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A responsabilidade civil do Estado por erro

judiciário sob a ótica do sistema lusófono


Análise nos ordenamentos jurídicos português e
brasileiro

Vitor Luís de Almeida

Sumário
1. Introdução. 2. A definição de erro judici-
ário. 3. Obstáculos à responsabilidade civil do
Estado por erro judiciário. 4. O sistema lusófono
– análise nos ordenamentos jurídicos português
e brasileiro. 5. Conclusões.

1. Introdução
A responsabilidade patrimonial extra-
contratual do Estado pode ser entendida,
em linhas gerais, como a obrigação de repa-
rar economicamente danos lesivos à esfera
jurídica de outrem os quais lhe sejam impu-
táveis em decorrência de comportamentos
lícitos ou ilícitos, omissivos ou comissivos,
materiais ou jurídicos de seus agentes.
Como qualquer outro sujeito de direitos, o
Poder Público pode vir a causar prejuízo a
alguém, sendo, portanto, responsável pela
recomposição dos agravos oriundos de sua
ação ou abstenção lesiva.
Há muito, juristas e doutrinadores
estudam o desenvolvimento da responsa-
bilidade civil do Estado. Muito embora na
atual fase de evolução a responsabilidade
Vitor Luís de Almeida é Juiz de Direito do civil do Estado se tenha consagrado sob a
Estado de Minas Gerais. Professor em cursos
ótica da teoria objetiva, a ideia de culpa
de graduação e pós-graduação em Direito e
dos cursos de formação da PMMG. Mestrando
ainda impera com relação à responsabi-
em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito lidade decorrente dos atos jurisdicionais.
da Universidade de Lisboa/PT. Graduado e O Estado-juiz, na concretização da função
Especialista em Direito Público Municipal pela judiciária, por vezes, também gera preju-
Universidade Estadual de Montes Claros – Uni- ízos aos cidadãos e leva-os a suportarem
montes/MG. um ônus indevido.

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O presente trabalho tem por escopo ao exercício específico da função do julgador.
analisar a responsabilidade civil do Estado De outra monta, atos judiciários é expressão
decorrente do erro judiciário, partindo-se normalmente reservada aos atos adminis-
de uma tentativa de definição desse erro, trativos praticados no judiciário, seja pelo
abordando a atividade do Poder Judiciá- magistrado, seja pelos serviços auxiliares da
rio que poderá ensejar sua configuração. justiça (CARVALHO FILHO, 2007, p. 494).
Nessa perspectiva, serão analisados vários Aos atos administrativos aplica-se a re-
obstáculos à responsabilidade civil do gra da responsabilidade objetiva sem maio-
Estado pelo erro judiciário bem como sua res discussões ou debates (MEIRELLES,
realização sob a ótica objetiva ou subjetiva 2002, p. 626). Todavia, com relação ao aos
na perspectiva do sistema lusófono, es- atos judiciais ou jurisdicionais, surgem
pecialmente nos ordenamentos jurídicos alguns efeitos a serem considerados.
português e brasileiro. Não obstante a Constituição da Repúbli-
ca Federativa do Brasil apresente previsão
expressa de responsabilidade objetiva do
2. A definição de erro judiciário
Estado no que concerne aos atos adminis-
Os órgãos do Poder Judiciário têm por trativos (art. 37, §6o), Meirelles (2002, p.
função compor os conflitos de interesses 625) leciona que no caso de atos judiciais a
nos casos concretos. A essa atividade dá-se Fazenda Pública só responderá mediante
o nome de função jurisdicional ou, simples- a comprovação de culpa manifesta na sua
mente, jurisdição, a qual se realiza por meio expedição, de maneira legítima e lesiva;
de processos judiciais, ou seja, mediante eis que a própria Constituição enseja a
um sistema de composição de conflitos distinção ao referir-se apenas a agentes
ou lides. Do ponto de vista etimológico, administrativos, os quais devem ser tidos
jurisdição vem de juris dictio, significando como servidores, sem fazer alusão a agentes
o poder de julgar, de dizer o direito por públicos, que não são servidores da Admi-
meio da aplicação da lei ao caso concreto nistração Pública, mas sim membros de um
(ANNONI, 2009, p. 97-98). dos Poderes do Estado.
Segundo Francesco Carnelutti (2000, p. Nesse sentido, procurar uma definição
93), a jurisdição consiste na justa compo- jurídica de erro judiciário é tarefa extre-
sição da lide, entendendo-se como lide o mamente complexa. O erro induz um
conflito de interesses qualificado por uma caminho diferente para a solução que se
pretensão resistida. Chiovenda (1965, p. assenta em premissas diversas. Para efeito
56), por sua vez, define jurisdição como da Convenção Europeia de Direitos do
aquela que consiste na atuação da vontade Homem (CEDH, art. 6o), pode acontecer
concreta da lei, mediante substituição da em qualquer tipo de processo – civil, penal
atividade alheia pela dos órgãos públicos, ou administrativo (FERREIRA, 2008, p. 59).
seja afirmando a existência dessa vontade, O erro significa engano ou falsa con-
seja tornando-a efetiva na prática. Esses cepção acerca de um fato ou de uma
conflitos de interesses são solucionados coisa, distinguindo-se da ignorância que
pelo Poder Judiciário com fundamento em se traduz essencialmente como falta de co-
ordens abstratas – leis, costumes ou simples nhecimento. Entretanto, esse erro gerador
normas gerais – que devem ser aplicadas. da responsabilidade civil extracontratual
As expressões atos judiciais e atos judici- do Estado só se revela se estiver presente
ários suscitam algumas dúvidas quanto aos em uma manifestação judicial na qual o
seus sentidos. Como regra, a expressão atos magistrado esteja efetivamente exercendo
judiciais é empregada como indicadora de o poder jurisdicional – ou seja, o poder de
atos jurisdicionais do magistrado, relativos aplicar o Direito no caso concreto – e, ainda,

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seja reconhecido por outra decisão judicial 3. Obstáculos à responsabilidade
(FERREIRA, 2008, p. 70). civil do estado por erro judiciário
Para Hentz (1995, p. 29-39), o erro judi-
ciário opera-se sempre que o magistrado A doutrina e a jurisprudência que defen-
declara o direito a um caso concreto, sob dem a irresponsabilidade do Estado pelos
uma falsa percepção dos fatos. A decisão danos causados pelos erros judiciários
ou sentença divergente da realidade conflita podem ser vistas como últimos redutos
com os pressupostos da própria justiça, en- da irresponsabilidade civil do Estado
tre os quais se insere o conhecimento concre- (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 256). Tal dou-
to dos fatos sobre os quais incidirá a norma trina baseia-se em geral nas afirmações de
jurídica. Para o autor, as principais causas do que o Poder Judiciário é soberano; de que
erro judiciário são: a) erro ou ignorância; b) os juízes têm que agir com independência
dolo, simulação ou fraude; c) erro decorrente e imparcialidade no exercício das funções,
de culpa; d) decisão contrária à prova dos sem temor de que suas decisões possam
autos; e) erro provocado não imputável ao vir a ensejar responsabilidade do Estado;
julgador; f) errada interpretação da lei; g) de que o magistrado não é funcionário
erro judiciário decorrente de aplicação da lei. público; e de que a indenização decorren-
Divergindo em parte, Rui Stoco (2011, p. te de erro de decisão judicial infringiria a
1187) leciona que apenas o erro substancial segurança jurídica e a imutabilidade da
e inescusável, fundado no dolo, na fraude coisa julgada.
ou na culpa stricto sensu, poderá ensejar a Para aqueles que, no Brasil, argumentam
responsabilidade do Estado pelo erro judi- a tese da ausência de texto legal, ressalta-se
ciário – posição com a qual concordamos. que a responsabilidade do Poder Judiciário
Quanto à natureza jurisdicional do ato, encontra sustentáculo nos art. 5o, LXXV e
pondera-se que ele independe de seu autor, art. 37, §6o da Constituição da República;
podendo ser realizado por um juiz ou órgão art. 630 do Código de Processo Penal; art.
coletivo de julgadores, o que por si só não 133 do Código de Processo Civil, entre ou-
empresta necessariamente ao mesmo um tros. O que se discute é o âmbito de atuação
caráter jurisdicional. Importante se faz ave- dessas regras e não sua inexistência.
riguar se o ato é materialmente jurisdicional, Entretanto, também na jurisprudência
ou seja, se foi emanado com a inequívoca brasileira, há quem afirme que os atos ju-
função de resolver um conflito de interesses. risdicionais típicos, em processos judiciais,
De outro lado, é possível ainda verificar que diante de suas peculiaridades, são, em re-
atos materialmente jurisdicionais podem gra, incapazes de gerar a responsabilidade
não ter magistrados como autores, como estatal, pois são protegidos pelo princípio
sucede em Portugal, com atos praticados da soberania do Estado, refletido no pró-
em sede de execução fiscal realizados pelo prio ato judicial, e também pelo princípio
Chefe do Serviço de Finanças ou pelos da recorribilidade dos atos jurisdicionais,
agentes de execução no contexto da ação sendo que, ausente a interposição de recur-
executiva cível (FERNANDEZ, 2011, p. 14- so próprio, a inércia da parte impossibilita
22). Em todos esses casos também é possível qualquer indenização. Por outro lado, se o
a ocorrência do erro judiciário, naquele país. ato foi confirmado pelas instâncias supe-
Não obstante a divergência, para fins riores, é porque era lícito e legítimo, sendo
de análise do presente trabalho preferi- inviável a produção de danos à parte1.
mos definir o erro judiciário como aquele
decorrente do típico e efetivo exercício da 1
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
atividade jurisdicional realizada pelo ma- acórdão nos autos da apelação cível no 0068583-
gistrado, integrante do Poder Judiciário. 66.2005.8.13.0473, Relator: Des. Nilo Lacerda.

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Nesse particular, em contraposição ao Os três Poderes, não obstante exerçam
argumento exposto, cumpre-nos trazer à suas atribuições como componentes do
lume os ensinamentos de Rui Stoco (1997, p. Estado, e o façam em seu nome, não são
412) ao lecionar que, nos dias atuais, a nega- soberanos. Apenas implementam e tornam
tiva da responsabilidade civil do Estado em factível a soberania na medida em que
face do ato jurisdicional danoso, demonstra exercem suas funções constitucionalmente
uma verdadeira fuga da realidade, olvi- previstas. Portanto, a ideia da irresponsa-
dando-se evidentes avanços na dogmática bilidade sob tal argumento é falha, pois,
jurídica, que a sociedade moderna impõe. se fosse aceitável, o Estado também não
Afinal o Direito é dinâmico, cumprindo- poderia responder por atos praticados pelo
-lhe acompanhar a evolução constante Poder Executivo, em relação aos quais não
das relações sociais e os seus reclamos, de se contesta a responsabilidade (DI PIETRO,
modo que, se a lei não as acompanha e se 2004, p. 558).
anacroniza, cabe ao intérprete adequá-la
às novas situações. Ademais, nesse ponto, 3.2. O magistrado como agente público
o art. 37, §6o, da Constituição da República, Corrente doutrinária e jurisprudencial
não concedeu qualquer franquia ou pri- defende ainda a aplicação da irrespon-
vilégio à atividade jurisdicional exercida sabilidade com espeque na circunstância
pelo Estado. de não ser o magistrado um funcionário
Não obstante a ampla aceitação da tese público, mas sim um órgão do Estado ou
da responsabilidade civil do Estado por funcionário sui generis.
erro judiciário, passaremos a tratar dos Apesar do respeito à tese exposta, en-
principais obstáculos a esta responsabili- tende-se que o argumento não é aceitável,
dade. tendo em vista que o magistrado ocupa car-
go público criado por lei e que se enquadra
3.1. A soberania
no conceito legal dessa categoria funcional.
Com relação ao primeiro grande obstá- Ademais, o art. 37, §6o, da Constituição
culo da responsabilidade civil do Estado da República emprega o vocábulo agente,
por erro judiciário, sustenta-se a irrespon- abrangendo assim todas as categorias de
sabilidade sob o argumento de que a ati- pessoas que, a qualquer título, prestam
vidade jurisdicional se apresenta como es- serviços ao Estado2.
correita manifestação da soberania estatal. Argumente-se que após a Constitui-
O Poder Judiciário, portanto, no exercício ção brasileira de 1988 restou fortalecida a
soberano de suas atribuições seria intocá- corrente doutrinária que advoga a ampla
vel, não se admitindo a responsabilidade responsabilidade do Estado por atos judi-
por seus atos, ainda que eivados de erro e ciais, fundada na teoria do risco adminis-
causadores de danos a terceiros. trativo. Nesse sentido, sustentou-se que o
Entretanto, tem-se que a soberania é serviço judiciário é uma espécie do gênero
atributo do Estado e não de seus Poderes, serviço público do Estado e o magistrado,
que exercem a “soberania estatal” designa- na qualidade de prestador desse serviço,
da a cada um nos limites constitucionais.
Soberania significa poder supremo, o que 2
Na célebre discussão travada no Supremo
não denota dizer absoluto ou não sujeito à Tribunal Federal entre os Ministros Aliomar Baleeiro
ordem jurídica. Assim, a ideia do exercício e Luiz Gallotti, na vigência da Constituição brasileira
de 1967, sustentava-se que o art. 107 daquela Lei
da jurisdição como manifestação da sobe-
Fundamental, que disciplinava a responsabilidade do
rania não desobriga o Estado do dever de Estado, não se aplicava ao Judiciário porque estava
indenizar terceiros pelos prejuízos oriun- situado no capítulo do Poder Executivo, na seção
dos de seus atos. relativa aos funcionários públicos (RTJ 64/708-710).

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é um agente público, em regime especial, na contribuição para a elaboração de uma
que atua em nome do Estado, sendo-lhe justa decisão por parte do julgador. Por
aplicável o artigo 37, §6o, da Constituição isso, sua apreciação e conclusão serão reali-
Federal (DERGINT, 1994, p. 160-161). zadas com base nos elementos e discussões
constantes nos autos.
3.3. O contraditório, a cooperação e o Por consequência, no âmbito da função
duplo grau de jurisdição jurisdicional, a atividade da parte interfere
Na esteira desse entendimento, também sobremaneira no plano da atividade dos
se revela digno de observação o argumen- julgadores, dificilmente se vislumbrando
to pautado na aplicação do princípio do situações em que o lesado não possa ter
devido processo legal, que enseja a trans- influenciado decisivamente na atividade
formação do processo em uma estrutura in judicando. Todavia, o princípio da cola-
cooperatória na qual a garantia de impar- boração também investe as partes no dever
cialidade da jurisdição brota da colaboração de cooperação com o julgador com vistas à
entre as partes e o juiz. descoberta da verdade fática.
Apesar de válida, é hoje tida como Apesar dessa válida defesa, o magis-
restritiva a conceituação do princípio do trado poderá formar seu convencimento
contraditório, tradicionalmente entendido contrariando a prova colacionada pela
como a oportunidade dada a uma parte de parte, o que resulta no fato de que apesar do
se pronunciar sobre o pedido formulado contraditório e da cooperação, esse ônus de
pela parte contrária antes da decisão. Na cumulação da responsabilidade só poderá
esteira dos ensinamentos de José Lebre ser investido à parte nos casos de falsifica-
de Freitas (2009, p. 108-109), tal definição ção de documentos ou simulação de outras
é contemporaneamente substituída por provas, que efetivamente leve o magistrado
uma noção mais lata de contraditoriedade, a proceder uma errônea avaliação dos fatos.
com origem na constitucional garantia do Outro obstáculo importante revela-se
rechtliches Gehör (o “direito de ser ouvido”, no princípio da recorribilidade dos atos
conforme o artigo 103, I, da Lei Funda- jurisdicionais. Se um ato do julgador pre-
mental Alemã), entendida como garantia judica o interesse da parte no processo,
de efetiva participação das partes no de- tem esta ao seu alcance os mecanismos
senvolvimento do processo, mediante a recursais, remédios constitucionais e até
possibilidade de influírem, em igualdade mesmo ações especiais para postular a re-
de condições, em todos os elementos fáticos visão. É a afirmação do princípio do duplo
ou jurídicos que se encontrem ligados ao grau de jurisdição, que garante à parte a
objeto da causa, podendo assim influen- possibilidade de revisão da decisão tendo
ciarem definitivamente na solução da lide, em vista a falibilidade humana e a eventual
incidindo ativamente no desenvolvimento divergência de posicionamentos jurídicos
e êxito do processo. entre os distintos julgadores que podem
Assim, seja no plano dos acontecimen- atuar no processo, em diferentes graus de
tos, seja no plano do direito, é facultado às jurisdição.
partes a proposição e realização de todos os Nessa perspectiva, Calamandrei (1945,
meios de prova em direito admitidos, que p. 393 et seq.) defende que o sistema de
sejam relevantes e pertinentes ao deslinde recursos e a hierarquia jurisdicional de
dos fatos, bem como a discussão efetiva instâncias contribuem para o sucessivo
dos fundamentos de direito sobre os quais aperfeiçoamento das decisões, reduzindo
a questão litigiosa se assenta. É preciso substancialmente a possibilidade de ocor-
entender, entretanto, que essa garantia rência de uma sentença injusta, pautada em
também se revela como ônus das partes um erro judiciário.

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3.4. A independência do Poder Judiciário e o judicial, o magistrado procura reconstruir
princípio do livre convencimento motivado os fatos históricos revelados pelo conjunto
probatório do processo, interpretando-os
Os defensores da irresponsabilidade
de acordo com as normas legais abstrata-
baseada na independência do Poder Judi-
mente dispostas, aplicáveis ao caso.
ciário argumentam ser esta uma garantia
Importante ainda salientar que o concei-
constitucional para salvaguardar a impar-
to de verdade acolhido em matéria cientí-
cialidade do juiz, valor essencial à aplicação
fica não se coaduna com aquele revelado
da justiça.
em matéria jurídico-processual. Com efeito,
A tese é contraposta sob o fundamento
cientificamente, considera-se obtida a ver-
de que a independência funcional se reve-
dade quando a proposição a ser formulada
la como atributo inerente a cada um dos
como hipótese corresponde exatamente ao
Poderes, não podendo ainda ser tida como
fenômeno observado. Em contrapartida,
absoluta, mesmo porque deve ser entendi-
no campo jurídico-processual, a verdade
da como garantia do cidadão à prestação
é reconstruída por meio das provas, o que
jurisdicional justa, idônea e imparcial. No
impede o conhecimento de uma verdade
máximo, a independência do julgador justi-
“total” pelo juiz, eis que as possibilidades
ficaria a irresponsabilidade pessoal do juiz.
de conhecimento humano sobre fatos já
Por outro lado, ao elaborar suas deci-
ocorridos são limitadas. Não se objetiva,
sões, o magistrado verifica inicialmente
portanto, a inatingível reconstrução per-
a ocorrência dos fatos historicamente
feita do fato, mas sim aquela razoável,
relatados pelas partes. Em momento pos-
baseada nos meios probatórios4 realizados
terior interpreta as normas abstratamente
no processo, que respeite os princípios ló-
aplicáveis ao caso para, ao final, valorar a
gicos e jurídicos norteadores da atividade
subsunção do fato à norma, chegando as-
judicial. Essa imperfeita reconstrução da
sim à conclusão. A decisão é definida como
realidade fática pode gerar um equívoco na
um silogismo: o fato historicamente recons-
análise judicial do caso e, por consequência,
truído por meio das provas caracteriza a
um erro judiciário ainda que sem atividade
premissa menor; a norma aplicável ao caso
dolosa ou mesmo culposa do magistrado.
dá ensejo à premissa maior; a conclusão
Nessa linha de raciocínio, a decisão ju-
manifesta a síntese obtida da subsunção do
dicial, quando suficientemente fundamen-
fato (premissa menor) à norma (premissa
tada e proferida em processo onde haja a
maior).
obediência aos princípios do contraditório,
Essa valoração realizada pelo julgador
ampla defesa e do devido processo legal,
segundo o princípio lógico é fruto do pensa-
não poderia ensejar uma responsabilidade
mento filosófico e jurídico elaborado desde
objetiva do Estado, quando posteriormente
os tempos remotos das culturas gregas e la-
revista em grau de recurso, ou mesmo pela
tinas. Mediante a utilização dessa técnica de
via da ação rescisória ou ação anulatória no
raciocínio, evita-se que aspectos intuitivos
cível ou revisão no criminal. Interpretação
ou irracionais eventualmente manifestados
diversa implicaria total violação do princí-
sejam considerados no momento da deci-
pio do livre convencimento motivado do
são. É imposta ao julgador a obrigação de
juiz, afetando irremediavelmente a segu-
utilizar-se apenas de critérios racionais, os
rança de qualquer magistrado para avaliar
quais devem estar expressos na motivação
e valorar as provas e adotar a interpretação
das decisões3. Na fundamentação do ato

3
No Brasil a motivação das decisões judiciais é 4
Para Ferrajoli (1989, p.98) as provas são “even-
norma constitucionalmente prevista no art. 93, IX, da tos presentes interpretáveis como sinais de eventos
Constituição da República. passados”.

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dos fatos e da norma que entendesse como A irresponsabilidade seria corolário do
mais adequada ao caso concreto. princípio da segurança jurídica, que norteia
No que concerne ao argumento de que a a atividade jurisdicional e da sociedade,
garantia de independência da Magistratura necessário para o equilíbrio das relações
representa obstáculo à responsabilização negociais e pessoais. A responsabilidade
do Estado por atos jurisdicionais, Ruy afrontaria ainda o conteúdo da utilidade
Rosado Aguiar Júnior (2007, p. 70) obtem- social da sentença, porque afetaria a de-
pera que a independência do magistrado finitividade do provimento jurisdicional.
e o espaço interno de liberdade para a Entretanto, no direito brasileiro a força
decisão não justificam a pretendida isenção da coisa julgada pode sofrer restrições na
estatal, pois revela-se absolutamente certo medida em que se admite a ação rescisória
que a necessidade de interpretar a lei e de cível e a revisão criminal. Pedro Lessa
constantemente escolher entre diversas (apud CAVALIERI FILHO, 2009, p. 257)
alternativas possíveis, cada uma delas de- sustentava que se o lesado pudesse levantar
terminante de sacrifícios e perdas para uma a questão da responsabilidade do Estado
das partes, são peculiaridades que fazem em face de uma sentença definitiva, abriria
necessária a configuração de um sistema um novo litígio sobre a questão já ultimada.
que prescreve essa liberdade, a fim de que o De outro norte, há quem defenda que o
julgador não seja atormentado, a cada vista fato de ser o Estado condenado a pagar a
dos autos, pela preocupação com os efeitos indenização decorrente de dano ocasionado
de uma possível ação ressarcitória contra por ato judicial não implicaria mudança na
o Estado ou contra ele mesmo. Por isso, decisão judicial. A decisão continuaria a va-
cumpre estabelecer um sistema que elimine ler para ambas as partes, que continuariam
o risco de que suas sentenças não reflitam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, a
os imperativos de sua consciência, mas o qual permanece intangível. Ao Estado ca-
cuidado por sua segurança, o que se obtém berá responder pelo prejuízo que a decisão
garantindo-se-lhe, de um lado, a liberdade imutável ocasionou a uma das partes, em
na escolha do conteúdo da decisão e, de decorrência do erro judiciário (CAVALIERI
outro, impondo-se-lhe a exigência de fun- FILHO, 2009, p. 559).
damentar todas as suas decisões de caráter Há que se distinguir a coisa julgada da
jurisdicional, com o que se afasta, a priori, a coisa soberanamente julgada, sendo esta
possibilidade do arbítrio, atribuindo-se ao totalmente irreversível por qualquer re-
julgador o dever de se manter nos limites curso ou ação desconstitutiva, enquanto a
do ordenamento jurídico vigente. primeira poderá ser fulminada pelas ações
de rescisão ou revisão.
3.5. A coisa julgada e o princípio da Embora possa parecer injusto que uma
segurança jurídica parte seja beneficiada pela coisa julgada
Por fim, a coisa julgada apresenta-se enquanto a outra é ressarcida pelo Estado,
como a última tese e a de mais ampla acei- deve-se ter em mente que se está diante
tação para obstar a responsabilidade do de dois institutos distintos criados para
Estado pelo judiciário, e entendida como disciplinar os conflitos sociais e garantir a
instituto jurídico, intimamente ligado ao segurança aos cidadãos. Se, por um lado,
princípio da segurança jurídica, aplicado no negar a coisa soberanamente julgada e seus
intuito de garantir definitividade à solução efeitos, permitindo uma indefinida revisão
dos litígios. atemporal e infinita, significaria fragilizar
Segundo os defensores desse argumen- todo o ordenamento jurídico, imperando
to, a sentença judicial, erigida em coisa a insegurança e descrença na realização da
julgada, é dotada da presunção de verdade. justiça, por outro, negar ao injustiçado a de-

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vida indenização pela prestação jurisdicio- fique desde logo evidenciado, tornando-se
nal defeituosa significaria fazê-lo suportar possível a imediata ação de indenização,
sozinho todas as possíveis falhas da ativida- a exemplo do excesso do tempo de prisão
de estatal. Afinal, como bem observado por por omissão, prisão de pessoa errada por
Cappelletti (1989, p. 29), a força do princípio homonímia, atos praticados com abuso de
da coisa julgada não está, em particular, nos autoridade, prisão sem formalidades legais,
ditames de uma lógica abstrata, mas apenas entre outros.
nos valores e fins que os sistemas jurídicos Por consequência, é certo que a coisa
objetivam perseguir por meio dele. julgada se caracteriza como manifestação
Nesse ponto, apesar dos posicionamen- explícita e concreta do princípio da segu-
tos em sentido diverso, mostra-se mais rança jurídica, um dos mais importantes
adequada a posição de Stoco (2011, p. 1189), do Direito. No entanto, não se pode olvi-
filiada à corrente doutrinária fundada no dar que a intangibilidade da coisa julgada
sentido de que a sustação dos efeitos da não é um princípio absoluto, quer dizer,
coisa julgada figura como condição para o admite exceções expressamente previstas
reconhecimento do erro judiciário e a im- pelo ordenamento jurídico brasileiro, a
putação do dever de indenizar do Estado. exemplo da ação rescisória, no âmbito cível
Em outras palavras, a revisão ou rescisão (art. 485, do Código de Processo Civil), e
do julgado pela via própria, seja ação de a revisão criminal (art. 622, do Código de
revisão no âmbito criminal, seja ação res- Processo Penal).
cisória no âmbito cível, apresenta-se como No âmbito criminal não haverá, por-
condição indispensável à configuração do tanto, incidência da coisa soberanamente
erro judiciário e à sua reparação5. julgada, já que a revisão criminal poderá
Aceitar a tese de desnecessidade de des- ser ajuizada a qualquer tempo, em favor do
constituição do julgado para configuração réu. Na esfera cível, por sua vez, a ação res-
do erro judiciário geraria a instalação de um cisória ajuizada com o objetivo de rescindir
completo ambiente de incerteza jurídica, ou desconstituir a coisa julgada deverá ser
com desestabilização dos julgados, fazen- proposta no prazo máximo de dois anos.
do-se tábula rasa do instituto garantidor e Ultrapassado esse período, formar-se-á o
estabilizador da coisa julgada, fomento do fenômeno da coisa soberanamente julga-
princípio da segurança jurídica. da, a qual, já não podendo ser rescindida,
Em apoio a esse entendimento, Ardant não poderá ensejar a responsabilidade do
(1956, p. 182 et seq.) argumenta que a Estado, ainda que ocorra o erro judiciário,
autoridade da coisa julgada se opõe a que tendo em vista a necessidade de provimen-
seja levado de novo à Justiça o litígio já to dessa desconstituição, sob pena de clara
decidido, acrescentando, com a invocação violação ao princípio da segurança jurídica
do princípio da paz social, que a força legal e ao próprio Estado Democrático de Direito.
inerente ao ato jurisdicional paralisa toda
tentativa de reabrir a questão, pois “mais 4. O sistema lusófono – análise
vale uma injustiça, do que a subversão da nos ordenamentos jurídicos
própria justiça”. português e brasileiro
A exigência da desconstituição do
julgado como pré-condição, obviamente, Não obstante a ampla divulgação dos
só se refere à decisão de mérito. Casos sistemas germânico e francês de responsa-
poderão ocorrer em que o erro judicial bilidade civil, Menezes Cordeiro (2010) de-
fende com primazia e brilhantismo a exis-
5
Nesse sentido também é o escólio de Juary C. tência autônoma de um sistema lusófono,
Silva (1985, p. 174). presente em países de quatro continentes,

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o qual, apesar de conter conceitos daqueles do Estado às ações ou omissões praticadas
dois sistemas, revela especificidades que no exercício da função jurisdicional, desde
lhe garantem a necessária distinção. que seja possível identificar os pressupostos
Aderindo a esse entendimento, pas- da responsabilização, inclusive o dolo ou
saremos a analisar a responsabilidade a culpa, caracterizadores da responsabili-
civil por erro judiciário em dois dos mais dade subjetiva do Estado. Neste ínterim,
importantes ordenamentos jurídicos que a Constituição portuguesa prevê em seus
compõem o sistema lusófono – o português artigos 27o, no 5 e 29o, no 6, a possibilidade de
e o brasileiro. indenização por privação inconstitucional
ou ilegal da liberdade e no caso de con-
4.1. No ordenamento jurídico português denação criminal injusta posteriormente
Também em Portugal não se podem con- declarada por revisão de sentença.
fundir as funções atribuídas ao Estado, sen- Em alargamento a essa responsabilida-
do que todas elas se revelam como geradoras de, na sequência dos comandos constitu-
de responsabilidade civil, quando ocorridos cionais, no plano criminal, o art. 225o do
danos ao particular, causados pelos órgãos Código de Processo Penal português prevê
ou agentes públicos. Consoante os ensina- a responsabilidade em razão da prisão
mentos de Jorge Miranda (2004, p. 29-34), preventiva ilegal quando restar configu-
apesar da existência de zonas de fronteira, rado o erro manifesto, também entendido
as funções administrativa e jurisdicional como o erro grosseiro, notório, evidente,
não se confundem. A primeira (administra- indesculpável ou que se encontra além do
tiva) tem por objetivo realizar os interesses natural limite da incerteza que permeia
públicos decorrentes das necessidades co- a decisão judicial. Apenas com base nos
letivas prescritas em lei, sendo o processo fatos, elementos e circunstâncias ocorridas
administrativo desenvolvido para execução quando da decretação da prisão, o eventu-
dessas normas dotado das características da al erro poderá ser avaliado e qualificado
parcialidade e iniciativa. Por outro lado, a como grosseiro ou temerário, ensejando a
função jurisdicional define e aplica o Direito responsabilidade6.
aos casos concretos em que estão presentes O erro temerário pode ser entendido
os litígios entre particulares, entre estes e en- como aquele que, integrando um erro
tidades públicas ou mesmo entre entidades decorrente da violação de solução que
públicas, além de apreciar abstratamente a elementos de fato notória ou manifesta-
constitucionalidade e a legalidade dos atos mente aconselham, se situa num nível de
jurídicos. Nesses conflitos de interesses, indesculpabilidade e elevada gravidade,
torna-se essencial que o órgão jurisdicional embora de menor grau que o erro grosseiro
verifique as circunstâncias em que o pro- propriamente dito, o qual é fundado na
blema se apresenta, defina com precisão explícita violação de regras legais ou juízos
os elementos dos fatos constitutivos, para lógicos que gerem decisões contraditórias
só depois aplicar o Direito de forma justa. ou arbitrárias, analisadas à luz de um juiz
De tal modo, nesse processo jurisdicional, de médio saber, razoavelmente cauteloso e
a atuação do Estado é caracterizada pela ponderado na valoração dos pressupostos
imparcialidade e pela passividade. fáticos e jurídicos de sua decisão7.
Não obstante as discussões sobre o as-
sunto, concordamos com Canotilho e Vital 6
Supremo Tribunal de Justiça: Acórdão nos
Moreira (2007, p. 430) quando concluem autos do processo no 5715/04.1TVLSB.L1.S1, 6a Seção,
Relator: Azevedo Ramos, datado de 22.3.2011.
que, sob o ponto de vista jurídico-consti- 7
Supremo Tribunal de Justiça: Acórdão nos autos
tucional, inexiste fundamento para a não do processo n o 1268/03.6TBPMS.L1.S1, 1 a Seção,
aplicação da norma de responsabilidade Relator: Moreira Alves, datado de 11.10.2011. No

Brasília a. 49 n. 196 out./dez. 2012 267


Parafraseando Jiménez Lechuga, Ca- e democrática respeitadora dos direitos
tarino (2002, p. 269), ao elaborar trabalho fundamentais dos cidadãos e regida pela
de contribuição para a reforma sobre a Justiça e pelo Direito, o que nem sempre
responsabilidade civil extracontratual do aconteceu. Foi grande a evolução que se
Estado, em Portugal, afirma que uma das verificou desde a época em que a irrespon-
pechas da responsabilidade do Estado jul- sabilidade da Administração e das demais
gador decorre da consideração por parte da entidades públicas era a regra.
doutrina de que o juiz é vox iuris, ou seja, Em matéria cível, apenas com o advento
órgão do Direito e não do Estado, quando da Lei no 67, de 31 de dezembro de 2007, que
na realidade o Poder Jurisdicional é exer- aprovou o Regime da Responsabilidade
cido por um órgão estatal. Civil Extracontratual do Estado e Demais
Em Portugal, as dificuldades da aceita- Entidades Públicas, o ordenamento jurídico
ção do erro judiciário também decorrem de português passou a dispor, de forma clara,
dogmas como o caso julgado e de valores sobre um novo regime de responsabilização
associados à segurança, justiça e confiança, do Estado num plano tríplice: administra-
além da utilização dos meios recursais. tivo, jurisdicional e legislativo. Tratou-se
Em qualquer processo, faz-se apelo à no plano interno de garantir efetividade
realidade formal, previamente valorada, ao art. 22o da Constituição da República
existindo sempre uma margem de livre apre- Portuguesa e no plano externo, de aderir-se
ciação, quando não é possível ao julgador às exigências da jurisprudência comuni-
formar um juízo seguro, ocasiões nas quais tária no que toca à responsabilidade dos
deve optar pelo plausível, visto que não lhe Estados-membros por violação do Direito
é possível, como ao cientista, simplesmente Comunitário (GOMES, 2010, p. 219)8.
recusar uma decisão. Nesses casos é admis- O art. 13o do anexo de referida norma
sível a ocorrência do erro de fato. legislativa condensa a responsabilidade ci-
Por sua vez, o erro de direito pode ser vil por erro judiciário derivada de decisões
verificado em uma sentença baseada em judiciais causadoras de danos, às quais a
legislação já revogada ou mesmo após a lei tipifica como decisões “manifestamente
ocorrência da prescrição. Também nesses inconstitucionais ou ilegais”, ou como de-
casos deve haver uma subjetivação dos cisões “injustificadas por erro grosseiro na
casos de erro, exigindo-se a qualificação apreciação dos respectivos pressupostos de
como erro grosseiro ou manifesto, a inten- fato”. Assim, a existência de culpa grave,
sidade como erro claro e indiscutivelmente dolo ou mesmo de culpa leve, presumível
causador de prejuízos, ou a temporalidade nos dizeres de Fonseca (2008, p. 55), são
(CATARINO, 2002, p. 275-276). requisitos necessários à configuração da
A responsabilidade civil do Estado por responsabilidade civil.
danos causados aos particulares no exercí- Consoante a lição de Menezes Cordei-
cio das suas funções afigura-se hoje como ro (2010, p. 649-650), na responsabilidade
imperativo de uma sociedade moderna civil por danos decorrentes do exercício
da função jurisdicional, a Lei no 67/2007
mesmo sentido acórdãos do Supremo Tribunal de distingue: o regime geral aplicável quando
Justiça nos autos do processo no 368/09.3YFLSB, 1a
Seção. Relator: Sebastião Póvoas, datado de 8.9.2009;
falhe um prazo razoável para a decisão,
processo no 08B1747, Relator: Santos Bernardino,
datado de 11.9.2008; processo n o 08B84, Relator: 8
Em sentido contrário, defendendo que a atual
Salvador Costa, datado de 29.1.2008; processo no legislação portuguesa encontra-se em contraposição
06a 1979, Relator: João Camilo, datado de 18.7.2006; ao direito da União Europeia no que diz respeito
processo no 04B2543, Relator: Araújo Barros, datado ao regime aplicável à responsabilidade por danos
de 19.10.2004; processo no 03B3341, Relator: Oliveira decorrentes da função jurisdicional em matéria de erro
Barros, datado de 27.11.2003. judiciário, leciona Mesquita (2011, p. 6-13).

268 Revista de Informação Legislativa


que equivale ao regime da responsabili- que nem todo erro judiciário gera a obri-
dade civil por fatos ilícitos cometidos no gação de indenizar por parte do Estado,
exercício da função administrativa (art. admitindo uma margem de erro tolerável,
12o); a responsabilidade por erro judiciário, que não é indenizável, ainda que provoque
na qual o Estado responde nos casos de danos. A indenização é fundada apenas no
decisão manifestamente inconstitucional, caso de decisões manifestamente descon-
ilegal ou injustificada pelo erro grosseiro formes com o ordenamento jurídico ou com
na apreciação dos respectivos pressupostos os valores por ele acolhidos.
de fato (art. 13o); a responsabilidade dos Anteriormente à vigência da Lei n o
magistrados apenas na forma de direito de 67/2007, a jurisprudência portuguesa che-
regresso, quando tenham agido com dolo gou a entender que também na responsabi-
ou culpa grave (art. 14o, no 1)9. lidade pelo erro judiciário a procedência do
Impende ressaltar que nos dizeres da pedido dependeria de alegação e prova por
Carla Amado Gomes (2010, p. 223 e ss.), o parte do autor do fato voluntário e ilícito,
legislador português ressalvou o erro judi- da culpa, do dano e do nexo de causalidade
ciário da aplicação do regime a que remete estabelecido entre o ato ilícito e o dano10.
ao art. 12o, porque, na verdade, o art. 13o Com efeito, para Fernandez (2011, p.
reporta-se ao erro in judicando e não ao erro 17), em virtude da modelação do elemen-
in procedendo. Como o art. 12o aponta para a to subjetivo, só se releva como orientador
“responsabilidade na administração da jus- do dever de indenizar o erro grosseiro ou
tiça”, ressalvando os artigos seguintes, seu manifesto. Os danos causados por um erro
âmbito de abrangência se revela a qualquer simples, não manifesto, intrinsecamente
ato instrumental a decisão, salvo o que se considerado como um risco próprio de
prenda com o acerto substancial do conteú- quem recorre a um processo judicial para
do destes do ponto de vista da interpretação resolver um litígio, não são ressarcíveis,
do Direito e da apreciação dos fatos. apesar da ilegalidade da decisão. Apenas
No que relaciona à responsabilidade se revela indenizável a decisão manifes-
dos atos materialmente administrativos tamente errada (manifestamente ilegal,
no seio de um processo judicial, a citada inconstitucional ou com erro sobre os
doutrinadora portuguesa ainda desenvolve pressupostos de fato em que se assentou),
entendimento no sentido de aplicação da ou seja, aquela que contém um erro osten-
figura da falta do serviço. sivo, crasso, palmar, indiscutível, capaz
Assim, se o ato não for materialmente de tornar a manifestação jurisdicional ar-
jurisdicional, o Estado poderá ser respon- bitrária, assente em conclusões absurdas,
sabilizado nos termos do art. 12o, da Lei no demonstrativas de uma atividade dolosa ou
67/2007 e, sendo-o, não tiver sido praticado altamente negligente do julgador, fundada
por um juiz, poderá ou não ser respon- em culpa grave.
sabilizado, dependendo diretamente da O art. 13o, no 1, exige ainda a prévia
qualidade do sujeito que o emanou. revogação da decisão danosa pela ju-
Como nem todos os erros asseguram risdição competente11 para dar ensejo à
ao lesado o direito à reparação, não têm responsabilidade pelo erro judiciário, o
relevância indenizatória. Só os erros ma- que pode ser tido como uma condição de
nifestamente evidentes e crassos têm esse
condão. O legislador português considerou 10
Supremo Tribunal de Justiça: acórdão no
processo no 02A4032, Relator: Moreira Camilo, datado
de 17.6.2003.
9
Tecnicamente, todos os artigos citados inerentes 11
Supremo Tribunal de Justiça: acórdão no
à Lei no 67/2007 estão contidos no anexo da referida processo no 9180/07.3TBBRG.G1.S1, 1a Secção, Relator:
norma legislativa. Moreira Camilo, datado de 3.12.2009.

Brasília a. 49 n. 196 out./dez. 2012 269


admissibilidade da ação ou mesmo como Após a análise, verifica-se que o Direi-
um pressuposto processual específico da to português possui adequada legislação
ação de indenização. Vale ressaltar que sobre a responsabilidade civil extracon-
as condições da ação ou os pressupostos tratual do Estado – especialmente a Lei no
processuais não foram instituídos como 67/2007, a qual se apresenta como diploma
forma de dificultar o acesso à jurisdição por amplo e generoso, decorrente do art. 22o da
parte dos que a ela pretendem recorrer, mas Constituição portuguesa, e que poderia ser
apenas para regular o acesso aos tribunais e utilizado como um bom paradigma para o
o recurso aos processos judiciais, de forma desenvolvimento de uma legislação espe-
que sua exigibilidade se apresenta apenas cífica no Direito brasileiro.
como obstáculo à apreciação do mérito,
com o fim de evitar pronunciamentos des- 4.2. No ordenamento jurídico brasileiro
necessários por parte do Estado julgador. No exercício da atividade tipicamente
Não basta, portanto, que a decisão seja jurisdicional, podem ocorrer os erros judi-
tida como ilegal, mas também que seja ciais (ou judiciários para efeito deste traba-
tida por ilícita, sendo desconstituída por lho), tanto in judicando como in procedendo.
decisão posterior (FERNANDEZ, 2011, p. Ao sentenciar ou decidir, o magistrado,
20). A preservação da independência dos por não ter o dom da adivinhação, está
julgadores na administração da justiça, os sujeito a erros de julgamento e raciocínio,
quais se encontram limitados pela obedi- de fato ou de direito. A possibilidade de
ência à lei e à Constituição, bem como a erros é normal e até inevitável na atividade
possibilidade de apreciação e valoração das jurisdicional.
provas e a existência de um sistema de re- Sendo impossível exercer a jurisdição
cursos organizado com base em instâncias sem eventuais erros, responsabilizar o Es-
hierarquizadas contribuem sucessivamente tado por eles, ainda quando involuntários,
para o aperfeiçoamento das decisões, dimi- inviabilizaria a própria justiça, tornando
nuindo a possibilidade de erros e injustiças irrealizável a função jurisdicional. Seria
nas manifestações jurisdicionais. exigir do Estado a prestação de uma justiça
Apesar de a responsabilidade do Estado infalível, qualidade esta, que só a justiça
pelo erro judiciário ser aplicada em tese divina pode ter (CAVALIERI FILHO, 2009,
com base na teoria objetiva, os fundamen- p. 260).
tos dessa responsabilidade pautada na ati- Justamente para evitar ou corrigir er-
vidade do magistrado como agente estatal, ros, a lei prevê os recursos, por vezes em
baseada em preceitos constitucionais ou número excessivo. A parte agravada ou
legais do ordenamento jurídico português, prejudicada por uma sentença injusta ou
é assentado, portanto, no dolo ou na culpa equivocada pede uma revisão, podendo
grave por parte do julgador, que viola a lei chegar até ao Supremo Tribunal Federal.
por manifesta negligência, analisa impru- Entretanto, uma vez esgotados os recursos,
dentemente as provas do processo ou age a coisa julgada constitui-se como um fator
de forma imperita ao decidir tecnicamente inibitório da responsabilidade do Estado,
a questão, ensejando a ocorrência do erro que tudo fez, dentro das possibilidades
grosseiro ou temerário. Por tal razão, não humanas, para garantir uma prestação
há lugar para a adoção da teoria da respon- jurisdicional efetiva e correta.
sabilidade objetiva do Estado12, mas apenas
para a teoria subjetiva.
de 20.10.2005; processo no 05A1064, Relator: Ponce
Supremo Tribunal de Justiça: acórdãos no
12
de Leão, datado de 29.6.2005 e processo no 03B4170,
processo no 05B2490, Relator: Araújo Barros, datado Relator: Lucas Coelho, datado de 19.2.2004.

270 Revista de Informação Legislativa


Toda sentença ou decisão judicial é impertinente, ou o indevido exercício da
elaborada com base em um silogismo, me- jurisdição, motivada por dolo, fraude ou
diante adoção de princípios lógicos pelo má-fé.
magistrado. Esse método lógico baseia- Ao erro de raciocínio ou de julgamento
-se nas provas colacionadas aos autos, do juiz, os sujeitos processuais estão a
sobretudo pelas partes que, com base nos todo tempo sujeitos, na medida em que a
princípios do contraditório, ampla defesa possibilidade de equívoco é inerente a qual-
e colaboração, têm garantida a ampla pos- quer atividade humana. Na tentativa de se
sibilidade de produção de todos os meios amenizarem os danos decorrentes do erro
probatórios em direito admitidos. é que o ordenamento jurídico prevê a pos-
Na doutrina brasileira, ardente defensor sibilidade de revisão das decisões judiciais
da tese da responsabilidade do Estado pelo por meio da interposição de recursos. Não
erro judiciário, Cretella Júnior (1980, p. 227) compete às partes suportar, em verdade,
afirma que os argumentos da soberania e os danos decorrentes de condutas dolosas
da incontrastabilidade da coisa julgada não e culposas praticadas pela autoridade
militam a favor da irresponsabilidade do judiciária, em claro intuito de ofender a
Estado pelos atos judiciais, em primeiro autoridade que lhe é investida, agindo com
lugar porque a soberania é do Estado, em abuso de direito e desvio de função.
segundo lugar porque a coisa julgada pode No âmbito criminal, no caso de con-
ser atacada no cível pela rescisória, ou no dutas culposas, a exemplo do magistrado
crime pela revisão. que profere sentença de forma negligente
Já Caio Mário da Silva Pereira (1992, p. sem ter apreciado devidamente as provas
142), após tecer profícuas considerações produzidas no processo, tem aplicação a in-
sobre o tema, conclui em não afirmar a denização com fulcro no art. 630 do Código
irresponsabilidade do Estado pelo fato de Processo Penal, interpretado em conjun-
da função jurisdicional, eis que no direito to com o art. 5o, LXXV, da Constituição da
moderno todo o mundo proclama a preemi- República Federativa do Brasil, garantindo
nência dos direitos humanos, aceitando que a reparação ao indivíduo condenado por
a regra da imunidade deixa ao desamparo erro judiciário.
os direitos e interesses do indivíduo, a se- O erro judiciário típico, tal como pre-
gurança e a estabilidade sociais, devendo-se visto no art. 630 do Código de Processo
considerar que a responsabilidade civil pela Penal, pode ser corrigido por outro julgado
atuação jurisdicional existe, mas somente posterior, através da apreciação da revisão
se há de aceitá-la em caráter de excepcio- criminal, prevista no art. 621 do Código de
nalidade. Processo Penal.
Por erro judiciário deve ser entendido Consoante o disposto no art. 630 do Có-
o ato jurisdicional equivocado e gravoso a digo de Processo Penal e seus parágrafos,
alguém, tanto na órbita penal como civil. o Tribunal poderá reconhecer o direito a
Ato emanado da atuação judicial do magis- uma justa indenização à parte interessada
trado no exercício da função jurisdicional. pelos prejuízos sofridos, desde que haja
Nem sempre será tarefa fácil identificar o requerimento nesse sentido. Essa indeni-
erro, pois para sua configuração não basta zação será suportada pela União ou pelos
a mera injustiça da decisão, tampouco a Estados-membros, dependendo da esfera
divergência na interpretação da lei ou na do Poder Judiciário na qual foi proferida
apreciação da prova. Será preciso uma a decisão que causou o dano. Entretanto,
decisão contrária à lei ou à realidade fática, tal indenização não será devida desde que
como, por exemplo, a condenação de pes- a injustiça da condenação tenha por base
soa errada, aplicação de dispositivo legal ato ou falta imputável à própria parte,

Brasília a. 49 n. 196 out./dez. 2012 271


como confissão ou ocultação de prova em Revelando-se dolosa a conduta, há viola-
seu poder. ção dos deveres funcionais, não só da Lei
A mitigação da regra geral da inde- Orgânica da Magistratura, mas também de
nização e a necessidade da procedência aplicação do art. 133 do Código de Processo
da revisão criminal, também dão azo à Civil brasileiro. Apesar da celeuma jurídica
aplicação da responsabilidade subjetiva da asseverada por parte da doutrina e juris-
Administração Pública ao erro judiciário. prudência brasileiras, a responsabilidade
Caso fosse aplicada a teoria da responsabi- civil do Estado pelo erro judiciário não
lidade objetiva, desnecessária seria a apli- encontra fundamento na norma exposta no
cação do instrumento da revisão criminal art. 133, I, do Código de Processo Civil, que
para a declaração do erro e da consequente se aplica apenas à responsabilidade civil di-
obrigação de indenizar. Bastaria que no reta da autoridade judiciária, nas hipóteses
âmbito cível fosse demonstrado o dano. de dolo ou culpa (CAHALI, 2007, p. 471).
Há, portanto, a necessidade de qualificação O referido dispositivo legal é acompa-
do erro como intencional (dolo) ou mesmo nhado com semelhança e fidelidade pelo
culposo, causado por negligência, imperícia art. 49, da Lei Complementar n o 35, de
ou mesmo imprudência do julgador. 14.3.1979 – Lei Orgânica da Magistratura
Entretanto, só há cogitar de indenização Nacional. Por sua vez, o “projeto de lei do
na hipótese do inciso I do artigo 621 do Có- novo Código de Processo Civil”, também
digo de Processo Penal, pois esse é o único reproduz a mesma redação no art. 113, ao
caso de revisão criminal em que ocorre dispor sobre a responsabilidade do juiz.
efetivo erro do magistrado no julgamento Considerando-se o princípio do livre
da causa, ressurgindo, destarte, dessa nor- convencimento motivado e a constitucional
ma o conceito de erro judiciário na seara garantia de motivação das decisões judi-
criminal, que é dado “quando a sentença ciais, não há como se admitir que o erro
condenatória for contrária ao texto expresso judiciário possa ser antevisto, ou que reste
da lei penal ou à evidência dos autos”. caracterizado apenas porque o julgador fez
Em suma, poder-se-ia conjecturar de má subsunção do comportamento da parte
responsabilidade civil por erro judiciário no ou dos fatos inerentes ao feito à norma em
âmbito criminal, em última instância, ape- vigor à época do ocorrido, ou mesmo que
nas quando o magistrado houvesse agido tenha atuado em errônea perspectiva com
com dolo ou culpa, decidindo de forma con- falsa percepção dos fatos ou ainda que
trária a texto expresso de lei ou à evidência tenha interpretado de forma equivocada
dos autos. Essa posição coaduna-se inclusi- a norma aplicável ao caso concreto. Todas
ve com a sistemática do nosso ordenamento essas hipóteses podem até caracterizar
jurídico, já que inviável é permitir-se a o erro in judicando, mas não poderão ser
condenação ao pagamento de indenização confundidas com o erro judiciário referido
em toda e qualquer hipótese na qual uma no art. 5o, LXXV, da Constituição Federal
decisão judicial equivocada tenha causado ou no art. 630, §2o, “a”, do Código de Pro-
prejuízos ao jurisdicionado/administrado, cesso Penal.
sob pena de sacrifício à própria atividade Nesse diapasão, não se pode desprezar
do Poder Judiciário, inviabilizando-se o a advertência procedida por Kelsen (1997,
exercício da função jurisdicional por juízes p. 396) ao lecionar sobre a interpretação
dotados de independência funcional. das normas jurídicas, no sentido de que
Não se olvide ainda que, no âmbito a interpretação jurídico-científica procura
cível, há hipóteses em que o juiz pratica evitar, com o máximo cuidado, a ficção de
atos jurisdicionais com deliberado intuito que uma norma jurídica compreenda ape-
de causar prejuízo à parte ou a terceiros. nas uma interpretação correta, aplicada a

272 Revista de Informação Legislativa


todos os casos. E continua o renomado au- Além do conceito de dolo, no qual se
tor austríaco a defender que essa ficção, da exige a intenção ou assunção do risco de
qual se serve a jurisprudência tradicional produção do resultado, e de culpa, na qual
para consolidar a segurança jurídica, deve se exige a previsibilidade e atuação por
ser realizada apenas de forma aproximada, negligência, imprudência e imperícia, já
tendo em vista a plurificação interpretativa usualmente utilizados em sede de respon-
da maioria das normas jurídicas. sabilidade civil, a fraude também pode ser
A responsabilidade do julgador não indicada como um pressuposto que geraria
pode ser extraída segundo os mesmos a responsabilidade subjetiva do Estado
critérios e pressupostos utilizados para os pelo erro judiciário. A expressão “fraude”
agentes públicos em geral, que exercem deriva do latim fraus, fraudis, significando
atividades de natureza administrativa. “engano”, “má-fé”, “logro”. Segundo De
Conforme a advertência de Ghersi (2003, Plácido e Silva (1982, p. 324), entende-se
p. 66): “Naturalmente que os juízes não geralmente como o engano malicioso ou
são autômatos e sim almas, como queria ação astuciosa, promovidos de má-fé para
Montesquieu; nem estão isolados da huma- ocultação da verdade ou fuga do cumpri-
nidade, nem à margem da mentalidade, das mento do dever. É, em síntese, a intenção
atitudes e dos comportamentos da geração de causar prejuízos a terceiros.
a que pertencem”. Um dos fundamentos da responsabi-
A especial situação de agente público lidade estatal é garantir uma equânime
inerente ao magistrado apresenta-se bem repartição dos ônus provenientes de atos
conceituada por Porto (1989, p. 146) ao ou efeitos lesivos, evitando que alguns
afirmar que: “O juiz é um agente do Poder suportem prejuízos ocorridos por ocasião
Público, um funcionário público em senti- ou em decorrência de atividades desem-
do lato, mas um funcionário de categoria penhadas no interesse de todos – princípio
especial, não só porque um dos poderes da igualdade. Os riscos a que terceiros são
do Estado se exterioriza através de sua expostos pelo Estado não podem deixar de
atividade judicante, como pelas peculiari- ser assumidos por quem os criou.
dades e prerrogativas das suas funções, o A decisão judicial é ainda proferida
que o distingue das demais categorias de atendendo-se a princípios constitucionais
funcionários da Administração Pública”. que revelam a imparcialidade do poder
Nessa seara em que se busca a respon- judiciário, além do respeito ao contraditório
sabilidade do Estado pelo erro ocorrido no e ampla defesa, dando ensejo a um correto
exercício da função jurisdicional, torna-se desenvolvimento da relação processual e à
ainda necessário observar um cauteloso re- realização de uma sentença justa.
gime para vislumbrar a ocorrência do dolo, No âmbito constitucional, o art. 5o,
fraude ou culpa do magistrado, de modo LXXV da Constituição, cuida especifica-
a afastar qualquer hipótese de responsabi- mente da responsabilidade do Estado por
lidade baseada na convicção do julgador e atos judiciais, enquanto que a norma do
em sua interpretação das normas, valoração art. 37, §6o, de natureza geral, aplica-se a
das provas ou escolha da regra que melhor toda a atividade administrativa, inclusive
se subsuma ao caso fático concreto, sob à atividade judiciária (não jurisdicional)
pena de restringir sobremaneira o âmbito (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 260).
de liberdade de atuação do magistrado, A abstração das normas constitucionais
pois, na maior parte das vezes, algum dos gera, no entanto, a possibilidade de que a
litigantes se sentirá prejudicado pela deci- um determinado caso concreto possam ser
são judicial, vez que submetido ao interesse aplicadas mais de uma regra ou mais de um
ou direito da parte ex adversa. princípio, sendo que a escolha para aplica-

Brasília a. 49 n. 196 out./dez. 2012 273


ção de um ou outro, pode mudar por com- (1999, p. 73), as colisões somente podem
pleto a solução ou resultado dado ao caso. ser superadas se algum tipo de restrição ou
Os princípios têm maior grau de abstração, de sacrifício forem impostos a um ou aos
sendo possível, inclusive a aplicação de dois lados, eis que enquanto o conflito de
princípios diversos a um mesmo caso, sem regras resolve-se na dimensão da validade
que se mostrem contraditórios. As regras, com esteio em critérios como especialidade,
por sua vez, são menos abstratas sendo hierarquia ou anterioridade, o choque de
que a aplicação de uma geralmente afasta princípios encontra solução na dimensão
a aplicação de outra regra contraditória. do valor, a partir do critério da pondera-
É de se concluir, então, que o objetivo ção, que possibilita um meio-termo entre
do legislador constituinte ao formular a vinculação e a flexibilidade dos direitos.
a norma disposta no art. 5 o, LXXV, da Nesses casos, a utilização da técnica de
Constituição Federal foi o de estabelecer ponderação de valores, ou interesses, é um
temperamento ao princípio estabelecido no método que também se apresenta como um
§6o do art. 37 no tocante a atividade judicial. dos mais adequados à solução da questão.
E a harmonização desses dois dispositivos A ascendência de certos valores sobre ou-
constitucionais é perfeitamente possível tros resolveria a antinomia, por meio da
se considerarmos a necessária distinção identificação do bem jurídico tutelado das
entre a atividade jurisdicional e atividade normas em contradição, da conjugação a
judiciária, já exposta. determinados valores e da preferência à
Segundo regra elementar de herme- norma que consagre o valor dos princípios
nêutica, quando nos deparamos com duas fundamentais (VIETO, 2000, p. 102).
normas constitucionais aparentemente em Assim, na colisão de princípios existente
conflito, cabe ao intérprete compatibilizá- entre as normas do art. 5o, LXXV e art. 37,
-las, em vez de simplesmente desconsiderar §6o da Constituição da República Federa-
uma delas. tiva do Brasil, a utilização da ponderação
O método teleológico deve ser utilizado dos valores demonstra-se como eficiente
para a conclusão sobre o aparente conflito alternativa à solução do conflito.
de normas. A ideia básica da Escola Tele- Segundo a moderna doutrina, o resul-
ológica é a noção de fim, de finalidade ou tado da interpretação constitucional deve
utilidade social do Direito para servir à ainda estar conforme a razão, supondo
sociedade. O Direito seria, portanto, uma equilíbrio, moderação e harmonia. Deve
organização da utilidade do social, uma ne- existir uma relação racional e proporcional
cessidade ou finalidade socialmente útil, a entre motivos, meios e fins.
exigir consagração e proteção. Logo, o crité- Os princípios da razoabilidade e pro-
rio de interpretação aprofunda-se na busca porcionalidade são tidos como vanguar-
ou pesquisa dessa utilidade, como princípio distas no âmbito da hermenêutica jurídica.
norteador (COSTA, 1997, p. 100-101). Apesar da correlação entre eles, alguns
Como é cediço, os instrumentos e cri- teóricos e práticos do Direito procuram
térios destinados à solução de conflitos distingui-los sob o argumento inicial de que
de regras, muitas vezes são insuficientes a razoabilidade desenvolveu-se no Direito
para resolução das antinomias envolvendo norte-americano e a proporcionalidade no
princípios, sobretudo porque nenhum prin- Direito alemão, bem como justificando que
cípio, ainda que constitucional, tem caráter seus modos de aplicação são diversos. Não
absoluto. A colisão de princípios é matéria obstante, observa-se que, durante muito
de extrema importância ao Direito Cons- tempo, razoabilidade e proporcionalidade
titucional, devendo ser analisada como o foram utilizadas no Supremo Tribunal
máximo cuidado. Segundo Robert Alexy Federal de maneira indistinta.

274 Revista de Informação Legislativa


No caso específico da proporcionali- o teor dos diferentes preceitos em confor-
dade, esta pode ser entendida não como midade com o sistema, de modo unitário.
um mero princípio jurídico, mas como um A utilização conjunta dos métodos
instrumento metodológico para resolução sistemático e teleológico levam a uma
de colisão entre princípios (BONAVIDES, interpretação criativa do direito, também
2004, p. 425). defendida por Canaris (1996, p. 212-216), na
Por conseguinte, entende-se que a qual se reconhecem os graus de obtenção
utilização da proporcionalidade pode do Direito por meio da complementação
gerar uma adequada solução à colisão dos de lacunas e realização da adequação va-
princípios, também com relação a questão lorativa das diferentes normas e princípios
proposta no presente item, uma vez que sua norteadores do ordenamento jurídico.
aplicação coligada à técnica da ponderação Sob esse prisma analítico, a orientação
de valores, resulta em uma decisão mais de precedentes do Supremo Tribunal Fede-
justa e congruente com o contemporâneo ral dispõe que a responsabilidade objetiva
sistema de interpretação constitucional, do Estado não se aplica aos atos judiciais
fundado nas novas técnicas da hermenêu- praticados por juízes, salvo em casos ex-
tica jurídica. pressamente previstos em lei. Se a sobera-
A aplicação da norma prevista no art. nia estatal no Estado de Direito é balizada
5o, LXXV, com prevalência da responsabi- por normas jurídicas estabelecidas que
lidade subjetiva do Estado no caso de erro delineiam a forma e o exercício deste atri-
judiciário sobre a regra geral do artigo 37, buto indissociável do Estado, preservando
§6o, que prevê a responsabilidade objetiva os direitos fundamentais e a estrutura do
dos entes públicos, é assim a solução que ordenamento jurídico, que tem no ápice
melhor realiza os ditames da hermenêutica da pirâmide normativa a Constituição, é
constitucional, com a preservação da inde- cediço que a norma insculpida no art. 37,
pendência dos poderes e do próprio Estado §6o, da Constituição apresenta-se como uma
Democrático de Direito. regra de autodelimitação da própria ativi-
Nesse sentido, Canaris (1996, p. 159) dade soberana do Estado, o que realmente
leciona que a interpretação a partir do só pode ser realizado por norma constitu-
sistema externo apenas traduz, em certa cional. Entretanto, inferir desse dispositivo
medida, um prolongamento da interpreta- a responsabilidade objetiva pelos erros
ção gramatical, enquanto a argumentação judiciários seria contrastar com a própria
baseada no sistema interno exprime um qualidade de poder que permeia os órgãos
verdadeiro prolongamento da interpreta- judiciários, eis que, ao exercer uma função
ção teleológica, em um grau que progrida que dinama da própria soberania – deci-
da ratio legis à ratio iuris, colocando-se no dir os conflitos –, o magistrado não pode
mais alto nível entre os meios de interpre- igualar-se ao administrador público que, ao
tação. revés, exerce apenas atos de execução base-
Além da aplicação da técnica da ponde- ados na legalidade e nos demais princípios
ração de valores e do princípio da propor- da administração pública13.
cionalidade, os métodos de interpretação
sistêmico e teleológico também ensejam 13
Supremo Tribunal Federal: acórdãos no RE
o mesmo resultado para o deslinde da no 219.117-4-PR, Relator: Min. Ilmar Galvão, DJ de
questão. Essa interpretação sistemática é 29.10.1999; RE 111.609-9-AM, Relator: Min. Moreira
também tida por Canaris (1996, p. 208-209) Alves, 1Turma DJ de 19.3.1993; RE- 228.997-SP,
Relator: Min Néri da Silveira, 2Turma, DJ de 12.4.2002;
como um meio auxiliar metodológico me- RE 216.020-SP, Relator: Min. Carlos Veloso, DJ de
diante o qual se podem evitar contradições 8.10.2002; RE 553637 ED / SP, Relatora: Min. Ellen
de valores na medida em que se interprete Gracie, 2 Turma, DJ de 24.9.2009.

Brasília a. 49 n. 196 out./dez. 2012 275


Não se olvide que a atividade jurisdicio- o direito de receber eventuais indenizações
nal configura um serviço público, prestado do Estado até porque o magistrado, como
pelo Estado. Entretanto, pelos prejuízos ad- integrante do Poder Judiciário não é mero
vindos aos administrados/jurisdicionados representante ou preposto do Estado,
decorrentes de atos judiciais equivocados, executor de atividades administrativas,
posteriormente ao reconhecimento judi- mas sim um agente em regime especial,
cial do erro, responderá o Estado apenas que detentor de uma parcela da soberania
quando se comprove a culpa ou o dolo do estatal, decide a questão posta em juízo,
magistrado. Ademais, a independência de aplicando o direito de forma imparcial e
que devem gozar os juízes e as garantias apenas quando provocado.
que precisam ter para julgar sem receio Sendo inevitável a possibilidade de
estariam irremediavelmente postas em erro no exercício da função jurisdicional,
xeque caso objetivamente o Estado tivesse responsabilizar o Estado por eles, quando
que reparar eventuais danos causados pela eventuais e involuntários, comprometeria
interpretação e aplicação do direito ao caso a indispensável liberdade interior do jul-
concreto, sendo possível o exercício do gador, acabando por inviabilizar a própria
direito de regresso contra o responsável justiça. Por isso, pelos erros ou injustiças
pelo julgamento tido por errôneo e dano- decorrentes dos atos judiciais típicos, o
so. Para se corrigir uma sentença errônea Estado só responde se praticados de má-
o ordenamento processual já dispõe sobre -fé (dolo) ou culpa, ou ainda nas hipóteses
um elevado número de recursos tendo em expressamente previstas em lei.
vista a falibilidade humana do julgador. Assim, a regra do artigo 37, § 6o da
Não há de se cogitar de total irrespon- CF, de natureza geral, é aplicável a toda a
sabilidade do Estado quando do erro judi- Administração Pública, inclusive ao Poder
ciário, conforme já anteriormente decidido Judiciário quando do exercício de atividade
pelos Tribunais, na vigência de constitui- meramente administrativa. No pertinente,
ções anteriores14. Entretanto, as hipóteses a Constituição Federal adotou a respon-
autolimitadoras da soberania deverão ser sabilidade objetiva, com base na teoria do
expressas em lei (art. 5o, LXXV da Constitui- risco administrativo, segundo a qual o que
ção Federal, art. 630 do Código de Processo importa é a relação de causa e efeito, o nexo
Penal e art. 133 do Código de Processo de causalidade entre o evento e o resultado.
Civil, sendo o último aplicado ao caso da De outra senda, com relação aos atos
responsabilidade pessoal do magistrado) tipicamente jurisdicionais, o Estado respon-
frisando a responsabilidade subjetiva, sabiliza-se quando houver erro judiciário
exigindo-se desse modo a comprovação do ou em casos de excesso de cumprimento
dolo ou da culpa por parte do órgão judicial de pena, hipóteses expressamente previstas
que por ação ou omissão eventualmente pela Constituição em seu artigo 5o, inciso
acarretou dano ao jurisdicionado. LXXV, sobretudo quando evidenciado o in-
Quando o juiz profere uma sentença devido exercício da atividade jurisdicional
tida como injusta, mas efetiva-a de forma por dolo ou culpa do magistrado.
fundamentada e de boa-fé, não tem a parte De fato, por se tratar de ato judicial típi-
co, necessário que tivesse incorrido em erro
14
Supremo Tribunal Federal: acórdãos no RE o agente estatal. E para a configuração desse
46766, Embargos no Recurso Extraordinário, Relator: erro judiciário não basta a mera injustiça da
Min. ANTONIO VILLAS BOAS, Julgamento: decisão, tampouco a divergência na inter-
26.4.1963, Órgão Julgador: Tribunal Pleno e RE
35500, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator: Min.
pretação da lei ou na apreciação da prova.
ANTONIO VILLAS BOAS, Julgamento: 9.12.1958, Será necessária uma decisão contrária à lei
Órgão Julgador: Segunda Turma. ou à realidade fática, como, por exemplo,

276 Revista de Informação Legislativa


condenação de pessoa errada, aplicação de por ato judicial restringe-se às hipóteses
dispositivo legal impertinente, ou o inde- em que o juiz age com culpa ou dolo no
vido exercício da jurisdição, motivado por exercício de suas funções, sob pena de
dolo, fraude ou má-fé (CAVALIERI FILHO, se sacrificar a independência do próprio
2009, p. 281). magistrado15.
Assim considerando, a teoria da respon- Nesse sentido, também é a dicção de
sabilidade subjetiva erige em pressuposto Stoco (2011, p. 818) ao defender que não
da obrigação de indenizar, ou reparar o se olvida que a responsabilidade objetiva
dano, o comportamento doloso do agente, estabelecida no art. 37, §6o, da Constituição
ou simplesmente a sua culpa. Federal seja uma norma autolimitadora da
Nesse contexto, Aguiar Júnior (2007, soberania do Estado, na busca de maior
p. 76) leciona que o princípio da respon- proteção da hipossuficiência do cidadão em
sabilidade objetiva, que se satisfaz com a frente do aparelho estatal, exigindo apenas
ocorrência do dano, não pode ser aceito no o nexo etiológico entre o comportamento
âmbito dos atos judiciais porque sempre, e o resultado para sua responsabilização.
ou quase sempre, da atuação do Juiz na Contudo, a responsabilidade objetiva não
jurisdição contenciosa resultará alguma se pode inferir da mencionada regra ge-
perda para uma das partes. Se esse dano ral do art. 37, §6o, pela só prática de atos
fosse indenizável, transferir-se-ia para o judiciais, ainda que eivados de erros ou
Estado, na mais absoluta socialização dos equívocos, ou que não tenham solucionado
prejuízos, todos os efeitos das contendas corretamente a questão no plano fático ou
entre os particulares. Por isso a regra ampla jurídico. Permitir que sem a existência de
do art. 37, §6o, da Constituição, deve ser dolo ou culpa seja responsabilizado o Es-
trazida para os limites indicados no seu tado pelos atos dos juízes seria contrariar a
art. 5o, LXXV, que admite a indenização qualidade de Poder que permeia os órgãos
quando o ato é falho, como no caso de judiciários, pois o Judiciário, ao exercer
erro judiciário, ou quando falha o serviço, função que dimana da própria soberania,
a exemplo do excesso de prisão. A partir qual seja, decidir em última instância sobre
daí, a legislação ordinária e complementar a aplicabilidade e efetividade das normas,
vale para delinear com mais precisão os não se iguala ao seu agente ou órgão ad-
contornos dessa responsabilidade. O Esta- ministrador, que, ao revés, pratica atos
do responde, portanto, quando o Juiz age de execução regrados e informados pelo
com dolo, fraude (art. 133, I, do Código de princípio da legalidade, permitindo o am-
Processo Civil; art. 49, I da Lei Orgânica da plo controle da atividade administrativa
Magistratura), ou culpa grave, esta revela- e a direta responsabilização do Estado
da pela negligência manifesta (art. 133, II, pelo funcionamento deletério do serviço
do Código Processo Civil; arts. 49, II, e 56, público.
I, da Lei Orgânica da Magistratura) ou pela Não haveria segurança jurídica, nem
incapacitação para o trabalho (art. 56, III, da segurança pessoal do julgador se, em razão
Lei Orgânica da Magistratura), além da hi- de erro de visão da causa, desde que não
pótese de prejuízos sofridos em decorrência intencional, nem impregnado dos compo-
de erro no âmbito decisório criminal (art. nentes subjetivos da vontade de prejudicar,
630 do Código de Processo Penal). da desídia e da omissão que induzem ne-
Nos lindes do art. 37, §6o, da Constitui- gligência, se evoluísse no sentido de impor
ção da República, o Estado responde objeti-
15
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
vamente pelos danos que, nessa qualidade,
acórdão no processo no 1.0194.08.093619-9/001(1),
causar a terceiros. Entretanto, em sede de Relator: Des.(a) Dídimo Inocêncio de Paula, j. 3.2.2011,
erro judiciário, a responsabilização estatal p. 1.3.2011.

Brasília a. 49 n. 196 out./dez. 2012 277


responsabilidade ao Estado pelo ato do lizado, em que também o Estado tem que
magistrado pelo só fato de a decisão ter ser responsabilizado pela atuação de seus
sido inadequada ou não ter prevalecido, agentes, eis que, no ordenamento jurídico,
por força de sua reforma ulterior. inexistem sujeitos fora do Direito.
O julgador é inviolável e impenetrável A responsabilidade estatal apresenta-se
em sua convicção, que não pode ser colo- como um princípio de Direito Público que
cada em dúvida ou discussão, ainda que a decorre da própria noção de Estado Demo-
decisão por ele proferida não seja a melhor crático de Direito e baseia-se no princípio
ou a mais adequada, posto que falível, certo da igualdade dos ônus e encargos sociais.
que esse munus de ministrar justiça é um Implica a necessidade de haver equilíbrio
dos privilégios da soberania. entre os encargos sociais, de forma que,
De modo que o erro judiciário, de regra, quando uma pessoa sofra um ônus maior
não induz responsabilidade objetiva do Es- do que o suportado pelas demais, surge a
tado posto que o resguardo da função juris- obrigação do Estado em indenizá-la, utili-
dicional, a dignidade da Justiça, a garantia zando recursos do erário para restabelecer
da independência dos poderes, a segurança tal equilíbrio.
jurídica e a força do trânsito em julgado da É difícil definir erro judiciário. Entre-
sentença sobrepõem-se a qualquer outro in- tanto, não restam dúvidas de que tal erro
teresse individual. Interpretação contrária é decorrente apenas da efetiva atividade
seria responsável por uma mortal afronta judicial ou jurisdicional do magistrado, no
ao próprio Estado Democrático de Direito. exercício da função de julgar, não sendo
Assim, em face de tudo que foi exposto, considerados para tanto os erros decorren-
e levando-se em consideração, a interpre- tes da atividade administrativa do Poder
tação sistemática, teleológica, criativa e Judiciário.
proporcional das normas constitucionais Entre os obstáculos à responsabilidade
dispostas no art. 5o, inciso LXXV e art. 37, civil do Estado, considera-se que a aplicação
§6o, da Constituição da República Fede- dos princípios da colaboração, do contradi-
rativa do Brasil, bem como da legislação tório, do livre convencimento motivado e
ordinária correlata, entende-se que a res- da segurança jurídica apresentam-se como
ponsabilidade civil do Estado em decor- aqueles que justificadamente impedem a
rência do erro judiciário, no ordenamento responsabilização do Estado. Entretanto, o
jurídico brasileiro, adota a teoria subjetiva, principal e inafastável obstáculo é fundado
sendo necessária a configuração do dolo ou no instituto da coisa julgada, sob o qual se
culpa do magistrado quando da elaboração baseia a imutabilidade das decisões judi-
do ato decisório para gerar a indenização, ciais. Nessa ótica, para a configuração do
desde que presentes os demais requisitos erro judiciário, verifica-se imprescindível
legais e ausentes as excludentes da respon- a necessidade de reconhecimento do erro
sabilidade civil. por outra manifestação jurisdicional que
venha a desconstituir a decisão anterior,
ensejadora da lesão.
5. Conclusões
Analisando a questão sob o prisma do
A ideia da responsabilidade do Estado ordenamento jurídico português, chega-se
apresenta-se como consequência lógica e à conclusão de que naquele país, possuidor
inevitável da noção de Estado de Direito, de uma regulamentação legal específica,
sendo simples corolário da submissão do principalmente a Lei no 67/2007, apesar da
Poder Público ao Direito. A própria ideia de defesa da teoria objetiva, a responsabilida-
República (res publica – coisa pública) traz de pela atividade jurisdicional e, sobretudo,
consigo a noção de um regime instituciona- pelo erro judiciário, funda-se na teoria

278 Revista de Informação Legislativa


subjetiva, sendo necessária a configuração ção das decisões, de afronta ao próprio
do dolo ou culpa do julgador, para a carac- exercício da atividade jurisdicional e, por
terização do dever de indenizar. conseguinte, de fragilizar o próprio Estado
Já no ordenamento jurídico brasileiro, Democrático de Direito.
confrontando-se as regras constitucionais Não obstante a necessidade de respon-
aplicáveis à responsabilidade civil do Es- sabilização do Estado pelo erro judiciário, a
tado pelo erro judiciário e aplicando-se a negativa de valor ao instituto da coisa julga-
técnica da ponderação de valores, o prin- da, fator de segurança jurídica e certeza da
cípio da proporcionalidade, além da inter- necessária imutabilidade das decisões, ou a
pretação sistemática, teleológica e criativa, violação as garantias mínimas que devem
entendemos que não incide a regra do art. ser asseguradas ao julgador, apresentam-
37, §6o, da Constituição Federal, mas sim a -se como obstáculos ao livre exercício da
prevista no art. 5o, LXXV, da mesma Carta atividade jurisdicional, dificultando que
Constitucional, exigindo-se o adequado o magistrado, na análise do caso possa
exame do caso concreto para apuração efetivamente “dar a cada um o que é seu”,
de dolo ou culpa do magistrado pelo fato distribuindo a efetiva e lídima Justiça.
de que, estando no exercício da atividade
jurisdicional, assume esse o status de órgão
de Poder, atuando com independência e Referências
motivando adequadamente suas decisões,
as quais se encontram sujeitas a recursos, AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. A responsabilidade civil
em caso de discordância da parte vencida. do estado pelo exercício da função jurisdicional no Brasil.
Só se mostra adequado conjecturar de Belo Horizonte: Fórum, 2007.
responsabilidade civil por erro judiciário ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais
quando o magistrado tenha agido com dolo e realização de direitos fundamentais no estado de
ou culpa, decidindo de forma contrária a direito democrático. Revista de Direito Administrativo,
texto expresso de lei ou à evidência dos au- Rio de Janeiro, n. 217, p. 69-79, jul./set. 1999.
tos, posição essa que se coaduna inclusive ANNONI, Danielle. Responsabilidade do estado pela
com a sistemática do nosso ordenamento não duração razoável do processo. Curitiba: Juruá, 2009.
jurídico, já que inviável é permitir-se a ARDANT, Philippe. La responsabilité de I’État du
condenação ao pagamento de indenização fait de la fonction juridictionnelle. Journal Reprint,
em toda e qualquer hipótese na qual uma Paris, 1956.
decisão judicial equivocada tenha causado ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição
prejuízos ao jurisdicionado/administrado, à aplicação dos princípios jurídicos. 9.ed. ampl. atual.
sob pena de se sacrificar a própria atividade São Paulo: Malheiros, 2009.
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dotados de independência funcional. Revista Universitária de Ciências Jurídicas y Sociales,
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Se o magistrado não atuou ou se omitiu
intencionalmente em prejuízo da parte e se, BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14.
portanto, essa atuação foi escorreita, base- ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004.
ada no princípio do livre convencimento CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado.
e na garantia constitucional da motivação 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tri-
das decisões judiciais, não há como aceitar bunais, 2007.
a ocorrência do malfadado erro judiciário CALAMANDREI, Piero. La casación civil. Buenos
e conceder reparação a qualquer das partes Aires: Bibliográfica Argentina, 1945. v. 2.
do processo, com risco de enfraquecimento CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e
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