com que nossas escolhas situem-se entre a impulsividade e a perseveração.
Estudos clínicos
O desempenho de pacientes neurológicos ajuda a direcionar as investigações
sobre o processo de tomada de decisão em humanos. Bechara e col. (1997)
questionaram a premissa segundo a qual decidir de forma vantajosa numa situação
complexa requer racionalização de conhecimento declarativo. Esse grupo investigou a
possibilidade de que a racionalização manifesta fosse precedida por uma etapa não
consciente, cujos sistemas neurais seriam diferentes dos que suportam o conhecimento
declarativo. Para isso, participantes normais e pacientes com lesão prefrontal (e deficits
na tomada de decisão) realizaram o Yowa Gambling Task, um simulador de tomada de
decisões, que envolve escolhas monetárias, permitindo classificar o comportamento de
decisão do indivíduo em termos de aversão ou busca pelo risco. A tarefa envolve a
escolha de uma carta de um dentre quatro baralhos (cinco blocos de vinte jogadas
cada). Cada um desses trabalhos inclui uma longa série de ganhos e perdas. A partir de
um processo de aprendizagem, os participantes criam padrões de probabilidade e
inferem quais baralhos são vantajosos e quais não são. Eles devem desenvolver o
conhecimento de quais baralhos são arriscados e quais são lucrativos em longo prazo
(Schneider e Parente, 2006).
No estudo do grupo de Bechara, pessoas normais começaram a escolher de
forma vantajosa antes que percebessem qual era a melhor estratégia, enquanto
379
Neurociência Cognitiva
380
Neurociência Cognitiva
anteriormente no tempo; os autores relatam que o resultado de uma decisão pode ser
codificada na atividade cerebral dos córtices prefrontal e parietal até 10 ms antes do
acesso consciente à decisão. Esse atraso, presumivelmente, refletiria a operação de
uma rede nervosa de controle que inicia o preparo da decisão em curso mesmo antes
de qualquer acesso explícito ao seu conteúdo.
Independente de nossas posições pessoais sobre o assunto, os resultados
experimentais influenciam no desenvolvimento dos métodos de investigação
posteriores, ajudando a determinar os passos seguintes da investigação sobre o tema.
Mecanismos decisórios fazem com que sejamos capazes de elaborar juízos ao
tomarmos contato com problemas a fim de resolvê-los. Essa capacidade aproxima o
estudo do processo da tomada de decisão a outras funções cognitivas, na medida em
que são necessários planejamento, gerenciamento de ações, modulação do
comportamento, crítica e flexibilidade.
Investigar a tomada de decisões é presenciar o momento em que as
contingências passam a ser atualizadas pelas ações do sujeito, que é capaz de fazer
interfaces entre eventos externos e internos e, assim, aprende a prever as
consequências de seus comportamentos.
381
Neurociência Cognitiva
Emoção
Diego de Carvalho
Laboratório de Neurociências e Comportamento
diegocarvalho@ib.usp.br
Introdução
A capacidade de racionalizar, sentir e se emocionar torna os seres humanos
únicos em relação às outras espécies e dentro da sociedade. A emoção está presente
permanentemente no nosso dia-a-dia e, apesar dessa existência corriqueira, é muito
difícil definir através de palavras o que sentimos. É possível que essa dificuldade resida
na aceitação do fato de que o controle das emoções, algo tão imaterial, esteja ligado a
algo tão físico como o cérebro e não a um fator externo ao corpo, como propôs
Descartes em sua teoria da mente e do corpo. Além disso, talvez até pela dificuldade de
ligar o cérebro às emoções, a neurociência negligenciou os estudos dos aspectos
emocionais do comportamento por um longo tempo.
Em 1848 um incidente trágico tornou claro que as emoções, a personalidade e a
vivência em sociedade são regidas por funções neurais. Phineas Gage, um operário de
uma estrada de ferro, estava dinamitando algumas rochas e ao pressionar a pólvora em
um buraco com uma barra de ferro iniciou o processo de detonação. A barra trespassou
a face de Gage e saiu pela testa. Surpreendentemente, ele continuou lúcido e foi
declarado curado em poucos dias, porém sua capacidade de se emocionar e tomar
decisões foi comprometida após o incidente, sendo o primeiro relato de que uma lesão
nos lobos frontais (confirmada posteriormente) pode alterar a personalidade de uma
pessoa.
Após o caso Gage, visto que as funções comportamentais relacionadas à
emoção eram exercidas e/ou controladas por algumas regiões do encéfalo, a
neurociência teve que vencer alguns obstáculos para incorporar a emoção ao estudo
científico: Como dimensionar a emoção em pessoas com vivências diferentes, ou
mesmo, como dimensionar o que está se sentindo? Como gerar sentimentos que sejam
próximos aos espontâneos? Como criar um modelo palpável de manipulação
experimental em humanos e animais? Estas perguntas aparentemente geraram, além
de dúvida, um desconforto nos neurocientistas que culminou em uma demora na
inserção das emoções ao plano científico.
Embora todas estas perguntas tenham alta relevância científica, a maior
dificuldade ainda está na real definição de emoção. Uma noção generalista é de que a
emoção é composta por três fatores principais: um componente sentimental, uma
resposta comportamental e as adequações fisiológicas pertinentes. Esta noção, além de
382
Neurociência Cognitiva
383
Neurociência Cognitiva
384
Neurociência Cognitiva
Figura 1 – À esquerda exemplo de imagem de contexto emocional positivo, e à direita, negativo. Retirado
de: IAPS, 1995.
385
Neurociência Cognitiva
386
Neurociência Cognitiva
387
Neurociência Cognitiva
que em testes que utilizam o sistema de imagens afetivas a maioria das pessoas lembra
mais fortemente de imagens de contexto emocional negativo, com alta valência, em
comparação às imagens neutras e positivas (Hansen e Hansen, 1988; Pratto e Jonh ,
1991; Huang e Luo, 2006)
As primeiras observações de que a amígdala tem participação importante nas
respostas emocionais datam de 1939 (Klüver e Bucy), em que macacos com lesões
nesta estrutura não reconheciam mais objetos antes carregados de grande contexto
emocional. A partir deste achado, muitos estudos têm sido realizados enfocando tal
estrutura. Sabe-se que a amígdala está envolvida em aprendizados que exigem
associações, como por exemplo, no condicionamento aversivo. Um rato que é colocado
experimentalmente em uma caixa onde um choque elétrico nas patas é pareado com
um estímulo neutro, como uma luz, exibirá após o pareamento uma resposta de medo,
por exemplo, um sobressalto. Um animal cujas funções amigdalares não estejam
íntegras não responderá desta forma na apresentação somente do estímulo neutro
como ocorre normalmente em ratos sem dano algum (Davis, 1992).
Mesmo nos aprendizados mais complexos, observados nos seres humanos,
como no medo instruído; no qual o evento aversivo não é vivido e sim contado por outra
pessoa, a amígdala é requerida. Isto porque ela tem conexões importantes com outras
estruturas neurais envolvidos fortemente com a memória, como por exemplo, o
hipocampo. Então, atuando em conjunto com outras estruturas, a amígdala é importante
mediadora da consolidação de eventos emocionais, modulando a intensidade e o
impacto destas memórias (McGaugh, 2004).
Lesões experimentais em determinados núcleos da amígdala ou desconexões
de algumas vias que ela faz parte têm sido praticadas para estudo da função da
estrutura neural e suas vias, bem como nas respostas emocionais. Diferentes vias e
estruturas podem participar da expressão das emoções, e grande parte dos achados até
agora se devem, em grande parte, a modelos animais.
Modelos animais
Os modelos animais permitem práticas de lesões precisas e desconexões
funcionais igualmente corretas para estudo da função neural, o que não é observado em
casos envolvendo humanos, nos quais a lesão acidental geralmente envolve múltiplas
estruturas e em geral é uma lesão difusa. Então, modelos animais podem ajudar a
elucidar como a emoção se processa no cérebro. Contudo, a linguagem ainda é uma
barreira; como estudar emoção se não conseguimos saber de fato se a emoção é
pertinente ao animal? Para responder esta pergunta e ainda ter ferramentas para
responder outros questionamentos, foram criados modelos animais para estudo do
388
Neurociência Cognitiva
Figura 3 – À esquerda o LCE como dois braços abertos e dois fechados; à direita o teste do Campo Aberto.
Como anteriormente citado, o medo é um estado no qual um agente externo
conhecido provoca reações de tensão, como por exemplo, algumas respostas de defesa
como luta ou fuga. O condicionamento é a base das tarefas de medo, no qual um
estímulo neutro (luz), pareado com um estímulo incondicionado por algumas vezes
gerará uma resposta comportamental a apresentação apenas do estímulo neutro inicial
(luz). Manipulações usando esta premissa são freqüentes, por exemplo, avaliações de
tarefas potencializadas ou inibidas pelo medo. A associação de um estímulo
389
Neurociência Cognitiva
incondicionado, como um som alto, ao choque e uma luz potencializará uma reação de
medo no animal, como por exemplo, um sobressalto (Fig. 4). Portanto, diferentes
pareamentos e manipulações podem elucidar alguns pontos chaves do comportamento
emocional e suas bases neurais, como a função amigdalar.
Os modelos animais têm sido ferramentas de grande valia no estudo, tanto dos
substratos neurais envolvidos nos comportamentos emocionais, bem como em
experimentos farmacológicos para o teste de drogas antidepressivas e ansiolíticas, que
são amplamente utilizados em casos de desordens psicológicas humanas.
A inclusão do estudo dos comportamentos emocionais nas neurociências
permitiu a elucidação de alguns substratos neurais envolvidos nestes comportamentos.
Entretanto, novos avanços devem ser feitos com mais estudos.
Algumas respostas, como os reais papéis de determinadas
estruturas, podem ser alcançadas. E ainda a inclusão da
emoção como um domínio cognitivo permite que a levemos em
conta no estudo dos mais variados comportamentos,
influenciando diretamente em cada um deles.
390
Neurociência Cognitiva
Modelos e Cognição
Rodrigo Pavão
Laboratório de Neurociências e Comportamento
rpavao@gmail.com
391
Neurociência Cognitiva
Figura 1 – Modelos modal de memória (à esquerda) (modificado de Atkinson e Shiffrin, 1971), memória
operacional (ao centro) (modificado de Baddeley e Hitch, 1974) e memória de longa duração (à direita)
(modificado de Squire e Knowton, 1995).
392
Neurociência Cognitiva
Exemplo 2 - Atenção
Modelos dos processos atencionais são menos consensuais que os modelos de
memória. Há classificações controversas como a atenção sustentada (prontidão do
sistema nervoso), atenção dividida (direcionamento da atenção concomitantemente a
mais de uma fonte) e atenção seletiva (processamento de informações oriundas de uma
fonte, ignorando as demais) (Muir, 1996), que não parecem de grande utilidade pela
ampla sobreposição dos processos e pelo fato de que em qualquer das situações
existiria um processamento seletivo. Há também o debate sobre como se daria essa
seleção: como filtro (permitindo processamento adicional de apenas uma parte da
informação transmitida pelo sistema sensorial), filtro atenuador (manutenção do sinal a
ser processado, associado à redução dos demais sinais não atendidos), ou
intensificador (amplificação do sinal a ser processado, associado à manutenção dos
demais sinais não atendidos) (Fig. 1 – esquerda). A seleção do que seria processado
preferencialmente poderia se dar em diferentes níveis do sistema nervoso – desde o
393
Neurociência Cognitiva
Figura 2 – Seleção por filtros simples, atenuador ou amplificador (à esquerda) (modificado de Helene e
Xavier, 2003). Modelo de etapas do direcionamento da atenção visual no espaço (ao centro) (modificado de
Posner, 1987). Interação do filtro atencional com outros processos cognitivos (à direita). Modificado de
Laberge, 1989.
394
Neurociência Cognitiva
Modelagem Computacional
A neurociência cognitiva tem usado a modelagem computacional como
ferramenta para explicação e entendimento dos mecanismos neurais subjacentes aos
processos cognitivos, por meio da implementação de programas de computador que
traduzem modelos abstratos em simulações concretas de processos cognitivos. Uma
ampla gama de processos pode ser modelada computacionalmente, desde a
neurofisiologia neuronal até as computações envolvidas em funções cognitivas
complexas. A modelagem computacional tem, portanto, um grande potencial na
simulação de processos de integração incluindo os níveis da neurofisiologia,
neuroanatomia e neuropsicologia, podendo oferecer “insights” sobre os processos
computacionais complexos envolvidos no funcionamento integrado de redes neuronais e
na determinação do comportamento.
Um modelo computacional que vem sendo aplicado cada vez mais
frequentemente nas neurociências é a teoria de detecção de sinais, que
apresentaremos a seguir.
resposta resposta
“sim” “não”
sinal acerto omissão
395
Neurociência Cognitiva
presente
sinal
alarme falso rejeição correta
ausente
396
Neurociência Cognitiva
Figura 4 – Resposta interna do observador (no exemplo, o médico que analisa os exames) para as
condições apenas ruído (tecido sadio) e sinal (tumor) mais ruído (à esquerda). Dois médicos com a mesma
habilidade podem adotar critérios distintos, levando a mais acertos e mais alarmes falsos (à direita, acima)
ou menos alarmes falsos e menos acertos, i.e., omissões (à direita, abaixo).
397
Neurociência Cognitiva
Figura 5 – Esquerda: Familiaridade para um item em função da quantidade de treino e seu reflexo sobre a
lembrança e o tempo de reação. Esse modelo pode ser aplicado a diversas situações em que
tradicionalmente se julgam como necessários os sistemas de memória explícita (lembrança de lista de
palavras, ou diferenciar palavras apresentadas de não-apresentadas – inserindo critério de distinção dessas
categorias) e implícita (como tocar uma seqüência completa de notas, p.ex., 1-2-3-4, ou modificada, p.ex.,
1-2-3-9). Direita: O efeito do treino altera os valores de familiaridade fazendo com que itens inicialmente
indiferenciados (parte superior) tornem-se paulatinamente distintos (parte inferior). Esse modelo se aplica
ao treinamento da capacidade de médicos de diferenciar exames com tecido sadio e/ou tumor, treino para
reconhecimento de palavras e aprendizagem de seqüências, entre muitos outros.
Figura 6 – Curvas de probabilidades da resposta interna, conforme a teoria de detecção de sinais aplicada
à atenção (esquerda). Resposta neural a estímulos aos quais a atenção foi ou não direcionada (direita).
Modificado de Kim e col, 2007.
398
Neurociência Cognitiva
Assim, também a atenção também pode ser modelada pela teoria de detecção
de sinais. Processos atencionais envolvendo a facilitação do processamento
(possibilitando a emissão de respostas mais rápidas ou melhor detecção de estímulos)
poderiam, inclusive, ser interpretados como fundamentados na mesma base que os
processos de memória. De fato, o experimento de Kim e col. (2007) consiste em
apresentar uma pista indicando o lado provável de apresentação do estímulo (com
diferentes contrastes) que se assemelha ao experimento de aprendizagem de
seqüências (estímulos anteriores indicam o próximo estímulo); assim, parece bastante
plausível o uso do mesmo modelo.
Conclusão
Esse capítulo apresenta a possibilidade de investigar memória e atenção sob um
mesmo prisma, isto é, adotando um mesmo modelo básico. O modelo apresentado aqui
é a teoria de detecção de sinais, cuja aplicação parece vantajosa, na medida que facilita
a compreensão de processos cognitivos como atenção e memória e é um modelo
elaborado de forma a permitir previsões.
Nesse modelo, o processamento de estímulos seria facilitado de acordo com
respostas internas; ou seja, os tempos de resposta, lembrança, detecção etc. seriam
definidos pelo grau de preparação prévio do sistema nervoso. Esse grau de preparação
é dado pela estrutura e atividade dos circuitos neurais. Assim, a força das sinapses, a
quantidade ou a sincronização da atividade elétrica, entre outros, definiriam a facilidade
de resposta aos eventos.
A estratégia aplicada na Neurociência Cognitiva de assumir que existem
módulos para cada uma das funções cognitivas tem seu ganho na organização do
estudo da cognição. Essa e outras abordagens similares criaram modelos para cada um
desses processos cognitivos. E, realmente, o uso de modelos específicos para cada um
dos casos tem sua função de facilitar a compreensão daquele fenômeno; porém, é clara
a interação (e até mesmo similaridade) entre os diversos processos cognitivos. De fato,
a estreita relação entre atenção e memória já foi apresentada previamente por Helene e
Xavier (2003). A visão defendida aqui, entretanto, é que a computação desses dois
processos é de tal modo similar que haveria ganho na compreensão e na previsão de
fenômenos através da adoção de um mesmo modelo geral que fizesse a tradução da
neurofisiologia para o comportamento. A teoria de detecção de sinais é um modelo que
tem se mostrado capaz de atuar desse modo; de fato, a generalidade dessa teoria é tal
que outros processos cognitivos poderiam vir a ser modelados vantajosamente.
399
Neurociência Cognitiva
Breve histórico
As primeiras descrições detalhadas de células nervosas foram realizadas no final
do século XIX por Camilo Golgi e Ramón y Cajal, contribuindo imensamente para a
compreensão dos aspectos estruturais do sistema nervoso. Golgi desenvolveu técnicas
de coloração utilizando sais de prata para corar neurônios, revelando detalhes da
estrutura neuronal sob o microscópio, tais como o corpo celular, dendritos e axônio.
Utilizando a técnica de coloração empregada por Golgi, o histologista espanhol Santiago
Ramón y Cajal observou que o tecido nervoso é formado por uma rede de células
distintas e que estas seriam os elementos fundamentais do sistema nervoso (Fig.1).
Ramón y Cajal estudou as diferentes fases de desenvolvimento dos neurônios em
mamíferos, observando que não havia a presença de qualquer sinal do surgimento de
novas células no encéfalo adulto, além daquelas já estabelecidas ao nascimento. Outros
pesquisadores da época também concluiram que a elaborada arquitetura do encéfalo de
mamíferos permanece fixa e defenderam a idéia de que a adição de novas células era
completamente inconcebível. Dessa forma, postulou-se que o sistema nervoso central
possui conexões fixas e imutáveis, sem qualquer possibilidade de que novos neurônios
surgissem.
Já na primeira metade do século XX, alguns estudos mostraram que havia o
nascimento de novas células em encéfalos adultos (Hamilton, 1901; Allen, 1912; Sugita,
1918). Entretanto, a grande dificuldade era afirmar se essas novas células eram
realmente neurônios ou glia, tendo em vista a limitação dos métodos empregados na
época.
Na década de 1960, Joseph Altman publicou uma série de estudos relatando a
ocorrência de neurogênese em ratos jovens e adultos (Altman, 1962; Altman, 1963;
Altman & Das, 1965; Altman & Das, 1966; Altman, 1966; Altman, 1969). Utilizando a
técnica de auto-radiografia com [3H]-Timidina, uma substância que é incorporada ao
DNA das células em divisão, Altman observou o surgimento de novas células em
diversas áreas, incluindo neocórtex, giro denteado e bulbo olfatório. Esse autor sugeriu
ainda que estas células, que ele chamava de “microneurônios”, possuíam axônios
curtos e apresentavam forma granular ou estelar (Altman, 1967).
400
Neurociência Cognitiva
Figura 1: Neurônios no cerebelo de ave. Desenho realizado por Ramón y Cajal, mostrando os cinco tipos
celulares existentes no cerebelo: células de Purkinje; células esteladas; células em forma de cesto; células
granulares e células de Golgi. Retirado de Sotelo, 2003.
401
Neurociência Cognitiva
Regulação da Neurogênese
Diversos fatores podem interferir nos processos de neurogênese (e.g., neurais,
endócrinos e ambientais), aumentando ou diminuindo a produção de novos neurônios
no indivíduo adulto. Por exemplo, a elevação nos níveis de glicocortcóides decorrente
de experiências estressantes como a exposição ao odor de um predador natural, diminui
a taxa de proliferação de células granulares do giro denteado de ratos (Heale e col.,
1994), possivelmente por meio de um mecanismo que envolve a liberação e o acúmulo
de glutamato no hipocampo (Moghddam e col., 1994; Gould e col., 2000). Eisch e col.
(2000) mostraram também que o tratamento crônico com morfina ou heroína reduz
significativamente a taxa de neurogênese na camada de células granulares do giro
denteado de ratos. E esse resultado parece não estar relacionado com alterações dos
níveis circulantes de glicocorticóides, pois os mesmos efeitos foram observados em
animais que foram submetidos à adrenalectomia e posterior reposição de
corticosterona.
Por outro lado, certas condições propiciam a produção de novas células no
hipocampo. Tanapat e col. (1999) mostraram que ratas submetidas ao procedimento de
ovariectomia, visando eliminar a produção de estrógenos, apresentam menor número de
células marcadas com BrdU. No mesmo estudo, os autores observaram que durante o
proestro (fase do ciclo estral de ratas em que os níveis de estrógenos estão altos)
ocorre maior produção de novas células, sendo que a maioria delas adquire
características neuronais.
Ambientes que fornecem uma combinação variada de estímulos também podem
aumentar a neurogênese. Roedores adultos que são mantidos em gaiolas que contém
objetos diferentes, tais como pequenos brinquedos, túneis, rodas de atividade física e
obstáculos, exibem significativo aumento no número de células no giro denteado (Fig.2),
(Kempermann e col., 1997). Ou seja, parece que o aumento da atividade exploratória e
novas experiências sensoriais proporcionadas por estímulos diversos do ambiente
402
Neurociência Cognitiva
403
Neurociência Cognitiva
A
Figura 3 – Condições experimentais
utilizadas por van Praag e col. (1999).
(A) animais mantidos em ambiente
enriquecido; (B) em gaiola contendo a
roda de exercício físico voluntário; ou
(C) em gaiolas-padrão de laboratório.
B C Retirado de van Praag e col., 1999.
404
Neurociência Cognitiva
Figura 4 – Número estimado de células marcadas com BrdU no giro denteado de camundongos adultos. (a)
número total de células em proliferação marcadas um dia após a última injeção de BrdU, (b) número
estimado de células sobreviventes quatro semanas após a última injeção de BrdU (extraído de van Praag e
col., 1999).
405
Neurociência Cognitiva
Figura 5 – Teoria proposta por Kempermann (2002). (A) Segundo o autor, os novos neurônios atuam como
“comportas”, reforçando circuitarias pré-existentes conforme a demanda do ambiente; (B) uma analogia
com um computador, mostrando que os novos neurônios podem aumentar a capacidade de processamento
de informações na memória “RAM”, função atribuída ao hipocampo; e (C) localização estratégica dos novos
neurônios (em vermelho) na circuitaria pré-existente (Cx=áreas corticais; DG=giro denteado; e sub-campos
CA1 e CA3 da formação hipocampal) (extraído de Kempermann, 2002).
406
Neurociência Cognitiva
Considerações finais
As pressões cotidianas exigem que mecanismos neurais diferenciados sejam
desenvolvidos, permitindo a sobrevivência dos animais, pois os mesmos não nascem
com um repertório comportamental completo. Neste sentido, a plasticidade do sistema
nervoso tem papel fundamental na adaptação às contingências ambientais. A
neurogênese, hoje um fenômeno indiscutivelmente bem estabelecido e amplamente
aceito, oferece a oportunidade de entender como o sistema nervoso desenvolveu
mecanismos para suprir as demandas comportamentais. Embora pouco ainda se saiba
sobre a função da neurogênese adulta, parece que o surgimento de novas células
nervosas faz parte de uma gama de recursos neurais que podem contribuir para a
407
Neurociência Cognitiva
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414
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
415
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Algumas Definições
“... system is defined as a unit by the relations between its components which realize
the system as a whole, and its properties as a unity are determined by the way this unity
is defined, and not by the particular properties of its components.”
416
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
nenhuma atividade coordenada ou forma de dinâmica, esse sistema “não faz nada” nem
“vai para lugar algum”. Porém perceba que estamos falando de, nessas condições,
6,023 x 10²³ moléculas de gás, comportando-se individualmente (dado que a interação
entre elas ocorre em escalas de angstroms), ou seja, estamos falando do que
Boltzmann chamou de caos molecular. Complexo ou não? Observemos o seguinte
trecho escrito pelo físico Murray Gell-Mann (grifos nossos):
“As measures of something like complexity for an entity in the real world, all such
quantities are to some extent context-dependent or even subjective. They depend on the
coarse graining (level of detail) of the description of the entity, on the previous
knowledge and understanding of the world that is assumed, on the language
employed, on the coding method used for conversion from that language into a string of
bits, and on the particular ideal computer chosen as a standard.”
Gell-Mann, M., What is Complexity?
O que Gell-Mann quer nos dizer é que uma medida de complexidade está
intimamente conectada a idéias sobre informação. Na teoria da informação proposta por
Shannon, uma seqüência de bits aleatória é a que possui a maior quantidade de
informação. Ouvir o chiado (“random sequence”) de um rádio mal sintonizado lhe traz
alguma informação? Não. Porém o chiado começar ou parar sim. Vejamos o que diz
Russel Standish:
417
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
“... a linear system is precisely equal to the sum of the parts. But many things in nature
don’t act this way. Whenever parts
parts of a system interfere, or cooperate, or compete, there
are nonlinear interactions going on. Most of every day life is nonlinear, and the principle
of superposition fails spectacularly.”
Strogatz, S. H., Nonlinear Dynamics and Chaos.
418
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
419
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
420
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Mas isso é bem diferente do que podemos observar na Figura 2, porque o atrator
apresentado lá é de outro tipo, chamado atrator estranho. Perceba que, embora o
sistema não evolua para um determinado ponto, ele está confinado em um determinado
volume e no caso de um sistema dissipativo (ou seja, um sistema no qual a energia
interna do mesmo vai sendo perdida através de alguma ineficiência do processo), esse
volume se tornará cada vez menor. Para que exista uma DCI é necessário um atrator
estranho e, sistemas determinísticos que apresentam evolução temporal que conduz
assintoticamente a atratores estranhos, apresentam dinâmica caótica. Os fundos dos
poços, tendo em mente o espaço euclidiano tridimensional representado (X, Y e Z ou
largura, altura e profundidade), são na verdade pontos (mais matematicamente, uma
tríade (x, y, z)), portanto possuem dimensão menor (um ponto tem dimensão 0) do que
a do espaço no qual estão incluídos. Um atrator sempre terá dimensão menor do que a
do espaço que o contém, caso contrário ele seria o próprio espaço e, portanto,
poderíamos “passear” livremente sem necessariamente convergir para nenhum lugar
restrito do mesmo. Observando novamente o atrator de Lorenz e sem nenhum rigor
matemático, percebemos que esse atrator é “maior do que um ponto, maior do que uma
reta, mas menor do que uma superfície”. Estamos nos aproximando do conceito de
fractal, ou melhor, dimensão fractal. Vamos a um exemplo mais simples, porém
altamente elucidativo. Observe a Fig. 4, que mostra geometricamente a maneira de se
construir um conjunto de Cantor. Para termos um conjunto de Cantor tome a barra inicial
e divida-a em três partes iguais. Agora jogue fora o terço central e repita o mesmo
processo para os dois terços restantes e assim por diante.
421
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Para n muito grandes, teremos uma nuvem de pontos que possui dimensão
maior do que a de um único ponto, porém, obviamente, menor do que a de uma reta, ou
seja, o conjunto de Cantor tem dimensão maior que 0 e menor do que 1! Utilizando
processos que não iremos descrever aqui (para maiores detalhes consulte nas
bibliografias sugeridas o assunto: algoritmos de contagem de caixas – box counting
algorithms), calculamos que a dimensão do conjunto de Cantor é 0,63! Estamos lidando
com entidades que possuem dimensão não inteira e, para tanto, Benoît Mandelbrot
cunhou o termo fractal que vem do latim fractus que significa quebrado, fraturado.
Agora, com uma definição um pouco melhorada do que vem a ser uma dimensão
fractal, podemos dizer que atratores estranho possuem dimensão fractal, como o
atrator de Lorenz.
Na Fig. 5 temos um outro famoso fractal, o conjunto de Mandelbrot. Observe,
nas miniaturas, que mostram aproximações cada vez maiores, que a invariância de
escala é marcante. Existem diversos exemplos de dimensão fractal na biologia, a
ramificação dendrítica neural, a superfície pulmonar, a ramificação arterial, a superfície
interna das cristas mitocondriais, microvilosidades intestinais e acoplamento entre
osciladores (disparo de neurônios ou canto de animais, por exemplo).
422
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
423
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Antes que possamos partir para uma tentativa de clarificar de que forma
podemos então estudar um sistema complexo, já que aparentemente nada visto até
aqui se presta a isso, precisamos de dois conceitos bem estabelecidos, calor e entropia
(detalhes mais formais serão vistos nas próximas seções). Vamos tentar definir esses
dois termos de forma termodinâmica e intuitiva. Quando dizemos “estou morrendo de
calor” não estamos utilizando o termo “calor” como definido pelos físicos. Calor é o
processo espontâneo de transferência de energia térmica entre dois corpos de
temperaturas diferentes e ocorre sempre do corpo mais quente para o corpo mais frio.
Benjamin Thompson, enquanto ocupava a superintendência de broqueamento de
canhões, nas oficinas do arsenal militar em Munique, percebeu que trabalho mecânico e
calor eram ambos formas de transferência de energia. Lembre que trabalho mecânico
se calcula como o produto entre uma força e o deslocamento sofrido pelo corpo. Devido
ao atrito entre a ferramenta de corte e o cobre do corpo dos canhões; trabalho
mecânico, tem-se o aumento de temperatura do cobre (perceba que se transmitiu
energia, sem transferência de calor). As aparas metálicas então, com temperaturas
elevadas, eram capazes de iniciar o processo de ebulição da água (agora temos calor
transferindo energia térmica das aparas, mais quentes, para a água, mais fria).
Entropia, S, foi definida inicialmente por Rudolph Clausius e sua variação, dS, pode ser
calculada, pra um processo reversível, como a variação de calor, dQ (calor transferido
ou recebido) dividido pela temperatura T, do sistema durante essa transferência de
calor. Portanto, se tivermos uma variação de entropia nula, isso significa que cessou o
processo de transferência de energia térmica, ou seja, lembrando do que Thompson
observou, cessou nossa capacidade de realizar trabalho. Assim, podemos encarar a
entropia de um sistema como uma medida de sua capacidade de realizar trabalho.
Munidos desses novos conceitos podemos ver que evolução temporal em
física, está ligada à aproximação do equilíbrio térmico, ou seja, a incapacidade de
realizar trabalho e, portanto, a eliminação de não-uniformidades nas variáveis
macroscópicas que caracterizam o sistema. Porém, biologicamente falando, evolução
está associada a aumento de complexidade, organização e especialização. Nas últimas
décadas tem-se recorridos às teorias de auto-organização para explicar a dinâmica dos
424
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
sistemas complexos. Essas teorias mostram que para um dado valor crítico de um
parâmetro de ordem, valor esse que pode ser atingido devido às flutuações aleatórias
internas ao sistema, amplificam-se interações entre partes que disparam um processo
auto-organizante. Ou seja, o sistema será auto-organizante se for capaz de adquirir
espontaneamente uma estrutura de natureza funcional, temporal e/ou espacial,
demonstrada pelo surgimento de uma coerência de longo alcance entre as variáveis do
sistema. Um exemplo de estruturas auto-organizantes são micelas, como a camada bi-
lipídica da membrana celular e os lipossomos. Existem, então, sistemas capazes de
operar de forma a não evoluírem da maneira como prevê a termodinâmica clássica, são
sistemas regidos pela termodinâmica fora de equilíbrio, um ramo da ciência bastante
desenvolvido por Ilya Prigogine. O fato é que as leis da termodinâmica garantem que a
entropia total do universo está sempre aumentando e, portanto, utilizando todo o
universo como o nosso sistema o mesmo tende a tornar-se homogêneo. Como então
explicar a existência dessas “ilhas de ordem”? Um sistema só pode diminuir ou manter
estável sua entropia às custas de aumentar a entropia do meio externo. Só
conseguimos nos manter vivos graças a degradação dos alimentos que ingerimos, ou
seja, nossa organização em detrimento do aumento de entropia do pé de alface, do boi,
do refrigerante, que agora não passam de um aglomerado de moléculas.
425
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
426
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
dE = dU + d ( EC ) + d ( EP ) (1)
Sendo que:
1
EC = mµ 2
2
EP = mgZ
Para m=massa, µ =velocidade, g = gravidade e Z=distância em relação a um
plano de referência. Aqui fica clara a dependência dessas duas energias de um sistema
de coordenadas, já que energia potencial depende da altura, e a cinética da velocidade,
e consequentemente da posição. Por exemplo, para calcularmos a energia cinética de
um carro, devemos saber sua velocidade em relação a uma referencial, o mesmo
acontece para calcularmos a energia potencial, devemos saber a altura em relação a
um plano de referência. Por outro lado, para sabermos a energia térmica (temperatura)
de um corpo não precisamos de nenhuma informação em relação a sua posição, ou
seja, não importa onde ele está.
Assim podemos reescrever a primeira lei da termodinâmica para uma mudança
de estado da seguinte maneira:
427
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
δQ = dU + d ( EC ) + d ( EP ) + δW (2)
Figura 7 – Balanço das energias que entram e saem de um segmento de artéria generalizado.
428
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
área
Se multiplicarmos por ficamos com:
área
. F
W escoamento = da
a
F
Como = Pr essão e da = Volume
a
Temos que:
. F .
W escoamento = da = p V
a
.
V
Sendo v = , ou seja, estamos observando o trabalho por unidade de massa, ficamos
m
com:
.
W escoamento = pv (4)
h = u + pv (6)
429
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
1 1
e + pv = u + pv + µ + gZ = h + µ + gZ (7)
2 2
.
dE v .c . . .
1 1
= Q v .c . − W v .c . + m e he + µ 2 e + gZ e − m s hs + µ 2 s + gZ s (8)
dt 2 2
430
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Todos nós utilizamos carro, ônibus ou qualquer outro meio de transporte que
necessita, obrigatoriamente, de um combustível (seja ele fóssil ou não) para que se
locomova. Todos nós sabemos que o motor dos meios de transporte aquece. Por que
será?
As bases da segunda lei da termodinâmica foram desenvolvidas pelo físico
francês Sadi Carnot em 1824, antes da primeira lei (Brush, 1976, 1983 apud Monteiro e
Piqueira, 2000). Carnot, fascinado pelo impacto das máquinas na Inglaterra e também
interessado em aumentar o rendimento das máquinas térmicas (como os motores de
nossos meios de transporte, por exemplo), publicou a monografia “Reflexões sobre a
força motriz do fogo e sobre as máquinas que desenvolvem essa força”, na qual mostra
que o contato entre corpos de temperaturas diferentes gerava um fluxo de energia
(calor) que deixava de ser utilizada para executar trabalho mecânico.
Energia
Máquina Trabalho
Fonte de Quente
Energia
Perdida
Figura 8 - A queima do combustível fornece energia (fonte quente). A energia é utilizada pela máquina na
geração de trabalho. Contudo, parte é perdida para o meio externo, que possui uma temperatura menor que
a da máquina.
Em outras palavras, ele notou que parte da energia fornecida pelos combustíveis
aos nossos meios de transporte, por exemplo, é perdida sob a forma de energia térmica
em vez de ser transformada em movimento pura e simplesmente, porque há uma
431
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
diferença de temperatura entre o motor e o meio externo (ar, água) que o circunda (Fig.
8) [lembre-se que dU (energia interna) = dQ (calor) - dW (trabalho)]. Além disso, Carnot
mostra que é fundamental que uma parte da energia seja perdida, pois só assim a
máquina pode continuar a realizar trabalho.
Podemos começar a entender esse fenômeno estudando o ciclo de Carnot (Fig.
9). Neste ciclo, estão representados quatro pontos com diferentes parâmetros que os
descrevem (pressão, volume e temperatura): A, B, C e D. A mudança de cada um dos
pontos (ou estados) para outro ocorre espontaneamente, sendo assim isoentrópico,
porém para o ciclo ser completo é necessário que a magnitude da transferência de
energia Qa seja igual à Qb. Isso em um sistema isolado (na mesma escala de do ciclo
de Carnot) implica na transferência de energia de um corpo mais frio para um corpo
mais quente. Isto torna esse ciclo impossível, pois sabemos que só há fluxo de calor
de um corpo mais quente (T maior) para um mais frio (T menor), e nunca o
contrário (Feynman e col.,1970), o que torna a condução de calor um processo
irreversível (Monteiro e Piqueira, 2000). Dizemos que um processo é irreversível quando
a probabilidade de que ele aconteça é tão baixa que sua ocorrência chega a ser
considerada impossível (Hopf, 1988 apud Monteiro e Piqueira, 2000).
Figura 9 - Ciclo de Carnot. Note que Ta>Tb e que as curvas Ta e Tb são isotermas, assim as transições A-
>B e C->D ocorrem à temperatura constante e B->C e D->A são transições adiabáticas (sem troca de
energia com o meio). Todas as expansões e contrações do clico de Carnot são reversíveis, neste modelo a
entropia aumenta e diminui, porém em uma transformação de A->B->C->D->A, a variação de entropia é
igual zero (isoentrópica). Lembre-se que o trabalho útil é dado pela área hachurada da figura.
Este ciclo foi criado por Carnot como modelo de uma máquina que minimizaria o
tão famigerado problema da perda de energia sob a forma de calor, mas, infelizmente,
não é possível construí-la (não até agora, pelo menos).
432
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
∂Qreversível
dS = ,
T
sendo dS a variação de entropia, ∂Q, a quantidade de calor transferida para o sistema e
T, sua temperatura absoluta.
Lembra da irreversibilidade da troca de calor? Se pensarmos que o mesmo calor
que sai de um corpo com temperatura Ta é TRANFERIDO por outro corpo de
temperatura Tb, ao olharmos bem a equação acima podemos notar que ∆S>0, fato típico
de processos irreversíveis.
Sendo assim, podemos concluir que ∆S (variação de entropia) está ligada à
variação de calor em dada temperatura em cada um dos corpos do sistema:
dQ
∆S = ∫
T
Em princípio, a definição de entropia de Clausius pode parecer estranha, mas
esta entropia é a mesma que talvez você conheça de outra forma ou com outra
representação, como as apresentadas a seguir.
A maneira mais comum de se definir entropia é como sendo uma medida de
(des)organização: quanto maior a entropia, menor a organização do sistema. Neste
caso, assumimos que os sistemas caminham todos espontaneamente para um estado
de maior “bagunça”, haja visto que a entropia sempre tende a aumentar (Fig. 10).
433
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Figura 10 – Em (a), temos moléculas com disposição “ordenada”. Se isso ocorreu em um determinado
momento, o mais provável é que, em tempos futuros, a disposição seja mais “desordenada”, como em (b).
Isto significa, portanto, que os processos naturais em sistemas isolados tendem para uma entropia maior.
http://www.mspc.eng.br/termo/termod0120.shtml (25/05/2009).
434
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
S = kB ln W ,
S = -kB ∑i pi ln pi
435
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
436
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Informação
Vitor Hugo Rodrigues
Laboratório de Fisiologia
Teórica
bombras@gmail.com
437
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
possível, e assim, reduzir algumas incertezas as quais, por ventura, possam surgir,
como “Será que ela vai sequer falar comigo?” ou “Vou sair sozinho desta festa hoje?”.
Então, do exemplo, podemos dizer que o ambiente fornece parte das
mensagens (reação, aparência, ou se a pessoa está acompanhada), assim como a
própria conversa (informações relevantes (ou não!), como nome, idade, o que gosta,
etc.).
Um pouquinho de história
A história da Teoria da Informação remonta aos idos de 1928, quando Ralph
Hartley, no artigo “Transmission of information”, apresenta uma formula para a
quantificação de informação, o qual ressalta que o fator importante nesse processo é a
habilidade do receptor em selecionar símbolos em um dado vocabulário. Então, tendo W
símbolos disponíveis, a quantidade de informação H em uma dada seleção é H = logW.
Hartley estava interessado em comparar a capacidade de transmissão de diversos
sistemas elétricos de telecomunicação.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Claude Shannon trabalhava com
criptografia e sistemas de controle e automação no Bell Lab, nos Estados Unidos. Com
o fim da guerra, e com muitas idéias advindas de seu trabalho com criptografia,
Shannon desenvolveu a importante e controversa (ao menos na sua aplicabilidade em
biologia) teoria da informação em 1948, com a publicação de um artigo, A Mathematical
Theory of Communication (Shannon,1948). Esse artigo foi publicado em forma de tese
em 1949, com uma pequena alteração no titulo (a qual, sinceramente, faz toda a
diferença), para The Mathematical Theory of Communication (Shannon & Weaver,
1949).
Shannon, logo no começo de seu artigo, inicia sua linha de raciocínio dizendo
que o principal problema da comunicação é reproduzir num ponto exatamente ou da
maneira mais próxima possível, uma mensagem que foi selecionada e enviada de outro
ponto, e que a verdadeira mensagem é uma que é escolhida de um conjunto de
mensagens possíveis. Então, o sistema tem que operar sobre qualquer seleção
possível, e não com a que vai realmente ser escolhida uma vez que essa é
desconhecida no momento anterior à mensagem ser enviada, ou seja, não é possível
prever qual é a mensagem que será transmitida. Isso só será conhecido no momento da
recepção (Shannon, 1948).
A partir disso, vemos que, para Shannon, comunicação é um processo
probabilístico, e que para problemas de engenharia (com os quais ele estava
preocupado), o significado e veracidade das mensagens não importavam. Portanto, a
teoria da informação está relacionada com a redução da incerteza do receptor, pois a
438
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
mensagem tem uma probabilidade de fazer com que o receptor mude de estado, depois
da transmissão da mensagem, narrando algum evento.
Imagine, então, um sistema como o da Figura 11, onde se tem uma fonte de
informação que produz uma mensagem, ou seqüência de mensagens, as quais serão
transmitidas pelo... Adivinha só? Se estiver olhando a figura e falou transmissor,
acertou. Esse transmissor enviará um sinal para o receptor, por um canal, que nada
mais é do que o meio pelo qual essa mensagem é enviada (sejam letras que se
concatenam formando palavras, ou variação de voltagem, ou traços e pontos de código
Morse, etc.). O receptor tem o papel de receber (porque isso me soa redundante?), e
reconstruir a mensagem enviada, e, por fim, existe o destino que é quem deve receber a
mensagem (seja uma pessoa ou coisa).
Então, imagine um evento que você gostaria muito que acontecesse; como
ganhar na loteria e passar o resto da vida deitado numa rede tomando seu drinque
favorito. Para você saber se ganhou ou não, alguém precisa comunicá-lo, e, para isso, é
necessária uma mensagem. Imagine que H é uma medida de informação e pi é a
probabilidade de ocorrência de um evento dentre vários possíveis (quantidade de
números acertada) e h é a informação recebida pela transmissão de uma mensagem
informando um dos possíveis eventos ocorridos (por exemplo, você acertou todos os
números), temos que h= - log pi. Então, a medida informação H, que é uma somatória
da quantidade de informação de todos os h, ou na forma matemática, vale H=
− ∑ pi log pi , sendo que H é chamado de entropia informacional.
Reanalisando tudo isso a partir do exemplo acima, podemos ver que existiu um
transmissor de informação (Caixa Econômica Federal, que é quem faz os sorteios), por
um meio (transmitiu o sorteio pela TV ou rádio, ou publicou o resultado no jornal). Então
o receptor (seus olhos ou ouvidos, ou os dois) recebeu a mensagem, e seu cérebro
atento, que é o destino (ou destinatário) da mensagem, é quem vai processar a
mensagem enviada e comparar com os números contidos no seu bilhete. Aí, a glória
celestial vai preencher seu coração, ou a frustração do “droga, perdi de novo” vai
amargurá-lo, mais uma vez.
439
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Entropia...palavra recorrente...
Se olhadas mais de perto, as funções de Boltzmann e de Shannon são bem
parecidas, este, aliás, foi um motivo pelo qual a fórmula de Shannon citada acima foi
batizada de entropia. As principais diferenças são as constantes de proporcionalidade e
as bases logarítmicas, que, ainda assim, não trazem diferenças significativas às duas
formas.
440
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Acho que entendi, mas o que isso tem a ver com Biologia?
Alguns pesquisadores tentaram se utilizar da entropia informacional de
Shannon para quantificar informação biológica. Considerando que informação é uma
propriedade importante dos seres vivos, pois desde alguns dos menores níveis de
organização (células, tecidos) envolve comunicação, ou transmissão de informação por
moléculas (DNA no processo de transcrição e replicação por exemplo), uma medida
como essa permitiria quantificar o nível de organização ou complexidade de um
organismo.
No entanto, alguns pesquisadores faziam criticas severas ao uso desta teoria
em biologia evolutiva. Primeiro que, para o cálculo desta complexidade, as unidades de
informação são arbitrárias, sendo que diferentes quantidades de informação serão
obtidas dependendo do que se chama de unidade de informação. Um zigoto seria
menos complexo que o Homem, pelo simples fato dele ser menor. Em segundo, quando
se utilizam, por exemplo, proteínas constituintes como unidades de informação, calcula-
se que a informação contida em um homem é de 5.1025 bits. No entanto, outra critica
curiosa e bem apropriada é que isto não pode ser levado em conta pelo fato de que
tanto um homogeneizado de homem quanto um homem inteiro teriam a mesma
quantidade de informação. Contudo, de todos os arranjos moleculares possíveis entre
as moléculas que formam o Homem, apenas alguns podem formar um Homem vivo.
441
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
Outra crítica que se coloca é a de que não se pode utilizar a teoria de Shannon,
na qual se tem emissor, receptor e decodificador, para moléculas como o DNA, pois
aqueles componentes não são aparentes em um sistema químico e, portanto, estes
processos não carregam informação. Alem disso, a Teoria de Shannon não se
preocupa com a veracidade ou com o significado da informação e, em sistemas
biológicos, a qualidade da informação é tão importante quanto a quantidade de
informação.
Se há críticas por um lado, há, por outro, interesse na Teoria de Shannon.
Segundo Maynard-Smith (2000), se é possível transmitir informação por ondas elétricas,
sonoras ou por eletricidade, por que não seria possível transmitir informação por meios
químicos? Para ele, um dos grandes ganhos da teoria de Shannon é que a mesma
informação pode ser transmitida por diferentes carreadores físicos. Engenheiros não
usaram carreadores químicos justamente pela dificuldade de colocar ou tirar informação
de meios químicos, uma dificuldade que segundo ele, os sistemas vivos conseguiram
superar. É realmente difícil ver todos os elementos da teoria de Shannon no modelo de
transcrição do DNA para RNA e da tradução deste RNAm para proteína. Se pensarmos
na comunicação entre duas pessoas por código Morse, por exemplo, podemos
identificar todos os elementos da figura 1, pois uma pessoa é a fonte da informação,
existe o aparelho onde a mensagem será “digitada”, que é o transmissor, existe o meio
de transmissão (eletricidade através de fios e cabos), existe o receptor, e o
decodificador do código, que é o operador da maquina que recebe a mensagem. No
entanto, é difícil imaginar uma decodificação de mensagem do RNAm para proteína,
uma vez que o código não foi codificado por uma proteína para RNAm.
Porém, nesse caso, Maynard Smith se utiliza de uma analogia que se estende
por parte do artigo, que é da comunicação por código Morse. Neste caso, o codificador
não é a maquininha que produz o sinal do código, e sim, a pessoa que converte
significado em um encadeamento de fonemas, e que depois é convertido em código
Morse. Já no exemplo do aparato celular de transcrição/tradução gênica, é a seleção
natural. Por quê? Pelo simples fato de que foi por seleção natural que selecionaram as
seqüências de bases, dentre muitas seqüências possíveis, que originariam proteínas
funcionais e constituintes dos sistemas vivos, por meio do canal de transmissão de
informação descrito pela teoria de Shannon. Como ele diz em seu artigo: “Onde um
engenheiro vê design, um biólogo vê seleção natural!”.
Maaaasss... como nem tudo são flores, existem alguns pontos em que a teoria
da Informação realmente peca quando aplicada em biologia. Warren Weaver, que
trabalhou com Shannon no artigo em que se apresenta a teoria, diz que se pode medir a
efetividade num processo de comunicação observando três preceitos básicos:
442
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
443
Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
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Complexidade e Termodinâmica em Sistemas Biológicos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
sufelixbio@usp.br
Figura 1- Níveis de organização dos seres vivos: molécula – célula – tecido – órgão – sistema – organismo.
Modificado de Randall e col., 2002
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 2- Permeabilidade da membrana frente a diferentes solutos. As setas íntegras demonstram solutos
com alta permeabilidade; as setas pontilhadas indicam permeabilidade moderada; os demais solutos logo
abaixo são relativamente impermeáveis.
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 4- Comparação entre duas Mycale angulosa (Porífera). Fotos: E. Hajdu e F. Moraes
respectivamente.
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Interesse aplicado
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
músculos lisos (Ito e col.,1977; Ohizumi & Shibata, 1980; Ishida e col.,1985, Moriya e
col.,1998). Compostos polioxigenados de cadeia longa, chamados zooxantelatoxinas-A
e –B, foram isolados do dinoflagelado simbionte Symbiodinium sp., e apresentam
potente ação vasoconstritora (Nakamura e col.,1993, Moriya e col.,1998). A
zooxantelatoxina-A tem mostrado provocar trombócitos em coelhos, acompanhado por
um aumento na concentração intracelular de Ca2+ (Rho e col.,1995; Moriya e col.,1998)
e elevação da fosforilação da tirosina (Rho e col.,1997; Moriya e col.,1998). A
zooxantelatixina-B produz uma elevação na concentração de Na+ e uma redução da
concentração de K+ nas células aórticas de coelhos (Moriya e col.,1998), o que pode
ser o indicativo de despolarização da membrana plasmática como as observadas
resultantes da ação da palitoxina em células nervosas e musculares (Dubois & Cohen,
1977; Muramatsu e col.,1984; Ito e col.,1985; Ecault e Sauviant, 1991; Moriya e
col.,1998).
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 8- Dinoflagelado Symbiodinium sp. isolado de cnidários, colônia de Palythoa caribaeorum íntegra,
colônia de Palythoa caribaeorum em processo de branqueamento.
Considerações finais
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Relações Endosimbiônticas
Enrique E. Rozas
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
formigas forneciam alimento necessário para a colônia. Esta relação, simples num
principio, foi logo caracterizada como um complexo sistema integrado pelas formigas, o
fungo cultivado, seu parasita, um fungo do gênero Escorvopsis e as bactérias que
controlam seu crescimento, também cultivadas pelas formigas (Currie e col., 2003).
Mas, ainda que esta organização e dependência entre espécies tenha
significado uma revolução no entendimento da interligação dentro da biosfera, nada
superou a aparição do conceito de endosimbiose, que tem suas origens no fundamento
da vida celular. No momento em que diferentes tipos bacterianos, se fusionaram e ainda
assim mantiveram sua integridade como indivíduos, mas formando parte de um sistema
organizado que os incluía e dependia deles (Taylor e col., 2007). Assim surgia uma das
teorias mais fascinantes da organização celular em eucariontes, que no consenso
contemporâneo é aceito que as mitocôndrias e cloroplastos, tanto de plantas como
protistas, tem seu origem em alfa-proteobacterias e cianobacterias de vida livre,
respectivamente (Fig 1) (Margulis, 1992). Além destas organelas, microbiologos
evolucionistas postulam que o núcleo ter-se-ia originado da fusão de duas bactérias que
foram incorporadas à célula hospedeira primitiva (Goebel e Gross, 2001).
Figura 1- A imagem representa a teoria da evolução das células eucarióticas a partir de uma célula
procariótica ancestral. Nesta representação, a célula procariótica ancestral forma o envoltório nuclear e
adquire do meio os procariontes anaeróbicos heterotróficos que formaram a mitocôndria e os procariontes
foto sintéticos que originaram os cloroplastos.
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
rejeição do organismo que esta começando na vida intracelular. Estas moléculas, por
sua capacidade de inibir a resposta imune são propostas como imunossupressores, que
podem nos auxiliar, evitando a rejeição de órgãos transplantados em humanos.
As esponjas (Filo Porifera), consideradas um dos grupos de animais multicelulares
mais antigos que existem, possuem um efetivo sistema de defesa contra micróbios e
parasitas, com um sistema de transdução de sinal que prepara a célula para a resposta
imune. Estudos de transplantes de tecido e células de esponja têm demonstrado
complexas estratégias moleculares para respostas alogenicas e autogenicas (Müller e
col., 2003).
Muitos estudos têm apontado para a existência de moléculas de resposta imune
nas células de esponjas, apresentando semelhanças significativas com seus homólogos
nos demais Metazoa. Por exemplo, receptores Toll-like presentes em Suberites
domuncula mediam a resposta imune inata no reconhecimento de microorganismos
invasores (Wiens e col., 2006). Receptores do tipo tirosina quinase de Geodia cydonium
possuem dois domínios do tipo imunoglobulina semelhantes ao receptor MHC de classe
I, da família de multigenes humanos KIR (Pancer e col., 1998). Já os receptores tirosina
fosfatase presentes em G. cydonium apresentam um domínio do tipo imunoglobulina na
porção intracelular, sendo semelhantes à família de multigenes humanos C2 (Müller e
col., 2001). Quando S. domuncula é exposta a LPS bacterianos a expressão da MyD88,
uma proteína composta pela interação de domínios dos receptores Toll/interleucina-1,
aumenta. Por sua vez, a interação desta proteína com o LPS estimula a expressão da
perforin-like, expressa em macrófagos como resposta à agressão bacteriana (Wiens e
col., 2005). Logo, é esperado que organismos associados não exponham qualquer
molécula que ative os receptores da célula do hospedeiro, pois caso contrário serão
fagocitados e eliminados (Cooper, 2006). Uma outra estratégia utilizada para evitar que
isso aconteça é a produção de substâncias que bloqueiam a cascata de sinalização que
leva à resposta imune. Tal é o caso de fungos e bactérias, tanto de ambientes terrestres
como marinhos, que secretam imunossupressores das mais diversas estruturas
moleculares (Ramachandran ecol., 2007; Kerzaon e col., 2008).
Por outro lado, pouco se sabe ainda sobre a diversidade e função dos
microrganismos presentes nas esponjas, deixando um cenário incompleto sobre as
comunidades associadas. Apesar da identificação de mais de 800 cepas a partir de
esponjas (Holler e col., 2000, Wang e col., 2008), praticamente não existem evidências
que apóiem a idéia de uma verdadeira simbiose. O único exemplo descrito de uma
relação endosimbiôntica é representado por uma levedura ainda não identificada, que é
transmitida verticalmente em três espécies de Chondrilla (Fig 2) (Maldonado e col.,
2006). No entanto, observações realizadas em cultura de células de Haliclona melana,
461
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 2- Oócitos maduros de Chondrilla nucula. (a) Bactéria heterotrófica (B), cianobacteria (C) e inclusões
rodeadas de membrana (?), grânulos de lipídeos. (b, c) A diversidade bacteriana e ilustrada por grandes
bastões e pequenos cocos (CO). (D) exibe o detalhe de duas cianobactérias. (Retirado Maldonado e col.,
2005
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 3- Crescimento hifal dos fungos intracelulares Há IV e HaV isolados de células em cultura de
Haliclona. Melana.. (A) Exibe o micélio de HaIV crescendo desde uma célula de esponja. O inserto mostra
uma célula sem fungo em seu interior (n: núcleo). (B) Crescimento
Crescimento hifal de HaV, aparentemente associado
ao núcleo da célula. (C) e (D) Apresentam HaIV e HaV, respectivamente, 24 h depois dos fungos
começaram a crescer .desde as células
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
possibilidades: a primeira é que estes organismos não induzem uma resposta imune por
parte da esponja; a segunda é que eles produzem substâncias imunossupressoras que
evitam a rejeição por parte da esponja (Corsaro e col., 1999).
Por tal razão, o estudo dos microrganismos endosimbionticamente associados
às esponjas nos abre portas ao descobrimento de soluções imunológicas resolvidas
através da evolução. E através deste conhecimento dominar os mecanismos e
compostos imunogênicos para a solução de problemas imunológicos em humanos.
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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O que é regeneração?
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 2- Linckia multiflora, conhecida como estrela-cometa por sempre possuir um braço maior do que os
outros.
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Regeneração Fisiológica
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
bastante vaga, mas um blastema pode ser facilmente reconhecido como a “região
branca”, formada na superfície cortada do tecido e composta basicamente de células
indiferenciadas.
Morfalaxia, por outro lado, envolve a transformação de partes do corpo ou de
tecidos já existentes em novas estruturas. Neste processo ocorre pouca ou nenhuma
proliferação celular, e o novo tecido é formado a partir de células pré-existentes no local
ou próximo da injúria, como ocorre na reorganização de partes do corpo nas Hydras
após a amputação (Holstein e col., 2003)
Autotomia
O termo “autotomia” ou “auto-corte” foi primeiramente proposto por Frederick, em
1883, para descrever o mecanismo pelo qual alguns animais destacam uma parte do
corpo. O processo é normalmente disparado a partir de um estímulo externo, e efetivado
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
por um mecanismo intrínseco e mediado pelo sistema nervoso. Nos casos mais comuns
é usado como uma estratégia de defesa anti-predação (Wilkie, 2001), mas pode
também incluir todas as formas de escapar de um encarceramento ou remoção de uma
parte do corpo infectada ou lesionada.
Descartando alguma parte do corpo, um animal pode melhorar sua chance de
sobrevivência em um evento que poderia ser fatal. Tais perdas podem ser vantajosas
para um organismo desde que: a estrutura autotomizada não seja essencial para a sua
sobrevivência; seja a parte mais freqüentemente atacada e que, preferencialmente,
contenha alguma substância repugnante para o predador (Fleming e col., 2007). Apesar
desta imediata vantagem para a sobrevivência, a autotomia pode ter grandes
conseqüências para a locomoção, forrageamento, sobrevivência, e/ou reprodução.
Geralmente executada após o animal ter sido capturado, a autotomia pode ser uma
adaptação de defesa secundária, já que nem todo animal possui a capacidade de
regenerar integralmente as partes perdidas.
O processo envolve a amputação ou quebra de uma parte do corpo ao longo de um
plano de quebra predeterminado. Plano de autotomia se refere a um plano que corta
toda a estrutura anatômica do organismo no sitio de destacamento, como todo o braço
de um ofiuróide. E compreende várias zonas de quebra separadas. Por exemplo, o
plano de autotomia do braço de um ofiuróide inclui zona de quebra na epiderme, no
ligamento intervertebral, nervo radial e canal hidrovascular radial. Zonas de quebra são
predeterminadas e consistem de níveis de menor resistência ou fraqueza mecânica
(tração). Entretanto, existem as zonas de quebra que são sempre níveis de menor
resistência, as quais devem ser chamadas de zonas de fraqueza permanentes, e zonas
que se tornam fracas apenas na autotomia, que devem ser chamadas de zonas
potenciais de fraqueza. No caso dos ofiuróides, a epiderme do braço contém uma zona
permanente, enquanto que os ligamentos intervertebrais representam zonas potenciais
(Wilkie, 2001).
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 5- Autotomia na estrela do mar Linckia multiflora. As fotos em sequência mostram o braço "cometa",
o qual é maior do que os outros, e sua subsequente constricção e autotomia. Ambos os fragmentos irão
regenerar uma estrela completa. Modificado de Brockes e col., 2001
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 6 - Reprodução assexuada por fragmentação. (a) destacamento das peças da parte basal do corpo
de uma anêmona e sua transformação em organismos filhos. (b) fragmentação de um nemertino, cada
fragmento se reorganiza em um novo organismo. (c) Reprodução por brotamento
brotamento na planária Planaria
fussipara. Antes mesmo da fissão no nível indicado pela seta, a parte posterior da planária já está apta a se
transformar em um novo indivíduo. Modificado de Carlson B.M. 2007.
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
De fato, fortes evidências moleculares que suportam esta idéia são fornecidas pela
Hydra. Neste organismo ambos os estágios iniciais de brotamento e regeneração são
mediados pela secreção de peptídeos sinalizadores. Durante a reprodução assexuada,
ocorre um aumento localizado dos peptídeos secretados conhecidos como Head
Activator (HA). A ligação destes a receptores na superfície de células intersticiais
pluripotentes induz um aumento do cAMP, o qual ativa proteínas quinase A, resultando
na fosforilação do fator de transcrição (CREB) (cAMP response element–binding
protein). Este então ativa os genes responsáveis pela diferenciação das células
nervosas, as quais são responsáveis pelo processo de brotamento. Finalmente, o broto
emergente irá se diferenciar e produzir um novo e completo organismo.
Diferentes formas de gerar a mesma estrutura às vezes envolvem o uso de
diferentes células e/ou moléculas precursoras como recurso para regeneração.
Especialmente entre os invertebrados, a mesma estrutura pode ser formada como
resultado de diferentes processos, frequentemente envolvendo alguns dos processos
usados na reprodução assexuada ou embriogênese somática.
Considerações finais
Apesar de todos os benefícios associados ao processo, como reposição de
células, tecidos e órgãos após injúrias ocasionais causadas pelo próprio organismo ou
predadores, a regeneração necessita de uma mobilização metabólica que gera altos
custos ao organismo. Associada com a sobrevivência prejudicada devido à falta de um
órgão ou membro, pode afetar o crescimento somático e reprodutivo, desviando
recursos destinados a outros processos para que a reposição seja a mais rápida
possível. Tal fato pode ser proibitivo, se consideramos que apenas a alocação
fisiológica de recursos para o crescimento físico às vezes demanda mais da metade da
energia total disponível (Maginnis, 2006). Isso pode ser mensurado em conseqüências
ecológicas para esses animais, afetando principalmente o desenvolvimento e a
reprodução, mas também sua mobilidade, forrageamento e capacidade de defesa.
Entretanto, a regeneração continua sendo um mecanismo fundamental na
existência dos organismos e possui uma significância evolutiva no desenvolvimento de
táticas de sobrevivência. Como já postulou Goss, em 1969: “Se não existisse a
regeneração, não haveria vida, Se tudo regenerasse, não haveria morte”.
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Há muito tempo postula-se que a vida tenha surgido nos oceanos, assim não é
de se surpreender que esse ambiente continue a abrigar uma enorme diversidade de
animais, o que inclui uma grande variedade de invertebrados. Alguns grupos como os
cnidários e os equinodermos, são completamente ou em grande parte marinhos. Essa
tremenda variedade e abundância de invertebrados nos oceanos de todo mundo são
resultados de vários números de fatores, muitos dos quais estão relacionados a
condições de redução de estresse químico e físico nas atividades diárias dos
organismos.
Num ambiente com grandes pressões seletivas e uma enorme variedade de
organismos, as interações intra e interespecíficas tem um papel determinante na
evolução desses organismos. Muitas dessas interações são mediadas pela liberação
de substâncias biologicamente ativas e podem ser classificadas de acordo com seu
papel ecológico. Feromônios são substancias que atuam na comunicação entre
membros da mesma espécie, cairomônios atuam na comunicação entre membros de
espécies diferentes com vantagens para a espécie receptora e alomônios, substâncias
químicas defensivas e ofensivas com vantagens adaptativas para a espécie que libera a
substância no meio. Nesse contexto alomônios ofensivos são substâncias empregadas
por organismos predadores, para paralisar e subjugar sua presa, enquanto alomônios
defensivos são utilizados para deterem inimigos (predadores ou competidores).
Os alomônios são comumente chamados de toxinas, e ocorre a tendência de se
considerar as diferentes toxinas, popularmente, como venenos. Cientificamente, no
entanto, faz-se necessária a diferenciação entre venenos e peçonhas.
Venenos são substâncias tóxicas encontradas em diferentes tecidos, e peçonhas
são substâncias tóxicas capazes de serem inoculadas pelo animal, normalmente por via
parenteral, através de órgãos especializados nesta função.
Com base neste critério, faz-se a diferenciação entre animais venenosos (que
expressam venenos) e animais peçonhentos (que expressam peçonhas).
476
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
477
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Marés Vermelhas
Porífera
Esponjas, que constituem o filo Porífera, são os mais primitivos dos animais
multicelulares, não possuem órgãos, mas tem tecido conjuntivo bem desenvolvido. Seu
esqueleto pode ser formado por espículas calcárias, espículas silicosas, fibras de
espongina protéicas ou uma combinação dessas duas últimas. Vários animais se
alimentam de esponjas, embora o dano causado por estes predadores seja geralmente
pequeno. Alguns moluscos, ouriços e estrelas-do-mar, além de peixes tropicais
(donzelas, peixes-borboleta) e tartarugas, comem Esponjas. Muitas espécies são
totalmente expostas aos predadores, e na impossibilidade de “bater em retirada”
apresentam mecanismos alternativos de defesa contra a predação excessiva. O
mecanismo primário de defesa das Esponjas é de natureza química. As esponjas
produzem ou acumulam uma ampla gama de compostos tóxicos, alguns bastante
potentes e que podem ser expelidos por poros presentes na superfície externa desses
animais. Espécies de alguns gêneros como Tedania e Neofibularia, podem mesmo
causar dermatites dolorosas em seres humanos. Muitas espécies produzem compostos
com atividade antimicrobiana (antibacteriana, antifúngica, antiviral). Além de defesas
antipredação e contra infecções microbianas, as toxinas de esponjas servem também
para a competição por espaço com outros invertebrados, como briozoários, ascídias,
corais e até mesmo outras esponjas. Isto permite a algumas esponjas crescer
rapidamente e recobrir a fauna e a flora adjacentes.
478
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Cnidários
Um dos grupos que mais vem ganhando destaque no quadro internacional
quando o assunto é toxinas são os cnidários. Os cnidários possuem células urticantes
características presentes em todos os representantes do filo. Essas células produzem
organelas especializadas denominadas nematocistos, que contém um bulbo venoso e
um filete eversível capaz de injetar toxinas. A peçonha contida nos nematocistos desses
animais contém uma grande variedade de toxinas provocando efeitos dos mais diversos
quando injetado na presa ou no predador.
Extensivos estudos têm sido realizados nesse grupo devido aos vários relatos de
contato desses animais, principalmente das classes Cubozoa e Sciphozoa, com
humanos, com resultados potencialmente fatais.
As classes Cubozoa e Sciphozoa são representadas pelas conhecidas medusas,
onde se destacam os cubozoários chironex fleckri, tido como o animal mais peçonhento
do mundo, e Carukia barnesi, conhecido por causar a “síndrome de Irukandji” (forte
hipertensão que pode resultar em edema pulmonar, hemorragia intracerebral e infarto
agudo) e os cifozoários Cyanea capillata e Chrysaora quinquecirrha.
De maneira geral, as fatalidades observadas em humanos e animais de
laboratório se devem aos efeitos cardiotóxicos gerados pela peçonha. A entrada de
cálcio através de poros formados nas células, a liberação de substâncias endógenas
como epinefrina e histamina, a interferência nos canais iônicos das membranas
celulares, ou a combinação desses fatores e de fatores ainda não conhecidos podem
levar ao colapso cardiovascular.
Apesar de décadas de estudos, muito pouco é conhecido da peçonha desses
animais do ponto de vista farmacológico. O grande número de proteínas e substancias
presentes na peçonha aliado a instabilidade de muitas toxinas fazem do seu estudo um
trabalho difícil e complexo.
Diferentemente dos membros das duas classes anteriores, os membros da
Classe Anthozoa, representada pelas anêmonas e corais, produzem potentes toxinas
estáveis. Por esse motivo, muitas toxinas de varias espécies já foram isoladas e
caracterizadas. As mais conhecidas são as neurotoxinas que agem nos canais de sódio.
São polipeptídios de 3~5KDa e foram primeiramente isoladas da espécie Anemonia
viridis e denominados ATX I, ATX II e ATX III (hoje Av1, Av2 e Av3). Essas toxinas
agem impedindo a inativação dos canais de sódio através da estabilização das
conformações do seu estado ativo.
Toxinas que agem nos canais de potássio também têm sido descritas em
diversos membros dessa classe. Essas toxinas fazem parte de uma única família de
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
bloqueadores de canais de potássio, com massa variando entre 3.5 - 6.5KDa, onde a
primeira toxina a ser isolada foi a ShK, da anêmona Stichodactyla hielanthus.
Outra classe de toxinas bem estudada e caracterizada em anêmonas são os
polipeptídios citolíticos. Essas toxinas podem agir formando poros nas membranas
celulares, onde são destacados os estudos realizados com Equinatoxina II (Eqt II), da
anêmona Actínia eqüina e Sticholisina (St II), da Stichodactyla hielanthus, ou atuando
como enzimas, que podem ter ou não ação fosfolipásica.
A última Classe dentro do grupo dos cnidários analisada aqui, é a Classe
Hydrozoa Os poucos trabalhos realizados com membros desse grupo se restringem a
algumas espécies de hidras, caravelas (Physalia) e hidrocorais (Millepora). As
dificuldades no estudo desses organismos são o tamanho diminuto de seus pólipos, a
dificuldade de extrair a peçonha diretamente dos seus nematocistos e a instabilidade de
suas toxinas. Mesmo com essas dificuldades algumas toxinas interessantes foram
isoladas desses animais como, por exemplo, as hidralisinas, uma nova categoria de
citolisinas formadoras de poros, isoladas primeiramente da hidra Chlorohydra viridissima
e a phisalia toxina, uma das primeiras toxinas de cnidários isoladas diretamente dos
nematocistos. Essa toxina tem massa de 240KDa, é composta por 3 subunidades
glicosiladas e é letal quando injetada intraperitonialmente em camundongos.
Moluscos e crustáceos
A maioria dos membros desses grupos são animais venenosos que acumulam
toxinas em seus tecidos, de maneira primaria ou secundária, salvas algumas exceções.
O molusco Dollabela curicularia produz peptídeos citotóxicos com forte atividade
anti-neoplásica, mostrando cerca de 70% de eficácia no melanoma humano,
interrompendo a divisão celular na metáfase. Eles agem em receptores de tubulina,
comprometendo, assim, a fisiologia celular.
A Aplysia brasiliana a partir de pré-toxinas existentes em algas produz a
brasilenina, sesquiterpênio com ação ictiotóxica, usada contra ataques de tubarões.
Produz ainda o cloreto de trimetil sulfônio, que interage com receptores muscarínicos e
nicotínicos, capaz de produzir parada respiratória em camundongos através de injeção
intraperitonial.
Merece especial referência a família Conidae, dos gastrópodes representados
pelo molusco piscívoro Conus sp. Os membros do gênero Conus produzem toxinas
denominadas conotoxinas. Foram isolados 5 tipos de conotoxinas, cada uma atuando
em diferentes alvos. Eles se alimentam de bivalves e monovalves acumuladores de
toxinas do plâncton, assim como de poliquetos.
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Mecanismos de ação
Toxinas que agem em canais celulares
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Conhecidas como citolisinas essas toxinas atacam a célula alvo pelo aumento
muitas vezes, não especifico da permeabilidade da membrana a íons e pequenas
moléculas. O efeito da permeabilização pode ser letal se for forte o suficiente para
alterar a capacidade de regulação homeostática da célula para além de sua capacidade
de regulação ou mesmo se comprometer a estrutura da membrana. As citolisinas
podem ser classificadas da seguinte maneira:
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Palitoxina
Além do potencial obvio de interferir nas vias metabólicas, e por esse motivo
serem utilizadas como remédios ou venenos, as toxinas também podem ser usadas
indiretamente como ferramentas fisiológicas. Isso se deve a especificidade que muitas
toxinas têm com sítios celulares específicos.
A palitoxina é um bom exemplo, assim que seu mecanismo de ação foi
determinado essa toxina se tornou uma importante ferramenta no estudo do
funcionamento da bomba de Na+/K+. O melhor exemplo dessa utilidade foram os
estudos realizados sobre a influência da palitoxina na oclusão dos cátions (um passo
intermediário no ciclo da bomba) e na fosforilação da bomba (processo necessário para
sua mudança de conformação).
Outro bom exemplo são as conotoxinas, os cinco tipos de conotoxinas agem em
diferentes alvos. Por exemplo, a υ-conotoxina, inibe os canais de sódio voltagem-
dependentes nos músculos e a ω -conotoxina, age nos canais de cálcio voltagem-
dependentes do tipo N, que são canais relacionados à analgesia. Assim as
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Laborat ório de Fis iopatologia – Unidade de Dor (Inst ituto But antã)
ao seu controle. Dentro deste cenário, vários compostos obtidos a partir de animais
marinhos, com especial relevância para as neurotoxinas, estão sendo empregados como
ferramentas para caracterizar os mecanismos fisiológicos envolvidos no processo de
geração e transmissão da dor e como modelos para o desenvolvimento de novos
fármacos analgésicos. O Ziconodite, uma ω-conotoxina purificada inicialmente da
peçonha do Conus magus, age como um bloqueador específico de canais de cálcio
dependente de voltagem. Aprovado pela FDA e UE, o Prialt, nome comercial do
Ziconotide, vem sendo utilizado como analgésico em pacientes com dores crônicas,
resistentes aos analgésicos usuais. O Xen2174, um análogo da χ-conotoxina Mr1A obtida
do Conus marmoreus, encontra-se na fase III da pesquisa clínica. Por inibir seletivamente
transportadores de norapinefrina, o Xen2174 é candidato a novo agente terapêutico em
pacientes com dores neuropáticas persistentes. Ainda, novas moléculas purificadas de
peçonhas de anêmonas do mar também têm contribuído para ampliar o conhecimento
sobre a ação moduladora de neurotoxinas em canais iônicos ou receptores envolvidos no
processo de dor. Recentemente foi demonstrado que um composto isolado da anêmona
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Heteractis crispa induz efeito analgésico por inibir corrente iônica dos receptores
vanilóides (TRPV1). Atualmente esta sendo caracterizado, pelo nosso grupo, o efeito
analgésico induzido por um composto não peptídico, obtido da anêmona Bunodosoma
cangicum, capaz de atuar em receptores para serotonina.
Fisiologia da Dor
Considerações Gerais
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 1 - Receptores para dor polimodais utilizam grande diversidade de mecanismos para detectar os
estímulos nocivos. a- Em mamíferos, luz ou odores quimicos são detectados por uma via de sinalização
convergente, na qual os receptores acoplados a proteína G ativam segundos mensageiros que, em
seguida, alteram a excitabilidade do neurônio sensorial. Este efeito é regulado pela atividade de um único
tipo de receptor canal iônico. b- Em contrapartida, nociceptores utilizam diferentes mecanismos de
transdução para detectar os estimulos físicos e químicos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
estímulos não nocivos) (Kidd & Urban, 2001), considerados os mais importantes
fenômenos nociceptivos de um processo inflamatório. Cabe ressaltar que os termos
hipernocicepção e alodinia são usualmente empregados para descrever sensação de dor
em humanos. É importante salientar que, além dos receptores polimodais C, um grupo
adicional de nociceptores, denominados receptores "silenciosos" ou "adormecidos"
(silent/sleeping nociceptors), são ativados durante processos inflamatórios, contribuindo
para a hipernocicepção. Estas fibras aferentes são encontradas na pele, articulações e
em órgãos viscerais (Schaeffer R. C. e col., 1988).
Várias substâncias sintetizadas e liberadas durante o processo inflamatório, tais
como prótons extracelulares, mediadores lipídicos, incluindo prostaglandinas, além de
bradicinina, aminas biogênicas, entre outros, podem interferir com a atividade dos
neurônios nociceptivos primários (Fig. 2) (Julius & Basbaum, 2001). Os mediadores
periféricos da hipernocicepção atuam via receptores ligados a intermediários celulares
regulatórios (proteína G, segundos mensageiros), que regulam a permeabilidade da
membrana e a concentração iônica celular (Text Book of Pain, 1999). A sensibilização dos
neurônios nociceptivos primários é decorrente, em parte, do incremento das
concentrações intracelulares de AMPc, ativação de proteínoquinases, como PKA,
acarretando a fosforilação de canais iônicos e o aumento do influxo de Ca2+ intracelular. A
consequência destes efeitos metabólicos é a despolarização parcial da membrana
neuronal facilitando a geração e a transmissão de impulsos nervosos (Cunha F. Q. e col.,
1999). Alguns mediadores hipernociceptivos elevam diretamente as concentrações
intracelulares de AMPc, enquanto outros, cujos receptores não estão acoplados a
adenilato ciclase, sensibilizam nociceptores por mecanismos independentes da formação
direta do AMPc. Estes mecanismos incluem a geração de prostanóides e a ativação da
proteínoquinase C (PKC) (Text Book of Pain 1999). A ativação da PKC acarreta a
fosforilação e o aumento da atividade de canais iônicos permeáveis a Ca2+ e Na+
(Lorenzetti & Ferreira, 1996). Independentemente do mecanismo de sinalização
intracelular, o aumento na expressão e fosforilação de canais iônicos em membranas de
neurônios periféricos é o principal fator responsável pelo aumento da excitabilidade da
membrana destas células (Woolf C. J., 2000). Os principais canais iônicos responsáveis
pela geração de potenciais de ação na membrana de neurônios nociceptivos são os
canais de sódio dependentes de voltagem (Woolf C. J. 2004).
Além da sensibilização dos neurônios nociceptivos primários, outros mecanismos
podem estar envolvidos na gênese da hipernocicepção e alodinia, como excitabilidade
ectópica, aumento da excitabilidade dos neurônios no corno dorsal da medula espinhal ou
no núcleo trigeminal do tronco cerebral (Sensibilização Central), reorganização estrutural
e redução da atividade de sistemas inibitórios endógenos (Woolf C. J. 2004).
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Figura 3.– Vias de sinalização da Dor: Os neurônios excitatórios e inibitórios formam redes
altamente complexas e sintonizadas. Estão ilustrados, grande parte, dos receptores de membranas
que são expressos nos gânglios da raiz dorsal (DRG) que respondem aos estímulos dolorosos:
canais de sódio Nav1.8, receptor vanilóide TRPV1 , canais sensíveis a pH (ASIC) entre outros. Estão
também representados alguns precursores modulatórios da via descendente facilitatória e inibitória,
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Os oceanos tornaram-se,
Moleclar Intervetion - Baldomero M. Oliveira & Russell W.
atualmente, uma importante
fonte de novas moléculas com
potencial terapêutico. Os
produtos naturais marinhos têm
despertado interesse na
comunidade médica e científica
por apresentarem alta
especificidade farmacológica.
Esponjas, tunicatos, briozoários,
cnidários e moluscos, são alguns
dos invertebrados que vem
sendo
investigados como fornecedores de novas moléculas. É importante ressaltar que
compostos de origem marinha já estão, atualmente, em fase avançada dos ensaios
clínicos ou sob avaliação pré-clinica para desenvolver novos medicamentos analgésicos.
Os moluscos marinhos da família Conotidea parecem ter, cada espécie, um
repertório de 100 – 200 diferentes conopeptideos em sua peçonha. A caracterização
destas toxinas tem mostrado que não há, até o presente, sobreposição molecular entre os
conopeptideos. Seguindo o raciocínio, se existem descritos na literatura um numero
superior a 500 espécies de Conos, a estimativa é que existem entre 50.000 a 100.000
diferentes compostos.
O Ziconodite, uma ω-conotoxina purificada inicialmente da peçonha do Conus
magus, age como um bloqueador específico de canais de cálcio dependente de voltagem.
Aprovado pela FDA e UE, o Prialt, nome comercial do Ziconotide, vem sendo utilizado
como analgésico em pacientes com dores crônicas, resistentes aos analgésicos usuais,
ver tabela 1. As ω-conotoxina atuam bloqueando especificamente canais de cálcio
dependentes de voltagem do tipo N (Wang X. Y. e col., 2000).
A molécula sintética, denominada Xen2174, é um análogo de outro conopeptideo,
χ-conotoxina Mr1A obtida do Conus marmoreus. Recentemente o Xen2174 iniciou a fase
III da pesquisa clínica. Por inibir seletivamente transportadores de norapinefrina, o
Xen2174 é candidato a novo agente terapêutico em pacientes com dores neuropáticas
persistentes (Nielsen C. K. e col. 2005).
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
Tabela 1- Diversidade de peptideos neurotóxicos de Conus sp. –. Modificaddo de Olivera & Teichert ,2007
Outro grupo de toxinas que vem sendo bastante estudada são as obtidas a partir
da peçonha de anêmonas do mar. Estes animais, juntamente com os corais, águas
vivas e hidras, formam o filo dos Cnidários. Os animais deste filo apresentam células
especializadas, os cnidócitos, as quais possuem estruturas celulares microscópicas,
similares a arpões, denominadas de nematocistos, responsáveis pela inoculação de
peçonha rica em neurotoxinas paralisantes.
Desde a década de 1970, vários estudos vêm sendo realizados com o intuito de
caracterizar os mecanismos envolvidos na ação das toxinas de anêmonas.Neste sentido,
foi possível evidenciar que as toxinas isoladas de anêmonas do mar apresentam ações
em diversos tipos de canais iônicos, mostrando grande potencial farmacológico. A toxina
APTx2, isoladas de extratos da anêmona Anthopleura elegantíssima (Diochot S. e col.,
2004), bloqueia especificamente canais do tipo ASIC (“Acid-sensing Ion Channels”). Já foi
demonstrado que estes canais têm importante participação na vias de transmissão de
estímulos nociceptivos. Além das neurotoxinas, está sendo investigado o papel
farmacológico de compostos de baixo peso molecular de anêmonas.
493
Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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Aspectos da Biologia Celular e Farmacologia de Invertebrados Marinhos
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