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CULTURA1
As políticas nacionais de cultura implementadas a partir dos anos 2000 (em especial a
partir de 2003), com derivações nas políticas estaduais e municipais, vêm criando agendas no
campo cultural que demandam cada vez maior representatividade, política e identitária. A
cultura é parte constitutiva de toda prática social, fato que reforça sua centralidade na
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Texto publicado em Anais do IX Seminário Internacional Políticas Culturais, organizadores: Lia Calabre,
Alexandre Domingues e Eula Cabral. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2018. p. 192-205.
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Doutor em História pelo PPGH/UFF. Professor Titular do Departamento de Arte da Universidade Federal
Fluminense/UFF. E-mail: luizaugustorodrigues@id.uff.br
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Licenciado em Letras/ Português e Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Mestrando
em Cultura e Territorialidades pelo PPCULT-UFF. Bolsista CAPES. E-mail: marcelonetcorreia@hotmail.com
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contemporaneidade e que nos leva a afirmar que a questão da cultura é fundamental para
mapearmos formas de atuação política. Sujeitos sociais mais fortalecidos e reconhecidos em
suas dimensões identitárias terão, e nisso acreditamos fortemente, melhores condições de
participação política e representatividade. Como apontou Evelina Dagnino (2002, p. 10):
A redefinição da noção de cidadania [...] aponta na direção de uma sociedade mais
igualitária em todos os seus níveis, baseada no reconhecimento dos seus membros
como sujeitos portadores de direitos, inclusive aquele de participar efetivamente na
gestão da sociedade. [...] cidadania aponta para a importância de assegurar uma das
condições de existência da sociedade civil: a vigência de um conjunto de direitos,
tomados como parâmetros básicos da convivência em sociedade. (grifos do original)
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territoriais acionados (ou não) nas formulações de alguns planos municipais de
cultura; vem-se, também, analisando a produção e divulgação de determinados
espaços de algumas cidades buscando-se perceber quais atributos urbanos e culturais
são ou não potencializados, pois se observa certa permanência de ideais
(neo)modernistas/progressistas cujos discursos e práticas se assentam em valores de
limpeza, amplidão, permeabilidade, planejamento pleno etc. Em termos gerais,
cultura e território precisam ser vistos sob lentes de aumento... permitindo que os
impactos sobre as práticas urbanas e sobre as produções culturais se voltem para
dimensões ampliadas, fato nem sempre ou mesmo pouco percebido. (RODRIGUES;
CORREIA, 2018, s.p.)
Caminho ainda maior é o que precisa ser trilhado pelas políticas públicas de cultura
quando se trata de questões identitárias e de representação, de gênero e de raça
principalmente. Alguns avanços podem ser observados, mas retrocessos e ausências
também...
Alguns conselhos de cultura apresentam configurações com representação de
representantes de culturas afro-brasileiras, de representações de grupos indígenas e
quilombolas, de expressões da cultura popular, entre outros. O Conselho Nacional de Política
Cultural (CNPC) é um exemplo 4; o Conselho Municipal de Cultura de Cabo Frio (RJ) tem
representação do Movimento Negro; o Conselho de Cultura de Niterói (RJ) tem, também,
representações importantes5 e por aí vai..., mas as questões de gênero ainda não encontram
ressonância. E pior. Pudemos acompanhar algumas reuniões para a construção de planos
municipais de cultura de municípios fluminenses e surgiram diretrizes específicas sobre
questões de gênero e em alguns municípios certas diretrizes foram extraídas dos planos finais
pelos titulares da própria pasta cultural do poder executivo local.
Tais constatações e disputas foram possíveis de serem observadas mais diretamente
por conta de termos acompanhado e mesmo contribuído com a construção de alguns sistemas
municipais de cultura no estado do Rio de Janeiro, através do PADEC, como passamos a
explicar:
PADEC é um Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cultural dos Municípios,
desenvolvido a partir de parceria entre a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de
Janeiro com o Ministério da Cultura. Assenta-se em quatro linhas de apoio: 1)
Qualificação da gestão pública da cultura; 2) Preservação do patrimônio material; 3)
Fortalecimento da identidade cultural local; 4) Melhoria da infraestrutura para a
cultura local. Para a edição de 2015, o PADEC ofereceu três linhas de ação aos
municípios do estado:
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Dentre os Colegiados do CNPC encontram-se: Culturas dos povos indígenas; Expressões artísticas culturais
afro-brasileiras; Culturas populares.
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O Conselho de Política Cultural de Niterói tem, entre suas cadeiras de representação, três que merecem
destaque: Arte e culturas urbanas; Carnaval e festas populares; Cultura e religiões afro-indígenas, grupos étnicos,
comunidades tradicionais e capoeira.
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a) Curso de Formação de Gestores Públicos e Agentes Culturais (em sua segunda
edição);
b) Implantação e modernização de espaços culturais;
c) Aplicação de Metodologia de Apoio para a organização dos Sistemas Municipais
de Cultura.
Esta terceira linha de ação foi construída com apoio técnico do Laboratório
de Ações Culturais da UFF. Inclui a proposição da metodologia acima, estimulada
junto aos municípios que conveniaram a ação PADEC, através de processo
denominado de Dinamização – Ação de Apoio aos Sistemas Municipais de Cultura.
Não se trata de consultoria para confecção de planos municipais, e sim de buscar
acionar e estimular o desenvolvimento dos planos de forma compartilhada entre
executivo municipal da área da Cultura e representantes da sociedade civil.
(RODRIGUES; CORREIA, 2016, p. 1325)
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Este trabalho faz referência direta a um texto que se tornou muito importante nas reflexões sobre o pluralismo
cultural, a saber: TAYLOR, Charles. Multiculturalism: Examining the Politics of Recognition. Org. Amy
Gutmann. Princeton, Princeton University Press, 1994. Obra traduzida, neste mesmo ano, para a língua
portuguesa e publicada pelo Instituto Piaget (Lisboa): Multiculturalismo: examinando a política de
reconhecimento.
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No contexto das disputas identitárias, podemos destacar as lutas por reconhecimento
das diferenças de gênero. Não se trata mais e somente das lutas feministas, mesmo que ainda
necessárias (ver as fortes desigualdades ainda existente em relação aos espaços sociais e
laborais entre homens e mulheres), mas também de disputas pelo direito a ter direito de
exercermos nossas diferenças de sexo, de identidade de gênero e de desejo sexual (ver
BUTLER, 2003).
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estabelecidas na prática dando sentido às coisas. A abordagem semiótica se concentra em
como a representação e a linguagem produzem sentido, ao passo que a abordagem discursiva
se concentra mais nos efeitos e consequências da representação.
A abordagem discursiva da representação será em especial mais interessante para Stuart
Hall (2016) segundo os seguintes aspectos: o conceito de discurso, a questão do
poder/conhecimento, e a questão do sujeito, uma vez que Foucault atentou mais às
especificidades históricas do que a abordagem semiótica; mais às relações de
poder/conhecimento do que as relações de significado. O discurso, dessa maneira, tem a ver
com a produção de conhecimento através da língua, do falar, uma forma também de
representar o conhecimento acerca de determinado espaço e tempo, uma vez que todas as
práticas sociais transmitem significados e os mesmos podem moldar e influenciar o que
praticamos enquanto sujeitos sociais.
Nós começamos com uma definição bem simples de representação. Trata-se do
processo pelo qual membros de uma cultura usam a linguagem (amplamente
definida como qualquer sistema que emprega signos, qualquer sistema significante)
para produzir sentido. Desde já, essa definição carrega a importante premissa de que
coisas – objetos, pessoas, eventos, no mundo – não possuem, neles mesmos, nenhum
sentido fixo, final ou verdadeiro. Somos nós – na sociedade, dentro das culturas
humanas – que fazemos as coisas terem sentido, que lhes damos significado.
Sentidos, consequentemente, sempre mudarão, de uma cultura ou período ao outro.
(HALL, 2016, p. 108)
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personificam essas características. Assim, “discursiva” se tronou o termo geral
utilizado para fazer referência a qualquer abordagem em que o sentido, a
representação e a cultura são elementos considerados constitutivos. (HALL, 2016, p.
26) (grifos nossos)
Sujeito e Identidade
Segundo Hall, a identidade é formada em diálogo com o outro, ou seja, com outras
pessoas importantes para “o sujeito”:
A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo
moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e
auto-suficiente, mas era formado na relação com “outras pessoas importantes para
ele”, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos
mundos que ele/ela habitava. G. H. Mead, C. H. Cooley e os interacionistas
simbólicos são as figuras-chave na sociologia que elaboraram esta concepção
sociológica clássica da questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a
sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas
este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais
“exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. (HALL, 2005, p. 11)
Segundo Stuart Hall, o surgimento de novas identidades faz parte de uma mudança que
vem "abalando" as referências estabilizadas no mundo social:
A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em
essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A
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assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo
de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades
modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma
ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2005, p. 7)
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– políticas de redistribuição. Trata-se, em verdade, de exclusões que se somam e que portanto
não devem, ser reivindicadas isoladamente:
Insistirei em distinguir analiticamente injustiça econômica e injustiça cultural, em
que pese seu mútuo entrelaçamento. O remédio para a injustiça econômica é alguma
espécie de reestruturação político-econômica. Pode envolver redistribuição de renda,
reorganização da divisão do trabalho, controles democráticos do investimento ou a
transformação de outras estruturas econômicas básicas. [...] O remédio para a
injustiça cultural, em contraste, é alguma espécie de mudança cultural ou simbólica.
Pode envolver a revalorização das identidades desrespeitadas e dos produtos
culturais dos grupos difamados. Pode envolver, também, o reconhecimento e a
valorização positiva da diversidade cultural. Mais radicalmente ainda, pode envolver
uma transformação abrangente dos padrões sociais de representação, interpretação e
comunicação, de modo a transformar o sentido do eu de todas as pessoas.
(FRASER, 2006, p. 232, grifos do original)
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reconhecidos socialmente têm menos chances de participação efetivamente compartilhada e
de decisões co-responsáveis. Tal “subalternidade”, normalmente, se dá por razões de status
econômico e/ou sociocultural7, e também por discriminações geradas por ausências de
reconhecimento identitário, em especial dos grupos sociais aqui apontados (negros, sujeitos
LGBT, indígenas, pobres, sujeitos com pouca instrução escolar, representantes de expressões
artístico-culturais menos valorizadas esteticamente e por aí em diante).
Nos somamos às argumentações a seguir:
dentre essas diferenças culturais e sociais, existem aquelas que sofrem com os
seguintes modos de produção de inexistência e forma de fascismo social, que foram
apontados por Boaventura de Sousa Santos na primeira parte desse capítulo, os
quais, no âmbito municipal, se fazem presentes em correlação com as
especificidades locais: a monocultura da naturalização das diferenças, a monocultura
do saber e do rigor e o fascismo do apartheid social. O primeiro subsidia a lógica
que compreende como legítima a classificação social das populações – como, por
exemplo, racial, étnica, sexual -, naturalizando hierarquias. Assim sendo, a relação
de dominação não é vista como causa, mas como consequência. Aqui, a forma de
ausência é chamada como inferior, a qual é entendida como insuperável porque é
tida como natural. A monocultura do saber e do rigor - o modo mais poderoso de
produção de não existência - é a ideia que crê que a ciência moderna é o único saber
rigoroso e verdadeiro, a qual é compreendida, permeada por sua arrogância, como o
cânone exclusivo de produção de conhecimento. Assim sendo, tudo aquilo que esse
cânone não legitima ou reconhece – como, por exemplo, conhecimentos populares,
indígenas, camponeses e urbanos - é considerado inexistente, inválido, não rigoroso.
Desse modo, esses conhecimentos sofrem com aquilo que Boaventura de Sousa
Santos chama de epistemicídio – a morte de conhecimentos alternativos – e,
simultaneamente, os povos e os grupos sociais que têm suas práticas assentadas
nesses conhecimentos são descredibilizados. Aqui, a forma de ausência é taxada
como ignorância. (SOUZA, 2016, p. 59-60)
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Interferem decisivamente nessas desigualdades sociais as questões de distinção social conforme apontadas por
Pierre Bourdieu, e os diversos “capitais” (escolar, cultural, social, político etc.) que este autor descreve. Para
melhor compreensão das ideias bourdianas ver, especialmente: BOURDIEU (2007) e BOURDIEU (1996).
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sociedade civil - e/ou de passividade – tendo em vista a quantidade de conselheiros
que não se expressaram verbalmente durante essas reuniões, mesmo quando se
expressaram corporalmente discordando de uma fala do Presidente do Conselho
Municipal de Cultura, participando dessas reuniões, desse modo, somente, nos
momentos de votação -, intervindo de maneira a promover uma atuação menos
propositiva por parte dos conselheiros representantes da sociedade civil, já que esse
rito formal proporcionava, nesse caso, ao Presidente do Conselho Municipal de
Cultura, que era um conselheiro representante do poder público, exercer seu direito à
voz - e, consequentemente, de exposição da perspectiva da gestão pública municipal
-, em termos de tempo, de forma muito mais intensa. (ibidem, p. 150)
Conclusões preliminares:
Muito já se tem apontado sobre o alargamento da noção de cultura, que a articula com
práticas que ultrapassam a dimensão da arte. Mesmo assim isso não é questão superada, pois
ainda se percebe grupos sociais que se queixam que com tal alargamento de perspectiva a
Arte em si perdeu espaço. Esta queixa se refere normalmente em relação às expressões
artísticas mais elitizadas e ditas eruditas...
Se por um lado experimentamos um maior reconhecimento das expressões culturais e
artísticas de diversos novos grupos sociais, com expressivo alargamento de repertórios
simbólicos antes rechaçados, ainda assim vivemos diversas restrições em relação a muitos
sujeitos sociais, em especial por conta de suas identidades de raça e gênero. Estamos
caminhando a passos ainda muito lentos, e vivenciando retrocessos bem atuais.
A Cultura dos Povos e Comunidades Tradicionais, a Cultura Alimentar, o Hip Hop, a
Capoeira e a Cultura LGBT passaram a integrar os Colegiados Setoriais do Conselho
Nacional de Política Cultural (CNPC) a partir de decisão tomada nas reuniões do conselho,
realizadas em dezembro de 2013. Em 2015, através da Portaria 94 de 30 de setembro, o
Ministério da Cultura criou o Comitê Técnico de Cultura de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis (LGBT) e, no, mês seguinte, o projeto de decreto legislativo nº 235, dos senhores
Eduardo Bolsonaro e Marco Feliciano, buscou sustar a aplicação desta portaria. Avanços e
retrocessos é o que vimos experimentando nas políticas governamentais de cultura nos
últimos anos...
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