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Coordenação e Regência
Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração
Mestre Rui Soares Pereira
Hipótese
António e Bernardo, funcionários de uma drogaria, conhecendo da sua intenção de pôr cobro à
vida, forneceram a Carlos um veneno que este lhes pedira e com o qual veio a suicidar-se. Aberto o
inquérito, o Ministério Público (doravante, MP) interrogou António e Bernardo, que entretanto
haviam sido detidos, sobre o ocorrido. António não respondeu a nada do que lhe foi perguntado,
nomeadamente sobre a sua identidade, pelo que o MP decidiu aplicar-lhe a medida de coação
caução no valor de € 15.000, e a Bernardo apenas termo de identidade e residência.
No final do inquérito, o MP deduziu acusação contra António e Bernardo como coautores do
crime de auxílio ao suicídio, previsto e punido no art. 135.º, n.º 1, do Código Penal (CP), e do crime
de furto do veneno à drogaria, previsto e punido no art. 203.º do CP, e requereu que o julgamento
ocorresse em tribunal singular.
Inconformado com a decisão de acusação, Bernardo requereu a abertura da instrução com
fundamento na inadmissibilidade legal do procedimento relativamente ao crime de furto e pediu
que fosse determinada a suspensão provisória do processo relativamente ao crime de auxílio ao
suicídio.
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2 – Qual seria o Tribunal competente para o julgamento dos crimes de auxílio ao suicídio e de furto
(arts. 135.º, n.º 1, e 203.º, ambos do CP)?
3 – Poderia in casu ser aberta a instrução nos termos e para os efeitos requeridos por Bernardo?
4 – Admita que, no decurso da instrução, o MP veio sustentar que António devia ser pronunciado
apenas pelo crime de auxílio ao suicídio (art. 135.º, n.º 1, do CP), já que afinal nada permitiria
concluir que tivesse subtraído o veneno da drogaria. Pronuncie-se sobre a mudança de orientação
do MP durante a instrução.
5 – Suponha agora que das diligências de prova realizadas durante a instrução resultaram indícios
suficientes de António e Bernardo terem injetado o veneno em Carlos e de não se terem limitado
a fornecer-lhe o veneno. Poderia o Juiz, finda a instrução, pronunciar António e Bernardo pelo
crime de furto, previsto e punido no art. 203.º do CP, e também pelo crime de homicídio a pedido
da vítima, previsto e punido no art. 134.º do CP?
Nota: As respostas ininteligíveis (caligrafia pouco ou não percetível) não serão avaliadas.
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TÓPICOS DE CORREÇÃO
Questão n.º 1
Estamos perante dois crimes de natureza diferente: o crime do art. 135.º do CP é um crime
público e o crime do art. 203.º do CP é um crime semi-público, ou seja, dependente de queixa pelo
respetivo titular.
Quanto ao crime do art. 135.º, o MP tem legitimidade para promover o processo penal e
abrir inquérito, nos termos dos arts. 48.º e 262.º, n.º 2, ambos do CPP.
O art. 263.º do CPP estabelece que a direção do inquérito cabe ao MP, assistido pelos
órgãos de polícia criminal, devendo aquele praticar os atos e assegurar os meios de prova
necessários à realização das finalidades do inquérito, nos termos dos arts. 267.º e seguintes do CPP.
No caso em apreço, estamos perante uma situação de detenção fora de flagrante delito e
que não foi ordenada por um juiz. É por isso ilegal, pois só poderia ter sido efetuada nos termos do
art. 257.º do CPP, nomeadamente sendo admissível prisão preventiva. Ora, uma vez que o art. 202.º
do CPP estabelece como pressuposto da aplicação da medida de prisão preventiva a existência de
fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três
anos, e tendo em conta que para cada um dos crimes, individualmente considerados, se encontra
prevista uma pena de prisão até três anos, nunca tal medida de coação poderia ter aplicação, pelo
que a detenção fora de flagrante delito deveria ser considerada ilegal. Contra o exposto não se
invoque que as penas de ambos os crimes, em concurso, resultariam num máximo aplicável de seis
anos de prisão, justificando assim a aplicação do art. 257.º do CPP, pois se a aplicação de uma
medida de coação depender da pena aplicável deve atender-se ao máximo da pena correspondente
ao crime que justifica a medida, nos termos do art. 195.º do CPP.
Quanto aos interrogatórios, os mesmos deveriam ter sido levados a cabo pelo juiz de
instrução, e não pelo MP, atendendo ao disposto nos arts. 268.º, n.º 1, al. a) e 141.º, ambos do CPP.
Apesar de o art. 143.º do CPP prever o primeiro interrogatório não judicial de arguido detido, esse
interrogatório surge (de forma residual) como ato preliminar e, nos n.º 3 do mesmo artigo, após o
interrogatório sumário, o MP, se não libertar o detido, deve providenciar para que ele seja presente
ao Juiz de Instrução, nos termos dos arts.141.º e 142.º, ambos do CPP. A ilegalidade dos
interrogatórios traduzir-se-ia numa mera irregularidade, nos termos do art. 123.º do CPP. A
circunstância de António, constituído regularmente como arguido, se ter recusado a responder com
verdade sobre a sua identidade poderia fazê-lo incorrer em responsabilidade criminal, nos termos
do art. 359.º, n.º 2, do CP, ex vi art. 61.º, n.º 3, al. b), do CPP.
Quanto às medidas de coação aplicadas, supondo que ambos os detidos estariam já
regularmente constituídos arguidos, o termo de identidade e residência (TIR) deveria ter sido
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aplicado tanto a António como a Bernardo, tendo o MP legitimidade para tal, nos termos do art.
196.º do CPP. Já a caução teria que ser aplicada pelo Juiz de Instrução, a requerimento do MP, nos
termos dos arts. 268.º, n.º 1, al. b) e 194.º, ambos do CPP. As motivações apresentadas pelo MP
para a aplicação desta medida não são legítimas, atendendo aos requisitos gerais de aplicação das
medidas de coação previstos no art. 204.º do CPP. A aplicação da caução, sendo ilegal, poderia
justificar a apresentação por António de um requerimento de revogação desta medida de coação,
nos termos do art. 212.º, n.º 1, al. a) e n.º 4, do CPP.
Questão n.º 2
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CP se enquadra no art.14.º, n.º 2, al. a), do CPP estaria excluída a possibilidade de o MP fazer uso
da faculdade prevista no art. 16.º, n.º 3, do CPP.
Questão n.º 3
Questão n.º 4
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Por seu turno, o art. 53.º do CPP atribui ao MP a competência para colaborar com o
tribunal na descoberta da verdade e na realização do Direito, obedecendo em todas as intervenções
processuais a critérios de estrita objetividade, ao mesmo tempo que lhe atribui a competência para
deduzir a acusação e sustentá-la efetivamente na instrução e no julgamento.
Assim, o MP encontra-se sujeito ao cumprimento de dois deveres que, por vezes, se
encontram em campos opostos, como acontece no caso em apreço. Se o MP tem, por um lado, o
dever de sustentar a acusação, por outro lado, não o poderá fazer quando, objetivamente, depare
com inexistência de indícios. Podemos então considerar correta a mudança de orientação do
magistrado do MP.
Porém, uma vez que na fase da instrução o MP já não é o dominus do processo, o Juiz de
Instrução deverá decidir autonomamente relativamente à mudança de orientação do MP, a qual não
elimina nem altera a acusação anteriormente formulada.
À luz do nosso sistema processual penal, também seria defensável a opinião segundo a qual
o MP continua a desempenhar, durante a fase da instrução, uma função acusatória, uma vez que
ainda se encontra em discussão a possibilidade de redefinição do objeto do processo. Este
entendimento baseia-se numa visão mais dinâmica da função acusatória do MP e mais flexível
acerca da articulação entre o Juiz de Instrução e o MP na fase de instrução, admitindo que a
mudança de orientação do MP possa valer como ajustamento da acusação a novos dados
adquiridos durante a instrução. Dado que a acusação formal encerra essencialmente o objeto do
processo e a estabilidade do processo assegura a estrutura acusatória e constitui por isso uma
garantia importante, os defensores desta posição só costumam conferir relevância à mudança de
orientação do MP na instrução quando ela for mais favorável, como seria in casu.
Questão n.º 5
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Os factos novos seriam não autonomizáveis, na medida em que não poderiam ser
destacados do processo penal em curso e integrar o objeto de um processo penal autónomo, sem
violação do princípio ne bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP. Os novos factos só
poderiam ser conhecidos no processo em curso, se houvesse acordo do MP, arguido e assistente
nesse sentido e se considerasse admissível a aplicação analógica do disposto no art. 359.º, n.º 3, do
CPP.
Se o Juiz pronunciasse António e Bernardo pelo crime de homicídio a pedido da vítima
cometido contra Clarisse, sem o referido acordo dos sujeitos processuais, a decisão seria nula,
segundo o art. 303.º, n.º 3 do CPP, sendo uma nulidade sanável cuja arguição deveria ter lugar nos
termos do art. 309.º e, caso fosse indeferido o requerimento a arguir a nulidade, a decisão de
indeferimento seria passível de recurso, ex vi arts. 399.º e 310.º, n.º 3, ambos do CPP.