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ABORDAGENS DA LINGÜÍSTICA CONTEMPORÂNEA
DA ESTRUTURA AO USO
Jan Edson Rodrigues
Maria Leonor Maia dos Santos
Introdução
Forma e função
Em lingüística, várias correntes são ditas formalistas, e várias outras são ditas
funcionalistas. Algumas vezes elas são apresentadas como inconciliáveis por aqueles
autores que optaram por alguma das duas denominações. Vamos tentar aqui apresentar
uma caracterização geral dessas atitudes de pesquisa, a formalista e a funcionalista,
para entender suas diferenças, e, ao final, gostaríamos de defender que, apesar de
diferentes, ambas são úteis e corretas em Lingüística.
Podemos nos aproximar inicialmente da oposição entre o formalismo e o
funcionalismo em Lingüística pensando no papel central atribuído à forma ou à função
da linguagem. Será que as línguas humanas têm uma certa forma, uma natureza
intrínseca, e por isso servem para fazer certas coisas, ou será que as línguas têm certas
funções, e por isso ganham determinada forma? Pense numa faca: ela tem uma forma
de faca e por isso serve para cortar (a forma veio antes e determina o uso) ou ela tem
a função de cortar e por isso foi feita com essa forma (o uso veio antes e determina a
forma)? No caso da faca, que é um objeto fabricado e não da natureza, parece óbvio
que foi o uso pretendido que motivou a forma. Mas imagine que você está num lugar
onde não há facas, e sim muitas pedras, e precisa cortar com cuidado alguma coisa.
Uma fruta bem grande e madura, como uma jaca, por exemplo, ou uma fruta-pão.
Que tipo de pedra será melhor? Podemos pensar que as pedras que tiverem uma borda
comprida e afiada serão a melhor escolha. A forma da pedra já está lá, e por isso ela
serve para cortar a fruta. A forma, nesse caso, foi o que permitiu o uso.
Isso se parece, é claro, como lembra José Borges Neto (BORGES NETO
2004:83) com o popular dilema do ovo e da galinha. O que veio primeiro? A forma,
e então podemos usar algo para certo propósito, ou a função, e então modificamos as
coisas para fazer o que queremos?
Como o dilema do ovo e da galinha, essa é uma questão difícil de decidir, talvez
impossível. No caso aqui, primeiro precisamos conhecer um pouco o que motiva as
decisões dos formalistas e dos funcionalistas em Lingüística, a história dessas posições
e o tipo de pesquisa que se faz em cada uma delas.
Vamos começar pelo formalismo. Na verdade, há várias concepções de
formalismo, o que é importante para entendermos as diversas reações funcionalistas.
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Se caracterizarmos o formalismo de uma maneira bem ampla como a atitude de dar
mais importância à forma da linguagem, vemos que essa é uma posição muito antiga.
O estoicismo foi uma escola filosófica antiga, iniciada em Atenas por Zenon (ou
Zenão) de Cítia, no início do século III a.C.
Podemos citar como exemplo o trabalho dos filósofos estóicos, que nos séculos
III e II a.C. se ocupavam, entre outras coisas, com o que há de comum em exemplos
como os abaixo:
1. Se não temos a última aula, os alunos podem ir pra casa mais cedo. De fato, não
temos a última aula. Então, os alunos podem ir pra casa mais cedo.
2. Se o salário não foi depositado, minha conta está sem fundos. De fato, meu
salário não foi depositado. Então a minha conta está sem fundos.
É claro que os exemplos dos filósofos estóicos eram outros, mas a idéia era
encontrar uma forma comum a esses conjuntos de frases, alguma coisa como:
Se acontece ISSO, acontece AQUILO. De fato, acontece ISSO. Então acontece AQUILO.
Eles consideravam que era a forma comum que permitia que exemplos assim
fossem usados de maneira eficiente numa argumentação. Não importa o assunto, se
você construir frases seguindo o esquema, vai sempre ter o que ficou conhecido como
um argumento válido, que deveria servir para convencer alguém.
Claro que você percebeu: a forma é o que permite certo uso, certa função, que
nesse caso era uma argumentação. Aristóteles, que viveu entre 384-322 A.C e ficou
conhecido, entre outros feitos, como o criador da lógica, também estudou formas
semelhantes de argumentos válidos, como os seus famosos silogismos:
3. Todos os professores de Letras da UFPB virtual são brasileiros. Jan e Leonor são
professores de Letras da UFPB virtual. Portanto, Jan e Leonor são brasileiros.
Também nesse caso, a idéia era encontrar a forma subjacente que faz com que o
argumento seja válido, não importando qual assunto abordado (compare com “Todos os
mamíferos têm coração. As girafas são mamíferos. Portanto as girafas têm coração”).
Tanto os estóicos como Aristóteles estavam interessados em caracterizar, nesse caso, a
forma da linguagem usada na argumentação.
Um exemplo diferente de formalismo muito antigo nos estudos da linguagem
– ainda definindo o formalismo de uma maneira bastante frouxa – é a descrição
gramatical tradicional. A preocupação em descrever paradigmas de flexão e unidades
da oração são bons exemplos de preocupações formais. De algum modo, na descrição
250 gramatical tradicional, supõe-se que há uma forma inerente à língua, e que essa forma
pode ser descrita de maneira independente das situações de uso. A forma, nesse caso,
pode ser o padrão de flexão de um verbo (amava, amavas, amava, etc.), ou as partes
da oração (sujeito, predicado, complementos, adjuntos, etc.). O que está em jogo é
encontrar uma regularidade que já estava na língua e que não depende de estarmos
conversando sobre futebol, preenchendo o requerimento de matrícula ou reclamando
porque o vizinho deixou a calçada suja. Novamente, nesse caso, o que é importante é
a forma, que existe antes da função e não é modificada pelo uso.
Na Lingüística no século XX a situação é bastante complexa, porque nem
todos concordam com o que é formalista e o que não é. Em primeiro lugar, vamos
mencionar a preocupação de Ferdinand de Saussure, no Curso de Lingüística Geral,
com a oposição entre língua e fala. A língua é geral, comum aos indivíduos de uma
comunidade falante, em oposição à fala, que é individual e heteróclita, ou seja,
composta por elementos variados e não homogêneos. O objeto da Lingüística, diz
Saussure no Curso, é a língua, que não varia de uma situação de comunicação para
outra, nem de um falante para outro. Vejamos o que diz Rodolfo Ilari acerca dessa
opção saussureana:
É curioso observar, por outro lado, que o surgimento do funcionalismo também está
muitas vezes associado às propostas saussureanas e aos seus seguidores, mas não
vamos tratar disso nesta introdução.
Se você sabia, por exemplo, que muitas línguas têm uma distinção entre adjetivos e
verbos, ou uma ordem básica sujeito-predicado, mesmo assim não podia usar isso na
descrição, a não ser que esses padrões aparecessem nas falas que você tinha gravado
ou anotado.
Além disso, esses autores consideravam que o significado das palavras, frases
e textos não devia ser levado em conta para se fazer a descrição. O lingüista deveria
observar quais partes da língua combinavam com quais outras partes, sem precisar
saber o significado dos enunciados, de maneira que a tarefa era perceber regularidades
formais, sem se preocupar com a interpretação. As formas (fonéticas, morfológicas,
sintáticas) já estavam todas nos dados coletados, era preciso descobri-las. Nem mesmo
a significação das palavras e frases devia ser levada em conta, e portanto nada podia
ser dito acerca do texto completo, ou de uma conversação. Mais uma vez, temos uma
preocupação com extrair uma forma que já está na língua, e que independe do uso, da
função.
Você certamente notou que aqui há um aspecto do formalismo que é diferente, por
exemplo, da gramática tradicional, ou da proposta saussureana. Nem a gramática nem
Saussure propunham que o significado fosse deixado de lado para se fazer a descrição
da língua. É claro que os estruturalistas norte-americanos que seguiam os métodos
propostos por Bloomfield ou Harris sabiam que as palavras e frases têm significado,
mas – talvez motivados pela necessidade de descrever tantas línguas diferentes –
propunham que o estudo fosse feito sem levar isso em conta. Se o estudo devia ser
feito sem levar em conta o significado (e muito menos as situações de uso, as intenções
das pessoas, etc.) é claro que eles deviam pensar que a organização da língua não é
influenciada pelo significado. Esse é um tipo de formalismo um pouco mais radical,
porque o significado está sendo excluído do estudo.
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Síntese das características dos paradigmas Formalista e Funcionalista
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UNIDADE I
SOCIOLINGÜÍSTICA
2. Premissas da Sociolingüística:
Stella Bortoni aponta que o relativismo cultural é uma postura adotada nas
Ciências Sociais, inclusive na Lingüística, segundo a qual uma manifestação de cultura
prestigiada na sociedade não é intrinsecamente superior a outras. Quando consideramos
que as variedades da língua portuguesa, empregadas na escrita ou usadas por pessoas
letradas quando estão prestando atenção à fala, não são intrinsecamente superiores
às variedades usadas por pessoas com pouca escolarização, estamos adotando uma
posição culturalmente relativa e combatendo o preconceito baseado em mitos que
perduram há muito tempo em nossa sociedade.
Ainda no dizer de Bortoni (1997, p. 2), desde os anos sessenta a Sociolingüística
vem lutando em favor do que chama de igualdade essencial das variedades lingüísticas
e teve que lidar com as correlações entre os dialetos das crianças e seu sucesso
educacional. Como exemplo, cita a pesquisa realizada por Kelmer Pringle e associados
260 (Stubbs, 1980), que trata do desempenho na leitura, abaixo da média nacional, de
crianças consideradas de classes sociais inferiores ou de minorias étnicas. Essa pesquisa
agrupou 11.000 alunos na faixa de sete anos em três grupos: leitores bons, médios e
pobres, usando como parâmetro, sua performance no Teste de Reconhecimento de
Palavras Southgate. A porcentagem de leitores fracos na classe alta foi de 7,1%; na
classe média, 18,9% e na classe baixa, mais que 26,9%. O esforço da Sociolingüística
tem sido o de tratar os conflitos dialetais como apenas diferenças e não deficiências.
Para William Labov (1987, p. 10), no entanto, “a causa primária do fracasso escolar
não é a diferença entre as linguagens, mas o racismo institucional”.
1. Sexo
2. Idade
3. Nível de Escolaridade
Variáveis sociais 4. Contexto Lingüístico (Região)
(extralingüísticas): 5. Classe Social
6. Etnia
7. Rede social
O peso dos fatores sociais tem sido minimizado, pois reformulações na teoria
variacionista destacam motivações essencialmente lingüísticas para a variação/
mudança.
Diante de duas variantes, por exemplo, /cantandu/ e /catanu/ (ambas referindo-
se ao gerúndio do verbo cantar), o sociolingüista considera:
• Qual o contexto social de uso de uma das variantes pelo mesmo falante
• Em que contextos específicos uma forma tende a ser usada pela comunidade
lingüística
• Há diferença no uso de uma das formas, de acordo com faixa-etária do
falante?
• Há diferença no uso de uma das formas, segundo o nível de escolaridade do
falante?
• Há diferença no uso de uma das formas, de acordo com o nível socioeconômico
do falante?
• Há diferença no uso de uma das formas, de acordo com o nível registro de
linguagem (formal ou informal) empregado pelo falante?
4. A Sociolingüística Interacional
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UNIDADE II
LINGÜÍSTICA INTERACIONAL
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Tradição do Produto Tradição da Ação
Iniciada ainda no século XIX com os A tradição da ação foi postulada,
neogramáticos se estendeu até Saussure sobretudo, pelos pragmaticistas, analistas
e Chomsky, tornando-se paradigmática da conversação e etnometodólogos, que
a partir do tratamento dado à língua pelo definem o funcionamento da língua
gerativismo, como sendo um produto bem em níveis de ação, desde os níveis
definido da fonologia, da morfologia, estritamente lingüísticos até os da
da semântica e da sintaxe. Esta tradição enunciação, da modalidade, da cognição,
tem como características o fato de que da situacionalidade, etc. A lingüística
o aspecto estrutural é mais básico do interacional subscreve essa tradição, em
que o aspecto do uso e de que a língua vista de seu objeto de estudo tratar-se de
é autônoma e suficiente para centrar sua um tipo de ação intersubjetiva.
análise no nível da frase.
Para Herbert Clark (1992, 1996) o uso da linguagem é, de fato, uma forma de
ação conjunta, e por ação conjunta entende-se aquela que é levada a efeito por um
conjunto de pessoas agindo coordenadamente em relação às outras. O uso da linguagem,
portanto, incorpora ambos os processos individuais e sociais da interação social.
Esta afirmação aponta para o fato de que o contexto de uso da língua mais básico
é aquele da conversação face a face. Toda uma tradição dos estudos da linguagem
tem se voltado para a investigação deste contexto, a fim de elucidar os mais diversos
propósitos, desde a aquisição da linguagem até os usos sócio-dialetais de variedades
lingüísticas.
270
Koch (1992, p. 9; 66), por exemplo,
encara a linguagem como atividade,
forma de ação interindividual e lugar de
interação que possibilita aos membros de
uma comunidade executar ações, ‘jogar
um jogo’.
Bange (1983, p. 3) afirma que se a
“conversação pode ser considerada
a forma de base da organização da
atividade de linguagem”, tal ocorre
porque ela é, de fato, a forma de vida
cotidiana, interativa, inseparável da
situação.
Para Fillmore (1981, p.152) a língua da
conversação face a face é o uso mais
básico e primário da linguagem, todos
os outros sendo mais bem descritos em
termos do modo como se desviam desta
base.
Clark (1996, p. 11) também reafirma a condição da conversação face a face
como cenário básico de uso da língua. Para ele, a conversa é universal, não requer
habilidade especial, e é essencial na aquisição da língua materna.
A prioridade da conversação face a face sobre os demais cenários ocorre porque
nestes faltam traços como a imediaticidade, o meio e o controle da interação face
a face, os quais devem ser supridos por técnicas ou práticas especiais. A natureza
destes traços dá à conversação face a face características que faltam aos cenários não
básicos, como a co-presença, visibilidade, audibilidade e instantaneidade no enquadre
da imediaticidade; a evanescência, a não registrabilidade e a simultaneidade como
característicos do meio; e a improvisação, autodeterminação e auto-expressão, no
quadro do controle das ações da linguagem.
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Em interações consideradas ‘assimétricas’, como entrevistas
de emprego, consultas médicas, e até em sala de aula, um dos
integrantes da conversação possui o domínio sobre os turnos e
Assimetria os distribui a seu critério. As interações assimétricas são típicas
interacional dos ambientes institucionais e as relações entre profissionais
e leigos se dão em termos de ‘pares adjacentes’, ou seja, os
profissionais determinam os tópicos e controlam os turnos
através de perguntas, as quais os leigos somente respondem, mas
não opinam sobre tópico, nem fazem ‘assalto aos turnos’
São dois turnos emparelhados (do tipo bom dia/bom dia) e
Pares constituem principal unidade de análise interacional. São
Adjacentes encontrados tanto em interações assimétricas (entrevistas
médico-paciente; inquiridor-testemunha) quanto em interações
simétricas, freqüentemente através de expressões cristalizadas
(alô/alô; tudo bom/tudo bom, etc.)
Nos pares adjacentes a produção de um turno condiciona a
Relevância realização do segundo. Nos pares: pergunta-resposta; saudação-
Condicional saudação; convite-aceitação; pedido-concordância, a não-
ocorrência do segundo par, embora possível, causaria estranheza
ou sanção social.
• O contexto interacional
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Tipologia dos Cenários de Uso da Língua (CLARK, 1996, p. 8):
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Modelo de participação de falantes e ouvintes em
Estrutura de Participação uma atividade de fala. Veja a próxima seção para
exemplos.
b) conversação tópica
Fávero (2003, p.47) atribui ao Tópico (em sua terminologia, tópico discursivo) duas
propriedades: centração e organicidade. A centração define-se como ‘falar-se acerca de
alguma coisa, implicando a utilização de referentes explícitos ou inferíveis”, ou seja,
as marcas no texto para se remeter a algo que já foi dito ou algo que, embora não tenha
sido dito, seja do conhecimento dos interlocutores. Essa prioriedade norteia o tópico
de tal forma que, a cada nova centração é possível falar-se em um novo tópico.
A propriedade da organicidade refere-se à relação de interdependência que um
tópico – denominado supertópico (ST) – tem como seus “tópicos co-constituintes” (T)
e seus “subtópicos” (SbT). Esses conceitos se organizam em uma estrutura denominada
Quadro Tópico, abaixo ilustrada (FÁVERO, 2003, p.55):
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O processo de segmentação do tópico, seus limites de conteúdo, é feito através
de marcas conversacionais que apontam para a continuidade ou a descontinuidade de
um tópico em andamento. Essas marcas podem ser: facultativas – que têm a função
especializada de alterar ou manter o tópico em andamento; e multifuncionais –
marcas que têm função genérica, não determinada, podendo ora mudar ora manter a
continuidade do tópico.
Fávero enfatiza que “a conversação não é um enfileiramento aleatório
de enunciados, ao contrário, ela é altamente estruturada e passível de uma análise
formal”. Assim, o tópico é coerente com a natureza dinâmica e estruturada do fluxo
conversacional.
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UNIDADE III
FUNCIONALISMO
2. O funcionalismo europeu
Aqui parece que “sobra” uma parte da informação da resposta. É claro que essa
troca poderia ser utilizada naturalmente em alguns contextos, mas não seriam talvez
os mesmos contextos em que o par 5-1 seria mais natural. A idéia básica é justamente
que deve existir uma adequação das sentenças aos contextos, em termos do que é
considerado conhecido ou não, e que tais diferenças se refletem na organização da
sentença.
3. O funcionalismo norte-americano
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Apesar da predominância de correntes formalistas, como estruturalismo pós-
bloomfieldiano, e posteriormente o gerativismo, uma tendência para o funcionalismo
poderia ser apontada nas propostas de Sapir (e de seu famoso seguidor B. L. Whorf),
uma vez que, para Sapir, a língua é indissociável da cultura do povo que a fala. Outro
precursor foi Dwight Bolinger (1907-1992), mas foi principalmente em meados da
década de 1970 que análises funcionalistas se tornaram mais comuns. Vejamos os
títulos de algumas publicações da época:
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UNIDADE IV
LINGÜÍSTICA COGNITIVA
A Lingüística Cognitiva constituiu-se nos anos 80, a partir dos trabalhos dos
norte-americanos George Lakoff, Ronald Langacker e Leonard Talmy sobre a metáfora
conceitual, a gramática cognitiva e a semântica cognitiva, respectivamente. As origens
dessa disciplina estão marcadas pelo interesse pelo significado, pela insatisfação com
o programa de estudos da Gramática Generativa e pela investigação da psicóloga
Eleanor Rosch sobre o papel dos protótipos no processo de categorização.
Geeraerts (1995) define a Lingüística Cognitiva como uma abordagem de análise
da linguagem natural que prioriza a língua como um instrumento para a organização,
processamento e transmissão de informação. Em termos metodológicos, a análise 287
da base conceitual e experiencial das categorias lingüísticas é de suma importância
para a Lingüística Cognitiva. Ela considera a linguagem primeiramente como um
sistema de categorias. As estruturas formais da linguagem não são estudadas como
estruturas autônomas, mas como reflexo da organização conceitual geral, princípios de
categorização, mecanismos processuais e experimentais e influências ambientais.
Pelo fato de ver a linguagem como parte das capacidades cognitivas gerais
do homem, alguns tópicos são de interesse especial para a lingüística cognitiva: as
características estruturais de categorização da linguagem natural; a interface conceitual
entre sintaxe e semântica; a base experiencial e pragmática da língua em uso; e a relação
entre língua e pensamento, incluindo questões sobre o relativismo e os universais
conceituais.
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A metonímia, por sua vez, realiza-se dentro de um mesmo domínio, e ativa ou
realça uma categoria ou um sub-domínio por referência a outra categoria ou a outro
sub-domínio do mesmo domínio (Lakoff 1987, p. 288). As Metonímias conceptuais,
segundo Soares (1997), se baseiam em relações de contiguidade (não apenas no sentido
espacial, mas também temporal, causal ou conceptual), tradicionalmente designadas
como ‘continente pelo conteúdo’, ‘causa pelo efeito’, ‘instrumento pelo agente’,
‘matéria pelo objeto’, ‘parte pelo todo’, etc.
Para Lakoff & Johnson (1980), conceptualizamos os domínios de nossa
experiência cotidiana por meio de metáforas conceptuais, através da projeção em
outros domínios. Um exemplo clássico dessa teoria é o modo como conceptualizamos
uma discussão (um debate) através da metáfora DISCUSSÃO É GUERRA. Entre os
dois domínios estabelecem-se analogias estruturais:
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Pausa para refletir:
• Você percebe alguma metáfora nas seguintes expressões linguisticas?
“Não consigo captar essas ideias com clareza”
“ – O bebê já está a caminho? – Não, ainda não providenciamos.”
“Nosso relacionamento naufragou antes de completarmos um ano”
• Você poderia dar exemplos de expressões que realizem as metáforas?
TEMPO É DINHEIRO
DISCUSSÃO É GUERRA
TEMPO É ESPAÇO
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3.3. Modelos cognitivos e culturais
Segundo Fauconnier & Sweetser (1996, p. 8-9), “a linguagem nos permite falar
não só sobre o que é, mas também sobre o que poderia ser, o que será, do que se espera,
do que se acredita, de hipóteses, do que é visualmente esperado, do que aconteceu, do
que deveria ter acontecido, dentre outros”. Sendo assim, dependendo dos propósitos
que temos em mente, fazemos referência a diversos fatos. Para Fauconnier & Sweetser,
a idéia central é a de que quando as pessoas se envolvem em um evento de fala, espaços
mentais são construídos, estruturados, e ligados a partir da gramática, do contexto e da
cultura, e são motivados pela sua intenção comunicativa. O efeito disto é a criação de
uma rede de espaços através dos quais nos movemos à medida que o discurso ocorre. A
linguagem aciona os meios para se construir o significado, assim como o contexto em
que os participantes estão inseridos, a experiência anterior dos mesmos e as conexões
feitas a partir das construções de espaços mentais. “É inerente à cognição humana
contextualizar e acessar informações de maneira diferente em contextos diferentes”
(p. 8).
Há expressões lingüísticas que podem criar novos espaços, ligar espaços a outros
externos, ou remeter o ouvinte a um espaço anterior ou posterior, que são denominadas
de construtores de EM. Estes construtores são expressões lingüísticas variadas, desde 295
os tempos e modos verbais até sintagmas adverbiais e preposicionais que introduzem
as marcas de diferença entre um espaço e outro, projetando um domínio em outro.
Os construtores de espaço acionam, entre outros, domínios de crença (eu acho, eu
acredito, eu penso que ele é holandês); de imagem (na foto, na pintura, Cris tem olhos
azuis); espaços contrafactuais ou hipotéticos (se sua mãe estivesse viva e ouvisse tal
absurdo, ela desejaria estar morta); de gradação, escala (Macunaíma é um tipo de anti-
herói); espaços construtores de tempo (na adolescência, eu podia derrotar qualquer
um de vocês na corrida); de drama (no filme, Camila Morgado é Olga Benário); de
lugar (no nordeste todas a praias são belas); bem como espaços construtores de certos
modelos culturais como ‘no judaísmo, Jesus é apenas um homem’; ‘na lingüística, a
noção de erro é bastante diferente’; ‘no futebol americano, a trave se parece com um
ípsilon gigante’.
Os EM são constituídos de conjuntos de domínios conceptuais ou do
conhecimento oriundo de muitos domínios separados. São construídos de maneira
dinâmica na memória de trabalho, mas também se tornam arraigados na memória de
longo prazo. A experiência imediata é outra fonte para se construir espaços mentais.
O modelo dos Espaços Mentais baseia-se na capacidade da mente humana em
que a linguagem é considerada um instrumento cognitivo. Dois construtos teóricos
são pertinentes ao modelo: as noções de domínios e projeções. O princípio nuclear
da cognição humana corresponde à projeção entre domínios, desta forma operando
a produção, o fracionamento da informação, a transferência e o processamento do
sentido (Cf. SALOMÃO, 1999).
Segundo este modelo, as projeções têm como função construir e ligar
domínios. Fauconnier (1997, p. 9) afirma que para falar ou pensar sobre determinados
domínios (domínio–alvo), usamos estruturas de outro domínio (domínio–fonte) e do
correspondente vocabulário. Essas projeções ajudam-nos a entender as intenções dos
falantes no discurso e são também fontes de evidência de que a negociação conceptual
está presente na linguagem cotidiana.
De acordo com esta perspectiva, a projeção conceptual tem lugar entre espaços
mentais, que são definidos como representações temporárias construídas pelos falantes.
Estes espaços dependem em larga medida de estruturas cognitivas estáveis (como os
Modelos Cognitivos Idealizados), mas diferentemente destes, os EM são representações
de curto prazo, cuja função é responder às necessidades de conceptualização, muitas
vezes novas e mesmo únicas, dos falantes.
Esta teoria postula a existência de quatro (ou mais) espaços mentais envolvidos
no processo de projeção conceptual entre domínios: dois espaços de input (espaços
influentes correspondentes ao domínio-fonte e ao domínio-alvo), um espaço
genérico que comporta a estrutura abstrata partilhada pelos dois espaços anteriores
(e eventualmente por muitos outros) e ainda um espaço-mescla (blend), em que se
verifica a combinação, a mistura, de representações dos espaços influentes, e por vezes,
também de outros espaços mentais cuja informação é mobilizada. É desta mesclagem
que resulta uma nova conceptualização, não submissível a uma soma das estruturas
dos espaços influentes, nem a um mero conjunto de correspondências previsíveis fora
deste processo.
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