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A CRIAÇÃO
DO TEXTO LITERÁRIO
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Por que fica impróprio "a representação do texto literário" ou
"a expressão do texto literáriÇ>"? Porque representação e ex-
pressão, diferentemente das três palavras previamente sugeridas,
remetem para algo anterior ao texto, algo de preexistente; um
mundo (no caso da representação), um indivíduo (no caso da ex-
pressão). Representação é a palavra mais antiga em nossa teoria
literária; é a mimese de Aristóteles. Supõe uma visão do real e
uma determinada imitação que, mesmo sendo uma transfor-
mação, tem o mundo como ponto lIe partilla. Expressão pertence
ao vocabulário da psicologia e foi valorizada pelo romantismo tar-
dio. que privilegia, no ato de escrever. o sujeito emissor, com sua
personalidade e seus afetos.
;\mbas as palavTas estão atualmente postas sob suspeita, na
teoria literária; porque a filosofia contempor<1nea duvida da possi-
bilillade de se captar o mundo como uma totalidade representável
e a lingüística questiona a anterioridade da idéia à palavra, a pri-
mazia do sentido sobre o dito.
E agora, como ficamos? O que faz o escritor? Cria? Inventa?
Produz? Representa? Exprime? A respeito de cada um desses
verbos manifestei urna margem de reserV<l. que é característica de
um certo mal-estar da teoria- literária alual. pouco propensa às
definições categóricas e totalizantes. mais desconfiada dc scus
pressupostos filosóficos e mais cética a respeito de suas possibili-
d<ldes "científicas".
Esse mal-estar terminológico não deve, entretanto, desenco-
rajar-nos. As palavras lIevcl11 ser revisitadas. reexaminadas e ex-
ploradas. elas nos ajudam na aproximação 1I0 saber que buscamos
na medida mcsma em que conhecemos seus pressupostos e seus
limites. E essa foi minha intenção ao examiná-Ias aqui, de modo
forçosamente sumário, Q,i~x~o. invenção. produçã(?2._ rep'!:esen-
~~5~~ .~?'PJe~Jiio-:--q u ai q uc ~'~~sKU2~I~~'~rjã JiPJ~iilli!.SLd~s g,?s-
t:rl/as. com as qUals se tenta captar o fazer lIterárIO, pode ser por
nós agora retomada, contanto que explicitel110s o modo como as
estamos retomando.
A literatura, felizmente. continua existindo, apesar de não
acreditarmos mais na possibilidade de a linguagem representar ou
expressar um real prévio, criar, inventar ou produzir um objeto
que seja auto-suficiente ou. pelo contrário. reabsorvido e utilizado
pelo real concreto, A literatura parte d~l)}.u~ce_ill....9!L~retende di-
zer. falha sempre ao-JízTiu--:-iiúls--âüTiliwr lIiz outra cOlSã,"ÕeSVen-
-J;ilU]l ~)~nUõ'maIsr~alllo
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<~j··· -..
A literatura nasce de uma dupla fa!t<l: uma falIa sentida no
mundo, que se pretende suprir pela linguagem. ela própria senlid;l
ef!l seguida com falta,
/, A primeira falta é experimentada por todos, no mundo físico a
; que chamamos real. O mundo em que vivenlos. o rilllndo em qUL'
tropeçamos diariamente. não é satisfatôrio, FSS;l 0 uma conslal;lç:io
a que se chega bem cedo. na existência. ;\0 nascermos. o primeiro
esforço para respirar e o choro emitido cm Cllnseqii0ncia j,i el'idell-
ciam a falta do conforto 1I0 útero materno, Nos dias e meses
seguintes o bebê percebe (reclamando) o hlo de que a m,je 11;10 es-
tá sempre presente, como ele o desejaria. ou de quc seu corpo mio
está em permamellle bem-estar. Esse descontenlamento plimiíril1
que nos traz o estar no l11undo só faz acentuar-se pela vida ;lIora. ;'1
lO3
integradas num vasto projeto político até as isoladas, _que se apli-
cam a fazer pequenos consertos no rcal: pcla imaginação, pelo faz-
dc-conta,_'lL!.~_r~os compensa~ po~_alg.un~ ~l~f!1<::IJtos~ºá iiisütis-
façiio causada peiõrc~t1. ' "
Det~nhiliiló:il'l;s n'esse lÍitimo rccurso. o da imaginaçãà, A
imaginaç,10 como fuga ou compcnsaç<1o. como prêmio de pn!~er, é
cxcrciUdct jj(JI' todós os st:res hum;lIlos, /\Iguns, eriirelanto, exte-
riorizam sua imaginação, inscrcvem-se em objetos expostos à per-
ccpção de outras pessoas, Esse é o modo artístico de exercer a
imaginaç,10 c de compensar o que falta no mundo. Nãu nos impor-
ta, por enquanto, o valor dessc razer. isto é, se o objeto produzido
realiza ou n<1o o objctivo de substituir um real insatisfatôrio. Ten-
tar dar uma forma concrcla ao imaginado é. de qualquer modo,
uma atividadc dc tipo artístico.
De todas as prMicas de que podcmos valer-nos para refazer o
rcal. COI11 a ajuda da imaginação. a quc aqui nos ocupa é a
literária. isto é, a rcconstrução do mundo pelas palavras. 'Nas
histórias in\'cnladas podemos, eventlwlmente, encontrar um mun-
do preferível àquele em que vivemos: el11 certos poemas podemos
Clll.:ontrar os dados do rcal harmonizados dc modo mais satis-
fatôrio, 1\las dizer que a ohra liteníria compensa assim, positiva-
mentc. as falhas do real kvar-nos-ia a uma vis<1o idílica da literatu-
ra: supor quc todas as n,llTati\'as e todos os poemas apresentam
um mundo mais belo. mais prazeroso do que o mundo real. A li-
teratura seria cntão aquele famoso "sorriso da sociedade", e o es-
critor uma incorrigívd Poliana ou UIlI inofensivo sonhador. ./
As obras estão aí para desmenti-Io. Que dizer daquelas narra-
tivas que nos mostram Urll mundo ainda mais terrível do que esse.
j,í t<1o insatisfatório. quc nos cerca? E daqueles poemas que mani-
fcstam urna dor ou um pavor ainda maiores do que os quotidiana-
mente nos assaltam? E csse é o modo de ser histórico da literatura '\l
co~lp()r'inca'.-'~:~~-J.-:.'-ll-'a-~-(~-_~~~~-,S-)_
-Ura. ncssàs-í."J, .H1SOl;gatlvas Te-se ,nnda l11alS claramente
COE=~e:r~
a IIlSatls-
!
j
ração causada pela falta. Áccntuar o quc estú mal. torná-Io per- ~
ceptível e generalizado até o insuporlúvel. é ainda sugerir. indire- t
tamentc, o q uc devcria sc r e não é .
.!. -, , Na sua .~
gênese
--'-~---e na sua realizaçüo. a literatura a. 011la-.--
sempre •
pará'o
~ 'ue
•. __falta,~-:;no mundo c...•••
~em __.•••..••
nós.
_ Ela emprcende dIzer as
coisas como são. faltantes, ou como deveriam scr. completas,
--
~
Trágica ou epifânica. negativa ou positiva, ela estéí sempre dizendo
, ljue
: -
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---
2 rea!JwQ.~~,_
=. ~.--~~-'''"''-._....... ....• '.......... -'- .... - - -
10·1
Inúmeros ~ão os escritores quc defincm a literatura a partir da
faltaJFlaubcrlf; "A vida é 1,1u horrível que st'> seyod~ ..?up(~rt<í-Ia
evitan~lo-a; e p(xlemos f<l7:~-lo'quando se vive ii~mundo da arlc".
Fernando Pess'o1: "/\ literatUJ:;I,~Õnl~) loda ;;rte:-Cllma Cllnfiss,10
de que a vida não basta", No cntanto, nl'nhum d()s d(jis es'crevcu
ul11a obra que se possa C<lracterizar conlll uma fuga para um Illun-
do mais alegrc do que o rc'll. E !3(lI'ges) l'llj;IS Lihulas podem parc-
cer, ü primeinL visla. como desvincul"das do rcal. ,Irirm<t: "A lite-
ratura nasce da inrclicidade. A felicidadc n;locxi 'e nada, t\""m'Mi-
CiUal e queC~~Ji?Xljj~~ã'"filt'(jlI;~í~lcL~~Ea':" Essa ~~"
ein-'(jlIé'sC; transfo'lli'í7í- a infelicidade é qll'e pode Cllmpensar a falta,
não pelo que ela cria ou representa. mas por scu modo dc ser. /\
isso voitnremos mais adianlc,
IO,'i
( cifrado, a captação do particular insinuando que uma plenitude do
. mundo é de~ejável e possível.
O hurizonte da literatura é sempre o real que se pretende re-
presentar-em sua dolorosa condiç;lo de falta ou reapresentar nu-
ma proposta alternativa de cOlllplelude. Mas. por ser linguagem, a
literatura nunca pode ser realista. O chamado realismo nada mais
é do que um conjunto de efeitos, baseados el11 convenções que
variam historicamente. Céline assim explicava sua experiência,
tomou oMais
tirosa. sentido
do que
de coisa
duas [Juramente
concepções imaginária
diferentes e.daportanto,
verdade. men-'
são f
dois modos diferentes de buscá-l<í. Muito diverso de um devaneio
fantasioso. o mito é um sistema simbólico rigorosamente forma-
lizado. O modo literária de buscar a verdade continua sendo o
modo simbólico do mito.
Contrariamente ao quc pensam os que têm uma concepção
meramente instrulllental da linguagem~ a fonnQiizQÇào ejorati-
vamcnte chamada de artifício),
~~-.._,.-c'.''''''. .---~'.'
n<llitera~n;~
" •..•. __ ,,~_~ __ ,_ •.•.
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~~!J}5!JJ.l,!;1,S.~~ que.{(nº~)
ahre .t~'i<~has]2'
A.:~~~!~j~!l~!!.~.5?,,~~':.r~~t~r
...p.JL.~I<Í.~q.u.s.h!.~i;!--ilguçada .valõ.~_~_s,~ -
~ laz:~_u.~,-i~!.an Q~.oY_9~.~11ge~;.~12~aJeorclenaç~:?~?..m,~~~.o. E
por esse art1llcl0 da_toj'IDa que a literatura atinge uma verdade do
( rC~.:..,~:.rp'or -ii'ii~~giress;o verd,~~_<9iec li} -e~~ç~ií~~~iz~1:!Fiaube'iJ
'd~ia que nunc'a cõ fundo que escandaliza mas a formü:"-""':-:-::-:-:;;-'-
. ·~)\-tnra5aITll)uã,,-oTõril1a seexerce "em-iodos oÇ'níveis da obra
··'iteníria. desde as grandes estruturas. que sustentam a narrativa
).'}~
106
, ou o poema e são suas linhas de força invisíveis. até o lavor minu-
~Ti,aso do estilo, que consiste em colocar as r'alanas cm determina-
da ordem, pesando como numa balança os sons c os ritmos. A for-
ma buscada pelo escri.t9r'é"'não apenas essa forma sensívcl íiãõíã:
._ _._, ~ .- ,_ _ __ •• _'_. ,.:... __ - •• _ •• - __ .o~ ---_
justa.
invenlado
Por Ulll
ele outro
é se [Joderoso
erg.ue
lado, com arival edaquele
perturbadora
inventar que accil<ív,\\11OS
celtoa
arresenLHr quc lhe dü COIllOreal.
a for\11a
(1 illl'xistl'nte é só apaj
107
Já Arist6teles, em sua teorra da_ representação poética, defendia
não a veracidade mas a verossimilhança:
108
No
pli'a ato
e asdeintenções
recriação primitivas
da obra pela leitura, sãoa proposta
cio autor superadas, inicial
Entre se oam-l
di-
que °
zer eos propósitos
ouvir, entrede oum emissor e eo as
escrever ler.expectativas de ummaiores
ocorrem coisas receptor:do
há um saber inconsciente circulando na linguagem. instiluiç,lo c
bem O
comum de autoresassim,
que importa, e leitores.
n<lo S,IO as intcnçCles mensageiras do
autor (por melhores que sejam), e sim sua cap:lcidadc de imprimir
n obra aquele impulso poderoso e aquela ahcrtura estimulante
que convide o leitor a prosseguir sua criação, Todavi;1. assim como
o autor nüo é o dono absoluto da obra, que o ullrapassa. o leilor
1M
Como todas as atividades humanas (a partir da própria fala),
ali-teratura nasce da vivência da falta e da aspiraçãc à comple-
tud:e. Essa compJetude. a literatura não nos pode dar. O que ela
nos ,pode dar. isso sim. é uma forma de conhecimento que satisfaz:
não )uma verdade abstrata e dada. mas Ullla verdade corporificada
e em obra.
Cls inúmeros saberes carreados pela literatura são meros pre-
textos para um saber maior: o saber lia falta. e a permanente
manute nçào do desejo de supri-Ia. O mundo deixa a desejar, as
palavras estão sempre em falta: a literatura o diz. insistente e ple-
namente.[ IS184]