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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS – UFT

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS


PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

LÚCIO MILHOMEM CAVALCANTE PINTO

LUZIMANGUES: PROCESSOS SOCIAIS E POLÍTICA URBANA


NA GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE”

Palmas – TO
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS – UFT
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS
PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

LÚCIO MILHOMEM CAVALCANTE PINTO

LUZIMANGUES: PROCESSOS SOCIAIS E POLÍTICA URBANA


NA GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE”

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado


em Desenvolvimento Regional da Universidade
Federal do Tocantins como requisito parcial para
obtenção do título de mestre em Desenvolvimento
Regional.

Orientador: Prof. Dr. Antônio José Pedroso Neto

Palmas – TO
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins
Campus Universitário de Palmas

P659l Pinto, Lúcio Milhomem Cavalcante


Luzimangues: Processos Sociais e Política Urbana na Gênese de
uma “Nova Cidade” / Lúcio Milhomem Cavalcante Pinto. - Palmas, 2012.
188f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Tocantins,


Programa Mestrado em Desenvolvimento Regional, 2012.
Linha de pesquisa: Políticas Públicas e Desenvolvimento
Orientador: Prof. Dr. Antônio José Pedroso Neto.
.
1. Desenvolvimento Regional. 2. Cidades e processos sociais. 3.
Política Urbana. I. Pedroso Neto, Antônio José. II. Universidade Federal do
Tocantins. III. Título.
CDD 307.76

Bibliotecária: Emanuele Santos


CRB-2 / 1309
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por
qualquer meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos direitos
do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado à memoria do Prof. Dr. Claudemiro Godoy, responsável por
mexer com as cabeças dos seus interlocutores e despertar o senso critico em seus alunos.
AGRADECIMENTOS

Aos professores, colegas e colaboradores do Programa de Pós-graduação em


Desenvolvimento Regional (PGDR) da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Ao Prof. Waldecy Rodrigues, Coordenador do PGDR.
Ao Prof. Elizeu Lira, que ajudou a determinar os caminhos iniciais desta pesquisa...
assumida posteriormente com afinco pelo Prof. Antônio Pedroso Neto, que através de
muitas discussões delineou novos campos e novas visões, incentivando com maestria a
sempre “ir fundo” em cada ponto levantado.

Aos entrevistados e interlocutores, que se dispuseram a compartilhar suas informações e


visões de mundo, sempre muito solícitos e dispostos a discutir as questões propostas. A
Luísa Sponholz, que dedicou muitas horas para ajudar a transcrever as entrevistas
utilizadas nesta pesquisa.

Aos colegas da secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Palmas (SEDUH), e


em especial ao incentivo do então secretário Eduardo Manzano Filho e ao Arq. Elias
Martins.

À minha família,
Pai, mãe e irmãos, sempre dando apoio.
Diléia, Bruna e Isabela, que abriram mão do convívio diário para permitir alcançar esse
objetivo na vida acadêmica.
“Em vez das cidades do futuro serem feitas de aço e vidro como
fora previsto pelas gerações anteriores de urbanistas, serão
construídas em grande parte de tijolo aparente, palha, plástico
reciclado, blocos de cimento e restos de moradia. Em vez das
cidades de luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano
do século XXI instala-se na miséria, cercada de poluição,
excrementos e deterioração.” (DAVIS, 2006:28)
RESUMO

Essa dissertação tem como tema geral a construção da política urbana local
com uma ótica na dinâmica dos agentes e nas suas tomadas de posição no campo da luta
política, fazendo valer interesses específicos e utilizando de diferentes trunfos para a
hegemonia da sua posição. Especificamente abordamos a construção dos mecanismos
institucionais da política urbana do município de Porto Nacional (Leis do Plano Diretor,
Macrozoneamento e Parcelamento do Solo) que permitiram a tomada de um território até
então rural, cobiçado pelo mercado imobiliário, provocando na prática o surgimento de
uma “nova” cidade que é Luzimangues, distrito que vem passando por um rápido processo
de urbanização. Tomamos como perguntas de partida os seguintes questionamentos: Como
se deu esse processo? Quais os agentes (forças sociais) envolvidos e como atuaram no
campo da luta política? Quais interesses defendiam para justificar suas tomadas de
posição? Quais trunfos detinham para fazer valer sua posição?
A partir da pesquisa para explicar os papéis dos diferentes agentes tomamos o
momento de discussão/definição do Plano Diretor como um campo de disputa do espaço
social, lócus onde ocorrem os conflitos e alianças entre os mesmos. Partindo da estrutura
desse campo social e das tomadas de posições dos agentes tivemos como objetivo da
pesquisa a tentativa de abrir a “caixa-preta” e explicar o processo que reflete na
transformação e ocupação do território. A hipótese que procuramos testar foi que no
processo de embate da construção dos instrumentos da política urbana local do município
de Porto Nacional os diversos agentes envolvidos com os interesses do mercado de terras
assumiram uma nova posição na estrutura do campo social, com a institucionalização das
áreas urbanas de Luzimangues.

Palavras chave: Desenvolvimento Regional; Cidades e processos sociais; Política Urbana.


ABSTRACT

This dissertation has, as a general theme, the construction of the local urban
politics with a view in the dynamics of the agents and their positions on the political game,
valuing specific interests and using different assets in order to maintain the hegemony of
their position. It is specifically addressed the construction of the institutional mechanisms
of the urban policy of the county of Porto Nacional (Municipal Master Plan Laws,
Macrozoning and Subdivisions of the Soil) that allowed the taking of a territory that had
only been rural so far, wanted by the real state office, creating a “new” city that is
Luzimangues, district in which a quick urbanization process has been occurring. The
starting questions are: How that process happened? Which are the agents (social forces)
involved, and how did they act on the political game? What interests were defended in
order to justify their positions? What assets did they have to make their position valid?
From the research to explain the roles of the different agents, we take the
moment of discussion and definition of the Municipal Master Plan as a dispute of the
social space, where the conflicts and alliances between them happen. Starting from the
structure of this social field and the positions taken by the agents, we will have as a
research goal to try and open the "black-box" and explain the process that will reflect in the
transformation and occupation of the territory. The hypothesis we seeked was that in which
the process of construction of the political instruments of the local urban policy in the
county of Porto Nacional, the various agents involved with real state interests assumed a
new position in the social field structure, with the institutionalization of urban areas of
Luzimangues.

Key words: Regional Development, Cities and social processes, Urban Policy.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Localização geral da área de estudo.....................................................................17


Figura 2: As quatro áreas para a instalação da capital.........................................................88
Figura 3: APA Lago de Palmas e APA Serra do Lajeado..................................................105
Figura 4: Demarcação dos setores censitários em Luzimangues.......................................110
Figura 5: A escala do perímetro urbana de Luzimangues e de Palmas..............................119
Figura 6: Definição do Macrozoneamento.........................................................................122
Figura 7: Definição do Macroparcelamento.......................................................................123
Figura 8: Mapeamento dos loteamentos urbanos até 2006................................................129
Figura 9: Loteamento Laguna I..........................................................................................137
Figura 10: Loteamento Laguna II.......................................................................................138
Figura 11: Loteamento Jardim do Porto.............................................................................138
Figura 12: Loteamento Jardim Europa...............................................................................139
Figura 13: Loteamento Laguna III.....................................................................................139
Figura 14: Mapa geral de Palmas com a demarcação da Discriminatória.........................145
LISTA DE QUADROS E TABELAS

Quadro 1 - Distribuição dos agentes no campo....................................................................23


Quadro 2 - Desenvolvimento Urbano e Política de Habitação no Brasil 1850/2012...........62
Quadro 3 - Resumo da evolução urbana de Luzimangues.................................................186

Tabela 1 - Empreendimentos imobiliários em Luzimangues 1995/2012...........................132


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AEIS – Áreas Especiais de Interesse Social


APA – Área de Proteção Ambiental
APP - Área de Preservação Permanente
BNH - Banco Nacional de Habitação
CAIXA ou CEF – Caixa Econômica Federal
CEB - Companhia Energética de Brasília
CELTINS - Companhia de Energia Elétrica do Estado do Tocantins
CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano
CODETINS - Companhia de Desenvolvimento do Estado do Tocantins
COHAB - Companhia de Habitação
COMSAÚDE - Comunidade de Saúde, Desenvolvimento e Educação
CPEE - Companhia Paulista de Energia Elétrica
CRI – Cartório de Registros de Imóveis
EDP - Eletricidade de Portugal S.A.
EEVP - Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema S.A.
FCP - Fundação da Casa Própria
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIETO - Federação das Indústrias do Estado do Tocantins
FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
HBB – Habitar Brasil BID
IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MCIDADES – Ministério das Cidades
OGU - Orçamento Geral da União
ONG - Organização Não-Governamental
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PDDS – Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável
PDPP – Plano Diretor Participativo de Palmas
PLANHAB – Plano Nacional de Habitação
PMCMV ou MCMV – Programa Minha Casa Minha Vida
PMP – Prefeitura Municipal de Palmas
PMPN – Prefeitura Municipal de Porto Nacional
PNDU - Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano
SEDUH – Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano
SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SNH - Sistema Nacional de Habitação
SNPU – Secretaria Nacional de Programas Urbanos
TO – Tocantins
ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social
ZOI - Zona de Ocupação Industrial
ZOP - Zona de Ocupação Prioritária
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................15
Estratégias metodológicas adotadas.....................................................................................20

CAPÍTULO I - AS ESTRUTURAS SOCIAIS DA ECONOMIA..................................30


Entendimentos iniciais sobre a importância dos agentes no campo urbanístico..................30
O Campo, os Capitais e o Habitus........................................................................................41

CAPÍTULO II - A CIDADE, CAMPO DA LUTA SOCIAL E A POLÍTICA


URBANA NO BRASIL......................................................................................................52
O processo brasileiro de urbanização...................................................................................52
Impasses da política urbana no Brasil..................................................................................65

CAPÍTULO III - CENÁRIO DE GRANDES MUDANÇAS..........................................75


Tocantins: processo de ocupação do território e urbanização..............................................75
Palmas: cidade nova, modelo velho.....................................................................................84
Especulação imobiliária e periferização de Palmas....................................................91
Porto Nacional: periferia da capital Palmas?.......................................................................93

CAPÍTULO IV - A GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE” NA PERIFERIA DE


PALMAS...........................................................................................................................100
Antecedentes: área rural e o Reassentamento de Luzimangues.........................................100
Legislação e as consequências das ações dos agentes........................................................112
A urbanização e o crescimento de Luzimangues...............................................................126
Regularização e ordenamento dos loteamentos........................................................126
A legislação e a facilidade para aprovar...................................................................140
O encarecimento do solo em Palmas........................................................................142
Preço menor, pequena entrada e pequena parcela....................................................148
Especulação imobiliária e o processo de ocupação de Luzimangues................................156
Luzimangues: transformações e incertezas........................................................................167

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................172

REFERÊNCIAS...............................................................................................................177

ANEXOS...........................................................................................................................185
Anexo I - Modelo do Roteiro de Entrevistas......................................................................185
Anexo II – Resumo da evolução urbana de Luzimangues.................................................186
15

INTRODUÇÃO

O cenário do antigo norte de Goiás vem se alterando sobremaneira nas últimas

duas décadas. Desde a criação do Estado do Tocantins, com a Constituição Federal (BRA-

SIL, 1988), a região passou por um novo surto desenvolvimentista, atraindo investimentos

econômicos e população atrás de um novo “El Dorado”. No campo essas transformações

são bem sentidas com o desaparecimento de formas tradicionais de produção e sua substi-

tuição pelo agronegócio, que busca sempre novas fronteiras para sua expansão. Nas cida-

des a face dessas transformações aparece no crescimento desordenado, sem planejamento e

nem políticas públicas que atendam a parcela mais pobre da população, aliado com o mo-

delo de especulação imobiliária e de apropriação da valorização decorrentes de investimen-

tos públicos.

A capital Palmas situada às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica de

Lajeado (UHE Lajeado) no Rio Tocantins, é um exemplo dessas grandes mudanças advin-

das e que, apesar do projeto moderno (LIRA, 1995 e VELASQUES, 2009), convive com a

sina das desigualdades sociais e urbanas (XAVIER, 2007), a segregação social (SILVA,

2009), a privatização de terras públicas, a especulação imobiliária (AMARAL, 2009), a ex-


16

pansão e ocupação desordenada (CORIOLANO, 2011), irregularidades fundiárias (BAZ-

ZOLI, 2011), impactos e problemas ambientais (FIGHERA, 2005 e MOLFI, 2009), eleva-

do déficit habitacional (MELO JUNIOR, 2008), os vazios urbanos e uma infraestrutura

cara e deficiente (BAZZOLI, 2007).

Entendendo a cidade como uma construção social, onde o que está erigido é

também carregado de valores simbólicos, essa realidade empírica é fruto de uma série de

decisões tomadas pelos diferentes agentes envolvidos no processo de implantação da cida-

de, em especial das decisões do poder público — nem sempre em consonância com os inte-

resses coletivos, mas ao contrário, advogando em causa de interesses particulares.

Mesmo com todo o arcabouço projetual e jurídico que propicia a construção de

Palmas temos a repetição de um modelo de cidade excludente do Brasil. O poder público é

incapaz de captar e resguardar parte da valorização das terras para a coletividade (SANTO-

RO, 2004), ficando o “ônus” desse processo de urbanização na conta da sociedade, e propi-

ciando, nas palavras de Campos Filho (2001:52), “um governo urbano cada vez mais po-

bre e que enfrenta cidades cada vez mais caras”. Na mesma medida é a fala de Maricato

(2008), que chama atenção ao laissez faire, o “deixai fazer” da política liberal que predo-

mina na falta de planejamento e de gestão nas cidades do Brasil.

“… a maior parte das moradias, assim como boa parte das cida-
des construídas no país nos últimos vinte anos, foram feitas sem fi-
nanciamento, sem conhecimento técnico e fora da lei (Instituto Ci-
dadania, 2000). Isto significa que os arquitetos e engenheiros não
tem participado dessa grande construção. Significa também a au-
sência do Estado regulador e planejador nessas áreas. E isto não
ocorre apenas no final do século XX, sob a inspiração do neolibe-
ralismo, mas é uma característica que acompanha o processo de
desenvolvimento urbano, a partir da emergência do trabalhador li-
vre, para ficarmos restritos ao período mais significativo da urba-
nização brasileira. O laissez faire predominou no uso e na ocupa-
ção do solo, na maciça maioria das cidades, décadas após déca-
das, independentemente do prestigio ou desprestigio do planeja-
17

mento urbano e do Estado interventor ou liberal.” (MARICATO,


2008:133)

Com essa visão do cenário da região começamos a descobrir e delinear nosso

objeto de pesquisa. O que nos chamou atenção de início foi o processo de urbanização re-

cente de Luzimangues, distrito do município de Porto Nacional com uma proximidade

muito grande com a capital Palmas, apenas 8 km, correspondendo à travessia da Ponte da

Amizade (Figura 1). A sede do município de Porto Nacional encontra-se a 70 km de dis-

tancia do distrito e na outra margem do Rio Tocantins. A localidade vem passando por um

rápido processo de transformação rural/urbano e a ocupação por empreendimentos imobili-

ários, em desconformidade aos preceitos e diretrizes atuais da política de desenvolvimento

urbano consolidados na Constituição Federal (BRASIL, 1988) e no Estatuto da Cidade

(BRASIL, 2001). O processo é capitaneado pela iniciativa privada, que busca o lucro utili-

zando a terra como reserva de valor a ser explorada.

Figura 1: Localização geral da área de estudo

Fonte: Imagem organizada pelo autor, sobre imagens de Andrade, 2012; SEDUH, 2011; e
Google, 2012.

Num passado recente o território de Luzimangues é tratado como área de reser-

va para expansão da capital Palmas, com vinculação expressa na Constituição Estadual

(TOCANTINS, 1989), porém a divisão do município de Porto Nacional nunca foi efetiva-
18

da. Passa posteriormente por redefinições de uso devido principalmente à proximidade

com a capital Palmas e ao enchimento do reservatório da UHE Lajeado no Rio Tocantins

(2001). É tratada como área de interesse ambiental, instituída a Área de Preservação Ambi-

ental (APA) do Lago de Palmas, através da Lei n° 1.008/1999; passa por desapropriações e

realocações de comunidades ribeirinhas, é desta época o surgimento da pequena comunida-

de do Reassentamento Luzimangues; construção da ponte que liga Palmas ao município de

Porto Nacional, a Ponte da Amizade, dando acesso ao município de Paraíso do Tocantins e

ligação à BR-153 (a Rodovia Belém/Brasília).

Todos esses fatores somados às expectativas da instalação de um polo industri-

al intermodal com a chegada da Ferrovia Norte/Sul (FNS) fez crescer os interesses dos pro-

prietários privados e o surgimento efetivo dos primeiros loteamentos urbanos.

Essa dissertação toma como tema a construção da política urbana local com

uma ótica na dinâmica dos agentes e nas suas tomadas de posição no campo da luta políti-

ca, fazendo valer interesses específicos e utilizando de diferentes trunfos para a hegemonia

da sua posição. Como tema específico abordamos a construção dos mecanismos institucio-

nais da política urbana do município de Porto Nacional (Leis do Plano Diretor, Macrozone-

amento e Parcelamento do Solo) que permitem a tomada de um território até então rural,

cobiçado pelo mercado imobiliário, provocando na prática o surgimento de uma “nova” ci-

dade que é Luzimangues. Esse novo espaço urbano tem como objetivo principal sua explo-

ração pelo capital particular do mercado de terras.

O processo de discussão da legislação é realizado pela prefeitura de Porto Na-

cional, com o auxilio do Governo do Estado através da Secretaria de Planejamento (SE-

PLAN) e de uma empresa de consultoria, com o foco nos problemas da sede do município.

Em paralelo a prefeitura de Porto Nacional, juntamente com o Governo do Estado através


19

da Agência de Habitação e Desenvolvimento Urbano (AHDU), a Empresa ORLA S/A e a

Federação das Indústrias do Estado do Tocantins (FIETO), contrata um outro estudo tra-

tando especificamente da região de Luzimangues, vislumbrando as capacidades da região

para o desenvolvimento industrial, decorrente da construção da FNS e do seu Pátio Inter-

modal — sem excluir os interesses do setor imobiliário.

Para balizar e dar um direcionamento à pesquisa suscitamos algumas dúvidas

quanto ao processo da produção do espaço urbano do distrito e tomamos como “perguntas

de partida” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992) os seguintes questionamentos: Como se

deu esse processo? Quais os agentes (forças sociais) envolvidos e como atuaram no campo

da luta política? Quais interesses defendiam para justificar suas tomadas de posição? Quais

trunfos detinham para fazer valer sua posição?

O momento de discussão/definição do Plano Diretor de Desenvolvimento Sus-

tentável (PDDS) de Porto Nacional é tomado como um campo de disputa do espaço social,

lócus onde ocorrem os conflitos e alianças entre os diferentes agentes. Partindo da estrutura

desse campo social e das tomadas de posições dos agentes (BOURDIEU, 2001) tivemos

como objetivo da pesquisa a tentativa de abrir a “caixa-preta” e explicar o processo que re-

fletirá na tomada e transformação do território do Distrito de Luzimangues, descrevendo

como esses processos foram desdobrados.

A hipótese que procuramos testar foi que no processo de embate da construção

dos instrumentos da política urbana local do município de Porto Nacional os diversos

agentes envolvidos com os interesses do mercado de terras assumiram uma nova posição

na estrutura do campo social, com a institucionalização das áreas urbanas de Luzimangues.


20

Estratégias metodológicas adotadas

Com essa breve contextualização e explanação dos tópicos iniciais da pesquisa,

procuramos estabelecer um ferramental metodológico capaz de analisar e dar respostas aos

desafios colocados. Iniciamos esse caminho com alguns posicionamentos balizadores da

conduta de pesquisa, procurando pautar por uma visão crítica sobre as informações e dados

levantados ou produzidos. Conforme Quivy e Campenhoudt (1992), estudiosos da metodo-

logia da pesquisa cientifica no campo social, devemos fazer esforços para uma “procura

sincera da verdade”.

“Não a verdade absoluta, estabelecida de uma vez por todas pelos


dogmas, mas aquela que se repõe sempre em questão e se
aprofunda incessantemente devido ao desejo de compreender com
mais justeza o real em que vivemos e para cuja produção
contribuímos.” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992:22)

Tomamos o momento de discussão/definição do Plano Diretor de Porto Nacio-

nal como um campo de disputas, lócus onde ocorrem os conflitos e alianças entre os dife-

rentes agentes (forças sociais). Esse momento da definição dos instrumentos jurídicos e ur-

banísticos é de vital importância ao processo de ocupação do território do Distrito de Luzi-

mangues, formalizando as demandas já então existentes (implantação da FNS, instalação

do Polo Intermodal e consolidação de loteamentos irregulares) e pavimentando o caminho

para o grande número de novos loteamentos que aparecerão e serão comercializados poste-

riormente.

Para essa finalidade fizemos uso do levantamento e análise de diferentes fontes

de dados:
21

• revisão teórica geral para, primeiramente, situar a discussão da utilização

dos agentes no campo urbanístico, principalmente através de Bourdieu (2011); e em

seguida buscando contextualizar o objeto de estudo com a produção das cidades no Brasil,

por meio da obra de Maricato (2008 e 2011), Campos Filho (2001), Bonduki (1992 e 1998)

e outros;

• a revisão dos instrumentos jurídicos da política urbana de Porto Nacional,

principalmente do PDDS e suas leis complementares (2006), observando o documento

técnico que condensou os estudos das questões urbanísticas do município (PORTO

NACIONAL, 2006), passando também pelo levantamento e análise das principais leis

estaduais com interferência na região;

• o material referente ao Macrozoneamento e ao Macroparcelamento da

região de Luzimangues, que não possui o mesmo aprofundamento na sua sistematização e

nas suas justificativas, sendo ainda pouco conhecido; diz respeito às apresentações (slides)

que eram mostradas em diferentes momentos e os relatos dos próprios projetistas;

• uma breve análise da ocupação espacial do distrito com base no

mapeamento existente, fornecido pela prefeitura de Porto Nacional, pelos projetistas e

através de folders e sites dos empreendimentos imobiliários;

• o resgate de estudos sobre a região, em Danaga (2004), Oliveira (2009),

Adão Oliveira (2009) e Sêne (2009); relatos de moradores da região, complementados pela

observação empírica da localidade, com visitas de campo, intencionando a maior

aproximação do objeto de estudo;

• e entrevistas (com registro) com agentes envolvidos na gênese e na

dinâmica do processo estudado. As entrevistas foram necessárias para complementar as

informações da pesquisa empírica e documental, e se mostraram essenciais para reunir os


22

relatos do que não estava escrito ou registrado em outros meios, podendo fornecer à

pesquisa uma série de dados que possibilitaram as análises do processo da urbanização do

distrito.

Antes da etapa das entrevistas propriamente dita, foram realizadas “entrevistas

exploratórias” (sem registro) com pessoas que exerceram o papel de “informantes úteis”

(QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992). Tratavam-se de entrevistas pouco aprofundadas,

com a intenção de levantar dados e apontar alguns caminhos a serem explorados durante o

andamento da pesquisa. Foram procurados estudiosos e técnicos da questão urbana, técni-

cos da prefeitura de Porto Nacional e corretores imobiliários.

Já na etapa seguinte, para a seleção dos entrevistados, seguimos o que é de-

monstrado por Quivy e Campenhoudt (1992:69), procurando agentes que “pela sua posi-

ção, pela sua ação ou pelas suas responsabilidades”, têm um bom conhecimento e viven-

cia do problema, são “testemunhas privilegiadas”.

“Essas testemunhas podem pertencer ao público sobre que incide


o estudo ou ser-lhes exteriores, mas muito relacionadas com esse
público.” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992:69)

Também Bourdieu (2001:125) nos forneceu critérios para determinar a lista

dos agentes, “apalpando o terreno, fazendo intervir, além dos critérios de 'reputação' apu-

rados pela análise das conversas e das experiências publicadas, critérios institucionais,

como a ocupação de posições de poder reconhecidas”.

Outra questão metodológica a ser destacada é quanto ao tamanho do universo

de entrevistas que foram realizadas. A abordagem utilizada não foi quantitativa, onde é

exigido um número mínimo de amostras para chegarmos em análises percentuais ou abso-

lutas, neste caso nossa abordagem foi qualitativa, tentando obter o máximo de informações

úteis dos agentes entrevistados. Segundo Thiollent (1982:199), numa pesquisa desse tipo,
23

só um pequeno número de pessoas é interrogado, e são escolhidas em função de critérios

que nada têm de probabilistas e nem de representação no sentido estatístico.

Desta maneira buscamos fazer uma relação dos agentes que seriam entrevista-

dos e uma estruturação do campo de estudo (Quadro 1), distribuindo-os conforme os inte-

resses e os capitais (ou trunfos) detidos. Para Bourdieu (2001:125) essa abordagem ajuda a

explicar as estratégias adotadas nas lutas sociais, de maneira a refletir sua posição e sua to-

mada de posição.

Quadro 1 - Distribuição dos agentes no campo


Agente do poder político local: Agentes do poder público estadual:

• Paulo Mourão (ex-Prefeito de Porto Nacional) • Aleandro Lacerda Gonçalves (ex-Secretário de ha-
bitação do Estado)
• Eli Ramos (arquiteto e ex-Diretor da Secretaria de
Habitação do Estado)
• Marcos Antônio Gaipo de Andrade (arquiteto con-
tratado pelo Estado/ORLA S/A)
Agentes do mercado imobiliário: Agente da academia:

• José Ricardo de Sousa (Carajás Empreendimentos) • Elizeu Ribeiro Lira (geografo e professor universi-
• Miquéias Siqueira da Silva (Village Morena e Rivi- tário)
era do Lago)
• José Ricardo Faria (União do Lago)
• Adriano Fernandes Lacerda (Buriti)

Fonte: Quadro organizado pelo autor.

Agente do poder político local:

Paulo Mourão, político da região de Porto Nacional que era o prefeito do muni-

cípio no período de 2005 a 2008, quando foi discutido e aprovado o Plano Diretor de De-

senvolvimento Sustentável de Porto Nacional (PDDS) e também os projetos de Macrozo-

neamento e Macroparcelamento de Luzimangues. Entrevista realizada em 21/04/2012.


24

Agentes do poder público estadual:

Aleandro Lacerda Gonçalves, advogado pela Universidade Católica de Goiás

(UCG), natural de Goiânia – GO, nascido em 1973, residente em Palmas desde 1997. Foi

presidente da Agência Estadual de Habitação e Desenvolvimento Urbano (AHDU) e Se-

cretário Estadual de Habitação no período que foram formulados os projetos de Macrozo-

neamento e Macroparcelamento de Luzimangues. Anteriormente, desenvolveu atividades

profissionais junto ao “Consórcio Lajeado / INVESTCO”, na negociação e regularização

de áreas de reassentamentos durante a construção da UHE Lajeado — entre elas a do Reas-

sentamento de Luzimangues. Entrevista realizada em 16/04/2012.

Eli Ramos, arquiteto e urbanista pela Universidade Federal do Tocantins (UFT)

desde 2001, nascido em Londrina – PR, no ano de 1972, mora em Palmas desde 1992. Atu-

ando junto ao Governo do Estado como Diretor da Secretaria Estadual de Habitação foi o

técnico responsável pelos projetos de Macrozoneamento e Macroparcelamento de Luzi-

mangues. Entrevista realizada em 04/04/2012.

Marcos Antônio Gaipo de Andrade, arquiteto e urbanista pela Universidade Fe-

deral do Tocantins (UFT) desde 2003, Pós-graduado em Infraestrutura Urbana e Planeja-

mento Urbano também pela UFT, voltado ao estudo da pavimentação do sistema viário.

Mantém o escritório “Studio – Arquitetura e Construção”, responsável pelos projetos de

Macrozoneamento e Macroparcelamento de Luzimangues, contratado inicialmente pela

prefeitura de Porto Nacional e posteriormente pela ORLA S/A. Entrevista realizada em

22/03/2012.
25

Agentes do mercado imobiliário:

José Ricardo de Sousa, sócio da empresa “Carajás Empreendimentos”, empresa

do ramo imobiliário com projetos de loteamentos em Luzimangues, no sul do Pará e em

Palmas. Entrevista realizada em 16/05/2012.

Miquéias Siqueira da Silva, nascido em 1982, natural de Santa Isabel no Pará,

mora em Palmas desde 1999 e no Luzimangues desde 2001. É hoje o responsável pelos lo-

teamentos “Village Morena” e “Riviera do Lago”, os primeiros loteamentos no local, e

pelo “Orla Oeste”, ainda a ser lançado. As áreas são de propriedade do seu sogro, Dr. Lu-

cas, advindo da cidade de Anápolis – GO, para exercer o cargo de promotor do Estado, foi

também vereador na cidade de Paraíso do Tocantins. Entrevista realizada em 16/05/2012.

José Ricardo Faria, nascido em 1980 e natural de Araraquara – SP, morando no

Tocantins desde 2000, exerce o cargo de Gerente do Departamento Comercial da empresa

“União do Lago Empreendimentos Imobiliários”. A empresa “União do Lago” vem pro-

movendo loteamentos em Luzimangues e expandindo sua atuação para outras cidades do

Estado, é formada por dois sócios diretores, Darci Garcia da Rocha e José Eduardo Sam-

paio, que têm origem na cidade de Barretos, interior de São Paulo. Entrevista realizada em

22/05/2012.

Adriano Fernandes Lacerda, nascido em 1976 e natural da cidade de Crixás –

GO, mora no Tocantins desde 1990 e em Palmas a 14 anos, é o responsável regional pela

empresa “Buriti Empreendimentos Imobiliários”. A empresa foi criada na cidade de Re-

denção – PA, e já está presente em 24 cidades espalhadas pelos estados do Pará, Tocantins,

Goias, Bahia, Alagoas, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Entrevista realizada em

24/05/2012.
26

Agente da academia:

Elizeu Ribeiro Lira, geografo pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB)

desde 1987, com mestrado (1995) e doutorado (2004) pela Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho (UNESP), professor do Curso de Geografia (UFT) em Porto Naci-

onal, e coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos Regionais Agrários (NURBA), ligado

ao curso. Acompanhou as discussões relacionadas à cidade, dentre elas a elaboração do

PDDS de Porto Nacional. Entrevista realizada em 19/04/2012.

Esclarecemos ainda que o campo se mostra muito mais complexo, envolvendo

outros agentes — os proprietários das áreas (“terreneiros”), os clientes compradores dos lo-

tes, os vendedores (corretores imobiliários), os moradores do assentamento, as empresas

que procuram se instalar do Polo Intermodal, e outros; mas tomamos a decisão de limitar

nosso campo nos agentes abordados, de maneira a propiciar a exequibilidade desta pesqui-

sa. Cada grupo de agentes conformado a partir dos aspectos que têm em comum para um

determinada posição na luta politica, formam um novo campo, onde haverá também ali

disputas e parcerias, “unindo ou opondo, simultaneamente”, e novas posições dos agentes

no espaço do campo, conforme a seus capitais e trunfos (BOURDIEU, 2001:62).

As entrevistas realizadas foram do tipo “não-diretivas” (THIOLLENT,

1982:79), que permitem uma maior liberdade de conversação e um aprofundamento quali-

tativo da investigação, e “pouco estruturadas” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992), utili-

zando perguntas abertas de acordo com um roteiro geral pré elaborado (Anexo I), possibili-

tando o surgimento e discussão de novas problemáticas.

“Neste caso, trata-se de levar a pessoa interrogada a exprimir-se


de forma muito livre acerca dos temas sugeridos por um número
restrito de perguntas relativamente amplas, para deixar o campo
aberto a respostas diferentes das que o investigador teria podido
27

explicitamente prever no seu trabalho de construção.” (QUIVY e


CAMPENHOUDT, 1992:185)

As contribuições desses agentes foram importantes para a construção da pes-

quisa e encontram-se citadas em diversas passagens adiante. As entrevistas foram gravadas

em áudio (por meio digital), com a autorização dos entrevistados, e posteriormente trans-

critas, o que rendeu um registro rico e vasto sobre o processo estudado.

A pesquisa está organizada em capítulos com a seguinte estrutura:

No Capitulo I (As estruturas sociais da economia) abordamos os entendimentos

iniciais sobre a importância dos agentes no campo urbanístico utilizando noções da obra de

Pierre Bourdieu. O autor desenvolveu conceitos muito úteis na esfera da análise

sociológica (campo, capitais e habitus), que faremos o esforço de trazer para a construção e

análise do nosso objeto de estudo. Na obra “As Estruturas Sociais da Economia”

(BOURDIEU, 2001), ele desenvolve um modelo explicativo das estratégias individuais e

coletivas dos agentes no campo, utilizando de diferentes técnicas, como por exemplo a

“análise das correspondências múltiplas”, no sentido de conformar um espaço das

posições e das tomadas de posição na construção da política habitacional da casa

individual na França.

“A análise deve dedicar-se a descrever a estrutura do campo de


produção e os mecanismos que determinam o seu funcionamento
[…] e também a estrutura da distribuição das disposições
econômicas [...]; sem se esquecer de estabelecer, por meio de uma
análise histórica, as condições sociais da produção desse campo
particular.” (BOURDIEU, 2001:33)

Para Bourdieu (2001:137) a análise desse campo de forças não é um fim e deve

servir para revelar todas as suas implicações quando relacionamos as diferentes posições

com as tomadas de posição dos seus ocupantes. Essa abordagem da utilização dos agentes
28

sociais nos estudos urbanos e na conformação das cidades será tratada ainda por Vasconce-

los (2011), e incentivada por Maricato (2011):

“Combater o analfabetismo urbanístico significa elucidar a


estratégia das forças selvagens que fazem do solo urbano e dos
orçamentos públicos pasto para seus interesses. Listar as forças
que têm poder sobre a produção das cidades já seria um tema
fundamental desse aprendizado.” (MARICATO, 2011:45)

No Capitulo II (A cidade, campo da luta social e a Política Urbana no Brasil)

buscamos discutir criticamente a partir da leitura e análise da literatura consolidada, temas

mais gerais como a produção do espaço urbano, a lógica patrimonialista e a especulação

imobiliária, a importância do planejamento e da gestão urbana. Constata-se que muito se

fez no campo institucional e na ampliação das políticas habitacionais, porém a terra conti-

nua sendo um nó e principal causa do momento de impasse da política urbana no Brasil

(MARICATO, 2011). Essas teorias são buscadas nas obras de autores como Santos (2008 e

2009), Maricato (2008 e 2011), Campos Filho (2001), Bonduki (1992 e 1998) e Folz

(2003).

No Capitulo III (Cenário de grandes mudanças) contextualizamos o objeto de

estudo através da revisão da bibliografia específica, permitindo uma gênese histórica e sua

inserção na dimensão regional, utilizando autores como Lira (1995), Oliveira (2009),

Carvalhêdo e Lira (2009), Molfi (2009) e Aquino (1996). Entendemos que os diferentes

agentes estão inseridos em um cenário de grandes e rápidas mudanças, ou seja, o processo

de ocupação do território e de urbanização do Estado do Tocantins, com os seus diferentes

momentos e eixos de desenvolvimento, o surgimento de novas cidades e a alteração dos

papéis de outras na rede urbana que se desenvolve e se transforma. Nesse contexto tem

especial interesse a criação e implantação da capital Palmas, trazendo a novidade moderna

ao interior do cerrado, mas da forma que se deu sua consolidação, vemos que se trata de
29

uma cidade nova e planejada, inserida em um velho modelo de cidade do Brasil. As

consequências desse grande empreendimento que é a construção de Palmas fazem sentir-se

em todo o Estado, mas em especial na cidade de Porto Nacional, relegada então à periferia

da capital e em busca de novas vocações.

No Capitulo IV (A gênese de uma “nova cidade” na periferia de Palmas) abor-

damos o Distrito de Luzimangues em si e a discussão da gênese de uma “nova cidade” na

periferia de Palmas. “Nova cidade” por conta da escala da intervenção no território e na re-

petição do modelo especulativo. Para isso, resgatamos os antecedentes da região ainda

como área rural e o Reassentamento de Luzimangues, implantado em decorrência do rema-

nejamento das famílias com o enchimento do Lago de Palmas, o reservatório da UHE La-

jeado. Em seguida são tratadas as novas transformações do território com o avanço de lote-

amentos urbanos na área até então rural, consolidados pelo planejamento urbano e pela

ação dos diversos agentes atuantes no campo da luta social, tendo em vista as noções e

conceitos de Bourdieu (2001). Nesse momento são demonstradas as mudanças decorrentes

do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável (PDDS) de Porto Nacional e de suas leis

complementares, bem como os demais fatores que contribuíram para a tomada do território

do distrito pelo capital imobiliário.

Nas “Considerações Finais”, trazemos a conclusão do trabalho e sugestões de

desdobramentos da temática estudada.


30

CAPÍTULO I - AS ESTRUTURAS SOCIAIS DA ECONOMIA

Entendimentos iniciais sobre a importância dos agentes no campo

urbanístico

Ao estudar as transformações dos espaços físicos no campo urbanístico, cada

vez mais avança a importância do entendimento da ação dos atores e dos agentes sociais.

Recorremos inicialmente a Vasconcelos (2011), que faz um breve exame da utilização dos

agentes sociais nos estudos urbanos, resgatando os conceitos de vários autores ligados a di-

ferentes campos do conhecimento (sociologia, história e geografia). Ele procura questionar

se as grandes categorias utilizadas na geografia urbana são suficientes para compreender a

complexidade da atuação dos agentes na transformação das cidades, ainda mais nas cida-

des dos países periféricos. “Nesses países, os agentes não capitalistas como os proprietá-

rios fundiários e, sobretudo, os invasores e ocupantes de terrenos, têm uma participação

fundamental na conformação das cidades” (VASCONCELOS, 2011:75).

“O uso da noção de agentes sociais parece ser bastante rico para


o entendimento das cidades brasileiras, na medida em que 'agen-
tes' não capitalistas podem ser incluídos nas análises, o que permi-
31

te, entre outras possibilidades, a sua utilização no presente e no


passado.” (VASCONCELOS, 2011:92)

O autor faz o esforço de demonstrar as diferenças entre o uso dos termos

“agentes” e “atores”, a partir do referencial teórico de Grafmeyer (VASCONCELOS,

2011:75), Burnet, Ferras e Théry (VASCONCELOS, 2011:75), e Lévy (VASCONCELOS,

2011:76) que levanta os seguintes autores que preferem utilizar os agentes, negando o ator

individual: “Marx, Bourdieu, Durkheim e Lévi-Strauss, enquanto outros autores dariam

mais destaque à autonomia dos indivíduos, como Weber, Simmel, Elias, Giddens, Berger e

Luckman” (VASCONCELOS, 2011:76).

“Apesar dos limites apontados sobre a noção de agente, prefiro


sua utilização à da noção de ator, tendo em vista que esta última
remete a papéis de representação, tanto na vida corrente como nas
artes (teatro, cinema).” (VASCONCELOS, 2011:76)

Lefebvre prefere “a utilização de diferentes tipos de capital (o capital fundiá-

rio, o capital comercial, o capital financeiro) ao uso da noção de atores ou agentes”

(VASCONCELOS, 2011:77). Touraine, examina o papel do ator social e vê o Estado como

“um agente social complexo, cuja ação se estende sobre o campo da historicidade, sobre

as instituições e sobre a organização social. Ele não poderia ser reduzido ao papel de

agente de uma força social e política” (VASCONCELOS, 2011:77).

Topalov analisa a produção capitalista da habitação na França, na atuação dos

promotores imobiliários. Nos escritos desse autor inicialmente é utilizado o termo “ator”,

mais tarde substituído pelo termo “agente”. “Topalov (1974) define então 'agente', utili-

zando a linguagem marxista, como 'o suporte de uma articulação de relações sociais, e

que estuda suas práticas como efeitos do funcionamento e das transformações dessas rela-

ções” (VASCONCELOS, 2011:78). Topalov acrescenta ainda que:


32

“O 'mercado fundiário' aparece como o lugar de um processo que


compreende três grupos de agentes: (1) os proprietários fundiários
(que detêm o solo); (2) o poder público (cuja atividade de planeja-
mento e regulamentação define os usos possíveis do solo); e (3) os
promotores (administradores do capital imobiliário de circulação
que agem para transformar o solo em mercadoria).” (VASCON-
CELOS, 2011:79)

Para Corrêa (2011:44) a ação dos agentes é que materializam os processos so-

ciais na forma de um ambiente construído, desde a escala da rede urbana até o espaço in-

traurbano. Para ele a produção e transformação do espaço não é “o resultado da 'mão invi-

sível do mercado', nem de um Estado hegeliano, visto como entidade supraorgânica, ou de

um capital abstrato que emerge de fora das relações sociais”. O espaço é produzido como

“consequência da ação de agentes sociais concretos, históricos, dotados de interesses, es-

tratégias e práticas espaciais próprias, portadores de contradições e geradores de confli-

tos entre eles mesmos e com outros segmentos da sociedade” (CORRÊA, 2011:43).

Nesse sentido o Estado, na sociedade capitalista, desempenha múltiplos papéis

em relação à produção do espaço, decorrentes do fato dele constituir uma arena na qual di-

ferentes interesses e conflitos se enfrentam (CORRÊA, 2011:45). Os tipos de agentes iden-

tificados por Corrêa (2011:44) seriam “os proprietários dos meios de produção, os propri-

etários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos”.

Já para Santos (1988), os acontecimentos na cidade são comparáveis ao jogo de

cartas. O “jogo urbano” será jogado pelos parceiros que se enfrentam segundo os grupos e

filiações a que pertençam, o ideal é que esses agentes do desenvolvimento urbano, domi-

nem as regras e se acertem quanto à sua aplicação (SANTOS, 1988:51).

“Há os políticos, técnicos e funcionários que representam o GO-


VERNO. Aqui é preciso distinguir de que nível de governo se trata,
pois sobre as cidades intervem agentes federais, estaduais e muni-
cipais. Existem as EMPRESAS que agem através de investimentos
na industria, no comercio e nos serviços, com especial destaque
33

para o capital ligado aos ramos imobiliário e da construção civil,


cujas ações têm reflexos diretos no meio urbano. Por fim, entra a
POPULAÇÃO, fragmentada nos mais diversos grupos (vizinhança,
filiação politica e religiosa, profissão, parentesco, afinidades...).”
(SANTOS, 1988:50 e 51)

Dentre as diversas bases teóricas e conceituais para a compreensão do urbano

(que entendemos complementares entre si), elegemos, com o intuito de tentar contribuir

com diferentes pontos de vista, os conceitos do sociólogo francês Pierre Bourdieu, que

para Vasconcelos (2011:80) é tido como o autor mais importante que utiliza a noção de

“agente” na disciplina sociológica. A produção do seu pensamento e de sua obra são vastos

e capazes de ajudar a compreender as diversas relações que compõem as cidades: a cidade

como uma construção social, arena de lutas, consequência da ação dos diversos agentes e

das suas forças distribuídas no campo, um verdadeiro jogo de poder. Esses conceitos são

encontrados na literatura voltada a entender os conflitos da política urbana 1, mas Bourdieu

avança e propõe metodologias capazes de identificar e distribuir os diversos agentes no

campo.

Faz-se importante destacar ainda que os conceitos construídos por Bourdieu

são poucos explorados pelos pensadores das questões urbanas no Brasil, situando essa pro-

blemática no campo das ciências sociais, porém são dotados também de uma metodologia

muito consistente, daí o esforço para nesse primeiro capítulo tratarmos dos principais fun-

damentos, traçando paralelos com a política urbana. Esses entendimentos do pensamento

bourdesiano serão necessários quando voltarmos a tratar da análise das políticas urbanas

envolvidas no nosso objeto de estudo.

1
VILLAÇA, 2005; CAMPOS FILHO, 2001; RIBEIRO E CARDOSO, 2003; MARICATO, 2008 e 2011;
entre outros.
34

Bourdieu vai confrontar alguns dos cânones até então vigentes, ou seja, a visão

puramente economicista, e avançar no campo científico propondo o que denominou de es-

truturas sociais da economia.

“A ciência que designamos por 'economia' assenta numa abstra-


ção originária, que consiste em dissociar uma categoria particular
de práticas, ou uma dimensão particular de qualquer prática, da
ordem social em que toda a prática humana se encontra imersa.”
(BOURDIEU, 2001:13)

Assim, os estudos de Bourdieu distinguem-se da economia na sua forma mais

comum em duas relações essenciais: (1) “tentam em cada caso mobilizar o conjunto dos

saberes disponíveis sobre as diferentes dimensões da ordem social, ou seja, a família, o

Estado, a escola, os sindicatos, as associações, etc. - e não apenas a banca, a empresa e o

mercado” (BOURDIEU, 2001:13); e (2) “munem-se de um sistema de conceitos que, for-

jados com vista a dar conta dos dados da observação, poderia apresentar-se como uma

teoria alternativa para compreender a ação econômica: … através do habitus; capital cul-

tural; capital social; capital simbólico; e campo” (BOURDIEU, 2001:14).

“Uma vez que o mundo social está inteiramente presente em cada


ação 'econômica', é preciso dotarmo-nos de instrumentos de co-
nhecimento que, longe de excluir a multidimensionalidade e a mul-
tifuncionalidade das práticas, permitam construir modelos históri-
cos capazes de dar razão, com rigor e parcimônia, às ações e insti-
tuições econômicas tal como estas se oferecem à observação empí-
rica. Isso, evidentemente, à custa de uma suspensão prévia da ade-
são às evidencias e às prenoções de senso comum.” (BOURDIEU,
2001:15, grifo nosso)

Para o autor os modelos puramente econômicos são em muitas situações insufi-

cientes para apreender a vida social pois os agentes fazem escolhas diferentes daquelas

previstas a partir do reducionismo de um modelo econômico (BOURDIEU, 2001:21). Ele

envolverá também diferentes dimensões nessa discussão quando trata das “disposições
35

econômicas mais fundamentais, necessidades, preferencias, propensões”, afirmando que

“não são exógenas, isto é, dependentes de uma natureza humana universal, mas endóge-

nas e dependentes de uma história, que é precisamente a do cosmos econômico, onde são

exigidas as recompensas” (BOURDIEU, 2001:22).

“Isto equivale a dizer, contra a distinção canônica entre os fins e


os meios, que o campo impõe a todos, mas em graus diversos con-
soante a sua posição e suas capacidades econômicas, não só os
meios 'razoáveis', mas os fins, isto é, o enriquecimento individual,
da ação econômica.” (BOURDIEU, 2001:22)

E ainda construindo essa estrutura de pensamento:

“Entre a teoria econômica na sua forma mais pura, isto é, mais


formalizada, que nunca é tão neutra quanto crê e quer fazer crer, e
as políticas que são implementadas em seu nome ou legitimadas
por seu intermédio, interpõem-se agentes e instituições que estão
impregnados de todos os pressupostos herdados da imersão num
mundo econômico particular, saído de uma história singular.”
(BOURDIEU, 2001:24)

Para exemplificar essa abordagem o autor fala sobre um “senso comum econô-

mico” (BOURDIEU, 2001:24), tomando como objeto a economia neoliberal que deve um

certo número das suas características, pretensamente universais, ao fato de “estar imersa,

embedded, numa sociedade particular, isto é, enraizada num sistema de crenças e valores,

num ethos e numa visão moral do mundo” (BOURDIEU, 2001:24). Essa interpretação das

ações e interposições de agentes e instituições é bem clara quando tratamos também da te-

mática urbana e de todas as interações sociais para a produção e (re)produção do espaço

das cidades, envolvendo agentes privados (com diferentes escalas de trunfos ou

vantagens), mediados pelo Estado, “que está em condição de exercer uma influência de-

terminante sobre o funcionamento do campo” (BOURDIEU, 2001:26).

“O Estado é a culminação e o produto de um lento processo de


acumulação e concentração de diferentes tipos de capital: capital
36

de força física, policial ou militar (que na definição weberiana


evoca ao falar do “monopólio da violência física legitima”); capi-
tal econômico, necessário entre outras coisas para assegurar o fi-
nanciamento da força física, capital cultural ou informacional,
acumulado na forma, por exemplo, de estatísticas, mas também de
instrumentos de conhecimento dotados de validez universal nos li-
mites da sua incumbência, como os pesos, as medidas, os mapas e
os cadastros; por último, capital simbólico.” (BOURDIEU,
2001:26)

Esse papel do Estado se aplica particularmente ao campo das políticas urbanas,

onde exerce seus poderes desde as interelações dos cidadãos até seus reflexos práticos no

território, responsável pelo regramento (fazer as leis), a fiscalização (fazer cumprir as re-

gras), a execução das políticas públicas e do planejamento e decisão dos investimentos em

obras e equipamentos públicos — favorecendo uma política em detrimento de outra, ou um

determinado grupo de interesse em desfavor de outros.

Bourdieu faz uma análise tomando especificamente o mercado da casa indivi-

dual na França (BOURDIEU, 2001), aplicando os conceitos de capitais, campo e habitus.

Procuramos fazer aqui um paralelo com o mercado de terras urbanas analisando toda uma

transformação e construção social com as reverberações concretas no território. Para o au-

tor “qualquer mercado (sem dúvida em graus diferentes) é o produto de uma dupla cons-

trução social” (BOURDIEU, 2001:32), sendo que o Estado desempenha um papel funda-

mental pois “contribui numa parte decisiva: construção da procura e construção da ofer-

ta” (BOURDIEU, 2001:32).

“Através, nomeadamente, de todas as formas de regulamentação e


de ajuda financeira destinadas a favorecer esta ou aquela maneira
de realizar os gostos em matéria de habitação, ajudas aos constru-
tores ou aos particulares, como os empréstimos, as exonerações,
crédito mais barato, etc., o Estado – e aqueles que estão em situa-
ção de impor os seus pontos de vista através dele – contribui mui-
to fortemente para produzir o estado do mercado de habitação [e
do solo urbano], nomeadamente orientando, direta e indiretamen-
te, os investimentos financeiros – e também afetivos – das diferen-
37

tes categorias sociais em matéria de habitação.” (BOURDIEU,


2001:32, grifo nosso)

A política de créditos (política do Estado) altera a própria demanda, as pessoas

acabam “preferindo”2 a propriedade da casa3 — no caso da França:

“Categorias até aí pouco propensas a fazer da aquisição da habi-


tação o principal investimento e que teriam oferecido uma cliente-
la natural a uma política visando favorecer a criação de habita-
ções públicas (casas individuais ou imóveis) destinados ao aluguel
entraram, graças ao crédito e às ajudas do governo, na lógica da
acumulação de um patrimônio econômico, dando assim lugar, nas
suas estratégias de reprodução, à transmissão direta de bens mate-
riais.” (BOURDIEU, 2001:56)

Nessa construção do mercado um ponto abordado é quanto ao simbolismo da

casa/moradia, e que tem no terreno um insumo essencial para sua existência, o que provoca

e exerce influências sobre o mercado de terras e nos agentes da sua cadeia de produção. “A

'casa' é dotada de características particulares, esse produto em que a componente simbó-

lica tem uma carga especialmente forte” (BOURDIEU, 2001:35).

A casa é um dos maiores investimentos no ciclo de vida da maior parte das fa-

mílias:

“Bem de consumo que, em virtude do seu elevado custo, é objeto


de uma das decisões econômicas mais difíceis de todo um ciclo de
vida doméstica, é também uma poupança financeira e um investi-
mento que sabemos conservar ou aumentar o seu valor ao mesmo
tempo que proporciona satisfações imediatas.” (BOURDIEU,
2001:36)

O simbolismo da casa avança no imaginário coletivo, desde a criação do mito

da casa própria (no caso do Brasil, ver BONDUKI, 1998) e que é alimentado constante-

2
“As preferências variam de acordo com diferentes fatores: o capital econômico, o capital cultural, a
estrutura do capital tomado no seu conjunto, a trajetória social, a idade, o estatuto matrimonial, o
número de filhos, a posição no ciclo de vida familiar, etc.” (BOURDIEU, 2001:44)
3
Política neoliberal – “o direito individual à propriedade de um patrimônio minimo.” ( BOURDIEU,
2001:114)
38

mente, como chama atenção Bourdieu, “pelo sucesso da imprensa consagrada à decora-

ção da casa” (BOURDIEU, 2001:36), e faz-se notar também na “retórica publicitária”

(BOURDIEU, 2001:38), em torno da venda de casas, apartamentos e loteamentos.

“A 'casa' remete, inseparavelmente, para a residencia material e


para a família que aí viveu, vive ou viverá, entidade social cuja
transcendência em relação às pessoas individuais se afirma, preci-
samente, no fato de dispor de um patrimônio de bens materiais e
simbólicos.” (BOURDIEU, 2001:36).

O autor ainda cita uma passagem do estudo de Marc Augé: “O sistema de

anúncios, em suma, funciona como se fosse uma armadilha seletiva cujos mecanismos

servem para orientar as diferentes categorias de vítimas aos seus locais de cativeiro”

(BOURDIEU, 2001:42). Podemos pensar que esse mito é perpetuado mais ainda, e conse-

quentemente seu simbolismo, com as ações midiáticas que são vistas em programas televi-

sivos, no caso brasileiro, de abrangência nacional – por exemplo o quadro “Lar Doce Lar”,

do programa “Caldeirão do Huck” da Rede Globo de Televisão, ou o “Sonhar Mais um

Sonho”, do “Programa do Gugu” da Rede Record de Televisão; que “realizam os sonhos”

de famílias de menor renda, alimentando os sonhos e os desejos de consumo de outras

tantas. Os mesmos apelos são evocados no material publicitário da venda de imóveis,

mostrando sempre rostos alegres de determinados padrões familiares e ambientes “de

novela” ricamente decorados.

Ainda sobre a publicidade4, “que tem a função de convencer o cliente que o

produto proposto é feito para ele, e que ele é feito para aquele produto” (BOURDIEU,

2001:78), o autor chama atenção para o fato de que “como qualquer ação simbólica, a pu-

blicidade nunca tem tanto êxito como quando lisonjeia, excita ou desperta disposições

preexistentes que exprime e a que dá, assim, ensejo de se reconhecerem e executarem”

4
“O peso relativo que uma empresa atribui à função comercial é, sem duvida, um dos indicadores mais
poderosos e mais significativos da sua posição no campo dos construtores.” (BOURDIEU, 2001:78)
39

(BOURDIEU, 2001:79). E demonstra argumentos muito utilizados para a comercialização:

“a superioridade da propriedade sobre o aluguel ('comprar é mais barato do que

alugar')” (BOURDIEU, 2001:79) ou “os encantos da natureza” (BOURDIEU, 2001:79),

“para fazer esquecer o afastamento da residencia proposta relativamente ao centro da ci-

dade ou ao local de trabalho, convidando a fazer da necessidade virtude e a converter a

relegação num subúrbio longínquo em regresso de eleição ao campo” (BOURDIEU,

2001:80).

Mas além disso não podemos deixar de lado a questão prática que acaba influ-

enciando o crescimento das nossas cidades: “é preciso morar”. Movidos mesmos pelo mo-

mento de formação de uma família e da busca de segurança “os proprietários das gera-

ções mais recentes veem no acesso à propriedade um meio de se alojarem e de constituí -

rem ao mesmo tempo um patrimônio imobiliário” (BOURDIEU, 2001:44).

“[…] a questão da compra de uma casa coloca-se como uma força


particular em certas etapas desse ciclo [da vida doméstica], em re-
lação com o desejo de 'fundar', como se diz, uma 'família', isto é,
no momento do casamento ou nos anos que se seguem, em ligação
com o aparecimento dos filhos.” (BOURDIEU, 2001:53)

Para se chegar a esse fim as famílias acabam se sujeitando, ao mesmo tempo

que são sujeitadas, a fatores diversos observados ao longo da formação das nossas cidades:

moradia cada vez mais longe dos centros urbanos com a deslocação para os subúrbios e pe-

riferias, loteamentos sem a devida infraestrutura ou irregulares, submoradias em cortiços,

barracos de lona, entre tantos outros. “A aparente democratização do acesso à proprieda-

de dissimula diferenças consoante à localização e às características dessa habitação”

(BOURDIEU, 2001:58); envolvem “custos reais, em dinheiro e em tempo 5 - tempo de tra-

5
São as consequências escondidas – aumento dos custos de transporte, a aquisição de uma segunda viatura,
etc. (BOURDIEU, 2001:210)
40

balho próprio para arranjar a casa, tempo de espera para se tornar proprietário, tempo

de trajeto para chegar ao trabalho” (BOURDIEU, 2001:58).

“Se as despesas em transportes são particularmente elevadas para


os proprietários das frações assalariadas das classes médias e su-
periores, os custos em tempo de trabalho para acabar a casa ou
para prover à sua manutenção por meio de trabalhos diversos são
particularmente elevados para os operários... As diferenças inci-
dem igualmente sobre os lucros de utilização e de eventual comer-
cialização. As casas possuídas são, evidentemente, de valor muito
desigual, devido à sua qualidade técnica ou estética e sobretudo à
sua localização.” (BOURDIEU, 2001:60, grifo nosso)

As relações urbanas tão complexas ficam reduzidas a uma transação comercial,

procura e demanda, comprador e vendedor, mas que se configura, segundo Bourdieu, num

“contrato sob coação” (BOURDIEU, 2001:183) pois:

“Não existe interação que dissimule tão bem a sua verdade estru-
tural como a relação entre o comprador e o vendedor na transa-
ção imobiliária. A verdade da interação não está na interação (re-
lação a dois que é sempre de fato uma relação a três, os dois agen-
tes e o espaço social em que estão inseridos). Não passam de atua-
lizações conjunturais da relação objetiva entre o poder financeiro
do banco [agente eficiente que detém o poder econômico] e um cli-
ente definido.” (BOURDIEU, 2001:183 e 184)

Nessa relação imposta o comprador, em clara desvantagem, irá se agarrar a

“tudo o que se pareça com uma garantia pessoal” (BOURDIEU, 2001:204) e acaba de-

senvolvendo relações de proximidade com o vendedor no intuito de firmar um “contrato

de confiança global, capaz de esconjurar a angústia, dando de uma vez por todas as ga-

rantias relativas às incertezas da transação” (BOURDIEU, 2001:204).

Ainda no âmbito desse campo das questões simbólicas, Bourdieu tece uma crí-

tica contundente ao modelo liberal da propriedade urbana, que promove um modelo cujo

custo social coletivo se torna muito elevado.


41

“O que sobressai deste discurso comum – e escolhido precisamen-


te pela sua representatividade – é o efeito de uma política que vi-
sava oferecer um mercado aos produtores de casas produzindo ao
mesmo tempo proprietários apegados à sua propriedade, e que
teve êxito, em determinado sentido. Mas aqueles que assim se en-
contraram constituídos proprietários de casas suburbanas só tive-
ram acesso a essas satisfações, na maior parte dos casos, arcando
com custos tão elevados que, mesmo que a política liberal tenha
favorecido a execução de uma transformação profunda, e profun-
damente conforme aos seus desejos, da ordem social, a verdade é
que ela não proporcionou aos seus promotores os benefícios políti-
cos que esperavam dela. Centrada em torno da educação das cri-
anças concebida como via de ascensão individual, a célula famili-
ar é doravante a sede de uma espécie de egoísmo coletivo, que en-
contra a sua legitimação num culto da vida doméstica permanente-
mente celebrada por todos aqueles que vivem direta, ou indireta-
mente, da produção e da circulação dos objetos domésticos.”
(BOURDIEU, 2001:229 e 230, grifo nosso)

Mais adiante o autor diz que há aqueles que não têm interesse que se estabeleça

o elo entre as políticas econômicas e suas reverberações sociais e seus efeitos a curto e a

longo prazo (BOURDIEU, 2001:261).

O Campo, os Capitais e o Habitus

Para Bourdieu “a noção de campo permite ter em conta as diferenças entre as

empresas (cuja amplitude varia muito, sem dúvida, de acordo com os “ramos”) e também

as relações objetivas de complementaridade na rivalidade que os une e os opõe [os agen-

tes] em simultâneo” (BOURDIEU, 2001:62). A empresa para nós terá significados mais

amplos, constituindo-se em campos diversos de atuação dos agentes – a política urbana

como campo, as esferas do poder público como campo, o campo do mercado de terras, etc.

“Assim, compreender a lógica da concorrência de que o campo é o


lugar é determinar as propriedades diferenciais que, funcionando
como trunfos específicos, definidos na sua própria existência e efi-
cácia em relação ao campo, determinam a posição que cada em-
42

presa ocupa no espaço do campo, isto é, na estrutura da distribui-


ção desses trunfos.” (BOURDIEU, 2001:62).

Há portanto uma lógica específica desse campo de produção, tomando nesse

caso o mercado da casa individual:

“(1) As relações objetivas estabelecidas entre os diferentes cons-


trutores que concorrem para a conquista de partes desse mercado
constituem um campo de forças cuja estrutura num ponto está na
raiz das lutas que visam conservá-lo ou transformá-lo; (2) As leis
gerais de funcionamento que valem para todos os campos e, mais
especificamente, para todos os campos de produção econômica,
especificam-se segundo as propriedades características do produ-
to.” (BOURDIEU, 2001:61)

A visão estruturalista aplicada à gênese de uma decisão e tomada de posição,

desnudará a estrutura das relações de força no campo e define uma outra escala de análise,

vendo a empresa como campo, necessitando portanto olhar sua estrutura interna, sua políti-

ca, bem como a atuação dos “agentes eficientes”.

“Os estudos de casos destinados a analisar a gênese de uma deci-


são continuam praticamente desprovidos de sentido enquanto se li-
mitam às manifestações fenomenais do exercício do poder, isto é,
aos discursos ou às interações, ignorando a estrutura das relações
de força entre as instituições e os agentes (muitas vezes constituí-
dos de corpo) que estão em luta pelo poder de decidir, isto é, as
disposições e os interesses dos diferentes dirigentes e os trunfos de
que dispõem para os fazer triunfar.” (BOURDIEU, 2001:96)

Nesse sentido complexo de relações, Bourdieu toma o urbano “como um cam-

po de produção simbólica”, onde a coexistência de discursos, interesses, conflitos e con-

sensos serão concretizados nos instrumentos de planejamento e gestão urbana (RODRI-

GUES, 2009:13).

O Estado desempenhará vários papéis, o que deixa claro as suas responsabili-

dades na situação do impasse da política urbana das nossas cidades (MARICATO, 2011).
43

Ele atuará desde a própria construção do mercado através das politicas públicas até a legiti-

mação de práticas já naturalizadas pelo mercado de terras – as pressões diversas por anisti-

as, mudanças de uso, índices e gabaritos nas leis urbanas, entre outras. No caso do mercado

da casa individual, como já foi dito, a “procura” é em grande parte produzida pelo Estado

(BOURDIEU, 2001:113), o que nos remete à política fundiária urbana brasileira, onde o

Estado produz o mercado a partir da sua ação (a cidade formal, onde está presente o merca-

do formal, os cartórios e os bancos) mas também da sua omissão (a cidade informal, onde

igualmente existem agentes agindo no sentido de formar também aí um mercado).

“Os construtores, nomeadamente os maiores, e os bancos, podem


influenciar as decisões políticas que são de natureza a orientar as
preferências dos agentes encorajando ou contrariando, mais ou
menos, as disposições iniciais dos potenciais clientes por meio de
medidas administrativas que têm como efeito impedir ou favorecer
a sua realização [as políticas]. De fato, há sem dúvida poucos
mercados que sejam, como o da casa, não só controlados mas ver-
dadeiramente construídos pelo Estado, muito especialmente atra-
vés da ajuda atribuída aos particulares, que varia no seu volume e
nas modalidades da sua atribuição, favorecendo mais ou menos
esta ou aquela categoria social e, desse modo, esta ou aquela fra-
ção de construtores [ou outros agentes econômicos].” (BOURDI-
EU, 2001:113 e 114)

De acordo com Bourdieu (2001:116) as relações de força entre as empresas de

construção (pequenas, médias ou grandes), que coexistem no mesmo mercado, dependem

do Estado, “da Política de Habitação e, em particular, dos regulamentos que regem a aju-

da pública para a construção e a concessão de créditos”, pois este tem a responsabilidade

da arbitragem entre os ocupantes de posições diferentes no campo da produção.

O mercado da habitação (e em grande parte o mercado imobiliário) é apoiado e

controlado, direta e indiretamente, pelos poderes públicos, fixando as normas de funciona-

mento “através de toda uma regulamentação específica que vem juntar-se à infraestrutura

jurídica (direito de propriedade, direito comercial, direito do trabalho, direito dos contra-
44

tos, etc) e à regulamentação geral (bloqueio ou controle dos preços, enquadramento do

crédito, etc)” (BOURDIEU, 2001:116). Para adentrar nesse campo e compreender a lógica

desse mercado “burocraticamente construído e controlado”, é preciso “descrever a gêne-

se das regras e dos regulamentos que definem o seu funcionamento, isto é, fazer a história

social do campo fechado em que se defrontam” (BOURDIEU, 2001:116).

“Para compreender a 'política do Estado' em cada um dos domíni-


os que tem a seu cargo, seria preciso saber como se apresentam as
diferentes tomadas de posição sobre o problema considerado e as
relações de força entre os seus defensores, formadores de opinião
e dos grupos de pressão.” (BOURDIEU, 2001:117)

Não sem motivo será a luta dos agentes em diversos campos, desde a expressão

do seu poder econômico, social ou político, buscando se fazer representar nesses diferentes

campos de luta.

“É com efeito nas relações de força e de luta entre [diferentes


agentes]... que definem, na base de antagonismos ou de alianças
de interesses e de afinidades de hábitos, os regulamentos que re-
gem o mundo imobiliário. As lutas para transformar ou conservar
as representações legítimas que, uma vez investidas da eficácia
simbólica e prática do regulamento oficial, são capazes de ordenar
realmente as práticas são uma das dimensões fundamentais das lu-
tas políticas pelo poder sobre instrumentos de poder do Estado,
isto é, generalizando a fórmula de Max Weber, pelo monopólio da
violência física e simbólica legítima.” (BOURDIEU, 2001:116 e
117, grifo nosso)

Os agentes eficientes, já mencionados anteriormente, na ótica de Bourdieu, são

aqueles que detêm o capital simbólico para impor sua vontade, tendo uma posição ativa no

campo e um peso suficiente para orientar de maneira efetiva as políticas.

“Uma vez estabelecida essa estrutura, poderemos então examinar


se, às posições que os agentes (ou os corpos) aí ocupam, corres-
pondem, como se pode pensar, as tomadas de posição que são as
suas nas lutas para conservar ou transformar a regulamentação
em vigor; se, por outras palavras, as diferenças objetivas na distri-
buição dos interesses e dos trunfos podem explicar as estratégias
45

adotadas nas lutas e, mais precisamente, as alianças ou as divisões


em campos.” (BOURDIEU, 2001: 125)

Nesse sentido o autor coloca um contraponto às sagradas “leis de mercado”,

afirmação já esvaziada mas muitas vezes utilizada para tentar justificar ou explicar as práti-

cas de poder imersas nos interesses econômicos, ou seja, “a produção de um bem ou de

um serviço tem tantas mais hipóteses de ser controlado pelo Estado quanto mais esse bem

ou serviço se impuser como indispensável, e quanto mais fraco o mercado for nessa maté-

ria” (BOURDIEU, 2001:118). Notamos que esse é um passo que a sociedade brasileira

ainda não avançou, sendo a cidade ainda vista como mercadoria e expressão dos conflitos

de direitos: propriedade privada (e sua exploração) versus função social da propriedade;

instâncias de poder político já constituídas (executivo e legislativo) versus a efetivação de

novas instâncias de representação e participação popular, através dos conselhos.

“Esta tendência para a autoperpetuação das instâncias burocráti-


cas e dos agentes que lhes devem a sua existência e a sua razão de
ser burocráticas está na origem da inércia, muitas vezes deplora-
da, dessas instituições, mas também, quando são o produto de con-
quistas sociais, da perpetuação de estruturas e de funções indepen-
dentes das limitações imediatas das relações de força políticas e
sociais.” (BOURDIEU, 2001:140)

“Uma análise atenta à lógica complexa do campo burocrático permite, pois,

constatar e compreender a ambiguidade intrínseca do funcionamento do Estado” (BOUR-

DIEU, 2001:140). A aparente neutralidade burocrática se desmancha no ar, uma vez que se

retira o véu dessa visão inocente e reconhece-se que o próprio Estado e as instituições que

o compõem, são formados por agentes diversos, e que em determinados momentos estarão

em campos diferentes, travando batalhas de poder e assumindo diferentes posições confor-

me os trunfos disponíveis.
46

No âmbito da política urbana terão grande importância os agentes de nível lo-

cal, uma vez que mesmo com as definições das políticas gerais/nacionais elas serão tradu-

zidas e aplicadas localmente. Apesar da existência de “administrações progressistas”

(MARICATO, 2008) e alinhadas às discussões nacionais, capazes de fazer frente aos inte-

resses particulares, ou tentar mitigá-los, as administrações locais “podem ser concebidas

como 'resistências' do interesse privado ou do particularismo local ('provincial') a medi-

das centrais” (BOURDIEU, 2001:158).

“Da mesma forma que a 'política de habitação' [e fazendo um pa-


ralelo com a política de desenvolvimento urbano] é, ao nível cen-
tral, o produto de uma longa sequência de interações executadas
sob coação estrutural, também as medidas regulamentares que são
constitutivas dessa política serão, elas próprias, reinterpretadas e
redefinidas através de uma série de interações entre agentes que,
em função da sua posição em estruturas objetivas de poder defini-
das à escala de uma unidade territorial, região ou departamento,
prosseguem estratégias diferentes ou antagônicas.” (BOURDIEU,
2001:157)

Para Bourdieu (2001:159) trata-se “do jogo com a sua regra, onde o Estado

apresenta-se sob a forma do regulamento e dos agentes ou das instâncias que o invocam”,

um jogo onde quem detém a capacidade de fixar as regras, ou de ignorá-las, possui especi-

al vantagem. “Na luta pelo monopólio da violência simbólica, o regulamento é a principal

arma do funcionário [e do político] juntamente, se for esse o caso, com a sua competência

técnica ou cultural” (BOURDIEU, 2001:160). Para ilustrar essa afirmação o autor trás

uma passagem de Weber: “Se obedece à regra quando o interesse em obedecer-lhe preva-

lece sobre o interesse em desobedecer-lhe” (BOURDIEU, 2001:160), havendo ainda como

ferramenta para esse exercício de poder as “brechas da lei6” ou a “transgressão legitima-

da” (BOURDIEU, 2001:165).


6
“O direito não passa sem os subterfúgios que permitem escapar-lhe, a derrogação, a dispensa, a
isenção, isto é, sem toda a espécie de autorização especial de transgredir o regulamento que,
paradoxalmente, só podem ser concedidas pela autoridade encarregada de o fazer respeitar.”
(BOURDIEU, 2001:166)
47

“A regra que, como vimos, foi produzida no confronto e na


transação entre interesses e visões do mundo social antagônicas,
só pode encontrar sua aplicação através da ação dos agentes
encarregados de a fazer respeitar que, dispondo de uma liberdade
de ação tanto maior quanto mais elevada for a posição que
ocupam na hierarquia burocrática, podem trabalhar para a sua
execução ou, pelo contrário, pra sua transgressão, consoante
tiverem mais lucro material ou simbólico a mostrar-se rigorosos
ou condescendentes.” (BOURDIEU, 2001:161)

Esse jogo burocrático, “um dos mais regrados de todos os jogos”, possui muita

indeterminação e incerteza, o que é da sua própria lógica. Um jogo onde os jogadores estão

em posições assimétricas e aquele que detêm determinados trunfos, como o domínio da re-

gra e a liberdade para obedecê-la ou não, está em posição de ganhar sempre (BOURDIEU,

2001:162).

Entende-se portanto que as leis não são isentas ou neutras como querem alguns

ou, num mundo de aparências, querem fazer parecer, porém estão imersas nos interesses

daqueles que as produzem, que as aplicam e fiscalizam, na maior parte das vezes munidos

de legitimidade política no campo de lutas. Esses agente políticos aumentam o seu capital

simbólico por meio de intervenções e intercessões junto das burocracias (BOURDIEU,

2001:166).

“Não entra quem quer no circuito das trocas frutuosas que assegu-
ram o ajustamento das normas às realidades: os notáveis tem si-
multaneamente o benefício da regra e da transgressão; para o co-
mum dos 'contribuintes' e dos 'administrados', desprovido dos re-
cursos indispensáveis para obter os desvios à regra que se ofere-
cem aos privilegiados, 'o regulamento é o regulamento' e, em mais
de um caso, 'a suprema justiça é a suprema injustiça'.” (BOURDI-
EU, 2001:174)

Os diferentes “agentes criam o espaço, isto é, o campo econômico, que só

existe por intermédio dos agentes que aí se encontram e deformam o espaço vizinho, con-

ferindo-lhe uma determinada estrutura”, ou seja, “é na relação entre as diferentes 'fontes


48

de campo' que se criam o campo e as relações de força que o caracterizam” (BOURDI-

EU, 2001:237). O espaço social será tomado como um espaço de luta política:

“Ele é o lugar, relativamente estável, da coexistência dos pontos


de vista, no duplo sentido de posições na estrutura da distribuição
do capital (econômico, informacional, social) e dos poderes cor-
respondentes, mas também de reações práticas a esse espaço ou de
representações desse espaço, produzidas a partir desses pontos
por meio dos habitus estruturados, e duplamente informados, quer
pela estrutura do espaço, quer pela estrutura dos esquemas de per-
cepção que lhe são aplicados.” (BOURDIEU, 2001: 223)

Esses agentes se utilizam para isso dos trunfos disponíveis, ou seja, dos dife-

rentes capitais que detiverem para influenciar na sua distribuição e localização no campo

de jogo.

“A força ligada a um agente depende dos seus diferentes trunfos,


[...], fatores deferenciais de sucesso (ou de fracasso) que podem
assegurar-lhe uma vantagem na concorrência, isto é, mais precisa-
mente, do volume e da estrutura do capital que ele possui, sob as
suas diferentes espécies” (BOURDIEU, 2001:238).

O autor discorre sobre alguns desses tipos de capitais:

• O capital financeiro “é o domínio direto ou indireto (por intermédio do

acesso aos bancos) de recursos financeiros que são a principal condição (com o tempo)

para a acumulação e conservação de todas as outras espécies de capital” (BOURDIEU,

2001:239).

• O capital tecnológico “é a carteira de recursos científicos (potencial de in-

vestigação), ou técnicas suscetíveis de ser implementadas na concepção e fabrico dos pro-

dutos” (BOURDIEU, 2001:239).

• O capital comercial “(força de venda) deve-se ao domínio das redes de

distribuição (armazenamento e transporte) e de serviços de marketing e pós-venda”

(BOURDIEU, 2001:239).
49

• O capital social “é o conjunto dos recursos mobilizados através de uma

rede de relações mais ou menos alargada e mobilizável que proporciona uma vantagem

competitiva assegurando aos investimentos rendimentos mais elevados” (BOURDIEU,

2001:239).

• O capital simbólico “reside no domínio de recursos simbólicos baseados

no conhecimento e no reconhecimento; poder que funciona como uma forma de crédito”

(BOURDIEU, 2001:239).

• O capital burocrático que é a força de determinado funcionário, ou de um

corpo de funcionários, dominar ou monopolizar o recurso da informação (BOURDIEU,

2001:144).

Nessa teia complexa dos entendimentos das estruturas sociais as ações dos

agentes são perpassadas pelo seu habitus econômico, ou seja, num entendimento primeiro,

consistindo no conjunto das práticas que dominam seus comportamentos, as tomadas de

decisão e sua posição no campo, porém sem tratarmos de determinismos. “O conceito de

habitus tem por função principal romper com a filosofia cartesiana da consciência e sub-

trair-se, ao mesmo tempo, à alternativa ruinosa entre o mecanismo e o finalismo, isto é,

entre a determinação por causas e a determinação por razões” (BOURDIEU, 2001:262).

Para Bourdieu, o agente social, na medida em que é dotado de um habitus, é

um individual coletivo ou um coletivo individualizado por obra da incorporação das estru-

turas objetivas e produto da história coletiva e individual.

“O habitus nada tem de principio mecânico de ação ou, mais exa-


tamente, de reação (à maneira de um arco reflexo). Ele é esponta-
neidade condicionada e limitada; é esse princípio autônomo que
faz com que a ação não seja simplesmente uma reação imediata a
uma realidade bruta mas uma resposta 'inteligente' a um aspecto
ativamente selecionado do real: ligado a uma historia grávida de
um futuro provável, ele é a inércia, vestígio da sua trajetória pes-
soal, que os agentes opõem às forças imediatas do campo e que faz
50

com que as suas estratégias não se possam deduzir diretamente


nem da posição nem da situação imediatas.” (BOURDIEU,
2001:263)

“O campo de forças é também um campo de lutas, campo de ação socialmente

construído em que agentes dotados de recursos diferentes se confrontam para aceder à

troca e conservar ou transformar a relação de força em vigor” (BOURDIEU, 2001:247).

Nesse campo o aparecimento de um novo agente modifica toda sua estrutura, ou mesmo

uma redistribuição dos capitais (uma nova tecnologia, uma maior quota do mercado, etc.)

detidos por cada “firma” (BOURDIEU, 2001:251). Tal afirmação aplica-se consonante ao

campo do mercado imobiliário onde os agentes interagem competindo, concorrendo mas

também agindo em conjunto, em parcerias, de acordo com os interesses envolvidos. “Vê-

se que, nos campos econômicos como em qualquer outra categoria de campo, as frontei-

ras do campo são objeto de lutas no seu próprio seio” (BOURDIEU, 2001:252).

“Não é raro que os campos sejam dotados de uma existência qua-


se institucionalizada sob a forma de ramos de atividade dotados de
organizações profissionais que funcionam, simultaneamente, como
clubes de dirigentes da indústria, grupos de defesa das fronteiras
em vigor e, logo, como princípios de exclusão que os sustentam, e
como instâncias de representação perante os poderes públicos, os
sindicatos e as outras instâncias análogas e dotadas de órgãos
permanentes de ação e expressão.” (BOURDIEU, 2001:252 e 253)

Para o autor, entre todas as trocas com o exterior do campo, as mais importan-

tes são aquelas que se estabelecem com o Estado, uma vez que “nas suas tentativas para

modificar a seu favor as 'regras do jogo' em vigor [...] as empresas dominadas podem uti-

lizar o seu capital social para exercer pressões sobre o Estado e conseguir que ele modifi-

que o jogo a seu favor” (BOURDIEU, 2001:253). E em especial o entendimento que “a

competição entre as 'empresas' [agentes] assume muitas vezes a forma de uma competi-

ção pelo poder sobre o poder do Estado – nomeadamente sobre o poder de regulamenta-
51

ção e sobre os direitos de propriedade – e pelas vantagens asseguradas pelas diferentes

intervenções estatais” (BOURDIEU, 2001:253).

“Aquilo a que chamamos o mercado é o conjunto das relações de


troca entre agentes colocados em concorrência, interações diretas
que dependem, como diz Simmel, de um 'conflito indireto', isto é,
da estrutura socialmente construída das relações de força para a
qual os diferentes agentes envolvidos no campo contribuem em di-
versos graus através das modificações que lhe conseguem impor,
usando, nomeadamente, dos poderes estatais que estão em situa-
ção de controlar e orientar.” (BOURDIEU, 2001:253)

Concluímos esse capitulo com a ideia que nessa discussão o Estado tem especi-

al importância no controle do mercado da habitação, analogamente ao campo do mercado

fundiário, mercantilizado e atrás do ganho especulativo, “ele não é apenas o regulador en-

carregado de manter a ordem e a confiança e o árbitro encarregado de 'controlar' as em-

presas e as suas interações que normalmente nele vemos” (BOURDIEU, 2001:253).

O poder que o Estado detém do monopólio do regramento, e de sua derroga-

ção, e a capacidade de estabelecer e aplicar políticas públicas, definindo a aplicação de

grandes somas de recursos, faz dele alvo preferencial para a ação de agentes diversos – ex-

ternos e internos.
52

CAPÍTULO II - A CIDADE, CAMPO DA LUTA SOCIAL E A


POLÍTICA URBANA NO BRASIL

O processo brasileiro de urbanização

Não conseguimos apreender nosso objeto de pesquisa sem observar o contexto

histórico em que se desenvolve a produção das cidades no nosso país, inserido num modo

de produção capitalista e levando em conta uma divisão internacional do trabalho que rele-

ga papéis diferenciados aos países centrais e periféricos. Portanto nesse capítulo trataremos

de estudar a política urbana brasileira, considerando em especial as estratégias e políticas

habitacionais, sob um entendimento que vai além do que se apresenta superficialmente, ou

seja, tomamos a cidade como uma construção social, envolvendo agentes e interesses dife-

renciados e uma complexidade intrínseca a esse processo, revelando-se pois um verdadeiro

campo da luta social e política.

O processo de urbanização do Brasil tem suas bases numa sociedade colonial

que no fim do século XIX e durante o século XX, em especial a partir de 1940, passa por

um rápido processo de urbanização. Uma sociedade inicialmente agrária, arraigada de ca-


53

racterísticas senhoriais, paternalistas e machistas; vê sua população migrar do campo para

a cidade em paralelo com um forte processo de industrialização (SANTOS, 2009).

“Raízes coloniais [...] dominação fundada sobre o patrimonialis-


mo e o privilégio [...] A industrialização baseada em baixos salári-
os determinou muito do ambiente a ser construído [...] A cidade
ilegal e precária é um subproduto dessa complexidade verificada
no mercado de trabalho e da forma como se processou a industria-
lização.” (MARICATO, 2008:41 e 42)

A habitação de interesse social para a classe trabalhadora tem sua gênese atre-

lada à Revolução Industrial do século XIX e à evolução das cidades, que passam a ser po-

los de atração econômica e de emprego, causando ao longo dos anos a inversão de papéis

entre o campo e a cidade. Segundo Folz (2003:05) “a questão da habitação operária pas-

sa a ser debatida no início do século XIX na Europa, e no final deste mesmo século e iní-

cio do XX no Brasil, onde o crescimento urbano industrial aconteceu mais tarde”. Essa in-

dustrialização se faz nos moldes de uma divisão internacional do trabalho, relegando deter-

minadas funções aos países do capitalismo periférico, influenciando e determinando a for-

mação das cidades brasileiras.

Para Maricato (2008:16) “trata-se de um gigantesco movimento de construção

de cidade, necessário para o assentamento residencial dessa população bem como de suas

necessidades de trabalho, abastecimento, transporte, saúde, energia, água, etc”. A escala

desse gigantesco crescimento pode ser medida com os números da contagem da população

vivendo no campo e nas cidades. Na década de 1960 o Brasil contava com uma população

de 31 milhões de habitantes, sendo que 17,05 milhões viviam no campo, correspondendo a

55% da população total, e 13,95 milhões de habitantes se localizavam em áreas urbanas,

45% da população do Brasil. Em 40 anos, já no início do ano 2000, o país contava com

169,5 milhões de habitantes, 81% (137,29 milhões) vivendo nas cidades e 19% (32,20 mi-
54

lhões) vivendo no campo (MARICATO, 2008). Esses números atualizados para 2010

(IBGE, 2010) correspondem a 190,7 milhões de habitantes, 84% (160,2 milhões) de popu-

lação urbana e 16% (30,5 milhões) rural. A população residente no campo diminuiu em

termos percentuais, porém em números absolutos quase dobrou. A população urbana au-

mentou quase onze vezes no período.

“Ainda que o rumo tomado pelo crescimento urbano não tenha


respondido satisfatoriamente a todas as necessidades, o território
foi ocupado e foram construídas as condições para viver nesse es-
paço.” (MARICATO, 2008:16).

É interessante notar que na origem destas mudanças o modelo de planejamento

urbano das cidades deixou claro que numa sociedade capitalista além da divisão social de

classes deve haver também uma divisão física; nos países do capitalismo periférico, caso

do Brasil, o retrato desse modelo é ainda mais injusto. “A pobreza não é apenas o fato do

modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial” (SANTOS, 2009:10).

“As reformas urbanas, realizadas em diversas cidades brasileiras


entre o final do século XIX e início do século XX, lançaram as ba-
ses de um urbanismo moderno 'à moda' da periferia. Realiza-
vam-se obras de saneamento básico para a eliminação das epide-
mias, ao mesmo tempo em que se promovia o embelezamento pai-
sagístico e eram implantadas as bases legais para um mercado
imobiliário de corte capitalista. A população excluída desse pro-
cesso era expulsa para os morros e franjas da cidade.” (MARICA-
TO, 2008:17)

Do final do século XIX até a década de 1930 acontece um grande crescimento

das cidades, sendo essas agora os novos polos econômicos, industriais e comerciais, e

atraindo grandes contingentes populacionais. Nesse período nota-se a grande preocupação

com as questões sanitárias e de higiene, com iniciativas que tentavam evitar as epidemias

que devastavam os grandes centros urbanos. Infelizmente o crescimento populacional não

foi acompanhado pelo incremento da infraestrutura das cidades e do número adequado de


55

habitações. De acordo com Folz (2003:16) “surgiram espontaneamente formas diversas de

suprir essa carência, como a ocupação indevida de alguns porões e de algumas constru-

ções, formando-se os cortiços”.

Para suprir a grande demanda habitacional surgem diversas opções no “merca-

do rentista” (FOLZ, 2003:17), sendo que como a compra do imóvel não era financiada e

nem subsidiada, os trabalhadores viam-se obrigados a serem reféns do aluguel. Para esses

empreendedores a lógica era a do lucro fácil, portanto o padrão habitacional utilizado eram

os cortiços ou as vilas proletárias.

Após a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas sobe ao poder com sua

bandeira populista, o Estado deixa de atuar apenas na regulação da moradia popular e pas-

sa a atuar na produção em massa de moradias. São criados os Institutos de Aposentadorias

e Pensões (IAPs), “esses institutos, organizados por categorias de profissionais, construí-

am conjuntos e alugavam e financiavam moradia aos associados” (FOLZ, 2003:22). Uma

vez que os IAPs atendiam apenas os seus associados foi criada em 1946 a Fundação da

Casa Popular, responsável pelas questões habitacionais em todo o território nacional; a par-

tir daí “começam a surgir órgãos municipais e estaduais com as mesmas incumbências”

(FOLZ, 2003:22). Mesmo diante desses esforços do Estado, incapaz de fazer frente às

grandes mazelas e necessidades da população, começam a surgir nas periferias das cidades

as “construções espontâneas” (FOLZ, 2003:23), denominadas de “autoconstrução”, solu-

ção feita com os esforços individuais dos próprios operários (FOLZ, 2003:24).

A autoconstrução é uma das soluções mais antigas e mais procuradas pelas fa-

mílias de baixa renda para suprir as suas necessidades de habitação e, de certa maneira,

expõe a grande incapacidade e inoperância do Estado em arcar com o “direito constitucio-

nal” (art. 6° da Constituição Federal, 1988) de cada cidadão a uma moradia digna. “Corti-
56

ços e casas autoconstruídas são exemplos que vêm do século XIX até os nossos dias, solu-

ções encontradas pela população para suprir sua necessidade de moradia” (FOLZ,

2003:15).

“Muitos são os nomes usados para designar essa forma de cons-


trução: casas domingueiras, casas de periferia, casas próprias au-
toconstruídas, casas de mutirão. A característica básica, porém, é
serem edificadas sob a gerência direta de seu proprietário e mora-
dor: este adquire ou ocupa o terreno; traça, sem apoio técnico, um
esquema de construção; viabiliza a obtenção dos materiais; agen-
cia a mão-de-obra, gratuita e/ou remunerada informalmente; e em
seguida ergue a casa.” (BONDUKI, 1998:281)

Essa promoção individual da moradia responde nos dias de hoje por 70% do

que é produzido no Brasil na área de habitação popular (MINISTÉRIO DAS CIDADES,

2004), deixando o mercado formal (produção de empresas, produção com recursos públi-

cos e financiamentos bancários) em uma situação de não conseguir resolver de maneira

apropriada o grande déficit habitacional brasileiro, mesmo com a ampliação das fontes de

recursos nos últimos anos. A autoconstrução está na maior parte das vezes presente no que

se costuma chamar de “cidade ilegal” e também nos loteamentos surgidos nas bordas urba-

nas, longe e desprovidos da infraestrutura e dos serviços urbanos.

“A viabilização do auto-empreendimento da casa própria passava


pela construção em etapas. O terreno era comprado a prestações
em loteamentos distantes e sem infraestrutura, e a casa era cons-
truída aos poucos, conforme a disponibilidade de recursos, perma-
necendo inacabada e precária. Com o sacrifício das suas condi-
ções de vida, o trabalhador se tornava proprietário e, logo, tam-
bém locador de cômodos e barracos também inacabados que edifi-
cava para aumentar sua renda ou abrigar parentes recém-chega-
dos. O lote vira um novo tipo de cortiço.” (BONDUKI, 1998:275)

De acordo com Bonduki (1998) esse padrão de urbanização diz respeito ao

adotado na periferia na São Paulo da década de 1940, consequência da omissão do poder

público, mas torna-se um modelo encontrado em todo o território brasileiro.


57

“A enorme oferta de lotes baratos – pois distantes e desprovidos


de benfeitorias urbanas – à venda nos quatro cantos da cidade,
passíveis de serem pagos a prestação, que podiam ser ocupados
sem os custos e os aborrecimentos envolvidos na feitura e aprova-
ção de uma planta e sem o risco de perturbação pela fiscalização,
com o acesso por transporte público (mesmo precário, lento e
complementado por longas caminhadas) – eis as condições que vi-
abilizaram o mercado de loteamentos periféricos e criaram uma
alternativa habitacional de massa para os trabalhadores de baixa
renda […] criavam-se as condições para a proliferação de uma
solução habitacional arcaica e precária, baseada na combinação
de loteamentos privados especulativos com o auto-empreendimen-
to da casa própria.” (BONDUKI, 1998:287)

A autoconstrução diz respeito à solução individualizada para cada grupo fami-

liar, complementada pelo seu aspecto coletivo, o espraiamento 7 das cidades. Lembramos

do que foi discutido também por Bourdieu (2001), quanto à aparente democratização do

acesso à propriedade envolvendo os demais custos reais, em dinheiro, em localização e em

tempo.

“Com sacrifícios épicos, o trabalhador se tornou proprietário e a


cidade se estendeu sem fim, reproduzindo loteamentos descontí-
nuos e desarticulados da malha urbana. Viabilizou-se uma solução
barata de moradia mas as consequências para a cidade foram de-
finitivas.” (BONDUKI, 1998:276)

Já para Campos Filho (2001) será a “periferização”, ou seja, “a expulsão das

famílias de baixos salários para longe do emprego e dos serviços urbanos” (Campos Fi-

lho, 2001:54), com a propagação dos vazios urbanos e aumento dos custos das cidades –

aumento das distâncias, do transporte público e dos custos de infraestrutura.

Com o Golpe Militar de 1964 o governo que se instala no poder tem uma visão

diferenciada do problema habitacional, os IAPs são instintos e é criado o Banco Nacional

da Habitação (BNH), direcionando a produção para um “padrão mais conservador” com

7
As cidades brasileiras adotam “um modelo geográfico de crescimento espraiado, com um tamanho
desmesurado que é causa e é efeito da especulação” (SANTOS, 2009:10).
58

ênfase no espaço e na propriedade privados, o mito da "casa própria" criado na era Vargas

é ampliado, porém fica cada vez mais distante das classes pobres.

“Buscando-se a redução do preço das habitações, as unidades ha-


bitacionais tiveram seu tamanho reduzido e os conjuntos passaram
a não ter tanta preocupação com espaços coletivos, apresentando
baixa qualidade de projeto assim como de materiais empregados.
A relação desses conjuntos habitacionais com o espaço urbano
deixou de existir.” (FOLZ, 2003:26)

O sistema de habitação público acabou atendendo apenas a classe média que ti-

nha condições de arcar com os financiamentos. Outra vez as classes mais pobres foram ex-

cluídas do sistema de provisão do Estado, já que não tinham como comprovar a renda mí-

nima exigida para o atendimento pelo sistema do BNH. A solução continuou sendo a auto-

construção da casa, “de modo cada vez mais improvisado, em loteamentos precários ou

em favelas” (BONDUKI, 1998:320).

Esse modelo de atendimento pelo Estado sofreu inúmeras críticas quanto ao

seu funcionamento, sendo que não conseguiu atender aquela população com faixa de renda

mais baixa, e acabou tendo fim na década de 1980, deixando órfãos uma massa de traba-

lhadores e trazendo consequências danosas para toda a cadeia que tratava de habitação so-

cial – órgãos municipais, estaduais e COHAB´s (Companhias de Habitação). As atribui-

ções do BNH foram transferidas para a Caixa Econômica Federal, como banco executor; já

no campo das políticas públicas de habitação houve um desmantelamento do sistema e a

migração por vários órgãos e instituições das responsabilidades pelas formulações dessas

políticas.

“Com o fim do BNH em 1986 desestruturou-se a política habitaci-


onal do País. A partir de então o Estado se exime da responsabili-
dade de financiar de alguma forma programas habitacionais para
a população de baixa renda. Além disso, as diferentes iniciativas
realizadas atenderam efetivamente muito pouco a essa
população.” (FOLZ, 2003:30)
59

A partir do passivo urbano e social gerado ao longo dos anos de ocaso por par-

te do Estado começou a ser mobilizado, em meados dos anos 70, um grande movimento

nacional pela reforma urbana e a construção de instrumentos que propiciassem o enfrenta-

mento da realidade caótica das cidades brasileiras. Esses agentes uniram forças e se organi-

zaram no Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU). Paralelo ao desmonte estatal esses

“movimentos populares urbanos" reivindicam o direito ao saneamento básico, educação,

saúde, moradia, ou seja, melhorias reais na qualidade de vida do cidadão.

“Os movimentos urbano e operário inauguraram uma nova forma


de fazer política no Brasil a partir da segunda metade dos anos de
1970 reivindicando espaço na cena política. De modo inédito e
após muito acúmulo, os movimentos urbanos construíram uma en-
tidade nacional em 1987 – o Fórum Nacional de Reforma Urbana
– que buscou superar as reivindicações pontuais e específicas e
propor uma agenda unificada para as cidades.” (MARICATO,
2011:101)

Com o fim do Sistema Nacional de Habitação (SNH) o problema da habitação

passa a ser “responsabilidade” dos municípios e estados, mas sem uma regulação ou obri-

gatoriedade desse atendimento. De acordo com o próprio Ministério das Cidades (2004) o

que ocorreu no setor habitacional foi mais o fruto de uma descentralização por ausência,

sem uma repartição clara e institucionalizada de competências e responsabilidades, sem

que o Governo Federal definisse incentivos e alocasse recursos significativos. “A partir

daí os programas implantados para a produção de habitação popular são pontuais, com a

participação de algumas administrações municipais e estaduais que incluiriam em sua po-

lítica essa preocupação urbano social” (FOLZ, 2003:31). Essa problemática só foi tratada

posteriormente com um novo pacto federativo com a Constituição de 1988.

“A competência governamental sobre as cidades obedece a um de-


senho complexo proveniente das atribuições previstas na Consti-
60

tuição Federal (CF) de 1988, marcadamente descentralizadora.


Saneamento, coleta e destinação do lixo, transporte urbano, con-
trole sobre o uso e ocupação do solo (quando não há implicação
ambiental) são competências municipais no Brasil.” (MARICATO,
2011:43)

A Constituição de 1988 traz um capítulo específico que trata da política urba-

na, nos seus artigos 182 e 183. O artigo 182 diz que a política de desenvolvimento urbano,

executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por

objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-

estar de seus habitantes. Diz ainda que o Plano Diretor é o instrumento básico da política

de desenvolvimento e de expansão urbana e que a propriedade urbana cumpre sua função

social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Pla-

no Diretor. O artigo 183 faz menção ao instrumento de usucapião urbano, voltado para a

regularização fundiária e posse da terra (BRASIL, 1988).

“[...] o texto constitucional afirmou o papel protagonista dos mu-


nicípios enquanto principais atores da política de desenvolvimento
e gestão urbanos e elegeu o Plano Diretor como instrumento bási-
co da política de desenvolvimento e de expansão urbana.” (SAN-
TOS JUNIOR E MONTANDON, 2011:13)

Apesar de parecer mínimo o conteúdo dos artigos referentes à Política Urbana

contidos na Constituição, traziam no seu bojo a exigência de posterior regulamentação, o

que só seria realizado mais de uma década depois através da Lei nº 10.257, de 10 de julho

de 2001, o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Nele estão estabelecidas as diretrizes ge-

rais da política urbana, com normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso

da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem

como do equilíbrio ambiental. Adota como diretrizes gerais da política urbana, dentre ou-

tras, o planejamento urbano ambiental, a gestão pública com participação democrática, sus-
61

tentabilidade urbana, a cooperação público-privada na urbanização de interesse social, a

ordenação do solo urbano de forma a evitar a utilização inadequada dos imóveis, prevendo

a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda,

mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e

edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

Traz no art. 4º, os instrumentos jurídicos e urbanísticos que devem ser utilizados no desen-

volvimento urbano pelos municípios (BRASIL, 2001).

Um outro marco importante da retomada de uma Política Nacional de Habita-

ção foi a aprovação e a criação do “Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social”

(FNHIS) pelo Congresso Nacional no ano de 2005, bem como sua regulamentação e o co-

meço de suas ações em 2006. O fundo vem de encontro a uma reivindicação antiga dos

técnicos da área e dos movimentos sociais, e é fruto do primeiro projeto de lei de iniciativa

popular apresentado no Congresso Nacional, a partir da Constituição de 1988, e pretendia

centralizar e direcionar os investimentos públicos do setor de habitação, bem como envol-

ver os demais entes federados – estados e municípios. O FNHIS está no centro do que foi

discutido posteriormente com o Plano Nacional de Habitação (PLANHAB), mas as ações

de planejamento da área foram praticamente atropeladas com o advento posterior do Pro-

grama de Aceleração do Crescimento (PAC), e do Programa Minha Casa Minha Vida

(PMCMV).

Toda a história e análise crítica desse período permite uma abordagem vasta,

sendo que muitos estudiosos já se debruçaram sobre ela 8, alguns dos quais foram citados

nessa passagem. Mas nosso objetivo é trazer um entendimento que permita refletir em se-

8
BONDUKI, 1992 e 1998; CAMPOS FILHO, 2001; MARICATO, 1995, 2008 e 2011; ROLNIK, 1999;
SANTOS, 2008 e 2009; SOUZA, 2004 e 2010; e VILLAÇA, 1998 e 2005.
62

guida as análises contextualizadas do nosso objeto de pesquisa, atentando para a questão

regional e local.

No intuito de permitir uma visão geral do tema, e longe da premissa de abarcar

o todo, construímos no Quadro 2, apresentado a seguir, uma “Linha do Tempo” com os

principais marcos históricos, de maneira a propiciar uma visão ampla dos passos percorri-

dos, demonstrando que não há ineditismos nesse processo e sim um padrão de crescimento

urbano dentro da lógica do sistema de produção capitalista. Nesta “Linha do Tempo” será

tomado como ponto de partida meados do século XIX, momento de grandes mudanças no

país e nas relações campo/cidade, chegando até a atualidade.

Quadro 2 - Desenvolvimento Urbano e Política de Habitação no Brasil 1850/2012


PERÍODO CONTEXTO MARCOS NO PERÍODO PRINCIPAIS RESULTADOS
POLÍTICO CARACTERÍSTICAS
1850 Alteração da base 1850 – Ainda no Império é promul- Produção insuficiente Falta de programa es-
1930 fundiária brasileira gada a Lei de Terras no Brasil, dan- de imóveis; Prioridade tatal de moradia soci-
e fim da monarquia; do as bases para a lógica da “proprie- era o aluguel; Salários al; Surgimento do pro-
Política do café com dade privada” (quase um direito divi- corroídos pela despesa blema da habitação
leite, economia ba- no) e a acumulação de riquezas de de aluguel; Precarie- social; Revoltas da
seada na cultura ca- uma classe elitista e dona do poder. dade do ponto de vista classe trabalhadora;
feeira, surgimento sanitário, falta de ven- Início do processo de
1888 – Lei de Abolição da Escrava-
da indústria e cres- tilação nos quartos, urbanização do país.
tura, instituindo o trabalho livre mas
cimento populacio- aglomeração, péssi-
também desobrigando os senhores de
nal de São Paulo. mas condições sanitá-
manter o mínimo das necessidades
rias e moradias em
da mão-de-obra; surgimento das pri-
áreas centrais; Siste-
meiras favelas.
mas de transporte e in-
1930 – Estado Novo (Populismo); fraestrutura privados.
Criação dos Fundos de Pensão
(IAP's); “Para Florestan Fernandes
nesse momento ocorre a Revolução
Burguesa no Brasil”(MARICATO,
2008).
1930 Era Vargas – Go- 1942 – Lei do Inquilinato (congela- Lei do Inquilinato Projetos arrojados, de
1964 verno populista, mento dos aluguéis), controlando o (1942) congelamento boa qualidade arquite-
com a classe operá- mercado rentista e ajudando a fo- dos aluguéis para be- tônica, porém com
ria como base de mentar o mito da “casa própria” neficiar a classe traba- atendimento parcial
sustentação política. (BONDUKI, 1998). lhadora; Fim do inte- apenas à classe traba-
Período de fortale- resse privado pelo in- lhadora formal e sindi-
1946 – Criação da Fundação da Casa
cimento da indústria vestimento em imó- calizada.
Popular (FCP).
nacional, ligada ao veis de aluguéis –
Estado. 1963 – Seminário Nacional de Habi- atraso da indústria da
tação e Reforma Urbana do Instituto construção civil; Iní-
de Arquitetos do Brasil (IAB), onde cio da intervenção do
foram discutidas políticas urbanas e Estado na produção de
habitacionais para o país; as propos- moradias, através da
63

PERÍODO CONTEXTO MARCOS NO PERÍODO PRINCIPAIS RESULTADOS


POLÍTICO CARACTERÍSTICAS
tas não chegaram a ser implantadas utilização dos fundos
uma vez que no ano seguinte ocorre de previdência
o golpe militar. Muito do que estava (IAP’s); Anseio pela
previsto na tese final do encontro só casa própria, base físi-
foi colocado em prática mais de 40 ca da liberdade econô-
anos depois, com a criação do Minis- mica; Racionalização
tério das Cidades. e simplificação dos
processos construtivos
para baratear o custo
de produção da mora-
dia; Viabilização do
acesso à periferia,
com a criação dos sis-
temas públicos de
transporte coletivo.
1964 Regime Militar – 1964 – Criação do Banco Nacional Falta de articulação Produção de 1,2 mi-
1985 processo de cresci- da Habitação (BNH) responsável política de habitação lhões de moradias
mento econômico pela política de habitação no país. popular com estratégi- econômicas, sendo 1/3
acelerado com ex- Promulgação do Estatuto da Terra. as de desenvolvimento do número total de fi-
clusão social e se- “Os recursos despejados no financi- econômico e social – nanciamentos e apenas
gregação espacial amento habitacional alimentaram a baixo poder de com- 13% dos recursos;
(dívida social). A especulação fundiária, subsidiaram, pra das famílias; Falta Crescimento da cidade
época do milagre em especial, a classe média, que deu de subvenção pelo Es- ilegal – favelas, corti-
brasileiro. sustentação ao regime, e transfor- tado; Autoritarismo na ços e loteamentos
maram a indústria da construção de concepção das políti- clandestinos.
edificações (mas não suas caracte- cas e intervenções;
rísticas de atraso estrutural)” (MA- Centralização da ges-
RICATO, 2008:85). tão e falta de partici-
pação em qualquer ní-
1979 – É promulgada a lei de parce-
vel, usuários ou socie-
lamento do solo urbano, Lei 6.766,
dade em geral; Des-
estabelecendo as exigências para os
respeito ao meio am-
loteadores e parâmetros mínimos de
biente e ao patrimônio
urbanização. Nesse momento a ques-
cultural; Priorização
tão fundiária já é central no desen-
do transporte indivi-
volvimento urbano das cidades, sen-
dual; preferência pelas
do que a política implantada pelo
grandes obras, canali-
BNH não é capaz de atender as ca-
zando recursos para
madas mais pobres da população,
empreiteiras; Baratea-
ocorrendo o crescimento das perife-
mento com redução
rias de maneira irregular.
do padrão de acaba-
1980 – Organização do Movimento mento; Financiamento
Nacional de Reforma Urbana (movi- ao produtor e não ao
mentos sociais, igreja, universidades usuário; Atendimento
e trabalhadores), posteriormente or- à classe média.
ganizado no Fórum Nacional de Re-
forma Urbana (FNRM).
1985 Abertura política e 1986 – Extinção do BNH e criação Programas de crédito O mercado não chega
2001 estagnação econô- do MDU - Ministério do Desenvolvi- não atingem popula- a produzir 20 % das
mica; crise fiscal, mento Urbano e Meio Ambiente. ção com renda de até moradias construídas
redução do Estado e 3 salários mínimos, neste período, quando
1987 – Criação do MHU – Ministé-
aplicação das políti- que representa 84% o autofinanciamento e
rio da Habitação, Urbanização e
cas neoliberais – em do déficit habitacio- a auto construção pre-
Meio Ambiente.
conformidade com nal; Movimentos soci- domina nas periferias
o Consenso de 1988 – Promulgação da Constituição ais reivindicam parti- brasileiras; Prolifera-
Washington. do Brasil. É criado o MBES – Minis- cipação na gestão da ção de assentamentos
tério da Habitação e do Bem Estar política habitacional e irregulares e explosão
Social, que tem na sua estrutura a na construção de suas populacional das cida-
SEDU – Secretaria Especial de De- casas; Surgem experi- des.
senvolvimento Urbano, esta secreta- ências inovadoras no
ria faz a gestão dos programas PAR âmbito dos municípi-
64

PERÍODO CONTEXTO MARCOS NO PERÍODO PRINCIPAIS RESULTADOS


POLÍTICO CARACTERÍSTICAS
(Programa de Arrendamento Resi- os; Constituição de 88
dencial) e Carta de Crédito. Criação reconhece o direito à
do Estado do Tocantins. moradia e inclui capí-
tulo de política urba-
1989 – Extinção do MBES, parte das
na; Tramitação do Es-
suas atribuições são repassadas para
tatuto da Cidade no
o Ministério do Interior na SEAC –
congresso durante 11
Secretaria Especial de Habitação e
anos.
Ação Comunitária, e parte para o
Ministério da Fazenda – Sistema Fi-
nanceiro da Habitação (SFH) e Caixa
Econômica Federal. Obs.: Ano da
criação de Palmas, capital do Estado
do Tocantins.
1994 – Execução do Plano Real, com
a intenção de estabilização da econo-
mia brasileira. Estabelecimento de
programas para fortalecimento da
política urbana e habitacional dos
municípios, Habitar Brasil e Morar
Município – ainda insuficientes para
o tamanho do passivo acumulado de
décadas.
1995 – Criação da SEPURB – Secre-
taria de Politica Urbana, ligada ao
Ministério do Planejamento e Orça-
mento.
1999 – O Instituto Cidadania discute
o Projeto Moradia e propõe a criação
do Ministério e do Conselho da Ci-
dade.
2000 – Emenda Constitucional n°
26, em harmonia ao princípio da dig-
nidade humana (Art. 1°, inciso III),
estabelecendo a moradia digna como
direito social – Art. 6º da Constitui-
ção.
2001 – Regulamentação dos artigos
182 e 183 da Constituição com a
aprovação do Estatuto da Cidade,
Lei 10.257. Prazo para
desenvolver/revisar os Planos Dire-
tores (2001/2008).
2001 Avanços no campo 2003 – Criação do Ministério das Ci- Tentativa de aplicação Retomada da discus-
2011 econômico e no dades e do Conselho Nacional das do Estatuto da Cidade; são dos temas relati-
campo jurídico/le- Cidades, restabelecendo as dis- Criação do MCidades, vos às cidades com
gal, porém marcado cussões sob a ótica do planejamento tentando centralizar as uma nova safra de Pla-
ainda por uma forte urbano e de políticas públicas e não discussões e políticas nos Diretores; Apesar
desigualdade na dis- somente pela da política econômica. urbanas; Discussão das discussões pouco
tribuição da renda; dos PD's e criação de se avançou, sendo que
2004 – Discussão da Política Nacio-
retomada do cresci- diversos conselhos avaliou-se que os pla-
nal de Habitação (PNH).
mento, com o im- participativos; Avanço nos produzidos tive-
plemento de progra- 2005 – Criação do Sistema Nacional na política habitacio- ram pouca aplicabili-
mas de distribuição de Habitação de Interesse Social nal, mas com uma ma- dade (SANTOS JUNI-
de renda mínima. (SNHIS), Lei 11.124, com a institui- triz voltada ao atendi- OR E MONTAN-
ção do Fundo Nacional de Habitação mento via empresas DON, 2011); Avanços
de Interesse Social (FNHIS), de ma- construtoras – na produção habitacio-
neira a propiciar recursos à habitação PMCMV; Falta de nal com a disponibili-
e à urbanização. ação concreta quando dade de recursos di-
65

PERÍODO CONTEXTO MARCOS NO PERÍODO PRINCIPAIS RESULTADOS


POLÍTICO CARACTERÍSTICAS
2007 – Lançamento do Programa de se refere à questão versos para essa finali-
Aceleração do Crescimento (PAC), fundiária; Mesmo com dade, inicialmente
com a disponibilização de recursos vários avanços parece voltado a atender a po-
para a urbanização das cidades. Lei haver uma situação de pulação de menor ren-
11.445, que representa o marco regu- impasse da politica ur- da mas já com sinais
latório para o setor de saneamento , bana no Brasil (MA- de repetir erros anteri-
com a intenção de universalização do RICATO, 2011). ores com uma forte
acesso aos serviços de saneamento dependência da ação
básico. do mercado – empre-
sas construtoras.
2008 – Publicação da Medida Provi-
sória 422, que na prática permite a
legalização da grilagem de terras
(OLIVEIRA, 2008).
2009 – Estabelecimento de um Plano
Nacional de Habitação (PlanHab) e
lançamento do Programa Minha
Casa Minha Vida (PMCMV), Lei
11.977, que trata também sobre a re-
gularização fundiária de assentamen-
tos urbanos.
2010 – Lançamento do Programa de
Aceleração do Crescimento 2 (PAC
2).
2011 – Lançamento do Programa
Minha Casa Minha Vida 2, com re-
visões da Lei 11.977. Discussões em
torno da revisão do Código Florestal,
com acirramento das disputas das
políticas no campo.

Fonte: Quadro organizado pelo autor a partir de FILHO (2005), BONDUKI (1998) e MARICATO
(2008 e 2011).

Impasses da política urbana no Brasil

Apesar do trajeto errático, percebemos que ao longo dos anos desenvolve-

ram-se políticas públicas de desenvolvimento urbano para as cidades brasileiras, tentando

enfrentar a expressão física das desigualdades, através da articulação de suas diversas polí-

ticas setoriais – habitação, regularização fundiária, saneamento, transporte e mobilidade.

Esse caminho não se faz sem críticas, ou pela ineficiência das ações frente ao problema ou

pela intencionalidade, com o desvirtuamento das metas originárias e o fomento à especula-

ção imobiliária e à acumulação capitalista.


66

“Forças hegemônicas da especulação imobiliária: estas são as


que se beneficiam do processo da especulação imobiliária urbana,
que tem criado, além da enorme ineficiência produtiva nacional,
as péssimas condições de vida para as populações pobres ou muito
pobres, mas também a péssima qualidade ambiental para as clas-
ses médias e altas, sufocadas em bairros super verticalizados ou
então muito densos, que, embora às vezes com bastante área ver-
de, ficam muito distantes dos serviços urbanos, em situações extre-
mas na periferia urbana, em setores espaciais próprios, de alta
renda, e até na zona rural ou próximos dela.” (CAMPOS FILHO,
2001:74)

O arcabouço normativo e jurídico aplicado ao desenvolvimento urbano e à ha-

bitação vem se construindo ao longo dos anos, fruto muitas vezes do debate acirrado e da

participação ativa da sociedade, mas também dos interesses específicos de determinados

setores econômicos. É marcado de avanços e reveses, e dicotomias explícitas que apenas

desnudam as complexidades do tema cidade e moradia, inserido numa sociedade desigual e

com “dividas sociais” históricas com as classes menos favorecidas.

No meio dessas safras de leis é interessante notar algo que já foi tocado por

Bourdieu (2001) no capítulo anterior quanto à importância do capital técnico e burocrático,

bem como a liberdade que detêm seus agentes para aplicação ou não de leis no campo dos

poderes locais. Interessante também é a crítica trazida por Maricato (2011) quanto à “von-

tade de acreditar”, bem própria dos técnicos (arquitetos, urbanistas, economistas, etc), que

avanços e conquistas no campo institucional, nas leis, são capazes de mudar nossas cidades

caóticas. Por exemplo, guardadas as devidas proporções, todas as esperanças e expectativas

depositadas na década de 1970 na Lei de Parcelamento do Solo (CAMPOS FILHO, 2001),

ou mais recentemente no Estatuto da Cidade.

“Não há que se criar ilusões sobre o Plano Diretor instituído por


lei municipal. Sua elaboração permite aos participantes conhecer
a cidade, entender as forças que a controlam. Seu processo parti-
cipativo permite incorporar sujeitos ao processo político e ao con-
trole – sempre relativo – sobre a administração e as câmaras mu-
67

nicipais. Mas é preciso não perder de vista a natureza do poder


municipal, que tem a especulação imobiliária (nem sempre capital,
mas patrimônio) entre suas maiores forças. Há uma distância
imensa entre discurso e prática entre nós. Invariavelmente os tex-
tos dos Planos Diretores são sempre muito bem-intencionados,
afirmam uma cidade para todos, harmônica, sustentável e demo-
crática. A implementação do Plano, entretanto, tende a seguir a
tradição: o que favorece a alguns é realizado, o que os contraria é
ignorado.” (MARICATO, 2011:96)

Para a autora “não é por falta de plano e leis que as cidades no Brasil estão

como estão” (MARICATO, 2011:44).

“Nesse contexto, no qual os direitos não são universais e a cidada-


nia é restrita a poucos, deveria soar estranho o quadro jurídico,
em geral bastante avançado. Entre a lei e sua aplicação há um
abismo que é mediado pelas relações de poder na sociedade. [...]
É profundo o distanciamento entre a retórica e o real.” (MARICA-
TO, 2008:42)

A legislação do parcelamento do solo, Lei nº 6.766/79, traz as principais regras

que regulam a divisão da propriedade urbana (BRASIL, 1979). Denomina-se loteamento o

projeto de parcelamento que implica na criação de lotes, bem como de traçado viário. En-

tretanto, se a criação das novas propriedades aproveitar o traçado viário existente, denomi-

nar-se-á desmembramento. Conforme definição legal, pelo §4° do art. 2°, lote é o terreno

servido de infraestrutura básica, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos defini-

dos pelo Plano Diretor ou Lei Municipal para a zona em que se situe. Nos loteamentos em

ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) ou AEIS (Áreas Especiais de Interesse Social),

a urbanização poderá ser progressiva. Em seu art. 4°, inciso II, consta que nos projetos de

habitação de interesse social os lotes poderão ter padrões diferenciados, se aprovados pela

municipalidade. Será clandestino o parcelamento efetuado sem aprovação dos projetos jun-

to à municipalidade, e irregular, se aprovados os projetos e executado em desacordo com

os mesmos.
68

O Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) tenta avançar ainda mais nas questões

relativas ao direito à cidade, da função social da propriedade urbana e da gestão democráti-

ca, dando um viés mais político ao processo de planejamento. “Embora o instrumento

'plano diretor' seja anterior ao Estatuto da Cidade, o conceito e suas formas de elabora-

ção foram adaptadas de um formato anterior, mais burocrático e tecnocrático, para uma

prática com ampla participação da população” (SANTOS JUNIOR E MONTANDON,

2011:14). Algo que tem bastante destaque ainda é a questão fundiária como balizadora da

política urbana, porém com avanços bem mais tímidos.

“No centro da questão urbanística está o fundiário e o imobiliário.


A ocupação do solo obedece a uma estrutura informal de poder: a
lei de mercado precede a lei/norma jurídica. Esta é aplicada de
forma arbitrária. A ilegalidade é tolerada porque é válvula de es-
cape para um mercado fundiário altamente especulativo [...] As
disputas pela apropriação das rendas imobiliárias determinam,
em grande parte, os destinos das cidades e seu desenvolvimento.”
(MARICATO, 2008:81, grifo nosso)

Mesmo com toda essa importância atribuída à questão fundiária, com um en-

tendimento de que a terra é o nó e que houve a “perda da centralidade da questão da terra

urbana” (MARICATO, 2011:10), Maricato afirma que o tema não está mais na agenda

dos governos:

“Diante desse quadro espantoso, é surpreendente que a questão


urbana tenha perdido a importância a ponto de ser quase nulo o
seu destaque em programas de governo de todos os partidos e es-
tar ausente dos debates nas últimas campanhas eleitorais. Até mes-
mo a proposta de Reforma Urbana, reconstruída a partir da luta
contra o Regime Militar, inspiradora da criação do Ministério das
Cidades, que tinha como centralidade a questão fundiária, desapa-
receu da agenda política. Movimentos sociais estão mais ocupados
com conquistas pontuais na área de habitação.” (MARICATO,
2011b)
69

Campos Filho (2001) coloca em perspectiva o tema da especulação imobiliária

como entrave ao desenvolvimento nacional, pois há a “redução drástica dos recursos go-

vernamentais destinados a infraestrutura e serviços urbanos nas cidades, que são vistos

não como parte do aparato produtivo [...] mas apenas como parcela da 'dívida social', ou

seja, do consumo coletivo” (CAMPOS FILHO, 2001:53).

Para o autor a especulação imobiliária é um tipo específico de renda da terra e

uma forma pela qual os proprietários da terra recebem uma renda transferida dos outros se-

tores produtivos da economia, especialmente através de investimentos públicos na infraes-

trutura e serviços urbanos, que são os meios coletivos de produção e consumo ao nível do

espaço urbano. “Os imóveis correspondem a essa categoria de investimento seguro para

quem puder fazê-lo. Eles raramente se desvalorizam e usualmente o que ocorre é a valori-

zação. Às vezes, essa valorização se dá, repentinamente, por força de investimentos públi-

cos de porte” (CAMPOS FILHO, 2001:63).

Essa forma “naturalizada” de renda provoca um custo social elevado, com a di-

lapidação da força de trabalho e o aumento dos custos de produção. As disparidades entre

as camadas sociais ricas e pobres se ampliam, gerando uma intensificação dos conflitos so-

ciais.

“O empresário imobiliário é, em geral, confundido como especula-


dor. É preciso distinguir, no entanto, para bem entendermos os in-
teresses em jogo, a atividade empresarial imobiliária produtiva da
improdutiva ou especulativa [...] O avanço do capitalismo exige
um crescente controle pela sociedade dos ganhos especulativos
realizados pelos proprietários do solo.” (CAMPOS FILHO,
2001:67, grifo nosso)

Nesse contexto a terra urbana é vista ora como bem econômico, com grande

valor de troca, com os agentes econômicos afirmando o direito de propriedade, ora é enten-

dido como um bem essencial e escasso para a vida na cidade, sendo seu valor de uso mais
70

importante, portanto fazendo valer sua função social e o regramento pelo Estado – como

foi visto anteriormente, para Bourdieu (2001) quanto mais “indispensável” for um bem,

mais chances de haver um controle pelo Estado. Nesse campo de disputas não é surpreen-

dente que os grandes proprietários de terras e boa parta da parcela da classe média, que

também detêm propriedade de imóveis, realizem a prática da especulação imobiliária, uma

vez que essa retenção lhes permite possuir uma hegemonia econômica, detendo o capital

financeiro e promovendo ações de força política.

“No Brasil, nona economia mundial, a questão da terra continua a


se situar no centro do conflito social, mas de forma renovada. Ela
alimenta a profunda desigualdade – ainda que haja a recente pe-
quena distribuição de renda – e a tradicional relação entre propri-
edade, poder político e poder econômico.” (MARICATO,
2011:186)

No “jogo urbano” (SANTOS, 1988), o Estado tem um papel fundamental que é

de formulador e detentor das regras, porém este está sujeito à ação dos agentes que o con-

trolam.

“Seja por iniciativa pública ou privada, a configuração global do


espaço sempre resulta da ação do governo. O exemplo mais difun-
dido de produção de áreas urbanas – o loteamento – decorre da
omissão e da permissividade intencionais. É fruto de uma escolha,
de uma não alocação. Atitude lógica por parte de autoridades que
preferiram atuar em setores básicos, favorecedores da acumulação
de certo tipo de capital, em vez de cuidar do bem-estar dos cida-
dãos.” (SANTOS, 1988:45)

A especulação acaba perpassando várias escalas, desde os grandes proprietários

de terras até os pequenos investidores que enxergam aí uma maneira comumente aceita de

aumentar seus ganhos. Trazendo essa discussão para a escala do nosso objeto de pesquisa,

o caso de Luzimangues — que não é um caso isolado na região e no país; há relatos de

pessoas que adquirem quadras inteiras em loteamentos para “esperar valorizar”, pessoas
71

que compram diversos lotes, dando a entrada, e logo depois passam a negociar o “ágio” 9,

sobrevalorizando o preço dos terrenos para apropriar algum lucro. Esses são os “pequenos

especuladores”, que entram no processo quando este já está em estado avançado da apro-

priação da “mais-valia fundiária urbana” (FURTADO, 2004)10, mas o grande especulador

é aquele que vê a oportunidade na transição hectare/metro quadrado, ou seja, adquire terras

rurais pagando por hectare, e empreende os procedimentos para instalação do loteamento,

transformando e vendendo por metro quadrado, ampliando indiscriminadamente a malha

urbana da cidade.

Ainda contribui para o aumento do custo da terra a política habitacional e de

aumento do crédito imobiliário adotada pelo governo nos últimos anos. O que inicialmente

é visto como um avanço, após décadas sem investimentos concretos e substanciais, vem

sendo absorvido não só pelos setores produtivos, mas uma boa parcela dos recursos desti-

nados aos programas governamentais e ao crédito imobiliário vem sendo solapado pelos

donos das terras11, fomentando mais ainda um mercado imobiliário excludente.

Campos Filho (2001) já chamava atenção para esse movimento:

“Caso se adotasse uma política apenas para ampliar os recursos


públicos destinados às cidades, sem se combater a especulação
9
O “ágio” já se tornou uma prática comum e aceita no mercado imobiliário e diz respeito ao valor cobrado
pelo vendedor que ainda não quitou totalmente o imóvel adquirido a prazo do loteador. As parcelas
futuras passam a ser de responsabilidade do comprador, sendo que o vendedor cobra o valor que já
despendeu pelo bem acrescido da valorização já advinda no tempo, mas também sobrepreços decorrentes
do meio especulativo.
10
Apesar de não ser o foco especifico do trabalho, abordaremos na discussão outras questões próprias da
temática urbana como a “gestão social da valorização da terra” (SANTORO, 2004), onde o termo mais-
valia urbana é mais utilizado. Nesse sentido Furtado (2004) nos trás sua contribuição: “O termo 'mais-
valia' provem da ideia de 'valor excedente', e, por isso, está sujeito às controvérsias que recaem sobre o
entendimento da formação do valor. Podemos então reconhecer a mais-valia, valor excedente, como
produto do trabalho excedente, para com isso entender que toda renda fundiária é mais-valia.”
(FURTADO, 2004:56 e 57), e ainda: “Um entendimento alternativo para o termo 'mais-valias fundiárias
urbanas' como objeto de recuperação por parte do poder publico, é o que remete à valorização
experimentada pelos terrenos no processo de urbanização, ou seja, aos acréscimos da renda econômica
da terra, usualmente considerados como posteriores ao momento de aquisição da terra por um
determinado proprietário. Trata-se, portanto, da valorização territorial ocorrida na constância da
propriedade.” (FURTADO, 2004:57 e 58)
11
Estudos sobre este tema ainda não estão devidamente formatados, mas alguns autores começam a se
debruçar sobre ele: NASCIMENTO e TOSTES, 2011; MARICATO, 2011; FIX, 2011.
72

com imóveis, tais investimentos promoveriam, em decorrência,


uma valorização imobiliária ainda maior, ampliando ainda mais
os efeitos negativos da especulação imobiliária.” (CAMPOS FI-
LHO, 2001:73)

O que é constatado por Maricato (2011):

“O aumento dos investimentos em habitação sem a necessária mu-


dança da base fundiária tem acarretado, de forma espetacular, o
aumento dos preços de terras e imóveis desde o lançamento do
PMCMV12.” (MARICATO, 2011:70)

A autora vê um momento de impasse da política urbana no Brasil “com o fim

de um ciclo que prenunciava reformas urbanas, em especial a reforma fundiária e imobili-

ária” (MARICATO, 2011:09). A terra, e a questão da sua propriedade, se coloca nova-

mente como o grande obstáculo a ser transpassado, porém exige uma discussão bem mais

ampla e que envolve muitos interesses.

“A experiência das 'prefeituras democráticas e populares' parece


ter chegado ao limite. A produção acadêmica crítica está num im-
passe. Grande parte dos movimentos sociais e sindicais está conti-
da entre o pragmatismo e o corporativismo. Os mais combativos
estão sob pressão da mídia, do agronegócio e dos numerosos pro-
cessos jurídicos de criminalização.” (MARICATO, 2011:09)

Mesmo com os avanços no campo institucional, as conquistas “não lograram

mudar as principais forças que conduzem as cidades brasileiras para a condição de tragé-

dia social e ambiental” (MARICATO, 2011:78), justamente porque foram potencializadas

pela introdução do crédito e de investimentos maciços dos programas federais (MARICA-

TO, 2011:78).

12
O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) é um programa do Governo Federal instituído através da
Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, destinado a impulsionar a construção de moradias como forma de
reagir à crise financeira internacional de 2008. Tinha como meta a construção de 1 milhão de moradias
para diferentes faixas de renda, em 2011 foi lançada uma outra etapa do programa, que ficou conhecida
como PMCMV 2, através da Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, aumentando a meta em mais 2
milhões de moradias. “Além de constituir uma proposta virtuosa anticíclica, o PMCMV significou a
retomada de conceitos antigos, vigentes durante o Regime Militar sobre a promoção de moradias”
(MARICATO, 2011:58).
73

“Apesar da base legal para fazer mudanças [Constituição Federal


e Estatuto da Cidade], a propriedade fundiária e imobiliária conti-
nua a fomentar a desigualdade social e urbana. A geração e capta-
ção de renda fundiária e imobiliária continua a orientar o cresci-
mento urbano e a falta de controle sobre o uso e ocupação do solo
no Brasil.” (MARICATO, 2011:70)

Maricato (2011) nos dirá ainda, trazendo entendimentos das obras de Francisco

de Oliveira, Celso Furtado e de outros pensadores da situação brasileira, que as cidades não

lograram apresentar mudanças significativas e “após duas décadas perdidas não deveria

haver mais lugar para a ingenuidade ou para a esperança prometida pelo desenvolvimen-

tismo, de superação da condição de atraso” (MARICATO, 2011:145).

“Constatação da piora das condições gerais, sociais, ambientais e


de vida nas cidades durante as últimas três décadas especialmente.
Parte-se de uma herança marcada pela condição capitalista peri-
férica de tradição escravista, portanto, de forte desigualdade soci-
al no território e falta de controle sobre o uso e ocupação do solo,
características que são exacerbadas no período dominado pelas
políticas neoliberais. No período mais recente, a partir de 2004, os
investimentos em habitação e saneamento são retomados pelo go-
verno federal deixando intocada a base fundiária urbana, o que
compromete a noção de desenvolvimento urbano.” (MARICATO,
2011:10)

Esse é um pouco do cenário da política urbana nacional onde entendemos está

imerso o nosso objeto de estudo, o processo social da produção de uma “nova” cidade no

Distrito de Luzimangues, e que se constitui num lócus que exemplifica os debates que

ocorrem nesse campo. Observaremos a seguir um pouco desse desenrolar, em um meio

onde há fortes expectativas e especulações de cenários de crescimento, com a instalação da

Ferrovia Norte/Sul (FNS), Pátio Industrial, a possibilidade de implantação de grandes in-

dustrias, exploração mineral, pressão do mercado imobiliário de Palmas – onde os terrenos

sofreram altas que impedem o acesso por parte das classes mais pobres, além dos próprios
74

especuladores que querem continuar explorando o mercado de terras; e movimentos pró-

emancipação do Distrito de Luzimangues.

Apesar das escalas diferentes de planejamento local e regional, os rumores fun-

cionam como um rastro de pólvora, fazendo o mercado imobiliário se antecipar e avançar

sobre as áreas rurais, ocupando o território do cerrado, fazendo suas próprias leis e (re)es-

crevendo sua história.


75

CAPÍTULO III - CENÁRIO DE GRANDES MUDANÇAS

Tocantins: processo de ocupação do território e urbanização

O território do antigo norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins, passou por

diversas mudanças ao longo da sua história, inserido numa lógica nacional de ocupação do

território, que relega ao Centro Norte do país um papel subalterno na divisão do trabalho.

Segundo Lira13 (1995:51) “produtor alimentício destacando-se pela sua vastidão de terras

agricultáveis e pela pecuária”, e afastado dos grandes centros urbanos e do

desenvolvimento industrial.

Lira (1995:154) divide em três períodos a ocupação do norte de Goiás: “1) o

período da mineração: descoberta do ouro (1725) e da hidrovia do Tocantins 14; 2)

período republicano: a ferrovia [Estrada de Ferro Goiás], a 'Marcha para o Oeste'; 3) o

período pré e pós-64: Brasília, Belém-Brasília e 'Amazônia Legal'”.

13
Lira (1995) ao discutir a gênese de Palmas, faz um apanhado histórico do surgimento do Estado do
Tocantins, utilizando autores como Póvoa, Alencastre, Rodrigues, Palacin, Godinho, Cavalcante, entre
outros.
14
Pós 1881, muitas cidades tocantinenses, especialmente do sul e sudeste do Estado, terão forte influência
dos negros (Natividade, Arraias, entre outras): “Milhares de escravos, após alforriados, permaneceram
na região do Tocantins contribuindo para formação da sociedade local.” (LIRA, 1995:153)
76

Aquino (1996) tenta esmiuçar um pouco mais esses períodos de ocupação,

identificando outros fatores que também contribuirão com a urbanização e a ocupação do

território.

“Período aurífero (século XVIII); agropecuária tradicional (sécu-


los XIX e XX); colonização espontânea e oficial em zonas pionei-
ras (primeiras décadas do século XX), bem como os garimpos de
cristal, que deram origem a algumas cidades do Norte (primeira
metade do século): Cristalândia, Pium e Dueré. Além destes, con-
tribuíram também para o nascimento de algumas cidades, como:
Presídios Militares (Araguacema); Aldeamentos (Dianópolis, Pe-
dro Afonso, Itacajá e Tocantínia).” (GOMES E TEIXEIRA NETO,
apud AQUINO, 1996:29 e 30)

Oliveira (2009:84) pontuará as grandes obras modernizadoras, “somativamente

em período mais recente com a construção de Goiânia, Brasília, BR-153, separação do

Estado do Tocantins e criação de sua capital, Palmas”, o autor ainda vê como inovador o

Projeto da Ferrovia Norte/Sul (FNS), “que já está trazendo modificações na organização

espacial do município de Porto Nacional e região” (OLIVEIRA, 2009:85).

Através das obras destes e de outros autores podemos identificar os eixos de

desenvolvimento, em diferentes momentos, que propiciam a ocupação, exploração e

modificação do território.

Para Oliveira (2009:84), as mudanças “não se restringem apenas ao

econômico, mas convivem a um só tempo as modificações imbricadas de crescimento

urbano, migrações inter-regionais e internacionais, expropriação e violência no campo e

na cidade”. Isso notamos desde o início da ocupação da região com o objetivo de

exploração dos minerais, especialmente das minas de ouro, e da mão de obra indígena, por

meio das entradas dos bandeirantes paulistas. Nos primórdios de ocupação com o

surgimento das vilas e cidades, o estabelecimento de suas necessárias redes urbanas, de


77

transporte, comércio e comunicação, a lenta transformação do rural em urbano do seu

entorno e o desbravamento do isolamento.

Num primeiro momento temos as “trilhas e picadas” dos bandeirantes no

século XVIII, abertas em busca de minérios, exploradas por meio das tropas de animais e

das expedições fluviais dos jesuítas do Pará, “que subiam o rio Tocantins até Goiás, em

busca de índios para aculturá-los e usá-los no trabalho escravo” (PALACIN, 1994, apud

OLIVEIRA, 2009:48). Refletindo o espírito mercantil da época, tais expedições não

tinham como objetivo fixar povoamento na região, “a palavra de ordem ficava por conta

do enriquecimento rápido com o objetivo único da extração aurífera” (OLIVEIRA,

2009:48).

Com o empobrecimento da exploração aurífera buscou-se outras alternativas

para desenvolvimento do Norte Goiano, um outro eixo que começou a se fixar foi a

navegação fluvial do Rio Tocantins. Durante muito tempo a navegação no Rio Tocantins

era proibida pelas autoridades do sul, de maneira a evitar o escoamento das riquezas

minerais através das capitanias do norte (Pará e Maranhão), porém já no século XIX

tornou-se de especial importância a Hidrovia do Tocantins, “para a integração e

desenvolvimento da região do Norte Goiano com outras regiões brasileiras e em especial

a região Norte” (LIRA, 1995:20).

O modelo de urbanização que se desenhou foi a ocupação “orientada” seguindo

o eixo de integração regional, no vale do Rio Tocantins (LIRA, 1995:21), surgindo ou

desenvolvendo as cidades “portuárias” como Porto Nacional, Pedro Afonso, Miracema do

Norte, Tocantínia, entre outras, que faziam interface com Belém no Pará e Carolina no

Maranhão.

“O Norte permaneceu isolado até a metade deste século [século


XX], configurando-se enorme vazio demográfico, com pequeno nú-
78

mero de cidades existentes, predominantemente na margem direita


do Rio Tocantins, em sua maioria originadas na época do ouro.
São as cidades conhecidas como tradicionais. Mais do que isso, a
vida urbana existente naquela época obedecia sutilmente os con-
tornos do Rio Tocantins.” (AQUINO, 1996:52)

Lira (1995) acaba nos oportunizando demonstrar os contrastes temporais no

desenvolvimento regional do Norte Goiano, de um momento onde o capital nacional não

tinha interesse na região, coibindo até mesmo os investimentos privados, em paralelo aos

investimentos públicos bilionários mais recentes, com a construção da BR Belém-Brasília

na década de 1960, e da FNS e do complexo hidrelétrico, na atualidade – expandido as

fronteiras do agronegócio e da mineração.

“A ausência de investimento estatal, no período mais fértil (final


do século XVIII e início do século XIX) da hidrovia do Tocantins e
Araguaia, inviabilizou seu futuro, como principal eixo de desenvol-
vimento regional e principal via de integração nacional. Os proje-
tos privados, elaborados com intuito de ligar o planalto central ao
litoral através do rio Tocantins foram sempre barrados pela falta
de recursos das empresas individuais que, empreendia tal inten-
ção.” (LIRA, 1995:156)

Já no século XX é que ocorrerá a maior dinamização da ocupação dessa região

centro norte, inserido no modelo nacional de expansão capitalista e na política de Estado

da “Marcha para o Oeste”, que começa a ser implantada pós 1930 “com a queda da he-

gemonia da burguesia cafeeira no sul” (LIRA, 1995:42), assolada pela crise internacional

de 1929, e a necessidade de novas fronteiras econômicas. “A 'Marcha para o Oeste' deve

ser entendida criticamente como um programa que resultou da necessidade de ocupar os

vazios demográficos existentes pelo interior do país” (AQUINO, 1996:57). Rodrigues

(2008) acrescenta ainda a importância da construção de Goiânia, nos anos de 1930, para o

projeto nacional da “Marcha para o Oeste” (RODRIGUES, 2008:63), contraposto ao pro-

cesso em si de ocupação da cidade.


79

Quando colocamos em perspectiva o processo da “Marcha para o Oeste”, num

contexto de expansão econômica e integracionista nacional, a que se prestava, não

podemos deixar de traçar um paralelo com a história de criação do Estado do Tocantins e

os grandes projetos planejados e implantados na região, nos mesmos moldes da expansão

capitalista anterior.

Na execução dessa política de interiorização do crescimento econômico está

inserida a construção de uma obra que altera o eixo de desenvolvimento na região do

antigo Norte de Goiás, trata-se da construção da BR-153 (antiga BR-14), a Belém-

Brasília15, juntamente com a própria mudança da capital nacional do Rio de Janeiro para

Brasília16, em 1960, alterando a política de ocupação para todo o Centro Norte do país.

“… o governo JK se voltou quase que exclusivamente para a cons-


trução de Brasília, que estrategicamente seria o ponto de partida
para a invasão capitalista sobre a Amazônia. Com a nova capital
federal veio a estrada Belém-Brasília, rasgando o Planalto Cen-
tral, “integrando” esta região central do país à Amazônia Brasi-
leira, a nova rodovia (BR-14, hoje BR-153) passou cortando as
terras do norte de Goiás, dividindo-as ao meio no sentido norte-
sul, trazendo consigo o euforismo desenvolvimentista e imediatista
do governo JK.” (LIRA, 1995:133)

Para Lira (1995:192) a rodovia Belém-Brasilia desloca o “eixo econômico e

populacional” das margens do vale do Rio Tocantins para sua margem esquerda, ao longo

da BR, “dando assim uma nova configuração na economia e no sistema de povoamento

do Tocantins”.

“A Belém-Brasília se constituiu no novo eixo de desenvolvimento


econômico e populacional da região do Tocantins, se transforman-
do em uma área de atração e deslocando a economia e a urbaniza-
ção do vale do [Rio] Tocantins para o divisor de água de sua mar-

15
As obras da BR são iniciadas em 1956, observando o que é assinalado por Aquino (1996:174): “A Belém-
Brasília teve vários trechos construídos antes de sua decisão final de ligar Brasília a Belém. Os seus
inícios datam dos anos 40, com a implantação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás – CANG, hoje
cidade de Ceres.”
16
A construção de Brasília é iniciada em 1956, sendo inaugurada em 21 de abril de 1960.
80

gem esquerda [...] [com cidades] surgidas e “desenvolvidas” após


a construção da Belém-Brasília.” (LIRA, 1995:195)

Várias cidades vão surgindo ao longo da BR-15317, muitas nos locais onde se

instalavam os canteiros de obras das empresas construtoras, outras em torno de paragens

comerciais, e até cidades que se deslocavam de locais um pouco mais afastados para as

margens da BR. Paraíso do Tocantins, é um exemplo dessas “cidades acampamento”

(LIRA, 1995:244), o povoado nasceu com a construção da rodovia. O seu fundador, o Sr.

José Ribeiro Torres instalou-se ao lado do acampamento da Companhia Nacional,

empreiteira da construção da rodovia, nos idos de 1958. O povoamento começou a crescer

e já em 1963 emancipou-se politicamente, com a denominação de Paraíso do Norte,

desmembrando do Município de Pium — Lei Estadual nº 4.716, de 23 de outubro de 1963

(PARAÍSO DO TOCANTINS, 2011).

“… o processo de povoamento do Sul Goiano e antigo Norte de


Goiás tiveram dinâmicas diferentes no tempo-espaço. Quanto ao
primeiro, este foi impulsionado pela Ferrovia Mogiana Paulista18.
O Norte Goiano se reestrutura, bem mais tarde, com criação de
Brasília e, consequente, a criação da Belém-Brasília. A população
que antes em sua maioria, habitava às margens dos rios, especial-
mente do rio Tocantins, migram para as margens da Belém Brasí-
lia... A região viveu uma nova dinâmica de urbanização. Cidades
como Uruaçu, Porangatu, Gurupi, Paraíso do Tocantins, Araguaí-
na, entre outras de menor porte, ganham uma nova dinâmica em
sua economia, número populacional e reestruturação territorial.”
(OLIVEIRA, 2009:64)

De acordo com Oliveira (2009:69) “a organização territorial do Estado do

Tocantins”, antigo Norte Goiano, “teve e tem influência direta das políticas de expansão

da fronteira agrícola do país”, sendo que “a construção da referida rodovia [BR-153],

trouxe dinamismo para muitas cidades Tocantinenses, e transtornos para outras”


17
“Nestas cidades a BR-153 é a principal avenida, é o centro comercial e é um ponto comum entre elas.
Em todas cidades às margens da Belém-Brasília, no Estado do Tocantins, tem uma Av. Bernardo Sayão,
que é a própria BR-153 no trecho que corta tais cidades.” (LIRA, 1995:282)
18
Estrada de Ferro Goiás, interligando a região do Triângulo Mineiro a Goiás.
81

(OLIVEIRA, 2009:65). O autor faz referência àquelas cidades que vinham se

desenvolvendo às margens do Rio Tocantins que sofrem grandes impactos com essas

mudanças, como a cidade de Porto Nacional, que nesse momento ainda mantem certa

ascendência na região, beneficiando-se também com a construção da ponte sobre o Rio

Tocantins em 197919, ligando a BR-153 com o “corredor da miséria” que é a margem

direita do rio.

“… apenas a estreita faixa de terra cortada pela estrada beneficia-


se direta e imediatamente dos resultados da referida obra. Desta
maneira, enquanto a vida urbana ao Norte do paralelo treze, no
pouco que existiu antes da rodovia, limitava-se quase que exclusi-
vamente ao vale do Rio Tocantins, com o advento da rodovia hou-
ve apenas uma transplantação das margens do rio para as mar-
gens da estrada.” (AQUINO, 1996:108)

Lira (1995:170) chama atenção para esse marco de desenvolvimento para a

região dizendo que “o que tirou, de um profundo isolamento, a região hoje conhecida

como 'Amazônia Tocantinense', foi o advento da BR-153, a construção de Brasília e a

Ponte sobre o rio Tocantins, em Porto Nacional (1979)”. Esse autor assume um tom mais

critico ao afirmar que na realidade a navegação do Rio Tocantins e a construção da BR-

153 foram insuficientes para fazer a integração da região. “A hidrovia esbarrou na

sazonalidade da navegação, a Belém-Brasília deslocou o eixo um pouco para a esquerda,

sem se integrar à região. Ela mais parece, uma linha “alienígena” ligando dois diferentes

pontos, Belém e Brasília, é uma coluna vertebral sem vértebras” (LIRA, 1995:196).

Apesar de não termos mencionado anteriormente nessa breve reconstrução

histórica, um fator importante para as populações inseridas nesse contexto sempre foi a

profunda insatisfação com a situação de isolamento vivida pelo Norte Goiano e a

19
Apesar da importância como eixo de ligação com a BR-153, atualmente a ponte está interditada para o
tráfego pesado de caminhões, devido a problemas estruturais detectados na construção, dessa maneira o fluxo
de veículos de cargas é desviado para Palmas ou para a recém-inaugurada ponte entre os municípios de
Lajeado e Miracema do Tocantins, e daí tendo acesso à Belém-Brasília.
82

percepção de um desenvolvimento diferenciado sul/norte de Goiás 20. Ao longo da história

houveram inúmeros movimentos no sentido da sua emancipação político administrativa.

Isso posto em paralelo com a politica expansionista de novas fronteiras econômicas da

década de 197021, o movimento separatista que chega a termo com a Constituição de 1988

e cria o Estado do Tocantins, com a cisão do Estado de Goiás, provoca toda uma nova

onda desenvolvimentista incentivando a ocupação da região.

“ […] dois fatores que se confundem com causa e consequência do


desejo emancipacionista da região goiana (Estado do Tocantins).
O primeiro foi a Hidrovia do Tocantins, que não conseguiu romper
o isolamento da região, condenando-a a se constituir como uma
das regiões mais isoladas do país, embora ainda mantendo um ní-
vel muito lento de integração regional, o segundo, foi a construção
da estrada Belém-Brasília vinda no bojo da centralização do po-
der nacional e da política desenvolvimentista/populista do governo
JK.” (LIRA, 1995:18 e 19)

Por fim o vetor de crescimento mais recente trata-se da construção da

Ferrovia Norte/Sul, promessa de desenvolvimento industrial para o Estado, mas também

fator de mudanças das relações produtivas no campo, especialmente dentro das suas áreas

de influência, com a expansão do agronegócio, a mecanização do campo, a expulsão de

populações rurais para as cidades, com menos oportunidades no campo e o encanto de

melhorias de vida na cidade (busca de melhores empregos, educação, lazer, etc.), entre

outros.

Como já falado anteriormente, esse é um fenômeno que acontece dentro de

uma lógica de expansão capitalista, voltado a atender os mercados com as exportações de

produtos agrícolas e também de minérios. O processo observado com a Ferrovia Norte/Sul


20
“Enquanto o sul já possuía estradas de ferro, permitindo o avanço do capital na modernização da
agricultura, valorizando as terras e trazendo novas técnicas para a pecuária. O árido norte possuía uma
agricultura de subsistência, uma criação de gado em pastagens nativas e a comunicação era feita
através de uma linha de avião que passava nas principais cidades da região do Tocantins, apenas uma
vez a cada mês.” (LIRA, 1995:133)
21
Antes do Tocantins outros estados foram sendo criados na última metade do século XX: Mato Grosso do
Sul (Lei Complementar nº 31/1977) e Rondônia (Lei Complementar nº 40/1981).
83

já na primeira década do século XXI, no território tocantinense, encontra um paralelo

histórico no que foi demonstrado por Lira (1995:159) com o advento da Estrada de Ferro

Goiás, construída no sul do Estado nas duas primeiras décadas do século XX: “com o

desenvolvimento da economia do centro-sul do Brasil, as terras de Goiás começaram a

ser bem valorizadas, no sentido, de representar uma viável reserva de produção

alimentícia, para abastecer as necessidades do centro-sul do País” (LIRA, 1995:159).

De acordo com a VALEC22 o traçado inicial da Ferrovia Norte/Sul previa a

construção de 1.550 quilômetros de trilhos, cortando os estados do Maranhão, Tocantins e

Goiás. Em 2008 houve a incorporação ao traçado original da ferrovia dos trechos

Açailândia (MA) - Belém (PA) e Anápolis (GO) – Panorama (SP), a Ferrovia Norte/Sul

terá, quando concluída, 3.100 quilômetros de extensão. O objetivo da FNS é oferecer uma

logística adequada à concretização do potencial de desenvolvimento dessa região,

fortalecendo a infraestrutura de transporte necessária ao escoamento da sua produção

agropecuária e agroindustrial (VALEC, 2012).

A expectativa vendida pelos governos é que a instalação e consolidação dos

pátios ferroviários e das plataformas intermodais ao longo da estrada de ferro,

impulsionarão os “polos de desenvolvimento industrial”, viabilizando as exportações e as

importações no Estado e gerando novas oportunidades de emprego. No Tocantins esses

polos estarão localizados nas cidades de Aguiarnópolis, Araguaína, Colinas do Tocantins,

Guaraí, Porto Nacional/Palmas e Gurupi.

“Inúmeros benefícios sociais estão surgindo com a Ferrovia


Norte-Sul. A articulação de diferentes ramos de negócios propor-
cionada por sua implantação está contribuindo para o aumento da
renda interna e para o aproveitamento e melhor distribuição da ri-
queza nacional, a geração de divisas e abertura de novas frentes
de trabalho, permitindo a diminuição de desequilíbrios econômi-

22
A 'VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A' é uma empresa pública, sob a forma de sociedade
por ações, controlada pela União através do Ministério dos Transportes (VALEC, 2012).
84

cos entre regiões e pessoas, resultando na melhoria significativa


da qualidade de vida da população da região.” (VALEC, 2012)

Nesse cenário dinâmico de grandes mudanças, refletidas na economia, no

território e na dinâmica das populações, muito ainda não se tem a possibilidade de ser

apreendido, sendo que se soma a esse contexto ainda os grandes projetos de exploração da

capacidade para geração de energia através das usinas hidrelétricas e o retorno da

navegação dos rios com as Hidrovias do Tocantins e Araguaia.

Para a região estudada um fator importante, senão um dos mais importantes, foi

a divisão do Estado e a definição e surgimento da sua nova capital Palmas, esse novo eixo

de desenvolvimento será abordado no tópico seguinte.

Palmas: cidade nova, modelo velho

Com a alteração da dinâmica regional pós-1988, com a criação do Estado do

Tocantins, as cidades da região passam por novas e drásticas mudanças; no âmago da eufo-

ria da criação do Estado existia a disputa política pelo controle da gestão do território

(OLIVEIRA, 2009:72): qual cidade seria a capital do Tocantins?

A disputa inicial fica em torno de Araguaína ao norte, Gurupi ao sul e Porto

Nacional mais ao centro; entre outras cogitações, com certa vantagem politica para

Araguaína (LIRA, 1995). Nessa disputa geopolítica os diversos agentes vão se enfrentando

e a saída acaba sendo um remendo, a definição da capital provisória na cidade de

Miracema do Tocantins. Do dia para a noite o cenário dessa cidadezinha às margens do

Rio Tocantins é alterado, com a chegada da máquina administrativa que estava sendo

criada e implantada, e dos pioneiros que vieram construir o novo Estado. As melhores
85

casas são alugadas para os órgãos públicos, ou para residencia dos políticos, bairros

periféricos começam a ser abertos e comercializados, a construção civil se intensifica.

Após o período de um ano, tão rápido quanto chegaram, os ventos da mudança são

lançados ao longe, uma vez que nesse ínterim ocorrem as definições e estudos para a

criação de uma nova e moderna cidade no cerrado que desempenharia o papel de capital

definitiva.

Dentre as justificativas para a implantação de uma “nova” cidade, podemos

apontar primeiramente a disputa política entre as principais cidades do Estado, sendo a

criação de uma nova capital uma saída “aceitável” pelas demais, uma vez que não

beneficiaria nenhuma. Outro pensamento é quanto aos custos de instalação, a capital indo

para um município já instalado acarretaria mexer com as elites locais, com desapropriações

exorbitantes, ou ainda, promoveria a valorização de áreas que já seriam de particulares —

as famílias detentoras de terras. Com a capital em Palmas, o Estado pôde promover um

processo de estatização23 e posterior privatização de terras públicas, que beneficiou uma

gama específica de "empreendedores", num processo de metamorfose que transforma terra

rural em terra urbana, vista agora como mercadoria, visando a acumulação, reprodução e

circulação de capitais (LIRA, 1995:247).

“… entender o Estado do Tocantins como a recriação de uma


'nova fronteira' do capitalismo na Amazônia e, Palmas sua capital,
como novo modelo de interferência do capital urbano. Instituindo,
assim, uma nova fronteira para o capital nacional / internacional
na região, a 'fronteira urbana'.” (LIRA, 1995:293)

A cidade de Palmas, “capital da esperança” (AQUINO, 1996:157), “a capital

ecológica do ano 2000” (LIRA, 1995:277), e seu Plano Diretor (1989) possui toda uma

justificativa projetual, que desperta os interesses dos eruditos (diretrizes, zoneamento, or-

23
Através da Lei nº 09, de 23 de janeiro de 1989 - “Declara de utilidade pública, para efeito de
desapropriação, área de terras descrita em memorial e dá outras providências”.
86

denamento urbano, etc). Situada às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica de Laje-

ado no Rio Tocantins, é um exemplo das grandes mudanças advindas à região e que, ape-

sar do projeto moderno (LIRA, 1995. OLIVEIRA, 2009 e VELASQUES, 2009), convive

com a sina das desigualdades sociais e urbanas (XAVIER, 2007), a segregação social (SIL-

VA, 2009), a privatização de terras públicas, a especulação imobiliária (AMARAL, 2009),

a expansão e ocupação desordenada (CORIOLANO, 2011), irregularidades fundiárias

(BAZZOLI, 2011), impactos e problemas ambientais (FIGHERA, 2005 e MOLFI, 2009),

elevado déficit habitacional (MELO JUNIOR, 2008), os vazios urbanos e uma infraestrutu-

ra cara e deficiente (BAZOLLI, 2007).

“Palmas […] foi projetada para ser a capital, estando localizada


no centro geográfico do novo Estado, com o propósito de deslocar
a circulação para fora do eixo da Belém-Brasília, em direção às
áreas de menor densidade econômica do antigo norte goiano, e de
sinalizar, de um lado, para um movimento de superação da confi-
guração espacial desigual induzida pela BR-153, revalorizando as
antigas articulações ocorridas no interior de seu território, e, de
outro lado, para um movimento de afirmação das forças políticas
internas em oposição às forças externas, buscando autonomia na
gestão dos processos de consolidação de sua estrutura territorial.”
(BESSA, 2011:08)

Apesar dos ares de modernidade, está claro, do que estava tecnocraticamente

planejado para o que veio se tornar na realidade, que a cidade está inserida em um modelo

arcaico de desenvolvimento urbano brasileiro, esse modelo diz respeito ao processo de

incorporação, apropriação e transformação do espaço. “Palmas é uma mistura do novo

com o tradicional, do antigo com o contemporâneo; novo quando ela rompe o

tradicionalismo regional; tradicional, quando ela é fruto de um sistema político

ultrapassado no sentido de não avançar nas questões sociais” (LIRA, 1995:284). Esse

processo ocorre após a Constituição de 1988, e quando se discute as propostas de Reforma

Urbana do Brasil. De tal maneira, Luzimangues é também um reflexo dessa mistura de


87

novo/tradicional, com uma justificativa desenvolvimentista, passando ao largo das

questões sociais.

“Palmas vem como o 'novo' nesse contexto Latino, mas é no Brasil


que ela surge como um velho/novo modelo de cidade, velho, no
sentido do planejamento administrativo, novo, no sentido de ser
uma capital construída pelo capital 'privado', e por ser também a
mais nova fronteira do capital urbano no Espaço brasileiro.”
(LIRA, 1995:230)

Os estudos que são realizados para a escolha da capital (1989) definiram um

grande quadrilátero na região central do Estado, identificando possibilidades de áreas para

instalação da cidade (Figura 2). Dentre as áreas está listada a região do “Canela”, onde

veio a ser instalada a capital, e a de “Mangues”, onde hoje se encontra o Distrito de

Luzimangues, sendo que na metodologia adotada pelo grupo avaliador, esta última obteve

maior pontuação, porém se encontrava na margem esquerda do Rio Tocantins (LIRA,

1995).

“Depois de aplicarem o sistema ponderativo de análise sobre as


quatro subáreas do quadrilátero da capital, avaliando os fatores
relevo, hidrologia, ecologia e paisagem, acessibilidade, energia e
aptidão agrícola, a equipe obteve as seguintes pontuações [...] su-
bárea Mangues (45) pontos, subárea Canela (43) pontos.” (LIRA,
1995:238)
88

Figura 2: As quatro áreas para a instalação da capital.

Fonte: Palmas, 2002.

Oliveira (2009:78) afirma que a área territorial para a implantação da Capital

foi formada por desmembramento e anexação de território: os distritos de Canela,

Taquaralto, Buritirana e Taquarussu e parte do território de Porto Nacional. A partir daí “a

terra urbana foi utilizada pelo Estado como moeda de pagamento e sofreu com a

especulação, [...] assim um processo que é inerente às cidades capitalistas foi agravado

pela ação estatal” (CARVALHÊDO e LIRA, 2009:13). O Estado se faz presente na

questão da incorporação imobiliária inicialmente por meio da Companhia de

Desenvolvimento do Estado do Tocantins (CODETINS), e no período posterior com a

instituição da ORLA S/A, uma empresa mista que é um amálgama do público e do

privado.
89

“O próprio governo estadual foi o responsável pela exploração


imobiliária em Palmas, quando este se tornou proprietário de to-
dos os lotes urbanos e ele mesmo efetuava suas vendas, numa pro-
paganda espalhada por todo o país. A cidade, ainda, sem a mínima
estrutura, recebe empresários de todas as partes do Brasil, com o
objetivo de comprar lotes bem localizados para a especulação.”
(LIRA, 1995:255)

Nesse sentido a comparação de Palmas com Brasília supera a ótica

arquitetônica urbanística, a comparação não está apenas no desenho ou no formalismo, mas

no processo da “incorporação imobiliária” (LIRA, 1995:249). Palmas é de início uma

cópia sim de Brasília, apesar do discurso dos seus projetistas e dos malabarismos

“semânticos” de muitos pesquisadores, preocupados com um historicismo acrítico ou

formalismo exagerado. Tal grau de erudição urbanística deveria ser então exigida do

“contratante”, o governador na época José Wilson Siqueira Campos, mas a preocupação

era fazer uma cidade moderna, truncando “20 anos em 2”. Repete-se os erros das cidades

brasileiras, não considerando a realidade social da população, faz-se uma cidade como um

grande loteamento, tentando apreender o ganho especulativo sobre a terra urbana

produzida. Quem se beneficia são os setores históricos de apropriação das riquezas

coletivas – políticos e grandes empresários.

Em Palmas as terras foram “estatizadas” (LIRA, 1995:247), desapropriadas dos

fazendeiros da região, num processo que mais tarde passa pela “privatização” das terras

públicas já urbanas, passando para as mãos de agentes imobiliários. Posteriormente ocorre

a retomada de parte dessas terras, por força de decisão judicial (recente decisão do

Supremo Tribunal Federal quanto ao que ficou conhecido como “Ação Discriminatória”),

aos donos originários, já em tempo de forte exploração e especulação imobiliária.

Outra questão levantada por Lira (1995), pouco observada e questionada, diz

respeito ao grande esforço que é para os cofres do Estado a construção de Palmas: “… uma
90

obra (de caráter) gigantesca, portanto, muito pesada para a mais nova e mais carente

unidade estadual do país” (LIRA, 1995:220). Muitos recursos públicos foram investidos

em Palmas, abrindo caminho para os empreendedores particulares, em detrimento de um

desenvolvimento mais igualitário das diversas regiões do Estado.

“O governador Siqueira Campos, com sua 'habilidade' política


conseguia ir superando as 'dificuldades' surgidas na questão da
capital do Estado. E numa demonstração de hegemonia centralis-
ta, seu governo, iniciou a construção de Palmas, transformando-a
no maior canteiro de obras do País e na maior e única prioridade
de seus dois anos de governo.” (LIRA, 1995:233)

Palmas monopoliza muitos recursos do novo Estado, diminuindo a

possibilidade/capacidade de melhorias da infraestrutura da rede de cidades já existentes, e

da própria população tocantinense; como “El Dorado” atrai muitas pessoas de fora de suas

paragens, o apelo capitalista de fazer a vida e de terra de oportunidades – onde “o sol nasce

para todos”; é espaço também para o capital especulativo. Quando se fala da questão da

segregação, da especulação imobiliária e dos vazios urbanos em Palmas, e da forma de

combatê-los, devemos considerar que não se trata apenas da infraestrutura lindeira às

glebas vazias24, mas sim dos investimentos feitos pelo poder público e pela coletividade,

vistos de maneira mais ampla. Em que localidade do Estado foram feitos os investimentos

públicos do porte dos realizados na capital? Aeroporto Internacional, a sede dos poderes

(Praça dos Girassóis), Hospital Geral de Palmas (HGP), UHE Lajeado, o Lago de Palmas,

a Ponte da Amizade, o maior polo da FNS no Estado, entre vários outros.

24
Menção à Lei Complementar nº 195, de 22 de dezembro de 2009, que dispõe sobre a Regulamentação e
Aplicação do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsório – PEUC, do solo urbano não edificado
subutilizado ou não-utilizado. Essa lei enumera itens de infraestrutura que devem estar ofertados junto às
glebas, limitando portanto o seu uso para combater a especulação imobiliária.
91

Especulação imobiliária e periferização de Palmas

O processo de periferização de Palmas tem início já com a implantação da ci-

dade, e fortemente ligado ao processo de especulação imobiliária. Os trabalhadores não

possuem condições de morar no “Plano Diretor” 25 e são instalados em bairros mais distan-

tes – num processo de exclusão planejada (XAVIER, 2007). Para Carvalhêdo e Lira

(2009:13), “o processo de segregação sócio espacial verificado na cidade Palmas, esteve

atrelado a um perverso mecanismo de periferização da população pobre, desencadeado

inicialmente pela ruptura com o planejamento”. Política de Estado potencializada pela

omissão e pela “falta de ações interinstitucionais e de aplicação das leis que regulamen-

tassem o planejamento urbano” (CARVALHÊDO e LIRA, 2009:13).

“Pode-se afirmar, que embora Palmas seja uma cidade planejada,


a práxis desencadeou uma cisão em seu espaço urbano, a priori
pela aplicação do planejamento urbano que se destinou muito
mais ao traçado das vias, à implantação de infraestruturas e ao
discurso ecológico restrito ao plano diretor inicial.” (CARVALHÊ-
DO e LIRA, 2009:13)

Mesmo com um plano básico previsto para ocupação em etapas, dimensionan-

do um total de “um milhão e duzentos mil habitantes” (PALMAS, 2002:7), o Estado e o

Município incentivam o crescimento do distrito de Taquaralto (1989), apartado do “Plano

Diretor”. Segundo Carvalhêdo e Lira (2009:13), “a cidade já nasceu segregada, criando

duas cidades”, Palmas “com grandes vias, espaços amplos, com uma população de maior

poder aquisitivo”, e Taquaralto “a partir de uma pequena aglomeração, sem planejamen-

to, destinada à população de baixa renda, em projetos adaptativos”.

“… onde mora quem constrói Palmas? E aí podemos ver que em


vez de se criar uma cidade para abrigar a capital, se construiu
duas, uma como reservatório de mão de obra barata (Taquaralto)
25
Plano Diretor é como ficou conhecida pela população a área abrangida pelo desenho urbanístico inicial da
capital.
92

e outra com condições objetivas de atrair capital privado, se trans-


formando num espaço de profunda exploração de mão de obra
cristalizado no processo diferenciado do valor do solo urbano e da
acumulação imediata de capital imobiliário.” (LIRA, 1995:24)

Já no início da década de 1990 ocorre a implantação dos bairros Jardim Aureny

I, II, III e IV26, devido a “expansão de Taquaralto, provocada pela aglomeração da popu-

lação fixada no entorno deste povoado, já existente e situado a 17 quilômetros ao sul dos

limites da malha urbana designada pelo Plano Diretor de Palmas” (MOLFI, 2009:57).

São loteamentos voltados para as populações mais pobres, promovidos pelo Estado, “a fim

de atender a demanda de migrantes de baixa renda em busca de melhores condições de

vida que, exatamente por isso, não podiam adquirir uma área no perímetro urbano da ci-

dade” (MOLFI, 2009:57). Porém não foram tomados os mesmos cuidados do projeto da

“capital”, não respeitando o sítio onde foram localizados. Faz parecer que o processo de

planejamento consistiu em jogar uma malha quadrangular sobre uma folha de papel, sem

considerar a topografia irregular da região, vegetação, os rios, cursos d'água e nascentes,

etc. É também uma clara divisão entre as classes sociais, escolha tomada pelos agentes do

poder público, sendo a política urbana imposta ao território desde seu início.

Esse crescimento urbano espraiado ainda tem continuidade com a implantação

do Jardim Taquari (2002)27, localizado a quase 20 quilômetros do centro da cidade e orga-

nizado também pelo Governo do Estado, dando continuidade a uma política de levar os

mais pobres cada vez para mais longe do centro da cidade.

Nesse sentido o município foi conivente quando promoveu por meio da revisão

dos instrumentos urbanísticos aplicáveis à cidade, o Macrozoneamento Territorial, Lei nº

58, de 16 de setembro de 2002. Essa lei instituiu a divisão em áreas de urbanização, áreas

26
De acordo com a Lei nº 68, de 28 de agosto de 1990.
27
Com base em informações da SEHAB – Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Estado
do Tocantins (2010).
93

de preservação ambiental e área rural, e definiu toda uma delimitação como “expansão ur-

bana”, o que na prática foi uma expansão do perímetro urbano. Essa lei possibilitou a intro-

dução do modelo de condomínio fechado, a exemplo do Condomínio Polinésia (2002), vol-

tado para o público de “alto padrão”, mas acabou incentivando a ocupação irregular de áre-

as distantes do centro da cidade.

Essa situação sofre alguma alteração com a discussão e revisão do planejamen-

to do município em 2007, conforme demonstrado por Coriolano (2011). Com a discussão

do “Plano Diretor Participativo de Palmas” (PDPP), ocorre a redução do perímetro urbano

alargado, na tentativa de enfrentamento da especulação imobiliária e incentivo do adensa-

mento — atualmente ocorre uma reação do setor imobiliário com a tentativa de expandir

novamente o perímetro urbano da cidade.

Nesse contexto é que ocorre o processo de urbanização do Distrito de Luzi-

mangues, processo esse que tem suas singularidades. De um lado pertence legalmente, ad-

ministrativamente e politicamente ao município de Porto Nacional, de outro, está muito

próximo (localizado a apenas 8km da capital) e ligado a Palmas, envolvendo um universo

de agentes com diferentes interesses — proprietários de terras, empreendedores, compra-

dores, moradores, investidores, etc.

Porto Nacional: periferia da capital Palmas?

Porto Nacional é sempre lembrada pela sua importância histórica e cultural,

sendo um dos principais centros econômicos e intelectuais ao longo do processo de ocupa-

ção do antigo norte de Goiás, desenvolvido principalmente na época da navegação do Rio

Tocantins. Com o advento da BR-153, desviando o eixo de desenvolvimento do vale do rio


94

para as margens da estrada, e posteriormente com a criação do Estado do Tocantins e da

sua capital, distante apenas 60 quilômetros, o município começa a perder cada vez mais a

sua importância econômica e diminuir suas taxas de crescimento.

“A cidade de Porto Nacional guarda as marcas do Período Colo-


nial. Atravessou sucessivos ritmos e, recentemente, com a criação
do Estado do Tocantins e consequente construção de Palmas, a ca-
pital do Estado, em área desmembrada de seu território, registra
aí, um dos primeiros impactos. Um segundo grande impacto acor-
reu com a construção da Usina Hidrelétrica de Lajeado em 2002,
período em que houve o desaparecimento total do turismo sazonal
da Praia Porto Real.” (OLIVEIRA, 2009:13)

Para Aquino (1996:28) a região do antigo norte goiano “sempre caracterizou-

se pelo enorme vazio demográfico. Seus primeiros arraiais surgiram com as descobertas

auríferos (século XVIII), sofrendo grande impacto com o declínio das minas”. Para Bessa

(2011:06) “a história de Porto Nacional está associada aos processos gerais de ocupação

do Brasil Central”, mas a autora chama atenção para as peculiaridades dessa ocupação

“primordialmente, em função do povoamento rarefeito, da falta de infraestrutura e do

isolamento da região”.

Ao longo das décadas vai havendo o processo de urbanização, de maneira mais

lenta do que o que ocorre nos grandes centros urbanos, mas nem por isso menos importan-

te. Um fator primordial apontado por Oliveira (2009:160) trata da “modernização da agri-

cultura [que] trouxe severos impactos sociais [...] um número crescente de trabalhadores

habita os bairros periféricos a espera de oportunidades de emprego”.

“Com a transformação nas formas de produção no campo, as ci-


dades locais passam a receber toda a influência do campo. Traba-
lhadores rurais, agricultores que antes moravam na propriedade
passam a morar nas cidades.” (OLIVEIRA, 2009:40)
95

Na década de 1960 a situação refletida é aquela de quase toda a região do Nor-

te de Goiás, abandono. Vejamos uma descrição do cenário da cidade de Porto Nacional no

ano de 1968:

“A cidade, com cerca de 20.000 habitantes28 não tinha uma única


rua asfaltada, a água era de poço, a energia elétrica, que vinha de
uma pequena usina hidrelétrica no Taquarussu, praticamente era
inexistente: além de ser muito fraca, na época das chuvas, de outu-
bro a março, caiam muitos postes com as tempestades e raios, in-
terrompendo a transmissão e nos meses de seca, de abril a setem-
bro, a represa baixava muito.” (MANZANO e MANZANO,
2005:52)

“A cidade de Porto Nacional experimentou um ritmo intenso de crescimento

na década de setenta, ainda mantido nos anos oitenta e reduzido a partir de 1991 com a

criação de Palmas” (PORTO NACIONAL, 2006:30). Entre os anos de 1970 e 1980 29, a

população do município passou de 31.517 habitantes para 36.251. Com o início da constru-

ção de Palmas, em 1990, a taxa de crescimento populacional total do município de Porto

Nacional sofre uma grande estagnação, ficando próxima de zero (0,44%). A população do

município passa de 43.224 habitantes no ano de 1991, para 44.991 em 2000 (OLIVEIRA

Adão, 2009), chegando a 49.146 habitantes em 2010 (Censo IBGE, 2010).

Esse crescimento populacional tem reflexos no território, surgindo novos bair-

ros ao longo dos anos a partir das expectativas geradas por determinadas mudanças estrutu-

rais na região. Quando da construção da Ponte sobre o Rio Tocantins, final da década de

1970, são feitas expansões urbanas com a criação dos bairros Vila Porto Imperial, Setor

Novo Planalto, Jardim Umuarama, Jardim Beira Rio, entre outros. “Após os anos de 1990,

28
“[...] a população sobe para 23.005 pessoas até 1960, período em que a cidade ainda desfrutava de forte
liderança regional através do comércio. De 1960 a 1964 já registra uma diminuição no efetivo
demográfico, 20.030 habitantes. Nesse período intensifica no Município a procura pelos crescentes
núcleos urbanos da margem da rodovia Belém-Brasília, registrando-se pouco incremento na
urbanização de Porto Nacional.” (OLIVEIRA, 2009:116)
29
Período posterior à construção da ponte sobre o rio Tocantins, “construída em 1978 no final do Governo
de Goiás - Irapuan Costa Júnior, transcorrido durante os anos de 1975 a 1979” (OLIVEIRA, 2009:102).
96

a cidade de Porto Nacional teve um incremento significativo de abertura de novos lotea-

mentos alimentado pelas boas expectativas da chegada da capital” (OLIVEIRA,

2009:120). Surgem os bairros Setor Nova Capital, Tropical Palmas, Setor das Mansões,

Jardim dos Ipês I e II, Setor Universitário, Parque do Trevo, Setor São Vicente, Setor Novo

Horizonte, entre outros.

“Na parte periférica, após a construção da capital do Estado, a


mancha urbana da cidade se espraiou para além do anel viário
(TO-050) e do Parque Ecológico (área federal do Aeroclube, anti-
go Aeroporto).” (OLIVEIRA, 2009:115)

Neste último caso o autor avalia que houve na verdade, principalmente por par-

te do capital imobiliário, grandes expectativas na possibilidade do lucro da terra com a ten-

tativa de venda de lotes, um “oportunismo do capital imobiliário” (OLIVEIRA,

2009:126). Houve uma ideia de que a cidade iria se transformar em um “centro econômico

importante, em decorrência de sua proximidade com a capital do Estado” (OLIVEIRA,

2009:158).

“O modo como surgiram esses loteamentos, alguns ainda não de-


vidamente regularizados, nas bordas espaciais disponíveis, indica
claramente a aposta na hipótese de crescimento exponencial da
Cidade, decorrente da proximidade da nova capital. O que não se
avaliou corretamente foi o poder polarizador de Palmas, que aca-
bou atraindo para si atividades econômicas de comércio e serviços
anteriormente implantadas em Porto Nacional que perde, então, a
importância econômica e cultural dos tempos de Goiás, com uma
extensa área urbana loteada e vazia, muito maior que a área efeti-
vamente ocupada.” (PORTO NACIONAL, 2006:30)

O que não há, entretanto, é uma correspondência entre o número de lotes pro-

duzidos e os terrenos efetivamente ocupados. A desproporção dessa ocupação é muito rele-

vante, havendo ainda loteamentos sem nenhuma infraestrutura ou presença de moradores,

enquanto se promovem novas expansões, já nos anos seguintes, avançando sobre as áreas
97

rurais, na sede do município e no Distrito de Luzimangues. Essa cultura parece não haver

desarraigado das práticas dos promotores imobiliários, sendo que o mesmo fenômeno vem

se repetindo, fortemente, no Distrito de Luzimangues, mas diferentemente dos loteamentos

promovidos na sede do município nessa época, os lotes são bem comercializados e, se não

existe efetiva ocupação, há uma dinâmica financeira que vem justificando o lançamento de

novos loteamentos com frequência.

Quanto aos loteamentos localizados na sede do município e ao crescimento ur-

bano da cidade, Oliveira (2009) tece algumas considerações:

“O crescimento da malha urbana da cidade de Porto Nacional não


obedeceu a uma regularidade planejada, com vistas para fazer
fluir melhor o fluxo viário. Teve um “crescimento” espontâneo, a
maioria deles orientados pela classe menos favorecida. São pou-
cos os bairros que dispõe de um padrão arquitetônico melhor e
discriminado com avenidas largas e praças.” (OLIVEIRA,
2009:126, grifo nosso)

O sentido da palavra espontâneo aqui utilizada pelo autor pode adquirir

diversos significados, mas entendemos que esse crescimento não é “espontâneo”. O

espraiamento dos loteamentos é provocado pelo poder público (loteamentos regulares ou

não, mas afastados do centro) e por agentes imobiliários interessados no crescimento da

região. Oliveira (2009), mais à frente, esclarece que se trata de um modelo de

desenvolvimento sob o qual a cidade vem se inserindo. “São na verdade, crescentes os

espaços segregados com significativa parcela da população vivendo aparentemente em

outra cidade. Porto Nacional, gradativamente, vai-se cindindo em várias faces”

(OLIVEIRA, 2009:165).

Para Oliveira (2009:113), essa relação de proximidade “da cidade de Porto

Nacional com a capital do Estado, a princípio trouxe vantagens, tendo em vista que esta

serviu de apoio funcional à capital”. No início da sua construção Palmas era um grande
98

canteiro de obras e não tinha condições de fornecer serviços básicos aos “pioneiros”. “Di-

ante dessa situação a cidade de Porto Nacional passa a fazer as funções que até então a

Capital não podia fazer”.

“Nos três primeiros anos de construção de Palmas, Porto Nacio-


nal serviu de apoio. Nesta fase a Cidade não tinha condições de
fornecer à população crescente as funções necessárias de serviços
e de comércios principalmente. Esse período marcou positivamen-
te para a economia da cidade de Porto Nacional. Passado essa
fase, abateu-se sobre a cidade uma estagnação econômica geral
com significativa desvalorização dos preços dos imóveis.” (OLI-
VEIRA, 2009:171)

Passado o ciclo inicial de euforia, Porto Nacional vai assumindo uma condição

de “cidade periférica” de Palmas, com a mudança de vários serviços e órgãos públicos para

a capital e a existência de uma migração pendular “de várias modalidades de

trabalhadores Portuenses (domésticas, pedreiros, pintores, policiais, professores,

profissionais de saúde, entre outros), sem falar naqueles que não conseguem se inserir em

nenhum tipo de trabalho” (OLIVEIRA, 2009:160).

De acordo com Bessa (2011:09), a partir da construção de Palmas, que passou

a atrair a maioria das funções urbanas e também a maior parte da população, Porto Nacio-

nal vêm perdendo suas posições na hierarquia urbana regional.

“A diferenciação funcional entre Palmas e Porto Nacional na rede


encontra-se nas atividades econômicas, revelando que o primeiro
centro possui uma economia alicerçada em atividade de prestação
de serviço e comércio, inclusive, com a instalação de empresas he-
gemônicas, enquanto que o segundo centro em atividades primári-
as, cujas rentabilidades, em termos de arrecadação, são menores,
o que afeta a capacidade de investimento do poder público, bem
como em atividades industriais elementares, a exemplo do proces-
samento de biocombustível e de grãos, também associadas ao
grande capital.” (BESSA, 2011:14)
99

Nesse contexto a cidade tenta redefinir caminhos e voltar a ter a importância

regional que deteve no passado. Para Oliveira (2009:88) “a cidade têm dado sinais de re-

tomada de crescimento principalmente através de atividades ligadas ao setor de educa-

ção”. Para o autor o fluxo de “novos moradores”, jovens estudantes de cursos particulares

que detêm um certo padrão de consumo acaba influenciando a economia.

“[O] perfil do consumidor vem se diversificando desde 2003 em


função da chegada de efetivo populacional em sua maioria estu-
dantes, atraídos pelas já referidas faculdades, cujos cursos mais
procurados são Medicina, Enfermagem, Odontologia e Fisiotera-
pia ITPAC (2008). Esse efetivo populacional estudantil tem esti-
mulado também o mercado imobiliário da cidade [...] a cidade
apresenta certo incremento na procura por aluguéis e venda de
imóvel.” (OLIVEIRA, 2009:115)

Uma outra grande aposta trata da chegada da Ferrovia Norte/Sul e a instalação

do Pátio Intermodal Porto Nacional/Palmas, com a expectativa da instalação de indústrias,

geração de trabalho e divisas para o município. Essas expectativas contrastam com sua lo-

calização tão próxima a Palmas e com a urbanização do Distrito de Luzimangues.


100

CAPÍTULO IV - A GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE” NA


PERIFERIA DE PALMAS

Antecedentes: área rural e o Reassentamento de Luzimangues

A história do povoamento da região de Luzimangues se confunde com a pró-

pria história do município de Porto Nacional, a região vem sendo ocupada desde a primeira

metade do século XIX, com uma distribuição esparsa pelo cerrado de propriedades rurais

voltadas à agricultura de subsistência e à criação de gado. Posteriormente a localidade apa-

rece descrita como a região de “Mangues”, e assume mais recentemente a curiosa denomi-

nação de “Luzimangues”, fusão dos nomes dos rios Santa Luzia e Mangues, entre os quais

se situa o território do distrito.

De acordo com o relato do morador da região, Sr. Ademir Rego 30 (em

28/04/2012), confunde-se também com a história de Paraíso do Tocantins, à época Paraíso

do Norte de Goiás, emancipado em 1963. Ele relembra que a área já passou por disputas

30
Na falta de documentos e registros textuais sobre a localidade, utilizamos um relato do Sr. Ademir Rego
sobre o histórico da região intitulado “Luzimangues: sempre esquecido, agora disputado”, divulgado em
reunião ocorrida em Luzimangues na data de 28/04/2012, que tratava sobre a emancipação do distrito.
101

territoriais desde a década de 1960, na tentativa de incorporação ao município de Paraíso

do Norte de Goiás:

“Carolina Rego, esposa de José Rego, se elegeu por três vezes ve-
readora de Paraíso do Norte de Goiás e no último ano de seu man-
dato, quando Benedito Bandeira era prefeito da cidade, tentou en-
cabeçar um movimento plebiscitário para a incorporação da área
compreendida entre a cabeceira do Córrego Porteira, Ribeirão
Santa Luzia, Rio Tocantins, Rio dos Mangues e cabeceira do Cór-
rego Caveira, ao Município de Paraíso do Norte de Goiás, perten-
cente ao Município de Porto Nacional. Não foi possível por que as
distâncias eram grandes para a época e as poucas estradas cons-
truídas pelos prefeitos Dr. Mundico Moraes e Benedito Bandeira
não chegavam a todas as propriedades de então.” (Rego, em
28/04/2012)

Ele diz ainda que o isolamento só começa a ser quebrado em meados da década

de 1980 quando é aberta pela Prefeitura de Paraíso do Norte de Goiás a estrada de chão li-

gando ao povoado de Canela, às margens do Rio Tocantins. Essa estrada, com alterações

no seu traçado, foi pavimentada em 1994 pelo Governo do Estado do Tocantins, transfor-

mada então na TO-080.

Como vimos anteriormente, essa região de “Mangues” fez parte dos estudos

para localização da nova capital do Estado, sendo declarada de utilidade pública, para efei-

to de desapropriação, conforme a Lei nº 09, de 23 de janeiro de 1989. Já na lei estadual de

criação do município de Palmas, Lei nº 70, de 26 de julho de 1989, havia toda uma delimi-

tação na margem esquerda, atingindo os municípios de Porto Nacional, Paraíso do Tocan-

tins e Miracema do Tocantins. Esta lei entretanto foi revogada pela Lei nº 106, de 19 de de-

zembro de 1989, e a solução encontrada foi transformar o município de Taquaruçu na capi-

tal do Estado. Mesmo não acontecendo como previsto nestas leis, a Constituição do Estado

do Tocantins (1989), alterada pela Emenda Constitucional nº 01, proposta também na data

de 19 de dezembro de 1989, afirma que ficaria a margem esquerda destinada à “área de


102

expansão da capital”. Porém o que os legisladores determinaram nunca foi cumprido, uma

vez que vai de encontro ao regramento para o desmembramento, junção ou criação de mu-

nicípios, balizado por legislação federal e com diversas indeterminações jurídicas31, além

de todas as questões políticas com as comunidades envolvidas.

“Art. 3º. No dia 1º de janeiro de 1990 a sede do Governo do Esta-


do do Tocantins será transferida para a cidade de Palmas sede do
Município do mesmo nome, que tem como Distritos: Taquaralto,
Taquarussu e Canela.
§ 1º. A instalação da Capital definitiva dar-se-á em sessão solene
na Assembleia Legislativa, a ser convocada extraordinariamente
pelo Poder Executivo, com a participação dos demais Poderes Es-
tadual e Municipal.
§ 2º. A área declarada de utilidade pública pela Lei nº 9, de
23/1/89, situada na margem esquerda do rio Tocantins, no muni-
cípio de Porto Nacional, destinar-se-á à expansão urbana da Ca-
pital, para posterior integração ao território desta. (com redação
determinada pela Emenda Constitucional nº 01, de 19/12/1989).”
(TOCANTINS, 1989, grifo nosso)

Com o advento da capital do Estado na margem direita do Rio Tocantins, a di-

nâmica de ocupação na região de “Mangues” vai sendo lentamente alterada. O povoado

também era conhecido como “Vila Graciosa” ou “Porto da Balsa”32, surgido da ocupação

de terras do Estado e de um loteamento particular, tendo crescido após a criação da capital.

A situação fundiária inicial era indefinida, persistindo o conflito político devido a reivindi-

cações dos moradores para que a localidade passasse para a administração de Palmas (DA-

NAGA, 2004:13).

“Nasceu até antes, como uma ação de uma vila agrícola, idealiza-
da pelo Pastor Edivaldo Barbosa, e depois dessa vila agrícola cri-
ando um polo habitacional entre Porto Nacional e Paraíso do To-
cantins, nas cidades irmãs, que tinham um bom relacionamento.
Uma escola foi criada, e depois com o advento de Palmas, criou-se
31
O dispositivo que trata do desmembramento, junção ou criação de municípios encontra-se na Constituição
Federal de 1988, Art. 18, §4º, alterado pela Emenda Constitucional nº 15/1996 e posteriormente pela
Emenda Constitucional nº 57/2008, juntamente com o Art. 96 acrescentado aos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias.
32
Por conta da colocação do porto da balsa para a travessia do Rio Tocantins, ligando Palmas a Paraíso do
Tocantins.
103

o porto da balsa, aí começaram a deslocar as pessoas para aquela


região que era chamado inclusive de 'Porto da Balsa', mais a su-
deste, próximo aos mangues. E ai quando criou essa questão da
idéia do lago, também foi dele a sugestão do nome Luzimangues,
incorporando os dois mananciais, Mangues e Santa Luzia.” (Mou-
rão, agente do poder político local)

O município de Porto Nacional começa a tomar então algumas deliberações so-

bre a área. Em 1993 é promulgada a Lei nº 1.415, de 14 de outubro de 1993, que cria o

“Distrito de Mangues/Santa Luzia”. No ano seguinte é instituída a Lei nº 1.454, de 21 de

junho de 1994, que altera o nome do distrito para “Luzimangues”. Nesse mesmo ano é

concluída a pavimentação do trecho da TO-080 que liga Palmas a Paraíso do Tocantins,

aumentando o tráfego de veículos.

Em 16 de dezembro de 1997, foi assinado em Palmas, o contrato de concessão

da construção e exploração da UHE Lajeado, posteriormente “Usina Hidrelétrica Luís Edu-

ardo Magalhães”, obra inserida no planejamento energético nacional33 e que já era prevista

na definição de Palmas, que considerou os limites da cota de 212 metros, a cota de enchi-

mento do lago. A obra teve início em julho de 1998 e acabou gerando vários conflitos pela

terra, desapropriações e remoções, nas diversas localidades atingidas — principalmente

nos municípios de Lajeado, Palmas e Porto Nacional.

A maioria das áreas atingidas pelo alagamento do reservatório da usina eram

áreas rurais e comunidades ribeirinhas, mas também alcançou o Distrito de Canela no mu-

nicípio de Palmas e o Distrito de Luzimangues no município de Porto Nacional — este úl-

timo chegou a ser atingido também na sua sede, às margens do Rio Tocantins, com alaga-

mento das áreas ribeirinhas e a perda de um dos seus principais atrativos turísticos que era

a Praia de Porto Real (LIRA, 2010).

33
A ELETROBRÁS iniciou o inventário do Rio Tocantins através do estudo sistemático do seu
aproveitamento hidrelétrico no ano de 1972 (INVESTCO, 2012).
104

“Dinâmicas novas incorporam às antigas formas de produção, é o


que acontece às margens do rio Tocantins. Nessas imediações, a
terra era harmoniosamente disputada por diversas formas de ocu-
pação. Vale ressaltar a presença da população ribeirinha que tira-
va das terras de vazantes o sustento para a família e o excedente
para um mercado garantido na cidade de Porto Nacional. Nas
áreas de Cerrado predominava a criação extensiva do gado miú-
do; aos poucos essa situação foi recebendo novos incrementos
produtivos.” (OLIVEIRA, 2009:102)

Esses trabalhos contaram com apoio do Governo do Estado e foram de respon-

sabilidade do consórcio formado para a construção da UHE Lajeado, “Consórcio Lajeado”,

formado pela Companhia de Energia Elétrica do Estado do Tocantins (CELTINS); Empre-

sa de Eletricidade Vale Paranapanema S.A. (EEVP); Eletricidade de Portugal S.A. (EDP);

Companhia Energética de Brasília (CEB) e Companhia Paulista de Energia Elétrica

(CPEE). O consórcio foi transformado após o processo de licitação do contrato de conces-

são (em novembro do 1997) na empresa INVESTCO S/A, com o objetivo de construir e

operar o empreendimento (INVESTCO, 2012).

Em 1999, antes do enchimento do reservatório da UHE Lajeado, o Governo do

Estado do Tocantins aprovou a Lei nº 1.098, de 20 de outubro de 1999, criando a unidade

de conservação ambiental denominada Área de Preservação Ambiental (APA) Lago de

Palmas (Figura 3), envolvendo uma gleba de terras com 50.370 ha, situada integralmente

no Município de Porto Nacional, no local previsto para expansão da capital. A APA teria

por finalidade, conforme o Art. 2º: “proteger a fauna, a flora, o solo, a qualidade das

águas, de forma a garantir o aproveitamento equilibrado, sustentável e compatível com a

conservação dos ecossistemas locais”.


105

Figura 3: APA Lago de Palmas e APA Serra do Lajeado

Fonte: Naturatins, 2012.

Em 2001 com a conclusão das obras da UHE Lajeado e o início da formação

do reservatório, o antigo Distrito de Luzimangues foi inundado e grande parte da sua popu-

lação foi transferida para o Reassentamento Luzimangues34.

“Após a construção do lago da UHE de Lajeado, outro ciclo de


mudança redesenha espacialmente a cidade de Porto Nacional. A
população ribeirinha da área urbana foi indenizada e a rural foi
assentada em algumas vilas nas proximidades de Porto Nacional.
São elas: a agrovila de Pinheirópolis, reassentada à margem direi-
ta da TO-230 denominada Nova Pinheirópolis, a Vila Luziman-
gues, na margem esquerda do lago, próximo a Palmas, sem falar
em muitos que foram assentados em lotes rurais.” (OLIVEIRA,
2009:102)

O Reassentamento de Luzimangues está localizado a 15km de Palmas, no km

11 da TO-080, a aproximadamente 1.500 metros das margens da rodovia, e foi formado

34
“E foram criados, além de Luzimangues, onze reassentamentos. Estes são denominados: Flor da Serra,
Córrego Prata, São Francisco de Assis, Mundo Novo, Mariana, Brejo Alegre, Olericultores,
Pinheirópolis Rural, Lajeadinho, Boa Sorte e Rural 2000.” (SÊNE, 2009:03)
106

inicialmente por 83 famílias “oriundas de fazendas e vilas que ficavam às margens do Rio

Tocantins: as fazendas Ribeirão do Maia, Sapezal, Brejinho da Vila da Balsa e Mutuca e

os loteamentos Maria da Balsa e Vila Luzimangues” (SÊNE, 2009:01). De acordo com

Danaga (2004:14) as famílias moradoras do povoado receberam lotes com 4ha, correspon-

dendo ao módulo rural mínimo definido pelo INCRA35, “enquanto que as áreas repassa-

das para as famílias oriundas das áreas rurais circunvizinhas tiveram tamanho definido

de acordo com as áreas que detinham anteriormente, variando entre 4 a 32ha”.

“Luzimangues lembra um bairro de uma cidade do interior, com


uma rua principal com as casas, botecos, armazéns, sorveteria, es-
cola, igrejas, serralheria, posto de saúde, posto policial; sem pavi-
mentação asfáltica. As famílias que receberam quatro hectares têm
sua propriedade próxima uma da outra, aquelas que tiveram adici-
onal de terra ficam mais afastadas.” (SÊNE, 2009:05)

Havia o compromisso do consórcio da usina reassentar os moradores com to-

dos os benefícios de água, luz, telefone e cestas básicas e implementos agrícolas durante os

três primeiros anos. Fez parte do projeto também a instalação de equipamentos públicos,

alguns dos quais a comunidade já dispunha no local anterior: Posto de saúde, Escola com

quadra desportiva, Área para campo de futebol, Posto policial, Centro comunitário, Igreja

Católica (substituindo as obras de construção no antigo povoado) e uma Área murada para

cemitério com ossuário (DANAGA, 2004:15).

Na atualidade a situação dos equipamentos públicos não se alterou muito, em

contraposição à grande quantidade de loteamentos urbanos instalados no local nos últimos

anos, soma-se aos já enumerados um Posto fiscal/policial na TO-080, alguns comércios es-

parsos ao longo da rodovia TO-080 e a construção de uma pista asfaltada de pouso e deco-

lagem de aeronaves.

35
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
107

As reclamações da comunidade quanto à oferta dos serviços públicos é fre-

quente, bem como o mal funcionamento dos equipamentos existentes. Uma das principais

reclamações é quanto ao abastecimento de água, uma vez que a região não é bem servida

de rios ou córregos, sendo abastecida através de “poço artesiano” e uma rede de distribui-

ção. Esta água encanada falta com frequência e não é suficiente para o cultivo de hortaliças

e legumes, impossibilitando a produção (DANAGA, 2004:43). A maioria das famílias atin-

gidas acabou vendendo seus títulos de terra, seus direitos de ocupação ou seus lotes e casas

e foram para a periferia das cidades de Palmas, Porto Nacional e Paraíso do Tocantins.

Com a criação do Lago de Palmas e a construção da Ponte da Amizade,

ligando Palmas a Porto Nacional, e daí interligando com Paraíso do Tocantins e a BR-153,

começa a haver um crescente interesse dos proprietários de terras e do mercado imobiliário

em novos loteamentos na região de Luzimangues. Em 2002 a Prefeitura de Porto Nacional

aprovou a Lei nº 1.725, de 24 de janeiro de 2002, que autorizou o Poder Executivo

Municipal a efetuar a análise e aprovação das atividades de ocupação do solo urbano às

margens do Lago da Usina Hidroelétrica Luiz Eduardo Magalhães, e a Lei nº 1.782, de 27

de novembro de 2002, definindo área de expansão urbana no Distrito de Luzimangues36.

Nesse período ainda foram aprovadas duas leis que interfeririam nas questões

urbanísticas do município, as Leis nº 1.781, de 27 de novembro de 2003, e nº 1.782, de 27

de novembro de 2003, porém as duas são praticamente ignoradas uma vez que não surti-

ram efeito e foram rapidamente substituídas pela legislação de 2006 — revogadas pelo Art.

94 da Lei nº 05/2006.

36
Área de expansão urbana no Distrito de Luzimangues: “que vai da barra do Ribeirão Capivara, no Rio
Tocantins, subindo por este até a barra do Ribeirão Porteira, subindo por este até a altura do km 18 da
TO-080, Palmas a Paraíso, local denominado Serrinha, e cortando em linha reta até o limite do
loteamento reassentamento Luzimangues, área da ULBRA e o lote 35-A do loteamento Porteira descendo
até as margens do Córrego Capivara até sua foz no Rio Tocantins, ponto de partida” (Lei nº 1.782, de 27
de novembro de 2002).
108

“Lei n.º1.781, de 27 de dezembro de 2003 - que aprova o Plano


Diretor Urbanístico (PDUPN) e dispõe sobre a divisão do solo do
Município para fins urbanos. Esta lei trata somente sobre o parce-
lamento do solo urbano; Lei n.º 1782, de 27 de dezembro de 2003 -
institui o Macrozoneamento Territorial do Município de Porto Na-
cional. A lei não apresenta o anexo único referido no seu texto.”
(PORTO NACIONAL, 2006:147)

Nos últimos anos houve uma valorização das terras próximas a Palmas, che-

gando as mesmas a valerem bem mais se parceladas e comercializadas, em vez do seu uso

para produção rural. Surgem os primeiros loteamentos urbanos na margem esquerda do

Lago de Palmas, sem um efetivo controle por parte da Prefeitura de Porto Nacional — são

loteamentos nas mais diversas situações, regulares ou não.

Junte-se a isso o fato da expansão e facilitação de crédito ocorridas no ramo

imobiliário a partir de 2009 (Capítulo II), ter influenciado, em alguma medida, a alta dos

preços de terrenos em Palmas, gerando procura pelos lotes do distrito. Essa procura pode-

ria ser explicada, em partes, pelos fatores de localização, pelos valores menores em compa-

ração com a capital e pelas facilidades de pagamentos, com a oferta de lotes para moradia

ou para “investimentos”.

Essas grandes alterações atingem recentemente até mesmo a área do reassenta-

mento, ocorrendo uma grande pressão para o desvirtuamento da função inicial de terra ru-

ral, devido à proximidade dos grandes loteamentos urbanos e o vislumbre de também po-

der participar dessa renda da terra37.

“O que tá acontecendo hoje? Esse limite entre essa área de produ-


ção e essa área prioritária é uma rua, uma avenida. Então tá tendo
essa pressão, e vai ter. A gente tá falando aqui de dinheiro. Con-
verter essa área que ele tem aqui em alqueire pra possibilidade de
37
Em visita à área do reassentamento de Luzimangues, na data de 28 de abril de 2012, foi constatada a
oferta de lotes irregulares com características de loteamento urbano, com área de 360,00m². Os mesmos
são vendidos sem registro, apenas com um “contrato de compra e venda” e uma “cessão de direitos”, e
tampouco com a garantia da instalação da infraestrutura. Os vendedores afirmam que isso é suficiente e
dá segurança às transações. Complementam seus argumentos de venda falando que no assentamento não
se paga a água e a energia é mais barata por se tratar de “energia rural”.
109

vender por metro quadrado é o enriquecimento desse cara. E ele


vai vendo os loteamentos surgindo aqui e pensa: a minha oportuni-
dade de ganhar dinheiro é essa.” (Ramos, agente do poder público
estadual)

A população residente no distrito foi calculada a partir dos dados populacionais

mais recentes do Censo IBGE de 2010, fazendo uso dos dados disponibilizados para os se-

tores censitários de Porto Nacional 38. Os setores censitários são as menores unidades terri-

toriais estabelecidas pelo IBGE para fins de coleta do Censo.

O IBGE considerou como Distrito de Luzimangues os limites dos três setores

censitários abaixo apresentados, abrangendo a área urbana e rural (Figura 4). O Setor nº

171820425000001, abrange o núcleo central de Luzimangues, a área dos loteamentos urba-

nos mais antigos e o assentamento, o Setor nº 171820425000002, diz respeito à área norte

de Luzimangues, e o Setor nº 171820425000003, referente à área sul de Luzimangues.

38
Dados disponíveis em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/, visita em 08/04/2012.
110

Figura 4: Demarcação dos setores censitários em Luzimangues

Fonte: Imagem organizada pelo autor, sobre imagens de Andrade, 2012; e IBGE, 2012.

Os limites considerados pelo IBGE não coincidem com os limites urbanos defi-

nidos na legislação do município, ou seja, partes do perímetro urbano definido pelo Macro-

zoneamento de Luzimangues estão contidas na área norte e na área sul dos setores censitá-

rios considerados. Tal fato leva a uma distorção do número total de habitantes na localida-

de tida como urbana pelo município, porém minimizada, uma vez que na coleta dos dados

são consideradas as tipologias das habitações, com suas características urbanas ou rurais,

apresentando esses números no resumo dos dados agregados.

O núcleo central de Luzimangues possui 356 domicílios particulares e coleti-

vos, sendo que destes: 44 são “Domicílios Particulares Permanentes não Ocupados”; 10
111

“Domicílios Particulares Permanentes não Ocupados (uso ocasional)”; e 34 “Domicílios

Particulares Permanentes não Ocupados – vago”. Foi levantada também a informação que

existiam 102 edificações em construção. A população é de 1.224 pessoas residentes, sendo

613 (50,1%) mulheres e 611 (49,9%) homens39.

A área norte de Luzimangues, pelas suas características, foi classificado como

área rural, sendo encontrados 196 domicílios particulares. A população é de 554 pessoas

residentes, sendo 242 (43,7%) mulheres e 312 (56,3%) homens. Existem, pelos dados cole-

tados, a presença de 2 estabelecimentos de ensino na área40.

Já a área sul de Luzimangues, pelas suas características, também foi classifica-

do como área rural, sendo encontrados 257 domicílios particulares. A população é de 532

pessoas residentes, sendo 223 (41,9%) mulheres e 309 (58,1%) homens41.

Na consolidação dos dados atuais relativos ao Distrito de Luzimangues,

teremos então: um total de 809 domicílios particulares e coletivos, abrangendo a área

urbana e rural; um total de população de 2.310 habitantes, sendo 1.078 (46,7%) mulheres e

1.232 (53,3%) homens. A média de pessoas por domicílio é de 2,86. A população total do

distrito corresponde a 4,7% da população total do município de Porto Nacional (49.146

habitantes).

Os dados populacionais aqui apresentados serão retomados mais à frente,

quando tratarmos dos loteamentos urbanos que vem sendo implantados na região,

demonstrando que existe uma disparidade relevante entre o número de habitantes e o

número de lotes comercializados. Percebemos que o processo de transformação

rural/urbano vem ocorrendo de maneira efetiva, e o que foi definido através dos aspectos

legais e do regramento agora se reflete de maneira concreta no território.

39
http://www.censo2010.ibge.gov.br/cnefe/Exibe_Tabela.html?ag=171820425000001
40
http://www.censo2010.ibge.gov.br/cnefe/Exibe_Tabela.html?ag=171820425000002
41
http://www.censo2010.ibge.gov.br/cnefe/Exibe_Tabela.html?ag=171820425000003
112

Legislação e as consequências das ações dos agentes

Apesar da expansão urbana no Distrito de Luzimangues ir se desenrolando

através de diferentes períodos, como vimos anteriormente, ela acaba se consolidando juri-

dicamente com a definição dos instrumentos urbanísticos do município de Porto Nacional.

Isso se dá através do seu “Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável” (PDDS), Lei nº

05, de 28 de setembro de 2006; e suas leis complementares, de “Uso e Ocupação do Solo

nas Macrozonas Urbanas”, Lei nº 06, de 28 de setembro de 2006; e do “Parcelamento do

Solo Urbano”, Lei nº 07, de 28 de setembro de 2006.

Estas leis deveriam de forma articulada “orientar as ações públicas e privadas

de promoção do desenvolvimento sustentável do município, com ganhos reais na melhoria

das condições de vida de todos os seus habitantes” (de acordo com a “Mensagem à Câma-

ra de Vereadores nº 05/2006”, texto que encaminha o projeto de lei do PDDS para aprecia-

ção e votação pelos vereadores do município).

O processo de discussão da legislação, em especial do PDDS, é realizado pela

Prefeitura de Porto Nacional, com o auxilio do Governo do Estado através da Secretaria de

Planejamento (SEPLAN) e da empresa de consultoria Camargo & Cordeiro, coordenada

por Luiz Alberto Cordeiro e Sônia Helena Taveira de Camargo Cordeiro, com o foco nos

problemas da sede do município, mas também vislumbra algumas necessidades dos distri-

tos, entre eles o de Luzimangues. Este plano foi discutido no período de 2004 a 2006, e

“respeita as determinações da Constituição Federal, do Estatuto da Cidade, da Constitui-

ção Estadual e da Lei Orgânica do Município”, discutido por meio das audiências públi-
113

cas, “sempre buscando o desenvolvimento municipal e urbano, em bases sustentáveis”

(Mensagem à Câmara de Vereadores nº 05/2006).

Adão Oliveira (2009:10) avalia que “de um modo geral” o plano tentou apro-

priar os instrumentos urbanísticos elencados no Estatuto da Cidade mas sem definir suas

formas de aplicação, necessitando de regulamentações posteriores. O plano busca garantir

a função social da propriedade definindo instrumentos importantes como o “Parcelamento

ou Edificação Compulsória”, o “IPTU Progressivo no Tempo” e a “Desapropriação com

Pagamento em Títulos”, porém nem todos são autoaplicáveis, dependendo de leis comple-

mentares que ainda seriam elaboradas. Este é um ponto de vulnerabilidade de sua eficácia

e “na implantação e alcance de suas metas e objetivos” (OLIVEIRA Adão, 2009:15).

“[...] a não discriminação dos procedimentos para que os instru-


mentos inscritos no PDDS-PN possam se cumprir abre possibilida-
des para a sua desconfiguração na criação de uma outra lei com-
plementar. Neste sentido, por exemplo, o PDDS-PN faz remissão a
05 (cinco) leis complementares de instrumentos fundamentais para
a concretização da reforma urbana, quais sejam: a do sistema ro-
doviário municipal, a do Estudo de Impacto de Vizinhança e do
Relatório de Impacto de Vizinhança – complementar das estratégi-
as de uso e ocupação do solo –, a de uso e ocupação do solo, a do
parcelamento do solo urbano e, por fim, a do Sistema Municipal
de Planejamento e Gestão Municipal e Urbana.” (OLIVEIRA
Adão, 2009:11)

Souza (2011) tem uma visão crítica mais generalizada dessa safra de planos di-

retores advindos da obrigação de fazer constante no Estatuto da Cidade, e do papel do pla-

nejamento e da gestão das cidades.

“Talvez mais que qualquer outro tipo de saber, o planejamento e a


gestão (sejam urbanos, regionais ou outros) promovidos pelo Esta-
do tipicamente privilegiam um olhar sobre as sociedades e seus es-
paços 'do alto' e 'de longe'. Uma das consequências disso é que
planejadores urbanos a serviço da administração estatal se utili-
zam de um vocabulário cujo conteúdo muitíssimo raramente é ob-
jeto de qualquer reflexão, sobretudo de natureza crítica.” (SOU-
ZA, 2011:151)
114

O PDDS vem com o objetivo de ser um “instrumento fundamental para se

garantir o empoderamento de seus agentes sociais no ordenamento territorial, a fim de

alavancar as atividades econômicas” (OLIVEIRA Adão, 2009:07), mas desde a data da

sua aprovação até a atualidade, a lei pouco vem contribuindo para o desenvolvimento

sustentável da cidade. Acaba sendo um planejamento hermético que, segundo Lira (agente

da academia) deixa muitas dúvidas, não é muito claro e a população não tem acesso. O

desenvolvimento da cidade se desenrola “descolado” do plano, pois não se tem gestão do

espaço urbano.

“Alguns tentam explicar o desenvolvimento de Porto Nacional nes-


ses últimos anos devido: às instituições de ensino superior que fo-
ram criadas aqui; outros dizem que Porto está saindo da 'ressaca'
da construção da capital, está desenvolvendo; e outros falam que é
investimento do agronegócio, com a Bunge, o biodiesel, e com a
Monsanto instalando na cidade o agronegócio. Não está bem defi-
nido, mas uma coisa podemos já vislumbrar: não tem haver com o
Plano Diretor. Nada desses empreendimentos tem haver com o
Plano Diretor. Eles de certa forma negam esse Plano Diretor. Por
exemplo a Bunge que deveria estar num parque industrial, ela não
está, ela não quis. Ela queria um terreno mais próximo e mais visí-
vel. A Terra Nova também não ficou no parque industrial. O Plano
Diretor está sendo desvirtuado a cada momento.” (Lira, agente da
academia)

O plano tenta garantir, por exemplo, a participação popular por meio da criação

do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento (Art. 79) como órgão perten-

cente à estrutura do Sistema Municipal de Planejamento e Gestão (Art. 73), mas apesar de

previsto o conselho não foi instituído e nem tem funcionamento após a aprovação da lei, a

participação e o controle social não existem de fato na política de desenvolvimento urbano

da cidade. Nos últimos anos a aprovação de loteamentos, tanto em Luzimangues quanto na

sede do município, causou celeumas entre o poder executivo e o legislativo, sendo que
115

membros deste último vêm contestando os procedimentos de aprovação. Tais fatos levaram

a Câmara de Vereadores a promover alteração recente na Lei Orgânica do município

(2011), sendo que a aprovação de loteamentos urbanos deverá ser submetida também à

casa. Desse modo se constitui mais uma instância pública através dos seus representantes

legislativos, porém não se concretiza ainda a participação popular e direta prevista no Esta-

tuto da Cidade e reafirmado no conteúdo do PDDS.

Do ponto de vista do arquiteto Eli Ramos, agente do poder público estadual,

através de informações obtidas com os gestores da cidade, a lei ficou muito complexa e

não seria administrável, o PDDS não se tornou uma ferramenta de apoio ao poder público:

“Se tornou um 'elefante branco' enorme, incompreensível, que eles não sabiam o que fazer

com aquilo. Então partes do Plano Diretor foram implantadas e partes eles não sabem

nem o que fazer” (Ramos, agente do poder público estadual).

Algumas partes que efetivamente foram implantadas dizem respeito ao planeja-

mento do Distrito de Luzimangues. Realizado em paralelo a essa discussão do PDDS hou-

ve um outro estudo com o objetivo centrado na organização espacial daquela região. Foi

elaborado um projeto de Macrozoneamento (2006) e posteriormente o Macroparcelamento

de Luzimangues (2008), desenvolvido pelos Arquitetos e Urbanistas Marcos Antônio Gai-

po de Andrade e Eli Ramos, agentes do poder público estadual, vislumbrando as capacida-

des da região para o desenvolvimento industrial, decorrente da construção da FNS e do seu

Pátio Intermodal — sem excluir os interesses do setor imobiliário.

Para viabilizar os macroprojetos de Luzimangues foram necessárias parcerias

entre diferentes entidades, do município e do Estado. De acordo com Mourão (agente do

poder político local), era preciso, com o advento da FNS e da Hidrovia Araguaia-Tocan-
116

tins, que Porto Nacional se preparasse para ser um “polo”, em função da própria bacia do

Rio Tocantins e da distribuição do processo produtivo.

“Vi que Porto Nacional não tinha, na hora que a gente quis fazer
essas ações, nós não tínhamos instrumentos administrativos e
capacidade técnica pra fazer esse mega projeto que nós
queríamos. Então nós pegamos como apoio a FIETO, o SEBRAE,
o SENAC e o Governo Estadual.” (Mourão, agente do poder
político local)

O ex-prefeito relata que iniciou um processo de discussão com o Governo Fe-

deral, “aí foi diretamente com o presidente Lula”, no sentido de haver um reconhecimento

e uma compensação das contribuições de Porto Nacional para o Estado do Tocantins e que

a cidade estava ficando à margem do processo do desenvolvimento uma vez que, na sua vi-

são, as políticas públicas do Estado não a contemplavam.

“Nós tínhamos perdido muita representatividade econômica e


social, nós éramos lembrados assim como o 'berço da cultura',
questões históricas do movimento da criação do Estado, mas já
não se falava de Porto Nacional como uma cidade representativa
do contexto econômico também.” (Mourão, agente do poder
político local)

Essas discussões foram aprofundadas posteriormente com o Ministério dos

Transportes e com a VALEC, e pela sua centralidade Luzimangues seria pensado então

como o maior parque intermodal da FNS, irradiando “condições ao sul do Maranhão, ao

sul do Pará, ao Tocantins, ao Mato Grosso e a Goiás”. A aposta da municipalidade era

que aquela região seria a redenção econômica para Porto Nacional, e uma das grandes ca-

pacidades de geração de riqueza para o Estado. Nesse sentido foi montado um grupo “que

pudesse estimular o processo de ordenamento de ocupação, mas que também pudesse fa-

zer daquilo ali uma ação economicamente ativa e produtiva”, envolvendo a Federação das

Indústrias do Estado do Tocantins (FIETO), o Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Em-


117

presas (SEBRAE), o município de Palmas (na pessoa do prefeito Raul Filho) e com o Go-

verno Estadual, de acordo com Mourão (agente do poder político local).

“Aí, nós teríamos que ter pensado já na urbanização. Fizemos um


projeto com o recurso do município, com apoio da FIETO e do
Estado, nós fizemos aquele projeto de urbanização, não somente
da discussão do Plano Diretor.” (Mourão, agente do poder
político local)

A FNS e o seu Pátio Intermodal teriam então a força e a expectativa de atrair

um polo industrial. No planejamento foi cogitado que essa mão de obra poderia chegar a

“dez mil trabalhadores” (Andrade, agente do poder público estadual), ou uma população

de “trinta e cinco mil pessoas” (Mourão, agente do poder político local), que deveriam

morar no próprio local.

“Na área de influência da Plataforma Multimodal, dentro do con-


texto todo da área estudada e aprovada como área urbana, qual
era a mentalidade e a proposta de planejamento? Com essas pes-
soas trabalhando ali, uns dez mil funcionários em função da cons-
trução da FNS, essas pessoas teriam que morar em algum lugar.
Pra não ter um fluxo muito grande em cima do trecho da ponte da
TO-080, essa população, essas famílias, deveriam morar no pró-
prio local. Essas eram as ideias e premissas iniciais.” (Andrade,
agente do poder público estadual)

A participação do Governo do Estado foi coordenada pela Agência de Habita-

ção e Desenvolvimento Urbano (AHDU) e executada pela ORLA S/A. Segundo Gonçalves

(agente do poder público estadual), a agência tinha participação dentro da ORLA e desen-

volvia programas de regularização, expansão e políticas que estavam ligadas intimamente

com a questão do fomento industrial e comercial, ou seja, da atração de investimentos para

o Estado.

“Como a FNS passava do outro lado e já havia uma certa


expansão totalmente desorganizada, a agência foi convidada a
participar, etapa por etapa, e nesse processo especificamente nós
tínhamos uma dotação orçamentária pra isso. Nós tínhamos uma
118

ascendência sobre a ORLA, e como a ORLA já tinha uma


experiência de urbanização em termos de fotogrametria (as
imagens de satélite, aquelas fotos espaciais pra você estar
verificando metro a metro), a gente tinha uma facilidade em
termos de instrumentos pra poder contratar e fazer pesquisa, e
dentro dela também tinha empresas ligadas à FIETO. Ou seja,
essa parceria entre público e privado que já existia poderia dar
uma agilidade maior no processo, inclusive com a ORLA botando
contrapartida nesse processo todo.” (Gonçalves, agente do poder
público estadual)

Ramos (agente do poder público estadual) esclarece que os recursos utilizados

eram provenientes da ORLA (com a destinação de recursos de um fundo de desenvolvi-

mento mantido por ela e que poderia ser usado para tal fim). Já a FIETO foi quem supriu o

apoio político de sensibilizar “os atores” do Estado, governo e prefeitura, e foi o agente

também no sentido de procurar novos parceiros, “organizando com o empresariado, dis-

cutindo os incentivos, vendendo o Tocantins. Nesse mesmo processo a gente começou a

vender o Tocantins pra fora” (Gonçalves, agente do poder público estadual).

“A FIETO tinha interesse de gerenciar o pátio multimodal, Porto


Nacional tinha o interesse de organizar, e o Estado tinha interesse
de ter terras disponíveis para produção habitacional... os interes-
ses estavam comuns.” (Ramos, agente do poder público estadual)

Esse macroplanejamento para a localidade é pouco conhecido, mas Luziman-

gues tem uma escala urbana que rivaliza com a capital Palmas (Figura 5). Com base na

pesquisa e nas entrevistas realizadas, ficou evidenciado que foram processos de discussão

dissociados do PDDS, centralizados pelo poder público local, porém consolidados nos ins-

trumentos jurídicos da política urbana do município.


119

Figura 5: A escala do perímetro urbana de Luzimangues e de Palmas

Fonte: Imagem organizada pelo autor, sobre imagens de Andrade, 2012; SEDUH, 2011; e
Google, 2012.

De acordo com Mourão (agente do poder político local), Andrade e Ramos

(agentes do poder público estadual), o projeto de Macrozoneamento do Distrito de Luzi-

mangues foi desenvolvido a partir de 2005, com estudos técnicos que foram apresentados

em diversas reuniões com empresários e investidores, mas não foram levadas à discussão

nas audiências do PDDS de Porto Nacional.

“Durante o processo de produção de Luzimangues a gente fez vá-


rias apresentações em Porto Nacional, várias apresentações no
Estado, várias apresentações para empresários externos, no senti-
do de demonstrar o fenômeno que estava acontecendo. Dar veraci-
dade a isso mas não com um formato de audiência pública. Em
Porto Nacional sim, porque no início a gente apresentou os diag-
nósticos a Porto Nacional, à Câmara de Vereadores, mais para as
entidades efetivamente do que para a sociedade como um todo. A
sociedade esteve presente, mas não teve formato de audiência pú-
blica... E para o pessoal do Plano Diretor, apresentamos o diag-
nóstico. Nessa época já estávamos com o plano em desenvolvimen-
to, então todos os princípios urbanísticos estabelecidos pra desen-
120

volvimento do plano já tinham sido feitos.” (Ramos, agente do po-


der público estadual)

De acordo com Andrade (agente do poder público estadual) não havia intera-

ção ou contato com os técnicos que elaboravam o PDDS: “quando nós entramos, não tí-

nhamos mais contato com esta empresa, eu acho que ela já tinha até finalizado o trabalho.

Ela fez o plano da parte histórica da cidade, e nem tinha conhecimento dessa outra

parte”. O zoneamento, no entanto, foi acrescido às propostas das leis urbanísticas do muni-

cípio, com diversos artigos que tratam da expansão urbana e ocupação do Distrito de Luzi-

mangues.

“Nós fizemos um Macrozoneamento e um Macroparcelamento


urbano de Luzimangues. O primeiro trabalho foi feito em 2006,
depois disso nós tivemos um outro trabalho em 2008. Foi feito
primeiro um macrozoneamento dessa área de estudo, depois disso
foi feito uma delimitação do que seria loteado e um
macroparcelamento com as avenidas e passeios implantados.”
(Andrade, agente do poder público estadual)

Lira (agente da academia) relata, com base no acompanhamento que fez do

processo de discussão do Plano Diretor, que Luzimangues aparecia apenas como “distrito”

nas audiências do PDDS, mas sem a relevância que depois veio a ter e sem muitos detalhes

do traçado da FNS ou da localização do Pátio Intermodal — que até aquele momento se

pensava que ficaria próximo à sede de Porto Nacional.

Ramos (agente do poder público estadual) destaca os itens principais que foram

incluídos no PDDS de Porto Nacional, com base no diagnóstico do zoneamento de Luzi-

magues: a criação das zonas de ocupação e da Zona de Ocupação Prioritária (ZOP), onde

deverá haver no minimo 70% de ocupação para depois expandir para novas zonas 42 e a de-

42
“Art. 12, §3º: Somente será permitido o desenvolvimento de microparcelamento fora da Zona de
Ocupação Prioritária quando esta tiver atingido ocupação mínima de 70% (setenta por cento) de sua
área microparcelada, salvo na Zona de Ocupação Industrial, por interesse relevante da administração
pública, devidamente motivado.” (Lei nº 06, de 28 de setembro de 2006)
121

finição dos critérios de aprovação de loteamentos, “que até então não havia, se reportava

apenas à legislação federal”.

“Os loteamentos estavam sendo implantados mas sem um mínimo


de infraestrutura... Essa interligação entre os procedimentos de
aprovação e os requisitos de infraestrutura para venda foi estabe-
lecida também no plano Luzimangues, que foi importado para o
Plano Diretor.” (Ramos, agente do poder público estadual)

No plano são instituídas as Macrozonas Urbanas (Art. 27), que seriam defini-

das como áreas efetivamente destinadas a concentrar as funções urbanas com o objetivo

de: “I - otimizar os equipamentos urbanos e comunitários instalados; II - orientar o pro-

cesso de expansão urbana; e III - condicionar o crescimento urbano à capacidade dos

equipamentos urbanos e comunitários” (Art. 28). Na prática definia novos limites urbanos

da sede e dos distritos43. O perímetro urbano de Luzimangues e suas zonas de ocupação fi-

cam delimitados mais à frente:

“Art. 86. O Executivo Municipal deverá proceder ao levantamento


topográfico planialtimétrico cadastral das Macrozonas Urbanas,
instrumento de referência básica para o Sistema de Informações
Municipais... §3º Os limites da Macrozona Urbana 2 e de suas res-
pectivas Zonas serão demarcados em conformidade com o que es-
tabelece o anexo II desta Lei Complementar, atendendo o que
dispõe o §3º do Art. 134, da Lei Orgânica do Município.” (Lei nº
05, de 28 de setembro de 2006)

Por sua vez, as Zonas de Ocupação de Luzimangues são divididas em seis zo-

nas (Figura 6), definidas no Art. 12 da “Lei de Uso e Ocupação do Solo nas Macrozonas

Urbanas”:

“I – Zona de Ocupação Prioritária – ZOP; II – Zona de Ocupação


Secundária – ZOS; III – Zona de Ocupação Restrita – ZOR; IV –
Zona de Administração da Ocupação Restrita – ZAOR; V – Zona

43
A lei amplia o perímetro urbano, inclusive no Distrito de Luzimangues (Macrozona Urbana 2). O
perímetro da sede (Macrozona Urbana 1) remete a um mapa no Anexo 1 do PDDS, que não estava
disponível nem na Câmara de Vereadores e nem na Prefeitura de Porto Nacional, gerando dúvidas de qual
sua delimitação — essa regulamentação só ocorre em 2011.
122

de Ocupação Industrial – ZOI; e VI – Zona de Proteção Ambiental


– ZPA.” (Lei nº 06, de 28 de setembro de 2006)

Figura 6: Definição do Macrozoneamento

Fonte: Andrade, 2012.

Essa mesma lei traz ainda um mecanismo que determinava que os imóveis situ-

ados na Zona de Ocupação Prioritária, deveriam ser loteados no prazo de cinco anos, sob

pena do Poder Público Municipal utilizar-se dos instrumentos legalmente previstos para

implementação da política de desenvolvimento sustentável (Art. 12, §6º).


123

O projeto de Luzimangues passou por um maior detalhamento em 2008 quando

foi elaborado o Macroparcelamento Urbano. Nesse projeto foram delimitadas as áreas

que poderiam ser loteadas através de um macroparcelamento aos moldes do que foi feito

em Palmas, com a definição das avenidas estruturantes que delimitam as quadras a serem

posteriormente microparceladas e urbanizadas (Figura 7).

Figura 7: Definição do Macroparcelamento

Fonte: Andrade, 2012.

O projeto contempla o memorial descritivo de cada “quadra”, contendo: no-

menclatura, o levantamento das curvas de níveis, áreas aproveitáveis (que alimentam as di-

retrizes urbanísticas), delimitações de avenidas, acessos, afastamentos de faixas de domí-

nio, etc. A TO-080 é utilizada como o eixo de referência, as quadras localizadas ao norte

da TO são nomeadas como PNN (Porto Nacional Norte), as que ficam ao sul são PNS
124

(Porto Nacional Sul), seguidas de uma numeração. Apesar dessas definições, cada lotea-

mento é “batizado” de uma maneira diferente pelos empreendedores, com nomes mais

pomposos e comerciais.

No desenrolar desse processo, Ramos (agente do poder público estadual) relata

que houve uma inversão nas etapas do planejamento, mas avalia que não houve perdas

para o produto final pretendido. Os passos seriam: levantamento aerofotogramétrico; diag-

nóstico; e o plano. Foi feito então primeiramente um diagnóstico, através de imagem de sa-

télite, que serviu de subsidio para elaboração do zoneamento e da definição dos “vetores

de desenvolvimento”; posteriormente foi feito o levantamento aerofotogramétrico e a revi-

são do diagnóstico inicial; e “aí o plano efetivamente, já com os dados detalhados, curva

de nível de metro em metro”. Dessa maneira os planejadores definiram questões diversas

para a urbanização do distrito: a demarcação das áreas de proteção ambiental conforme a

presença dos corpos hídricos; as estratégias para drenagem; o sistema viário com os arrua-

mentos em conformidade com os dados topográficos e hipsográficos; etc.

“Palmas já foi planejada que as avenidas principais teriam 3 vias,


mais um canteiro, e mais 3 vias. Lá a gente fez um processo inver-
so, vamos fazer 2 vias, pra gente ter um processo de expansão des-
se sistema viário, vamos deixar um canteiro maior e mais 2 vias,
fora a calçada... A caixa total era basicamente do mesmo tamanho
de Palmas, só que o sistema viário ficou menor nesse sentido, com
2 vias apenas, com previsão de uma terceira pra cada lado... Além
disso, nós procuramos deixar um canteiro central também maior,
porque a gente percebe que pra passar o sistema de drenagem
aqui é difícil. E no sistema das rotatórias também, a gente já dei-
xou os estudos de passagens laterais da rotatória. Então quando
você entra você já tem uma faixa exclusiva pra rotatória indepen-
dente do sistema viário. Então como eu tenho duas vias, a terceira
via vai ser criada, pra entrar na rotatória, essa terceira via, eu
posso isolar ela das outras duas, o que não acontece nas rotatórias
aqui em Palmas. O eixo de curvatura daqui também é deficitário, a
gente já levou o eixo corrigido pra lá. Então essas coisas que a
gente já tinha de referência de Palmas, Brasília e outros municípi-
os a gente já levou pra lá.” (Ramos, agente do poder público esta-
dual)
125

Uma alteração significativa que houve nesse período é quanto à definição da

Zona de Ocupação Industrial – ZOI. Segundo Andrade (agente do poder público estadual),

em 2006 não havia muitas informações disponíveis quanto ao traçado da FNS e à localiza-

ção do Pátio Intermodal, o primeiro traçado que havia era o traçado original das Cartas do

Exército. Na definição do zoneamento a zona industrial está localizada ao norte da TO-

080, já na revisão feita em 2008, a zona é trazida para a parte sul, interligada ao Pátio In-

termodal, porém tal definição não foi regulamentada em lei.

Essa é uma observação importante a ser feita, o trabalho realizado pelos técni-

cos em 2008 não foi transformado em lei, sendo aplicadas ainda as definições do Macrozo-

neamento amalgamadas no PDDS de 2006.

“Nós fizemos até um planejamento também, um projeto já desti-


nando a área, delimitando a área industrial, mas não tem defini-
ção do solo e nem legislação sobre o Distrito Industrial. Foi deli-
mitada a área, mas não tem nada de lei.” (Andrade, agente do po-
der público estadual)

Ao analisar esse processo de construção da legislação aplicada à politica urba-

na começamos a compreender a “lógica complexa do campo”, desnudando a aparência da

neutralidade burocrática, constatando a ambiguidade intrínseca do funcionamento do Esta-

do (BOURDIEU, 2001:140). Esses regramentos diferentes que se fundem em um só, são

reinterpretados e redefinidos através de uma série de interações entre os agentes que “em

função da sua posição em estruturas objetivas de poder definidas à escala de uma unidade

territorial, região ou departamento, prosseguem estratégias diferentes ou antagônicas”

(BOURDIEU, 2001:157).
126

A urbanização e o crescimento de Luzimangues

Nos tópicos anteriores começamos a desvendar a gênese e alguns dos motivos

que levaram ao processo de urbanização e crescimento do Distrito de Luzimangues, dentre

eles a valorização das terras próximas à capital, quando da sua implantação, e a expectativa

do processo de expansão industrial decorrente da FNS e do seu Pátio Intermodal.

Tentaremos demonstrar a seguir, alguns outros fatores surgidos ao longo da

pesquisa e nas discussões com os agentes, que do nosso ponto de vista também

contribuíram de maneira determinante com o processo de expansão urbana na margem

esquerda do Lago de Palmas.

Regularização e ordenamento dos loteamentos

O Caderno Técnico do PDDS (2006) trazia diversos apontamentos quanto à

questão de loteamentos irregulares no território de Porto Nacional, e em especial na área de

Luzimangues. Nesta data a própria prefeitura de Porto Nacional não detinha informações

para fazer um controle efetivo da região, sendo que “as informações sobre os loteamentos

do Distrito de Luzimangues são incompletas, com a maioria deles não registrados no Ca-

dastro Imobiliário” (PORTO NACIONAL, 2006:67).

Há passagens no documento que demonstram que não havia informações claras

quanto ao número de imóveis e nem um efetivo controle fundiário:

“Tanto na sede municipal quanto no Distrito de Luzimangues exis-


tem problemas quanto à regularização dos loteamentos, mesmo os
já comercializados. Informações levantadas no local dão conta da
existência de loteamentos com mais de 8.000 lotes.” (PORTO NA-
CIONAL, 2006:59)
127

Ou ainda:

“Atualmente existem nos diversos loteamentos de Luzimangues


mais de 8.000 lotes disponíveis e desocupados.” (PORTO NACIO-
NAL, 2006:104)

Esses números se multiplicam na fala do ex-prefeito Paulo Mourão (agente do

poder político local): “Quando eu assumi [2005], lá já tinham vendido não sei se era 30

ou 35 mil lotes, não sendo legalizados”. Essas desinformações perduram ainda hoje, ha-

vendo dificuldades de se obter informações sobre o que vem sendo implantado e até mes-

mo da prefeitura cobrar o IPTU dos proprietários dos lotes44.

Na realidade foi detectada uma grande quantidade de parcelamentos e imóveis

sem registro, o que exigia um esforço efetivo de regularização da situação fundiária, agra-

vada ainda mais pelos “vazios urbanos... o que dificulta a implantação e manutenção de

infraestrutura básica, equipamentos urbanos e comunitários e serviços públicos” (PORTO

NACIONAL, 2006:21).

Nesse sentido, de acordo com Gonçalves, Ramos e Andrade ( agentes do poder

público estadual), o interesse inicial de intervir na área partiu da prefeitura de Porto

Nacional.

“Inclusive uma das preocupações surgiu dele mesmo [do ex-


prefeito Paulo Mourão], porque se não organizasse, essa situação
no termo do macro, estavam surgindo loteamentos, ele travou
intencionalmente os loteamentos, falou: 'olha, vamos parar um
pouco'. Combateu os loteamentos irregulares, chamando o
empresariado e falando 'espera aí, você quer fazer loteamento,
você quer expandir, nós estamos fazendo um planejamento macro
onde tem que respeitar as drenagens, tem que respeitar as vias,
nós temos que fazer as interseções dessas vias'. Então foi
fundamental nesse processo, a gente reunia com os técnicos, ele
muitas vezes estava à frente da questão FNS, como gestor do
município atingido pela ferrovia.” (Gonçalves, agente do poder
público estadual)

44
De acordo com Faria (agente do mercado imobiliário) a prefeitura de Porto Nacional não vinha
acompanhando as demandas do distrito e apenas em 2011 começa a cobrar o IPTU dos terrenos.
128

De acordo com Ramos (agente do poder público estadual), ao longo do

desenvolvimento do diagnóstico do projeto de Macrozoneamento (2006), foram detectados

dezessete loteamentos na região do Luzimangues (Figura 8), em diversas situações, alguns

já implantados e que não constavam no banco de dados da prefeitura. A preocupação

inicial se deu então em função do grande crescimento de loteamentos irregulares que

estavam existindo. Na sua visão o diagnóstico demonstrava que “aquilo era inevitável e o

desenvolvimento do Luzimangues já estava acontecendo, embrionário, mas estava”.

Os agentes do poder público estadual defendem que foi um planejamento

tecnocrático, com a preocupação de ordenar o polo da FNS e regularizar os loteamentos

“consolidados”. Questionado sobre este tema, o prefeito à época diz que geralmente os

loteadores não apareciam, não participavam da discussão, só procuravam no momento em

que estavam tentando regularizar os seus loteamentos.

“São extremamente agressivos, porque obviamente eles buscam o


lucro. É um debate extremamente difícil de fazer, ainda mais nas
condições reais de pouco orçamento público para poder fazer um
ordenamento da monta que precisa ser feita em Luzimangues.”
(Mourão, agente do poder político local)
129

Figura 8: Mapeamento dos loteamentos urbanos até 2006

Fonte: Andrade, 2012.

Os agentes do mercado imobiliário também alegam não ter participado desse

momento de decisão, nem do PDDS e nem do Macroplanejamento de Luzimangues, sendo

que algumas das principais empresas imobiliárias atuantes hoje na região iniciam ou

expandem suas atividades na etapa posterior ao ordenamento urbano, ou seja, após 2006.

De acordo com Silva (agente do mercado imobiliário), o gestor à época

conversou pouco com os empresários, “apesar que os outros também não conversaram”, e
130

os contatos com os técnicos foram no sentido de fornecer informações para o diagnóstico

do projeto.

“Nós não tivemos interferência nenhuma, nada. O único contato


que eu tive com o Marcos Gaipo45 na época foi alguns mapas que
ele nos pediu e quem eram os donos de algumas áreas, que ele não
estava conseguindo achar, se a gente sabia quem eram e como en-
contrar as pessoas.” (Silva, agente do mercado imobiliário)

Na definição do perímetro urbano do distrito essa situação é desnudada, uma

vez que existem discrepâncias entre os indicativos da equipe que desenvolvia o PDDS e os

limites que foram aprovados efetivamente na legislação. Recomendava-se “a redução da

área urbana para a porção do território ocupada pelos loteamentos já devidamente regis-

trados, deixando como rural os assentamentos, em atendimento às aspirações manifestas

das comunidades ali residentes” (PORTO NACIONAL, 2006:283).

Porém a área de influência de estudo que foi aprovada como área urbana de

Luzimangues (Macrozona Urbana 2), “é do tamanho ou até maior do que o Plano Diretor

de Palmas”, segundo Andrade (agente do poder público estadual). Na sua visão a área já

estava crescendo desordenadamente, sem um planejamento e sem uma ligação entre os lo-

teamentos que estavam existindo. O objetivo era fazer uma ligação entre eles sem desapro-

priar ninguém. Então os critérios para definir o perímetro foram os loteamentos que já esta-

vam “consolidados” e a existência de determinadores físicos, como sistemas hídricos.

“Nós fizemos um mosaico com as imagens de satélite e locamos os


loteamentos, pra saber onde realmente estavam. Com essa ideia, a
área tomou um corpo e uma forma já definida.” (Andrade, agente
do poder público estadual)

De acordo com Mourão (agente do poder político local), a ideia inicial era que

tivesse uma delimitação urbana a menor possível, que possibilitasse um crescimento orde-

45
Refere-se ao projetista Marcos Antônio Gaipo de Andrade, agente do poder público estadual.
131

nado, “essa era a visão do Plano Diretor e essa era a visão técnica também do Macrozo-

neamento”. Mas já haviam sido vendidos lotes, em áreas longínquas uma da outra, e esta-

vam sendo registrados. Quando foi feito um movimento no sentido de cancelar chegou-se a

uma situação de conflito com o Cartório de Registros de Imóveis (CRI), “uma guerra jurí-

dica”. A prefeitura acabou recuando: “Tivemos que chamar a equipe do macrozoneamen-

to, que era o Eli Ramos e o Marcos Gaipo, e dizer pra eles que teríamos que adaptar a

questão do núcleo urbano e do Plano Diretor e tentar estender pra não deixar de fora o

que já tinha sido comercializado” (Mourão, agente do poder político local).

Os autores do projeto, agentes do poder público estadual, complementam sem

maiores aprofundamentos as colocações do ex-prefeito com outro aspecto determinante

para o traçado dessa fronteira urbana: os interesses de agentes importantes no cenário polí-

tico estadual. “Isso aqui tem políticos envolvidos, tem deputados, tem ex-prefeita de Pal-

mas...” (Andrade, agente do poder público estadual).

“Esses dezessete loteamentos, se não fizesse nada, eles iam ser


aprovados de qualquer jeito. Então vamos fazer o seguinte, vamos
tentar colocar todos eles dentro do perímetro urbano, porque
senão ia ser uma loucura, um 'sacode', porque a gente tinha
pessoas aqui extremamente influentes nesse processo que ia ser
extremamente desagradável enfrentar essa briga.” (Ramos, agente
do poder público estadual)

Esse recuo no enfrentamento das situações de irregularidade denotam que se

tratavam de agentes com capitais econômicos e políticos que os deixavam numa posição de

impor sua vontade, moldando o campo de maneira a atender os seus interesses, conforme

demonstrado em Bourdieu (2001).

Quanto aos argumentos da regularização podemos nesse ponto resgatar um

pensamento de Campos Filho (2001:84): “Utilizando-se do fato de regularizar edificações

das populações de baixa renda, o que é razoável, levam a anistia a edificações das
132

camadas médias e altas, o que é especulativo e, portanto, antissocial”. O termo

“consolidado” também pode ser questionado uma vez que a população que morava

efetivamente na área era, e ainda é, muito pequena, o que estava consolidado de fato eram

as formalidades de registros perante o CRI e os contratos de vendas já realizadas.

Apesar de um dos objetivos do plano de expansão urbana do Luzimangues ser

a regularização e o ordenamento dos loteamentos (ação típica dos agentes do Estado),

reconhecendo uma situação que já vinha ocorrendo, é inegável que isso acabou gerando

condições propicias para os loteadores, que souberam apropriar-se muito bem do campo

imobiliário que se abriu (ação tipica dos agentes do mercado).

As informações referentes aos loteamentos instalados em Luzimangues são

bem esparsas e desconexas, não havendo um controle sistemático por parte da prefeitura de

Porto Nacional ou outro órgão de controle — Naturatins, Incra, etc. A listagem utilizada

nesta pesquisa reúne várias fontes de informações, de maneira a obtermos uma visão geral

dos empreendimentos anteriores à legislação de 2006 e após a legislação (Tabela 1).

Tabela 1 - Empreendimentos imobiliários em Luzimangues 1995/2012


# LOTEAMENTO ANO EMPREENDEDOR REGISTRO LOTES
1 Chácaras da Graciosa 1995 Darci Garcia da Rocha e Cia R-7-13465 (22/01/1995) 232
2 Village Morena 1996 Village Morena Empreendimentos R-2-14221 (30/08/1996) 1.286
Imobiliários Ltda.
3 Reassentamento Luzimangues 2001 Investco ... 83
4 Riviera do Lago 2004 Riviera do Lago Empreendimentos R-1-18192 (21/06/2004) 926
Imobiliários Ltda.
5 Loteamento Porteira 2004 Rocha, Sampaio e Alves Ltda. R-8-17801 (29/10/2004) 82
6 Loteamento Porto Belo 2005 Henrick Moreira Nery Blamires e R-2-18178 (01/03/2005) 91
Márcio Azeka de Oliveira
7 Loteamento Jardim Sofia 2005 Lagos Empreendimentos Imobiliários R-3-15862 (18/04/2005) 250
Ltda.
8 Loteamento Chácaras Calhetas 2005 Nulce Cardoso Lemos R-2-17698 (19/04/2005) 25
9 Residencial Portal do Lago 2005 União do Lago ... 1.300
10 Loteamento Condomínio Ponte Bela ... ... ... ...
11 Loteamento Chácaras Porto Real ... ... ... ...
12 Loteamento Paraíso ... ... ... ...
133

# LOTEAMENTO ANO EMPREENDEDOR REGISTRO LOTES


13 Loteamento Jardim Porto Real ... ... ... ...
14 Loteamento Chácaras Paraíso ... ... ... ...
15 Loteamento Mangueiras do Lago ... ... ... ...
16 Laguna I 2008 Laguna Empreendimento Imobiliário R-2-23147 (29/12/2008) 1.731
Ltda.
17 Jardins do Lago 2009 Jardins do Lago Empreendimentos R-14-17561 (24/07/2009) 1.346
Imobiliários Ltda.
18 Laguna II 2010 Itagyba Empreendimentos R-2-27163 (26/02/2010) 1.754
Imobiliários Ltda.
19 Loteamento Porto Seguro 2010 HMB Ltda-ME R-3-22531 (16/06/2010) 510
20 Flamboyant 2010 MD Consultoria e Empreendimentos R-4-14698 (09/09/2010) ...
Ltda.
21 Residencial Morumby 2011 Morumby Const. e Incorporadora Aprovado 530
Ltda.
22 Lago Azul ... Distribuidora de Petróleo Tocantins Tramitando ...
23 Comercial do Lago ... Arnaldo Cardoso Coelho Tramitando ...
24 Jardim do Porto 2011 PR Empreendimentos Imobiliários Tramitando 2.179
Ltda.
25 Jardim Europa 2011 BER Empreendimentos Imobiliários Tramitando 1.584
Ltda.
26 Laguna III ... L6 Empreendimentos Imobiliários Tramitando 4.983
Ltda.
27 Gleba Elle 3 ... Cical Construtora e Incorporadora Tramitando ...
Califórnia Ltda.
28 Orla Oeste 2012 Graciosa Empreendimentos Para lançamento 1.800
29 Park dos Buritis 2012 União do Lago e Buriti ... 1.300
30 Park dos Girassóis 2012 MM Empreendimentos R-3-34114 331
31 Loteamento Canadá 2012 ... ... ...
Total de lotes 22.323

Fonte: Tabela organizada pelo autor, com informações da Prefeitura de Porto Nacional e das
entrevistas.

Foram utilizadas as informações fornecidas pela Prefeitura de Porto Nacional,

a listagem de loteamentos do diagnóstico do Macrozoneamento, e dados extraídos das en-

trevistas, principalmente com os agentes do mercado imobiliário. Há muitas indefinições

com relação aos responsáveis por cada empreendimento, a localização e ao número total de

lotes. Mas de qualquer maneira são dados que não inviabilizam a pesquisa, na realidade de-

monstram a relevância do tema e a fragilidade de controle do território por parte dos agen-

tes públicos.
134

De acordo com os dados obtidos, os primeiros loteamentos datam de 1995, tra-

tam-se de alguns casos de loteamentos de “chácaras”, frações de terras já bem desvirtuadas

dos atributos de terras rurais voltados para a produção. Em alguns desses empreendimentos

(Chácaras da Graciosa, Loteamento Porteira e Residencial Portal do Lago) consta os no-

mes dos sócios que comporiam mais adiante a “União do Lago”, empresa imobiliária que

se destaca na região.

O primeiro empreendimento de loteamento urbano na região data de 1996 e

trata-se do loteamento “Village Morena”, com mais de 1.200 lotes. Um loteamento urbano

solto no meio do cerrado. De acordo com Silva (agente do mercado imobiliário), o “Villa-

ge Morena” foi o primeiro, aprovado na época do prefeito Fábio Martins (Gestão 1992 -

1995), “ainda na lei anterior”, e o loteador tinha apenas como obrigação demarcar e abrir

as ruas — hoje o loteamento ainda não conta com a infraestrutura básica. De acordo com

ele, o proprietário (Dr. Lucas) chegou a Luzimangues em 1989/1990 e adquiriu algumas

áreas: “na época não se falava do lago ainda, eram poucas pessoas e só entre o governo

que comentavam sobre isso. Quando saiu ao público que iriam fazer o lago mesmo, eles

foram ver até onde que a água ia, ia ficar próximo, então ele fez o 'Village Morena' já

pensando nisso” (Silva, agente do mercado imobiliário).

“Meu sogro era vereador em Paraíso do Tocantins, e o Siqueira


falava assim: 'Palmas vai ser no centro geodésico do Brasil'. Ele
correu, olhou no mapa e viu que o Rio Tocantins cortava no meio,
só que ele ficou em dúvida se era do lado de lá [margem direita]
ou de cá do Tocantins [margem esquerda]. E a aposta dele foi
essa: se for do lado de lá, Palmas não vai poder crescer, porque
tem o rio e tem a serra, então vai ser do lado de cá.” (Silva, agente
do mercado imobiliário)

Após 2001, com o enchimento do reservatório da UHE Lajeado, as pessoas

compravam chácaras na beira do lago, desmembravam e faziam condomínios irregulares


135

(Gonçalves, agente do poder público estadual). São os “loteamentos por fração ideal”, em

um único registro constam diversos donos, cada um com uma fração/percentual da área

(Andrade, agente do poder público estadual). Esses “loteamentos” não cumprem as regras

de parcelamento do solo (Lei nº 6.766/1979), individualizando as áreas particulares e

definindo as áreas públicas (arruamentos, equipamentos, etc.). Em vez disso é feito um

registro de percentuais do imóvel que cabem a cada proprietário. Os cartórios costumam

admitir esse tipo de “divisão”, mas os órgãos públicos ficam impossibilitados de fazer o

controle adequado uma vez que só tomam conhecimento da situação quando começa a

ocorrer a ocupação irregular.

No período compreendido entre os anos de 1995 até 2006 (ano da aprovação

do PDDS), são contabilizados 4.275 lotes, o que corresponde a 19,15% do total contabili-

zado até 201246.

Após 2006, com as definições do PDDS, do zoneamento e das regras de parce-

lamento (base jurídica e institucional que propicia a expansão urbana) passa a haver uma

maior oferta de lotes, já legalizados perante a prefeitura, Naturatins e CRI. São loteamentos

que cumprem os requisitos formais da legislação, atendendo aos interesses de loteadores e

investidores, mas não há uma consonância com os princípios do planejamento urbano sus-

tentável (Estatuto da Cidade), sendo uma reprodução dos vazios urbanos existentes em Pal-

mas e em Porto Nacional. No período compreendido entre os anos de 2007 até 2012 são

produzidos 18.048 lotes, correspondendo a 80,85% do total contabilizado.

Vários loteamentos vão sendo aprovados, abertos e comercializados. Nesse ne-

gócio duas empresas (agentes coletivos), que atuam em parceria, se destacam no cenário de

Luzimangues: a “União do Lago Empreendimentos Imobiliários” e a “Buriti Empreendi-

46
Chamamos atenção que estamos considerando o levantamento realizado para esta pesquisa, apresentado
na Tabela 1, sendo que ainda existem lacunas a serem preenchidas.
136

mentos Imobiliários”. Juntas elas são responsáveis por mais de 60% do número de lotes

produzidos em Luzimangues – considerando o levantamento realizado para esta pesquisa.

A empresa “União do Lago”, formada por dois sócios diretores oriundos do in-

terior de São Paulo, tem sua origem ligada ao Distrito de Luzimangues. Os nomes dos seus

diretores estão associados a empreendimentos de chácaras organizados no período anterior

ao PDDS. O primeiro loteamento urbano da empresa na região trata-se do “Residencial

Portal do Lago” (2005), com 1.300 lotes. Desde então a empresa vem expandindo sua atua-

ção na região e em outras cidades — no Tocantins a empresa está presente em Araguaína,

Colinas, Porto Nacional e Gurupi, e em Mato Grosso no município de Sorriso.

Já a “Buriti” é a maior empresa do ramo imobiliário que atua no Luziman-

gues47, criada na cidade de Redenção – PA, já está presente em 24 cidades espalhadas pelos

estados do Pará, Tocantins, Goiás, Bahia, Alagoas, Mato Grosso, Rondônia e Acre. De

acordo com Lacerda (agente do mercado imobiliário), a empresa já comercializou mais de

12 mil lotes em Porto Nacional (na sede e em Luzimangues), de um total de “mais de 59

mil lotes no Brasil” — informação do site institucional da empresa. O proprietário da em-

presa residiu em Porto Nacional, Pium e Paraíso do Tocantins, depois foi para Redenção –

PA, onde começou a Buriti, junto a outro sócio que já tinha experiência em loteamentos. A

empresa se desenvolveu no Pará e em 2008 começou a atuar no Tocantins, na região do

Luzimangues.

As duas empresas planejam novos lançamentos ainda para 2012: “Esse ano,

acho que tem mais uns quatros empreendimentos, totalizando em uns seis mil lotes, mais

ou menos”, diz Faria (agente do mercado imobiliário). Segundo ele a escala dos empreen-

dimentos é muito variável, hoje os empreendimentos são na faixa de mil e trezentos a dois

47
Tal afirmação se dá por conta dos dados obtidos nas entrevistas com os próprios agentes do mercado
imobiliário: a empresa detém grande capital financeiro; uma grande “carteira” de clientes; e na relação
com os parceiros ela impõe suas condições (só participa se detiver 50% ou mais do negócio).
137

mil lotes. Dentre os maiores loteamentos comercializados nos últimos anos estão: Laguna

I, com 1.731 lotes (Figura 9); Laguna II, com 1.754 lotes (Figura 10); Jardim do Porto,

com 2.179 (Figura 11); Jardim Europa, com 1.584 lotes (Figura 12); e Laguna III, com

4.983 (Figura 13).

Já Lacerda (agente do mercado imobiliário) tem uma compreensão um pouco

“diferente” do porte desses empreendimentos a serem lançados: “São empreendimentos

pequenos, não é do tamanho desses que a gente vem comercializando. Agora são lotea-

mentos pequenininhos, quatrocentos, oitocentos, mil lotes”. Ele compara também com um

dos empreendimentos da empresa na cidade de Parauapebas – PA, o loteamento “Cidade

Jardim”:

“Já está com mais de 12 mil lotes. Na verdade, em Parauapebas, a


Buriti está fazendo uma cidade. Lá ela vai fazer quase 30 mil lotes,
só em Parauapebas. Hoje é o maior loteamento da Buriti.” (Lacer-
da, agente do mercado imobiliário)

Figura 9: Loteamento Laguna I

Fonte: Buriti, 2012.


138

Figura 10: Loteamento Laguna II

Fonte: Buriti, 2012.


Figura 11: Loteamento Jardim do Porto

Fonte: Buriti, 2012.


139

Figura 12: Loteamento Jardim Europa

Fonte: Buriti, 2012.

Figura 13: Loteamento Laguna III

Fonte: Buriti, 2012.

Quando o assunto Luzimangues vem à baila, vários números são mencionados,

sem um levantamento concreto do número de lotes já existentes nesse novo território da

expansão imobiliária: vinte mil, trinta mil, quarenta mil. Através da pesquisa podemos

constatar a produção de aproximadamente 22.323 terrenos no período 1995/2012, como

demonstrado na Tabela 1.
140

De maneira a fazer um exercício meramente comparativo da capacidade de

moradores nesta quantidade de terrenos, repetimos aqui o cálculo elaborado pela equipe do

PDDS, utilizando a mesma metodologia (PORTO NACIONAL, 2006). Foi utilizado o ín-

dice mais atual do número de moradores por domicilio para o município de Porto Nacional

(IBGE 2010), com valor aproximado de 3,5 moradores por domicilio; e multiplicando este

número pela quantidade de lotes urbanos de Luzimangues (22.323). Dessa maneira chega-

mos ao resultado de que hoje a localidade comportaria uma população superior a 78.000

habitantes — que seria superior à população total do município de Porto Nacional, com

49.146 habitantes (IBGE 2010).

Como foi demonstrado anteriormente, o mesmo Censo (IBGE 2010) contabili-

zou um total de 2.310 moradores em Luzimangues — considerando os setores censitários

urbanos e rurais. Ou seja, são necessárias quase trinta e quatro “Luzimangues do mundo

real” para alcançar uma “Luzimangues dos sonhos imobiliários”, até o momento.

A legislação e a facilidade para aprovar

O município de Porto Nacional vem fazendo intervenções legais no território

de Luzimangues desde 1993. Com a Lei nº 1.415, de 14 de outubro de 1993, cria o Distrito

de Mangues/Santa Luzia; em 1994, com a Lei nº 1.454, de 21 de junho de 1994, altera o

nome para Luzimangues.

Em 2002 vieram as primeiras leis que tratam da questão urbana, já pensando

nos loteamentos que estavam surgindo. Com a Lei nº 1.725, de 24 de janeiro de 2002, o

Poder Executivo Municipal fica autorizado a efetuar a análise e aprovação das atividades

de ocupação do solo urbano às margens do Lago da Usina Hidroelétrica Luiz Eduardo Ma-
141

galhães, e com a Lei nº 1.782, de 27 de novembro de 2002, fica definida área de expansão

urbana no Distrito de Luzimangues.

Ramos (agente do poder público estadual) lembra que não havia na prefeitura

um setor de análise dos loteamentos e da ligação desses com o seu entorno, uma vez aten-

didos os requisitos jurídicos eles eram aprovados. O Cartório de Registro de Imóveis

(CRI), como um órgão de apoio, é quem tomava mais cuidado e exigia mais informações.

Os normativos da politica urbana do município definidos em 200648 incluem os

resultados do projeto de Macrozoneamento para Luzimangues e fixam as regras gerais a

serem seguidas pelos agentes do mercado imobiliário. Esse momento da definição dos ins-

trumentos jurídicos e urbanísticos é de vital importância para o processo de ocupação do

território do Distrito de Luzimangues, formalizando as demandas já então existentes e,

consequentemente, pavimentando o caminho para o grande número de novos loteamentos

que aparecerão e serão comercializados posteriormente.

Apesar do zoneamento estabelecer uma Zona de Ocupação Prioritária (ZOP), a

escala da intervenção ainda é muito grande, permitindo ao mercado imobiliário expandir

suas atividades e seus lucros sem muitos obstáculos. Os agentes do mercado imobiliário

afirmam que não têm dificuldades para aprovar os projetos na prefeitura de Porto Nacional

ou no Naturatins, desde que seguidos os trâmites previstos e a documentação em ordem.

Para Sousa (agente do mercado imobiliário) a aprovação em Porto Nacional é muito mais

ágil e rápida, não tem burocracia, isso acaba facilitando as pessoas empreenderem lá.

“Vamos dizer a verdade: era muito mais fácil fazer em Luziman-


gues do que fazer em Palmas. Qualquer edificação, qualquer ativi-
dade empresarial pra ser realizada em Palmas é mais complicada
do que outros lugares que a gente conhece. Tem toda a burocra-
cia, e digamos assim, aqui em Palmas, pela própria criação, muito
48
Lei Complementar nº 05/2006, que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de
Porto Nacional, Lei Complementar nº 06/2006, que dispõe sobre o uso e a ocupação do solo nas
Macrozonas Urbanas do Município de Porto Nacional, e Lei Complementar nº 07/2006, que dispõe sobre
o Parcelamento do Solo Urbano do Município de Porto Nacional.
142

mais jovem, as leis são mais atualizadas, a questão ambiental, do


ponto de vista jurídico, as exigências são maiores. E em Porto Na-
cional, ali é Porto mas não tá dentro da sede do município, então
isso dá uma permissividade muito maior de ganhar agilidade, que
é o que o empreendedor busca. Então é muito mais fácil você fazer
o loteamento do outro lado do que insistir pra fazer em Palmas.”
(Sousa, agente do mercado imobiliário)

Na definição desse regramento, achamos paralelos com os processos demons-

trados em Bourdieu (2001) com a (re)construção da política da casa individual na França,

por meio da reorientação/imposição das preferencias (propriedade privada, casa individual,

localização nas periferias, etc). No campo fundiário, o poder público, por meio das suas

ações regulamentadoras, ajuda a construir um mercado de terras (BOURDIEU, 2000:113),

um mercado que é burocraticamente controlado e construído pelo Estado a partir de de-

cisões politicas, “que são de natureza a orientar as preferências dos agentes encorajando

ou contrariando, mais ou menos, as disposições iniciais dos potenciais clientes por meio

de medidas administrativas que têm como efeito impedir ou favorecer a sua realização”

(BOURDIEU, 2000:113). Neste caso, formalizam um processo jurídico, dando garantias

legais tanto aos compradores, pois tratam-se de “lotes com registro em cartório”, quanto

aos empreendedores, permitindo a utilização de mecanismos financeiros ou mesmo a reto-

mada do bem no caso de inadimplência49.

O encarecimento do solo em Palmas

Outro fator que ajuda a explicar os processos desenrolados no Distrito de Luzi-

mangues diz respeito à proximidade com Palmas e às influencias que essa exerce na regi-

49
Para Sousa (agente do mercado imobiliário) esse ainda é um negócio de risco, aproveitando a estabilidade
e as boas condições econômicas que o país alcançou nos últimos anos. A valorização é grande mas o
empreendedor se assegura contratualmente contra os riscos — controle da inadimplência, seguro em caso
de morte, entre outros.
143

ão, conforme abordado no Capítulo III. Nos primeiros anos de ocupação da capital havia a

preocupação de incentivar a vinda de moradores e proporcionar seu crescimento e consoli-

dação, os lotes eram doados ou comercializados pelo Estado (BAZOLLI, 2007:15), sendo

que também era comum as ocupações de áreas públicas e particulares, com o aparecimento

dos barracos de lona preta (PALMAS, 2002:17).

O modelo inicial adotado em Palmas para a venda de lotes era através de

leilões públicos (PALMAS, 2002:16), os lotes tinham um valor fixado pela avaliação do

Estado, os interessados ofereciam lances, o lance mais alto de entrada saia vencedor, o res-

tante do valor era pago em parcelas. Esses eram os loteamentos promovidos inicialmente

pelo Estado, modelo que foi praticado também pela empresa ORLA S/A (2000), porém

com um patamar de valores já diferenciados, mais elevados, e que não permitiam o acesso

por parte de famílias de menor renda, em certa medida consequência da valorização provo-

cada pela implantação da infraestrutura nas áreas centrais (BAZOLLI, 2007:15).

Esse modelo de aquisição de lotes há algum tempo foi esgotado, sendo que o

Estado passou a não mais ofertar suas áreas, e passou a especular com elas. Durante o pro-

cesso de discussão do Plano Diretor Participativo de Palmas (2007), o Estado não aceitou

que quadras de sua propriedade fossem classificadas como ZEIS, pois eram “áreas muito

valorizadas” (CORIOLANO, 2011:95) e deveriam ser comercializadas com o objetivo de

aumentar a arrecadação (CORIOLANO, 2011:99).

Ao longo do processo de urbanização de Palmas, o Estado foi se afastando da

administração imobiliária e o mercado foi se apossando e crescendo, num processo especu-

lativo de privatização das terras públicas e ampliação dos vazios urbanos — imóveis com

proprietários mas sem ocupação.

“A dinâmica desencadeada pelo mercado imobiliário que é provo-


cada pela retenção de terra pode ser verificada pela existência de
144

áreas ociosas dentro do perímetro urbano, principalmente na sua


região central, sejam lotes ou glebas, que ocasionam a diminuição
da oferta de terra urbanizada e resultam na elevação artificial do
seu valor.” (BAZOLLI, 2007:16)

Bazolli (2007:15) utiliza dados da população projetados pelo IBGE para o ano

de 2005, e demonstra que a densidade populacional urbana de Palmas era de 7,3 habitantes

por hectare, “muito abaixo da mínima suportável prevista por Mascaró (1987) de 40 pes-

soas por hectare, e com distância ainda maior do seu plano original de implantação, que

previa a densidade de 300 pessoas por hectare”.

Gonçalves (agente do poder público estadual) chama atenção para o fato de que

parte das terras retidas pelo Governo do Estado em Palmas, e caracterizadas como vazios

urbanos, não poderiam ser utilizadas pois eram alvo de contestação judicial, conhecida

como “Ação Discriminatória” (com os limites gerais demonstrados na Figura 14). Alguns

dos antigos donos das fazendas discordavam do processo de desapropriação 50 por parte do

Estado no início da capital e moveram ações judiciais para reavê-las.

50
“A primeira grande desapropriação de terras, realizada pelo Governo do Estado, ocorreu em abril de
1990 e atingiu 24 propriedades na área destinada ao plano básico da cidade. As principais fazendas
desapropriadas foram a Sussuapara e a Triangulo” (PALMAS, 2002:16)
145

Figura 14: Mapa geral de Palmas com a demarcação da


Discriminatória

Fonte: Imagem organizada pelo autor, a partir de documento CAD de


SEHAB, 2011.

De acordo com Gonçalves (agente do poder público estadual) esta “ação” dei-

xava Palmas numa situação de fragilidade da documentação das áreas, fazendo com que

houvesse também uma incerteza na produção de lotes. Somente em 2011 houve a decisão

judicial e esses antigos proprietários obtiveram êxito, retornando à sua posse grandes ex-

tensões de terra dentro do perímetro urbano, muitas delas com localização privilegiada,

próximas à infraestrutura e a grandes equipamentos públicos ou particulares.

“46 quadras em Palmas tinham problemas... é onde você via aque-


les espaços vazios enormes. Inclusive pra acessar recursos do Go-
verno Federal, nós tínhamos problemas... Você não podia produzir
lote aqui, em tese.” (Gonçalves, agente do poder público estadual)
146

Para o ex-secretário da SEHAB (Gonçalves, agente do poder público estadual),

enquanto em Palmas havia esse “problema”, o Distrito de Luzimangues estava apto a rece-

ber os investimentos.

“A FNS, um nicho de exploração comercial que teria lá, e que vai


ter no futuro, o Estado vendeu isso pro empresariado, para atrair
empresas para cá… foi bastante massificado pelo Estado. Ou seja,
começou a atrair pessoas para aquele outro lado, veio então o em-
presariado e viu que não tinha esses problemas judiciais que tinha
aqui em Palmas. Quando Palmas estava engessada juridicamente,
em tese, lá estava liberado. Então começou essa expansão.” (Gon-
çalves, agente do poder público estadual)

Os efeitos dessa Ação Discriminatória ainda são difíceis de serem dimensiona-

dos, por se tratar de uma decisão muito recente e a literatura ainda não contemplar esse pe-

ríodo. O assunto é colocado nesta pesquisa como algo a ser levado em consideração no

processo regional, uma vez que foi referido durante as entrevistas com os agentes do poder

público estadual e com os agentes do mercado imobiliário como um fator relevante, que

pode ter reverberações na ocupação de Luzimangues — estando essas áreas livres de limi-

tações jurídicas, passaria então a haver oferta de mais lotes urbanos em Palmas, em tese.

A própria prefeitura de Palmas vem acompanhando e analisando os processos

desenrolados pela decisão judicial, uma vez que há o questionamento se até mesmo o Ma-

croparcelamento de Palmas ainda teria validade, já que foi pensado com as terras nas mãos

de um único proprietário (o Estado), e agora os limites das propriedades não estariam em

conformidade com as quadras e avenidas planejadas51.

Palmas vem passando também pela valorização de terras ocorrida desde 2009,

em decorrência da instituição do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e do au-

mento do crédito imobiliário, processo desencadeado em todo o território nacional como

51
Informação obtida junto aos técnicos da SEDUH.
147

demonstrado por Maricato (2011). Esse aumento do crédito imobiliário acabou provocando

a alta dos preços, dificultando que os mais pobres adquirissem lotes52.

Lacerda (agente do mercado imobiliário) diz que o encarecimento das terras

vem acontecendo no Brasil inteiro, “mas Palmas é muito cara comparando com outros lo-

cais”. Na visão deste agente os valores das áreas aumentaram demais e a empresa não tem

hoje a mesma facilidade para adquirir terras como era a três ou quatro anos atrás. No mes-

mo sentido Faria (agente do mercado imobiliário) diz que o investimento na capital é muito

pesado, estando muito alto o valor do “chão” de Palmas.

“Lotes residenciais em Palmas hoje, dificílimo você comprar lote


aqui, de 360 a 460m², por menos de 100 mil reais, em qualquer lu-
gar que seja, não acha. E isso vai gerando uma bolha imobiliária
porque pra construir, não dá pra construir casa de médio/baixo
padrão, porque o lote já inviabiliza a própria construção.” (Faria,
agente do mercado imobiliário)

Ao mesmo tempo que ocorre esse encarecimento das terras em Palmas, começa

a haver oferta de lotes mais baratos e com facilidades de pagamento, para moradia ou para

investimento, em Luzimangues, “a uma distância de oito a dez quilômetros, a mesma dis-

tância do centro da capital até na ARSE 12253” (Andrade, agente do poder público estadu-

al).

“A atração que Palmas tem sobre as pessoas, de querer investir


em Palmas em algo garantido pro futuro. Quem está investindo ali
[em Luzimangues], está investindo na realidade em Palmas. Lotes
a esses custos, prestação a R$200/240, então quem tinha desejo de
ter investimento em Palmas na área imobiliária tinha que ir pra lá,
não tinha outra chance.” (Sousa, agente do mercado imobiliário)

52
A alta dos preços dos terrenos acaba influenciando também na própria tomada do crédito, pois o lote
começa a pesar muito no custo final do imóvel financiado (lote + edificação). Em Palmas hoje o valor do
PMCMV para famílias com renda até seis salários mínimos é de no máximo 150 mil reais, mais de 50%
desse valor fica comprometido com a compra da terra, pois os lotes variam de 80 a 120 mil reais. Grande
parte do dinheiro disponibilizado para a politica habitacional acaba indo para os setores especulativos
(quem detinha a terra) e não para os setores da produção (construção civil).
53
Quadra localizada dentro do plano urbanístico original da capital.
148

De certa maneira, e principalmente do ponto de vista dos agentes do mercado

imobiliário, Luzimangues tornou-se uma alternativa viável economicamente para aqueles

compradores que não encontravam possibilidades em Palmas.

Preço menor, pequena entrada e pequena parcela

O processo histórico da formação das cidades brasileiras tem como um marco

importante a origem da propriedade no Brasil, a partir da mercantilização das terras em

meados do século XIX, com a promulgação da “Lei de Terras” em 1850. A terra passava

então a ser comprada e vendida, num processo de transformação da terra urbana em merca-

doria (FIX, 2011:59). Anterior a isso predominava nas cidades a cessão/permissão do uso

da terra, “data da terra” quando era cedida pelo Rei, “chão de terra” quando era cedida

pela Câmara (FIX, 2011:57). Os desdobramentos desses fatos foram discutidos no Capitulo

II, a partir de Bonduki (1992 e 1998), Folz (2003) e outros, quando tratamos dos processos

de desenvolvimento urbano no Brasil ao longo do século XX, até o momento de impasse

da politica urbana, principalmente na questão fundiária (MARICATO, 2011).

Já no início do século XXI o que vem ocorrendo é um processo de financeiriza-

ção do urbano, influenciando na conformação das politicas públicas e das cidades. Royer

(2009) faz uma análise da financeirização da habitação, anterior ao PMCMV, na monta-

gem e utilização dos fundos públicos para atender o mercado. Para ela “a redução da poli-

tica pública ao discurso financeiro resulta numa financeirização da politica habitacional,

com impactos negativos na universalização e no acesso ao bem habitação” (ROYER,

2009). Os arranjos macroeconômicos, através da estabilização da economia com o Plano

Real (1994) e o aperfeiçoamento do ambiente regulatório no campo imobiliário (ROYER,

2009:117), ajustam a economia brasileira ao grande circuito financeiro internacional, pos-


149

sibilitando um ambiente propicio à reprodução do capital. Essa reprodução envolve toda

ordem do campo financeiro: abertura de capital em bolsas de valores; entrada de empresas

estrangeiras; formação de “joint-ventures”; captação de recursos externos e recursos de in-

centivos públicos (subsídios); etc.

Para Fix (2011) a vinculação do mercado de terras ao mercado de capitais é

uma característica do capitalismo avançado em vários países54. O titulo de propriedade ser-

ve para garantir e lastrear transações financeiras, “é potencialmente uma forma de capital

fictício, um título jurídico que dá direito a seu detentor de se apropriar de uma parte da

riqueza social”, por exemplo a renda da terra apropriada pelo proprietário quando da reali-

zação de melhorias ou obras públicas.

“A renda da terra condiciona, assim, as cidades a uma lógica es-


peculativa e constitui a base para formas de controle sobre a orga-
nização social e o desenvolvimento espacial do capitalismo, que se
modificam ao longo da história. Há pressões permanentes para li-
bertar a terra para a circulação de capital portador de juros e am-
pliar os vínculos com outros circuitos de acumulação que permi-
tam a livre movimentação do capital.” (FIX, 2011:04)

As empresas de âmbito nacional mencionadas nos trabalhos dessas autoras têm

o foco na produção de empreendimentos imobiliários onde os terrenos entram como insu-

mos para a construção de casas — até com a formação dos “bancos de lotes”, o que tam-

bém influenciou a alta dos preços dos imóveis. Em Palmas o mercado da construção com

recursos do PMCMV é formado na maioria por empresas com um alcance geográfico mais

restrito — local ou regional55.

54
“O modelo de provisão mercantil de moradia resiste, no Brasil, à implementação dos instrumentos de
democratização do acesso à terra. Ao contrário, procura maximizar os ganhos por meio de operações
especulativas com a terra, ou seja, busca a valorização de modo dissociado ou prevalente em relação ao
circuito de reprodução produtiva do capital. A tendência é que parte do fluxo de capitais viabilizado com
o aumento do crédito seja capturado na forma de renda da terra.” (FIX, 2011:142)
55
Site da Caixa Econômica Federal – Desenvolvimento Urbano, Acompanhamento de Obras.
https://webp.caixa.gov.br/urbanizacao/siurbn/acompanhamento/ac_publico/sistema/asp/ptei_filtro_inicial.asp
150

No caso de Luzimangues, tratamos de empresas onde o produto ofertado é o

lote, estando portanto um pouco afastadas das temáticas da financeirização discutidas até

então (não têm capital em bolsa de valores, não fazem uso de financiamentos com fundos

públicos, etc), porém aproveitam-se do ambiente econômico geral e do “boom” propiciado

pelo bom momento do mercado. Palmas e Luzimangues podem ser vistos então a partir de

um contexto mais geral onde, à margem da atuação das grandes empresas nacionais do

ramo imobiliário (ROYER, 2009; e FIX, 2011), são propiciados rearranjos e rupturas que

incentivam o “sucesso” comercial dos empreendimentos no distrito.

Vem daí então um outro fator que foi observado, o modelo do negócio implan-

tado nos loteamentos do distrito: com preços mais baixos do que os ofertados em Palmas,

facilidade para o pagamento com pequenas entradas e pequenas parcelas, e organização

dos investidores (agentes detentores de capital) em diferentes parcerias.

Com base nas entrevistas com os diferentes agentes e nos dados referentes à

implantação dos loteamentos (Tabela 1), temos uma forte indicação que houve um proces-

so de ruptura de um modelo que estava sendo implantado antes de 2006 para o que veio a

se desenvolver a seguir. O modelo anterior não contava com facilidade de crédito e finan-

ciamento por parte dos empreendedores, dessa maneira as vendas em parcelas eram limita-

das em até 60 meses, os lotes tinham áreas maiores (entre 360m² a 450m²) e os empreendi-

mentos eram organizados pelos proprietários das terras — não havia também maiores exi-

gências quanto à responsabilidade para implantação da infraestrutura.

Já no modelo que veio a ser implantado posteriormente há a facilidade da en-

trada e do parcelamento em até 180 meses, lotes menores (250m²) e a presença de empre-

sas incorporadoras organizando parcerias. Esse novo modelo acaba rearranjando o produto
151

(lote urbano) para um público de menor poder aquisitivo, redefinindo o campo de atuação

das empresas nesse mercado.

Para Bourdieu (2001:251), “o aparecimento de um novo agente eficiente modi-

fica a estrutura do campo”, assim como a adoção de uma nova tecnologia ou a aquisição

de uma maior quota de mercado modifica as posições relativas às demais firmas. No caso

estudado podemos atribuir, em certa medida, uma redefinição da posição dos agentes mo-

vidos pelo novo modelo de negócio.

Os agentes do mercado imobiliário, de maneira geral, corroboram com a avali-

ação que o empreendimento de Luzimangues vem dando certo comercialmente pela facili-

dade do acesso ao crédito, de maneira que os investidores “vislumbraram” a venda de lotes

em diversas parcelas e juros menores. Faria (agente do mercado imobiliário) afirma que

hoje seus clientes compram pela viabilidade de pagamento e pelos valores baixos de entra-

da.

“Lá é a regra geral, e eu acho difícil alguém modificar isso. A


gente na verdade não vê o valor do lote, mas a prestação. As pes-
soas veem o que cabe no bolso de cada um e aí o que o empreen-
dedor faz é o financiamento. Ele financia, e joga isso pra 130, 150,
180 meses, que na realidade é pra ajustar o preço da parcela que
cabe no bolso do comprador.” (Sousa, agente do mercado imobili-
ário)

Lacerda (agente do mercado imobiliário) é bem direto na sua avaliação e diz

que há muitas especulações para explicar o crescimento do lado de lá do lago, “atualmente

se fala muito na questão da Petrobras”, mas para ele o que favorece mais a venda é essa

“parcelinha”, parcelas de R$120 até R$200.

“Eu acho que o 'boom' mesmo é devido ao valor da parcela. Hoje,


pra classe média adquirir um lote aqui em Palmas é praticamente
impossível. Um lote em Palmas hoje tá em torno de 100 mil reais.
E no Luzimangues a gente trabalha numa faixa de 25/30 mil reais,
152

parcelado em 15 anos.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário


2012)

Os loteamentos lançados em Luzimangues são sucessos de vendas, e vendem

muito rapidamente, já virou rotina entre os empreendedores vender tudo em um dia.

“Cada loteamento que a gente lança do lado de lá a gente se surpreende, pois a procura é

maior[...] Lá na hora de vender é uma loucura, já tivemos loteamentos de ter 5 mil pesso-

as no stand de vendas” (Lacerda, agente do mercado imobiliário).

“A gente não sabe se hoje é por causa do nome da empresa, da


forma que se vende ou se é a região. Porque no Pará, por exemplo,
a venda é menos acelerada, vende, mas é mais demorado[...] Mas
loteamento é o seguinte, não tem necessidade de vender em um
dia. Ele pode ser vendido em 3 meses, 4 meses, 6 meses. Continua
sendo um bom negócio, não vai complicar. O negócio é que o Lu-
zimangues é fora do normal.” (Lacerda, agente do mercado imo-
biliário, grifo nosso)

Nesse modelo de negócio o empreendedor e o cliente manterão um relaciona-

mento pelos próximos anos, até quitar a última parcela. Para o loteador caberá administrar

sua “carteira de negócios”, o que para Gonçalves (agente do poder público estadual) é fei-

to “como se faz num banco, eles vão ganhando dinheiro capitalizando os juros”. Para esse

agente a questão urbanística não estaria presente, “não existe”, ou, de outro ponto de vista,

seria resumida aos aspectos ligados aos interesses específicos dos empreendedores, ou seja,

garantir o recebimento das parcelas.

“A empresa não vai abandonar o Luzimangues, até mesmo porque


nós temos carteira pra receber durante 15 anos. Então é de todo
interesse nosso que a carteira seja sadia. Para a carteira ser sa-
dia, temos que cuidar. Enquanto o poder público não cuidar nós
temos que cuidar.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário)

Por não ser o foco principal desta pesquisa não questionamos os agentes do

mercado imobiliário, e nem fomos atrás de dados específicos, quanto aos valores que são
153

movimentados com essas transações, esse poderia ser até o tema para um novo trabalho,

mas com base nos números que obtivemos, podemos fazer alguns cálculos de maneira a

termos uma noção da escala financeira envolvida, o valor dessa “carteira”56. Com parcelas

mensais no valor de R$150, por exemplo, seria movimentado a cada mês um montante pró-

ximo a 3,35 milhões de reais, considerando 22.323 terrenos (Tabela 1). Podemos comparar

esse montante com a média mensal do que a prefeitura de Porto Nacional recebeu nos cin-

co primeiros meses de 2012 através de repasses federais (FPM, ITR, IOF, CIDE, FEX,

FUNDEF, FUNDEB e outros)57: 1,9 milhões de reais.

Nessa relação também teremos um outro lado, o lado dos compradores, famíli-

as e investidores que vão pagar durante 15 anos suas parcelas e que não querem jogar di-

nheiro fora. Eles sonham com as melhorias do lugar, sonham com a casa própria ou com a

valorização da sua propriedade. Exigirão essas melhorias do poder público no futuro, ali-

mentando um circulo vicioso, o que Campos Filho (2001) denominou de “clientelismo de

base”.

“Se o cidadão ou a comunidade interessada não se transformar em


um cliente de um certo político, dificilmente obterá algo. A experi-
ência de muitas décadas de prática da politica brasileira nos ensi-
nou isso. Peça pouco, uma coisa de cada vez, para o politico certo,
e suas chances de obter o pedido aumentarão[...] para obter a sor-
te grande, são precisos amizade, subordinação e vinculação de vo-
tos a um determinado politico, um dia, no futuro, o bairro acabará
recebendo quase todas as melhorias exigidas. É certo que isso será
a conta-gotas, em administrações sucessivas, alimentando esse cli-
entelismo anestesiante da compreensão maior do que realmente
está acontecendo.” (CAMPOS FILHO, 2001:42)

Complementando o modelo de negócio implantado na região temos ainda a

maneira como são organizados os loteamentos, com parcerias de diversas formas, envol-

56
Para efeito de cálculo estamos englobando o universo definido na Tabela 1, demonstrada anteriormente,
sem considerar casos específicos: loteamentos já comercializados e quitados; valores diferenciados entre
lotes e entre os loteamentos; aspectos que afetam o valor dos lotes, como localização e infraestrutura; etc.
57
Dados do Tesouro Nacional: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/municipios.asp
154

vendo empreendedores (“pessoas físicas” ou “pessoas jurídicas”) e os donos das áreas, em

novas sociedades especificas. “A estrutura típica é um 'terrenista', que é o dono da área,

que faz parceria com um grupo de empreendedores, pode ser um, dois, três, de diversas

empresas” (Sousa, agente do mercado imobiliário).

No quadro que apresentamos anteriormente com a listagem dos loteamentos ur-

banos de Luzimangues (Tabela 1) aparecem os nomes dos responsáveis, e não vemos os

nomes das empresas imobiliárias que aparecem no momento da venda, ou mesmo tendo

uma pessoa jurídica ali indicada, o mesmo loteamento é comercializado por diferentes em-

presas. “Em cartório você vê a pessoa jurídica própria do loteamento, mas que às vezes

englobam vários empreendedores e às vezes tem mais de um terrenista” (Sousa, agente do

mercado imobiliário).

De acordo com Faria (agente do mercado imobiliário) para incorporar determi-

nado empreendimento é montada uma empresa única instituindo uma Sociedade de Propó-

sito Especifico (SPE). A SPE é uma pessoa jurídica prevista no Código Civil Brasileiro e

tem a finalidade de um trabalho especifico, ela vai englobar os investidores definindo as

cotas que cabem a cada um, para integralizar o capital a ser investido e o que caberá a cada

um no final.

“Uma coisa que às vezes não é muito fácil de enxergar de fora: no


mesmo loteamento tem mais de um terrenista às vezes, e muitas ve-
zes os empreendedores são sócios em um empreendimento e em
outros já não são. Quando você abre um loteamento, tudo é uma
área homogênea, né? Mas na verdade são certidões diferentes e
proprietários diferentes.” (Sousa, agente do mercado imobiliário)

Dessa maneira não se torna muito claro quem são os empreendedores ou os in-

vestidores, pois “às vezes entram na parceria e colocam o nome, outras vezes não tem

muito como saber” (Sousa, agente do mercado imobiliário). O empreendimento “Residen-


155

cial Morumby”, por exemplo, envolvia: a Carajás Empreendimentos, a Saudibras Imobiliá-

ria e o Sr. Eduardo Machado58, numa relação que denota os entrelaçamentos econômicos,

jurídicos e políticos desse campo; a Saudibras, em outros momentos, fez outros loteamen-

tos sem a participação desses parceiros.

Uma outra relação de parceria observada é entre a empresa Buriti e a empresa

União do Lago, empresas que em conjunto são responsáveis por mais de 15 mil lotes na re-

gião. Faria (agente do mercado imobiliário) nos explica como se dá essa relação: a Buriti

entra com 50% para todos os empreendimentos59, os outros 50% são divididos entre a Uni-

ão do Lago e entre o proprietário da área, este opta por participar da rentabilidade da car-

teira ou receber um número de lotes já urbanizados. A Buriti é uma das empresas que de-

têm mais volume de recursos financeiros, até pela dimensão dos seus negócios na região e

em outros estados, é também, de acordo com Lacerda (agente do mercado imobiliário), a

responsável pela implantação do modelo de negócios que veio vingar na região – “preço

menor, pequena entrada e pequena parcela”.

“A marca da Buriti hoje, onde a Buriti está instalada, é uma mar-


ca forte. Porque ela cumpre com os compromissos. Porque o gran-
de problema dos loteamentos, anteriormente, era que se abria as
ruas mas não fazia infraestrutura, vendia os lotes e a prefeitura fi-
cava com o problema. Então o que a Buriti fez, desde que foi fun-
dada, ela faz o loteamento e entrega com toda a infraestrutura.
Hoje ela está em nove estados do Brasil, onde ela tem cumprido
com todos os compromissos de infraestrutura, de tempo, cumprin-
do os cronogramas... Então isso pro nome da empresa é funda-
mental. Hoje se você pedir pra pegar informação da empresa, em
qualquer desses estados que ela está, você vai ter informações
boas.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário)

Ainda de acordo com as entrevistas não existe uma concorrência acirrada entre

as empresas, porque em muitos momentos elas atuam juntas, mas existe uma concorrência

58
Empresário e politico local, foi presidente da FIETO e ocupou cargos públicos como Deputado Estadual e
Vice-Governador.
59
“A Buriti entra com esse percentual de 50%, ou ela não entra” (Lacerda, agente do mercado imobiliário).
156

para fazer parcerias com as pessoas que detêm as áreas — os “terrenistas”. Dificilmente

os empreendedores compram as áreas brutas para transformar em loteamentos, eles buscam

os proprietários e montam parcerias. “Hoje o que mais vem acontecendo no mercado é o

proprietário da área vir participando junto no empreendimento em parceria e em percen-

tuais” (Faria, agente do mercado imobiliário). A empresa União do Lago, por exemplo,

possui ainda a concessão de quase “mil e duzentos alqueires” na região, são áreas que fo-

ram adquiridas ou negociadas há um certo tempo, englobando também áreas menores de

proprietários particulares inseridas no meio das áreas maiores (Faria, agente do mercado

imobiliário).

Especulação imobiliária e o processo de ocupação de Luzimangues

Discutimos anteriormente (Capitulo II), que a especulação imobiliária é um

tipo específico de renda da terra, pela qual os donos de terras captam uma renda transferida

a partir de sua valorização, decorrente de investimentos públicos na infraestrutura ou alte-

rações da legislação — tipos de uso, ocupação, etc. (CAMPOS FILHO, 2001). Essa forma

“naturalizada” de renda provoca um custo social elevado, com a dilapidação da força de

trabalho e o aumento dos custos de produção (CAMPOS FILHO, 2001), bem como outras

“consequências escondidas”, como o aumento dos custos de transporte, a aquisição de um

segundo carro, o aumento do tempo gasto nos trajetos cotidianos, etc. (BOURDIEU,

2001:210).

“Muitos são aqueles que tem interesse em que não seja estabeleci-
do esse elo entre as politicas econômicas [no nosso caso, também
as politicas urbanas] e as suas consequências sociais ou, mais pre-
cisamente, entre as politicas ditas econômicas cujo caráter politico
se afirma no próprio fato de se recusarem a ter em conta o social e
157

o custo social e também econômico dos seus efeitos a curto e a


longo prazo.” (BOURDIEU, 2001:261)

O tipo inicial de especulação presente em Luzimangues trata do modelo mais

geral de transformação rural/urbano, do grande especulador, ou seja, aquele que vê a opor-

tunidade na transição hectare/metro quadrado, adquirindo terras rurais pagando por hecta-

re, e empreendendo os procedimentos para instalação de loteamentos, transformando e

vendendo por metro quadrado, ampliando indiscriminadamente a malha urbana da cidade.

Esse modelo de especulação vem se ampliando “às periferias (inclusive, áreas rurais), às

cidades médias e às fronteiras agrícolas”, e parece promover mudanças importantes na

rede de cidades brasileiras (FIX, 2011:138).

“[…] grandes conjuntos nas periferias urbanas ou em áreas rurais


que serão transformadas em urbanas60. A operação depende da
mudança nos limites do perímetro urbano autorizada pelas Câma-
ras Municipais que, frequentemente, representam os interesses dos
proprietários de terra. Apenas essa mudança da venda da terra de
hectares (área rural) para metros quadrados (área urbana) é me-
canismo poderoso de apropriação de renda. O espraiamento resul-
tante desse modelo tem alto custo para o poder público, uma vez
que a rede de infraestrutura (sistema viário, água, saneamento,
energia, etc.), transportes e serviços (escola, cultura, lazer, etc.)
terá que ser estendida.” (FIX, 2011:143)

Um dos grandes desafios para a consolidação do Distrito de Luzimangues diz

respeito à sua efetiva ocupação em moldes sustentáveis, o que nos parece bastante impro-

vável e antagônico se for ainda seguido o modelo atual da urbanização mercantilizada, en-

tendendo o solo urbano como um bem especulativo e fonte de riqueza.

Nesse “jogo de cartas” (SANTOS, 1988), a terra urbana é objeto de interesse

generalizado dos agentes, estabelecendo uma tensão permanente e problema para uma

enorme parcela da população (CORRÊA, 2011:47). Os empreendedores enxergam a região

60
Em grande parte decorrente do PMCMV, que “requer” terras mais baratas para construção voltada à baixa
renda.
158

de maneira bastante limitada, com o olhar voltado para os seus loteamentos e para os seus

próprios interesses. O poder público pouco vem fazendo, não cumprindo os princípios pre-

vistos no Estatuto da Cidade e no PDDS. E a comunidade, grande parte alheia ao que vem

acontecendo, será penalizada num futuro próximo tendo que conviver com um déficit de

infraestrutura generalizado e submeter-se ao jogo politico do favor para avançar em con-

quistas pontuais (CAMPOS FILHO, 2001).

Gonçalves (agente do poder público estadual) afirma que hoje quem manda no

território de Luzimangues é o mercado imobiliário: “Nos loteamentos feitos lá, você conta:

uma, duas, três, quatro casas em um loteamento. Então é uma questão de exploração do

mercado imobiliário mesmo, não tem outra”. E aponta como funciona o mecanismo espe-

culativo, com rumores e boatos para valorizar o lançamento de novos loteamentos.

“Esse mercado imobiliário foi muito inteligente. O que você obser-


va, antes da venda dos loteamentos? Você observa as matérias jor-
nalísticas antes dessas empresas fazerem esses lançamentos: existe
mineradores vindo aqui, reunindo com o governador, com o secre-
tário, com a FIETO! Na verdade era só mídia... Mas ela cogitou
nesses anos que a Vale ia ser instalada lá, fazer 20 mil casas. Não
tem nada disso. O povo todo compra, e não tem nada disso... Isso
faz parte da especulação imobiliária e dos agentes desse mercado,
que fomentam esse tipo de situação.” (Gonçalves, agente do poder
público estadual)

E são mecanismos que, em alguma medida, vêm dando certo comercialmente

para os agentes imobiliários, atendendo as “necessidades” de um mercado de imóveis em

ebulição e a diversos perfis de clientes. Essa oferta atinge uma grande massa da população:

os que compram para fazer a própria casa, os que compram lotes comerciais para futura-

mente desenvolver alguma atividade, compram os investidores e compram os construtores.

Os “investidores típicos” são clientes de diferentes regiões, do Estado do Pará, de Goiás,


159

do Mato Grosso, clientes de todos os lados, que compram lotes (dez, quinze, vinte, cin-

quenta lotes) para depois revender mais caro.

“Tem um grupo que compra, como tem essa demanda da oferta e


procura, compra pra vender. Ganha o ágio em cima, 90 dias, 60
dias. Existe essa pessoa também, normalmente corretores de imó-
veis.” (Sousa, agente do mercado imobiliário)

Essa é uma prática que se tornou comum e aceita no mercado imobiliário, o

“ágio”. Diz respeito ao valor cobrado pelo vendedor que ainda não quitou totalmente o

imóvel adquirido a prazo do loteador. As parcelas futuras passam a ser de responsabilidade

do novo comprador, sendo que o vendedor cobra o valor que já despendeu pelo bem, acres-

cido da valorização já advinda no tempo ou por alguma melhoria do empreendimento (as-

faltamento de ruas, construção de uma escola, etc.), e mais sobrepreços decorrentes do

meio especulativo.

“A gente já ouviu falar de gente que vem e compra a quadra fe-


chada e vai embora. Vê quanto que é a entrada, paga, dá os bole-
tos e vai embora. Vai pagando, e vende depois. A questão do ágio.
Hoje no dia do lançamento do loteamento, eles pagam um ágio de
mil reais, a entrada de mil reais, dois dias depois que acaba o lote-
amento, tem gente vendendo o ágio por 3 mil reais, 5 mil reais. Já
está ganhando essa diferença. E não pagaram uma parcela ainda.
E tem gente que compra, e fica mais 3 meses e vende o ágio por 10
mil, e tá indo.” (Silva, agente do mercado imobiliário)

Acaba se formando uma outra camada desse mercado especulativo, com pe-

quenos investidores que não têm intenção de ocupar ou construir no distrito, enxergam

mais uma oportunidade de ganho.

Lacerda (agente do mercado imobiliário) diz que o interesse da sua empresa se-

ria vender para quem vai construir, mas atribui parte do “boom” comercial justamente à

questão do “ágio”, pois muitas pessoas compram esperando que os lotes tenham uma valo-

rização. De acordo com ele, muitas pessoas querem comprar qualquer quantidade de lotes
160

mas a empresa vem tentando manter um certo “controle”, hoje são no máximo cinco lotes

por CPF, a empresa pretende ainda reduzir esse número para três lotes para cada compra-

dor.

“Agora, quando ele quer comprar, ele compra no nome da irmã,


do sobrinho, do tio, não tem como a gente evitar. [...] A empresa
bloqueia o máximo que ela pode, se não, se a gente liberasse, teria
cliente que ia chegar aqui e comprar o loteamento inteiro. Juntava
lá uns cinco, seis clientes e cada um comprava duzentos lotes.”
(Lacerda, agente do mercado imobiliário)

Nesse aspecto o poder público municipal vem sendo omisso, não se preocupan-

do com uma gestão do território e nem fazendo uso dos instrumentos previstos no PDDS.

Alguns desses mecanismos acabam sendo desvirtuados e utilizados para propagar mais

ainda a especulação, como por exemplo o instrumento das Zonas Especiais de Interesse

Social (ZEIS).

As ZEIS estão previstas na Lei nº 05/2006 e tem como objetivo “a produção e

manutenção de habitação de interesse social, regularização dos terrenos públicos e priva-

dos ocupados por habitações sub-normais, por populações de baixa renda” (Art. 50), ao

mesmo tempo fixa a totalidade da Macrozona Urbana 2 (todo o perímetro urbano de Luzi-

mangues) como ZEIS 3 (Art. 51, III), autorizando ainda o Executivo a promover e desen-

volver “diretamente ou em parcerias com outras esferas de governo ou com a iniciativa

privada, a execução de projetos de natureza econômica que visem a ocupação ordenada

do solo, o desenvolvimento sustentável, econômico e social do Município” (Art. 51, § 2º).

A Lei nº 07/2006 traz as definições quanto aos tamanhos mínimos dos lotes ur-

banos, o lote mínimo para uso residencial terá uma área de 360,00m², com frente de

12,00m (Art. 12), já os lotes para habitações de interesse social, terão área mínima de
161

250,00m², com frente de 10,00m (Art. 12, § 2º). Os lotes nas ZEIS terão a área minima es-

tabelecida por legislação específica (Art. 12, § 3º).

Não ficou regulamentado nas leis urbanísticas do município de Porto Nacional

o que seria essa “habitação de interesse social”, e na falta de um conceito os agentes do

mercado imobiliário vêm se apropriando do mecanismo e diminuindo a área dos terrenos

comercializados. Na visão desses agentes esta seria uma estratégia voltada para uma reali-

dade atual, ou seja, lotes menores e mais baratos. Lira (agente da academia) ao falar de um

loteamento localizado na sede de Porto Nacional, o “Jardim América” (2011), demonstra

como vem funcionando esta estratégia.

“Cortaram o bairro em lotes populares, 250m², para venda. Dizi-


am que é popular, mas não é... Não é nada de lote popular, é um
bairro 'nobre', pela posição geográfica dele e pelos valores dos lo-
tes. Em uma semana venderam mais de 2.600 lotes, em tempo re-
corde.” (LIRA, agente da academia)

Em um breve retrospecto notamos a ruptura quando comparamos o momento

anterior e posterior à regulamentação de 2006. Os primeiros empreendimentos (“Village

Morena” e “Riviera do Lago”), eram feitos quando a lei ainda era outra e a realidade eco-

nômica também: os lotes eram maiores (450m²), os preços não eram tão caros e o parcela-

mento era limitado em até 60 meses. “Hoje a conta que o loteador faz é a conta do metro

quadrado, se eu colocar um lote muito grande, a pessoa não vai dar conta de comprar”

(Silva, agente do mercado imobiliário).

Outro agente do mercado imobiliário vai nesse mesmo sentido, defendendo que

hoje as empresas estão trabalhando em outras cidades com áreas até menores — variando

entre 180m² a 200m² 61.


61
A Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, define que “os lotes terão área mínima de 125m² e
frente mínima de 5 metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação
de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos
competentes” (Art. 4º, II). É uma lei válida para todo o território nacional mas deve ser data importância
às peculiaridades e cultura de cada região.
162

“Quanto menor o lote, mais você dá condições da classe mé-


dia-baixa ter condições de adquirir o lote. Porque tá trabalhando
por metro. Então o cara, se ele quer um lote maior, ele vai adqui-
rir dois, três, quatro. É igual se você faz o lote de 450m², por
exemplo, como era antigamente, você vai diminuir e muito a quan-
tidade de clientes que tem condição de comprar. E vamos dizer as-
sim, você está fazendo um loteamento pra rico. E a grande realida-
de hoje é que quem compra lote não são os ricos.” (Lacerda, agen-
te do mercado imobiliário)

Esses argumentos até seriam válidos se não ocorresse o que já foi relatado an-

teriormente, toda a especulação realizada nas áreas e a falta de controle (estando sob a res-

ponsabilidade das empresas coibir ou não a venda de mais de três ou cinco lotes por pes-

soa), sendo portanto uma justificativa bastante frágil e que a prefeitura de Porto Nacional

vem permitindo sua perpetuação. A função social da propriedade da ZEIS Luzimangues

poderia ser entendida então como: promotora do lucro aos seus proprietários, vendendo lo-

tes menores, distantes e sem serviços urbanos, mesmo com uma infraestrutura básica, em

parcelas módicas, onde as famílias acabam comprando pela impossibilidade de encontrar

terras melhor localizadas a um preço que consigam pagar?

Outro mecanismo para ajudar a combater a especulação imobiliária, se utiliza-

do, seria o IPTU Progressivo. O instrumento do IPTU Progressivo está previsto na Lei nº

05/2006, e é aplicável sobre o solo urbano não edificado, podendo chegar até o décuplo de

suas alíquotas básicas normais, “assegurando o cumprimento da função social da proprie-

dade, coibindo a especulação imobiliária e otimizando os recursos públicos na implanta-

ção dos serviços municipais” (Art. 46). Porém esse instrumento é ineficaz para uma parte

dos loteamentos aprovados atualmente (com lotes de 250m²), pois devido à indeterminação

do entendimento das ZEIS e do conceito da habitação de interesse social, o § 2º do mesmo

artigo considera solo urbano não edificado os terrenos com área igual ou superior a 360m².
163

Essas incongruências ou brechas da lei remetem aos mecanismos de “trans-

gressões legitimadas” (BOURDIEU, 2001:165), ou seja, concessões feitas pelas autorida-

des encarregadas de fazer respeitar as leis, a toda espécie de autorização especial de trans-

gredir o regulamento (BOURDIEU, 2001:166). As transgressões e omissões acabam se

constituindo em obstáculos para o efetivo controle urbano, com a permissividade de um

grande número de loteamentos, impossibilitando um planejamento do processo de ocupa-

ção do solo.

Determinados agentes do mercado imobiliário e até do poder público argumen-

tam que as pessoas ainda não moram em Luzimangues pela falta dos serviços urbanos e

acreditam que à medida que estes estiverem instalados, não mais dependerão de Palmas.

Devemos entretanto diferenciar do que se trata esses mencionados serviços urbanos, envol-

vendo as responsabilidades dos diferentes agentes — públicos ou particulares. Para o me-

lhor entendimento da pesquisa teremos duas dimensões diferenciadas. Uma primeira está

associada às obrigações do loteador e dizem respeito aos investimentos internos limitados

ao próprio empreendimento. A segunda trata dos investimentos “exigidos” do poder públi-

co e da sociedade para dotar a localidade das adequadas condições de habitabilidade.

A Lei de Parcelamento do Solo Urbano cobra do loteador as seguintes obriga-

ções:

“Art. 39 - São de responsabilidade do empreendedor a execução


das obras e serviços de:
I - demarcação dos lotes, das vias, dos terrenos a serem transferi-
dos ao domínio do Município e das áreas não edificáveis;
II - abertura das vias de circulação e respectiva terraplenagem;
III - rede de drenagem superficial e profunda de água pluvial e
suas conexões com o sistema existente, inclusive do terreno a par-
celar;
IV - sistema distribuição de água potável;
V - sistema coleta e tratamento de esgotos sanitários;
VI - rede de distribuição de energia elétrica e iluminação pública;
VII - pavimentação e meio-fio com sarjeta;
164

VIII – calçadas;
IX - manutenção das áreas destinadas a uso público, até a averba-
ção do termo de vistoria e recebimento da obra pelo Poder Públi-
co municipal;
X - manutenção do sistema viário, das áreas de uso comum dos
condôminos, dos equipamentos urbanos internos dos condomínios
urbanísticos, bem como, quando houver, das áreas destinadas a
uso público, até o registro da instituição do condomínio no Serviço
de Registro de Imóveis competente.” (Lei nº 07, de 28 de setembro
de 2006)

De acordo com agentes do mercado imobiliário os custos dessa infraestrutura

corresponderiam a 3 ou 4 anos das vendas da “carteira de negócios” do empreendimento,

dependendo do tamanho do loteamento. Os empreendimentos são vendidos através de con-

tratos especificando que no prazo de dois anos, a contar da data do lançamento, a incorpo-

radora executará a infraestrutura completa: rede de água, rede de energia e asfaltamento

com meio fio. Esse prazo é autorizado pelo poder público local.

“Num empreendimento nosso a gente já coloca 25% da infraestru-


tura. Hoje, no lançamento de um loteamento nosso, você já vê de
capital próprio, sem receber um centavo pela carteira, pelo lança-
mento, você já vê o arruamento aberto, vê as ruas todas cascalha-
das, as ruas principais asfaltadas, tem loteamento até com poste,
já tudo posteado.” (Faria, agente do mercado imobiliário)

Com base nessa práxis, observamos mais uma característica desse modelo de

urbanização mercantilizada: quem assume grande parte dos custos é o próprio comprador.

Os empreendimentos são quase totalmente autofinanciáveis, ou seja, não são aplicados

apenas os recursos de capital próprio dos investidores, os recursos financeiros dos usuários

são antecipados à produção dos lotes. “Eu vou vender meu lote, mas quem vai bancar a in-

fraestrutura é a própria pessoa que compra. Ele entra com prestações baratas aqui mas

eu tenho dois anos pra implantar essa infraestrutura” (Ramos, agente do poder público

estadual).
165

Faria e Lacerda (agentes do mercado imobiliário) defendem que a pouca ocu-

pação dos loteamentos em Luzimangues se deve também ao fato de que só agora começa a

vencer os prazos para os empreendimentos estarem “completos”, com a infraestrutura bási-

ca exigida plenamente executada. De acordo com eles, a partir do fim de 2011 começa a

haver um certo dinamismo com novas construções. “De nove empreendimentos [da em-

presa do entrevistado], três estão 100% prontos, os outros vão ficar prontos juntos, daqui

seis meses a um ano” (Faria, agente do mercado imobiliário).

“Esses loteamentos têm um cronograma para que se conclua a


obra. Pra poder comercializar a gente faz 30% a 40% da obra.
Mas o que acontece? Aí demora mais um ano, um ano e meio, que
é o prazo pra você entregar realmente o loteamento pronto e apto
pra pessoa construir, com água, energia, asfalto, meio fio, e fazer
toda a infraestrutura. Então você já pega de 2008, o “Laguna I” já
foi entregue, o “Laguna II” já foi entregue, o “Laguna III” tá sen-
do entregue agora, então esses loteamentos, a partir do momento
que você começa a entregar é que começa a ter ocupação.” (La-
cerda, agente do mercado imobiliário)

O processo de ocupação do território esbarra ainda em outro obstáculo, a falta

de recursos das famílias de menor renda para a construção da moradia, uma vez que ainda

estão arcando com os pagamentos das parcelas dos lotes. Isso traz como consequência a

impossibilidade de contrair crédito financeiro, pois os bancos não financiam o imóvel que

não está “escriturado” em nome do comprador, ou seja, eles não pegam como garantia o

imóvel que ainda não foi quitado (Faria, agente do mercado imobiliário). “Ocupar como,

se não tem ninguém com condição de construir lá? O cara ainda tá pagando o lote” (Gon-

çalves, agente do poder público estadual).

Gonçalves (agente do poder público estadual) chama atenção para outra ques-

tão especifica envolvendo a indisponibilidade do crédito imobiliário, o fato de que a Caixa


166

Econômica Federal62 não vem autorizando os financiamentos em Luzimangues por “falta

de condições de habitabilidade”. Faria (agente do mercado imobiliário) também faz um re-

lato dessa questão envolvendo um negócio de grande porte que já haviam fechado, a cons-

trução de 1.200 unidades residenciais em prédios: “Tivemos que segurar um pouco esse

investimento porque quando fomos procurar a Caixa, eles informaram que havia 'falta de

habitabilidade', por enquanto”.

“Temos a produção de mais de 20 mil lotes e não tem habitabilida-


de... Tá um gargalo ali que tem que ser resolvido, porque como é
que você tem aquele tanto de lotes e a pessoa compra na esperan-
ça de construir a casa própria e não vai poder construir financia-
da?” (Gonçalves, agente do poder público estadual).

Essa é uma questão que os empreendedores se esquivam, “mandam a conta

pra Viúva” (ditado popular), e cobram do poder público a infraestrutura macro, que em

tese, não dependeria das empresas. “Porto Nacional tem que ser mais participativo e su-

prir isso, ou tem que ser discutido quem vai dar essa estrutura macro” (Faria, agente do

mercado imobiliário).

A informação obtida junto aos técnicos da Caixa Econômica Federal em Pal-

mas é que falta condições de habitabilidade necessárias para os imóveis garantirem o fi-

nanciamento imobiliário, ou seja, falta de infraestrutura básica exigida pelos programas ha-

bitacionais: coleta de lixo regular, iluminação pública, abastecimento de água tratada, aces-

sos pavimentados e equipamentos públicos de educação, saúde, lazer e transporte público,

além da falta de proximidade com o comercio ou relações de vizinhança. O município não

teria também a capacidade de fazer os investimentos públicos necessários para a implanta-

ção de equipamentos e serviços, bem como de garantir sua manutenção, em uma área tão

extensa e tão pouco ocupada. Os financiamentos com recursos públicos seriam mais uma

62
Apesar do PMCMV ser acessado através de outros bancos, o principal agente financeiro, e em especial
para a baixa renda, é a Caixa Econômica Federal.
167

maneira de viabilizar esses loteamentos longínquos, repetindo um modelo da década de

1970, e que não são considerados como áreas urbanas consolidadas, apesar de legalmente

aprovados pela prefeitura de Porto Nacional63.

No futuro de Luzimangues se colocam diversos questionamentos, e a consoli-

dação da sua ocupação é um dos principais deles. Essa indeterminação é posta por Lira

(agente da academia), “a gente não sabe como vai ser a consolidação desses

loteamentos”. Do seu ponto de vista estão se formando novos vazios urbanos da região de

Palmas, que as pessoas compram para especular, repetindo a mesma lógica do capital: acu-

mular usando o solo urbano. “Vejo essa questão da ocupação urbana aí como um fracas-

so, não vai dar, não tem população assim” (Lira, agente da academia).

Como demonstrado anteriormente o número total de moradores na região não

passa de 2.310 habitantes (Censo IBGE 2010). Entre os anos de 2000 a 2010, a população

de Porto Nacional cresceu 9,23%, um índice próximo de 0,92% ao ano. Diferente de Pal-

mas que no mesmo período cresceu em média 5,2% ao ano (Censo IBGE 2010). Mesmo se

Luzimagues conseguir emular as taxas de crescimento de Palmas serão anos e anos sem

ocupação. Lembrando também que se mantermos o mesmo volume de recursos públicos

que a cidade de Porto Nacional recebe atualmente 64, ou com pequenos acréscimos devidos

ao aumento populacional, serão anos e anos propagando o déficit de infraestrutura.

Luzimangues: transformações e incertezas

63
Informação obtida junto aos técnicos da área de desenvolvimento urbano da Caixa Econômica Federal.
64
O pensamento é no sentido de que pela proximidade poderíamos cogitar a hipótese de Luzimangues
crescer nas mesmas proporções que Palmas, porém a capacidade de investimento da capital é diferente da
cidade de Porto Nacional — os valores das cotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por
exemplo, são bem dispares. Dados de transferências para municípios podem ser consultados em:
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/municipios.asp
168

Todo esse cenário regional que demonstramos até aqui leva a um caminho de

muitas incertezas. O rápido processo de transformação rural/urbano do território de Luzi-

mangues, a introdução dos empreendimentos imobiliários que são vendidos em poucos

dias (em alguns casos, em questão de horas), e a chegada dos trilhos da FNS com todas as

expectativas e promessas de progresso que trazem. Com base na pesquisa torna-se claro

que o crescimento de Luzimangues está atrelado também ao que acontece, ou vier a acon-

tecer, na capital. Processos recentes desdobrados em Palmas, como a resolução judicial da

“Ação Discriminatória” e a discussão de expansão dos limites urbanos na capital, têm re-

verberações no distrito.

Com a resolução da “Ação Discriminatória” no ano de 2011, voltando as áreas

para os antigos proprietários, especula-se que deve ocorrer em curto prazo a abertura de

novas quadras dentro do Plano Diretor. Agentes do mercado imobiliário avaliam que pode

haver um momento que essa nova produção de lotes em Palmas provoque a estagnação de

Luzimangues. Corroborando com essa linha de pensamento, Gonçalves (agente do poder

público estadual) chama atenção para o fato de que os mesmos investidores que estão pre-

sentes em Luzimangues estão comprando e fazendo parcerias em Palmas, “os mesmos

agentes que exploraram lá, vão explorar aqui”. Faria (agente do mercado imobiliário) re-

vela, sem dar muitos detalhes do negócio, que dentre as áreas “liberadas” em Palmas, a Bu-

riti, parceira da União do Lago, negociou recentemente a compra de seis quadras no Plano

Diretor, planejando para breve lançamentos de lotes na capital.


169

Já a temática de uma expansão da área urbana de Palmas 65 vem deixando em

polvorosa os agentes do mercado imobiliário, pois abriria novas frentes de atuação e explo-

ração comercial. Desde meados de 2011 vem ocorrendo essa discussão, ainda inconclusa,

envolvendo os mais diversos segmentos da sociedade — poder público, intelectuais ligados

à universidade, mercado imobiliário, movimentos sociais e outros. Mesmo inconcluso, po-

demos ver em Maricato (2008 e 2011), Campos Filho (2001) e Fix (2011), algumas expli-

cações norteadoras desse processo que, parece, vem ocorrendo com similaridades em di-

versas regiões do país.

No caso especifico, entre os argumentos dos que defendem a ideia está a possi-

bilidade de ofertar lotes em Palmas a valores populares — lembremos, em áreas periféri-

cas. Os agentes imobiliários cogitam que com essa possibilidade os empreendimentos do

Distrito de Luzimangues iriam sentir um impacto bastante forte, inclusive com consequên-

cias na “carteira” de recebimentos. “Essa carteira de alguma forma, se hoje aceitar uma

inadimplência aí de 5 a 10%, isso pode chegar a 40%, a 50%, você imagine o impacto que

isso dá nos recebimentos dos investimentos que foram feitos” (Sousa, agente do mercado

imobiliário).

Por outro lado, entre os próprios agentes do mercado, há aqueles que enxergam

que isso é um equivoco. Não há como novos loteamentos em Palmas, dentro do Plano Di-

retor ou numa área de expansão, terem valores similares aos de Luzimangues, pois as ne-

65
O Plano Diretor Participativo de Palmas (2007) reduziu o perímetro urbano como estratégia de ocupar os
vazios urbanos e promover o adensamento da cidade. Entretanto, desde meados de 2011, vem sendo
discutido um projeto de lei de autoria do Poder Executivo (SEDUH), PLC 006/2011, que regulamenta a
faixa de ocupação das rodovias, assunto controverso que não havia sido definido quando da discussão do
plano. Esse projeto acabou por suscitar uma nova discussão com relação aos limites do perímetro urbano,
sendo que diversos agentes do poder legislativo e do mercado imobiliário defendem a necessidade de uma
área de expansão urbana. Por outro lado, diversos setores da sociedade se colocaram em posição
contrária. Apesar das acaloradas discussões e até mesmo da judicialização do processo, com o Ministério
Público Estadual movendo ação contrária às decisões da Câmara de Vereadores, ainda não houve uma
definição.
170

gociações já estariam acontecendo66, e com valores exorbitantes para a compra da terra

bruta. Esses altos valores teriam como consequência impactos no valor final dos lotes, ou

seja, lotes mais caros.

Os empreendedores, apesar de apostarem no crescimento econômico, são cau-

telosos ao analisar o futuro da região. Para Silva (agente do mercado imobiliário) há mui-

tos boatos e na verdade ninguém sabe o que vai acontecer. Ele fala do receio de virar uma

cidade deserta, pela grande quantidade de lotes vendidos e a pouca quantidade de morado-

res, com uma casa aqui outra ali. Já Lacerda (agente do mercado imobiliário) vê Luziman-

gues no futuro próximo como uma “cidade”, mas condiciona esse futuro às decisões e in-

vestimentos feitos no presente. Para ele o poder público deve participar mais e implantar as

infraestruturas necessárias. “A tendência de Luzimangues é continuar crescendo. Talvez

não nesse ritmo atual, mas ele vai continuar crescendo com certeza. Principalmente a par-

tir do momento em que lá tiver mais estrutura” (Lacerda, agente do mercado imobiliário).

Para os agentes do poder público estadual, Luzimangues seria o local da indús-

tria, mas que necessita de um “vetor” diferenciado, algo novo que dê condições de dinami-

zar esse tipo de desenvolvimento. Mesmo nessas condições o distrito se conformaria em

espaço da periferia de Palmas, um sonho que ainda vai demorar muito para ser implantado,

e mesmo após a sua implantação terá um perfil mais popular. “Quem tem grana pra ter

uma casa boa não vai construir no Luzimangues” (Ramos, agente do poder público esta-

dual). Para Gonçalves (agente do poder público estadual), as expectativas imobiliárias es-

tão sendo muito exageradas e já caberia ao município de Porto Nacional “segurar mais as

rédeas e travar mais um pouco”, analisando a necessidade dessa produção de lotes, uma

vez que o município não teria a capacidade e nem arrecadação capaz de bancar tudo isso.

66
“Os proprietários já estão se articulando com os empreendedores para lançar novos loteamentos.”
(Sousa, agente do mercado imobiliário).
171

Nesse sentido Mourão (agente do poder político local) aponta como solução a

contenção da expansão dos novos loteamentos e o incentivo prioritário do desenvolvimen-

to da Zona de Ocupação Industrial (ZOI) lindeira ao Polo Intermodal.

“Eu vejo Luzimangues como uma necessidade de Porto Nacional,


inclusive deslocar seu polo administrativo também para lá, estar
presente. Não precisamos deixar aqui a cidade histórica abando-
nada não, nós podemos criar um novo centro administrativo pra
priorizar, ordenar, e legalizar o processo de ocupação, porque ela
está mais como empresarial do que como interesse público e soci-
al. E onde só o setor empresarial está, aí ele comete equívocos,
porque ele busca simplesmente o lucro, não é responsabilidade
dele pensar no futuro das famílias portoenses e tocantinenses.”
(Mourão, agente do poder político local)

Do seu ponto de vista, seriam ações que dariam origem a uma nucleação indus-

trial e comercial, capaz de munir de condições o município através do aporte financeiro ad-

vindo dessa arrecadação. Na opinião do ex-prefeito estaria aí a redenção econômica do mu-

nicípio.
172

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na última parte dessa dissertação tentamos trazer algumas conclusões sobre a

pesquisa e fazer algumas recomendações para futuros trabalhos relacionados ao tema estu-

dado.

O que nos chamou a atenção num primeiro momento foi a urbanização recente

do Distrito Luzimangues, que vem passando por um rápido processo de transformação ru-

ral/urbano e a ocupação por empreendimentos imobiliários.

Essa dissertação tomou então como tema a construção da política urbana local

com uma ótica na dinâmica dos agentes sociais e nas suas tomadas de posição no campo da

luta política/urbana. Como tema específico abordamos a construção dos mecanismos insti-

tucionais da política urbana do município de Porto Nacional que permitiram a tomada de

um território até então rural e cobiçado pelo mercado imobiliário.

Apesar do apelo da Ferrovia Norte/Sul (FNS) e do seu Pátio Intermodal para o

desenvolvimento industrial, esse novo espaço urbano tem como objetivo principal sua ex-

ploração pelo capital particular do mercado de terras, provocando o surgimento de uma

“nova cidade”. A denominação de “nova cidade” se deve à escala da intervenção no terri-


173

tório do distrito, uma vez que foi contabilizado durante a pesquisa um total de 22.323 imó-

veis, o que comportaria uma população superior a setenta e cinco mil moradores — se efe-

tivamente ocupada seria então a quarta maior cidade do Estado do Tocantins (Censo IBGE

2010).

A hipótese que nos moveu inicialmente foi a de que no processo de embate da

construção dos instrumentos da política urbana do município de Porto Nacional os diversos

agentes envolvidos com os interesses do mercado de terras assumiram uma nova posição

na estrutura do campo social, com a institucionalização das áreas urbanas de Luzimangues.

Foi constatado, ao longo da pesquisa, que este foi um fator relevante, porém a

gênese histórica do processo de urbanização do Distrito de Luzimangues demonstrou uma

série de fatores de transformação e processos que se desenrolaram de maneira bem mais

complexos:

• A valorização inicial das terras no entorno de Palmas, principalmente provo-

cada pela proximidade com a capital; as primeiras nucleações próximo ao porto da balsa; a

pavimentação da TO-080; a formação do reservatório da UHE Lajeado, com os atrativos

das margens do Lago de Palmas para o mercado imobiliário, potencializados mais tarde

pela construção da Ponte da Amizade sobre o Rio Tocantins;

• A regularização dos loteamentos, evitando embates políticos e fazendo o or-

denamento de uma situação que já vinha ocorrendo, por meio da legislação que permite a

ocupação urbana e a facilidade para aprovar os loteamentos, abrindo frente para os em-

preendedores imobiliários;

• O advento da FNS e do seu Pátio Intermodal, com a expectativa de atrair um

polo industrial; expectativas também que propiciem uma atração populacional, fomentada

pelas especulações midiáticas em torno do porte desses investimentos;


174

• A melhoria das condições gerais de crédito imobiliário, por meio do Pro-

grama Minha Casa Minha Vida (PMCMV), provocando o encarecimento dos imóveis em

Palmas (e no país) e dificultando o acesso a lotes urbanos. Período em que partes do terri-

tório urbano da capital ficou “impedido” de ser parcelado devido a questões legais com o

processo da “Ação Discriminatória”;

• E por fim, marcando a ruptura entre um modelo anterior à legislação de

2006 (sem tanta capacidade de financiamento, com vendas em até 60 meses, lotes maiores

e empreendimentos organizados pelos donos das terras), e um novo modelo de negócio,

posterior à legislação de 2006. Nesse novo modelo implantado são utilizados mecanismos

financeiros e de autofinanciamento, permitindo facilidades de pagamento em várias parce-

las (até 180 meses), a oferta de lotes mais baratos devido à diminuição da sua área (permi-

tido pela legislação), e as parcerias entre os agentes imobiliários (empreendedores e donos

das terras).

Notamos então que nesse processo os agentes privados foram avançando (ação

típica dos agentes de mercado), o Estado veio legalizar/legitimar/estabilizar a situação irre-

gular (ação típica do campo burocrático), evitando uma situação de conflito entre o poder

público local e agentes políticos que tinham capacidade (capital político e econômico) de

impor sua posição. Essa atitude tem reflexos no território e na conformação da nova fron-

teira urbana.

Faz-se presente também mecanismos diversos de captação da renda fundiária e

da especulação imobiliária, através do investimento dos diversos capitais do poder público,

em diferentes escalas e grandezas. Dentre esses capitais públicos destacamos: o “capital fi-

nanceiro”, aplicado no planejamento e execução de grandes obras estruturantes (UHE La-

jeado, Lago de Palmas, Ponte da Amizade, FNS, Pátio Intermodal, etc); o “capital social”,
175

aplicado no desenvolvimento de politicas públicas, como a da habitação e do crédito, que

acabam fomentando a exploração imobiliária; e o “capital político”, legitimando com um

necessário arcabouço legal e dando segurança às transações comerciais do mercado imobi-

liário, mesmo o especulativo. Em grande medida, após a ação do Estado o mercado dá um

salto pois passa a existir num ambiente com regras que garantem os seus investimentos e

reveste de segurança as transações, permitindo a expansão para diferentes perfis de clien-

tes.

Notamos também que existe uma ligação muito forte entre o crescimento do

Distrito de Luzimangues e a cidade de Palmas. A expansão urbana de Luzimangues se

mostrou como uma nova fronteira de expansão do capital, propagando e ampliando a ex-

clusão, os vazios urbanos e o déficit de infraestrutura, cobrando mais investimentos públi-

cos para a sua consolidação. Acaba, de certa maneira, demonstrando que Palmas não per-

mitiu a inclusão da população de menor renda, propiciando o nascimento torto de uma ci-

dade irmã na margem esquerda do Rio Tocantins 67, porém sem o mesmo encanto e atenção

que a reveste.

Mesmo com todos os esforços realizados ao longo do desenvolvimento desta

pesquisa, temos uma clara noção que apenas arranhamos essa temática do desenvolvimento

regional, sendo possível ampliar os horizontes dessa linha de pesquisa com novos traba-

lhos, por exemplo:

• Estudos da região periférica da cidade de Palmas e a necessidade de se dis-

cutir suas influências na questão regional;

67
Dando asas à imaginação, a imagem poderia ser ainda a de uma “cidade filha”, sendo a Ponte da Amizade
vista como um “cordão umbilical” interligando mãe e filha.
176

• Aprofundamento nas investigações dos processos de financeirização do

mercado imobiliário, envolvendo o crescimento de áreas periféricas e a propagação de me-

canismos de acumulação de rendas fundiárias;

• De maneira mais geral, o estudo das atividade que vêm se desenrolando na

região Norte do Brasil, onde as cidades vêm crescendo de maneira dinâmica (IBGE 2010),

em tese carreadas pela expansão econômica do agronegócio e da mineração, sendo que

esse dinamismo é refletido nas atividades imobiliárias. Fortunas estão se formando com

base na expansão urbana sobre terras rurais, e em desconformidade com a política urbana

nacional.
177

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tuição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

PORTO NACIONAL. Lei nº 1.415, de 14 de outubro de 1993. Cria o Distrito de Man-


gues/Santa Luzia.

_____. Lei nº 1.454, de 21 de junho de 1994. Altera o nome para Luzimangues.

_____. Lei nº 1.725, de 24 de janeiro de 2002. Autoriza o Poder Executivo Municipal a


efetuar a análise e aprovação das atividades de ocupação do solo urbano às margens do
Lago da Usina Hidroelétrica Luiz Eduardo Magalhães.

_____. Lei nº 1.782, de 27 de novembro de 2002. Define área de expansão urbana no Dis-
trito de Luzimangues.

_____. Lei n.º1.781, de 27 de dezembro de 2003. Aprova o Plano Diretor Urbanístico


(PDUPN) e dispõe sobre a divisão do solo do Município para fins urbanos.

_____. Lei n.º 1782, de 27 de dezembro de 2003. Institui o Macrozoneamento Territorial


do Município de Porto Nacional.

_____. Lei Complementar nº 05, de 04 de outubro de 2006. Dispõe sobre o Plano Dire-
tor de Desenvolvimento Sustentável de Porto Nacional e dá outras providências.

_____. Lei Complementar nº 06, de 04 de outubro de 2006. Dispõe sobre o uso e a ocu-
pação do solo nas Macrozonas Urbanas do Município de Porto Nacional e dá outras provi-
dências.

_____. Lei Complementar nº 07, de 04 de outubro de 2006. Dispõe sobre o Parcelamen-


to do Solo Urbano do Município de Porto Nacional.

TOCANTINS. Constituição Estadual. 1989.

_____. Lei nº 09, de 23 de janeiro de 1989. Declara de utilidade pública, para efeito de
desapropriação, área de terras descrita em memorial e dá outras providências.
184

_____. Lei nº 70, de 26 de julho de 1989. Cria o município de Palmas e dá outras provi-
dencias.

_____. Lei nº 106, de 19 de dezembro de 1989. Revoga a Lei nº 70, de 26 de julho de


1989.

_____. Lei nº 1.098, de 20 de outubro de 1999. Cria a APA do Lago de Palmas.

_____. Lei nº 1.128, de 1º de fevereiro de 2000. Institui o Projeto Orla e adota outras pro-
vidências.

ENTREVISTAS:

ANDRADE, Marcos Antônio Gaipo de. Entrevista Nº 01. Palmas, 2012. Entrevista con-
cedida ao autor em 22 de março de 2012. Gravação digital (1h49min), transcrita na integra.

RAMOS, Eli. Entrevista Nº 02. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 04 de


abril de 2012. Gravação digital (1h12min), transcrita na integra.

GONÇALVES, Aleandro Lacerda. Entrevista Nº 03. Palmas, 2012. Entrevista concedida


ao autor em 16 de abril de 2012. Gravação digital (56min), transcrita na integra.

LIRA, Elizeu Ribeiro. Entrevista Nº 04. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em
19 de abril de 2012. Gravação digital (58min), transcrita na integra.

MOURÃO, Paulo. Entrevista Nº 05. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 21


de abril de 2012. Gravação digital (47min), transcrita na integra.

SOUSA, José Ricardo de. Entrevista Nº 06. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor
em 16 de maio de 2012. Gravação digital (25min), transcrita na integra.

SILVA, Miquéias Siqueira da. Entrevista Nº 07. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao
autor em 16 de maio de 2012. Gravação digital (44min), transcrita na integra.

FARIA, José Ricardo. Entrevista Nº 08. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em
22 de maio de 2012. Gravação digital (1h05min), transcrita na integra.

LACERDA, Adriano Fernandes. Entrevista Nº 09. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao


autor em 24 de junho de 2012. Gravação digital (39min), transcrita na integra.
185

ANEXOS

Anexo I - Modelo do Roteiro de Entrevistas

Dados gerais do entrevistado(a):


Nome: / Ano de nascimento: / Naturalidade: (De onde veio? Quando?) / A quanto tempo reside em
Porto Nacional / Palmas? / Origem social: (Ocupação do pai, mãe, cônjuge, estudos, etc.) / Estado
Civil: / Nome do Cônjuge:
Trajetória profissional, política e social: (Teve cargo eletivo ou não - no Estado, município, união,
empresas, órgãos, autarquias públicas, etc. / assessoria de político, parentes na política, sócio, cu -
nhado, etc. / participou de organizações sociais - sindicato, partido político, associações, clubes,
etc. , em qual função, etc.)
Contatos:

Entrevista:
1. Como foi o processo de discussão do PDPN 2006? Houve envolvimento da gestão e da so-
ciedade nas discussões? Já passados 6 anos a lei contribuiu para o desenvolvimento da cidade?
2. A assessoria Camargo e Cordeiro Consultores Associados era responsável pelo PDPN.
Quem contratou, qual função exercia e o que ela fez de fato? Os técnicos da consultoria possuíam
algum vínculo com a cidade ou com o Estado?
3. Como foi a relação com o Estado na discussão do PDPN 2006?
4. O distrito de Luzimangues acaba entrando na discussão do PDPN 2006. Como isso ocorre?
5. É uma outra assessoria técnica a responsável pelo projeto de macrozoneamento: Quem
contratou, qual função exercia e o que ela fez de fato? Os técnicos da consultoria possuíam algum
vínculo com a cidade ou com o Estado?
6. Na sua visão quais fatores atraem ou propiciam investimentos em Luzimangues?
7. Esses fatores explicam o surgimento e comercialização de novos loteamentos a todo mo-
mento na região? O município de Porto Nacional e o Estado vislumbraram a possibilidade de aten-
der toda essa nova demanda – infraestrutura, equipamentos e serviços públicos?
8. No registro final do PDPN 2006 há discrepâncias entre o documento técnico e a lei aprova-
da, por exemplo: (1) a indicação de controle do crescimento dos loteamentos em Luzimangues; (2)
a necessidade de definição de um perímetro pequeno na região; (3) a falta de capacidade do muni -
cípio em suprir adequadamente equipamentos públicos; por outro lado (1) a lei aprovada define
um perímetro alargado; (2) reconhece como urbano loteamentos até então sem aprovação, sem re-
gistro e sem ocupação, (3) distantes da TO-080, etc. Como se deu a definição do perímetro urbano
do distrito?
9. Qual o papel de entidades como a FIETO, AHDU e ORLA S/A na definição da política ur-
bana para o distrito? Quais são as figuras relevantes para esse processo?
10. Qual a sua visão de futuro para aquele local e a relação regional com Porto Nacional e Pal-
mas?
186

Anexo II – Resumo da evolução urbana de Luzimangues

Quadro 3 - Resumo da evolução urbana de Luzimangues


ANO MARCOS NO PERÍODO PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS RESULTADOS
Lei nº 09, de 23 de janeiro de 1989,
declara de utilidade pública, para
Formaliza as áreas do estudo inicial A delimitação abrange vários muni-
efeito de desapropriação, área de
para implantação da capital cípios e não foi cumprido à risca
terras descrita em memorial e dá
outras providências
Lei nº 70, de 26 de julho de 1989, A lei de criação de Palmas acaba in-
Acaba sendo revogada pela Lei nº
cria o município de Palmas e dá ou- fringindo outras legislações para de-
106, de 19 de dezembro de 1989
tras providencias finição de novos municípios
Lei nº 106, de 19 de dezembro de
1989 1989, que revoga a Lei nº 70, de 26
de julho de 1989
Art. 3º § 2º. A área declarada de uti-
Já na Constituição do Estado do To- lidade pública pela Lei nº 9, de
cantins e com a criação de Palmas, 23/1/89, situada na margem esquer-
Apesar de previsto na Constituição
ficava a margem esquerda destinada da do rio Tocantins, no município
do Estado, esse mecanismo nunca
a área de expansão da capital, po- de Porto Nacional, destinar-se-á à
foi cumprido
rém o que os legisladores previram expansão urbana da Capital, para
nunca foi cumprido posterior integração ao território
desta.
Define como distrito de Porto Naci-
Lei nº 1.415, de 14 de outubro de
onal o núcleo inicial que também
1993 1993 – cria o Distrito de
era conhecido como “Vila Gracio-
Mangues/Santa Luzia
sa” ou “Porto da Balsa”
Lei nº 1.454, de 21 de junho de
1994 – altera o nome para Luziman-
gues
1994 Começa a haver um interesse maior
Pavimentação do trecho da TO-080 Surgem os primeiros loteamentos
para expansão urbana na região. Lo-
que liga Palmas a Paraíso do Tocan- irregulares na margem esquerda do
teamento “Chácaras Graciosa”
tins Lago de Palmas
(1995) e “Village Morena” (1996)
Em 16 de dezembro de 1997, foi as-
sinado em Palmas, o contrato de
1997
concessão da construção e explora-
ção da UHE Lajeado
O início das obras da UHE Lajeado
1998
ocorreu em julho de 1998
1999 A APA não chega a ser realmente
Lei de criação da APA do Lago de Lei nº 1.098, de 20 de outubro de regulamentada, não tendo um plano
Palmas 1999 de manejo elaborado para sua ocu-
pação.
Conflitos pela terra, desapropria-
ções e remoções realizadas pela IN-
VESTCO
Criação do Assentamento rural de
Luzimangues
Construção da Ponte da Amizade li- A definição para a construção da Amplia o interesse do mercado
gando Palmas a Porto Nacional/Pa- ponte acontece já com as obras da imobiliário na região
raíso do Tocantins usina em andamento. Seu término
187

ANO MARCOS NO PERÍODO PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS RESULTADOS


se dá bem próximo do enchimento
do reservatório
Art. 1º. Fica instituído o Projeto
Orla destinado a promover e disci-
plinar a ocupação e o uso do solo
nas áreas das margens do Lago de
Palmas, integrantes dos Municípios
Lei nº 1.128, de 1º de fevereiro de Justifica posteriormente a atuação
de Lajeado, Miracema do Tocan-
2000 2000, institui o Projeto Orla e adota da ORLA S/A no macrozoneamento
tins, Palmas, Porto Nacional, Breji-
outras providências da região do Luzimangues
nho de Nazaré e Ipueiras, de forma
a assegurar a conservação dos ecos-
sistemas locais, a harmonia social e
a melhoria da qualidade de vida da
população.
Enchimento do reservatório da
Crescente interesse dos proprietári-
UHE Lajeado – Lago de Palmas;
2001 os e do mercado imobiliário em no-
inicio de funcionamento da UHE
vos loteamentos
Lajeado
Autoriza o Poder Executivo Muni-
cipal a efetuar a análise e aprovação
Lei nº 1.725, de 24 de janeiro de das atividades de ocupação do solo Primeiras leis para regularização
2002 urbano às margens do Lago da Usi- dos loteamentos
2002 na Hidroelétrica Luiz Eduardo Ma-
galhães
Lei nº 1.782, de 27 de novembro de
2002 – define área de expansão ur-
bana no Distrito de Luzimangues
Lei n.º1.781, de 27 de dezembro de
2003 - que aprova o Plano Diretor Esta lei trata somente sobre o parce-
Urbanístico (PDUPN) e dispõe so- lamento do solo urbano (PORTO
bre a divisão do solo do Município NACIONAL, 2006:147)
2003 para fins urbanos
Lei n.º 1782, de 27 de dezembro de
A lei não apresenta o anexo único As duas leis vigoraram por pouco
2003 - institui o Macrozoneamento
referido no seu texto (PORTO NA- tempo, sendo substituídas pela le-
Territorial do Município de Porto
CIONAL, 2006:147) gislação urbanística de 2006
Nacional
Contratação da equipe de consulto-
ria para atuar no PDDS de Porto Contrato nº 193/2004, firmado entre
2004 Nacional: CA&CO - Camargo & a SEPLAN/TO e a referida Empre-
Cordeiro Consultores Associados sa, em 24 de setembro de 2004
S/S LTDA
Inicia o processo de discussão do
Plano Diretor de Palmas, com pro-
Alteração da política urbana da ca-
postas de diminuição do alargado
pital, com uma proposta de maior
perímetro urbano; dificuldades para
controle do crescimento da cidade
aprovação de novos loteamentos em
2005 Palmas

Incremento nas obras da Ferrovia


Norte/Sul, gerando expectativas da
instalação de industrias no território
de Luzimangues
2006 Primeira parte do estudo para o ma- É o estudo que será incorporado à
1ª Parte da definição da região de
crozoneamento da área de Luziman- legislação urbanística de Porto Na-
Luzimangues - Zoneamento
gues (Gaipo, 2012) cional
Lei Complementar nº 05/06, 04 de O PDDS foi encaminhado para Trouxe diversos artigos que trata-
outubro de 2006, que dispõe sobre o apreciação pela Câmara de Verea- vam da região de Luzimangues, e
Plano Diretor de Desenvolvimento dores e aprovado uma definição do seu perímetro ur-
188

ANO MARCOS NO PERÍODO PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS RESULTADOS


bano. O distrito passa a ter uma área
Sustentável de Porto Nacional e dá
urbana com tamanho aproximado
outras providências
ao que foi definido para Palmas
Lei Complementar nº 06/06, 04 de
outubro de 2006, que dispõe sobre o
uso e a ocupação do solo nas Ma- Define a região de Luzimangues
crozonas Urbanas do Município de como Macrozona Urbana 2
Porto Nacional e dá outras provi-
dências
Lei Complementar nº 07/06, 04 de
outubro de 2006, que dispõe sobre o Define as regras para os parcela-
Parcelamento do Solo Urbano do mentos urbanos
Município de Porto Nacional
Apesar do estudo ser posterior às
Segunda parte do estudo para o ma-
leis de 2006, não foram transforma-
crozoneamento da área de Luziman-
dos em nova legislação. Com a de-
2ª Parte da definição da região de gues, com a delimitação do que se-
2008 finição do traçado da FNS e da lo-
Luzimangues – Macroparcelamento ria loteado e um macroparcelamen-
calização do patio intermodal, a lo-
to com implantação das avenidas
calização da área industrial é altera-
(Gaipo, 2012)
da, mas não é alterada a lei
Inauguração do trecho da FNS que
Nova onda de atração aos empreen-
2010 chega ao pátio Palmas/Porto Nacio-
dimentos de loteamentos na região
nal (setembro de 2010)

Fonte: Quadro organizado pelo autor.

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