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Nicola, Uba!do
Parece mas não é : 60 experiências filosóficas
para aprender a duvidar I Ubaldo Nicola ;
PRRECE MRS NRO E
{tradtição Maria Margherita De Luca), -- São Paulo :
Globo. 2007. 60 experiências filosóficas
Título original: Sembra ma non ê : 60
esperienze filosofichc per imparara a dubltare para aprender a duvidar
ISBN 978-85-250-4331-3
07·3969 CDD-121.63
• d
fü É sim, caro leitor, se bem que - admito - um estranho livro de filosofia. Os ternas não obedecem
a qualquer cronologia, nenhum nome de filósofo é citado e também não se usam palavras difíceis.
Fala-se de coisas muito pouco filosóficas, ou mesmo fúteis, segundo o entendimento comum, dos
buracos do queijo ao modo corno alguém cruza os dedos. Quem estiver buscando "verdades'', ou seja,
soluções, teorias ou sistemas de pensamento, ficará desapontado. Falta até, embora só aparentemente,
um desenrolar coerente: os ternas parecem mudar a cada página, pulando, corno se diz, de pato para
ganso. Tudo sornado, é bem provável que algum filósofo acadêmico considere este livro inconvenien-
te ou pueril.
[;J. De fato, este livro não se destina a filósofos acadêmicos, mas a ingênuos, ou seja, a todo ser humano,
de qualquer idade, sem estudos especializados, já que não se pode viver sem filosofar, isto é, buscar
respostas para certos problemas. Palavras corno eu, você, os outros, realidade, percepção, inteligên-
cia, mente, espírito, corpo etc. - seja como for - devem adquirir um significado, caso se queira
viver. Por isso todos somos filósofos, ainda que esse fato não invalide a diferença que há entre urna
suposição ingênua e uma convicção meditada.
L! A didática escolar tradicional nos mostra que raramente as convicções filosóficas ingênuas são, não
digo modificadas, mas sequer estudadas nos cursos tradicionais de história da filosofia. Esta verdade
pode ser comprovada: as respostas a perguntas do tipo "Você acha que a percepção visual oferece
uma imagem objetiva da realidade, como um espelho ou máquina fotográfica?" quase nunca sofrem
modificações profundas desde os testes de admissão aos exames de conclusão dos cursos. Parece que
raramente se estabelece uma ligação entre as doutrinas filosóficas que os alunos vão assimilando, a
vida e as convicções pessoais.
i:D Com certeza, as causas desse distanciamento não se devem à má qualidade dos professores. O pro-
blema é que as convicções espontâneas não são menos profundas só por serem ingênuas. Ao contrá-
rio: são bem articuladas no plano lógico e compõem verdadeiros modelos complexos, que reprodu-
zem certas passagens da tradição filosófica. Porém, se certamente não são verdadeiras, se mostram
muito verossímeis no plano psicológico, capazes de fornecer urna grande quantidade de provas de
sustentação. Essas convicções estão ligadas principalmente à vida e integram a visão de mundo das
pessoas. Demoli-las significa, portanto, colocá-las em discussão e submeter as bases da própria per-
sonalidade a urna revisão crítica, o que é algo obviamente difícil para qualquer um, independente-
mente do bom senso das opiniões falsificadas.
5
i'
INTRODUÇÃO INT!<-ODUÇÃO
•
f~ Nunca é fácil mudar de opinião: é algo que se faz aos poucos. Não basta que alguém simplesmente !:'.::.: Daí resulta um livro de muitas maneiras interativo, inclusive do ponto de vista das diversas possibi-
se exponha a uma teoria mais avançada para assumi-la como sua; é preciso chegar a ela, consideran- lidades de leitura. Que o leitor decida se quer lê-lo do modo tradicional, da primeira página até a
do-a como a conclusão de um percurso pessoal seu. Este, já dizia Aristóteles, é o princípio basilar de última, acompanhando a seqüência de ternas que estruturam os seis capítulos, ou então explorá-lo.
toda arte retórica: para que uma argumentação (não apenas filosófica) seja v~rdadeiramente convin- De fato, cada ficha dispensa a leitura das anteriores e pode ser o ponto de partida para um percurso
cente, ela deve partir não da convicção do orador, mas da do interlocutor. Ou melhor, antes ainda, personalizado de leitura. Meu conselho é que se folheie o livro, deixando-se levar livremente pela
deve ajudar o interlocutor a explicitar as próprias convicções, expressar e tornar consciente aquilo curiosidade em relação a alguma imagem ou questão, e começar daí.
que até então era dado como óbvio. É isso que este livro tenta fazer no início de cada capítulo: um
·diálogo imaginário entre Sócrates e Joãozinho. Li:~ Em resumo, este livro não vê o leitor como um vaso vazio a ser preenchido por alguma doutrina, mas
como um recipiente já cheio de idéias filosóficas, passíveis de serem melhoradas. O foco não está na
lli1 Este livro não oferece soluções, limita-se a indicar a existência de problemas. O que não é pouco: no verdade, mas na opinião comum, na crença, no erro. A abordagem é sistematicamente demolidora,
campo filosófico, aliás, é quase tudo. De fato, a conseqüência das convicções ingênuas não está tanto escassamente construtiva e propositiva. As perguntas são muitas, mas pouquíssimas as respostas.
em oferecer soluções erradas mas em negar a própria existência dos problemas. O que é a realidade? Cabe ao leitor a responsabilidade de dar suas respostas, seja mantendo as convicções anteriores, seja
É o conjunto das coisas! Mas o que é uma coisa? É aquilo que eu vejo quando olho! E como se con- iniciando um percurso de reflexão. Guardadas as devidas proporções com o grande filósofo, o autor
segue identificá-la? Lembrando-me de tê-la visto outras vezes! Mas o que é a memória? É o arquivo gostaria que este fosse um livro sem dúvida socrático.
da mente, com muitas belas fotografias, mais ou menos desbotadas, das coisas que já vi no passado.
O efeito tranqüilizador dessas construções mentais ilógicas é evidente: o problema, simplesmente,
não existe. Eu me daria por satisfeito se ao final da leitura o comentário do leitor fosse um descon-
solado 11 mas aqui reina uma grande confusão! 11 Nesse caso, na verdade tudo estaria excelente: a
filosofia, aquela séria, difícil e tradicional, poderia então se apresentar, finalmente percebida por
ouvidos predispostos à dúvida.
['fJ As convicções ingênuas são muitas vezes ilógicas, embora esse pequeno defeito não seja suficiente
para mudá-las. Quem examinar todos os ângulos da realidade descrita acima (a realidade é o conjunto
das coisas e estas são parte da realidade), pouco ligará para a inconcludência ou mesmo irracionalida-
de de seu pensamento. Convivemos todos com absurdos bem mais perturbadores. E, na verdade, só
um racionalista dogmático (um tipo de filósofo há muito extinto) poderia cultivar a esperança de que
as pessoas mudem de idéia apenas por reconhecerem sua ilogicidade. Os dois últimos capítulos
demonstram que muitas vezes não usamos a lógica nem mesmo para resolver problemas lógicos (e esta
talvez seja a única verdade que este livro pretende defender).
tzl Justamente por nascerem da experiência e servirem para justificá-la, as convicções ingênuas não
podem ser desmentidas por argumentos teóricos, mas apenas por outras experiências. Por isso as
fichas que compõem cada capítulo apresentam uma série de exercícios práticos: só o choque provo-
cado pela constatação dos próprios erros consegue ser, se não convincente, ao menos envolvente. A
natureza dessas experiências é bastante peculiar: vai da observação de ilusões óticas a considerações
sobre alguns filmes de grande sucesso, da análise de ditos espirituosos ao comentário de artigos de
jornais, das clássicas questões de quebra-cabeças à reflexão sobre experimentos de psicologia.
~l Sem dúvida, a relação entre prática e filosofia não é nada fácil, principalmente nessa perspectiva
invertida na qual a realidade não comparece a título de exemplo ou de confirmação de urna teoria Nota para o leitor:
preestabelecida, mas serve de ponto de partida para a problematização do mundo. O fato é que cada As experiências apresentam uma série de exercícios práticos, problemas lógicos, testes e questões de
experiência contém em potencial uma infinidade de reflexões filosóficas, visto que a complexidade natureza diversa. Tente resolver as questões com cuidado, mas não as considere importantes em si, pois
do real pode suscitar abordagens e considerações muito diferentes umas das outras. Por isso o texto servem apenas como motivo para uma reflexão filosófica. Por outro lado, você com razão ficará curio-
que comenta cada ficha deve ser considerado apenas um começo, a indicação de algumas idéias so em conhecer as soluções corretas. Os problemas identificados simplesmente pelo título em azul são
problemáticas entre tantas, que caberá ao leitor escolher e aprofündar, contando ainda com a ajuda da comentados e resolvidos na página ao lado; quando, antes do título, houver um S é porque a resposta
referência bibliográfica que há na conclusão de cada ficha. correspondente estará no final do livro, nas Soluções.
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• ÍNDICE
•
As idéias ingênuas
28. O que é uma coisa? · O conceito como definição
Introdução 29. O protótipo de Trund Conceito como protótipo
30. A galinha? É uma ave pouco típica Protótipos e tipicidade
Percepção 31. O contexto muda o conteúdo Informação e diferença
32. É o contraste que faz as coisas Figura e fundo
As idéias ingênuas
33. A arte de esconder Ruído e mensagem
1. Feche os olhos e veja estrelas A realidade do escuro 34. O homem é semelhante a uma ave A idéia de semelhança
2. Não vejo que não vejo! Fisiologia e percepção 35. Somos do mesmo signo! A idéia de causa
3. O olho explorador Movimentos oculares e percepção 36. Como Deus, você dá ordem ao caos A idéia de acaso
4. O olho somos nós De onde se vê? A hipótese do Homúnculo 37. Passado, presente, futuro A idéia de tempo
5. O que nos diz o queijo Emmenthal O todo, as partes, os buracos 38. O triângulo fantasma A idéia de realidade
6. Como se formam as formas Leis da percepção 39. Em que mundo vive um morcego? Realidade e sistemas perceptivos
7. O rosto é uma ótima forma Reconhecimento de rostos 40. O ponto de vista Objetivo, subjetivo, universal
8. O verde é uma vaca gorda Sinestesias Reflexões
9. E se fossem instlumentos científicos? Ilusões de óptica
Reflexões
lógica e ilusões cognitivas
As idéias ingénuas
Definição de !lefi11ição
Imagem extraída do livro de Bruno Munari A arte como of(cío, Bari, Laterza, 1997 Definição. A Identificação entre dois objetos ou conceitos tem o objetivo de caracterizar o primeiro nos
termos do segundo. [ ... ] O objetivo da definição é o de reduzir ao mínimo o recurso à intuição na com-
Que definição do termo cadeira deveria ser inserida no programa de um robô, de modo a permitir preensão das palavras, explicando seu significado por meio de outros termos cujo entendimento esteja
previamente garantido. Como esse processo de explicação de significados tem seus limites, cada passo
à sua inteligência artificial reconhecer os objetos desta página?
da definição deve pressupor a existência de termos não-categóricos cuja facilidade de compreensão é
Você poderia usar a seguinte definição de cadeira do Dicionário Garzanti: Móvel sobre o qual se
presumida por princípio.
senta, constituído por um plano horizontal af;o.iado sobre quatro pernas e por um espaldar? Enciclopédia Garzanti da Filosofia, Milão, 1981
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__,______ COISAS E REALIDADE
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""""'======================================
.W ~""
mular definições de conceitos (não-mate-
Cinco Trund Trund e não-Tnmd e &,,. máticos), ou seja, como é difícil explicar
de modo unívoco e cabal o significado de
~COMO
~ ·Mb COq
uma palavra. E, no entanto, sabemos usar as
palavras, entender o seu significado e comu-
nicá-lo (mas não a um alienígena).
~
Então, como se formam os conceitos?
Uma explicação alternativa propõe que o
significado das palavras possa ser explicado
oferecendo-se um modelo significativo, um
Esta experiência simples ilustra como se formam os conceitos. Suponha que você esteja num planeta protótipo ou exemplo melhor, que contenha
desconhecido e que, portanto, ignora o idioma falado lá. O único modo de os extraterrestres explica- as características mais comuns da classe em
rem o que entendem por Trund é mostrando alguns exemplos. Você entendeu o que é um Trund? questão. O conceito de cadeira, por exemplo,
poderia ser resolvido mostrando-se a ima-
gem que está nesta página, uma tentativa de
s representar a imagem mental nzédia comum
Categorias de conceitos desse objeto. Se, para se decidir se algo é uma
cadeira, basta que se verifique sua semelhança bilidade, pois evita a produção de uma definição
TT T
com o protótipo, até um alienígena deveria enten- rígida segundo a qual uma coisa é ou não é, valen-
der, sem contar que o método pode ser melhorado do-se de critérios de semelhança e tipicidade.
mostrando-se contra-exemplos, isto é, objetos que, Apresenta, porém, duas desvantagens. A priineíra
embora semelhantes àquele que queremos indicar, diz respeito aos erros relacionados ao uso do
no entanto não o são. E, separando-se progressiva- critério de tipicidade, a ser discutida na próxima
PARAFUSO PREGO COLA MARTELO CORDA GARFO
mente aquilo que uma coisa é daquilo com que sim- ficha. A segunda leva à conclusão de que a mente
O método de mostrar exemplos positivos e negativos de um conceito (aquilo que é e aquilo que.
plesmente se parece, seria possível explicitar todas humana deveria conter imagens prototípicas (ou
mesmo sendo semelhante, não é) nem sempre funciona facilmente. Cinco destes seis objetos podem
as nuances de significado das palavras. Poderíamos, canônicas) não somente de cada uma das classes
integrar uma mesma classe (ou categoria conceituai). Qual deles deve ser excluído?
por exemplo, esclarecer a diferença entre cadeira e de objetos que constituem o mundo mas também
mobília em geral, ordenando os conceitos em ver- de todas as suas possíveis e infinitas combinações:
dadeiras categorias capazes de exprimir significados não apenas um gato típico, mas também um gato
cada vez mais abstratos. persa ou listrado ou siamês etc, bem como um
O protótipo de mãe (e a mãe verdadeira) Esse método apresenta a vantagem da flexi- gato malvado, um gato de botas, etc.
Dois retratos da mãe feitos por uma menina de 7
anos, a pedido daquela. A menina traçou inicialmente
a representação esquemática de um rosto feminino, Imagens mentais e histórias em quadrinhos
desprovido de qualquer característica que lembrasse Imagens como as das caricaturas e das histórias em'quadrinhos
sua mãe. Depois, quando esta lhe pediu que a dese- conseguem captar, com poucos traços, sem ambigüidades e com
nhasse como a via, a menina fez um retrato detalha- eficácia expressiva, a essência do indivíduo representado. Esse
do. [... ]As crianças começam muito cedo a construir tipo de imagem se parece com a que se forma na nossa mente e
categorias, às vezes diferentemente de como gosta- que a nossa memória conserva como representação dos objetos
riarn os educadores, posto que, ao se referirem a un1 que nos são usuais. A forma canônica de um objeto é aquela que
cachorro, a um gato e a uma vaca, chamando-os 11 au- corresponde ao modo como nós o codificamos com o olho da
au11, nós os corrigimos. [... ]Essa tendência esquemá- mente, isto é, por uma elaboração cognitiva. [ ... ] O desenho em
quadrinhos é o tipo de representação que melhor interpreta a
tica predomina nos desenhos infantis.
forma canônica dos objetos conhecidos por todos nós.
I. Eibl-Eibesfeldt: Etologia humana, Bollati Boringhieri, Torino, 1993 A. Argenton: Arte e cognição, Cortina Editore, Milão, 1996
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COISAS E REALIDADE
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=6""'===~C=O=!S=A=S=E=RE~AL=_=I_=D_A~D=E==----=========~=-=--=-=-=--======== T COISAS E REALIDADE
•••
Para _se produzir uma notícia, ou seja, uma informação, são necessárias ao menos duas entidades (reais
ou imaginárias), de forma que a diferença entre elas expresse sua relação recíproca; e o todo deve ser
....
tal que a notícia da sua diferença seja assim percebida por alguma entidade elaboradora de informações
11 como, por exemplo, um cérebro ou um computador. Existe úm problema profundo e insolúvel a respeito
da natureza daquelas "ao menos duas" coisas que entre si produzem a diferença que se torna informa-
ção, criando uma diferença. É claro que cada uma delas, sozinha, é uma não-entidade, um não-ser para a
mente e a percepção. Não é diferente do ser e não é diferente do não-ser: é algo incognoscível, como o
som do aplauso de uma única mão. A matér1a-pr1ma da sensação, portanto, é um par de valores de uma
variável qualquer, apresentados num certo arco de tempo a um órgão dos sentidos cuja resposta depende
Os dois círculos centrais têm a mesma Os dois segmentos no interior da figura têm da relação entre os dois elementos do par.
dimensão? o mesmo comprimento? G. Bateson: Mente e natureza. Uma unidade necessárfa, Adelphi, Milão, 1984
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_l_
• COISAS E REALIDADE
Imagine que você está numa festa e presta atenção VAMOS PARA A ESCOLA A NÃO, IREMOS COM UM "MÓDULO
Um triângulo morto pelo rnillo às palavras do seu interlocutor: o burburinho dos PÉ TAMBÉM ESTE ANO? qE FREQÜÊNCIA MÓVEL" ...
linguagens política, militar e burocrática estão parti- L___ ldenfifique nove image_~~--------~
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• COISAS E REALIDADE
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••
O esqueleto do homem e o de um pássaro
O pensamento --s
comum não vê
'fl As duas figuras são semelhantes? qualquer pro-
.-==j~~j;· '1·::::::·· Mesmo diferentes, têm algo de semelhante? Seguindo blema na idéia
,_ a hipótese de que duas coisas são semelhantes quando de semelhança:
os elementos de semelhança são mais numerosos que os "Duas coisas são
de diversidade, como se deve julgar essas duas imagens iguais quanto têm
A B
dos esqueletos de um homem e de urna ave? À parte tudo em comum;
o formato da bacia e da parte anterior do crânio, as diferentes quan-
semelhanças são impressionantes, particularmente dos do não têm nada Qual daS~co figuras mais se assemelha ao desenho situado à esquerda?
membros, ainda que chamemos de braços e pernas para 1 a partilhar e
.. o homem e asas e patas para o pássaro. É correto afirmar 1 semelhantes quando os elementos comuns prevale- e teórico que somente acontece quando dois objetos
que um homem é semelhante a um pássaro? 1
cem sobre as diferenças. Uma zebra é objetivamente coincidem num único: se simplesmente ocupassem
·----------·-~J mais semelhante a um cavalo do que a uma mosca, dois lugares distintos no espaço, já se teria urna
que, por sua vez, é mais semelhante a urna abelha 11 • importante diversidade (dois diferentes pontos de
As semelhanças sem dúvida existem, mas o vista,-> 40). A propósito, é célebre a história daquele
Os grafos A problema é: inventamos ou descobrimos as seme- rei oriental que pediu a seus topógrafos que elabo-
A
lhanças? São um dado objetivo da realidade que nos rassem um mapa exato do seu reino, o que acabou
Estas duas figuras são iguais, seme-
limitamos a registrar ou um critério mental com que por destruí-lo, urna vez que a versão final do mapa
lhantes ou diferentes? Se você con-
fazemos classificações arbitrárias? A hipótese realis- cobriu o território inteiro. Em segundo lugar, você
siderar somente a forma, como quer
ta do senso comum possui três pontos de força: 1) o deve notar que o critério pelo qual se instaura ou se
a geometria tradicional, são dife-
campo perceptivo, no qual as relações de semelhan- rejeita a semelhança é sempre dado pelo indivíduo,
rentes; mas, se considerar os nexos
ça parecem se impor com indiscutível evidência; 2) ainda que não seja explicitado. Urna zebra é seme-
de relação entre os pontos, como
o campo científico (geometria, zoologia, botânica), lhante a um cavalo e um homem é diferente de um
propõe o capítulo da geometria
F E G em que o juízo de semelhança é fortemente usado pássaro apenas quando você tacitamente adota a sua
, dedicado aos grafos, são iguais.
L_______~·-·~····
segundo a regra do 11 há ou não há 11 ; 3) a linguagem forma perceptiva como critério de semelhança. Mas,
cotidiana: dizemos que urna comparação é feita ou com outros critérios, você pode descobrir mais e
estabelecida, uma semelhança é captada ou encon~ diversas semelhanças (se assim se pode dizer): com
§emellla11ças de familia trada. Existem, porém, duas objeções fundamentais. base na estrutura do esqueleto, por exemplo, existem
A primeira é que, do ponto de vista lógico, a seme- notáveis e insuspeitas semelhanças entre um homem
lhança total, ou seja, a identidade, é um caso limite e um pássaro.
Critica da semelhança
Em geometria, a semelhança é definida como a propriedade de duas figuras em tudo iguais, exceto no
formato. Como a diferença de formato está longe de ser irrelevante (a diferença entre um crocodilo e uma
lagartixa não é de pouca monta para a vida cotidiana), a decisão de negligenciar o formato não parece algo
absolutamente natural e tem todo o ar de se assentar sobre uma convenção cultural, com base na qual
certos elementos de uma figura são julgados pertinentes e outros são totalmente descartados.
Esse tipo de decisão requer algum adestramento: se peço a um menino de 3 anos para comparar um
modelo escolar de pirâmide à pirâmide de Keops, perguntando se são semelhantes, a resposta mais
Analise as fotografias: as duas mostram o filósofo Bertrand Russel aos 4 e aos 90 anos de idade. A ter-
provável é não. Só depois de ter recebido uma série de instruções, meu ingênuo interlocutor será capaz
ceira é urna foto antiga de um célebre personagem da TV, Fiorello. Considerando em termos objetivos de entender que eu estava procurando determinar uma semelhança geométrica. O único elemento de
a relação de semelhança, o que se pode afinnar sobre as três imagens? Em relação a qualquer parâmetro indiscutível semelhança é dado pelos fenômenos de congruência, em que duas figuras de igual formato
(peso, forma, cor dos cabelos e da pele) quais os semelhantes e quais os que não são? E, no entanto, coincidem em todos os seus pontos.
entre o jovem e o velho Russell existe um parentesco formal, uma fonna de semelhança de família. u. Eco, Tratado de semiótica geral, Bomplani, Milão, 1975
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- - - - - - - - - · ····--··-- ·------·-·~--~~·-·······
1 Coincidências s~rpreendentes
s Somos do mesmo signo! s As datas de Pés e leitura '1
Já lhe terá acontecido diversas vezes nascimento Em uma amostragem de 1
de fazer amigos com o mesmo signo Em uma classe de 23 alunos, crianças com idades entre 3
astrológico. Toda vez parece ser uma constatou-se que dois estu- e 5 anos, constatou-se uma Ú·
feliz coincidência. Será mesmo? Em dantes nasceram no mesmo relação diretamente propor-
um grupo de 4 pessoas, quantas são dia, mês e ano. Que feliz cional entre a capacidade
as probabilidades de que duas sejam coincidência! Mas existem de ler e o comprimento dos
pés. Isto demonstra que o Raciocínio 1. Por que quase todos os ricos do tão forte que parece quase instintiva. A sugestão
do mesmo signo? maiores probabilidades de mundo têm nomes que começam com letras que
tamanho dos pés influencia provocada por coincidências aparentemente sur-
que isso se veriíique ou de vão de A a K? Deve haver uma razão! preendentes é um impulso psicológico capaz de
que não se verifique? a habilidade de leitura?
Raciocínio 2. Hoje é o dia do exame. Preciso superar qualquer critério racional, uma vez que
lembrar de não pisar nas linhas entre os blocos da tendemos a ver uma causa específica por trás de
calçada, caso contrário me sairei mal no exame. cada caso que se afaste um pouco da norma. E não
Estou certo disso, aliás, tenho até prova: a última só isso: falsas crenças, estereótipos, superstições
s "''"'"""" e estatística
Poluição e doenças respiratórias
s Velocidade e acidentes vez que fiz isso me saí bem; no exame anterior eu também se auto-alirnentam. De fato, tendemos a
me esquecera do t1uque, e foi um fracasso. não dar atenção a comportamentos em desacordo
60 Os dois raciocínios têm em comum o uso (desi- com a crença supersticiosa, julgando-os pouco
30+-------- nibido e incorreto em ambos os casos) da idéia de importantes ou causados por particularidades. Mas,
25+------- 50
20
15
-1-------
.&------
40
causa, ou seja, a crença numa relação de conexão
entre duas causas ou dois eventos, de forma que,
toda atitude que confirme a crença será tomada
como prova. Se você conhece um napolitano
30 ocon·endo o primeiro, dele decorre obrigatoriamen- expansivo, entenderá essa característica como mais
10
20 te o segundo. Existem provavelmente razões evolu- uma confirmação da exuberância desse povo. Já
5
o 10 tivas que programaram o ser humano a ver causas um napolitano introvertido lhe parecerá um caso à
~\ 1'-S GO precisas por trás de cada coincidência estranha, a pa1te - a clássica exceção que confirma a regra.
~\\>- ~<ç,G rY,.\c,'r' o explicar qualquer fenômeno recorrendo a causas Mas as causas, verdadeiras ou falsas, existem
v-" V
o 40 80 120 160 200
mais simples e mais ao alcance das mãos. Durante de fato na realidade ou são sempre uma interpre-
Entre as cidades americanas, São Francisco ocupa o O ministro dos transportes propôs aumentar os milhões de anos em que fomos passando do tação nossa dos acontecimentos? A questão é tão
primeiro lugar em mortes por doenças respiratórias. os limites de velocidade em auto-estradas. estado animal ao humano, o simples farfalhar de importante que durante séculos acreditou-se que
O gráfico mostra um verdadeiro pico, que pede uma De fato, segundo a estatística mostrada no uma folha poderia ser o efeito da presença de um somente uma resposta realista a essa pergunta
explicação adequada. gr{úlco, 80% dos acidentes ocorrem com inimigo e apresentava um dilema a ser respondido pudesse justificar o pensamento científico. Em
carros que andam em baixa velocidade. imediatamente: atacar ou fugir. O fato é que a ten- um célebre experimento filosófico, David Hume
dência, de encontrar a causa para cada fenômeno é colocou a questão nos termos abaixo.
O que pode produzir tal hecatombe? Mas é evidente: o quê, se não a poluição?
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llilJI
-~~-·-
COISAS E REALIDADE
+.••••.• ·'./?·?i?
. .·· . . ..... .
+
sem que se possa encontrar qualquer semelhança
entre elas.
Parece tarefa fácil, mas, na verdade, é impossí-
. . .. .. ........
·• ·,·:. :··..... ·. ·•..... ~
. ...
vel. Para qualquer série numérica que a sua fantasia
possa imaginar, existirá sempre uma regra matemá-
. . : .. - ·.· .. :.·. . .
~· tica, talvez muito complexa, capaz de descrever a
Deus deu ordem ao caos. Você também pode fazer o mesmo, procedendo deste modo: numa folha lei que estabelece a série e como ela se desenvolve.
qualquer, faça com lápis um grande número de pontos de modo absolutamente caótico e desenhe E você não conseguirá nunca inventar um conjunto ~h
Desenhe numa folha de papel uma grade com 10
duas cruzes pequenas, uma à direita e outra à esquerda. Depois, faça uma fotocópia dessa folha totalmente desordenado, com nove formas comple-
quadrados em cada lado. Pinte cada quadrado de
numa transparência. Sobreponha as duas folhas de modo a fazê-las coincidir perfeitamente, usando tamente diferentes umas das outras. amarelo ou verde, escolhendo a cor no lance de
como referência as duas cruzinhas. Por fim, gire a transparência: aparecerá uma ordem, um anda- Logo, a desordem não existe? Quando sua mãe uma moeda. O mosaico resultará totalmente casual,
mento concêntrico, como um vórtice cósmico. o repreende por deixar o quarto desarrumado, mas o estranho é que não parecerá tanto assim. As
você pode responder que ele não está absoluta- associações casuais nunca aparecem como tais.
mente em desordem, mas apenas numa ordem
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• - - - · - COISAS E REALIDADE~ COISAS E REALIDADE
Desenhe a experiência pessoal de tempo e compare-a com maneira rápida e fácil? Quem será capaz de captar a
D€ QVARENTA ANOS€ JÁ
T€NHO ALGUMAS COISAS
DE UM VELHO DE TRINTA
estes exemples noção com o pensamento, a ponto de poder oferecer E NOVE.
a definição exata dela?'' Assim se questionava Santo
Agostinho cerca de quinze séculos atrás, e ainda
hoje a sua resposta talvez continue sendo a única
possível: "Se ninguém me perguntar, eu sei. Se eu
Futuro quiser explicar a quem me pergunta, não sei".
Passado Presente Convém, entretanto, acompanhar estas refle-
1 xões, um dos trechos mais famosos das suas
A representação mais comum do tempo vale-se As três dimensões do tempo são representadas Confissões e de toda a filosofia: "E, no entanto,
da analogia com o espaço. O passado é muito por estruturas diferentes. O passado é um qua- em nossas conversas, que palavra é mais recorren-
regular e parece quase vazio; o presente é feito drado negro, compacto e completo, que projeta te que tempo? Quando falamos dele, compreende- - , isso vale somente para o tempo subjetivo, priva-
de formas amplas e articuladas, que se tornam raios de energia sobre o presente e sobre o mos bem a palavra, assim como quando ouvimos do e individual, não certamente para o tempo verda-
pequenas e vagas no futuro. A vida no seu con- futuro. Por sua vez, o presente é complexo: não o que outros dizem dele. Então, o que é o tempo? deiro, aquele objetivo que passa independentemente
junto é representada como um fluxo contínuo, é um simples resultado do passado: tem forma Afirmo seguramente saber que, se nada se pas- de mim e de todos, e que é medido pelos relógios.
quase uma vibração do tempo. Prevalece a con- e liberdade próprias. O futuro é ainda menos sasse, não haveria o passado; se nada acontecesse, A coisa não é tão simples, porém. Tanto que sobre
tinuidade: o presente não é qualitativamente determinado. não haveria o futuro; se nada fosse, não haveria a existência e eventual natureza desse ten1po objetivo
diferente do passado. o presente. Mas como podem existir esses dois discute-se há centenas de anos. Antes de mais nada,
tempos, o passado e o futuro, se o passado já não considere a possibilidade de medir o tempo objetivo.
é e o futuro não é ainda? É verdade: um ano corresponde a um movimento
Um fato é claro: nem o passado nem o futuro inteiro da 1'erra em tomo do Sol, assim como o dia
existem. É inexato dizer que os tempos são três: à dupla rotação dos ponteiros de um relógio. Mas
passado, presente e futuro. Talvez fosse mais surge então uma questão: é o tempo que mede o
exato dizer que os tempos são: o presente dopas- movimento do Sol ou é o movimento do Sol que
sado, o presente do presente, o presente do futuro. mede o tempo? Parece um jogo de palavras, mas
PASSADO PRESENTE FUTURO
Essas três espécies de tempo, de algum modo, a questão é séria, uma vez que todas as definições
O presente tem uma dimensão puntiforme, acha- Aqui, somente o presente e o futuro estão existem no espírito, e não vejo onde mais". e medições do tempo, científica e objetivamente,
tada; é quase inteiramente absorvido pelo que não representados. O futuro é conseqüência do Parece que realmente podemos nos perder nessas limitam-se sempre a ser medições do movimento de
é mais e pelo que ainda não é. É uma efêmera presente, e a vida em seu conjunto é fortemente circunvoluções, a ponto de justificar o paradoxo objetos. Mas quem nos garante que o movimento
sobreposição de duas parábolas: a fechada, do orientada para uma meta. Existe um ponto de inicial: "o tempo é aquela coisa que todos conhecem dos objetos com os quais medimos o tempo aconteça
passado, e a aberta e expansível, do futuro. chegada do tempo: o futuro também terá fim. mas ninguém sabe explicar''. Mas - você objetará em períodos de tempo regulares?
O que é um segundo
Desde 1967 se convencionou que o segundo é a duração de 9.192.631.770 períodos de radiação do
átomo de césio ... Um número altíssimo, que permite medir com extraordinárias precisão e constância o
curso do tempo. Damos como certo que todos os períodos tenham idêntica duração. Se assim não fosse
- e se a irregularidade dos períodos fosse casual, imprevisível-, a garantia de uniformidade da men-
suração seria impossível. Porém, quem nos garante que essa desejada uniformidade exista? Uma outra
Uma metáfora musical. A escolha do símbolo Uma metáfora biológica. A vida é concebida radiação qualquer, tomada como referência de uma referência? Ou então acreditamos nisso porque con-
gráfico que imita o movimento das ondas faz como crescimento contínuo, bruscamente inter- fiamos na regularidade e simetria dos fenômenos naturais? E, no entanto, não consideramos descabida
rompido por uma queda, que corresponde à a manifestação de ritmos irregulares na natureza.
referência a uma concepção harmônica da
Logo, o tempo da medição, dos relógios, baseia-se em algo de qualitativo, não-mensurável, na crença
experiência pessoal, vivida como uma realida- morte. Nessa visão dramática não existe velhice,
profunda da consciência de que todos os períodos tenham idêntica duração?
de não descontínua, mas fluente. · ou seja, um tempo de preparação para a morte. Dicionário de Filosofia, organizado por P. Rossi, Nuova lta!ia, Florença, 1996
90 91
• COISAS E REALIDADE
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• COISAS E REALIDADE
---------·· 1
1
COISAS E REALIDADE
vAzro?
Macaco Coelho Gato O que pode significar ser, ou melhor, sentir·se da espécie humana, como a dimensão ética ou a
como um animal? Esta não é uma mera pergunta associação entre pornografia e sexualidade.
Talvez a única maneira de alguém sentir-se na pele de um animal seja considerando o mapa cerebral filosófica, mas um problema verdadeiro, já que Na realidade, não só o estado de consciência que
mantemos com muitos animais relações que ultra- o card.cteriza como animal será para nós eternamente
deste, isto é, a quantidade de neurônios que naquele detenninado ser controlam uma habilidade especí·
passam a simples convivência. estranho como tampouco poderemos experimentar
fica. Os neurologistas elaboraram mapas desse tipo, tanto para o homem quanto para alguns animais. A
Quando o seu cachorro olha para você com o de alguma fonna seu modo próprio de perceber o
figura à esquerda mostra como seria um homem se as várias partes de seu corpo tivessem se desenvolvi-
olhar murcho, depois de ter feito mais uma das mundo. Cada espécie vive uma realidade própria,
do proporcionalmente à superfície das áreas do córtex cerebral que controlam os seus respectivos movi-
suas, ele está se sentindo culpado? Se você batesse condicionada pela estrutura particular dos seus sen·
mentos. Observe, em relação aos animais, a enonne importância, no homem, da língua e do polegar.
nele, seus ganidos seriam expressão de verdadeira tidos. Essa realidade é em boa parte incomunicável;
dor? Alguns filósofos do passado (por exemplo, um cachorro, por exemplo, ouve ultra-sons, vê as
Descartes, no século XVII) se sentiam seguros ao cores em ultravioleta, percebe odores um milhão de
responder negativamente: um cachorro não pensa, vezes melhor do que o homem. Mas o exemplo clás-
SACERDOTE DESENCADEIA logo não experimenta dor nem remorsos. síco é o dos morcegos, que percebem a sua realidade
A i~venção de um casal inglês, criada na I·Ioje, não estamos tão propensos a pensar nos mediante um sonar, ou seja, percebem os reflexos
DEBATE NOS EUA Universidade de Bristol animais como simples máquinas biologicamente de ultra·sons devolvidos pelos objetos situados num
"Os cachorros também vão para coinplexas, mesmo que os recortes de jornais da detenninado raio. É uma forma de vida que se pode-
o céu" Lagostas "atordoadas" na panela página ao lado demonstrem que talvez seja mais ria mesmo dizer alienígena. Viver a experiência de
Nova York _ o Lulu também vai para o Um aparelho de ondas sonoras impede
fácil cair no erro oposto, humanizando os animais ser um morcego seria como que se transformar num
até projetar neles traços seguramente específicos alienígena, viver num planeta diferente.
céu? Só se tiver se comportado bem com seu que sofram na cozinha
dono. Diante de Deus, ele deve demonstrar O etólogo Mainardi: não temos mais
ter sido o melhor amigo do homem. Quem desculpa para ignorar sua dor. Ê bom Como é sentir-se um morcego, um cego, 1.1m marciano?
sustenta isto é Brian McSweeney, vice·chan· que se procure impedir que os animais É a nossa experiência que fornece matéria-prima para a imaginação, tornando esta, portanto, limitada.
celer da Arquidiocese de Nova York, em um sofram, mesmo aqueles que comemos. De nada adianta nos imaginarmos com braços com enormes membranas, que nos permitam voar daqui
debate na revista Do Fancy. para fá, do amanhecer ao entardecer, e capturar insetos com a boca; ter uma vista muito fraca e perceber
"Corrier~ delia Sera", 24. 3. 1999
"Corriere della Sera", 1. 9. 1999 o mundo ao redor por um sistema de sinais sonoros de alta freqüência refletidos pelas coisas; e passar
o dia pendurado pelos pés, de cabeça para baixo, num sótão. Mesmo conseguindo imaginar tudo isso, o
único resultado seria saber o que eu experimentaria comportando-me como um morcego.
Porém, o problema não é este: eu quero saber o que experimenta um morcego sendo um morcego.
Porém, ao procurar imaginá-lo, sinto-me enjaulado nos recursos da minha mente, e esses recursos não
estão à altura da tarefa [ ... ]
1m1;111l!;ivíDEO HARDCORE PARA INCENTIVAR os PANDAS AO SEXO O problema não se limita aos casos extremos: ele existe também entre uma pessoa e outra. O caráter
subjetivo da experiência de uma pessoa surda e cega de nascença, por exemplo, não me é acessível,
Pequim- Para despertar a libido do famoso urso branco e preto, d(jcidiu-se estimulá-lo com assim como presumivelmente não é acessível a ela o caráter objetivo da minha experiência[ ... ]
vídeos pornográficos. Filmes pornôs com cenas de amor entre pandas deverão ter êxito onde Ao observar os morcegos, nos encontramos numa posição quase Idêntica àquela em que se encontra-
fracassaram a medicina tradicional chinesa e o Viagra. riam um morcego inteligente ou um marciano que tentassem imaginar o que sentiriam se fossem nós.
"Corriere dena Sera", 24. 3. 1999 T. Nagel: Como é sentir-se um Morcego? ln O eu da mente, Adefphl, Milão, 1985
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COISAS E REALIDADE COISAS E REALIDADE
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COISAS E REALIDADE ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~=L=Ó=G=I=C=A=E=I=L=U=SO=-E=S~C=O=G=N=IT=l=VA=S~~Jll
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• LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
O raciocínio dedutivo é aquele que chega à conclusão com base em algumas premissas. Para que o Por que o raciocínio do professor Lo Presti parece
método funcione, é importante que as relações entre as premissas estejam,.bem demarcadas. Para esse tão lógico e irrepreensível, quando na verdade não O aborto como trauma Diante
fim, podem ser usados círculos de inclusão. o é absolutamente? A estrutura do seu raciocínio
é a seguinte: dado que alguns A são B e dado que dos recentes casos de suicídio
.~ ,o ,ooo 2 ,cm
simplesmente com base na plausibilidade das con· agora ser o aborto, em alguns casos, um fator
clusões. Se estas parecem verdadeiras em relação de perturbação, capaz de produzir sérios trau-
à realidade, nós as aceitamos e tendemos a consi- mas psíquicos."
derar válido o raciocínio que as produziu. É o que
"Gazzetta del Piacentino", 28. 3. 2000
ocorre no nosso exemplo: que algumas mulheres
desenvolvam um trauma de aborto parece uma idéia 1rll ""' Af"""··~"''",df''
verossímil, e logo é justo que um cientista a assuma
l) CIGARROS· CÂNCER· PULMÕES A B c D E como hipótese a ser comprovada; errado, porém, é pessoas segue aqueles princípios.
2) FUMANTES • DOENTES • JOVENS A B c D E o método científico usado pelo Prof. Lo Presti, que Os erros de raciocínio, como as ilusões de óptica
tenta demonstrar essa idéia afirmando-a como uma no campo perceptivo, não pareciam argumentos
3) MULHERES • FUMANTES . CÂNCER A B c D E
dedução lógica a partir de determinadas premissas. merecedores de atenção. Se, por outro lado, a mente
4) CIRURGIÕES ·DOENTES ·ENFERMEIROS A B c D E Surge, porém, um problema. De um lado, humana fosse dotada de capacidades verdadeira-
···----··--·-- ······~--··-~~- parece óbvio que a mente possui os princípios mente lógicas, então estas deveriam funcionar sem-
s Estranhas deduções lógicos fundamentais, se não por outro motivo
porque a lógica em si é um produto do espírito
pre, independentemente do conteúdo específico das
questões tratadas e do fato de as conclusões serem
humano. Por isso a filosofia sempre procurou verdadeiras, verossúneis ou falsas, desde que cor-
Em uma dedução é preciso distinguir, de um lado, a correção do procedimento e, de outro, a ver- explicar a mente como uma máquina lógica, retas. O que, como vimos e veremos nas próximas
dade dos resultados. Uma conclusão pode estar correta quanto às premissas mas falsa em relação partindo da tese de que a psicologia efetiva das fichas, não o são.
à realidade. Avalie se as conclusões destes silogismos dedutivos são: l) corretas e verdadeiras; 2)
incorretas e falsas; 3) corretas mas falsas; 4) incorretas mas verdadeiras:
A dedução mais difü:il
Os pele-vermelhas estão desapare- Napoleão era arnericano; Alguns italianos são psiquiatras; Premissas: a) Todos os professores são bonitos; b) Nenhum estudante é professor. Qual destas duas
l
cendo; John é um pele-vermelha. todos os americanos são louros. nenhum covarde é psiquiatra. conclusões lhe parece mais admissível? 1) Nenhum estudante é bonito; 2) Nenhum bonito é estudante;
John estií desaparecendo. Napoleão era !ouro Algum italiano não é covarde. 3) Alguns bonitos não são estudantes; 4) Nenhuma conclusão é possível.
i É extraordinário como muitos escolhem a resposta 4, errada, e poucos a 3, que é a correta. O erro nasce
l
<1
Alguns boxeadores são botânicos;
todos os botânicos são barbudos. i
Alguns "single" não são infelizes;
todos os viúvos são infelizes.
Alguns boxeadores são barbudos_tjl~utn "s1ngle" não é viúvo
4 é um número par;
1 e 3 são partes de 4
1 e 3 são pares.
provavelmente da dificuldade da mente humana em fazer comparações não entre dois elementos (como
quase sempre acontece), mas entre três. Neste caso, descobrir as combinações possíveis entre três
listas mentais separadas: professores e estudantes, professores e bonitos, estudantes e bonitos. Esse
Se dois e dois são cmco, Se todos os A são B, Se todos os A são B,
nível de relativa complexidade já se mostra superior à capacidade média da mente.
então os burros voam então todos os B são A P. Johnson-Laird: Modelos mentais, li Mulino, Bolonha, 1988
então um não-B é um não-A
L - - - -~ -- - - -- - - ~ --~ --- - - - -
100 101
• LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
T Lo, GICA E ILUSO-ES COGNITIVAS GZ=-·.I
Jff~).
\!
42. De baixo para cima 1
~ndução
s ~"~-----------·---------
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1
• LÓGICA E ILUSÕES COGNITIV~~- ...
Indução perfeita
Vimos na ficha anterior que a indução, ou seja, o raciocínio de baixo para cima, não produz certezas,
apenas probabilidades. Existe uma única exceção a es~a regra: quando o campo a ~er analisado é limi-
tado a um determinado número de casos, talvez até muito numerosos, mas 'finitos. E evidente que nessa
A indução perfeita ocorre quando somos capazes
de examinar todas as possíveis variantes sob as
quais um problema se apresenta. É óbvio que uma
Jtt r' r' Jtt Jtt
situação, denominada 11 indução perfeita 11 , a possibilidade de examinar todos os casos possíveis não
conduz a conclusões probabilísticas, mas certas. Muitos jogos de raciocínio, como os três apresentados
nesta página, baseiam-se nesse procedimento.
análise tão detalhada leva a conclusões inequívo-
cas e também a um notável paradoxo (aqui apre-
sentado na versão didática elaborada por Martin
r' Jtt Jtt r' Jtt
Gardner). A frase nTodos os corvos são pretos"
pode ser transformada por meio de um proce-
Jtt r' Jtt Jtt Jtt
A e D E F G H 1 L
dimento que os lógicos denominam inferência
imediata, no enunciado logicamente equivalente: Jtt Jtt r' Jtt r'
•
Os tiros disparados ifi!li ifi!li
~-lttlt
1 11
'fodos os objetos não-pretos são não-corvos 11 • O
104 105
LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
,s _o___[1'--------'I lol[6[
dando urna festa!!, isto significa que 11 fui aprova- dos. Formulando as questões de modo abstrato, ou
do11. O que não é exato porque existem mil moti- seja, usando a linguagem da lógica, as dificuldades
1 vos pelos quais você pode ter decidido dar uma
festa, sem que por isso tenha sido aprovado_ Na
aumentan1 enormemente, ao passo que, estruturan-
do o mesmo problen1a com conteúdos realistas, as
verdade, esse é um erro (denominado nafinnação dificuldades diminuem_ "Se p, então q. Não-q, logo
do conseqüente 11 ) porque, em termos lógicos, a não-p!l é difícil. nsc minha avó tivesse rodas, então
~mplücaçiíes allshatas e cotüdimias resposta correta é nnada se conclui 11 • Igualmente seria um carrinho. Minha avó não é um carrinho,
A capacidade mental de usar as implicações depende muito do grau de abstração da questão. freqüente é o erro denominado 11 negação do logo não tem rodas 11 , é fácil.
Respondendo a estas perguntas você notará que as fôrmuladas em termos abstratos são mais difícei~.
Se p, então q_ Dado que q existe, concluo dai a existência de P- SIM N~O
Se for um metal, então se pode fundir_ Este objeto se funde, logo é um metaL SIM N~O
Se for 3, então é um número ímpar_ É ímpar, logo é um 3_ SIM N~O O efeito dos cm1teC!dos realistas
Se p, então q_ Então, da negação de q deriva a negação de p. SIM N~O Deve-se às pesquisas sobre o efeito dos conteúdos realistas o mérito de ter demonstrado que o raciocínio
Se você compra 3, paga 2- Não pago 2, logo não comprei 3_ SIM N~O das pessoas não especializadas em lógica depende muito dos seus conhecimentos do mundo real. E esse
Se você sabia, devia ter-me avisado. Você não me avisou, logo não sabia. SIM N~O é um problema que a hipótese da lógica mental não consegue resolver de modo convincente. Por que
sujeitos adultos, a quem a tradição logicista atribuía habilidades de pensamento formal, diante de uma
Se p, então q_ Então, da negação de p deriva a negação de q_ SIM N~O
mesma prova dão respostas diferentes em função do conteúdo das premissas? Por definição, as regras
Se você é bonito, eu sou o imperador do Peru. Você é feio, logo não sou o imperador. SIM N~O
formais não levam em conta os conteúdos. Como explicar, então, esses efeitos?
Se bem me lembro, você dizia o contrário: Não me lembro bem, logo você não diz.ia. SIM NAO
V. Glrotto: O raciocínio, I! Mulino, Bolonha, 1994
l_·.
_ -•• 1
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1
LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
Por mais que você observe atentamente, esta tigura não deixará cularmente ineficaz em enfrentar tarefas de cálculo DIA, CHEGARÁ A CONCLUSÕES DIFERENTES ...
de lhe parecer o que não é: uma série de espirais concêntricas. estatístico? Por que resolvemos de modo distinto
Encontra-se ai uma forte semelhança entre ilusões de óptica um mesmo problema quando é apresentado em ter-
(..-. 9) e cognitivas. Em ambos os casos há algo que não é ver- mos de possíveis perdas ou possíveis ganhos?
dadeiro, mas que parece ser; a mente é instintivamente levada r As respostas instintivas aos quesitos apresentados
nas fichas deste capítulo estão quase sempre erradas,
a uma solução não correta, mesmo que plausível. ~~.:··f~;:, .-.' . 1--;
Nos dois casos, o resultado final, apesar de incorreto, não ·-. I<;.< ,,:
e não derivam de simples equívocos. De fato, um
erro pode depender de fatores como desatenção, dis-
~~
é um simples erro, ou seja, um lapso, um mal-entendido, um i. !,: ":·.:·"'· \;; ·~
tração ou falta de interesse; ao perceber que cometeu
disparate motivado por desatenção. Encontram-se aí forças .• . · ..'.t um, você rapidamente se corrige. quase com senti-
~uicas claras que tendem para a direção errada. ···~~--•~:._ mento de vergonha. Mas as típicas respostas equivo- mente o que está fazendo, a ponto de muitas vezes
cadas a esses quesitos não são causadas por lapsos,
s Estimativas de cãh::ulo rápido imprecisões ou burrice. Urna das mais importantes e
existir uma espécie de rejeição à solução certa.
Em resumo, urna ilusão cognitiva é uma resposta
recentes descobertas no campo da filosofia da mente instintiva, mas incorreta, algo comparável às ilu-
Experimente você mesmo e faça com seus amigos este teste de cálculo rápido. Você tem somente é que entre verdade e erro existe uma terceira dimen- sões de óptica no campo perceptivo.
cinco segundos para encontrar o produto. Dado o tempo absolutamente insuficiente, não espero um são psicológica baseada na ilusão cognitiva. As ilusões tornam-se mais evidentes em proble-
resultado exato, mas uma estimativa a mais correta possível. A ilusão cognitiva é um atalho econômico, mas que exigem urna solução rápida, ou então, em
2x3x4x5x6x7x8 rápido e bastante eficaz, mas não sistemático. condições de incerteza, quando somos obrigados a
Feito? Agora tente fazer a operação inversa. Freqüentemente conduz à resposta correta, mas tomar decisões intuitivas com base em estimativas
8x7x6x5x4x3x2 sua aplicação não garante um resultado sempre aproximativas. Certamente podemos nos pergun-
Compare os resultados obtidos e reflita sobre eles (a resposta média à primeira pergunta é 512; válido. Utilizada em outros casos produz erros, tar quantas vezes, na realidade cotidiana, fazemos
à segunda, 2250). ou seja, respostas que se distanciam às vezes con- o inverso, ou seja, chegamos a uma decisão bem
sideravelmente das que podem ser obtidas pela ponderada e com base em avaliações completas e
LJJ
aplicação de um rigoroso método matemático. exaustivas. Uma resposta realista a essa pergunta
Estimativas estatisfü:as É substancialmente uma estratégia espontânea, não conduz necessariamente a um pessimismo
inconsciente, poderosa e em boa parte insuprimí- sombrio. Dizer efetivamente que a mente tende a
vel, desenvolvida tanto por uma reflexão cons- cometer erros sistemáticos não significa que nos-
hnagine ter que lançar ciente quanto pela experiência. A diferença entre sas respostas estejam sempre equivocadas. Muitas
um dado com cinco faces ..· • ela e o erro é evidente pela atitude psicológica que
amarelas e uma verde. vezes, de fato, conseguin1os manter sob controle
a acompanha: a sensação é a de se saber exata- o nosso inconsciente cognitivo.
Em qual dessas três
séries você apostaria?
....--··-----·--··· ... L ............... _,,,___________._,,.........,.,____, . ,,_..,,, ..__,
O i11ccmscie11te oog11itivo
s As pesquisas recentes sobre ilusões cognitivas indicam a descoberta científica de um inconsciente. Não
!Risco e ga111'm aquele já explorado pela psicanálise, que envolve a esfera emocional, mas de um inconsciente que envol-
Oferecem-lhe um prêmio de R$ 300,00 Oferecem-lhe um prêmio de R$ 500,00. ve sempre à nossa revelia a esfera cognitiva, isto é, o universo dos raciocínios, dos juízos, das escolhas
Após o que lhe apresentam duas possibilidades: Após o que lhe apresentam duas possibilidades: entre diversas oportunidades, das diferenças aparentemente bem ponderadas do que é considerado
1) Receber com certeza mais R$ 100,00; 1) Perder com certeza outros R$ 100,00; provável e improvável.[ ... ] Enquanto o material do inconsciente psicanalítico manifesta-se nos sonhos
[ ... ],o material desse inconsciente deve ser buscado nos textos de economia, nas bolsas de valores,
2) Jogar cara ou coroa com uma moeda. 2) Jogar cara ou cora com uma moeda.
nas casas de jogo, nos contratos de seguro, nos conselhos de administração, nas consultas clínicas,
Se ganhar, você recebe mais R$ 200,00; Se você perder, pagará R$ 200,00;
nos mecanismos de manipulação das opiniões, nas flutuações eleitorais e em todos os lugares onde se
se perder, não recebe mais nada. se ganhar, não perde nada. tomam decisões em situação de incerteza.
Qual das duas possibilidades você escolheria? Qual das duas possibilidades você escolhe1ia? M. Piattel!i Palmarini: A ilusão de saber, Mondadori, Milão, 1993
108 109
LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
~1111~,-~·==~L~O~,G~I~C~A~E~l~L~U~S~Õ~E~S~C~O=G=N=IT=I=V=A=S====================================~-
A ilusão do jogador
A "dobrndinlla" de Bari
---- --1 Se às vezes você também,
depois de uma série infe-
Três das vítimas estavam na casa dos trinta anos
De uma urna liz de resultados negativos O chefe de polícia adverte: A cidade esmaga os mais
contendo 12 (j
®
o ~- num jogo qualquer basea- fracos"
MILÃO. SÍNDROME DA VOLTA DAS
bolas, dentre
as quais 4 (j @@ o do no acaso (cartas, dados,
loterias etc.), tiver pensado
FÉRIAS: QUATRO SUICÍDIOS
vermelhas,
®•
<t o 11
agora chega! Não pode
EM POUCAS HORAS
retire ao acaso
(@ @ o O jogo de Lotto, muito popular na Itália, tem
sua coleção de "números relutantes" ou retarda-
continuar assim. A próxi-
l 01MUM%6M@
5 bolinhas e
deixe-asde lado.
® @}
o tários, raramente ou nunca sorteados, em milha-
res de extrações. Em Bari, a dobradinha 17-56
ma mão DEVE ser a meu
favor! 11 , isto significa que
Cazzullo: "Sim, o ritmo das metrópoles pode desencade-
Faça isso de você também, como todo
olhos fechados, para não ver a cor das bolinhas é a mais célebre dessas combinações: nunca mundo, caiu na ilusão do ar graves crises depressivas."
foi sorteada. Não é incrível? Outra dobradinha "Con·iere deila Sera", 28.8.2000
extraídas. Se agora você colocar a mão na urna jogador.
fechada para tirar mais uma bolinha, quantas são relutante, como o 35-78, na loteria de Cagliari, 1
Que é no mínirno estra-
as probabilidades de que ela seja vermelha? saiu 3.342 vezes. i
nha. Se tivéssemos de eliminar dos jornais artigos como este, reduziríamos suas
___ J De fato, por um lado páginas pela metade e privaríamos a nossa mente do prazer (perverso, do ponto de
s ---··--· s -- - -----·· . ---·-·- -1 todos nós sabemos perfei-
tamente que se os eventos
vista lógico) de entrever causas específicas !á onde talvez só existam flutuações
estatísticas.
20 fü:llas para 5 me11i11os Homem também o sexto? 1
Se em 28 de agosto (2000) houve em Milão quatro suicídios, isso não poderia ser só
de uma série são totalmen-
Imagine distribuir ao acaso 20 fichas entre 5 amigos. Pai de cinco filhos homens, o Sr. ! uma casualidade, sendo imediatamente tratado como "síndrome da volta das férias".
te independentes entre si
Qual das duas seguintes distribuições você considera Souza raciocina da seguinte manei- í
(como os lances de dado),
mais provável? ra: "Tive cinco filhos homens, o
então não é possível existir qualquer relação cau- na página ao lado. Parecem muito sensatos, mas
Paulo 4 Pedro 4 Carlos 5 André 4 Lucas 3 sexto só pode ser uma menina. 1
1 sal entre eles. O fato de se obter 7 no primeiro são totalmente ilógicos.
Quem o garante é a lógica das pro-
lance não pode de modo algum influir no lance A carnificina anunciada na primeira noite de
Pedro 4 Carlos 4 André 4 Lucas 4 l babilidades; seria muito estranho
Paulo 4 seguinte. Mas se isso é tão evidente, por que em sábado sem vigilância nas estradas pode ser
que o sexto também. fosse homem." tantas ocasiões não raciocinamos absolutamente simplesmente uma flutuação estatística. De fato,
·L'
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Ili LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
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~ll~~~~====L~Ó=G=!=C=A=E~!L==U=S=Õ=E=S=C=O=G=Nl=T=I=V=A=S==================================~-=· ~ =- LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
49. Nunca chove, sempre cam um dilúvio ••• A ilusão da disponibilidade mental
1
São muitos os casos na vida cotidiana em que
O problema da freqüência das palavras somos chamados a avaliar a freqüência da mani- Depois dos dois assaltos de quarta-feira,
1) Em sua opinião, quantas são as palavras do português que têm a letra "n" na antepenúltima posição? festação de um evento: um vizinho de casa morre outras famflias são alvo da criminalidade
Escolha entre as seguintes possibilidades: 100, 500, 1.000, 10.000, 20.000 por overdose de heroína aos 70 anos de idade; "Protejam-nos, temos medo"
2) Em sua opinião, quantas são as palavras do português que te~inam em "ndo"? Escolha entre outro é vítima de infarto ao 15 anos. Mesmo sem
consultar o órgão oficial de estatística, de imediato
Continuam os assaltos a mansões da
as seguintes possibilidades: 100, 500, 1.000, 10.000, 20.000
julgamos excepcionais ambos os casos, baseando- Lombardia - clamam os habitantes.
Sugestão: Utilize este diagrama de inclusão para representar o problema "Corriere della Sera", 17. 7. 2000
nos na nossa capacidade de reevocar mnemonica-
Palavras ......... N... .. ....... NDO
n1ente a freqüência com que no passado tivemos
exemplos AMANDA DORMINDO
notícia de situações análogas. Pelo modo como
VIDENTE REDONDO
raciocinamos, a normalidade ou excepcionalidade
s Quem é Jack A personalidade de Jack
de um acontecimento depende da sua disponibi-
lidade mental, ou seja, do número de exemplos
Ataque inédito na Virgínia
Tubarões matam um menino
. •
semelhantes e relevantes presentes em nossas lem-
A breve descrição da personalidade de Jack foi extraída Tem 45 anos, é casado e tem quatro
branças pessoais. O risco de uma avaliação parcial Medo na América
de uma pesquisa psicológica sobre uma amostragem filhos. É conservador, muito sagaz "Corriere della Sera" 14. 8. 2000
e ambicioso. Não.tem interesse por ou subjetiva é óbvio, tanto que seria prudente nos
de 100 indivíduos, dos quais 70 eram professores de limitarmos a usar esse delicado recurso apenas nos
assuntos políticos e sociais e usa a maior
filosofia e 30, advogados.Quais são as probabilidades casos de incerteza, ou quando for impossível ter
parte do tempo livre em atividades como
de que Jack seja advogado? bricolagem, velejar e jogos matemáticos. acesso a dados certos. Mas não é assim. a férvida imaginação, acaba-se por confirmar
Utilizamos a imaginabilidade de um evento até
s Do---
que devemos ter medo?
como critério de avaliação de problemas altamente
os piores estereótipos. Em nossas lembranças,
costuma-se dizer: nunca chove, sempre cai urn
específicos, inclusive para resolver questões lógicas, dilúvio. E é verdade: a disponibilidade mnemô-
Quais destas causas de morte você considera mais prováveis (as estatísticas dizem respeito aos EUA). como as que são apresentadas na página ao lado. nica, efetivamente, é condicionada por múltiplos
Tome, por exemplo, o problema da estimativa de fatores: emoções, reticências, hábitos (-> 16).
Acidente aéreo ou raio? Incêndio da casa ou envenenan1ento? freqüência de palavras. Nesse caso, há uma forte Principalmente a memória é condicionada pelos
Gravidez e aborto ou apendicite? Fogos de artifício ou sarampo? tendência a considerar mais elevada a freqüência de instrumentos de informação, que pela sua própria
Homicídio ou suicídio? Diabetes ou suicídio? palavras que terminam em 11 ndo 11 , mesmo que sejam natureza tendem a privilegiar os aspectos mais
Travessia de pedestres ou afogamento? Acidente de carro ou envenenamento? somente um subconjunto de todas que têm 11 n 11 na insólitos de uma situação. Se houve urn futto,
Incêndio da casa ou acidente em bicicleta? Tumor no seio ou diabetes? antepenúltima posição, devendo, portanto, pela lógi- você deve lutar contra a natural tendência da
Tiro de revolver ou uma queda? Raios ou ataque de tubarões? !
ca, ser menos numerosas. O erro nasce da melhor mente a formar juízos baseados na recordação
Ataque de tubarões ou montanhas russas? ---~:nfarto ou acidente em geral, de qual~~='~~:t1Jr:'ª~J disponibilidade imaginativa da situação errada: de - no caso, notícias do tipo "albanês furta bolsa
fato, é muito fácil lembrar de palavras que terminam de pobre aposentada 11 • Nenhum jornal brasileiro,
s em 11 ndo 11 , mas o mesmo não ocorre com as outras. de fato, publicaria uma notícia menos informativa
O problema dos dois hospitais Tudo isso é também muito perigoso porque, ao mas, justamente por isso, mais relevante: 11 brasi-
se usar sistematicamente, em lugar da fria lógica, leiro furta bolsa de aposentada".
tt;,t;t~t~t:,t:t~,,~,~~·~·~·~·~·
f{:'.- {'.'J:__ '.~/
116 117
• LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
s º---··----------
fut11m de Tom A personalidade de Tom
rio, os comentários serão muito provavelmente
de ordem catastrófica, do tipo "isto não pode
ridos, esquecendo-nos de outros, deixar-nos
impressionar por detalhes estimulantes mas não
continuar assim". E, se quem sofreu o furto foi decisivos - tudo isso nos leva a resolver os pro-
À luz dos dados contidos na ficha É notavelmente inteligente, mas não se destaca absoluta- algum familiar seu ou você mesmo, o efeito será blemas simplesmente pela constrnção de histórias
1 ao lado, qual é, na sua opinião, a mente pela criatividade. Revela uma necessidade de ordem e centuplicado, atingindo de modo muito mais capazes de amarrar de algum modo os dados do
1 probabilidade de que Tom: clareza; prefere os sistemas bem organizados e claros em que direto a sua imaginação. No entanto, nem por problema, não importa se contra a lógica. Isso é
1 a) decida freqüentar uma escola de cada detalhe esteja no seu lugar. Escreve de modo bastante isso aumentaram as probabilidades de que se demonstrado no tópico "Quem é Linda?".
1
jornalismo, mas monótono e mecânico, reavivando ocasionalmente os seus verifique um segundo furto. A tendência a construir histórias, tramas mais
b) se arrependa quase imediatamente da escritos com jogos de palavras e lampejos de viva imaginação.
Em outras palavras: o perigo depende do risco cativantes e representáveis na imaginação, leva a
sua escolha e Tem forte propensão a manifestar sua competência no que faz.
calculado objetivamente, com base na freqüência concluir ser mais provável que Linda seja hoje, ao
c) se transfira para a faculdade de Parece demonstrar pouco interesse e simpatia pelas pessoas
com que ocorrem certos eventos. Já o medo está mesmo tempo, caixa de banco e líder feminista.
engenharia? e não gosta multo de interagir com os outros.
ligado a um cenário específico. E a imaginação é Mas a probabilidade de que haja essa simulta-
118 119
LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
\ô
'
A resposta imediata é 16 crn3 , com
[ base no princípio natural de que coi-
j sas duplas têm medidas duplas.
A direção da bolinha
volume quádruplo.
-------------~
Seguirá uma trajetória reti-
xal, às vezes tendemos a errar exatamente
por estarmos muito presos à experiência
concreta do mundo em que vivemos.
Esses típicos erros são particular-
mente freqüentes nas tarefas que exigem
Imagine urna bolinha forçada a correr no línea. juízos e previsões sobre o movimento
interior de um tubo construído em espiral. Só objetos que são sub- dos corpos. As leis descobertas por
Que direção tornará a bolinha ao sair do metidos a uma força em Newton não fazem parte da bagagem
tubo? A resposta imediata é: uma direção ! sentido lateral se movem de intuições e esquemas à disposição da
curva, com base na idéia de que habitual- segundo uma trajetória mente de um não-especialista. Este, no
curva. Imagine que uma bomba seja lançada de um avião em
mente um objeto continua a se mover no entanto, não tem cabeça oca mas outras
movimento. Qual será sua trajetória do ponto de vista de um
mesmo sentido. explicações baseadas na percepção efe-
-_. . . -~-----!' _______, ________ ,_ tiva dos fenômenos visuais. Quando
observador em terra?
Qual cai primeiro? As duas cápsulas cairão ao um objeto pára? A resposta imediata - 11 quando acaba a força que o impulsiona" - não é correta porque,
Imagine que a cápsula de um projétil caia i solo exatamente no mesmo segundo a física, 11 um objeto continua a se movimentar até que uma força o detenhau. Mas é certamente mais
de sua mão, de uma altura de 1 m. E imagi- instante, ainda que aquela apropriada ao modo pelo qual os eventos parecem acontecer no mundo reitl.
ne a queda da cápsula de um projétil dispa- do projétil disparado caia Por esses motivos, as respostas à questão posta pela experiência da 11 co1Teta trajetória!! tendem a
rado de urna pistola em sentido horizontal. muito mais longe. A força se basear na recordação de experiências vividas e, portanto, freqüentemente erradas. Quantas vezes,
Qual das duas cápsulas tocará primeiro o da gravidade que empurra enquanto você andava em velocidade moderada, aconteceu de lhe cair das mãos um objeto que segura-
chão? A resposta imediata é: a cápsula do a bala para baixo é inde- va, dando-lhe a impressão subjetiva de que ele tenha tocado o solo às suas costas, enquanto você seguia
projétil que se deixou cair, porque percorre pendente da sua velocida- adiante? É urna ilusão, mas urna ilusão poderosa, que faz parte do nosso modelo mental de objetos cm
distância muito mais curta. de em sentido horizontal. movimento. (A resposta exata é o caso A: a bola seguirá uma trajetória em parábola, exatamente como
a bomba desprendida do avião).
Resta-nos perguntar por que os nossos modelos intuitivos de movimento são tão incorretos e por que moti-
vo, por outro lado, isso não nos impede de nos movimentarmos com sucesso pelo ambiente? Talvez a mente
trajetória correta
tenha sido projetada não para entender a física, mas para atuar no mundo, mesmo que tenha de desenvolver
que, enquanto distorções sistemáticas das leis do movimento.
corre, você deixe cair uma
bola sem imprimir-lhe
uma direção determinada.
Qual será sua trajetória Porque é dil'foil entender a física
entre as três mostradas no ,. / ~ .- Todos nós temos uma vasta experiência com objetos em movimento.[ ... ] Partindo da observação desses
desenho? W diferentes tipos de coisas móveis, desenvolvemos modelos mentais de como as coisas se movem e, ao
lado destes, uma teoria ingênua de porque o fazem.[ ... ] Todavia, a despeito de toda nossa experiência e
(Jf--·'ºA apesar da instrução recebida, tendemos a ter concepções notavelmente distorcidas em relação ao movi-
mento dos objetos.[ ... ] A incompatibilidade entre as !eis da física clássica e os modelos mentais das
pessoas quanto ao movimento dos objetos é talvez uma das razões pelas quais o ensino da física é difícil
•e
' A
e muitas vezes destinado ao insucesso.
J.E.L. Darley: Psicologia, li Mulino, Bologna, 1993
120 121
••
r._ LÓGICA E ILUSÕES COGNITIVAS
INTELIGÍlNCIA
A mente não é instintivamente lógica O mito do Quociente de mos no campo científico, para além da razão existe
U Por muito tempo, a filosofia sustentou que a mente humana é um aparato fundado nas leis fundamen- Inteligência somente o absurdo. Tudo deriva do seu uso correto.
tais da lógica. Desta perspectiva, a lógica é uma descrição dos princípios abstratos, a psicologia é uma JOÃOZINHO - Agora, vamos inverter os papéis. SÓCRATES - Você quer dizer que a inteligência
descrição dos processos pelos quais a mente pode aplicá-los, o erro é o efeito da interferência exter- Eu faço as perguntas. Em seus pode resolver todos os problemas?
na, a ponto de perturbar de modo imprevisível a execução desses processos lógico-mentais. discursos, você usou a palavra inteligência. O que JOÃOZINHO - Não existe nada que, em princí-
Essa convicção - que por simetria com os outros capítulos poderíamos denominar logicismo ou ela significa? pio, não possa ser explicado pela razão. Poderá
racionalismo ingênuo - foi invalidada, algumas décadas atrás, por urna verdadeira revolução, a SÓCRATES - Não sei. Esta é mesmo uma daque- acontecer antes ou depois, com o aumento dos
descoberta das ilusões cognitivas e- 54), ou seja, das tendências instintivas e inconscientes da mente las palavras que são usadas sem que se saiba dar a nossos conhecimentos, mas nada é por definição
para estratégias não-lógicas e, em suma, erradas do ponto de vista da correção formal do raciocínio. elas uma definição, como já vimos e- 28). inexplicável.
JOÃOZINHO - Mas existem testes de quociente SÓCRATES - Então, de onde vêm as idéias
A lógica formal não é um modelo realista da nossa efetiva capacidade de juízo. Os princípios gerais
de inteligência. Se não se soubesse o que é, como geniais ou simplesmente certas?
da lógica estão para o pensamento efetivo como as leis da óptica estão para a percepção: indicam que
se poderia medi-la? E, além do mais, os cientistas JOÃOZINHO - Do uso correto da lógica, é óbvio!
deveríamos pensar e ver, não o que efetivamente pensamos e vemos. Elaborando raciocínios deduti-
construíram "máquinas· inteligentes"; li que um Invenções e descobertas são fruto de longas
vos, fazemos sistematicamente confusão entre conclusão verdadeira e conclusão válida (~ 41).
computador derrota no jogo de xadrez o campeão cadeias de raciocínios. O que mais, senão isso?
Abusamos da generalização indutiva (_,. 42) e formulamos juízos fundados no que é mais típico
do mundo. Evidentemente, quem as construiu não SÓCRATES - Mas, entre uma pessoa inteligente
(_,. 30 e 50), e não mais provável(.,.. 49); deixamos que as nossas crenças sobre o mundo interfiram
e um estúpido não existem meios termos?
nos procedimentos formais e- 51e29), tendemos a confirmar mais do que a duvidar (falsificar) das
só era muito inteligente mas também sabia o que
isso quer dizer. JOÃOZINHO - Existe a pessoa de bom senso.
nossas hipóteses (.,.. 48). Somos particularmente incapazes de usar corretamente os princípios da
SÓCRATES Então, tente me dizer o que é a SÓCRATES - O que é o bom senso?
implicação(.,.. 44) e o cálculo probabilístico (_,. 46).
inteligência. JOÃOZINHO - É uma aproximação da razão. É
Quase ce1tamente, as ilusões cognitivas são um legado da evolução biológica da espécie. Talvez, em JOÃOZINHO - Em minha opinião, é a capaci- uma lógica diluída, mais simples e menos coerente,
outras épocas, tenham sido de grande utilidade. Não se pode dizer que se trate de um aspecto total- dade de usar os princípios lógicos para resolver facilmente manipulável e de qualquer forma total-
mente negativo porque, do ponto de vista prático, ou seja, da vida, é quase sempre mais importante, problemas concretos. Em outras palavras: saber mente inútil no campo científico. É por isso que os
não tanto porque suas conclusões sejam corretas, mas porque correspondem a como andam de fato usar a estratégia adequada à questão em exame. cientistas estão construindo máquinas inteligentes, e
as coisas no mundo. SÓCRATES - Então, a inteligência coincide com não máquinas dotadas de bom senso.
a lógica?
Q animai quase-racionai JOÃOZINHO - Certamente. Não se pode ser
"': A velha máxima que apresenta o homem como um animal racional parece hoje menos sensata do que inteligente sem ser um bom raciocinador, e não se
no passado. Do ponto de vista psicológico, a racionalidade parece eventualmente uma meta, um alvo pode ser um bom raciocinador sem usar a lógica,
a ser atingido contra as nossas tendências naturais. assim como não se pode falar ou escrever sem
conhecer bem a gramática.
Do ponto de vista filosófico, recoloca-se a questão da natureza da racionalidade. É uma ret1exão que SÓCRATES - Mas as crianças nada sabem de
poderia bem continuar tentando responder à seguinte questão, extremamente provocadora, formulada lógica. Por conseguinte, isso quer dizer que são
por Richard Nisbett, um dos mais conhecidos estudiosos no campo da filosofia do raciocínio: "Como pouco inteligentes?
é possível determinar que os sujeitos dos experimentos de psicologia do raciocínio fazem realmente JOÃOZINHO - Certamente que não. Quer dizer
inferências incorretas? Ou seja, ao se excluir a possibilidade de que os sujeitos não tenham compre- que o são somente potencialmente. Toda idade
endido bem as recomendações, ou tenham se distraído, ou tenham memorizado mal uma ou mais tem as suas fases de desenvolvimento, mesmo no
premissas, em suma, ao se excluir os possíveis efeitos secundários do seu desempenho, ou da falta campo intelectivo. É por isso que os erros em que
de características ecológicas na situação experimental, com base em que se decide que as inferências caem as crianças são tão diferentes daqueles em
feitas pelos sujeitos são errôneas e, ao contrário, são corretas aquelas que, segundo o experimentador, que caem as pessoas adultas.
deveriam fazer?".
A inteligência é raciocinar
SÓCRATES - Pode existir uma outra inteligência,
para além da razão?
JOÃOZINHO - Não creio. Além da razão, pode
existir a atividade dos artistas. Mas, se permanecer-
122 123
=,,,.,
========================l=N==T=E=·L=IG=Ê=N=C=IA======-"'lli l~!
mentis (As formas da mente), H. Gardner identificou cinco Sultão era um chimpanzé inteligente,
tipos de inteligência: musical, lingüística, corpórea, espa- capaz de resolver o problema da banana.
Você consegue imaginar como estas formas cial, lógico-matemática. Existem pessoas que desenvolvem Pendurava-se uma banana do teto, a uma
Quantos cubos, visíveis e não-visíveis, com- deveriam ser combinadas entre si para formar altura que não pudesse ser alcançada
a inteligência como inclinação, ou seja, saem-se extraor-
põem a figura? um quadrado? por um chimpanzé, mesmo pulando. A
dinariamente bem num âmbito em detrimento de outros,
poucos metros se encontrava, no entanto,
s ~-·--
ao passo que outros indivíduos possuem flexibilidade, ou
seja, uma inteligência versátil em âmbitos diversos. Não só
uma caixa de consideráveis dimensões.
Nessa situação, Sultão jamais hesitou:
Páginas e !>escubra a chave tende-se hoje a estudar cada forma de inteligência como o ele arrastava a caixa até que ficasse logo
buracos , resultado de uma série de habilidades ainda mais específi- embaixo da banana, subia na tampa e de
,' cas, algumas adquiridas com a experiência, outras herdadas lá dava um salto para alcançar a fruta sem
o ' o geneticamente. Nessa perspectiva, mais que definir ou medir qualquer dificuldade.
Dobre uma folha de
papel no sentido dia- o a inteligência torna-se necessário entender a forma mentis de
cada indivíduo, ou seja, de outro ponto de vista, colocar-se
gonal, como mostra
o desenho no alto, à a pergunta: "Quais são os problemas ou ações que esse indivíduo conseguiria resolver coin habilidade
acima da média? Qual é a sua inteligência específica?".
j
esquerda. Depois de
Como você pode ver, a idéia de inteligência parece fragmentar-se em seus componentes. Para quem
fazer nele um furo, o
procura uma definição global e definitiva acontece o mesmo que ao turista que, ao visitar uma cidade,
abra a folha nova- O
nunca ficava satisfeito, apesar de ter percorrido todos os monumentos e bairros: "Fizeram-me visitar a
mente. Em qual O o Catedral, os museus, o bairro chinês, tudo ... Mas, e a cidade? Eu queria ver a cidade!".
posição se encontra- Qual dessas sete chaves está voltada no senti-
rão os furos? _ _ _':_-.--.J.~-- _·- .... __ do oposto ao das demais?
124 125
INTELIGJ3NCJA
126 127
INTELIGÊNCIA INTELIGÊNCIA
128 129
~~~··~·==·======~IN=T~E=L=IG=Ê=N=C=!A========================================·--- INTELIGÊNCIA
SS. Como contestar a mãe usando a ~ógica Bom senso e lógica Papai, você acha
que eu sou
No diálogo de surdos da página ao lado, quem tem Não, filha. Não
est úpid:'.:a::..?c..--7
MÃE. As pessoas espertas são as l'U.HO. Esse raciocínio é uma asser- ) acho absolutamen·
razão? Sem dúvida, no plano ético a mãe diz coisas
que estudam muito. E quem são ção pressuposta, um grave erro lógi- te que você seja
certas, mas o problema aqui é outro, ou seja: ela as
as pessoas espertas? Aquelas que co. Consiste em tirar, dentre as pre· Mas estúpida.
sustenta com argumentações válidas? O filho usa então eu sou
empregam bem o seu tempo. E o que missas (explícitas ou implícitas), a a lógica, enquanto a mãe recorre à esfera prática
quer dizer empregar bem o próprio mesmo estúpida
conclusão. que se quer demonstrar. da existência, à experiência de vida, apresentando
tempo? Mas é claro! Quer dizer estu- por pensar que você
Daí resulta um processo circular de considerações convincentes e de bom senso, mas Certamente,
pensa que eu sou
dar muito retorno ao início 11
erradas 11 , isto é, contra as regras da lógica. eu acho, ou melhor,
estúpida.
)~ Mas o que é bom senso? Você vai dizer que se
trata de algo certamente útil, ou melhor, essencial
Você não acha? não acho!
Em suma: você não deveria
E depois, se eu fizer uma exceção Grave erro. Para demonstrar que uma para se sair bem em milhares de casos da vida pensar que é estúpida e
para você, devo fazê-la para todos os coisa é inaceitável, você apresenta con- cotidiana, mas que não pode ser levado inteira- nem que eu pense isso.
seus irmãos. seqüências desfavoráveis. Não é logica- mente a sério. Típico das pessoas simples que não
-J>__,,- mente correto. saberiam fazer melhor, seria um subproduto, uma
versão diluída, simplificada e deficitária da única Mas então é verdade, sou
Em m.inha opinião, a verdade ,é sim· -------·-·-----:----,-~
maneira de se usar racionalmente a mente, ou mesmo estúpida se penso o
Esse é um paradoxo comportamental:
pies. Você, simplesmente, deve gos- seja, raciocinar logicamente. O que representa um que não deveria pensar.
não se pode gostar de uma coisa por
tar de estudar. paradoxo porque a lógica, que poucos usam em
'l
obrigação.
--··--·- ··---- raras ocasiões, goza de ótima reputação, ao passo
que o bom senso, que todos usamos diariamente
Basta! Você não deve me desafiar! , (e sem o qual não conseguiríamos sobreviver), de urna máquina o comportamento simplesmente
Ou está comigo ou contra mim! Ou ' . São todos falsos dilem. " '"''
lógico impede que eu não estude e não parece digno de igual respeitabilidade. sensato, ou seja, de alguma maneira semelhante
você se decide a estudar ou se deci· Mas o bom senso é tão simples assim? Pense no ao efetivo modo de funcionar da psique humana.
não ganhe a vida.
de a ganhar a vida.
).---/ ·------ -'--...(
fato de que conseguimos construir máquinas lógicas
muito eficientes, computadores eletrônicos superio-
Quando um computador for capaz de adaptar as
normas lógicas às situações concretas, de maneira
íf'Quando você
L o idiota?
v~i parar de bancar J'. -A==f-ra_s_e_é_i_n_a_d_m_i-ss-ív--e-1-d-o.-ponto de vis:Ja.
lógico. Também é uma asserção pressu·
res a nós em qualquer tarefa puramente racional (do
jogo de xadrez ao cálculo matemático), mas nenhum
a realizar um encontro entre teoria e prática, tendo
em vista resultados não-verdadeiros mas realizáveis,
,,, :J> ____,. -·· · - - - - - - - - - programador foi capaz até agora de simular através então teremos constn1ído uma mente artificial.
posta. ·
h rio, comporta muitos tipos de representações e, logo, requer uma gama mais vasta de habilidades.
da._ Logo, deveria admitir que tenho · ti
M. Minsky: A sociedade da mente, Ade!phi, Milão, 1989
~ao. ..t
)~
130 131
INTELIGflNCIA
INTELIGflNCIA
Aprender a aprenclew
Algumas crianças aprendem a representar os conhecimentos de maneira versátil, outras acabam por acu-
mular procedimentos rígidos, indicados para uma única finalid,ade, ou generalidades quase inúteis ... Por
Tire três palitos, de modo Tire quatro palitos destes seis Mexendo apenas dois palitos, que algumas crianças são mais competentes que outras na transferência da aprendizagem de um âmbito
para outro? Dizer que os primeiros são mais espertos ou mais capazes ou mais inte/ígentes não explica
que restem somente três tri- quadrados, de modo que restem aproxime estes três quadrados de
nada. Habilidades tão vagas variam muito, mesmo de um lado para outro da mesma mente ... Todas as
ângulos, apenas quatro quadrados. modo a' formar somente dois.
crianças, de tanto em tanto, aprendem vários modos melhores de aprender, mas ninguém entende como
Estes três problemas são-õbViã'mente muito semeihãntes entre si. Solucione-oSem··s,eqüência, um por.
vez:·~i o fazem. O problema é que não se pode observar as estratégias que uma criança adota para "aprender
procurando entender as suas estratégias típicas de resolução, de modo que a solução de um torne pouco 1 a aprender", porque essas estratégias nos são duplamente escondidas.
a pouco mais fácil a so!ução <l,?_s..~~!E:~is. . ,.-~·-·-·--------,-------- -..----- __J M. Minsky; A sociedade da mente, Adelphi, Milão, 1989
132
133
INTELIGÊNCIA
Estes problemas têm duas características particulares: 1) as questões contêm muitos dados específicos e Não me parece que as palavras ou a linguagem,
escrita ou falada, exerçam algum papel no mecanis- (a+ b)2 = a2 + b2 + 2ab
são formuladas segundo uma abordagem matemática; 2) a solução é facilitada por uma correta visuali-
zação da situação. Logo, preste atenção nos desenhos que lhe sugerem a adequada imagem mental. mo do meu pensamento. As entidades psíquicas que a b
s -- -------- s parecem servir como elementos do pensamento são
antes alguns sinais e imagens mais ou menos claros
Quem está mais perto? O peso do tijolo que podem ser reproduzidos e combinados volunta- a ab
GINA
riamente. Esses elementos são, no meu caso, de tipo
visual e às vezes muscularn. Não é a opinião de um
,_ _.3113.:~._ _, ! bailarino, apesar da referência à muscularidade do
pensamento, mas de Albert Einstein. Logo, o pensa-
MILÃO MÁRIO PAVIA
Mário sai de Pavia às 8 horas da manhã, para ir a
mento visual é a melhor estratégia para a resolução
de problemas ou, na verdade, é o segredo da inteli-
b ab
Milão, e viaja a uma velocidade constante de 80 gência? Há quem sustente isso.
km/h. Quinze minutos depois, Gina sai de Milão Quando utilizamos palavras ou números, somos
obrigados a elaborar o pensamento de forma A demonstração algébrica pode se mostrar difí"
em direção a Pavia, à velocidade de 60 km/h. Ao Um tijolo pesa 1 kg mais meio tijolo.
seqüencial, colocando os termos do problema de cil, ao passo que uma representação visual do
se cruzarem, quem estará mais perto de Pavia? Quanto pesa o tijolo? problema é evidente.
modo linear, um após o outro, como em cadeia.
s Isso garante a coerência do resultado final, mas se
no início não tomarmos o caminho correto, a con-
A traça bibliófila O viajante e os sanduiches seqüencialidade tornar-se-á uma prisão sem saída. você perguntará quando se deve escolher um
1 ~1~1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1•1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 E, até que o problema seja resolvido, não é pos-
sível saber se o caminho correto foi efetivamente
ou outro. Não existem regras fixas, obviamente,
porque, para ser eficaz, uma estratégia deve ser
tomado. Óbvio, não? Isso, porém, equivale a dizer adequada ao conteúdo específico dos problemas
T"'IC\l('O')q-
.....i
....l _J .....i que a lógica freqüentemente não é muito útil na que pretende resolver. E os problemas podem ter
~ ~ §? g busca da solução de um problema, embora o seja naturezas diversas e nem sempre evidentes, como
Imagine que você está fazendo um passeio e leva com sempre quando se deve demonstrar a sua solução. demonstram as experiências desta ficha. Em todo
Uma traça rói estes livros, cada você cinco sanduíches, enquanto um amigo seu leva três; A força de uma imagem reside na capacidade caso, como vimos no capítulo anterior, o desem-
um dos quais tem 400 páginas, da vocês encontram um viajante que não tem sanduíches, que esta tem de representar todos juntos os aspec- penho em operações indutivas melhora considera-
primeira página do primeiro até a mas oito moedas. Depois de comerem os três a mesma tos de uma questão, de modo não seqüencial, o que velmente quando se adquire o hábito de formular
última do último. Quantas páginas quantidade de pão, o viajante lhes dá de presente todo o permite captar de modo mais imediato relações os problemas segundo uma correta representação
a traça roeu? seu dinheiro. Quantas moedas você deve receber e quantas e influências recíprocas. Além disso, as imagens formal, usando as categorias abstratas de amos-
o seu amigo? concretas favorecem o desenvolvimento de outras tragem, porcentagem, freqüência, média etc. Ao
--"·"-•·-~-----"-"----~-"~·---·--·-··"---~
idéias abstratas, permitindo captar nexos associati- contrário, os processos dedutivos são mais bem
s s vos, formular analogias, fazer associações etc. controlados quando se transforma o problema em
A lesma escorregadia A soma dos primeiros 10 m:ímeros Como ambos os sisten1as parecem válidos, situações próximas da prática concreta.
Uma lesma escala um monte Raciocinando sobre a figura, encon-
de 30 m de altura. A cada 30 m tre o modo mais simples para
dia sobe 5 m, mas durante calcular a soma dos primeiros Pensar sem vocábulos
/
8
a noite ela escorrega, l.Onúmeros: 1 +2+3+4~ Um dos expedientes usados para evitar o efeito restritivo das denominações é o de pensar por imagens
retrocedendo 3 m. +5+6 +7+8+9+ ~ visuais, sem usar absolutamente os vocábulos. É inteiramente possível formular coerentemente conceitos
Quanto tempo leva- 10. s:J desse modo, as dificuldades aparecem somente quando é necessário exprimir aquilo que se pensou.
rá para alcançar / / 4 Infelizmente, são poucos os que sabem pensar por imagens visuais e nem tudo pode ser examinado con-
o topo? ~ 3 ceitualmente por esse sistema. De qualquer forma, é um método que seria bastante útil aprender porque
as imagens visuais têm uma fluidez e uma plasticidade que as palavras jamais poderão ter.
E. de Sono: O pensamento lateral, Rizzoli, Milão, 1981
134 135
li INTELIGÊNCIA INTELIGÊNCIA
;ar~~oxos vis11a;~--- Exatamente por não se contentar em aplicar a razão aos problemas
concretos, mas exigir uma teoria dela, a filosofia sempre manifes-
É estranho que as ima- tou grande interesse pelos discursos em que a razão parece não
gens tenham a capacida- funcionar: o paradoxo, o dilema, o quebra-cabeças, o enigma e a
r de de representar eficaz-
mente a impossibilidade
charada. Afinal de contas, quem quisesse entender como funciona
um automóvel teria grande interesse não só pela condução normal
lógica, como nos dois do veículo mas também pelos defeitos e avarias do motor.
objetos impossíveis aqui Ton1ernos como exemplo o paradoxo do mentiroso, o mais
ao lado. antigo e digno de nota. Ele consiste nesta simples afirmação: 11 Eu,
As três colunas do alto nascido em Milão, afirmo que todos os milaneses são mentirosos 11 •
se tomam duas embaixo. Pois bem, se digo a verdade, então sou mentiroso, corno todos os
A porta está aberta tanto milaneses; se, ao contrário, minto, então poderia ser verdadeiro,
para dentro con10 para uma vez que nesse caso nem todos os milaneses seriarn mentiro-
fora. sos. Não há como sair dessa de modo simples e elegante: estamos
diante de urna razão equivocada, um verdadeiro curto-circuito em
que literalmente não se sabe que decisão tomar.
Paradoxos comportamentais Você poderia contestar que se trata de um estranho jogo de
O conteúdo desses cartazes é constituí- Não acreditem no palavras, mas não é assim. De fato, o paradoxo do mentiroso pode ser reformulado de diversas manei-
do por ordens impossíveis. Pode-se obe- que eu digo. ras, dando origem a frases aparentemente inocentes, que todos nós podemos ter usado alguma vez sem
decer somente desobedecendo; pode-se perceber o seu absurdo implícito. Por exemplo: 11 Você não deve acreditar no que digo!n (acreditando em
desobedecer somente obedecendo. Você deve ser espontâneo você, não acredito; não acreditando, acredito). E, de resto, ainda que a reflexão mais que milenar sobre
essa pequena frase não tenha resolvido a sua ambigüidade, setores inteiros da matemática e da lógica
----·~··- -·----- ----. moderna extraíram dela úteis ensinamentos. Os paradoxos são impossíveis, mas não inúteis.
Os paradoxos estão confinados ao âmbito do discurso lógico? Certamente que não. Eles existem de
Paradoxos e ironia IRMÃOS€ !RMÀS N\INCA
t>liVéRIAM FAlER MRTE DA todos os tipos e em todos os campos, até mesmo no comportamental. Tome como exemplo a injunção:
MESMA FAMÍ~lA! 1
O paradoxo é como um curto- "Você deve ser espontâneo". Pois bem, se procuro obedecer à sua ordem, vejo-me numa situação insus-
circuito, um choque no pensa- tentável porque só espontaneamente, e não por injunção, se pode ser espontâneo. Em um célebre texto,
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mento racional. Logo, é natural Pragmática da comunicação humana (não por acaso um estudo sobre a esquizofrenia), P. Watzlawick
que muitas vezes seja utilizado sugere as seguintes reformulações do mesmo paradoxo: "Você deveria me amar"; "quero que você me
como fonte de tiradas de espí- domine"; "Você deveria se divertir brincando, como todas as outras crianças";
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rito. Na realidade, situações "Não seja tão obediente"; "Não se preocupe se eu começar a chorar". Como bem se vê, às vezes o
paradoxais são relativamente paradoxo se esconde em proposições simples e aparentemente inocentes, típicas da vida cotidiana.
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1 freqüentes na vida cotidiana,
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11 reconh~idas uitas tais.
vezes não 1
1 _______J
O co11l1ecime11to total é um paradoxo
Ver um problema equivale a ver algo escondido. Equivale a ter um vislumbre da conexão recíproca de
Paradoxos lógicos detalhes ainda não compreendidos. O problema é valido se essa espécie de intuição for autêntica; é
Um dia o filósofo Protágoras e seu discípulo Euatlo fizeram um pacto: "Euatlo pagará os hono· original na eventualidade de que ninguém mais seja capaz de captar as possibilidades de compreensão
por nós antecipadas [ .,.]
rários ao mestre somente depois de vencer a primeira causa no tribunal". Após o que, Protágoras
Tudo isso é pacífico; podemos dá-lo como comprovado sem necessidade de ressaltar a estridente contra·
intimou o discípulo a comparecer em juízo. Considerava que o aluno devia pagá-lo de qualquer
dição implícita. Platão já havia detalhado essa contradição no Mênon. Platão afirmava que buscar a solu-
maneira, vencendo, com base no pacto inicial, ou perdendo, como execução da sentença. Mas
ção de um problema é um absurdo; de fato, ou se conhece o que se procura, e então não existe qualquer
respondeu: "Não lhe pagarei em nenhum caso: se eu perder, com base no pacto; se eu ganhar, problema; ou não se conhece o que se procura, e então não é lícito esperar encontrar coisa alguma.
base na sentença". Quem tem razão? Ainbos e, portanto, ninguém. É um dilema sem solução. M. Polanyi: O conhecimento tácito, Armando, Roma, 1979
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INTELIGÊNCIA INTELIGÊNCIA
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• INTELIGÊNCIA INTELIGÊNCIA
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cações. A originalidade, que sozinha beira a arbitrariedade, toma-se 00..
propostas pelo desenhista francês J. Carelman (Catalogue d'objects introuvables), são bons exem-
verdadeiramente criativa quando oferece soluções não somente impre-
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(~)3)cj ~ (também chamado divergente, produtivo, temerário) observa-se uma prevalência de processos mentais
de tipo associativo e livremente combinatório, ao lógico. Existe nele maior fluidez, flexibilidade e
sensibilidade estética, ao lado da capacidade de reestruturar os dados de um problema de modo novo.
Em outras palavras: a natureza da criatividade humana permanece ainda hoje como um problema mais
Invente o maior número de objetos combinando entre si estas figuras sólidas. Você encontrará filosófico do que científico, a ponto de ser possível colocar em discussão até mesmo sua própria exis-
alguns exemplos nas Soluções. tência. Podemos nos perguntar, com efeito, se existe verdadeiramente uma genialidade, ou seja, uma
modalidade funcional da mente diferente e superior em relação à inteligência normal. Quando dizemos
s -~~-----~ que o gênio é superdotado, pretendemos dizer que a sua mente trabalha mais rápido do que o normal,
ou então, que possui uma qualidade particular e inexistente no homem comum?
Criatividade e ironia j MATERNIDADE E, para terminar, u1na pergunta do filósofo M. Minsky, que ele considera terrível: "Poderia sobreviver uma
cultura na qual cada um descobrisse novos modos de pensar? Se a resposta for não, devemos concluir com
tristeza que talvez o gênio, longe de ser alimentado pelos seus genes, é por eles geralmente eliminado".
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coisas;
Encontre uma resposta criativa para a terceira charge.
L. .,.~----~·" ·-"·~·-·---,.~·~-~,.·~~·-----------·----
. _._li 5} é capaz de estruturar o trabalho segundo regras precisas e manter um alto nível de disciplina.
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