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21/04/2017 ConJur ­ Vi vazamentos da PF e nada fiz, porque entendi qual foi o propósito

SENSO INCOMUM

Vi vazamentos da PF e nada fiz, porque entendi


qual foi o propósito
20 de abril de 2017, 8h00

Por Lenio Luiz Streck

Subtema: Constituinte — porque se trata de um haraquiri


institucional

Leio que, face à delação da Odebrecht (a Moab – Mother


Of All Bargains) e do desgaste da política (e do Direito),
muita gente começa a ressuscitar a tese da Assembleia
Constituinte. Na crise, não criamos. Atalhamos. Explico:
quando vejo o jornal Estadão colocando a tese em
editorial, fico arrepiado. Afinal, o mesmo Estadão
festejou a derrocada da Constituição de 1946 ao declarar
apoio ao golpe de 1964, postura também seguida pela
Folha e outros veículos como, é claro, O Globo (e também
a OAB).

É isso que me preocupa. Vejam no que deu. Demoramos mais de 25 anos para voltar
à democracia. Construímos uma Constituição democrática. Mas não a cumprimos.
Houve um incentivo ao seu descumprimento. Pronto. A solução? Simples: façamos
uma nova. Bingo. Para um problema complexo, uma resposta simples... E errada.

Um sintoma: lembro de uma palestra de um jovem que assisti há uns dez anos. Ele
era mestre e doutorando em Direito, usava kit carreira jurídica (terno bem cortado e
chave de Audi A4 à mostra) e gritava: “Interpretar a lei é um ato de vontade; tudo é
subjetivo; não há verdades” (onde esse menino estudou?). Além de o desmentir
publicamente — confesso que cheguei a ser deselegante (não faria isso de novo,
hoje, desse modo rude) —, quando terminei minha fala, ainda fiz uma observação:
“Isso tudo ainda vai sair muito caro para a democracia”. Dito e feito.

Minha lhana crítica


Nesta coluna, quero dizer o que penso sobre tudo isso, com todo o respeito e lhaneza
aos que propugnam por uma nova Constituição. Fui rude com o jovem. Já não sou
assim. Portanto, por favor, quem assim pensa não se sinta nem acusado nem

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ofendido. Sinta-se homenageado, porque suscitou o debate, que, por óbvio,


transcende à tese de uma nova constituinte. Mas transcende, mesmo.

Assim, sigamos. Primeiro: quem faria a nova Constituição? Legisladores da


Noruega? Quem elegerá os constituintes? Os 35 partidos, existentes, aliás, por um
julgamento ativista do STF, que disse ser inconstitucional (até hoje não entendi por
que) a cláusula de barreira. Ah: quem será que colocou os atuais parlamentares no
Congresso? Vamos trocar de eleitor?

E vejam a bizarrice. Temos mais de mil faculdades de Direito, dezenas de milhares


de professores (de Direito), carreiras jurídicas que devem chegar a duas dezenas,
dependendo de como contarmos as advocacias públicas (todas, incluindo as
Defensorias, ganhando mais de R$ 22 mil de salário inicial, algumas carreiras ainda
recebendo honorários e incentivos por cobrança de tributos), além da pesada
máquina dos tribunais de Contas, Controladorias etc., e o diagnóstico é o de que
temos de fazer uma nova Lei Maior? Fracassamos? Mas, então, a coisa vai mal por
causa da CF ou por que falhamos nas nossas atribuições de juristas? E não seria
(também) porque fiscalizamos mal, burocratizamos a máquina ao extremo, criamos
cargos a mancheias, transformamos o país em uma “concursocracia”? Os políticos
“fizeram a parte deles”, se me permitem o sarcasmo... Mas os juristas também
“fizeram a sua parte”. E como fizeram.

Querem ver? A primeira falha do espectro jurídico foi a de não saber identificar o
seu objeto — o direito. Um bom positivista contemporâneo poderia ensinar muito a
essa gente que confunde direito e moral (no plano analítico, é claro — mas que é
extremamente útil). Qual é o erro? Porque respondemos a qualquer assunto jurídico
com a opinião pessoal ou com a moralização da resposta. Antes do direito...
Colocamos a moral, a política etc. Resultado: a fragilização do objeto — o direito.
Agora mesmo, quando defendemos uma nova Constituição, estamos, nitidamente,
raciocinando moralmente. Dizemos: a culpa é da Constituição. “Façamos uma
nova.” Fetiche da lei. Logo quereremos substitui-la por outra. Constituição virou um
produto descartável. Minha resposta: não adiantará, porque, com essa comunidade
jurídica, com esses operadores (sic), pode ser feita a constituição ideal-fundamental,
a Grundverfassung ou a Moal (Mother Of All Laws – a mãe-de-todas-as-leis) e... Nada
mudará.

Como culpar a Constituição pela incapacidade dos juristas de aplicar o Direito,


ensinado nas faculdades por — pelo menos uma parcela razoável — professores mal
preparados (estou sendo generoso), que “ensinam” as maiores barbaridades aos
incautos alunos? Esses incautos logo se formam e fazem concursos, depois de
passarem por cursinhos ministrados (em grande parte deles) por professores que
ensinam por decoreba e por pegadinhas (para dizer o menos).

De que adianta uma nova Constituição se, nos concursos públicos para as carreiras
que a irão aplicar, são feitas perguntas que não passam de pegadinhas e exercícios
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de memorização, sem falar nos Caios, Tícios, teorias da graxa, pamprincipios,


hiperbolismos etc.? Chegamos a este ponto: técnicas de chutes para concursos. Tem
muito disso (aqui). E ensinam crime tentado com “beijinho no ombro” (aqui). Tem
até um professor (que também é juiz) que inventou a técnica do chute consciente.
Bingo. O Brasil é demais. Afora tudo o que mostrei na coluna sobre a concursocracia
e a teoria da graxa, descubro a cada dia coisas novas, como Jusjitsu – a arte do
concurseiro. É, de fato, precisamos de uma NCF... Para nela fazer constar um
dispositivo para impedir esse tipo de coisa. Repito: a culpa é da Constituição? Do
CPP? Do NCPC? Do “badanha”? Do “bispo”?

Como querer uma nova Constituição se acabamos de aprovar um NCPC do qual


sequer conseguimos fazer cumprir dispositivos que determinam o básico — como o
dever de coerência e integridade, além da fundamentação detalhada? Quem está
cumprindo o artigo 10? E o 489? E o 926? Então, de novo: quem vai aplicar a NCF?
Os que hoje não cumprem o NCPC ou a atual Constituição? Os que não cumprem o
CPP?

Imagino o futuro: sai a NCF e, dias depois, as livrarias estarão atulhadas de novos
livros. E centenas de congressos. E fóruns (permanentes) para elaboração de teses
sobre os dispositivos dessa NC (claro, as teses exigem unanimidade para “valerem”).
Bingo de novo. Ou não é assim? Desmintam-me. Nosso sonho é voltar ao século XIX,
no positivismo clássico: dar respostas antes das perguntas. Fazer conceitos sem
coisas. Imitar o legislador (e “fazer-melhor-que-ele”). E escrever novos livros tipo:
NCF Facilitada; NCF Descomplicada... E começa tudo de novo.

Pergunto, lhanamente: quem vai aplicar e doutrinar sobre essa tal NCF? Os que,
mesmo que o NCPC tenha dito que não há mais livre convencimento, dizem — e
escrevem — que o legislador é mero detalhe (há gente que pensa como Llewellyn,
em The Bramble Bush, para quem “leis constituem lindos brinquedos”) e que o que
vale é o livre convencimento como persuasão racional? Ora, ora, meus caros
noruegueses e/ou dinamarqueses... Se fazemos isso com o NCPC, assim agiremos em
relação a uma eventual NCF. Para, de novo, dizermos o que queremos sobre o seu
conteúdo. Para exercermos a nossa Wille zur Macht (vontade de poder). Para
ficarmos bradando em palestras e vender muitos livros, dizendo que o Direito é, ao
fim e ao cabo, o que o Judiciário diz que ele é.

Já vi esse tipo de filme. Marcelo Cattoni, Gilberto Bercovici, Martonio Barreto Lima e
eu já escrevemos sobre isso aqui na ConJur. E eu quero dizer que lutei muito pela
Constituição de 1988. Esta que muitos dizem já não ter mais serventia. Fiz 37
palestras sobre Assembleia Constituinte entre 1985 e 1987.

Temos de apostar na democracia. No Estado (Democrático) de Direito. E, mesmo no


entremeio de uma crise desta monta que faz o delírio da Globo News e do Jornal
Nacional, mantenho o otimismo. Não devemos ter a ilusão de que possa existir uma
sociedade sem vícios. Aliás, sempre lembro da fábula mais liberal do mundo, a das
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abelhas (Barão de Mandeville): vícios privados, benefícios públicos (que o pessoal da


teoria da graxa deveria ter lido).

Para quem quer uma “nova Carta”, pense em como seria a parte que trata dos
direitos fundamentais. Já imagino um dispositivo dizendo: pena de morte e
perpétua poderão ser estabelecidas após aprovadas por plebiscito; delações poderão
ser feitas em todas as modalidades de crimes, dispensada a presença de advogado se
o réu desde logo optar por delatar ou aceitar a barganha; para crimes cujas penas
são superiores a 10 anos, a prisão será obrigatória (repristinando o que havia antes
da lei Fleury)... E assim por diante. E um dispositivo será assim: acima das leis e da
CF está a justiça e o direito natural; nos casos de flagrante injustiça da lei, aplicar-se-á
a fórmula Radbruch (isso dará boas questões para os futuros concursos no novo
regime constitucional — os cursinhos passariam a ensinar a fórmula Radbruch...
E logo fariam com ela o que fizeram com a ponderação; e também fariam paródias
musicais). Bolsonaro poderá ser o relator.

Moral da história: antes de desistirmos das leis e da atual Constituição, seria bom
que começássemos por cumprir o ordenamento. Seria bom receber as denúncias
sem usar formulários tipo “defiro os requerimentos do MP acaso existentes”; passar
a cumprir o CPC (inclusive fazendo-o valer no processo penal no que tange à
fundamentação); não responder os embargos de declaração como se respondia no
CPC/73; parar de inverter o ônus da prova em processos de furto e tráfico;
fundamentalmente, parar de corrigir o Direito (sim, o Direito, o produto com o qual
trabalhamos, porque, ao que sei, direito não é moral, não é política, não é filosofia
moral etc. — ler aqui) a partir de nossas opiniões pessoais. Se cumprirmos as leis e a
CF, chegaremos à conclusão de que uma lei só pode não ser aplicada em seis
hipóteses (ver aqui). É o primeiro passo.

Necessárias críticas à entrevista da ex-ministra Eliana Calmon


Sei que entrevistas podem falsear o que o entrevistado falou. Mas como não houve
desmentido, presumo que o que está escrito foi dito. Falo da ex-ministra Eliana
Calmon, que disse:

“Hoje, o Judiciário mudou inteiramente. Todo mundo quer acompanhar o


sucesso de Sergio Moro. Os ventos começam a soprar do outro lado.
Antigamente, o juiz que fosse austero, que quisesse punir, fazer valer a
legislação era considerado um radical, um justiceiro, como se diz. Agora, não.
Quem não age dessa forma está fora da moda. Está na moda juiz aplicar a lei
com severidade” (ler aqui).

Pois é, ministra. Mas, o que é isto — cumprir a lei com severidade? Ao que entendi,
cumprir “com severidade” a lei é “condenar”. E talvez “aplicar a lei com severidade”
seja o que o STJ fez na semana passada, ao decidir que o condenado pode cumprir
pena em regime mais grave do que o do decorrente da pena (aqui). Ou o juiz que
mandou desalojar 300 famílias (em 300 mil hectares) li-mi-nar-me-nte e sem ouvir o
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MP? Mas, segundo a decisão, foi sob “a proteção de Deus”... Ah, bom. O que é isto —
cumprir a lei com severidade (sic)? É receber denúncia em formulário? É inverter o
ônus da prova? Como é mesmo ficar “na moda”[1]? Eu sou démodé. Ainda uso
pomada Minancora (aqui).  

Pode ser também que estar na moda é (deixar) vazar informações, que, para a ex-
ministra, são meros pecados veniais (sic). Pecadilhos (por isso não surpreende que
um site tenha transmitido ao vivo o interrogatório de Marcelo Odebrecht
diretamente da audiência de Curitiba para o mundo). De novo: como não houve
desmentido, tenho que o que a ex-ministra disse foi exatamente o que está na
entrevista. Vejam a gravidade: ela confessou que, como ministra do STJ, “vi muitas
vezes o vazamento de informações saindo da Polícia Federal e nada fiz contra a PF,
porque entendi qual foi o propósito”. Veja-se: “Vazamentos de informações”. Mas,
vejam a ironia da coisa: o propósito era para “o bem”. Pergunto: como descumprir
leis pode ter um bom propósito? No final da entrevista, a ex-ministra diz que, como
juíza, “sempre agi como Sergio Moro”. Sem comentários adicionais de minha parte.  

Numa palavra: parece que estar na moda — no Brasil — é aceitar a tese de que “os
fins justificam os meios”. E tem gente querendo fazer uma NCF... Quem vai cumprir
a NCF? Lembro-me, de novo, do jovem processualista palestrante que gritava que
“interpretação é um ato de vontade” e outros quejandos. De fato, lendo a entrevista
da ex-ministra, vejo que o menino com seu kit carreira jurídica tinha chão fértil
para fazer florescer suas teses.

Mas temos que resistir. Por isso escrevo todas as semanas esta coluna
hebdomadária.

[1] O brilhante promotor de Justiça e doutor em Direito Elmir Duclerc resumiu o que


ele denominou de pérolas do surrealismo processual penal contemporâneo (publico
aqui uma parte, sem sua licença): 1) condução coercitiva que não implica restrição à
liberdade de ir e vir; 2) presunção de inocência que não impede a execução
provisória da pena; 3) regime inicial que já inicia mais grave; 4) ônus de provar sem
provas; 5) gravações ilegais e sigilosas publicadas e audiências de instrução
(públicas) que não podem ser gravadas; 6) Estado Democrático com medidas
excepcionais; 6) delação “espontânea” de quem está preso. E eu poderia acrescentar
um rol de outras pérolas. Que ocorrem nas demais áreas. Bem, algumas já estão
delineadas na coluna.

Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em


Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados:
www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 20 de abril de 2017, 8h00

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