Sei sulla pagina 1di 11

CULTURA NEGRA EM BOM DESPACHO:

BRANCO, NAYARA DE LACERDA. (1); MURTA, JANUACELI FELIZARDO. (2);


MENDES JÚNIOR, VILSON BEMFICA. (3)

1. Faculdade ALIS. Rua Antônio Tavares, 491, Santa Lúcia I - Bom Despacho/MG – 37.3522.5455
nayaralacerdabranco@hotmail.com

2. Faculdade ALIS.
Rodovia BR-262, KM 480 – Caixa Postal 160 – Bom Despacho/MG – CEP 35600-000 /
31.98833.2791
januacelimurta@faculdadealis.com.br

3.Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).


Rua Travessa das Dores, 100, Bomfim – São Gonçalo do Pará/MG – 37.99828.9450
vilsonroots@hotmail.com

RESUMO

O artigo visa explicitar o insuficiente registro de qualquer espécie junto aos órgãos públicos, assim
como os meios e incentivos que garantam a perpetuação do bem cultural em questão, além de
dissertar acerca das possíveis ações de salvaguarda do patrimônio imaterial relacionado à cultura
negra de Bom Despacho, como mapeamento, inventário e documentação de tal expressão. Quanto à
língua da Tabatinga, este é um patrimônio cultural ainda desconhecido, já que o Brasil é visto como
monolíngue. Apoia-se tal pesquisa no “Decreto nº 7.387, de 9 de dezembro de 2010, que instituiu o
Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL)”. Tal insuficiência verifica-se por meio do
levantamento de dados com propósito para Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que se
desdobrou no presente artigo. Os dados pesquisados revelam a precariedade dos registros da cultura
negra em Bom Despacho, sendo os poucos registros encontrados insuficientes e superficiais pra
apreender e representar todo o valor simbólico e a complexidade desta cultura. A salvaguarda do bem
cultural só é efetiva se contar com participação dos envolvidos, concedendo a este respaldo e bases
para subsistir como prática ou referência.

Palavras-chave: Patrimônio Imaterial; Cultura negra; Bom Despacho; Tabatinga.


Introdução

Os bens culturais de natureza imaterial são as práticas e domínios da vida social,


manifestados de diversas formas desde que abriguem práticas culturais coletivas,
compartilhadas entre as gerações - difere-se do patrimônio material devido à sua natureza
concreta. Visto que a relação material e imaterial se dá de forma circular, entende-se a
necessidade de materialidade para que as manifestações culturais populares aconteçam e
as representem em seus valores tangíveis e intangíveis.
O município de Bom Despacho, localizado no centro-oeste de Minas Gerais, contava com
população de 45% negros e pardos. Apesar de ser conhecimento que os negros no Brasil
são de descendência africana, em Bom Despacho essa representação é massiva, ligando-
se ainda à sua formação quilombola inicial. Explícito também na existência de um quilombo
urbano denominado Carrapatos da Tabatinga localizado no bairro Ana Rosa, local antes
denominado Tabatinga, perante os órgãos públicos Tabatinga é legalmente reconhecida
como rua e o bairro não tem o mesmo reconhecimento em seu sentido originário – Tabatinga
– pois, é reconhecido como Ana Rosa, fazendo referência à indústria granjeira localizada
nas proximidades do bairro. Em função disso nota-se a desapropriação do valor imaterial da
comunidade e o enfraquecimento da cultura negra, pois, não se trata apenas de um bairro,
mas é sinônimo de resistência cultural por ainda abrigar manifestações tradicionais.
Este trabalho, com foco na cultura negra de Bom Despacho, e por meio do levantamento de
dados e registros junto aos órgãos públicos do município, pretende explicitar o cenário em
que a cultura negra do município se encontra e buscar referências sobre a cultura imaterial e
leis de preservação e propagação da mesma para que seja possível traçar as
potencialidades e entraves acerca da preservação do patrimônio imaterial dos negros em
Bom Despacho. Para isso este trabalho se estrutura em 5 capítulos: no primeiro será tratado
o município de Bom Despacho, sua contextualização e formação histórica, embasado em
documentos que relatam a primeira existência dos negros nestas terras; no segundo será
tratado a Comunidade Quilombola, sua formação e relevância para a preservação da cultura
negra; no terceiro capítulo será tratado como surgiu o quilombo urbano Carrapatos da
Tabatinga; o quarto capítulo trata-se do dialeto afro descendente denominado Gira da
Tabatinga e as ações para salvaguardá-la; no quinto será elencada as possíveis ações que,
de acordo com as leis de salvaguarda e de incentivo, podem fortalecer a cultura negra e o
bem imaterial; no ultimo será tecido as considerações finais ressaltando a importância da
preservação deste bem imaterial acerca de documentos, registros e levantamentos junto
aos órgãos públicos do município.

8º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO


Belo Horizonte, de 22 a 24 de junho de 2016
A CULTURA NEGRA

Bom Despacho

O município de Bom Despacho está localizado no Centro Oeste mineiro, entre as cidades de
Nova Serrana e Luz, e a 141 km da capital Belo Horizonte. Com aproximadamente 1.212,7
km², no ano de 2010 contava com população de 45.624 mil habitantes (IBGE). Destes, 45%
negros e pardos. Segundo Rodrigues (1967), a história do município é ligada a de Pitangui –
localizado a 72,2 km de Bom Despacho -, que foi uma das primeiras vilas do ouro, a qual
pertenceu até o ano de 1880. Por meio da abertura de novos caminhos, chamada Picada
Pitangui-Piraquara-Paracatu, que cortou o atual município e quando as minas de Pitangui já
quase não forneciam mais ouro, todos que viviam diretamente e indiretamente da
garimpagem puseram-se no campo para exercer novas atividades econômicas, como as
agropecuárias e atividades agrícolas, ganhando concessões das terras que até então não
eram exploradas.

Exterminados os quilombos pela gente dita civilizada, vão sendo distribuídas


as sesmarias, povoam-se os campos, as vertentes, as colinas; formam-se
as primeiras fazendas de criar e, em compáscuos, vagueia o gado na
vastidão das pastagens naturais. (RODRIGUES, 1967, p.30).

As concessões de terras foram dadas por meio do documento Título de Concessão de


Sesmarias (1763), na qual relata a primeira referência da presença dos negros no município,
referenciados de “feras e negros do mato”.

Em dois de maio de 1758, [...] perferirão 14 armas de fogo, cavalos de carga


pa. Comerem e cortarão o Rio Lambary tê o Rio São Francisco a desflorar
terras e campos para criar gado[...] estando este pedaço de sertão tê ali
poboado de feras e negros do Mato [...]. (RODRIGUES, 1967, p.36).

Ainda, segundo Rodrigues, registram os documentos que:

No território compreendido pelos Rios Lambari e São Francisco, eram


numerosos os núcleos tribais de escravos fugidos. Em Pitangui
organizavam-se expedições com o objetivo de combater os mocambeiros da
região[...] exterminando os quilombos das áreas enquistadas, ali lançam
posses, alcançam sesmarias e estabelecem fazendas” (RODRIGUES, 1967,
p.28).

No entanto, o autor verifica por meio do Livro do Tombo da Paróquia Nossa Senhora do
Bom Despacho escrito pelo Padre Nicolau Ângelo Del Duca (1886), que o povoamento teve
início com a chegada de quatro portugueses em aproximadamente 1775. A divergência de
informações sobre os primeiros habitantes de Bom Despacho retrata a ausência de fonte
confiável sobre o verdadeiro fato histórico, o que pode vir a construir no corpo social do
município uma compreensão que beira a ficção e o místico por se tornar histórias que
deixam dúvidas quanto à sua verificação.

Comunidades Quilombolas

De acordo com o Guia de Cadastramento de Famílias Quilombolas [201-], as comunidades


quilombolas são grupos com identidade cultural própria e se formaram por meio do processo
histórico que tem sua origem nos tempos da escravidão no Brasil. Elas simbolizam a
resistência a diferentes formas de dominação. Essas comunidades mantêm forte ligação
com sua história e trajetória, preservando costumes e cultura trazidos por seus
antepassados. Considera-se quilombola a pessoa que se autodenomina pertencente a esse
grupo. A auto atribuição da identidade quilombola é um processo de reflexão da pessoa que
pertence a um grupo historicamente constituído, e que reivindica sua identidade como
membro desse grupo. É ele o descendente daqueles que construíram, no passado, as
comunidades de quilombos. É importante destacar que as comunidades quilombolas
viveram as transformações próprias da realidade social brasileira e, apesar de passarem por
essas mudanças, elas não abandonaram a referência de seus antepassados. Além de
absorverem novos elementos socioculturais trazidos por essas mudanças, as comunidades
quilombolas preservam suas tradições e identidade histórica, renovando suas práticas sem
abandonar o vínculo com o passado, apresentando-se, dessa maneira, como um grupo
dinâmico. A memória viva da trajetória e experiência de grupo traduz-se, para as
comunidades quilombolas, na referência histórica de práticas culturais reproduzidas. A
identidade dessas comunidades define-se a partir da vivência e do compartilhamento de
valores culturais dentro do grupo. Mesmo não pertencendo efetivamente a este grupo, o
contato, mesmo que indiretamente, fará com que incorpore valores e ao mesmo tempo
compartilhe experiências e valores de outros grupos, assim como aponta Stuart Hall:

A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o


“interior” e o “exterior” - entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de
que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo
tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de
nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares
objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então,
costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura.
Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam,
tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. (HALL, 2006,
p. 11).

8º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO


Belo Horizonte, de 22 a 24 de junho de 2016
Hoje, o uso do termo quilombola diz respeito ao reconhecimento dos direitos desse grupo
social, garantidos pela Constituição Federal brasileira de 1988, pelo Decreto 4887/2003,
pelo Decreto 6040/2007 e pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo
Brasil. Dentre os tratados internacionais de direitos humanos podemos citar o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que obriga o Estado brasileiro e
seus agentes públicos a realizar programas e políticas públicas como forma de garantir
direitos humanos tais como o direito humano à alimentação adequada, o direito humano à
saúde, o direito humano ao trabalho, o direito humano à educação, dentre outros. Para
esses grupos, a terra tem valor histórico, cultural e simbólico. A forma como se
estabeleceram nos territórios reflete sua trajetória histórica. A terra é, dessa forma, a
referência da comunidade, o meio pelo qual as famílias afirmam sua memória e identidade
quilombola. O direito à posse definitiva da terra pelas comunidades quilombolas é garantido
pela Constituição Federal: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhe os títulos respectivos.” (BRASIL, 1988, art. 68).

Além de trazer o termo quilombo para debate, o art. 68 da Constituição garante a


permanência desses grupos nas terras tradicionalmente ocupadas. Garantir o direito à terra
a esses grupos significa garantir a existência das comunidades e de sua cultura, uma vez
que elas têm forte ligação com seu território. A posse do território é coletiva e isso quer dizer
que qualquer título de posse emitido por órgão competente é em nome da comunidade. O
órgão que identifica e registra essas comunidades é o Instituto Cultural Palmares (ICP),
entidade pública vinculada ao Ministério da Cultura, que formula e implanta políticas
públicas. Além disso, tem o objetivo de potencializar a participação da população negra
brasileira no processo de desenvolvimento, a partir de sua história e cultura. Conforme
registros junto a esse instituto estão identificados, oficialmente, mil comunidades
remanescentes dos quilombos no Brasil.

Comunidade Quilombola Carrapatos da Tabatinga

Pela análise dos documentos apresentados no primeiro capítulo, vê-se que os primeiros
habitantes das terras do município foram os escravos, no entanto a formação da Tabatinga
foi por ex-escravos vindos de distintas áreas da região próximas ao município. O nome
Tabatinga foi dado em referência ao barro branco que os habitantes usaram para construir
seus casebres. Em entrevista dada aos pesquisadores Tânia Nakamura e Lúcio E. Júnior
(2010), a moradora do bairro, dona Maria Joaquina da Silva – conhecida popularmente
como Dona Fiota ou Fiotinha -, conta como surgiu a Tabatinga:

Quando rebentô a liberdade, minha mãe saiu lá Engenho do Ribeiro


caçando um lugá. Isso aqui tudo era mato. Na subida havia um barro
branquinho. Ai foi minha mãe que deu o nome de Tabatinga. Toda vida foi
Tabatinga. Desde o tempo da escravidão. Só agora é que o nome mudou
pra Ana Rosa. Quero tirar esse nome de Ana Rosa. (IBASE, 2010, p.20).

Para além da citação acima, que aqui colocado como propósito de verificação do surgimento
da Tabatinga, é importante que ressalte ao mesmo tempo a indignação de D. Fiota quanto
ao nome dado ao referido bairro. Entende-se aqui que essa indignação seja ao mesmo
tempo sinônimo de não reconhecimento de D. Fiota com o nome Ana Rosa, ou uma forma
de silenciar sua história. Sgoti e Peruzzo, em uma artigo publicado na Intercom em 2015,
relatam esse fato e fazem uma crítica não menos dura e pertinente a esse acontecimento.

A comunidade ficou muito entristecida com a decisão, que foi aprovada na


Câmara de Vereadores. Assim se desfez a identidade do nome da
localidade Tabatinga, tão forte em sua origem e identidade dos moradores
com o “pé preto no barro branco”. O poder público não levou em
consideração a importância do nome para a comunidade, é a própria
identidade da comunidade negada s substituída por um referencial
econômico. Assim poderiam ficar livres da conotação pejorativa que tomou o
termo “Tabatinga”, ou seja, que se viram livres de sua própria história?
Numa breve reflexão: será que um rico herdeiro de um milionário poderia
entregar a outrem todos os seus bens, fazer voto de pobreza, mas não
ficaria livre de sua história? Podemos perder todos os nossos bens, trocar
de nome ou identidade, mas mesmo assim não deixamos de ter uma
história, ainda que negada ou silenciada. (SGOTI, PERUZZO, 2015, pag 9).

Sebastiana Geralda Ribeiro da Silva (Dona Tiana), mentora de programas no bairro, e sua
filha Sandra Andrade, presidente da Associação Quilombola Carrapatos da Tabatinga, em
entrevista ao IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, 2010) contam
como vieram para a comunidade:

Na época, por volta de 1890, houve uma discussão no então quilombo


Carrapato. Homens, mulheres e crianças foram colocadas em um buraco e
fechados com uma tampa. Mas houve sobreviventes, os negros saíram do
buraco, como carrapatos. Uns permaneceram no local e outros buscaram
reconstruir a vida em outros lugares. (IBASE, 2010, p.8).

8º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO


Belo Horizonte, de 22 a 24 de junho de 2016
Este acontecimento provocou uma diáspora que espalhou os “carrapatos” pela região, como
indica Sandra: “uns ficaram e outros saíram... E minha tia ficou lá em Bom Sucesso, meu
avô rodou, rodou e parou lá em Contagem, minha mãe ficou aqui em Bom Despacho. Aqui
não tinha nada, só mato”, (2010). Quando chegaram à Tabatinga encontraram outros
moradores e, ali, conviveram as duas etnias.

Além da comunidade Quilombola1 Carrapatos da Tabatinga que foi certificada como tal pela
Fundação Palmares em 2005, a área com o passar dos anos foi ocupada por outros
moradores modificando sua característica inicial. A expansão causou, em 2004, a mudança
do nome do local para Bairro Ana Rosa (IBASE, 2010). Ana Rosa é o nome de uma indústria
granjeira localizada nas proximidades do bairro. Por ser um bairro periférico e de formação
afro-descendente, o bairro sofre grande preconceito do restante da cidade, ganhando
significações e estereótipos que estigmatiza o local como lugar de criminalidade. Apesar do
cenário problemático, o bairro abriga ainda manifestações culturais remanescentes,
passadas de geração para geração como o Congado, a Gira da Tabatinga, a Capoeira e a
Umbanda.

A Gira da Tabatinga

Além de o bairro ser considerado marginalizado, local de criminalidade, ora se tentam


justificar por fatos ocorridos, ao enxergar dessa maneira, não seria toda sociedade uma
sociedade criminosa? O que se verifica, no entanto esse título cai sobre a tabatinga e seus
habitantes e este valor propagado no município cujo se estigmatiza pela etnia e linguagem,
dão contornos de discriminação e resignificação da identidade quilombola no município.

Este traço pode se evidenciar nas entrevistas, quando se pôde observar em


alguns dos habitantes uma grande preocupação com a imagem que deles
faz o resto da cidade. Alegando que ali se trabalha como em qualquer outro
lugar, consideram totalmente injusta a fama de antro de malandragem que
acompanha a história da rua. (Queiroz, 1998, pag 58).

A Gira da Tabatinga ou “Língua do Negro da Costa” é de grande representatividade cultural


do local, pois é um dialeto que teve sua origem na própria região de Bom Despacho, pelos
escravos que viam a necessidade de se comunicar livremente, sendo a língua uma mistura
do português regional com línguas africanas (Queiroz, 1998). Ainda de acordo com a autora,

1
Quilombola: escravo fugido.
em entrevistas com moradores do local, a língua era tida como sinônimo de marginalidade e
seus falantes, consequentemente, sofriam repressão policial fazendo com que o número de
falantes reduzisse com o passar dos anos. Em 2007 foi publicado, pela Fundação
Guimarães Rosa por meio do projeto “Afro-Brasileiro: (Re) Criando Nossas Raízes”, um total
de 12 volumes denominados “Contando Saberes – Histórias da Dona Fiota” que consistia no
resgate da oralidade desse dialeto. No entanto, de acordo com o levantamento realizado por
este trabalho, este é o único documento que trata de maneira específica a língua. Tal
registro encontra-se disponível para consulta na Biblioteca Municipal de Bom Despacho. Na
cartilha publicada IBASE (2010), consta que aproveitando a lei sancionada em 2003 que
torna obrigatório o ensino de História e Culturas afro-descentes nas escolas de ensino
fundamental e médio, a comunidade conseguiu a promessa de que a Secretaria Municipal
de Educação remuneraria uma professora da Gíra Tabatinga.

A questão era: quem daria aulas? Os moradores não duvidaram: dona Fiota.
Afinal, ela era o Aurélio, o Antonio Houassis daquela língua quilombola.
Acontece que após um mês de trabalho, quando foi receber, o funcionário
lhe disse:- “Ah, a professora é a senhora? Então, não vou pagar. Como
justifico o pagamento a uma professora que é analfabeta?” Dona Fiota deu
uma resposta de bate-ponto, que só os sábios podem dar: “Eu não tenho a
letra. Eu tenho a palavra. (IBASE, 2010, pag 21).

De acordo com o Decreto nº 7.387, de 9 de dezembro de 2010:

Fica instituído o Inventário Nacional da Diversidade Linguística, sob gestão


do Ministério da Cultura, como instrumento de identificação, documentação,
reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à
identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira. (IPHAN, 2010).

De acordo com o IPHAN (2010), esse decreto permitiu a constituição de uma política
específica para a salvaguarda da diversidade linguística brasileira, coerente com a natureza
transversal das línguas que participam de várias dimensões da vida social. Para uma língua
ser incluída no INDL é preciso demonstrar o seu papel como elemento de referência para a
identidade, à ação e à memória; ser considerada uma referência cultural para seus falantes;
e estar inserida nas dinâmicas socioculturais das comunidades articuladora de sentidos de
pertencimento e significação do mundo. Como já mostrado anteriormente, a Língua do
Negro da Costa, se encaixa nos parâmetros do INDL, como referência cultural para a
cidade. Além disso, o inventario seria um meio para salvaguardar esse patrimônio. “As
línguas inventariadas farão jus a ações de valorização e promoção por parte do poder
público”. (BRASIL, Decreto nº 7.387, 2010).

8º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO


Belo Horizonte, de 22 a 24 de junho de 2016
Reconhecimento e Valorização

De acordo com o IPHAN os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas
práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer;
celebrações. A Constituição Federal amplia a noção de patrimônio cultural reconhecendo a
existência de bens culturais imateriais. “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à nação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.” (BRASIL, 1988, art.216). Ainda para o IPHAN:

O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente


recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua
interação com a natureza e com a de sua história, gerando um sentimento
de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à
diversidade cultural e à criatividade humana. (IPHAN, 201-).

O levantamento de documentos e registros sobre a cultura negra em Bom Despacho junto


aos órgãos públicos do município, apesar de terem sido pouco os materiais encontrados,
houve dificuldade na busca de modo que, os próprios agentes públicos mal tinham o
conhecimento da possível existência dos arquivos mesmo que incipientes. Os registros
encontrados referem-se a recortes de reportagens de jornais locais disponibilizados pela
Biblioteca Municipal de Bom Despacho, ainda há uma coleção de cartilhas com 12 volumes
publicados no ano de 2007 e exemplares do livro “Pé Preto no Barro Branco” (Sônia
Queiroz, 1998). As cartilhas e o livro têm como foco central a língua da Tabatinga. Dos livros
que relatam a história do município, apenas um “História de Bom Despacho: origens e
formação” (Laércio Rodrigues, 1967) trata de forma breve a formação da cidade por meio de
quilombos. Os dados pesquisados revelam a precariedade dos registros da cultura negra
em Bom Despacho, principalmente junto á Secretaria de Cultura e Turismo local. Os poucos
registros encontrados não são suficientes para apreender e representar todo o valor
simbólico, e nem a complexidade desta cultura, sobretudo com registros ineficientes e rasos.
A salvaguarda efetiva do bem cultural só é efetiva se contar com participação dos
envolvidos, concedendo a esta respaldo e bases para subsistir como prática ou referência.

Os instrumentos para salvaguarda dos bens culturais de natureza imaterial


foram constituídos e aplicados levando em consideração a natureza
processual e dinâmica dos bens culturais denominados imateriais. Esta
dinâmica demanda procedimentos adequados ao reconhecimento e à
salvaguarda desses bens, de modo a viabilizar a construção de um
patrimônio cultural brasileiro, integrado e integrador da diversidade que nos
identifica e constitui como nação. (IPHAN, 201-).

No portal do IPAHN, encontra-se o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI),


instituído pelo Decreto n° 3.551, de 4 de agosto de 2000, que viabiliza projetos de
identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção imaterial do Patrimônio Cultural
Brasileiro. Os editais são do ano de 2005 à 2015. Entre eles nota-se especificidades como:
mapeamento, documentação, diversidade linguistica e mapeamento documental já
elencadas do título dos projetos. De acordo com as diretrizes da política de apoio e fomento
do PNPI estão previstas a promoção da inclusão social e a melhoria das condições de vida
de produtores e detentores do patrimônio cultural imaterial, e medidas de ampliem a
participação dos grupos que produzem transmitem e atualizam manifestações culturais de
natureza imaterial nos projetos de preservação desse patrimônio.

Considerações Finais

Apesar da expressiva cultura quilombola em Bom Despacho, há uma precariedade em


relação a programas de incentivo, sobretudo à educação patrimonial, com riscos como o
desaparecimento e o não reconhecimento da cultura negra. Referência para a formação da
sociedade bondespachense, como bem imaterial, este deve ser recriado constantemente
pelas comunidades e grupos, corroborando para um sentimento de identidade e
continuidade, promovendo, além da salvaguarda do bem, o respeito à diversidade cultural.
O retrocesso e pouca visibilidade da citada cultura pode estar associada à ausência de
divulgação/informação, assim como de meios para sua continuidade. Para tal, são
necessários que exista incentivos, assim como registros, documentação e levantamentos.
De fato as leis de preservação do patrimônio material e imaterial conseguem abarcar as
necessidades de uma cultura para que seja conservada, e, sobretudo promovida. No
entanto, a precariedade que aponta este trabalho - quanto aos equipamentos, registros,
informações, políticas públicas, educacionais e sociais voltadas à cultura negra em Bom
Despacho -, relata a falta de compreensão dos órgãos públicos da cidade sob as leis ou a
falta de interesse, em que o mesmo poder ser entendido como consequência da
precariedade destes meios de compartilhamento no corpo social da cidade.

8º FÓRUM MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO


Belo Horizonte, de 22 a 24 de junho de 2016
Referências

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso


em maio de 2016.

Decretos - Portal da Legislação - Presidência da República . Disponível em: <


http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/decretos1#content>. Acesso em maio de
2016.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós Modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da


Silva, Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro, DP&A EDITORA, 2006.

IBASE, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. Caracterização da


Comunidade Quilombola Carrapatos da Tabatinga. Rio de Janeiro, 2010.

IPHAN. Patrimônio Imaterial. 2014. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234. Acesso em: abr/2016.

______. Patrimônio Imaterial. 2014. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/865. Acesso em: maio/2016.

PEZZURO, Cicília Krohilng, SGOTI, Silmara de Mattos. A Comunicação Comunitária no


Quilombo Urbano dos Carrapatos da Tabatinga. Rio de Janeiro: Intercom – XXXVVVIII
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2015. Disponível em: <
http://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/lista_area_DT7-CC.htm>. Acesso em maio
de 2016.

QUEIROZ, Sônia. Pé Preto no Barro Branco- A língua dos Negros na Tabatinga. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

RODRIGUES, Laércio. Bom Despacho – Origem e Formação. Minas Gerais: Prefeitura


Municipal de Bom Despacho, 1967.

Potrebbero piacerti anche