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Séo cem anos da Histéria da

Imprensa Brasileira (1900-2000)


que este livro reconstréi, sob a
perspectiva de que é possivel, a
partir dos restos que chegam ao
presente, interpretar o passado.
Assim, os multiplos movimentos
da imprensa do século XX nele
estao mapeados: a transforma-
gao dos jornais na virada do sécu-
lo XIX para o XX; a eclosao do
jornalismo sensacionalista nos
anos 1920; as relagoes ambiguas
da imprensa com o poder durante
o Estado Novo; a modernizagao
dos jornais no periodo desenvol-
vimentista da década de 1950; a
MARIALVA BARBOSA é professora
questao da censura durante a
titular do Departamento de Estu- ditadura militar; ojornalismo popu-
dos Culturais e Midia e do Pro- lar e 03 novos cenarios dos trinta

grama de Pés-graduagao em ultimos anos do século XX.


Acompanhar esta Histéria Cultu-
Comunicagéo da Universidade
ral da Imprensa é se informar, se
Federal Fluminense (UFF). Mes- enriquecer e mesmo se surpre-
tre e doutora em Histéria pela ender corn fatos e relatos sobre
UFF, possui Pés-doutorado em os momentos marcantes da His-
téria do Brasil. Através dos jor-
Comunicagéo pelo CNRS-LAIOS
nais cariocas, com 0 Rio de Janei-
(Franga). Pesquisadora do CNPq ro refletindo e projetando movi-
e “Cientista do Nosso Estado” mentos e agées culturais que
pipocam por todo o Pals, a histo-
da Faperj, dedica-se ha varias
riadora Marialva Barbosa faz
décadas a pesquisa histérica uma obra de folego, reconstruin-
dos meios de comunicagao no do cenarios por vezes esqueci-
Brasil. E coordenadora dos Nu- dos pela nossa Histéria.
Como salienta José Marques de
cleos de Pesquisa da Intercom
Melo, Histéria Cultural da Impren-
e do GT de Jornalismo da Rede sa situa—se no mesmo patamar
Nacional de Pesquisadores de ocupado pela vanguarda nacional
Historia da Midia. No momento da Historia da Midia. Neste livro,
como ele observa, a autora adota
coordena o Laboratério de
uma postura investigativa e cons-
Pesquisa de Midia e Histéria no troi uma narrativa brilhante, con-
Programa de Pés-graduagéo quistando “lugar de destaque na
constelagao dos historiadores
da UFF.
midiéticos brasileiros”.
MARIALVA BARBOSA

n '1‘611IA
CULTURAL DA

IM’RENSA
BRASIL — 1900-2000
Copyright @ by Marialva Barbosa, 2007

2" edição:
edigfio: 2010

Direitos desta edição


edigfio reservados à2‘1
MAUAD Editora Ltda.
Rua Joaquim Silva, 98, 5º 5° andar
Lapa —
— Rio de Janeiro — — RJ — — CEP: 20241-110
Tel.: (21) 3479-7422 — — Fax: (21) 3479-7400
www.mauad.com.br
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Projeto Gráfico:
Grdfico:
Núcleo de Arte/Mauad
Nficleo Arte/Mauad Editora

Revisora:
Revisora:
Sandra Pássaro
Péssaro

C IP-B RASIL. C
CIP-BRASIL. ATALOGAÇÃO-NA-F ONTE
CATALOGACAo-NA-FONTE
S
SINDICATO NACIONAL DOS
INDICATO NACIONAL EDITORES DE
DOS EDITORES LIVROS, RJ.
DE LIVROS,

B199h
Barbosa, Marialva, 1954-
1954-
Histéria cultural da imprensa :: Brasil, 1900-2000
História 1900-2000 / Marialva Barbosa.
Barbosa. - Rio de
Janeiro :: Mauad X, 2007.
2007.

Inclui bibliografia

ISBN 978-85-7478-224-9

1. Imprensa - Rio de Janeiro (RJ) - História


1. Historia - Século XX.
XX. 2.
2. Periódicos
Periodicos brasileiros -
Rio de Janeiro (RJ)
(RJ) - História
Histéria - Século XX.
XX. 3.
3. Imprensa - Aspectos sociais - Rio de
(RJ). 4.
Janeiro (RJ). 4. Jornalismo - Aspectos sociais - Rio de Janeiro (RJ).
(RJ). I.
I. Titulo.
Título.

07-2357. CDD: 079.81531


CDD: 079.81531
CDU: 070(815.31)
CDU: 070(815.31)
iNDICE
ÍNDICE

Prefacio —
Prefácio — José Marques de Melo —– 7

Introduoao —
Introdução 11
— 11

1a PARTE

I—
– Tecnologias do novo século (1900-1910) — 21
— 21
“Maravilhosa invenção”
“Maravilhosa invenoao” —
— 26
A imagem e o leitor — 31
— 31
As redações
redaooes —
— 37
Senhores do tempo — 41
— 41

II — sensaooes: o jornalismo dos anos 1920 —


– Entre tragédias e sensações: — 49
Mundo do leitor — 51
— 51
A cidade e a imprensa —
— 57
Paginas de sensação
Páginas sensaoao —
— 60
O desfecho da trama —
— 65
lembranoa —
Farrapos de lembrança 71
— 71

III — Vestigios memoráveis:


– Vestígios memoraveis: construindo identidade e história
historia (1920-1930) — 75
— 75
Chateaubriand inicia o seu império —
— 77
mitico —
Passado mítico — 79
historia memorável
Uma história memoravel —
— 83
Memoria: particularizando as publicaooes
Memória: publicações —
— 88
edificios —
Modernos e permanentes edifícios 91
— 91
Memorias dos homens de imprensa —
Memórias — 94

IV — pliblico como “massa”


– Imprensa e Estado Novo: o público “massa” (1930-1940) — 103
— 103
Estado Novo: controle e pressoes
pressões — 105
— 105
historia, uma imprensa... —
Uma história, 108
— 108
A questão
questao nacional — 113
— 113
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) — 117
— 117
V— vestigio do tempo:
– Literatura como vestígio
a imprensa e o olhar dos literatos (1900-1950) — 125
— 125
Tempo de contar e tempo contado — 129
— 129
A experiência
experiéncia fictícia
ficticia no jornalismo — 132
— 132
Ecos do Estado Novo — 138
— 138
Entrando em novos tempos... — 143
— 143

2a PARTE

VI — “Cinquenta anos em cinco”:
– “Cinquenta cinco”:
modernizaeao (1950-1960) —
consolidando o mito da modernização 149
— 149
O mercado jornalistico
jornalístico da década — 154
— 154
Lutas por representação
representagao — 156
— 156
politicas —
Tribunas políticas 165
— 165
Ultima Hora e a mítica
Samuel Wainer, a Última mitica da renovação
renovagao — 168
— 168

VII —
– Novos atores em cena: a imprensa nos anos 1960 — 175
— 175
A televisão
televisao irrompe a cena — 176
— 176
politica: uma simbiose histórica
Imprensa e política: histérica — 180
— 180
Sob o signo da censura — 187
— 187

VIII —– Cenários
Cenarios dos anos 1970-80:
crise do Correio da Manhd
Manhã e novo sensacionalismo —
— 197
197

A crise do Correio da Maniac?


Manhã — — 200
A reforma e a liderança
lideranea de O
0 Globo —
— 209
sensagfies: o sucesso editorial do jornal O
Jornalismo e sensações: 0 Dia —
— 212

IX — Calidoscopio de mudanças
– Calidoscópio mudaneas (1980-2000) — 221
— 221
cenario para o jornalismo econômico
Um novo cenário econémico —
— 223
Cenario 2: Jornalismo investigativo —
Cenário mitificaeao? —
– categoria ou mitificação? — 226
Cenário
Cenario 3: Narrativas de um outro fim
fim de século — 234
se’culo —

Consideraeoes Finais —
Considerações — 245

Bibliografia —
— 247
Prefácio
Prefacio

José Marques de Melo **

A historiografia
historiografia brasileira encontra-se
encontra—se frente a um paradoxo, neste início
inicio de sécu-
se’cu—
lo. Cresce o0 volume de pesquisas sobre a imprensa, mas são
sao raras as generalizações
generalizaooes
capazes de elucidar o seu desenvolvimento ou discernir melhor o seu futuro.
A explicação
explicaeao plausível
plausivel para esse fenômeno
fenomeno repousa no caráter
carater predominantemen—
predominantemen-
te monográfico
monografico dos estudos hegemônicos,
hegemonicos, sem que possamos tecer quadros holísticos
holisticos
Visoes panorâmicas
ou compor visões panoramicas e muito menos vislumbrar
Vislumbrar tendéncias.
tendências.
obsessao pela micro-história
Essa obsessão micro-historia reflete
reflete evidentemente a ausência
auséncia de politicas
políticas
pfiblicas académica a se comprometer com proj
públicas capazes de induzir a comunidade acadêmica etos
projetos
em longo prazo. Em vez de fortalecer o conhecimento integrado, em sintonia com
proj etos socialmente relevantes de interesse nacional, as agências
projetos agéncias de fomento se aco-
aco—
modam, tolerando a pesquisa fragmentada, dispersa e não nao raro datada, repetitiva.
A0 bibliografia na área
Ao revisar nossa bibliografia area midiológica
midiologica contamos nos dedos aqueles
trabalhos científicos
cientificos que dão
dao conta de processos amplos e palmilham territorios
territórios estra-
tégicos, no tempo e
6 no espaço.
espaeo.

Fogem evidentemente desse padraopadrão os livros-textos, produzidos com intenção


intenoao di-
di—
datica, como, por exemplo, aqueles assinados por Juarez Bahia —
dática, – Histo’ria
História da Impren-
sa Brasileira, 4ª.
43. ed., rev.,
reV., São
sao Paulo, Atica, 1990 —
Ática, 1990 – ou por Antonio Costella —– Comu-
nicagdo —
nicação d0 grim
– do a0 satélite, 5ª.
grito ao 53. ed., Campos do Jordão,
Jordao, Mantiqueira, 2002. Mesmo
compilaoao de fontes secundárias,
sendo produtos da compilação secundarias, constituem obras de grande uti-
uti—
lidade para guiar os primeiros passos das novas gerações
geraeoes de jomalistas.
jornalistas.

* Professor emérito da Universidade de São


*
Séo Paulo, diretor-titular
diretor—titular da Cátedra
Cétedra Unesco/Metodista de Comunica-
Comunica—
ção
géo e presidente da Rede Alfredo de Carvalho para o Resgate da Memória
Meméria da Imprensa e a Construção
Construgao da
História
Histéria da Mídia
Midia no Brasil.

História Cultural da Imprensa — 7


Entretanto, no conjunto das publieaeoes
publicações nutridas em fontes primarias,
primárias, restam so-
mente poucos livros que correspondem ao perfilperfil acima delineado, cuja autoria perten-
ce a brasileiros atuantes no territorio Sodre’ e Nascimento.
território nacional: Rizzini, Martins, Sodré
A matriz ée sem dúvida
duvida o pioneiro estudo de Carlos Rizzini —
–O0 livro,
livm, o0 jornal
jornal e a
tipografia no Brasil, lançado
tipografia laneado com a marca
marea tradicional da Livraria Cosmos (Rio de
1946) e reproduzido em fac-símile
Janeiro, 1946) fac—simile pela Imprensa Oficial
Oficial do Estado de São
sao
bibliografiea, abarcando todo o espectro da
Paulo (1988). Trata-se hoje de raridade bibliográfica,
midia impressa. Desde o suporte teenologico
mídia (tipografieo) aos seus produtos culturais
tecnológico (tipográfico)
periodicos).
(livros e periódicos).
Na sequência
sequencia vem o erudito ensaio de Wilson Martins —A – A palavra
palavra impressa (1957).
balaneo crítico
Ele faz um competente balanço critico do itinerário
itinerario percorrido pelo livro e pelas biblio-
biblio—
ate sua introdução
tecas, desde as origens até introdueao e desenvolvimento em nosso territorio.
território. Fora
circulaeao durante algum tempo, este volume voltou ao mercado
de circulação mereado livreiro no fim
fim do
seculo passado. Sua terceira edição
século edieao tem o selo da Editora Atica (sac) Paulo, 1998).
Ática (São 1998).
classico Histo’ria
Por sua vez, o clássico História da Imprensa no Brasil (1966) foi escrito pelo pai
“Historia Nova”,
da “História Nova”, aquele que provocou acirrada polémica Circulos intelectuais
polêmica nos círculos
brasileiros, na alvorada do regime militar pos-64.
pós-64. Nelson Werneck SodréSodre’ chocou os
marXista para interpretar as contradições
historiadores nativos aplicando referencial marxista contradieoes
civilizaeao gutembergiana. Essa opção
da nossa civilização opeao teorico-metodologica
teórico-metodológica constitui a marea
marca
poliface’tica. Nao
registrada do historiador em sua obra polifacética. Não obstante, o livro em pauta
contem o mais bem documentado inventário
contém inventario da nossa imprensa. Trata especialmente
dos jornais diários,
diarios, cujas
euj as coleções
coleeoes foram exaustivamente consultadas pelo autor. Ne— Ne-
evidéncias para ilustrar suas teses sobre as relações
las encontra evidências relaeoes entre a imprensa e o
capitalismo. A 4ª.
43. edição
edieao desse livro foi publicada postumamente pela Mauad Editora
1999). Ainda em circulação,
(Rio de Janeiro, 1999). circulaeao, ela inclui capítulo
capitulo inédito
inedito sobre o pensa—
pensa-
mento de Werneck SodréSodre a respeito da mídia
midia no Brasil, no final
final do século XX.
A lista pode ser ampliada, com a inclusão
inclusao de um quarto titulo,
título, embora matizado pelo
carater regional. Refiro-me
caráter Refiro—me ao monumento hemerográfico
hemerografico representado pela Histo’ria
História
da Imprensa de Pernambuco (1821-1954).
(1821—1954). Obra em 14 14 volumes, escrita pelo jornalista
jornalista
Luiz do Nascimento, seus originais foram confiados
eonfiados pelo autor àa Editora da Universida-
Universida—
de Federal de Pernambuco. Ainda permanecem inéditos alguns volumes dedicados àa
imprensa municipal. Resultante de exaustiva pesquisa documental, realizada em biblio-
referencia atualiza e complementa os Anais da imprensa
tecas e arquivos, esta obra de referência
perio’dica
periódica pernambucana incursao pioneira de Alfredo de Carvalho, o
pernambucana de 1821-1908, incursão
guardiao da memória
guardião memoria da nossa imprensa no início
inicio do século
seculo XX.
Nao
Não tenho nenhuma dúvidaduvida em situar Histo’ria
História Cultural da Imprensa,
magnificamente escrito pela professora Marialva Barbosa, no mesmo patamar ocupa-
magnificamente ocupa—

8— Prefácio
Historia da Mídia.
do pela vanguarda nacional da História Midia. Sua instigante, deliciosa e sedutora
Historia da Imprensa cobre todo o século
História seculo XX, perfilando corno narrativa de fôlego
perfilando como folego
modernizaoao da nossa mídia
sobre a modernização midia impressa. O aparente reducionismo espacial — –
por estar concentrada no territorio
território carioca —
– ganha elasticidade e densidade, durante o
curso da escrita, justamente pela captação
captaeao da amplitude extraterritorial do objeto
pesquisado.
geopolitica que a poderia atrelar ao estig-
A imprensa carioca extrapola a natureza geopolítica estig—
ma paroquial ou provincial, para se tornar a expressão
expressao viva
Viva da universalidade brasilei-
brasilei—
mestioarnente os padroes
ra. Ela assimila mestiçamente d’ale’m mar. Mais do que isso:
padrões importados d´além
processa os modelos
rnodelos aculturados e os difunde para todos os quadrantes da nossa geo-
geo—
grafia. Esse fluxo
grafia. fluxo perdura até
ate quando a Cidade Maravilhosa
MaraVilhosa catalisa a hegemonia
tipica
típica das capitais nacionais.
empatica.
Marialva Barbosa revela, nesta obra, uma impressionante capacidade empática.
rnetodologicamente como historiadora, periodizando a traj
Comporta-se metodologicamente etoria da
trajetória
imprensa. Mas ao mesmo tempo recorre ao empirismo jornalistieo
jornalístico para recons-
recons—
truir cenários
cenarios dotados de exuberante simbolismo.
simbolisrno. Ou para pinear
pinçar e proj etar perso—
projetar perso-
nagens singulares que dãodao sentido aos jogos de cena.
eena. Nesse diapasão,
diapasao, constrói
constroi
uma narrativa brilhante, nutrida pela factualidade subjetiva
subj etiva e sofisticada
sofisticada pela in-in—
terpretaoao
terpretação heterodoxa.
E importante destacar que a autora conquista lugar de destaque na constelação
É constelaeao dos
midiaticos brasileiros pela ousadia de romper com os padroes
historiadores midiáticos padrões da pes-
historica tradicional. Desde sua obra de estreia —
quisa histórica – Os donos do Rio: imprensa,
imprensa,
poder
poder e publico Vicio de Leitura, 2000) —
público (Rio, Vício – ela se engaja na corrente que pensa a
histéria como epistéme. Sua ambição
história ambieao intelectual ée’ construir uma narrativa em que o
ficeional se mesclam
factual e o ficcional meselarn e se recriam.
reeriam. Trata-se
Trata—se de postura investigativa embasada
nos principios historiograficos defendidos por Agnes Heller: explicitar o implícito;
princípios historiográficos implicito;
publicizar o secreto; buscar a coerência
coeréncia existente no que tern aparéncia de incoerente.
tem aparência
Mesmo transgredindo os postulados epistemológicos
epistemologicos emern que se fundamentam seus
predecessores, Marialva nãonao os recusa como fontes irradiadoras de sabedoria utilitá-
utilita—
ria. Ancorada na sutileza da reportagem em profundidade de que se valeu Rizzini para
tecer o perfil
perfil enigmático
enigmatico de Hipólito
Hipolito da Costa, ela esboça
esboea instantâneos
instantaneos elucidativos de
ampara—se na sensibilidade literária
Wainer e Chateaubriand. Da mesma forma, ampara-se literaria de
Martins para construir descrições
descrieoes apetitosas de ambientes e de conjunturas, eivadas
de sabor coloquial. A exemplo de Werneck Sodré, Sodre’, ela sentou praoa
praça no quartel da
memoria nacional,
memória naeional, explorando a riqueza das coleções
coleeoes de jornais microfilmados
microfilmados para
separar o joio do trigo. Ou seja, para navegar habilidosamente entre a tempestade
metaforica dos gêneros
metafórica géneros informativos e a calmaria metonímica
rnetonimica dos gêneros
géneros opinativos,
vestigios indeléveis das fontes que privilegiou.
vestígios

História Cultural da Imprensa — 9


Pela primeira vez temos uma História
Historia da Imprensa que nãonao se restringe às
as opera-
coes capitalistas dos barões
ções baroes da imprensa, nem às as maquinações
maquinacoes politicas atribuidas aos
políticas atribuídas
governantes que ja as “verbas
já recorriam às “verbas secretas”
secretas” para irrigar os “mensalões”
“mensaloes” tao
tão
cobicados pelos jornalistas venais (empregados e patroes).
cobiçados patrões). Alem
Além desses vetores
alicercados na Economia e na Política,
alicerçados Politica, a autora recorre às
as variáveis
variaveis tipicas Etnografia
típicas da Etnografia
identificar nuances imperceptíveis
para identificar imperceptiveis nas fontes históricas
historicas convencionais. E, desta
quebra—cabeca de pecas
maneira, monta um quebra-cabeça significativas, recolhidas na ironia da
peças significativas,
mfisica popular, na sinédoque
música sine’doque de filmes
filmes melodramáticos
melodramaticos ou nas elipses dos romances
folhetinescos.
O resultado dessa aventura protagonizada pela repórter
reporter travestida de historiadora
capitulos fascinantes deste livro de atualidades, em que o passado se
se expressa nos capítulos
memoria em
revitaliza como se fora memória ern movimento. Década
De’cada após
apos década, o leitor vai
modernizacao
acompanhando o ritmo da modernização da sociedade brasileira, de—
cuja imprensa de-
sempenhou o papel de laboratório
laboratorio especular.
As nossas mutações
mutacoes tecnológicas
tecnologicas foram testadas, em certo sentido, nos jornais e
nas revistas, difundindo-se de forma sutil ou de modo ostensivo pelo conjunto do
tecido social. Assirn
Assim sendo, os agentes jornalisticos
jornalísticos se tornavam arautos do porVir
porvir
desej ado, protagonizando feitos sob medida para nutrir a agenda dos futuros historia-
desejado, historia—
impelindo—os a se assumirem como exegetas de um passado mítico.
dores, impelindo-os mitico.
A leitura da narrativa de Marialva Barbosa deixa a sensação
sensacao de que a História
Historia da
Imprensa abandona decisivamente a tradicao “nariz de cera”
tradição do “nariz cera” para agir como abre-
“piramide invertida”
alas de uma “pirâmide invertida” na Galáxia
GalaXia de Heródoto.
Herédoto. Trata-se de rico e fascinan-
fascinan—
simbolico, povoado por “histórias
te universo simbólico, “historias de interesse humano”,
humano”, enriquecido pela
“colunistas” de plantao,
sensibilidade dos “colunistas” plantão, alertado pela argúcia
argficia dos “comentaristas”
“comentaristas”
desafiado pela vigilância
setoriais e continuamente desafiado Vigilancia crítica
critica dos “ombudsmen”.
“ornbudsrnen”.

10 — Prefácio
Introdução
Introdueao

A ideia central desse livro ée organizar num único


finieo volume o0 material produzido ao
decada de convívio
longo de mais de uma década oonViVio diário
diario com um tema: a história
historia da imprensa
construida no século
no Rio de Janeiro, sobretudo aquela que foi construída se’culo XX.
Partindo da premissa de que é possivel Visualizar o passado de diversas maneiras,
possível visualizar rnaneiras,
prooura os indícios
escolhemos o olhar que procura indicios e os sinais que chegam
ehegam ao presente. As—
As-
sirn, em cada um
sim, urn dos capítulos
capitulos serão
serao utilizadas espécies de vestígios
vestigios que indicam
indieam
oomo o público
como pfiblico se relaciona com os meios de comunicação.
comunicaoao. Esses vestígios
vestigios mostram
tarnbe’m
também o papel da imprensa na sociedade e a sua propria conformaoao histórica
própria conformação historioa ao
se’oulo.
longo de um século.
Ainda que o tema da história
historia da imprensa venha sendo, nos últimos
filtimos anos, objeto
obj eto
significativo existente no Brasil —
de diversas pesquisas, o livro mais significativo extre—
– uma obra extre-
referencia obrigatória
mamente importante e de referência obrigatoria a quem se dedica
dedioa a estudar a imprensa
(estarnos citando
(estamos eitando o clássico
classieo livro de Nelson Werneck Sodré,
Sodre’, Histo’ria
História da Imprensa no
Brasil) — esorito há
– foi escrito ha mais de quarenta anos. SãoSfio necessárias
necessarias novas interpretações
interpretaooes
para explicar
explioar o movimento
movirnento da história
historia na sua relação
relaeao com a imprensa no pais.
país.
Ale’m
Além disso, háha que se considerar que os estudos desenvolvidos
desenvolVidos sobre a questão
questao
historica da imprensa no Brasil são,
histórica 3510, em
ern grande medida, tributários
tributarios de uma ideia de
historia linear, orientada e baseada em grandes feitos, singularidades, particularida—
história particularida-
des dos grandes personagens. A maioria dos estudos realizados adota uma visão Visao que
privilegia a ruptura, produzida por fatos marcantes,
Inaroantes, na qual a temporalidade linear e a
sucessao de acontecimentos
sucessão aconteoimentos dão
dao o
0 tom da narrativa.
Aprofundando um
urn pouco mais esta constatação,
constataoao, pode-se verificar,
verifiear, a partir da aná-
ana-
bibliografia sobre história
lise da bibliografia historia da imprensa no Brasil, a existência
existencia de cinco
cinoo grandes
grupos de textos. Um
Urn primeiro conjunto
oonjunto — significativo em termos numericos
– o mais significativo numéricos —–
earaoteriza por acompanhar o aparecimento
se caracteriza apareeirnento e o desaparecimento
desapareeimento de periodioos
periódicos
numa perspectiva essencialmente factual. Nesse caso,
oaso, se enquadra tambe’rn
também o princi—
princi-
pal trabalho de síntese
sintese de história
historia da imprensa no pais,
país, o livro de Nelson Werneck
Sodre’.
Sodré.
O livro de Nelson Werneck ée um trabalho de fôlego.
folego. Traz informações
informaooes detalhadas
e preciosas da imprensa brasileira de 1808
1808 até
ate os anos 1960.
1960. O autor levou cerca de

História Cultural da Imprensa — 11


30 anos para pesquisar e escrever o texto. Mas o livro não
nao ée’ apenas um imenso regis-
regis—
tro de quase todos os jornais publicados no território
territorio nacional e dos seus fundadores.
comentarios críticos
O autor permeia os dados factuais com comentários oriticos e análises
analises subjetivas,
subj etivas,
capitulos em que trata do jornalismo que lhe era mais contemporâneo
sobretudo nos capítulos contemporaneo e
no qual ele estava mais diretamente comprometido.
Nelson Werneck Sodré
Sodre’ foi, sem dúvida,
duVida, um dos mais importantes historiadores do
seculo
século XX. AHisto’ria
A História da Imprensa no Brasil ée apenas um de seus mais de 50 traba—
traba-
lhos publicados, entre os quais se destacam também Farmagdo
Formação Histo’rica
Histórica do Brasil,
Histo'ria
História da Burguesia Brasileira, Histo'ria
História Militar do Brasil e Histo'ria
História da Literatura
Brasileira. Influenciou
Influenciou gerações
geraooes com seus livros e ideias. Propunha uma história
historia
engajada, partindo do pressuposto de que elementos do passado podem lançar lanoar luz
sobre os problemas contemporâneos.
contemporaneos. Assim, se, por um lado, somos devedores do
trabalho pioneiro desse autor, por outro estamos presos aos limites da sua abordagem,
nao superarmos em termos teoricos
ao não metodologicos a sua perspectiva (Barbosa e
teóricos e metodológicos
Ribeiro, 2005).
conj unto de textos sobre história
Um segundo conjunto historia da imprensa concentra-se nas modi-
ficaeoes e na estrutura interna dos jornais. Em geral, são
ficações sao trabalhos monográficos,
monograficos,
dedicados àa pesquisa de um único
unico periodioo
periódico ou de um pequeno grupo deles. O princi—
princi-
pal problema desse tipo de abordagem ée que, na maioria das vezes, não nao estabelece
coneXoes entre as características
conexões caracteristicas descritas e observadas nos periodicos
periódicos com as trans—
trans-
formaeoes históricas
formações historicas e sociais, centrando a análise
analise nas ações
aooes individuais dos atores
envolVidos. Quando a história
envolvidos. historia aparece, surge apenas como pano de fundo, como con- con—
juntura na qual os personagens se movimentam, e não nao como uma dimensão
dimensao constitutiva
aeoes.
dos seres e das suas ações.
Um terceiro grupo aborda os jornais —– e os meios de comunicação
comunicaoao em geral — –
como portadores de conteúdos
conteudos politicos
políticos e de ideologias. A maior parte desses traba—
traba-
condiooes de circulação,
lhos, no entanto, desconsidera as condições circulaoao, de recepção
recepeao e mesmo de
produoao desses impressos, não
produção nao levando em conta os limites específicos
especificos da historicidade
de cada tempo. O 0 quarto grupo é composto por pesquisas que abordam o contexto
historico no qual os periodicos
histórico Vao se inserindo do seu surgimento àa sua evolução
periódicos vão evolueao e
desaparecimento. Esses trabalhos, entretanto, desconsideram a dimensão
dimensao interna dos
logica propria
meios, assim como a lógica própria do campo, como os aspectos te’cnicos,
técnicos, discursivos
profissionais. Novamente, na maior parte dos casos, a história
e profissionais. historia aparece meramente
correspondéncia entre o interno e o externo ée trabalhada
como pano de fundo, e a correspondência
mais descritivamente do que de maneira explicativa.
Ha ainda um quinto grupo de estudos que considera a história
Há historia como um prooesso
processo
relaoao com o
e, sobretudo, a imprensa na sua relação 0 social. Ao mesmo tempo, visualiza-a
Visualiza—a
como integrante de um processo comunicacional, no qual ganha importância
importancia o
0 con-

12 — Introdução
tefido,
teúdo, o produtor da mensagem e a forma como o leitor entende os sinais emitidos
pelos impressos.
impresses. Procura destacar, também, a dimensão
dimensao histórica
historica de um mundo pleno
significados, no qual se localizam os meios de comunicação.
de significados, comunicaoao. Portanto, a dimensão
dimensao
sao contempladas nestas abordagens. Essas pesquisas visualizam
interna e externa são Visualizam a
historia a partir de um espaço
história espaoo social considerado, interpretando os sinais que chegam
até o presente a partir das perguntas subjetivas
subj etivas e do olhar, igualmente subjetivo,
subj etivo, que
lanoar ao passado.
se pode lançar
Coerente com essa perspectiva, este livro propoe historia da impren-
propõe escrever uma história
espaoo social específico
sa, localizada num espaço especifico —– no caso o0 Rio de Janeiro —,–, consideran-
analise, se faz escolhas, nas quais a subjetividade
do que, ao realizar esta análise, subj etividade do pesquisa—
pesquisa-
esta presente. Neste sentido, não
dor está nao estamos pretendendo dar conta de todas as
questao histórica
multiplicidades de aspectos que envolvem a questão historica na sua relação
relaoao com os
com
jornais da cidade, durante cem anos. Sequer vamos nos referir a todos os periodicos.
periódicos.
Elegeremos aqueles que consideramos os mais relevantes do ponto de vista Vista desta
abordagem.
Se por um lado pensamos a história
historia como epistéme (conhecimento verdadeiro)
opoe àa doxa
que se opõe dam (simples opinião),
opiniao), é preciso inserir o aspecto ficcional
ficcional da narrativa
historica. Quando enfatizamos o aspecto ficcional
histórica. ficcional não
nao quer dizer que o passado não
nao
tenha se
so dado: o que está
esta se destacando é a característica
caracteristica de relato de um texto escrito
por um narrador do presente, inserido num mundo completamente diverso daquele
esta interpretando.
que está
reconstruoao será
O produto dessa reconstrução sera sempre um discurso carregado de significados.
significados.
Ha que se considerar também que cada época está
Há esta imersa num grau de do consciência
consciéncia
historica que foi sendo construído
histórica construido pelos sujeitos que “vivem
“Vivem sua propria historia”. Se
própria história”.
ao construir um texto que lança
lanoa um determinado olhar sobre o passado estamos ten— ten-
tando produzir conhecimento ou epistéme, por outro lado não nao se pode esquecer que o
reconstroi são
que se reconstrói sao sempre, como diz Heller (1993), os problemas da vida Vida e da
consciéncia cotidianas. O que cada pesquisador faz é tornar explícito
consciência explicito o implícito;
implicito;
publicizar o que seria secreto e fornecer uma coerência
coeréncia ao que em principio
princípio poderia
classificado como incoerente. Tudo isso sem a pretensao
ser classificado pretensão de transformar o passado
em presente, mas enxergando o passado como vestígio
vestigio significante
significante que pode chegar
1993).
ao mundo de hoje (Heller, 1993).
A tarefa da história
historia não
nao é, pois, recuperar o passado tal como ele
616 se
so deu, mas
interpreta-lo. A partir dos sinais que chegam até o presente, cabe tentar compreender
interpretá-lo.
a mensagem produzida no passado dentro de suas proprias
próprias teias de significação.
significaoao. São
Sfio
vestigios, que aparecem como documentos e como ato memorável
esses vestígios, memoravel (no qual está
esta
incluida a memória
incluída memoria do próprio
proprio narrador/pesquisador), que permitem reconstruir a his-
his—
toria filtimos cem
tória da imprensa na cidade do Rio de Janeiro nos últimos com anos.

História Cultural da Imprensa — 13


sera decifrado, através da interpretação,
O que será interpretaoao, está
esta sempre localizado no presente.
Vendo nesses sinais a possibilidade de conter uma mensagem e atribuindo um urn valor a
eles no presente, produz-se
produz-so a interpretação
interpretaoao indispensável
indispensavel na ação
aoao história.
historia. Para contar
historia há
uma história ha que existir vestígios,
vestigios, predisposioao
predisposição para ler e a leitura, isto é, a inter-
pretaoao crítica.
pretação oritica. A historiografia
historiografia implica, pois, em leituras de mensagens sobre algo
considerado como ausente no nosso aqui agora, a disponibilidade para visualizar nos
indicios a mensagem (método) e sua leitura (a crítica).
indícios critica). Para a teoria da história
historia é
fundamental o que aconteceu, como aconteceu e, sobretudo, por que aconteceu.
Ao atribuir um valor a cada um
urn desses sinais que irrompem
irrompern o presente, transfor—
transfor-
vestigio memorável
ma-se o vestígio memoravel numa marca documental. Mas isso nãonao quer dizer que
significantes cheguem até nós
esses sinais significantes nos sempre sob a forma escrita.
vestigios, que informam sobre uma dada história
Os vestígios, historia da imprensa na cidade do Rio
de Janeiro, podem estar contidos em cenas de filmes
filmes de época; materializados numa
imagem turva em meio a um urn emaranhado de cenas; nas histórias
historias que são
sao repetidas
oralmente. Podem também estar presentes em textos sem sern o valor de documento ofici-
ofici-
al, dispersos sob a forma de sinais variados: textos ficcionais
ficoionais de escritores consagra-
consagra—
nao; entrevistas de jornalistas, cartas que despretensiosamente escreveram no
dos ou não;
correspondéncia que os proprios
passado; correspondência encaminhararn às
próprios leitores encaminharam as publicaooes.
publicações. Es-
tao nas imagens publicadas
tão publioadas ou não,
nao, que podem mostrar formas e praticas
práticas de leituras,
induooes de sociabilidades contemporâneas
induções contemporaneas nas fímbrias
fimbrias da relação
relaoao do pfiblico
público com a
midia. Enfim,
mídia. Enfim, estão
estao nas paginas
páginas dos jornais, nas suas edições
ediooes comemorativas, no coti-
coti—
noticias, nos ecos que o passado produz no presente.
diano das notícias,
Mas para ler essas mensagens é preciso considerar as múltiplas
Infiltiplas interpretações
interpretaooes
historia da imprensa ja
de que a história dialogo com outros
já foi objeto, estabelecendo um diálogo
explicaooes para a transformagao
autores que procuraram explicações comunica—
transformação dos meios de comunica-
oao impressos ao longo do século XX. Isso significa
ção significa levar em conta o que ja já foi
realizado. N50
Não é6’: possivel
possível produzir qualquer conhecimento sem sern considerar as con-
con—
quistas realizadas anteriormente. O conhecimento não nao é objeto
obj eto de disputas e6 sim de
mfituas.
partilhas mútuas.
mudanoa como parte do processo, no qual estão
Pensar a mudança estao envolvidos particularismos,
repetiooes, restos, que o passado legou ao presente, é fundamental na operação
repetições, operaoao
historiografica. Certamente
historiográfica. Certarnente há
ha muitas maneiras de fazer história
historia e diversas formas de se
debruoar sobre o passado.
debruçar
Pode—se acreditar que os fatos do passado ocorreram daquela forma eo que fazer
Pode-se
historia é trazer o passado de volta para o presente. Ou pode-se acreditar que o passa—
história passa-
esta irremediavelmente perdido nele mesmo e o que fazemos nada mais é6' do que
do está
interpretaooes. Preferimos acreditar nesta última
produzir interpretações. filtima premissa.

14 — Introdução
(2001 :374-375) lembra com propriedade que a história
Paul Ricoeur (2001:374-375) historia só
so nos atinge
atrave’s das modificações
através modificacoes que impõe
impoe àa memória,
memoria, pois a primeira relação
relacao com o passa-
da através
do se dá atraVés dessa abertura fundamental. Sem memória
memoria não nao há
ha passado e a opera-
opera—
cao que assegura a transicao
ção memoria àa história
transição da memória historia ée’ o testemunho. Atrave’s
Através do teste-
Vistas se transferem para o plano das coisas ditas.
munho as coisas vistas
historia da imprensa é,
Construir história e, pois, fazer o mesmo movimento da “escrita
“escrita da
historia”. E
história”. É perceber a histéria
história como processo complexo, no qual estao
estão engendradas
relacoes sociais, culturais, falas e não
relações nao ditos. Compete ao historiador perguntar pelos
siléncios e identificar
silêncios identificar no que não
nao foi dito uma razão
razao de natureza muitas vezes politica.
política.
Ao produzir uma escrita instaura-se
instaura—se o mundo das coisas contadas. Segundo Harald
encontram—se nos tempos verbais os trés
Weinrich (1973), encontram-se comu—
três eixos essenciais da comu-
nicacao. Na situação
nicação. situacao de locução
locucao existem dois mundos: o mundo contado e o mundo
comentado. HáHa ainda a perspectiva que produz a defasagem entre o tempo daquilo
ultimo eixo essencial da comunicação
que ocorreu (o ato) e o tempo do texto. O último comunicacao diz
respeito ao relevo que é dado ao texto: é através
atraVés da narrativa que serão
serao destacados
rejeitando—se outros para pano de fundo.
certos contornos, rejeitando-se
Ao relatar um acontecimento, ao produzir uma interpretação
interpretacao a história
historia tambe’m
também
instaura, tal como faz o texto ficcional,
ficcional, o mundo das coisas contadas. E esse mundo ée’
estranho tanto a quem produz a narrativa como a quem ela se destina. A perspectiva de
locucao marca na narrativa, através
locução atrave’s do emprego dos tempos verbais, a diferença
diferenca entre
o tempo do ato e o tempo do texto (o tempo contado).
A descrição,
descricao, por outro lado, faz com que o passado se prolongue. Comentando os
fatos ocorridos no passado, vislumbrando
Vislumbrando a ação
acao humana existente neste passado,
prolonga—se
prolonga-se o passado no presente.
sera produzido —
O texto que será – como qualquer narrativa que recupera um tempo que
Vivenciado por outros sujeitos sociais —
foi vivenciado – instaura o tempo das coisas contadas. E
sera o narrador que irá
será ira selecionar de um conjunto de acidentes uma história
historia completa
e una, tecendo uma intriga, se quisermos empregar a expressão
expressao de Paul Ricoeur (1994).
gostariamos de enfatizar nesta proposicao
Outro aspecto que gostaríamos proposição diz respeito àa ques-
tao das generalizações.
tão generalizacoes. Particularizar ée um dos principios
princípios orientadores da teoria da
historia. Ao proceder uma interpretação,
história. interpretacao, não
nao se pode generalizar as conclusões
conclusoes para
todos os contextos, ja espaco social possui uma conformidade histórica,
já que cada espaço historica, uma
traj etoria particular.
trajetória
A producao interpretacao está,
produção da interpretação esta, pois, intimamente relacionada àa conformação
conformacao
espaco social. Pensar historicamente pressupoe
de um espaço espacos soci-
pressupõe contextualizar os espaços
ocorréncias, costumes, instituições
ais numa cadeia de fatos, eventos, ocorrências, instituicoes que se confor-
confor—
fluxo (antes e depois). Essa é uma das razões
mam como um fluxo razoes para a delimitação
delimitacao da

História Cultural da Imprensa — 15


historia que estamos propondo, ou seja,
história sej a, considerando como espaço
espaco privilegiado o
0 Rio
de Janeiro.
Ao escolhermos com periodo analise o século
período de análise seculo XX, procurando percorrer nuanças
nuancas
cenario social da cidade, não
de cem anos no cenário nao estamos desvalorizando os processos
1808. Procuramos como
ocorridos desde que se implantou a imprensa na cidade, em 1808.
questao tecnológica
aspecto centralizador a questão tecnologica que irrompe o século
seculo XX e termina este
se’culo
mesmo século dando 0
o tom das mutacoes
mutações no cenario
cenário do jornalismo impresso. Por
relevancia o fato de ter
outro lado, ao escolhermos esses cem anos tomamos como relevância
sido nesse periodo derarn as mais bruscas transformacoes
período que se deram transformações no jornalismo diário.
diario.
Muitos dos valores, premissas, construções
construcoes imaginárias
imaginarias que ainda hoje frequentam o
mundo do jornalismo foram construídos
construidos exatamente ao longo do século
se’culo XX.
Ate’ Virada do século
Até a virada se’culo XIX para o XX, os jornais diários
diarios do Rio de Janeiro passa—
passa-
ram por múltiplas
mfiltiplas configurações.
configuracoes. Tendo sua implantação
implantacao sob os auspícios
auspicios da Coroa
Portuguesa —– o primeiro jornal impresso na cidade ée exatamente a Gazeta do Rio de
Janeiro, publicado, a partir de 1808,
1808, pela Impressão
Impressao Régia
Re’gia que aqui aportou junto
1050 VI, ao se transferir com a Família
com D. João Familia Real fugindo da Europa durante o
periodo napoleônico
período napoleonico — Colonia, divide-se
– a imprensa, durante a Colônia, diVide—se entre oficial
oficial e “ofici-
“ofici-
osa”. Esse jornalismo oficioso
osa”. oficioso tarnbem oficial para se beneficiar
também reproduz a fala oficial beneficiar das
cercanias do poder.
fundacao da Aurora Fluminense, por Evaristo da Veiga, e do Jor-
Somente com a fundação
Planehet Seignot, em 1827,
nal do Commercio, por Pierre Planchet 1827, ée que muda um
urn pouco este
cenario, ja
cenário, já que esses jornais passam a ter na construção
construcao de um discurso de cunho
politico a base de sua produção
político producao editorial. Apesar disso, a imprensa da cidade continua
oficial ou oficiosa.
a ser ou oficial oficiosa.
Apenas na década de 1870
1870 há
ha uma mudança
mudanca mais radical, com a ampliação
ampliacao dos
debates e das polérnicas
polêmicas em torno da questão
questao republicana e abolicionista. Afinal,
Afinal, é
decada a fundação
desta década fundacao do Partido Republicano e o início
inicio sistemático
sisternatico das discussões
discussoes
em torno dessa ideia no pais.
país.
A década
decada de 1880
1880 encontra palco adequado para os grandes debates. A politica
política
agitacoes populares, que conduz tambe’m
ganha as ruas, em agitações também para as vias
Vias pfiblicas
públicas as
questoes do momento.
questões
No cenário
cenario de uma cidade que vive
Vive uma nova cultura politica,
política, a imprensa passa a
discussoes, construindo ideias dominantes num jornalismo
ampliar essas discussões, Vie’s ex-
jornalismo de viés eX-
clusivarnente opinativo. É
clusivamente E nessa conjuntura que se instaura a imprensa abolicionista.
No início,
inicio, são
sao muitas as adversidades para o desenvolvimento dessa imprensa. Já Ja
na primeira metade do século
seculo XIX, no Rio de Janeiro, circulam alguns pasquins criti-
criti—
escraVidao, os preconceitos raciais e o trafico
cando a escravidão, tráfico negreiro, embora tenham alcan-

16 — Introdução
ce limitado e tiragem em torno de 400 ou 500 exemplares. Basicamente, esses peque—
peque-
nos jornais atingem
atingern os grupos urbanos insatisfeitos com o governo, em especial du-
du—
rante o periodo Regencia. Nao
período da Regência. ha ainda um movimento organizado antiescravista.
Não há antiescraVista.
Antes da década
decada de 1880,
1880, os antiescravistas
antiescraVistas não
nao tém
têm acesso aos jornais de maior
prestigio,
prestígio, ja adotarn posicao
já que estes adotam relacao àa emancipação,
posição cautelosa em relação emancipacao, devido
deVido
principalmente àa dependência
dependéncia dos anunciantes, muitos deles senhores de escravos.
ampliacao dos grupos sociais urbanos, contrários
A crise do escravismo e a ampliação contrarios ao cati-
cati—
Veiro, permitem a ampliação
veiro, ampliacao do espaço
espaco nos periodicos
periódicos para as ideias abolicionistas.
Ha que se perceber tambem
Há também o papel da imprensa como instituição
instituicao de controle
social, servindo àa própria
propria estrutura de poder e agindo como veículo
veiculo de manutencao
manutenção da
ordern vigente.
ordem Vigente.
Nesse universo, dominando pelo Jornal do Commercio, e por outras pequenas
publicacoes, 0 Mosquito, de Angelo
publicações, como O Ângelo Agostini, A Reformo, Vida Fluminense,
Reforma, Vida Fluminense,
linguas estrangeiras como o Courrier du
outras em línguas o’u Brésil, apenas para citar alguns,
destacam-se os jornais que se colocam
coloeam contra a escravidão:
escraVidao: a Gazeta de o’e Notz’cias,
Notícias,
1875, por Ferreira de Arafijo;
fundada em 1875, do Tarde
Araújo; a Gazeta da Toro’e e Cidade
Cidao’e do Rio, ambos
criados por José
Jose do Patrocínio.
Patrocinio.
A questão
questao abolicionista, portanto, ocupa com mais intensidade espaço
espaco nos jornais
Patrocinio. Ao deixar a Gazeta de
de Patrocínio. o’e Noticias, 1881, funda a Gazeta da
Notícias, em 1881, do Tarde,
Toro’e, que
tern, escraVidao. Seis anos
tem, de fato, posicionamento mais evidente na luta contra a escravidão.
mais tarde, em 1887,
1887, vende sua parte no jornal e cria a Cidade
Cidao’e do Rio, que será,
sera, sem
dfiVida, o principal jornal abolicionista da cidade.
dúvida,
As notícias
noticias editadas por esses jornais contribuem
contribuern para disseminar ideias
antiescraVistas entre diversos segmentos da populacao,
antiescravistas atrave’s de suas leituras,
população, seja através
manifestacoes pfiblicas
seja pelas manifestações públicas que promovem. Com Corn isso, atraem tambérn
também pessoas
nao tém
que não as suas matérias,
têm acesso às mate’rias, incluindo-se
incluindo—se aí
ai os analfabetos.
estao inseridos num processo histórico
Conscientes de que estão historico de grande repercussão
repercussao
para o futuro do país,
pais, os abolicionistas desempenham, através
atrave’s desses jornais, uma luta
treguas contra o trabalho compulsório.
sem tréguas compulsorio.
AtraVes manifestacoes pfiblicas
Através de manifestações públicas que promovem, ampliando o universo do deba-
deba—
te inicialmente
inicialrnente veiculado por aquelas paginas,
páginas, essa imprensa contribui para a forma-
forma—
9510 de uma verdadeira cidade politica
ção política que emerge na cena urbana do Rio de Janeiro
final dos anos 1880.
no final 1880. O tema
terna da abolição
abolicao não
nao ée exclusividade dos líderes
lideres do movi-
movi—
discute—se o cativeiro nas ruas, toma-se
mento: discute-se toma—se posicao
posição contra ou a favor, participa—se
participa-se
1991).
(Fernandes, 1991).
Todo esse universo do século XIX — – igualmente importante do ponto de vista
Vista da
historia da imprensa —
história esta ausente desse livro por uma questão
– está questao de escolha. O nosso

História Cultural da Imprensa — 17


fooo recai
foco reoai sobre a imprensa da cidade do Rio de Janeiro no século XX. Mas, eviden-
temente, muitos dos aspectos relativos àa imprensa do século XX, que abordaremos
oapitulos que se seguem, dialogam
nos capítulos dialogarn de forma implícita
implicita ou explícita
explicita com o cenário
cenario
XIXl.
da imprensa do século XIX 1
.
Dividimos esse percurso em nove capítulos:
capitulos: cada um enfocando umaurna década.
entrarn em cena e mudam
O primeiro analisa as tecnologias que entram mudarn o cotidiano da cidade
Cidade na
alvorada do século. As transformaooes diarios
transformações dos jornais diários numa cidade tambérn em
também
mudanoa dão
mudança dao a senha para o ingresso em um mundo marcado por mutações
mutaooes de natureza
tecnologica.
tecnológica.
capitulo trata das tragédias e sensações
O segundo capítulo sensaooes que invadem a cidade nos anos
1920. Essas notícias
1920. noticias sensacionais, como se qualifica
qualifica na época, estão
estao sobretudo em
dois jornais que dedicam todo o seu conteúdo
contefido a essas narrativas que mesclam a tomatica
temática
dia—a—dia dos leitores com
do dia-a-dia corn uma estética melodramática:
melodramatica: A Martha?
Manhã e6 Crítica.
Critica. São
Sfio
esses dois jornais, focalizados pelos farrapos de lembranças,
lembranoas, que também emergem
cronicas de Nelson Rodrigues, que são
das crônicas sao analisados, como
corno uma espécie de síntese
sintese
desse universo que tanto sucesso faz junto aos leitores da cidade.
As memórias
memorias dos jornalistas servem de pano de fundo para introduzir a discussão
discussao
formaoao dos primeiros conglomerados de imprensa nos anos 1920.
da formação 1920. O periodo
período que
antecede a era Vargas é tambérn
também marcado pelo sucesso do vespertino A Noite e pela
construoao de um passado mítico
construção mitico que revela algumas das caracterizações
caracterizagoes da identida-
identida—
de jornalistica, resquicios podem ser encontrados ainda hoje nos discursos dos
jornalística, cujos resquícios
hornens de imprensa.
homens
A questão
questao do Estado é o foco da análise
analise do capítulo
oapitulo IV, que trata das relações
relaooes
ambiguas da imprensa com a sociedade politica
ambíguas política no periodo
período do Estado Novo. A cons-
truoao do público
trução pfiblico como
oomo massa, sobretudo a partir do pensamento conservador brasi-
leiro, é particularizada neste capítulo,
capitulo, assim como as agências
agéncias e agentes do Estado,
proj eto dos anos 1930/1940.
fundamentais para o projeto 1930/1940. A questão
questao da censura àa imprensa e
dos aparelhos repressores do periodo
período —– sobretudo o0 Departamento de Imprensa e6 Pro-
paganda (DIP) — analise.
– complementa a análise.
Terminando a primeira parte do livro, a literatura surge como
corno vestígio
vestigio do tempo.
descriooes literárias
Os cinquenta primeiros anos do século XX aparecem nas descrições literarias de di-
versos autores que deixaram — vestigio —
– sob a forma de vestígio – nos seus romances, contos e
cronicas informações
crônicas informaooes preciosas sobre as relações
relaooes da imprensa com o pfiblico
público e do
pfiblico com os meios de comunicação
público cornunicaoao na cidade do Rio de Janeiro. Da pena dos

1 Para melhor compreensão


1
compreensao da imprensa do século XIX,
XIX, cf.
cf. os
03 estudos de Marcos Morel,
Morel, Lúcia
LL’Jcia Maria Paschoal
Guimaraes e Humberto Machado, entre outros.
Guimarães outros. Para referências
referéncias completas, cf.
cf. Bibliografia.
Bibliografia.

18 — Introdução
surgeIn as redações,
literatos, surgem redaooes, a emissora rádio
radio ficcional
ficcional que existia na Casa de Deten-
Deten—
oao, durante o Estado Novo, a partilha dos jornais nos bancos das praoas
ção, praças do Rio de
descriooes que revelam aspectos de uma imprensa
Janeiro, entre dezenas de outras descrições
figuraoao literária.
que existe também como figuração literaria.
A segunda parte
part6 começa
comega enfocando os anos 1950,
1950, periodo
período que passa àa história
historia do
jornalismo carioca
oarioca como sendo o
0 de sua maior
Inaior modernização.
modernizagao. Através dos depoimen-
depoimen—
modernizagao
tos dos jornalistas que participam desse processo, mostramos que esta modernização
construgao discursiva dos homens de imprensa numa luta permanente pelo
é uma construção
significar. Em lutas por representação.
direito de significar. representaoao.
filmes em preto-e-branco
Os filmes preto-e—branco nacionais, produzidos pelos estúdios
estfidiosAtlantida, dao a
Atlântida, dão
senha para a entrada de um novo personagem na cena midiática
midiatica nos anos 1960:
1960: a
televisao. introduziInos a discussão
televisão. Essa é a forma como introduzimos discussao do cenário
cenario da imprensa du-
TambéIn faz parte
rante a ditadura militar. Também part6 da análise
analise uma discussão
discussao sobre a censura
periodo autoritário
no período autoritario inaugurado com o Golpe de 1964.
1964.
filtimos capítulos
Os dois últimos capitulos colocam
colocaIn em destaque múltiplos
Infiltiplos cenários
cenarios nos trinta anos
finais do século XX. Se na década de 1970,
finais 1970, os atores são
sao a crise da imprensa e o
processo de concentração
concentraoao — inl’nneros periodicos
– que leva ao desaparecimento de inúmeros periódicos e a
supremacia de O 0 Globo e do jornalismo popular de O 0 Dia —, 1980 novos
–, nos anos 1980
cenarios introduzem um verdadeiro calidoscópio
cenários calidoscopio de mudanças
mudanoas que marcam as trans—
trans-
formagoes da imprensa.
formações
Escolhemos trés cenarios para finalizar
três cenários finalizar este livro: o jornalismo economico, o jor-
jornalismo econômico, jor-
configuraooes narrativas do jornal
nalismo investigativo e as configurações 0 Globo nos anos 2000.
jornal O
Esses temas foram pesquisados por alunos que produzern, questoes con-
produzem, ao falar de questões con—
temporaneas, vestigios de uma dada história
temporâneas, vestígios historia da imprensa. Ao escolhê-los
escolhé—los prestamos
também uma homenagem a todos aqueles que se dedicam ao estudo dessa história historia —
–
mesmo que seja a do tempo presente —, Inostrando que o conhecimento só
–, mostrando so é válido
Valido
quando carrega em si mesmo a ideia de tributo. Tributo aos que estudaram no passa—passa-
oontinuamos trilhando, e tributo ao futuro, aos jo-
do, percorrendo um caminho que continuamos
continuarao caminhos que deixamos inconclusos.
vens que certamente continuarão

História Cultural da Imprensa — 19



1“ P
PARTE
ART E

1. Tecnologias do
d0 novo século (1900-1910)

“O
“0 mês
més de dezembro de 1899
1899 decorreu, na
verdade, na esfera em que eu passava a exercer
exereer
atiVidade, festivo e animado. Os tele-
a minha atividade,
gramas do Rio de Janeiro, que os jornais
maranhenses publieavam,
publicavam, anunciavam grandes
demonstrações
demonstraeoes de regozijo por toda parte.
O
0 ‘século
‘século das luzes’
luzes’ ia apagar-se,
apagar—se, legando ao
que lhe vinha
Vinha suceder uma infinidade
infinidade de con-
quistas que o anterior jamais imaginara. Que
espantos, que prodigios,
prodígios, traria no seu mistério
o século que ia surgir? Que nome lhe devia
deVia dar,
no nascedouro?”
naseedouro?” (Humberto de Campos, 1954)
1954)

O texto do livro Memo’rias, Virada do século


Memórias, de Humberto de Campos, escrito na virada
XIX para o século XX, possui marcas indiciais que revelam alguns aspectos funda-
funda—
construeao de uma história
mentais para a construção historia da imprensa a partir dos vestígios
vestigios e que
comeea exatamente na cidade do Rio de Janeiro na alvorada do século XX.
começa
No seu texto, Campos faz referência
referéneia a um mundo que se torna mais compactado,
préximo e publicizado a partir de uma nova máquina
mais próximo maquina que transforma tambem
também as
publicaeoes diarias: o telégrafo.
publicações diárias: tele’grafo. Graças
Graeas a sua implantação
implantaeao nos periodicos
periódicos mais impor-
tantes da cidade do Rio de Janeiro, a partir de 1874,
1874, ée’ possivel
possível noticiar fatos do mun-
do ocorridos ontem e transportar até ate’ provincias longinquas como o Maranhão
províncias longínquas Maranhao noticias
notícias
fim do “século
do fim “século das luzes”
luzes” na capital da recém-criada
recém—criada República.
Republica. Muito do espanto
a que Humberto de Campos se refere certamente diz respeito aos aparelhos tecnolégicos
tecnológicos
que invadem a cidade. E o tele’grafo
telégrafo ée apenas um dos artefatos do progresso que se
pais e com mais intensidade na capital da República.
disseminam no país Republica.
cinematografo, o fonógrafo,
O cinematógrafo, fonégrafo, o gramofone, os daguereótipos,
daguereotipos, a linotipo, as
sao algumas das tecnologias que invadem a cena urbana e o imaginário
Marinonis são imaginario
Virada do século XIX para o XX, introduzindo amplas transformaeoes
social na virada transformações no
cenario urbano e nos periodicos
cenário periódicos que circulam na cidade.

História Cultural da Imprensa — 21


A entrada em cena
eena desses modernos
rnodernos aparelhos tecnolégicos
tecnológicos produz alteração
alteraeao sig-
sig—
nifieativa no comportamento
nificativa comportarnento e na pereepeao
percepção dos que passam a conviver quotidiana-
quotidiana—
corn eles. E nos periódicos
mente com periodicos multiplicam-se
multiplicarn—se as descrições
descrieoes estupefatas com
corn as
transformaeoes que a tecnológica
transformações tecnologica coloca
coloea em cena.

“No salão
“No salao da Rua do Ouvidor,
OuVidor, nºno 131,
131, inaugurou-se
inaugurou—se anteontem
anteontern o
kinetoseopio, a última
kinetoscópio, ultima invenção
inveneao de Edison, que é, como
corno todas as do estudioso
e fecundo inventor, maravilhosa. Vimos uma briga de galos comcorn todas as suas
peripecias, os aplausos e gestos de entusiasmo dos espectadores. Depois vimos
peripécias, Vimos
danea serpentina corretamente dançada
a dança daneada e por fim
fim uma curiosa briga nurna
numa
taverna”. (Jornal
taverna”. (Jamal do Brasil, 9 dezembro 1894.
1894. Apud Sussekind, 1987:39)
1987:39)

Visao de imagens em movimento


O novo invento que permite a visão rnovirnento ée tambe’m anunei-
também anunci-
“urna
ado como “uma das maraVilhas
maravilhas deste fim
fim de se’culo”.
século”. Dois anos mais tarde, em 21 de
21
junho de 1896,
1896, o Jamal d0 Commercio descreve com
Jornal do corn detalhes uma outra invenção:
inveneao: o
cinernatégrafo. Na avaliação
cinematógrafo. avaliaeao do periodico,
periódico, este ée em
ern muito superior ao aparelho de
Edison. Se o0 kinetoscópio
kinetoscopio possibilita a visão
Visao de cenas de forma individual, o 0
cinematografo permite a apresentação
cinematógrafo apresentaeao de figuras
figuras em tamanho natural e que podem ser
Vistas de forma partilhada pelo publico.
vistas público.

“Todos nós
“Todos nos vimos
Vimos o kinetoscópio
kinetoscopio de Edison, o 0 qual reproduz o movirnento
movimento
por meio da passagem rápida,
rapida, em frente àa retina, de uma série
serie de fotografias
fotografias
instantaneas. Mas no kinetoscópio
instantâneas. kinetoscopio as figuras
figuras eram pequeninas e só so uma pessoa
de cada vez podia apreciá-lo.
aprecia—lo. O cinematographo, inventado pelos irmãos
irrnaos Lumière,
Lumiere,
figuras em tamanho natural, podendo ser vistas
apresenta-nos as figuras Vistas por um número
numero
espectadores”. (Jornal
qualquer de espectadores”. (Jamal do Commercio, 21 21 de junho de 1896,
1896, p. 3)

Tambe’m os periodicos
Também implantarn outros artefatos
periódicos mais importantes da cidade implantam
tecnologicos que mudam
tecnológicos rnudam significativamente
significativarnente a maneira como se produzern
produzem jornais:
jornais:
maquinas linotipos capazes de substituir o trabalho de até
máquinas ate’ 12
12 das antigas composições
composieoes
maquinas de imprimir
manuais; máquinas irnprimir capazes de “vomitar”
“vornitar” de 1010 a 20 mil exemplares por
Inaquinas de fotografar capazes
hora; máquinas eapazes de reproduzir em imagens o que antes apenas
metodos fotoquímicos
podia ser descrito; métodos fotoquirnicos que permitern
permitem a publicaeao cliches em
publicação de clichês ern
periodieos transformam gradativamente
cores. Os periódicos gradativarnente seus modos de produeao discur—
produção e o discur-
corn que se autorreferenciam. Passam a ser cada vez mais ícones
so com icones de modernidade,
eidade que quer ser símbolo
numa cidade simbolo de um novo tempo.
0 Rio de Janeiro abre o século
O se’culo XX modernizando seu centro urbano. No caos da
iluminaeao elétrica,
cidade, a iluminação ele’trica, a adoção
adoeao da traeao ele’triea nos bondes e a circulação
tração elétrica circulaeao
automoveis nas ruas causam
dos primeiros automóveis causarn sensação
sensaeao e dão
dao o
0 tom da modernização,
modernizaeao,
simbolo do novo século.
símbolo se’culo.

22 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


As tecnologias capazes de fornecer uma dimensão
dimensao àa concepção
concepeao temporal e espacial
sao decisivas na conformação
são conformaeao do novo mundo simbólico
simbolico que emerge naquele final
final de
se’culo. O mundo se torna proximo
século. Visivel. As descrições
próximo e visível. descrieoes e a possibilidade de ver em
longinquos e figuras
imagens lugares longínquos figuras exóticas
exoticas mudam gradativamente a percepeao
percepção de
Visivel, e antes apenas imaginado. A possibilidade de saber o que se
um outro, agora visível,
passa no mundo em poucas horas constrói
constroi gradativamente nova espacialização.
espaeializaoao. O mundo
se torna mais compacto. A temporalidade ganha nova dimensão.
dimensao.
Os periodicos,
periódicos, sobretudo aqueles que querem consolidar sua forçaforoa junto
junto ao pfibli—
públi-
forea politica,
co e, consequentemente, sua força compulsoria
política, devem implantar de maneira compulsória
novos artefatos tecnologieos,
tecnológicos, permitindo maior tiragem, maior qualidade e rapidez na
impressao. É
impressão. E preciso tambe’m distancias entre o acontecimento
também diminuir as distâncias aeontecimento e o pfiblico.
público.
Rapidez ée’ a palavra de ordem...

“Desde ontem o Jornal do Brasil conta com uma Marinoni dupla, poden-
“Desde
do tirar 4, 6 ou 8 paginas
páginas de modo que assim conseguiremos satisfazer as
exigéncias da nossa extraordinária
exigências extraordinaria tiragem, pondo a trabalhar simultanea-
simultanea—
maquinas singelas de quatro paginas,
mente quatro máquinas maqui—
páginas, cada uma, ou duas máqui-
nas duplas para 6 ou 8 páginas.
paginas. O serviço
serVioo telegrafico
telegráfico aumentou (...) uma
expedieao biquotidiana para dois sistemas intermediários.
expedição intermediarios. Especialmente cui-
cui—
informaeao esperando que o Jornal do Brasil
damos de melhorar as fontes de informação
nao deixe de verificar
não verificar nelas com a maior rapidez,
rapidez. completando até
ate’ a última
filtima
hora as recebidas, tudo quanto possa interessar a legião
legiao dos nossos amigos
leitores”. (Jornal
leitores”. (Jamal do Brasil, 11 janeiro de 1901,
1901, p. 1.
1. Grifos nossos)

No texto publicado
publieado pelo Jamal
Jornal do Brasil no primeiro dia do ano de 1901, 1901, fica
fica
importancia que as novas teonologias
evidente a importância tecnologias tém dia—a-dia das publicaooes.
têm no dia-a-dia publicações. As
rotativas Marinonis possibilitam o aumento da tiragem que naquele ano chega àa extraor-
extraor—
dinaria cifra de 60 mil exemplares. Por outro lado, o telegrafo
dinária telégrafo permite a atualização
atualizaeao
constante — – e com rapidez — noticias recebidas
– das notícias reeebidas de última
filtima hora. Nao
Não ée’ mais possivel
possível
apenas anunciar o que se passa no mundo, mas ée’ preeiso
preciso informar com rapidez. Os
jornais constroem um tempo cada vez mais comprimido.
oomprimido.

“O cabo submarino transformou tudo isso. Quando o pfiblieo


“O público pode todas
manhas saber que houve na véspera
as manhãs ve’spera um terremoto nos antípodas,
antipodas, mandou
ao diabo o jornalista politico critico dogmático,
político e o crítico dogmatico, quis saber com minúcias
minficias
o que se passava na propria
própria terra. A função
funeao de repórter
reporter cresceu de importân-
importan—
entao concentrou-se
cia: tudo então coneentrou—se nele. Uma notícia
notieia abala mais o governo do que
nao dão
30 artigos e 30 artigos não dao ao jornal a tiragem que uma notícia
noticia proporcio—
proporcio-
Tambe’m, a consequência
na. Também, consequeneia disso ée que ja nao há
já não hajornalistas:
jornalistas: todos nós
nos somos,

História Cultural da Imprensa — 23


reporteres e ée' dos sucessos da reportagem que mais nos orgu-
mas ou menos, repórteres orgu—
lhamos...” (Idem,
lhamos...” (Idem, ibidem)

Constroi-se, pois, paulatinamente, a imagem do jornalismo como conformador da


Constrói-se,
atua1idade.As
realidade e da atualidade. sao fundamentais para a construção
As tecnologias são construeao do jor-
informaeao neutra e atual. Se o
nalismo como lugar da informação 0 tele’grafo
telégrafo torna os aconteci-
Visiveis, há
mentos visíveis, ha que informar fatos que ocorrem proximos
próximos ao pfiblico.
público. A opinião
opiniao é,
e’,
informaeao isenta e, neste processo,
assim, gradativamente separada de uma ideia de informação
tecnologicos desempenham papel fundamental.
os novos artefatos tecnológicos
inscrieao das atividades
Temporalidade ou a inscrição atiVidades humanas na duração
duraeao ée a forma como
os homens apreendem e dão dao significado
significado ao tempo. O 0 presente ou o passado ganham
mfiltiplas significações
múltiplas significaeoes em função
funeao da qualificação
qualificaeao que lhe atribuímos.
atribuimos. Para diferentes
individuos, em condições
indivíduos, condieoes diversas, os dias, as horas e os minutos, metricamente idên-
iden—
nao são
ticos, não sao iguais uns aos outros. O presente ée’ composto de intervalos heterogeneos
heterogêneos
variaveis cuja extensão
e incorpora variáveis extensao depende da complexidade dos acontecimentos perce-
bidos. O presente apreendido por cada indivíduo
individuo e guardado na memória
memoria revela, pois,
1984).
um tempo de natureza qualitativa (Pomian, 1984).
Para os periodicos longinquo 1901,
periódicos daquele longínquo 1901, o mundo — – onde se multiplicam as
eletrica —
tecnologias na esteira do desenvolvimento da energia elétrica – que se transfigura
transfigura
calidoscopio de imagens múltiplas
deve ser narrado como um calidoscópio mfiltiplas e que se sucedem sem
parar. O sentido dos acontecimentos sempre aponta para o futuro que se instaura perma-
nentemente, capitaneado pelas novas tecnologias que mudam a paisagem sensorial.

“Nesta cidade, na Rua do Ouvidor, 135,


“Nesta 135, estará
estara em exibição
exibieao A machina
quefalla,
que filtima invenção,
falla, última inveneao, a mais perfeita do célebre
ce’lebre Edison. Boa oportuni-
dade para se conhecer um dos inventos mais estranhos e surpreendentes. Esta
maquina não
máquina nao sóso reproduz a voz humana, senão
senao tambem
também toda a classe de sons,
caneoes, óperas,
como canções, operas, músicas
mfisicas militares.”
militares.” (Tinhorão,
(Tinhorao, 1981:18)
1981218)

Enlevados pela tecnologia que transforma o cotidiano e as sensações,


sensaeoes, os jornais não
nao
apologe’tico novos aparelhos que revolucionam a
cessam de anunciar em tom sempre apologético
apreensao do mundo e instauram múltiplas
apreensão mfiltiplas percepeoes
percepções temporais. A máquina
maquina que repro-
duz os sons também ée capaz de guardá-los
guarda—los num novo tipo de suporte memorável.
memoravel.
Nas publicaeoes diarias, o passado ée frequentemente obliterado. Têm-se
publicações diárias, Tém-se olhos
inclusao do pais
apenas para um futuro inaugurado com a inclusão país num novo tempo: a Repú-
Repli-
blica. Apaga-se quotidianamente o passado filiado
filiado obrigatoriamente àa origem coloni-
coloni—
historico que se quer esquecido. Paralelamente, cada diário
al, a um momento histórico diario do Rio
nao cansa de repetir a sua própria
de Janeiro não propria história
historia nas edições
edieoes comemorativas que
missao primordial do jornalismo: ser os olhos e ouvidos
evocam a missão ouVidos da sociedade.

24 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


O sentido de tempo fornece qualificações
qualificacoes múltiplas
multiplas ao passado. Gerações
Geracoes que se
compoem de maneira desigual e heterogênea
compõem heterogénea se organizam em torno de acontecimen-
tos e personagens memoráveis.
memoraveis. Gestos, falas, fatos são
sao evocados como relíquias
reliquias res-
suscitadas em festas particulares que instauram um sentido particular para um passa—
passa-
do reinventado.
Se, por um lado, esses eventos marcos possibilitam trazer de volta o passado, o
contrario, é sempre objeto de projetos, antecipações,
futuro, ao contrário, antecipacoes, esperas, esperanças.
esperancas.
AnteVisto,
Antevisto, se constitui numa espécie de componente do proprio
próprio presente. Afinal
Afinal as
atiVidades de hoje só
atividades so serão
serao objetos de plena realização
realizacao amanhã.
amanha.
inicio do ano e os seus aniversários
O início aniversarios são
3510 os
OS momentos escolhidos pelos jornais
diarios mais importantes da cidade para informar sobre as maravilhosas tecnologias
diários
que os inserem compulsoriamente na modernidade. As novas máquinas
maquinas tornam naonão
apenas o tempo mais curto, mas os lugares mais proximos:
próximos:

“Os nossos leitores ficarão


“Os ficarao assim a par de todo o movimento das grandes
modificacoes que se dão
capitais e conhecedores das modificações dao na politica internacio—
política internacio-
Ale’m desse melhoramento, o
nal. Além 0 material tipográfico
tipografico será
sera completamente
transformado a fim
fim de que o Correio da Manhã
Manha em todos os pontos corresponda
as exigências
às exigéncias de um jornal moderno, tambe’m
também cuidando de sua parte estética”.
estetica”.
(Correio da Martha,
Manhã, 2 janeiro de 1902,
1902, p. 1)
l)

Dessa forma, o Correio da Marthe? implantacao do serviço


Manhã anuncia a implantação servico telegrafico
telegráfico na
redacao, acompanhando o que ja
redação, diarios da cidade.
já ocorrera anteriormente em outros diários
O Jamal
Jornal do Commercio, desde 1º 1° de agosto de 1877,
1877, publicava os serviços
serVicos da Agen-
Agên-
escritorio no Rio de Janeiro trés
cia Havas, que instalara seu escritório três anos antes.
periodicos procuram, assim, na esteira de um novo tempo, no qual a marca
Os periódicos
mais incisiva ée a sua relação
relacao com as novas tecnologias que informam sobre a inclusão
inclusao
pais num lugar cuja valoração
do país valoracao ée’ positiva, tornar publica Visivel a existência
pública e visível existéncia em
seu cotidiano dos artefatos do progresso. Um tempo que aponta sempre para um futu-
ro. Nesse sentido, a temporalidade espelhada quotidianamente por esses periodicos
periódicos
Vida de cada indivíduo.
reproduz a linearidade da vida individuo. O tempo social do Rio de Janeiro na
Virada do século
virada se’culo configura-se
configura—se como linear e orientado. No futuro, a redenção.
redencao. No
passado, o esquecimento.
Ainda que tenhamos consciência
consciéncia que o grau de subordinação
subordinacao do presente ao futuro
nivel cultural, a vida
varia de acordo com os grupos sociais, a idade, o nível Vida de cada indiví-
indivi—
duo ée voltada para o futuro cuja fronteira ée’ tracada
traçada além da morte.
Dependentes dos estados afetivos, passado, presente e futuro são
350 a rigor intervalos
desiguais. O tempo psicologico e’, pois, sempre de natureza qualitativa, irreversível
psicológico é, irreversivel e

História Cultural da Imprensa — 25


finito. Nao
finito. ha possibilidade de vivê-lo
Não há ViVe—lo que não
nao no periodo
período compreendido entre o
nascimento e a morte, em periodos
períodos que invariavelmente se sucedem. Se, do ponto de
Vista pessoal, esses instantes são
vista sao marcados pela ideia de sucessão,
sucessao, tambe’m
também do ponto
Vista coletivo a ordem legítima
de vista legitima ée aquela que se estabelece como contínua.
continua. E no
inicio do século,
caso do Rio de Janeiro do início se’culo, o futuro ée sempre alvo de projetos reden-
tores, que deveriam ser gerados num presente que, esquecendo o passado, instaura um
novo tempo. Um tempo marcado pela ideia de progresso, em cujo cerne repousa tam— tam-
be’m a questão
bém questao tecnologica.
tecnológica.

“Maravilhosa
“Maravilhosa invenção”
invencao”

“Vi no Times (...) de 23 ou 31


“Vi 31 passado, algumas linhas sobre a abertura de
subscricao para lançar
uma subscrição lancar em Londres, uma nova machina de compor o
“Lynotype”. Mandei vir
“Lynotype”. Vir de Londres o que há
ha a este respeito e recebi hontem uma
papelada e uma brochura que há ha algumas explicações
explicacoes sobre esta maravilhosa
maraVilhosa
invencao. Vi tudo e estou com a cabeça
invenção. cabega tonta, tal ée a minha admiração”.
admiracao”. (Carta de
Jose’ Carlos Rodrigues. 4 agosto de 1889.
Francisco Picot a José 1889. Grifos nossos)

A tecnologia que causa admiração,


admiracao, deixando-o
deixando—o de “cabeça
“cabeca tonta”,
tonta”, a que o diretor
presidente do Jamal
Jornal dod0 Commercio se refere em carta dirigida ao futuro diretor de
redacao do periodico
redação periódico — Jose’ Carlos Rodrigues —
– José – traz mudanças
mudancas extraordinárias
extraordinarias na
forma de fazer jornal e no cotidiano dos profissionais
profissionais de imprensa. Em vez da compo-
sicao em caixas, em que cada letra forma palavras, que por sua vez, compõem
sição compoem linhas,
num trabalho manual extremamente especializado, agora é possivel, invencao
possível, com a invenção
do novo artefato tecnologico,
tecnológico, produzir linhas inteiras a partir do simples acionamento
de um teclado alfanumérico.
alfanume’rico.
A possibilidade de compor o texto nas linotipos — sao introduzidas nos jornais
– que são jornais
1892, ou
cariocas a partir de 1892, on seja,
sej a, apenas trés
três anos depois que Francisco Picot tomara
conhecimento da novidade — – traz profundas alterações
alteracoes também no cotidiano profissio-
profissio-
tipografos, que são
nal dos antigos compositores tipógrafos, sao gradativamente substituídos
substituidos pelo novo
profissional gráfico:
profissional grafico: o linotipista.
alteracao não
Mas a alteração nao se dá
da apenas nas oficinas.
oficinas. A possibilidade de compor com
mais rapidez o texto permite, por exemplo, a ampliação
ampliacao do número
nfimero de paginas
páginas dos
jornais. Mas talvez a mudança
mudanca mais drástica
drastica tenha sido a possibilidade de se atualizar
informacoes num prazo temporal mais curto.
as informações

“a linotipo permitiu àa redação


“a redacao e ao noticiário,
noticiario, margem ampla para um
serVico de informações
trabalho completo, fazendo com que o serviço informacoes possa abran-

26 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


ger os acontecimentos ocorridos a horas adiantadas da noite. No regime de
composieao manual só
composição so por exceção
exceoao a folha era paginada depois de 2 horas da
contrario, normalmente devia estar pronta a 11 hora. Fora dis-
madrugada; ao contrário, dis—
expedioao. Hoje, com a celeridade do trabalho mecâ-
so, era comprometer a expedição. meca—
nico, a folha opera normalmente a sua reportagem, quer da cidade, quer tele-
grafica até
gráfica ate’ cerca de 3 horas, podendo ser paginada, em casos extraordinários,
extraordinarios,
mesmo às as 4 horas da manhã”.
manha”. (O
(0 Paiz, 11 outubro de 1910,
1910, p. 1)
1)
N

A tecnologia da linotipo ao lado das modernas máquinas


maquinas a vapor, que invadem as
publicaooes seculo XX, traz na sua essência
publicações da cidade na alvorada do século esséncia a ideia de rapi-
dez. O tempo cotidiano parece estar voltado para um proj eto de futuro que é construído
projeto construido
no proprio
próprio presente. Rapidez ée mais do que uma palavra de ordem: dá da sentido a uma
ideia de tempo que se espraia pela sociedade.

“O trabalho das oficinas


“O oficinas nesse dia foi extraordinário:
extraordinario: enquanto uma das
maquinas rotativas, a São
máquinas $50 Paulo, imprimia a folha dupla da Gazeta, a outra, a
Camoes, imprimia a folha especial. Atiragem
Camões, A tiragem total das tres
três folhas foi de perto
120 mil exemplares, cuja edição
de 120 edieao esgotou-se
esgotou—se inteiramente. (...) A tiragem
10 de junho foi a primeira que justificou,
de 10 justificou, mesmo aos olhos mais severos, a
previdéncia de que usamos, montando uma máquina
extrema previdência maquina que pode ser
necessaria para tiragens superiores a 40 mil exemplares. Todas as vezes que o
necessária
publico fornecer—lhe em poucas horas um
público o reclamar, estamos habilitados a fornecer-lhe
numero de exemplares que nenhuma outra tipografia
número impe’rio
tipografia da capital e do império
pode tao imprimir”. (Gazeta de Noticias,
tão rapidamente imprimir”. 11 e 12
Notícias, 11 12 de junho
junho de
1880, p. 2. Grifos nossos)
1880,

adoeao da nova tecnologia de impressão


Mas a adoção impressao não
nao ée a única
unica inovação
inovaeao introduzida
pelo jornal fundado por Ferreira de Araujo,
Araújo, Henrique Chaves, Manoel Carneiro e
Elisio Mendes em 1875.
Elísio 1875. Também
Tambem a Gazeta ée responsável
responsavel pela inauguração
inauguraeao na cidade
de uma nova forma de fazer jornais: “jornal
“j ornal barato, popular, fácil
facil de fazer”.
fazer”. Para isso
passa a empregar “os“os escritores mais estimados do tempo, que dando a sua colabora-
colabora—
9510 àa Gazeta a tornaram querida em todo o pais”
ção (Verissimo, s/d: 72). Alem
país” (Veríssimo, Além disso, o
periodico atraves de pequenos jornaleiros, que pas-
periódico inicia o sistema de venda avulsa, através
sam a gritar por todos os cantos os nomes dos principais diários
diarios da cidade.
Jornal barato e popular, desde os 03 anos 1880,
1880, a Gazeta custa, quando do seu apare-
apare—
1875, 40 réis
cimento em 2 de agosto de 1875, re’is2 o número
2
numero avulso e tem como principal
caracteristica o destaque que dá
característica (121 àa literatura, de maneira geral, e aos folhetins particu—
particu-

2 Em 1875,
2
40 réis era quanto se pagava pela passagem de bonde mais barata da cidade.
1875,40

História Cultural da Imprensa — 27


larmente. Nesse jornal, Machado
Maohado de Assis escreve os seus “Bons
“Bons Dias e Boas Noites”,
Noites”,
1882. Publica tambem
desde 1882. cronioas de Olavo Bilac
também crônicas Bilao e de Arthur Azevedo. Entre seus
figuram Raul Pompeia, Silva Jardim e Adolfo Caminha, com
colaboradores figuram corn as “Car-
“Car—
Literarias”.
tas Literárias”.
Antes do seu lançamento,
laneamento, num prospecto de propaganda que anuncia o novo periodi—
periódi-
co, destacam o peso que a literatura teria em suas paginas.
páginas.

“Ale’rn de um folhetim romance a Gazeta de Noticias


“Além Notícias todos os dias dará
dara
um folhetim da atualidade. Arte, literatura, teatros, modas, acontecimentos
aeontecimentos
notaveis, de tudo a Gazeta de Notioias
notáveis, Notícias se propoe
propõe a trazer ao corrente
oorrente os seus
leitores. A Gazeta de Noticias fornecera aos seus assinantes informações
Notícias fornecerá informaooes co-
co—
merciais, que mais possam interessar-lhes,
interessar—lhes, procurando assim merecer
mereoer a sua
benevolénoia e distinção”.
benevolência distinoao”. (Gazeta de Notz'cias.
Notícias. Prospecto, s/d)

Guimaraes Passos, Coelho Neto, Pedro Rabelo e Emílio


Bilac, Guimarães Emilio de Menezes são
sao os
seus principais colaboradores.
oolaboradores. Bilac escreve crônicas
cronioas aos domingos. Pedro Rabelo
1900, a seção
inaugura, em 1900, seoao humorística
humoristiea “Casa
“Casa de Doidos”,
Doidos”, Guimarães
Guimaraes Passos redige
sueltos3,
sueltos 3
, enquanto Coelho Neto publica folhetins e Emílio
Emilio de Menezes prosa e versos.
eeonomia são
Os artigos de fundo sobre economia sao de autoria de João
Joao Lopes Chaves e João
Joao do
e, sem dúvida,
Rio é, duVida, o seu mais popular repórter
reporter“.
4
esoritorio na Rua do Ouvidor,
. Com escritório OuVidor, 70,
a Gazeta tern oficina tipografioa
tem sua oficina tipográfica àa Rua Sete de Setembro, 72 e ée vendida “por
“por toda
a cidade, nos quiosques, nas pontes das barcas, nas estações
estaooes de bondes e em todas as
estaeoes da Estrada de Ferro D. Pedro II”.
estações II”. (Gazeta de Noticias.
Notícias. Prospecto, s/d)
ilustraeoes, desenhos a bico-de-pena, ée’ comum desde os primeiros nu-
O uso de ilustrações, nú-
Alem de ilustrarem o folhetim, as notícias
meros. Além notioias tambe’m
também podem ser destacadas com
utilizaeao desses desenhos, que reproduzem ora o retrato do personagem enfocado,
a utilização
construooes, embarcações
ora as construções, embarcaooes ou outro tipo de objeto
obj eto a que a nota se referia.
Anunciando ainda no primeiro ano de publicaeao
publicação uma tiragem de 12 12 mil exem-
numero e adota diversas estratégias
plares, cinco anos depois dobra esse número estrate’gias promocionais
“Para compensar o incômodo
no sentido de conquistar novos assinantes. “Para incomodo de virem
Virem
escritorio daremos aos nossos assinantes premios.
ao nosso escritório prêmios. Entre esses premios
prêmios
esta o Almanaque que mandamos fazer para este fim”.
está fim”. (Gazeta de Notz'cias,
Notícias, 7 janei—
janei-
1880, p. 1)
ro de 1880, 1)

3 Chama-se
3
Chama—se suelto o pequeno texto opinativo,
opinativo, mas com característica
caracteristica jocosa e humorística,
humoristica, publicado pelos
jornais brasileiros desde o início
inicio do século.
século.

João do Rio trabalhou durante onze anos na Gazeta,


4Joao
4
Gazeta, chegando a ser seu redator chefe em 1913.
1913. Em 1915
abandona o jornal,
jornal, na época de propriedade de Oliveira Rocha, e vai para O
0 Paiz.
Paiz.

28 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


As inovações
inovaeoes tecnológicas
tecnologieas — utilizaeao das modernas rotativas —
– incluindo a utilização – per-
mitem o aumento sucessivo da sua tiragem. Em abril de 1880,
1880, anunciam a tiragem de
24 mil exemplares.

“Julgamos conveniente consignar a tiragem a que se eleva atualmente nossa


“Julgamos
seeao do parla—
folha, de 24 mil exemplares. O interesse que desperta a atual seção parla-
mento, bem como a expectativa do procedimento do novo ministro, influen-
influen-
ciam, é certo, sobre a tiragem, mas porque não
nao podemos prever o que serásera
estavel, consignamos o algarismo a que se elevou nestes últimos
estável, filtimos meses”.
meses”. (Ga-
zeta de
d6 Noticias, 1880, p. 1)
Notícias, 23 abril de 1880, l)

seeoes que despertam o interesse dos leitores, a que se refere o jornal,


Essas novas seções
350 o “Boletim
são “Boletim Parlamentar”
Parlamentar” e o “Diário
“Diario das Câmaras”,
Camaras”, que, quando deixam de ser
publicadas, são
sao substituídas
substituidas pelos “Assuntos
“Assuntos do Dia”.
Dia”. Agora, o jornal edita dois fo-
literarios: um na primeira pagina
lhetins literários: página e outro na 3.
Definindo—se, desde o primeiro número,
Definindo-se, nl’imero, como um jornal jovem, a Gazeta de Noti-
Notí-
cias apregoa tambem
também a sua propria
própria liberdade.

“Um jomal
“Um espirito de seus redatores. Idade do espírito,
jornal nasce com a idade do espírito espirito,
digo, porque embora seja tao intima a ligação
tão íntima ligaeao entre a matéria
materia e o espírito,
espirito, que
alguns fazem depender este daquele, há ha homens cuja alma se amolda às as rugas do
corpo, como há ha moços
moeos cujo espírito
espirito envelhece prematuramente. A Gazeta de
Noticias
Notícias tem vinte
Vinte e... tantos anos”.
anos”. (Gazeta de Noticias, 1875, p. 1)
Notícias, 2 agosto de 1875, l)

O ideal de modernidade da Gazeta de Noticias


Notícias faz com que todas as inovações
inovaeoes
destaea a valorização
editoriais introduzidas, dentre as quais se destaca valorizaeao dos textos literários,
literarios,
sej am apresentadas como necessidade para continuar sendo jovem
sejam jovem e moderna. A mes-
esqueeer dos preceitos literários
ma modernidade levava a Gazeta, sem se esquecer literarios de que é a
principal divulgadora, a produzir um texto cada vez mais simples, leve, ao gosto de
um pfiblieo
público mais vasto.
Por outro lado, na ponta extrema da formação
formaeao dessa autoidentidade, referenda
independéncia diante de grupos e facções
sempre a sua independência faeeoes politicas,
políticas, o que possibilita a
mais absoluta liberdade. Na pratica,
prática, entretanto, nem essa liberdade existe, como tam—
tam-
nao há
bém não ha essa independência.
independéncia.
A prosperidade leva a outras modificações
modificaeoes de natureza te’cniea. eonseguir
técnica. Para conseguir
elevar a sua tiragem, ée necessário
necessario importar uma nova máquina
maquina rotativa, até
ate’ então
entao
desconheeida pelos periodicos
desconhecida 10 de junho de 1880,
periódicos da cidade. Em 10 1880, anuncia a inaugu-
inaugu—
raeao da máquina
ração maquina rotativa de Marinoni, capaz de imprimir 20 mil exemplares por
“Camoes”, em alusão
hora, a quem deram o nome de “Camões”, alusao àa comemoração
comemoraeao dos 300 anos do
poeta portugués.
português.

História Cultural da Imprensa — 29


No mesmo jornal, reproduzem um desenho da máquina,
maquina, tomando para si o 0 papel
de divulgadores da nova tecnologia, ao mesmo tempo em que justificam
justificam a ousadia,
tendo em vista o0 crescente aumento da tiragem e a expectativa de ultrapassar a marca
de 40 mil exemplares.
Essa expectativa, entretanto, sóso se cumpriria nos primeiros anos do século
se’culo XX. Na
de’cada de 1890,
década 1890, cinco anos depois do início
inicio do funcionamento da nova máquina,
maquina, o
jornal ainda divulga uma tiragem de 35 mil exemplares. O número nfimero avulso permaneee
permanece
re’is e a assinatura de seis meses ée’ de 6$000 e a anual 12$000,
a 40 réis 12$000, sendo o jornal mais
eidade5.
barato da cidade 5
.
A partir de 1900,
1900, uma série
serie de inovações
inovaooes redacionais passa a fazer parte do perio—
perió-
dieo. A de maior sucesso de público
dico. pfiblico ée’ a introdução
introdueao da coluna Binóculo,
Binoculo, uma espécie
cronica da sociedade, escrita por Figueredo Pimentel e que se transforma, no dizer
de crônica
eronistas da época,
dos cronistas e’poea, na “bíblia
“biblia das elegâncias
elegancias da terra”.
terra”.

“Nao há
“Não ha quem o não
nao leia. A elite devora-o.
devora—o. É
E nesse plano de prosa que o
0 Dr.
Ataulfo de Paiva vai aprender a melhor maneira de colocar a cartola
eartola na cabeça;
cabeoa;
onde o0 Sr. Humberto Gottuzzo toma conhecimento
eonhecimento da cor da moda para as suas
gravatas e onde os smarts urbanos e suburbanos aprendem, a proposito
propósito de ele-
gancia e de chic, coisas
gância eoisas edificantes.”
edificantes.” (Edmundo, 1957:955-956)
1957:955-956)

Graficamente o jomal
Graficamente jornal tambem
também muda. É E impresso em oito colunas e utiliza invaria-
ilustraooes e caricaturas na sua primeira pagina.
velmente ilustrações nfimero avulso custa 100
página. O número 100
re’is. E em primeiro de janeiro ja
réis. já anunciam a sua nova tiragem:
tiragem: 40 mil exemplares.
As transformações
transformaooes não
nao param aí.
ai. Em 1907,
1907, importam da Alemanha uma máquina
maquina
ate cinco cores, publicando o primeiro clichê
capaz de imprimir até cliche a cores. A partir de
entao o feitio pesado do jornal muda. Aos domingos edita um suplemento literário,
então literario,
fotografias ilustrando um texto em que figura
com desenhos coloridos e fotografias figura sempre o
“Cinematografo”, comentários
“Cinematógrafo”, comentarios dos dias da semana, algumas poesias, um conto
eonto e artigos.
A prosperidade do periodico, contrario do Correio da Marthe?
periódico, ao contrário Manhã e do Jamal
Jornal do
Brasil, deve-se
Brasil, deve—se menos a sua venda avulsa do que aos vultosos contratos
eontratos firmados
firmados com
orgaos municipais para a publicação
os órgãos publicaeao dos atos oficiais
ofieiais da Prefeitura. Em abril de
1901, por exemplo, assina contrato com a Diretoria Geral de Interior e Estatística,
1901, Estatistica,
servieo o Jamal
substituindo nesse serviço d0 Commercio que publica esses atos desde 1890.
Jornal do 1890.
38033000 por quatro editais sobre a proibieao
Oito anos depois a Prefeitura paga 380$000 proibição de
artificios nas ruas. (Publicações.
queimar fogos de artifícios (Publicaeoes. Códices
Codices 45-4-35
45-4—35 e 44-4-20.
44-4—20. AGCRJ)

5 Só
5
so a título
titulo de comparação,
comparagao, 100 réis era o 0 preço
prego da travessia de barca Rio-Niterói
Rio—Niteréi e seis mil-réis (6$000)
(6$OOO)
ocasiao, a um dia de trabalho de um operário
equivalia, na ocasião, operério gráfico.
gréfico.

30 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


A imagem e o leitor

A primeira pagina
página do Jamal
Jornal do Brasil da edição
edioao comemorativa de 15 15 de novem—
novem-
1900 —
bro de 1900 – inteiramente tomada por ilustrações
ilustraooes reproduzindo cenas das tecnologias
Virada do século XIX para o século XX —
que invadem a imprensa na virada – é um bom
nao apenas das estratégias utilizadas para atingir um
indicador não urn pfiblico
público mais vasto e
parcamente alfabetizado
alfabetizado6,
6
, mas também para refletir
refletir sobre a importância
importancia da represen-
represen—
taoao image’tica na sociedade.
tação imagética
introduoao da fototipia na imprensa, que possibilita o uso de
Mesmo antes da introdução
fotografias, fundamentais também para a proliferaoao
fotografias, proliferação das revistas ilustradas, os jor—
jor-
diarios mais populares utilizam as ilustrações
nais diários ilustragoes como representação
representaoao privilegiada
Vida urbana. Nessas paginas,
da vida observa—se uma espécie de redefinição
páginas, observa-se redefinioao do olhar que
passa a existir no início
inicio do século XX.
Na ilustração
ilustragao principal da pagina 15 de novembro de 1900
página do dia 15 1900 —
– que ocupa
todo o primeiro teroo
terço superior —
– os artefatos tecnologicos
tecnológicos que permitem a rapidez
necessaria àa divulgação
necessária divulgaoao de notícias
noticias estão
estao representados: o telégrafo e suas linhas
transmissoras, o navio
naVio a vapor e,
6, em
cm destaque, a impressora que possibilita ao jornal
jornal
representagao em imagem que
imprimir 60 mil exemplares. Por outro lado, é essa representação
permite a leitura intensiva e extensiva do periodico.
periódico.
No mesmo jornal, na part6 sao colocados lado a lado.
parte inferior, cinco desenhos são
O primeiro mostra um tipo de pfiblico
público ao qual o jornal
jornal se autoatribui o papel de
defensor: os pobres e6 os
OS oprimidos. Abaixo, a figura
figura do repórter
reporter que toma nota
filtimas novidades, que chegam ao seu conhecimento via
das últimas Via aparelho telefonico.
telefônico. A
mobilidade que a tecnologia coloca ao seu dispor possibilita também a rapidez desejada
desej ada
pela imprensa para a divulgação
divulgaoao das notícias
noticias sempre atualizadas e6 em
cm profusao.
profusão.
Ainda na mesma pagina,
página, uma alegoria da imprensa, representada pela figura
figura femi-
femi—
alcanoa o universo, tal o seu poder de visualizar
nina, que alcança Visualizar amplamente o que se passa
fotografias encerram a visão
no mundo. Mais duas fotografias Visao do jornal sobre seu papel na socieda-
socieda—
de: a do pequeno jornaleiro que distribui o periodico
periódico pelas esquinas da cidade e a
imagem senhorial de um personagem bem-vestido,
bem—vestido, que certamente representa um urn tipo
de pi’lblico
público a quem o jornal precisa atingir: os grupos dirigentes.

6 O aumento real e a diversificação


6
diversificagao da população,
populagéo, decorrentes, em parte,
parte, do afluxo de libertos e imigrantes
fizeram com que o período
periodo entre 1870 e 1890 registrasse um dos maiores crescimentos demográficos
demogréficos da
cidade. Em 1872,
1872, 274.972 é a população
populagao do Rio de Janeiro.
Janeiro. Dezoito anos depois este número
namero atinge 522.651.
522.651.
Em 1900,
1900, o seu contingente populacional jé
já ultrapassa 600 mil e o
0 Rio de Janeiro com 621.565 moradores é
a mais populosa cidade do país
pais e a
3 única
(mice com mais de 600 mil habitantes.
habitantes. Desse contingente,
contingente, pelo menos
80% da população
populagéo é constituída
constituida de analfabetos (Lobo,
(Lobo, 1978:448-453).
1978:448-453).

História Cultural da Imprensa — 31


O Jamal a’a Brasil se apresenta a seu pfiblico
Jornal do ealidoseopio de imagens,
público como um calidoscópio
nas quais cenas em que procuram reproduzir a realidade figuram ao lado de alegorias.
teenologieos estão
Se os artefatos tecnológicos estao representados em detalhes, se o 0 repórter
reporter apresenta-se
apresenta—se
indumentaria que reproduz a sua ação
com a indumentária aeao quotidiana, se o 0 pequeno jornaleiro de fato
sobraea dezenas de exemplares de jornais, há
sobraça ha na mesma pagina figuradas que
página imagens figuradas
simbolieo. Assim, a utilização
apelam a um universo simbólico. utilizaeao da ilustração
ilustraeao como
eomo uma espécie
espe’eie de
tecnica —
arremedo da imagem técnica oeupara lugar de destaque na imprensa —
– que logo ocupará cons—
– cons-
troi paulatinamente o seu caráter
trói carater aparentemente objetivo,
obj etivo, fazendo com que sejam
sej am olha-
olha—
espe’eies de janelas e não
das como espécies nao como
eomo imagens. A0 Ao lado da pretensa representação
representaeao
ilustraeoes que dizem respeito a um regime de representação
do real, figuram outras ilustrações representaeao
anterior. Nesse sentido, a imagem ée’ ainda em muitos momentos alegoria pura.
Entretanto, ée compreensível
compreensivel que, em meio àa mudança
mudanea de sentido introduzida por
artefatos que querem reter o0 real —
– do som que se transforma em voz ou canção,
caneao, das
Vistas pela retina e que poderiam ser fixadas em pelieulas
imagens vistas películas —,
–, a imagem teeni-
técni-
ca adquira lugar de supremacia em todas as publicaeoes.
publicações. Como suporte fundamental
memoria, como monumento-documento, no sentido de que além
de memória, alem de refletir
refletir o que
se passa no mundo, tambem
também guarda nas paginas
páginas impressas o proprio
próprio mundo, a impren-
sa passa a reproduzir uma visão
Visao de mundo que se constrói
constroi como proxima
próxima do olhar.
Além disso, ante uma cultura urbana caótica,
caotica, há
ha que existir uma representação
representaeao
“real” que marca de forma definitiva aquilo que alguns autores classi-
privilegiada do “real”
ficam como modernidade. Nesse sentido, o0 real ée apenas e tão-somente
tao-somente as representa-
representa—
eoes (Charney e Schwartz, 2004:27).
ções
Vilehes, na abertura do seu livro La lectura de la imagen (1995), afirma
Lorenzo Vilches,
que nenhuma imagem ée’ um espelho virgem,
Virgem, porque retém
retem preViamente es—
previamente a face do es-
peetador. As imagens na comunicação
pectador. eomunicaeao de massas sãosao textos culturais que contêm
contém o
possivel, incluindo o espectador. Os textos revelam o leitor na sua
mundo real ou possível,
propria imagem.
própria
O leitor do Jamal a’a Brasil dos 1900,
Jornal do 1900, contido nas narrativas do jornal, certamente
eertamente
sabe identificar o texto “escrito”
“escrito” através de desenhos que são
sao colocados
eolocados lado a lado. Olhando
sequéncia decodificam
as imagens em sequência decodifieam a mensagem: trata—se
trata-se de um jornal moderno, que
usa a mais inovadora tecnologia para difundir com rapidez as informações.
informaeoes. ÉE tambem
também um
jornal que para além
ale’m de informar
inforrnar procura intermediar as queixas e reclamações
reelamaeoes do pfibli—
públi-
0 Jamal
co. O a’a Brasil modela sua popularidade na esteira da construção
Jornal do construeao de uma autoimagem
fundamental: defensor daqueles que não nao tém
têm quem propugne por eles.
Mas para que de fato se torne o jornal de maior circulação
circulaeao e tiragem ée’ preciso se
diarios. Numa ci-
transformar numa verdadeira revista ilustrada dos acontecimentos diários. ei—
dade cuja maioria absoluta da populaeao
população ée analfabeta, a textualidade da imprensa se
faz pela possibilidade de transmitir a informação
informaeao através
atraves da imagem.

32 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


O mais popular diário,
diario, desde 1894,
1894, orgulha-se
orgulha—se também de publicar os palpites do
jogo do bicho, as marchas dos cordões
cordoes e blocos carnavalescos e6 os
OS crimes, segundo os
cronistas de época, tao pfiblico mais vasto.
tão ao gosto de um público
Ser popular é6' atingir os ainda não
nao alinhados entre os leitores tradicionais. É
E ser o
0
jornal dos caixeiros, dos balconistas, dos empregados de comércio, dos militares de
baixa patente, dos trabalhadores em geral (Lobo, 1896:16).
1896:16).
nao é apenas o destaque “aos
Mas não “aos crimes sarabulhentos, às
as notícias
noticias hediondas, às
as
tragédias quotidianas”
quotidianas” (Rio, 1987),
1987), ocupando mais de 50% do seu noticiário,
noticiario, que
caracteriza essa busca de uma gama mais variada de leitores. A partir de 1900,
1900, o
jornal abre grandes espaços
espaoos às
as ilustrações
ilustraooes — edigoes especiais ilustradas às
– criando edições as
quintas e domingos —
– num pioneirismo rapidamente imitado pelos outros periodicos.
periódicos.
ilustraooes a bico de pena de paginas
Com ilustrações páginas inteiras, resumindo as noticias
notícias da sema-
na sob a forma de caricaturas, inovando ao criar “o“o conto sem palavras”,
palavras”, na verdade
historia em quadrinhos sem fala, o Jamal
uma espécie de história a’a Brasil valoriza as ima-
Jornal do
gens —
– ainda em forma de desenho — – em detrimento do texto.
so começa,
Essa busca de popularidade só comega, na verdade, em 1894,
1894, quando é vendido àa
firma Mendes & Cia., ex-proprietária
firma eX-proprietaria do Diaria a’a Commercio,
Diário do Cammercia, e passa a ser chefiado
chefiado
pelo advogado Fernando Mendes de Almeida. Até então entao o Jamal a’a Brasil pouco se
Jornal do so
diferencia dos periodicos
periódicos mais tradicionais.
1891, por Rodolfo Dantas, ministro da Educação
Fundado em 9 de abril de 1891, Educaoao do
Impe’rio, e tendo na gerência
Império, geréncia comercial o ex-administrador
eX—administrador do Jamal a’a Commercio,
Jornal do Cammeraia,
Henrique de Villeneuve, o jornal afirma-se
afirma—se no artigo de apresentação
apresentaoao com o dever de
fiscalizar os abusos do poder, acima das convicções
fiscalizar convicooes ideológicas.
ideologicas. Entretanto, era niti-
damente monarquista, tendo entre os fundadores Joaquim Nabuco, que assume a che- che—
fia de redação
fia redaoao em junho daquele ano.
No seu primeiro ano, custa 40 réis o exemplar e as assinaturas anuais são
sao de 12$000
12$000
e as semestrais de 6$000, o mesmo preoo ale Naticias.
preço da Gazeta de Notícias. No primeiro ano,
com a tiragem ainda modesta de 5 mil exemplares, muito longe dos 60 mil que ja já
inicio do século
imprimem no início se’culo XX, é6' vendido principalmente na Zona Sul da cidade
pelos meninos que gritam ao pfiblico ediooes é
público o nome da nova folha. O restante das edições
levado por quatro carroças
carrooas aos quiosques que se espalham pelas ruas centrais da cida-
cida—
de, que, ao lado de diversos outros artigos, também vendem jornais (Coelho, 1940).
1940).
Com o0 agravamento da crise entre o periédico
periódico e o Governo Republicano, logo
apos a entrada de Joaquim Nabuco para a sua chefia,
após chefia, o Jamal a’a Brasil tem sua
Jornal do
oficina depredada em 16
oficina 16 de dezembro de 1891.
1891. Rodolfo Dantas e Nabuco deixam o
jornal, ficando
ficando Villeneuve apenas alguns meses para efetuar a transioao.
transição. Em abril de
1892 passa a ser propriedade de uma sociedade anônima,
1892 anonima, cujos sócios
socios majoritários
majoritarios
sao Ferreira de Almeida e o
são 0 Conde de Figueiredo.

História Cultural da Imprensa — 33


1893, ée de novo vendido, assumindo Rui Barbosa o cargo de redator
Em maio de 1893,
sitio, contrariando ordens expressas do Governo
chefe. Sob a censura do estado de sítio,
Floriano, noticia a Revolta da Armada e na madrugada de 1º 10 de outubro tropas do
redacao e as suas oficinas,
governo invadem a sua redação oficinas, ocupando-o militarmente. Sua edi-
950 ée’ suspensa por mais de um ano, só
ção so voltando a circular, em novembro de 1894,
1894, ja

direcao. A partir daí
sob nova direção. dai passa por drásticas
drasticas transformacoes sao responsá-
transformações que são responsa-
veis pelo proprio
próprio slogan criado pelo periodico: “o popularissimo”.
periódico: “o popularíssimo”.
comeca a se caracterizar por profundas alterações
Essa fase começa alteracoes na estrutura empresa-
empresa—
rial, administrativa, redacional e editorial.
Dividindo esquematicamente a empresa em variados setores, o Jamal a’a Brasil
Jornal do
redacao da administração
separa, na sua estrutura administrativa, a redação administracao e das oficinas.
oficinas.
Compoe-se das seguintes seções:
Compõe-se secoes: redação;
redacao; seções
secoes tecnicas, estao composição,
técnicas, onde estão composicao,
paginacao, máquinas,
paginação, maquinas, oficinas
oficinas de obras, estereotipia, fotogravura, fotozincografia,
fotozincografia,
encadernacao e eletricidade; e os demais serviços
galvonoplastia, encadernação servicos que englobam reVi-
revi-
sao, expedição,
são, expedicao, almoxarifado e correio.
A redação,
redacao, por sua vez, também ée’ dividida
diVidida em setores, onde trabalham os repórte-
reporte-
res e redatores: o redator de plantao;
plantão; o encarregado de atender aos pobres; o redator
Saloes e os responsáveis
de Palcos e Salões responsaveis pelo serviço
servico telegrafico,
telegráfico, pelas notícias
noticias da Mari-
nha, pelo noticiário
noticiario policial, pelo foro, comércio
come’rcio e esporte. Na redação
redacao fica
fica ainda a
secao de desenhos, àa qual dedica especial atenção
seção atencao (Lobo, 1896:18).
1896:18).
A prosperidade do jornal dessa nova estruturação
estruturacao ée’ assombrosa. Seis anos depois
transformacao administrativa, que leva igualmente a uma profunda mudança
dessa transformação mudanca
edicao diária
redacional/editorial, imprime uma segunda edição diaria —
– a vespertina —– e adquire o
controle da Revista da
a’a Semana, que passa a ser uma publicacao
publicação semanal do Jamal da
Jornal do
Brasil. alem dos inúmeros
Brasil. Editam além infimeros romances, publicados anteriormente em suas pa- pá-
edicao mensal —
ginas sob a forma de folhetim, uma edição – o Guia Mensa] a’a Jamal
Mensal do cla
Jornal do
Brasil — edicao anual —
– e uma edição – o Anuaria cla Jamal
Anuário do a’a Brasil.
Jornal do
Do ponto de vista
Vista editorial, o
0 periodico inovacoes. A profusao
periódico introduz diversas inovações. profusão
ilustracoes, o que leva àa criação
de ilustrações, criacao de uma edição
edicao ilustrada —– oa Jamal cla Brasil
Jornal do
Ilustraa’a
Ilustrado —ja 1898; a pretensa isenção
– já em 1898; isencao nas notícias,
noticias, que recebem um cunho clara-
clara—
mente informativo, deslocando a opiniãoopiniao politica
política para duas colunas semanais; a edi-
950 de notícias
ção noticias e ilustrações
ilustracoes que se referem ao cotidiano dos habitantes da cidade; a
critica concentrada nas caricaturas; a publicacao
crítica cancoes populares e
publicação das modinhas e canções
inclusao de uma seção
a inclusão secao de passatempo podem ser alinhadas entre as mudanças
mudancas mais
marcantes. O jornal publica diariamente os palpites para o jogo jogo mais popular da
e’poca —
época – o0 do bicho —– sob a forma de quadrinhas:

34 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


“Nao preciso de
“Não do concurso / De palpite de quem
quern quer / Há
Ha de
do dar o gato ou
so perderei se quiser”.
o urso / Só quiser”. (Jornal
(Jamal do
a’a Brasil, 4 janeiro 1900, p. 1)
janeiro de 1900, 1)

Além de tudo isso, faz questão


questao de referendar o seu papel de intermediário
intermediario entre a
populaoao
população e o poder pfiblico,
público, de defensor dos pobres e dos oprimidos, abrindo espaço
espaoo
as “Queixas
às “Queixas do Povo”,
Povo”, ou incluindo nas suas caricaturas a figura
figura do Zé Povo — corn
– com
uma fala expressiva — definindo—se claramente neste papel.
– ou ainda definindo-se

“Vitima da prepoténcia
“Vítima prepotência ou de um abuso, a primeira lembrança
lembranoa que tom
tem o0
homem do povo é exclamar: Vou queixar-me
queixar—me ao Jornal do Brasil!
Brasil! E vem
efetivamente e6 nós
nos o
0 ouvimos com a maior atenção,
atenoao, aconselhando-lhe calma
prudéncia, tornando-nos advogados de sua causa”.
e prudência, causa”. (Jornal
(Jamal do
a’a Brasil, 15
15
novernbro de 1902,
novembro 1902, p. 2)

Essa estratégia editorial faz com que de fato o jornal fosse

“deveras e desvanece-se de ser —


“deveras – popularissirno. as—
popularíssimo. O Jornal do Brasil é as-
sim, o jornal popular por excelência
exceléncia e do agrado desse povo que quotidia-
quotidia—
namente lhe dáda provas de simpatia e incentivo àa manifestação
manifestagao do seu pro—
pro-
grama”. (Idem,
grama”. (Idem, ibidem)
ibia’em)

A necessidade de aumentar o número


nfimero de exemplares e de
do paginas
páginas — corn quatro
– sai com
nos dias de semana e6 com
corn oito aos domingos — nfirnero 54 da Rua
– leva-o a adquirir o número
Gonoalves Dias, para ali instalar a distribuição
Gonçalves distribuioao e a expedição,
expedigao, abrindo espaço
espago no nú-
n11-
mero 56 para as novas máquinas
maquinas rotativas, que dividem as instalações
instalaooes com a adminis-
traoao redagao. As oficinas
tração e a redação. oficinas tém Inaquinas impressoras, sendo uma
têm agora quatro máquinas
género até então:
Marinoni, a mais moderna no gênero entao:

“Desde ontem
“Desde ontern o Jornal do Brasil conta com uma Marinoni dupla, poden—poden-
paginas, de modo que assim conseguiremos satisfazer
do imprimir 4, 6 ou 8 páginas,
exigéncias da nossa extraordinária
as exigências extraordinaria tiragem, pondo a trabalhar simultanea-
simultanea—
maquinas singelas de 4 paginas
mente quatro máquinas maquinas
páginas cada uma, ou duas máquinas
duplas para 6 ou 8 paginas”. (Jamal do
páginas”. (Jornal a’a Brasil, 11 janeiro 1901, p. 1)
janeiro de 1901, 1)

Ainda em 1900
1900 realizam obras na sede da rua Gonçalves
Gonoalves Dias, embora ja estej am
já estejam
preparando a transferência
transferéncia para aaAvenida 14 de outubro de 1904
Avenida Central. Em 14 1904 lançam
lanoarn
a pedra fundamental da nova sede, mas a mudança
mudanga da redação
redaoao e das oficinas
oficinas para o
so ocorrerá
novo prédio só ocorrera em 12
12 de janeiro de 1910.
1910.
1900, imprime uma edição
Desde 1900, edioao ilustrada aos domingos e outra às
as quintas-feiras.
quintas—feiras.
A primeira custa 200 réis e publica, em paginas
páginas inteiras de caricaturas, o retrospecto
segoes de quebra-cabeça
ilustrado da semana, seções quebra-oabeoa e modinhas populares também ilustra-

História Cultural da Imprensa — 35


seeao de modas, com as últimas
das; uma seção filtimas novidades parisienses e dezenas de outros
desenhos a bico de pena. Aos domingos são
sao publicados, na segunda pagina,
página, dois fo-
lhetins, igualmente ilustrados.
A partir de 1901
1901 torna—se ilustraeao das matérias
torna-se comum a ilustração materias policiais, publicando
ao lado do texto desenhos a bico de pena que reproduzem a cena do crime. Ou Cu o0
ilustrador faz o croqui a partir de “uma
“uma fotografia
fotografia tirada no local da trage’dia”
tragédia” ou da
Visao
visão que pessoalmente presenciara7. ilustraeao,
presenciara 7
. A ilustração, mesmo antes da introdueao do pro-
introdução
cesso teenico
técnico de fototipia que permitiu a publicaeao fotografias, passa a figurar
publicação de fotografias, figurar ao
nao mais com o sentido crítico
lado do texto não critico e opinativo, mas para dar a sensação
sensaeao de
veracidade àa informação.
informaeao.
significando o
Essa necessidade da imagem significando 0 real faz parte de um movimento cultu-
ral mais amplo que se instaura a partir da segunda metade do séculoseculo XIX, quando a
descrioao fotográfica
descrição fotografica —– fosse ela do ambiente ou de pessoas —– passa a ser gradativamente
Vista como instrumento eficiente
vista efieiente para reproduzir o0 real e a verdade. A teenologia
tecnologia que
se espalha pelos múltiplos
mfiltiplos universos culturais da cidade ée tributaria
tributária da ideia de repro-
dueao fidedigna.
dução fidedigna. Seja do som, seja da imagem.
A imagem passa a conter em si mesmo a ideia de verdade. Por outro lado, a cons-
trueao da cena sob a forma impressa torna presente o ausente e permite a fixação
trução fixaeao da
propria atualidade. Atual deixa de ser o que se passa no mundo, para ser aquilo que
própria
em se passando está
esta nas paginas
páginas das publicaeoes.
publicações. E de preferéncia
preferência sob a forma de
imagem. Ilustrar, num primeiro, e fotografar, num segundo momento, significam
significam do-
do—
episodios e fatos contemporâneos,
cumentar episódios contemporaneos, fornecendo
forneeendo indícios
indieios da presenea
presença e inau-
noeao de tempo real (Przyblyski, 2004:357).
gurando a noção
A imagem sob a forma de ilustração,
ilustraeao, mas realizada a partir da fotografia
fotografia que estan-
ca o0 tempo ou a partir do olhar daquele que presenciara a cena, congela o instante
passado, tornando-o presente, isto é, atual.
Carregada de atualidade, essa imagem ée’ tambe’m verossimil. Neste sentido, despe-
também verossímil. despe—
figurativo e passa a ser dotada espontaneamente de
se de todo e qualquer elemento figurativo
funeao referencial. É
sua função E vista
Vista como a possibilidade de transmitir o
0 real. Verossímil,
Verossimil,
neste sentido, ée’ aquilo que é capaz de reproduzir a vida,
Vida, sendo fiel
fiel àa “realidade”
“realidade”
1995:21).
(Ricoeur, 1995:21).
Ao ser vista
Vista por um aparelho técnico
teenico —
– e portanto carregado da ideia de neutralida-
neutralida—
de —
– a imagem estanca o tempo. Nao
Não ée apenas o repórter
reporter que está
esta presente na cena do

Cf. “A
7Cf.
7 “A infeliz Guilhermina, vítima
vitima do desastre de ontem na Rua Beneditinos (croquis tirado do natural pelo
nosso companheiro J. Arthur)”.
Arthur)”. In:
In: Jornal
Jorna/ do Brasil,
Brasil, 17 janeiro de 1901,
1901, p. 2 e “O
“O cadáver
cadaver de Luiz Carlos da
Cunha, a partir de uma fotografia tirada na Casa de Detenção”.
Detengao”. In:
In: Jornal
Jorna/ do Brasil,
Brasil, 11
11 outubro de 1900,
1900, p.1.
p.1.

36 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


aconteeimento, mas o repórter
acontecimento, reporter e a máquina
maquina capaz de captar
eaptar o
0 real. No jornal essa
imagem se transfigura ilustraeao, que continua carregando o mes-
transfigura em uma outra, a ilustração, mes—
mo real presumido. A imagem passa a ser vistaVista como
corno neutra, atual e objetiva. Os
preeeitos irao construir emblemas do jornalismo desde os anos 1900
preceitos centrais que irão 1900
estao lançados.
estão laneados.
O Jamal ala Brasil em quase nada se pareee,
Jornal do inieiar o século,
parece, ao iniciar séeulo, com a publicaeao
publicação
1891.
surgida em 1891. Na primeira pagina
página a coluna de maior destaque e “Telegramas”,
é “Telegramas”,
correspondéncias exclusivas
reproduzindo as correspondências exelusivas enviadas de Lisboa, Porto, Paris e Roma,
ale’m de outras de diferentes estados do País.
além Pais. Na pagina eontinuarn as notícias
página 2, continuam notieias poli-
eiais, as “Queixas
ciais, “Queixas do Povo”,
Povo”, “Palco
“Palco e Salões”,
Saloes”, ao lado de outras colunas fixas.
fixas. Na 3,
“Enigma Pitoresco”
o “Enigma Pitoresco” dá
da o
0 resultado do jogo de bicho, além
ale’rn das “Notícias
“Noticias Avulsas do
Comereio”, “Exército”
Comércio”, “EXército” e “Guarda
“Guarda Naeional”.
Nacional”. A pagina
página 4 ée’ toda tomada por anúncios.
anuneios.
Aos domingos, incluem as “Modinhas
“Modinhas Populares”
Populares” e uma seção
seeao de passatempo.
Atribuindo—se
Atribuindo-se o papel de benfeitor dos pobres, tern urn serviço
tem ainda um serVieo regular de
sao distribuídos
recebimento de donativos em dinheiro que são distribuidos às
as pessoas que procuram
redaeao para este fim.
a redação fim.

“0 Sr. João
“O J050 Batista Pereira mandou-nos
mandou—nos a quantia de 20$ em comemora-
eomernora—
eao ao aniversário
ção aniversario de sua filhinha
filhinha Noemia,
Noêmia, para que façamos
faearnos chegar
ehegar às
as mãos
maos
Virginia de Jesus, em
da infeliz Virgínia ern tratamento no Hospital da Misericórdia.
Misericordia. Hoje
ineurnbéncia”. (Jornal
mesmo nos desempenharemos dessa grata incumbência”. (Jamal do
a’a Brasil, 2
janeiro de 1900,
1900, p. 1)
1)

1906, passa a ser presidido por Carvalho de Morais, tendo como acionista
Em 1906, aeionista
responsavel pela parte comercial
Ernesto Pereira Carneiro, responsável cornercial e financeira.
financeira. A mudança
mudanea
acionaria não
acionária nao influencia
influencia no sucesso
sueesso empresarial do jornal. Publica, então,
entao, de cinco
einco a
edieoes diárias
seis edições diarias e, em 1912,
1912, introduz as primeiras máquinas
maquinas de escrever na reda-
reda—
eao. Quatro anos mais tarde possui um dos maiores parques gráfico
ção. grafico da imprensa
irnprensa bra-
bra—
12 máquinas
sileira, com 12 maquinas linotipos, 3 monotipos
Inonotipos e a mais moderna impressora.
acionario do Jamal
O controle acionário a’a Brasil muda
Jornal do Inuda de mãos
maos mais uma vez no final
final dos
10: em 1918,
anos 10: 1918, o Conde Pereira Carneiro adquire o jornal
jornal da Mendes & Cia. e
direeao do periódico,
assume a direção periodico, nomeando como redator chefe o futuro fundador dos
Diarias
Diários Assaciaa’as,
Associados, Assis Chateaubriand.

As redações
redaeoes

A reprodução
reprodueao fotográfica
fotografica da redação
redaeao do Jamal cla Brasil na virada
Jornal do Virada do século
seculo XIX
para o XX coloca
coloea em cena tambérn
também os artefatos teenologicos invadern não
tecnológicos que invadem nao apenas

História Cultural da Imprensa — 37


oficinas, como
as oficinas, eomo também as redações.
redaeoes. Na ampla sala do primeiro andar da Rua Gon-
ealves Dias, onde funciona inicialmente
çalves inieialmente o jornal, a luz elétrica se sobressai na ima-
gem. A0 relogio
Ao fundo, na parede que a separa do setor de desenhos e gravuras, um relógio
marea invariavelmente a nova temporalidade na qual estão
marca estao imersos os jornais diários.
diarios.
O acesso a este pavimento se faz por “uma
“uma elegante e bem trabalhada escadaria de
toreida em espiral”
ferro, torcida espiral” (Lobo, 1896).
1896). Entrando-se
Entrando—se na sala podem—se redato—
podem-se ver os redato-
baneas,
res trabalhando nas suas bancas, lendo as notieias
notícias que escrevem em tiras, que Vao em
vão
composieao.
seguida para o redator chefe e dali para a composição.
Na redação,
redaeao, cada um
urn tern
tem o seu lugar determinado. Na mesa proxima
próxima àa escada fica
fica
o redator de plantao, “de receber as reclamações,
plantão, encarregado “de reclamaeoes, as notícias,
noticias, as retifica-
retifica—
goes, enfim
ções, enfim tudo que diz respeito àa folha do dia seguinte”.
seguinte”. Em seguida, o encarregado
enearregado
de atender os pobres: “serviço
“servieo espinhoso e difícil,
dificil, tal ée o número
nfimero extraordinário
extraordinario de
Vao buscar ali os óbolos
infelizes, que vão obolos que a caridade e a benemerência
benemeréncia dos leitores da
diariamente”. Mais adiante, outros redatores e repórteres,
folha lhes distribuem diariamente”. reporteres, res-
ponsaveis pelas diversas seções.
ponsáveis seeoes. No centro da redação,
redaeao, a grande mesa onde “se “se colo-
cavam os jornais do dia e do estrangeiro”
estrangeiro” (Lobo, 1896).
1896).
A reportagem, por sua vez, é dividida
diVidida em dois setores: a informação informaeao local e o
servioo telegrafico
serviço telegráfico do interior e do estrangeiro. As notícias
noticias da cidade, ou as “locais”,
“locais”,
e’poca, são
como se chamava na época, sao desvendadas por hábeis habeis repórteres
reporteres que se espalham
repartiooes. Essa informação
pelas diversas repartições. informaeao é ainda complementada com o trabalho
reporteres dos “teatros
dos repórteres concertos ,, , “esporte”,
“teatros e concertos”, cc esporte 99 , “policial”
cc policial” e outros, criando cada

jornal rubricas próprias.


proprias.
servieo telegráfico
O serviço telegrafico é feito pelos correspondentes e, principalmente, pelo recebi-
recebi—
noticias das agências
mento das notícias agéncias de informação.
informaeao.

“Além do serviço
“Além servieo combinado com um dos primeiros órgãos
orgaos de publicida—
publicida-
amerieano e dos seus correspondentes literários
de do continente americano literarios em Lisboa,
provincias de Portugal, Paris e Roma, o
Porto, províncias 0 Jornal do Brasil tern
tem corres-
pondentes telegraficos Montevi—
telegráficos especiais em Paris, Roma, Londres, Lisboa, Montevi-
de’u e Buenos Aires, recebendo, em média,
déu media, pelo cabo submarino de seiscentas
diarias”. (Jornal
a mil palavras diárias”. (Jamal do Brasil, 11 janeiro 1901, p. 1)
janeiro de 1901, 1)

Apesar da importância
importaneia desse tipo de informação,
informaoao, que ocupa geralmente as primei-
ras paginas, ea-
páginas, a reportagem local ganha cada vez mais destaque. O sensacional, as ca-
tastrofes quotidianas e a notícia
tástrofes noticia inédita despertam o interesse do pfiblieo
público e fazem
importaneia do trabalho do repórter.
aumentar a importância reporter.
cronicas do cotidiano, subindo os
Esses passam também a escrever verdadeiras crônicas
religioes populares, montando reportagens em
morros, descrevendo os bastidores das religiões

38 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


sorio sobre
série sobro curandeirismo,
ourandoirismo, favelas
favolas eo outros tomas.
temas. Algumas vezes,
vozos, vale-se
valo-so de
do expedi-
oxpodi-
ontos não
entes nao muito éticos
o’ticos para conseguir
consoguir a reportagem
roportagom inédita
inodita eo sensacional.
sonsaoional. Bisbilhotar
convorsas alheias,
as conversas alhoias, ler
lor sorrateiramente
sorratoiramonto toxtos sobro uma mesa ou mesmo
textos sobre mosmo emom bon-
bon—
dos, são
des, sao apenas
aponas algumas das ações
aooos para conseguir
consoguir o furo de
do reportagem.
roportagom. Podem
Podom tam—
tam-
bo’m se
bém so transformar emom outro personagem
porsonagom para elaborar
olaborar a sua história.
historia.

“Uma gentil
“Uma gontil senhorita,
sonhorita, que
quo veio
voio de
do Minas tontar Vida de
tentar no Rio a vida do impren-
impron-
ontrou para a redação
sa, entrou rodaoao da Rua eo engendrou
ongondrou uma reportagem
roportagom muito interes-
intoros-
santo. Fingiu-se
sante. Fingiu—so dedo transviada eo foi ao Asilo do Bom Pastor podir pedir agasalho
para fazer
fazor ponitoncia
penitência eo regenerar-se.
rogonorar—so. Muniu-se
Muniu—so de do uma minúscula
minfisoula kodak eo
dosombaroou no misterioso
desembarcou mistorioso convento,
convonto, onde
ondo a superiora
suporiora a recebeu
rocobou com benig-
bonig—
nidado eo bons conselhos.
nidade consolhos. NaoNão podo, ontrotanto, pormanooor
pode, entretanto, permanecer no asilo mais de do
48 horas, porquo, sogundo parooo,
porque, segundo urn jornalista, por motivos desconhecidos,
parece, um dosconhooidos,
donunoiou àa superiora
a denunciou suporiora como espiã,
ospia, eo ela
ola tovo do regressar
teve de rogrossar da tranquila man-
350 das madalenas
são madalonas arrependidas
arropondidas para o seiosoio buliçoso
buliooso dos repórteres
roportoros de
do onde
ondo
saira, num momento
saíra, momonto de do original inspiração”.
inspiraoao”. (O(0 Paiz, 16
16 maio dedo 1914,
1914, p. 2)

acontocimontos policiais tom


Os acontecimentos voz mais a proforoncia
têm cada vez preferência do pfiblioo.
público. As gran-
gran—
dos massas desdenham
des dosdonham a notícia
notioia se
so “o
“0 politico
político xX descobriu
doscobriu uma fórmula
formula ou apresentou
aprosontou
um projoto do salvar a Pátria”.
projeto capaz de Patria”. Mas seso há
ha

“uma trago’dia
“uma tragédia na rua tal, com tiros, facadas, mortes,
mortos, uma torronto do san-
torrente de san—
guo eo diversas
gue divorsas outras circunstâncias
circunstancias dramáticas,
dramaticas, as turbas se
so interessam,
intorossam, Vi—
vi-
bram, tom avidoz de
tem avidez do detalhes,
dotalhos, querem
quorom ver
vor os retratos
rotratos das vítimas,
Vitimas, dos crimi-
crimi—
nosos, dos policiais empenhados
omponhados na captura destes”.
dostos”. (O
(0 Paiz,
Paiz, 26 junho
junho dedo
1914,p.l)
1914, p. 1)

E o jornal conclui. “Como


“Como podo roportor de
pode o repórter do policia doixar de
polícia deixar do fazer
fazor verdadeiros
vordadoiros
romancos—folhotins? A culpa não
romances-folhetins? nao éo’ deles,
dolos, éo’ do gosto do pfiblico,
público, cuja psioologia o,
psicologia é,
alias, muito compreensível”.
aliás, comproonsivol”. (Idem,
(Idem, ibidem)
A valorização
valorizaoao do ineditismo
inoditismo também
tambo’m transforma o trabalho. O repórter
roportor passa a ser
sor
olomonto principal para a composição
o elemento composioao da notícia.
notioia. Dele
Dolo se
so espera
ospora “o
“o furo de
do reporta-
roporta—
gom”, a informação
gem”, informaoao sensacional,
sonsacional, todos os detalhes
dotalhos do fato. O que
quo importa para o leitor
loitor
éo “a
“a notícia,
notioia, a impressão
improssao do fato, o fato com todas as suas minúcias,
minfioias, todos os seus
sous
pormonoros, sous detalhes”,
pormenores, todos os seus dotalhos”,

“o leitor
“o loitor apressado
aprossado não
nao queria
quoria pensar,
ponsar, não
nao tinha tompo
tempo para acompanhar
rofloxoos filosóficas,
longas reflexões filosoficas, passa por cima
oima dedo todas as considerações
oonsidoraooos dedo
ordom social eo politica;
ordem diga—lho o que
política; diga-lhe quo passou, como se so passou, em
om que
quo con-
con—
diooos se
dições so deu
dou o fato que
quo o ocupa, pinto-lho
pinte-lhe o tipo eo o caráter
carator dos protagonis—
protagonis-

História Cultural da Imprensa — 39


tas, e se for possivel fazé—lo sem palavras, pela fotografia
possível fazê-lo fotografia tanto melhor!”
melhor!” (O
(0
Paiz, 26
26junho 1914, p. 1)
junho de 1914, 1)

Observa—se, pois, que as bases para a construção


Observa-se, construeao do ideal de objetividade do jor—
jor-
nalismo, que seriam aprofundadas comcorn as reformas por que passariam os jornais cin-
cin—
quenta anos mais tarde, estão
estao lançadas
laneadas na virada
Virada do século
seculo XIX para o XX. A rigor, o
objetiVidade deve ser percebido na longa duração,
mito da objetividade duraeao, como um simbolismo
construido pelas proprias
construído próprias empresas jornalisticas
jornalísticas e pelos jornalistas para assim cunhar
distineao, no sentido que confere a esta palavra Bourdieu (1989), ou um lugar
uma distinção,
autorizado de fala.
inicio dos anos 1900,
Quando no início 1900, o texto aconselha que o jornal deve — funeao
– em função
da nova temporalidade em que estáesta imerso o cotidiano da cidade e de seus habitantes

– dizer o que se passou, como se passou e em que condições;
condieoes; está,
esta, de fato, inventado
aquilo que anos mais tarde seria conhecido como lide. Tudo isso, utilizando-se do
maximo de reprodução
ideal máximo reprodueao da realidade e da verdade. Daí
Dai a importância
importancia cada vez
fotografia, que, longe de representar o
mais crescente da fotografia, 0 real, ée construída
construida como sen-
sen—
esséncia o proprio
do em essência próprio real.
Terminada a reportagem, esta ée’ entregue ao secretário,
secretario, que, por sua vez, a passa ao
paginaeao. Decididos os aspectos gráficos
chefe da paginação. graficos — – tipologia do titulo,
título, destaque,
ilustraeao, etc. —
ilustração, – a pagina
página ée enviada àa estereotipia e daí
dai àa impressão.
impressao.
redaeao dos matutinos se intensifica
O trabalho na redação intensifica por volta das 9 horas da noite.
O fechamento se dáda por volta da meia-noite.
meia—noite. A voz do secretário,
secretario, em tom grave, avisa
aVisa
nao há
que não ha mais tempo a perder. Todos se levantam. Os que ainda nãonao concluíram
concluiram suas
noticias juntam as tiras escritas para terminar o trabalho nas oficinas.
notícias oficinas.
ficam de plantao
Os que ficam plantão tem ate as 3 ou 4 horas da manhã.
têm que aguentar até manha. Ha
Há um
revezamento permanente de repórteres
reporteres e redatores neste trabalho de aguardar que na
pais ou no exterior aconteça
cidade, no país aconteea algo que mereça
mereea a descrição
descrieao pormenorizada
de suas penas. Há
Ha noites em que o trabalho ée tranquilo. Apenas os telegramas das
agéncias nacionais e estrangeiras ou notícias
agências noticias policiais sem importância.
importancia.
Ha dias, entretanto, que um grande incêndio,
Há incéndio, uma impressionante trage’dia
tragédia passional,
terrivel desastre ferroviário
um terrível ferroviario movimentam os repórteres.
reporteres. O secretário
secretario se agita e dá
da
instrueoes: “Olha
instruções: “Olha a hora!
hora! O jornal não
nao pode atrasar!”.
atrasar!”.
secretario planta—se
O secretário 1ado dos repórteres.
planta-se ao lado reporteres. Passa as vistas
Vistas rapidamente pelas
oficina que, por sua vez, as retranca
tiras, entrega-as ao chefe da oficina retranca88 e distribui aos

8 Chama-se
8
Chama—se retrancar
retrancara a identificação
identificagéo necessária
necesséria àa paginação
paginagéo que é indicada em cada texto:
texto: a página
pégina que irá
iré
ocupar, o tipo de ilustração
ilustragao que receberá,
receberé, a rubrica onde ficará
ficaré localizada,
localizada, entre outras.
outras.

40 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


composieao
linotipistas. Tudo feito rapidamente: cinco minutos depois da entrega, a composição
esta revisada e paginada (Netto, 1977,
está 1977, p. 21, 67 e 70).
Os paginadores, em volta da mesa, distribuem-se no trabalho de colocar fios, fios, e
secretario acompanha os retoques finais
outro ajuda os emendadores. O secretário finais com ansieda-
ansieda—
relogio a cada momento. Chega a gravura. Seu lugar
de, consultando o relógio lugarja esta reserva-
já está reserva—
pagina, na medida exata que o gravador antecipadamente fornece. Fundida a
do na página,
telha, a gravura ée nela adaptada por meio de solda, em segundos apenas. Começa Comeea
entao o processo de estereotipia. Três
então Trés minutos depois o0 material ja
já pode ser ajustado
àa rotativa. E ao leve toque do impressor em um botão,
botao, a pesada máquina
maquina vai se mexen-
do lentamente, solta um silvo agudo, que sai da polia, e ganha gradativamente veloci-
veloci—
meeanieas começa
dade. De suas entranhas mecânicas comeea a sair a folha, encadernada e dobrada.
notieias, transformadas
Das Marinonis, das Walter Scott e de outras rotativas, as notícias,
em folhas impressas, saem aos milhares e ganham as ruas em busca dos leitores, assi-
assiduos ou compradores eventuais, para quem o grito dos meninos apregoan-
nantes assíduos apregoan—
do os jornais diários
diarios é a senha para o conhecimento do que se passa no mundo.

Senhores do tempo

Essa senha ée’ dada, sobretudo, pelos mais importantes periodicos circulaeao na
periódicos em circulação
se’culo XX. Segundo informação
cidade na alvorada do século informaeao do escritor Olavo Bilac,
Bilae, as
cineo mais importantes folhas da cidade —
cinco – o Jamal
Jornal do Brasil, o0 Jamal
Jornal do Commercio,
Gazeta de Noticias,
Notícias, Correio da Marthe?
Manhã e O0 Paiz —– tiram juntas 150
150 mil exemplares
exemplares9. 9
.
Numa cidade de pouco mais de 600 mil habitantes, observa-se
observa—se o extraordinário
extraordinario poder
difusao desses impressos.
de difusão
Cada um desses periodicos, criticas e de costumes que nao
periódicos, ao lado das revistas de críticas não
destina—se a um publico
cessam de surgir, destina-se funeao disso, adaptam seu
público em potencial. Em função
texto e o suporte que lhe dá
da sustentação
sustentaeao ao gosto desse leitor. Enquanto a Gazeta de
Notz’cias
Notícias procura atingir um publieo literario dava o
público cujo gosto literário 0 tom da preferencia,
preferência, o
Jamal
Jornal do Brasil multiplica as estratégias
estrategias no sentido de atingir um leitor de menor grau
instrueao e, sobretudo, menor poder aquisitivo. Também popular procura ser o
de instrução 0 Cor-
reio da Mani/1d, circulaeao de seu primeiro número
Manhã, desde a circulação numero em 15 15 de junho de 1901.
1901.
oeorre a partir de 1875
Tal como ocorre 1875 com a Gazeta de Noticias,
Notícias, o0 Correio revoluciona
o jornalismo ao valorizar a informação
informaeao em detrimento da opinião.
opiniao. As noticias
notícias

Segundo o crítico
9Segundo
9
critico José Veríssimo,
Verissimo, os jornais mais importantes da cidade possuíam
possuiam uma tiragem conjunta em
torno de 100 mil exemplares. Cf. Verissimo,
Veríssimo, A instrução
instrugéo e a imprensa. Rio de Janeiro:
Janeiro: s.e,
s.e, s.d.
s.d. Já
Jé Olavo Bilac,
Bilac,
no Momento Literário
Literério (1994), se refere a uma tiragem global de 150 mil exemplares.
exemplares.

História Cultural da Imprensa — 41


dia—a—dia dos grupos populares, as reportagens, as entrevistas
policiais, o dia-a-dia entreVistas assumem
cronica passa a ser mais valorizada, ligada a temas do
lugar de destaque. Por outro lado, a crônica
proprio folhetim, impresso no rodapé
cotidiano, do que o próprio rodape de uma pagina
página de seu interior.
eX—colaborador de Rui Barbosa, em A Imprensa, o
Fundado pelo advogado e ex-colaborador 0 Cor-
reio da Marthe?
Manhã ée caracterizado por Edmundo Bittencourt, desde o início,
inicio, como um
jornal de oposição.
oposicao.
endereco do periodico
Funcionando no antigo endereço periódico dirigido por Rui Barbosa, de quem
Inaquinas e arrenda o pre’dio
Edmundo adquire as máquinas 117 da Rua Moreira Cézar,
prédio 117 Ce’zar, o matu—
matu-
tino ée impresso inicialmente em
ern oito paginas, corn oito colunas em cada uma.
páginas, com
O jornal, que valoriza, ao lado dos temas politicos,
políticos, a literatura, dedica o rodape
rodapé da
terceira pagina diario, ao contrário
página ao folhetim diário, contrario do que acontece com os jornais
jornais na
de’cada anterior, quando esse tipo de texto ocupava espaço
década espaco nobre na pagina 1.
página 1.
As estratégias
estrategias editoriais, redacionais e administrativas do Correio da Marthe?
Manhã para se
urn jornal popular atravessam toda a primeira década
tornar um decada do século.
se’culo. As mais ex-
sao, sem dúvida,
pressivas são, dfiVida, a inclusão
inclusao de colunas de queixas e reclamações
reclamacoes na esteira do
sucesso conseguido pelo Jamal
Jornal do Brasil, com a publicacao “Queixas do Povo”.
publicação de suas “Queixas Povo”.
Ainda em
ern junho de 1901,
1901, incluem a coluna “Pelos
“Pelos Subúrbios”,
Subfirbios”, publicando notas diversas
serVidos pela E.F. Central do Brasil e arredores e seus moradores
sobre os bairros servidos moradoreslo.
10
.
A publicacao
publicação dessa fala ée constante no jornal. Alern
Além das cartas avulsas, algumas
nao, edita as queixas dos habitantes da cidade, recebidas pessoal-
assinadas e outras não,
mente ou por carta, intermediando pedidos ao poder pfiblico,
público, tambern atrave’s da colu-
também através
“Reclamacoes”. Ainda no primeiro ano de seu funcionamento começam
na “Reclamações”. comecam a publicar
distribuidos pela Agéncia
os telegramas distribuídos “Pelo Telégrafo”.
Agência Havas na coluna “Pelo Telegrafo”.
1902, publicam as primeiras fotos na capa e no interior (a primeira foto apare-
Em 1902,
1902, na coluna “Correio
ce em 30 de novembro de 1902, “Correio dos Teatros”)
Teatros”) e, no ano seguinte,
iniciam na pagina secao de anúncios
página 4 a seção anfincios com o resultado do jogo de bicho sob a
“Roda da Fortuna”.
rubrica “Roda Fortuna”. Passam
Passarn tambe’rn
também a editar charges, às as vezes funcionando
como chamada, no alto da primeira pagina,
página, que a partir de 1905
1905 aparecem sob o nome
“Cinematografo”.
de “Cinematógrafo”.
oposicao ao Governo, empreende uma virulenta
Jornal de oposição Virulenta campanha contra Cam-
Cam—
funcao disso tern
pos Sales. Em função tem a sua publicacao
publicação suspensa em 1919 de novembro de
1904, só
1904, so voltando a funcionar em 15
15 de dezembro do mesmo ano, mesmo assim tendo
redacao.
que conviver com um censor diariamente na sua redação.

1° Correio da Manhã,
10
Manhé, 18
18 e 22 junho de 1901,
1901, p. 2.
2. Em 1910,
1910, “Pelos
“Pelos Subúrbios”
Subarbios” muda de nome para “Correio
“Correio
Suburbano” e, ainda no mesmo ano,
Suburbano” ano, passa a se chamar “Subúrbios
“SubL’eios e arrabaldes”.
arrabaldes”. Para a análise
analise do jornal
que se segue,
segue, pesquisamos as edições
edicoes do Correio da Manhã
Manha" de 9 junho de 1901
1901 a 31
31 dezembro de 1910.
1910.

42 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


Todas essas transformacoes sao ainda maiores a partir de 1905.
transformações são 1905. Nesse ano, além
alem
de publicar extensas reportagens, verdadeiras crônicas
cronicas do cotidiano da cidade, abusa
da transcricao cronica literária
transcrição integral de documentos e desloca a crônica literaria para o lugar do
artigo de fundo. O Correio da Mani/167
Manhã passa a ser fundamentalmente um jornal infor-
literario aos domingos.
mativo nos dias de semana e literário
noticiario policial invade em manchetes, inicialmente em corpo
Paralelamente, o noticiário
18,
18, mas ja
já nos anos seguintes ate corpo 48, as suas primeiras paginas.
em até páginas. Logo abaixo
noticia, em pequenos titulos
da manchete o resumo da notícia, títulos entrecortados, anuncia o novo
estilo do jornalismo sensacionalista. “Desmoronamento
“Desmoronamento — Vitimas —
– Duas Vítimas – Quadro
Terrivel —
Terrível – Os mortos — – As providências
providencias — – Encontrados corpos —– No Necroterio
Necrotério —–
Notas Diversas — – Um dia aziago —– O predio
prédio em que se deu o desastre —– Antes de
principal.” O estilo entrecortado do texto faz supor um leitor titu-
demolida a parede principal.”
noticias de crimes e tragedias
beante seguindo as letras impressas das notícias tragédias do cotidiano
que se espalham por todo o jornal.
A ilustração
ilustracao passa a integrar a prépria noticia, com a publicacao
própria notícia, fotografias que
publicação de fotografias
trage’dia. Nas matérias
reproduzem o momento da tragédia. mate’rias policiais publica sempre o retrato
Vitima, sendo a foto invariavelmente da cena do crime. Mas não
do assassino e da vítima, nao são
sao
apenas as notas policiais que merecem o destaque e a sensaçãosensacao de veracidade da
fotografia: os grandes homens, os grandes feitos, o desenvolvimento
fotografia: desenvolVimento e o progresso
naVios são
dos nossos navios sao reafirmados
reafirmados pela imagem fotográfica.
fotografica.
Dez anos depois do aparecimento de seu primeiro número, nfimero, o Correio da Manhd
Manhã
muda quase que inteiramente. Nos dias de semana, o artigo de fundo, crítico critico e que
destaca a campanha oposicionista do jornal no momento, ainda ée assinado por Gil
Vidal. Aos domingos, com uma feiçãofeicao mais literária,
literaria, ée impresso em 1414 paginas.
páginas. Na
primeira, Carmem Dolores, o pseudonimo
pseudônimo da jornalista Emília
Emilia Moncorvo Bandeira
espaco com “Traços
de Melo, divide o espaço “Tracos da Semana”,
Semana”, uma resenha politica
política dos sete dias
anteriores, assinada por Costa Rego e com a crônica
cronica de Arthur Azevedo. Na pagina página 2,
cronicas, algumas destinadas ao pfiblico
outras crônicas, público infantil, e poesias, além de transcri-
coes de pequenas pecas
ções peças teatrais. As seguintes reproduzem, com pequenas variações,
variacoes,
secoes dos dias de semana.
as mesmas seções
As fotos agora utilizam novos recursos gráficos
graficos para ganhar ainda mais destaque,
superposicao. Na matéria
como o recorte e a superposição. mate’ria principal, mais de uma foto ée quase
sempre editada ao lado do texto. As entrevistas
entreVistas podem ser feitas para esclarecer ma-
te’rias nao envolvem apenas personagens de relevo da
térias publicadas anteriormente e não
sociedade. E ainda do ponto de vista
Vista gráfico
grafico o jornal assume definitivamente
definitivamente a edi-
cao das matérias
ção materias em duas colunas, introduzindo a manchete de pagina,
página, seguida de
subtitulos maiores.
subtítulos

História Cultural da Imprensa — 43


Se as estratégias redacionais e editoriais introduzidas pelo mais novo matutino carioca
carioea
sao inúmeras,
são infimeras, não
nao menos numerosos são sao os recursos administrativos e empresariais utili-
utili—
zados para conquistar um pfiblico heterogeneo. Para isso deve ser
público cada vez mais amplo e heterogêneo.
um produto de venda fácil
facil e intensa. E o preeo caracteristica.
preço determina essa característica.
Assim, ée um dos mais baratos da cidade, custando o exemplar avulso 100
100 réis
re’is“.
11
.
1901 quando aparece o primeiro número
De 1901 nl’imero até
ate 1910
1910 aumentam sua tiragem de 3 mil
final
para 30 mil exemplares. No final da primeira de’eada do século
década seculo alardeiam com orgu-
orgu—
lho o fato de o0 jornal ser distribuído
distribuido não
nao só
so na cidade como em outras unidades da
federaeao. Também
federação. Tambe’m ée motivo para orgulho seguidamente referendado o fato de ser
maquinas Marinoni e utilizar papeis
impresso em modernas máquinas PriouX
papéis importados da Casa Prioux
& Cia, de Paris.
Nesse breve panorama da imprensa na cidade do Rio de Janeiro na alvorada do
se’culo XX, dois outros jornais são
século sao também dignos de nota: o Jamal d0 Commercio e
Jornal do
O Paiz.
Ainda que seja, do ponto de vista das estratégias
estrate’gias redacionais e editoriais, o que
menos muda, o Jamal d0 Commercio é,
Jornal do e’, sem dúvida,
dfivida, o que mais modifica
modifica sua feição
feieao
empresarial para atender aos anseios do poder público,
pfiblico, que efetivamente lhe dáda sus-
tentaeao. Mantendo seu caráter
tentação. carater conservador e de apoio irrestrito àa sociedade politica,
política,
o0 jjornal,
ornal, fundado em 1827,
1827, passa por uma drástica
drastica mudança
mudanea na sua estrutura empresa-
1890, quando assume o
rial, a partir de 1890, 0 controle do periodico Jose’ Carlos Rodrigues.
periódico José
Em 1717 de outubro daquele ano, o antigo correspondente nos Estados Unidos, em
conjunto com mais 23 associados, adquire o jornal pela quantia de tres milhoes e
três milhões
re’is (3.500:000$000), uma verdadeira fortuna na época.
quinhentos contos de réis e’poca. Com
socio solidário,
isso se torna sócio solidario, gerente e redator chefe. Para isso, um empréstimo
empre’stimo por
subscrieao pública
subscrição pfiblica ée solicitado ao Banco do Brasil. Como garantia são
sao dados os pre-
pré-
dios que a empresa possui nas ruas do Ouvidor, Quitanda e Travessa do Ouvidor.
Nova orientação
orientaeao ée dada ao jornal: as seções
seeoes são
sao ampliadas, dilata-se
dilata—se o noticiário,
notieiario,
com o intuito de torna-lo “0 verdadeiro defensor
torná-lo mais abrangente, sem deixar de ser “o
Brasil” (Senna: 1901).
das classes conservadoras do Brasil” 1901).
Cinco anos depois, o lucro anual do jornal ée da ordem de 300 mil contos de réis
re’is
(300:000$000). Emprega 429 pessoas, sendo 220 tipografos ofieinas do jornal
tipógrafos nas oficinas
diario e de obras e 66 pessoas na redação,
diário redaeao, sendo 20 efetivos e 46 colaboradores. Entre
tipografos, pessoal das máquinas,
tipógrafos, maquinas, entregadores e dobradores trabalham nas oficinas
oficinas
operarios. Há
349 operários. Ha ainda dois paginadores e 50 revisores, enquanto na administração
administraeao

11 Na época, cem réis ($100) correspondia ao valor de uma passagem de bonde.


11
bonde.

44 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


12 pessoas se revezam. Nestes números
12 nl’imeros não
nao estão
estao incluídos
incluidos os suplentes, aprendizes e
(Jamal do
serventes (Jornal cla Commercio,
Cammercia, 1908).
1908). As inovações
inovacoes te’cnicas
técnicas tambem sao marcantes
também são
a partir de então.
entao.
No início
inicio do século
seculo possuem trés maquinas Marinoni, capazes de imprimir, de
três máquinas
I’mica vez, entre oito e 16
uma única 16 paginas,
páginas, num total de 10
10 mil exemplares por hora. Há
Ha
tambem maquinas menores que podem imprimir duas ou quatro paginas,
também duas máquinas páginas, com
tiragem de 1212 mil exemplares por hora. A oficina
oficina de obras possui sete máquinas.
maquinas. O
jornal tem ainda uma oficina
oficina para fundir tipos com seis máquinas,
maquinas, sendo trés
três para
fundir, uma para laminar o fio,
fio, outra para laminar entrelinhas e a última
filtima para cortar
espacos de corpo 5 a 14.
espaços 14.
Em junho de 1906,
1906, ao ser lançada
lancada a pedra fundamental do seu novo edifício
edificio àa
Avenida Central, ja 12 máquinas
já possui 12 maquinas de impressão
impressao e nove para fundição
fundicao de tipos,
pre’dios da Rua do Ouvidor
ocupando cinco prédios OuVidor e dispondo de luz elétrica
eletrica em todas as
instalacoes, desde 1901.
suas instalações, 1901.
Vista editorial, na primeira década
Do ponto de vista decada do século, o Jamal cla Commercio
Jornal do Cammercia
modificacoes, sem, entretanto, abandonar o seu estilo eminente-
introduz algumas modificações, eminente—
mente opinativo, com uma mancha gráficagrafica que ocupa toda a sua extensão,
extensao, sem a valo-
valo—
rizacao da ilustração
rização ilustracao ou outros recursos gráficos.
graficos. É
E editado em oito colunas, com 272
linhas em cada uma e invariavelmente em corpo 7.
Na primeira página
pagina os “Telegramas”
“Telegramas” reproduzem notícias
noticias divulgadas pela Agen-
Agên-
cia Havas e por seus correspondentes nacionais e internacionais; a “Gazetilha”,
“Gazetilha”, cole-
cole—
tanea noticias mais importantes do dia, e o “Folhetim”,
tânea das notícias “Folhetim”, que ocupa todo o rodapé
rodape’
pagina. Na “Gazetilha”
da página. “Gazetilha” destaque igual ée dado às
as notícias
noticias nacionais, enviadas pelos
correspondentes, àsas notas teatrais e a um ou outro caso de policia.
polícia. Ao contrário
contrario dos
periodicos
periódicos mais populares da cidade não nao valorizam os dramas cotidianos, os crimes
passionais, as tragedias diarias.
tragédias diárias.
aspiracao de ser popular, fazendo questão
Sem a aspiração questao de acentuar o seu transito
trânsito entre a classe
dominante — orgulha—se de ser “o
– orgulha-se “0 jornal das classes conservadoras, lido pelos politicos,
políticos, pelos
negocios, pelos funcionários
homens de negócios, funcionarios graduados”
graduados” —,–, o Jamal a’a Commercio
Jornal do Cammercia ée o periodico
periódico
mais caro do Rio: a sua assinatura ée o dobro da do Jamal a’a Brasil.
Jornal do
Se por um lado, não
nao há
ha grandes mudanças
mudancas editoriais no mais tradicional periodico,
periódico,
secoes e colunas, introduzidas em profusao,
as seções profusão, permitem a explosão
explosao das pequenas
noticias, tornando-o
notícias, tornando—o mais fácil
facil de ser lido. Por outro lado, o jornal passa —
– tal como os
seus concorrentes — reportagens”..
– a valorizar as reportagens 12

Em maio de 1907
12Em
12
1907 publicam, por exemplo, uma série de reportagens assinadas por Euclides da Cunha sobre
a Transacreana. Cf. Jornal
Jorna/ do Commercio, maio 1907, p. 1.

História Cultural da Imprensa — 45


industria —
Como em qualquer indústria fabrica —
– ou fábrica – parodiando a propria definieao de seu
própria definição
socio majoritário
sócio majoritario quando do lançamento
lanoamento da pedra fundamental de seu predio
prédio de seis
andares em concreto armado, situado na Avenida Central, há ha uma rigida divisao e
rígida divisão
hierarquia do trabalho. Na redação,
redaeao, os responsáveis
responsaveis pelas seções
seeoes dividem a tarefa de
escrever. Tudo isso premido pelo tempo. O 0 jornal agora tem hora certa para sair das
oficinas
ofieinas para as ruas e, neste contexto, o tempo se torna fator preponderante. O tempo
apuraeao das notas, o tempo da redação
da apuração redaeao das notícias,
noticias, o tempo da sua distribuição,
distribuieao,
tudo ée regulado pela premência
preméneia de um uma nova realidade temporal que tambemtambém toma
conta da cidade.
Vizinho ao Jamal
Jornal dod0 Commercio, na Rua do Ouvidor, um outro matutino partici—
partici-
pa deste processo de modernização
modernizaeao da imprensa na cidade: O 0 Paiz. Fundado em 1º
10 de
1884, ée’ dirigido nos primeiros anos por Quintino Bocayúva,
outubro de 1884, Bocayuva, seu mentor
financeira do proprietario,
intelectual, que com a ajuda financeira J050 José
proprietário, o comerciante João Jose’ dos
Reis Junior, vai construindo gradativamente o jornal.
Se inicialmente passa por sérios
se’rios problemas financeiros,
financeiros, que se refletem
refletem nas suas
instalaeoes —
instalações “um casarão
– “um casarao velho, sombrio, a pedir a esmola de uma boa picareta, a
graea de um desabamento, ou então,
graça entao, um incêndio
incéndio provideneial”
providencial” (Edmundo, op. op. cit.:
cit:
929) —,
–, a partir do momento em que passa a ser propriedade de João Joao Lage, começa
comeea
também o seu periodo aureo, construído
período áureo, construido em função
funeao das suas ligações
ligaeoes com o poder.
Vivendo das benesses do poder publico
público e do que recebia em troca de apoio explícito
explicito
sej am estaduais, municipais ou nacionais, O
aos dirigentes, sejam 0 Paiz constrói
constroi sua prospe—
prospe-
razao direta de suas ligações
ridade na razão ligaooes com a sociedade politica.
política.
Essa prosperidade faz com que, em pouco menos de dez anos apósapos a nova fase,
1904, para uma suntuosa sede, de quatro andares, na esquina
mude, em novembro de 1904,
de Avenida Central com Rua Sete de Setembro, ocupando 36 metros de frente da rua
e com 20 metros de altura.
A entrada de João
Joao Lage como gerente comercial do jornal se dá
da em 1899.
1899. Cinco
anos depois passa a ter o0 controle
eontrole acionário
acionario do jornal, aproveitando-se
aproveitando—se da ida do
principal acionista a Portugal para, com um empréstimo
emprestimo conseguido junto
junto ao Banco
Republica, comprar suas ações.
da República, aeoes.
mudanea de propriedade, muda tambe’m
Com a mudança chefia de redação
também a chefia redaeao do periodico.
periódico.
Bocayuva se afasta da Presidência
Quintino Bocayúva Presidencia da Diretoria da Sociedade desde abril de
1902, passando a ter o
1902, 0 cargo de Presidente Honorário.
Honorario. Nessa mesma Assembleia,
Eduardo Salamonde ée mantido na chefia
chefia de redação.
redaeao. A Assembleia Geral dos Acio—
Acio-
1904 elege nova diretoria —
nistas em agosto de 1904 – composta por João
J050 Lage, Quintino
Bocayuva e Rodolpho Abreu —
Bocayúva ratifica a substituição
– e ratifica substituieao de Eduardo Salamonde da
chefia de redação,
chefia redaeao, em razão
razao de seu estado de saúde,
saude, por Dunshee de Abranehes.
Abranches.

46 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


No ano seguinte, Alcindo Guanabara assume o
0 cargo. Salamonde volta a ser redator
chefe do periodico 1910.
periódico em 1910.
0 Paiz desse início
O inicio de século
se’culo ainda lembra o periodieo 1884, quando anunciam
periódico de 1884,
uma tiragem diária
diaria de 12
12 mil exemplares. Em 1900,
1900, ainda com as mesmas quatro
paginas
páginas impressas, escondem propositadamente esse númeronumero no slogan “O
“O Paiz ée’ a
circulaeao da America
folha de maior tiragem e de maior circulação Sul”.
América do Sul”.
O exagero ée’ flagrante.
flagrante. A sua propria
própria estrutura redacional, comparada com a de
diarios, invalida essa afirmativa.
outros diários, afirmativa. Com parcos recursos gráficos,
graficos, com poucas
ilustraeoes, também
ilustrações, tambe'm dão
dao destaque àa literatura. A crítica
critica literária
literaria assinada por Frota
espago nobre da primeira pagina.
Pessoa ocupa o espaço página. A0 “Telegramas” reprodu-
Ao lado, os “Telegramas”
noticias do exterior, dividindo a pagina
zem as notícias página com pequenas notas policiais. Na 2,
publicam o 0 “Memorial”,
“Memorial”, “Avisos
“Avisos Especiais”,
Especiais”, “Declarações”
“Deelaraeoes” e o “Folhetim”.
“F olhetim”. Eventu-
Eventu—
criticas e anseios do publico
almente divulgam as críticas “Queixas e Reclama-
público na coluna “Queixas
eoes”. Medeiros e Albuquerque, Aluisio
ções”. Aluísio de Azevedo, Gonzaga Duque, Júlia Julia Lopes de
Almeida são
sao os seus colaboradores mais ilustres.
Adotando mudanças
mudaneas gráficas
graficas e editoriais com mais lentidão
lentidao do que os seus con-
con—
eorrentes, O
correntes, 0 Paiz, a partir de 1905,
1905, aumenta extraordinariamente o número
numero de suas
paginas, funeao dos anúncios,
páginas, em função anuncios, principalmente oficiais,
oficiais, que publicam diariamente.
Os Atos Oficiais
Oficiais da Prefeitura ocupam
oeupam por vezes até
ate’ 10
10 paginas.
páginas. Paralelamente àa
publieaeao
publicação desses editais, os elogios a todos os governos aumentam em suas edições.
edieoes.
so cinco anos depois, O
Só 0 Paiz adota, com mais intensidade, as inovações.
inovaeoes. Em
1910, as ilustrações
1910, ilustraeoes são
sao frequentes tanto no interior, como na primeira pagina,
página, e ha
há a
edieao das primeiras fotografias.
edição fotografias.
Tendo sempre elogios para os governos
govemos de quem recebe claramente apoio sob forma
de publicidade, O 0 Paiz atravessa toda a década
decada de 1910
1910 envolvido
envolVido em escândalos,
eseandalos, criti-
criti—
eando os jomais
cando jornais concorrentes e sendo achincalhado por eles, mas, sobretudo, valendo-se
valendo—se
relaeoes com o poder para continuar se mantendo, apesar de ser cada vez
de suas estreitas relações
distancia em termos de crescimento empresarial em relação
maior a sua distância relaeao aos concorrentes.
coneorrentes.
A relativa prosperidade do jornal no início
inicio da década
de’cada de 1910
1910 não
nao impede a sua
“quase falência”,
“quase faléncia”, ja 1915. Começa
já em 1915. Comeea aí
ai uma longa crise, atribuída
atribuida ao aumento do
preeo
preço do papel de imprensa e àa diminuição
diminuieao geral da sua receita, e que culmina com o
ineéndio na sede do jornal dois anos depois. O prejuizo
incêndio balaneo de 1915
prejuízo expresso no balanço 1915
ée superior a 300 contos
eontos de réis.
re’is. No ano seguinte, mais uma vez, amargam novos pre—
pre-
juizos. 1917, o jornal deve mais de quase 600 contos de réis
juízos. Em 1917, réis”..
13

13 Cf. Ata da
13
Assembleia Geral Extraordinária
daAssembleia Extraordinéria de 18 nov.
nov. 1909,
1909, publicada em O 0 Paiz,
Paiz, 18 dezembro de 1909,
1909, p.
p.
Balango da Sociedade
3; Balanço SociedadeAnénima
Anônima O Paiz dede1915,
1915, publicado em O 0 Paiz,
Paiz, 16 janeiro de 1916.
1916. Ata da Assem—
Assem-
bleia Geral Extraordinária
Extraordinéria de 30 junho de 1917, publicada em O
de1917,publicada 0 Paiz, 22 julho de 1917,
1917, p.
p. 2.

História Cultural da Imprensa — 47


Esses cinco periodicos
periódicos participam intensamente do movimento da criaçãocriaeao de um
novo tipo de jornalismo que muda drasticamente o padraopadrão editorial das publicaeoes.
publicações.
noticias policiais e reportagens envoltas em carga de neutrali-
Editando com destaque notícias neutrali—
representaeao ideal da sociedade. E para isso são
dade, procuram construir uma representação sao fun-
fun—
estrategias redacional e editorial de isolar os artigos pretensamente in-
damentais as estratégias in—
classsificados como neutros e objetivos, daqueles que são
formativos e classsificados sao claramente
opinativos. A opinião
opiniao se isola definitivamente
definitivamente no artigo de fundo que ocupa a princi—
princi-
pagina em todas essas publicaeoes.
pal coluna na primeira página publicações.
Os principais jornais da cidade se constituem como empresas visando
Visando ao lucro,
luero,
ainda que sobrevivam fundamentalmente das benesses do poder pfiblico.
público. A venda
avulsa ée extremamente restrita e a publicidade apenas engatinha.
A drástica
drastica transformaeao
transformação por que passa o jornalismo inclui, como vimos,
Vimos, do ponto
Vista da impressão,
de vista impressao, inovações
inovaeoes tecnicas
técnicas que permitem a reprodução
reprodueao de ilustrações
ilustraeoes e
fotos e uma maior rapidez no processo de produeao.
produção. Do ponto de vista
Vista editorial, a
mudanea no teor das notícias
mudança noticias publicadas e na forma como sãosao distribuídas
distribuidas nas pagi—
pági-
nas. A valorização
valorizaeao do caráter
carater imparcial do periodico
periódico leva àa criação
criaeao de colunas fixas
fixas
informaeao e para a opinião,
para a informação opiniao, ao mesmo tempo em que se privilegia a edição
edieao de
noticias informativas.
notícias
nl'imero de leitores, um tipo de notícia
Para conquistar maior número noticia passa a ter mais
espaeo: a policial‘
espaço: policial. Com o0 mesmo objetivo assiste-se àa difusão
difusao do folhetim. Os jornais
publicam tambem diarias, os escândalos
também charges diárias, escandalos sensacionais, os palpites do jogo
jogo do
noticias dos cordões
bicho, as notícias cordoes e blocos carnavalescos, entre uma gama variável
variavel de
assuntos, com a preocupaeao significativo, vasto e hetero-
preocupação maior de atingir universo significativo, hetero—
geneo de leitores.
gêneo
A lenta e gradual mudança
mudanea no processo de produeao sao
produção dos matutinos da cidade são
mareantes, sobretudo, nos cinco maiores periodicos
marcantes, periódicos e segue um caminho mais ou
ate o
menos uniforme até 0 início
inicio dos anos 20, quando o jornalismo ganha nova configura-
configura-
eao. Além
ção. Ale’m do aparecimento de uma imprensa inteiramente sensacionalista, que fará fara
escandalo e dos dramas do cotidiano o destaque de seu conteúdo,
do escândalo contefido, surgem não
nao
apenas jornais estruturados em moldes empresariais, mas grupos isolados que passam
a dominar mais de um titulo.
título. A instalação
instalaeao de novas agências
agencias noticiosas, desta vez
Vinda das primeiras grandes agências
norte-americanas, e a vinda agencias de publicidade dão
dao a se-
nha para a entrada do jornalismo num novo tempo.

48 — Tecnologias do novo século (1900-1910)


sensaeoes: o jornalismo dos anos 1920
II. Entre tragédias e sensações:

“Quando
“Quando fui trabalhar no jornal
jornal do meu pai,
Manhã, o0 secretário
A Martha, secretario me perguntou:
perguntou: —
– Vocé
Você
quer ser o quê?
que? Dei a resposta fulminante: Re-
pórter de polieia.
porter polícia. Porque preferi a reportagem
policial, posso explicar. Um velho profissional
profissional
costumava dizer, enfiando
enfiando o cigarro na pitei-
ra: —
– as grandes paixoes
paixões são
$510 as dos seis, sete,
oito anos. Segundo ele, só
so as crianças
crianeas sabem
amar; o adulto não.
nao. Eu fui, sim, um
urn menino àa
procura de amor.”
amor.” (Nelson Rodrigues,
1977:201)
19772201)

A razão
razao que levara o jovem Nelson Rodrigues, com
corn apenas 17
17 anos, a querer ser
reporter de policia,
repórter polícia, ainda que seja explicada em suas palavras pela emoção
emoeao passional
que passaria a ter ao apurar as chamadas notícias
noticias de sensação,
sensaeao, indica tambem
também a impor-
tancia noticiario ganha na maioria dos jornais diários
tância que este tipo de noticiário diarios do Rio de Janei-
ro a partir do início
inicio dos anos 1920.
1920.
A rigor, desde os anos 1910,
1910, as notas sensacionais invadem
invadern as paginas
páginas das princi-
pais publicaooes.
publicações. Abandonando as longas digressões
digressoes politicas,
políticas, os jornais passam a
ern manchetes, em paginas
exibir em editarn, em profusao,
páginas em que editam, ilustraooes e fotogra-
profusão, ilustrações fotogra—
fias, os horrores cotidianos.
fias,

“E corrente entre certos jornais ilustrados do Rio a exibição


“É eXibioao de horrores.
Qualquer crime ou acidente serve de pretexto para gravuras repelentes: crâ- cra-
braoos decepados, olhos esgazeados e mãos
nios abertos, braços maos crispadas pela dor.
Se é6’: demasiado consagrar a notoriedade dos criminosos pela divulgação
divulgaeao do
retrato — nao ser nos casos em que tal publicidade auxilie a ação
– a não aofio policial — nao
– não
se compreende essa maneira de interessar os leitores. Que sadismo barato esse
que se pretende atribuir ao nosso público!”(O
pfiblico!”(0 Paiz, 2 novembro de 1916,1916, p. 2)

História Cultural da Imprensa — 49


O texto publicado no jornal O 0 Paiz em 1916
1916 ée’ exemplar da popularidade dessas
noticias que apelam a toda ordem de sensações
notícias sensacoes do pfiblico.
público. Envolvendo crimes, de-
incéndios, enfim,
sastres, roubos, incêndios, enfim, as tragedias diarias, transportam para os textos um
tragédias diárias,
construido de lugares existentes e personagens perfeitamente
Rio de Janeiro construído
identificaveis. A sociedade parece de tal forma contida nessas narrativas que o leitor
identificáveis.
term a impressão
tem impressao de participar daquela realidade. Compondo o texto a partir de um
reporter gera um novo mundo: um mundo que mescla realismo e romance,
mundo, o repórter
uma vez que a estrutura narrativa lembra a dos romances folhetins, ainda que os per—per-
sej am retirados da realidade.
sonagens sejam
da coerência
Podemos dizer que o que dá coeréncia a esses textos são
sao os leitores, que assim os
constroem como unidades de sentido.

“Abro os jornais àa noite. Os jornais, no capítulo


“Abro capitulo sensacional do crime,
sao o reflexo
ainda são reflexo exato da curiosidade, do horror ou da piedade dos leito-
leito—
@. Procuro os pormenores, a ânsia
res. ansia informativa em torno do crime da porta
PheniX. Noticias
do teatro Phenix. Notícias reprisadas e o0 ar enfadado que as reportagens to—to-
mam, quando perdem interesse. Nada mais. O 0 crime impressionou nulamente
o pfiblico. que?” (O
público. Por que?” (0 Paiz, 2 dezembro de 1916,
1916, p. 1.
1. Grifos nossos)

A crônica
cronica “Tragédia
“Trage’dia Falha”,
F alha”, de João
J050 do Rio, ilustra o destaque que os jornais dão
dao
“capitulo sensacional do crime”,
ao “capítulo crime”, o que para ele reflete
reflete um sentimento ou uma
apropriacao da leitura de forma a aplacar a curiosidade, manifestar o
apropriação 0 horror ou des-
des—
pertar a piedade dos leitores.
Ao procurar transpor a realidade para a narrativa, o autor dessas notícias
noticias procura
representacoes arquétipas.
construir personagens e representações arquetipas. Quando isso ocorre, a narrativa
existéncia, atingindo, em consequência,
passa a representar a existência, consequéncia, diretamente o pfiblico.
público.
N50
Não é6': representação
representacao de dados concretos que produz o senso de realidade, mas a su-
gestao de uma certa generalidade. O público
gestão pfiblico é,
e, assim, movido tanto pelo inusitado da
trama quanto pela participação
participacao —
– ainda que indireta — Vida daqueles personagens.
– na vida
noticias podem tambe’m
Essas notícias também inseri-lo em ambientes estranhos. Podem tambe’m
também
cinematografos.
remontar a realidade como um conto folhetinesco ou uma cena dos cinematógrafos.
enfim, elos de identificação
Produzem, enfim, identificacao com o pfiblico.
público.
A edição
edicao fantasiosa deve, entretanto, ser apresentada dentro de determinados
parametros, onde a verossimilhança
parâmetros, verossimilhanca ée’ o principal deles. É
E preciso construir narrativas
atendendo a esses dois aspectos: a realidade e a fantasia. Os elementos passionais nãonao
podem ser ocultados, sob pena de nãonao despertar o interesse do leitor, mas ao mesmo
nao ée possivel
tempo não possível exagerar nas tintas descritivas, sob pena de transportar a notícia
noticia
para o lugar do folhetim.

50 — Entre tragédias e sensações


Construindo textos documentos, na esteira de um naturalismo realista que também
triunfa na literatura, os diários
diarios procuram convencer e seduzir, criando uma espécie
espe’eie de
pfiblico, interlocutor reconhecido e, sobretudo, identificado,
intimidade com o público, identifieado, que
eXiste naquele contexto comunicativo. A experiência
existe experiéncia do texto evoca a interação
interaeao
veiculos e o seu pfiblieo.
discursiva permanente entre os veículos público.
As notícias
noticias policiais passam a ser, quase sempre, entremeadas por pequenos sub-
titulos
títulos que contefido, motivando a leitura ou possibilitando o entendimen-
resumem o conteúdo, entendimen—
to a partir da visualização
Visualizaeao de breves elementos textuais. NaoNão basta mais estampar na
“Explosao Formidável”.
manchete a “Explosão Formidavel”. É E preeiso
preciso particularizar, resumindo, o seu con-
tefido
teúdo em pequenos subtítulos:
subtitulos: “morteiro
“rnorteiro em estilhaços;
estilhaeos; um
urn morto; mais de trinta víti-
Viti-
mas, a festa da Lapa dos Mercadores; como se deu o desastre; no local; as providen-
providên-
cias; a polieia age”. (Correio da Martha,
polícia age”. 1912, p. 1)
Manhã, 6 setembro de 1912, 1)

Mundo do leitor

Na sua complexa teorização,


teorizaeao, Paul Ricouer (1987) afirma
afirma que a escrita
eserita ée a plena
manifestaeao do discurso. Entendendo discurso como evento ou proposieao,
manifestação proposição, onde a
funeao predicativa e de identificação
função identificaoao convivem numa mesma frase, insere na sua dis-
cussao a ideia de abstração,
cussão abstraeao, inerente àa noção
noeao de discurso, e, portanto, dependente da
dialetica de evento e significação.
unidade dialética significaeao. Para o0 autor, se todo discurso
diseurso se atualiza
como evento, todo o discurso ée’ compreendido como
corno significação.
significaeao.
E porque esta dialética
É dialetiea do evento e da significação
significaoao se torna óbvia
obVia e explícita
explicita na
escrita que esta se transforma na plena manifestação
manifestaeao do discurso. O que escrevemos,
eserevemos,
nao ée’ o evento enquanto evento, mas a significação
diz Ricouer, não significaeao do evento linguístico.
linguistico.
Assim como, no discurso falado, a significação
significaoao ée diretamente dependente da mímica,
mimica,
dos gestos e de outros aspectos nãonao articulados do discurso, na escrita a significação
significaeao
esta diretamente vinculada
está Vinculada ao receptor da mensagem. A forma ée também fundamental
para esta significação
significaeao”. 14
.
Ao narrarem o seu texto sob a forma de memórias
memorias ou de crônica,
cronica, como fazem Nel—
Nel-
J0510 do Rio, torna-se
son Rodrigues e João torna—se poss1’vel
possível a eles, como construtores de mensagens,
situaoao vivenciada
apresentarem a situação Vivenciada como
corno real, ao mesmo tempo em que externam opi-
nioes e juizos
niões antepos às
juízos de valor sobre o acontecimento que se antepôs as suas narrativas.

14 Para Ricoeur os gêneros


14
géneros literários
literarios nada mais são
sao do que expedientes generativos para produzir o discurso.
discurso.
Antes de serem classificatórios,
classificatorios, são
sao para o discurso regras técnicas que presidem a sua produção
produgao e o estilo
de uma obra. O que distingue o pensamento de Ricoeur de outras análises
analises semiolinguísticas
semiolinguisticas é o fato de que
para ele toda a explicação
explicagao se enraíza
enraiza em uma compreensão
compreensao prévia ou experiência
experiéncia de mundo.
mundo. Cf.
Cf. também A
metáfora
metéfora viva.
viva. Porto: Editora Rés,
Rés, 1983.

História Cultural da Imprensa — 51


Mas, certamente, para o leitor de hoje, esses textos possuem significações
significaeoes peculia—
peculia-
distaneia temporal. A não
res geradas pela distância nao existência
existencia de situações
situaeoes comuns; as ausências
auseneias
das marcas externas da voz, da face, do corpo do escritor como construtor daquele
tempo e daqueles lugares — redaeao do jornal —,
– a rua e a redação semantica do
–, e a autonomia semântica
ambito de leitores inteiramente desconhe-
texto, que o separa do escritor e o coloca no âmbito deseonhe-
cidos do futuro, tudo isso altera a significação
signifieaeao do texto.
Recuperando o tempo e o espaçoespaeo da descrição
descrieao contidos na narrativa ée possivel
possível
referencia ostensiva, inserindo o lei-
introduzir marcas distintivas, apreendendo a sua referência
tor na trama, como se dela partilhasse, graças
graeas a procedimentos de identificação
identificaoao singular.
A pluralidade de significações,
significaooes, construída
construida na rede espacial e temporal, faz com que
possam pertencer ao escritor e ao leitor de ontem ou ao de hoje. A escrita liberta o texto
do proprio signifieaeao. O que importa agora não
próprio autor, recolocando-o no lugar de sua significação. nao
ée’ mais o que o autor quis dizer, mas a significação
significaoao explícita
explicita contida no seu dizer.
E mais uma vez Paul Ricoeur
É Rieoeur que trabalha com essa noção
noeao de “autonomia
“autonomia semântica”.
semantica”.
A inscrição
inserieao do texto num código
codigo torna-se,
toma—se, segundo ele, sinônimo
sinonimo de autonomia semântica,
semantica,
desconexao da intenção
resultando numa desconexão inteneao mental do autor em relação
relaeao ao significado
significado ver-
ver—
sej a, do que o autor quis dizer ao que o texto significa.
bal, ou seja, significa. A significação
significaeao no momento
apreensao do texto interessa mais do que o que o autor quis dizer quando o escreveu.
de apreensão
Assim, naquele 1925
1925 da memória
memoria de Nelson Rodrigues, emerge a redação
redaeao
de A Manhd, sensaeao a razão
Manhã, que faz dos crimes de sensação razao de seu sucesso junto
junto ao pfiblico.
público.

“No meu primeiro mês


“No mes de redação,
redaeao, houve um desastre de trem que assom-
eidade. Morreram cem
brou a cidade. eem pessoas. Quando nós,
nos, da reportagem, chegamos,
moea, com as duas pemas
muitos ainda agonizavam; e uma moça, pernas esmagadas, pedia
pelo amor de Deus: — Via, atônito,
– Me matem, me matem. Eu via, atonito, os vagões
vagoes trepados
La estava a locomotiva entornada.
uns nos outros. Lá entomada. Um trem cavalgando outro
trem. E o pior era a promiscuidade de feridos e mortos. De vez em quando, uma
mao brotava das ferragens. E um colega tropeeou
mão cabeea sem corpo”.
tropeçou numa cabeça corpo”.

Em seguida completa:

“Houve um momento em que me encostei


“Houve eneostei num poste e tranquei os lábios,
labios,
nauseas medonhas. Um colega
em náuseas eolega achou
aehou graça:
graoa: — homem”. (Rodrigues,
– Seja homem”.
1977:201-202)
1977:201-202)

Na descrição
descrioao percebe-se que os repórteres,
reporteres, em bando, se dirigiam rapidamente aos
locais das tragedias,
tragédias, para transcrever nos jornais as cenas
eenas visualizadas
Visualizadas em toda a
sua intensidade. Nao haVia tempo para a emoção,
Não havia emoeao, mesmo diante da dor e da agonia.
Era preciso descrever a tragedia estampa—la com as cores da violência
tragédia urbana e estampá-la Violencia nos
periodicos da cidade.
periódicos

52 — Entre tragédias e sensações


Segundo Nelson Rodrigues, a imprensa, naquele início
inicio dos anos 1920,
1920,

“Gostava de sangue. O futebol ainda não


“Gostava nao se instalara na primeira pagina
página
(...) Areportagem necrote’rio, a alcova, e fazia um saque de fotogra-
A reportagem invadia o necrotério, fotogra—
fias e cartas íntimas”.
fias intimas”. (Rodrigues, 1993:88)
1993:88)

O que leva esses periodicos


periódicos a destacarem cada vez mais esta tipologia de notícias?
noticias?
O que faz com que sejam agora quase que inteiramente dedicados às as “tragedias que
“tragédias
cidade” (Rodrigues, 1977:203)?
apaixonavam a cidade” 19772203)? Que tipo de sensação
sensaeao estas notícias
noticias
causam no publico? 1920, de notícias
público? Por que se inunda a cidade, no limiar dos anos 1920, noticias
que descrevem toda sorte de barbaridades e horror?
Essas narrativas, em primeiro lugar, apelam a um imaginário
imaginario que navega entre o
sonho e a realidade. As tragédias
trage’dias quotidianas, por outro lado, descrevem conteúdos
conteudos
imemoriais, que aparecem e reaparecem periodicamente sob a forma de notícias. noticias.
Mudam os personagens, não nao as situações.
situaooes. De tal forma que podemos dizer que existe
espe’cie de fluxo
uma espécie fluxo do sensacional que permanece interpelando o 0 popular a partir da
ficcional com a suposição
narrativa que mescla ficcional suposieao de um real presumido. São
sao tematicas
temáticas
inflexoes necessárias
que repetem, com as inflexões necessarias ao tempo e lugar de sua construção,
construeao, os
figuraooes, as representações
mitos, as figurações, representaeoes que falam de crimes e mortes violentas,
Violentas, de
enfim, de tudo o que foge a uma ideia de ordem presumida,
milagres, de desastres, enfim,
instaurando a desordem e um modelo de anormalidade.

“Comecei fazendo atropelamento (...). Um dia, mandaram-me


“Comecei mandaram—me fazer um
pacto de morte na Pereira Nunes. Com mais confiança
confianea em mim mesmo, inun-
materia. Notara que, na varanda da menina, havia
dei de fantasia a matéria. haVia uma
canario. E fiz
gaiola com respectivo canário. fiz do passarinho um personagem obsessi-
obsessi—
vo”. (Nelson Rodrigues, 1977:202-203)
vo”. 1977:202-203)

A memória
memoria de Nelson Rodrigues, descrevendo sua introdução
introdueao no mundo do jorna—
jorna-
dao o
lismo, mostra que as narrativas fantasiosas dão 0 tom das matérias
mate’rias policiais. Mesclan-
Mesclan—
minucias
do realidade e fantasia, falam dos dramas cotidianos e devem descrever com minúcias
todos os detalhes da trama, para que o leitor possa se identificar
identificar e presumir — – a partir
imaginaoao criadora —
da sua imaginação dramatica colocada em evidência.
– a cena dramática evidéncia.

“Descrevi toda a história


“Descrevi historia —
– a menina, em chamas, correndo pela casa e o
passarinho, na gaiola, cantando como um louco. Era um canto áspero,
aspero, irado,
como se o0 passarinho estivesse entendendo o martírio
martirio da dona. E forcei a
coincidéncia: —
coincidência: canario emudecia na
– enquanto a menina morria no quintal, o canário
gaiola”. (Idem,
gaiola”. (Idem, ibidem. Grifos nossos)

História Cultural da Imprensa — 53


A
À dramaticidade da cena ée preciso acrescentar um urn aspecto inusitado, algo que
apele àa fantasia do leitor. O passarinho não
nao pode entender o martírio
martirio da dona, mas a
descrieao da imagem com
descrição corn o0 inusitado da proposta traz para a narrativa aspectos
aspeetos fan-
fan—
tastieos e que não
tásticos nao se explicam baseados no ideal racional. O irracional ée’ a marca
principal dessas narrativas.
Entretanto, como a narrativa pertence ao mundo do jornalismo ée necessário
necessario mes-
ficcional e o imemorial, com dados de uma pretensa realidade objetiva.
clar o ficcional obj etiva. A morte
canario seria, sem dúvida,
do canário dfiVida, um
urn efeito magistral para a construção
construeao da carga
earga dramáti-
dramati—
notieia. Mas representaria também a inclusão
ca da notícia. inclusao da inverdade, o que do ponto de
Vista das convenções
vista conveneoes do jornalismo seria um
urn desastre. A ficção
ficeao jornalistica,
jornalística, como diz
Nelson Rodrigues, obriga a sobrevivência
sobreViVéneia do canário.
canario.

“Quase, quase matei o canário.


“Quase, canario. Seria um efeito magistral. Mas como matá-lo,
mata-lo,
Vé—lo feliz, cantando como nunca?
se a rua inteira iria vê-lo nunea? O bicho sobreviveu
sobreViveu na vida
Vida
ficeao jornalistica.
real e na ficção sueesso no dia seguinte”.
jornalística. E foi um sucesso seguinte”. (Idem,
(Idem, ibidem)

improvavel voltam
Os detalhes que apelam ao improvável voltarn periodicamente na trama relatada.
Nelson Rodrigues repórter
repérter vai buscar na sua memória
memoria narrativa os elementos presentes
no seu texto. Um
Urn repórter
reporter de sucesso
sueesso tinha imaginado anos antes a morte de um canário
canario
nurn incêndio.
num incéndio. Assim, Castelar de Carvalho inventou — eomo ele agora faz —
– como canario.
– o canário.

“Entre parênteses,
“Entre parénteses, a ideia do canário
canario não
nao era lá
la muito original. Direi mes-
mo: — nao era nada original!
– não original! Eu a tirara de uma velha e esquecida
esqueeida reportagem
de Castelar de Carvalho. Anos antes, ele fora cobrir um incêndio.
ineéndio. Mas o fogo
nao matara ninguém
não ninguem e a mediocridade do sinistro irritara o repórter.
reporter. Tratou de
inventar um passarinho. Enquanto o pardieiro era lambido, o passaro
pássaro canta-
Va, cantava. Só
va, Sc’) parou de cantar para morrer”.
morrer”. (Idem,
(Idem, ibidem)

A popularização
popularizaeao dessas tematicas dara definitivamente
temáticas se dará definitivamente com
corn o
0 surgimento de jor—
jor-
diarios inteiramente dedicados aos escândalos
nais diários escandalos e tragédias
tragedias quotidianas, como
corno
A Maniac? Critica (1928). São
Manhã (1925) e Crítica sao textos que se adaptam tambem
também no que diz
respeito àa forma, ao gosto e aos hábitos
habitos de leitura populares: manchetes resumin-
resumin—
do em poucas palavras o0 drama narrado em corpo 48 e por vezes 64 ou 72. A0 Ao lado do
texto, a cena da tragedia fotografia. O estilo ée entrecortado.
tragédia em desenho ou em fotografia. entreeortado. Os titulos
títulos
sao seguidos por subtítulos
são subtitulos que resumem o 0 drama a ser reconstruído
reeonstruido por um
urn repórter
reporter autori-
zado a realizar esse papel. Tudo sugere uma leitura entrecortada,
entreeortada, uma leitura titubeante, uma
nao está
leitura de um leitor real que ainda não esta de todo familiarizado com as letras impressas.
As interpretações
interpretaeoes para a inclusão
inclusao das chamadas notas sensacionais
sensaeionais nas paginas
páginas dos
diarios e para a absorção
diários absoreao dessas narrativas pelo gosto popular podem ser, portanto, de
infimeras ordens, mas devem ser explicadas no contexto histórico
inúmeras historico de sua produeao.
produção.

54 — Entre tragédias e sensações


E preciso considerar, antes de qualquer coisa, a questão
É questao da narrativa. Do ponto de
Vista do texto, essas notícias
vista noticias possuem marcas singulares: alicerçadas
alicercadas nos fatos anterio-
anterio—
proprio acontecimento, contêm,
res ao próprio contém, a rigor, duas histórias,
historias, a do crime e a de seus
noticias semelhantes.
antecedentes que englobam outras notícias sernelhantes.
O jornalista-narrador conta não nao apenas “o
“o que se passou efetivamente”
efetivarnente” ou explica
de que forma tomara conhecimento daqueles fatos, como corno tambem
também transporta para o
relato algo que ja e’, de alguma forma, do conhecimento do publico.
já é, caracteris—
público. Outra caracterís-
tica é a ênfase
énfase nos detalhes singulares. Ao particulariza—los, constroi uma
particularizá-los, o narrador constrói
sequencia textual onde o leitor também
sequência tambe’m pode se visualizar.
Visualizar. Lugares conhecidos, rela-
rela—
tos comoventes
cornoventes de fatos que adquirem a marca da excepcionalidade. O fato e a trama
trage’dias que não
evocam uma realidade, tragédias nao puderam ser presenciadas, mas que foramforarn
atrave’s da narrativa produzida pelos repórteres,
sentidas através reporteres, que passam a ver e ouvir
ouVir por
delegacao e outorga desses mesmos leitores.
delegação
A narrativa dos acontecimentos implica uma integração
integracao do leitor àquele
aquele mundo.
rnundo.
Ao se identificar,
identificar, sai de seu lugar natural (o
(0 de leitor) e se integra ao mundo do relato,
para depois voltar novamente
novarnente ao seu lugar natural. Ao voltar é uma outra pessoa: cada
narrativa produz uma mutação
mutacao naquele que a realiza. Evidentemente,
Evidenternente, quando evoca-
evoca—
mos essas premissas não
nao nos referimos a um leitor particular ou específico,
especifico, mas a uma
“funcao” de leitor, implícita
“função” implicita no texto, da mesma maneira que implícita
implicita tarnbem esta a
também está
funcao de narrador.
função
E Todorov (1989) quem trabalha com
É corn essa noção
nocao de “função
“funcao de leitor”.
leitor”. Segundo
funcao estaria inscrita no proprio
ele, essa função próprio texto, com a mesma precisao
precisão que os movi-
mentos dos personagens. Ao interpretar a leitura, ao se apropriar das mensagens de
forma diferenciada, ou simplesmente, como diz Todorov, ao proceder a uma interpre-
interpre—
tacao,
tação, o leitor sai do mundo dos personagens e volta ao seu lugar natural.
Assim, descreve-se
descreve—se a situação
situacao não
nao apenas como
corno um
urn mundo dos personagens, mas
de pessoas efetivamente humanas, o que faz com
corn que haja identificação
identificacao com os sujei-
tos particularizados na narrativa.
Na trama do acidente de trem com cem mortos e duzentos feridos, que foi publicada
pelo jornal, todos os detalhes do horror aparecem. A descrição
descricao dos porrnenores,
pormenores, o
sofrirnento das vítimas,
sofrimento Vitirnas, as cenas de um desastre que “assombrou
“assornbrou a cidade”.
cidade”.
No processo de identificação
identificacao induzido, o leitor/espectador se comove e se aproxi-
ma —– na dor e no medo — Vitimas. Está
– das vítimas. Esta construída
construida a cena dual: o
0 mau contra o bom
born
ou a pessoa indefesa que diante do inesperado pode perder a vida;
Vida; o amor versus o0
odio ou a compaixão
ódio compaixao diante da dor alheia; a frieza em contraposição
contraposicao àa inocência
inocencia ou
Vitima ou não
a certeza de que os limites entre ser vítima nao dependem meramente do acaso.
Estao em cena os ingredientes fundamentais do jornalismo sensacional, que apela
Estão

História Cultural da Imprensa — 55


para valores culturais, para o imaginário
imaginario e para as sensações
sensacoes de uma memória
memoria social e
coletiva.
Narram—se
Narram-se acontecimentos que se constituem pelo seu aspecto causal e pela coin-
cidéncia. Existindo, perturbam a ordem pelo inusitado, por estabelecer uma ruptura,
cidência.
produzindo anormalidade. SãoSfio desastres, assassinatos, raptos, agressões,
agressoes, acidentes,
“que remete ao homem, àa sua história,
roubos, tudo “que historia, àa sua alienação,
alienacao, aos seus fantas-
medos”
mas, aos seus sonhos e aos seus medos” (Barthes, 1965).
1965). As noticias construídas
notícias construidas so-
so—
conteudo convertem-se
bre este tipo de conteúdo convertem—se em espécie
especie de grade de sentido, manejando
inexoravel.
em seu interior uma ideia de destino inexorável.
E preciso, pois, considerar essas publicacoes
É conteudo no espaço
publicações e seu conteúdo espaco da recep-
recep—
cao, ja
ção, já que é neste universo que as mensagens adquirem sentido. O0 receptor constitui
um universo cultural complexo, explorado pelos veículos
veiculos de comunicação
comunicacao de massa.
nao são
Mas não sao apenas as marcas textuais que produzem o protocolo de leitura. As mar-
mar—
edicao são
cas da edição sao profundamente significativas.
significativas.
O leitor recebe um segundo tipo de instrução
instrucao contido no proprio
próprio texto: a edição.
edicao.
A disposição
disposicao na página,
pagina, a ilustração,
ilustracao, os cortes produzidos na narrativa, a tipologia
diagramacao, tudo indica um
empregada, a diagramação, urn leitor e uma forma de leitura.
A leitura se faz tambem
também pela apreensão
apreensao de um outro sentido: a visão.
Visao. Nao
Não apenas
porque muitos desses leitores são sao parcamente alfabetizados, mas porque a
materializacao do acontecimento, através
materialização atraVes da imagem, produz um sentido de realidade
descricao textual sozinha não
que a descrição nao contém.
conte’m. A narrativa detalhada e coloquial se faz
necessaria para que produza ele mesmo, leitor, o seu texto, a partir de sua imaginação
necessária imaginacao
criadora.
Existe, pois, um
urn protocolo de leitura que esses dispositivos textuais tendem a im-
im—
convencoes sociais e literárias
por. Toda escrita inscreve nos textos convenções literarias que permitem
espe’cie de pré-compreensao,
uma espécie pré-compreensão, e as formas narrativas escolhidas provocam efeitos
obrigatorios. Esses protocolos induzem a maneiras de ler. Um
de leituras quase que obrigatórios.
expressoes correntes, reproduzindo fragmentos de
texto entrecortado, com o uso de expressões
um cotidiano familiar, faz supor umurn leitor que procura naquelas paginas emocao, a
páginas a emoção,
sensacao de veracidade, ainda que entremeada por um mundo de sonho.
sensação
composicao das narrativas policiais mostram o que se
Os fatos e, sobretudo, a composição
Vida
passou, evocam a realidade, acontecimentos semelhantes que se desenrolam na vida
dos leitores. Ao se perceberem na narrativa, aumentam a identificação
identificacao com o veícu-
veicu—
Vidas, ainda que envoltas numa atmosfera de
lo que é capaz de materializar suas vidas,
anormalidade.

56 — Entre tragédias e sensações


A cidade e a imprensa

0 Rio de Janeiro da década de 1920


O 1920 definitivamente
definitivamente “civilizara-se”,
“civilizara-se”, pelo menos
no dizer dos cronistas de época. As revistas
reVistas de críticas
oriticas e de costumes que prolifera—
prolifera-
Vam pela cidade —
vam – Revista da Semana (fundada em 1900),
1900), Fon-F0n 1908),
Fon-Fon (criada em 1908),
Careta (1907), O 0 Malho (1902), apenas para citar as mais importantes — espa—
– abrem espa-
90 para o
ço ofooting
footing na Avenida Central, para as festas na Beira Mar, para os torneios que
refinem as elites mundanas. A quantidade de publicidade —
reúnem – ocupando habitualmente
filtimas páginas,
as quatro últimas paginas, além
ale’m dos anúncios
anl’incios que se distribuem ao longo de todas as
publicaooes
publicações — pfiblico ávido
– indica um público avido por consumo e modernidade.
Mas esse pfiblico icones da modernidade e que des-
público urbano e entusiasmado com os ícones des—
transformaoao da cidade se concentra nos bairros nobres da cidade. A popula-
fruta da transformação
eao mais pobre, que na década
ção decada anterior fora obrigada a deixar as casas
oasas de cômodos
comodos e
cortieos, com o “bota-abaixo”
cortiços, “bota—abaixo” iniciado pelo prefeito Pereira Passos para “embelezar”
“embelezar” o
centro urbano e expulsar os pobres da paisagem nobre da cidade, se concentra agora nos
subfirbios da Central ou da Leopoldina. Em 1920,
subúrbios 1920, os subúrbios
subfirbios abrigam quase a metade
1.167.500 habitantes, notadamente, Inhaúma,
dos 1.167.500 Inhafima, Irajá
Iraja e Andarai,
Andaraí, ainda que os distritos
proximos
próximos ao centro possuam as maiores densidades populacionais (São (8510 José,
Jose’, Santo
Antonio, Santa Rita, Gamboa e Sant’Anna)
Sant’Anna) (Censo de 1920).
1920).
1920 indica também aumento no grau de alfabetização,
O Recenseamento de 1920 alfabetizaeao, bem
populaeao economicamente ativa: considera-se
como da população considera—se letrada 74,2% da populaeao
população
15 anos. Mas o analfabetismo continua atingindo, sobretudo, as mulheres.
maior de 15
Observa—se tambe’m
Observa-se areas rurais, ocasionado pelo deslocamento de
também o crescimento de áreas
indfistrias e pelo surgimento de vilas
algumas indústrias Vilas e residências
residéncias operárias
operarias na periferia da
Iraja cresce 263% na década, enquanto Inhaúma,
cidade. Irajá Inhafima, 92%, e Campo Grande, 67%.
A especulação
especulaeao imobiliária
imobiliaria toma conta do Rio e os aluguéis
alugueis aumentam de 300% a 400%.
Crescem a populaeao nfimero de veículos,
população e o número veiculos, sem que “a
“a disposição
disposioao atual das
dé vazão
ruas do centro dê vazao ao transito tem”, denuncia
trânsito que tem”, denunciaAA Nagdo
Nação em 1717 de julho de
1923. O Distrito Federal conta com 7 mil automóveis
1923. automoveis em 1922.
1922. Em 1929,
1929, impor-
tam-se 54 mil veículos
veiculos dos Estados Unidos.
oonsequéncias da crise econômica
Vivendo as consequências economioa que abala o mercado internacional,
o0 Rio de Janeiro é agora a segunda economia mais importante do pais país (perde a lide-
ranoa desde o início
rança inioio da década
de’cada para São
850 Paulo), apesar de esta concentrar-se
concentrar—se no setor
servieos. A década
comercial e de serviços. de’cada de 1920
1920 caracteriza-se
caracteriza—se pelo declínio
declinio das grandes
plantaooes subfirbios, pela tendencia
plantações nos subúrbios, tendência àa estagnação
estagnaoao da produoao secundaria e por
produção secundária
uma politica
política anti-industrial por parte do Governo (Lobo, 1978:532).
1978:532).
A crise
orise mundial, refletindo-se
refletindo-se de maneira drástica
drastica na economia brasileira, ocasio-
suspensao das obras públicas,
na a suspensão pfiblioas, com múltiplas
ml’iltiplas consequências
consequencias para a indústria,
indfistria, o

História Cultural da Imprensa — 57


come’rcio e o mercado
comércio mereado de trabalho. O decréscimo do ritmo de desenvolvimento indus-
trial no periodo
período ée expressivo: 3,9%, atingindo principalmente as fábricas
fabricas de tecidos,
fumos e bebidas e transferindo para São
sao Paulo a hegemonia industrial do pais.
país. Sofren-
1924/1926, a indús-
do particularmente os efeitos decorrentes da crise comercial de 1924/1926, indus—
Ve sua produeao
tria carioca vê produção reduzida.
Defieiéneia dos serviços
Deficiência servieos públicos,
publieos, baixos salários
salarios e arbitrariedades das mais di-
sao os temas preferidos dos leitores dos jornais para as suas “queixas
versas são “queixas e recla-
maeoes”. A maioria das publicações
mações”. publicaeoes diárias
diarias continua dando destaque às as colunas que
reclamaeoes do publico
estampam as reclamações público que, indo diretamente às as redações,
redaeoes, procura a
intermediaeao do jornal para tentar solucionar seus problemas. Para os grupos popu—
intermediação popu-
lares, o jornal ée’ a voz publica
pública de suas agruras quotidianas. E os periodicos
periódicos usam o
serVieo como
serviço eomo arma para a sua propria autopromooao.
própria autopromoção.

“Um menor descoberto


“Um deseoberto graças
graeas a uma nota nossa. D. Anna Maria dos An— An-
jos veio ontem àa Crítica
Critica comunicar que seu filho
filho Gaspar dos Santos, que se
desapareeido há
achava desaparecido ha dois meses, fora descoberto,
deseoberto, graças
graeas àa notícia,
noticia, por nós
nos
publieada na edição
publicada edieao de 27 do mês
mes passado”. (Critical, 8 maio de 1929,
passado”. (Crítica, 1929, p. 5)

Um levantamento das publicaeoes de’eada de


publicações existentes no Rio de Janeiro ao longo da década
1920 indica
1920 indiea a existência
existéncia de pelo menos oitocentos periodicos.
periódicos. A maioria publica poucos
numeros, sendo que os que duram mais tempo não
números, nao atingem cinco
einco dezenas (ABI: 1980).
1980).
Alguns fatores podem explicar
eXpliear a proliferaeao
proliferação de tantos titulos:
títulos: o desenvolvimento
cisoes politieas
urbano, as cisões políticas produzindo divisões
diVisoes mais profundas na sociedade, os aper-
aper—
feieoamentos tecnologicos
feiçoamentos especializaeao dessa imprensa.
tecnológicos e uma certa especialização
No final
final da década
decada de 1920,
1920, conta-se,
conta—se, na Capital Federal, 19 19 jornais diários,
diarios, 13
13
estaeoes de rádio
estações radio e várias
Varias revistas semanais, com tiragens que chegam a 30 mil exem-
eomo ée o caso de O
plares, como 0 Cruzeiro,
Cruzeiro, lançada
laneada em 1928,
1928, após
apés uma campanha
eampanha publici-
taria em moldes modernos. Marca
tária Marea tambe’m de’eada, o aparecimento
também a década, apareeimento do primeiro
midia brasileiro, inicialmente com a criação
conglomerado de mídia criaeao de O0 Jamal (1925—
Jornal (1925-
1974), que viria
1974), Viria a ser o
0 primeiro veículo
veieulo de uma série
se’rie pertencente aaAssis
Assis Chateaubriand.
A revolução
revolueao na forma de fazer jornal, que ocorrera
oeorrera no início
inicio do século,
seculo, tem conti-
conti—
de’cada de 1920
nuidade na década 1920 e ée’ marcada
mareada agora pela difusão
difusao de rotogravuras a cores,
oficinas gráficas
pelo reaparelhamento das oficinas grafieas e pelas modificações
modifieaeoes na organização
organizaoao em-
1928, o jornal
presarial, incluindo novas formas de assinaturas e vendas avulsa. Em 1928, jornal
A Noite (fundado por Irineu Marinho, em 1911)
1911) adquire modernas rotativas de fabri-
fabri—
caeao americana Man, que substituem as velhas Marinonis, permitindo, ja
cação já no ano
laneamento do Suplemento Ilustrado de A Noiz‘e.
seguinte, o lançamento Noite. A década
decada vê
Vé tambem
também
surgir um periodieo so ganharia importância
periódico que só importancia a partir de 1940:
1940: O
0 Globo, fundado
pelo mesmo Irineu Marinho que criara o vespertino A Noiz‘e.
Noite.

58 — Entre tragédias e sensações


A grande
grando sensação
sonsacao no mundo do jornalismo, no último
ultimo ano da década de
do 1920,
1920, éo a
inauguracao do moderno
inauguração modorno pro’dio do A Noite, na Praça
prédio de Praca Mauá.
Maua.

“A inauguração
“A inauguracao do novo eo imponente
impononto edifício
odificio da A Noito, roalizar-so
Noite, a realizar-se
hojo às
hoje as 16
16 horas eo 30 minutos, nãonao somente
somonto é uma grande
grando festa
fosta do jornalismo
brasiloiro como tambo’m
brasileiro também se so reveste
rovosto do caráter
carator de
do um notável
notavol acontecimento
acontocimonto da
Vida da cidade.
vida cidado. ÉE que
quo A Noito, alo’m de
Noite, além do representar
roprosontar a imprensa
impronsa do pais,
país, uma
vitoria que
luminosa vitória quo a todos nós
nés tanto envaidece,
onvaidoco, constitui, sem
som dúvida,
duvida, um dos
olomontos do patrimonio
mais valiosos elementos intoloctual do Rio de
patrimônio intelectual do Janeiro.
Janoiro. Fundada,
121 se
lá so vão
vao anos, por um grupo de do rapazes,
rapazos, tondo
tendo àa frente
fronto essa
ossa figura
figura por tantos eo
moritorios títulos
meritórios titulos admirável
admiravol que
quo foi Irineu
Irinou Marinho, A Noito
Noite tornou-so,
tornou-se, logo a
aparocor, graças
aparecer, gracas as suas reportagens
roportagons sensacionais
sonsacionais eo a agudez
agudoz de
do seus
sous comentá-
comonta—
oxcoléncia popular”.
rios, uma folha, por excelência (Critica, 7 setembro
popular”. (Crítica, sotombro de do 1929)
1929)

Dostacando dois aspectos


Destacando aspoctos do jornal fundado por Irineu
Irinou Marinho — roportagons
– as reportagens
sonsacionais eo a agudez
sensacionais agudoz de
do seus
sous comentários
comontarios — onaltocom a construção
– enaltecem construcao do novo edifí-
odifi—
modornizacao do jornalismo daquele
cio como marco da modernização daquolo final
final dos anos 1920.
1920.
om 18
Fundada em 18 de
do junho de
do 1911,
1911, por Irineu
Irinou Marinho que,
quo, em
om função
funcao de
do desenten-
dosonton-
dimontos com a direção
dimentos dirocao da Gazeta de Notz'cias, ora secretário-geral,
Notícias, da qual era socrotario—goral, decide
docido
abandonar o cargo, A Noiz‘e dofino-so inicialmente
Noite define-se inicialmonto por uma linha politica do oposição
política de oposicao
Marochal Hermes
ao Marechal Hormos da Fonseca
Fonsoca (DHBB: 4105). Em 1925,
1925, Irineu
Irinou Marinho, depois
dopois de
do
tor
ter sido obrigado a caucionar a maioria dedo suas ações
acoos em
om favor de do Geraldo
Goraldo Rocha,
doixa o poriodico,
deixa mosmo ano O
periódico, fundando no mesmo 0 Globo.
A transforéncia
transferência dedo propriodado
propriedade do poriodico
periódico para Geraldo
Goraldo Rocha inaugura a se- so-
faso do jornal, marcada por mudanças
gunda fase mudancas substanciais. A primoira altoracao ocorre
primeira alteração ocorro
na sua linha politica, quo de
política, que do oposição
oposicao passa a defensor
dofonsor intransigente
intransigonto das oligarquias
dominantos. Inicia-se
dominantes. Inicia—so tambom nosto poriodo
também neste construcao de
período a construção do sua nova sede
sodo de
do 23
andaros. Novas máquinas
andares. maquinas são
sao adquiridas eo o seu
sou aspecto
aspocto gráfico
grafico tambom sofro altera-
também sofre altora—
coos substantivas. É,
ções E, sem
som dúvida,
duvida, o vespertino
vosportino mais popular da cidade
cidado no final
final dos
1920.
anos 1920.

“A Noito
“A possuia uma circulação
Noite possuía circulacao muito grande.
grando. Era um
umjomal foito em
jornal feito om moldes
moldos
novos eo apesar
aposar de
do ser
sor vespertino
vosportino saía
saia exclusivamente
oxclusivamonto com noticiário
noticiario do dia.
caractoristica obrigava os redatores,
Essa característica rodatoros, repórteres
roportoros eo os gráficos
graficos a desenvol-
dosonvol—
vorom uma atividade
verem atividado enorme.
onormo. Acho que
quo havendo
havondo circulação,
circulacao, há
ha automatica-
monto publicidade”.
mente publicidado”. (Depoimento
(Dopoimonto de do Ferrone.
Forrono. Pascoal. In: Memo’ria
Memória da ABI)

do oposição
Jornal de oposicao ao Governo
Govorno Bernardes,
Bornardos, A Noite chega
choga a tor
ter uma tiragom final
tiragem no final
do’cada de
da década do 1920
1920 de
do 200 mil exemplares.
oxomplaros. No mesmo
mosmo poriodo,
período, a tiragom do O
tiragem de 0 Paiz é6’ 3
3
oxomplaros, estando
mil exemplares, ostando em
om franca decadência.
docadoncia. O Correio da Martha odita 40 mil, ja
Manhã edita já

História Cultural da Imprensa — 59


“A Noite devia
“A deVia ter uma tiragem maior ainda, por se tratar de um jornal
jornal
popular, que explorava bastante essa coisa de reportagem policial. Era um
redatores”. (Depoimento de Peixoto, Armando
grande vespertino, com grandes redatores”.
Ferreira. In: Memo’ria
Memória da ABI)

As seções
seooes mais apreciadas pelo pfiblico sao as de politica,
público são 6, natural-
política, de esporte e,
notioiario policial.
mente, o noticiário

“A Noite tinha uma grande reportagem de polioia.


“A Eustaquio Alves e o
polícia. O Eustáquio
Bacelar de vez em quando se deguisavam de mendigos e andavam pelas ruas,
noticias (...). A Noite fazia a melhor cobertura
colhendo notícias oobertura policial da época”.
época”.
Gonoalves, Manoel Antonio. In: Memo’ria
(Depoimento de Gonçalves, Memória da ABI)

ÉE esse mesmo noticiário


noticiario policial que faz de Crítica
Crz’tica o matutino mais popular da
1920 na cidade.
década de 1920 oidade. Com uma tiragem de 120 120 mil exemplares, o jornal criado
Mario Rodrigues em 28 de novembro de 1928
por Mário 1928 durou menos de dois anos, mas foi
responsavel pela explosão
responsável explosao das páginas
paginas de sensação
sensaoao na imprensa da cidade.

Paginas de sensação
Páginas sensagao

Com apenas oito paginas,


páginas, pelas quais se distribuem as “notas
“notas sensacionais”
sensacionais” (pági-
(pagi-
1, 2, 4, 6, 7 e 8) e o esporte, ocupando toda a pagina
nas 1, página 3, o primeiro número
nl’imero de
Critica circula no Rio de Janeiro em 20 de novembro de 1928.
Crítica 1928. Dirigido por Mario
Mário
funoionando num modesto prédio da Rua dos Ourives, 89, o jornal
Rodrigues e funcionando desta—
jornal desta-
ca invariavelmente os crimes e6 as atrocidades que chocam
chooam a cidade.
“Matou o próprio
“Matou proprio irmão
irmao a facadas”
facadas” grita a manchete em grise, na pagina
página 4, no dia
12 de dezembro de 1928.
12 1928. Na mesma edição,
edioao, “A
“A mulher que engoliu o escarro do
tuberculoso”. E completa: “Quer
marido tuberculoso”. “Quer que um jornal publique o seu diário,
diario, logo
apos a sua morte.”
após morte.”
Vida quotidiana transportam—se
Todos os dias, cenas de horrores da vida transportam-se para as suas
paginas: incêndios,
páginas: incéndios, estupros, adultérios, atropelamentos, assassinatos, suicídios,
suicidios, en-
en—
tre dezenas de temas cujo mote é a miséria humana.
noticias são
Muitas vezes essas notícias sao publicadas na última
filtima hora e, no dia seguinte, o
jornal “completava
“completava as rápidas
rapidas informações
informaooes de ontem, compensando-as da exiguidade,
com detalhes variados, abundantes e colhidos no proprio local”. (Crítica.
próprio local”. (Critica. 27 dezem-
dezem—
1928, p. 5)
bro de 1928,
Orgulhando—se de ser “o
Orgulhando-se “0 único
finioo matutino desta capital vendido no preoo
preço de cem
réis” (Crítica,
réis” (Critica, 23 dezembro de 1928,
1928, p. 8), uma série de estratégias é adotada para

60 — Entre tragédias e sensações


aumentar sua proximidade com o pfiblico. redacao “figuras
público. Continua a receber na redação “figuras
extraordinarias e extravagantes da cidade”
extraordinárias cidade” (Crítica,
(Critica, 17
17 de novembro de 1929,
1929, p.2),
“Caravana de Crítica”
entre uma gama variada de leitores, e cria a “Caravana Critica” com o
0 objetivo
obj etivo de ir
sao chamados para registrar os acontecimentos, apurar denúncias
aos locais onde são denfincias e in-
“Programas dos Cinemas”
vestigar crimes. Passa a publicar uma coluna dedicada aos “Programas Cinemas” e
a responder a cartas de leitores sob o mesmo tema na seção
secao “Correspondência”.
“Correspondencia”.

“Iniciamos com prazer a nossa correspondência


“Iniciamos correspondencia cinematográfica.
cinematografica. A soma
de perguntas feitas ja afirmar que esta seção
já nos autoriza a afirmar secao está
esta sendo lida
com interesse. Assim ée que as respostas serão
serao dadas, em poucas linhas, bas-
bas—
tando que as informações
informacoes sejam
sej am pedidas ao redator cinematográfico
cinematografico de Críti-
Criti-
ca”. (Crítica,
ca”. (Critical, 28 dezembro 1928,
1928, p.7)

“o matutino de maior circulação


Adotando o slogan “o circulacao no Brasil”,
Brasil”, a partir de setembro de
1929, continua seguindo a estratégia
1929, estrategia de materializar para o pfiblico
público o sucesso de suas
edicoes. Em maio de 1929,
edições. 1929, a reportagem sobre o padre Eugênio
Eugenio de São
8510 João
J0510 de Meriti
alcanca, segundo o jomal,
alcança, exito extraordinário.
jornal, êxito extraordinario. Nos vestígios
vestigios deixados pela notícia,
noticia, obser-
obser—
habito de divulgação
va-se o hábito divulgacao do periodico ale’m da sua venda avulsa ou sob a forma
periódico que ia além
de assinatura: os exemplares sãosao pregados em postes e muros das principais ruas para
reacoes: ée o pfiblico
serem lidos. A leitura causa, em contrapartida, outras reações: público o principal
informacoes retumbantes que ocupam as paginas
municiador das informações páginas da publicacao.
publicação.

“Coroada do mais completo êxito,


“Coroada exito, sob todos os aspectos, foi a nossa
reportagem sobre o repugnante procedimento do padre Eugênio
Eugenio Hoetting, vi- Vi-
gario da localidade fluminense
gário fluminense de Sãosao João
J050 de Meriti. Vários
Varios números
nl’imeros de Crí-
Cri-
tica foram pregados aos postes e muros das principais ruas de Meriti. O povo,
que em sua mor parte conhecia a escandalosa crônica
cronica do padre Eugênio,
Eugenio, aplau-
aplau—
Critica ao tornar pfiblico
dia a desassombrada atitude de Crítica escandalo. Assim,
público o escândalo.
Varios moradores de São
vários 8510 João
J050 do Meriti,
Meriti. ora pessoalmente.
pessoalmente, ora por telefone.
telefone,
fizeram cientes de outros fatos referentes ao libidinoso sacerdote”
nos fizeram sacerdote” (Crítica,
(Critica,
1929, p. 8. Grifos nossos)
2 maio de 1929,

Pouco importa o que tenha feito o “libidinoso


“libidinoso sacerdote”,
sacerdote”, tambem classificado
também classificado
pela reportagem como “alma
“alma satânica”.
satanica”. A repercussão
repercussao da matéria,
materia, em função
funcao de suas
marcas narrativas, leva o leitor —
– direto ou indireto —– a tomar partido, contra ou a favor
do personagem da trama, transformando a sua leitura em julgamento de valor e, pos— pos-
teriormente, em ação.
acao. A ação
acao pode ser fornecer ao jornal novos detalhes que o possi-
capitulo da história
bilitariam construir um novo capítulo historia ou tentar promover o linchamento do
Ha tambe’m
acusado. Há inocéncia do padre. Assim, enquanto
também aqueles que acreditam na inocência
“Hermogenes de Oliveira promove um abaixo-assinado em defesa do vigário
“Hermógenes Vigario culpa-

História Cultural da Imprensa — 61


do”, “o
do”, “0 povo de São
850 João
J0510 de Meriti quer justioa-lo corn as proprias
justiçá-lo com maos”. (Crítica,
próprias mãos”. (Critica, 2
1929, p. 8)
maio de 1929,
vestigios deixados por essas publicações
Os vestígios publicaooes mostram também as praticas leitu—
práticas de leitu-
ra existentes. O jornal é lido nos bondes, nos trons, horario do almoço,
trens, no horário almooo, nas idas e
Vindas de casa para o trabalho e vice-versa.
vindas Vice-versa. É
E lido ao ar livre, nas ruas, preso nos
muros e postes.
comentario. O leitor, que
Essa leitura de pé, ao lado de outros leitores, induz ao comentário.
fica sabendo do fato ao ver a informação
fica informaoao nos jornais fixados
fixados nos muros e postes, tern
tem
apreensao de sentido completamente diferente de um outro cujo contato com a
uma apreensão
noticia se faz num ambiente fechado e solitário.
mesma notícia solitario. Ao ler ou ao tornar conheci—
tomar conheci-
mento do fato — – por um
urn outro que comenta o inusitado da trama, transformando-o num
leitor de segunda natureza — – produz uma interpretação
interpretaoao que é transmitida sob a forma
comentario. O jornal, nesta pratica
de comentário. prática de leitura singular, de certa forma, intima o
leitor àa ação.
aoao.
atraVés de uma apropriação
Por outro lado, a leitura realizada através apropriaoao coletiva se presta
aos rituais de sociabilidade, a partir de um texto que é decifrado em comum.
comurn. Protoco-
Protoco—
sao impostos pelas praticas
los de leitura são práticas de leitura.
sensaoao arrebata novos leitores e,
O sucesso das notas de sensação 6, em
cm consequência,
consequéncia, au-
menta o poder do jornal. Na redação,
redagao, o telefone toca para informar sobre a populari-
periodico. E no dia seguinte esses ícones
dade do periódico. icones de notoriedade são
sao destacados sob
noticias.
a forma de novas notícias.

“Pelo telefone Norte 5424, desde as 15


“Pelo 15 horas, recebíamos
recebiamos chamados para
8510 João
irmos a São J0510 do Meriti constatar, pessoalmente, o êxito
éXito de reportagem de
Critica. Assim, resolvemos ir àa simpática
Crítica. simpatica localidade fluminense.
fluminense. Constata-
Constata—
mos plenamente a popularidade de Crítica.
Critica. Em quase todos os postes e muros
Viam-se exemplares de nosso jornal”.
viam-se (Crz’tica, 2 maio de 1929,
jornal”. (Crítica, 1929, p. 8. Grifos
nossos)

Outra estratégia utilizada passa a ser a investigação


investigaoao realizada pelos proprios re—
próprios re-
porteres para denunciar “desmandos
pórteres “desmandos pfiblicos
públicos e privados”.
privados”. Sob o titulo “Critica des-
título “Crítica
urn falsificador
cobre um falsificador de café moído”,
moido”, publicam, na pagina edioao de 21
página 2 da edição 21 de julho
julho
1929, a notícia
de 1929, noticia informando como se dera a investigação.
investigaoao.

“Os nossos redatores investigaram e conseguiram descobrir que num ter—


“Os ter-
reiro da Rua Rego Barros um urn profiteur
profiteur secava ao sol a borra de café, em
grande quantidade, e depois revendia como se fosse um urn produto natural”.
natural”.
(Grifos nossos)

62 — Entre tragédias e sensações


consequencia, se transforma, na opinião
Em consequência, opiniao do pfiblico, “j ornal que descobre
público, num “jornal
tudo, diziam ontem, os moradores da rua Rego Barros, nas faldas da Favela”
Favela” (p.2).
(p2).
sensacao continua sendo as notícias
Mas a sensação noticias envolvendo as tragédias urbanas. “Não
“Nao
adfiltera foi surpreendida, em flagrante,
respeitando a alcova conjugal, a adúltera flagrante, nos braços
bracos
amasio.” Ou ainda: “Ante
do amásio.” “Ante o ultraje de sua honra, vilmente
Vilmente conspurcada pela espo-
sa, desditoso marido desfecha um tiro na cabeça.”
cabeca.” “Pagou
“Pagou o enterro e o tipo foi sepul-
sepul—
indigente.” “Um escrivao
tado como indigente.” “Um escrivão da politica
política niteroiense seduziu 12 mocas!” Era
12 moças!”
esse o principal ingrediente para fazer de Crítica
Critica “jornal
“j ornal das multidões,
multidoes, fez-se
fez—se para as
multidoes, que não
multidões, nao admite, não
nao atende senão
senao aos sentimentos das multidões,
multidoes, juizes
juízes de
sentencas irrecorríveis
sentenças irrecorriveis pelo instinto”.
instinto”. (Crítica,
(Critica, maio-julho de 1929)
1929)
A dialética
diale’tica do fenômeno
fenomeno leitura inclui estratégias
estrategias de persuasao desenvolVidas pelo
persuasão desenvolvidas
autor para atingir seu leitor potencial. Para isso dispõe
dispoe do recurso, só
so dele, de poder
ler diretamente a alma de seus personagens. De outro lado, há ha que se considerar o
poder de ilusão
ilusao que se instaura por esta estratégia.
estrate’gia. Mas esta mesma persuasao
persuasão pode
direcao: a retórica
caminhar numa outra direção: retorica da dissimulação
dissimulacao ouon da ironia pode, ao invés
inve’s
de persuadir, produzir estranhamento no leitor. É E neste sentido que a leitura se torna
1994).
campo de combate entre autor e leitor (Ricoeur, 1994).
1929, a sensação
Em setembro de 1929, sensacao do noticiário
noticiario é dada pelo “caso
“caso singelo da morte de
circunstancias misteriosas, entre uma dúzia
um homem em circunstâncias dfizia de fanáticos
fanaticos espíritas”,
espiritas”, trans—
trans-
“quis livrar-se do espírito
formado na manchete “quis espirito mal e foi morto a socos e pauladas”.
pauladas”.
descricao do crime, expressões
Entremeando a descrição expressoes como “hediondez
“hediondez da alma, perversidade
individuos de sordidez notável,
dos criminosos, indivíduos notavel, instintos mais baixos e repelentes”
repelentes” cons-
troem a trama narrativa que se destaca tambem
também pelos juizos
juízos de valor presentes na qualifi-
qualifi—
cacao dos atos criminosos. As manchetes, entretanto, em estilo direto e sintético, apelam
cação
sensacoes corpóreas
sempre para as sensações corporeas ou para os mistérios
misterios inomináveis
inominaveis do espírito:
espirito: “Ven-
“Ven—
deu—se ao diabo por dez mil contos!”
deu-se contos!” (Crítica,
(Critica, 11 e 4 setembro de 1929,
1929, p. 2 e 8)
A partir de setembro de 1929,
1929, o jornal institui um concurso em que oferece cem
mil-reis (100$000) de premio
mil-réis prêmio a melhor reportagem. Como justificativa
justificativa informam:

“Critica tem, entre os seus cento e trinta mil leitores, uma grande maioria
“Crítica
que nasceu com a bossa da reportagem. Cada leitor conhece um caso sensa-
desej aria ver publicado. Entretanto, muitos silenciam a informa-
cional, que desejaria
ção
cao por motivos vários.
Varios. Ora, temos norteado nossas reportagens, em quase
informacoes, direta ou indiretamente, fornecidas por leito-
sua totalidade, em informações, leito—
profilaXia social que vimos
res que, colaborando na obra de profilaxia Vimos empreendendo,
tem contribuído
contribuido grandemente para o êxitoexito de nossa campanha. E É justo, por-
tanto, que se estimule o esforço
esforco e o interesse de nossos leitores repórteres”.
reporteres”.
(Critical, 5 setembro de 1929,
(Crítica, 1929, p. 3)

História Cultural da Imprensa — 63


O prémio
prêmio ée’ distribuído
distribuido todas as teroas
terças feiras e para concorrer ée

“Suficiente enviar àa nossa redação


“Suficiente redaoao uma carta que deverá
devera conter detalhes
firmada pelo proprio
claros e abundantes, firmada próprio nome ou pseudonimo
pseudônimo do informan-
Critica —
te. Guardaremos rigoroso segredo sobre a identidade do Crítica Reporter,
– Repórter,
confiada. As sindicâncias
caso esta nos seja confiada. sindicancias a respeito serão
serao procedidas pelos
nossos redatores”.
redatores”. (Idem,
(Idem, ibidem)

O leitor passa a ser produtor da narrativa que será


sera composta pelo repórter.
repérter. Assim,
construoao primeira no ato de leitura —
produz uma construção – ja
já que qualquer texto só 36 se
configurante de sua apropriação
integraliza no ato configurante apropriaeao no instante em que passa a ser lido
e interpretado —– passando, no momento seguinte, por uma estratégia
estrate’gia mercadológica
mercadologica
do jornal, a ser desencadeador da propria noticia. O objetivo do periodico
própria notícia. periódico ée claro:
elaro:
inundar as paginas
páginas da publicaeao
publicação de casos horripilantes que atravessam o cotidiano da
cidade e devem fazer parte do cotidiano da leitura.
Qualquer texto possui um
urn caminho natural que vai de sua configuração
configuraoao interna àa
influéncia que passa exercer fora dele mesmo. É
influência E o que Paul Ricoeur chama refiguração.
refiguraeao.
Ao produzir sentido, induz a uma ação,
aoao, o que nos leva a afirmar
afirmar que a leitura produz
mudanoa intrínseca
uma mudança intrinseca em quem a realiza.
experiéncia vivida,
Simulando a experiência Vivida, essas narrativas que apelam àsas sensações
sensaeoes dos
leitores se projetam fora delas mesmas.
mesrnas. A narrativa falando de um outrem enfoca a
experiéncia do proprio
rigor a experiência próprio leitor, ja
já que todo texto desenha um
urn mundo que, mesmo
ficticio, continua sendo um mundo. Um mundo que será
sendo fictício, sera sempre ofertado àa
apropriagao crítica
apropriação critica dos leitores. Se o
0 mundo do texto ée’ sempre imaginário,
imaginario, o mundo
rnundo
do leitor é6': real, mas, ao mesmo tempo, capaz de remodelar a esfera do imaginário.
imaginario.
Trazendo o seu mundo para as paginas
páginas daquela publicaeao,
publicação, ofertando seus senti-
dos para transformar a realidade sob a forma de texto, o leitor começa
comega a preencher as
lacunas do texto antes mesmo de sua produeao.
produção. O confronto existente entre autor e
urn trazendo recursos opostos para o combate que se realiza na leitura e na
leitor, cada um
interpretaeao (Ricoeur, 1990:39),
interpretação 1990239), começa,
comeea, portanto, antes mesmo da produeao
produção textu—
textu-
informaeao do leitor seja validada pelo jornal —
al. Caso a informação – transformando-se em notí-
noti-
cias —, ficoao impressa, passando a ser de um
–, o seu mundo real se transforma em ficção
universo abrangente de leitores.
Esses, por sua vez, preenchem os vazios do texto, descobrindo lugares de
indeterminaeao. Assim, o texto completa o seu itinerário
indeterminação. itinerario pela leitura, tornando-se
produoao comum do autor e do leitor. Essa leitura induz a novas formas
obra, isto é, produção
de ver o0 mundo, de configurar
configurar a realidade, ao produzir interpretações
interpretaooes que muitas
vezes retornam àsas paginas
páginas do jornal sob a forma de novos textos, num
nurn círculo
circulo intermi-
intermi—
navel produoao/leitura.
nável produção/leitura.

64 — Entre tragédias e sensações


aeao narrativa, por sua vez,
Cada ação ve2, instaura o
0 mundo das coisas contadas, o reino do
d0
“como se”.
“como se”. E, assim, o
0 jornal segue falando sobre o0 mundo como se fosse real, como
se o0 fato relatado tivesse acontecido
aeontecido daquela forma, como se tivesse existido. Neste
sentido ée que podemos dizer
di2er que o0 mundo das coisas contadas
eontadas ée sempre do
d0 reino do
“como se”
“como se” da ficção
ficeao e a experiência
experiéncia irá
ira depender sempre da voz
V02 narrativa que contém
contem
V02es: a voz
uma multiplicidade de vozes: V02 do autor e de todos aqueles que são
sao designados
pelo ato de narrar. Existem, pois, inúmeros
inumeros atos memoráveis
memoraveis na voz
V02 narrativa.
O mundo proj etado cruza-se
projetado eru2a-se com um outro mundo, o 0 do
d0 leitor, fazendo com
00m que o0
medium decisivo, através
ato de leitura se torne médium atraVes do qual se produ2
produz a transferéncia
transferência da
configuraeao narrativa àa sua refiguração
estrutura da configuração refiguraeao e a transformaeao
transformação da açãoaeao huma-
huma—
na passada ou futura.
“como se”
O “como se” dessa experiência
experiéneia da leitura coloca
coloea em destaque a questão
questao da voz
V02
narrativa, que, como ja nao ée’ apenas a voz
já dissemos, não V02 narrativa do autor, mas uma
V02 que em essência
voz esséncia ée cultural (da tradieao, d0 mundo onde
tradição, do 0nde ele se insere, das
representaeoes, das visões
representações, Visoes de mundo sub-reptícias
sub-repticias ao
a0 texto). Esta é uma das ra-
ra—
zoes pelas quais as histórias
zões historias contadas parecem pertencer àa memória
memoria de alguém
alguem
“fala” no e pelo texto. “A
que “fala” “A voz
V02 narrativa tem antes de qualquer coisaeoisa seu
tempo proprio
próprio e seu proprio
próprio passado, de onde
0nde emergem os 0s acontecimentos
aeontecimentos
recontados.” (Ricouer, 1990:34)
recontados.” 1990:34)

O desfecho da trama

A edição
edieao comemorativa de primeiro aniversário
aniversario de Crítica,
Crz'tica, em 21
21 de novembro
n0Vembr0 de
1929, com 40 paginas,
1929, páginas, testemunha o0 sucesso do empreendimento de Mario
Mário Rodrigues.
anuncios distribuem-se de maneira indiscriminada por toda a publicaeao,
Os anúncios publicação, mas,
“deVido ao
mesmo assim, “devido a0 acúmulo
acumulo de matérias”,
mate’rias”, são
sao “forçados
“foreados a deixar de publiear
publicar
edieao vários
nesta edição Varios anúncios
anuneios e artigos de colaboração”.
colaboraeao”.
historia, destacam
Referindo-se a sua recente história, destaeam as inovações
inovaeoes gráficas
graficas que introduzem.

“A folha com suas paginas


“A páginas movimentadas, os 0s seus comentários
comentarios palpitantes se
feieao de todos os outros jornais. Era no letreiro luminoso,
afastavam, e muito, da feição
n0V0, de leve, de atraente. Os distribuidores tém
alguma coisa de novo, têm o0 faro agudo,
por isso
iss0 mesmo, o 0 nosso Perrotta mandou que a máquina
maquina rodasse logo de saídasaida
cem mil... A
À tarde, ainda se lia e comentava o0 novo
now matutino. Os velhos profissi-
profissi-
onais afeitos àa rotina estranharam aquela variedade de titulos.
títulos, os grises. Nao
Não ée um
jornal — di2iam —
– diziam – ée’ um carrossel. É
E que tudo em Crítica
Critica se movimentava, ocasio-
nando surpresas, fora do d0 usual. Mas o publico
público compreendeu. E gostou. Nao hou—
Não hou-
Ve encalhe”.
ve encalhe”. (Crítica.
(Critica. 21
21 novembro de 1929.
1929. Quarta seção,
seeao, p. 3. Grifos nossos)

História Cultural da Imprensa — 65


A profusão
profusao de títulos
titulos utilizando os mais variados efeitos gráficos
graficos — – tipologias
dispares, grises
díspares, grises”,
15
ilustracoes —
, recortes e, sobretudo, ilustrações – faz do jornal uma espécie
especie de
calidoscopio de imagens. Ao lado da “feição
calidoscópio “feicao gráfica”
grafica” inovadora, oferecem ao publico
público
como unidade textual um cardápio
cardapio envolvendo toda espécie
espe’cie de trage’dia
tragédia urbana.
Na análise
analise realizada por ocasião
ocasiao de seu primeiro aniversário,
aniversario, o sucesso do em-
em—
preendimento ée’ atribuído
atribuido a essas inovações.
inovacoes. Graças
Gracas aos protocolos de leitura que
incluiam
incluíam nas suas paginas,
páginas, chegam a
à marca dos 130 mil exemplares diários.
130 diarios.

“A sua circulação
“A circulacao nunca fora atingida. Aos seus guichets corriam, por isso
entao, a imitá-la.
mesmo, os anunciantes. Muitos se decidiram, então, imita-la. Outros a copiá-
copia—
serVilmente. Alguns foram até
la servilmente. ate’ ao plágio
plagio o mais evidente, adotando não
nao só
so a
feicao gráfica
feição grafica como, também, borboleteando sobre os artigos e comentários...”
comentarios...”
(Critica, 21
(Crítica, 21 novembro de 1929.
1929. Quarta seção,
secao, p. 3)

A adoção
adocao do novo padrao grafico, “chocando
padrão gráfico, “chocando com os moldes antiquados e rotinei-
rotinei—
ros da maioria dos nossos periodicos”, e’, em grande parte, a razão
periódicos”, é, razao para o sucesso da
iniciativa. A0 tambe’m ée’ fundamental a presenca
Ao lado disso, também reporteres no local
presença dos repórteres
mesmo dos acontecimentos. Para isso criam “a “a Caravana da Crítica”,
Critica”, nomeada “impá-
“impa—
Vida patrulha, perscrutadora de segredos e mistérios”.
vida miste’rios”.
E explicam:

“A Caravana de Crítica
“A Critica nasceu do entusiasmo dos nossos repórteres
reporteres e,
nesse mesmo ambiente, tornou-se uma força forca remarcada na nossa imprensa
com a personalidade que o seu desenvolvimento lhe granjeou. Plasmou-se
‘sherlocks’ em um núcleo
este grupo de empolgantes ‘sherlocks’ nucleo corajoso de farejadores
farej adores
tragedias, dos pesquisadores de curiosidades, dos decifradores
de crimes, de tragédias,
misterios. A Caravana ée o fulmen da ação
de mistérios. acao proficua
profícua deste jornal.
jornal. Veloz,
ativa, desconhecendo perigos, arrostando todos os sacrifícios
sacrificios com o pensa—
pensa-
fixo no imprevisto,
mento fixo impreVisto, ela está
esta em todo lugar; ée o olho vivo
Vivo da nossa
reportagem”. (Crítica,
reportagem”. (Critica, 21
21 novembro de 1929.
1929. Quinta Seção,
Secao, p. 8)

Atribuem, portanto, ao repórter


reporter a tarefa de investigar os crimes, “farejar”
“farej ar” trage’dias,
tragédias,
“decifrar” mistérios.
“decifrar” misterios. Aos repórteres
reporteres cabe o papel de investigador, descrevendo com
minucias os crimes e outros fatos que interrompem o cotidiano e produzem
todas as minúcias
uma espécie de ruptura na ordem casual. Aos repórteres
reporteres correndo pelas ruas da cidade
cabe a tarefa de desvendar fatos, confundindo-se sua ação
acao com a da policia.
polícia.

15 Grise é o nome que se dá


15
dé ao
a0 recurso de impressão
impressao que publica tons dégradés na escala de cinza.
cinza.

66 — Entre tragédias e sensações


“Com a criação
“Com criacao deste grupo impávido
impaVido de criaturas perspicazes e
intemeratas, que revoluteia por toda cidade em corrida desordenada, buscan-
anotacoes sobre os fatos mais sensacionais, revolucionou-se
do anotações revolucionou—se a nossa capi-
tal, onde, até
ate’ então,
entao, a reportagem policial era feita com imperfeição
imperfeicao e sem o
vulto que merecem as passagens mais rumorosas da vida Vida de vertigem da grande
metropole brasileira. Crítica,
metrópole Critica, efetivamente, implantou o sensacionalismo. Foi,
alias, ao encontro do gosto do pl’iblico
aliás, público que se interessa avidamente pelos acon-
acon—
tecimentos do meio que o circunda”.
circunda”. (Idem,
(Idem, ibidem)

nao basta a descrição


Mas não descricao pormenorizada da tragédia. É
E preciso sintetizar a notí-
noti—
cia sob a forma de imagem. Sóso a imagem poderia revelar a “emoção
“emocao da tragédia, o 0
barbaros, o
horror dos crimes bárbaros, ofrisson desastres”.
frisson dos desastres”.

“O controle desse conjunto de nossos repórteres


“O reporteres é feito pelo artista Roberto
Rodrigues e por Carlos Leite, dois temperamentos aventureiros, espíritos
espiritos re-
novadores e cérebros privilegiados, sob cuja orientação
orientacao se movimenta esta
formidavel organização
formidável organizacao que ausculta a cidade, recolhendo-lhe às as menores
Vibracoes. Roberto Rodrigues, o ilustrador sui generis, criou, na reportagem
vibrações.
género que o consagra. Os seus trabalhos, inspirados nos
moderna, um novo gênero
episodios mais impressionantes do fato do dia, dão
episódios dao ao noticiário;
noticiario; transmite
emocoes de uma tragédia, o
aos leitores curiosos, as emoções 0 horror de um crime bár-
bar—
baro, o frisson de desastres. A luminosidade do talento multiforme deste jo-
vem artista empresta às as nossas páginas,
paginas, ao vivo,
Vivo, todas as emoções
emocoes por que
pode passar o cérebro humano, desde a expressão
expressao horripilante de um mons-
tro, até
ate a reconstituição
reconstituicao perfeita de um delito bárbaro,
barbaro, em lugares algumas
inacessiveis...” (Idem,
vezes inacessíveis...” (Idem, ibidem)

A imagem dá
da ao leitor a proximidade necessária
necessaria para visualizar
Visualizar a veracidade da
trama. A imagem traz o “ao
“ao vivo”
Vivo” para a notícia,
noticia, reconstituindo com perfeicao
perfeição o0 crime
barbaro ou a expressão
bárbaro expressao horripilante de um monstro. Mais do que “auscultar
“auscultar a cidade,
recolhendo—lhe as menores vibrações”,
recolhendo-lhe Vibracoes”, as imagens que acompanham invariavelmente
sensacoes sejam
os textos é que fazem com que outras sensações sej am contempladas pela descrição
descricao
noticia. Ao lado da imaginação
da notícia. imaginacao criadora, colocada em evidência
evidéncia com a descrição
descricao
da cena, assiste-se àa reconstrução
reconstrucao da tragédia ao visualizar
Visualizar a imagem. A imagem induz
àa sensação
sensacao do olhar.
Crz'tica investe, pois, neste tipo de estratégia
Crítica estrate’gia editorial, multiplicando os persona—
persona-
gens que passam a fazer parte da “Caravana”.
“Caravana”. Além do repórter
reporter Carlos Leite e do
ilustrador Roberto Rodrigues, esta ée composta também de Fernando Costa, Eratostenes
Frazao, Carlos Cavalcanti, Carlos Pimentel, Floriano Rosa Faria, além
Frazão, ale’m de outros mem-
mem—
“secretos”. “Também
bros “secretos”. “Também as nossas senhoritas repórteres
reporteres tém gran—
têm colaborado com gran-

História Cultural da Imprensa — 67


eficienoia para o êxito
de eficiência exito dos nossos trabalhos, isto sem aludir ao incansável
incansavel Moraes,
fotografo oficial
fotógrafo oficial da Caravana, a quem se devem os furos fotográficos
fotograficos de Crítica”.
Critica”.
(Idem, ibidem).
(Idem,
E preciso considerar que a tipologia da narrativa depende em essência
É essencia das exigênci-
exigenci—
expressao. Falando de personagens do
as dos seus leitores e de sua necessidade de expressão.
historias que pertencem ao universo do leitor, abrem espaço
cotidiano, remontando histórias espaeo para
as narrativas comuns, negando o valor dos personagens lendários
lendarios e célebres. A cele-
cele—
braoao se faz via narração
bração narraoao das peripecias
peripécias daqueles que saindo do mundo dos leitores
pertenoer momentaneamente ao mundo dos personagens para, em seguida,
passam a pertencer
voltar de novo ao mundo. Os personagens anônimos
anonimos envolvidos nas tramas complexas e
enigmaticas do cotidiano atendem, pois, às
enigmáticas as exigências
exigenoias dos leitores e de suas leituras, ao
mesmo tempo em que as estratégias narrativas produzem repostas emocionais.
Construindo personagens sem passado lendário,
lendario, histórias
historias sem tradioao
tradição anterior e,
sobretudo, tecendo uma descrição
descrioao fiel
fiel às
as múltiplas
mfiltiplas experiências
experiéncias do pfiblico,
público, essas
noticias sensacionais produzem uma espécie
notícias espe’cie de correspondência
oorrespondéncia entre o texto e a
realidade que ela imita. Com isso, constroem a proximidade desejada
desej ada com o leitor, ao
mesmo tempo em que os documentos — – incluindo aía1’ as ilustrações
ilustraooes e as fotografias
fotografias —–
crenoa na autoridade do impresso, suprindo a ausência
produzem a crença ausencia da viva voz. Desta
transforma—se no “ao
forma, a imagem transforma-se “ao vivo”,
vivo”, destacada pelo texto que celebra
oelebra a pro-
duoao noticiosa.
dução
edioao que destaca o sucesso de Crítica,
Vinte e nove dias depois da edição Critica, uma tragédia
produz uma peripe’cia traj etoria do proprio
peripécia na trajetória próprio jornal. Invadindo a redação,
redaoao, revoltada
noticia publicada na véspera, Sylvia Tibau “alvejou
com a notícia “alvejou a bala em premeditada
emboscada” Roberto Rodrigues. E continuam: “Atraindo
emboscada” “Atraindo o nosso companheiro a um
gabinete reservado, a criminosa, traiooeiramente, baleou—o no ventre, com frieza san-
traiçoeiramente, baleou-o san—
guinaria sem nome”.
guinária nome”. (Crítica,
(Critica, 27 dezembro de 1929,
1929, p. 8)
A0
Ao noticiar o fato, o jornal enfatiza de maneira emocional a brutalidade que se
cfipula do jornal, com o atentado que Roberto Rodrigues sofre na reda—
abate sobre a cúpula reda-
950. O filho
ção. filho do diretor Mário
Mario Rodrigues ée descrito com minúcias,
minficias, fazendo com que se
torne personagem reconhecido do leitor.

“Apesar de sua pouoa


“Apesar pouca idade, Roberto Rodrigues não nao tem na sua vida
Vida de
adolescéncia explica
artista e de homem um fato desses que a adolescência eXplica e absolve. Aus-
intimos, ja
tero nos seus costumes íntimos, familia, sua vida ée’ um exemplo de
já chefe de família,
circunspeoao”. (Crítica,
circunspeção”. (Critica, 27 dezembro de 1929,
1929, p. 8)

No calor dos acontecimentos, o leitor tem a reconstrução


reoonstruoao do fato em uma descri-
descri—
950 pormenorizada.
ção

68 — Entre tragédias e sensações


“Como era dos seus
“Como scus hábitos,
habitos, ja as 15
já às 15 horas da tardc dc ontem,
tarde de ontcm, Roberto
Rodrigucs encontrava-se
Rodrigues cncontrava—sc na redação
redacao palcstrando Varios companheiros.
palestrando com vários companhciros. Em
dado momento, sem scm fazer-se
fazcr—sc anunciar, dedc maneira
mancira insólita
insolita a criminosa, útero
utcro
dos apaziguados de dc Assis Chateaubriand, pcnctra csta redação
penetra esta redacao e,
c, dirigindo-se
dirigindo-sc
primciro que
ao primeiro quc lhe
lhc veio
vcio ao encontro
cncontro indaga, emcm desembaraço
dcscmbaraco ec impolidez,
impolidcz, sesc
o0 nosso diretor,
dirctor, Dr. Mário
Mario Rodrigues,
Rodrigucs, estava
cstava prcscntc”. (Idem, ibidem)
presente”. (Idem,

E continua:

“Obtcndo resposta
“Obtendo rcsposta negativa, isso não
nao a impediu, contudo, de dc ir até a porta
gabinctc da chefia
do gabinete chcfia dedc redação
redacao cuja porta empurrou,
cmpurrou, examinando
cxaminando o 0 interior
aposcnto inteiramente
do aposento intciramcntc vazio ec propicio,
propício, pois, ao seu
scu plano sanguinário.
sanguinario.
Ato contínuo
continuo dirigiu-se
dirigiu-sc ao nosso companheiro
companhciro Roberto e, c, sem
scm alteração
altcracao ne-
nc—
fisionomia, dissc-lhc dcscj ar falar—lhc”. (Idem,
nhuma da voz, gesto ou fisionomia, disse-lhe desejar falar-lhe”. (Idem, ibidem)

A descrição
dcscricao coloca o leitor
lcitor na redação
rcdacao de
dc Crítica.
Critiea. Roberto, que
quc se
sc encontrava
cncontrava
scntado, levantou-se
sentado, lcvantou-sc àa aproximação
aproximacao da mulher
mulhcr ec “cortesmente
“cortcsmcntc indicou-lhe
indicou-lhc uma cadei-
cadci-
lado”, dispondo-se
ra ao lado”, dispondo-sc a ouvi-la.
ouVi—la. A seguir
scguir informam quequc a mulher
mulhcr prcferiu cncami-
preferiu encami-
nhar—sc ao gabinete
nhar-se gabinctc ao lado, por tratar-sc dc um lugar mais reservado,
tratar-se de rcscrvado, tcndo cm vista
tendo em Vista
o0 aspecto particular do assunto que
quc iria tratar. Criando um efeito
cfcito suspensivo, o tcxto
texto
apcla a todos os sentidos.
apela scntidos.

“Minutos após,
“Minutos apos, do gabinete
gabinctc da chefia
chcfia da redação,
redacao, para onde
ondc os dois sesc
haViam retirado,
haviam rctirado, partia uma detonação,
dctonacao, seguida
scguida de
dc um apelo
apclo de
dc socorro cla-
pclo nosso Roberto. Imediatamente,
mado pelo Imcdiatamcntc, ao estampido,
cstampido, ao grito e6 ao
a0 baque
baquc
quc se
do corpo, os que sc achavam na sala da redação
redacao lançaram-se
lancaram-sc ao local de
dc onde
ondc
Vicra a denotação,
viera dcnotacao, indo encontrar
cncontrar a criminosa, em
cm cinismo sorridente,
sorridcntc, de
dc arma
fumcgando àa mão
fumegando mao e,
c, ao solo, estorcendo-se
cstorccndo—sc com o ventre
ventrc pcrfurado,
perfurado, Roberto,
Vitima da emboscada
vítima cmboscada e da vilania
Vilania da amante
amantc de
dc todos os flibusteiros
flibustciros da im-
prcnsa dcssa terra”.
prensa dessa tcrra”. (Idem,
(Idem, ibidem)

A narrativa implica uma interação


interacao do leitor
lcitor àquele
aquclc mundo. Para isso é necessário
necessario
dcscrcvcr o
descrever 0 crime, detalhando
dctalhando tudo aquilo que quc faz pulsar os sentidos.
scntidos. Os sons ecoam
ccoam
imaginacao do leitor,
na imaginação lcitor, construindo a cena
ccna pclo scntido auditivo que
pelo sentido quc introduz: pri-
mciro o estampido,
meiro cstampido, depois
dcpois o grito ec por último
ultimo o baque
baquc do corpo ao chão.
chao. Tal como o
lcitor, também
leitor, tambc’m quem
qucm está
csta descrevendo
dcscrcvcndo a cena
ccna prcscnciou—a apcnas através
presenciou-a apenas atravc’s dos sons
quc ecoaram
que ccoaram na sala. E, tal como o repórter,
reporter, o leitor
lcitor reconstrói
rcconstréi —
– por memória
memoria — – as
scnsacocs que
sensações quc a notícia
noticia destaca.
dcstaca.
funcao de
Mas a sua função dc narrador privilcgiado da ao repórter
privilegiado dá reporter a prcrrogativa dc se
prerrogativa de sc
scr onipresente,
constituir como ser oniprcscntc, capaz de
dc visualizar
Visualizar o que
quc se
sc passara num cômodo
comodo no

História Cultural da Imprensa — 69


vitima e a criminosa estavam presentes. O redator descreve os detalhes,
qual apenas a vítima
agora a partir de um outro sentido —– o olhar —,
–, imaginando a cena para que tambe’m
também o
imagina-la.
leitor possa imaginá-la.

“Sylvia Thibau a sós


“Sylvia sos com Roberto Rodrigues verberou asperamente a re-re—
portagem que ontem foi publicada sobre o seu desquite. Gentleman Roberto
procurou, com a mesma delicadeza explicar a atitude do jornal, mas a mere-
mere—
nao deu tempo, trazia o
triz não 0 crime premeditado. Queria matar. Roberto estava
sentado a uma mesa, em cuja cabeceira se encontrava tambem cri—
também sentada a cri-
Disfarcadamente Sylvia Thibau abriu a bolsa onde trazia um revól-
minosa. Disfarçadamente revol—
ver Galant, tipo pequeno e de lála retirou a arma”.
arma”.

descricao com opiniões


Visualizando todos os detalhes, mescla a descrição opinioes veladas, que
vilao
colocam em campos opostos o vilão e a vitima.
vítima. Em contrapartida àa delicadeza do
ilustrador sobressaem a premeditacao dissimulacao da assassina.
premeditação do crime e a dissimulação

“Roberto nada percebera. De repente, erguendo-se


“Roberto erguendo—se a prostituta fez ponta—
ponta-
ria e deu ao gatilho. A bala foi atingir em pleno ventre. Roberto ergue-se da
cadeira, soltando um grito de dor para cair, ensanguentado no assoalho. Sylvia
arma em punho ainda tentava alvejar
alvej ar Roberto, quando foi presa em flagrante
flagrante
Garcia”. (Crítica,
pelo inspetor Garcia”. (Crz'z‘ica, 27 dezembro de 1929,
1929, p. 8)

Durante quatro dias, o leitor acompanha o desfecho da trama. Roberto Rodrigues


manifestacoes de solidariedade, a prisao
agonizando no hospital, as manifestações prisão de Sylvia Thibau,
vitima.
a morte e o enterro da vítima.
Narrativas emocionadas criam um mundo imaginado, fazendo o pfiblico sentir—se
público sentir-se
mitificada. Ao mesmo tempo em que se informa sobre
participativo daquela realidade mitificada.
relacao com o jornal. Pode admitir que os fatos
o mundo, o leitor estabelece uma relação
sao homólogos
descritos são homologos àa realidade ou perceber exagero na descrição,
descricao, de tal forma
afirmar que as relações
que podemos afirmar relacoes estabelecidas entre o pfiblico
público e os periodicos
periódicos se
funcao das táticas
fazem em função taticas e estratégias
estrategias de recepção.
recepcao.
Para construir um mundo tido como real, os periodicos irao multiplicar as estraté-
periódicos irão estrate-
gias de transformar o verossímil
verossimil em verdadeiro. Se a criaçãocriacao da verossimilhança
verossimilhanca se
faz num primeiro momento pela aproximação
aproximacao com as narrativas familiares, comuns e
verossimeis são
quotidianas, num segundo instante verossímeis 350 os
OS textos que falam de um mundo
conhecido, que por ser semelhante é6': real e, portanto, verdadeiro. Entre as convenções
convencoes
estao aquelas que se configuram
narrativas fundamentais estão configuram como testemunho autêntico,
autentico,
tal como os textos que noticiaram dia após
apos dia o0 crime na Rua dos Ourives.
Ha que se considerar ainda que a notícia
Há noticia possui uma perenidade, fazendo com que
cada texto tenha no subsequente uma espécie
espe’cie de contínuo,
continuo, oferecendo ao leitor a opor-
opor—

70 — Entre tragédias e sensações


tunidade de se familiarizar com aquela rede de textos. Dessa forma, pode em cada
historia recapitular uma outra história.
história historia.
As narrativas sensacionais produzem heróis
herois isolados da sociedade (como
Roberto Rodrigues), que podem ou não nao ser reincorporados ao mundo social, gra-
gra—
eas ao seu poder de ação
ças aeao (como
(eomo Sylvia Thibau). AssiIn, notieias deslocam
Assim, as notícias desloeam a
heroi para o mundo
centralidade de seu herói Inundo comum.
eomuIn. Descrevendo seres ordinários
ordinarios —
–
como os leitores —,
–, elevam tambe’m mime’ticos
também a sua capacidade de construir valores miméticos
identifica com o herói
(o leitor ora se identifica heroi da trage’dia,
tragédia, ora se revolta com a iniquidade
Vilao), aumentando a ideia de plausibilidade do fato narrado e o poder de ve-
do vilão),
rossimilhanea da narrativa.
rossimilhança
noticias de tanto sucesso
Essas notícias sueesso nos anos 1920,
1920, na cidade do Rio de Janeiro, cons-
cons—
troem heróis
herois pate’ticos,
patéticos, perdedores, que, tais como os leitores, estão
estao em posieao
posição in-
veneer pela trama narrativa. O seu fim
ferior. De tal forma que se deixa vencer fim ée’ tragieo.
trágico.
A morte materializa sua inferioridade em poder e inteligência.
inteligéncia.
Essa rede de textos ganha, portanto, significações
significaeoes múltiplas
Infiltiplas que dependem funda-
funda—
mentalmente da tessitura da intriga construída,
construida, do grau de proximidade que estabele-
estabele—
ce com o leitor, da possibilidade de instaurar uma espécie
espe’cie de modelo de mundo a
partir das descrições.
descriooes. Cada começo
comeeo induz a um fim fim esperado ou inesperado, que re- re—
produz, de certa forma, a intriga grandiosa do mundo. As notícias
noticias policiais são
sao uma
espe’cie de narrativa imanente,
espécie iInanente, cujo
eujo começo
comeeo ja
já pressupoe urn desfecho esperado.
pressupõe um

lembranea
Farrapos de lembrança

A trage’dia espaeo de tempo o


tragédia de Roberto Rodrigues desencadeia num curto espaço 0 fim
fun do
proprio
próprio jornal. Abatido, Mário
Mario Rodrigues morre dois meses depois.

“Foi o fim
“Foi fim de meu pai, que morria dois meses depois. A mesma bala que
Mario Rodrigues. Mas o
cravou na espinha de Roberto, ah, matou o Velho Mário
que preciso dizer, aqui, ée que eu me sentia mais ferido do que os outros”.
outros”.
1977:339)
(Rodrigues, 1977:339)

A memória
memoria de Nelson Rodrigues ao recordar o fato coloca em cena um outro texto
nao figuram
feito de detalhes que não figuram na narrativa construída
construida no calor dos acontecimen-
aconteeimen-
tos. Entretanto, as particularizaeoes sensaeoes se repetem nos dois textos. Na
particularizações das sensações
memoria das sensações,
memória sensaeoes, o grito que envolve a cena
eena forja o clímax
climax da narrativa.
A crônica
cronica de Nelson Rodrigues,
Rodri ues “Grito”,
“Grito”, relembra com exatidão
9
exatidao o som que
ue sela o
fim tragico
fim lider da “Caravana
trágico do líder “Caravana de Crítica”:
Critica”:

História Cultural da Imprensa — 71


“Naqueles cinco, seis minutos, acontecera tudo (e como,
“Naqueles corno, nesses momen-
figura do criminoso ée secundária,
tos, a figura secundaria, nula. Eu me
rne lembrei da ira; eu não
nao pensei
em tambem
também ferir ou em tambe’rn
também matar. Só so Roberto existia. Estava ali, deitado,
so para não
certo, certo, de que ia morrer. Pedia só nao ser tocado. Qualquer movimento
movirnento
era uma dor jamais concebida). Vinte
V1nte e seis de dezembro de 1929.
1929. Nunca mais
ouVir, foi esse espanto que os
me libertei do seu grito. Foi o espanto de ver e de ouvir,
nao sentiram na carne e na alma. E só
outros não so eu, um
urn dia, hei de morrer abraçado
abraoado
irmao Roberto. Roberto Rodrigues”.
ao grito do meu irmão Rodrigues”. (Idem,
(Idem, ibidem)

No texto escrito trés de’cadas depois do crime, muitos


três décadas rnuitos dos detalhes que figuram
figuram na descri-
950 do jornal voltam àa cena pela memória
ção memoria de Nelson. Outros sãosao completamente esquecidos.

“De vez em
“De ern quando, antes de dormir, começo
corneoo a me lembrar. Vinte e seis de
1929.
dezembro de 1929. E as coisas tomarn
tomam uma memoria
nitidez desesperadora. A memória
intermediaria entre mim e o fato, entre mim e as pessoas. Eu
deixa de ser a intermediária
relaoao física,
estou na relação fisica, direta, com Roberto, os outros, os móveis”.
moveis”. (Idem: 338)

Na sua memória
memoria afetiva de personagern
personagem que presenciou a cena, sobressaem tam—
tam-
bem detalhes que certamente
bém certarnente passaram despercebidos
desperoebidos aos leitores de outrora. A hora
do crime, o0 inspetor presente na cena, as ações
aooes realizadas por Roberto minutos antes
irrornper a redação.
de Silvia Thibau irromper redaeao.

“‘Sao duas da tarde ou pouco menos. É


“São E a redação
redaoao da Crítica
Critica na Rua do
Carrno. Ao lado, há
Carmo. ha uma serraria e, em seguida, um restaurante, chamado Virosca,
Estarnos eu, Roberto, o chofer Sebastião,
ou coisa que o valha. Estamos Sebastiao, que servia
serVia meu
ha anos e anos; o detetive Garcia, que ia muito, lá,
pai há la, conversar fiado.
fiado. Roberto
tornar uma cajuada. Eu não
acaba de tomar nao me lembro do contínuo
continuo que fora buscar o
E essa a única
refresco. É finica presenoa falta”. (Idem: 338-339)
presença que me falta”. 338—339)

recriaeao da cena da tragédia


Mas a recriação trage’dia faz-se
faz—se tambe’m recomposioao das sensa-
também da recomposição sensa—
ooes que ficam
ções ficam impressas nos sentidos do escritor. A criminosa
orirninosa não
nao é identificada,
identificada,
transformando—se na crônica
transformando-se cronica de Nelson em personagem
personagern do esquecimento.
esqueoimento. Mas os
estao gravados para sempre: a voz doce, a naturalidade, os
detalhes de seus gestos estão
carninharn e voltam...
passos que caminham

“Ouoo a voz perguntando, cordial, quase doce: —


“Ouço Mario Rodrigues
– Doutor Mário
esta? Nao
está? nenhurn de nós
Não ocorreu a nenhum nos a mais leve, tenue, longinqua suspeita de
tênue, longínqua
Corno desconfiar
nada. Como desconfiar de uma naturalidade total? O 0 chofer Sebastião
Sebastiao respon-
deu: — Mario Rodrigues não
– Doutor Mário nao está.
esta. Nova pergunta: — Mario Rodrigues
– E Mário
esta? Também
Filho está? Tambern não
nao (...) Vejo os passos que vãoVao até
ate a sala da frente. É
E
empurrada a porta de vaivém.
vaivem. Ninguém lá. la. Os passos voltam”.
voltarn”. (Idem,
(Idem, ibidem)

72 — Entre tragédias e sensações


Na sua memória,
memoria, tal como na notícia
noticia publicada pelo jornal no dia seguinte ao
figuram as sensações.
crime, figuram sensacoes. Quem pede ée a voz. Quem vai em frente são
sao os passos.

“A voz pede (e há
“A ha um vago sorriso): —
– O senhor podia me dar um mo-
mo—
atencao? Roberto está
mento de atenção? esta do outro lado da mesa, sentado. Ergue-se:
— nao. Enquanto ele faz a volta passando por mim e por Sebastião,
– Pois não. Sebastiao, os
passos vão
Vao na frente. Entram pela porta de vaivém.
vaiVem. Roberto entra em segui-
segui—
da. Ele tinha 23 anos”.
anos”. (Idem,
(Idem, ibidem)

Na descrição
descricao noticiosa interessa pontuar a gentileza da vítima
Vitima (o “gentleman”
“gentleman”
carater, detalhes como a informação
Roberto), o seu caráter, informacao que passaram a uma sala reserva-
solicitacao da criminosa, tornando-o,
da por solicitação tornando—o, a partir desta composição
composicao textual, perso-
nagem reconhecido pelo publico.
público. Na descrição
descricao memorável
memoravel do escritor sobressai a
emoção.
emocao.

“Enquanto Roberto caminhava para a sala, eu me dirigia para a escada. Ia


“Enquanto
cafe, na esquina da Rua do Carmo com Sete de Setembro. La
ao café, nao
Lá dentro, não
houve tempo para uma palavra. Roberto levou o tiro ao entrar. Parei com o
estampido. E veio, quase ao mesmo tempo, o0 grito. Nao Não apenas o grito do
ferido, mas o grito de quem morre. Nao
Não era a dor, era a morte. Ele sabia que
sabia”. (Idem,
ia morrer, eu também sabia”. (Idem, ibidem)

dialogo imaginado na notícia


Os detalhes da cena desaparecem. O diálogo noticia publicada no
1929 —
dia 27 de dezembro de 1929 razao do crime —
– que revela a razão nao mais existe. Eles
– não
ficaram nas leituras realizadas e na memória
ficaram memoria do publico, nao na do cronista. As suas
público, não
lembrancas retêm
lembranças retém traços
tracos que dizem respeito àa ação
acao individual. É
E a narrativa de seus
passos, em contraposição
contraposicao a dos passos de seu proprio irmao.
próprio irmão.

“Todos corremos. Na frente, de revólver


“Todos revolver na mão,
mao, ia o detetive Garcia.
Atras, Sebastiao, eu me lembro, agora me lembro —
Atrás, Sebastião, – um bom crioulo, o Quintino,
Vi: —
cego de um olho. Eis o que vi: caira de joelhos,
– Roberto caíra joelhos, crispava as duas
maos na mão
mãos mao que o ferira. O detetive apontava o revólver.
revolver. A voz estava dizen-
dizen—
do: — Mario Rodrigues ou um dos filhos.
– Vim matar Mário filhos. Simplicidade, doçura.
docura.
Mario Rodrigues ou um dos filhos”.
Matar Mário filhos”. (Idem,
(Idem, ibidem)

A frase, que revela o ato cruel proferido pela vilã,


vila, figura
figura nas duas narrativas: na
cronica de Nelson Rodrigues e na notícia
crônica noticia publicada em 27 de dezembro. No jornal
jornal
Vir ée substituído
apenas o verbo vir substituido pelo verbo querer: “Eu
“Eu queria matar Mário
Mario Rodrigues
filhos.”
ou um de seus filhos.”
A intencionalidade da criminosa ée reforçada
reforcada na notícia,
noticia, construindo uma imagem-
imagem—
lembranca em que se prioriza a crueldade. No jornal, a frase aparece várias
lembrança Varias vezes. Ao

História Cultural da Imprensa — 73


subj ugada, segundo Crítica,
ser subjugada, Critica, a criminosa declara mais uma vez: “Nada
“Nada mais quero
Mario Rodrigues ou um
fazer. Eu queria matar Mário urn de seus filhos.”
filhos.”
memoria ée um trabalho do presente e que os textos produzem
Considerando que a memória
significaeoes para os leitores que enxergam
significações enxergarn essas narrativas como redes de textos,
noticia que relata a tragedia
formando unidades de sentido, a notícia tragédia que se abateu sobre a
familia Rodrigues é uma espécie
família espe’cie de metáfora
metafora que destaca
destaea a ideia de crise. A tragedia
tragédia
proporeoes
dos Rodrigues assume proporções gigantescas, transformando—se
transformando-se numa espécie de
Apocalipse. Além
Ale’rn da morte, o céu
ceu ou
on o inferno e o mundo nas mãos
maos de sobreviventes
esgotados.
ordern anterior parece uma ação
Restaurar a ordem aoao débil,
de’bil, diante do terror que torna
toma conta
de tudo e de todos. A crise instaura o tempo da eternidade, um simulacro de um pre— pre-
sente que se eterniza de tal forma que subsistem — memo—
– ainda que sob a forma de ato memo-
ravel —
rável imagens—lembraneas de Nelson Rodrigues, mais de tres
– nas imagens-lembranças três décadas depois.
As sensações
sensaeoes que ecoaram da redação
redaeao de Crítica
Crz’tica colocam na cena
eena um
urn fim
fim que está
esta
121 e lá
lá la ficará.
ficara. O leitor, nesse jogo de espelhos, irá
ira dissolver a intriga, construindo o
0
final da obra. Ou
final Cu o
0 término
termino se dará
dara em 24 de outubro de 1930,
1930, quando Crítica
Critica publiea
publica
filtimo número,
seu último nfimero, ou trinta anos mais tarde, quando, a partir da memória
memoria de Nelson
Rodrigues, um urn novo fecho
feeho será
sera dado àquela
aquela trama. Roberto Rodrigues encerra um urn
capitulo de uma história
capítulo historia na qual as sensações
sensaeoes davam a senha da construção
construeao de um
mundo como texto.

74 — Entre tragédias e sensações


Vestigios memoráveis:
III. Vestígios memoraveis:
histéria (1920-1930)
Construindo identidade e história

“Artur Bernardes era um homem extrema-


“Artur
mente impopular no Rio de Janeiro e tornou—se
tornou-se
Eu
extremamente impopular no Brasil inteiro. @
era garoto, nessa época, minha opinião
opiniao não
nao ti-
nha a menor importância,
importaneia, só tem sentido aqui,
so tern agui,
porque se trata de um depoimento. Eu era mui-
porgue
to contra ele, porque era essa coisa de opressão
opressao
e tal. Ele governou quatro anos sob estado de
sítio.
sitio. Já
Ja tendo a Lei de Imprensa,
lmprensa, ele governou
quatro anos sob estado de sítio.
sitio. Bernardes era
um
urn homem de espírito
espirito autoritário”.
autoritario”. (Depoimen-
to de Leite Filho, Barreto a Gilberto Negreiros.
In: “Os
“Os Jornalistas Contam a Historia”.
História”. Folha
de S.
S. Paulo. Grifos nossos)

A memória
memoria dos jornalistas constrói
constroi um
urn mundo particular da profissao
profissão e particula-
funeao específica
riza a função especifica do ato de lembrar que vale pela sua significação
significaoao futura e não
nao
pelo lugar que ocupa no momento da lembrança.
lembranea. A memória
memoria de Barreto Leite Pinto na
de’cada de 1920
década 1920 só
so tem importância
importancia pela história
historia que trilhou como
corno jornalista. E
É desse
lugar que ele produz um
urn depoimento validado para a história.
historia.
Barreto Leite Filho inicia sua carreira como jornalista, com
corn apenas 16
16 anos, em
1923, no jornal A Notz'cia,
1923, “Assisténcia Pública”,
Notícia, como setorista da “Assistência Pfiblica”, como era chama-
chama—
entao o pronto-socorro
do então pronto—socorro do Hospital Souza Aguiar. Nas suas memórias
memorias relembra
final dos anos 1920,
que, no final 1920, quando ja
já se estruturam os primeiros conglomerados de
imprensa no Rio de Janeiro, os jornais são
sao ainda extremamente dependentes dos sub-
sidios oficiais
sídios oficiais do governo federal.

História Cultural da Imprensa — 75


Duas tipologias de jornais circulam na cidade: uma imprensa ainda de caráter carater
caraeterizada por suas baixas tiragens e, sobretudo, por ser proj
artesanal, caracterizada eto executa-
projeto executa—
do normalmente por entusiastas na “arte”
“arte” de fazer jornal e uma imprensa
imprensajajá estruturada
em moldes empresariais, processo que se inicia — eomo vimos
– como Vimos anteriormente — – na
Virada do século
virada seculo XIX para o XX.
A rigor, as contradições
contradieoes entre estes dois tipos de jornalismo se acentuam
acentuarn no decor-
decada
rer da década com a fundaoao
fundação daquele que seria o veioulo
veículo principal do primeiro con-
glomerado de imprensa. A compra do O 0 Jornal — – fundado por Renato Toledo Lopes e
um grupo de jornalistas que abandona o Jornal do Commercio por divergência
divergeneia com
corn o
0
entao secretário
então secretario de redação
redaeao Felix Pacheco
Pacheco16 —
16
– por Assis Chateaubriand, em 1925, 1925,
consolidaeao do poder de Chateaubriand frente àa sociedade
inaugura o movimento de consolidação
politica, em função
política, funeao do prestígio
prestigio que vai adquirindo como uma espécie
espe’cie de Barão
Barao da
Irnprensa.
Imprensa. Mas inaugura, sobretudo, urn
um novo periodo
período nesta irnprensa:
imprensa: a da criaeao de
criação
midia.
grandes grupos de mídia.
O titulo
título do jornal é uma espécie
espe’cie de provocaoao
provocação ao tradicional Jornal do Commercio,
construida na cidade ée’ de tal ordem que ninguém
cuja identidade construída ningue’m preeisa
precisa partieulariza—
particularizá-
lo. Basta pedir “O“O Jornal”
Jornal” para que todos saibam que se trata do Jornal do Commercio.
Escrito em linguagem rebuscada, o agora novo O 0 Jornal adquire certo
oerto prestigio
prestígio entre
as elites, mesmo que nuncanunea tenha atingido — ate a sua compra por Chateaubriand —
– até –
tiragens expressivas.

“Lembro-me que o Chatô


“Lembro-me Chato no dia em que tomou conta de O0 Jornal, tinha
no bolso 20 cruzeiros e a camisa que vestia estava com a manga rasgada no
punho àa axila. Ele conservou quase toda a redação
redaeao aumentando-a com os
articulistas Saboia de Medeiros e Antonio Leal, entregando a gerência
gerenoia a
Argemiro Bulcão”.
Bulcao”. (Hora, 1959:33)
1959233)

As peripe’eias
peripécias realizadas por Assis Chateaubriand para conseguir a soma pedida
por Toledo Lopes para comprar o jornal tambe’m sao descritas em outras memórias
também são memorias de
e’poca. Alguns afirmam
época. afirmam que parte do dinheiro fora o resultado do pagarnento
pagamento recebido
pelo trabalho realizado para o poderoso empresário
empresario norte-americano Percival Farquhar.
oonseguiu o dinheiro das mãos
Outros que conseguiu maos do agiota mais célebre
celebre da cidade, o conde
Modesto Leal.

“3 Comentava-se
16
Comentava—se na cidade que Renato Toledo Lopes era testa-de-ferro
testa—de—ferro de Pandiá
Pandia Calógeras,
Calégeras, Arrojado Lis-
Lis—
boa e Píres
Pires do Rio, os verdadeiros donos de O
0 Jornal.
Jornal. Como em 1920 nãonao precisavam mais do empreendi-
empreendi—
mento, fundado para defesa de seus interesses em torno da questão
questao siderúrgica,
siderurgica, venderam-no a Renato
Toledo Lopes que, no ano seguinte, o vendeu a Assis Chateaubriand.

76 — Vestígios memoráveis
aproxima—se das cercanias do
Desde que chega ao Rio de Janeiro, Chateaubriand aproxima-se
poder. É
E convidado
conVidado por Nilo Peçanha,
Pecanha, então
entao chanceler, para ser consultor do Ministe’rio
Ministério
do Exterior e por Alexandre Mackenzie para advogado da Light and Power. E essas
relacoes farão
relações farao dos veículos
veiculos de comunicação,
comunicacao, criados na esteira de O
0 Jamal
Jornal e formando
Viria a ser os Didrios
o que viria Diários Associados, um verdadeiro Estado dentro do Estado.

“As oito da manhã


“Às manha de 30 de outubro de 1924,
1924, Assis Chateaubriand atra-
Vessou as oficinas
vessou oficinas instaladas no térreo
te’rreo do pequeno prédio de quatro andares
da rua Rodrigo Silva, subiu o primeiro lance de escadas, passou sem cumpri-
cumpri—
ninguem pela redação
mentar ninguém redacao no primeiro andar, subiu a pe’
pé mais dois pavi-
ate então
mentos e sentou-se na cadeira que até entao pertencia a Renato Toledo Lopes.
Aos 32 anos, ele realizava o sonho de ser dono de um jornal. comecava a
jornal. E começava
sonhar mais alto ainda: aquele seria apenas o primeiro de uma coletânea
coletanea de
diarios que ia gerar filhotes
diários filhotes por todos os cantos do pais.” 1994: 140)
país.” (Morais, 1994:140)

Chateaubriand inicia o seu império

Assim que assume a direção


direcao de O
0 Jamal, serie de
Jornal, Chateaubriand empreende uma série
mudancas: além
mudanças: ale’m da ampliação
ampliacao do número
numero de paginas, inclusao de textos de colabo-
páginas, da inclusão
radores de renome, como Afranio
Afrânio Peixoto, Virgilio de Melo Franco, entre outros,
passa a comprar artigos exclusivos do New York American Syndicate, para assim
imprimir ao periodico e’poca se chama “um
periódico o que na época “um estilo cosmopolita”.
cosmopolita”.
Em menos de um ano, dobra o seu faturamento com publicidade. Anuncios
Anúncios da
Companhia Antarctica Paulista, da General Motors, da Sul America
América de Seguros, de
Varias casas bancárias,
várias bancarias, de distribuidoras de combustíveis
combustiveis e, principalmente, de labo-
ratorios de remédios
ratórios remedios tomam várias
Varias das 20 páginas
paginas da publicacao.
publicação.
solucao adotada para tornar o jornal mais ágil
Uma solução agil do ponto de vista
Vista gráfico
grafico ée o
numero de paginas,
aumento de seu número dividindo—o em dois cadernos, sendo o segundo
páginas, dividindo-o
1925, o segundo caderno ée impresso
frequentemente impresso a cores. Em abril de 1925,
oficinas do La Nation, em Buenos Aires, em rotogravura, tecnica
nas oficinas técnica ainda incipiente
no jornalismo brasileiro.
A política,
politica, através
atrave’s das campanhas periodicas
periódicas que realiza, é o grande assunto. As
tambem. Seus repórteres
grandes reportagens também. reporteres seguem os passos da Coluna Prestes,
romantico e aventureiro do “famoso
exagerando nas tintas descritivas o lado romântico “famoso capitão
capitao
gaucho”. As retaliações
gaúcho”. retaliacoes não
nao tardam. Lidas obrigatoriamente pelos censores, durante o
sitio vigente
estado de sítio Vigente no governo de Artur Bernardes, muitas dessas reportagens sóso
sao liberadas um mês
são mes depois de escritas.

História Cultural da Imprensa — 77


“O ministro da Justiça,
“O Justioa, que tanto se preocupa em censurar, nãonao devia
deVia
ignominia dessa comparação.
permitir a ignomínia comparaoao. Lampião
Lampiao ée’ um bandido, um saltea-
saltea—
miseravel que assassina para roubar, um
dor vulgar, um miserável urn degenerado que se
fim de dilapidar os bens e tirar a vida
fez cangaceiro a fim Vida de seus semelhantes.
capitao Prestes ée’ um revolucionário,
O capitão revolucionario, e, enquanto não
nao for julgado por um urn
juiz civil ou um
urn conselho de guerra, faz parte do Exército
Exe’rcito brasileiro. O raid
capitao Prestes valerá
do capitão valera pela tenacidade e pelo arrojo do soldado-menino
soldado—menino
de 26 anos, bravo, ardente, pugnaz, como decerto o Brasil nunca tinha visto Visto
comparavel”. (O
nada comparável”. (0 Jamal, 1994:150)
Jornal, apud Morais, 1994:150)

Arthur Bernardes decreta o estado de sítio


sitio em 5 de julho de 1924,
1924, estabelecendo
corn ele a censura àa imprensa.
com

“Durante o governo Bernardes havia


“Durante haVia uma diferença
diferenea entre a imprensa de
entao e a imprensa de hoje. Ele foi o primeiro que proibiu a fórmula
então formula clássica,
classica,
isto é, o jornal deixava em branco toda linha ou paragrafo
parágrafo censurado, o que
alertava o leitor quanto àa censura. Nao
Não sei se a ideia partiu dele ou do chefe
Chefe
Policia, Marechal Fontoura, mas acontece que o jornal era obrigado a
da Polícia,
espaeo vazio para não
compor o espaço nao dar ao leitor a impressão
impressao de que fora censu-
censu—
rado”.
rado”. (Depoimento de Peixoto, Armando Ferreira. In: Memo’ria
Memória da ABI)

Adotando a defesa do capital estrangeiro e o antinacionalismo, Chateaubriand se


mante’rn na oposição
mantém oposioao até
ate a Revolução
Revoluoao de 1930.
1930. Nesse periodo, rnodo geral, todos os
período, de modo
movimentos contra o governo sãosao apoiados por ele. Essa posioao
posição fez o jornal aproxi-
mar—se do movimento tenentista. No final
mar-se final do governo de Washington Luís,Luis, apoia a
formaeao da Alianea
formação (DHBBz2863).
Aliança Liberal (DHBB:2863).
Segundo depoimento de Austregesilo
Austregésilo de Ataide CPDOC—FGV, Getúlio
Ataíde ao CPDOC-FGV, Getulio Vargas,
quando candidato àa Presidência
Presidénoia da República
Republica pela Alianea
Aliança Liberal, ia frequentemente
ao jornal conspirar
oonspirar com
corn Chateaubriand contra Washington Luís. Luis. Assim, O0 Jamal, ern
Jornal, em
julho de 1930,
1930, acusa o governo federal de ser responsável
responsavel pelo assassinato de João
Joao
Pessoa, candidato àa vice-presidência
Vice—presidencia da República
Republica na chapa de Getúlio.
Getulio. E, em outu-
outu—
bro do mesmo ano, dá (121 total apoio àa Revolução
Revoluoao de 1930
193017
17
(DHBBz2863).
(DHBB:2863).

17 O Jornal
17
Jorna/ mudaria de posição
posigao logo depois da instalação
instalagao do Governo Provisório
Provisério de Getúlio
Getulio Vargas.
Vargas. Apoia a
Revolugao Constitucionalista de São
Revolução Séo Paulo, em 1932,
1932, o que custou a Chateaubriand o confisco da sede do
jornal e de seu maquinário
maquinério e o exílio
exilio de Chateaubriand (na sede do jornal passa a ser impresso o periódico
periédico
governista A Nação).
Nagao). Chateaubriand sóso volta em 1933,
1933, quando consegue reaver seu jornal passando a dire-
ção
gao geral do órgão
Orgao ao seu sogro Zózimo
Zézimo Barroso do Amaral.
Amaral. Apés
Após o golpe de 10 de novembro de 1937,
1937, que
instaura o Estado Novo, O Jornal
Jorna/ passa a sofrer rigoroso controle do governo.
governo. Este momento e os 03 outros
subsequentes, até
ate o
0 fechamento do jornal,
jornal, em abril de 1974, em consequência
consequéncia das péssimas condições
condigoes
financeiras em que se encontra,
encontra, serão
serao retomados nos próximos
préximos capítulos.
capitulos.

78 — Vestígios memoráveis
Passado mítico
mitico

vestigios memoráveis
Os vestígios rnernoraveis dos jornalistas que se iniciaram
inioiaram na profissao
profissão no periodo
período
imediatamente anterior ao Estado Novo compõem
compoem não nao só
so um
urn perfil
perfil particular daquele
Viria a ser um
que viria urn dos mais importantes magnatas da imprensa no século seculo XX, como
tarnbern fundarn uma espécie
também fundam espeeie de passado mítico
mitico da profissao.
profissão. Instauram um urn momento
ingressarn no mundo do jornalismo, caracterizando os jornalis—
fundador para os que ingressam jornalis-
tas como detentores da missão
missao para a qual não
nao ée possivel sacrifieios, ao mesmo
possível medir sacrifícios,
tempo em que se destacam pelo combate. “Nessa“Nessa época,
e’poca, jornalista e conspirador eram
erarn
coisa”, afirma
na verdade a mesma coisa”, afirrna Barreto Leite Pinto (Memória
(Memo’ria da ABI). Nas suas
Vao construindo, a posteriori,
falas vão posteriori, a imagem distintiva da profissao.
profissão. Uma distinção
distineao
conseguida pela função
funeao primordial atribuída
atribuida pelos jornalistas como
eomo grupo no seu dis-
memoravel.
curso memorável.
Particularizando uma identidade especial —– a de ser detentor da informação
informaoao e
definidor das manobras politieas
definidor epooa —
políticas do Brasil da época – os jornalistas destacam,
destaeam, como
memoria do grupo, sobretudo, a ideia de sacrifício
memória sacrifieio e missão.
missao.

“Jornal ée’ vocação,


“Jornal vocaeao, ée amor; na década
de’cada de 20 se caracterizava, sobretudo,
porque a imprensa era feita com corn amor (...). Mas voltando a esse amor pelo
jornal, não
nao havia
haVia hora de sair. Se houvesse umurn acontecimento,
aconteeirnento, nós
nos ficávamos
ficavamos
solidarios com o secretário,
solidários secretario, que não
nao precisava nos fazer apelos. Nao haVia
Não havia
nada disso, nem livro de ponto; era o0 orgulho, a satisfação
satisfaeao de servir,
serVir, de furar
urn companheiro,
um oompanheiro, ou melhor, furar o outro jornal”.
jornal”. (Depoimento de Cotrim
Neto, Alvaro.
Álvaro. In: Memo’ria
Memória da AB!)
ABI)

Dai ser possível


Daí possivel trabalhar sem remuneração.
remuneraeao. Daí
Dai tambe’m
também ser naturalizado o fato
de trabalharem mais de 1212 horas por dia...

“Quanto ao horário
“Quanto horario de trabalho diário,
diario, posso dizer que só
so havia
haVia um
urn dia do
ern que os prelos não
ano em nao gemiam; era na teroa
terça feira de carnaval. Nem Natal
ou Semana Santa. No jornal se trabalhava todo dia, domingo. Mas ninguémninguern
tinha ponto, todo mundo,
rnundo, em geral, respeitava seu horário,
horario, levava sua maqui-
máqui-
fieava dentro da redação.
na e ficava redaeao. Havia
HaVia uma boa convivência
conViVéncia nas redações
redaooes com
pequenas divergências
divergencias de alguns perversos que criavam certas desavenças.
desavenoas.
Mas tudo isso era compensado pela maioria”.
maioria”. (Depoimento de Perdigão,
Perdigao, José
Jose’
Maria dos Reis. In: Memo’ria
Memória da AB!)
ABI)

A mítica
mitica do amor verdadeiro àa profissao vooaoao, o que impõem
profissão e da vocação, impoem necessaria-
sacrifieios, atravessam primeiramente a sociedade, para depois se constituírem
mente sacrifícios, constituirern
corno memória
como memoria do grupo. Só Sc') porque existe
eXiste um
urn certo enlevo por aqueles que, mais do

História Cultural da Imprensa — 79


que uma profissao,
profissão, tem missao política
têm uma missão politica e social, ée que para o grupo se torna
existéncia dessa premissa na construção
fundamental a existência construcao de seu passado. A memoria
memória de
um certo passado comum atravessa primeiramente a sociedade, para depois aparecer
consciéncia do grupo e se transformar em discurso uno em torno dos ideais da
na consciência
profissao. E são
profissão. 350 esses restos do passado que constroem a memória
memoria coletiva dos jorna-
jorna-
listas no momento em que eles sãosao instados a falar como grupo.

“A gente desanima muito, os jornais deixaram de ser aquilo que eram, um


“A
conjunto de pessoas que vibravam
Vibravam dentro da mesma ideia. Hoje não nao ée’ isso.
Antigamente ninguém
ningue’m podia pensar em horário
horario de jornal porque o sujeito
suj eito vivia
ViVia
dentro do jornal, porque ele queria e só
56 saía
saia dali depois que as colunas roda—
roda-
vam”. (Depoimento de Perdigão,
vam”. Perdigao, José
Jose Maria dos Reis. In: Memo’ria
Memória da ABI)

Esse tipo de fala que arquiteta o passado como sendo em muito superior ao tempo
glorias e virtudes,
presente, instaurando um momento de glórias Virtudes, em contraposição
contraposicao a um presente
onde todos os valores existentes anteriormente se perderam, repete-se
repete—se com frequência
frequencia na
mitica do mundo do jomalismo.
mítica jornalismo. Assim, o jomalismo
jornalismo feito no passado ée sempre construído
construido
haVia a vibração,
como sendo de outra ordem: antes havia Vibracao, o amor verdadeiro àa profissao,
profissão, o que
nao houvesse pressa em deixar o
fazia com que não 0 local de trabalho e ninguém
ninguem pensasse em
horario. O jomalista,
horário. mitificacao construída
jornalista, na mitificação construida como discurso memorável,
memoravel, queria ver o 0
produto de seu trabalho pronto, não
nao se importando com a hora de deixar o jomal.
jornal. Agora,
memoravel do jomalista
no discurso memorável jornalista que relembra o passado, tudo ée diferente.
individuos, ao se perceberem (ou ao se imaginarem, como diz Benedict
Os indivíduos,
Anderson) como membros de um grupo, produzem diversos tipos de representação
representacao
historia e natureza neste grupo. E uma das marcas mais recorren-
quanto a sua origem, história
tes no discurso dos jornalistas, ao lado da idealização
idealizacao da profissao
profissão como lugar de
sacrificios, ée’ a construção
sacrifícios, construcao de um dado ideal de modernidade. A cada décadade’cada uma nova
modernidade ée construída.
construida. Assim, também
tambe'm nos anos 1920,
1920, um novo movimento no
sentido de mudar e atualizar a profissao
profissão ée forjado
forj ado na memória
memoria do grupo. Ao conside-
modernizacao como espécie
rar a modernização espe’cie de palavra de ordem, utilizam-na
utilizam—na tambem
também como
signo da identidade do grupo, ainda que essa fosse sempre de responsabilidade de
profissionais claramente identificados.
profissionais identificados. São
$510 os
03 grandes nomes do jornalismo que, na
memoria do grupo, promovem as revoluções
memória revolucoes periodicas
periódicas da imprensa. E não
nao seria dife-
dife—
relacao àa memória
rente em relação memoria forjada
forj ada para a década de 1920.
1920.

“O Chateaubriand transformou O Jornal em um órgão


“O orgao austero, indepen-
indepen—
nivel, que tinha os melhores colaboradores, inclusive es-
dente, do mais alto nível,
duVida, no Rio, a
trangeiros. (...) Foi o Chateaubriand que introduziu, sem dúvida,
separacao completa entre informação
separação informacao e comentário.
comentario. A opinião
opiniao era emitida em

80 — Vestígios memoráveis
maximo. Ele lia toda matéria
editoriais, em artigos dele ou em cartas no máximo. mate’ria im-
portante do jornal e se houvesse alguma que ele não
nao aprovasse como objetivi-
obj etiVi—
dade, chamava o jornalista responsável
responsavel e passava uma reclamação”.
reelamaeao”. (Depoi-
mento de Pinto, Barreto Leite. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

Se para Barreto Leite Pinto, o ato solitário


solitario de Chateaubriand cria
eria o mundo do
jornalismo objetivo,
obj etivo, para outros, teria sido Irineu Marinho o grande nome da década
ao construir um jornalismo preocupado com a informação.
informaeao.

“A imprensa naquela época


“A epoea era por essência
esséneia informativa, havia
haVia notieias
notícias
nao tinhajornais
sobre todos os assuntos. Era muito raro, ou mesmo, não enfoeando
tinha jornais enfocando
apenas um assunto. A Noite primava por sua espetacular cobertura de repor-
tagens nos mais diversos assuntos, publicando notícias
notieias de todas as partes do
mundo e do Brasil. O 0 Irineu nunea
nunca teve a postura vangloriar—se pela vitória
de vangloriar-se Vitoria
de seu jornal, foi simplesmente um grande jornalista”.
j ornalista”. (Depoimento de Cas-
tro, Luiz Werneck de. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

Como a identidade só so pode ser formulada na relação


relaeao do sujeito com o outro, a
partir de diferenças
difereneas reais ou inventadas, se formando sempre em relação
relaeao (alteridade),
na qual desempenha papel fundamental a tradueao Via formulação
tradução desse lugar via formulaeao discursiva
diseursiva
memoravel, os jornalistas, ao falarem de si mesmos como grupo, instauram signos
e memorável,
relaeao a diversos outros. É
distintivos em relação E a memória
memoria como
eomo lugar de produeao
produção de
discursos que funda as partieularidades
particularidades desse lugar de pertencimento.
A presenea
presença do passado no presente é muito mais complexa e menos explícitaexplicita do
supoe. Assim, é importante distinguir entre competência
que se supõe. competéneia e performance
performance
memorial. Nesse sentido, a recorrência
reeorréncia das lembranças
lembraneas dos jornalistas,
jornalistas, como grupo,
nao se confunde com as lembranças
não lembraneas que possuem do passado, sendo apenas a memó- memo—
eomo lembrança
ria como lembranea manifesta de um dado momento desse passado que constrói, constroi, no
presente, a idealização
idealizaeao fundamental para o grupo. Existe uma politica memoria,
política da memória,
fornecendo elementos essenciais para os jornalistas, como
eomo grupo, construírem
eonstruirem a im-
im—
portancia profissao, a característica
portância da profissão, earacteristiea de visionários
Visionarios de alguns, de homens além de
seu tempo.
memoraveis dos jornalistas como grupo ée’
Outro aspecto recorrente nas narrativas memoráveis
o0 da valorização
valorizaeao da informação.
informaeao. Em todas as falas, a separação
separaeao entre o mundo da
opiniao e o mundo da informação
opinião informaeao vai construindo o ideal de objetividade
obj etiVidade como valor
imprescindivel para a notícia
imprescindível noticia e, sobretudo, como
eomo aspecto fundamental da profissao.
profissão.
mitiea da imparcialidade,
Com isso, instauram a mítica impareialidade, indispensável
indispensavel para quem quer se
eomo tradutor do mundo para o publico.
afirmar como funeao disso, aquinhoar maior
público. E, em função
poder simbólico.
simbolico.

História Cultural da Imprensa — 81


Paralelamente a este trabalho da memória,
memoria, constrói-se
constroi-se a imagem dos jornalistas
unico grupo, ganhando, portanto, uma identidade particular, que se de-
formando um único
fine não
fine nao apenas pela inclusão,
inclusao, mas, sobretudo, pela distinção
distincao entre aqueles que eram
jornalistas e todos os outros que não
nao estavam incluídos
incluidos nesta categoria.
A identidade social pode incluir ou excluir um indivíduo
individuo ou os grupos uns dos
nos e eles e que está
outros, sendo uma categoria que modula a alteridade entre nós esta inva-
diferenca cultural. Mas a identidade social ée sempre
riavelmente presente na diferença
homogénea e uniforme, porque é a pratica
multilocalizada. Ela aparece de forma homogênea me—
prática me-
moravel que permite ultrapassar o registro individual, formulando coletivamente o
morável
que é ser jornalista nesse passado mítico.
mitico. Na pratica, nao havia
prática, não haVia nem a uniformidade
pretendida, nem o sentimento de presente comum.
A memória
memoria funciona, pois, como uma espécie
espe’cie de lugar de nutrição
nutricao da identidade,
conformando—a, negociando o que cada um deve fazer e lembrar em relação
conformando-a, relacao ao seu
1996). A identidade pode ser definida
passado (Muxel, 1996). definida como consciência
consciéncia da continui-
continui—
Vida, mesmo com mudanças,
dade da vida, mudancas, crises e rupturas. A identidade está,
esta, pois, enraizada
memoria.
como um processo de memória.
memoria pode ser considerada como presenca
Se memória Viva e ativa dos sujeitos que
presença viva
tracos materiais, mas tambe’m
produzem falas como resultados de traços também como materialidade
de seus lugares de pertencimento, podemos dizer que a memória
memoria ée generativa da iden-
iden—
tidade, ao mesmo tempo em que a identidade ée memória
memoria em ato.
Assim, a identidade do jornalista da década
decada de 1920,
1920, construída
construida pelo registro me-
moravel do grupo, vai moldando algumas premissas da profissao
morável serao funda-
profissão que serão
definicao do ser jornalista, não
mentais na definição nao no passado, mas no futuro. A mitica
mítica da
vocacao, do amor à21 profissão,
vocação, profissao, dos sacrifícios
sacrificios impostos, da necessidade de informar
isencao e longe dos arroubos politicos
com isenção momentaneos, ao mesmo tempo em que
políticos momentâneos,
missao ter claro papel politico,
cabia como missão político, tudo isso formula um lugar de fala no
mundo do jornalismo que ultrapassa em muito os limites de uma década.
de’cada.
fica patente também
Por outro lado, fica tambem a construção
construcao mitológica
mitologica do tempo de antes.
Na memória
memoria do grupo, apenas no passado havia
haVia o verdadeiro jornalismo, distante do
profissionalismo, e cultuado como momento em que os afetos determinavam o grau
profissionalismo,
aderencia àquele
de aderência aquele mundo. Considerando a natureza dialógica
dialogica da memória,
memoria, no senti-
senti—
correlacao com o outro e com o tempo, isto é, com o
do de estabelecer uma correlação 0 par pre—
pre-
senca/ausencia, ée’ a ausência
sença/ausência, ausencia do cotidiano da profissao mitica do passa-
profissão que instaura a mítica
Verdadeiro. Apartados do dia-a-dia
do verdadeiro. dia—a—dia da profissao,
profissão, os jornalistas,
jornalistas, no seu trabalho
memoravel, constroem a presenca
memorável, presença — – o mundo do jornalismo — – a partir da ausência
auséncia
desse mesmo mundo. Assim, o tempo de antes é o mundo do verdadeiro jornalismo,
onde o que existe ée’ o amor àa profissao, sacrificios cultuados, num momento em que
profissão, os sacrifícios

82 — Vestígios memoráveis
imprcnsa possuia
a imprensa importancia singular: mostrar para o publico
possuía uma importância urn mundo em
público um cm
constante
constantc mutação.
rnutacao.

A memória
memoria do grupo constrói-se
constroi—sc como memória
memoria coletiva na medida em que ela é
partilhada em uma vivência
ViVéncia em comum. E, como tal, modula mitos coletivos a partir
dc histórias
de historias particularcs Vida. Falando de
particulares de vida. dc um
urn passado comum, fornecem
forneccm a ilusão
ilusao de
dc
torna-lo
torná-lo presente. Nesse sentido, a memória
memoria do grupo é dividida
diVidida por outros que
Vivcram experiéncias scmelhantes, tornando—sc evocacao, lembrança
viveram experiências semelhantes, tornando-se evocação, lembranca de
dc aconteci-
aconteci—
ViVidos como se
mentos vividos sc fossem coletivos,
colctivos, testcrnunhos, interpretacao
testemunhos, escolhas, interpretação
dessc passado, mas também um saber particular. Arnemoria
instrumentalizada desse A memória indivi-
dc cada um
dual de urn dos jornalistas que lembrou aqueles longínquos
longinquos 1920
1920 forja a memó-
memo—
ria dos jornalistas que conservam,
conscrvam, pela lembrança,
lembranca, um passado em comum
comum”. 18
.
lembranca se reconstrói
Para Halbwachs (1990), a lembrança reconstroi sempre a partir do presente ec é6':
o grupo ao qual pertencc individuo que fornece a ele meios de
pertence o indivíduo dc reconstruir o passado
(as palavras que exprimem
exprimcm a lembrança,
lembranca, as convenções,
convcncocs, os espaços,
espacos, as durações
duracoes que
dao ao passado sua significação).
dão significacao). A seletividade da memória
memoria nada mais é do que a
capacidadc de
capacidade dc ordenar e dar sentido ao passado, em
ern função
funcao das representações,
representacoes, visões
Visoes
dc mundo, símbolos
de simbolos ou noções
nocoes que pcrmitem
permitem aos grupos sociais pcnsar
pensar o prescnte.
presente.

Uma história
historia memorável
memoravel

scntido ao passado, os jornalistas que faziam das redações


Dando sentido redacoes meio de
dc distin-
distin—
9510 e de sustento constroem
ção constrocm uma particular caracterização
caracterizacao dos jornais do Rio de
dc Ja-
Ja—
daqucle final
neiro daquele final dos anos 1920.
1920. De um
urn lado, a imprensa que sobrevive
sobrevivc graças
gracas aos
subsidios do governo oficial
subsídios oficial e,
6, de
dc outro, aqueles
aquelcs que forjam sua autoidentidade na
estcira da propalada independência
esteira independéncia politica.
política.

“Naquele tempo, havia


“Naquele haVia dois tipos dedc jornais ou publicacocs
publicações no Brasil.
HaVia os jornais que viviam
Havia Viviam dos subsídios
subsidios oficiais, subsídios
subsidios do governo fe-
deral, por exemplo. O modelo desses
dcsscs jornais era O
0 Paiz, do Rio dedc Janeiro.
Janciro.
Aqui no Rio eucu poderia
podcria citar, como representantes
rcprcsentantcs mais importantes dessa
dcssa
imprensa subsidiada O Paiz, A Gazeta de dc Noticias,
Notícias, ANoticia, Candido de
A Notícia, do Cândido dc
prirnciro jornal onde eu
Campos, que foi o primeiro cu trabalhei (...) Mas os principais

18 Para Halbwachs (1990),


18
(1990), a memória
meméria é lembrança,
lembranga, resto,
resto, evocação
evocacao do passado,
passado, mas é também um saber.
saber.
E apenas na medida em que o pensamento individual existe no que ele conceitua como quadros sociais de
memória
meméria (língua,
(Iingua, tempo e espaço)
espaco) é que somos capazes de lembrar. Assim, a memória
lembrar. Assim, meméria individual se realiza
sempre num quadro social e 9 lembramos em comum com outros,
outros, formando grupos humanos que se institu-
institu—
em como tal pela conservação
conservagao de um passado em comum.

História Cultural da Imprensa — 83


jornais do governo, aqui no Rio eram: O Paiz, A Gazeta de Noticias
Notícias e A
Noticia, nao me lembro, francamente, de mais nenhum”.
Notícia, e não nenhum”. (Depoimento de
Peixoto, Armando Ferreira. In: Mema’ria
Memória da AB!)
ABI)

86 no Rio de Janeiro, há
Só ha o
0 registro do aparecimento de mais de 800 periodicos
periódicos
1920. Destes apenas uma dezena atravessa a década.
naqueles anos 1920. de’cada. Os mais impor-
impor—
3510 de um lado O Paiz, o Jamal
tantes são cla Commercio,
Jornal do Cammercia, a Gazeta de Naticias,
Notícias, A Nati-
Notí-
Carreia da
cia. De outro: o Correio a’a Martha,
Manhã, o0 Jamal
Jornal do Brasil. Aparecem ainda dois outros
periodicos que terão
periódicos terao importância
importancia pela história
historia futura: O
0 Globo,
Glaba, fundado em 1925,
1925, e O
0
Jamal, Viria a ser líder
Jornal, que viria lider da cadeia dos Diários
Diarios Associados, de Assis Chateaubriand.

“Porque naquele tempo havia


“Porque haVia muito jornal provisorio,
provisório, jornais que apare-
apare—
ciam e desapareciam. Apareciam nas campanhas presidenciais, mas depois
oposieao, esses tinham os seus proprios
desapareciam. Agora, os jornais de oposição, próprios
Vida, porque esses eram jornais...
meios de vida, Manha enquanto
jornais... O Correio da Manhã
maiorjornal
existiu foi o maior comeeou a decair a partir
jornal do Rio de Janeiro. Depois, começou
epoca do Juscelino, mas isso não
da época nao tem nada que ver. De qualquer maneira
lider, em primeiro lugar. Era um jornal notável”.
foi o grande líder, notavel”. (Idem,
(Idem, ibidem)
ibia’em)

Na propria caracterizaeao dos periodicos,


própria caracterização periódicos, aparece na fala dos jornalistas a cons-
trueao de um registro memorável
trução memoravel do grupo. Os jornais que historicamente se
oposieao aparecem sempre na memória
automodularam como sendo de oposição memoria do grupo como
notaveis periodicos.
os mais importantes, adjetivados como notáveis periódicos. Assim, O 0 Paiz —– um jor—
jor-
nal nitidamente governista em todas as fases de sua existência
existéncia —
– ée referido com des-
des—
Carreia da
prezo, enquanto o eterno oposicionista Correio a’a Manha espe’cie
Manhã aparece como uma espécie
E a polêmica,
de ideal de imprensa. É polémica, o destemor, a coragem de ser opositor que faz do
Carreia da
Correio cla Martha, “o maior jornal do Rio de Janeiro”.
Manhã, reiteradamente, “o Janeiro”.
Ao lado de jornais de importância
importancia politica
política e de tiragens que ultrapassam os 40 mil
exemplares — – como ée’ o caso do Correio
Carreia da Mani/1a
Manhã —, ha aqueles de pouca expressão,
–, há expressao,
lideranea inconteste em décadas
apesar de terem exercido uma liderança decadas anteriores. Esse ée’ o caso
do Jamal
Jornal do Brasil, que no início
inicio do século
seculo atingira a cifra de 60 mil exemplares e que

“Nao tinha nenhuma expressão


“Não expressao naquele tempo. Inclusive, ée um fato curio-
curio—
so era lido por causa dos pequenos anúnci-
so este, porque o Jornal do Brasil só anfinci-
os. Nao haVia ninguém
Não havia ninguem que comprasse. Havia
HaVia umas caricaturas do Raul Pe-
saiam na primeira pagina,
derneiras, que saíam entao, dava um certo
página, então, eerto interesse,
mas, editorialmente, o Jornal do Brasil, que tinha mudado de dono, (...) de- de—
absorVido pelo conde Pereira Carneiro, por motivos financeiros.
pois foi absorvido financeiros. Mas
nao tinha nenhuma expressão,
o Jornal do Brasil não expressao, eu não
nao poderia dizer, sob
orientaeao do Jornal do Brasil, se era contra ou a favor,
tortura, qual era a orientação

84 — Vestígios memoráveis
deVia ser muito a favor; agora, o Jornal do Brasil era independente, ele
mas devia
ViVia dos seus anúncios”.
vivia anl’incios”. (Idem,
(Idem, ibidem)

aperfeiooamento e a difusão
O aperfeiçoamento difusao de novas tecnologias — incorporaeao de
– entre elas a incorporação
novos processos de impressão
impressao —, estruturaeao empresarial que inclui novos
–, ao lado de estruturação
planos de assinaturas e vendas avulsas, são
sao determinantes para o desenvolvimento da
imprensa da cidade em novos moldes. A aquisição
aquisieao de novas rotativas Man, de fabrica-
oao americana, possibilita o aparecimento
ção apareeimento de suplementos a cores, como o Suplemen-
t0 Ilustrado de A Noite, lançado
to laneado em 1929.
1929.
A chegada de novas agências
agéncias internacionais de notícias
noticias — Vao se juntar a Havas,
– que vão
seculo XIX —
que aqui estava desde o século – contribui para o novo formato dos jornais,
jornais, que
passam a destacar notícias
notieias provenientes da Europa e agora tambe’m Uni—
também dos Estados Uni-
dos. A United Press, que desde 1918
1918 presta serviços
servieos ao Estado de S.S. Paulo, passa a
noticiario tambem
fornecer noticiário também ao Jamal
Jornal do Brasil, a partir de 1922
1922 e a partir do final
final da
0 Jamal.
década ao O Jornal. No mesmo periodo
período aaAssociated escritorio no
Associated Press inaugura seu escritório
Rio de Janeiro, passando a atender inicialmente apenas ao Correio da Martha.
Manhã.

“0 periodo
“O ocorréncia do fato e sua transmissao
período entre a ocorrência transmissão para o Brasil era o0
seguinte: Nova Iorque era o0 centro irradiador do noticiário
noticiario para a América Latina.
noticiario era mandado pelo telégrafo
O noticiário tele’grafo para Buenos Aires, onde estava localizada
a United Press para a América Latina. De lá, la, então
entao o noticiário
noticiario era transmitido para
paises, entre eles o Brasil. O
outros países, 0 noticiário
noticiario vinha
Vinha tambem
também em telegrama para o
atrave’s da Western, a Pal American e da Italcabo. Os telegramas vinham
Brasil, através Vinham em
inglés”. (Depoimento de Peixoto, Armando Ferreira. In: Memo’ria
inglês”. Memória da ABI)

Nesse cenário
cenario de mutações
mutaeoes econômicas,
economicas, politicas
políticas e tecnologicas, eon-
tecnológicas, a imprensa con-
tinua dependente dos favores e favorecimentos oficiais
oficiais para garantir a sua sobrevi-
sobreVi—
Vencia. A independência
vência. independencia dos jornais existe
eXiste apenas como discurso memorável
memoravel construído
construido
pelos próprios
proprios jornalistas.

“Aquino
“Aqui ale’m de O
no Rio, além 0 Paiz, outros jornais viviam
Viviam de subsídio
subsidio do governo,
entre eles, a Gazeta de Noticias
Notícias e ANoticia. nao me lembro de qualquer outro
A Notícia. Eu não
jomal.
jornal. Naquela época
epoca surgiam alguns jornais cam—
jornais que desapareciam durante as cam-
panhas presidenciais”.
presidenciais”. (Depoimento de Leite Filho, Barreto. In: Memo’ria
Memória da AB!)
ABI)

Num cenário
cenario de transformaeoes
transformações urbanas marcantes —– o crescimento demográfico
demografico
foi da ordem de 28% e háha um aumento de 37% no número
nfimero de pre’dios domicilios da
prédios e domicílios
19782551) —
cidade (Lobo, 1978:551) – poucos jornais conseguem tiragens superiores a 10 10 mil
exemplares. Esse era o0 caso do Correio da Marthe?
Manhã e de A Noite. Dessa forma, trabalhar
nesses jornais de sucesso é uma forma de reconhecimento para os proprios
próprios jornalistas.

História Cultural da Imprensa — 85


“A Noite saía
“A saia em duas edições,
edieoes, e estou lhe falando do começo
corneeo da década
decada
de 20. Agora, o Correio da Manhã
Manha era um
urn grande jornal. O sujeito trabalhar lá
la
era uma honra. Esses jornais tinham vida
Vida propria,
própria, porque tinham grande cir-
culaoao, de modo que tinham
culação, tinharn tambe’m anfineio”. (Depoimento
também muito anúncio”. (Depoirnento de Leite
Filho, Barreto. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

diseurso memorável
Segundo o discurso memoravel dos jornalistas, esses são
350 os
OS dois jornais mais po—
po-
entao.
pulares do Rio de Janeiro de então.

“O Correio da Manhã
“O Manha devia
deVia ter, variava muito, segundo a época,
e’poea, eu não
nao
poderia jurar, mas eu tenho uma reminiscência
reminiscencia qualquer, que naquele tempo
o0 Correio da Manhã
Manha tinha uma tiragem de 40 mil exemplares, o que era, para
o0 Rio de Janeiro, uma tiragem muito grande. A Noite devia
deVia ter uma tiragem
maior, porque era um
urn jornal popular e explorava muito essa coisa
ooisa da reporta-
reporta—
gem de policia. urn grande jornal, um
polícia. Era um urn grande vespertino, tinha esplêndi-
espléndi—
dos redatores tambem
também e o Irineu Marinho era umurn grande secretário
secretario de jornal,
quer dizer, a cozinha do jornal ele fazia admiravelmente”.
admiravelmente”. (Depoimento de
Leite Filho, Barreto. In: Memo’ria
Memória da ABI)

Ainda que a inclusão


inclusao das chamadas notas sensacionais seja brevemente lembrada no
sueesso de A Noite não
depoimento, o que faz o sucesso nao é,
e’, na visão
Visao do jornalista, aproximaoao
jornalista, a aproximação
que esse tipo de conteúdo
contefido estabelece com o pfiblico.
público. O que faz de A Noite um grande
jornal ée’ o fato de possuir “esplendidos
“esplendidos redatores”
redatores” e tambe’m
também “o“o Irineu Marinho”.
Marinho”.
Assim, o jornalisrno eomo atividade
jornalismo como atiVidade depende do gênio
genio criador
eriador de alguns poucos
responsaveis diretos pelo sucesso
nomes, responsáveis sueesso da iniciativa. É
E a criatividade do jornalista
sueesso de pl’iblico.
que produz invariavelmente o sucesso Forma—se, pois, uma espécie
público. Forma-se, especie de me-
me—
moria forte do grupo em relação
mória relaeao àa caracterização
caracterizaeao dos jornais e das atividades
atiVidades jornalistieas.
jornalísticas.
E isso que explica
É expliea a repetição
repetieao sistemática
sistematica dos mesmos signos de reconhecimento.
reoonhecirnento.
(1998240) chama memória
Joel Candau (1998:40) memoria forte àa memória
memoria massiva, coerente,
ooerente, com-
com—
paeta e profunda que se impõe
pacta impoe àa maioria dos membros de um grupo. Uma memória
memoria
forte ée organizadora, sendo importante na estruturação
estruturaoao do proprio
próprio grupo e da repre-
sentaoao que faz de sua identidade.
sentação
Enquanto os jornais classificados
classifieados como independentes —A – A Noite19
Noite19 e o Correio da
Marthe?
Manhã — sao lembrados como os mais populares, aqueles que eram nitidamente go-
– são
nao têm
vernistas não tern leitores. Esse ée o caso
easo de O
0 Paiz e do Jamal
Jornal do Commercio.

19 Em função
19
fungao de desentendimentos com a direção
diregao da Gazeta de Notícias,
Noticias, onde era secretário-geral,
secretério—geral, Irineu
Marinho abandona o cargo e junto com mais 13 companheiros, funda,
funda, em 18 de junho de 1911,
1911, o jornal
A Noite (1911-1956).
(1911—1956). A Noite define-se
define—3e desde o início
inicio como jornal de oposição,
oposigao, sendo crítico
critico severo do

86 — Vestígios memoráveis
“Ate’ 30, jornal do governo não
“Até nao era lido. Por exemplo, O Paiz era uma
obra—prima de jornal erudito. Nao
obra-prima Não era muito jornalistico,
jornalístico, era mais um jornal
jornal
semiliterario; publicava longos artigos, coisas muito le-
assim, vamos dizer, semiliterário;
ves, era muito bem escrito. Hoje em dia seria um urn jornal inconcebivelmente
atrasado, mas, naquela época publicava artigos notáveis,
notaveis, nacionais e estran-
ningue’m lia. Tinha trés
geiros, mas ninguém circulacao”. (Depoi-
três mil exemplares de circulação”.
mento de Leite Pinto, Barreto. In: Memo’ria
Memória da AB!)
ABI)

Na divisão
divisao que constrói
constroi ao caracterizar as publicacoes circularn na cidade,
publicações que circulam
o jornalista apela a valores do presente para, mais uma vez, qualificar
qualificar os jornais.
literario de O
O estilo literário 0 Paiz, segundo sua visão,
Visao, é um dos fatores que inviabiliza o
seu sucesso, ao lado do ja já propalado alinhamento com o governo. Entretanto,
somente a partir dos anos 19501950 ée’ que o jornalismo diário
diario abandona — – e mesmo
assim lentamente — digressoes literárias.
– as digressões literarias. Portanto, a memória
memoria do jornalista re-
constroi o passado, a partir de um presente que materializa o distanciamento do
constrói
jornalisrno
jornalismo da literatura. A autonomização
autonomizacao do jornalismo em ern relação
relacao àa literatura
seria fundamental para a construção
construcao de seu profissionalismo
profissionalismo e6 para o seu reconhe-
corno lugar de fala específico,
cimento como especifico, mas isso só so ocorre muitas
Inuitas décadas
de’cadas depois.
memorias de época
Se as memórias e’poca servem
servern àa reflexão
reflexao sobre a construção
construcao de uma dada iden-
tidade jornalistica, sao fundamentais tambe’m
jornalística, são também para particularizar detalhes dessa im-
prensa. Assim, também
tambe’m será
sera a partir dos registros dos repórteres
reporteres e redatores da década
de’cada
1920 que procuraremos caracterizar algumas das publicacoes
de 1920 publicações da cidade. Mas como
memoria é feita do jogo entre lembrar e esquecer, certamente a construção
a memória construcao que
esta baseada em nuanças
faremos está nuancas desse jogo, que coloca em ern cena outras motivações
motivacoes
nao apenas o ato de lembrar.
que não
Ao produzir um
urn discurso destacando alguns periodicos
periódicos em detrimento de outros,
os jornalistas arquitetam, a partir de sua fala, uma dada história
historia da imprensa. Essa
historia sofre as interferências
história interferéncias da interpretação
interpretacao que construímos
construirnos a partir desses vesti-
vestí-

governo do marechal Hermes da Fonseca. Em 1918, 1918, quando da disputa eleitoral entre Epitácio
Epitacio Pessoa e Rui
Fazenda. Com a vitória
Barbosa, apoia, mais uma vez, o ex-ministro da Fazenda. vitéria de Epitácio,
Epitacio, o jornal continua na
oposição.
oposicao. Em 1921,
1921, apoia a candidatura de Nilo Peçanha,
Pecanha, na disputa com Artur Bernardes.
Bernardes. A vitória
vitéria de
Bernardes ocasiona uma série de problemas para o jornal, jornal, ja
já que o seu governo caracteriza-se
caracteriza—se por forte
repressão
repressao àsas oposições.
oposicées. Durante todo esse período,
periodo, que se estende até 1925,
1925, é
e comandado por Irineu Mari-Mari—
nho. Nesse ano,
ano, Marinho, doente, parte para a Europa,
Europa, e causiona a maioria de suas ações acoes em favor de
Geraldo Rocha,
Rocha, que realiza, em seguida,
seguida, uma assembleia de acionistas e elegendo nova diretoria.
diretoria. Com a
transferência
transferéncia de propriedade de Irineu Marinho para Geraldo Rocha,
Rocha, o jornal empreende amplas mudanças.
ojornal mudancas.
A primeira delas é na linha
Iinha política:
politica: de oposição
oposicao passa a apoiar a situação. Assim, o jornal seguiria apoiando
situacao. Assim,
as oligarquias dominantes atéate o 0 governo de Washington Luís.
Luis. Também no mesmo período periodo muda a feição
feicao
gráfica,
grafica, com a aquisição
aquisicao de novas máquinas
maquinas de impressão.
impressao. Em setembro de 1930, lança Ianca a revista Noite
Ilustrada,
//ustrada, toda impressa em rotogravura (DHBB, 4105-6).

História Cultural da Imprensa — 87


E essa dupla reconstrução,
gios. É reconstruoao, que figura
figura como elemento fundamental para a descri-
oao das publicaooes,
ção publicações, que faremos a seguir.

Memoria: particularizando as publicações


Memória: publicagoes

0 Jamal,
O final da década de 1920,
Jornal, ao final 1920, possui 25 mil assinantes e vende 35 mil
exemplares nas bancas. Mas o periodico
periódico de maior prestigio
prestígio politico
político é o Correio da
Manhd,
Manhã, sobretudo pelo seu estilo combativo. O0 Jamal, Visao dos jornalistas,
Jornal, na visão jornalistas, é um
informaoao,
jornal de informação, enquanto o Correio é panfletario.
panfletário.

“A linha do Correio da Manhã


“A Manha era desabrida, com xingamentos.
Xingamentos. Já
Ja O Jornal
era um jornal de informação,
informaoao, com uma série de colaboradores importantes,
informaoao pesada, com uma linha de orientação
uma informação orientaoao não
nao conservadora, mas
equilibrada”. (Depoimento de Peixoto, Armando Ferreira. In: Memo’ria
equilibrada”. Memória da ABI)

Marcada pelas transformações


transformaooes econômicas
economicas e politicas
políticas da sociedade, a imprensa na
relaooes com a do início
década guarda ainda muitas relações inicio do século. O ingresso no mundo
do jornalismo se faz — 1900 —
– tal como nos anos 1900 – pelas indicações.
indicaooes. Jovens estudantes
de Direito constituem a maioria dos jornalistas, que faz das redações
redaooes o lugar necessá-
necessa—
rio para garantir a subsistência
subsisténcia e o pendor literário.
literario. Ingressando nas redações
redagoes com
16 e 20 anos, valem-se das relações
idades entre 16 relaooes de amizade e da simpatia pessoal
para entrar no mundo do jornalismo. Os méritos profissionais
profissionais em nada contam.

“Era aluno da Faculdade


“Era F aculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, que funcio-
Praoa da República.
nava na Praça Repfiblica. Em 1920,
1920, quando terminei o curso, ja encon—
já me encon-
trava trabalhando no jornal. Comecei minha vida Vida de jornalista na segunda
1919, em
quinzena de maio de 1919, cm A Noite. Tinha boas relações
relagoes com a família
familia
Marinho e isso facilitou muito a minha entrada no jornal. Atendi a um convite
conVite
do Irineu Marinho para conhecer o jornal e lá
la fui apresentado ao secretário
secretario de
redaoao Eurycles de Mattos, e aos demais redatores, repórteres
redação reporteres e funcionários
funcionarios
entao ficar
da empresa. Decidi então ficar trabalhando emcm A Noite”.
Noite”. (Depoimento de
Varzea, Afonso. In: Memo’ria
Várzea, Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

Tal como para Afonso Várzea,


Varzea, para quem as boas relações
relaooes com o dono do jornal
jornal
A Noite são
sao determinantes para sua iniciação
iniciaoao como jornalista,
jornalista, para outros essas são
sao
desej ado. A partir do primeiro emprego, no-
fundamentais para conseguir o emprego desejado.
sao fundamentais para a continuidade na profissao.
vos conhecimentos são profissão.

Cheguei ao Rio, procurei o Nogueira da Silva, que era meu


Quando cheguei
conterrâneo
conterraneo e amigo, e ele,
616, imediatamente me colocou na redação
redagao da Rua.

88 — Vestígios memoráveis
Mas logo depois passei para O0 Imparcial. (Depoimento de Perdigão,
Perdigao, José
Jose
Maria da Silva. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

E fundamental ainda o aprendizado que se faz a partir de ensinamentos ministra-


É ministra—
dos por aqueles que dominam as técnicas da imprensa.

“Comecei a trabalhar na Agencia Havas em 1916,


“Comecei 1916, portanto, em plena guer-
conVidado pelo jornalista Lisboeta
ra. Entrei para ocupar o cargo de redator, convidado
Lanca Cordeiro, que me ensinou as primeiras noções
Lança nocoes de trabalho da agência”.
agencia”.
(Depoimento de Castro, Luis Werneck de. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

dia—a—dia da profissao,
O conhecimento anterior, aprendido no dia-a-dia profissão, ée muitas vezes
determinante para a mudança
mudanca de jornal. É
E o que acontece, por exemplo, com Manuel
Antonio Gonçalves,
Goncalves, que, quando desempregado pela venda do jornal onde trabalha,
vai para o vespertino de maior sucesso da cidade.

“Comecei minha atividade


“Comecei atiVidade jornalistica
jornalística no Imparcial, localizado na Rua da
Quitanda, durante a primeira guerra mundial. (...) Eu trabalhava na revisão
revisao e
redacao, onde fui fazer Câmara
depois passei para a redação, Camara Municipal e mais tarde
Camara Federal. O Macedo Soares acabou vendendo o jornal
Câmara jornal (...) Deixei o
Imparcial e fui para ANoite, Expliguei
A Noite, que funcionava no Largo da Carioca. Expliquei
a minha situação
situacao ao Dr. Irineu Marinho, disse-lhe quegue precisava continuar
trabalhando para custear os meus estudos e quegue tinha uma certa experiência
experiéncia
Camara. Apos
da Câmara. rapido teste na redação,
Após um rápido redacao, fui admitido com o salário
salario de
300 mil-reis, que para mim representava uma fortuna. E fiqueifiquei cobrindo a
Camara, então
Câmara, entao no Palácio
Palacio Monroe. Trabalhei ao todo seis anos na Noite, até ate
0 Globo, onde fui secretário
me transferir para O secretario durante quinze anos”.
anos”. (Depoi-
Goncalves, Manuel Antonio. In: Memo’ria
mento de Gonçalves, Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

Se a posicao
posição de classe ée’ fundamental para galgar postos no mundo do jornalismo
1920, a condição
dos anos 1920, condicao de classe (Bourdieu, 1989a)
1989a) ée determinante para ingressar
profissao. As relações
na profissão. relacoes pessoais fazem a diferença
diferenca entre aqueles que desejam se
tornar jornalistas.

“Quando revelei ao meu pai, no começo


“Quando comeco de 1914,
1914, minhas intenções
intencoes
jomalisticas, cartao a Souza Marques e a Irineu Marinho, que
jornalísticas, ele redigiu um cartão
entao diretores de A Noite. Irineu Marinho me disse que eu ia começar
eram então comecar
haVia começado.
como ele havia comecado. Entrei para o quadro de reportagem de policia,
polícia, àa noite,
noticias tinham que ser apanhadas no local, pois os telefones praticamente
a as notícias
nao funcionavam. Corríamos
não Corriamos os subúrbios
suburbios e bairros a procura de notícias”.
noticias”. (De-
(De—
poimento de Peixoto, Armando Ferreira. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

História Cultural da Imprensa — 89


Os jornais circulam seis dias por semana, o que garante um dia de descanso sema-
nal. Trabalhando muitas vezes atéate’ 12
12 horas por dia, não
nao há
ha horário
horario estabelecido
estabeleoido para
exeroioio da profissao.
o exercício salarios variam entre 700 e 800 mil-réis
profissão. Os salários mil—reis mensais para o
redaeao e 150
chefe de redação 150 mil-réis
mil—re’is para um redator comum.
oomum. “Os
“Os salários
salarios eram pessimos.
péssimos.
Naquele tempo quando um jornalista tinha 250 mil-reis estava ganhando muito. O
secretario ganhava entre 500 e 600, era um grande salário”.
secretário salario”. (Depoimento de Perdi-
Perdi—
gao, José
gão, Jose’ Maria da Silva. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

“Em 1928
“Em 1928 precisava
preeisava compor
oompor meu salário
salario e ainda não
nao era redator chefe
ohefe da
tambem no O
United Press, fui trabalhar também 0 Jornal, levado pelo Austragesilo
Austragésilo de
Athayde (...) Eu passei a entrar lá
1a por volta das seis horas e trabalhava até
ate as
11, meia-noite,
11, meia—noite, quando
guando estava de plantão
plantao ia até
ate as duas horas. As mes—
Às vezes, mes-
mo sem estar de plantao ficar lá,
plantão eu era obrigado a ficar la, porque o Chateaubriand
chegava àsas 10
10 horas e gostava de conversar comigo. EntãoEntao fiquei
fiquei no jornal
jornal
ate’ ser nomeado redator chefe
até ehefe da United Press”.
Press”. (Depoimento de Peixoto,
Armando Ferreira. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

“Eu entrava às
“Eu as 7 horas da manha e saía
saia às
as 7 da noite. Nao
Não tinhamos
tínhamos hora
nenhuma, como tambem nao havia
também não haVia setores, todo sujeito
suj eito perteneia
pertencia a um setor, mas
mate’ria de prestigiar um noticiário
em matéria noticiario do jomal
jornal todos faziam as funções
funooes dos
outros”. (Depoimento de Magalhães,
outros”. Magalhaes, Mário.
Mario. In: Memo’ria
Memória da daABI.
ABI. Grifos nossos)

A má
ma remuneração
remuneraoao ée apontada como fator determinante para que tivessem sempre
um outro emprego, normalmente pfiblico,
público, e que se torna accessível
aocessivel em função
funeao da
distineao que os jornais possibilitam. Enquanto um funcionário
distinção funcionario pdblico
público ganha em
media 600 mil-réis,
média mil-re’is, um jornalista recebe 200 mil-réis.
mil-reis. Há
Ha ainda um número
nfimero conside-
conside—
ravel de colaboradores que nada recebem. Apenas a distinção
rável distinoao de ser jornalista...

“A propósito
“A proposito da posição
posieao do jornalista, ele sempre teve status, não
nao sei se
ooncomitantemente ele arranjava
porque concomitantemente arranj ava uma outra função,
funoao. mas tambe’m
também os
jornalistas de maior destaque dentro do jornal, aqueles que de uma maneira
ou de outra, poderiam ter uma influência
influencia dentro da linha do jornal”.
jornal”. (Depoi-
mento de Peixoto, Armando Ferreira. In: Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Grifos nossos)

Ser jornalista é,
e’, portanto, uma espécie
especie de lugar intermediário
intermediario para conseguir a
distinoao necessária
distinção necessaria para ocupar um cargo na administração
administraeao pfibliea.
pública. Ter um emprego
pfiblieo ée a aspiração
público aspiraeao primeira. Ocupar
Ooupar um lugar na politica, aspiraoao máxima.
política, a aspiração maxima.

“Em geral, os jornalistas que


“Em gue faziam essa parte
p_arte política
politioa tinham sempre
Camara. Alguns bons jornalistas, como João
um emprego no Senado ou na Câmara. J0510

90 — Vestígios memoráveis
Leitao ec Jacy Monteiro, eram taquigrafos,
Leitão apanhavarn
taquígrafos, de maneira que eles apanhavam
camara, em primeira mão,
dentro da câmara, mao, tudo e depois mandavam
Inandavarn escrito. Alguns
levar”. (Depoimento de Perdigão,
iam levar”. Perdigao, José Maria da Silva. In: Memo’ria
Memória da
AB].
ABI. Grifos nossos)
Na maioria dos casos os jornalistas do governo eram contemplados com
“Na
(6
corn
nomeaooes para cargos
nomeações oargos pfiblicos, repartiooes onde não
públicos, em repartições nao tinham obrigação
obrigaoao
aparecer”. (Depoimento de Lima, Paulo Motta. In: Memo’ria
de aparecer”. Memória da AB].
ABI. Grifos
nossos)

edificios
Modernos e permanentes edifícios

A grande sensação
sensaoao do mundo do jornalismo no último
filtimo ano da década de 1920
1920 é6’ a
inauguraoao do moderno pre’dio
inauguração prédio do vespertino A Noite, na Praça
Praoa Mauá.
Maua.
arranha—oéu situado no início
O arranha-céu inicio da então
entao Avenida Central representa para os pro-
fissionais uma vitória.
fissionais Vitoria. Assim, o sucesso de A Noite envaidece todo o campo jornalistico
jornalístico
identifica com a modernidade expressa em concreto pelo jornal.
que se identifica

“A inauguração
“A inauguraoao do novo e imponente edifício
edifioio de A Noite, a realizar—se
realizar-se
as 16
hoje às 16 horas e 30 minutos, não
nao somente é uma grande festa do jornalismo
jornalismo
brasileiro como também se reveste do caráter
carater de um notável
notavel acontecimento
aoontecirnento
Vida da cidade.
da vida oidade. ÉE que A Noite, além de representar a imprensa do pais,país,
Vitoria que a todos nós
uma luminosa vitória nos dá
da se tanto envaidece, constitui,
oonstitui, sem
dfiVida, um
dúvida, urn dos mais valiosos elementos do patrimonio inteleotual do Rio de
patrimônio intelectual
Janeiro”. (Crítica,
Janeiro”. (Crz’tica, 7 setembro
seternbro de 1929,
1929, p. 1)
1)

Crz’tica anuncia
Assim Crítica anunoia a inauguração
inauguraoao do novo prédio. O sucesso do periodioo,
periódico,
edifioio-sede, é partilhado pelos outros jornais, que viam
materializado no edifício-sede, Viam no fato de
atiVidade —
desenvolverem a mesma atividade – construir o mundo a partir das notícias
noticias —
– uma
espéoie de entrelaçamento
espécie entrelaoamento de objetivos.
noticia aparece a idealização
Também na notícia idealizaoao dos grandes nomes da imprensa como
responsaveis diretos pelo sucesso da iniciativa.
responsáveis inioiativa. Dessa forma, o jornal torna—se
torna-se Vito—
vito-
orientaoao editorial que Irineu Marinho implementou.
rioso pela orientação

“Fundada, lá
“Fundada, 121 se
so vão
Vao anos, por um
urn grupo de rapazes, tendo àa frente essa
figura por tantos e meritórios
figura meritorios titulos admiravel que foi Irineu Marinho,
títulos admirável
A Noite tornou—se, graoas as suas reportagens sensacionais
tornou-se, logo a aparecer, graças
comentarios, uma folha por excelência
e a agudez de seus comentários, exceléncia popular”. (Critica, 7
popular”. (Crítica,
seternbro de 1929,
setembro 1929, p. 1)
1)

História Cultural da Imprensa — 91


Na notícia
noticia utilizam-se
utilizam—se tambe’m
também dos trabalhos da memória,
meméria, ja epoca ja
já que nessa época já
saira do jornal para fundar O
fazia mais de quatro anos que Irineu Marinho saíra 0 Globo,
21 dias depois do aparecimento do novo jornal. Mesmo assim, ao des-
tendo falecido 21
icone maior da modernidade do novo jornalismo —
tacarem o ícone arranha—ceu da Praea
– o arranha-céu Praça
Maua —,
Mauá eonstruido como essência
–, relembram aquele que é construído esséneia do proprio
próprio jornal, o que
faz com que mesmo ausente continue presente sob a forma de lembrança.
lembranea. Assim, foi o
merito pessoal de Irineu Marinho o responsável
mérito responsavel pelo sucesso do jornal, que culmina
eonstruoao do moderno edifício.
agora com a construção edifieio.
sao destacados —
Dois aspectos editoriais são – as reportagens sensacionais e a agudez de
cornentarios —
seus comentários corn isso, chama a atenção
– e, com ateneao para aquilo que consideram sua marca
caracteristica. Partilham, assim, ainda que idealmente, o sucesso de A Noite, com a
mais característica.
construeao e ocupação
construção oeupaoao do mais arrojado arranha-céu
arranha-eéu da cidade.

“A Noite possuía
“A possuia uma circulação
eireulaeao muito grande. Era um
urn jornal feito em
saia exclusivamente com
moldes novos e apesar de ser vespertino saía corn noticiá-
notieia-
caracteristica obrigava os redatores, repórteres
rio do dia. Essa característica reporteres e os gráfi-
grafi—
atiVidade enorme. Acho que havendo circulação,
cos a desenvolverem uma atividade eirculaeao,
ha automaticamente
há automaticarnente publicidade”. (Depoirnento de Ferrone, Pascoal. In:
publicidade”. (Depoimento
Memo'ria
Memória da AB!)
ABI)

No final
final da década
de’cada de 1920,
1920, sua tiragern
tiragem chega a mais de 50 mil exemplares e nem
saida de Irineu Marinho, em 1925,
a saída 1925, diminui de imediato
irnediato o sucesso
sueesso do mais popular
vespertino da cidade. As seções
seeoes mais apreciadas
apreeiadas pelo pfiblieo sao as de politica,
público são política, de
notioiario polieial.
esporte e o noticiário policial.
Nelson Rodrigues, em
ern suas memórias,
memorias, destaca
destaea o sucesso
sueesso editorial do jornal.
jornal.

“A Noite foi amada por todo um povo. Eu penso nas noites de minha
“A
infaneia em Aldeia Campista. O jornalismo vinha,
infância Vinha, de porta em porta. Os che-
che—
familia ficavam,
fes de família ficavarn, de pij ama, no portao,
pijama, portão, na janela, esperando. E lá121 longe
o jornaleiro gritava. ‘A
‘A Noite. ANoite!
A Noite!’. ’. Eu me lembro de um sujeito, encos-
eneos—
lampiao, lendo àa luz de gás
tado num lampião, gas o
0 jornal do Irineu Marinho. Estou certo de
saisse em branco, sem uma linha impressa, todos comprariam
que se saísse comprariamANoite
A Noite da
mesma maneira e por amor”.
amor”. (Rodrigues, 1977:179)
1977: 179)

Na crônica
cronica intitulada “Memória”,
“Memoria”, Nelson Rodrigues relembra hábitoshabitos cotidianos
do pfiblico relaeao aos periodicos:
público em relação periódicos: a espera àa tarde pelo grito do jornaleiro que
ehegada do vespertino em subúrbios
anuncia a chegada subfirbios distantes, como Aldeia Campista. Tam-
Tam—
praticas de leitura aparecem
bém as práticas apareeem na narrativa memorável
memoravel do dramaturgo: a leitura
no ambiente privado, com a indicação
indieaeao de que os chefes de família
familia esperam o jornal na
porta de casa ja espaeo pfiblieo.
já ao anoitecer, e a leitura no espaço Lia—se na rua, encostado
público. Lia-se

92 — Vestígios memoráveis
aos postcs
postes para aproveitar a luz tênue
ténuc ec fraca do lampião
lampiao a gás.
gas. A profusao dc leitores
profusão de
indica tambérn urna multiplicidade
também uma multiplicidadc de
dc leituras.
lcituras.
Na primeira
primcira página,
pagina, invariavelmente,
invariavclrncntc, publicam as notícias
noticias policiais, algumas ve-
ve—
dc fotografias.
zes acompanhadas de fotografias.

“A Noite tinha uma grande


“A grandc reportagem de
dc policia. Eustaquio Alvcs
polícia. O Eustáquio Alves ec o
Bacclar de
Bacelar dc vez
vcz em
cm quando sesc deguisavam
dcguisavam de
dc mendigos ec andavam pelas ruas
colhcndo notícias
colhendo noticias (...) A Noitc mclhor cobertura policial da época”.
Noite fazia a melhor época”.
(Dcpoimcnto de
(Depoimento dc Gonçalves,
Goncalvcs, Manoel
Manocl Antonio. In: Memo’ria
Memória da ABI)

Nao vczcs, as matérias


Não raras vezes, matc’rias de
dc crimes violentos,
Violentos, prisoes dc delinquentes,
prisões de delinquentcs, catás-
catas—
trofes de
dc todas as ordens
ordcns são
sao substituídas
substituidas por notícias
noticias que
quc exploram o sobrenatural.
E o que ocorre,
É ocorrc, por exemplo, em
cm várias
Varias edições
edicocs de
dc maio de
dc 1931,
1931, quando publicarn
publicam a
séric de
série dc reportagens
rcportagcns sobre “A
“A Santa de
dc Coqueiros”.
Coquciros”.

“Ontcrn, as últimas
“Ontem, filtimas horas da tarde, estive
cstivc em casa de
dc Manoelina
Manoclina e6 com
corn ela
cla
palcstrci, durantc largo espaço
palestrei, durante cspaco de
dc tempo. A ‘Santa’
‘Santa’ estava de
dc pé, gozando de
dc
perfeita saúde.
safidc. Hoje,
Hojc, muito cedo,
ccdo, mandou ela
cla um portador chamar-me
chamar—mc (...) En-
tramos no quarto de
dc Manoelina.
Manoclina. Ela estava
cstava prostrada: Que tern?
tem? pcrguntamo—
perguntamo-
lhcs. A moça,
lhes. moca, com temperatura muito elevada, segurou-me
scgurou—rnc pcla mao e disse:
pela mão
aVisada... E não
Fui avisada... nao disse
dissc mais nada”.
nada”. (A Noite. 11 maio de
dc 1931,
1931, p. 1)
1)

A agonia da Santa dedc Coqueiros


Coquciros ocupa durante
durantc semanas
scmanas espaço
cspaco na primcira
primeira pagina
página
do jornal. “Manoelina
“Manoclina agoniza, lentamente
lentarncnte seus
scus olhos cerraram-se,
ccrrararn—sc, sua boca emude-
emudc—
ccu. Apcnas
ceu. coracao lhe
Apenas o coração lhc arfa, com
corn compasso desmedido.
dcsmcdido. Contempla-lhe
Contempla—lhc a fisionomia
fisionomia
ec ela
cla tem
tern a serenidade
screnidadc dos justos”. (Idem, ibidem)
justos”. (Idem,
A essa
cssa altura vivem-se
Vivem—sc os últimos
filtimos meses
mcses da administração
administracao dedc Geraldo Rocha. Ten-
do apoiado a candidatura de dc Julio Prestes,
Prestcs, de
dc maneira radical, sofre
sofrc as consequências
conscquéncias
eclosao da Revolução
com a eclosão Revolucao dedc 1930.
1930. Combatendo
Combatcndo o grupo quequc propugna pclas idcias
pelas ideias
revolucionarias, realiza uma
revolucionárias, urna série
séric de
dc entrevistas
cntrevistas com
corn líderes
lidcrcs que são,
sao, àquela
aqucla altura,
solucao de
contra a solução dc tomada do podcr
poder pclas Urn dos primeiros a ser
pelas armas. Um scr entrevistado
cntrevistado
dc Medeiros,
é Borges de Mcdciros, ex-presidente
cX-prcsidcntc do Rio Grande
Grandc do Sul, que conclama o povo a
rcsultados eleitorais.
acatar os resultados cleitorais. Ncm cclosao da Revolução
Nem a eclosão Revolucao de dc 1930,
1930, emcm 3 de
dc outu-
outu—
arrcfccc os ânimos
bro, arrefece animos dedc Geraldo Rocha, que continua publicando artigos contra os
insurgentcs. Essa campanha desperta
insurgentes. dcsperta a ira dos revolucionários,
rcvolucionarios, que após
apos a Vitoria
vitória do
movimcnto empastelam
movimento empastclarn o jornal ec prcndcm scu proprietario
prendem seu proprietário (DHBB: 4106).
Corn a sede
Com scdc do jornal incendiada ec depredada,
dcpredada, A Noite suspende
suspendc por alguns dias
edicoes. Impossibilitado de
suas edições. dc continuar a dirigir o jornal, Geraldo Rocha é substi-
tuido
tuído por Augusto Lima, que
quc inicia os preparativos para o relançamento
rclancamcnto do periodico.
periódico.

História Cultural da Imprensa — 93


Infimeras dificuldades
Inúmeras dificuldades — dividas acumuladas, precariedade de funcionamento em
– dívidas
razao dos danos sofridos, má
razão ma administração
administracao —– contribuem para a decadência
decadéncia de A Noite.
direcao da Brasil Railway verifica
Para culminar, a direção verifica a existência
existéncia de uma dívida
divida de
Geraldo Rocha com a empresa, relativa ao tempo em que fora representante da São sao
Paulo—Rio Grande, subsidiária
Paulo-Rio subsidiaria da Brasil Railway. Obrigado a assinar uma escritura de
confissao de dívida,
confissão divida, dá
da em garantia todos os seus bens.
nao consegue saldar sua dívida,
Como não divida, a São
sao Paulo-Rio Grande fica
fica com a posse
acoes de A Noiz‘e.
de todos os seus bens, incluindo as ações Noite. A partir daí
dai a propriedade do
jornal passa a Guilherme Guinle, presidente da Brasil Railway no pais,
país, que escolhe,
para diretor, Carvalho Neto, funcionário
funcionario do jornal (DHBB:4106).
(DHBBz4106).
Comeca neste momento a terceira fase da empresa, marcada pelo crescimento —
Começa –
criacao das revistas
incluindo a criação reVistas Carioca e Vamos
Vamos Ler e a inauguração
inauguracao de uma emisso-
emisso—
radiodifusao, a Radio
ra de radiodifusão, Rádio Nacional —
– e pela expansão
expansao de suas tiragens. Apesar disso,
o grande temor — inicio dos anos 1940
– que se concretiza no início 1940 —– ée’ a encampação
encampacao do
jornal, na medida em que, desde 1930,
1930, a São
$50 Paulo-Rio Grande se encontra sob o
controle do governo federal.
110 2.073, de 8 de março
O Decreto-Lei nº marco de 1940,
1940, legaliza a ocupação
ocupacao pelo governo
da Estrada de Ferro e de todas as empresas a ela filadas,
filadas, incluindo A Noiz‘e
Noite e a Rddio
Rádio
Nacional. Integrado ao patrimonio Uniao, o jornal viveria
patrimônio da União, Viveria sua última
filtirna fase, em crise
(DHBB : 4107).
permanente (DHBB:

Memorias dos homens de imprensa


Memórias

A rememoração
rernernoracao da fundação
fundacao de O
0 Globo, em 29 de julho de 1925,
1925, revelada pelas
estrate’gias memoráveis
estratégias memoraveis dos jornalistas, o constrói
constroi como
corno iniciativa
iniciatiVa do gênio
génio criador de
memorias proj
seu fundador: Irineu Marinho. Por outro lado, as memórias etam uma história
projetam historia de su-
su—
so se efetivaria muitas décadas
cesso para o novo matutino que, a rigor, só de’cadas depois.

“O Globo nasceu praticamente de uma viagem


“O Viagem que o Irineu Marinho fez a
Europa para tratamento de saúde.
safide. Digo isso porque ele caucionou as ações
acoes da
Noite com
corn Geraldo Rocha e na sua volta quando ele quis resgatá-las
resgata—las ou não
nao
teve meios ou o Geraldo Rocha nãonao aceitou mais, apoderando-se do direito
do jornal. O Irineu tomou então
entao a decisão
decisao de fundar O Globo e antes consul-
consul—
tou seus antigos companheiros para expor o seu projeto”.
projeto”. (Depoimento de
Goncalves, Manuel Antonio. In: Memo’ria
Gonçalves, Memória da ABI)

A mesma história
historia da fundação
fundacao do jornal, a partir de um ato ilícito
ilicito — apropriacao
– a apropriação
acoes de A Noite —
das ações – aparece no depoimento de outros jornalistas. Alguns detalhes

94 — Vestígios memoráveis
sao repetidos,
são rcpetidos, outros são
sao acrescentados.
acresccntados. A enfermidade
cnfcrrnidadc ec a viagem
Viagcm para tratarncnto
tratamento dedc
saudc são
saúde sao detalhes
detalhcs comuns emern muitas narrativas. Mas a forma como se dá
(121 a passagcm
passagem
acionario do jornal para o novo proprietário
do controle acionário proprietario aparece
aparecc de
dc forma diferencia-
difcrcncia-
multiplas lembranças.
da nas múltiplas lcmbrancas.

“Nao conheço
“Não conhcco todos os detalhes. Mas sei sci que o Irineu
Irincu Marinho contraiu
cnfcrrnidadc e tcve
uma enfermidade dc viajar
teve de Viaj ar para a Europa para seguir
scguir um
urn tratarnento,
tratamento,
afastando—sc provisoriamente da direção
afastando-se direcao do jornal. No meio
mcio da viagem
Viagcm — – o que
interrornper o tratamento
o obrigou, inclusive a interromper tratamcnto — clc foi avisado
– ele aVisado que
quc o Geraldo
acionario da Noitc.
Rocha tinha assumido o controle acionário Noite. Foi assim que sesc deu
dcu o seu
scu
afastarncnto”. (Depoimento
afastamento”. (Depoimcnto de dc Ferrone,
Ferronc, Pascoal. In: Memo’ria
Memória da ABI)

Dependcndo do lugar de
Dependendo dc onde
ondc fala, no futuro, os mesmos fatos aparecem
aparccem com
corn
nuancas distintivas. O que em
nuanças cm alguns depoimentos
depoirnentos figura
figura como traicao,
traição, em outros é
construido como venda do jornal por Irineu Marinho a Geraldo Rocha.
construído

“Eu trabalhei na
“Eu naANoite 1924. Foi quando o Irineu Marinho saiu para
A Noite até 1924.
616 vendeu
fundar O Globo. E ele vendcu A Noitc
Noite para o Geraldo Rocha e6 eu
cu continuei
continuci
na A Noitc, corno diretor substituto, antes eu
Noite, como cu era redator”.
rcdator”. (Depoimento de
dc
Magalhaes, Mário.
Magalhães, Mario. In: Memo’ria
Memória da ABI)

mccanismos de
Os mecanismos dc transmissao historia particular constroem
transmissão dessa história constroern uma tradicao
tradição
quc identifica
que identifica a fundação
fundacao de dc O
0 Globo como parte de uma traição,
traicao, cujo desfecho
dcsfccho foi
modificado graças
modificado gracas àa ação
acao empreendedora
emprecndedora de
dc Irineu Marinho.
rnitica da reconstrução,
Essa mítica reconstrucao, a partir de uma pcrda, dc ter seu funda-
perda, aliada ao fato de funda—
cxatos 21
dor morrido exatos 21 dias depois
dcpois do aparecimento
aparccimcnto do novo periodico, construin—
periódico, vai construin-
memoria do grupo uma identidade particular para o jornal, que
do na memória quc passa a ser
scr
identificado como
identificado corno uma espécie
cspécie de
dc lugar indestrutível.
indestrutivcl. Nessc scntido, nada mais
Nesse sentido, Inais evi-
evi—
dentc do que seu sucesso como empreendimento
dente emprecndimcnto empresarial.
crnpresarial.
construido pclo
O sucesso, no futuro, é construído memoravcl como sendo
pelo ato memorável scndo previsivcl
previsível no
passado. Por outro lado, nos depoimentos
depoirnentos aparece
aparccc como
corno elo comum o fato de
dc um
jornalista — acepcao plena —,
– na acepção aprcndizado que
–, a partir do aprendizado quc se
sc efetivara
cfctivara na pratica,
prática, tcr
ter
unico responsável
sido o único responsavcl pcla fundacao do novo periodico.
pela fundação periódico.
A transmissão
transmissao realizada
rcalizada pclos
pelos jornalistas que
quc falam do projeto rcproduz
reproduz nao
não a
historia particular do jornal, mas
história Inas a mítica
mitica do sucesso. Com
Corn a adaptação
adaptacao do passado ao
prescnte lcrnbranca ec reiteração,
presente como lembrança rcitcracao, vão
Vao forjando uma identidade particular, ao
mesmo tempo em quequc pela transmissão
transmissao repetem
rcpetcm várias
Varias vezes
vczcs para diversos indivíduos
individuos
rcproduzida, produz uma identidade particular. Repro-
a mesma narrativa que, assim reproduzida,
ducao ec invenção,
dução invencao, fidelidade
fidelidadc ou traicao, lcmbranca ec esquecimento
traição, lembrança esquccimcnto fazem part6
parte da
transmissao
transmissão como trabalho dedc memória.
memoria.

História Cultural da Imprensa — 95


Como um urn grupo profissional,
profissional, os jornalistas valorizam
valorizarn comportamentos apropria-
memoria que seja adequada àa repro-
dos e reprimem outros, de forma a construir uma memória
ducao de seu proprio
dução próprio saber e, sobretudo, de seu saber fazer, o que confere também ao
grupo identidade.
repérteres decide continuar trabalhando com Marinho,
Um grupo de redatores e repórteres
segundo os relatos. No novo projeto,
proj eto, Herbet Moses (que seria anos mais tarde presiden—
presiden-
Viria a ser diretor-tesoureiro.
te da ABI) viria diretor—tesoureiro. Eurycles de Mattos, que tambe’rn
também fora fundador
de A Noite, assume a chefia
chefia de redação,
redacao, ficando
ficando no cargo até
ate’ a década
decada seguinte.
Nurn finico andar do edifício
Num único edificio da Rua Bittencourt da Silva, 21, no antigo Largo da
Carioca, funcionam precariamente a redação,
redacao, as oficinas
oficinas de gravura e composição,
composicao,
fotografia, a revisão
a fotografia, revisao e a gerência
geréncia de O
0 Globo. No te’rreo, fica a rotativa,
térreo, nos fundos, fica
distribuicao e o caixa.
a distribuição
Noticiando o aparecimento do novo periodico, classifi-
periódico, a imprensa destaca o que classifi-
cam como “a“a modernidade do jornal”, funcao de tentar reproduzir o caráter
jornal”, em função carater noti-
noti—
cioso que tambem
também possui A Noite. O destaque àa informação
informacao estabelece a sua diferença
diferenca
relacao aos outros.
em relação

“O Globo ée’ um
“O umjornal diario europeu, desapai-
jornal moderno, com o feitio de um diário
rnuito noticioso, com
xonado, muito corn uma infinidade
infinidade de seções
secoes informativas e parece
forrnar correntes vibráteis
pouco propenso a formar Vibrateis de opinião,
opiniao, a não
nao ser através
atraVés do exato
noticiario”. (Diário
e minucioso noticiário”. (Didrio do Povo, Apud O 0 Globo, 3131 julho de 1925)
1925)

Na definição
definicao dos jornalistas ser umurn jornal moderno ée destacar as notícias
noticias informa-
opiniao a plano secundário.
tivas, relegando a opinião secundario. Valoriza-se
Valoriza—se o novo estilo jornalistico
jornalístico no
noticiario “exato
qual o noticiário “exato e minucioso”
minucioso” tem papel central. Observa-se, portanto, a con-
tinuacao da construção
tinuação construcao gradativa do ideal de objetividade
obj etiVidade no jornalismo carioca, que
comeca antes mesmo da década
começa de’cada de 1910.
1910. Com umurn longo trabalho para definir
definir o papel
do jornalista e do jornalismo — acambarcar múltiplos
– ser isento, imparcial e açambarcar mfiltiplos aspectos
de uma realidade a quem ée outorgado o direito de figurar
figurar —,–, os proprios
próprios jornalistas vão
Vao
construindo umurn lugar peculiar para a profissão,
profissao, no qual a ideia de representação
representacao fiel
fiel
da realidade se sobressai. Ao espelhar o mundo, atravésatrave’s das notícias,
noticias, ocupam lugar
emblematico e definem
emblemático definern o valor da profissao.
profissão.
Outro ideal que aparece comcorn frequência
frequencia está
esta associado às
as novidades introduzidas
periodico: a noção
pelo periódico: nocao de moderno. Como um urn conceito, moderno,
Inoderno, nas palavras dos
jornalistas, ée o jornal que divulga a informação,
informacao, numa linguagem que procura a isen-
950. A informação
ção. informacao passa a ter lugar de destaque. A valorização
valorizacao dessa pretensa neutra-
neutra—
lidade —– apresentada pela formatação
formatacao discursiva do periodico
periódico e pela delimitação
delimitacao dos
espacos destinados àa opinião
espaços opiniao que não
nao mais se confundiria com as colunas de informa-
cao —
ção – retira da narrativa jornalistica suspeicao.
jornalística a ideia de suspeição.

96 — Vestígios memoráveis
Os jomais nao devem opinar e muito menos persuadir. Os conteúdos
jornais não conteudos revelam uma
realidade existente a priori.
priori. O jomal concepeoes, para se valer da
jornal deixa de expressar concepções,
iseneao que vão
isenção Vao construindo em torno
tomo da ideia de notícia.
notieia. Assim, a uniformização
uniformizaeao de
multiplos aspectos
múltiplos aspeetos numa retórica
retorica que procura despir a linguagem de elementos opinativos
constroi, gradativamente, a noção
constrói, noeao de linguagem jomalistica
jornalística neutra, elevada àa condição
condieao de
cieneia, afinada
ciência, afinada com o mito da isenção,
iseneao, da neutralidade e da prestaeao serVieos.
prestação de serviços.

“O Globo desenvolveu o jornalismo noticioso, porque a imprensa antiga


“O
cronicas e artigos. Dificilmente
era mais de crônicas Dificilmente dava notícia.
noticia. Para dar uma notí-
noti—
eia era preciso que a notícia
cia notieia fosse muito importante mesmo, senão
senao não
nao dava.
serVieo de notícia,
O Globo desenvolveu o serviço notieia, noticioso, passou a ser um jornal
jornal
notieioso, não
noticioso, nao comentarista. Os comentários
comentarios de O 0 Globo se restringiam a
Ecos, eram os trés
três Ecos que fazia, no principio.
princípio. Nesses trés
três Ecos pequenos
opiniao de tudo. No mais era tudo notícia,
eles davam a sua opinião noticia, era um serviço
serVieo
noticioso: foi a parte justamente que desenvolveu mais, foi a parte noticiosa”.
noticiosa”.
Gonealves, Manuel Antonio. In: Memo’ria
(Depoimento de Gonçalves, Memória da ABI)

Na pratiea, valorizaeao da notícia


prática, entretanto, essa valorização noticia informativa não
nao ocorre. Mesmo
inteneao do jornal de ser voltado para os temas da cidade tambe’m
a intenção nao ée’ evidente. As
também não
narrativas procuram, a rigor, construir a imagem do jornal a partir de elementos im- im—
portantes para o jornalismo no futuro e não nao no passado, como ja já dissemos. As
memérias de época
memórias epoca fornecem uma espécie
especie de mapa futuro do lugar fundamental que
devera ser construído
deverá construido pelo grupo.
Nada na primeira pagina
página do jornal de 29 de julho de 1925
1925 pareee eVideneiar a
parece evidenciar
inteneao de ser um jornal isento e voltado para os temas da cidade. A manchete desta-
intenção
“Voltam-se às
ca “Voltam-se as vistas
Vistas para a nossa borracha”,
borracha”, referindo-se
referindo—se a visita
Visita ao Brasil de Henry
Ford. Ainda na primeira pagina notieia sobre o crescimento do número
página outra notícia numero de auto-
moveis no Brasil: de 2.772 para 12.995.
móveis 12.995. Em seguida, informam da abertura dos arqui-
arqui—
seeretos de Viena. Completando a página
vos secretos pagina uma caricatura de Raul Pederneiras
politica econômica
critica a política economica do governo.
No periodo 1925 e 1930,
período compreendido entre 1925 1930, O
0 Globo, além do pequeno espaço
espaeo
dedieado àa opinião
dedicado opiniao — “Ecos”, na segunda pagina
– a coluna “Ecos”, página —– possui outras colunas do
genero: na página
gênero: pagina 4, “O
“O Globo na sociedade”,
sociedade”, na 5 “O
“O Globo nos Teatros”
Teatros” e na 6,
“O Globo entre as senhoras”.
“O senhoras”. Na pagina
página 3, reproduzindo pequenas notícias
noticias fornecidas
pelas agências
agéncias Havas, Americana e United Press, publiea “Ultima Hora”.
publica a coluna “Última Hora”.
“O Globo na sociedade”
“O sociedade” relaciona noivados, casamentos, viagens,
Viagens, doenças
doeneas e im-
im—
pressoes cronicas. Críticas
pressões sob a forma de crônicas. Critieas às
as peeas
peças teatrais e musicais, notícias
noticias dos
espetaeulos em cartaz e das casas de danças
espetáculos daneas formam o conteúdo
conteudo de “O “0 Globo nos
Teatros”. A coluna “O
Teatros”. “O Globo entre as senhoras”
senhoras” destinava-se “à“a leitora dona de casa

História Cultural da Imprensa — 97


e àa mulher trabalhadora”.
trabalhadora”. Entretanto, os temas tratados não
nao fazem parte do universo
das mulheres trabalhadoras dos anos 1920.
1920.

“N50 trataremos aqui de assuntos transcendentais, problemas de alta filo-


“Não filo—
sofia, questões
sofia, questoes de politiea finaneas, mas sim dessas serenas coisas en-
política ou de finanças,
cantadoras tao indispensaveis ao espírito
tão indispensáveis espirito da mulher de hoje. Esta seção
seeao toea—
toca-
ra levemente em todos os assuntos: literatura, música,
rá musica, elegâncias,
elegancias, mundanismo,
eitando o sucesso do livro do dia ou a nota original de uma moda que
seja citando
desenvolVimento de uma ideia qualquer”.
surge, seja seguindo o desenvolvimento qualquer”. (O
(0 Globo, 1l
1925, p. 4)
setembro de 1925,

Um ideal de mulher leitora ée claramente expresso na coluna, que busca uma mu-
tambe’m um ideal feminino: deve ser a guardiã
lher que resuma também guardia do lar, honesta, traba-
lhadora, mas ao mesmo tempo suave, leve e muito feminina.

“Esta coluna será


“Esta sera animada dos bons desejos de defender os interesses da
mulher que trabalha, da mulher que luta para manter honesta e corajosamente
Tera um carinho muito especial para essas obscuras heroínas
o seu lar. Terá heroinas que
fazem o orgulho do seu sexo. O principal intuito, entretanto, ée’ ser suave, ser
uniea razão
leve, despretensiosa e feminina, muito feminina, que é a sua única razao de
eXistir”. (Idem,
existir”. (Idem, ibidem)

A delimitação
delimitaeao dos assuntos por páginas
paginas e por colunas e a amplitude dos temas
abordados parecem indicar a intenção
inteneao do periódico
periodico de atingir um publico diversifica-
público diversifica-
do. Noticias estao lado a lado com outras que
Notícias sobre as festas que agitam a cidade estão
dizem respeito ao mundo do trabalho. O esporte e a religião
religiao contemplam um outro
segmento de publico.
público. Mas mesmo assim, ao terminar a década a tiragem do jornal não
nao
atinge 30 mil exemplares.
O jornal queria um novo interlocutor: uma massa uniforme que começa comeea a ser
adjetivada para ganhar consistência
consistencia na década
de’cada seguinte. Para isso estandardiza sua
construeao da sua autoimagem a retórica
linguagem, destacando na construção retorica da imparcialida-
imparcialida—
reforea também
de. Com isso, reforça tambem a imagem de independência.
independéncia.

“E um penhor de nossa sinceridade, mas ée tambe’m


“É indepen—
também a garantia da indepen-
dencia com que vamos agir, independência
dência independéncia tao
tão ampla quanto a permitam as
possibilidades humanas e que nos autoriza desde ja já a proclamar que este
jornal não
nao tem afinidades
afinidades com governos, não nao encerra interesses conjugados
com os de qualquer empresa, não nao está
esta ligado a grupos capitalistas ou a pluto-
cratas isolados — nao existirá
– não existira senão
senao como uma força
forea posta incondicionalmen-
servieo dos interesses gerais”.
te ao serviço gerais”. (“Ecos”,
(“Ecos”, O0 Globo, 29 julho 1925, p. 2)
julho de 1925,

98 — Vestígios memoráveis
Na memória
memoria dos que viveram
Viveram este momento sobressai a idealização
idealizaoao do tempo
mitico de antes. Nos primordios
mítico primórdios existe uma idade de ouro redentora onde impera a
felicidade. As narrativas que constroem sobre a décadadecada de 1920,
1920, os jornalistas
jornalistas
relembram o passado como mito que ainda conserva um valor explicativo do presen—
presen-
te, esclarecendo a forma como se formula lentamente o profissionalismo
profissionalismo do jornalis-
ta. O
0 mito não
nao ée mistificação,
mistificaoao, ilusão,
ilusao, fantasma ou camuflagem,
camuflagem, mas o relato ou a
narrativa de um acontecimento que teve lugar num tempo imemorial, o tempo fabulo-
comeeos (Eliade, 1992).
so dos começos 1992).
Vivido, mas, sobretudo, foi sonhado, e sofre os trabalhos
Esse tempo de antes foi vivido,
seleeao, antes de sua transmissao.
de seleção, transmissão. O passado a que se referem não nao ée diretamente
conhecido, sendo antes de tudo um modelo, um arquétipo
arque’tipo que fornece uma espécie
espe’cie de
exemplo ao presente. Oposto àa imagem de um presente descrito como desencanta-
desencanta—
figura
mento, figura o passado em todo o seu fulgor. O tempo de antes e’
é um mito, no sentido
mais completo do termo: ficção,
ficoao, sistema de explicação
explicaoao e mensagem mobilizadora.
Nas redações,
redaooes, recordam os jornalistas, há
ha sempre relações
relaeoes amistosas, o horário
horario ée
fixado ao bel-prazer do jornalista e o dono do jornal ée alguém
fixado alguem sempre muito proximo.
próximo.
idealizaeoes constroem uma imagem da profissao
Essas idealizações profissão envolta numa atmosfera de
sonho e melancolia e particularizam um mundo do jornalismo que só so existe
eXiste como um
tempo de antes e que é revigorado pelo trabalho de memória
memoria dos depoentes. Uma
memoria dominada por vestígios,
memória vestigios, nos quais figuram
figuram como categoria central a constru-
constru—
oao idealizada da profissao.
ção profissão.

“Em pé,
“Em pe, na calçada,
caleada, depois do expediente, Roberto explicou seu papel.
No O
0 Globo, ninguém
ningue’m cuidava de espanar o
0 p6
pó do tempo, o0 p6
pó que, desde
A Noite, cada geração
geraeao legava àa geração
geraoao seguinte. Ele estava disposto jus—
jus-
tamente a usar o espanador. Mas sem assombrar os redatores antigos. Que-
Que—
ria tambem
também mudar, sem choque e gradualmente, a pagina
página de futebol. Mas
Voces, um dia,
confessou que tinha medo de nossos exageros. Disse mesmo: Vocês,
puseram a fotografia
fotografia de um penico com o Jaguaré”.
Jaguare”. (Rodrigues, 1977:180)
1977: 180)

Dessa forma, Nelson Rodrigues recorda, em suas Memo’rias Confissées, a entra-


Memórias e Confissões, entra—
irmao Mário
da de seu irmão Mario para a redação
redaeao de O 0 Globo, para dirigir a pagina
página de esporte,
mil—re’is mensais. “Um
ganhando quinhentos e cinquenta mil-réis “Um salário
salario de primeirissima
primeiríssima or-
dem”, para a época.
dem”, e’poca. A contratação
contrataoao de novos redatores e editores faz parte do projeto
modernizaeao do jornal que o novo dirigente quer implementar.
de modernização
Nelson, na mesma época, também
tambe’m vai trabalhar no jornal, ainda que apenas como
irmao e, segundo seu depoimento, sem ganhar nada.
ajudante do irmão

História Cultural da Imprensa — 99


“Eu não
“Eu nao ganhava um tostao
tostão e continuava desempregado. Mas para ajudar
aj udar
irmao, passei a trabalhar como qualquer funcionário
meu irmão, funcionario de O
0 Globo e mais
funcionario de O
que qualquer funcionário 0 Globo. Chegávamos
Chegavamos eu e o 0 Mário
Mario às
as sete ho-
manha, e saíamos
ras da manhã, saiamos às
as cinco da tarde”. (Idem, ibidem)
tarde”. (Idem,

Apenas um ano depois, começaria


comeearia a ganhar. “Um
“Um ano depois, comecei a ganhar.
mil—re’is.” (Rodrigues, 1977:181)
Eis o meu primeiro ordenado: duzentos mil-réis.” 1977:181)
O fazer jornalistico
jornalístico passa àa história
historia como missão,
missao, uma árdua
ardua e ao mesmo tempo
agradavel tarefa, apesar dos baixos salários,
agradável salarios, da necessidade de trabalhar em vários
Varios
horario incerto nas redações,
lugares, do horário redaeoes, das relações
relaooes nem sempre cordiais entre as
chefias, dos conchavos que resultavam em traiooes
chefias, traições como a de Geraldo Rocha.
Colocando, lado a lado, passado e presente, os depoimentos vão
Vao forjando
forj ando um mundo
dual. A evocação
evocaoao da chamada idade do ouro repousa na oposição,
oposigao, ontem e hoje, no
qual o presente é o tempo da degradação,
degradaoao, por oposição
oposigao a um certo passado marcado
pela grandeza, pela nobreza, por uma certa felicidade que precisa ser redescoberta.
redeseoberta.
cristaliza—se e se fixa
Esse passado de luz, mais feliz e, sobretudo, mais belo, cristaliza-se fixa em
evoeados: a amizade, a solidariedade, a comunhão.
valores essenciais, sempre evocados: comunhao.

“Eu saí,
“Eu sa1’, fui aaANoite,
A Noite, no Largo da Carioca, subi as escadas e lá la em cima
estava o Adolfo, que era o0 porteiro e eu nesse tempo tinha uma cara de meni— meni-
no. Eu era mesmo menino, era mocinho, era estudante ainda. —– O que você vocé
quer? —– Eu quero falar com o0 Dr. Irineu Marinho. VocêVocé conhece? — – Nao,
Não, nao
não
conheoo. Ele foi, voltou: —
conheço. nao está.
– ele não esta. Eu ia me retirando quando abriu uma
porta e apareceu um senhor meio calvo. Era o proprio
próprio Irineu Marinho. Virou-
se e disse: — vocé quer, menino? —
– O que você – Eu queria falar com o senhor. —– Pode
falar. Eu acabei de deixar O Imparcial, eu sou estudante, sou pobre, preciso
continuar trabalhando para poder continuar os estudos. Ele disse: —– O que é
vocé sabe fazer? Digo: de jornal eu sei tudo, mais ou menos tudo porque
que você
eu tenho feito tudo, até ate’ Câmara
Camara dos Deputados, coisa e tal. Ele chamou
Eurycles de Mattos, que era o0 secretário
secretario e disse: — V6 o que esse
– Eurycles, vê
menino pode fazer. Dá Da uma nota aí ai pra ele”.
ele”. (Depoimento de Gonçalves,
Gonoalves,
Manoel Antonio. In: Memo’ria
Memória da ABI)

No relato de Manuel Antonio Gonçalves


Gongalves sobressai a proximidade e a generosidade
do dono do jornal que se solidariza com a necessidade do jovem jornalista. Sobressai
tambem o caráter
também carater prático
pratico da profissao, cuj as tarefas forjam
profissão, aprendida no cotidiano, e cujas forj am um
profissional capaz de executar qualquer função
profissional fungao no periédico.
periódico. ÉE a pratica construia
prática que o construía

– apesar da pouca idade — – como um jornalista que “de
“de jomal
jornal fazia tudo”.
tudo”.

100 — Vestígios memoráveis


memorias são
Essas memórias sao discursos cuja principal função
funcao é forçar
forcar uma imagem
imagcm do gru-
gru—
po e6 sua propria identidadc, valendo-se
própria identidade, valcndo—sc de
dc um imaginário
imaginario que
quc privilcgia
privilegia o tempo
comeco, ou seja,
fabuloso do começo, scja, o mito da idade
idadc do ouro de
dc um jornalismo dc outrora.
jornalismo de
lcmbrar um número
Por outro lado, ao lembrar nfimcro restrito
rcstrito de
dc acontecimentos,
acontccimcntos, ao priorizar deter-
minados fatos ec relegar
rclcgar outros ao esquecimento,
csquccimcnto, ec ao manter
mantcr o mesmo fiofio condutor
perccbc-sc essas
nas narrativas, percebe-se cssas histórias
histérias de
dc vida
Vida como instrumentos de
dc construção
construcao da
identidadc do grupo.
identidade
Nas memórias
memorias individuais está
csta prescntc
presente uma pcrccpcao mcio físico
percepção do meio fisico e6 social que
quc
sujcito. Esse
circunda o sujeito. Essc prescntc continuo se
presente contínuo sc manifesta por movimentos
movimcntos (ações
(acocs ec rea-
cocs) do corpo sobre
ções) sobrc o ambiente.
ambientc. O lugar ocupado por quem
qucm relata
rclata tn influéncia
tem influência
dccisiva na prescrvacao
decisiva lcmbranca (Bérgson, 1990).
preservação da lembrança 1990).
O jornalista reconstrói
reconstroi sua vivência,
ViVéncia, baseado
bascado neste
nestc lugar social. Os pontos de dc sig-
sig—
nificacao da sua lembrança
nificação lcmbranca relacionam-se
rclacionam-sc ao ambiente
ambientc de dc trabalho, sendo
scndo marcos
memoravcis a entrada
memoráveis cntrada na profissão
profissao (iniciação),
(iniciacao), a traj ctoria profissional
trajetória profissional ec a aposenta-
aposcnta—
fim).
doria (o fim).
Através de
dc mecanismos
mccanismos pcculiares, cntrc os quais a transformacao
peculiares, entre transformação da profissao cm
profissão em
imagcm significativa,
imagem significativa, essas
cssas memórias
memorias expõem
expocm um corpo de dc ideias
idcias ec representações
rcprcscntacocs da
socicdadc acerca
sociedade accrca do papcl quc deveriam
papel que dcvcriam tcr
ter os jornalistas não
nao no passado, mas no
prcscntc.
presente. Do ponto de
dc vista
Vista profissional
profissional privilcgiam
privilegiam o podcr
poder dedc serem
scrcm detentores
dctcntorcs da
informacao, da atualidade
informação, atualidadc inédita ec imediata, e de serem
scrcm uma espécie
cspécic dedc orientadores
orientadorcs
pfiblico, cumprindo com o que
do público, quc vão
Vao construindo como missão
Inissao — cspécic de
– espécie dc sacerdó-
saccrdo—
cio — imprcnsa.
– da imprensa.
A imagem
imagcm de dc sacerdócio
saccrdocio ligada àa atividade
atividadc profissional quc destaquem
profissional faz com que dcstaqucm
sacrificios inerentes
sacrifícios incrcntcs àa profissão
profissao ec ao cotidiano duro, com
corn horários
horarios incertos
inccrtos ec parcos
rccursos materiais.
recursos matcriais. Nas suas memórias,
memorias, os jornalistas transmitcm lcgado
transmitem ao futuro um legado
dc experiências
de cxpcriéncias adquirido no dia-a-dia
dia—a—dia da profissao, construindo—sc como espécies
profissão, construindo-se cspécics de
dc
testcmunhas privilcgiadas de
testemunhas privilegiadas dc uma época. Ao fazê-lo,
fazé—lo, constroem
constrocm uma imagem
imagcm prepon—
prepon-
scu eu
derante do seu cu — sujcito de
– sujeito dc sua própria
propria descrição
dcscricao —, caractcrizando—sc de
–, caracterizando-se dc maneira
Inancira
peculiar ec transmitindo essa
cssa idealização
idealizacao como memória
memoria do grupo.
Nessas narrativas, a imagem
imagcm da profissao, dc parametros
profissão, através de parâmetros pessoais, é apre-
aprc-
scntada como comum ao grupo. Realizam,
sentada Rcalizam, assim, uma transformacao objcto de
transformação do objeto dc
memoria —
memória atiVidadc jornalistica
– no caso a atividade jornalística —– numa imagem
imagcm significativa,
significativa, criando me-
canismos dedc transmissão
transmissao da memória
memoria coletiva.
colctiva. O amor ec a dedicação
dcdicacao àa atividade
atividadc se
sc
sobrcssacm nesses
sobressaem ncsscs vestígios
vestigios do passado. Mediado
Mcdiado pclo scu lugar no mundo, esses
pelo seu csscs
autorcs fazem
autores fazcm da lembrança,
lcmbranca, objeto
obj cto do seu
scu relato,
rclato, uma das memórias
memorias coletivas
colctivas válidas
Validas
proprio grupo.
do próprio

História Cultural da Imprensa — 101


IV. Imprensa e Estado Novo:
pfiblico como “massa”
O público “massa” (1930-1940)

“Era um alto negócio


“Era negoeio para os donos de jor—
jor-
nais colaborar com a ditadura de Getúlio
Getulio e não
nao
protestar contra a censura e todas as outras limita-
ções
eoes impostas pelo regime. Os jomais
jornais mantinham
a qualidade, os diretores podiam pagar menos aos
repórteres,
repérteres, as vendas permaneciam altas e não
nao
havia
haVia conflito
conflito com o governo.”
governo.” (Joel Silveira
Silveirazo)
20
)

periodo inaugurado em novembro de 1930


O período 1930 e que passa àa história
historia como Estado
Novo ée’ marcado por ambiguidades tambe’m
também no campo jornalistico.
jornalístico. Lembrado sempre,
nos depoimentos dos homens de imprensa, como o momento em que os jornais jornais tém
têm
sua liberdade inteiramente cerceada pela ação
aeao da censura e do Departamento de Im- Im—
prensa e Propaganda (DIP), criado em 1939,
1939, não
nao se pode considerar de forma unâni-
unani—
me que toda a grande imprensa sofre negativamente com a ação
aeao politica
política do periodo
período
ditatorial de Vargas.
A complexidade
compleXidade das relações
relaeoes politicas, coalizao de forças
políticas, que se inicia com a coalizão foreas que
assume o0 poder em 1930,
1930, se reflete
reflete na propria configuraeao do jornalismo
própria configuração jornalismo do Rio de
Janeiro, que funciona nas cercanias do poder. Ainda que haja a claraClara utilização
utilizaeao dos
comunicagao —
meios de comunicação – inclusive os mais modernos, como o0 rádio
radio —– para atingir um
publico identificado como massa, há
público agora identificado ha tambe’m
também o alinhamento dos dirigentes das
principais publicaeoes
publicações com o regime. Ainda que haja encampação
encampaeao de alguns periodi-
periódi-
cos, perseguieao ha mais proximidades, acordos e relações
perseguição de outros tantos, há relaeoes conjuntas
conj untas
divergencias.
entre os homens de governo e os homens de imprensa do que divergências.
Falar, portanto, da imprensa durante os quinze anos em que Getúlio
Getulio Vargas esteve
àa frente do Governo ée’ falar das complexas relações
relaeoes de poder que se estabelecem, da


20
Entrevista a Juliana Rodrigues Baião.
Baiéo. 12 de janeiro de 2001.
2001.

História Cultural da Imprensa — 103


questao do Estado, entendido de maneira ampliada, tal como concebeu Gramsci e, final-
questão
formacao de um pensamento que se constrói
mente, compreender a formação constroi como dominante nes-
nes—
cenario e que será
se cenário sera fundamental para a formulação
formulacao dos ideais estadonovistas. Há
Ha a pre-
ocupacao de incluir um novo personagem: o publico
ocupação Visto como massa. Há,
público agora visto Ha, ainda, a
construcao de um ideal de nação
construção nacao onde prevalece a ideia de direcionamento politico
político e
intelectual dos que ocupam posicao
posição dominante em face do restante da populacao.
população.
unanime, a historiografia aponta os primeiros anos da década
De forma quase unânime, decada de
1930 como de acentuada instabilidade politica,
1930 política, diante da incapacidade de qualquer
dos grupos dominantes em assumir o controle das funções funcoes politicas. situacao
políticas. Essa situação
responsavel por algumas das características
teria sido responsável caracteristicas mais marcantes da politica bra—
política bra-
entao, entre elas a personalização
sileira de então, personalizacao do poder, construindo-se
construindo—se a imagem — –
mitica —
meio real e meio mítica – da soberania da sociedade politica
política sobre o conjunto da
instaura—se como fundamental a ideia de
sociedade. Paralelamente a este movimento, instaura-se
participacao —
participação – ainda que de maneira passiva — – das massas populares urbanas. Consta-
Consta—
ta—se como sendo fundamental para a formatação
ta-se formatacao da ideia de Nacao construcao de um
Nação a construção
auditorio que simbolicamente referendaria a imagem do poder, personificado
auditório personificado de manei-
mitica na figura
ra mítica figura do líder
lider carismático.
carismatico.
gestacao desde a década
Estavam em gestação de’cada anterior as ideias que dominam o cenário
cenario
ideologico dos anos 1930.
ideológico 1930. O diagnóstico
diagnostico que se fornece para o pais centra—se na ques-
país centra-se
tao da organização
tão organizacao nacional: é preciso conceber o pais nacao dentro de um
país como nação
proj eto político
projeto politico que destina ao Estado (e aos seus intelectuais orgânicos)
organicos) a missão
missao de
direcao ao restante da populacaofl.
dar direção população .
21

Nesse projeto politico, “edificio chamado Bra-


político, a base sob a qual deve repousar o “edifício Bra—
sil” seriam as tradicoes,
sil” tradições, herdadas de um passado e de uma terra promissora. No cam-
po estaria localizada a verdadeira riqueza da terra, sendo a cidade, em contrapartida,
ilusao, da desordem, da multiplicação
o lugar da ilusão, multiplicacao de valores alienígenas.
alienigenas.
antitese cidade versus campo tambe’m
Essa antítese econémicas e
também vai dominar as ideias econômicas
politicas do Estado Novo. Constata-se,
políticas Constata—se, ja decada de 1920,
já na década 1920, o declínio
declinio das institui-
institui—
coes, materializadas numa crise institucional, politica
ções, política e social. Assim, ée fundamental
acao dos homens de Estado e de governo para mudar este cenário.
a ação cenario.
A missão
missao cabe naturalmente — Visao ideológica
– dentro dessa visão ideologica —
– aos que melhor
estao aparelhados para desempenhar funções
estão funcoes tao organizacao e na di-
tão complexas, na organização
recao da educação.
reção educacao. Enfim,
Enfim, na construção
construcao institucional que daria rumo àquele
aquele que
deveria ser guiado, o povo, que passara
passará a ser nomeado como massa.

21 Essas ideias que podem ser sistematizadas sob a égide do pensamento conservador brasileiro são
21
sao desen-
volvidas por Oliveira Vianna, Alberto Torres e Francisco Campos.
Campos. Para referências
referéncias completas,
completas, cf. Bibliografia.
Bibliografia.

104 — Imprensa e Estado Novo


Na ideia de direção
direoao há
ha que se observar ainda algumas construções
construooes ideológicas
ideologioas
presentes durante todo o Estado Novo. A primeira ée a de que os homens são
sao por
eomo missão,
natureza diferentes, havendo aqueles a quem caberia, como missao, a árdua
ardua tarefa de
eduear e fazer as leis a serem cumpridas e os outros, que deveriam ser educados e
educar
obedeoer. Introduz-se,
obedecer. Introduz—se, em consequência,
consequéncia, a naturalização
naturalizaoao da ideia de hierarquia entre
os grupos sociais.
destaoado refere-se àa noção
O segundo aspecto a ser destacado nooao nascente de sociedade de
individuo tem comportamento social e moral marcado
massas, em que o indivíduo maroado pela desori-
entaoao, formando um todo amorfo, anônimo
entação, anonimo e uniforme.
atraVes de múltiplos
Caberia ao governo, através multiplos aparelhos burocráticos
buroeraticos criados no perio-
perío-
inteleetuais orgânicos
do e com o concurso de intelectuais organicos dos grupos dirigentes, desempenhar
funooes cada vez mais complexas, inclusive a de dar orientação
funções orientaoao ao povo, massa amorfa
apresenta—se a necessidade
e indiferenciada. Paralelamente, apresenta-se neeessidade de difundir conhecimen-
eonheoimen-
tos e noções
noooes elementares e, assim, torna—se
torna-se fundamental o papel dos intelectuais e dos
veiculos de difusão,
veículos difusao, isto é, a imprensa.
Essas ideias, que constituem o pensamento conservador
oonservador brasileiro inspirado no pen-
autoritario europeu, ganharão
samento autoritário ganharao no Brasil nuanças
nuanoas particulares. Enquanto, na
direoao ideológica
Europa, a direção ideologica fundamenta-se
fundamenta—se na tentativa de os antigos grupos sociais
posieoes diante da pressao
manterem suas posições pressão dos trabalhadores e dos grupos populares, no
Brasil o0 avanço
avanoo das ideologias autoritárias
autoritarias vincula-se
Vincula-se àa emergência
emergénoia de novos grupos
foroas políticas,
sociais e forças politicas, dentro de um projeto que almeja a modernização
modernizaoao da socieda-
sooieda—
de. Para isso, ée fundamental a existência
existencia de um Estado forte que tutelaria a sociedade,
sooiedade, os
economioo.
grupos sociais e o sistema econômico.
Assim, nas ideias da década
decada de 1920
1920 e que tomam corpo
oorpo na configuração
configuraoao
1930, ée’ fundamental traear
institucional dos anos 1930, traçar um programa que atinja a todos
atraVes da educação
através eduoaeao e da massificação
massifioaoao das informações.
informaeoes. Instituições
Instituiooes fortes, porque ba-
ba—
tradiooes, nos valores, na disciplina, na autoridade e na hierarquia, dariam,
seadas nas tradições,
atraVes de uma politica
através direeao ao povo brasileiro, agora classificado como
política nacional, direção eomo
concepeoes sintetizarão
massa. Todas essas concepções sintetizarao o proj eto institucional implantado a partir
projeto
Revoluoao de 1930
da Revolução 1930 e com mais intensidade a partir da instauração
instauraoao do periodo
período
autoritario, em 1937.
autoritário, 1937.

pressoes
Estado Novo: controle e pressões

revoluoionario que depôs


O movimento revolucionário depos o presidente Washington Luiz, em 24 de
1930, instala no poder uma junta governativa provisoria
outubro de 1930, provisória que, dias depois,
transmite o governo ao candidato
eandidato derrotado nas eleições
eleiooes presideneiais: Getulio Vargas.
presidenciais: Getúlio

História Cultural da Imprensa — 105


Oito dias depois de tornar chefia do Governo Provisório,
tomar posse na chefia Provisorio, Vargas, em 1111 de
novembro do mesmo ano, promulga o Decreto nº no 19.398
19.398 que institucionaliza os poderes
discricionarios do chefe do governo, reunindo em suas mãos
discricionários maos atribuições
atribuicoes do poder exe-
cutivo e do legislativo. O decreto dissolve o Congresso Nacional, as Câmaras
Camaras Estaduais
orgaos legislativos ou deliberativos existentes no pais.
e Municipais e quaisquer órgãos país.
Caracterizado pelo caráter
carater altamente centralizado e monolítico,
monolitico, o novo regime
condicoes favoraveis
cria condições favoráveis para a autonomia da sociedade politica, meca—
política, instituindo meca-
nismos para fortalecimento do poder do Estado, aperfeiçoando
aperfeicoando formas de controle
Vida social, multiplicando as ações
das diferentes esferas da vida acoes no sentido de se consoli-
dar nacionalmente.
Para ser tornar um
urn governo forte, centralizado e apartidário,
apartidario, monta um
urn complexo
quadro juridico—institucional,
jurídico-institucional, criando mecanismos para interferir nos diversos setores
Vida social e ampliar os poderes do Executivo, construindo normas reguladoras nas
da vida
relacoes entre o poder central e o estadual (restringindo a autonomia dos governos
relações
intervencao na economia e de controle politico
estaduais), instituindo instrumentos de intervenção político
incluidos os dife-
e criando uma estrutura corporativa, onde se sentiam aparentemente incluídos dife—
rentes grupos sociais, entre eles os trabalhadores urbanos (Fausto, 1986).
1986).
O Estado Novo é,e, portanto, o conjunto de mudanças
mudancas ocorridas de 1930
1930 a 1945,
1945,
instaurando o que passaria àa história
historia como
corno “Era
“Era Vargas”.
Vargas”. Nesse longo periodo viveu—
período viveu-
se, do ponto de vista político
politico e institucional, o Governo Provisório
Provisério (1930-1934),
(1930—1934), o 0
Periodo Ditatorial (1937-1945).
Governo Constitucional (1934-1937) e o Período (1937—1945). Esses trés
três
momentos distintos representam o desdobramento de um processo politico político que se
ascensao ao poder da coligação
inicia com a ascensão coligacao representada pela Alianca
Aliança Liberal.
Mendonca identifica
Sonia Regina de Mendonça identifica no Golpe de 1930
1930 o momento de primeira
avanco da acumulação
ruptura no que diz respeito ao avanço acumulacao capitalista no pais,
país, para que
urn núcleo
fosse implantado um nficleo básico
basico de indústrias
indfistrias de bens de producao.
produção. Para isso ée’
redefinicao do papel do Estado no plano econômico,
fundamental a redefinição economico, de forma a tornar
urbano—industrial o eixo dinâmico
o polo urbano-industrial dinarnico da sociedade (1986:13)
(1986: 13)”.
22
.
O crescimento do aparelho do estado torna dispensáveis
dispensaveis os tradicionais canais de
expressao da sociedade civil (partidos politicos,
expressão associacoes etc.), consolidando-se
políticos, associações consolidando—se
fOrmula de participacao
uma nova fórmula participação politica
política no pais.
país. Para isso, o Estado vai multiplicar
nl’imero de agências,
o número agencias, institutos, conselhos, autarquias que irão
irao centralizar as deman-

22 Na mesma obra, a autora identifica quatro interpretações


22
interpretagées principais sobre o caráter
caréter do golpe de outubro:
outubro:
aqueles que o identificam como sendo um movimento das classes médias;médias; os que o atribuem a ascensão
ascensao da
burguesia industrial ao
a0 poder político;
politico; os que explicam 1930
1930 como resultante da atuação
atuagéo conjunta das oligar-
oligar—
quias agrárias
agrérias produtoras para o mercado interno,
interno, associadas aos militares;
militares; e, finalmente,
finalmente, os que sem se
preocupar com os agentes que participaram do movimento, pretendem apreender o seu sentido geral, geral, avali-
ando os beneficiários
beneficiérios do novo direcionamento dado pelo Estado aos rumos da economia (Idem: (Idem: 14).
14).

106 — Imprensa e Estado Novo


atrave’s da multiplicação
das dos diferentes setores da sociedade, através multiplicaeao dos órgãos
orgaos burocrá-
burocra—
ticos. Cria-se
Cria—se o que Mendonça
Mendonea chama Estado burocrático-autoritário.
burocratico-autoritario.
A década
de’cada de 1930
1930 pode ser visualizada como o periodo aureo de crise das ideolo-
período áureo ideolo—
ascensao das ideias e valores autoritários.
gias liberais e da ascensão autoritarios. Nao
Não se trata de um fenô-
feno—
meno brasileiro, como ja já enfatizamos. No decorrer da década
decada de 1920,
1920, a Europa as-
as—
exito de movimentos de caráter
sistira ao êxito carater totalitário
totalitario de direita, levando àa eliminação
eliminaoao
do sistema pluripartidario, competigao politica,
pluripartidário, da competição política, da liberdade de imprensa, ao mes-
mo tempo em que se edificava
edificava a supremacia do executivo.
Caracterizando o pensamento conservador moderno, inspiração
inspiraeao do pensamento
autoritario brasileiro, Karl Mannheim (1959) particulariza esse modelo como oposto
autoritário
ao pensamento do Direito Natural, na medida em que a ideia de Razão Razao estática
estatica ée
substituida pela ideia de Razão
substituída Razao em permanente mudança
mudanoa e movimento. Contra a cons-
cons—
truoao individuos como unidades isoladas, o conservadorismo opõe
trução de indivíduos opoe uma totalida—
totalida-
nao ée’ a mera soma das partes. Assim, o Estado ou a Naoao
de que não nao deve ser com-
Nação não com—
preendido como a soma de seus indivíduos
individuos membros, mas, ao contrário,
contrario, os indivíduos
individuos
devem ser vistos como fazendo parte de uma totalidade mais ampla. Forma-se
Forma—se uma
“espirito do povo”,
espécie de “espírito povo”, que domina a ideia de Naeao.
Nação.
individuo e acontecimento isolados são
Todo indivíduo sao puramente acidentais e fortuitos, em
contraste com a unidade territorial que forma um todo uno e indivisível.
indivisivel. A Naeao
Nação ée a
geragoes passadas, presentes e futuras, materializada a partir
comunidade com suas gerações
de uma linguagem, costumes e leis comuns, mas tambem instituieoes,
também no conjunto de instituições,
familias e, finalmente,
em antigas famílias finalmente, em uma família
familia imortal, que é a do governante
(Muller, citado por Mannheim, 1982:129).
(Müller, 1982:129). O passado, nessa formatação
formataoao ideológica,
ideologica,
so tem valor na medida em que sobrevive no presente, ja
só devoeao ée voltada para
já que a devoção
o presente, no que é definido
definido como novo e atual.
Mannheim argumenta ainda que nem o pensamento conservador nem o liberal
sao sistemas prontos, sendo modos de pensar em permanente e contínuo
são continuo processo.
nao desejava
O conservadorismo, acrescenta, não desej ava apenas pensar alguma coisa diferente
de seus oponentes liberais, mas queria pensa-la
pensá-la de modo diferente e esse foi o impul-
so que proporcionou a nova forma de pensamento (Idem: 133-134).
133-134).
oposigao ao pensamento Iluminista, o conservadorismo coloca em lu-
Sendo uma oposição
razao conceitos como história,
gar do primado da razão historia, vida
Vida e nação.
naoao. Em contraposição
contraposieao àa
tendencia opoe a irracionalidade da realidade, ao mesmo tempo em que
tendência dedutiva, opõe
radicaliza o problema da individualidade, percebendo diferenças
difereneas entre os indivíduos.
individuos.
Assim, não
nao haveria mais uma espécie
espe’cie de indivíduo
individuo de caráter
carater universal. Combatendo
crenea liberal na aplicabilidade de todas as inovações
a crença inovagoes politicas
políticas e sociais, concebem a
valida apenas para determinada nação,
ideia de organismo social, válida naoao, o que impede a trans—
trans-
ferencia arbitrária
ferência arbitraria de modelos de liberdade institucionais de um lugar para outro.

História Cultural da Imprensa — 107


concepooes do conservadorismo, podernos
Fechando as concepções nega—
podemos ainda acrescentar a nega-
oao do individualismo e do indivíduo
ção individuo e, por último,
filtimo, a concepção
concepoao dinâmica
dinamica de Ra-
250. O que muda não
zão. nao é o mundo, mas
Inas a Razão
Razao e suas normas é que estão
estao em constan-
constan—
mutaoao e movimento.
te mutação
Corn a emergência
Com emergéncia de novas forças
foroas politicas 1930 —
políticas no Brasil dos anos 1930 – getulistas,
tenentistas, integralistas, comunistas e aliancistas — modernizaoao da
– no contexto de modernização
reorganizaoao
sociedade e de reorganização do aparelho estatal, torna—se
torna-se emergente construoao de
a construção
funooes tutelares sobre toda a sociedade. É
um Estado forte com funções E por isso que, mesmo
ocupando posiooes foroas politicas
posições diferentes, as forças políticas pertencem a umurn mesmo universo
ideolégico caracterizado pelo autoritarismo, pelo intervencionismo e pelo nacionalis-
ideológico
1986:517).
mo (Fausto, 1986:517).

historia, uma imprensa...


Uma história,

O Estado Novo é também o momento de construção


construoao de uma dada história
historia da im-
im—
relaooes da imprensa com o poder
prensa no Rio de Janeiro, na qual se destacam as relações
e o papel engendrado pelos jornalistas para o seu lugar social e6 politico,
político, ante esta
batalha de e6 pelo poder.
1930 são
Os anos 1930 s50 um periodo evidéncia da politica
período de evidência política e estes temas encontram
encontrarn o
seu lugar natural na imprensa. A polêmica
polémica e o apoio institucional ao governo ou a
oposioao sistemática
oposição sistematica ganham espaço
espaoo nobre nas paginas
páginas das publicaooes.
publicações. Os jornais se
dominio da política,
constroem como domínio politica, recuperando um urn lugar que a rigor nunca perde-
ram, no qual a polémica espaoo preponderante. O Estado ganha, cada vez mais,
polêmica ocupa espaço
divulgaoao —
a exclusividade da divulgação – seja por coerção,
coeroao, seja por alinhamento
alinharnento politico
político e,
portanto, por concordância
concordancia comcorn as ações
aooes da sociedade politica
política —,
–, mas o pfiblico
público é
periodicos. De tal forma que em meados da década de 1930,
afastado dos periódicos. 1930, o leitor está
esta
praticarnente ausente das publicaooes.
praticamente publicações. Sua fala é silenciada nos jornais,
jornais, enquanto a
ampliaoao se dá
fala do Estado é ampliada. Essa ampliação da através
atraVés da constituição
constituioao de um amplo
burocratico—repressor, via
aparato burocrático-repressor, Via formação
formaoao do Departamento de Imprensa e Propa- Propa—
ganda (DIP) e pela ação
aoao da censura, ou através
atraVés do alinhamento politico
político da imprensa,
simbolicos, a partir de sua aproximação
que procura aferir lucros reais e simbólicos, aproximaoao com o poder.
A
À medida que a fala politica comunicaoao, há
política é ampliada nos meios de comunicação, ha a inclusão
inclusao da
fala do pfiblico rnidiaticos. No rádio
público em novos lugares midiáticos. radio e6 nas revistas mundanas a voz
pfiblico aparece em meio a uma atmosfera onde o glamour e a fantasia tomam o
do público
lugar da realidade politica.
política.
Podernos dizer que a proliferagao
Podemos proliferação de novos tipos de conteúdo
contefido na mídia
midia do periodo
período
exigéncia do público
diz respeito a uma exigência pfiblico que procurará
procurara cada vez mais na fantasia e6 na

108 — Imprensa e Estado Novo


emooao de personagens mitificados
emoção mitificados a expressão
expressao de seu rosto silenciado. Ao se ver
discussao politica,
apartado da discussão mostrara a sua face nas colunas que enfocam o entre-
política, mostrará
tenimento e nas notícias
noticias que envolvem os dramas do cotidiano.
1938, estão
Em 1938, estao oficialmente
oficialmente registrados no então
entao Distrito Federal 23 jornais,
matutinos23.
entre vespertinos e matutinos 23
centenario Jamal
. Desde o centenário cla Commercio,
Jornal do Cammercia, até
ate’ aque-
aque—
inicio da década
les que aparecem no início de’cada como o Diaria a’e Natz'cias.
Diário de desta—
Notícias. Dentre eles desta-
cam—se
cam-se pelo poder de difusao
difusão junto ao pfiblico, 0 Jamal, Diaria
público, O Jornal, Diário da Naite, Naite,
Noite, A Noite,
A Martha Carreia da
Manhã e o Correio a’a Manha.
Manhã.
A0
Ao lado desses circulam outros periodicos expressao como A Batalha,
periódicos sem muita expressão
A Nagaa, 0 Radical, Voz
Nação, O Vaz de Portugal, Correio
Carreia da Naite,
Noite, A Nata, Vanguarda e Dema-
Nota, Vanguarda Demo-
Ha ainda os tradicionais diários
cracia. Há diarios que tiveram importância
importancia nas décadas
de’cadas anteriores,
estao em franco declínio
mas que estão declinio de pfiblico,
público, como o Jamal a’a Brasil, O
Jornal do 0 Imparcial e
Gazeta de Naticias 1941 :274-6). Há
Notícias (Porto, 1941:274-6). Ha outros que só
so ganham relevo nas décadas
de’cadas
seguintes, como o0 Diana Cariaca, fundando em 1928,
Diário Carioca, 1928, e O
0 Globo,
Glaba, criado em 1925.
1925.
diarios são
Os principais diários sao editados em média
media em cadernos de 24 paginas,
páginas, podendo
ate’ 60 páginas.
atingir aos domingos até paginas. As tiragens dos matutinos mais populares situ-
am—se em torno de 40 mil exemplares, ja
am-se já vespertinos como O 0 Jamal
Jornal podem atingir
120 mil exemplares. A Naite
120 Noite publica até
ate cinco edições
ediooes diárias.
diarias. Em 1937,
1937, esses jornais
jornais
praticamente saem de duas em duas horas, apesar de só so modificarem
modificarem a primeira e a
filtima página.
última pagina. No final
final da década, com um número
nfimero de paginas diVididos em
páginas maior, divididos
fiteis e cinquenta aos domingos.
cadernos, custam quarenta centavos nos dias úteis
Falar em imprensa no Brasil dos anos 1930 1930 ée perceber as suas relações
relaooes com o
nao apenas como comando politico,
Estado, entendido não formaoao que com-
político, mas como formação com—
semioticos se sobressaem. Para Clifford Gertz,
bina uma simbologia, onde os aspectos semióticos
o Estado condensa pelo menos trés
três temas etimológicos:
etimologicos: o 0 status, no sentido de posto,
posieao, condioao; a pompa, no sentido de esplendor, dignidade, presenoa;
posição, condição; presença; e
governanea, no sentido de regência,
governança, regéncia, regime, soberania, comando. Assim, o que desig-
namos por Estado combina estas trés aeoes —
três ações – status, pompa e governo —– que são sao
(1991 : 153-163).
sempre alardeadas (1991:153-163).
Gramsci, na sua Teoria Ampliada de Estado, chama a atenção atenoao para o caráter
carater
multidimensional dos processos sociais, jajá que, para ele, o Estado seria produto de
mfiltiplas e dinâmicas
múltiplas dinamicas inter-relações
inter-relaooes entre sociedade civil e sociedade politica,
política, num
permanente movimento de pressoes contrapressoes entre grupos de indivíduos
pressões e contrapressões individuos orga-
orga—

23 É
23
E comum, até a década de 1960, a existência
existéncia de jornais cuja edição
edigao aparece às
as primeiras horas do dia,
dia, os
03
matutinos, e os
03 que circulam apenas à
a tarde,
tarde, os vespertinos.
vespertinos. No início
inicio da década de 1940,
1940, os vespertinos são
5:210
os
03 que possuem as maiores tiragens. Cf. Porto.
Porto. 1941:276.
1941:276.

História Cultural da Imprensa — 109


nizados, visando àa produoao aceitaoao do projeto de um des-
produção do consenso, ou seja, a aceitação
ses grupos por todos os demais.
coneepeao inclui a ideia fundamental de direção
Essa concepção direeao intelectual
inteleetual que é imposta
por um grupo a toda a sociedade, através
atraves do consentimento e não
nao apenas da coerção
coereao
explicita. As representações,
explícita. representaeoes, valores e concepções,
concepooes, apresentadas muitas vezes como
conflituosas, fazem parte de um único
divergentes ou conflituosas, unico processo, onde o que está
esta em
jogo ée a imposição
imposieao de projetos elaborados pelos grupos dominantes. A hegemonia
eonta a contra-hegemonia.
deve ser lida tendo em conta
Estado-foroa e do Estado-objeto,
Gramsci rejeita a ideia do Estado-força Estado-obj eto, ampliando seu concei-
concei—
to ao considerar os aparelhos privados de hegemonia existentes na sociedade civil e
formados por adesão
adesao voluntária.
voluntaria. Na medida em que a hegemonia ée resultado da ação aeao
organica que envolve a politiea
orgânica política e a cultura, ganha relevo na problematizaeao gramseiniana
problematização gramsciniana
o papel do intelectual
inteleetual como
eomo “produto
“produto de toda e cada uma das classes”.
classes”.
Considerar o Estado Ampliado da maneira como formulou Gramsci
Gramsei impõe
impoe que se
avalie o conjunto dos meios que possibilitam a direção
direeao intelectual
inteleetual e moral de uma
classe sobre toda a sociedade, de forma que possa realizar sua hegemonia —– a produ—
produ-
950 do consenso —,
ção pressupoe sempre e necessariamente multiplos
–, o que pressupõe equilibrios
múltiplos equilíbrios
de compromisso. Hegemonia em Gramsci não nao ée apenas domínio
dominio ideológico,
ideologico, impli-
cando tambem construeao de nova forma de civilização.
também a construção civilizaoao. Para isso ée fundamental a
desconstruoao de mitos da sociedade capitalista e a construção
desconstrução construeao de uma identidade
naeional, incorporando nesse processo os trabalhadores (Gramsci, 1986,
nacional, 1986, 1989
1989 e 1991).
1991).
No Estado Novo, o pilar para a construção
construeao de um proj eto de identidade nacional
projeto naeional
inclusao, via formulação
foi a inclusão, formulaeao discursiva e ideológica,
ideologica, do grupo urbano em maior
eidades: os trabalhadores. E tambem
crescimento nas cidades: também para realizar essa proposta, a
aoao dos meios de comunicação
ação comunieaoao ée’ decisiva.
Por outro lado, numa sociedade onde são sao emergentes a formação
formaoao de uma nova
dinamica capitalista, as divergências,
ordem e dinâmica divergéncias, rivalidades e dualidades se multipli-
cam. Mas, a par disso, há
ha o
0 projeto de criação
criaoao de uma estrutura de poder, que faz da
coereao e também
coerção tambe’m da busca do consenso chaves de sua ação.aoao. O que se objetiva é a
cooptaeao daqueles que possuem ingerência
cooptação ingerencia sobre o discurso
diseurso tornado visível
visivel e, neste
alianoa com os homens de imprensa são
sentido, o apoio e a aliança sao fundamentais. HáHa tam-
be’m o projeto comum de disseminação
bém disseminaeao de nova visão
visao de mundo e ée’ nessa intenção
inteneao
que os periodicos
periódicos assumem papel-chave.
A entrevista de Joel Silveira se referindo àa adesão
adesao maciça
maciea dos jornais ao proj eto do
projeto
Estado Novo ée emblemática
emblematica do processo de cooptação
cooptaeao da imprensa, fundamental para
divulgaoao da mítica
a divulgação mitica do novo Estado.

110 — Imprensa e Estado Novo


“O Correio da Manhã
“O Manha aderiu, não
nao podia ser contra. Mas os elogios eram
ficou do lado do Estado Novo e assim se con-
magros. O grosso da imprensa ficou con—
servou ou compulsoriamente ou gostosamente. Ate Até que o proprio
próprio Correio da
Manha rompeu essa asfixia,
Manhã asfixia, esse sufoco, com a entrevista
entreVista do José
Jose Americo,
Américo,
feita pelo Carlos Lacerda”.
Lacerda”. (Depoimento de Silveira, Joel. “O
“0 Estado Novo e
Getulismo”. Entrevista
o Getulismo”. EntreVista a Gilberto Negreiros. In: Folha de S.
S. Paulo)

Na mesma entrevista,
entreVista, o jornalista refere-se aos múltiplos
ml’iltiplos processos utilizados pelo
Estado, no sentido de produzir o consenso e conseguir o concurso dos jornalistasjornalistas
organicos dos grupos dirigentes.
como intelectuais orgânicos

“O DIP exercia um duplo controle: um controle autoritário


“O autoritario proibitivo, da
censura propriamente dita. E tinha o controle através
atraVes da corrupção.
corrupcao. O caso
isencao para a importação
da isenção importacao do papel da imprensa. VocêVoce importava o papel
Finlandia, do Canadá,
da Finlândia, Canada, mas tudo sob o controle do DIP. E tinha o derrame
de dinheiro, que era tentador. Por exemplo, o DIP criou uma série de livros
pequenos, tudo sobre o Getúlio:
Getfilio: ‘Vargas
‘Vargas e o Teatro’,
Teatro’, ‘Vargas
“Vargas e o 0 Cinema’,
Cinema’,
“Vargas e a Literatura’.
‘Vargas Literatura’. Pagavam um dinheirão,
dinheirao, em termos de época.
epoca. Um pobre
1500,00 com a edição
intelectual que ganhava, vamos dizer, Cr$ 1.500,00 edicao de um roman-
ce, eles botavam dez mil cruzeiros no bolso dele para escrever quarenta pagi- pági-
negocio terrivel.
nas sobre a coisa. Isso era um negócio resistiram”. (Idem,
terrível. Poucos resistiram”. (Idem, ibidem)
ibia’em)

A sociedade politica instituicoes da sociedade civil, onde os jornais


política depende das instituições jornais
se incluem, para divulgar o simbolismo do novo tempo. Por outro lado, os símbolos
simbolos
cenario social precisam se materializar sob as mais variadas formas,
incorporados ao cenário
transfiguracao em realidade se sobressai.
onde a transfiguração
Os jornais disseminam ideias, mas tambem
também transportam as narrativas para o mun-mun—
responsaveis pela criação
do, sendo responsáveis criacao de uma outra realidade. Ao mesmo tempo em que
materializam o Estado, tornando pública
pfiblica a sua simbologia e ideologia politica
política — ideo—
– a ideo-
logia estadonovista —, periodicos, ao narrar as ações,
–, os periódicos, acoes, criam contextos para a descri-
descri—
cao, referendando convenções
ção, convencoes que passam a ser interpretadas significativamente
significativamente de
uma forma ou de outra. Estado, hegemonia e cultura são sao dimensões
dimensoes dos mecanismos
exercicio de dominação
de exercício dominacao de classe e da reprodução
reproducao social.
Se por um lado há ha periodicos hegemonico, sofrendo em
periódicos que reagem ao discurso hegemônico,
consequencia sanções,
consequência sancoes, há
ha tambem beneficiam das cercanias do poder.
também aqueles que se beneficiam
nao faltam expedientes os mais diversos, como isen-
Para conseguir o apoio irrestrito não
tar os jornalistas de Imposto de Renda ou subsidiar inteiramente o papel de imprensa
para os jornais que apoiam o governo. O que Joel Silveira considera o “lado
“lado corrupto
ditadura”, nada mais ée do que estratégias
da ditadura”, estrate’gias no sentido da construção
construcao do consenso,
nao incluem necessariamente a coerção.
que não coercao.

História Cultural da Imprensa — 111


“Um ou outro jornal que tentou se rebelar foi imediatamente fechado.
“Um
Mas a grande imprensa daquele tempo imediatamente aderiu ao Estado Novo.
Corn exceção
Toda. Com excecao de O
0 Estado de S. Paulo. ÉE só
so você
voce pegar as manchetes
28”. (Depoimento de Silveira, Joel. Idem,
do dia 28”. Idem, ibidem)

periodo que é instaurado em 1930


O período 1930 e que vai até
ate 1937
1937 pode ser caracterizado
como momento inicial e fundamental para a consolidação
consolidacao do Estado autoritário,
autoritario, que,
maquina centralizadora, domina todos os setores de 1937
com sua máquina 1937 a 1945.
1945. Inclusive a
imprensa.
Os novos detentores do poder são
sao heterogêneos.
heterogéneos. Multiplicam-se após
apos 1930
1930 novos
grupos de interesse que passam a reivindicar
reiVindicar junto ao Estado a sua inserção
insercao na máqui-
maqui—
na estatal. A imprensa encontra terreno fértil
fertil para a defesa de cada um desses segmen-
segmen—
politico. E nesse mundo cabe tambem
tos se constituindo como campo político. também aos jornalistas
definir o seu papel, ainda que a tomada de decisões
definir decisoes continue pertencendo às as elites
dirigentes.

“O mercado de trabalho era limitadíssimo,


“O limitadissimo, porque os jornais tinham tudo
pronto da Agencia
Agência Nacional. Vinha tudo mastigado. As redações
redacoes tinham qua-
qua—
tro ou cinco pessoas que faziam o jornal todo. Vinha tudo pronto, com ordem,
inclusive, de publicar em tal pagina,
página, com tal destaque. O DIP chegava a pon-
to de dizer que tipo devia
deVia ser usado: negrito, corpo 9, àa esquerda. Entendeu?”
Entendeu?”
(Depoimento de Silveira, Joel. Idem,
Idem, ibidem)

Apesar dessas ingerências,


ingerencias, a imprensa, de maneira geral, se alinha ao ideário
ideario do
Estado Novo. “O
“O Jornal do Brasil, por exemplo, era uma louvação
louvacao a Getúlio,
Getulio, ao Esta-
do Novo. A imprensa não
nao reclamava do DIP”
DIP” 24
24,, expõe
expoe Moacyr Werneck de Castro.
No aparato politico ideolégico montado pelo Estado Novo para levar adiante o
político e ideológico
seu proj eto, sobressaem a formação
projeto, formacao de um estado burocrático
burocratico e a criação
criacao do Departa-
Departa—
mento de Imprensa e Propaganda, cuja principal missãomissao ée divulgar a ideologia
manipulacao são
estadonovista. Os mecanismos de manipulação sao pecas
peças centrais no primeiro peri-
perí-
especie de árbitro
odo Vargas, constituindo o Estado como espécie arbitro dos interesses nacionais.
O Estado Novo ée estado de massas, concepção
concepcao que vem sendo formada desde a
de’cada anterior pelos ideólogos
década ideologos do pensamento conservador brasileiro.

24
24
Entrevista a Juliana Rodrigues Baião,
Baiéo, 20 de dezembro de 2000.

112 — Imprensa e Estado Novo


questao nacional
A questão

Aumentando o número
nfimero de agências,
agéncias, institutos, conselhos e autarquias, o governo
orgaos burocráticos
multiplica os órgãos burocraticos de forma a ampliar sua área
area de influência.
influencia. Entre
esses setores estatais passam a figurar
figurar empresas midiáticas.
midiaticas. É
E o que ocorre, por exem-
exem—
plo, com a encampação
encampacao de todo o patrimonio
patrimônio da Brasil Railway, representada pelo
jornal A Noiz‘e,
Noite, pela Radio Nacional, entre outras.
Ha que ressaltar tambe’m
Há criacao no periodo
também a criação mitico de nacionalismo,
período de um ideal mítico
legitimacao. Nesta mítica
como instrumento de legitimação. mitica se destaca a obrigatoriedade de inter-
inter—
vencao governamental como única
venção finica fórmula
formula capaz de superar os pontos frágeis
frageis da
industrializacao como fator
economia brasileira. O nacionalismo traduz-se na ideia de industrialização
determinante para a independência
independéncia econômica,
economica, tornando-se imperativa a construção
construcao
estrate’gias que significaria
de estratégias significaria a ruptura com a subordinação
subordinacao aos paises
países dominantes do
capitalismo mundial.
O nacionalismo passa a fazer parte dos discursos governamentais, como forma de
justificar realizacoes, sendo concebido como projeto do governo, a quem cabe
justificar suas realizações,
engaj a-los na tarefa de solucionar os proble—
mobilizar amplos setores da sociedade e engajá-los proble-
mas da sociedade.
Nacionalismo corresponde, pois, a Estado Nacional. Torna-se
Torna—se crucial, portanto,
para a consolidação
consolidacao do regime politico, nacao. E os conceitos de
político, construir a categoria nação.
nacao, nacionalismo e nacional passam a ser alvos de disputas de diferentes grupos
nação,
urn procurando impor uma marca. Grosso modo esse movimento
sociais. Cada um Inovirnento se
configura em duas correntes principais: de um lado, a concepção
configura concepcao totalitaria
totalitária dos buro-
ideologos do Estado e, de outro, a vertente autoritária
cratas e ideólogos autoritaria representando os inte-
(Mendonca, 1986).
resses da burguesia industrial (Mendonça, 1986).
Apesar das divergências,
divergencias, há
ha um
urn ponto em comum entre ambas as vertentes: para a
construcao da nação
construção nacao seria obrigatório
obrigatorio o controle da classe trabalhadora. Cidadania ée’
definida, a partir daí,
definida, dai, pela integração
integracao ao mundo do trabalho, enquanto se fabrica a
mitica da colaboração
mítica colaboracao e harmonia entre as classes. A questão
questao social ée’ sublimada pela
uniao entre todos os indivíduos,
ideia de união individuos, cabendo ao Estado promover esta união,
uniao,
nacao.
organizando o povo como nação.
A ampla propagacao
propagação desse proj eto e, sobretudo, de sua operacionalização,
projeto operacionalizacao, para a
maioria da populacao nao pode prescindir de uma nova linguagem —
população brasileira não – dirigida
as massas, no dizer do ideólogo
às ideologo do Estado Novo, Francisco Campos — – e dos meios de
cornunicacao, como
comunicação, corno mecanismos indispensáveis
indispensaveis para atingir a populacao.
população. Assim, o
operacionalizacao da linguagem e da ideologia estadonovista é a imprensa e
lugar de operacionalização
comunicacao, sobretudo, o
os novos meios de comunicação, 0 rádio.
radio.

História Cultural da Imprensa — 113


proj eto inclui ainda a criação
O projeto criacao de um órgão
orgao para difundir em uníssono
unissono a ideologia
nucleo institucional desse proj
estadonovista, sendo o núcleo eto o
projeto 0 Departamento de Impren-
sa e Propaganda (DIP). Mas, mesmo antes da ação acao do órgão,
orgao, a censura
censuraja
já estava presen—
presen-
te, ao mesmo tempo em que diários
diarios mais alinhados com o poder — – como O 0 Jamal25
Jornal25 —–
reproduzem esta ideologia, em editorias assinados por Assis Chateaubriand, ou em
noticias.
notícias.

“O Góes
“O Goes Monteiro foi ele que, num dos primeiros atos, baixou a censura
total e absoluta àa imprensa. E a seguir o DIP foi ampliado, quase que com
dimensao de Ministério,
dimensão Ministerio, e controlado por um teorico
teórico do fascismo, chamado
la pelas nove e meia dez
Lourival Fontes. (...) Diariamente a gente recebia, lá
horas, um telefonema com aquela vozinha: Silveira, olha aqui, estáesta falando
fulano (geralmente dava só so o
0 primeiro nome), não
nao pode sair aquilo, evite
eVite
comentarios... Eram as coisas mais desagradáveis.
comentários... desagradaveis. Era a briga do Beijo Vargas
bofetao em alguém
que se embriagava no Cassino da Urca, dava um bofetão alguem e a vozi-
vozi—
comentario sobre a briga do Beijo, heim”.
nha: nenhum comentário heim”. (Depoimento de
“0 Estado Novo e o Getulismo”.
Silveira, Joel. “O Getulismo”. Entrevista
EntreVista a Gilberto Negrei—
Negrei-
ros. In: Folha de S.
S. Paulo)

memorias, Joel Silveira recorda a forma como se operacionalizava a


Nas suas memórias,
comunicacao.
censura aos meios de comunicação.

“Mas a gente dizia: um momentinho. Botava o papel na máquina


“Mas maquina e pedia
para repetir a ordem. Datilografava e pregava numa cartolina. Anos seguidos
eu guardei aquilo. A Constituição
Constituicao do Estado Novo, que dizem ser do Chico
nao é. Ele apenas traduziu do polaco. Você
Campos, não Vocé lê
lé hoje e ée’ exatamente
corporatiVistas, que era o
igual, com uns laivos corporativistas, 0 negócio
negocio do Mussolini e do
Salazar. Todos eles aqui estavam certos de que o Hitler e o Mussolini, o nazi-
ganhar”. (Idem,
fascismo ia ganhar”. (Idem, ibidem)

ideologo do Estado Novo, justifica


Francisco Campos, o principal ideólogo justifica no seu livro
0 Estado Nacional (1940) as razões
O razoes para a criação
criacao de um Estado totalitario, subs—
totalitário, em subs-
tituicao ao liberal democrático,
tituição democratico, uma experiência,
experiéncia, segundo o autor, em processo de
decadencia. A emergência
decadência. emergéncia fundamental do totalitarismo nos tempos modernos ée resul-
faléncia do modelo anterior. O grande perigo, segundo ele, tendo em vista
tado da falência Vista o
0

Após o golpe de 10 de novembro de 1937, O Jornal


25 Apps
25
Jorna/ passa a apoiar Vargas.
Vargas. Segundo o próprio
préprio Assis
Chateaubriand “era
“era necessário
necessario atravessar um túnel,
tL’mel, na esperança
esperanca de que o futuro abrisse perspectivas para
a restauração
restauragao do regime democrático”.
democratico”. (DHBB:
(DHBB: 2863)

114 — Imprensa e Estado Novo


crescimento das massas, ée’ a adoção
adoeao de uma educação
educaeao liberal. É
E necessário
necessario arregimentar
todos os esforços
esforeos no sentido de conduzir as massas a um ideário
ideario comum.
Anular—se—ia
Anular-se-ia a neutralidade do Estado, criando-se no campo das ideias uma ideo-
espeeifiea e precisa pode—
logia forte. Somente um Estado portador de uma ideologia específica pode-
missao pedagógica
ria desenvolver a grande missão pedagogioa e tecnica condueao das massas. Para
técnica de condução
nao há
ele, não ha dúvidas
duvidas que o mundo caminha para regimes de autoridade, ao contrário
contrario do
oaraeterizado
século XIX, caracterizado como uma era de liberdade e individualismo inaugurada
revolueoes.
com as revoluções.
“O que chamamos de época
“O epoea de transieao
transição ée exatamente esta época
e’poca profundamente
tragiea, conflito entre as formas tradicionais do nosso espíri-
trágica, em que se torna agudo o conflito espiri—
to (...) e as formas inéditas
ine’ditas sob as quais os acontecimentos
aeontecimentos apresentam a sua configu-
configu—
raeao desconcertante”,
ração desconcertante”, afirma.
afirma.
Assim, o grande perigo ée pensar que se educa para a democracia,
democraeia, quando na verdade
esta passando por um processo de revisão.
essa está revisao. Com o 0 crescimento
creseimento das massas ée urgente
neeessidade de arregimentá-las
a necessidade arregimenta—las segundo um ideário
ideario comum
eomum (Campos, 1940:63
1940:63 e ss).
Para Francisco Campos vive-se, naquele momento, um estado de massas, sendo
necessaria a construção
necessária construeao de nova e complexa estruturação.
estruturaoao. Os mecanismos utilizados
pelo liberalismo não
nao mais se adaptam aos novos tempos. No mundo moderno predo-
concepeao, a cultura de massa —
mina, na sua concepção, – e ée’ no texto de Campos que a expressão
expressao
recorrencia pela primeira vez —,
aparece com recorrência –, o que acaba gerando a mentalidade de
integraoao que se origina nos mecanismos de contágio
massa, uma nova forma de integração contagio via
ampliaeao e difusão
ampliação difusao dos meios de comunicação.
comunicaeao.
Ao lado disso torna-se também
tambe’m fundamental a construção
construoao de um mundo simbóli-
simboli—
unifioando—as de tal maneira que este mundo
co, capaz de arregimentar essas massas, unificando-as
as suas tendeneias
se adaptaria às tendências e aos seus desejos. Aos meios de comunicação,
comunieaeao, sobre-
sobre—
tudo, aos mais modernos — leia—se rádio
– leia-se radio — consolidaeao desse modelo. Obser-
– cabe a consolidação
va—se, pois, no pensamento de Campos indícios
va-se, indicios das formulações
formulaeoes desenvolvidas por
Gustave Le Bon em La psycologie d6 la
psycologie de lafoule.26
foule.26

A adoção
adooao da ideia do primado da irracionalidade das multidões
multidoes também ée’ visível
visivel
“O irracional”,
no texto de Campos. “O irracional”, diz ele, “é
“e o instrumento da integração
integraoao politica
política

26 Tendo como inspiração


26
inspiragao a multidão
multidao de proletários
proletarios nas ruas das cidades europeias,
europeias, no último
Liltimo quartel do
século XIX, Le Bon acreditava que esta massa irracional deveria ser compreendida mas,mas, sobretudo,
sobretudo, controla-
controla—
da. Se a civilização
da. civilizagao industrial não
nao seria possível
possivel sem as multidões
multidoes e se o
0 modo de existência
existéncia dessas multi-
dões
does era a turbulência
turbuléncia havia que controlá-las, já que o comportamento que aflorava sempre tornava visivel
controIa—Ias, ja visível a
“alma coletiva”
“alma coletiva” da massa.
massa. A emergência
emergéncia da multidão
multidao era vista como ameaça
ameaga à a civilização.
civilizagao. E o futuro seria
daqueles que compreendessem as formas de manipular a psicologia das multidões,
multidoes, seduzindo-as
seduzindo—as com ima-
ima—
gens impressionantes.

História Cultural da Imprensa — 115


total” e a forma de controlar essa irracionalidade ée’ a utilização
total” utilizacao de te’cnicas
técnicas capazes de
domar o inconsciente coletivo para, dessa forma, controlar politicamente a nação nacao (p.
12). Daí
12). Dai também ser fundamental a construção
construcao de mitos como forma de dominar a
irracionalidade. As massas seriam então entao unificadas
unificadas em torno de um mito que
figura do chefe. E, no caso do Estado Novo, esse mito ée construído
corporificaria a figura construido
em torno de Getúlio
Getulio Vargas, o “pai
“pai dos pobres”
pobres” e chefe supremo da Nacao. Nação. A única
unica
maneira, no pensamento de Campos — influenciado por uma literatura sobre o
– influenciado 0 com-
com—
multidoes —,
portamento subjetivo das multidões –, de racionalizar o comportamento irracional
atrave’s do destaque ao papel do líder
dessas massas seria através lider carismático,
carismatico, centro da
integracao politica
integração sustentaculo do totalitarismo. A racionalidade se limitaria àquele
política e sustentáculo aquele
a quem cabe o papel de comandante da ação acao politica, so sendo esta bem-sucedida
política, só bem—sucedida se
aceitacao total por parte das massas, irracionais e, ao mesmo tempo, submis-
houver aceitação
sas e extasiadas frente àa figura
figura do chefe. “Somente
“Somente pelo apelo às as forças
forcas irracionais ou
as formas da solidariedade humana tornara
às tornará possivel
possível àa integração
integracao total das massas
humanas em um regime de Estado” Estado” (Campos, 1940:30-31).
1940:30—31).
O regime politico
político ideal para as massas ée não
nao outro que a ditadura. O sentido da
reVisto, retirando-lhe a representação
democracia, no seu entender, precisa ser revisto, representacao parla-
eliminacao, desmantelava-se
mentar falida, ineficaz e corrompida. Com essa eliminação, desmantelava—se também
tensao politica. “No
a possibilidade de tensão política. “No estado totalitario”,
totalitário”, continua, “desaparecem as
“desaparecem
conflito politico”,
formas atuais do conflito especie de intensificação
político”, ainda que houvesse uma espécie intensificacao
das formas potenciais de conflito.
conflito. Daí
Dai a urgência
urgéncia de controlar as massas que vivem
Vivem em
estado de permanente excitação.
excitacao.
O novo Estado se caracteriza, nas palavras de Campos, pelo clima de ordem ga-
rantido por um chefe que encarnaria o espírito
espirito de comunhão
comunhao com o povo, do qual ée’
guia e ao mesmo tempo condutor. Somente ele pode tomar decisões,
decisoes, encarnando a
vontade e os anseios das massas. O chefe e o povo formam, num processo simbiótico,
simbiotico,
carater popular.
o novo estado e o seu caráter
Nessa linha de pensamento e nesse projeto politico ha lugar tanto para a pedago—
político há pedago-
gia, como para o controle. Ao Estado cabe a responsabilidade de tutelar a populacao,
população,
modelando seu pensamento, ajustando-a
aj ustando-a ao novo ambiente politico,
político, preparando-a para
e’gide do totalitarismo. Para isso ée’ fundamental a criação
atuar sob égide criacao de símbolos
simbolos difun-
unissono. E a imprensa cumpre mais uma vez, seja por adesão
didos e cultuados em uníssono. adesao
coercao, o papel de unificar
ou por coerção, unificar e tornar visível
Visivel esta simbologia.
Ha também
Há tambem a ideia de que com a emergência
emergéncia do Estado-Nação
Estado—Nacao ée’ fundamental
utilizar—se de todos os meios tecnológicos
utilizar-se tecnologicos disponíveis
disponiveis para interagir com os cidadãos,
cidadaos,
Dai tambe’m
substituindo-se progressivamente o contato face a face. Daí também a necessidade de
importancia fundamental que a nova
um controle rigoroso dos meios massivos e a importância
difusao via
tecnologia expressa na difusão Via meios radiofônicos
radiofénicos ganha neste cenário.
cenario.

116 — Imprensa e Estado Novo


A formação
formacao do Estado Nacional se daria via Via homogeneização
homogeneizacao da cultura, dos costu-
costu—
lingua e da ideologia. Transformar-se-ia
mes, da língua Transformar—se-ia a nação
nacao em uma entidade moral, poli—
polí-
tica e econômica
economica que só so se realizaria via
Via ação
acao do Estado, que assim se afirma
afirma como
realizacao do ideário
instrumento de realização ideario da nacionalidade. Nacao
Nação e Estado constroem a um
so tempo a nacionalidade (Schwartzman, 1984:167).
só 1984: 167).

Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)

1932, ainda na gestão


Em 1932, gestao de Francisco Campos no Ministério,
Ministerio, o Governo Provi-
Provi—
sorio, em dois decretos (21.111
sório, (21.111 e 21.240), atribui ao Ministério
Ministerio da Educação
Educacao a orien-
orien—
tacao servicos de radiodifusão
tação educacional nos serviços radiodifusao que se iniciam no pais
país e a sistemati-
zacao da ação
zação acao governamental na área
area do cinema educativo, através
atraVes de órgão
orgao pro-
pró-
prio. ÉE dessa época
epoca o projeto de um ambicioso Departamento de Propaganda do
Ministe’rio da Educação
Ministério Educacao (Arquivo Capanema, citado por Schwartzman: 1984:87).1984:87).
Ministerio atingir “com
Caberia a este Ministério “com sua influência
influencia cultural, a todas as camadas
populares”,
populares”, sendo o0 Departamento de Propaganda “um “um aparelho vivaz,
Vivaz, de grande
alcance, dotado de forte poder de erradicação
erradicacao e infiltração,
infiltracao, tendo por função
funcao o escla-
escla—
recimento, o preparo, a orientação,
orientacao, a edificação,
edificacao, numa palavra, a cultura das massas”.
massas”.
O cinema ée visto
Visto como instrumento privilegiado para esta ação,
acao, pois tem o poder
“influir beneficamente
de “influir beneficamente sobre as massas populares, instruindo e orientando, insti-
acoes”. Pos-
gando os belos entusiasmos e ensinando as grandes atitudes e as nobres ações”. Pos—
sui, por um lado, esse aspecto positivo, mas pode, tambe’m, contrario, “agir
também, ao contrário, “agir perni-
ciosamente, pela linguagem inconveniente, pela informação
informacao errada, pela sugestão
sugestao moral
impatriotica, pela encenação
ou impatriótica, encenacao de mau gosto”.
gosto”. (Idem,
(Idem, idibem)
Em julho de 1934,
1934, Getúlio
Getulio Vargas cria o0 Departamento de Propaganda e Difusão
Difusao
Justica, retirando do Ministério
Cultural (DPDC), ligado ao Ministério da Justiça, Ministerio da Educa—
Educa-
950 o controle da propaganda, do rádio
ção radio e do cinema. Francisco Campos, o formulador
da primeira ideia de controle sobre o novo ator social — – as massas —,
–, passa a ser o0
orgaos que teriam esta tarefa. Com isso, os meios de comunicação
gestor dos órgãos comunicacao atendem
coercao.
diretamente ao Executivo, introduzindo-se novas formas de controle e coerção.
Magalhaes Júnior,
Raymundo Magalhães Junior, que foi funcionário
funcionario do Departamento de Propagan-
Propagan—
Difusao Cultural de 1936
da e Difusão 1936 a 1939,
1939, distingue o órgão
orgao antecessor do DIP como
sendo diferente do seu sucessor. Relembrando os nomes que fazem parte dos quadros
orgao de censura da era Vargas, diferencia:
do principal órgão

“Eu não
“Eu nao era do DIP, eu era de uma outra coisa que se chamava Departa-
Difusao Cultural, onde estava a censura do cinema.
mento de Propaganda e Difusão

História Cultural da Imprensa — 117


Entao, era um censor de cinema muito liberal. Den-
Eu era censor de cinema. Então,
haVia elementos muitos liberais. Basta dizer o seguinte: que
tro da censura havia
Vinicius de Moraes, o
colegas meus da censura eram Vinícius 0 Pedro Dantas, Nazareth
sao Paulo. Agora, tinha outra, tinha um católico
Prado, dos Prados de São catolico chama-
do Perilo Gomes, que era um homem do Itamaraty; tinha outro do Itamaraty,
que foi depois ministro, que era caricaturista, tambem,
também, Nemesio
Nemésio Dutra; hou-
Ve uma senhora integralista, dona Maria Engraçadinha
ve Engracadinha Pena, dona Maria de
Oliveira Pena; tinha o nome de Engraçadinha,
Engracadinha, era mãemae deste ministro Olivei-
ra Pena, do Itamaraty; e dona Stela Guerra Duval e umas outras pessoas”.
pessoas”.
Magalhaes Júnior,
(Depoimento de Magalhães Junior, Raimundo. “Os “Os ensinamentos dos anos
30”. Entrevista
30”. EntreVista a Gilberto Negreiros. Folha de S. S. Paulo)

0 Departamento de Propaganda e Difusão


O Difusao Cultural, dirigido por Lourival Fontes,
funcionara até
funcionará ate’ 1939,
1939, quando através
atraves do Decreto Lei nº
no 1915,
1915, de 27 de dezembro daque-
daque—
le ano, ée criado o DIP. Subordinado diretamente ao presidente da República
Republica e ao Minis-
Justica, suas funções
tério da Justiça, funcoes não
nao se restringem ao papel de censor. A censura ée apenas
uma das facetas do trabalho principal do órgão,
orgao, cuja tarefa maior ée’ difundir a ideologia
estadonovista, fazendo dela o discurso de toda a sociedade brasileira no periodo.
período.
O DIP surge da juncao Servico de Divulgação,
junção do DPDC e do Serviço Divulgacao, que funciona no
Policia da Capital, Filinto Müller,
Gabinete do chefe de Polícia Muller, e cuja função
funcao ée repressora e
policial.
No artigo segundo do decreto de criação,
criacao, são
sao alinhados 16
l6 objetivos do órgão,
orgao,
“centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional,
entre eles: “centralizar,
serVir, permanentemente, como elemento auxiliar de informação
interna ou externa, e servir, informacao
ministerios e entidades publicas
dos ministérios públicas e privadas, na parte que interessa àa propaganda
nacional”. Em relação
nacional”. relacao àa imprensa, caberia “coordenar
“coordenar e incentivar as relacoes im—
relações da im-
Publicos ao sentido de maior aproximação
prensa com os Poderes Públicos aproximacao da mesma com os
nacionais”.
fatos que se liguem aos interesses nacionais”.
discricionarios e de incentivo àa producao
Todos os aspectos discricionários unico
produção de um discurso único
em torno de aspectos relevantes para o Estado estão estao contemplados. Assim, entre os
figuram, lado a lado, as funções
objetivos figuram, funcoes censórias
censorias (“fazer
(“fazer a censura do Teatro, do
Cinema”, “proibir
Cinema”, “proibir a entrada no Brasil de publicacoes brasilei—
publicações nocivas aos interesses brasilei-
ros”) e as ações
ros”) acoes incentivadoras ao alinhamento compulsivo daqueles que podem pro-
duzir discursos publicos. “promover, organizar, patrocinar ou auxiliar
públicos. Cabe ao DIP “promover,
manifestacoes cívicas
manifestações civicas e festas populares, com intuito patriotico,
patriótico, educativo ou de pro-
paganda turistica”
turística” e tambe’m
também

“autorizar mensalmente a devolução


“autorizar devolucao dos depósitos
depositos efetuados pelas empresas
jomalisticas
jornalísticas para a importação
importacao de papel para a imprensa, uma vez demonstrada,

118 — Imprensa e Estado Novo


a seu juizo, eficiéncia e a utilidade publiea
juízo, a eficiência pública dos jomais
jornais ou periodicos
periódicos por elas
dirigidos”. (Decreto nº
administrados ou dirigidos”. no 1915,
1915, de 27 de dezembro de 1939)
1939)

ate’ maio de 1945,


O DIP funciona até 1945, sendo a sua fase áurea
aurea o periodo 1940 e
período entre 1940
1944, quando forja a imagem sacralizada do regime. Para isso, não
1944, nao haVia aniver—
havia limites: o aniver-
sario de Vargas (19 de abril) transforma—se
sário transforma-se em data nacional e momento privilegiado de
eulto Vargas. Encontro de jovens, palestras, solenidades publicas
apologia ao culto sao promo—
públicas são promo-
Vidos, onde, sempre, Getúlio
vidos, Getulio Vargas ée’ a figura
figura principal. Durante o 1º
10 de maio, Dia do
Estadio de São
Trabalho, o Estádio 850 Januário
Januario recebe multidões
multidoes para aplaudir a fala do presidente
apoteotiea, comparável
em solenidade apoteótica, comparavel àsas de Goebels na Alemanha nazista.
Cria—se uma espécie de “tempo
Cria-se “tempo festivo”
festivo” (Gomes, 1988:235)
1988:235) cujo objetivo
obj etivo ée’ envol-
envol—
populaeao em torno de comemorações
ver a população comemoraooes que resumem a imagem do regime. Cada
uma dessas festas assume o0 mesmo ritual: o presidente em pessoa fala para a multi-
dao. Acentuando o momento mítico,
dão. mitico, grandes desfiles,
desfiles, música,
musica, estandartes, bandeiras
espetaeulo.
constroem a grandiosidade do espetáculo.
Como acentua Gomes, estas trés comemoraeoes —
três comemorações aniversario do Presidente, o
– o aniversário 0
aniversario do Estado Novo —
Dia do Trabalho e o aniversário ocasioes—chave para a
– constituem ocasiões-chave
comunieaeao entre Vargas e a massa de trabalhadores. A essas ocasiões
comunicação ocasioes somam-se
somam—se
trés outras: o 7 de setembro e os dias de Natal e Ano Bom. Esse conjunto de
ainda três
atiVidades —
atividades – coordenado pelo DIP — – se associa a outras praticas
práticas de propaganda do
Departamento e outras iniciativas de autoridades estaduais e federais, para criar e
1988:235-237).
difundir uma imagem do regime e de seu chefe (Gomes, 1988:235-237).
O DIP procura, portanto, divulgar, propagar e criar o mito Vargas. Biografias
Biografias diver-
sas do presidente, ilustradas, em formato reduzido — Cato—
– como os santinhos da Igreja Cató-
lica — sao distribuídas
– são distribuidas nas portas das escolas, ressaltando a figura
figura excepcional de Vargas,
afeieao pelos jovens e pelas crianças.
a sua afeição crianeas. O trabalho e o trabalhador, tonicas ideo—
tônicas da ideo-
sao temáticas
logia estadonovista, são tematicas constantemente reforçadas
reforeadas pelo discurso do DIP.
no 1949/39
O Decreto Lei nº 1949/39 torna a transmissao “Hora do Brasil”
transmissão da “Hora Brasil” obrigatória
obrigatoria em
qualquer estabelecimento comercial que possuisse radiodifusao. Aconse-
possuísse aparelho de radiodifusão.
lha—se também
lha-se tambe'm — Cidades do interior —
– sobretudo nas cidades – que seja transmitida por alto-
alto—
falantes instalados em praeas
praças publicas Vias de maior movimento. Nas entrevistas
públicas e vias entreVistas e
opiniao realizadas pelo jornal A Manhd
sondagens de opinião Manhã interessa sempre saber o que o
publico
público pensa do programa (Gomes, 1988:232).
1988:232).
criaeao do DIP a máquina
Portanto, antes e depois da criação maquina politica
política do Estado Novo
bem—sucedidas campanhas de propaganda politica
articula uma das mais bem-sucedidas política no Brasil.
Getulio é o personagem central das festividades,
Getúlio festiVidades, cartazes, fotografias,
fotografias, artigos, livros,
concursos escolares, entre uma gama enorme de iniciativas em louvor do chefe do
Estado Novo: sua imagem encarna
enearna o regime e todas as suas realizações.
realizaeoes.

História Cultural da Imprensa — 119


construcao ée’ a de Vargas como “pai
Uma das faces mais importantes dessa construção “pai dos
pobres” e líder
pobres” lider das massas trabalhadoras. Assim, Vargas, em todas essas campanhas e
pecas promocionais, ée sempre o sujeito da ação:
peças acao: ele ée que cria, determina, estabelece,
assina, manda, executa. Nos pronunciamentos, a preocupacao
preocupação central ée mobilizar o
povo transformado em trabalhador e os textos politicos estruturam—se em torno da
políticos estruturam-se
construcao de uma relação
construção relacao entre povo e Estado-Nação,
Estado-Nacao, personificada figura do
personificada na figura
lider. Nesse sentido, o pai dos pobres ée tambem
líder. também o pai do povo trabalhador. E ée’ nessa
posicao, poderosa e, ao mesmo tempo, generosa, que Vargas pede e exige total obedi-
posição,
encia e sacrifícios.
ência sacrificios. Constrói-se
Constroi-se a ideia de nação
nacao como “espírito
“espirito comum”,
comum”, o que favo-
rece a autoridade em detrimento da solidariedade, tendo o Estado papel tutelar.

“Os censores dedicam-se


“Os dedicam—se a obrigar os donos de bares, restaurantes e mer-
mer—
eXibirem o retrato de Getúlio
cearias a exibirem Getfilio Vargas enfiado
enfiado em um fraque de tropi-
inglés, com a faixa presidencial no peito. A 4ª
cal inglês, 4a Delegacia contrata 20 ou 30
jornalistas como censores, com salário
salario de 300 mil-reis por mês.
mes. Um argu-
argu—
mento usado pelos jornalistas: era melhor que a censura fosse exercida por
eles do que por policiais”.
policiais”. (Depoimento de Vieira, Alvaro.
Álvaro. Bolez‘im
Boletim da AB],
ABI,
novembro—dezembro de 1974)
ano XXIII, novembro-dezembro 1974)

No seu depoimento, Alvaro


Álvaro Vieira acrescenta que ele mesmo passa a trabalhar
“como uma espécie
“como especie de contrato entre a Censura e a direção
direcao de O
0 Globo, Correio da
Manhd
Manhã e Didrio
Diário de Noticias”.
Notícias”.

“Se alguma notícia


“Se noticia proibida fosse publicada, eu procurava o diretor respon-
respon—
savel e lhe transmitia as ameaças
sável ameacas e apreensões
apreensoes do Salgado Filho. A censura a
posterori
posterori desses jornais era feita por mim na sala dos censores da 4ª
4a Delegacia.
As proibições
proibicoes eram as mais absurdas: os porres do Benjamim
Benj amim Vargas, as brigas
familias ligadas ao Governo ou a um roubo em casa do então
das famílias entao coronel Juarez
Tavora o grande líder
Távora lider militar da revolução
revolucao de 1930,
1930, sobre quem uma notícia
noticia
Vitima de ladrão
que o apresentasse como vítima ladrao comum poderia comprometer a sua
heroi. A partir da revolução
imagem de herói. revolucao de 1932
1932 a censura passa a ser pre’via
prévia e
nos transferimos para as redações
redacoes dos jornais”. (Idem, ibidem)
jornais”. (Idem,

Corn a nomeação
Com nomeacao de Filinto Müller
Mfiller para a chefia
chefia da policia,
polícia, a transferencia
transferência da
censura vai para o Ministério
Ministe’rio do Interior e Justiça
Justica e há
ha a progressiva incorporação
incorporacao de
policiais como censores em lugar de jornalistas. O DIP, além ale’m das prerrogativas da
censura, controla o registro de jornais, das emissoras de rádio radio e serviços
servicos de alto-
falantes, das revistas; distribui a propaganda do regime; ordena a prisao
prisão de jornalis-
fechajornais
tas; fecha radios, dita o que pode ou não
jornais e rádios, nao ser publicado. A comunicação
comunicacao entre
veiculos se faz pessoalmente (os censores são
os censores e os veículos sao civis,
ciVis, funcionários
funcionarios

120 — Imprensa e Estado Novo


publicos servicos de informação
públicos ou militares recrutados aos serviços informacao das Forças
Forcas Armadas), por
telefone ou por escrito.
Em janeiro de 1943
1943 as instruções
instrucoes da censura proibem:
proíbem:

“a divulgação
“a divulgacao de qualquer notícia
noticia ou fotografia
fotografia sobre a visita
Visita do Ministro da
Guerra ontem às as oficinas
oficinas da EFCB, onde se estãoestao fabricando canhões
canhoes para o
Exe’rcito e todo o
Exército 0 material referente àa chegada ao Rio, a estada, partida e as
declaracoes do embaixador da Rússia
declarações Russia no Uruguai, inclusive fotografia,
fotografia, está
esta sujei-
suj ei-
to a apresentação
apresentacao pre’Via Departamento”. (Nasser, 1947.
prévia a este Departamento”. 1947. Apud Inoja: 1978)
1978)

Tambem nada pode ser divulgado, mesmo como transcricao,


Também transcrição, envolvendo a

“controve’rsia entre o professor Agamémnon


“controvérsia Magalhaes e o sr. Assis
Agamêmnon Magalhães
Chateaubriand; pede-se não
nao sejam publicadas fotografias
fotografias impressionantes,
maeabras do desastre de Inhaúma.
macabras Inhauma. Reiteramos a recomendação
recomendacao anterior, se-
sao de publicacao
gundo a qual são obrigatoria os telegramas, decretos e atos
publicação obrigatória
Presidencia da República
emanados da Presidência Republica que forem enviados
enViados pela AN, entre 30
proibicoes diversas”.
outras proibições diversas”. (Idem,
(Idem, ibidem)
ibia’em)

As verbas oficiais
oficiais engordam as receitas de jornais, revistas, agências
agencias de notícias,
noticias,
radio. Subsídios
emissoras de rádio. Subsidios ao papel e àa importação
importacao de equipamentos gráficos
graficos e de
som favorecem os que colaboram com o poder. As solenidades são sao transmitidas via
Via
radio para todo o pais.
rádio país. O DIP organiza congressos, palestras, seminários,
seminarios, divulgando
orgao, Divisao
as ideias do regime. Dentro do órgão, a Divisão de Imprensa, responsavel pelo con-
responsável
trole da informação
informacao nos jornais, revistas
reVistas e livros, ée’ a mais importante, sendo sua tarefa
principal vigiar
Vigiar a producao
produção discursiva da imprensa.
Os anos de chumbo do Estado Novo significam
significam tambe’m
também o controle rigoroso dos
comunicacao, o que leva ao fechamento de inúmeros
meios de comunicação, inumeros deles. Estima-se
Estima—se que
no periodo 61 publicacoes.
período deixam de circular 61 publicações. No Rio de Janeiro, todo o grupo per-
tencente a Geraldo Rocha na década
decada de 1920
1920 —– incluindo o vespertino A Noite”,
Noite27, o
matutino A Mani/167
Manhã e as Rddios
Rádios Nacional e Mayrink Veiga,
Veiga, apenas para citar as mais

27 Com a
27
3 encampação,
encampagao, a administração
administragao de A Noite ficou a cargo do coronel Luís Luis Carlos da Costa Neto,
Neto, sendo
diregao do jornal entregue ao jornalista Andre
a direção Carrazzoni. Este novo estágio
André Carrazzoni. estégio é marcado por dificuldades,
dificuldades,
decorrentes do empreguismo generalizado e da má mé administração
administragao dos recursos.
recursos. Gradativamente o jornal se
transforma numa espécie de diário
diério oficial, no qual são
séo fartos os elogios a todos os governos.
governos. Com a queda de
agrava—se ainda mais a situação.
Vargas, agrava-se situacéo. Em 19 19 de agosto de 1946,
1946, o presidente Dutra promulga o Decreto-
Decreto—
Lei nº
n° 9610, autorizando o Ministério da Fazenda a arrendar A Noite por um urn prazo de 15 anos à a sociedade
anônima
andnima a ser construída
construida pelos funcionários
funcionérios do vespertino.
vespertino. Segundo Carvalho Neto,Neto, a inviabilidade do jornal
deveu-se
deveu—se também ao fato de ser ele um urn órgão
Orgéo do governo. “O “O povo nãonao admite,
admite, com toda razão,
razao, que o
governo seja dono de jornal para ele ler.Ier. E deixou de ler
IerA Noite... Jornal do governo é o Diário
A Noite... Diério Oficial”.
Oficial”. A Noite
– depois de inúmeros
— int’Jmeros períodos
periodos de grande dificuldade financeira — – sai de circulação
circulagao em 1958.
1958. (DHBB:
(DHBB: 4107)
Cf. também capítulo
capitulo anterior.

História Cultural da Imprensa — 121


17 que compõem
importantes empresas das 17 compoem o grupo —
– ée incorporado ao Estado. Pelo
Decreto—Lei n°
Decreto-Lei n0 2073, de 8 de março
mareo de 1940,
1940, criam as Empresas Incorporadas do
Patrimonio da União.
Patrimônio Uniao.

“Art. 19.
“Art. 19. Ficam incorporadas ao Patrimônio
Patrimonio da Uniao.
União. A) Toda a rede
ferroviaria de propriedade da Companhia Estrada de Ferro São
ferroviária sao Paulo —
– Rio
aoervo das Sociedades A Noite, Rio
Grande ou a ela arrendada. B) Todo o acervo
Radio Nacional. C) As terras situadas nos Estados do Paraná
Editora e Rádio Parana e
Santa Catarina, pertencentes àa referida Companhia Estrada de Ferro São
sao Pau—
Pau-
lo — Grande”. (Diário
– Rio Grande”. (Didrio Oficial,
Oficial, 9 março
mareo de 1940)
1940)

As empresas jornalisticas nao aderem ao regime sofrem a ação


jornalísticas que não aeao da censura,
oensura,
sendo muitas delas fechadas. Outras sãosao empasteladas e outras ainda tem
têm seus diri-
gentes presos. O Didrio
Diário de Notz'cias,
Notícias, fundado em 12 12 de junho de 1930,
1930, e que, após
apos
apoiar a Alianea Revoluoao de 1930,
Aliança Liberal e a Revolução 1930, se distancia do Governo em 1932,
1932,
sofre rigorosa censura, sendo seu diretor proprietario
proprietário Orlando Dantas preso.
Tambem o Didrio
Também Diário Carioca ée empastelado. O Didrio
Diário Carioca, um dos principais
aliados da Alianoa
Aliança Liberal nos primeiros tempos, rompe com o Governo em 1932,1932,
sendo empastelado em fevereiro daquele ano. “À “A meia-noite
meia—noite dezenas de soldados em
caminhoes do I Regimento de Infantaria entram na sede do jornal, armados de sabres
caminhões
destruindo—a”, relembra Fernando Sigismundo, ex-presidente
e fuzis, destruindo-a”, eX-presidente da ABI.
ale’m da repressão
Mas além repressao direta há
ha tambem formulas para manter a imprensa
também outras fórmulas
financiamento indireto ao papel importado ée’ um deles.
sob controle: o sistema de financiamento

“A ditadura de Vargas, com o


“A 0 objetivo
obj etivo de manter a imprensa sob seu controle,
financiamento indireto do papel importado, mediante o
instituiu um sistema de financiamento
qual os jomais mate’ria—prima essencial por um preoo
jornais obtinham a sua matéria-prima preço muito infe-
diferenoa. O mecanismo sobrevi-
rior ao do mercado mundial. O Estado cobria a diferença. sobreVi-
ate’ a Revolução
veu, com altos e baixos, até Revoluoao de 64, embora o câmbio
cambio artificial
artificial esta-
esta—
belecido para as importações
importaooes de papel constituísse
constituisse um escândalo
escandalo nacional. Na
medida em que colocava os jomais Viabilidade econômica
jornais sem viabilidade economica àa mercê
mercé do Exe-
Exe—
Central”. (Mesquita Neto, 1984:29)
cutivo, esse dispositivo interessava ao Poder Central”. 1984229)

A pressão
pressao do governo se faz tambe’m economica, negando subsídios
também sob a forma econômica, subsidios e,
sobretudo, publicidade.

“E qualquer sinal de rebeldia cortavam o papel e a publicidade. A publici-


“E
dade, o governo controlava, vamos dizer, 60% e ao mesmo tempo intimidava
as empresas privadas. Ninguem ficar contra o
Ninguém queria ficar 0 Banco do Brasil. Sob o
Vista da censura, eu considero
ponto de vista oonsidero o Estado Novo mais tenebroso, por—
por-

122 — Imprensa e Estado Novo


nao tinha saída.
que não saida. Hoje existe o recurso de você
vocé deixar o espaço
espaco em branco.
Naquele tempo, se fizesse
fizesse isso, fechavam o jornal”.
jornal”. (Depoimento de Silveira,
“0 Estado Novo e o Getulismo”.
Joel. “O Getulismo”. Entrevista a Gilberto Negreiros. In:
FOlha d6 S.
Folha de S. Paulo)

1939, o então
Em 23 de dezembro de 1939, entao ministro da Educação
Educacao Gustavo Capanema
informacoes sobre a revista Diretrizes, uma vez que Samuel Wainer, diretor
solicita informações
“a colaboração
da revista, havia pedido “a colaboracao deste ministério
ministerio para um número
numero especial
sobre os problemas brasileiros de educação”.
educacao”. Assim Capanema deseja “em“em caráter
carater
confidencial, consultar o prezado amigo sobre o que consta a respeito da referida
confidencial,
publicacao Chefia de Polícia,
publicação na Chefia Policia, a fim
fim de melhor poder resolver o caso em questão”
questao”
Muller a Capanema. Arguivo
(Carta de Filinto Müller Arquivo Capenema CPDOC, citado por
1984:313-315).
Schwartzman, 1984:313-315).
“resolver o caso em questão”
Por “resolver questao entenda-se
entenda—se colaborar ou não nao com a publicacao
publicação
atraves da concessão
através concessao de verba publicitaria. Muller
publicitária. Vinte dias depois da consulta, Filinto Müller
dossié sobre o que “consta
responde a Capanema, enviando um dossiê “consta na repartição
reparticao a respei-
respei—
to da revista Diretrizes”.
Diretrizes”. No arrazoado de trés
três paginas, informacoes sobre os diretores
páginas, informações
da publicacao entao DESPS. A revista ée classificada
publicação com antecedentes no então classificada como pos—
pos-
“tendéncia claramente esquerdista”
suindo uma “tendência esquerdista” e no arquivo do Serviço
Servico de Censura àa
orientacao “suspeita”,
Imprensa aparece como tendo orientação “suspeita”, ja “de início
já que “de inicio foi marcante
em seu programa a tendéncia nazismo”. No
tendência esquerdista, combatendo o fascismo e o nazismo”.
historico da publicacao
histórico publicação completa:

“Fundada em março
“Fundada marco de 1938
1938 pelo jornalista Azevedo Amaral, que se afas-
afas—
tou para fundar a revista Novas Diretrizes. O escritor Genolino Amado pas-
afastando—se tambe’m
sou a dirigi-la, afastando-se também para dar lugar ao Sr. Samuel Wainer, seu
diretor”.
atual diretor”.

A seguir enumera os “escritores


“escritores suspeitos de exercerem atividades subversivas e
fichados na DESPS”
fichados DESPS” que colaboraram na revista: Alvaro
Álvaro Moreira, Graciliano Ramos
e Jorge Amado. E continua:

“Atualmente vem levando a efeito um programa de caráter


“Atualmente carater nacionalista,
entrevistando generais e outras personalidades ilustres sobre problemas nacio-
nacio—
nais; publicando artigos em torno da situação
situacao do povo brasileiro em seus vários
varios
economico, cultural, social, moral, etc.”.
aspectos: econômico, etc.”.

Sobre Samuel Wainer acrescentam:

“Em sua ficha


“Em ficha nada consta, o que quer dizer que não
nao se encontra fichado
fichado
informacoes vagas sobre o mesmo
no DESPS. O censor de Diretrizes obteve informações

História Cultural da Imprensa — 123


avancadas, anotando-as
e suas ideias avançadas, anotando—as em seu relatório
relatorio de dezembro do ano
proximo findo”.
próximo findo”. (Carta de Filinto Müller
Mfiller a Capanema. Arquivo Capenema
CPDOC, citado por Schwartzman, 1984:313-315)
1984:313—315)

Nao afinal colabora com o número


Não se sabe se Capanema afinal nl’imero especial dedicado àa edu-
cacao. Parece claro, entretanto, que a mudança
cação. mudanca de orientação
orientacao editorial da revista
reVista é
estrate’gia para manter a sua sobrevivência.
uma estratégia sobreViVéncia. Afinal
Afinal ja haVia sido suspensa em 21
já havia 21
1939, permanecendo fechada por quase um mês.
de outubro de 1939, mes. Só
Sé volta a funcionar
15 de novembro do mesmo ano, editando um número
em 15 nfimero especial dedicado àa Procla—
Procla-
macao da República
mação Repfiblica e seus vultos. A partir daí,
dai, passa a escolher assuntos do tipo que
é destacado por Filinto Müller.
Mfiller.
Outro jornal que sofre as consequências
consequéncias da ação
acao policial durante o Estado Novo ée’
A Notz'cia.
Notícia. Fundada ainda no século XIX, passa a ser propriedade de Candido de
1924. Na revolução
Campos em 1924. revolucao de 1930,
1930, sua redação
redacao ée’ depredada e seu acervo incen-
incen—
exila—se e só
diado. Campos exila-se so retorna ao pais 1938, reabrindo o jornal, que passa a
país em 1938,
énfase ao noticiário
dar ênfase noticiario policial.
funcao dessa estratégia
Em função estrategia editorial, A Noticia
Notícia passa a ser um dos jornais
jornais mais
oficinas do Didrio
vendidos no Rio. Impresso nas oficinas Diário de Noticias, redacao fica
Notícias, sua redação fica —
–
como a maioria dos jornais —– na Avenida Rio Branco. Na década
decada de 1950,
1950, ée vendido
aaAdhemar entao governador de São
Adhemar de Barros, então sao Paulo, e Chagas Freitas, futuro gover-
nador do Estado do Rio de Janeiro (Ribeiro, 2000).
A ação
acao repressora da censura ée’ delimitada na constituição
constituicao do Estado Novo.
122, na seção
O artigo 122, secao Dos Direitos e Garantias Individuais, estabelece a prescricao
prescrição
“com o fim
da censura, “com fim de garantir a paz, a ordem e a segurança
seguranca pfiblica,
pública, a censura
pre’Via da imprensa, do teatro, do cinematógrafo,
prévia cinematografo, da radiodifusão,
radiodifusao, facultando àa autori-
autori—
dade competente proibir a circulação,
circulacao, a difusão
difusao ou a representação”.
representacao”.
relacao àa imprensa acrescenta:
Em relação

“A imprensa regular-se-á
“A regular-se-a por lei especial de acordo com os seguintes prin-
cipios: a) a imprensa exerce uma função
cípios: funcao de caráter
carater pfiblico;
público; b) nenhum jornal
insercao de comunicações
pode recusar a inserção comunicacoes do Governo, nas dimensões
dimensoes taxa-
das em lei; c) ée assegurado a todo o cidadão
cidadao o direito de fazer inserir gratui-
tamente nos jornais que o infamarem ou injuriarem,
inj uriarem, resposta, defesa ou reti-
reti—
ficacao”. (Constituições
ficação”. (Constituicfies do Brasil, 1970:91)
1970191)

0 regime de censura àa imprensa permanece em vigor


O Vigor até
ate’ fevereiro de 1945.
1945.
A Constituição
Constituicao promulgada logo após
apos o fim
fim do Estado Novo, durante a Assem-
1946, estabelece novamente a livre manifestação
bleia Constituinte de 1946, manifestacao do pen-
dependencia da censura.
samento sem dependência

124 — Imprensa e Estado Novo


V. Literatura como vestigio
vestígio do tempo:
A imprensa e o olhar dos literatos (1900-1950)

“Nas
“Nas frígidas
frigidas noites, ela, toda estremecente
sob o0 lençol
lencol de brim, costumava ler àa luz de vela
os anúncios
anl'lncios que recortava dos jornais velhos do
escritório. É que fazia coleção
escritorio. E colecao de anúncios.
anfincios. Co-
C0-
lava-os no álbum.
album. Havia
HaVia um anúncio,
anl'lncio, o mais pre-
cioso, que mostrava em cores o0 pote aberto de
um creme para pele de mulheres que simples-
nao eram ela.”
mente não ela.” (Lispector, 1998:38)
199823 8)

O texto que serve de epígrafe


epigrafe deste capítulo,
capitulo, retirado do romance A hora da estre-
la, de Clarice Lispector, introduz uma narrativa que procurara
la, vestigios
procurará enxergar nos vestígios
deixados pelos textos literários
literarios indícios
indicios de uma relação
relacao do leitor e dos jornalistas com
comunicacao na primeira metade do século
os meios de comunicação se’culo XX.
classico romance de Lima Barreto, As recordações
Desde o clássico recordagfies dod0 escrivão
escrivcio Isaz'as
Isaías
dia—a—dia da redação
Caminha, que remonta o dia-a-dia redacao do fictício
ficticio jornal 0 Globo
jornal O Globo28
28

– na verda—
verda-
de o0 Correio da Maniac?
Manhã —, infimeros rastros do cotidiano das reda-
–, a literatura deixa inúmeros reda—
coes e, sobretudo, das relações
ções relacoes dos leitores com as publicacoes.
publicações. O mesmo Lima Barreto,
no seu Didrio
Diário do Hospz'cio, infimeras vezes às
Hospício, refere-se inúmeras as múltiplas
mfiltiplas praticas
práticas de leituras
no Hospital dos Alienados.
Ha aqueles que fazem dos pape’is
Há papéis emporcalhados, recolhidos nos banheiros do
hospicio, restos de uma possível
hospício, possivel leitura. Há
Ha ainda aqueles que leem compulsivamente
tudo que lhe caem às
as mãos.
macs. Múltiplas
Mfiltiplas leituras, mas, sobretudo, múltiplas
mfiltiplas formas de se
relacionar com os textos impressos.

28 O livro
28
Iivro de Lima Barreto, escrito quando o autor trabalhava como jornalista no Correio da Manhã,
Manhé, é publicado
pela primeira vez em 1909. A aguda crítica
1909. Aaguda critica que destina a Edmund Bittencourt, dono do jornal, vale a inclusão
dojornal, incluséo de
Lima num índex
index de proibição
proibicéo do jornal.
jornal. A partir daí,
dai, durante muitas décadas, o nome de Lima Barreto foi consi-
consi—
derado maldito no jornal,
jornal, sendo vetada terminantemente qualquer alusão aluséo ao seu nome nas páginas
péginas da publica-
ção.
céo. Portanto, o jornal O Globo da ficção
ficcéo de Lima Barreto nada tem a ver com o periódico
periédico criado por Irineu
Marinho em 1925: trata-se de um nome fictício.
ficticio. O jornal representado por Lima Barreto é o Correio da Manhã.
Manhé.

História Cultural da Imprensa — 125


“Mas a loucura
“Mas loueura tem tantos pontos de contato de um indivíduo
individuo para outro,
que seria arriscar tornar—se deserever muitos doentes
tornar-se fastidioso se quisesse descrever
Ha três
(...). Há trés aqui muito interessantes. Um ée do tipo acaboclado
acaboelado em trapos,
com dois alforjes pendurados àa direita e àa esquerda, sequioso de leitura, a
ponto de ler qualquer fragmento de papel impresso que encontre.
eneontre. Nao
Não chega
aos extremos de um portugués, Vive dia e noite, nas proximidades das
português, que vive
senao nelas e que não
latrinas, senão nao trepida os fragmentos de jornais emporcalhados,
anfineios e outras cousas sem interesse mas sempre delirando”
para ler anúncios delirando” 29
29..

tambem lê
Ele mesmo, Lima Barreto, também lé com “relativa
“relativa minúcia”
minficia” os jornais. E acres-
acres—
“Ate’ os
centa: “Até 05 crimes de repercussão
repercussao eu leio.”
leio.” Mais adiante se refere a um militar que
“francamente e permanentemente
gosta de conversar cousas superiores. Embora fosse “francamente
nao lê
doido, não lé coisa alguma, a não
nao ser a Gazeta de Noticias, rabo”.
Notícias, de cabo a rabo”.
propria leitura, o escritor, para fugir daquela realidade, concentra a
Descrevendo a sua própria
ateneao nas letras impressas. Para se distanciar da conversa que lhe “arrastava
sua atenção “arrastava de novo
agoureiros”, força
a pensamentos agoureiros”, forea a atenção
ateneao nos periodicos. “Li-os com cuidado, li
periódicos. “Li-os 1i seções
seeoes
que, normalmente, desprezava, mas não nao findei
findei a leitura. Misael chamou-me
chamou—me para o jantar.”
jantar.”
O texto leva-o
leva—o a construir não
nao só
so uma outra leitura, como o transporta para outro lugar. Os
deseritos são
ambientes descritos sao como que recriados, se inserindo ele mesmo naquela descrição,
descrieao,
transformando—se, dessa forma, o texto, aprisionado pela sua leitura, numa vivência
transformando-se, Vivéncia parti-
cular. Para isso ée preciso “ler
“ler com cuidado”,
cuidado”, “ler
“ler minuciosamente”,
minuciosamente”, com toda a sua aten-
aten—
950 e todos os seus sentidos voltados para aquele universo de letras impressas.
ção
A reflexão
refleXao sobre a leitura — sej a, a apreensão
– ou seja, apreensao de um sentido particular do texto
indubitavelmente ligado ao leitor — infimeras vezes no mesmo livro. Em outro
– aparece inúmeras
filho, “lia
trecho, um engenheiro, que num acesso de loucura matara a mulher e um filho, “lia o
0
dia inteiro o jornal”. “ViVia na biblioteca, lendo o jornal e fazendo em voz alta, de
jornal”. “Vivia
reflexao sobre a leitura.”
quando em quando, uma reflexão leitura.”
No livro de Lima Barreto figuram
figuram dois mundos, marcados por duas temporalidades
Vida, da saúde
completamente diversas. O mundo da vida, safide e da ação
aeao e o mundo da doença
doenea
perteneem ao primeiro mundo —
e da morte. Os que pertencem – como Misael que vem de fora e
chama o doente para jantar —– tem utilizaeao de seu tempo.
têm uma certa liberdade na utilização
Saem e voltam àa cena, marcando para o leitor a passagem do tempo. Já Ja os outros, os
que pertencem ao mundo da loucura e da morte, vivem
Vivem uma espécie
espeeie de imobilidade
temporal. Tudo se passaigua1,todos
passa igual, todos os dias. As mesmas cenas,
eenas, as mesmas situações
situaeoes e
nem mesmo a leitura insere esses personagens numa outra temporalidade.

29 Todas as citações
29
citagoes referentes ao
a0 texto de Lima Barreto foram retiradas de Diário
Diario do Hospício
Hospicio (1993).
(1993). Para
referéncia completa,
referência completa, ver Bibliografia.

126 — Literatura como vestígio do tempo


Joao do Rio (1987:161-162)
João (1987:161—162) tambem
também descreve, com detalhes, a algazarra que se
Deteneao àa passagem do repórter,
forma na Casa de Detenção reporter, quando os condenados balançam
balanoam
diarias, querendo provar inocência.
no ar as folhas diárias, inocéncia. Para o0 cronista, a imprensa é uma
das trés Deteneao. Uma ideia, segundo ele, “quase
três ideias gerais da Detenção. “quase obsessiva”.
obsessiva”.

“Ha os que têm


“Há tém medo de desprezá-la,
despreza-la, háha os
03 que fingem
fingem desprezá-la,
despreza-la, há
ha os
aflitos. O jornal ée a história
que a esperam aflitos. historia diária
diaria da outra vida,
Vida, cheia de sol e
de liberdade, ée o meio pelo qual sabem da prisao
prisão dos inimigos, do que pensa
o mundo a seu respeito. Nao ha cubículos
Não há cubiculos sem jornais.” 30
jornais.” 30

Alem
Além de espelhar uma ideia de temor, que evoca a problematica
problemática do poder, o jornal,
jornal,
composieao montada, é,
na composição e’, para o leitor, a inserção
insereao na realidade, na vida
Vida quotidiana
diaria, longe das grades da prisao.
diária, E o meio pelo qual se colocam em contato com o
prisão. É
Dai a presenoa
mundo. Daí presença constante dos periodicos cubiculos.
periódicos em todos os cubículos.
ocio ée também
O ócio tambe’m preenchido com a leitura dos jornais. “Leem
“Leem com avidez
aVidez as
noticias de crimes romantizados pelos repórteres
notícias reporteres e o pavor da pena ée o mais intenso
reincidéncia.” O repórter,
sugestionador da reincidência.” reporter, por outro lado, ée’ apresentado como o
proprio
próprio poder. O anúncio
am’mcio da sua visita
Visita provoca reações
reaeoes diferenciadas. “Uns
“Uns esticam
papeis, inoceneia; outros bradam que as locais dos jornais estavam erradas,
papéis, provando inocência;
escondem—se, receando ser conhecidos, e ée um alarido de ronda infernal, uma
outros escondem-se,
ansia de olhos, de clamores, de misérias.”
ânsia mise’rias.”
Visualizar a literatura como registro de uma época epoca significa
significa considerar que um
autor deixa transparecer na sua obra não nao apenas sua subjetividade,
subj etiVidade, mas tambem
também seu
proprio Significa também
próprio tempo. Significa tambem perceber o papel decisivo da linguagem nas descri- descri—
eoes e concepções
ções concepeoes históricas.
historicas. O texto literário
literario — criaeao de um autor que
– artefato de criação
constitui ambientes e valores nos seus relatos — Visao de mundo, as repre-
– espelha a visão
sentaeoes, as ideias de um dado momento histórico-cultural,
sentações, historico-cultural, podendo ser lido como
materializaeao de formas de pensar, das emoções
materialização emoeoes e do imaginário
imaginario de um dado perio-
perío-
For outro lado, as narrativas literárias
do. Por literarias revelam a coerência
coeréneia e a plenitude de uma
Vida. Só
imagem de vida. Sc’) porque há
ha esta coerência
coeréncia ée que pode ser transformada em imagi-
naeao. Uma narrativa só
nação. so ganha sentido porque a ela ée atribuída
atribuida uma coerência,
coeréncia, ao se
transformar, para o leitor, numa forma reconhecível
reconheciVel de descrição
descrieao da existência.
existéncia. Ao se
tornar familiar, torna-se inteligível.
inteligivel.
literarios, desde os autores que fazem das redações
Percorrendo os textos literários, redaeoes mote de
criaeao de suas obras e, ao mesmo tempo, lugar de onde retiram parte de seu sustento,
criação

3° Todas as citações
30
citagoes de João
Joao do Rio foram retiradas de Alma Encantadora das Ruas (1987).
(1987). Para referência
referéncia
completa, ver Bibliografia.

História Cultural da Imprensa — 127


mas sobretudo onde ganham notoriedade para atingir o grande pfiblico,
público, até aqueles
recordarn um
que recordam urn tempo vivido,
Vivido, tornando—o reViVido, observa-se que uma das ima-
tornando-o revivido,
gens mais recorrentes nestes textos refere-se ao poder simbólico
simbolico dos periodicos.
periódicos.
O proprio
próprio Lima Barreto, a primeira vez que menciona os jornais e6 os OS jornalistas
nas suas Recordagoes (1984)“,
Recordações (1984) 31
, deixa transparecer o simbolismo que esses veículos
veiculos
possuem na sociedade carioca. A notoriedade que ganham os que trabalham na im-
oonhecidas e aferindo prestigio
prensa, tornando-se pessoas conhecidas prestígio ao representar o mundo
pfiblico, é muitas vezes destacada na sua narrativa.
para o público,

“Laje da Silva, porém, só


“Laje so sabia que ele tinha a Aurora àa sua disposição,
disposioao,
jornal muito lido e antigo, respeitado eo que, no tempo do Império, derrubou
mais de um ministério. Escrevia nos jornais: era o0 bastante. E essa sua admira-
oao, se era de fato esse o sentimento do padeiro, pelos homens dos jornais,
ção, jornais,
levava—o a respeitar a todos desde o mais graduado, o redator-chefe,
levava-o redator—chefe, o polemista
de talento, até ao repórter
reporter de politica,
política, ao modesto revisor e ao caixeiro do
balcao. Todos para ele
balcão. 616 eram sagrados, seres superiores ou necessários
necessarios aos seus
negocios, pois viviam
negócios, Viviam naquela oficina
oficina de ciclopes onde se forjavam
forj avarn os temero-
sos raios capazes de ferir deuses e mortais, e6 os
OS escudos capazes tambérn
também de
traficantes dos mortais e dos deuses.”
proteger os traficantes deuses.” (Barreto, op.
op. cit.:
cit: 31)

O movimento que Lima Barreto está esta descrevendo insere-se nas mudanças
mudanoas por que
inicio do século XX, quando, se transformando em verdadeiras
passa a imprensa no início
“fabricas de notícias”,
“fábricas noticias”, os jornais ganham poder e notoriedade na sociedade carioca
carioca32.
32
.
Na sua descrição
descrioao o destaque recai sobre o simbolismo que passa a ter a palavra
nossa sociedade e a ingerência
impressa nessa ingeréncia dos jornais junto àa sociedade politica.
política.
A publicizaoao ootidiano, a capacidade
publicização de fatos do cotidiano, capaoidade de influir
influir com o poder da palavra
impressa leva o padeiro a ter admiração,
admiraoao, respeito, pelos homens de imprensa.

“Lage não
“Lage nao lhe conhecia
conheoia as obras, nem mesmo os artigos e ficou
ficou satisfeito
Viesse sentar-se sem cerimônia
que um outro conhecido seu viesse cerimonia alguma àa nossa
obrigando—me a não
mesa, obrigando-me nao lhe fazer mais perguntas sobre o Pithecanthropus
Bra o
literato. Era 0 Oliveira — nao me conhece? O Oliveira, do O
– não 0 Globo...!
Globo...! Tão
Tao
conhecido!... Oh!”
Oh!” (Idem,
(Idem, ibidem)

O jornalista é apresentado como alguém


alguérn poderoso e amplamente conhecido e6 re—
re-
conhecido na sociedade. O jornal, por outro lado, é capaz de derrubar ministro, de

31 As referências
31
referéncias que se seguem foram retiradas de Recordações
Recordagoes do Escrivão
Escrivéo Isaías
Isaias Caminha (1984).
(1984). Para
referéncias completas, cf.
referências cf. Bibliografia.
Bibliografia.
32 Sobre esse movimento da imprensa carioca, ver especialmente Capítulo
32
Capitulo I.
|.

128 — Literatura como vestígio do tempo


promover campanhas, de influenciar.
influenciar. Trabalhar no jornal confere status, torna a pes-
soa conhecida, jajá que nesse momento os periodicos am—
periódicos mais importantes da cidade am-
pliam sua representação
representagao e seu alcance
alcanee através
atraVés da conquista de um pfiblico,
público, tambe’m
também no
“sempre sequioso de novidades”.
dizer dos literatos, “sempre novidades”.
A revolução
revolueao da imprensa do início
inieio do século,
seculo, as contradições
contradieoes do jornalismo,
jornalismo, as
autoconstrueoes engendradas pelos periodicos
autoconstruções periódicos para se tornarem representativos de
literarias. Da mesma forma, o movi-
toda a sociedade aparecem, portanto, nas obras literárias.
direeao ao sensacionalismo tambem
mento em direção também vai ser imortalizado pela literatura.
nao poderia ser de outra forma, ja
E não situa—se na
já que o autor, em seu ato criador, situa-se
fronteira do mundo que está esta criando. Nao figura no seu interior, porque sua inclusão
Não figura inclusao
este’tica do mundo em seu relato. Assim, o escritor re-
comprometeria a estabilidade estética
presenta uma exterioridade — – o mundo do jornalismo do inícioinicio do século,
se’culo, no caso de
Lima Barreto —, –, construindo uma imagem que ao mesmo tempo representa o0 real e o
transcende. A realidade — redaeoes do jornal,
– a cidade, as redações jornal, a representatividade da
imprensa —– ée’ sólida,
solida, mas entranhados neste mundo que rodeia o autor e o leitor estão estao
os personagens, heróis
herois da narrativa. E esses só so vivem
Vivem na narrativa. Assim, o texto de
Lima Barreto comoeomo atividade
atiVidade estética
este’tica reúne
refine um mundo disperso em seu sentido, mas
tambem
também o condensa numa imagem concluída concluida (Bakthin, 1997:202-214).
1997:202—214). Talvez seja
por esta razão
razao que todos os aspectos mais relevantes do mundo do jornalismo, inclu-
mfiltiplas temporalidades instauradas naquele instante na atividade,
indo as múltiplas atiVidade, estejam
estej am
presentes nessas Recordagées.
Recordações.

Tempo de contar e tempo contado

“Era uma sala pequena, mais comprida que larga, com duas fileiras
“Era fileiras paralelas de
minfisculas mesas, em que se sentavam os redatores e repórteres,
minúsculas reporteres, escrevendo em man—
man-
camisa.”
gas de camisa.”
Dessa forma, Lima Barreto partieulariza descrieao da redação
particulariza a descrição redaeao de um dos jornais
inicio do século.
mais importantes do Rio de Janeiro do início seculo. Primeiro o ambiente geral, as
mesas colocadas lado a lado, onde se sentavam os dois personagens centrais daquele
reporteres.
lugar: os redatores e os repórteres.
Em seguida àa descrição
deserieao que apela para a visão,
Visao, a que deixa a impressão
impressao a partir
dos odores que particularizam o ambiente.

“Pairava no ar
“Pairava at forte cheiro de tabaco: gas queimavam baixo e
tabaco: os bicos de gás
espaeo era diminuto, acanhado, e bastava que um redator
eram muitos. O espaço
arrastasse um pouco a cadeira para esbarrar na mesa de tras, Vizinho. Um
trás, do vizinho.

História Cultural da Imprensa — 129


tabique separava o gabinete do diretor, onde trabalhavam o secretário
secretario e o
redator-ehefe: era também
redator-chefe: tambe’m de superfície
superficie diminuta, mas duas janelas
janelas para a
redaeao de O
rua davam-lhe ar, desafogavam-no muito. Estava na redação 0 Globo,
jornal de grande circulação,
circulaoao, diário,
diario, matutino, recentemente fundado e ja dis—
já dis-
pondo de grande prestigio opiniao” (Barreto, 1984:72).
prestígio sobre a opinião” 1984:72).

Observa—se no texto, além


Observa-se ale’m da hierarquia existente nas redações
redaooes — secre—
– o diretor, o secre-
tario, o redator chefe
tário, Chefe e, em seguida, os redatores e repórteres
reporteres —
– o tempo físico
fisico particu-
larizado pelos sentidos visuais. A indicação
indicaoao de que os bicos
bieos de gás
gas estão
estao acessos
mostra o desenvolvimento de um trabalho que se realiza àa noite, premido pelos horá- hora—
rios, ja
já que o jornal, matutino, tem hora exata para ir àsas ruas.
alem desse tempo cronológico,
Mas além cronologico, há
ha na descrição
descrioao um tempo narrativo. O tempo
dos jornaleiros gritarem o nome dos jornais, a correria para fixar
fixar as notícias
noticias de última
filtima
hora na portaria do jornal, a ansiedade pelo termino materia, tudo isso descrito
término da matéria,
tambe’m com sofreguidão.
também sofreguidao.
O fato de o0 escritor ter composto o seu texto em referência
referéneia a um passado proximo,
próximo,
da a narrativa caráter
dá carater de testemunho. Mas, apesar disso, cadaoada uma das descrições
descrieoes
figura para o leitor como se tivesse ocorrido
figura oeorrido num determinado momento, sem que
interveneao expressa do locutor na narrativa. O escrivão
houvesse a intervenção escrivao recorda de fatos
prete’ritos, mas quase nunca se imiscui
pretéritos, imisoui no texto. Os fatos ocorrem num certo momento
do tempo, sem qualquer intervenção
intervenoao do locutor, como se o 0 passado fictício
fictieio conside-
rasse o passado real que é evocado no texto. Dessa forma, no tempo contado de Lima
Barreto háha uma espécie
espeeie de quase passado que é introduzido pela ficção.
ficoao.
Apesar de não
nao participar diretamente na locução
locueao memorável,
memoravel, o escrivão
escrivao ée presen—
presen-
oa ativa, até
ça ate mesmo no titulo
título da obra. Essa presenea—auséneia
presença-ausência faz com que o uso dos
verbos no prete’rito nao mantenha a sua função
pretérito não funoao de designação
designaoao do passado:
passado: todos sa-
bem, os leitores de ontem e de hoje, que aquele mundo fictício fictioio representa o presente
plausivel do escritor
plausível eseritor Lima Barreto. Suas angústias,
angfistias, suas desilusões,
desilusoes, sua verve impla-
cavel contra um mundo que o alijara
cável alij ara33.. Mas como o texto composto por Lima Barreto
33

insere—se no mundo da ficção,


insere-se fioeao, supõe-se
supoe-se que a história
historia contada de fato não
nao aconteceu.
Instaura—se, na leitura e pela leitura, o tempo das coisas contadas.
Instaura-se,
nao há
Como não ha passado, ja aeao contada de fato não
já que a ação nao aconteceu, pode-se falar
eerta medida de ausência
em certa auséneia da temporalidade na ficção.
ficeao. Mas apenas em certa
eerta medi-
medi—

33 Depois de um breve período


33
periodo como repórter
repérter do Correio da Manhã,
Manhé, Lima Barreto é dispensado,
dispensado, não
néo conse-
guindo mais empregos em órgãosOrgéos da grande imprensa. Consegue trabalhar apenas em pequenas publica-
ções.
goes. O
0 álcool,
élcool, os estigmas que o acompanham (negro, de origem pobre,
pobre, sem ter terminado o curso superior)
fazem dele um derrotado,
derrotado, que acaba seus dias, após
apés passar várias
vérias vezes por internações
internagées no hospício,
hospicio, bêba-
béba-
do pelas sarjetas da cidade.
cidade.

130 — Literatura como vestígio do tempo


da, porque a narrativa só
so se torna humana quando imersa na sua perspectiva temporal.
1995).
(Ricouer, 1995).
Em principio,
princípio, o mundo das coisas contadas ée estranho ao locutor e ao ouvinte,
ouVinte,
mas, na medida em que o autor se transforma numa espécie
espe’eie de testemunha daquele
tempo, há
ha uma correlação
correlaeao entre o mundo das coisas contadas e o mundo que se conta,
relaeao de antecipação
ainda que a relação antecipaeao permaneea
permaneça ativa na narrativa.
Instaura—se a defasagem temporal entre o tempo do ato de contar e o tempo do
Instaura-se
texto. O texto produzido por Lima Barreto naqueles longínquos
longinquos mil e novecentos
permanece interpelando o leitor e produzindo novas significações,
significaeoes, instaurando um
tempo do texto que nada mais tem a ver com o ato do autor no instante em que compôs
compos
a narrativa.
Na narrativa tambe’m notaeoes claras do tempo: os verbos no passado
também existem notações
indicam que o mundo do jornalismo que estava sendo composto pelo autor só so existia
imaginaeao, produzindo uma transieao
agora na sua imaginação, experieneia do escritor e
transição entre a experiência
aquela que o faz capaz de transformar o mundo em letras impressas.
nao deixa de ser mundo, ja
O mundo contado, entretanto, não já que a narrativa estabelece
relaeao com o mundo pratico
uma relação atrave’s da refiguração.
prático através refiguraeao. ÉE a mimese II — – ou seja, a
autoestruturaeao da narrativa baseada em códigos
autoestruturação codigos narrativos internos ao discurso —,–, que
torna aquele mundo aberto a uma infinidade
infinidade de interpretações
interpretaeoes ou de leituras, inclusive a
condieoes reais de existência
que o percebe como materializando condições existencia (Ricoeur, 1994).
1994).
Podemos dizer que, ao compor seu texto, Lima Barreto suspendeu o presente vivi- Vivi—
do — sej a, sua experiência
– ou seja, experiencia quotidiana como repórter
repérter do Correio da Martha
Manhã ou sua
experiéncia sofrida como
experiência eomo um interno do Hospital dos Alienados — – para construir o
passado da narrativa, instaurando o mundo das coisas contadas. Nesse momento, in-
troduz aquilo que Paul Ricoeur vai conceituar como o “como
“como se”
se” da narrativa: fala de
um mundo como se fosse passado, fala de uma experiência
experiencia como se tambem esti—
também ela esti-
Vesse inscrita agora no passado. Estabelece tambem
vesse relaeao metafórica
também uma relação metaforica com a
sua memória:
memoria: estanca o passado que está
esta presente na memória
memoria e torna—o
torna-o presente pelo
1995: 128 e passim).
ato de contar (Ricoeur, 1995:128 passim).
Enquanto os personagens vivem
Vivem uma experiência
experiéncia fictícia
ficticia de tempo, há
ha na narrati-
narrati—
materializaeao da subjetividade
va a materialização subj etiVidade temporal existente
eXistente na sociedade. Assim, os teX-
tex-
tos dos jornais falam desse mundo, da mesma forma que a narrativa de Lima Barreto
apela para a configuração
configuraeao de uma nova temporalidade: o tempo rápido,
rapido, sem pausas,
reflexao. O tempo das mudanças,
nem reflexão. mudaneas, das notícias
noticias que devem se suceder
sueeder sem cessar.
atiVidade hu-
Se entendermos temporalidade como a maneira como se inscreve a atividade
duraeao, como
mana na duração, eomo ja
já enfatizamos, podemos observar nos textos citados das duas
obras de Lima Barreto duas temporalidades díspares.
dispares. No hospital dos loucos, o tempo

História Cultural da Imprensa — 131


imovel, dos dias que se repetem sem mudanças.
lento, quase imóvel, mudanoas. Na redação
redaeao do matutino,
o tempo rápido,
rapido, de um mundo que faz dos novos ícones
icones do progresso a senha para
entrada em uma nova era. Saindo do tempo real — – o0 da sua vivência
ViVéncia quotidiana —
– para
o tempo da narrativa, os loucos do Hospital dos Alienados ingressam na temporalidade
noticias que leem com sofreguidão,
das notícias sofreguidao, igualmente sem pausas ou reflexão.
reflexao. Leem os
textos dos jornais que proj etam um mundo igualmente desconhecido.
projetam deseonheeido. Como os perso-
Vivem, eles mesmos, como leitores, uma experiência
nagens daquelas narrativas vivem, eXperiénCia fictí-
ficti-
cia do tempo.
ficeao conserva sempre o vestígio
Mas a ficção vestigio do mundo pratico
prático e reorienta o olhar para
traeos da experiência
traços eXperiéneia que inventa, ao mesmo tempo, um mundo, ainda que nao não possa
fieticio de onde vem e para onde retorna.
romper com as amarras do mundo fictício
Assim, se podemos enxergar nas narrativas experiências
experieneias particulares de tempo, en-
en—
tre as quais se sobressai a de um mundo marcado pela aceleração
aceleraeao e pela mudanea,
mudança, pode—
pode-
se observar nos textos ficcionais
ficeionais a tessitura de uma intriga capaz de tornar presente o
ausente, fazendo com que cada um desses textos se liberte de seu passado. Múltiplas
Mfiltiplas
figuram nessas narrativas: a da vida
temporalidades figuram Vida de cada um dos personagens; a da
memoria do escritor que torna presente o que ficaria
memória ficaria ausente; o trabalho do autor que
levou um determinado tempo para compor o seu texto; o tempo da obra, ou seja, o
fisico mesmo que o leitor leva para percorrer o livro com sua leitura; e, finalmen-
tempo físico finalmen-
te, o tempo do leitor, isto é, a temporalidade necessária
necessaria a cada um para interpretar o que
eonclui Paul Ricoeur, requer, portanto, lapsos do tempo físico.
leu. Contar, conclui fisico.
A compreensão
compreensao do leitor, por outro lado, consiste em “saltar
“saltar os tempos mortos”
mortos” da
narrativa, precipitando o seu andamento, condensando num só so evento exemplar tra-
eos duradouros. O tempo e o ritmo de uma mesma obra dependem das múltiplas
ços mfiltiplas inter-
inter—
pretaeoes ou refigurações
pretações refiguraeoes narrativas operadas no momento da leitura, em suma, do
sucessao das cenas, dos episódios
tempo contado. E o tempo contado restitui a sucessão episodios inter-
inter—
mediarios, das fases de transieao
mediários, transição presentes numa mesma obra. O autor constrói
constroi efei-
lentidao, de velocidade, tempos breves e tempos longos, tempos qualitativos a
tos de lentidão,
tambem da possibilidade de entendimento e compreensão
partir também compreensao do leitor. Numa mes-
ma obra podem estar presentes o tempo da lembrança,
lembranea, o tempo do sonho e o tempo do
dialogo transcrito. É
diálogo E o tempo contado que transforma, na concepção
concepeao de Ricoeur, o
narraeao em tempo da vida
tempo da narração Vida (Ricoeur,
(Rieoeur, 1995:133-136).
1995:133-136).

experiéncia fictícia
A experiência ficticia no jornalismo

1910 são
Se os anos 1910 3510 configurados
configurados na literatura como o momento em que o jorna-
jorna-
lismo queria se autoconstruir como lugar de poder, a partir da notoriedade que cons-

132 — Literatura como vestígio do tempo


truia
truía para o jornalismo, a década
de’cada de 1920
1920 coloca em cena, com
corn destaque, a experiên-
experien—
ficcional. As narrativas mirabolantes dos repórteres
cia do ficcional. reporteres policiais que faziam da
descricao porrnenorizada
descrição sensacao o sucesso dos periodicos
pormenorizada dos crimes de sensação periódicos aparece
infimeras vezes nas crônicas
inúmeras cronicas de Nelson Rodrigues. Nao experiencia pes—
Não apenas sua experiência pes-
redacoes dos periodicos
soal, mas a dos que conviveram com ele nas redações sensacao do
periódicos de sensação
decada de 1920
Rio de Janeiro da década 192034.
34
.

“A grande figura
“A figura da redação
redacao era mesmo o repórter
reporter de policia.
polícia. O Quintanilha,
por exemplo, sabia de tudo, vira
Vira tudo. Por tras historias, havia
trás de suas histórias, haVia toda
Calida maravilhosa experiência
uma cálida experiencia shakespeariana. Seria talvez analfabeto,
121. E estava sempre bêbado.
sei lá. bébado. Deixava de beber há
ha meses, anos, e continuava
bébado. Nao
bêbado. lindas.” (Rodrigues, 1993)
Não importa. Contava coisas lindas.” 1993)

O texto de Nelson Rodrigues — cronica —


– uma crônica intei—
– possui uma estrutura narrativa intei-
ramente diversa do texto de Lima Barreto. Ao compor a crônica,cronica, o autor constrói
constroi não
nao
ficcionalidade, mas procura relacionar sua producao
o desejo de ficcionalidade, produção textual a uma reali-
dade preexistente. O Quintanilha, personagem da crônica,cronica, é visto
Visto como alguém
alguern que
convencoes de veracidade que a crônica
de fato existiu: diante das convenções cronica introduz, interpre-
ta—se situacao e aqueles que a vivenciaram
ta-se a situação Vivenciaram como participantes de algo que, de fato,
aconteceu. HáHa na crônica
cronica uma afinidade
afinidade entre o mundo factual e o universo subjetivo
subj etivo
do cronista. Permite-se, por outro lado, a visibilidade
Visibilidade do estado afetivo e emocio-
emocio—
nal do narrador. Silvia Borelli ainda alinha uma últimafiltima e definitiva
definitiva característica:
caracteristica:
genero literário,
assumida pelo escritor como gênero literario, ée’ destinada ao campo jornalistico
jornalístico e,
as suas regras (1996:76-77).
como tal, sujeita às
géneros narrativos como molduras menores do discurso (frames),
Considerando gêneros
nao só
que orientam não so sua formatação
formatacao mas a expectativa de leitura em relação
relacao a deter-
deter—
minadas redes textuais, seja o0 romance, a crítica,
critica, a crônica
cronica ou a autobiografia,
autobiografia, cada
um desses textos mostra, a rigor, as vozes do passado. Um Urn texto deve ser visto
Visto
dialogo, mas também
como um diálogo, tambem como uma rede de resistência.
resisténcia. Como
Corno umurn diálogo,
dialogo,
possui no seu interior uma multiplicidade de vozes, que produzem significações
significacoes nun-
Ha nos textos vozes contestatórias,
ca acabadas. Há contestatorias, múltiplas,
mfiltiplas, textos e contextos. Como
Corno
resisténcias, manifestam
rede de resistências, manifestarn um mundo nem sempre possivel
possível de ser tornado visí-
Visi—
vel no momento em que foi formulado.
refletir sobre os gêneros,
Todorov, ao refletir generos, deixa claro que as regras básicas
basicas que orien-
orien—
tam as obras literárias,
literarias, como
corno processos de comunicação,
comunicacao, fazem
fazern delas um corpus de
texto pertencente a um único
finico universo discursivo: o literário.
literario. Para o
0 autor, “um
“um novo

34 Sobre esse movimento da imprensa carioca, cf. Capítulo


34
Capitulo 2.
2.

História Cultural da Imprensa — 133


género ée sempre a transformação
gênero transformaeao de um ou de vários
Varios gêneros
generos antigos: por inversão,
inversao,
por deslocamento, por combinação”.
combinaeao”. Assim, um texto de hoje deve tanto àa poesia e ao
seculo XIX, tal como a comédia
romance do século comedia lacrimejante
lacrimej ante ja earacteris-
já combinava as caracterís-
comedia e da tragédia
ticas da comédia tragedia do século
se’culo preeedente.
precedente. Nao
Não háha possibilidade de haver
géneros, da mesma forma que uma obra não
literatura sem gêneros, nao se encerra nela mesma uma
unica tipologia de gênero.
única género. Uma obra pode manifestar mais de uma categoria, mais de
género (1981:48
um gênero (1981248 e 1979:26).
1979226).
(1993 :279-287) acrescenta que há
Bakthin (1993:279-287) ha uma infinidade
infinidade de gêneros
generos do discurso,
utilizaeao da língua
uma vez que qualquer possibilidade de utilização lingua pela atividade
atiVidade humana
unicos que emanam
instaura formas variadas, enunciados orais e escritos, concretos e únicos
refletem condições
desses sujeitos. Esses enunciados refletem condieoes e finalidades
finalidades específicas,
especificas, não
nao
conteudo e estilo verbal, mas tambe’m
apenas por seu conteúdo funeao da construção
também em função construeao da
composioao. Assim, esses tres
composição. três elementos —– conteúdo
conteudo tematieo, construeao
temático, estilo e construção
composicional — – fundem-se no enunciado, sendo marcados pela especificidade
especificidade de
comunieaoao. Qualquer enunciado considerado isoladamente ée’ indivi-
uma esfera de comunicação.
utilizaeao da língua
dual, mas cada esfera de utilização lingua elabora tipos relativamente estáveis
estaveis de
S510 estes que são
enunciados. São sao denominados gêneros
géneros do discurso.
Apesar de considerar a amplitude dos gêneros
generos como uma dificuldade
dificuldade para seu
conceituaeao, considerando em primeiro lu-
estudo, Bakthin procura sistematizar sua conceituação,
bipartieao entre gêneros
gar a bipartição géneros primarios secundarios. No segundo grupo, complexo,
primários e secundários.
estariam o0 romance, o0 teatro, o discurso científico,
cientifico, o discurso ideológico,
ideologico, que apare-
apare—
situaeoes mais complexas e principalmente sob a forma escrita. Apesar de
cem em situações
distineao, o autor postula a existência
considerar essa distinção, existéncia de inter-relação
inter-relaeao entre os gêne-
gene-
ros como fundamental para esclarecer a natureza do enunciado e, com ela, o problema
correlaeao entre língua,
da correlação lingua, ideologias e visões
Visoes de mundo.
epoca, a língua
Em cada época, lingua escrita ée marcada pelos gêneros
géneros do discurso, secundários
seeundarios
e primarios (dialogos orais), isso porque a língua
primários (diálogos lingua escrita incorpora camadas da língua
lingua
géneros secundários,
popular em todos os gêneros secundarios, o que leva sempre àa reestruturação
reestruturaeao e àa
renovaeao desses gêneros.
renovação generos.
géneros ée tambem
Considerar essa mobilidade dos gêneros eomo o mundo,
também entender que, como
tambe’m os textos se modificam
também modificam através
atraves de diálogos
dialogos constantes, razão
razao pela qual podem
e devem ser abordados e examinados a partir de um grande número
numero de perspectivas,
nao podendo ser reduzida a sua análise
não analise a um modelo monológico
monologieo (Hunt, 1992:154).
1992: 154).
analise textual a este modelo criticado por Hunt é6’: considerar, por exem-
Reduzir a análise exem—
ficcional representa um mundo, em essência,
plo, que o ficcional esséncia, imaginativo, nãonao figurando
figurando as
relaeoes sociais. Preferimos, ao contrário,
relações contrario, descobrir no fictício
ficticio a relação
relaeao com o mun-
mun—
do de que fala e ver no mundo — – numa perspectiva dialógica
dialogica — – tambe’m ficcional.
também o ficcional.
atraVes do texto.
Chegar ao contexto, através

134 — Literatura como vestígio do tempo


“Eu começava
“Eu comeeava no jornal. Era garoto e fui ser repórter
repérter de polieia.
polícia. Bem me
lembro dos meus primeiros dias profissionais.
profissionais. Ate continuos me fascinavam.
Até os contínuos
Revisores, linotipistas, todos, todos sugeriam não
nao sei que mistério.
miste’rio. Mas, pouco
a pouco fui percebendo tudo. Acabei descobrindo
deseobrindo que os mais importantes eram
trés faziam o artigo de fundo. E andavam pela redação
os piores. Dois ou três redaoao como
pavoes enfaticos. Mas não
pavões enfáticos. nao tinham nada que dizer.”
dizer.” (Rodrigues, 1993:88)
1993288)

Na sua crônica,
crénica, Nelson Rodrigues recorda o seu momento de entrada na redação.redaeao.
Com pouca idade — – como a maioria dos jornalistas que ingressavam nos jornais na- na—
1920 —
queles 1920 – relata o encantamento que tomou conta dele ao se ver diante do que
“misterio”. Tudo o fascinava. O desconhecido e, sobretudo, o desvendamento de
chama “mistério”.
improvavel para a maioria das pessoas. Como se transporta “a
um mundo improvável “a realidade”
realidade”
para o mundo das letras impressas? Como se descreve as agruras e os fatos que vão Vao
coeréncia àa existência?
formando e dando coerência existéneia? Idealizações
Idealizaeoes de uma profissao, autoconstrueoes
profissão, autoconstruções
de um lugar de poder, que fascinavam o menino que se tornava jornalista.
A0 misterios daquele mundo, lentamente Nelson Rodrigues desco-
Ao desvendar os mistérios
bre que os que ocupavam posieoes redaoao —
posições mais importantes na redação res—
– os redatores res-
ponsaveis
ponsáveis pelos artigos de fundo que eram publicados em lugar nobre na primeira
pagina
página de todos os jornais, opinando sobre o fato de maior relevo —– materializavam a
distineao do lugar pela pose empertigada com que andavam pela redação.
distinção redaeao. Ainda que
“paVoes enfáticos”,
andassem como “pavões enfaticos”, na opinião
opiniao do cronista, que relata um tempo que
so existe na sua memória,
só memoria, não
nao tinham nada a dizer.
Ao contrário
contrario do texto romanceado de Lima Barreto, que vimos Vimos anteriormente, as
memérias de Nelson Rodrigues, inseridas sob a forma de crônicas
memórias cronicas numa obra que tem
no titulo revelaeao de que ali ele faria “confissões”,
título a revelação “confissoes”, aproxima diretamente seu texto
carater de testemunho. Diante do seu livro, o leitor não
do caráter nao espera encontrar o ficcional,
ficcional,
recordaeoes do escritor, que, pelo ato memorável,
mas as recordações memoravel, figura
figura o seu texto. Espera-se
Espera—se
interveneao expressa
a intervenção eXpressa do autor como locutor da narrativa. O escritor, ao contrário
contrario do
escrivao, recorda fatos prete’ritos
escrivão, pretéritos se colocando em primeira pessoa no texto. Dessa
forma, em vez do quase passado introduzido pela ficção,
ficeao, temos o passado memorável
memoravel
de Nelson Rodrigues, expresso sob a forma de Memo’rias Confissées.
Memórias e Confissões.

“Por hoje volto as minhas memórias


“Por memorias de repórter
reporter de polieia.
polícia. (...) Era uma
e’poca de gordas. Em 1920,
senhora gorda na época 1920, quem não
nao era gorda? Tinha os
flancos fortes, potentes de fecundidade. E todavia
flancos todaVia o toldo de lona suportou o
nao houve morte, nem fratura, nada”.
baque e não nada”.

cronica intitulada “Tempo


Mais adiante, na mesma crônica “Tempo de Papelotes”,
Papelotes”, o escritor
continua:

História Cultural da Imprensa — 135


“Ainda no meu primeiro ano de repórter
“Ainda reporter de politica,
política, trabalhei num crime
voces um rapaz e uma menina que se casam,
que me assombrou. Imaginem vocês
16, ele com 18
ela com 16, 18 anos. Já
Ja pelas idades, podia—se
podia-se temer pela sorte de tal
casamento. E, de fato, ja manha da lua-de-mel,
já na primeira manhã lua—de-mel, os dois nao
não se
mais”. (Rodrigues, 1977:19-22)
entendiam mais”. 1977:19-22)

historia —
Em seguida, ele remonta a história infidelidade da mulher e
– os dissentimentos, a infidelidade
finalmente o desfecho da trama, com o tiro do marido contra a infiel
finalmente infiel —
– que aparece
minl’icias na crônica,
com minúcias cronica, mas que a reportagem policial só
so materializou como desfe-
desfe—
reporter Nelson Rodrigues escreveu em 1920
cho. O repórter 1920 uma reportagem sobre um assas-
sinato. Os detalhes folhetinescos da narrativa permaneceram na sua memória,
memoria, interpe-
lando-o, e ée a partir dessa interpelação
interpelacao que compõe
compoe um novo texto, o 0 da crônica,
cronica,
decadas depois. Observa-se
décadas Observa—se sua presenca
presença no texto feito a partir de uma experiência
experiencia
quotidiana. O passado comparece na narrativa pelo uso do tempo verbal e tambem também
inscricao do autor no texto: “Ainda
pela inscrição “Ainda no meu primeiro ano de repórter
reporter de policia,
polícia,
assombrou.”
trabalhei num crime que me assombrou.”
Na memória
memoria constrói
constroi tambe’m idealizacao de um tempo de antes. Traçando
também a idealização Tracando um
paralelo entre o jornalismo que se fazia no momento em que escrevia
escreVia a crônica
cronica e no
redacoes, enfatiza o fato de, no passado, haver uma
momento em que ingressara nas redações,
especie de simultaneidade entre a notícia
espécie noticia e o acontecimento, produzida pela emoção
emocao
construida. Agora, o texto distanciado causava tambem
como era construída. espe’cie de hia-
também uma espécie hia—
noticia e o tempo do relato.
to entre o tempo da notícia

“O atropelado acabava de estrebuchar na pagina


“O página do jornal.
jornal. E assim, o
marido que matava a mulher e a mulher que matava o marido. Tudo tinha a
tensao, a magia, o dramatismo da propria
tensão, Vida. Mas como, hoje, só
própria vida. so ha
há o0
jornal da véspera,
ve’spera, cria-se
cria—se uma distância
distancia entre nós
nos e a notícia,
noticia, entre nós
nos e o
nos e a calamidade pfiblica
fato, entre nós pública ou privada”.
privada”. (Idem: 299)

Nelson Rodrigues critica o distanciamento produzido pela narrativa jornalistica


jornalística a
adocao de novos parametros
partir da adoção redacao, em oposição
parâmetros de redação, oposicao ao estilo melodramá-
melodrama—
emocao, possibilitado pela descrição
tico, envolto em emoção, descricao minuciosa das trage’dias
tragédias que
apaixonavam a cidade. As notícias
noticias que enfocavam os dramas e tragedias
tragédias banais apare-
ciam nos jornais diários
diarios com um dramatismo, que, segundo o autor, imitava a prépria
própria
Vida. Esse estilo de texto que mesclava em seu interior gêneros
vida. géneros que o precederam — –o
cronicas mundanas —
melodrama, os folhetins, as crônicas – produzia uma espécie
espe’cie de
melodramatizacao da realidade, que, afinal,
melodramatização afinal, era esperada pelo leitor.
O texto de Nelson Rodrigues proj eta, portanto, um mundo passado, mas que per—
projeta, per-
Vivo através
manece vivo atraVés da sua lembrança:
lembranca: caracteriza assim uma tipologia de texto

136 — Literatura como vestígio do tempo


jornalistico, construida de forma mítica
jornalístico, construída Initica pela memória
memoria do autor, que deixara lentamen-
lentamen—
te de existir.
Nessa história
historia remontada a partir da literatura, não
nao interessa demarcar quando Q
de
m
fato isso ocorreu. Importa antes perceber como um
urn texto — ficcional ou não
– ficcional nao —
– revela
urn contexto que também se configura
um configura como texto. Afinal, so ée dada a ler
Afinal, a realidade só
atraVés de processos textuais. Tal como em relação
através relaeao ao texto, tambe’m
também o contexto é
multiplas interpretaeoes. oposieao
alvo de múltiplas interpretações. A oposição entre texto e realidade nao se sustenta,
não
uma vez que o passado também
tambérn só
so chega ao presente através
atraVes desses remanescentes
remaneseentes
textuais: sejam memórias,
memorias, relatos, escritos, arquivos, monumentos, sejam
sejarn resquícios
resquicios
fimbrias de narrativas, vestígios
inscritos em fímbrias vestigios de um tempo, que só so um
urn olhar mais
atento pode revelar. E revelando-o, infere um urn mundo
rnundo que também só so existe como
1983 :95—96).
remanescente textual (LaCapra, 1983:95-96).
Considerando que a literatura sugere formas alternativas de conhecer e descrever
o mundo, usando a linguagem imaginativamente para representar as ambíguas
ambiguas catego-
catego—
Vida, pensarnento,
rias de vida, pensamento, palavras e experiências,
experiéncias, podem-se visualizar
Visualizar esses textos
vestigios de uma história
como vestígios historia que figura
figura um
urn passado (Kramer, In: Hunt, 1992:158).
1992: 158).
urn lastro particular de mito que constrói
Toda cultura fornece um constroi histórias
historias peculiares.
O escritor, por outro lado, recorre sempre a um lastro mitológico
mitologico existente na mente
significado. Portanto, aquele
dos seus leitores para conferir ao seu relato sentido e significado.
mundo que aparece hoje sob a forma de remanescentes textuais existia e tinha um urn
significado preciso, falando de uma realidade que guardava plausibilidade. Resta-nos
significado
remontar esses remanescentes textuais, transformando o texto novamente em contexto.

“Tinha 13
“Tinha 13 anos quando me iniciei no jornal, como repórter
reporter de politica.
política. Na
redaoao não
redação nao havia
haVia nada da aridez atual e pelo contrário:
contrario: —
– era uma cova de
delicias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente
delícias. simplesrnente não
nao ganhava. Para comer,
utopico de cinco ou dez mil-reis. Mas tinha a compensa-
dependia de um vale utópico
oao da glória.
ção gloria. Quem redigia umurn atropelamento julgava—se urn estilista. E a
julgava-se um
propria
própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavao enfatico. EscreVia
pavão enfático. Escrevia na
Vespera e no dia seguinte via-se
véspera Via-se impresso, sem
sern o retoque de uma Virgula.
vírgula.
HaVia uma volúpia
Havia volupia autoral inenarrável.
inenarravel. E nenhum estilo era profanado por
uma emenda, jamais.” 1977264).
jamais.” (Rodrigues, 1977:64).

Alguns dados do contexto aparecem na descrição:


descrioao: o papel simbólico
sirnbolico conferido
aqueles que podiam fazer da pena meio de sobrevivência.
àqueles sobreViVéncia. Esse lugar dava ao jovem
jovem
reporter “glória”
repórter “gloria” — Visualizar como um
– podia se visualizar urn escritor —,
–, que compensava os baixos
salarios ou a completa falta de remuneração.
salários remuneraoao. Mas o contexto percebido como corno texto
produz interpretações
interpretaeoes que são
sao construídas
construidas no presente: a mitificação
mitificaeao de quem maneja
distinoao simbólica
as letras impressas, a distinção simbolica conferida a quem fazia da produoao
produção textual

História Cultural da Imprensa — 137


dia—a—dia de sua existência.
o dia-a-dia existéncia. A literatura era vista
Vista na sociedade com uma alta carga
positiva e o jornalismo queria ser literatura, porque esse era o0 lugar distintivo para o
seu profissional.
profissional.
Nos anos que se seguiram muita coisa mudou. Construir um texto referenciado
como neutro, isento, imparcial, autonomiza o campo jomalistico (121 a ele uma
jornalístico e dá
valoraeao acima
valoração aoima do campo literário.
literario. Mas para isso um longo caminho teraterá que ser
percorrido.

Ecos do Estado Novo

A popularidade dos periódicos


periodicos nas duas primeiras décadas
de’cadas do século
se’culo modificou
modificou a
relaeao do publioo
relação público com os jornais diários.
diarios. A entrada em cena de novos meios de
comunicaeao, tecnologias que deveriam ser utilizadas para atingir um pfiblico
comunicação, público mais
imimeras vezes nos discursos
vasto, conforme expresso inúmeras disoursos dos homens de governo, du-
rante o Estado Novo, interferiu na maneira como o pfiblioo
público se relacionava com os
periodicos. Mas os jornais continuavam sendo a forma como podia se ter conheci-
periódicos.
mento do que se passava no mundo.
Vitoria, personagem de Graciliano Ramos, em Angdstia,
O que levava Vitória, Angústia, a ler com
sofreguidao o nome de todos os navios
sofreguidão naVios que aportavam no cais? Sem nunca ter saído
saido
Maceio, como esclarece o autor, faria viagens
de Maceió, Viagens imaginárias
imaginarias a partir da informação
informaoao
infindavel de navios
desse movimento infindável naVios que atracavam e desatracavam?

“Quando se cansa, agarra o jornal e lê


“Quando 16 com atenção
atenoao os nomes dos navios
naVios
que chegam e dos que saem. Nunca embarcou, sempre viveu Viveu em Maceió,
Maceio, mas
term o
tem 0 espírito
espirito cheio de barcos. Dá-me
Da-me frequentemente notícias
noticias deste gênero:
género:

–O 0 Pedro II chega amanhã.
amanha. O Aritimbo
Aritimbó vem com atraso. TeráTera havido
haVido desas-
desas—
tre? Nao
Não sei como se pode capacitar que a comunicação
comunicaoao me interessa. Há Ha trés
três
anos, quando a conheci, a mania dela me espantava. Agora estou habituado.
Leio o jornal e deixo-o
deixo—o em cima da mesa, dobrado na pagina
página em que se publica
o movimento do porto. Vitória
Vitéria toma a folha e vai para a cozinha ler ao papagaio
Viaj antes. No principio do mês,
a lista dos viajantes. mes, quando se aproxima o recebimento
reoebimento
excita—se e não
do ordenado, excita-se nao larga o Diário
Diario Oficial.”
Oficial.” (Ramos, 1995:27)
1995:27)

A leitura do jornal aparece tambe’m


também como possibilidade real de pausa para o descan-
informaeao preoisa,
so. Mais do que a informação noticia do movimento dos
precisa, o que a leitora busca na notícia
portos, é a possibilidade de fazer viagens
Viagens imaginárias.
imaginarias. O hábito
habito da leitura em voz alta —
–
sob a forma de ironia — – tambem descrioao: Vitória
também aparece na descrição: Vitoria lê,
16, na cozinha, em voz
alta, ainda que seja para o papagaio, as notícias
noticias que tanto lhe interessam.

138 — Literatura como vestígio do tempo


da a ela tambe’m
Ler dá também possibilidade de transmitir a informação.
informaeao. Informa ao amigo o
naVio que chegaria e interpreta o atraso de uma outra embarcação
navio embarcaoao com
corn dúvidas
dfividas que
esp1’rito. Teria sido o atraso motivado por algum desastre?
lhe assaltam o espírito.
Inovimento de leitura desse personagem indica que o mundo do texto não
O movimento nao
termina na produoao reconfigura a narrativa, produzindo inter-
produção impressa. O leitor reconfigura
pretaeoes, Visualizando um
pretações, visualizando urn mundo
Inundo que pouca relação
relaeao guarda com as informações
informaeoes
recolhidas nos periodicos.
periódicos.
Podernos ler o texto de Graciliano como uma espécie
Podemos espe’cie de rastro do passado que,
ate o
chegando até 0 presente, mostra múltiplas
rnfiltiplas relações
relaooes dos leitores dos anos 1930
1930 com os
comunicaeao e, no caso da narrativa transcrita acima, com os jornais diários.
meios de comunicação diarios.
O rastro, na medida em que foi deixado, exerce para com o passado a função fungao de
representdncia, ainda que não
representância, nao estejamos considerando nessa relação relaeao a questão
questao
ontologica contida na noção,
ontológica nooao, isto é, a garantia de prova e de explicação
explicaeao do passado
1996:242-243)
que chega sob a forma de documentos. (Ricoeur, 1996:242-243)
A0 ate o
Ao chegar até 0 presente, sob a forma de remanescente textual, não
nao seria o rastro,
presente? E, como
corno leitores desse passado histórico,
historico, não
nao somos nós
nos mesmos transfor—
transfor-
contemporaneos dos acontecimentos
mados em contemporâneos acontecirnentos passados através
atraVes da reconstrugao
reconstrução de
seu encadeamento? O passado não
nao se torna inteligível
inteligivel apenas ao persistir no presente?
(Ricoeur, idem, 244)

“Moises comenta
“Moisés cornenta o jornal. Nunca viVi ninguém
ninguem ler com
corn tanta rapidez. Per-
corre as colunas com os dedos e para no ponto que lhe interessa. Engrola,
saltando linhas, aquela prosa em língua
lingua estranha, relaciona o conteúdo
contefido com
corn
leituras anteriores e passa adiante”.
adiante”. (Ramos, 1995:22)
1995:22)

No mesmo romance de Graciliano, um


urn outro personagem tambe’rn
também faz da leitura do
jornal base para o seu comentário.
comentario. A indicação
indicaoao da leitura feita com
corn “tanta
“tanta rapidez”,
rapidez”,
implicito do texto, mostra a familiaridade daquele leitor
que impressiona o narrador implícito
corn as letras impressas. Os dedos tornam-se auxiliares de uma leitura meio silenci-
com
osa, meio em voz alta. A não
nao linearidade de sua leitura também aparece na narrativa.
O leitor de Angdstia urna leitura com
Angústia salta linhas, sussurra o texto, relaciona uma corn outras ja

ficticio do texto e o mundo real do leitor mostram como se dão
feitas. O mundo fictício dao o
fenomeno da leitura e também
fenômeno tambe’m as mediações
mediaeoes necessárias
necessarias para a transformaeao
transformação do que
interpretaeao. Nesse pequeno trecho surge a estratégia
era lido em interpretação. estrate’gia fomentada
fornentada por
Graciliano para descrever aquele mundo e que é dirigida ao leitor; a forma como corno essa
estrategia compõe
estratégia compoe a narrativa visualizada
Visualizada como
corno ficção
ficeao e as respostas do leitor, implí-
impli—
cito no texto, considerado como sujeito que lê 16 e como pfiblico
público receptor. Mas o texto
nao termina aí.
não ai. Aberto a múltiplas
mfiltiplas interpretações,
interpretaeoes, serve para indicar, como rastro, ao
leitor do futuro como o publico
público se relacionava com os periodicos 1930.
periódicos nos idos de 1930.

História Cultural da Imprensa — 139


nao ée apenas isso que aparece. Naquela sociedade em que o mundo impresso
Mas não
define formas de pensar e de agir em uníssono,
define unissono, ter o
0 reconhecimento da publicacao
publicação de
um texto continua representando um valor para os que querem ter notoriedade. Em
iniciacao no mundo dos jornais
outros momentos do mesmo romance, a iniciação jornais também ée
mostrada.

“Dr. Gouveia ée’ um monstro. Compôs,


“Dr. Compos, no quinto ano, duas colunas que pu-
blicou por dinheiro na seção
secao livre de um jomal ordinario. Meteu esse trabalhinho
jornal ordinário.
caiXilho dourado e pregou-no
num caixilho pregou—no na parede, por cima do bureau. EstáEsta cheio
de erros e paste’is.
pastéis. Mas Dr. Gouveia nãonao os sente.”
sente.” (Ramos, 1995:6)
199526)

A importância
importancia de ser um autor faz com que Gouveia emoldure o seu artigo (“um
(“um
trabalhinho”) num quadro, ornando a parede. A moldura dourada e o
trabalhinho”) 0 local nobre da
sala indicam tambe’m representacao do texto autoral naquela sociedade, não
também representação nao impor-
impor—
composicao e a redação
tando que a composição redacao fossem falhas.
Luiz, personagem principal de Angflstia, “funcionario publico,
Angústia, um “funcionário ocu—
público, homem de ocu-
pacoes marcadas pelo regulamento”,
pações regulamento”, apesar de nunca ter estudado e de julgar que os
nao prestavam, trabalha num jornal. O emprego fora conseguido por
seus escritos não
uma carta de um deputado dirigida a um diretor da publicacao.
publicação. Trabalha a noite, ja

que de dia ée funcionário
funcionario publico.
público.

“Um sujeito feio: olhos baços,


“Um bacos, o nariz grosso, um sorriso besta e a atrapa-
atrapa—
lhacao, o encolhimento que é mesmo uma desgraça.
lhação, desgraca. (...) Habituei-me a escre-
Ver, como ja
ver, já disse. Nunca estudei, sou um ignorante, e julgo julgo que os meus
nao prestam (...) Trabalho num jornal. A
escritos não À noite fecho as portas, sento-
me àa mesa da sala de jantar, a munheca emperrada, o pensamento vadio longe
do artigo que me pediram para o jornal.”
jornal.” (Idem: 6)

A atividade
atiVidade jornalistica nao iniciara ainda no Rio de Janeiro plenamente o seu
jornalística não
processo de profissionalizacao.
profissionalização. Apesar das inúmeras
inumeras tentativas de transformar o saber
pratico em objeto
prático obj eto de estudo regulamentar — – movimento que teria início
inicio no primeiro
congresso de jornalistas realizado em 1918,
1918, mas que só so se efetivaria com o proj eto de
projeto
criacao do curso de jornalismo ainda durante o Estado Novo —,
criação –, a profissionalizacao
profissionalização
so seria efetivada a partir da década de 1950.
só 1950. O ingresso no mundo do jornalismo
jornalismo
relacao ao início
pouco tinha mudado em relação inicio do século:
se’culo: indicações
indicacoes de pessoas influentes
influentes
relacoes de amizade são
e relações sao fundamentais para ingressar na profissao,
profissão, que se acumula
atiVidade, normalmente no serviço
com outra atividade, servico publico.
público.
repressao àa imprensa, que redundaram muitas vezes na prisao
Os ecos da repressão prisão de jor—
jor-
nalistas, aparecem em outra obra de Graciliano Ramos. Em Memo’rias
Memórias dod0 Cárcere,
Cdrcere,
figura lendária
uma figura lendaria da imprensa brasileira —– Aparicio Barao de Itararé,
Aparício Torelly, o Barão Itarare,

140 — Literatura como vestígio do tempo


fundador de A Manha35
Manha35 —
– ée um dos personagens da prisao
prisão onde tambem
também Graciliano
esta encarcerado.
está

“A chegada mais rumorosa foi a de Aporelly. Estávamos


“A Estavamos recolhidos; a
Radio Libertadora, em meio do programa, comunicou o sucesso. —
Rádio – Fala o
Barao —
Barão Varios cubículos”.
– exigiram de vários cubiculos”. (Ramos, 2000:46)

radio, a que se refere Graciliano, ée’ a pratica


A rádio, prática desenvolvida pelos presos da Casa
Deteneao: das celas gritam e cantam,
de Detenção: cantarn, improvisando programas de uma rádio,radio, que
denominaram Libertadora. É E assim que os prisioneiros fazem circular informações
informaeoes ou
simplesmente encontram maneiras de se distrair. Todas as noites apósapos o jantar, eles
ouvem um dos presos — oficial devido
– eleito locutor oficial deVido a sua voz possante — – anunciar o
inicio de cada emissão
início emissao com o slogan “Agrade
“Agrade ou não
nao agrade, todos àa grade para ouvir
ouVir
a PR-ANL —A Liberdade”. Durante essas emissões,
– A Voz da Liberdade”. emissoes, o locutor lê1e notícias
noticias que
chegam ao presidio
presídio clandestinamente, comunicados escritos pelos dirigentes presos,
numeros musicais.
ou anuncia números
Graciliano, em suas Memo’rias,
Memórias, relata o seu primeiro encontro com o Barão
Barao na
Deteneao:
Casa de Detenção:

“De manhã,
“De manha, ao lavar-me,
lavar—me, notei que alguém
alguem se esgoelava no chuveiro pro- pró-
Ximo, recitando Os Lusíadas:
ximo, Lusiadas: ‘As
‘As armas e os barões
baroes assinalados’...
assinalados’... A água
agua
jorrava com
corn forte rumor, alagava o chão;
chao; diversas torneiras abertas, resfôlegos,
resfolegos,
esfregar—se, magotes conversando àa porta, aguardando a vaga. O
gente a esfregar-se, 0 vo-
V0-
zeirao dominava o barulho: ‘E
zeirão ‘E também
tambe’m as memórias
memorias gloriosas daqueles reis
que foram dilatando a fé,fe, o império,
imperio, a uretra’...
uretra’ Dei uma gargalhada, ouvi ouVi este
comentario: —
comentário: ‘Hoje não
– ‘Hoje nao se dilata império
impe’rio nem fé.
fe’. Essas dilatações
dilataeoes vão
Vao desa-
desa—
parecendo. Agora o que se dilata ée’ a uretra’.
uretra’. Saí.
Sai. E enquanto me enxugava,
conheci Aporelly, nu, um urn sujeito baixo, de longa barba grisalha, o nariz arre-
bitado, que uma autocaricatura vulgarizou. (Idem: 47).

Nos anos do Estado Novo não nao poderia ser diferente: mesmo nas celas da Casa de
Deteneao, ée’ através
Detenção, atrave’s de uma emissora de rádio
radio imaginária
imaginaria que os presos se comunicam
ou se distraem. Reproduzem o aparelho teenologico
tecnológico que faz parte de seu cotidiano:
caneoes, dramatizações
canções, dramatizaeoes e notícias
noticias compõem
compoem a programaeao
programação de uma emissora que só so
imaginaeao.
existe em imaginação.

Aparício Torelly começa


35Aparicio
35 comega a trabalhar na imprensa carioca, em 1925,
1925, fazendo crônicas
crénicas para o recém-fundado
jornal de Irineu Marinho, O Globo. Com a morte de Irineu, transfere-se, no mesmo ano, ano, para o jornal de Mário
Mario
Rodrigues,
Rodrigues, A Manhã.
Manhé. No ano seguinte, fundaria seu próprio jornal: o periódico
proprio jornal: periédico humorístico
humoristico A Manha (1926-1952).
(1926-1952).

História Cultural da Imprensa — 141


sao convertidos em história
Os acontecimentos são historia pela supressão
supressao ou subordinação
subordinaeao de
alguns, pelo realce de outros, pela repetição
repetieao de um motivo, variação
variaeao do tom e do
Vista. Inúmeras
ponto de vista. Inumeras estratégias
estrategias discursivas são
sao utilizadas —
– nos textos de outrora
e nos textos de agora —– para urdir um enredo. O enredo, que Graciliano compôs
compos em
memorias, tem por objetivo
suas memórias, obj etivo recordar um tempo vivido
Vivido e personagens que cons-
truiam o mundo. O enredo composto a partir dos vestígios
truíam vestigios que o passado lega ao
indicios de uma história
presente procura indícios historia particular.
simbolica, a narrativa histórica
Como estrutura simbólica, historica não
nao reproduz os eventos que des-
des—
creve. Ela apenas nos diz àa direção
direeao com que devemos pensar acerca dos acontecimen-
acontecimen—
valencias emocionais diferentes. A nar-
tos, carregando cada urdidura do enredo com valências nar—
historica não
rativa histórica nao imagina as coisas que indica: ela apenas traz àa mente imagens das
metafora (White, 1994:107-108).
coisas que indica tal como uma metáfora 1994: 107-108).
Nas memórias,
memorias, por outro lado, a voz narrativa do autor tem o direito indiscutível
indiscutivel
ouVida: ela interpela o leitor a todo instante, mesmo quando sabemos que o
de ser ouvida:
nao está
autor, exterior a sua obra, não esta mais entre os vivos.
Vivos. Há
Ha nas memórias
memorias uma espécie
espe’cie
imposieao de autoridade da voz narrativa do autor no interior do proprio
de imposição próprio texto.
Nas Memo’rias
Memórias dod0 Cárcere,
Cdrcere, o lendário
lendario jornalista aparece inúmeras
inumeras vezes. O sonho
biografia, que daria conta das glórias
de escrever uma biografia, glorias do Barão
Barao de Itarare’,
Itararé, ée um
projeto discutido com Graciliano. O sonho do jornalista que quer se fazer literato ée
escrever um grosso volume, mostrando todas as nuanças
nuaneas de sua personalidade.

“Ao fundo, Aporelly arrumava cartas sobre uma pequena mesa redonda,
“Ao
infinita paciéncia.
entranhado numa infinita paciência. Avizinhei—me
Avizinhei-me dele, pedi notícias
noticias do livro
biografia do Barão
que me anunciara antes: a biografia Barao de Itararé.
Itarare. Como ia esse ilustre
fidalgo? A narrativa ainda não
fidalgo? nao começara,
comeeara, as glórias
glorias do senhor barão
barao conserva-
conserva—
Vam-se espalhadas no jornal. Ficariam assim, com certeza: o panegirista não
vam-se nao se
decidia a por notavel personagem.”
pôr em ordem os feitos do notável personagem.” (Ramos, op. op. cit.:
cit: 48)

atraVes de um livro alentado ée para o jorna—


Construir a imortalidade de sua escrita através jorna-
lista signo de plena realização:
realizaeao: a senha para a entrada no mundo da literatura, da qual
a passagem pelo jornalismo ée’ apenas a possibilidade de conseguir conquistar esse
lugar, ponto na traj etoria em direção
trajetória direeao àa notoriedade.

“Volume grosso, um calhau no formato dos de Emil Ludwig. É


“Volume E a história
historia
ampliaoao dos ridículos
completa do homem, a ampliação ridiculos que publiquei na Manha. Ve-
principios do Barão,
remos os princípios Barao, a vida
Vida politica, negocios, a maneira como
política, os negócios,
titulo. Um dia Itararé
adquiriu o título. Itarare’ descobriu uma volumosa ladroeira oficial
oficial e
responsaveis numa longa campanha moralizadora. Aos íntimos
denunciou os responsáveis intimos
‘Patifes! Canalhas!
explicou-se: ‘Patifes! Canalhas! Para uma transaeao nao me con-
transação como essa não

142 — Literatura como vestígio do tempo


Vidam’. Enfim
vidam’. Enfim quinhentas páginas
paginas grandes. Acho que terei o0 volume pronto
nao nos largarão
num ano; com certeza não largarao antes”.
antes”. (Idem, ibidem)

proj eto, entretanto, nunca se concretizou. A prisao


O projeto, vestigios
prisão o deixa, segundo os vestígios
trazidos até
ate nós
nos pela narrativa memorável
memoravel do velho Graça,
Graea, alquebrado, sem forças,
forgas,
doente.

“Doia-me a paciencia
“Doía-me paciência triste dele, aparentemente alegre. Nao
Não passava mal
o0 dia, mas àa noite, apagadas as luzes, entrava a aperrear-se,
aperrear—se, em forte agitação.
agitaeao.
erguia—se num tremor convulso, batendo os dentes, a arquejar.
De repente, erguia-se
Isso me dava um sono incompleto. Abandonava o travesseiro, agarrava o
ate que ele se acalmasse. Atormentava—me.
doente até Atormentava-me. Iria Aporelly morrer-me
braeos? Por fim
nos braços? fim o meu ato era mecânico:
mecanico: ao despertar ja segu—
já me achava segu-
impossivel”.
ro a ele, tentando um socorro impossível”. (Idem)

Quando sai da prisao, as vésperas


prisão, às Vesperas do Natal de 1936,
1936, o jornal
jornal que ele publica hahá
mais de 1010 anos está
esta fechado. Com a ajuda dos amigos reabre A Manha, mas com o
periodo censorio do Estado Novo, no ano seguinte, o jornal desaparecerá
período censório desaparecera de circula-
eao mais uma vez. Aporelly vai então
ção entao trabalhar como cronista no Didrio
Diário de Notz'cias.
Notícias.
1939, ée novamente preso e a partir daí,
Em 1939, dai, até
ate o
0 final
final do Estado Novo, esse seria um
Vida.
fato rotineiro em sua vida.

Entrando em novos tempos...

Um grito do jornaleiro na rua do Ouvidor


OuVidor coloca no cenário
cenario de Lagos
Laços de Familia
Família
o jornal A Noite, principal vespertino do Rio de Janeiro, até
ate’ o
0 início
inicio dos anos 1940.
1940.
O jornal, na descrição
descrieao de Clarice Lispector, aparece tambe’m mfiltiplas represen-
também em múltiplas
taeoes,
tações, indicando um novo tempo que se inicia para as publicaeoes findar os
publicações ao findar
1940. “A
anos 1940. “A Noite!
Noite! Gritou o jornaleiro ao vento brando da rua do Riachuelo, e
arrepiou—se pressagiada.”
alguma coisa arrepiou-se cronica “Devaneio
pressagiada.” Mas adiante, na mesma crônica “Devaneio e
rapariga” descreve: “Deitou-se,
embriaguez de uma rapariga” “Deitou—se, abanava-se
abanava—se impaciente com um
jornal a farfalhar no quarto.”
quarto.”
Mas o jornal que aparece nessa descrição,
descrieao, deslocado da função
fungao da leitura, ressurge
relaeao intrínseca
em diversas outras, instaurando a relação intrinseca leitor/leitura. Como leitura parti—
parti-
lhada, coletiva, pfiblica.
pública. Como leitura que se materializa pela imagem e pela imagem
induz o leitor a pensar e a sentir a representação
representaeao do real.

“Os bancos sempre têm


“Os tém lugar para mais um: ée só
so pedir que se afastem e
deem um cantinho. Os que leem jornal, quando acabam uma folha, àsas vezes

História Cultural da Imprensa — 143


oforocorn ao outro a pagina
oferecem sompro aceito.
página lida. Eu sempre acoito. E, embora
ombora me
mo sente
sonto no banco
do tardo,
de tarde, ja mo foi oferecido
já me oforooido o caderno
cadorno B do Jornal do Brasil.”
Brasil.” (Lispector,
(Lispoctor, 1975)
1975)

habito de
O hábito do partilhar a leitura
loitura do jornal, oferecendo
oforocondo paginas
páginas jajá lidas para que
quo
tambom o façam
outros também faoam eo a descrição
doscrioao de do que
quo isso seso passa num banco de do praoa, indi—
praça, indi-
sociabilidado comum às
cam uma sociabilidade as praticas do leitura
práticas de loitura na cidade.
oidado. Na descrição
dosorioao seguinte,
soguinto,
mais uma vezvoz os suplementos
suplomontos dos jornais, que quo ganham importância
importancia nos anos 1960,
1960,
aparocom. A fotografia
aparecem. fotografia emom tamanho realroal da Pequena
Poquona Flor, uma mulher
mulhor dedo quarenta
quaronta eo
contirnotros, trazia o inesperado
cinco centímetros, inosporado para o poriodico. roalismo da imagem
periódico. O realismo imagom pro—
pro-
sonsaooos de
duz sensações do aflição,
aflioao, ainda mais
Inais polo
pelo fato dedo tor
ter sido publicada em orn tamanho
natural. A leitura
loitura dominical no ambiente
ambionto privado — loitura igualmente
– mas uma leitura igualmonto parti-
lhada eo complementada
oomplomontada pelo polo comentário
oomontario de do um outrem
outrom —– provoca sensações
sonsaooos que
quo indu-
indu—
zom ao esquecimento.
zem osquocimonto.

“Marcol Petre
“Marcel Potro defrontou-se
dofrontou-so com
corn uma mulher
mulhor dedo quarenta
quaronta eo cinco centíme-
oontimo—
nogra, calada. Escura
tros, madura, negra, Esoura como um urn macaco.
macaoo. Informaria ele olo a
impronsa eo que
imprensa quo vivia
ViVia no topo de
do uma árvore
arvoro com
corn seu
sou poquono
pequeno concubino.
A fotografia
fotografia da Pequena
Poquona Flor foi publicada no suplemento
suplomonto colorido dos jor-
do domingo, onde
nais de ondo coube
ooubo em
om tamanho natural. Enrolada num pano, com a
barriga emom estado
ostado adiantado. O nariz chato, a cara prota,
preta, os olhos fundos, os
pos espalmados.
pés ospalmados. Pareceria
Parocoria um
urn cachorro. Nosso apartarnonto,
Nesse domingo, num apartamento,
mulhor, ao olhar no jornal aberto
uma mulher, aborto o retrato
rotrato de
do Pequena
Poquona Flor, não
nao quis olhar
sogunda vez
uma segunda voz ‘porque
‘porquo me
mo dá
da aflição’.
aflioao’. — olho —
– Pois olhe doclarou de
– declarou do repente
roponto uma
volha, fechando
velha, fochando o jornal com decisão,
dooisao, pois olhe,
olho, eu
ou só
so lhe
lho digo uma coisa: Dous
Deus
sabo o que
sabe quo faz.”
faz.” (A Menor mulher do d0 mundo. In: Lispector,
Lispoctor, 1975)
1975)

poriodioos tambo’m
Mas os periódicos sorvom para informar sobre
também servem sobro o mundo. Os anúncios
anunoios
funobros torn
fúnebres Olimpioo, um dos porsonagons
têm para Olímpico, personagens principais de do A hora da estrela, a
funoao de
função do fazê-lo
fazo—lo poroorror oomitorios em
percorrer os cemitérios om busca de do sensações.
sonsaooos. Lê
Lo sobretudo
sobrotudo O0 Dia,
jornal popular eo de
do grande
grando circulação
circulaoao a partir da década
docada dedo 1960,
1960, eo que
quo destaca
dostaoa em
om seu
sou
notioiario também
noticiário tambom os crimes
crimos eo as desgraças
dosgraoas que
quo atordoam a cidade.
oidado. Olímpico,
Olimpico, diante
dianto da
informaoao que
informação quo o jornal lhe
lho transmito, ontorro de
transmite, o enterro do desconhecidos,
dosconhooidos, produz uma ação:
aoao:
porcorro os cemitérios
percorre oomito’rios em
om busca da emoção
omooao real
roal eo verdadeira,
vordadoira, diante
dianto da dor alheia.
alhoia.

“Olimpioo era
“Olímpico ora macho de
do briga. Mas fraquejava
fraquoj ava em
om relação
rolaoao a enterros:
ontorros: às
as
vozos ia trés
vezes vozos por semana
três vezes somana a enterro
ontorro de
do desconhecidos,
dosconhooidos, cujos anúncios
anunoios
saiarn nos jornais eo sobretudo
saíam sobrotudo no O
0 Dia; eo seus
sous olhos ficavam
ficavam cheios
choios de
do lágri-
lagri-
fraquoza, mas quem
mas. Era uma fraqueza, quom não
nao torn Somana em
tem a sua. Semana om que
quo não
nao havia
haVia
ontorro, era
enterro, ora semana
somana vazia desse
dosso homem
homom que,
quo, se
so era
ora doido, sabia muito bem
born o
0
quo queria.”
que quoria.” (Lispector,
(Lispoctor, 1998:70)
1998:70)

144 — Literatura como vestígio do tempo


Olimpico tambem
Tal como Olímpico Macabea, a heroína
também Macabéa, heroina da narrativa, tem uma relação
relacao
toda especial com os meios de comunicação.
comunicacao. Os anúncios
anuncios coloridos das paginas
páginas dos
velhos jornais despertam sua imaginação,
imaginacao, seu desejo de consumo, múltiplas
multiplas sensa-
sensa—
coes. Já
ções. Ja ouvir,
ouVir, horas a fio,
fio, o0 rádio
radio que pinga o tempo em “som
“som de gotas”
gotas” faz com que
“talvez algum dia viesse
adquira ensinamentos que “talvez Viesse precisar saber”.
saber”.

“Todas as madrugadas ligava o


“Todas 0 rádio
radio emprestado por uma colega de moradia,
baiXinho para não
Maria da Penha, ligava bem baixinho nao acordar as outras, ligava invari-
invari—
radio relógio,
avelmente para a rádio relogio, que dava a hora certa e cultura, e nenhuma
musica, só
música, so pingava em som de gotas que caem — – cada gota de minuto que
passava. E sobretudo esse canal de rádioradio aproveitava intervalos entre as tais go-
go—
tas de minuto para dar anúncios
anuncios comerciais — anuncios. Era a rádio
– ela adorava anúncios. radio
perfeita pois também
tambe’m entre os pingos de tempo dava certos ensinamentos dos
quais talvez algum dia viesse
Viesse precisar saber. Foi assim que aprendeu que o Impera-
Impera—
dor Carlos Magno era na terra dele chamado de Carolus. Verdade que nunca achara
informacao. Mas nunca se sabe, quem espera sempre alcança.
modo de aplicar essa informação. alcanca.
OuVira também a informação
Ouvira informacao de que o único
unico animal que não
nao cruza com filho
filho era o
0
cavalo. — moco, ée indecência,
– Isso, moço, indecéncia, disse ela para o0 rádio.”
radio.” (Lispector, 1998:37)
1998:37)

observa—se que Macabéa,


Na narrativa de Clarice Lispector observa-se Macabea, a protagonista da his-
his—
toria,
tória, estabelece com o0 rádio
radio uma relação
relacao extremamente particular. Fala com o apare-
lho, como se tivesse dialogando com alguém,
alguem, tal a proximidade que o meio de comu-
comu—
nicacao denota para o publico:
nicação público: o0 rádio
radio se transforma na companhia imaginada no
solidao. De madrugada, tem como única
momento de solidão. unica companhia o som que sai do
aparelho. Mas Macabéa escuta uma emissora que marca invariavelmente o tempo, em
“gotas de minuto”,
“gotas minuto”, como metaforicamente particulariza a escritora.
Nesse pequeno trecho observamos uma relação
relacao particular da personagem com o
tempo. N50
Não o0 tempo cronológico,
cronologico, mas o que emerge da narrativa pelas marcas senso-
riais que o texto produz. Se em Recordagfies
Recordações do d0 Escrivdo
Escrivão Isaz’aS
Isaías Caminha, é a luz a
bico de velas que indica a presenca
presença da noite, se em Didrio d0 Hospicio
Diário do Hospício o fato de
chama-lo para jantar que mostra o
Misael chamá-lo 0 final
final do dia, em Hora da Estrela, o tempo
cronologico ée perfeitamente demarcado. É
cronológico E de madrugada que Macabéa
Macabe’a escuta uma
radio. Mas a Rddio
emissora de rádio. Rádio Relo’gio,
Relógio, escolhida por ela, tem a propriedade de
esta passando, como que a mostrar para ela que o
indicar a cada segundo que o tempo está
tempo se esvai como gotas, ao mesmo tempo em que nos intervalos oferece conheci-
imaginacao. O anúncio
mento e imaginação. anuncio faz com que ela ingresse no mundo da fantasia (“ela(“ela
anuncios”), enquanto a fala do locutor informa curiosidades e abre a possibi—
adorava anúncios”), possibi-
lidade de adquirir conhecimento. Assim, através
atrave’s de uma experiência
experiéncia temporal fictícia,
ficticia,
a narrativa vai produzindo a persuasao
persuasão do leitor.

História Cultural da Imprensa — 145


Atraves marcacoes temporais, visualiza-se
Através dessas marcações Visualiza—se tambe’m
também o tempo interior de cada
solidao noturna escuta o “pingo
um dos personagens. Para Macabéa, que na solidão “pingo do tem-
po”, a marcação
po”, marcacao incessante dos minutos leva seu pensamento para longe, construindo
Vida também
sua vida tambe’m àa medida que adquire conhecimento. Um conhecimento que talvez
“algum dia viesse
“algum Viesse precisar saber”.
saber”.
Nessa narrativa existem, portanto, múltiplos
multiplos tempos: a experiência
experiencia temporal con-
cronologico,
creta da personagem, ou tempo cronológico, o tempo monumental marcado pelo som
radio relógio
da rádio relogio e o seu tempo interior. A hora para Macabéa
Macabea não
nao ée apenas o ruído
ruido de
um tempo que inexoravelmente passa pela marcação
marcacao que escuta no rádio.
radio. A hora para
Macabe’a ée tambe’m
Macabéa anuncios produzem e a concentração
também o devaneio que os anúncios concentracao que ne—ne-
cessita ter para adquirir conhecimento. A ficção
ficcao literária
literaria tem, pois, a capacidade de
heroi-narrador que persegue uma certa busca de si mesmo, cujo objetivo
criar um herói-narrador
ultimo ée’ precisamente a dimensão
último dimensao do tempo.

“Mas tinha prazeres. Nas frígidas


“Mas frigidas noites, ela, toda estremecente sob o
lencol de brim, costumava ler àa luz de vela os anúncios
lençol anuncios que recortava dos
jornais velhos do escritório.
escritorio. É
E que fazia coleção
colecao de anúncios.
anuncios. Colava-os
Colava—os no
album. Havia
álbum. HaVia um anúncio,
anuncio, o mais precioso, que mostrava em cores o 0 pote
aberto de um creme para pele de mulheres que simplesmente não nao eram ela.
Executando o fatal cacoete que pegara de piscar os olhos, ficavaficava só
so imagi-
imagi—
delicia: o creme era tão
nando com delícia: tao apetitoso que se tivesse dinheiro para
compra-lo não
comprá-lo nao seria boba. Que pele, que nada, ela o comeria, isso sim, às as
colheradas no pote mesmo.”
mesmo.” (Idem: 38)

Macabe’a, além
Macabéa, ale’m de ouvinte
ouVinte de rádio,
radio, ée tambem
também leitora de jornais.
jornais. Toma em suas
maos os jornais velhos que encontra no escritório
mãos escritorio —
– pouco importam o titulo,
título, a linha
noticias —
editorial e as notícias anuncios coloridos. O que lhe importa ée a beleza
– e recorta os anúncios
anuncios, possibilitada pelas modernas te’cnicas
dos anúncios, impressao. Esses recortes
técnicas de impressão.
aleatorios pertencem agora a outro tipo de suporte: fazem parte de seu álbum.
aleatórios album. De
relé cada um deles e o mais precioso ée’ aquele que mostra um creme
noite, sozinha, relê
para pele. Cada uma daquelas imagens favorece a construção
construcao de outras imagens e de
multiplas interpretações
múltiplas interpretacoes no universo de Macabéa.
Macabe’a. O creme de beleza ée’ para ela “ape-
“ape-
titoso”, tão
titoso”, tao apetitoso que seria capaz de comê-lo.
come—lo.
Esses trechos de textos ficcionais,
ficcionais, entendidos aqui como restos de um passado
ate’ o
que chegam até 0 presente, indicam sob o ponto de vista
Vista de uma história
historia da impren-
comunicacao —
sa, que a partir do desenvolvimento de novos meios de comunicação – como o0 rádio
radio
decada de 1930,
na década 1930, a televisao 1950 e a proliferacao
televisão nos anos 1950 proliferação de meios impressos
com amplas possibilidades de impressão
impressao —, ha a incorporação
–, há incorporacao das mensagens e dos
midiaticos de tal forma junto ao publico,
apelos midiáticos público, que os aspectos mais cotidianos da

146 — Literatura como vestígio do tempo


Vida passam a ser
vida sor regulados
rogulados pola contralidado da mídia.
pela centralidade midia. Nao
Não éo’ mais apenas
aponas a questão
quostao
do podor midia que
poder da mídia quo está
osta em
om foco. O que quo está
osta em
om jogo éo a produoao
produção de do novas
sooiabilidados reguladas
sociabilidades roguladas por estes
ostos aparatos tocnologioos quo instauram rolaooos
tecnológicos que relações
dialogicas eo produzom
dialógicas subjotiVidado. Os corpos
produzem subjetividade. oorpos passam a ser,
sor, de
do maneira
manoira quase
quaso que
quo
simbiotica, afetados
simbiótica, afotados polas rolaooos de
pelas relações do comunicação.
comunicaoao. Em todos os lugares,lugaros, o0 rádio,
radio, a
toloVisao,
televisão, os jornais, as revistas
roVistas inserem-se
insorom—so na vida.
Vida. Deitada
Doitada no quarto, Macabéa
Macaboa nãonao
so sente
se sonto solitária
solitaria por que
quo dialoga com o 0 rádio.
radio. Sentada
Sontada na praoa, loitora recebe
praça, a leitora rocobo dedo um
urn
outro uma folha de do jornal para também
tambom ler.lor. Olímpio
Olimpio sabe
sabo das informações
informaooos eo produz a
partir de
do sua leitura
loitura individual uma ação
aoao concreta.
oonorota. A voz que
quo vem
vorn do rádio
radio restabelece
rostabolooo a
oralidado eo a vocalidade
oralidade vocalidado das relações
rolaooos com os meiosmoios que
quo nunca
nunoa deixaram
doixaram de do existir.
oxistir. A
quo vem
voz que vom da toloVisao roproduz em
televisão reproduz om imagem
imagorn umurn mundo como representância.
representdncia. A vida
Vida
transporta—so midia eo os meios
transporta-se para a mídia moios dedo comunicação
comunicaoao encerram
oncorram a vida.
Vida.

“A Rádio
“A Radio Relógio
Rologio memo fascina. Os eletrodomésticos
olotrodomo’sticos — nao? Eles
– compro ou não? Elos
mandam que quo eu
ou compre.
compro. Compro então.ontao. Fico paupo’rrirna. ostou sendo
paupérrima. Mas estou sondo mo-
dorna, éo o que
derna, quo vale.
valo. Anunciarn roligiao tambom.
Anunciam religião Dovo-so ouvir
também. Deve-se ouVir o pastor tal eo tal.
roligiosa, aliás
Fico religiosa, alias ja acroditaVa em
já acreditava oIn Deus.
Dous. Me
Mo sinto protogida
protegida polo anuncio eo por
pelo anúncio
Dous. E a rádio
Deus. radio relógio
rologio pinga os minutos. Compro móveis movois na casa
oasa tal eo tal. E o
supormorcado? Encho
supermercado? Enoho o meu
mou carinho
oarinho de
do coisa
ooisa das quais não
nao prooiso, ato a boca
preciso, até booa
Dopois não
do carrinho. Depois nao tonho diroito para pagar. Abro o jornal, quero
tenho direito quoro memo refu-
rofu—
nolo. Mas eis
giar nele. ois que
quo anunciam dois apartamentos
apartamontos por andar. Que Quo faço?...
faoo?... A
propaganda me mo entra
ontra em
om casa. Mandam-me
Mandam-mo uma espécieospo’cio de
do aspirina para minhas
doros de
dores do cabeça.
cabooa. Sou sadia, nãonao tonho doros de
tenho dores do cabeça,
cabooa, mas tomo as pilulas.
pílulas.
Assim quer
quor Deus.
Dous. E o mundo...
Inundo... Estou arruinada mais
Inais feliz.
foliz. Sou uma mulher
mulhor quequo
compra tudo. E bebe
bobo tudo que
quo anunciam”.
anunciam”. (“Contra
(“Contra veneno”.
vonono”. In: Lispoctor, 1975)
Lispector, 1975)

moios de
Os meios do comunicação,
comunioaoao, na visão
Visao de
do mundo
rnundo do porsonagom forno—
personagem imaginado, forne-
corn refúgio,
cem rofugio, induzem
induzom comportamentos,
comportamontos, produzem
produzom inserção
insoroao no mundo. A publioidado
publicidade
quo jorra das paginas
que páginas das publicaooos
publicações eo das emissões,
omissoos, sobretudo,
sobrotudo, a partir do cresci-
crosci—
monto de
mento do importância
importanoia econômica
oconomioa dos meios,
moios, pela
pola sua inclusão
inclusao junto ao publico,
público, colo-
om discussão
ca em discussao a questão
quostao do consumo.
ficcional, cada um desses
Como narrativa ficcional, dossos toxtos sao a rigor narrativas históricas,
textos são historicas,
polo simplos fato de
pelo simples do que
quo ambos os modos narrativos — historico eo o ficcional
– o histórico ficcional — –
invariavolmonto a vida
utilizam invariavelmente Vida cotidiana para a produoao
produção do toxto. Do uma experiên-
texto. De oXporién—
litorato produz um
cia no mundo, o literato urn toxto quo espelha
texto que ospolha uma realidade
roalidado pro—textual. Con—
pré-textual. Con-
tar nada mais
Inais éo do que
quo transformar algo de do que
quo se
so tom conhocirnonto em
tem conhecimento orn algo dizível,
diziVol,
ostabolooondo entre
estabelecendo ontro umurn eo outro momento
rnomonto mediações
modiaooos simbólicas.
simbolicas. Cada uma dessas
dossas
modiaooos fala de
mediações do um
urn mundo
rnundo existente,
oxistonto, transportando o discurso comum
cornurn sob a forma
do texto,
de toxto, que
quo nada mais éo’ do quequo imitação
imitaoao da vida.
Vida.

História Cultural da Imprensa — 147



2a P
PARTE
ART E

“Cinquenta anos em cinco”:


VI. “Cinquenta cinco”:
Consolidando o0 mito da modernização
modernizaeao (1950-1960)

“Sou
“Sou da imprensa anterior ao copy-desk.
(...) Na redação
redaeao não
nao havia
haVia nada da aridez atual
e pelo contrário: – era uma cova de delícias.
contrario: — delicias. O
sujeito ganhava mal ou simplesmente não
nao ga-
nhava. Para comer, dependia de um vale utópi-
utopi-
co
eo de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a com-
pensação da glória.
pensaeao gloria. Quem redigia um atropela-
mento julgava-se
julgava-se um estilista. E a propria
própria vai-
dade o remunerava. Cada qual era um pavão
urn paVao
enfático. Escrevia na véspera
enfatico. EscreVia Vespera e no dia seguinte
via-se
Via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula.
Virgula.
Havia
HaVia uma volupia
volúpia autoral inenarrável.
inenarravel. E ne-
nhum estilo era profanado por uma emenda,
jamais. Durante várias
Varias gerações
geraeoes foi assim e sem-
pre assim. De repente explodiu o copy-desk.”
copy-desk.”
1977:64)
(Rodrigues: 1977:64)

O slogan do Governo Juscelino Kubitschek, que pretendia modernizar o Brasil,


construoao do pais
fazendo o trabalho de construção país que levaria cinquenta anos em apenas cinco,
resume o processo que tomou contaeonta das redações
redaooes dos principais jornais
jornais do Rio de
decada de 1950.
Janeiro na década 1950. De acordo com o espírito
espirito do tempo dos anos JK, em que
modernizaoao são
desenvolvimentismo e modernização sao palavras de ordem, tambem
também os jornais diarios
jornais diários
apressarn—se em se transforrnar
mais importantes da cidade apressam-se transformar e, o mais importante, construir
aquele momento comocorno marco fundador de transformaooes
transformações decisivas no campo
jornalistico.
jornalístico.
A década
de’cada de 1950
1950 passa àa história
historia pelas narrativas dos proprios
próprios homens de im-
prensa como o momento mais singular de sua traj etoria, quando uma série
trajetória, serie de mudan-
oas introduzidas no processo de produeao
ças produção dos jornais diarios transforma inteiramente
jornais diários

História Cultural da Imprensa — 149


a face do jornalismo que se faz no pais. Comeoa aí,
país. Começa ai, no dizer desses atores sociais, a
nova imprensa brasileira.

“O Pompeu trouxe para cá


“O ca o que se fazia nos Estados Unidos — – o0 copy-
copy—
Comeeava a nova imprensa. Primeiro, foi só
desk. Começava so o0 Diário
Diario Carioca; pouco
imitaeao, o acompanharam. Rapidamente, os nossos
depois, os outros, por imitação,
jornais foram atacados
ataeados de uma doença
doenoa grave: — Dai para o
– a objetividade. Daí
obj etividade seria um passo. (...) Eis o que eu queria dizer: —
idiota da objetividade – o idiota
redaeao e seu autor foi, mais uma vez,
da objetividade inunda as mesas de redação
Pompeu de Souza. Alias, copy—desk e o idiota da objetivida-
Aliás, devo dizer que o copy-desk obj etivida—
sao gêmeos
de são gémeos e um explica o outro”.
outro”. (Rodrigues, 1977:65.
1977:65. Grifos nossos)

A crítica
critica caústica
caustica que Nelson Rodrigues dirige às as mudanças
mudanoas introduzidas no jomalis-
jornalis-
mo a partir da reforma do Didrio Carioca36
Diário Carioca 36
no sentido de transforrnar noticias produ-
transformar as notícias
obj etividade, na verdade uma estratégia
zindo a aura de neutralidade e objetividade, estrategia de poder, aparece
memorias como um momento de singular importância
nessas memórias importancia e, mais do que isso, como
sendo obra de alguns poucos jovens jomalistas, visionarios de um novo tempo.
jornalistas, visionários
Na verdade, todo o processo de modernização
modernizaoao do jornalismo da década
decada de 1950
1950
serie de mudanças
sedimentou uma série mudaneas que ja
já vinham sendo implementadas desde a pri— pri-
de’cada do século
meira década seculo e que encontra na conjunta história
historia dos anos 1950
1950 eco favorá-
favora—
diseurso da neutralidade. Na década
vel ao discurso decada seguinte, as condições
condieoes politieas
políticas brasileiras
— 1964 e a censura àa imprensa —
– o Golpe de 1964 – consolidariam de vez o processo de
transformaeao do jornalismo carioca.
transformação carioea.
O que se procura construir naquele momento ée a autonomização
autonomizaeao do campo
jornalistico relaeao ao literário,
jornalístico em relação literario, fundamental para a autoconstrução
autoconstruoao da legitimida-
legitimida—
propria profissão.
de da própria profissao. Assim, as reformas dos jornais da década de 19501950 devem ser
construeao, pelos proprios
lidas como o momento de construção, próprios profissionais, do marco funda-
funda—
dor de um jornalismo que se fazia moderno e permeado por uma neutralidade funda- funda—
mental para espelhar o mundo. A míticamitica da objetividade — – imposta pelos padroes
padrões
redacionais e editoriais —
– ée fundamental para dar ao campo lugar autônomo
autonomo e reconhe-
reconhe—
cido, construindo o jornalismo como a única unica atividade capaz de decifrar
deeifrar o mundo
para o leitor.
Como enfatiza Ana Paula Goulart Ribeiro (2000:8),
(2000z8), a modernização
modernizaeao gráfica,
grafica, edi-
edi—
linguistica e empresarial dos jornais diários
torial, linguística diarios do Rio de Janeiro representa para a
instauraeao de um lugar institucional que lhe permite, a partir de então,
imprensa a instauração entao,

36 O Diário
36
Diério Carioca foi fundado em 1928 por José Eduardo Macedo Soares,
Soares, sendo vendido,
vendido, logo após
apés a
Revolugao Constitucionalista de São
Revolução 8510 Paulo, a Horácio
Horacio Gomes Leite de Carvalho Júnior.
JUnior. Uma breve história
histéria
do periódico
periédico pode também ser encontrada em Ribeiro, 2000.
2000.

150 — “Cinquenta anos em cinco”


oficializada e se constituir como
enunciar as verdades dos acontecimentos de forma oficializada
exceléncia. Para a pesquisadora, a partir desse momento, o jorna—
registro factual por excelência. jorna-
afirma como fala autorizada em relação
lismo se afirma relacao àa constituição
constituicao do real. O
0 discurso
jornalistico fidelidade aos fatos, o que lhe confere considerável
jornalístico se reveste da aura de fidelidade consideravel
poder simbólico
simbolico37.
37
.
Portanto, analisar as transformacoes
transformações por que passa a imprensa no periodo
período ée
Visualizar
visualizar o discurso memoravel
memorável dos que se autodenominam agentes dessas mudancas
mudanças
e promover uma discussão
discussao em torno das relações
relacoes imprensa e poder.
A0 acoes que pretensamente se passam no mundo, espelhando tambe’m
Ao narrar as ações também
uma dada realidade para o leitor, os jornais criam contextos para a descrição,
descricao, referen—
referen-
convencoes que passam a ser interpretadas significativamente.
dando convenções significativamente. Estado,
sao dimensões
hegemonia e cultura são dimensoes dos mecanismos de exercício
exercicio de dominação
dorninacao de
reproducao social.
classe e reprodução
Por outro lado, ao implementar — atrave’s da eleição
– através eleicao de parametros
parâmetros que sãosao
construidos como sendo os da modernização
construídos modernizacao da imprensa — – a imagem peculiar de
interpretes isentos e objetivos
intérpretes obj etivos do mundo social, os jornalistas idealizam a profissao
profissão e
o papel que devem ter na sociedade. Essa imagem, divulgada ao extremo e dissemina-
atrave’s de múltiplos
da através multiplos discursos, se constitui na memória
memoria do grupo forjada por ele
mesmo: um jornalismo moderno que entra numa nova fase profundamente diversa de
todos os momentos anteriores.
Os jornais, ao priorizarern,
priorizarem, a partir daí,
dai, um conteúdo
conteudo enfeixado pela ideia de im-
im—
parcialidade contida nos parametros edicao, no qual o corpo de copy-desk
parâmetros do lide e na edição,
ganha destaque, e ao prornoverem
promoverem a padronizacao
padronização da linguagem, constroem para a
espaco da neutralidade absoluta. Com
imprensa o espaço Corn isso, passam a ter o0 reconhecimento
reconhecirnento
do publico emblematicos para a difusão
público como lugares emblemáticos difusao da informação,
informacao, ainda que a
nao tenha sido alijada
carga opinativa não alij ada das publicacoes.
publicações. A campanha da imprensa, em
1954, quando do suicídio
1954, suicidio do presidente Getúlio
Getulio Vargas, talvez seja o exemplo mais
emblematico da sua vinculação
emblemático Vinculacao ao campo político
politico e de seu reconhecimento como
forca dirigente superior mesmo aos partidos e as facções
força faccoes politicas.
políticas.
Os jornais atuam como
corno força
forca dirigente superior, mesmo que em função
funcao de objeti-
obj eti-
Vos específicos
vos especificos se liguem a umurn ou a outro grupo e, dessa forma, exercem o papel de
estado maior intelectual do partido orgânico.
organico. Daí
Dai tambe’rn constru—
também ser fundamental a constru-

37 O processo de modernização
37
modernizacéo da imprensa carioca na década de 1950 é exaustivamente estudado por Ana
Paula Goulart Ribeiro em sua tese de doutorado, um trabalho completo e definitivo para o entendimento dos
processos culturais envolvendo a mídia
midia no período.
periodo. Os dados factuais e muitas das reflexões
reflexées desse capítulo
capitulo
foram construídos
construidos tendo como referência
referéncia esse excelente trabalho.
trabalho. Cf.
Cf. Ribeiro,
Ribeiro, Ana Paula Goulart.
Goulart. Imprensa e
História.
Histéria. Imprensa do Rio de Janeiro de 1950.
1950. Rio de Janeiro: ECO-UFRJ,
ECO-UFRJ, 2000.
2000. Tese de Doutorado.
Doutorado.

História Cultural da Imprensa — 151


cao da imagem de independência
ção independencia e neutralidade. Quem desenvolve essa ideia da im- im—
“partido” e como um “estado
prensa atuando como “partido” “estado maior”
maior” do partido orgânico
organico ée
Gramsci. Em Maquiavel,
Maquiavel, a polz'tica
política e o0 Estado Moderno, o pensador italiano destaca
frequéncia com que esses veículos
a frequência veiculos reafirmam
reafirmam a sua independência
independencia para serem reco-
reco—
nhecidos pelo publico forca superior dirigente. No mesmo texto, Gramsci afir-
público como força afir—
ma que um jornal (ou um grupo de jornais) pode ser também “partido”,
“partido”, “frações
“fracoes de
partido” ou “de
partido” “de um determinado partido” 1991 :22-23).
partido” (Gramsci, 1991:22-23).
“partido”, desempenha não
Como “partido”, nao só
so função
funcao politica,
política, mas tambem
também de propaganda,
policia, de influência
de polícia, influéncia moral e cultural. A função
funcao politica
política ée’ indireta, pois há
ha sempre
outros partidos, com os quais travam extensa polemica
polêmica e, às as vezes, luta explícita.
explicita.
identifica duas formas de partido: o constituído
Gramsci identifica constituido pela elite, que tem como
funcao dirigir, do ponto de vista
função Vista de uma ideologia geral, um grande movimento de
afins, na verdade, frações
partidos afins, fracoes do mesmo partido orgânico;
organico; e o partido de massas
que possui fidelidade
fidelidade genérica
gene’rica ao centro político.
politico.
Percebendo como fundamentais para a sua existência
existencia trés basicos —
três elementos básicos –o
publico, a força
público, forca coerciva, centralizadora e disciplinadora e o elemento de articulação
articulacao
que possibilita o contato moral e intelectual —,
–, ée possivel
possível ver, pois, as ações
acoes no sentido
de construir uma imprensa moderna —– cuja tecnica
técnica a faz objetiva e neutra — – como
organico, cuja principal função
movimentos de um partido orgânico, funcao ée promover a articulação
articulacao
entre os grupos dominantes, que centralizam, disciplinam e organizam ideologica-
mente as ideias, e o publico
público para o qual devem ser difundidas. O jornalista,
jornalista, como
responsavel por esta articulação
elemento responsável articulacao intelectual, ganha notoriedade não nao apenas
funcao do poder simbólico
em função simbolico que desempenha, mas do poder de fato que detém. dete’m.
Cada grupo social, segundo Gramsci, cria para si seus intelectuais orgânicos,
organicos, sen-
necessario ver o
do necessário 0 papel que estes exercem no conjunto do sistema de relações
relacoes soci-
ais. Esses intelectuais se transformam em executores do grupo dominante, exercendo
funcoes subalternas da hegemonia social e do governo politico.
funções político.
O pensador italiano chama ainda a atenção
atencao para a verdadeira divisão
diVisao de trabalho
existente dentro da categoria de intelectuais, havendo toda uma gradação
gradacao de qualifi-
qualifi—
cacoes, sendo que algumas não
cações, nao tem atribuicao diretiva e de organização.
têm nenhuma atribuição organizacao.
E este o papel do jornalista, especialmente os que ocupam o núcleo
É nucleo dirigente,
organico. Nao
como intelectual orgânico. funcao explícita
Não exercendo nenhuma função explicita junto ao Estado,
nao estando diretamente atrelado ao comando politico
não político e, portanto, não
nao participando
como organizador, ée claramente executor do grupo dominante, mediatizando suas ações,
acoes,
decodificando o seu simbolismo, divulgando-as e buscando, principalmente, o
decodificando 0 con-
con—
espontaneo da populacao
senso espontâneo 198923-23).
população (Gramsci, 1989:3-23).
A capacidade de tornar explícito,
explicito, público,
publico, visível
Visivel e oficial
oficial aquilo que poderia per-
experiencia individual, representa considerável
manecer como experiência consideravel poder, constituindo

152 — “Cinquenta anos em cinco”


dcssa forma o senso
dessa scnso comum, o consenso
conscnso explícito
explicito do proprio
próprio grupo. E na luta pcla
pela
imposicao de
imposição dc uma visão
Visao legítima
legitima do mundo social, os jornalistas detêm
dctém podcr
poder propor-
scu capital, isto é, na razão
cional ao seu razao direta
dircta ao reconhecimento
rcconhccimcnto quequc recebem
rcccbcm do pro-
pró-
prio grupo e do pfiblico.
público. Se,Sc, além
alc’m dessas
dcssas relações
rclacocs explícitas,
cxplicitas, ainda considerarmos a
lingua não
língua nao apenas
apcnas como código,
codigo, mas como sistema
sistcma simbólico,
simbolico, a inter-relação
inter-rclacao entre
cntrc a
producao
produção do discurso ec a questão
questao tcorica
teórica do podcr cvidcntc.
poder ainda é mais evidente.
O podcr
poder da palavra é o0 de
dc quem
qucm detém
detc’m essa
cssa palavra, ou seja,
scja, não
nao só
so o
0 discurso,
tambc’m a formalização
mas também formalizacao da maneira dedc falar. Por outro lado, detê-la
dcté—la significa
significa criar
sistcma de
um sistema dc codificação,
codificacao, intencionalmente
intcncionalmcntc produzido, que possibilita a ordenação
ordcnacao ec
manutcncao da propria
a manutenção ordcm simbólica.
própria ordem simbolica.
sc soma o fato de
Quando a isso se dc codificar
codificar na forma escrita,
cscrita, isto é, tornando concei-
concei—
tos, ideias
idcias ec a língua
lingua oficial
oficial visíveis,
Visivcis, pfiblicos, conhccidos de
públicos, conhecidos dc todos, estabelece-se
cstabclecc-sc
distincao entre
uma distinção cntre a quem é delegado
dclcgado esse
cssc papcl
papel ec todos os outros que
quc não
nao possucm
possuem
cssa função.
essa funcao.
verdadciro sentido,
O autor, no verdadeiro scntido, é quem
qucm torna pl’iblico quc parccc
público aquilo que parece confuso.
E alguém com a infinita
É infinita capacidade
capacidadc dedc publicar o implícito
implicito ec assim realizar
rcalizar o verda-
verda—
dciro
deiro trabalho dc criacao. publicacao
de criação. A publicação é um ato dc oficializacao,
de oficialização, por exccléncia, que
excelência, quc
legaliza, pois implica divulgar ec desvendar
dcsvendar algo para o pfiblico c, ao mesmo tempo, na
público e,
homologacao, através
sua homologação, atraVés do consenso
conscnso dedc todos para quem
qucm se
sc revelou.
rcvclou.
Assim, os jornalistas se
sc transformam em
cm autores
autorcs no sentido
scntido empregado
emprcgado por essa
cssa
palavra quando se
sc estuda
cstuda o processo de
dc codificação.
codificacao. A eles
clcs cabem
cabcm não
nao só
so divulgar,
sobrctudo tornar pfiblico
informar, mas sobretudo público ec revelado.
rcvelado. As suas relações
rclacocs com o podcr Vao,
poder vão,
portanto, além dos limites
limitcs das relações
rclacocs explícitas
cxplicitas com o Estado e6 com grupos que
quc
detém o podcr
detêm politico num
poder político nuIn determinado
dctcrminado momento. As relações
rclacocs de
dc comunicação
comunicacao são
sao
rclacocs de
relações dc poder
podcr ec a língua
lingua como sistema
sistcma simbólico
simbélico é instrumento de
dc conhecimento
conhccimcnto
ec construção
construcao do mundo, sendo
scndo suporte
suportc de
dc poder
podcr absoluto, na medida em
cm que
quc através
atraVés
codifica o mundo social (Bourdieu,
dela se codifica (Bourdicu, 1982
1982 ec 1990).
1990).
quc os jornais pretendem
O que pretendcm é não
nao apenas
apcnas atuar no campo politico, ondc se
político, lugar onde sc
analiscs, comentários,
geram problemas, programas, análises, comentarios, conceitos ec acontecimentos,
acontccimentos, en-
en—
trc “consumidorcs” devem
tre os quais os “consumidores” dcvcm escolher,
cscolhcr, mas, sobretudo,
sobrctudo, conseguir
conscguir mobilização
mobilizacao
vcz maior
cada vez Inaior do pfiblico. audiéncia, maior
público. Quanto maior a sua audiência, Inaior o seu
scu podcr dc divul-
poder de divul—
gacao ec a lógica
gação logica da conquista do proprio
próprio podcr. condizcntc com o
poder. E nada mais condizente 0 mo—
mo-
dc’cada de
mento social da década do 1950
1950 do que
quc se
sc transformar mais do quequc em porta—vozcs
porta-vozes da
modernizacao, mas em
modernização, cm seu
scu proprio cmblcma, produzindo um jornalismo em
próprio emblema, cm padrocs
padrões
complctamentc diversos do que
completamente quc fora feito
fcito até
atc’ então,
entao, pclo
pelo menos no discurso com que quc
rcfcrcndam esse
referendam cssc processo. Nada melhor
Inclhor tambc’m
também para conseguir
conscguir audiência
audiéncia do que
cxtrcmo que
divulgar ao extremo quc produzem um discurso que quc apenas
apcnas espelha
cspelha o mundo. E con-con—
scguir audiência
seguir audiéncia é sempre
scmprc conseguir
conscguir podcr.
poder.

História Cultural da Imprensa — 153


relaeoes de comunicação
Considerando que as relações comunicaeao dependem fundamentalmente do
aeumulado material ou simbolicamente pelos agentes envolvidos,
que foi acumulado envolVidos, ée preciso
esta em jogo não
ainda perceber que está nao somente a participaeao
participação efetiva no campo politi-
políti-
co, mas o uso de uma categoria particular de sinais e, deste modo, da Visao
visão e do
1989:60-72).
sentido do mundo social (Bourdieu, 1989:60-72).

O mercado jornalistico
jornalístico da década

inicio da década de 1950


No início 1950 circulam no Rio de Janeiro 18
18 jornais diários,
diarios, sendo
13 matutinos e 5 vespertinos, com uma tiragem global de 1.245.335
13 1.245.335 exemplares. Em
eXistem 230 jornais diários,
todo o Brasil existem diarios, com uma tiragem global de 5.750.000 exem-
exem—
1951)
plares. (Unesco, 1951)
Entre os que possuem maior poder de difusão,
difusao, não
nao apenas em função
funeao das tiragens
mas pela influência
influéncia politica detem, figuram
política que detêm, figuram os matutinos Correio
Carreia da Mani/la,
Manhã,
O Jamal,
Jornal, o Diaria a’e Naticias,
Diário de Notícias, O0 Dia e a Luta Demacraz‘ica
Democrática e os vespertinos
Glaba, Última
O Globo, Ultima Hara,
Hora, a Tribuna da cla Imprensa e o Diaria Cariaaa. Entre
Diário Carioca.
todos esses, apenas quatro são sao recentes: Última
Ultima Hora, criada por Samuel Wainer em
1951, a Tribuna da
1951, a’a Imprensa,
Imprensa, fundada por Carlos Lacerda em 1949, 1949, aaLuta
Luta Demacra-
Democrá-
0 Dia, ambos de 1954.
tica e O 1954. Três
Trés desses diários
diarios estão
estao em circulação
circulaeao há
ha mais de
cinquenta anos: o Jamal cla Brasil, criado em 1891,
Jornal do 1891, A Noticia, 1894 e o
Notícia, fundada em 1894
Carreia da
Correio cla Martha, 1901. Os outros surgiram na década de 1920/1930:
Manhã, em 1901. 1920/1930: O 0 Jamal,
Jornal,
1919 e adquirido por Assis Chateaubriand, em 1925;
fundado em 1919 1925; O0 Globo,
Glaba, de 1925;
1925;
o Diaria Cariaca, de 1928
Diário Carioca, 1928 e o Diaria ale Naticias,
Diário de 1930.
Notícias, de 1930.
relaeao às
Em relação as tiragens observa-se que, entre os matutinos, os jornais populares —–
0 Dia e Lara
O Luta Demacrdtica
Democrática — – possuem os números
numeros mais expressivos: em 1958
1958 a tira-
gem de O0 Dia era de 240 mil exemplares e da Lara
Luta Demacraz‘ica 117 mil exempla-
Democrática de 117
res. No que diz respeito aos vespertinos, O0 Globo,
Glaba, com 187
187 mil exemplares, e Última
Ultima
Hora, 105 mil, possuem a maior difusão.
Hora, com 105 difusao. Observa-se
Observa—se tambe’m exceeao
também que, com exceção
0 Dia e da Luta Demacrdtica,
de O Democrática, as tiragens de todos os outros matutinos mantêm-se
mantém-se
constante ou diminuem ao longo da década.

154 — “Cinquenta anos em cinco”


TIRAGEM DOS MATUTINOS CARIOCAS
(em mil exemplares)

Jornais/Ano 51 52 53 54 55 58 60
Dia’r/o Carioca 45 35 4O 4O 4O 17 17
Jorna/ do Brasil 6O 7O 45 4O 4O 57 59

Correio da Manhé 56 70 70 72 72 57 53

0 Dia _ 6O 90 90 115 240 230


Jorna/ do 33 6O 20 32 32 - -
Commercio
O Jorna/ 7O 60 6O 60 6O - 27
Diério de Not/'c/as 64 55 63 — 54 47 47
Luta Democrética _ _ _ 20 30 117 130

Fonte: Anudrio
Anuário Brasileiro de Imprensa (1950-57) e6 Anudrio
Anuário de Imprensa,
Imprensa, Rddio
Rádio e Televisão
Televisdo
(1958-60). Apud: Ribeiro, 2000:43
2000243

0 Didrio
O Diário Carioca e O 0 Jamal 350 os dois matutinos que tém
Jornal são têm o0 maior decréscimo
em suas tiragens: o0 primeiro roda 45 mil exemplares em 1951 1951 e em 1960
1960 esse
6556 nfimero
número
17 mil exemplares. Já
se reduz a apenas 17 J2’1 O
0 Jamal
Jornal inicia a década com 70 mil exempla-
1960 apenas 27 mil exemplares.
res e registra em 1960
N0
No que diz respeito aos vespertinos, observa-se um aumento expressivo das tira-
0 Globo ao longo da década de 1950
gens de O 1950 e um decréscimo considerável
considerével nos
nfimeros do Didrio
números Diário da Noiz‘e
Noite e de A Noticia.
Notícia. Os outros jornais mantêm
mantém números
nfimeros rela-
tivamente estáveis.
estéweis.

TIRAGEM DOS VESPERTINOS CARIOCAS


(em mil exemplares)

Jornais/Ano 1951 1952 1953 1954 1955 1958 1960


U/t/ma Hora - 7o 85 92 92 105 117
Tribuna da 30 25 25 40 4o 24 18
Imprensa
o G/obo 100 120 100 110 110 187 218
A Noticia 120 130 130 95 60 58 56
D/ério da Noite 95 129 88 75 90 70 40

Fonte: Anudrio
Anuário Brasileiro de Imprensa (1950-57) e6 Anudrio
Anuário de Imprensa,
Imprensa, Rddio Televisdo
Rádio e Televisão
(1958-60). Apud Ribeiro (2002:43)

História Cultural da Imprensa — 155


decada os vespertinos vão
Ribeiro (2000: 64) aponta ainda que ao longo da década Vao pro-
circulaeao. Alguns periodicos,
gressivamente adiantando sua hora de circulação. Ultima
periódicos, como Última
Hara, lanoam a edição
Hora, lançam edieao matutina, suprimindo progressivamente a vespertina. Outros
como O0 Globo
Glaba e o
0 Diana ala Naite
Diário da horario de fechamento.
Noite antecipam o horário fecharnento. A transforma-
eao dos jornais vespertinos em matutinos, segundo a pesquisadora, acentua
ção aeentua ainda mais
concorrencia entre os jornais cariocas.
a concorrência
Na caracterização
earaeterizaeao desse mercado
mereado pelos proprios
próprios jornalistas há
ha toda uma
urna gradação
gradaeao
hierarquiea da importância
hierárquica importancia das publieaeoes
publicações a partir do lugar politico
político que ocupam
naquele momento.

“Se vocês
“Se vocés quiserem uma hierarquia, ée o seguinte: havia haVia mais ou menos
rnenos
17, 18
17, 18 jornais no Rio. Certamente,
Certarnente, disparado, o Correio
Carreia da Martha
Manhã era o0 mais
corn mais peso politico;
importante, com político; o Diaria a’e Naticias
Diário de Notícias era o0 segundo, pela
respeitabilidade. Era um jornal mais duro, menos malicioso. Nos melhora—
Nós melhora-
mos muito o Diaria a’e Naticias
Diário de Notícias —
– quer dizer, o Odylo e a equipe que ele
levou. Em seguida vinha
Vinha O Jornal, dos Diários
0 Jamal, Diarios Associados, que tinha o seu
peso; o Diaria Cariaca, um jornal muito
Diário Carioca, Inuito vivo,
Vivo, muito inteligente, mas de tira-
gem relativamente pequena. Depois os jornais mais populares: populares: Gazeta de a’e
Naticias,
Notícias, O 0 Dia, de grande tiragem mas sem sern peso politico.
político. Os vespertinos
erarn O Globo,
eram Glaba, no principio,
princípio, A Naite,
Noite, o0 Diana
Diário daa’a Naiz‘e,
Noite, um jornal
jornal mais es-
candaloso, dos Associados, A Natz'cia, area popular, Correio
Notícia, na área Carreia da Naite,
Noite,
jornal dos padres, Vanguarda,
Vanguarda, jornal integralista. Entre os matutinos havia haVia
tarnbem O
também 0 Radical, um
urn jornal da sarjeta
sarj eta do PTB, do George Galvão.
Galvao. Urn
Um tipo
desclassificado, de baixíssima
desclassificado, baixissima extração”.
extraeao”. (Depoimento Correia, Villas-Boas.
CPDOC—FGV, p. 13-14)
CPDOC–FGV, 13-14)

Lutas por representação


representaeao

Os trés
três jornais com tiragens menos
rnenos expressivas na época
epoca —– o Diaria Cariaca, a
Diário Carioca,
Tribuna da Imprensa e o Jamal cla Brasil —
Jornal do – ée que construirão
eonstruirao a mítica
mitica da moderniza-
moderniza—
eao, reafirmada
ção, reafirmada exaustivamente pelo discurso memorável memoravel dos personagens que se
responsaveis por esse processo. Entre eles figuram
autoapregoam responsáveis figuram Alberto Dines,
Pompeu de Souza e Luis Paulistano. O Diaria Cariaca passaria a história
Diário Carioca historia como o
criador do texto objetivo,
obj etivo, respondendo àsas perguntas fundamentais do leitor através
atrave’s do
1ide, graças
lide, graeas àa ação
aeao individual de Pompeu de Souza, que, tomando contato nos Estados
norte-arnericana fazia na época,
Unidos com o que a imprensa norte-americana e’poea, trouxera para o Brasil
inovaoao. O Jamal
a inovação. da Brasil, o
Jornal do 0 responsável
responsavel pela segunda revolução
revolueao da década
decada com
corn
rnudaneas implementadas a partir de 1956,
as mudanças 1956, teria realizado sua ampla reforma gra-

156 — “Cinquenta anos em cinco”


eas ao gênio
ças genio criador e individual de alguns poueos Visionarios. Da mesma forma, a
poucos visionários.
Tribuna da Imprensa, que, ao lado do Didrio
Diário Carioca, implementaria normas preci-
redaeao através
sas na redação atrave’s de manuais a serem seguidos rigorosamente, implanta a inova-
inova—
eao graças
ção graeas a determinações
determinaeoes emanadas do seu fundador, o politico
político Carlos Lacerda.
“Estava a redação
“Estava redaeao quase formada, com alguns dos futuros redatores ja ex—
já dando ex-
pediente diário,
diario, quando o0 Carlos preparou e mandou imprimir, numa folha de papel
ofieio,
ofício, em corpo 6O
60 (Kabel), cineo ‘QUE’:
a regra dos cinco ‘QUE’: o quê?
que? Quem? Quando? Onde?
Por que (e para que), determinando que, na Tribuna, as notícias
notioias teriam que ser redigidas
aquelas perguntas. Tinha inovado, naquela oportunidade, a maneira de
respondendo àquelas
notieia na imprensa brasileira. Na mesa de cada redator foi afixado
se fazer notícia afixado o impres-
impres—
so, para que nenhum deles esquecesse a determinação
determinaeao do Chefe. Nascia, naquela opor-
opor—
tunidade, o0 lead. O
0 manual de redação
redaeao foi preparado tempos depois e traria, no seu
conteudo,
conteúdo, a marca pessoal de Carlos Lacerda” (Oliveira, 1966:183).
Lacerda” 1966: 183).
Assim mais do que a mudança
mudanea radical, o que se constrói
constroi ée’ o discurso unívoco
univoco dos
jornalistas, identificando
identifieando esse momento como singular para a profissao
profissão e transfor—
transfor-
de’cada de 1950
mando a década 1950 numa espécie
espe’cie de lugar mítico
mitico do moderno jornalismo
jornalismo brasi-
leiro. Entretanto, tal como
eomo enfatiza Ribeiro (2002:17), os anos 1950 1950 longe de repre-
sao, a rigor, o periodo
sentarem ruptura são, consolidaeao das transformaeoes
período de consolidação transformações por que vem
lentamente passando a imprensa desde o início inicio do século XX. A reforma do jornalismo,
enfatiza, ée um processo cumulativo
eumulativo que incorpora
ineorpora experiências
experieneias desenvolvidas ao longo de
décadas. Se há ha inovações
inovaeoes e rupturas, há
ha também
tambe’m permanéncias
permanências e continuidades.
A reforma dos anos 1950
1950 passa, portanto, àa história
historia do jornalismo eomo o periodo
jornalismo como período
em que jovens homens da imprensa, inovadores e visionários,
Visionarios, transformam, como
num passe de mágica,
magica, o jornalismo que se fazia. São
8510 os
OS “verdadeiros
“verdadeiros jornalistas”,
jornalistas”, na
construeao discursiva
construção diseursiva que reafirmam,
reafirmam, que instauram na redação
redaeao os padroes
padrões indispen-
saveis ao profissionalismo.
sáveis profissionalismo. Mas o profissionalismo
profissionalismo foi um longo processo empreendi-
empreendi—
do pelas empresas jornalistioas
jornalísticas e corroborado pelo discurso dos proprios
próprios jornalistas.
Para os jornalistas ée fundamental definir
definir a profissao eomo algo que se constrói
profissão como constroi não
nao
apenas a partir de um saber pratieo, Vinculos a um saber universitário,
prático, mas com vínculos universitario, para
poderem assim galgar um degrau de importância
importaneia na hierarquia das carreiras existen-
existen—
tes38.
tes . Por outro lado, ao serem detentores cada vez mais de um saber que possibilita —
38
–

38 Há
38
Ha que se ter em conta a importância
importancia do chamado bacharelismo ilustrado no Brasil,
Brasil, que faz com que desde
o século XIX somente os bacharéis formados nos tradicionais cursos existentes no país pais fossem visualizados
como verdadeiros intérpretes do paíspais e capazes de conduzir a Nação.
Nagao. O simbolismo do anel de doutor e do
diploma de nível
nivel superior são
sao reafirmados ao longo
Iongo de décadas e nos anos 1920 se tornam indispensáveis
indispensaveis
para definir quem seria responsável
responsavel direto pela condução
condugao do país.
pais. Sobre o tema Cf.
Cf. Holanda,
Holanda, Sérgio Buarque.
Buarque.
Raizes do Brasil e Vianna, Oliveira. A Organização
Raízes Organizagao Nacional, entre outros.
outros. Para referência
referéncia completa,
completa, ver
Bibliografia.

História Cultural da Imprensa — 157


atraVés de suas praticas
através práticas profissionais
profissionais — rcflete a realidade
– construir um discurso que reflete realidadc
(ia que a partir de agora informam com
social (já corn isenção
isencao o que se passa no mundo), se
transformarn em
transformam ern atores indispensáveis
indispensaveis para tornar visível
Visivel esse mesmo mundo para um
pl’iblico cada vez mais vasto.
público
construcao memorável
Dessa forma é importante na construção memoravel dos jornalistas, permanentc—
permanente-
mente atualizada por múltiplos
mfiltiplos discursos (inclusive o 0 acadêmico),
académico), exaltar valores indis-
pensaveis
pensáveis ao born profissional,
bom profissional, no qual urn
um comportamento especifico se
ético específico sc sobressai.
Assim, o jornalismo é considerado um urn trabalho intelectual,
intclcctual, lidando com
corn “informações,
“inforrnacocs,
interpretacoes, conceitos e por ter como suporte o texto escrito”
interpretações, escrito” (Ribeiro, 2000:185).
adj etivam—no como um
Outros adjetivam-no urn processo criativo proximo artc, com
próximo da arte, corn fortes aproxima-
aproxirna—
coes com a literatura. Outros vão
ções Vao mais além
alérn ec acreditam no papel do jornalista como
educador. Para Alberto Dines, além ale’m do espírito
espirito inconformado,
inconforrnado, inquieto ec questionador, o
dcve
jornalista deve ter em mente quc “o
que “o ato dc inforrnar é um processo de
de informar dc formação,
formacao, de dc
conscientizacao da sociedade.
conscientização socicdade. Sabe-se
Sabe—sc que o processo de dc informar
inforrnar é um processo forma-
forma—
c, portanto, o jornalista, em
dor e, ern última
filtima análise,
analise, é um educador”
educador” (1986:118).
(1986: 1 18).
O processo dedc profissionalizacao
profissionalização do jornalismo no Brasil e, 6, especificamente,
especificamcnte, no
da nas primeiras cinco décadas do século XX (e
Rio de Janeiro, se dá (6 não
nao apenas como
nurn passe de
num dc mágica
magica na década de dc 1950/60),
1950/60), e6 será
sera a partir desse
dcsse modelo que serão
serao
construidos valores
construídos valorcs e representações
rcpresentacoes sobre o ideal profissional,
profissional, permitindo a confor-
macao de uma dada identidade.
mação identidadc. Os jornalistas, notadamente
notadamentc os que possuem podcr dc
poder de
arnpliado, passam cada vez mais a construir um
fala ampliado, urn discurso emern que as suas represen-
represen—
tacoes sociais conformam praticas,
tações práticas, condutas ec tornada
tomada dedc posicao,
posição, o que permite reco-
nhccer uma dada identidade do grupo.
nhecer
1987 e 1989)
O habitus (Bourdieu, 1987 1989) do jornalista
jornalista —
– como umurn certo haver adquirido
permanentementc atualizado desde a infância,
e permanentemente infancia, nas praticas cscolares (incluindo ai o
práticas escolares
que passa a ser inculcado na universidade pelos profissionais
profissionais que, saindo das reda-
coes, se constituem
ções, constitucrn como
corno professores de
dc uma pratica especifica) e no ambiente pro—
prática específica) pro-
fissional —
fissional caracteriza—se, ao lado de
– caracteriza-se, dc um
urn natural estímulo
cstimulo ao conflito,
conflito, ja
já que assim
promovcrn a construção
promovem construcao da excepcionalidade
excepcionalidadc das notícias
noticias a cada dia, pela conforma-
950 de um lugar de
ção dc produção
producao de
dc verdades: sejam aquelas que produzem o mundo
aquclas que definem
social, sejam aquelas defincrn o seu
scu lugar profissional.
profissional.
As reformas da década de
do 1950,
1950, introduzindo no dizer
dizcr dos jornalistas —
– a partir da
técnica — mitica da neutralidade
– a mítica neutralidadc e da objetividade,
obj ctividade, a rigor, servem
servcm para impor uma
representacao dos jornalistas para si mesmos, investindo naquilo que Bourdieu
dada representação
afirrna ser
(1980) afirma scr lutas por classificação.
classificacao. Cada vez mais procuram produzir represen-
tacocs em
tações cm que buscam a construção
construcao de uma identidade gratificante
gratificante e que
quc trazem para
eles o reconhecimento social. O 0 jornalismo passa a ser identificado
identificado como uma espécie
espécic
dc mandato de
de dc natureza política
politica e6 social. Procuram um
urn lugar inteiramente
inteirarnente diverso do

158 — “Cinquenta anos em cinco”


oeupado por outros grupos e como
ocupado corno agentes do campo reivindicam um
urn trabalho no qual
sobressai uma aura particular que os diferenciem
difereneiem de todos os demais (Bourdieu, 1997).
1997).
Os jornalistas — corno grupo —
– como – passam a compartilhar um conjunto
eonjunto de crenças
creneas e
posieoes, representaeoes sobre a profissao
posições, nas quais se destacam as representações profissão e sobre a propria
própria
historia dessa profissao:
história 1950 são
profissão: nesse sentido, os anos 1950 s50 marcos no seu proprio dis—
próprio dis-
comeea, de fato, o verdadeiro jornalismo, ja
curso de um momento singular, onde começa, já que
aeao tambe’m
resultado da ação também de verdadeiros jornalistas.

“Ningue’m publicava em jornal nenhuma notícia


“Ninguém noticia de como o garoto foi
consideraeoes filosóficas
atropelado aqui em frente sem antes fazer considerações filosoficas e especu-
laeoes metafísicas
lações metafisicas sobre o automóvel,
automével, as autoridades do transito, fragilida—
trânsito, a fragilida-
de humana, os erros da humanidade, o urbanismo do Rio. Fazia-se Fazia—se primeiro
fim, noticiar que o garoto tinha sido atropelado de-
um artigo para depois, no fim,
reminiscencia das origens do jornalismo, pois o
fronte a um hotel. Isso era uma reminiscência
jornal inicial foi um panfleto
panfleto em torno de dois ou tres aeontecimentos que havia
três acontecimentos haVia
a comentar, mas não nao noticiar, porque ja haVia informação
já havia informaeao de boca, ao vivo,
Vivo, a
informaoao direta”.
informação direta”. (Souza, 1988:24-29,
1988:24-29, citado
Citado por Goulart: 2000:19)

mudaneas que tomam conta


Dessa forma, Pompeu de Souza relata as mudanças eonta do jornalis—
jornalis-
de’cada de 1950.
mo na década 1950. Na sua explicação,
explicaeao, a aceleração
aceleraeao da vida
Vida quotidiana e a com-
com—
pleXidade
plexidade dos acontecimentos obrigam os jornais a se transformarem naquilo que ele
qualifica como “veículo
qualifica “veiculo de notícias”.
noticias”.

“Quando a complexidade
“Quando compleXidade dos acontecimentos foi obrigando o jornal
jornal a se
transformar num veículo
veiculo de notícias,
noticias, o jornal conservou essa reminiscência
reminiscéncia do
panfleto,
panfleto, inclusive porque era até
ate’ um capitis diminutio para o redator escrever
noticia pura e simplesmente. Ele seria um mero noticiarista, não
uma notícia nao um
urn reda-
tor. Era preeiso, entao, caprichar
preciso, então, capriehar na forma, castigar o estilo para noticiar qual-
qual—
Corn a ocupação
quer coisa. Com oeupaeao e o dinamismo que foram tomando conta da vida, Vida,
ninguem tinha mais tempo de ler esse tipo de noticiário”.
ninguém noticiario”. (Idem, ibidem)

razoes que levam o Jamal


Odylo Costa Filho explica quase da mesma forma as razões Jornal do
Brasil a empreender as mudanças
rnudaneas da década
de’eada de 1950/60.
195 0/60.

“0 processo se inicia com a necessidade de os


“O 03 jornais —– jornais como
nao como
empresas, não corno instituições
instituieoes —– sobreviverem. No caso do JB, a base
preexiste no Estado Novo, que era a do pequeno anúncio.
anuncio. No Rio, havia
haVia dois
jornais que tinham pequeno anúncio,
anuncio, o
0 JB e o Correio da Manhã.
Manha. O Jornal do
Brasil tinha os anúncios,
anuncios, mas não
nao tinha redação.
redaeao. Tinha redatores, alguns de-
de—
nao se sentia nele um jornal. A condessa Perei-
les da mais alta categoria, mas não Perei—

História Cultural da Imprensa — 159


filha de jornalista. Seu pai trabalhara longo tempo no proprio
ra Carneiro era filha próprio
JB. Escreveu inclusive um folheto sobre o Jornal do Brasil, sobre seu funcio-
namento, sobre como se fazia o jornal. De sorte que ela, desde viúva
Viuva — casou—
– casou-
se com o conde Pereira Carneiro, tambe’m Viuvo —
também viúvo – pensou na renovação
renovacao do
jornal, de que ele era o 0 único
unico dono. Morto o conde e tendo recebido por
testamento o jornal, a condessa se dedicou inteiramente àa sua renovação”.
renovacao”.
(Depoimento de Costa Filho, Odylo a Gilberto Negreiros. In: “Os “Os Jornalistas
contarn a história”.
contam historia”. Folha de S.
S. Paulo. Grifos nossos)

Portanto, no dizer do jornalista, a propria filiacao da Condessa ao verdadeiro jor—


própria filiação jor-
nalismo —– ja
já que seu pai fora jornalista e ela dessa forma como
corno que trazia no sangue
condicao —
essa condição – possibilita a renovação.
renovacao.

“Desde o começo,
“Desde comeco, ela procurou efetivar aquilo que sempre pensara, em ern
urn grande jornal da cidade. Aquele jornal que ela
fazer do Jornal do Brasil um
dizia — nos nos dissemos várias
– nós Varias vezes — indispensavel, sem o qual
– que fosse indispensável,
ningue’m pudesse participar da vida
ninguém Vida politica, Vida social, da vida
política, da vida Vida esportiva,
urn jornal para todas as classes. (...) Mas tinha havido
um haVido experiências
experiencias anterio-
res. A experiência
experiencia do Diário
Diario Carioca, com
corn Danton Jobim e Pompeu de Souza,
mais o0 Luís
Luis Paulistano. Danton e Pompeu, que foram os homens que proj eta-
projeta-
realizacao. Houve ainda as experiências
ram e Paulistano que ajudou a realização. experiencias da
Ultima Hora”.
Tribuna da Imprensa e da Última Hora”. (Idem,
(Idem, ibidem)

Aliado àa decisão
decisao da Condessa e às
as experiências
experiencias anteriores de alguns poucos visio-
Visio—
narios, ée indispensável,
nários, indispensavel, no dizer de quem participa do processo de modernização,
modernizacao, o
génio criativo daqueles que anteriormente moldaram esse mesmo processo em outras
gênio
empresas.

“Entao, confluem
“Então, confluern para o Jornal do Brasil, fornecendo gente, fornecendo
experiencias anteriores. Por outro lado, o
know-how de equipes, essas experiências 0 Cor-
Manha era um concorrente sério, tarnbem
reio da Manhã também comcorn pequeno anúncio.
anuncio. E
tambe’m começava
O Globo também comecava a penetrar na faixa do pequeno anúncio.
anuncio. Tanto
ate’ hoje ele divide
que até diVide com o
0 JB este mercado. O Globo ée dirigido por um urn
homem de imprensa, um homem sempre atento àa renovação.
renovacao. Estabeleceu-se
Estabeleceu—se
entao uma emulação
então emulacao natural e o Jornal do Brasil foi o coroamento desse pro-
cesso. Eu acredito que, ainda que nãonao houvesse o surto desenvolvimentista,
desenvolVimentista,
episodio estaria enquadrado dentro da história
este episódio histéria de uma empresa privada,
que é herdada por uma mulher excepcional, envenenada desde a infância
infancia pelo
p_elo
Virus do jornalismo, desejosa de
vírus deter urn grande jornal nas suas mãos.
ter um maos. De ma-
neira que eu atribuo o Jornal do Brasil mais àa presenca
presença da condessa Pereira

160 — “Cinquenta anos em cinco”


Carneiro, ajudada por seu genro ou com a cooperação
cooperaoao dele, o doutor Nasci-
mento Brito”.
Brito”. (Idem,
(Idem, ibidem.
ibia’em. Grifos nossos)

Ana Paula Goulart Ribeiro identifica


identifica trés
três fases no processo de reformulação
reformulaoao do
Jamal
Jornal do Brasil: em todas elas há
ha o
0 trabalho de muitas equipes e nao
não se pode atribuí-
atribui—
finica pessoa. A mesma
lo a uma única rnesrna autora aponta as controvérsias
controve’rsias sobre os autores des-
des—
inovaeoes, mostrando que a autoria da reforma ée sempre um
sas inovações, urn campo de disputas
memoria e as vaidades dos jornalistas (2000:132).
que mobiliza a memória (20002132).
Alberto Dines, por exemplo, atribui a autoria da reforma do Jamal a’a Brasil a
Jornal do
Janio de Freitas, enquanto
Odylo Costa Filho. Para outros, esta teria sido obra de Jânio
Nascimento Brito indica o proprio mudanoas mais significati-
próprio Dines como autor das mudanças significati-
Vas por que passa o jornal.
vas

“Quem fez a reforma foi o Odylo Costa Filho, que eu conhecia bem, com
“Quem
o Arnilcar
Amílcar de Castro, que eu conhecia muito bem, porque ele tinha sido
diagramador da Manchete. Enquanto eu trabalhava na Manchete, ele tambe’rn
também
la, levado pelo Otto. Mas, na Manchete, ele fazia uma coisa meio
estava lá,
quadrada. Foi no Jornal do Brasil que ele criou um modelo de jornalisrno
jornalismo que
Vige até
vige ate’ hoje. Durante 30 anos, foi copiado do Oiapoque ao Chuí.
Chui. Foi a mais
grafica feita no Brasil. Gráfica
importante reforma gráfica Grafica e jornalistica
jornalística tambe’m,
também, eu
acho”. (Dinis, Alberto. In: Abreu, Lattman-Weltman
acho”. Lattrnan-Weltrnan e Rocha, 2003:87)

Inicialmente o Jamal a’a Brasil contrata 13


Jornal do 13 novos repórteres
reporteres e posteriormente
outros jovens jornalistas que vinham
Vinham das redações
redaooes da Tribuna daa’a Imprensa e do Dia-
Diá-
ria Carioca,
rio Cariaca, onde ja
já tinham implantado algumas alterações
alteraooes no processo editorial e
grafico. Para alguns jornalistas, ée a entrada desses profissionais,
gráfico. profissionais, com uma nova men-
talidade, que possibilita as inovações
inovaeoes realizadas pelo Jamal a’a Brasil. Citando o
Jornal do
depoimento de Carlos Lemos, ao CPDOC, Ribeiro enfatiza que tambe’m também os jornalistas
produzem uma narrativa em que relacionam as inovações
inovaeoes ao fato de afluírem
afluirern para as
relaooes jovens, livres dos velhos vícios
relações Vicios da imprensa (Ribeiro, 2000:133-134).
2000: 133-134).

HaVia uma efervescência


“Havia
(C
efervescéncia entre nós,
nos, jovens que
gue tinhamos convoca—
tínhamos sido convoca-
dos para realizar esse trabalho. Primeiro, uma grande alegria porque ganharía-
ganharia—
mos muito mais. O 0 JB pagava mais ou menos o dobro do salário
salario dos outros
jornais (...) Havia tambe’m autoafirmaeao de estar par-
também grande entusiasmo e a autoafirmação
ticipando do processo de transformar aquele que não nao passava de uma ban-
anfincios em
ca de anúncios ern um
urn grande jornal.”
jornal.” (Lemos, Carlos. In: Depaimenta
Depoimento ao aa
CPDOC — – FGV, citado
Citado por Ribeiro, 2000:134.
20002134. Grifos nossos)

História Cultural da Imprensa — 161


chefia de redação
Wilson Figueiredo assume a chefia redaeao do Jamal
Jornal doa’a Brasil, logo após
apos a saída
saida
de Odylo Costa Filho, em dezembro de 1958. 1958. Meses depois, em maio de 1959, 1959, Jânio
Janio de
oeupa esse lugar e imprime àa reforma ritmo mais intenso. A primeira pagina
Freitas ocupa página adota
layauz‘ assimétrico,
um layout assime’trieo, sofrendo transformação
transformaeao radical. Foi quando surgiu, segundo Ribei-
“L” dos classificados,
ro, o famoso “L” classificados, marca
marea do novo Jamal a’a Brasil (Ribeiro, 2000:136).
Jornal do 2000: 136).
Trés anos depois, em janeiro de 1962,
Três 1962, Alberto Dines assume o 0 cargo de editor-
chefe do jornal, sistematizando —
– segundo sua fala — modificaooes implementadas
– as modificações
anteriormente.

“Quando eu assumi o jornal, no dia 6 de janeiro


“Quando 1962, uma segunda-
janeiro de 1962, segunda—
amanha um jornal totalmente diferente.
feira, o Brito me disse: Olha, quero amanhã
Voce ponha os fios
Você fios de volta (...). Eu disse: Brito, eu não
nao vou fazer um jornal
jornal
nao. Pode ser que daqui a alguns anos, se eu continuar
diferente, não. eontinuar aqui, o
jornal evolua gradualmente para alguma coisa diferente, mas eu não nao vou to-
car nele agora. No máximo,
maximo, vou botar um fio fio debaixo do logotipo. (...) Agora,
evidentemente que, ao longo do tempo, fui implementando algumas inova-
goes, dentro espírito
ções, espirito original”.
original”. (Dines, idem,
idem, ibidem)

reunioes regulares na redação,


Segundo seu depoimento, introduz reuniões redaeao, organiza as
eria o arquivo e o departamento de pesquisa do jornal, em 1964.
editorias e cria 1964. Permane-
redaeao do Jamal
ce como diretor de redação a’a Brasil de 1962
Jornal do 1962 a 1973.
1973.

“Em 1965,
“Em 1965, no dia em que a TV Globo foi ao ar, fiz fiz um memorando de
umas quatro ou cinco paginas,
páginas, para todas as chefias,
ehefias, dizendo assim: Hoje
comeea uma fase diferente do jornalismo. (...) Sugeri então
começa entao tudo aquilo que
eu tinha pensado nos Estados Unidos: um jornal jornal mais qualitativo, mais
refereneial, mais organizado —
referencial, – porque era muito comum
eomum você
voeé ver um assunto
la na pagina
aqui, e o mesmo assunto estar lá página de esporte, digamos —– um jornal
reVista. Ao mesmo tempo, as matérias
quase revista. materias do departamento de pesquisa
passariam a ser assinadas pela pesquisa, para o jornal ter um diferencial. Nos
Nós
iriamos vender um jornal mais qualificado”.
iríamos gualifieado”. (Dines, idem:
ia’em: 91. Grifos nossos)

Na imagem das reformas dos anos 1950/1960


1950/1960 sobressai a fala dos jornalistas que
autodefinem como
se autodefinem eomo introdutores de uma nova linguagem indispensável
indispensavel a um tempo
teenologieos entram em cena. Nao
em que novos aparelhos tecnológicos mo—
Não havia ainda, naquele mo-
preoeupaeao com a mítica
mento, a preocupação mitica da objetividade e da neutralidade. O jornalismo
jornalismo
eomo um lugar de amplificação
continua tentando ser importante, como amplificaeao do discurso politico.
político.

“Quando fizemos
“Quando fizemos instalar nas editorias do Jornal do Brasil aparelhos de
TV, para que suas equipes assistissem aos principais programas noticiosos,
notieiosos,

162 — “Cinquenta anos em cinco”


nao estávamos
não estavamos tomando uma iniciativa
inioiativa visando
Visando ao conforto dos jornalistas,
entronizaoao da TV como
mas a entronização oomo o fator a partir do qual vai ser pensada e
esorita a matéria
escrita mate’ria jornalistica
jornalística para o0 dia seguinte.”
seguinte.” (Dines, 1987:90.
1987:90. Apud
20002216)
Ribeiro, 2000:216)

Os jornais continuam sendo — – a par da imagem construída


eonstruida a posteriori relaoao
posteriori em relação
aos ideais de objetividade e neutralidade, introduzidos com as reformas — – lugares
fundamentais para a tomada de posioao
posição politica, destaoa. Por
política, onde o confronto se destaca.
exeroicio do jornalismo permanecem se autoatribuindo o papel de úni-
outro lado, no exercício fini—
oo intermediário
co intermediario possivel
possível entre o poder pfiblieo
público e o pfiblico.
público. Nesse sentido, o jornalis—
jornalis-
nao se revela como
mo não oomo um contrapoder, mas como poder instituído.
instituido. Nas décadas
déeadas de
1950 e 1960,
1950 1960, esse papel pode ser claramente
elaramente observado através
atrave’s das longas campanhas
faceoes politicas”.
empreendidas pela imprensa para ampliar a voz de facções políticas39.
Ha que se considerar ainda que, no Brasil, o
Há 0 jornalismo como
oomo atividade
atiVidade remunera-
remunera—
nao se desenvolve no bojo do principio
da não princípio da liberdade de imprensa. Se nos Estados
paises da Europa, o processo de industrialização
Unidos e em alguns países industrializaoao da sociedade,
avaneo da escolarização,
com o avanço eseolarizaeao, urbanização,
urbanizaoao, inovações
inovaooes teonologicas,
tecnológicas, ao lado da im-
plantaoao
plantação de regimes politicos,
políticos, onde o principio sagra—
princípio da liberdade da imprensa era sagra-
do, foram fundamentais para o desenvolvimento profissional atiVidade jornalistica,
profissional da atividade jornalística,
ha que se considerar
no Brasil há oonsiderar as especificidades
especificidades de seu proprio
próprio regime de historicidade.
Assim, a profissionalização
profissionalizaoao se dáda exatamente pelo vínculo
Vinculo estreito com a sociedade
politica
política em regimes de completa falta de liberdade de imprensa.
A rigor, o que possibilita o desenvolvimento profissional
profissional do jornalismo
jornalismo no pais
país ée a
idealizaoao do papel como
idealização oomo único
finico intermediário
intermediario possivel
possível entre o pfiblico
público e o poder
pl’iblieo, oonstruindo-se simbolicamente
público, construindo-se simbolioamente como elo de ligação
ligaeao indispensável
indispensavel entre a
fala de um pfiblioo,
público, sem voz, e a sociedade politica.
política. Com isso, transforma—se
transforma-se numa
instaneia privilegiada de poder real e simbólico.
instância simbolico. Ale’m
Além disso, construindo textos que
emooionais e ao cotidiano
apelam a valores emocionais ootidiano dos grupos populares, a imprensa, a partir
inicio do século
do início se’culo XX, faz das sensações
sensaooes arma fundamental para alcançar
alcanoar o gosto do
pfiblico. Fiecional e real se mesclam em textos que constroem
público. Ficcional oonstroem uma narrativa proxima
próxima
fiecionalidade, mas que falam de um real presumido. Observa-se,
dos regimes de ficcionalidade, Observa—se,
pois, que, no país,
pais, profissionalizaeao nao quis dizer autonomização
profissionalização não autonomizaoao do campo literá-
litera—
politico.
rio e nem do campo político.
construeao de um ideal de neutralidade do texto —
Por outro lado, a construção – fazendo com
convenooes narrativas da informação
que as convenções informaoao se fizessem
fizessem presentes — – nao
não impede a
valorizaoao permanente da opinião,
valorização opiniao, o que pode ser explicado,
eXplieado, tambem, funeao de
também, em função

39 Sobre esse papel, cf.


39
of. o próximo
préximo capítulo
capitulo sobre o papel da imprensa na crise política
politica dos anos 1950 e 1960.
anos1950 1960.

História Cultural da Imprensa — 163


dcpcndéncia do chamado bacharelismo
sua dependência bacharclismo ilustrado. A influência
influéncia do Direito
Dircito nos pri-
mciros tempos deixa marcas históricas
meiros historicas indeléveis
indelévcis na conformação
conformacao da narrativa
jornalistica,
jornalística, das quais, por exemplo,
cxernplo, o valor da opinião
opiniao é talvcz significativa.
talvez a mais significativa.
Ha que se considerar nesse processo, o analfabetismo
Há analfabctismo da sociedade,
socicdade, que
quc favorece
favorecc o
aparecimento de dc praticas dc leitura oralizada e a valoração
práticas de valoracao da opinião
opiniao como funda-
funda—
mental para a narrativa jornalistica.
jornalística.
Assim, mais do que servir àa democracia, o ethos profissional
profissional do jornalista desen-
Volve-sc na esteira
volve-se cstcira do papcl dc intermediário
papel de intermediario possivcl entrc o podcr
possível (e outorgado) entre poder e o
publico. Já
público. Ja que
quc não
nao háha cidadania suficiente
suficicntc para a populacao
população falar ec chegar às as cer-
canias do poder, cabe ao jornalismo o papel autoinstituído
autoinstituido de
dc intermediar as chama-
chama—
das causas do povo. A relação
rclacao estreita
cstrcita com a politica
política tambérn explicavel a partir do
também é explicável
dc cultura profissional
modelo de dcscnvolvida historicamente,
profissional desenvolvida historicarnentc, ou seja,
scj a, a partir da sedi-
sedi—
mentacao dc scu papcl
mentação de seu papel como o intermediario
intermediário dos tcmas politicos,
temas políticos, decifrados para urn
um
publico não
público nao só
so sequioso
scquioso de dc novidades,
novidadcs, mas, sobretudo, sequioso
scquioso dedc ser
scr incluído
incluido — –
apcnas ao tomar conhecimentos
ainda que apenas conhccirncntos dos fatos — – no mundo da politica.
política.
O profissionalismo
profissionalismo como processo histórico
historico representa
rcprcsenta para o jornalismo
jornalismo tambérn
também a
scdimcntacao de
sedimentação dc imagens
imagcns símbolo,
simbolo, construídas
construidas ao longo de dc décadas, entre
entrc as quais se
sc
dc intermediário
destaca a de intermediario do publico
público ante o Executivo e de se instaurar como persona—
persona-
gcm cujo compromisso maior estaria
gem cstaria na busca da verdade.
verdadc. Para isso, além
alérn dos parametros
parâmetros
profissionais, busca-se
profissionais, busca-so uma espécie de dc atitude inata, como se
sc o0 verdadeiro
verdadciro jornalista ja

nascessc nesta condição.
nascesse condicao. A definição
definicao do que é o jornalismo de dc Alberto Dinis — – frequen-
ternentc repetida
temente rcpctida por outros jornalistas — csta idealização.
– referenda esta idealizacao.

“(O jornalismo) é um estado de


“(O dc espírito,
espirito, é uma disposição
disposicao existencial.
cxistencial. Eu
ja dissc em outra entrevista
já disse entrcvista que o jornalismo é uma das últimasultimas profissocs
profissões
romanticas. Talvez
românticas. Talvcz o termo esteja
cstcja mal empregado.
emprcgado. N50 6’, estrito
Não é, cstrito senso, uma
questao de
questão dc romantismo. É,
E, no sentido
scntido de que o jornalismo não nao é um emprego
cmprcgo
cm que
em quc você
vocé chega, faz aquilo que
quc a pauta lhe deu,
dcu, cumpre o horário,
horario, ec estamos
cstamos
conversados. Nao. E uma disponibilidade
Não. É disponibilidadc para a vida,
Vida, uma vocação
vocacao de dc parti-
cipagao, ainda que não-intervencionista,
cipação, nao—intcrvencionista, é tambérn atiVidadc eminente-
também uma atividade crnincnte-
mentc cultural. Eu chamo de
mente dc arte.
artc. O jornalismo é uma arte ligada àa arte literá-
litera—
ria. Nao
Não é àa toa que, nos últimos,
ultimos, as maiores
maiorcs figuras
figuras da literatura escreveram
cscreveram
em jornal” (Dincs, op.
jornal” (Dines, op. cit.:
cit: 154).
154).

Assim, o discurso memorável


memoravcl construído
construido dentro do proprio
próprio campo ec pelos seus
agentcs continua apregoando
principais agentes aprcgoando como
corno aspecto fundamental da identidade
identidadc pro-
fissional valores
fissional valorcs que
quc não
nao dizem
dizcm respeito
rcspcito àa profissionalizacao.
profissionalização. O jornalismo continua
scndo, nas idealizações
sendo, idealizacocs correntes,
corrcntcs, uma espécie
cspécie dedc arte com
corn estreita
cstreita vinculação
Vinculacao ao
literario.
campo literário.

164 — “Cinquenta anos em cinco”


tambe’m na idealização
Sobressai também idealizaeao da profissao vocaeao, através
profissão a ideologia da vocação, atraVes da
qual o jornalismo teria uma espécie
especie de missão
rnissao superior, só
so podendo ser alcançada
alcaneada se
aooes de um dever religioso. A profissao
revestir suas ações profissão torna—se
torna-se uma espécie de reli-
giao, na qual se espera o cumprimento
gião, eumprimento do dever como
eomo algo sagrado, um chamamento,
uma ordem divina.

politicas
Tribunas políticas

decada de 1950
Entre os jornais surgidos na década 1950 estão
estao a Tribuna
Tribzma da Imprensa e Última
Ultimo:
Hora, criados naquele periodo,
período, a partir da vinculação
Vinculaeao estreita de seus proprietarios
proprietários
com a politiea.
política.
1949, colabora diariamente com
Carlos Lacerda, em 1949, corn uma coluna no Correio da
Marthe? “Tribuna da Imprensa”
Manhã intitulada “Tribuna Imprensa” e por divergência
divergencia com a direção
direeao do jornal
urn jornal em que possa exercer claramente sua opinião
resolve fundar um opiniao e, sobretudo,
urn ponto da sua trajetéria
seja um direeao ao campo politico.
trajetória em direção político. Ser jornalista para
Carlos Lacerda —– como para diversos jornalistas desde o século
se’culo XIX — espe’cie
– é uma espécie
indispensavel para ocupar um
de meio do caminho indispensável urn lugar representativo na politica.
política.

“O primeiro número
“O numero era feio. Nao
Não trazia nenhuma contribuição
contribuieao às
as artes
graficas e o proprio
gráficas próprio papel, importação
importaoao francesa, pouco encorpado, não
nao ajuda-
aj uda—
Va a apresentação.
va apresentaeao. O título
titulo do jornal, encimando a pagina,
página, em toda a exten-
exten—
sao, quebrava o usual dos vespertinos, assemelhando-a
são, assernelhando-a mais a um
urn matutino.
Urn único
Um unico clichê,
cliche, uma reprodução.
reprodueao. Títulos
Titulos sem grande destaque. Uma pagina
página
maeuda.” (Oliveira, 1966:188)
maçuda.” 1966: 188)

ÉE dessa forma que Wilson Oliveira, secretário


secretario do jornal quando de sua fundação,
fundaeao,
descreve o primeiro número
numero da Tribuna da Imprensa,
Imprensa, criado pelo futuro governador
1949. Nada lem-
do antigo estado da Guanabara (hoje cidade do Rio de Janeiro), em 1949.
descrioao, os aspectos
bra, pela descrição, aspeetos inovadores com
corn que o jornal foi entronizado entre os
promotores da modernização
modernizaoao da imprensa.

“Para os que foram ao jornal abraçar


“Para abraear o
0 Carlos e felicitá-lo
felicita—lo pela vitória,
Vitoria,
edieao da Tribuna, pouco importava o aspecto gráfico
que era a edição grafico do jornal.
O importante, e esse tinha sido o grande objetivo dos 4 mil e poucos acionis-
aeionis-
tas, é que Carlos Lacerda tivesse uma tribuna e que sua voz não
nao fosse calada
por falta de um jornal.” (Idem, ibidem)
jornal.” (Idem,

criaeao do novo periodico


Os preparativos para a criação comeearn no início
periódico começam inicio de 1949.
1949.
reune um
Carlos Lacerda reúne urn grupo de amigos, em
ern seu apartamento na Rua Toneleros, em

História Cultural da Imprensa — 165


Copacabana, para “examinar
“examinar as possibilidades de tornar realidade a criação
criacao de um
jornal” 166). Segundo Oliveira, nesse encontro inicial estivavam pre—
jornal” (Oliveira, idem: 166). pre-
sentes: Prudente de Moraes Neto, Dário
Dario de Almeida Magalhães,
Magalhaes, Adauto Lúcio
Lucio Cardo-
Cardo—
Joao Camilo de Oliveira, Alceu Amoroso Lima, entre outros.
so, Piquet Carneiro, João
E nesta reunião
É reuniao que se decide fazer uma subscrição
subscricao para arregimentar novos acionis-
acionis—
formula indispensável
tas, fórmula indispensavel para conseguir viabilizar
Viabilizar financeiramente
financeiramente o proj eto.
projeto.
més seguinte, o futuro jornal ja
No mês esta instalado provisoriamente num grupo de
já está
edificio da Avenida Treze de Maio, no centro do Rio. O
salas de um edifício 0 orçamento
orcamento mini-
míni-
mo para fazê-lo
fazé—lo funcionar estima despesas com instalação,
instalacao, com compra de máquinas,
maquinas,
moveis e outros equipamentos da ordem de 3 milhões
móveis milhoes e quinhentos mil cruzeiros. Isso
sem contar os gastos com pessoal, que somam cento e sessenta e quatro mil e6 oitocen-
oitocen—
distribuidos entre despesas com o pessoal administrativo
tos e quarenta cruzeiros, distribuídos
(Cr$ 69.700,00) e6 com a redação
redacao (Cr$ 95.140,00). Com as oficinas
oficinas preVé—se
prevê-se um gasto
167-173).
de quase seis mil cruzeiros (Oliveira: 167-173).
A análise
analise do orçamento
orcamento indica que na redação,
redacao, além
ale’m do secretário,
secretario, seriam necessá-
necessa-
reporteres, além do chefe de reportagem. Prevê-se
rios cinco redatores e cinco repórteres, PreVé-se tam-
reporteres que atuariam em setores específicos
bém o trabalho de mais dez repórteres especificos (Ministé-
(Ministe-
Policia Central, Pronto-Socorro
rios, Prefeitura, Polícia Pronto—Socorro Central e diversos hospitais da cida-
cida—
Ha ainda outros seis no esporte e dois especialmente destinados a cobrir o turfe.
de). Há
As seções
secoes especiais englobam o trabalho de mais dez profissionais:
profissionais: xadrez, palavras
economica, música,
cruzadas, bridge, infantil, econômica, mfisica, artes plasticas, camara e rádio,
plásticas, câmara radio, teatros
e sociais. Na fotografia
fotografia preVia—se trés profissionais:
previa-se o trabalho de três fotografo, um
profissionais: um fotógrafo,
auxiliar e um revelador. Na seção
secao de desenhos trabalharia apenas o chefe e um auxi-auxi—
PreVia-se ainda um gasto com a colaboração
liar, o mesmo ocorrendo no arquivo. Previa-se colaboracao de
(Idem, ibidem).
artigos assinados (Idem,
estruturacao, o jornal poderia funcionar precariamente
Se nessa fase inicial de estruturação,
num grupo de salas, no momento seguinte, isto é, quando o primeiro número nfimero viesse
Viesse a
pfiblico, isso não
público, nao seria mais possivel. Comeca, segundo depoimentos dos atores que
possível. Começa,
criacao do periodico,
participam desse momento de criação periódico, a busca pelo pre’dio
prédio onde se insta-
lariam a parte administrativa, a redação
redacao e as oficinas.
oficinas. ÉE fundamental para o sucesso,
minimo que fosse, a futura sede não
mínimo nao ser longe do centro, nem em local de difícil
dificil
dificultaria a distribuição
acesso, o que dificultaria distribuicao do vespertino, impedindo o rápido
rapido escoamen-
escoamen—
edicao. É
to da edição. E preciso encontrar um prédio no centro, que não nao precise de obras de
adaptacao, pois os recursos são
adaptação, sao escassos. Finalmente, encontra-se
encontra—se algo que parecia
serVir na rua do Lavradio: um prédio onde funcionara, até
servir ate’ então,
entao, uma fábrica
fabrica de pa—
pa-
negocio, dando um sinal correspondente a 50% do valor
pel. Carlos Lacerda fecha o negócio,
imovel, devendo pagar o restante em 24 meses. O prédio da rua do Lavradio tom
do imóvel, tem
15 metros de frente por 60 de fundos.
15

166 — “Cinquenta anos em cinco”


A quase
quaso totalidade
totalidado dos acionistas, emom número
numoro superior a 4 mil, possui apenas
aponas uma
aoao. Os dois maiores
ação. maioros acionistas são
sao Adauto Lúcio
Lucio Cardoso eo Severiano
Sovoriano Luiz Ribeiro,
Riboiro,
aooos cada um. Também
com 500 ações Tambo’m subscrevera
subscrovora uma importância
importancia dedo vulto o proprieta-
proprietá-
rio do grupo Ducal. Na Assombloia Goral na qual éo promulgado o estatuto
Assembleia Geral ostatuto do jornal,
om função
em funoao do grande
grando número
numoro de
do acionistas,
aoionistas, fica
fica estabelecido
ostabolocido que
quo as ações
aooos da Tribuna
nao podoriam
não sor vendidas
poderiam ser vondidas ou negociadas
nogociadas livremente.
livromonto. O seusou portador para vendê-las
vondé-las
dovoria comunicar previamente
deveria proViamonto àa Sociedade
Sociodado eo estas
ostas só
so podoriam sor adquiridas por
poderiam ser
quoria-so evitar
outro acionista. Com isso queria-se oVitar que
quo grupos econômicos
oconomicos ou politicos,
políticos, numa
tomassom o controle
manobra, tomassem oontrolo acionário
acionario do jornal. Carlos Lacerda,
Lacorda, na época,
o’poca, possui
pouco menos
monos de
do 10
10 ações,
aooos, mas éo detentor
dotontor de
do proouraoao
procuração dedo quase
quaso todos os acionistas,
com podoros
poderes para representá-los
roprosonta-los eo votar nas assembleias
assombloias gerais.
gorais. A aprovação
aprovaoao dos Es-
tatutos ocorre
ocorro na Assombloia Goral, realizada
Assembleia Geral, roalizada em
om outubro de do 1949,
1949, no auditório
auditorio da
Associaoao Brasiloira de
Associação Brasileira do Imprensa,
Impronsa, ocasião
ooasiao emom que
quo Carlos Lacerda
Lacorda éo’ escolhido
oscolhido prosi—
presi-
donto da Sociedade.
dente Sooiodado.
Nosto mosmo mês
Neste mesmo mos a redação
rodaoao começa
comooa a ser
sor estruturada.
ostruturada. O redator
rodator chefe
chofo do jornal,
doputado Aloysio Alvos,
deputado nomos. Duas novidades
Alves, indica a maioria dos nomes. novidados na época
o’poca fazem
fazom
parto proj oto: a criação
parte do projeto: criaoao do setor
sotor de
do posquisa
pesquisa do jornal, ainda que
quo de
do responsabili-
rosponsabili—
dado de
dade do um único
unioo redator,
rodator, eo do arquivo que
quo toria
teria tambo’m bibliotoca, eo reuniria
também biblioteca, rouniria recor-
rocor-
tos do
tes de jornais o roVistas classificados
e revistas classificados por assunto, funcionando como orgao
órgão auxiliar da
roportagom. Luís
reportagem. Luis Paulistano éo’ o chefe
chofo da seção
sooao dedo esportes.
osportos. A redação
rodaoao éo organizada da
soguinto forma: além
seguinte alo’m do redator
rodator chefe
chofo eo do secretário
soorotario (Wilson de do Oliveira),
Olivoira), há
ha a repor-
ropor—
tagom especial,
tagem ospocial, com um repórter
roportor eo um posquisador, roportagom politica
pesquisador, a reportagem política (com trés
três
roportoros, entre
repórteres, ontro eles,
olos, Villas Boas-Correa),
Boas-Corroa), o serviço
sorVioo tolografico (tondo como rodator
telegráfico (tendo redator
do Castro) eo a reportagem
Paulo de roportagom chefiada
chofiada por Borba Tourinho eo com cinco roportoros.
repórteres.
roportagom polioial
A reportagem policial conta com mais sois roportoros, o osporto
seis repórteres, e o esporte com cinco (chofia—
(chefia-
dos por Luiz Paulistano). Finalmente,
Finalmonto, em om 27 dedo dezembro
dozombro dedo 1949
1949 aparece
aparoco o primoiro
primeiro
numoro da Tribuna da Imprensa.
número
A Tribuna é um jornal poquono.
pequeno. Como o Didrio
Diário Carioca, tambo’m nao possui
também não
tiragom suficiente
tiragem sufioionto para transforma—lo
transformá-lo num jornal da grande
grando imprensa.
impronsa. Durante
Duranto os anos
1950, sua tiragom
1950, mo’dia oscila entre
tiragem média ontro 25 eo 45 mil exemplares.
oxomplaros. Em 1954,
1954, podo sor
pode ser
ostimada em
estimada om 40 mil, enquanto
onquanto que
quo O
0 Jamal
Jornal tira 60 mil, o0 Didrio
Diário da Noiz‘e
Noite 75 mil,
A Noticia Ultima Hora 92 mil eo O
Notícia 95 mil, Última 0 Globo 110
110 mil exemplares
oxomplaros (Ribeiro:
(Riboiro: 2000).
Aposar do ter
Apesar de tor uma tiragom inoXprossiva, a Tribuna é um jornal influente,
tiragem inexpressiva, influonto, ja quo
já que
tom papel
tem papol decisivo
docisivo na cena
cona politica,
política, catalisando eo amplificando
amplificando as contradições
contradiooos eo
tonsoos sociais do poriodo
tensões (Azovodo, 1988).
período (Azevedo, 1988). Segundo
Sogundo Ribeiro
Riboiro (2000), talvoz soja na
talvez seja
Tribuna da Imprensa onde
ondo mais se so possa porcobor diloma em
perceber o dilema om que
quo vivia
ViVia a imprensa
impronsa
o’poca, entre
da época, ontro definir-se
dofinir—so pola modornizaoao eo continuar empregando
pela modernização omprogando to’onicas o, so-
técnicas e, so—
brotudo, pratioas
bretudo, quo a aproximam do arcaísmo.
práticas que arcaismo.

História Cultural da Imprensa — 167


Tambe’m no que diz respeito àa memória
Também memoria construída
construida sobre o seu papel no jornalis-
jornalis-
1950, destaca-se
mo carioca dos anos 1950, destaea—se o fato de ser obra de um “verdadeiro”
“‘Verdadeiro” jornalis-
ta. Assim, nas palavras de Alberto Dines, a Tribuna teve importância
importanoia porque Carlos
Laeerda era um grande jornalista. E apenas como um grande jornalista, na mítica
Lacerda mitiea
articulada pelo discurso dos homens de imprensa, tal comoeomo Samuel Wainer, nada mais
natural que construir tambe’m “‘Verdadeiro” jornal. “Ele
também um “verdadeiro” “Ele era um homem que gosta-
gosta—
va de jornal, conhecia
eonhecia jornal. (...) e o jornal que ele fez no início
inicio foi muito bem feito.
maraVilhosa, alguns do Didrio
Teve uma equipe maravilhosa, nao, e ele criou um
Diário Carioca, outros não,
grupo de jornalistas como Luiz Lobo, o Zuenir Ventura, etc.” etc.” (Depoimento de Dines,
Alberto, 15
15 dezembro de 1999.
1999. Citado por Ribeiro: 2000)
diseurso que atrela a imagem do jornal ao gênio
O mesmo discurso génio criador, inventivo e
politioo de Lacerda ée’ repetido àa exaustão
político exaustao por outros profissionais:
profissionais:

“Carlos Lacerda
“Carlos Laeerda estava sempre a par do desenvolvimento da imprensa
nao cabe dúvida
mundial e não duVida de que a moderna imprensa do Brasil muito deve,
notieiario e apresentação
em estilo, agressividade, noticiário apresentaeao gráfica,
grafica, ao dinamismo e àa
Visao do fundador da ‘velha
visão ‘Velha tribuna’ Laeerda era
tribuna’ (...). Um dos empenhos de Lacerda
trazer para o jornal pessoas que, em sua opinião,
opiniao, tivessem o dom e o dinamis-
necessarios para renovar a folha. Gente como Carlos Castelo Branco,
mo necessários
He’lio Fernandes, Odylo Costa Filho. Membros da nova equipe do Jornal do
Hélio
Mario Faustino e Alberto Dines, passaram pela ‘velha
Brasil, entre eles Mário “velha Tri-
buna’ e lá
buna’ la ficaram
ficaram mais ou menos tempo.” 1982258)
tempo.” (Baciou, 1982:58)

Samuel Wainer, a Última


Ultima Hora e a mítica
mitica da renovação
renovaeao

Falar do jornal fundado em 12 12 de junho de 1951


1951 por Samuel Wainer ée se referir a
Varios discursos míticos:
vários miticos: o
0 do jornal que por ser dirigido por um “verdadeiro
“verdadeiro jornalis—
jornalis-
ta” passa a valorizar o profissional
ta” profissional e ée capaz de revolucionar a forma de fazer jornalis-
jornalis-
ate então;
mo até entao; o
0 do jornal que renova a imprensa brasileira, introduzindo inovações
inovaeoes
nunea antes pereebidas;
nunca percebidas; o0 do jornal que materializa mais do que qualquer outro meio
eomunieaeao as suas relações
de comunicação relaooes com as cercanias do poder; entre diversos outros.
construidos, a maioria das vezes pelos proprios
Esses discursos construídos, próprios jomalistas
jornalistas que partici-
nao do processo de criação
param ou não criaoao e construção
construeao da mítica
mitiea Última
Ultimo: Hora como o jornal
mais popular de seu tempo, revelam os simbolismos da propriaprópria profissao,
profissão, ao mesmo tem—
tem-
historia de singularidades para o jomalismo
po em que constroem uma história jornalismo brasileiro. E talvez
historia mais singular e repleta da ideia de importância
a história importancia seja a da aliança
alianea do ex-presidente
eX-presidente
Getulio Vargas, então
Getúlio entao exilado voluntário
voluntario em São
Sao Borja,
Borj a, com Samuel Wainer.

168 — “Cinquenta anos em cinco”


Se o0 início
inicio dessa aliança
alianoa marca a ideia de destemor de um homem —
– Samuel Wainer
— reporter atravessou o Brasil para reproduzir uma fala profe’tica
– que como repórter Getulio
profética de Getúlio
(“Eu voltarei!”)
(“Eu voltarei!”) —, continuaoao dessa história
–, a continuação historia deveria contemplar outras facetas para
construoao mitológica
a construção mitologiea do jornal. Assim, Última
Ultimo Hora deveria incluir no seu cardá-
carda-
pio de estratégias
estrategias memoráveis
memoraveis construídas
construidas pelos proprios
próprios jornalistas a mitica
mítica da reno-
vaoao da imprensa.
vação
A história
historia ée conhecida: Wainer, então
entao repórter
reporter dos Didrios
Diários Associados, se desloca
desloea
ate São
até Sao Borja,
Borj a, onde estava Getúlio
Getulio Vargas recluso, para conseguir uma declaração
declaraeao do
futuro presidente de que seria candidato nas eleições
eleiooes de 1950.
1950. A partir daí,
dai, retorna a
Sao Borja outras vezes, selando uma aliança
São alianoa com Vargas, e passa privar — – segundo
proprias declarações
suas próprias declaraeoes — Getulio. Isso será
– da intimidade de Getúlio. sera extremamente vanta-
joso para ele e fundamental para a criação
criaoao do novo jornal.

“(...) me pediram que como eu era a única


“(...) unica pessoa, não
nao só
so a quem ele dava
entreVistas até
entrevistas ate então,
entao, como conseguia interpretar o pensamento dele, pedi— pedi-
ate Getúlio
ram que eu fosse até Getulio e fizesse
fizesse um apelo para ele dar uma declaração
declaraoao
serVisse àa manipulação
que servisse manipulaeao para acalmar a campanha da UDN, que estava
tomando proporções
proporooes incendiárias,
incendiarias, e preparar a posse dele, inclusive junto
junto aos
Getulio. Os jornalistas quando
americanos (...). Eu cheguei, falei logo com Getúlio.
Viram ficaram
me viram ficaram meio preocupados, porque sabiam que eu era, afinal, afinal, o
Getulio qualquer declaração.
homem que obtinha de Getúlio declaraeao. Apenas não
nao sabiam que
eu ja nao era um simples repórter;
já não reporter; tinha passado a ser quase um conselheiro e,
emissario. Portanto, eles não
algumas vezes, emissário. nao podiam competir comigo”.
comigo”.
(Wainer, Samuel. FitaF ita n. 1,
l, p. 9/9, do material bruto de S.W,SW, citado por
Rouchou, 2004:48-49)

Na declaração
declaraeao acima
aeima sobressai não
nao apenas o poder —
– de fato —– que detinha
detinhajunto
junto ao
presidente, assumindo a função
funeao de “quase
“quase um conselheiro”
conselheiro” e, algumas vezes, “emissá-
“emissa—
rio”, mas o orgulho porter
rio”, aleado esta posição.
por ter alçado posioao. Nesse papel privilegiado — refe—
– mas refe-
rendando a cada momento o fato de continuar sendo jornalista —– nenhum outro profis-
profis-
rivalizar—se com Wainer.
sional poderia rivalizar-se
fundaeao do jornal, Samuel Wainer lembra como foi sua passagem de
Sobre a fundação
reporter dos Associados para dono de jornal.
repórter

“Quando retornei da Europa o Assis Chateaubriand me convidou


“Quando conVidou para os
‘Associados’, em julho de 1947.
‘Associados’, 1947. Aceitei. Primeiro porque eu queria conhecer
por dentro uma grande empresa, o ventre de uma grande empresa. Porque ele
me pagou um salário
salario excelente pra época.
epoca. Eram 20 contos, equivalia hoje a
200 mil cruzeiros, quebrou todos os padrões.
padroes. Ele sabia, ele tinha um instinto,

História Cultural da Imprensa — 169


ele ja
já tinha lido coisas minhas. Ai ‘Diarios Associados’
Aí entrei nos ‘Diários Associados’ onde eu viVi
por dentro o chamado grande jornalismo. Fui editor nos ‘Diários‘Diarios Associa—
Associa-
dos’, fui secretário
dos’, secretario de redação,
redaeao, redator, colunista, mas principalmente repór-
repor-
Getfilio”. (Wainer, S. In: “Jornalistas
ter. Foi quando descobri Getúlio”. “Jornalistas contam a His-
His—
toria”. Depoimento a Wianey Pinheiro. Folha de S.
tória”. S. Paula)
Paulo)

A proximidade de Getúlio
Getfilio ée fundamental inicialmente para o repórter
reporter e, posterior—
posterior-
empresario da imprensa. No início,
mente, para o empresário inicio, Getúlio
Getfilio era

“uma boa matéria-prima


“uma mate’ria-prima jornalistica.
jornalística. Eu o0 tinha combatido a vida
Vida inteira,
mas nada tinha a ver com aquele outro Getúlio
Getfilio que voltava — – como ele mesmo
declarou — lider de massas e não
– como líder nao mais como líder
lider de partido. Pra mim o
Getfilio era um grande assunto, porque o fundamental na vida
Getúlio Vida do jornalista
jornalista ée o
Getfilio
assunto. (...) Dessa amizade com Getúlio nasceu Ultima Hora”. (Idem, ibidem)
Última Hora”. (Idem, ibia’em)

A campanha eleitoral, segundo seu depoimento, foi objeto de frieza por parte da
imprensa. Assim, o proprio Getfilio incentiva Samuel a criar um jornal
próprio Getúlio opuses—
jornal que se opuses-
se àa “conspiração
“conspiraeao do silêncio”
silencio” que a imprensa lhe impusera. Wainer funda, então, entao,
grafica, a Érica,
duas empresas: uma gráfica, Erica, e a outra editorial, a Editora Última
Ultima Hora (Ribei-
ro, 2000).
Viabilizar a primeira, consegue recursos com o banqueiro Walter Moreira
Para viabilizar
Salles, com Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil, e com Euvaldo Lodi, em-
presario e presidente da Confederação
presário Confederaeao Naeional Indl’istria. Obteve ainda um em-
Nacional da Indústria. em—
pre’stimo de 26 milhões
préstimo milhoes junto ao Banco do Brasil, que, além
ale’m disso, absorveu a dívida
divida
Economica Federal. Para viabilizar
da empresa com a Caixa Econômica Viabilizar a Editora Última
Ultima Hora
Hipotecario de Crédito
consegue recursos do Banco Hipotecário Cre’dito Real, através
atrave’s da intermediação
intermediaeao
entao governador de Minas. (Idem,
de Juscelino Kubitschek, então (Idem, ibidem)

“Portanto a Última
“Portanto Ultima Hora nãonao foi criada acidentalmente, ela ia sendo cria-
cria—
da àa medida que a gente criava novos quadros e novas ideias. Eu senti que a
Getl'ilio me dava uma comunicação
popularidade de Getúlio comunicaeao com todas as camadas
comunicaeao com a camada dirigente do
sociais e a linha nacionalista me dava comunicação
Entao, a Ultima
novo empresariado brasileiro. Então, Última Hora foi, realmente, um produto
ViVéncia jornalistica
de uma imensa vivência jornalística e politiea”. “Jornalistas
política”. (Wainer, S. In: “Jornalistas
Historia”. Depoimento a Wianey Pinheiro. Folha de S.
contam a História”. S. Paulo)

No discurso do fundador de Última


Ultimo: Hora vai sendo construída,
construida, paralelamente àa
importaneia política
importância politica do periódico,
periodico, durante o governo de Getúlio
Getfilio Vargas, a mitica
mítica da
renovaeao que introduz na imprensa brasileira. Somente um verdadeiro jornalista,
renovação jornalista,
nao abdicava desse papel, poderia criar não
que não nao um simples jornal, mas um periodico
periódico

170 — “Cinquenta anos em cinco”


inovador e que —
– nas suas palavras — responsavel pela introdução
– fora responsável introdueao do jornalismo
de massas no pais.
país.

“Ultima Hora veio romper a tradieao


“Última oligarquiea da grande imprensa e
tradição oligárquica
inicio a um tipo de imprensa popular que não
dar início nao existia no Brasil. Ate’ 1950,
Até 1950,
opiniao publiea
a opinião pública brasileira era dominada por meia dúzia
duzia de jornais, perten—
perten-
familias tradicionais, há
centes a famílias ha mais de meio século.”
se’culo.” (Wainer, S. Apud
1978:9)
Barros, 1978:9)

Nenhuma das afirmações


afirmaeoes de Wainer se sustenta historicamente. Se, de fato, os
jornais mais populares estão
estao atrelados àa tradieao
tradição familiar de uns poucos nomes —–
como ée o caso do Jamal
Jornal do Brasil —,
–, outros jornalistas, como Mário
Mario Rodrigues, ja

haViam criado
haviam eriado desde há
ha muito jornais populares no cenário
cenario da imprensa carioca. Nos
1950 mesmo existem na cidade, além
anos 1950 ale’m de Última
Ultimo: Hora, outros jornais que em
termos de difusão
difusao conquistam público
publico diversificado
diversifieado e expressivo.
Fazer um jornal, para Samuel Wainer, ée’ a possibilidade de se tornar reconhecido
reeonhecido
pelos seus proprios
próprios pares. Imigrante, de origem pobre e sem reconhecimento
reconheeimento entre os
detentores do poder simbólico
simbolico do jornalismo de então,
entao, para ele estar proximo
próximo das
tornar—se empresário
cercanias do poder e, sobretudo, tornar-se empresario da imprensa ée a certeza de que
veneer na profissão.
conseguira vencer profissao.

“Ele (Getúlio
“Ele (Getulio Vargas) andando de um lado para o outro. Isso eu nunca
comissoes de inquérito,
contei em comissões inquerito, nada, mas ja Varios lugares. Ele
já contei em vários
me disse: Por que tu nãonao fazes um jornal? Eu disse: olha presidente, todo
reporter quer fazer um jornal, ainda mais um repórter
repórter reporter como eu, que ja fiz, e
já fiz,
que estou sendo convidado a fazer um jornal que não nao seria de oposição.
oposieao.
Contraria a tradieao
tradição da imprensa brasileira e do Rio de Janeiro, que é que
so jornal de oposição
só oposieao vence:
venee: acontece que o senhor ée um líder
lider de oposição.
oposieao.
Eu faria um jornal que apoiasse seu pensamento. O seu pensamento ée con- con—
tra. Eu gostaria de fazer um jornal desses. Ele disse: então
entao faça
faea (...) Eu disse:
(...) em 45 dias lhe dou um jornal. Então
Entao não
nao falemos mais nisso. Boa—noite
Boa-noite
profeta. Boa-noite,
Boa—noite, Presidente. E aí
ai nasceu a Última
Ultima Hora”.
Hora”. (Wainer, Samuel.
16/89, do material bruto de S.W. In: Rouchou, op.
Fita n. 5, 16/89, op. cit.:
Cir; 66)

Mas o jornal do “verdadeiro


“verdadeiro jornalista”, reporter que se transmuta em senhor
jornalista”, do repórter
nao poderia ser um simples jornal.
da imprensa, não memorias do
jornal. Gradativamente, as memórias
proprio Vivem aquela história
próprio Samuel e dos que vivem historia vão
Vao construindo a segunda mítica
mitica em
torno do periodico: inovaeao. Assim, Última
periódico: a da sua inovação. Ultimo: Hora teria sido responsável
responsavel pela
mais intensa e marcante reforma do jornalismo até ate então,
entao, introduzindo uma série
serie de
inovaeoes na fórmula
inovações formula de fazer jornal. A diagramação,
diagramaeao, o uso da cor, da fotografia,
fotografia, o

História Cultural da Imprensa — 171


contofido redacional
conteúdo rodacional eo as estratégias
ostratogias administrativas, bem
born como a reimplantação
roimplantaoao do
folhotim, da caricatura eo do colunismo, toriam
folhetim, rosponsavois pola
teriam sido responsáveis complota
pela mais completa
inovaoao que
inovação quo um poriodioo
periódico produziria na imprensa
impronsa carioca
carioca40..
40

Entrotanto, as fórmulas
Entretanto, fOrrnulas redacionais,
rodacionais, editoriais
oditoriais eo administrativas implementadas
implornontadas
polo novo poriodico
pelo nao eram
periódico não oram novas na imprensa
impronsa do Rio: a cor fora utilizada pola
pela
primoira vez
primeira voz ja om 1907
já em 1907 pola
pela Gazeta de Noticias; fotografia ocupando
Notícias; a fotografia ooupando a pagina
página
intogralmonto
integralmente fora usada por infimoras publicaooos
inúmeras publicações ao longo do
de toda a primoira déca-
primeira déca—
soculo XX; tambom
da do século doixara de
também a caricatura nunca deixara do fazer
fazor parto rocursos grá-
parte dos recursos gra—
ficos dessa
ficos dossa imprensa.
impronsa. Portanto, a renovação
ronovaoao que
quo Última
Ultima Hora realiza
roaliza na imprensa
impronsa do
urn discurso mítico.
Rio é muito mais um mitico.
Nas palavras do proprio
próprio propriotario
proprietário

“o jornal não
“o nao causou
oausou grande
grando impacto inicial. O possoal impronsa logo
pessoal da imprensa
om cima, de
foi em do onde
ondo eu
ou realmente
roalmonto aprendi
aprondi que
quo um
urn jornal nasce
nasoo aos poucos e, o,
dopois que
depois quo se
so cria
oria uma imagem,
imagom, nunca mais acaba”.
aoaba”. (Wainer,
(Wainor, Fita n. 13,
13, p. 2/
do S.W. In: Rouchou, op.
289, material bruto de op. cit.: 79)

A construção
construoao dessa
dossa imagem
imagom de do jornal que
quo mais renovou
ronovou a imprensa
impronsa brasileira
brasiloira dos
1950 foi sendo
anos 1950 sondo efetivada
ofotivada não
nao só
so naquele
naquolo poriodo, oomo postoriormonto,
período, como atraVos
posteriormente, através
roitoradamonto repetidos
dos discursos reiteradamente ropotidos dos proprios
próprios jornalistas que,
quo, assim, constroem
constroom
Ultimo Hora como
Última oomo espécie
ospo’cio de
do jornal símbolo,
simbolo, sobretudo,
sobrotudo, porquo
porque éo produto da ação
aoao eo
idoalizaoao de
da idealização do um
urn personagem
porsonagom que quo nunca deixou
doixou de
do ser
sor jornalista.
Ao alinhar uma série
sorio de
do depoimentos
dopoimontos de
do jornalistas que
quo trabalharam no jornal
jornal nos
do 1950,
idos de 1950, num trabalho (Barros, 1978)
1978) em
om que
quo prooura domonstrar que
procura demonstrar quo Última
Ultimo:
Hora promove
promovo a mais drástica
drastica renovação
ronovaoao na fórmula
formula de
do fazer
fazor jornal, sobrossai na fala
jornal, sobressai
dossos atores
desses atoros sempre
sompro essa
ossa construção.
oonstruoao. Última
Ultima Hora, mais do que
quo um
urn jornal, passa a
sor uma espécie
ser ospo’cio de
do sonho.

“No caso da Última


“No Ultima Hora aconteceu
acontocou o seguinte:
soguinto: àa medida
modida que
quo o jornal
jornal
tambom o ideal
nascia, nascia também idoal de
do um
urn jornal sonhado por muitos jornalistas
brasiloiros, sem
brasileiros, som saber
sabor como
oomo defini-lo,
dofini-lo, porquo olo era
porque ele ora tocnicamonto
tecnicamente bonito eo
born feito
bem foito eo moderno,
modorno, coisa
ooisa que
quo não
nao proocupava
preocupava os outros donos de do jornal
jornal (...)
intorossados na força
interessados foroa que
quo ele
olo representaria
roprosontaria (...) A Ultima subitamonto,
Última Hora, subitamente,
era o0 sonho dos jornalistas mais românticos
romanticos que
quo havia
haVia na época,
o’poca, do conceito
concoito
do um
de urn jornal popular, porquo nos queríamos
porque nós quoriarnos vender,
vondor, nós
nos queríamos
quoriamos aplausos,

4° Sobre as contribuições
40
contribuigoes técnicas da UH para a renovação
renovagéo da imprensa brasileira,
brasileira, cf. Barros (1978).
(1978).

172 — “Cinquenta anos em cinco”


nos queríamos
nós queriamos circulação,
circulaeao, tinhamos fossemos intelec-
tínhamos o sentimento, embora fôssemos intelec—
tualmente elitistas”.
elitistas”. (Wainer, fita
fita 4 (2ª
(2a série),
serie), p. 10/986,
10/986, material bruto de
op. cit.:
S.W. In: Rouchou, op. cit; 118)
118)

nao estamos querendo dizer que Última


Com isso, não Ultima Hora nãonao tenha adotado novas
formulas editoriais e redacionais,
fórmulas redaeionais, mas enfatizando que não nao se pode deixar de enxergar
constroi o proj
o discurso que constrói eto gráfico
projeto grafico e editorial do jornal como “o
“o mais inovador”
inovador”
mitico. Se de fato houve implantação
de seu tempo como mítico. implantaeao de estratégias administrati-
administrati—
vas e editoriais, muitas delas ja Vinham sendo adotadas por outros periodieos.
já vinham periódicos.
O que se questiona, portanto, ée o fato de se tomar como eomo um dado real e
inquestionavel a afirmação
inquestionável afirmaeao de que Última
Ultima Hora tenha, mais do que qualquer outro
periodico,
periódico, renovado a imprensa brasileira. A renovação
renovaeao que implementa nãonao ée produ—
produ-
to apenas do gênio
génio criador de um só 56 homem, no caso Samuel Wainer, mas de um
processo de acumulação
acumulaeao de experiências
experiencias no jornalismo carioca. A mítica
mitica da “maior
“maior
renovaeao”, no nosso entender, constrói
renovação”, constroi um lugar ímpar
impar para o jornalismo e, sobretu-
sobretu—
do, para os jornalistas, ja
já que apenas um proprietario
proprietário que fosse tambe’m
também e antes de
tudo jornalista poderia realizá-la.
realiza-la.
Assim, mais do que verificar
verificar ou polemizar se há
ha ou não
nao renovação,
renovaeao, se essa ée a
nao, interessa saber por que se constrói
maior ou não, constroi um discurso, referendado a cada
eada
momento, que aponta para a singularidade do jornal. No nosso entender, isso faz parte
estrate’gia de constituição
de uma estratégia constituieao do proprio
próprio campo jornalistieo
jornalístico que precisa de emble-
mitieos de sua propria
mas míticos importancia. E, nesse sentido, um jornal fundado por um
própria importância.
reporter, com origem modesta, que graças
repórter, graeas ao seu papel de jornalista consegue sucesso
na profissao,
profissão, ée’ o melhor símbolo
simbolo para as estratégias
estrategias memoráveis
memoraveis do grupo, isto é, dos
jornalistas.

História Cultural da Imprensa — 173


VII. Novos atores em cena:
A imprensa nos anos 1960

vestigios dos novos atores


Os vestígios atorcs que entram em cena
ccna na composição
composicao dedc uma história
historia
imprcnsa na década de 1960
da imprensa 1960 podem serscr perccbidos
percebidos também através
atraVés dos filmes.
filmcs.
cspirito do tempo existente
Resumindo o espírito cxistentc em
cm relação
rclacao às
as possibilidadcs dc diálogo
possibilidades de dialogo do
pfiblico, producocs nacionais dos Estúdios
público, as produções Estfidios Atlantida dctalhcs, esses
Atlântida mostram, com detalhes, csscs
atorcs midiáticos
atores midiaticos que irrompem a cena ccna quotidiana. E, entre
cntrc eles,
cles, um pcrsonagcm
personagem
emblematico: a televisão.
emblemático: televisao.
1960 é6' também se
Falar da década de 1960 sc referir
refcrir às
as consequências
conscquéncias da censura politica
política
sobrc a imprensa,
que se abate sobre imprcnsa, o que foi decisivo
dccisivo para o apartamento
apartamcnto da polémica
polêmica em
torno desse
dcsse tema dos meios de dc comunicação.
comunicacao. Esse silêncio
siléncio vai produzir drástica
drastica alte-
alte—
racao no conteúdo
ração contefido dos jornais diários,
diarios, uma vez
vcz que terao gradativamcnte
terão que abandonar gradativamente
papcl de
o papel dc amplificadores
amplificadorcs e,c, muitas vezes,
vczcs, construtores desses
dcsscs enredos,
cnrcdos, afastando-se
afastando—se
dos protagonistas ec deixando de ser eles cles mesmos pcrsonagcns
personagens do campo politico.
político.
Sobrc este
Sobre cste apartamento
apartamcnto do conteúdo
contcfido político
politico em função
funcao da conjuntura da época, é
contundente o depoimento de dc Paulo Branco
Branco‘”:
41
:

Dcpois, quando fui trabalhar no Globo, a politica


Depois, política —
– é uma coisa curiosa —–
ficava lá
ficava la pela
pcla 13ª,
13a, 15ª
15a pagina.
página. As paginas
páginas 2 ec 3 vinham
Vinham com notícias
noticias de
dc Cedae,
Ccdac,
cngarrafamcnto de
engarrafamento dc trânsito.
transito. Foi uma época que marcou
maroon o 0 sepultamento
scpultamcnto da
politica.
política. Era mais importante o engarrafamento do que uma matéria de dc âmbi-
ambi—
to nacional, uma medida do presidente da República,
Repfiblica, um discurso no Congres-
economicas não,
so. As medidas econômicas nao, essas
cssas eram
cram sempre
scmprc muito divulgadas, muito
badaladas. A economia tinha um peso muito significativo
significativo naquela
naqucla época. (Branco,
Paulo. Depoimento ao a0 CPDOC. Rio de dc Janeiro,
Janciro, CPDOC/Alerj, 1998)
1998)

41 Jornalista desde 1968, Paulo Branco foi repórter,


41
reporter, chefe de redação
redacao e colunista da Tribuna
Tribuna da Imprensa,
lmprensa,
repórter
repérter de O0 Globo, da Última
Ultima Hora e da Bloch.
Bloch. Por 10 anos comentarista político
politico da TV Bandeirantes.
Bandeirantes. Foi
presidente da Fundação
Fundacao Roquette Pinto. Trabalhou em várias
vérias ocasiões
ocasioes para o Governo,
Governo, inclusive como coor-
coor—
Comunicacao Social do Ministério da Fazenda na gestão
denador de Comunicação gestao de Francisco Dornelles.
Dornelles. Branco,
Branco, Paulo.
Paulo.
Depoimento ao CPDOC.
CPDOC. Rio de Janeiro,
Janeiro, CPDOC/Alerj, 1998.

História Cultural da Imprensa — 175


No Brasil, os jornais jamais exerceram o papel de watchdogs, que tinham por
ideario americano, ja
exemplo no ideário distancia suficiente
já que nunca mantiveram distância suficiente dos per-
sonagens politicos.
políticos. A imprensa sempre teve relação
relaoao simbiótica
simbiotica com a politica,
política, ocu-
episodios decisivos da história
pando lugar central em muitos episódios historia do pais.
país. (Ribeiro,
1999253)
1999:53)
caracteristica das empresas jornalisticas
Ribeiro credita essa característica jornalísticas àa configuração
configuraoao do
campo politico
político no pais,
país, marcado por constante tensao arcaismo,
tensão entre modernidade e arcaísmo,
onde convivem lado a lado pratioas
práticas decorrentes de um ideal de impessoalidade e
instituiooes (baseado nos principios
racionalidade das instituições princípios da representatividade, da socie-
oligarquicas, clientelistas, familiares, patriar-
dade de direitos, da cidadania) e outras oligárquicas,
cais e patrimonialistas (Idem,
(Idem, ibidem).

No mesmo período,
periodo, inicia-se
inicia—se vertiginoso processo de concentração
concentraeao dos periodi—
periódi-
alcanearia o seu auge na década
cos, que alcançaria decada seguinte. Paralelamente há
ha a explosão
eXplosao do
que poderia se designada como a segunda fase de apogeu do jornalismo popular,
representado pelo sucesso editorial do jornal O
0 Dia.
Ao final
final da década,
de’cada, publica—se
publica-se no pais media de um exemplar de jornal diário
país a média diario
para 22 pessoas e 90% dos periodicos
periódicos do pais sao editados no Rio e em São
país são 8210 Paulo.
A tiragem dos jornais permanece praticamente estacionada e atribui-se àa televisao
televisão a
responsabilidade por este cenário,
cenario, uma vez que dos 600 bilhões
bilhoes de cruzeiros
oruzeiros investi-
dos com propaganda no pais,
país, naquele momento, 35 por cento são
sao destinados àa televi—
televi-
sao (Rego, 1969).
são 1969).

televisao irrompe a cena


A televisão

subfirbio do Rio, onde vive


Uma casa comum de subúrbio Vive uma família
familia tambem
também comum.
O inusitado na cena ée que, de repente, todos estão
estao em torno de um aparelho que ocupa
lugar entronizado na sala de estar. Dezenas de pessoas se espalham diante de um
movel entreaberto, deixando antever uma tela. Na janela,
móvel Vizinhos se amontoam
janela, os vizinhos
para poder ver as imagens em preto—e-branco.
preto-e-branco. Na escada, as crianças
crianoas tambe’m
também se
enfileiram na tentativa de visualizá-las.
enfileiram Visualiza—las. As imagens que saem da televisao
televisão possuem
siléncio dos personagens ée quebrado, de tempos em tempos, pelos
pouca nitidez. O silêncio
comentarios que a trama televisiva provoca.
comentários
filme Absolutamem‘e
O filme Absolutamente Certo, uma produoao 1957, dirigido por Anselmo Duarte,
produção de 1957,
ficcional um dos programas de maior audiência
reproduz de modo ficcional audiéncia da década:
de’cada: “O
“O céu
ce’u
ée’ o limite”,
limite”, apresentado por Jota Silvestre. No programa, como no filme,
filme, a expectati-
expectati—
Va ée criada em torno da possibilidade de o
va 0 protagonista responder corretamente às as
perguntas que lhes são sao dirigidas pelo apresentador. A torcida do pfiblico
público ée’ enorme e,

176 — Novos atores em cena


no dia seguinte, multiplicam-se nas publicaeoes nao os comentários
publicações especializadas ou não comentarios
filtima performance
em torno da última desafiante.
performance do desafiante.
Esta é uma das primeiras vezes em que a televisão
televisao aparece como protagonista na
cinematografica de uma produção
cena cinematográfica produeao nacional. Ate’ entao, alguns filmes
Até então, filmes mostraram
Visita dos personagens abastados. A tela
o televisor como que entronizado na sala de visita
esta sempre apagada. A televisão
está televisao é muito mais um móvel
movel que compõe
compoe o cenário.
cenario.
Nove anos depois, outra produeao cinematografica mostra, com detalhes, como a
produção cinematográfica
televisao
televisão podia ser responsável
responsavel pela construção,
construeao, ascensão
ascensao e queda de mitos. No episó-
episo—
final do filme
dio final filme Os
0s Cariocas,
Carioeas, drama de Roberto Santos baseado em histórias
historias de
conta—se, a partir da transmissao
Stanislau Ponte Preta, conta-se, entreVista ao vivo
transmissão de entrevista Vivo em uma
emissora de televisao, historia de Marlene Cardoso, personagem vivido
televisão, a história ViVido por Íris
lris
Bruzzi, que participara do concurso
coneurso Garota das Praias do Subúrbio.
Subfirbio. A protagonista
apos ganhar o concurso, promovido tambe’m
que, após também por uma emissora de TV, alcança
alcanea
Vive naquele instante a decadência.
rapidamente o estrelato, vive decadéncia. A fama imediata construída
construida
pela TV a leva a estrelar comerciais e mesmo uma telenovela, não nao por acaso a de
maior sucesso naquele ano — – Sheik de Agadir, telenovela escrita por Janete Clair —, –,
ViVia a personagem Sulamita.
onde vivia
Vivo, num programa que também reproduz outro gêne-
Marlene Cardoso conta, ao vivo, gene—
ro de sucesso naquele momento — – em que o apresentador, a maior parte do tempo
autoritario, recapitula de forma dramática
ausente da cena, em tom autoritário, dramatica a trama da vida
Vida do
personagem e de que “O “0 homem do Sapato Branco”
Branco” foi o exemplar mais famoso —, –,
graeas àa ação
como passa da fama ao anonimato, graças aoao dos meios de comunicação.
comunicaeao. Afinal,
Afinal,
deveu—se ao concurso promovido pela TV, o seu sucesso àa ima-
o seu aparecimento deveu-se ima—
gem que, posteriormente, foi explorada em comerciais e em novelas de grande audi-
encia, e a decadência
ência, decadéncia àa divulgação
divulgaeao que um jornal popular — –O0 Dia —
– promoveu de um
eseandalo em que se envolveu com seus vizinhos
escândalo Vizinhos na Penha, subúrbio
subfirbio onde vivia.
Vivia.
emissao reproduzida pelo filme,
Trazendo para o bairro, segundo a emissão filme, hábitos
habitos co-
eo—
subfirbios —
muns na zona sul, mas ausentes do cotidiano dos moradores dos subúrbios – como por
maio ou em trajes sumários
exemplo andar de maiô sumarios pelas ruas —,
–, Marlene Cardoso passou a
Vizinhos e isso vai culminar com uma espécie de linchamento que
ser execrada pelos vizinhos
sofre ao ir lavar o carro novo, ganho no concurso, vestindo short e uma blusa que
deixava a barriga àa mostra.
Todo este enredo, que apresenta a televisao
televisão como construtora de mitos e os jornais
jornais
populares como responsáveis
responsaveis pela criação
criaeao de excepcionalidade
exeepcionalidade para o seu conteúdo,
contefido,
discussao da dimensão
introduz a discussão dimensao imaginária
imaginaria dos meios de comunicação
comunieaeao nos idos de
1960 na cidade do Rio de Janeiro.
1960
Dezesseis anos depois da primeira emissão
emissao da TV, em 1967,
1967, ja esta longe o tempo
já está
improvisaeao marcava as emissões.
em que a improvisação emissoes. Entre 1967
1967 e 1979,
1979, a venda de televiso-

História Cultural da Imprensa — 177


res em preto-e—branco 24,l% (Mattos, 2002:83).
preto-e-branco aumenta 24,1% 2002283). Nos anos 1960,
1960, a televisao
televisão
adotara a estratégia de popularizacao
adotará popularização da sua programacao,
programação, capitaneada pelo aumento
tambe’m pela politica
de consumo possibilitado também cre’dito. Por outro
política expansionista de crédito.
autoritario, os veículos
lado, frente a um regime autoritário, veiculos de comunicação
comunicacao passam a exercer
ideologicos, mas para isso ée’ preciso criar publico.
papel de difusores ideológicos, criacao
público. E essa criação
tambe’m se dá
também (121 via adoção
adocao de estratégias de popularizacao
popularização a partir de uma série
serie de
mudancas na programacao.
mudanças programação.
As telenovelas, os programas que apelam aos valores dos grupos populares — – pro-
movendo, por exemplo, a míticamitica do casamento (“Casamento
(“Casamento na TV”,TV”, com Raul
Longras); realizando os sonhos de futuro, premiando a performance
performance e valorizando o
pretenso conhecimento (“O (“O Céu
Ceu é o Limite”,
Limite”, com Jota Silvestre); humorísticos
humoristicos (como
“Balanca mais não
“Balança nao cai”,
cai”, que constrói
constroi a cena imagética
image’tica para as vozes que ja já habitam o
publico atrave’s
público através das emissoras de radio),
rádio), introduzindo o chiste, a estetica do grotesco,
estética
midiatica —,
incluindo a excepcionalidade na cena midiática –, tudo isso faz com que a TV alcance
um publico
público expressivo ja de’cada de 1960
já na década 196042.
42
.
Ha que se ter em conta que o publico,
Há multiplos
público, como consumidor cultural, realiza múltiplos
usos dos materiais disponibilizados. Dessa forma, a televisao nao se reduz ao papel de
televisão não
significados plu-
indutor e formador da realidade social. Produzindo e reproduzindo significados
rais, elaborando respostas para este mesmo publico,
público, a narrativa teleVisual constroi
televisual constrói
re’plicas significativas
réplicas significativas dentro do universo cultural de seu publico.
público.
Apesar disso, não
nao se pode retirar dos meios de comunicação
comunicacao seu papel de elaborador
de um discurso consoante àa realidade social. Ao difundir uma narrativa do mundo
multiplas possibilidades factuais), a mídia
(selecionada entre múltiplas midia não
nao ée’ mero espelho da
realidade, realizando sempre um trabalho de producao significados, determinantes
produção de significados,
constituicao daquilo que chamamos realidade.
na constituição
A narrativa imagética
imagetica instaura, por outro lado, um paralelismo sem precedente na
temporalidade em cena pelo ato de narrar. Há Ha a construção
construcao da coincidência
coincidéncia entre o
tempo do ato de narrar e o tempo do texto de contar. A ação acao se dáda no instante da
producao do ato elocutório,
produção elocutorio, fazendo com que o narrador seja associado aos eventos,
transformando—o em testemunha. A narrativa da teleVisao
transformando-o televisão — género for
– seja ela de que gênero
— transicao entre a experiência
– produz a transição experiéncia que precede a construção
construcao do texto e a experi-
experi—
encia que lhe ée posterior (a do publico)
ência so ganha sentido quando passa a figurar
público) e só
espe’cie de suspensão
nesse novo mundo. Introduz uma espécie suspensao do tempo — – o presente do
telespectador —
– por um passado que agora estáesta na tela e ée’ apresentado como presente

42 Não
42
Néo é objetivo deste livro
Iivro a história
histéria da televisão.
televiséo. Entretanto, não
néo é possível
possivel falar em história
histéria da imprensa
sem se referir, mesmo que brevemente, à a televisão.
televiséo. Sobre o tema,
tema, cf.
cf. os
05 trabalhos de Caparelli,
Caparelli, Mattos e
referéncias completas,
Sodré. Para referências completas, ver Bibliografia.
Bibliografia.

178 — Novos atores em cena


Vivido, instaurando “o
vivido, “o mundo das coisas
eoisas contadas”
contadas” (Ricouer,
(Ricouor, 1995:115-116).
1995:115-116). Nosto
Neste
sontido, não
sentido, nao há
ha diferença
diforenoa entre
ontro narrativa ficcional ou não-ficcional.
nao—ficcional. Daí
Dai tambom
também o
embaralhamonto de
embaralhamento do significações
significaeoos quequo o publico
público produz em
om relação
rolaeao aos gêneros
gonoros
tolevisuais,
televisuais, misturando ficcional eo factual.
Na casa do tolespoctador, diaria, irrompem imagens que
telespectador, na sua rotina diária, quo colocam em
om
cona o ficcional,
cena ficcional, com todos os jogos tomporais, interpolando-o a partir desse
temporais, interpelando-o dosse lugar, eo
construindo uma tossitura enrodo que
tessitura do enredo quo remete
romoto às
as suas exigências
exigéncias eo atende
atondo às
as neces-
nocos—
sidados de
sidades do expressão
oXprossao nas suas experiências
oXporioneias privadas. Neste sentido,
sontido, podomos
podemos dizer
quo o
que 0 tom coloquial, a simulação
simulaeao de diálogos
dialogos eo a construção
construoao de porsonagons arranca—
personagens arranca-
eomum não
dos do mundo comum nao devem
dovom ser
sor explicados
oxplicados apenas
aponas como simulação
simulaoao do quequo ée
familiar para o publico,
público, eo sim como exigência
oxigéncia dos telospoetadores, quo a partir do
telespectadores, que
toxto compoom sua propria
texto compõem oXprossiVidade.
própria expressividade.
Expressividade que quo faz das pratieas oralidado a forma mais contundente
práticas da oralidade contundonto do
dialogo comunicacional. Assim, a sua construção
diálogo construoao imagética
imagetiea se
so estrutura sempre
sompro em
modos quequo recuperam
rocuporam a materialidade
matorialidade da oralidade.
oralidado. O improviso da cena, como re- re—
prosonto, produz a sensação
curso ao tempo presente, sonsaeao dedo imediatismo e pormito, mosmo
permite, ao mesmo
tempo, transcrever
transerover quase
quaso que
quo simultaneamente
simultanoamonto os sentimentos
sontimontos experimentados
oxporimentados eo suas
cireunstaneias. A retórica
circunstâncias. rotorica do improviso, construída
construida de maneira
manoira frequente
frequento pela toloVi—
televi-
sao, promovo
são, aproximaeao do texto ao sentimento.
promove a aproximação sontimonto. DaíDai a pormissividade
permissividade para a
expressao, emoção,
expressão, emoeao, sentimentalismos
sontimontalismos que irrompem
irrompom muitas vezesvezos uma narrativa que,
om principio,
em princípio, precisaria de distanciamento. Mas a narrativa da toleVisao ontromoia esse
televisão entremeia esso
idoia generalizada
improviso com a ideia gonoralizada de
do documentação,
doeumontaoao, sobretudo
sobrotudo nos toxtos
textos com proton—
preten-
sao àa verossimilhança,
são vorossimilhanoa, considerando, portanto, a falibilidade
falibilidado da memória
memoria do narrador eo
nocossidado de
a necessidade do recorrer
rocorror ao documento
documonto como
eomo prova material da existência.
existéncia.
Ponsar a narrativa da toloVisao
Pensar televisão éo’ trazor
trazer para o centro
contro do debate a questão
questao da cultu-
refloXao sobre o
ra e a reflexão 0 popular. ÉE tambom
também porcober quo toda cultura
perceber que oultura requer
roquor uma ativi-
atiVi—
dado, um modo de
dade, do apropriação,
apropriaoao, uma adoção
adoeao eo uma transformaeao, soj a, um inter-
transformação, ou seja, intor—
cambio instaurado na sociedade.
câmbio sociodado.
So cada discurso possui em si mesmo múltiplas
Se multiplas vozes,
vozos, tambe’m
também o discurso quequo seso
matorializa em significações
materializa significaooos (símbolos,
(simbolos, tradições,
tradieoos, maneiras
manoiras dedo ver
vor e expressar
oxprossar o mun-
mun—
valoros) polos
do, valores) pelos quais os homens comunicam, porpotuam
perpetuam eo desenvolvem
desenvolvom seu
sou conhe-
eonho—
cimonto e suas atitudes
cimento atitudos porante Vida, ou seja,
perante a vida, soj a, a cultura, carrega
earrega dentro
dontro dessas
dossas signi-
signi—
fieaooos vozes
ficações vozos dialógicas.
dialogieas.
Som querer
Sem quoror definir
dofinir eo nem mesmo
mosmo enfocar
onfocar as múltiplas
multiplas discussões
discussoes que
quo se
so desen-
doson—
volvom em
volvem om torno da conceituação
concoituaeao de
do cultura, eo partindo da promissa
premissa da complexidade
concoito (Williams, 2000), ée preciso
do conceito prociso estabelecer
estabolecer filiações
filiaeoos toorieas quo possibili—
teóricas que possibili-
tam um alargamento
alargamonto do olhar sobre
sobro a questão
questao cultural. Nosto sontido, a noção
Neste sentido, noeao de do
oireularidado de
circularidade do Bakthin éo’ fundamental para se enfeixar as múltiplas
multiplas acepções
aeepooos do

História Cultural da Imprensa — 179


identificando—o como
conceito, identificando-o eomo modo de vida
Vida ou modo de luta se quisermos
quiserrnos empregar a
conceituaoao clássica
conceituação classiea de Thompson (1961). A cultura ée’ a experiência
eXperiéneia comum, a forma
aeoes —
como cotidianamente desenvolvemos nossas ações – como processos — – na sociedade.
Ainda que tenhamos
tenharnos que considerar as particularidades desse momento histórico,
historico,
no qual o periodo conteudos veiculados pelos
período de autoritarismo determina muito dos conteúdos
eomunieaeao, há
meios de comunicação, ha que se relativizar esse domínio
dominio a partir da noção
noeao de compe-
compe—
téncia
tência dos publieos.
públicos.
duvida, as consequências
Sem dúvida, consequéncias do periodo autoritario para a imprensa foram mui-
período autoritário
tas. Se, por um
urn lado, cria
eria condições
condieoes para a popularizaeao
popularização da televisao
televisão —– ja
já que este
meio ée essencial para a divulgação
divulgaoao de uma imagem
imagern de Brasil moderno, ainda que àa
reforoo da tecnoburocracia
custa do reforço tecnoburoeracia estatal e o alijamento
alij amento do poder de parte substan-
substan—
cial da sociedade civil —,–, por outro faz com
corn que o pais urn periodo
país viva um dramatico no
período dramático
que diz respeito àa censura aos meios de comunicação.
comunicaeao. Mudanças
Mudaneas essenciais na politi—
políti-
economica, por exemplo, como a internacionalização
ca econômica, internaeionalizaeao da economia, são sao decididas
sem incluir neste debate os grupos interessados. O mesmo se dá da em relação
relaoao àa politica
política
fiscal, agrícola,
salarial, fiscal, agricola, educacional etc. O 0 processo decisório
decisorio que o governo adota
ehega ao conhecimento do restante da populaoao
sequer chega 1986:242). Por ou-
população (Singer, 1986:242).
comunicaeao são
tro lado, para esse mesmo governo os meios de comunicação sao fundamentais na
divulgaeao de premissas fundamentais para a construção
divulgação construeao de um Brasil que só so existe
diseurso ideológico.
no discurso ideolégieo.
A popularidade dos meios de comunicação,
comunicaeao, portanto, ée essencial —
– notadamente o
audiovisual —– para a construção
construoao de um pensamento único
unico num regime de ausência
ausencia de
democracia no plano politico
político e onde vigora o controle rigoroso da sociedade politica
política
relaeao àa sociedade civil.
em relação
Num cenário
cenario em que a imprensa desempenha papel decisivo na construçãoconstrueao do
debate politieo, ha que apartar das publicações
político, há publicaeoes esse tipo de conteúdo,
conteudo, alijando
alij ando o gran-
de personagem atéate então
entao existente nos jornais —
– a polemiea
polêmica —
– das publicaooes.
publicações. O mote
modernizaoao e da inclusão
da modernização inclusao dos periodicos
periódicos num tempo de modernidade é, e’, portan-
to, fundamental para a sua adaptação
adaptaeao num cenário
cenario de controle e pressoes.
pressões.

politica: uma simbiose histórica


Imprensa e política: historica

analise, ainda que passageira, dos ideais dos jornais


Uma análise, de’cada ante-
jornais desde a década ante—
rior e da campanha empreendida pela imprensa que culminará
eulminara com o suicídio
suicidio de
Getulio Vargas, em 1954,
Getúlio 1954, bem como
eomo o papel da imprensa no periodo
período anterior ao
1964 mostra a simbiose que a imprensa carioca
Golpe de 1964 carioea tern
tem com os temas e a
polémica politiea.
polêmica política.

180 — Novos atores em cena


Os jornais constroem e referendam um discurso que faz da eloquência
eloquencia arma poli-
polí-
tica, valendo-se
valendo—se da retórica
retorica intempestiva e emocionada
emocionada43.
43
1ado, articulam
. Por outro lado,
concepcao que visualizam
uma concepção Visualizam os leitores
1eitores como sujeitos quase passivos diante da
noticia, cabendo àa imprensa o pape1
notícia, papel de induzi-los a pensar e, em consequência,
consequencia, atuar
como atores politicos. Ha ainda que se acrescentar a reprodução
políticos. Há reproducao de um discurso
bacharelesco, falando como oradores e portadores de um ideal de verdade, defendido
como fundamental para a consecução
consecucao da justica.
justiça. Os jornais se autoinstituem como
formacao do leitor.
lugares de formação 1eitor. Pelo combate, seja nos editoriais, seja nas notícias,
noticias,
produzem um sentido únicofinico para a cena politica, nao abrindo espaço
política, não espaco ao diálogo.
dialogo.
0 tom autoritário
O autoritario não
nao comporta outras visões,
Visoes, além
ale’m daquelas defendidas pelo pe-
riodico, multiplicando notícias
riódico, noticias em que reproduzem uma tematica finica —
temática única – o discurso
oposicao —
de oposição proposito de impor uma percepcao
– com o propósito percepção do momento historico
histórico em que
ViVia (Campos, 1996:60).
se vivia 1996:60).
Segundo Campos (1996), o periodo
período compreendido entre 19501950 e 1960
1960 deve ser
Visto como de intensa oposição
visto oposicao entre dois periodicos:
periódicos: Tribuna da Imprensa e Última
Ultima
Hora. A batalha discursiva entre eles
e1es se intensifica
intensifica na medida em que UH UH se afirma
afirma no
mercado jornalistico
jornalístico como jornal de grande circulação.
circulacao. A partir daí,
dai, uma campanha
treguas, contra UH
sem tréguas, UH e sobretudo contra Getúlio
Getfilio Vargas, na esteira da Tribuna da
Imprensa, ée empreendia pelos mais importantes jornais do Rio de Janeiro que formam
um bloco de poder contra Vargas nos últimos
filtimos meses em que este esteve àa frente do
politica de 1953-54.
Catete, na crise política 1953—54.
As greves de 1953,
1953, a elevação
elevacao dos salários
salarios dos operários,
operarios, no início
inicio de 1954,
1954, a
radicalizacao do discurso oficial
radicalização oficial e a dinamização
dinamizacao da vida
Vida sindical
sindica1 são
sao temas explora-
explora—
maximo pelos jornais para conseguir o apoio dos grupos médios
dos ao máximo medios para o golpe
e, também, a simpatia do proletariado urbano. Os jornais criticam, em uníssono
unissono —–
destoando apenas UHUH —, “corrupcao” do governo em nome da “moralidade”.
–, a “corrupção” “moralidade”. Dez
mudarao, mas a ação
anos depois, os nomes mudarão, acao da grande imprensa será
sera semelhante, ao
“democracia” ao “comunismo”.
opor “democracia” “comunismo”.
repeticao sistemática,
Usando a repetição sistematica, cunhando slogans, individualizando os persona-
1953-54, a corrupção
gens, a imprensa critica, na crise de 1953-54, corrupcao no governo, classifica
classifica os
salarios, especialmente a elevação
aumentos de salários, elevacao do salário
salario mínimo
minimo em 100%,
100%, como
ameaca ou como “aberrante
ameaça “aberrante subversão
subversao de todos os valores profissionais”,
profissionais”, ja
já que pro-

43 Exemplo deste papel pode também ser recuperado,


43
recuperado, como vestígio,
vestigio, a partir da análise
anélise da série “JK”,
“JK”, trans-
trans—
mitida pela Rede Globo de Televisão
Televisao (2006).
(2006). Na trama ficcional,
ficcional, mas que tem a pretensão
pretensao de reproduzir um
período
periodo histórico
histérico “real”,
“real”, os meios de comunicação
comunicagao são
sao atores secundários,
secundarios, mas sempre presentes em cena. cena.
A televisão
televisao pode transmitir a primeira missa realizada em Brasília;
Brasilia; o
0 rádio
radio é o palco para a fala de Carlos
Lacerda, ao mesmo tempo em que outros personagens leem, leem, em voz alta,
alta, a transcrição
transcricao dos discursos políti-
politi-
cos e das críticas
criticas dos partidos de oposição,
oposicao, notadamente a UDN,
UDN, à a política
politica desenvolvimentista de JK.
JK.

História Cultural da Imprensa — 181


“elevacao do custo de vida”
duz a “elevação Vida” e a “desestabilização
“desestabilizacao da economia”.
economia”. Essas campa-
campa—
nhas desgastam, profundarnente, imagern do governo, levando ao pedido de
profundamente, a imagem
Getfilio, em
impeachment de Getúlio, ern junho de 1954,
1954, rejeitado pela maioria dos parlarnenta—
parlamenta-
res, e àa imposição
irnposicao da renúncia
renfincia do Presidente, o que culmina com o seu suicídio,
suicidio, em
agosto daquele ano.
A grande imprensa do Rio, nesse episódio,
episédio, defende os interesses dos grupos que
dao sustentacao
lhe dão sustentação e prepara o clima sociopolitico, de forma a legitimar a interven-
sociopolítico,
cao em
ção ern curso, criando uma atmosfera de desfecho urgente para a crise, a partir do
atentado da rua Toneleros.
pais, segundo o Didrio
O país, Diário de Noticias, sente—se “insultado
Notícias, de 6 de agosto, sente-se “insultado com o
barbaro assassínio”.
bárbaro assassinio”. O Globo acrescenta: “Novas
“Novas revelações
revelacoes sobre o revoltante aten-
aten—
tado.” O Correio da Manhd
tado.” Manhã em manchete destaca “a “a multidão
multidao que acompanhou a pé o 0
assassinado”. O Didrio
major assassinado”. Diário Carioca procura evidenciar a reação
reacao do pfiblico, gene—
público, gene-
reacao: “Chorou
ralizando a reação: “Chorou a cidade: indignados os militares.”
militares.” E completa: “Povo
“Povo
rua.”44
chora, ajoelha e grita na rua.” 44

Apenas com essas manchetes, percebe-se que os jornais procuram generalizar as


reacoes ao atentado, imputando a toda a populacao
reações população — identificada pelas palavras povo,
– identificada
multidao e cidade —
multidão urn atentado que deve ser visto
– a revolta por um Visto como
corno brutal, bárbaro
barbaro
e revoltante.
Ale’m
Além disso, publicarn mate'rias em que mostram a reação
publicam matérias reacao dos politicos, Forcas
políticos, das Forças
Armadas e da Igreja, criando um
urn clima
clirna de aparente unanimidade nacional contra o
atentado e contra o Governo. A multidão,
multidao, segundo os periodicos, “gente de todas as
periódicos, “gente
classes”, o
classes”, 0 povo, a cidade, o pais nacao condenam o
país e a nação 0 crime. Anoticia
A notícia do Correio da
Manhd, “Aos gritos pedia a multidão,
Manhã, “Aos multidao, vamos
varnos ao Catete”,
Catete”, ée’ representativa para mostrar
clirna.
este clima.

“O corpo do major Vaz ficou


“O ficou exposto emern câmara
camara ardente no Clube da Aero-
nautica (...). Foi levado pelo povo, em cortejo fúnebre:
náutica ffinebre: verdadeira multidão,
multidao, com-
posta de gente de todas as classes. Abrindo o cortejo uma faixa com a seguinte
inscricao: Para honra da nação
inscrição: nacao confiamos
confiamos que este crime não nao fique
fique impune (...).
Saindo do Clube da Aeronautica
Aeronáutica o cortejo ganhou aaAvenida Lenta—
Avenida Rio Branco. Lenta-
Inulheres, militares e civis
mente foi seguido. Homens e mulheres, ciVis avançaram
avancararn silenciosos
Algue’m sugere: Pelo Catete!
(...) Alguém Catete! Vamos passar pelo Catete!
Catete! A sugestão
sugestao contagia
Erguem—se vozes de revolta incontidas. E o cortejo prossegue em carro
o povo. Erguem-se
funerario. A pé.”
funerário. pé.” (Correio da Martha, 1954, p. 1-2)
Manhã, 6 de agosto de 1954, 1—2)

44 Cf. edições
44
edicoes do Diário
Diério de Notícias,
Noticias, Diário
Diério Carioca,
Car/00a, O Globo e Correio da Manhã
Manha" de 6 de agosto de 1954,
1954, p.
p. 1.
1.

182 — Novos atores em cena


fidedignidade a partir do relato, o jornal mostra, pela descrição
Procurando criar fidedignidade descricao
pormenorizada, o repúdio
repudio da população
populacao ao atentado e a coragem dos que se opõem
opoern ao
climax do texto ée construído
Governo. O clímax construido a partir da descrição
descricao da reação
reacao da populacao
população
que engloba, de forma indeterminada, homens e mulheres, civil e militar. A0 Ao lado de
Forcas Armadas, um homem do povo fala de sua esperança,
um representante das Forças esperanca, que,
otica do jornal, reproduz a de toda a populacao:
na ótica “F e num
população: “Fé nurn Brasil mais livre e mais
limpo”, na medida em que esteja “livre
limpo”, “livre do poder corrupto.”
corrupto.”
1964, que culminaria com a deposição
Dez anos depois, na crise de 1964, deposicao do presidente
Joao Goulart, também
João tambe’m a imprensa exerce papel de personagem politico
político central no
desenrolar da trama. Nesse contexto, as divergências
divergencias entre a Tribuna da Imprensa, de
Ultima Hora, de Samuel Wainer, assumem lugar central.
Carlos Lacerda, e a Última
Esse embate deve ser entendido como ação acao de forças
forcas concorrentes pela formula-
9510 ou
ção cu conservação
conservacao de uma dada visão Visao do mundo social. Assim, esses periodicosperiódicos
lutam por hegemonia, no sentido de Gramsci, tentando conquistar o poder simbólico sirnbolico
de fazer ver e fazer crer, predizer e prescrever, dar a conhecer e fazer reconhecer
19902174). A lógica
(Bourdieu, 1990:174). logica discursiva — criticas, confrontos e campa-
– envolvendo críticas, campa—
nhas entre os jornais — veiculos afirmarem
– é determinada pela necessidade de os veículos afirrnarem suas
concepcoes e legitimarem a identidade construída,
concepções construida, na qual se sobressai a imagem de
opinioes. Concorrem, pois, pelo papel de divulgador, estruturador e
formador de opiniões.
Visoes de mundo da sociedade. Dessa forma,
centralizador das visões forrna, mesmo em confronto,
estao situados em campos idênticos.
estão identicos. O que sobressai ée’ o jogo retórico
retorico e teatral das diferen-
diferen—
cas e oposições,
ças oposicoes, para exercer o monopólio
monopolio da enunciação
enunciacao legítima,
legitima, na qual está
esta embutida
afirrnacao de um ponto de vista
a afirmação Vista particular para o restante da sociedade, elaborando,
forrna, representação
dessa forma, representacao igualmente
igualrnente tida como
corno legítima
legitima (Bourdieu, 1989:175).
1989: 175).
As ve’speras do golpe militar de 1º
Às vésperas 10 de abril de 1964,
1964, a Tribuna da Imprensa regis-
regis—
Joao Goulart na Associacao
tra o discurso de João Associação dos Subtenentes e Sargentos, no qual
enfatiza a necessidade de reformas, como um sinal de que o presidente teria se procla—
procla-
“ao lado da sedição
mado “ao sedicao e da subversão”,
subversao”, prestigiando pessoalmente “o “o processo de
insubordinacao de soldados e sargentos das Forças
insubordinação Forcas Armadas” “va—
Armadas” e, assim, negado a “va-
eficacia às
lidade e eficácia as leis que regulamentam
regularnentam os militares, que regem
regern as relações
relacoes entre
comandados”. E continua:
comandantes e comandados”.

“so reconheceu a validade e a eficácia


“Só eficacia dos sindicatos e demais entidades
cupulas comunistas. Foi um festival de demagogia e
controladas pelas cúpulas
indisciplina. (...) Agora no Automovel
Automóvel Clube, os sediciosos e o0 Sr. João
J0510 Goulart
estiveram juntos e unidos. Caíram
Cairam as máscaras
mascaras e as distâncias.
distancias. Os sargentos,
os fuzileiros navais, os soldados da minoria sediciosa puderam, enfim,
enfim, reve-
reve—
renciar o seu comandante — – presente de corpo e de espírito.”
espirito.” (Tribuna da
Imprensa, 3131 março
marco de 1964,
1964, p. 1)
l)

História Cultural da Imprensa — 183


Exe’rcito articulado e aliado a setores conservadores desfecharia o golpe contra
O Exército
o governo Goulart no dia seguinte, tomando o poder. A imprensa, quase de forma
unanime (a exceção
unânime excecao representativa ée a do jornal Última
Ultima Hora), dá
da “vivas”
“Vivas” àa ação
acao dos
afirmando, em inflamados
militares, afirmando, inflamados editoriais, a legitimidade do movimento. Um
exemplo ée’ o0 editorial publicado na Tribuna da Imprensa intitulado “Pela
“Pela recuperação
recuperacao
Brasil”.
do Brasil”.

“Escorracado, amordaçado
“Escorraçado, amordacado e acovardado deixou o poder como imperati-
legitima vontade popular, o
vo da legítima 0 sr. João
J0510 Belchior Marques Goulart, infame
lider dos comuno-carreirista-negocistas-sindicalistas.
líder comuno—carreirista—negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatu- gatu—
historia brasileira ja
nos que a história J0510 Goulart passa outra vez àa
já registrou, o sr. João
historia, agora tambe’m
história, também como um dos grandes covardes que ela elaja conheceu”.
já conheceu”.
(Tribuna da Imprensa, 2 abril de 1964, 1964, p. 1)l)

Fazendo eco a esta posicao


posição politica
política —– como se constituíssem
constituissem uma mesma
materialidade textual tal ée a semelhança
semelhanca entre as opiniões
opinioes —,
–, outros periodicos,
periódicos, que
pouco tempo depois se colocariam como opositores ao regime, apoiam integralmente
acao dos militares. Num texto publicado na pagina
a ação edicao de 1º
página 6 da edição 10 de abril de
1964, sob o titulo
1964, “Nao pode continuar”,
título “Não continuar”, o Correio da Maniac? afirma que o presidente
Manhã afirma
Republica, por ter “se
da República, “se incompatibilizado com seus deveres, com seu juramento,
juramento,
Forcas Armadas, com todos os que produzem e trabalham”,
com o Congresso, com as Forças trabalham”,
“pais para a subversão”,
levara o “país subversao”, para a “beira
“beira da guerra civil
ciVil e até
ate mesmo àa guerra
civil”, não
civil”, nao podendo continuar sendo presidente. E prossegue:
prossegue:

“E demais. O sr. João


“É Joao Goulart destruiu a base da liberdade neste pais. país.
independéncia. Destruiu, por muito tem-
Destruiu os fundamentos da nossa independência.
po, todas as possibilidades do nosso desenvolvimento, tornou difícil
dificil as possi-
financas e a economia do pais,
bilidades de reequilibrar as finanças dificil ain-
país, e mais difícil
da as possibilidades de acabar com a miséria
mise’ria do nosso povo, àa qual acaba de
desgraca de um conflito
acrescentar a desgraça conflito fratricida. É
E culpado de um monstruo-
monstruo—
so crime politico.
político. Nao
Não pode continuar presidente da República”.
Republica”. (Correio da
Manhd,
Manhã, 11 de abril de 1964,
1964, p. 6)

A grande imprensa, quase em uníssono,


unissono, continua apoiando o movimento militar.
Com o0 editorial Vitória,
Vitoria, o Correio da Manhd
Manhã enfatiza:

“A nação
“A nacao saiu vitoriosa
Vitoriosa com o afastamento do sr. João
J050 Goulart da Presi-
dencia da República.
dência Republica. Nao possivel mais suportá-lo
Não era possível suporta-lo em consequência
consequencia de
administracao que estabelecia, em todos os setores, o tumulto e a
sua nefasta administração
pais foi vítima
desordem. O país Vitima de uma terrível
terrivel provacao
provação que abalou a sua pro—
pró-
democratica”. (Correio da Mani/1d,
pria estrutura democrática”. Manhã, 1º1°abril 1964, p. 1)
abril de 1964, 1)

184 — Novos atores em cena


Mais adiante se coloca no papel de vigilante
Vigilante da ação
acao democrática.
democratica. Cabe, na cons-
cons—
trucao Vigente, àa imprensa ser guardiã
trução vigente, guardia da Constituição.
Constituicao. Mais do que o poder de infor-
infor—
mar, de formar, os jornais se autoatribuíam
autoatribuiam a função
funcao de vigilante
Vigilante das liberdades demo-
demo—
craticas. Têm,
cráticas. Tem, sobretudo, função
funcao política.
politica.

“TodaVia, estamos em nossos postos, prontos para defender a Constituição,


“Todavia, Constituicao,
o Congresso Nacional, a democracia, a liberdade. O afastamento do sr. João
Joao
nao justifica
Goulart não excecao. Nao
justifica de modo algum um regime de exceção. Não justifica Vio—
justifica vio-
léncias nem crimes cometidos contra a liberdade individual e coletiva.”
lências coletiva.”

Assim:

“Nao admitimos —
“Não isencao que para se restau—
– e o fazemos com autoridade e isenção restau-
restabeleca o arbítrio
rar a disciplina se restabeleça arbitrio de quem quer que seja. Nao
Não podemos
restrinj am a liberdade de imprensa, a liberdade de
consentir que levemente se restrinjam
reuniao, a liberdade sindical, a liberdade partidaria,
reunião, partidária, ou melhor, que sofra o
arranhao a livre manifestação
menor arranhão manifestacao das ideias. (Idem,
(Idem, ibidem. Grifos nossos)

A imprensa se percebe, pois, como ator politico


político consciente e atuante, portador de
missao essencialmente política
uma missão politica (Aldé,
(Alde’, 1997:40).
1997240). É
E nesse papel que se arvoram a
nao admitir e a não
não nao poder consentir, se autoatribuindo um lugar de poder muito maior
do que o0 de qualquer outra instituição.
instituicao.
1992), os jornalistas
Como comunidade interpretativa (Zelizer, 1992), jornalistas se instituem como
transmissores de conhecimentos, mas sobretudo como orientadores acerca de padroes
padrões
de comportamento e padroes politicos. A imagem de porta—vozes
padrões políticos. legitimos da popula-
porta-vozes legítimos
950 ée fundamental para que tenham direito, na sua argumentação,
ção argumentacao, a apresentar inter-
pretacoes legitimas do mundo.
pretações legítimas
No dia 2 de abril de 1964,
1964, numa edição
edicao em que estampa a manchete “Empossado
“Empossado
Presidencia”, logo abaixo de um intertítulo
Mazzilli na Presidência”, intertitulo que informa “fugiu
“fugiu Goulart e
esta sendo restabelecida”,
a democracia está restabelecida”, tambe’m
também O 0 Globo enfatiza o fato de o
0 movi-
Forcas Armadas ser a possibilidade de volta da democracia. Em um edito-
mento das Forças edito—
rial na primeira pagina,
página, sob o titulo
título Ressurge a Democracia!, sentencia:

“Vive a Nacao
“Vive unir—se todos os patriotas,
Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se
Vinculacoes politicas,
independente de vinculações opiniao sobre problemas
políticas, simpatias ou opinião
isolados para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças
Gracas a
decisao e ao heroísmo
decisão heroismo das Forças
Forcas Armadas, que obedientes a seus chefes de-
Visao dos que tentavam destruir a hierarquia e a discipli-
monstraram a falta de visão discipli—
na, o0 Brasil livrou-se do Governo irresponsável,
irresponsavel, que insistia em arrastá-lo
arrasta-lo para
contrarios a sua vocação
rumos contrários vocacao e tradições”.
tradicoes”. (O
(0 Globo, 2 abril de 1964,
1964, p. 1) 1)

História Cultural da Imprensa — 185


Neste mesmo
mesrno dia, o Correio da Maniac? invasao dos jornais
Manhã noticia a invasão jornais Tribuna da
Imprensa e O Globo por uma tropa de choque de fuzileiros navais.

“Sob a alegação
“Sob alegacao de que cumpriam
cumpriarn ordens do Governo, tropas embaladas
ernbaladas
do Corpo de Fuzileiros Navais impediram ontem pela manhã
manha a circulação
circulacao de
0 Globo e da Tribuna da Imprensa, invadindo as redações,
O redacoes, paralisando as
maquinas e dando ordens aos funcionários
máquinas funcionarios para que se retirassem.
retirassern. Nos dois
alrnirante Candido Aragao
casos, o almirante ocupa—
Aragão compareceu depois de efetuada a ocupa-
cao, acompanhado
ção, acornpanhado de um assessor portando metralhadora,
rnetralhadora, sendo que no Glo-
adverténcia (sempre com a
bo invadiu o gabinete dos diretores e fez uma advertência
metralhadora apontada) para que não
nao ousassem desobedecer a ordens”.
ordens”. (Cor-
reio da Manhfi, 1964, p. 2)
Manhã, 2 abril de 1964,

nao a ação
No dia seguinte, em editorial, repudia não acao dos militares ao deporem o
0 pre-
rnas a investida contra os jornais, estampando com
sidente, mas corn destaque, na pagina
página 6, o
titulo Basta: fora a ditadura!
título ditadura! O texto, entretanto, investe veementemente contra a des-
des—
truicao dos jornais, deixando clara a aliança
truição alianca entre os periodicos
periódicos que propugnarn
propugnam pelo
legitimo de intérpretes
papel legítimo interpretes da realidade social. E, neste papel, podern
podem tudo falar,
tudo fazer. O0 editorial, na verdade, é um libelo contra o então
entao governador Carlos
Lacerda e a investida da DOPS da Guanabara contra alguns jornais.

“A Divisão
“A Divisao de Ordem
Ordern Política
Politica e Social da Guanabara informa ter descober-
descober—
urn plano dos subversivos, para ocupar e empastelar os jornais, inclusive
to um
esse jornal. Essa informação
informacao não
nao nos assusta. Esses Planos Cohen, pré—fabrica—
pré-fabrica-
dos, ja nao assustam ninguém.
já não ninguem. Apenas enfeitam de colorido histórico
historico as outras
informacoes, admissões
informações, admissoes e confissões
confissoes dessa DOPS, que representa a ordem po-
litica e social do sr. Carlos Lacerda”.
lítica Lacerda”. (Correio da Martha, 1964, p. 6)
Manhã, 2 abril de 1964,

refere—se explicitamente àa invasão


Em seguida, refere-se invasao do jornal Última
Ultima Hora.

“so uma
“Só urna ilegalidade a DOPS nãonao confessa, nem menciona: a invasão
invasao e a
destruicao do vespertino Última
destruição Ultima Hora. Pode-se
Pode—se discordar — corno discorda-
– como
mos — orientacao desse jornal. Mas ée’ um jornal. O ataque a esse como a
– da orientação
qualquer jornal ée’ crime contra a liberdade de imprensa. Advertimos todos os
jornais da Guanabara e do país:
pais: se o0 crime contra aquele vespertino ficar
ficar
acabou”. (Idem,
impune, a liberdade de imprensa no Brasil acabou”. (Idem, ibidem)

O que é importante para os jornais ée’ continuar a exercer o papel de direcionadores


opiniao do pais,
da opinião país, funcionando como atores politicos
políticos privilegiados, ja
já que sua orien-
tacao, sua opinião
tação, opiniao e, sobretudo, seus ecos discursivos ée’ que tornam o mundo real para
o leitor. Assim, se no momento anterior figuram
figuram como adversários,
adversarios, ao ter afetado seu

186 — Novos atores em cena


papel de porta-vozes reconhecidos,
reconheeidos, se unem em favor de um objetivo mais amplo: a
construeao da imprensa como o lugar do exercício
construção exercicio da verdadeira liberdade.

Sob o signo da censura

Analisar o papel da censura


eensura durante os anos 1960-70
1960-70 significa
signifiea também estabelecer
urn diálogo
um dialogo com a memória
memoria construída
construida acerca da ingerência
ingeréncia sobre os meios de comu-
cornu-
nicaeao nesse momento, como bem lembra Aquino (2002:514). A autora afirma
nicação afirma que
alguns trabalhos, elaborados sobre esse periodo eensura eomo urn de seus
período que tem a censura como um
aspectos, acabam, por vezes, construindo uma imagemimagern estereotipada da censura vi- Vi—
constroi a ação
gente durante o regime militar. Essa imagem constrói aeao censória
censoria como unilinear
aleatoria, agindo ao sabor das circunstâncias,
e aleatória, cireunstancias, muito emern função
funeao da ação
aeao de agentes
logica da censura ao momento histórico.
individuais, sem correlacionar a lógica historico. Nessas cons-
cons—
trueoes,
truções, o Estado, entendido como sociedade politica, espe’cie de
política, seria dotado de uma espécie
propria, responsavel
vontade própria, responsável pela condueao
condução dos destinos da naeao.
nação. E, por firm, a im-
fim, im—
prensa vítima
Vitima do algoz censor, que mesmo assim procura brechas para cumprir a sua
“missao” de formar e informar e, por isso, exerce uma luta sem treguas
“missão” tréguas para restaurar
expressao (Aquino, 2002:515).
a liberdade de expressão 20022515).
Ha, portanto, idealização
Há, idealizaeao na forma como se percebe a atuação
atuaeao da imprensa duran-
duran—
te períodos
periodos de exceção.
exceeao. Há,
Ha, tambem, idealizaeao na divulgação
também, idealização divulgaeao recorrente do discur-
so de que a imprensa luta bravamente —– de maneira indiscriminada e genérica
generica —
– contra
aeao da censura.
a ação eensura. Na pratiea, nao é tao
prática, essa luta não unissona, como tambe’m
tão uníssona, também se observam
acornodaeoes. Como uma empresa que procura aferir lucros e ganhos simbólicos,
acomodações. simbolicos, a
construeao de um discurso que a coloca num lugar he—
imprensa se defronta entre a construção he-
propria sobrevivência
roico e a sua própria sobreViVéncia no mercado
mereado jornalistico simbolicos.
jornalístico e de bens simbólicos.
A censura politica,
política, conduzida em momentos de autoritarismo, geralmente age de
nao constante, e de maneira diferenciada em relação
forma intermitente, mas não relaeao aos veícu-
veicu-
cornunicaeao. Desde o golpe de 1964,
los de comunicação. 1964, informa Aquino (Idem: 516), instauram-se
instaurarn-se
meeanismos para controlar as informações
mecanismos informaeoes veiculadas. Há Ha a preoeupaeao
preocupação com o
armazenarnento de informações
armazenamento informaeoes e com a divulgação
divulgaeao que a imprensa poderia produzir
para o publieo.
público. Assim, em 1964,
1964, cria-se
cria—se o Serviço
Servieo Naeional Informaeoes (SNI) e,
Nacional de Informações
final da década,
no final de’cada, estruturam-se
estruturarn-se os centros de informação
informaeao do Exército
Exercito (CIE), da
Aeronautica (D’Araujo, 1994).
Aeronáutica (CISA) e se rearticula o centro da Marinha (CENIMAR) (D’Araújo, 1994).
No periodo irnediatamente após
período imediatamente apos o golpe e até
ate 1968,
1968, a forma mais comum de con-
eon—
trole da informação
informaeao ée o telefonema para as redações
redaeoes de jornais proibindo a divulgação
divulgaeao
noticias. Mas ée principalmente a partir da edição
de notícias. edieao do AI—5 aeao da censura
AI-5 que a ação eensura ée
mais contundente. Aquino (2002) atribui esse fato ao acirramento das tensoes
tensões entre o

História Cultural da Imprensa — 187


instituicoes da sociedade civil e das relações
governo e instituições relacoes no interior da Forças
Forcas Arma-
1980) localizam esse recrudescimento a partir de outu-
das. Outros autores (Marconi: 1980) outu—
1968, dois meses antes da edição
bro de 1968, edicao do Ato Institucional, com a invasão
invasao da Tribu-
na da Imprensa45
Imprensa45 por censores militares. Também
Tambe’m o Jamal
Jornal do Brasil é,e’, no mesmo
periodo, colocado sob censura previa.
período, prévia.

“Enquanto o Presidente Castelo Branco se negava a adotar qualquer me—


“Enquanto me-
violéncias contra jornais e jornalis—
dida restritiva da liberdade de imprensa, violências jornalis-
verificavam aqui e ali, fora dos grandes centros, e pressao
tas se verificavam pressão se exercia
sobre a atividade jornalistica,
jornalística, por parte de autoridades encarregadas da segu-
segu—
ranca. Deve-se
rança. Deve—se registrar, entretanto, que, no seu primeiro estágio,
estagio, o governo
revolucionario evitou obstruir a livre circulação
revolucionário circulacao das ideias, das opiniões
opinioes e das
informacoes.” (Jobim,
informações.” (Jobirn, 1984:25)
1984225)

0 depoimento
O depoirnento de Danton Jobim revela a existência
existéncia de formas de pressao
pressão e contro-
extrapolarn as determinações
le que extrapolam determinacoes do Executivo. Investidos no papel de exercer a
seguranca, os agentes encarregados de fazer funcionar a máquina
segurança, maquina burocrática
burocratica do con-
con—
informacoes agem de forma autoritária,
trole das informações autoritaria, ainda que na pratica nao existam
prática não
respaldern.
medidas legais que os respaldem.
No período
periodo Costa e Silva a situação
situacao se agrava.

“Ja no segundo estágio,


“Já estagio, o período
periodo Costa e Silva, repetiu-se aquela situa-
situa—
cao que se instalaria sob o Governo Provisório
ção Provisorio da Primeira República.
Repfiblica. Co-
mecou a inquietar os círculos
meçou circulos ligados àa segurança,
seguranca, sobretudo militares, o 0 com-
com—
portamento da imprensa. Afirmou—se
Afirmou-se que os jornais e os 03 grandes magazines
nao sintonizavam sua dupla tarefa de informar e orientar com o esforço
não esforco dos
orgaos controlados pelos militares, empenhados em
órgãos eIn fazer frente àa guerra re-
volucionaria; que, ao denunciar violências
volucionária; violéncias dos agentes do Governo ou explo-
explo—
rar os acontecimentos, estimulavam agitadores e contagiavam grupos sociais
vulneraveis àa ação
vulneráveis acao subversiva organizada; que se achando o pais bracos
país a braços
revolucionaria, das quais eram episódios
com a guerra revolucionária, episodios as manifestações
manifestacoes estu-
dantis e os atentados terroristas, não
nao se concebia que a imprensa tratasse tao tão

45 Em outubro de 1961,
45
1961, o então
entao governador da Guanabara, Carlos Lacerda,
Lacerda, vende a Tribuna
Tribuna da Imprensa a
direcao a Mário
Manuel Francisco do Nascimento Brito, que entrega sua direção Mario Faustino e Paulo Francis.
Francis. Pouco
tempo depois,
depois, em 12 de março
marco de 1962,
1962, o jornal é vendido a Hélio Fernandes. Sob sua direção
direcao a Tribuna
Tribuna faz
oposição
oposicao a Goulart,
Goulart, apoia o golpe de 64,
64, mas,
mas, em seguida, passa a combater o governo Castelo Branco.
Branco.
Quatro dias antes das eleições
eleigoes legislativas de 1966, Hélio Fernandes tem sua candidatura a deputado federal
pelo MDB impugnada. Em julho de 1967, por ocasião
ocasiao da morte de Castelo Branco,
Branco, escreve violento editorial
sobre o ex-presidente, que provoca indignação
indignacao nas Forças
Forcas Armadas e o leva àa prisão,
prisao, durante 30 dias,
dias, em
Fernando de Noronha. Ver DHBB,
DHBB, op.
op. cit.
cit.

188 — Novos atores em cena


leVianamente os temas explosivos que vinha
levianamente Vinha expondo não
nao apenas com realis-
realis—
sensacionalista.” (Jobim, Idem,
mo, mas com exagero sensacionalista.” Idem, ibidem)

O argumento usado pelo Governo para a instauração


instauracao da censura coloca em evidên-
eviden-
cia o papel que se atribui naquele momento aos meios de comunicação:
comunicacao: além
ale’m de infor-
“orientar” a populacao,
mar, estes deveriam “orientar” população, tutelados pelo Executivo. Assim, os con-
teudos
teúdos que poderiam servir
serVir de estímulo
estimulo àa oposição
oposicao aos militares deveriam ser alijados
alij ados
publicacoes. O argumento de que se vive
das publicações. Vive um periodo “guerra” (promovida
período de “guerra”
pelos estudantes e pelos “terroristas”)
“terroristas”) serve para justificar acoes de exceção.
justificar as ações excecao.
deflagracao do golpe militar, a grande imprensa
Se, inicialmente, no momento de deflagração
Forcas Armadas formam um bloco hegemônico
e as Forças hegemonico no sentido de conseguir a disso-
disso—
lucao do governo constitucional (o que segundo os atores que participam desse pro—
lução pro-
cesso, ée fundamental para o sucesso do movimento de abril de 1964),
1964), no momento
alianca se dissolve. “A
seguinte essa aliança “A grande imprensa e as Forças
Forcas Armadas, dois fato-
fato—
alianca resultou, em boa parte, a Revolução,
res de cuja aliança Revolucao, por fim
fim se dissociavam.”
dissociavam.”
(Jobim, Idem,
Idem, ibidem)
apos o episódio
Logo após episodio que resultou na morte do estudante secundarista Edson Luís
Luis
Calabouco, há
no restaurante do Calabouço, ha o
0 recrudescimento da ação
acao repressiva contra alguns
jornais. Na edição
edicao de 5 de abril de 1968,
1968, sob o titulo Violéncia, o Correio da Marthe?
título Violência, Manhã
“atos deprimentes contra a liberdade de imprensa praticados
descreve o que chama “atos
pela milícia
milicia armada”.
armada”.

“Reporteres e fotógrafos
“Repórteres fotografos eram caçados,
cacados, ameaçados
ameacados ou agredidos em via Via
publica
pública pelos belequins, quando cumprindo a sua missão.
missao. (...) E culminaram
facanha na hora em que, através
essa façanha atraVés do ofício
oficio do CONTEL, o Governo reti-
Radio Jornal do Brasil, porque esta emissora realizava a tarefa
rou do ar a Rádio
orgao de imprensa, isto é, informar e relatar os
normal e natural de qualquer órgão
acontecimentos”. (Correio da Mani/167,
acontecimentos”. 1968, p. 1)
Manhã, 5 abril de 1968, 1)

No dia seguinte, o jornal denuncia a prisao


prisão de jornalistas:
jornalistas:

“Para não
“Para nao serem fotografados enquanto transportavam mais de 300 pes-
haViam saído
soas que haviam saido do cinema Metro-Copacabana eeArt—Palacio, oficiais e
Art-Palácio, oficiais
soldados do Forte de Copacabana prenderam na madrugada de ontem, na
esquina da AV.
Av. Atlantica
Atlântica com Joaquim Nabuco, um repórter
reporter do Correio da
Manha, um motorista e quatro repórteres
Manhã, reporteres do Jornal do Brasil, levando-os
levando—os para
camioneta”. (Correio da Martha,
o Forte, dentro da camioneta”. 1968, p. 3)
Manhã, 6 abril de 1968,

Na pagina
página 5 publicam a íntegra
integra da Portaria nº
n0 117
117 —
– GB, que proibe acao da
proíbe a ação
Frente Ampla e a divulgação
divulgacao de qualquer atividade
atiVidade dessa Frente. O documento deter-

História Cultural da Imprensa — 189


as autoridades policiais “a
mina às “a prisao flagrante delito de todos quantos forem
prisão em flagrante
Violando a proibicao
encontrados violando 16, item III,
proibição inserta no artigo 16, 111, do Ato Institucional nº
n0
1965, combinado com o disposto no Ato Complementar nº
2 de 27 de outubro de 1965, n0 11 da
data”. Determina ainda a apreensão
mesma data”. apreensao de livros, jornais ou quaisquer publica-
coes que divulguem manifestações
ções manifestacoes de pessoas ligadas àa Frente Ampla. (Correio da
Manhd, 1968, p. 5)
Manhã, 6 abril de 1968,
A censura age — Vivem o cotidiano das
– segundo depoimentos dos personagens que vivem
redacoes neste periodo46
redações período46 —– por meio de telefonemas ou bilhetes encaminhados às as re-
dacoes ou através
dações atraVes da censura preVia,
prévia, normalmente quando o jornal
jornal se recusa a aceitar
necessario maior controle de
as ordens ou por haver o entendimento de que seria necessário
veiculo. Neste caso, os censores instalam-se nas redações
determinado veículo. redacoes e são
sao encarre-
encarre—
gados de vetar, integral ou parcialmente, as matérias,
materias, antes de sua publicacao.
publicação.

“HaVia censura da policia


“Havia atraVes da troca de favo-
polícia e aquela que era feita através favo—
res. Os donos dos jornais telefonavam para o governo pedindo favores e as- as—
tambe’m o governo se achava no direito de telefonar para pedir que nao
sim também não
fossem publicadas certas notícias.
noticias. ÉE muito importante estabelecer o seguinte:
dos jornais diários
diarios brasileiros, só
so quem tem teve censura pre’Via
prévia foi a Tribuna
da Imprensa que iria completar 10 10 anos agora no dia 23 de outubro, e
O Estado de Sãosao Paulo e Jornal da Tarde por 20 meses. Só, so, mais nada. NaoNão
pre’Via em nenhum outro jornal diário.
houve censura prévia diario. Nos semanários
semanarios muita
realmente.” (Fernandes, Hélio.
realmente.” Helio. Depoimento a Marconi, em 22 setembro de
1978, op.
1978, op. cit.:
cit: 167)
167)

fica a cargo das Forças


Se, inicialmente, a censura fica F orcas Armadas (Hélio
(Helio Fernandes em
seu depoimento a Marconi descreve as visitas Visitas recebidas na Tribuna de coronéis
coroneis do
Exe’rcito e outros oficiais,
Exército oficiais, para tentar persuadi—lo
persuadi-lo num primeiro momento e num se- se—
gundo para exercer a censura preVia),
prévia), num segundo momento passa a ser de responsa-
responsa—
Ministe’rio da Justiça
bilidade do Ministério Justica e, finalmente,
finalmente, da Polícia
Policia Federal.
Quanto ao aspecto legal, enfatiza Aquino (op.
(op. cit.:
cit; 519), a única
{mica tentativa de regu—
regu-
lamentacao do exercício
lamentação exercicio da censura preVia introducao de adendos ao
prévia ocorre com a introdução
Artigo 153,
153, § 8º,
8°, da Constituição
Constituicao de 1967.
1967. Esses adendos sãosao introduzidos pelo De—
De-
creto—lei nº
creto-lei n0 1077
1077 de 26 de janeiro de 1970.
1970. A parte final
final estabelece que “não
“nao serão
serao
toleradas as publicacoes exteriorizacoes contrárias
publicações e exteriorizações contrarias àa moral e aos bons costumes”.
costumes”.
0 decreto relaciona eventuais proibicoes
O “um plano subversivo que poe
proibições a “um põe em risco a

46 Cf. Chagas, Carlos. In: 113


46
113 dias de angústia.
angL'Istia. Porto
PortoAIegre: Editores, 1979;
Alegre: L&PM Editores, 1979; Dines,
Dines, Alberto.
Alberto. Depoimen-
to a Marconi (1978), entre outros.
outros.

190 — Novos atores em cena


seguranca nacional”
segurança nacional” e encarrega o Ministério
Ministerio da Justiça
Justica e a Polícia
Policia Federal, por meio
do Conselho Superior de Censura e do Juizado de Menores, de cercear as publica—
publica-
coes, podendo inclusive determinar a busca e apreensão
ções, apreensao de todos os exemplares.
A Tribuna da Imprensa ée’ ocupada por censores militares em outubro de 1968, 1968,
edicao do AI-5. O Jamal
dois meses antes da edição Jornal do Brasil ée’ colocado sob censura previa
prévia
de dezembro de 19681968 a janeiro de 1969.
1969. O Estado de S. S. Paulo e o Jamal
Jornal da Tarde
tem
têm suas edicoes
edições apreendidas pela policia,
polícia, no mesmo periodo. acao censória
período. A ação censéria àa im-
im—
prensa perdura, com intensidade variada, de 1969 1969 a 1978.
1978. No periodo, entao proprie—
período, a então proprie-
taria
tária do jornal Correio da Martha,
Manhã, Niomar Muniz Sodré Sodre Bittencourt, ée presa, ficando
ficando
23 dias em regime de incomunicabilidade. A justificativa
justificativa recai no fato de o0 jornal
ter publicado artigos e reportagens de cunho oposicionista. Em 11 11 de setembro da- da—
quele ano, o jornal ée’ arrendado
arrendado“.. A recapitulação
47
recapitulacao dos fatos que antecederam a mudan-
ca
ça de direcao
direção do periodico
periódico aparece “Retirada”:
no editorial “Retirada”:

“Para inventariar os fatos mais recentes e significativos


“Para significativos recordarei apenas
que no dia 7 de dezembro de 1968 1968 uma bomba de alto teor explosivo foi
agéncia da AV.
atirada contra a nossa agência recem—reformada. A 13
Av. Rio Branco, recém-reformada. 13 do
mes, tivemos a redação
mesmo mês, redacao invadida por policiais, de metralhadoras e
revolveres, para prenderem, não
revólveres, nao a mim, mas ao nosso diretor-superintenden-
diretor—superintenden—
te e redator chefe Osvaldo Peralva, e que sóso foi posto em liberdade no dia 28.
Em 7 de janeiro de 1969,
1969, toda a edição
edicao do Correio da Manhã
Manha foi apreendida,
antes mesmo de ser integralmente impressa, e todos nós nos fomos arrastados ao
carcere, ficando
cárcere, ficando ainda a Casa submetida a regime de terror. A 16 16 de fevereiro
o jornal teve a sua circulação
circulacao suspensa por 5 dias, enquanto a nossa sede, escri-
torios, agencias e oficinas
tórios, agências oficinas gráficas
graficas —– que imprimiam outros jornais
jornais —– foram
interditados pela politica.
política. A 12
12 de março,
marco, em decorrência
decorréncia de todos esses fatos,
a Empresa era compelida a pedir concordata preventiva, a fim fim de evitar
eVitar o pior,
faléncia”. (Correio da Manhd,
que seria a falência”. 11 setembro de 1969,
Manhã, 11 1969, p. 1)
1)

Assim, ainda que haja múltiplas


multiplas formas censórias
censorias àa imprensa, sobretudo no perio—
perío-
do pos-AI-S,
pós-AI-5, háha que se considerar tambem reacao da imprensa tambem
também que a reação também ée
diversificada. Há
diversificada. Ha aqueles que optam por aceitar as ordens que chegam àa redação
redacao por
ha aqueles que de fato sofrem censura preVia
meio de bilhetes e telefonemas; há ha
prévia e há
inclusao no ato censório
aqueles que promovem um discurso de inclusão censorio posteriormente a sua

47 Em 1969
47
1969 o Correio da Manhã
Manha" foi arrendado por um prazo de cinco anos a um grupo liderado
Iiderado por Maurício
Mauricio
Nunes de Alencar, irmão
deAIencar, irméo de Marcelo Alencar,
Alencar, que viria a ser governador do Rio de Janeiro,
Janeiro, ligado à
a Compa-
Compa—
nhia Metropolitana, uma das maiores empreiteiras de obras do país.
pais. O jornal deixaria de circular em 8 de julho
de 1974.
1974. Sobre o período
periodo final do Correio da Manhã,
Manha", cf.
cf. o
0 próximo
proximo capítulo.
capitulo.

História Cultural da Imprensa — 191


existéncia, como forma de se incluir num movimento de defesa do interesse do
efetiva existência,
pfiblico. Para muitos jornalistas e para muitos jornais ée’ mais interessante construir
público.
historia de destemor e de lutas —
uma história identificado como portadores dos anseios
– sendo identificado
do pl’iblico
público — aproximacoes que de fato tem
– do que revelar as aproximações têm com o poder.
A maioria dos jornais curva-se às
as ordens superiores, introjetando
introj etando o discurso
as redações.
proibitivo antes mesmo que ele chegue às redacoes. Já
Ja os que tentam exercer oposição
oposicao
sao
ao regime, são submetidos a acao
à ação da censura, como a Tribuna da Imprensa.

“Vocé pode dizer que havia


“Você haVia um clima de intimidação,
intimidacao, ée verdade. O clima
nao era propicio
não propício ao jornalismo, nãonao era. Mas um jornal, embora seja uma
empresa, ée um negócio
negocio diferente de um supermercado. Se você vocé resolve fazer
um jornal, mesmo que o clima seja intimidativo, enquanto não nao botam a
vocé ée obrigado a gritar. Meu lema sempre foi esse”.
garrucha na sua garganta você esse”.
He’lio citado por Marconi, op.
(Fernandes, Hélio op. cit.:
cit: 60)

A censura prévia
pre’Via exercida por censor enviado
enViado àa redação
redacao ée aplicada
aplieada de modo pon—
pon-
tual e, sobretudo, sem regras claras (Kucinski, 2002:534). Para Kucinski, entretanto,
esses movimentos incidentes de censura sãosao frequentes. Citando o levantamento rea-
rea—
lizado por Paolo Marconi (1979) e as conclusões
conclusoes de Aquino (1990), o autor procura
mostrar que a censura se direciona a uma multiplicidade de assuntos e com uma fre-
quéncia tambem
quência também digna de nota. A frequência
frequéncia e a incidência
incidéncia de bilhetinhos e telefone—
telefone-
mas aos jornais sobre temas proibidos ou sensíveis,
sensiveis, conforme levantamento de Marconi,
atiVidade ampla.
sugerem uma atividade
Para Kucinski, é a falta de regras claras para a aplicação
aplicacao de censura pre’Via
prévia que
leva os jornais a adotarem cada vez mais a autocensura. “Antecipando-se
“Antecipando—se a essas re-
re—
presalias, imprevisíveis,
presálias, imprevisiveis, tentando adivinhar
adiVinhar as idiossincrasias do sistema, jornalistas,
editores e donos de jornais esmeravam-se na autocensura, no controle antecipado e
voluntario das informações”
voluntário informacoes” (Idem: 526). Segundo ele, o exercício
exercicio generalizado da
autocensura, estimulado por atos isolados de censura, determina o padrao
padrão de controle
informacao durante os dezessete anos do regime autoritário,
da informação autoritario, sendo os demais mé-
me-
todos — pre’Via e expurgos de jornalistas —
– censura prévia acessorios e, sobretudo, instrumen-
– acessórios
implantacao da autocensura. Isso tambe’m
tais para a implantação opiniao de Kucinski,
também explicaria, na opinião
“apenas quinze jornalistas terem sido processados por crime de imprensa, a
o fato de “apenas
dem’mcias de corrupção
maioria em casos ligados a denúncias corrupcao ou mandonismo”
mandonismo” (op.(op. cit.:
Cir; 536).
Parece demasiadamente simplista explicar essa falta de envolvimento contra o
inclusao e aderência
cerceamento da liberdade de imprensa e a ampla inclusão aderéncia ao regime auto-
ritario por uma espécie
ritário espe'cie de medo preVio
prévio da censura. Preferimos acreditar que, tal como
estamos mostrando, historicamente o jornalismo e os jornalistas se imiscuem às as cer-
cer—
dai advindas.
canias do poder, procurando as benesses daí adVindas. A construção
construcao de defensores do

192 — Novos atores em cena


intercsses pl’iblicos,
bem comum, dos interesses democraticas é muito mais um
públicos, das liberdades democráticas urn
efeito discursivo — brasilcira —
– no caso da imprensa brasileira sc configura
– do que, de fato, se configura na
pratica.
prática. E esse discurso contribui para a ampliação
ampliacao do pfiblico, atraVés da construção
público, através construcao
sirnbolico onde se destaca o papcl
de um lugar simbólico dc defensores
papel de dcfensores do bem
bcrn comum ec dos
populacao de
anseios da população dc maneira
mancira geral. Com isso, se autoconfiguram
autoconfiguram como interme-
interme—
diarios entre
diários entrc o podcr
poder ec o público,
pfiblico, referendando o seu lugar dedc poder.
Alguns jornalistas — cnfatizando ainda mais a construção
– enfatizando construcao mítica
mitica da profissao
profissão —–
justificam
justificam o posicionamcnto
posicionamento dos jornalistas durante
durantc o pcriodo
período ditatorial, quando a
maioria sesc adequa aos padroes autoccnsura, em função
padrões da autocensura, funcao da “paixão
“paiXao pela profissao”.
profissão”.
elcs, é o fato de
Para eles, dc os jornalistas não
nao conseguirem viver
Viver longe da atividade
atiVidade que faz
com que se comportem de dc acordo com
corn que o que é preconizado pela sociedade
sociedadc poli-
polí-
tica e referendado
rcferendado pela direção
dirccao do jornal.

“Mas a atmosfera da redação


“Mas redacao freia
frcia você,
vocé, porquc
porque o jornalista é um homem
hornem
cxtrernamentc dependente do emprego. Nao
extremamente so do salário.
Não só salario. É
E que o jornalista
é jornalista no fundo porque gosta, porque precisa ser scr jornalista.
jornalista. Ele tern urn
tem um
imcdiato, com a ansiedade do dia seguinte, com
compromisso com o imediato, corn aquela
pontc falci, entre
ponte de que falei, cntrc o ontem
ontern e o amanhã.
amanha. Ele vibra
Vibra com aquilo, é como se
fossc quase uma atividade de arte dele. Ele seria capaz de
fosse dc trabalhar até de
dc
graca. Por que os salários
graça. salarios são
sao baixos? Por isso, porquc
porque o apelo da profissao
profissão é
enorme. Qualquer pessoa quer entrarcntrar na redação
redacao de um jornal, é fascinante.
N50
Não é6’ apenas para se
sc prestigiar, ‘sou
‘sou jornalista, posso dar uma notícia
noticia desse
daquelc”. (Coutto, Francisco Pedro do. Depoimento ao
ou daquele”. a0 CPDOC.
CPDOC. Rio de dc
Janeiro, CPDOC/Alerj, 1998)1998)

Assim, é o simbolismo
simbolisrno que a profissao
profissão desempenha —
– o poder simbólico
simbolico que de
fato possui —, argumentacao do jornalista, que faz com
–, na argumentação corn que todas as ações
acocs sejam
sejarn
desculpadas. ÉE como se
sc tudo fosse
fossc válido,
Valido, desde que assim continue a ser
scr jornalista:
jornalista:

“O que eu estou dizendo é que


“O quc você
vocé entra numa redação
redacao e vê Vé hoje o que
amanha. As
vai sair amanhã. Às vezes, emcm algumas
algurnas redações,
redacoes, há
ha pessoas extremamente
extremamentc
intcligentes, informais. Essa comunicação,
inteligentes, comunicacao, esse
cssc aprendizado informal, apren-
scm saber que está
der sem esta aprendendo,
aprendcndo, isso é fantástico.
fantastico. Nao
Não tern
tem prova, não
nao tern
tem
nada disso. A prova é você,
vocé, como
corno no futebol:
futebolz entrou lá
1a e6 jogou, a prova é essa.
O jornalista é extremamente
extremamentc dependente,
dependentc, e6 tem
tom um
urn cuidado muito
rnuito grande
grandc
atuacao para não
com a sua atuação nao perder o emprego. Porque se so ele
616 perder o empre-
so ele
go, se 616 deixar de ser jornalista, cai numa tristeza profunda”. (Idem, ibidem)
profunda”. (Idem,

Ao ser perguntado como


corno era efetivamente
cfetivamcnte a ação
acao dos jornalistas num
nurn periodo cm
período em
estao submetidos “à
que estão “a rigorosa censura”,
censura”, o jornalista
jornalista argumenta dizendo que jamais

História Cultural da Imprensa — 193


o jornalista consegue dizer o que quer e que neste periodo “brechas” para
período utiliza as “brechas”
memoravel constrói
divulgar o que deseja. Entretanto, no seu ato memorável constroi um
urn discurso subje-
subj e-
ern que de fato não
tivo, em nao responde a questão
questao que lhe ée destinada. Para ele, dizer algu-
sernpre melhor que nada dizer. Com
ma coisa era sempre Corn isso, referenda uma vez mais o
poder individual que possui pelo fato de ser detentor da palavra.

“Se alguém
“Se algue’m for trabalhar num
nurn jornal, numa rádio
radio ou
on numa televisao,
televisão, e
achar que pode escrever ou dizer o que quiser, estáesta redondamente enganado,
nao vai conseguir. Mas nós
não nos sabemos que existem
existern brechas, e isso sempre
sernpre exis-
tira. Toda vontade humana, todo pensamento humano, todo comportamento
tirá. comportarnento
historia da humanidade, sempre encontrou uma forma
humano, ao longo da história
expressao. Nunca conseguiu ser abafado integralmente, ée impossível.
de expressão. impossivel. Da
mesma maneira não nao se inventou até
ate hoje nenhum
nenhurn sistema de poder capaz de
contentar a todos os seus componentes. Isso nãonao existe, nunca existiu, alguém
algue’m
ficar de fora, alguém
vai ficar alguern vai ficar
ficar contrariado. Mas vocêvocé sempre
sernpre encontra
expressao. Você
uma forma de expressão. Vocé pensa: hoje não
nao pude dizer isso, mas
rnas se eu sair
ai mesmo ée que vou dizer zero”.
fora daqui, aí zero”. (Idem,
(Idem, ibidem)

Ha, portanto, no periodo


Há, período posterior ao AI-S orgaos de
AI-5 muito mais autocensura nos órgãos
imprensa do que censura préVia. Decide—se nao
prévia. Decide-se não publicar determinados contefidos,
conteúdos,
“ordens superiores”
obedecendo a “ordens superiores” extremamente vagas que estão
estao mais no imaginário
imaginario
dos jornalistas, do que efetivamente na ação
acao dos detentores do poder. Mas, mesmo
publicacoes em que há
naquelas publicações ha efetivamente censura — –O0 Estado de S. S. Paulo, o
Jamal
Jornal da Tarde, a Tribuna da Imprensa, a revista
reVista Veja,
Veja, além dos jornais da chamada
imprensa alternativa como O 0 Pasquim e Opinião
Opinifio —, acao ée’ diversa, variando de
–, a ação
censor para censor.
Exemplo disso ée o depoimento
depoirnento de Ziraldo, descrevendo a censura no Pasquim,
“certa Dona Marina”,
exercida por uma “certa Marina”, que ele qualifica
qualifica como “pessoa
“pessoa cordial”.
cordial”. Dona
atiVidade na propria
Marina, segundo ele, exercia sua atividade redacao do periodico
própria redação periódico e que o
redacao bebia ao longo do dia, hábito
pessoal da redação habito que tambem
também agradava àa censora.
urn drinque e outro, as matérias
Entre um materias iam sendo liberadas, até
ate’ que a censora foi demi-
tida por não
nao ter vetado uma charge de Ziraldo sobre um quadro de Pedro Americo Américo
op. cit.:
(Aquino, op. cit: 521).
semanario
Em depoimento a Pinheiro Machado, Fernando Gasparian, diretor do semanário
Opinido, explica como
Opinião, corno funciona o sistema de censura pre’Via redacao no caso da-
prévia na redação
quele jornal, havendo inclusive possibilidade de discutir e questionar os cortes com
Vigilancia:
os encarregados da vigilância:

194 — Novos atores em cena


“Mas como a censura era feita ainda na redação,
“Mas redaeao, era possivel
possível discutir e
questionar os cortes —
– e sempre passava alguma
algurna coisa. As ganhavamos
Às vezes, ganhávamos
cansaeo: estávamos
no cansaço: estavamos baixando a matéria
materia de madrugada, por exemplo, às as 3
manha, os censores estavam com
ou 4 horas da manhã, corn sono, acabavam liberando
abreViar as discussões
muita coisa para abreviar discussoes e irem dormir.”
dormir.” (Machado, 1978:27)
1978:27)

Clientelista e ligada ao poder, como forma de construir estratégias empresariais, a


tambem nas décadas de 1960
imprensa, também 1960 e 1970,
1970, faria dessa aproximação
aproximaeao não
nao só
so estratégia
estrate’gia
sobreViVéncia, mas forma
de sobrevivência, forrna para atingir o sucesso. A autocensura passou a ser uma espé-
espe—
cie de palavra de ordem, fundamental para a aproximação
aproximaeao com as cercanias do poder.

“Ha jornais e revistas que realizam a autocensura de modo a merecer


“Há Inerecer até
ate
solueao cômoda.
elogios das autoridades. Optaram pela autocensura como solução Comoda.
Nao cornentario, uma só
Não publicam um comentário, so notícia
notieia que, de algum modo, possa
suscitar o desagrado daqueles que tutelam a imprensa. Muito diferente ée’ a
situaeao dos órgãos
situação orgaos independentes que não
nao se deixam intimidar, que não
nao ab-
ab—
dicarn de suas responsabilidades perante o publico.”
dicam público.” (Neto, Julio de Mesqui-
ta, citado por Marconi, op.
op. cit.:
cit: 61)

A0 comparaoao relativa àa ação


Ao realizar uma comparação aeao da censura em diferentes publicaeoes
publicações
a partir de 1970,
1970, Gláucio
Glaueio Ary Dillon Soares (1989) observa que “as“as proibieoes
proibições foram
Medici, mantiveram-se altas duran-
mais numerosas durante a ditadura de Garrastazu Médici,
te o primeiro
prirneiro ano de Geisel, declinando rapidamente a partir de 1975”.
1975”. Aquino, entre-
entre—
tanto, discorda desse agrupamento de Soares, uma vez que, para ela, o que marca o
periodo censorio ée a diversidade de ações
período censório aeoes e de intensidade em relação
relaeao aos múltiplos
multiplos
veiculos de comunicação.
veículos comunicaeao.
Ao analisar especificamente
especificamente o caso dos jornais Movimento, O
0 Sdo
São Paulo e Tribu-
na da Imprensa, observa que não nao háha o
0 declínio
declinio da ação
aeao da censura, uma vez que a
censura pre’Via so foi abolida em 1978.
prévia só 1978. O jornal Movimento, fundado em julho
julho de
1975, foi censurado desde o seu prirneiro
1975, numero até
primeiro número ate a edição
edieao de número
numero 152,
152, de 5 de
junho de 1978
1978 (Aquino, op.
Op. cit.:
Cit; 529-230).
0 movimento generalizado de autocensura na grande imprensa, do qual partici—
O partici-
pam, no nosso entender, não
nao apenas os proprietarios
proprietários dos jornais, mas tambem
também os jorna-
Inostra que há
listas, mostra ha um altíssimo
altissimo grau de adesão
adesao dos meios de comunicação
comunicaoao“.48
.
A imprensa foi complacente ou ignorou a sistemática
sisternatica ação
aeao repressora, que re-
re—
sultou na morte de milhares de pessoas nas dependências
dependéneias militares do regime. Cons-

48 Cf., sobretudo,
48
sobretudo, Aquino (1990) e Soares (1989).
(1989).

História Cultural da Imprensa — 195


truiu tambern unissono um
também em uníssono urn discurso que destacava os “milagres”
“milagres” econômicos
economicos do
periodo e negava o empobrecimento da populaeao.
período população. Amplificou
Amplificou tambern glorias
também as glórias
fossern de toda a populaoao.
esportivas nacionais como se fossem população.
Claro que háha vozes discordantes, como enfatiza Kucinski (2002), mas essas são sao
pontuais e, de maneira alguma, se constituem como um movimento da imprensa. En-
dissonaneias, Kucinski, aponta no caso da imprensa carioca, a ação
tre essas dissonâncias, aeao de Niomar
Sodre’, proprietaria
Muniz Sodré, proprietária do Correio da Martha,
Manhã, que “se
“se recusa a promover urn ex-
um ex—
purgo no jornal”,
jornal”, sendo presa, como ja capi-
já descrevemos em momento anterior deste capí-
tulo. Aponta ainda as muitas vezes em que Hélio He’lio Fernandes, diretor da Tribuna da
Imprensa, ée preso e a prisão
prisao da equipe de O0 Pasquim, em novembro de 1970.1970.
Ha, portanto, segundo o argumento de Kucinski (op.
Há, (op. cit.:
cit: 545), um processo de de- de—
puraeao de quadros jornalisticos
puração jornalísticos para favorecer
favoreeer o regime, o que não
nao irá
ira ser suficiente
suficiente a
periodo da chamada abertura lenta, gradual e segura. Já
partir do período Ja não
nao basta a autocensura:
agora ée preciso criar um
urn discurso consensual em torno do padrao
padrão de abertura politica
política e
neste papel o discurso jornalistico imprescindivel49.
jornalístico seria, mais uma vez, imprescindível 49
.
Comunicaeao (Secom) da Pre—
Faro (1981) destaca ainda o papel da Secretaria de Comunicação Pre-
sidéncia da República
sidência Republica na construção
construeao desse novo viésVie’s ideológico.
ideologico. Caberia, a partir
(1979—1985), aos comunicadores o “dever
sobretudo do Governo Figueiredo (1979-1985), “dever de moti-
var e conscientizar o publieo
público para obter sua participaeao voluntaria na solução
participação voluntária solueao dos
locais”. (Bases para uma politica
problemas nacionais ou mesmo locais”. comunicaeao
política de comunicação
J050 Batista Figueiredo In: O
social no governo João 0 Estado de S.S. Paulo, 12
12 dezembro de
1979, citado por Faro, op.
1979, op. cit.: 91)
A complexidade
compleXidade da ação
aeao da Secom — contradioao do regime naquele
– que mostra a contradição
debatendo—se entre a necessidade de manutenção
momento, debatendo-se manutenoao do autoritarismo e proje-
liberalizaeao —
tos de liberalização autopromoeao generalizada das ações
– faz da autopromoção aeoes do governo, via
Via
braoos de atuação,
seus braços atuaeao, leia-se
leia—se as assessorias de comunicação
comunicaeao que irão
irao proliferar
decada de 1970,
sobretudo nas empresas estatais na década 1970, um de seus movimentos mais
importantes.
Quanto aos jornais diários
diarios do Rio de Janeiro, cabe assinalar o processo de concen-
traeao por que passariam, fazendo com
tração corn que houvesse cada vez mais, a partir dos anos
1970, um menor número
1970, numero de publicaeoes diarias na cidade. Merece destaque tambem
publicações diárias também
Vigoraria na imprensa popular de grande tiragem, repre-
o novo sensacionalismo que vigoraria
sentada sobretudo por O0 Dia, que mostraremos a seguir.

A história
4"A
49
histéria da aliança
alianga entre os jornalistas e o
0 general Golbery do Couto e Silva durante a abertura é estudada
por Duarte (1987).
(1987).

196 — Novos atores em cena


VIII. Cenários
Cenarios dos anos 1970-80:
Crise do Correio da Manhd
Manhã e novo sensacionalismo

“O
“O Globo publicou no dia 9 deste mês,
més, as
suas declarações
declaracées sobre o
0 caso do Correio.
Corrcio. No
18, o Mauricio
dia 18, Maurício Alencar usou do direito de
dc
resposta. Nao
Não quero que essa polémica
polêmica se travc
trave
nas colunas do O
0 Globo. Estamos asfixiados
asfixiados com
o preco
preço do papel
papcl e estamos comprimindo cada
dia mais o jornal. N510
Não publicarei, também, mais
nada do que pedir o Mauricio
Maurício Alencar. Por isso,
muito a contragosto, deixo de
dc publicar a sua car-
ta. Um abraço
abraco do Roberto”.
Roberto”. (Carta de
dc Roberto
Marinho a Niomar Bittencourt, 21
21 de junho
junho de
1974.
1974. NMS 69.09.07. Documentos CPDOC)

A carta de
dc Roberto Marinho, dono de
dc O
0 Globo, àa proprietaria
proprietária do Correio da Mani/1d,
Manhã,
Niomar Bittencourt,
Bittcncourt, no auge
augc da crise do jornal, que levaria
lcvaria ao seu
scu término dias depois,
cm 8 de
em dc julho de
dc 1974,
1974, serve para introduzir um
urn dos cenários
ccnarios mais expressivos
cxprcssivos da déca-
dc 1970,
da de 1970, na imprensa
imprcnsa carioca: o desaparecimento
dcsaparccimcnto dedc inúmeros
inumcros pcriédicos.
periódicos.
Nos anos 1970,
1970, deixam
dcixam de
dc circular além do Correio da Marthe?
Manhã (1901-1974), o0
Didrio d6 Noticias
Diário de (1930-1976)”,
Notícias (1930-1976) 50
, Didrio (1928-1965)51
Diário Carioca (1928-1965) 51
ec O Jamal
Jornal (1919-

50A
50
A crise financeira do jornal acentua-se
acentua—se na década de 1960,1960, fazendo com que alcance um déficit,
déficit, em 1968,
1968,
de cerca de Cr$ 8 milhões.
milhées. O proprietário
proprietario do periódico
periédico João
Joao Dantas passa o Diário
Diario para Delfim Neto, então
entao
ministro da Fazenda. Pouco tempo depois, o matutino é vendido ao deputado Ricardo Fiúza. Fil’Jza. Em 1974,
1974, o
jornal passa para as mãos
maos de Joaquim Pires Ferreira e, deste, deste, para Olímpio
Olimpio de Campos,
Campos, que o edita até
novembro de 1976,
1976, quando saiu o seu último
L’Iltimo número.
nl'Jmero. Cf. Ribeiro,
Ribeiro, 2000:
2000: 72.
72.
51 Ribeiro (2000: 97-98) identifica o início
51
inicio da crise do Diário
Diario Carioca
Car/00a em 1957,
1957, quando a tiragem média do jornal atinge
menos de 20 mil exemplares. Em 1961, no início inicio do governo de Jânio
Janio Quadros,
Quadros, é vendido a Arnon de Mello,
Mello, político
politico
udenista de Alagoas (pai do futuro presidente Fernando Collor de Melo). Um ano depois, depois, novamente é vendido,
vendido, desta
vez a Danton Jobim. A partir daí, dai, apoia o governo de João
Joao Goulart. A adesão à
Goulart. Aadesao a política
politica trabalhista (expressa no apoio
a JK e a Jango) marca o inícioinicio da decadência
decadéncia do jornal.
jornal. “As
“As tiragens diminuíam
diminuiam conforme o jornal ia perdendo sua
influência
influéncia política,
politica, tradicionalmente identificada
identificada a uma postura oposicionista.
oposicionista. Em 1965,
1965, Horácio
Horacio de Carvalho readquiriu
o jornal, para fechá-lo
ojornal, fecha-Io com a propriedade do título.
titulo. O último
ultimo número
nL’Jmero saiu dia 31
31 de dezembro.”
dezembro.”

História Cultural da Imprensa — 197


1974)52.
1974) 52
Ultima Hora53
. Outros, como Última Hora53 em nada mais lembra o jornal popular dos anos
1950/60, estando em processo de franca decadência.
1950/60, decadéncia.
final da década,
Paralelamente, no final de’cada, em novembro de 1979,
1979, como resultado direto
do realinhamento do pfiblico funcao do processo de concentração,
público em função concentracao, em decorrência
decorréncia
tecnologicas e editoriais entre outros fatores, O
das reformas tecnológicas 0 Globo passa a ser, de
lider em termos de tiragens, ultrapassando a marca dos 400 mil
maneira inconteste, líder
diarios,
exemplares diários, na edicao de 11
edição 11 de novembro de 1979,
1979, 25% a mais do que a média
media
edicées dominicais em 1978:
das edições 1978: 303.279 exemplares (Bahia, 1990:352).
1990:352).
anfincio de O
Vinte e quatro horas depois do anúncio 0 Globo, O0 Dia declara ter vendido
1.598 a mais do que o concorrente. Segundo entrevista
401.598 exemplares, ou seja, 1.598
e’poca, os diretores de O
publicada na época, 0 Globo atribuem o crescimento das vendas a
utilizacao da nova rotativa alemã
diversos fatores, destacando entre eles a utilização alema Gross, que
impressao a cores. “Cada
permitia uma melhor impressão “Cada vez que o jornal usa cor, as vendas
sobem”, diz seu diretor de producao,
sobem”, Joao Roberto Marinho (apud Bahia, op.
produção, João op. cit.:
cit:
353). Nos dias úteis
fiteis a tiragem do jornal ée’ de 220 mil exemplares.
No início
inicio dos anos 1970,
1970, o maior contingente de jornais do pais
país localiza-se em
8510 Paulo (229 jornais e 210 revistas). O
São 0 Rio de Janeiro ocupa a quarta posicao, atras
posição, atrás
do Rio Grande e do Sul e de Minas Gerais, tendo editado naquele ano 39 jornais.
(Vel'culos Brasileiros de Publicidade, 1971).
(Veículos 1971). Em 1978,
1978, estimativas feitas pelo Institu-
to Marplan e pelo Instituto Verificador
Verificador de Circulação
Circulacao indicam que as tiragens médias
me’dias
dos 3131 jornais do pais,
país, incluindo os do Rio de Janeiro, atingem 5.932.648 exemplares.
A média
media de leitor por exemplar ée’ de 4,6. Aos domingos, O 0 Globo tem uma tiragem
media de 265.705 exemplares e o Jamal
média Jornal do Brasil, 253.971. O 0 maior número
nfimero de
leitores por edição
edicao dominical ée atribuído
atribuido a O0 Globo:
Globoz 1l milhão
milhao 726 mil. Na década
decada
seguinte jajá ée’ lido diariamente por 2 milhões
milh6es e 377 leitores, enquanto que OODia
Dia atinge
1l milhão
milhao 962 mil (XXV (XXVESz‘udOS
Estudos Marplan, 1986).
1986).

Após nova reformulação


52Apés
52
reformulacao gráfica
grafica e editorial do jornal,
jornal, realizada sob o comando de Estácio
Estacio Ramos,
Ramos, em 1973,
1973,
no ano seguinte os dirigentes dos Diários
Diarios Associados decidem fechar o jornal,
jornal, pois frente à
a situação
situacao financei-
financei—
ra do grupo optaram por manter no Rio de Janeiro o 0 periódico
periodico de maior patrimônio:
patrim6nio: no caso o Jornal
Jorna/ do
Commercio.
Commercio. Cf. Ribeiro, 2000: 63.
63.
53 Quando ocorre o Golpe de 1964,
53
1964, Última
Ultima Hora vive um processo de plena expansão,
expansao, mas a mudança
mudanca dos rumos
políticos
politicos do país
pais leva Samuel Wainer ao exílio
exilio e termina destruindo o seu império jornalistico.
jornalístico. A UH paulista passa,
passa,
em 1965, para o controle do grupo Folha,
Fo/ha, fechando em 1979.1979. Os jornais nos outros estados também são transfe-
sao transfe—
ridos para outros proprietários
proprietarios ou simplesmente fechados. Só 86 a UH carioca resiste.
resiste. Mas como tem que ir paulati-
namente sacrificando a parte editorial — – reduzindo o número
numero de páginas,
paginas, dispensando grandes colunistas,
colunistas, etc. –,
etc. —,
o jornal perde pouco a pouco leitores. Em abril de 1971,
ojornal 1971 , Wainer vende a UH do Rio por 1,5 milhão
Wainervende milhao de dólares
d6|ares para
o empreiteiro Maurício
Mauricio Nunes de Alencar,
Alencar, da Cia. Metropolitana, mesmo grupo que, desde 1969, 1969, controlava o
Correio da Manhã.
Man/7a. Em 1973,
1973, o jornal passa para um outro consórcio
consércio (a Arca Editora S.A.),
S.A.), dirigido por Ary de
porAry
Carvalho, mantendo-se em atividade ainda por nove anos. anos. (Ribeiro, op.cit.:
op.cit.: 117-118)

198 — Cenários dos anos 1970-80


1950, existem no Rio de Janeiro 22 jornais diários,
Em 1950, diarios, entre matutinos
rnatutinos e vesperti-
numero se reduz para 16
nos. Dez anos depois o número 16 jornais diários
diarios e, no final
final de 1970,
1970,
2002: 18). O que leva ao desaparecimento de um núme-
chega a apenas a sete (Abreu, 2002:18). nume—
tao elevado de jornais? O que faz com
ro tão corn que a década de 1970
1970 seja marcada pelo
sucesso de O0 Globo e de O 0 Dia? Como se dá da a crise e por que ocorre o drástico
drastico
processo de concentração
concentraoao dos jornais diários?
diarios?
A explicação
explicaoao de o
0 desaparecimento estar relacionado ao elevado do custo do pa-
pel (Abreu, op.
op. cit.:
cit: 18)
18) não
nao parece ser suficiente.
suficiente. Outros fatores são,
sao, no nosso enten-
configuraoao do mercado jornalistico
der, determinantes para a nova configuração jornalístico carioca.
A crise do Correio, que descreveremos
descreverernos a seguir, funciona como
corno uma espécie de
metonirnia do processo que leva ao desaparecimento de diversos periodicos
metonímia de’ca—
periódicos na déca-
ingeréncias de natureza politica,
da. As ingerências política, os desmandos administrativos — – resultado
adooao de um modelo
muitas vezes da adoção rnodelo que fazia do clientilismo e do favorecimento
pratica diaria para o sucesso das publicaooes
prática diária publicações —, sornados àa mudança
–, somados mudanoa de cenário
cenario poli-
polí-
tico, econômico
economico e midiático
rnidiatico são
sao responsáveis
responsaveis direitos ou indiretos pelo processo de
concentraeao por que passa a imprensa
concentração irnprensa diária
diaria do Rio de Janeiro.
Frente a um momento em ern que a politica simbolico domi-
política sai de cena como discurso simbólico
nante perante o universo cultural do público,
publico, apartando definitivamente
definitivamente a polémica
polêmica do
noticiario (processo que começa
noticiário corneea na década
de’cada anterior), os diários
diarios assumem
assurnem uma nova face
nao encontra resposta do publico.
que não público. Num momento em que, por força forea da conjuntura
politica, nao há
política, não ha mais pluralidade de espaços
espaoos para o exercício
exercicio de sectarismos e tornadas
tomadas
posioao —
de posição – que resultam a maioria das vezes em ern favorecimentos
favorecirnentos administrativos e
financeiros —
financeiros rnelhor serve naquele momento às
– cabe ao grupo que melhor as elites politicas (ate
políticas (até
porque domina comcorn sucesso outras esferas midiáticas,
midiaticas, incluindo o 0 rádio
radio e a televisao),
televisão),
no caso O 0 Globo, alcançar
alcanear sucesso empresarial
ernpresarial cada vez mais representativo.
Assirn,
Assim, ainda que a crise do petroleo de’cada de 1970,
petróleo na década 1970, fazendo com
corn que o custo
irnprensa passe, em 1971,
do papel de imprensa 1971, de US$ 171.00,
171.00, a tonelada, para US$ 320.00,
trés urn aumento de 187%
três anos depois, representando um 187% (Abreu, op.
op. cit.:
Cir; 18),
18), tenha sido
importante para explicar o desencadeamento do processo de fechamento de muitos
jornais, há
ha que se acrescentar outros fatores, no qual se deve incluir tambem
também a
sirnbolizaeao da palavra impressa numa
simbolização nurna década
de’cada em que a imagem passara
passará a dominar o
publico.
universo cultural do público.
Ao lado disso, a perda da característica
caracteristica historicamente
historicarnente determinante da amplifica-
amplifica—
eao discursiva dos jornais —
ção – a polémica politica —
polêmica política – ée fundamental para a quebra de
referéncias de identificação
referências identificaeao do publico. discussao politica,
público. Se a discussão política, a polérnica,
polêmica, as contro-
ve’rsias estão
vérsias estao definitivamente
definitivamente longe do jornalismo diário,
diario, o publico
público tambem nao en-
também não en—
contra mais os parametros
parâmetros culturais aos quais tradicionalmente identificam
identificarn os jornais
jornais
diarios na sua formatação
diários formataeao narrativa.

História Cultural da Imprensa — 199


Assim, para além
ale’m de motivos de natureza econômica
economica — – o aumento do papel de
consequéncias do chamado “choque
imprensa entre outras consequências “choque do petroleo”
petróleo” —,
–, de natureza
politica —
política alij amento do noticiário
– sobretudo o alijamento noticiario de temas desse universo discursivo, ao
lado das perseguicoes
perseguições que sofrem alguns periodicos
periódicos e que terao consequéncias admi-
terão consequências admi—
significativas —,
nistrativas significativas –, de natureza organizacional —– como por exemplo
configurando uma dependência
favorecimentos e clientelismos, configurando dependéncia econômica
economica baseada
politicos de ocasião
em alinhamentos políticos ocasiao e a visualização
visualizacao dos processos de reforma como
especie de tabua
espécie salvacao para as crises financeiras
tábua de salvação financeiras —, ha que se incluir explicações
–, há explicacoes
questoes de natureza cultural.
que envolvem necessariamente questões

A crise do Correio da Manhd


Manhã

As mudanças
mudancas por que passa a imprensa da cidade se iniciam com uma crise repre-
culminara com o desaparecimento do Correio da Martha,
sentativa e que culminará Manhã, em meados
1970,
dos anos 1970, mas que a rigor ja e
já é sentida desde a decada
década anterior.
Em 7 de setembro de 19691969 ée assinado um contrato entre Niomar Moniz Sodré Sodre’
Bittencourt, diretora proprietaria Manha S/A, desde a morte de seu
proprietária do Correio da Manhã
Mauricio Nunes de Alencar e Frederico A. Gomes da
marido Paulo Bittencourt, e Maurício
Silva, do grupo de empresas que tinha na Cia. Metropolitana de Construções
Construcoes (atuando
no ramo de estradas de rodagem) a sua principal organização.
organizacao. O contrato entra em
vigor no dia 1313 de setembro daquele ano, pelo prazo de quatro anos e cinco meses,
expirar—se no dia 12
devendo expirar-se 12 de fevereiro de 1974.
1974. Por este contrato, a Cia. Metropo-
Metropo—
litana adquire o direito de utilizar o parque gráfico,
grafico, as instalações
instalacoes administrativas, a
redacao na sede e nas sucursais e o título
redação titulo Correio da Marthe?
Manhã para publicar o jornal.
jornal. A
Manha S/A continua em mãos
empresa Correio da Manhã maos de Niomar Bittencourt, que teria
funcao supervisionar a execução
como principal função execucao do contrato (NMS 69.09.07. Resu-
mo da Aplicacao
Aplicação do Contrato. Arquivo CPDOC,
CPDOC, FGV).
construcao de estradas de roda-
O interesse de um grupo empresarial do ramo de construção roda—
gem ée explicado em função
funcao das ligações
ligacoes existentes entre esses empresários
empresarios e o futuro
Mario Andreazza, que possui aspirações
ministro dos Transportes, Mário aspiracoes politicas
políticas maiores.
Para tanto necessita de um jornal para lhe dar sustentação.
sustentacao.

“A história
“A historia ée que eles tinham feito um
urn acordo, de apoiar a candidatura
Andreazza, que tinha o respaldo total do Costa e Silva. Acontece que os plane—
plane-
jamentos existem para não
nao dar certo. Costa e Silva teve o derrame cerebral e
ficou afastado. Mas eles tinham assumido o compromisso e acharam que talvez
ficou
o0 Costa e Silva se recuperasse, e o Andreazza pudesse tocar a candidatura para
entao arrendou o Correio da Mani/167,
a frente. O grupo então divida, botou
Manhã, assumiu a dívida,

200 — Cenários dos anos 1970-80


salarios em dia, porque havia um atraso, e tocou”.
os salários tocou”. (Coutto, Francisco Pedro
do. Depoimem‘o
Depoimento aoa0 CPDOC.
CPDOC. Rio de Janeiro, CPDOC/Alerj, 1998)1998)

A crise do Correio da Martha? de’cadas anteriores. No governo


Manhã se estende desde as décadas
dolar papel para os jornais custava um terco
JK o dólar terço do valor real da moeda americana.
Com isso, os jornais importavam com facilidade de câmbio
cambio grande quantidade de
papel e obtinham maior lucratividade, ja operacao era reduzido.
já que o custo de operação
O Correio da Maniac? reproducao de inúmeros
Manhã materializava essas facilidades na reprodução infimeros ca-
edicoes de domingo, quando vendia, segundo depoimentos da época,
dernos nas edições e’poca, 145
145
mil exemplares.
No governo Jânio
Janio Quadros, além do valor do cruzeiro ter sido desvalorizado em
relacao ao dólar,
relação dolar, acabou o câmbio
cambio favorecido da imprensa. AlemAlém disso, terminou a
isencao do imposto de renda para os jornais e para os jornalistas.
isenção jornalistas. Aliado a tudo isso,
iniciou-se o processo de divisão
divisao do montante de publicidade com outros meios de
comunicacao, como as emissoras de televisao.
comunicação, televisão.

“Isso abalou os jornais, tanto ée que a crise começou


“Isso comecou aí,
a1’, os jornais começa-
comeca—
ram a morrer devido àsas despesas que passaram a ter. (...)
(...)A
A partir de 1961,
1961, em
suma, os jornais passaram a ter que operar como empresas organizadas e,
em sua grande maioria, não nao estavam preparados para isso. Em segundo lu- lu—
televisao —
gar, as emissoras de televisão – havia a TV Rio, a TV Tupi, veio depois a
TV Excelsior, em 65 a Globo —– começaram
comecaram tambem
também a dividir, a tirar fatias
grandes do mercado publicitario.
publicitário. Os jornais começaram
comecaram a ter perdas relati-
relati—
nao se deram conta desse custo que era ao mesmo tempo direto e
vas e não
Manha custou a frear os cadernos em excesso que
indireto. O Correio da Manhã
talvez tivesse”.
tivesse”. (Idem,
(Idem, ibidem)

Ha que se considerar ainda a posicao


Há apos a edição
posição que adotou sobretudo após edicao do Ato
n0 2
Institucional nº 254.
54
Comeca então
. Começa entao a sofrer a pressao
pressão do cerco publicitario.
publicitário.

“O poder público
“O pfiblico era o 0 responsável
responsavel por 30% dos anúncios
anfincios do jornal —–
hoje talvez seja até
ate um pouco mais, nãonao sei —,
–, mas, ao mesmo tempo, as
empresas particulares ficavam
ficavam temerosas de anunciar, porque recebiam tele-
anonimos, ameaças:
fonemas anônimos, ameacas: Você
Vocé está
esta anunciando no Correio da Manhã,
Manha, o
esta nos atacando, você
Correio está vocé amanhã
amanha não
nao espere a concorrência
concorréncia tal, não
nao
cre’dito tal... O Correio da Manhã
espere o crédito Manha começou
comecou a ter a sua receita

54 Em reação
54
reacao a essa postura oposicionista,
oposicionista, em 7 de dezembro de 1968 uma bomba foi jogada numa agência
agéncia
do jornal,
jornal, e em janeiro de 1969 Niomar Moniz Sodré Bittencourt foi presa,
presa, juntamente com os jornalistas
Osvaldo Peralva e Nelson Batista.
Batista. Ver DHBB, op.
op. cit.

História Cultural da Imprensa — 201


restringida por esse motivo, e tambem
também pelo fato de não
nao se ter ajustado anteci-
padamente àa situação.
situaoao. Foi fazendo dívidas,
dividas, dívidas,
dividas, dívidas.
dividas. A concordata
que a Niomar deixou foi de quatro milhões
milhoes e duzentos, por aí,ai, e o grupo
Alencar teria que pagar em prestaooes ocasiao, muito di-
prestações semestrais. Era, na ocasião,
nheiro”. (Idem,
nheiro”. (Idem, ibidem)

arrendatario do jornal deveria —


O grupo arrendatário – em troca de receber todas a as receitas —–
dividas contraídas
efetuar o pagamento das dívidas contraidas em nome de Correio da Manha
Manhã S/A (cf.(of.
clausula 4, alínea
cláusula alinea a e cláusula
clausula 8, alínea
alinea e do contrato). Mas amortiza a dívida
divida apenas
nos primeiros anos, ao mesmo tempo em que contrai novas despesas, o que faz com
1974, a dívida
que, em 1974, divida atinja Cr$ 15
15 milhões.
milhoes.

“Alem disso, o grupo da Metropolitana executou uma politica


“Além política deliberada
liquidaeao
de liquidação do jornal, afirmando
afirmando (como mais de uma vez afirmou Maurício
afirmou Mauricio
Nunes de Alencar, em conversa com
corn D. Niomar) que estava agindo assim por
incumbéncia dos chefes militares. E o fato é que as edições
incumbência edieoes de Correio da
Manha foram sendo sucessivamente mutiladas”.
Manhã mutiladas”.

E particularizam:

“A partir de 10
“A 10 de fevereiro de 1973
1973 elas passaram nos dias comuns de 16
16
12 paginas,
para 12 páginas, depois para 1010 e finalmente
finalmente para 8 paginas.
páginas. Hoje o Correio
Manha ée um boletim inexpressivo, sem notícias,
da Manhã noticias, nem opinião,
opiniao, sem anún-
amin—
leitores.” (NMS 69.09.07. Resumo da Aplicaoao
cios e sem leitores.” Aplicação do Contrato.
Arquivo CPDOC,
CPDOC, FGV)

periodo de contestação
Depois de longo período contestaoao na Justiça
Justioa pela proprietaria
proprietária do jornal,
jornal, em
funoao da quebra do contrato, Niomar procura também
função tambe’rn denunciar na Câmara
Camara dos
aoao do grupo Metropolitana e a tentativa deliberada —
Deputados a ação – segundo ela —– de
periodico.
liquidar o periódico.

“A denúncia
“A denfincia no Parlamento nãonao tem
tern tido melhor sorte. No dia 9 de agosto
1973, o deputado Thales Ramalho, secretário-geral
de 1973, secretario—geral do MDB, fez umurn dis-
atiVidades do grupo da Metropolitana contra a Fazenda Nacio—
curso sobre as atividades Nacio-
nal. O discurso foi tao obj etivo que recebeu apartes, apoiando-o,
tão objetivo apoiando—o, de dois vice-
Vice—
lideres da Arena, deputados Grimaldi Ribeiro e Elcio Alvares,
líderes alem de outros
Álvares, além
deputados. Ao mesmo tempo, o0 parlamentar emedebista apresentou um pro— pro-
jeto proibindo que empresas devedoras àa Previdência
Previdéncia Social possam nego-
ciar com o Estado. Tanto o discurso como o proj eto foram vetados pela
projeto
Censura, admitindo-se a publicaeao noticia vaga, inócua,
publicação de uma ou outra notícia inocua,
assunto.”
sobre o assunto.”

202 — Cenários dos anos 1970-80


Enquanto a defesa da proprietaria nao pode ser publicada,
proprietária do Correio não

“um mês
“um Ines e tanto depois disso, um
urn deputado da Arena carioca,
cariooa, Nina Ribeiro,
proferiu longo discurso na Câmara,
Camara, em defesa do grupo da Metropolitana. Esse
integra em
discurso saiu na íntegra ern vários
Varios jornais do Rio, em uns como matéria
mate’ria paga,
Manha e Última
em outros (Correio da Manhã Ultima Hora) como matéria
mate’ria redacional”.
redacional”. (NMS
69.09.07. Resumo da Aplicaoao
Aplicação do Contrato, p. 5. Arquivo CPDOC,
CPDOC, FGV)

silencio da argumentação
O silêncio argumentaoao da proprietaria
proprietária do Correio da Marthe? Visibi—
Manhã contra a visibi-
favoraveis ao grupo dos irmãos
lidade das falas dos deputados favoráveis irmaos Alencar provoca vee-
mente protesto por parte de Niomar Bittencourt, que encaminha
enoaminha correspondência
correspondencia tan-
to a Roberto Marinho, proprietario 0 Globo, como a Nascirnento
proprietário de O Nascimento Brito, do Jamal
Jornal
do Brasil, cobrando igualdade de tratarnento.
tratamento.
Na carta datilografada e datada de 18
18 de outubro de 1973,
1973, em papel timbrado do
jornal, no qual acrescenta
aorescenta àa caneta o nome do destinatário
destinatario —
– simplesmente Roberto —–
Niomar pede que o recorte do Didrio d0 Congresso Nacional, no qual se transcreve a
Diário do
carta que ela encaminhara a Thales Ramalho, seja publicado no jornal de domingo.

“Na edição
“Na edioao de O0 Globo do dia 23 do mês
mes passado, saiu publicado em uma
pagina
página e tanto o discurso do deputado Nina Ribeiro, em ern torno da questão
questao do
Manha, e no qual fui pessoalmente agredida e caluniada.
Correio da Manhã, oaluniada. Escrevi
EsoreVi
oarta ao Deputado Thales Ramalho restabelecendo
uma carta restabeleoendo a verdade dos fatos e
lanoando um
lançando urn repto ao leviano parlamentar, posto a serviço
serVieo da Cia. Metropo-
Construooes. Agora envio
litana de Construções. enVio a você
vooé o trecho do Diário
Diario do Congresso
Nacional, edição
edioao de 13
13 do corrente, em que se transcreve o texto da aludida
Camara dos Deputados, e peoo—lhe
carta, lida na tribuna da Câmara obsequio de
peço-lhe o obséquio
aoolhida no proximo
autorizar sua acolhida nfimero de domingo, de seu jornal, com o
próximo número
mesmo destaque concedido ao discurso do senhor Nina Ribeiro”.
Ribeiro”. (Carta de
Niomar Bittencourt a Roberto Marinho, 18 18 de outubro de 1973.
1973. NMS 69.09.07,
CPDOC, FGV)
arquivo CPDOC,

corn idêntico
Outra carta, com idéntico teor, ée enviada na mesma data ao diretor do Jamal
Jornal do
Brasil. Nessa Niomar acrescenta não
nao o nome do destinatário,
destinatario, mas o apelido “Maneco”.
“Maneoo”.
No mesmo dia, obtém
obtern a resposta de Nascimento Brito.

“O Jornal do Brasil, no dia 23 do mês


“O mes p.p., publicou o discurso do Depu-
Depu—
tado Nina Ribeiro, em torno da questão
questao do Correio da Manhã,
Manha, como matéria
paga e assim perfeitamente caracterizada. N50
Não é6': assunto no qual tenharnos
tenhamos
imisouido, e existiu mesmo uma proibição
nos imiscuído, proibigao para a divulgação
divulgaoao jornalistica
jornalística
mate’ria sobre a questão
de qualquer matéria questao que envolve o Correio da Manhã.
Manha. Eis o

História Cultural da Imprensa — 203


esclarecirnento que lhe faço
esclarecimento faeo a respeito da publicaeao Deputa—
publicação do discurso do Deputa-
do Nina Ribeiro no Jornal do Brasil.”
Brasil.” (Carta de Nascimento Brito a Niomar
18 de outubro de 1973,
Bittencourt, 18 1973, NMS 69.09.07, Arquivo CPDOC,
CPDOC, FGV.
Grifos nossos)

No dia seguinte, Niomar responde a Nascimento Brito, estranhando o fato de ha-


proibieao para divulgar qualquer matéria
ver proibição mate’ria envolvendo a questão
questao do Correio
Carreia da
a’a
Martha,
Manhã, ja
já que outros jornais noticiaram o fato. Para provar o que diz, anexa recorte
do Jamal a’e Brasilia,
Jornal de edieao de 17
Brasília, da edição 17 de outubro daquele ano, em que a carta que ela
encaminhou ao Deputado Thales Ramalho foi publicada.

“Recebi sua carta, em resposta a meu pedido de ontem, e devo esclarecer,


“Recebi
por minha vez, o seguinte: desconhecia a proibieao vocé se refere,
proibição a que você
porquanto pelo menos alguns jornais, como O Estado de São 850 Paulo e Diário
Diario
de Noticias, tern dado notícias
Notícias, do Rio, entre outros, têm noticias sobre essa questão.
questao. Nao
Não
sei, pois, de quando data a proibição,
proibieao, mas jajá deve ter sido suspensa, porquan-
Brasilia publicou, na íntegra,
to agora mesmo o Jornal de Brasília integra, como matéria sim-
plesrnente de interesse jornalistico,
plesmente jornalístico, minha carta ao Deputado Thales Ramalho,
conforme se vê Vé da pagina remeto”. (Carta de
página 3 do exemplar que aqui lhe remeto”.
Niomar Bittencourt a Nascimento Brito, 19 19 de outubro de 1983.
1983. NMS
CPDOC, FGV)
69.09.07. Arquivo CPDOC,

No mesmo dia, Niomar recebe a resposta de Nascimento Brito, negando que tives-
se se referido a qualquer proibieao, “oficial ou não,
proibição, “oficial nao, que nos impeça
impeea a divulgação
divulgagao da
Ramalho”. Segundo, o diretor do Jamal
sua carta ao Deputado Thales Ramalho”. Jornal do Brasil, teria
“uma norma interna”
aludido “uma interna” do jornal. E acrescenta:

“Espero que você


“Espero vocé entenda que, até
ate por sermos oficiais
oficiais do mesmo ofício,
oficio,
nao desejo imiscuir-me
não imiscuir—me numa controvérsia que, no mínimo,
minimo, arrastaria o Jor-Jor—
nal do Brasil para uma polemica
polêmica cujo desfecho, talvez remoto, está
esta entregue
Judiciario. Como lhe disse em minha carta anterior, o discurso do Deputa-
ao Judiciário. Deputa—
do Nina Ribeiro foi por nós
nos divulgado como
corno matéria
materia paga — osten—
– e de forma osten-
corn as características
siva, com caracteristicas específicas
especificas de tais casos, como, alias, ée regra aqui
Brasil”. (Carta de Nascirnento
no Jornal do Brasil”. Nascimento Brito a Niomar Bittencourt, 19 19 de
outubro de 1973.
1973. NMS 69.09.07. Arquivo do CPDOC,
CPDOC, FGV)

Assim, para fugir da polérnica dificuldades do Correio


polêmica envolvendo as dificuldades Carreia da
cla Martha,
Manhã,
os diretores do Jamal
Jornal do Brasil colocam-se,
colocarn—se, ostensivamente, numa espécie
especie de campo
neutro, apelando para as regras da objetividade,
obj etiVidade, materializadas no regulamento
regularnento inter-
nao tomando partido. Nesse momento, encontram-se claramente
no da empresa, não clararnente em
trineheiras opostas, numa posieao
trincheiras contra-hegemonica e, para isso, se valem das carac-
posição contra-hegemônica carac—

204 — Cenários dos anos 1970-80


teristicas
terísticas do discurso jornalistico:
jornalístico: a polémiea
polêmica nas paginas
páginas dos jornais so poderia ser
jornais só
mate’ria paga.
veiculada como matéria

“Nao desejo, por motivos compreensíveis,


“Não compreensiveis, trazer o assunto para a área
area
editorial do Jornal do Brasil. Esta ée a minha orientação
orientaeao e dela decorreu a
proibieao vocé se refere, e que é minha, da minha inteira responsabili-
proibição a que você
dade. A agir diferentemente, após
apos acolher a sua defesa, que envolve terceiros
vej arn também
que nela vejam tambem injúrias
injfirias e calúnias,
calfinias, eu estaria trazendo para o Jornal
do Brasil uma disputa que não nao nos compete veicular”.
veieular”. (Idem,
(Idem, ibidem)

O jornal firma-se
firma—se claramente
elaramente num lugar construído
construido como
corno neutro e nem quando a
polérnica
polêmica envolve um urn de seus pares — – no caso a proprietaria
proprietária tambem
também de um jornal
diario tradicional na cidade —
diário – haveria justificativa
justificativa para a veiculação
veiculaeao de suas informa-
eoes. Para isso, vale-se do ideal de servir
ções. serVir de maneira ampla ao leitor, selecionando
fatos que, por principio, “interessariam ao público”.
princípio, “interessariam pfiblico”. A única
finica possibilidade de divulgar
o teor do discurso do deputado que defendia o Correio seria, portanto, se este fosse
publicado como
corno matéria
mate’ria paga.

“A publicação
“A publieaeao pelo Jornal de Brasília,
Brasilia, cujo recorte
reeorte você
vocé anexou, em nada alte-
alte—
ra, pois, a decisão
decisao do Jornal do Brasil. Lamento dizer-lhe, assim, que não
nao encontro
equivoeo que agora esclareço,
nos seus argumentos, eivados de um equívoco esclareeo, razão
razao para
aeonteceu com o discurso do Depu-
reconsiderar o caso. Logicamente, assim como aconteceu Depu—
tado Nina Ribeiro, o discurso do Deputado Thales Ramalho não nao será
sera por nós
nos divul-
corno ocorreu com o primeiro, entre pelo Departamento Co-
gado, a menos que, como Co—
corn as características
mercial, com caracteristicas de praxe”.
praxe”. (Carta de Nascimento Brito a Niomar
Bittencourt, 1919 de outubro de 1973.
1973. NMS 69.09.07. Arquivo do CPDOC,
CPDOC, FGV)

A diretora do Correio não


nao responde de imediato àa correspondência.
correspondencia. Somente em 5
5
de dezembro, encaminha nova carta ao Jamal
Jornal do Brasil.

“De posse de sua última


“De filtima carta,
earta, de 19
19 de outubro passado, não
nao a respondi
por motivos óbvios.
obvios. A colocação
colocaeao do problema do tema Correio da Manhã
Manha
tinha sido feita por você
voce em termos
terInos claros: deveria, sempre, ir ao JB através
atrave’s
Cornereial, o que não
do Departamento Comercial, nao desejava fazer no caso da carta ao
deputado Thales Ramalho. Nada mais havia
haVia a acrescentar na oportunidade”.
oportunidade”.
(Carta de Niomar Bittencourt a Nascimento Brito, 5 de dezembro de 1973.
1973.
NMS 69.09.07. Arquivo CPDOC,
CPDOC, FGV)

Dessa forma, Niomar justifica


justifica a demora da reposta. Somente agora, quando estáesta
de posse de novas informações,
informaeoes, ée que ela, de novo, se dirige ao periodico,
periódico, mas, desta
vez, solicita a publicaeao materia paga.
publicação da sua carta sob a forma de matéria

História Cultural da Imprensa — 205


“Ontem, pore’rn,
“Ontem, porém, encaminhei pelo Departamento Comercial
Comereial do Jornal do
mate’ria relativa ao Correio da Manhã
Brasil matéria Manha S.A.
SA. Cumpri rigorosamente
rigorosarnente o
enViado através
cerimonial de estilo. O texto, composto e gravado, foi enviado atrave’s da
Agencia
Agência Arte Nova Propaganda Ltda que reservou espaço espaeo na 5ª5a pagina
página da
edioao de hoje. Entretanto, a matéria
edição mate’ria não
nao foi publieada, significa privar
publicada, o que significa
Manha do elementar recurso de dar ciência
o Correio da Manhã cieneia ao pfiblico ques—
público da ques-
tao que está
tão esta envolvido”.
envolvido”. (Idem,
(Idem, ibidem)

Ainda que, indiretamente, a carta peea explicaeao sobre a não


peça explicação nao publicaeao
publicação da mate-
maté-
Via Departamento Comercial, ao não
ria encaminhada via nao ver atendida a sua solicitação,
solicitaeao,
informa ainda que

“nao se trata de matéria


“não rnate’ria que possa ser tida como insultuosa ou, mesmo de
carater polémieo,
caráter polêmico, ao contrario do discurso de Nina Ribeiro. Resume-se,
contrário Resume-5e, ape-
urn requerimento do advogado do Correio da Manha S.A,
nas, a um SA, juntado
juntado aos
autos do processo que corre na 11ª113 Vara Civil.”
Civil.”

E conclui:
conelui:

“Estou certa
“Estou oerta de que não
nao há
ha de sua parte intenção
inteneao discriminatória
discriminatoria contra o
Manha ou contra mim pessoalrnente.
Correio da Manhã pessoalmente. Por este motivo, peoo
peço sua
ateneao para o caso
atenção easo na segurança
seguranea de que encontrarei boa e justa solução”.
soluoao”.
(Carta de Niomar Bittencourt a Nascimento Brito, 5 de dezembro de 1973.1973.
NMS 69.09.07. Arquivo CPDOC,
CPDOC, FGV)

A polemica laconica, de apenas quatro


polêmica termina no dia seguinte, com a resposta lacônica,
Vice—presidente executivo do JB:
linhas, do vice-presidente

“Acabo de tomar conhecimento


“Acabo conheoimento de sua carta
earta e estou dando instruções
instruooes ao
Cornercial, sr. Cláudio
Superintendente Comercial, Claudio Mello e Souza, para publicaeao
publicação ime-
materia que você
diata, da matéria voeé mandou ao nosso Departamento Comercial, atra- atra—
ve’s da Ageneia
vés Agência Arte Propaganda Ltda.”
Ltda.” (Carta de Nascimento Brito, de 5 de
dezembro de 1973.
1973. NMS 69.09.07. Arquivo CPDOC,
CPDOC, FGV)

A tentativa da proprietária
proprietaria do Correio da Manha?
Manhã de ter de novo o controle do
periédieo estende-se
periódico estende—se até
ate 8 de julho de 1974,
1974, quando sai a última
filtima edição
edioao do jornal.
Nesse ínterim
interim as dívidas
dividas se acumulam,
acumularn, bem como a crise que se materializa a cada
edieao. O depoimento de Pedro do Coutto ée exemplar neste sentido.
edição.

“O grupo então
“O entao arrendou o Correio da Manhã
Manha (...) escolheu
eseolheu para redator
chefe o pior redator chefe da história
historia do Correio da Manhã,
Manha, hors concours,
que era o0 Paulo Germano Magalhães,
Magalhaes, filho
filho do Agamenon Magalhães.
Magalhaes. Tinha

206 — Cenários dos anos 1970-80


sido deputado federal. Nao haVia condição
Não havia condicao desse homem dar certo, porque
nao tinha noção
ele não nocao de jornal. Ele um dia pegou uma tese da Escola Superior
de Guerra, reduziu para 66 linhas e botou como editorial do jornal!
jornal! (...) tam—
tam-
be’m resolveu botar na última
bém ultima pagina
página perfis
perfis militares com fotos daqueles ge-ge—
nerais que mandavam aí”. ai”. (Coutto, Francisco Pedro do. Depoimento ao a0
CPDOC. Rio de Janeiro, CPDOC/Alerj, 1998)
CPDOC. 1998)

Se o0 redator chefe, segundo avaliação


avaliacao do jornalista, representava os anseios do pas—
pas-
responsavel pelo projeto
sado, o responsável proj eto gráfico
grafico Reinaldo Jardim “era
“era o
0 homem do futuro”.
futuro”.

“Era editor do jornal e fazia bolações


“Era bolacoes gráficas
graficas fantásticas,
fantasticas, dificílimas
dificilimas de
serem preenchidas. Qualquer coisa, ele rodava mais um caderno. Em abril de
70, como ja
já contei, o prejuizo
prejuízo chegou a 11 milhão
milhao de cruzeiros, algo fantástico
fantastico
ocasiao.
na ocasião. Reinaldo Jardim era mais um artista, nao
não tinha preocupacao com
preocupação
custos, mas o jornal não
nao sentiu a necessidade de adequar o custo àa producao.
produção.
Ainda por cima eles tinham que pagar as prestacoes
prestações semestrais de 700 mil
cruzeiros da concordata que a Niomar tinha deixado”.
deixado”. (Idem,
(Idem, ibidem).

coeréncia editorial, as dívidas


Os desmandos administrativos, a falta de coerência dividas acumula-
acumula—
historica, tudo isso descaracteriza o diário
das, a perda de uma identidade histórica, diario que, nas
ve’speras da última
vésperas ultima edição,
edicao, roda apenas 8 mil exemplares. Todos esses fatores

“conduziram o jornal àa falência,


“conduziram falencia, não
nao foi uma coisa só.
so. Tinha a atuação
atuacao
alucinada da Niomar, de fato, provocando muito, enfrentando, não nao se ajus-
tando, se isolando — — porque ela também
tambe’m só so sabia atuar no confronto, na
destruicao. (...) Niomar, cerco publicitario,
destruição. publicitário, projeto alucinado do Reinaldo
edicao de esporte que foi danoso... Houve um
Jardim, comportamento da edição
Varios fatores negativos convergiram, como num conto de
momento em que vários
Agatha Christie. O 0 destino uniu os incompetentes no caso do Correio da
Manha. (...) Sai do Correio no dia 8 de julho de 1974,
Manhã. 1974, quando o jornal mor-
reu. O jornal morreu na minha mão.
mao. Fui, juntamente com o Cascon, o editor
ultima edição
da última edicao do Correio”.
Correio”. (Idem,
(Idem, ibidem)

Nas palavras de Niomar Bittencourt, a crise do jornal se deve a um projeto deli-


deli—
berado do grupo que assumiu o passivo da empresa. Em carta a Roberto Marinho, datada
19 de junho de 1974
de 19 1974 —
– portanto, portanto 19
19 dias antes do fechamento do jornal
jornal —,
–,
sej am publicados em O
solicita que seus esclarecimentos sejam 0 Globo, como direito de res-res—
posta “às
“as declarações
declaracoes constantes da matéria
mate’ria publicada no jornal de V.Sa., dia 8 último,
ultimo,
Mauricio de Alencar”.
contidas na carta do Sr. Maurício Alencar”. E enumera:

História Cultural da Imprensa — 207


“Ao arrendar o Correio da Manhã
“Ao Manha o grupo econômico
economico chefiado
chefiado pelo Sr.
Mauricio Nunes de Alencar comprometeu-se a saldar os débitos
Maurício de’bitos ja
já existentes,
ate’ o
até 0 momento de Cr$ 5.400.000,00. Entretanto, pagou menos de 4 milhões milhoes e
dividas que se elevam
contraiu novas dívidas elevarn a quase o triplo daquele passivo — – cerca
de 1515 milhões
rnilhoes de cruzeiros — milhoes ao INPS e ao
– dos quais mais de sete milhões
FGTS e mais de um milhãomilhao da parcela mensal de arrendamento, que deixou
1972. Assinale-se que a retenção
de ser paga desde setembro de 1972. retencao de contribui-
coes de empregados ao INPS está
ções esta caracterizada como apropriação
apropriacao indébita
indebita
legislacao federal”.
pela legislação federal”. (Carta de Niomar Bittencourt a Roberto Marinho,
19 de
19 dejunho 1974. NMS 69.09.07A. Arquivo do CPDOC.
junho de 1974. CPDOC. FGV)

Como segundo ponto, informa ainda que no contrato de arrendamento cabia ao


“manter a área
grupo “manter area de influência
influéncia do jornal, diligenciando para ampliar-lhe
ampliar—lhe a circula-
cao”. Entretanto:
ção”.

“F az o contrário,
“Faz contrario, reduzindo-o fisicamente
fisicamente a oito paginas, sem notícias,
noticias,
anuncios e sem leitores. No último
sem anúncios ultimo dia anterior àa posse do Sr. Maurício
Mauricio
Nunes de Alencar e associados, sábado,
sabado, 13/9/69,
13/9/69, o
0 Correio da Manhã
Manha vendeu
Circulacao de que eles e nós
43.000 exemplares, conforme Boletim de Circulação nos dispo-
dispo—
nao
mos, e não apenas 7.000, como ele afirma”. (Idem,
afirma”. (Idem, ibidem)

Reclama ainda que o grupo não nao pagou com “pontualidade


“pontualidade os empregados”,
empregados”, razao
razão
Justica do Trabalho 78 reclamações
pela qual tramitavam na Justiça reclamacoes individuais e de grupos,
“todas iniciadas na gestão
“todas gestao dos arrendatários,
arrendatarios, abrangendo a quase totalidade do pessoal”.
pessoal”.

“Some—se a isso o não


“Some-se nao pagarnento diferencas salariais decorrentes de
pagamento das diferenças
dissidios homologados, férias retidas e o ja
dissídios já citado descumprimento das obri-
gacoes do INPS e FGTS. Em consequência
gações consequéncia de tais inadimplências,
inadimpléncias, e em vista
Vista
reclamacoes trabalhistas, bens do Correio da Manhã
das reclamações Manha foram
forarn levados a lei-
lao judiciario
lão arrernatados a preco
judiciário e arrematados Vil, para responder por débitos
preço vil, debitos contraí-
contrai-
dos pelo Sr. Maurício
Mauricio Alencar e seu grupo”.
grupo”. (Idem,
(Idem, ibidem)

Em seguida, justifica
justifica por que se recusa a receber de volta o jornal.

“Ao recusar, na presenca


“Ao presença do tabeliao 23° Oficio
tabelião do 23º Oficio de Notas e de testemu-
nhas insuspeitas, receber de volta o jornal, a Diretoria do Correio da Manhã
Manha
valeu—se da cláusula
S.A. valeu-se clausula contratual que determina a devolução
devolucao dos bens ‘sem
‘sem
onus” e em ‘perfeito
qualquer ônus’ ‘perfeito equilíbrio
equilibrio financeiro’,
financeiro’, e após
apos reclamar compro-
Vantes não
vantes nao apresentados, inclusive os referentes a aluguéis contratuais tam-
be’m descumpridos”.
bém descurnpridos”. (Idem,
(Idem, ibidem)

208 — Cenários dos anos 1970-80


E continua:

“Tovo de
“Teve do fazê-lo,
fazé—lo, em
om defesa
dofosa do patrimonio omprosa eo em
patrimônio da empresa om face da situa-
oao procaria
ção lidor do grupo arrendatário,
precária da líder arrondatario, a Companhia Metropolitana
Motropolitana dedo
Construooos, ja
Construções, corn centenas
já com contonas de
do titulos
títulos protostados
protestados eo numerosos
numorosos podidos
pedidos
do falência
de faléncia na 17ª
17a Vara Cível,
Civol, conforme
conformo documentação
documontaoao emom meu
mou podor”.
poder”.

E tormina
termina de
do maneira
manoira dramática:
dramatica:

“Finalrnonto, o
“Finalmente, 0 Sr. Maurício
Mauricio Aloncar Cita bilhete
Alencar cita bilhoto no qual, lembrando
lombrando vor-
ver-
do Khalil Gibran, agradeci
sos de agradoci gentileza
gontiloza que
quo me rno havia
haVia feito
foito eo que
quo acabou
custando—mo muito cara, eo estabelece
custando-me ostaboloco relação
rolaoao entre
ontro isso eo o arrendamento.
arrondamonto.
sondo o arrendamento
Ora, sendo arrondarnonto dedo setembro
sotornbro de
do 1969
1969 eo o bilhete
bilhoto de
do julho do mos—
mes-
mo ano, éo impossível
impossivol relacionar
rolacionar as duas coisas. Tem,Torn, entretanto,
ontrotanto, o sr. Mauri—
Maurí-
cio Aloncar
Alencar plona, complota eo integral razão
plena, completa razao emom umurn aspecto:
aspocto: mudei
mudoi meu
mou pon—
pon-
to de
do vista
Vista a seu
sou respeito,
rospoito, como ja foz a maior parto
já o fez parte das possoas quo o
pessoas que
conhocorn. Hoje,
conhecem. Hojo, em
om lugar dedo Gibran, restar-me-ia
rostar—mo—ia apenas
aponas citar o Judas, que
quo
afinal enganou
afinal onganou ao proprio Cristo”. (Carta de
próprio Cristo”. do Niomar Bittencourt
Bittoncourt a Roberto
Roborto
Marinho, 1919 de
do junho dedo 1974.
1974. NMS 69.09.07A. Arquivo do CPDOC. CPDOC. FGV)

A reforma eo a liderança
lidoranoa de
do O
0 Globo

Ao final
final da década
docada dedo 1970,
1970, o mercado
morcado jornalistico osta reduzido
jornalístico carioca está roduzido a trés
três
grandos jornais —
grandes –O 0 Globo, O 0 Dia eo o Jamal
Jornal do Brasil — quo, juntos, monopolizam
– que,
quaso 90% dos leitores.
quase loitoros. Isso terá
tora consequências
consoquéncias no aspecto
aspocto financeiro
financoiro eo patrimonial
dos jornais (Ribeiro,
(Riboiro, op.
op. cit.:
cit: 174).
174).
A rigor, estamos
ostamos afirmando
afirrnando que
quo a partir da década
do’cada de
do 1960
1960 a imprensa
impronsa diária
diaria do
do Janeiro
Rio de Janoiro passa por uma aguda crise
criso eo somente
somonto O0 Globo consegue
consoguo manter
mantor a sua
tiragom om torno de
tiragem em do 200 mil exemplares,
oxornplaros, sendo,
sondo, portanto, um dos jornais que
quo mais se
so
bonoficia com o procosso
beneficia do concentração
processo de concontraoao empresarial
omprosarial ocorrido neste
nosto poriodo.
período. A TV
avaliaoao de
Globo, na avaliação do Ribeiro
Riboiro (2000), inaugurada no ano seguinte
soguinto ao Golpe,
Golpo, em
om
do 1965,
maio de 1965, se
so tornando, em
orn algum
algurn tompo, rodo de
tempo, a maior rede do toloVisao
televisão da América
Latina, daria força
foroa ao jornal eo ao grupo como
corno um todo.
Na década,
do’cada, o poriodioo
periódico comandado por Roberto
Roborto Marinho prossoguo
prossegue com a sua modorni—
moderni-
zaoao tecnológica
zação tocnologica eo administrativa. Aroforrna do 1971,
A reforma de 1971, quando assume
assumo a redação
rodaoao o
ojornalista
jornalista
Evandro Carlos de do Andrado, significa a implantação
Andrade, significa implantaoao de
do uma série
sorio de
do mudanças
mudanoas editoriais
oditoriais eo
quo leva
administrativas que lova o jornal àa liderança
lidoranoa do mercado
morcado carioca.
oarioca. Em 1978,
1978, novas impresso-
improsso—
sao implantadas, dinamizando ainda mais o procosso
ras off-set são do produoao.
processo de produção.

História Cultural da Imprensa — 209


A reforma de 1971
1971 decorre, em parte, do crescimento que o Jamal Jornal do Brasil
periodo. Para fazer frente àa conquista de pfiblico
apresenta no mesmo período. público do concorren-
to, O
te, 0 Globo utiliza como estratégia a ampliação
ampliacao do universo de seus leitores Via via
implantacao de
implantação dc mudanças
mudancas editoriais. Paralelamente, o jornal beneficia da migra-
jornal se beneficia migra—
cao de
ção dc público
pfiblico dos outros periodicos
periódicos que deixam dedc circular na década ou que entram
decadéncia.
em franca decadência.

“O Ibope tinha apontado o seguinte,


“O scguintc, mais ou menos: O Globo tinha uma
vendagem em banca no Rio, naquela ocasião,ocasiao, subindo dedo 100
100 para 122
122 mil
exemplares, enquanto o Jornal do Brasil estavacstava passando de 60 para 86 mil.
progressao percentual do Jornal do Brasil tinha sido muito supe-
Vendo que a progressão
rior àa do Globo, o sistema do Roberto Marinho, ou ele elc proprio, ne—
próprio, sentiu a ne-
cessidade dedc uma reforma. O Globo então entao fez a reforma, o Evandro teve
éXito total, e6 isso coincidiu com a queda
êxito qucda e o desaparecimento do Correio da
Manha, um, do Diário
Manhã, Diario de
dc Noticias, 0 Jornal, trés,
Notícias, dois, do O três, e do Diario Cario—
Diário Cario-
ca, quatro. Quatro jornais fecharam. O pfiblico
público desses jornais teria que ir para
outro, e acabou indo para O 0 Globo, muito mais que para o Jornal do Brasil”.
Brasil”.
(Coutto, Francisco Pedro do. Depoimem‘o
Depoimento ao a0 CPDOC.
CPDOC. Rio de Janeiro,
CPDOC/Alerj, 1998) 1998)

As mudanças
mudancas incluem não
nao apenas ajustes e inovações
inovacoes na parte gráfica,
grafica, como tam—
tam-
bém transformacoes dc natureza administrativa. Assim, O
transformações de 0 Globo passa também a cir-
cir—
cular aos domingos.

“Quando o Evandro assumiu, e um ano depois O Globo passou a sair aos


“Quando
domingos, ele abalou seriamente a estrutura do Jornal do Brasil. O 0 Jornal do
dc domingo era uma coisa espetacular ec deixou de ser. E também entrou
Brasil de
comccou a anunciar O Globo. Naquela ocasião,
a TV Globo, que começou ocasiao, e até há
ha pou—
pou-
nao aceitava anúncio
cos anos, a TV Globo não anfincio de
dc outro jornal —
– agora aceita, até o
dc vez em quando, O
Jornal do Brasil sai de 0 Dia bastante”.
bastante”. (Idem,
(Idem, ibidem)

Nas palavras de Evandro Carlos de Andrade, entretanto, cada uma dessas inova- inova—
coes aparece como sendo ideia particular do dono do jornal: Roberto Marinho. “Um
ções “Um
dia, o0 dr. Roberto disse: Quero lançar
lancar o jornal no domingo. Eu nãonao inventei nada!
nada! Ele
perguntou: O que vocêvocé acha? Eu disse: Ótimo,
Otimo, vamos fazer. Era tudo assim, entre o
fazcr e o fazer, eram duas semanas”
quero fazer semanas” (Abreu etez‘ alii: 2003:41).
Nas memórias
memorias do diretor de
dc redação
redacao de O 0 Globo, Roberto Marinho até 1973 1973 “che-
“che-
gava no jornal de manhã
manha e saía
saia àa noite”,
noite”, razão
razao pela qual é6’: do proprietario
proprietário do jornal
jornal
todas as ideias inovadoras.

210 — Cenários dos anos 1970-80


construgao memorável
Observa-se na construção memoravel de Evandro Carlos de Andrade a mesma
estratégia utilizada por outros atores quando se referem ao chamado periodo mo—
período de mo-
dernizaoao da imprensa carioca. Também
dernização Tambe’m em relação
relaoao às
as inovações
inovaooes da década
decada de 1970,
1970,
que atingem sobretudo O 0 Globo, elas foram gestadas, segundo esses discursos, graçasgraoas
génio criativo e inventivo de um só
ao gênio so homem. Dessa forma, se constrói
constroi uma narrativa
mitologica, como se da cabeça
mitológica, cabeoa de um iluminado saíssem
saissem ideias que são
sao fundamentais
para o sucesso do jornal nãonao apenas naquela década, mas nas décadas de’cadas anteriores e
seguintes. A história
historia do jornal liga-se,
liga—se, por esta estratégia, de maneira indelével
indele’vel a Roberto
Marinho.

“Nesse episódio
“Nesse episodio da edição
edioao de domingo, ele encontrou uma grande resis—
resis-
téncia qué? Ah, isso é uma loucura, esse espaço
tência do conjunto da diretoria. Por quê? espaeo
ée do Jornal do Brasil, como ée’ que nós
nos vamos fazer isso, vamos sacrificar
sacrificar a
edigao de segunda, e por aí
edição ai afora. Mas ele foi firme,
firme, e fizemos
fizemos a edição
edioao de
domingo”. (Idem: 42)
domingo”.

adoeao da impressão
Também a adoção impressao em off-set,
ofl-set, no final
final dos anos 1970,
1970, ée’ nas palavras
de Evandro Carlos de Andrade uma decisão
decisao solitária
solitaria de Roberto Marinho, que mais
reaoao adversa do restante da diretoria de O
uma vez enfrenta reação 0 Globo. Na avaliação
avaliaeao do
impressao
jornalista, a passagem para o novo sistema de impressão é determinante para o suces-
so do jornal na década
decada seguinte, em contraposição
contraposioao a derrocada crescente do Jamal
Jornal do
Brasil.

“A mesma coisa ocorreu quando ele resolveu mudar as rotativas, passou


“A
para off-set.
off—set. Na época,
e’poca, o Jornal do Brasil ja
já tinha feito a sua reforma, aquele
prédio suntuoso, aquela coisa toda, mas na hora de determinar o processo
nos ouvimos,
industrial, segundo nós ouVimos, o Nascimento Brito teria dito: Nao
Não vou mudar,
porque o0 New York Times não nao mudou”.
mudou”.

E continua:

“so que o Brito, no meu modo de ver, cometeu um erro estratégico. Ele
“Só
nao levou em conta que o
não 0 New York Times tinha 120 120 unidades rotativas e
enfrentava o problema dos sindicatos lá,la, que eram uma coisa terrivel nao
terrível e não
Entao era um drama para eles passar para o
deixavam mudar nada. (...) Então 0 off-
set. (...) Aqui não
nao havia
haVia nada disso, mas o Brito estabeleceu uma relação
relaoao
direta New York Times-Jornal do Brasil e resolveu manter o sistema letter-
letter—
press. Fez algumas adaptações
adaptaooes para tentar melhorar a impressão,
impressao, mas foi isso,
competioao, porque a qualidade gráfica
no meu modo de ver, um desastre na competição, grafica
ée um dado fundamental, embora as pessoas nãonao saibam disso necessariamen-

História Cultural da Imprensa — 211


te. As coisas que mais preocupam os leitores, segundo pesquisas feitas nos
nao são
Estados Unidos, não sao a qualidade editorial, não.
nao. Em primeiro lugar está
esta o
mao? Em segundo lugar: o tamanho da letra dá
seguinte: suja a mão? da pra ler facil-
mente? Depois ée’ que vem a substância
substancia do jornal”. (Idem, ibidem)
jornal”. (Idem,

mudanoas introduzidas e que, nas palavras de Evandro Carlos de Andrade,


Outras mudanças
sao fundamentais para o sucesso de O
são 0 Globo ée a criação
criaoao de uma editoria de Economia
ate’ então,
que, até entao, não
nao existia,
eXistia, ao mesmo tempo em que “desfazia
“desfazia aquele império
impe’rio policial
Globo”, acabando gradativamente com a reportagem de policia
do Globo”, polícia e passando os as-
suntos para a reportagem geral (Idem: 44).
No entanto, na década
decada de 1970,
1970, um dos principais jornais da cidade ée exatamente
0 Dia, que faz das notícias
O noticias policiais um dos principais conteúdos
conteudos da publicaoao
publicação (ao
questoes do funcionalismo publico).
lado do futebol e das questões público). Porque esse jornalismo que
as sensações
apela às sensaeoes faz tanto sucesso junto ao publico, final da década
público, chegando ao final de’cada
com uma tiragem de mais de 400 mil exemplares? O que particulariza o jornalismo de
0 Dia? Que apelos esse jornal dirige ao publico
O público e por que este se identifica
identifica com as
tramas culturais enredadas nas suas narrativas?

sensaeoes: o sucesso editorial do jornal O


Jornalismo e sensações: 0 Dia

O0 jornalismo popular — – mas que preferimos qualificar


qualificar como de sensações
sensaeoes —
– assu-
me a partir dos anos 1950,
1950, gradativamente, nova configuração
configuraoao no cenário
cenario midiático
midiatico
conteudos e formatos narrativos que fazem
do Rio de Janeiro. Continua apelando a conteúdos
publico desde o
parte do universo do público 0 final
final do século
se’culo XIX, mas constrói
constroi naquele mo-
inclusao de outros temas do cotidiano dos leitores que tem
mento uma ruptura: a inclusão têm apelo
politica.
de natureza política.
emblematico dessa estratégia
Exemplo emblemático estrate’gia editorial ée’ Última
Ultima Hora. Mas outros jor—jor-
periodo —
nais no mesmo período – como aaLuta
Luta Democrdtica, Tenorio Cavalcanti,
Democrática, de Tenório Cavaloanti, e a Tribu-
na da Imprensa, de Carlos Lacerda — – engendram o0 popular a partir de temas que falam
das agruras do cotidiano, ao mesmo tempo em que se constroem como intermediários
intermediarios
possiveis de seus leitores junto àa sociedade política
possíveis politica55.. Há
55
Ha que se acrescentar ainda que
esses periodicos dao claramente
periódicos dão olaramente sustentação
sustentaeao politica
política a seus proprietarios
proprietários ou a seus
prepostos. Esse ée o caso de Última
Ultima Hora, como ja já abordamos, jornal Vinculaeao
jornal com vinculação
Getulio Vargas; Tribuna da Imprensa, órgão
estreita a Getúlio orgao síntese
sintese da UDN, que tinha na

55 Sobre a inclusão
55
inclusao nesses jornais da temática
tematica política
politica com característica
caracteristica sensacionalista,
sensacionalista, cf.
cf. Siqueira, Carla
Vieira de. “Sexo,
“Sexo, crime e sindicato.
sindicato. Sensacionalismo e populismo nos jornais Última
Ultima Hora,
Hora, O0 Dia e Luta Demo-
Demo—
crática
crat/ca durante o segundo governo Vargas (1951-1954)”.
(1951-1954)”. Tese de Doutorado em História,
Histéria, PUC-Rio,
PUC—Rio, 2002.
2002.

212 — Cenários dos anos 1970-80


lideranca de Carlos Lacerda o seu ponto de inflexão;
liderança inflexao; e aaLuta
Luta Democrdtica,
Democrática, fundada
1954 por Tenório
em 1954 Tenorio Cavalcanti, deputado federal pela UDN e liderança
lideranca em Duque
CaXias na Baixada Fluminense, indispensável
de Caxias indispensavel para divulgar a imagem
imagern de Tenório
Tenorio
corno advogado do povo.56
como povo.56
Segundo Carla Siqueira o que diferencia esses jornais ée o fato de utilizar a popula-
ridade em que se estruturam — atraVes de estratégias
– através estrate’gias narrativas que apelam a valores
caros àa cultura popular — exercicio
– para o exercício do clientelisrno populista,
personalismo e do clientelismo
afinal são
que afinal sao o
0 motor de sustentação
sustentacao dessas publicacoes.
publicações. Esses jornais constroem um urn
comunicacao entre o publico,
canal de comunicação público, que é tambe’m liderancas populistas,
também eleitor, e as lideranças
em que estas utilizam o apelo emocional veiculado por essas publicacoes
publicações para formar
uma ideia de identidade e de pertencimento entre as partes. “A “A análise
analise do perfil
perfil edito-
rial destes jornais revela a interseção
intersecao entre a politica
política populista, a cultura popular e as
tecnicas
técnicas da industria cultural.”
indústria cultural.” (Siqueira, op. cit.:
op. cit: 54)
E preciso refletir
É refletir quando se fala em jornalismo popular sobre as permanéncias
permanências que
conteudo como se estruturam essas publicacoes.
se manifestam na forma e no conteúdo publicações. Tal
como destaca Jesus Martin-Barbero, esse tipo de jornalismo “questao dos
jornalismo delineia a “questão
rastros, das marcas deixadas no discurso da imprensa por uma outra matriz cultural”.
cultural”.
E a partir dessa matriz de natureza simbólica
É simbolica e dramática
dramatica que são
sao modeladas várias
Varias
das praticas
práticas e formas da cultura popular (1997:246).
(19972246).
Ha nesse jornalismo a “estética
Há “estetica melodramática
melodramatica e dispositivos de sobrevivência
sobreViVéncia e
de revanche da matriz que irriga as culturas populares”,
populares”, como enfatiza Barbero (op. (op.
cit: 247). O que permanece interpelando o publico
cit.: público ée’ exatamente essa estética,
este’tica, que se
metamorfoseia em ern dramas as agruras do cotidiano dos grupos populares. O que per-
corno ênfase
manece como enfase nessas tematicas
temáticas ée’ o exagero, a hipérbole,
hiperbole, a descrição
descricao densa, a
linguagem incisiva.
E, portanto, esse jornalismo de sensações
É, sensacoes que constitui a essência
essencia de O
0 Dia, na
de’cada de 1970,
década 1970, o segundo jornal mais vendido na cidade. Esse sucesso editorial, a
vern desde o seu surgimento em 5 de julho de 1951
rigor, vem 195157.
57
. Em pouco tempo possuia
possuía

56 Sobre a Luta Democrática


56
Democrat/ca ver sobretudo BELOCH,
BELOCH, Israel. Capa preta e Lurdinha —
– Tenório
Tenor/o Cavalcanti e o
povo da Baixada. Rio de Janeiro: Record,
Record, 1986.
57 Chagas Freitas, deputado pelo Rio de Janeiro em 1954,
57
1954, 1958,
1958, 1962 e 1966,
1966, eleito indiretamente governador da
Guanabara em 1970, funda O 0 Dia em 5 de
dejulho 1951. Na mesma época assume o
julho de 1951. 0 controle acionário
acionario do
dojornal
jornal
A Notícia,
Noticia, numa transação
transagao repleta de mistérios,
mistérios, na qual consegue a posse das ações,
agoes, então
entao nas mãos
macs do político
politico
paulista Adhemar de Barros. Apés
Após a fusão
fusao da Guanabara e do Rio de Janeiro,
Janeiro, disputou com o grupo de Amaral
Peixoto o controle do MDB no novo estado. Mesmo após apés seu afastamento temporário
temporério dos quadros do partido,
partido, a
corrente chaguista obteve hegemonia,
hegemonia, conseguindo que seu nome fosse aprovado pela Assembleia Legislativa
para a sucessão
sucessao do governador Faria Lima,
Lima, em 1978.
1978. Com o0 fim do bipartidarismo,
bipartidarismo, organizou no Rio de Janeiro o 0
Partido Popular (PP),
(PP), que posteriormente foi fundido ao PMDB. Nas eleições
eleigoes de 1982, rompeu com Miro Teixeira,
Teixeira,
candidato que ele transformou em sucessor,
sucessor, sofrendo sua maior derrota eleitoral.
eleitoral. A partir daí,
dai, afastou-se
afastou—se da vida
pública,
pl’Jblica, vendeu seus jornais e faleceu no Rio de Janeiro em 30 de setembro de 1991. 1991. Ver DHBB.
DHBB.

História Cultural da Imprensa — 213


circulacoes, com tiragem de quase 100
uma das maiores circulações, 100 mil exemplares. Atinge, so-
bretudo, os grupos de menor poder aquisitivo e tem enorme força forca como veículo
veiculo de
politica, sendo instrumento importante do chamado “populismo
propaganda política, “populismo de direi-
ta”. Segundo o Anudrio
ta”. Anuário Brasileiro de Imprensa (1953:4),
(1953z4), a receita do seu êxito
exito era
noticias de crime e policia,
simples: 70% de notícias polícia, 20% de politica reivindicacoes operá-
política e reivindicações opera—
10% de esportes e divertimentos.
rias e 10%
Para Ribeiro (2000), o nascimento de uma imprensa popular, associada a politi-políti-
cos, como ée o caso de O
ODia, importancia que esses politicos
Dia, demonstra a importância políticos atribuem ao
fato de ter uma máquina
maquina jornalistica
jornalística voltada para expressivo segmento da populacao
população
nao alcançado
ainda não alcancado pela grande imprensa.
afinal o que estamos chamando jornalismo de sensações?
Mas afinal sensacoes? Por que utilizar
que, afinal,
este termo em vez de sensacionalismo? E o quê, afinal, é o sensacionalismo?
Chamamos habitualmente de jornalismo sensacionalista um tipo de notícia
noticia que
as sensações,
apela às sensacoes, que provoca emoção,
emocao, que indica uma relação
relacao de proximidade com
reconstruido exatamente a partir dessa memória
o fato, reconstruído memoria de sensações.
sensacoes.
O termo sensacionalismo, entretanto, possui diversas apropriações.
apropriacoes. No senso co-co—
espe’cie de acusação,
mum, serve como espécie acusacao, sendo usado muitas vezes como sinônimo
sinonimo de
imprecisao e de distorção
imprecisão distorcao das informações
informacoes (Angrimani, 1995).
1995). Para Amaral (2005) o
conceito, frequentemente utilizado para definir
definir os produtos jornalisticos
jornalísticos populares, ée’
equivocos teoricos.
amplo ao extremo, o que leva a equívocos teóricos. Segundo a autora, o sensacionalis-
mo corresponde mais àa perplexidade diante do desenvolvimento
desenvolVimento da indústria
industria cultural
ambito da imprensa, do que a um conceito capaz de traduzir os produtos midiáticos
no âmbito midiaticos
populares. Sendo assim, a palavra passa a designar, com frequência,
frequéncia, o jornalismo que
superexposicao da violência
privilegia a superexposição Violencia por intermédio
intermedio da cobertura policial e da
publicacao de fatos considerados chocantes, distorcidos, usando uma linguagem que
publicação
nao raras vezes apela a gírias,
não girias, palavrões
palavroes e inclui no seu repertório
repertorio expressões
expressoes de fácil
facil
entendimento para os grupos populares.
1986 e Marcondes Filho, 1989)
Outros autores (Serra, 1986 1989) atribuem uma função
funcao
noticia, arrogando àa imprensa sensacionalista uma radi-
alienante a essa tipologia de notícia,
mercantilizacao das sensações,
cal mercantilização sensacoes, que se presta a satisfazer as necessidades instinti-
publico e desviá-lo
vas do público desvia—lo de sua realidade. Daí
Dai o seu suposto potencial alienador.
Partindo do pressuposto de que o jornalismo se constitui como instrumento
iluminador da esfera publica, interpretacoes ressaltam que, ao exagerar as infor-
pública, essas interpretações infor—
macoes, o jornalismo produz distorções,
mações, distorcoes, fazendo com que a realidade pareca
pareça mais
palatavel em comparação
palatável comparacao ao cotidiano midiático
midiatico apresentado. Marcondes Filho (1989)
ale’m ao acreditar que as notícias
vai além noticias de crimes servem para canalizar a rebeldia poten-
normatizacao a sociedade a partir de uma
cial das classes subalternas, assegurando a normatização

214 — Cenários dos anos 1970-80


narrativa moral na qual o0 crime não
nao compensa. Por meio desses jornais, o pfiblico
público
poderia transgredir a ordem simbolicamente, identificando-se
identificando—se momentaneamente com
o criminoso.
ParaAmaral
Para Amaral (2005) ée simplista considerar o pressuposto de que o jornalismo “mexe
“mexe
sensacoes físicas
com as sensações fisicas e psiquicas”,
psíquicas”, tal como foi explicitado há
ha mais de trés de’cadas
três décadas
por profissionais
profissionais e teóricos
teoricos que participaram na Semana de Estudos de Sensacionalis-
mo, realizada na Universidade de São S510 Paulo (USP). Naquele encontro, Alberto Dines
(1971:68-9), por exemplo, enfatizou o pressuposto de que todo processo de comuni-
cacao ée sensacionalista, ja
cação já que o jornalismo sublinha sempre os elementos mais palpi-
tantes da história
historia com o intuito de seduzir o leitor.
de’cada de 1930,
Desde a década 1930, as discussões
discussoes em torno do caráter
carater “pernicioso”
“pernicioso” das noti—
notí-
“sensacionalistas” podem ser observadas periodicamen—
cias arroladas sob o nome de “sensacionalistas” periodicamen-
te. Em 1933,
1933, o
0 Centro Academico F aculdade de Direito da
Acadêmico Candido de Oliveira, da Faculdade
antiga Universidade do Brasil, organizou uma campanha contra o sensacionalismo
dos jornais. Na ocasião
ocasiao foram conferencistas nomes de destaque do cenáriocenario politico
político e
Cecilia Meirelles e Roquete Pinto. O jurista Roberto
intelectual, como Carlos Lacerda, Cecília
Lyra (1933, apud Siqueira, 2002:201), na época, e’poca, tentou explicar o sucesso do sensa-
sensa—
cionalismo junto ao pfiblico
público por ser a “expansão,
“expansao, o desabafo, o alívio,
aliVio, a função
funcao
desatrofiadora, a rebeldia, a exceção,
desatrofiadora, excecao, a invulgaridade, ée o subconsciente coletivo es- es—
cancarado nos seus mais ardentes e mais profundos esconderijos”.
esconderijos”. E diagnosticava:
“No jornal moderno (...) a gramática
“No gramatica e o estilo cederam lugar àa manchete, ao subtítulo,
subtitulo,
àa legenda, aos negritos, àa técnica
tecnica da paginacao
paginação para o efeito gráfico.
grafico. (...) O que se quer
ée atrair o olhar do transeunte para o ponto do jornal.”
jornal.”
1951, mais uma vez o sensacionalismo seria tema de discussão
Em 1951, discussao na 1ª181 Confe-
réncia Nacional de Polícia,
rência Policia, realizada no Rio. Na palestra “O
“O sensacionalismo — – fator
criminalidade”, o secretário
de criminalidade”, secretario de segurança
seguranca pfiblica sao Paulo concluía
pública de São concluia que as
noticias sensacionais exerciam influência
notícias influéncia “maléfica
“male’fica sobre a infância
infancia e a juventude”,
juventude”,
necessario coibir “o
sendo necessário “o pregao noticiario criminal por parte dos
pregão escandaloso do noticiário
vendedores de jornal”,
jornal”, ja “narracao detalhada do crime produz nos predispostos
já que a “narração
um choque moral que os faz cair do lado para o qual eles ja já pendiam” 1951,
pendiam” (Silva, 1951,
op. cit.:
apud Siqueira, op. cit: 202).
No final
final da década
decada de 1960,
1960, o tema sensacionalismo figuraria
figuraria pela primeira vez
discussoes em uma escola de jornalismo, com a realização,
em discussões realizacao, de 9 a 13
13 de junho
junho de
1969, da I1 Semana de Estudos de Jornalismo, no Departamento de Jornalismo da
1969,
Comunicacoes e Artes (ECA) da Universidade de São
Escola de Comunicações sao Paulo.
Na ocasião,
ocasiao, além
ale’m de fazer um balanço
balanco das discussões
discussoes realizadas em torno do tema,
Jose Marques de Melo (1971:57-58),
o organizador da Semana, José (1971 :57-5 8), afirmava
afirmava a diferença
diferenca
das preocupacoes
preocupações anteriores com aquelas que dominariam a semana: não nao se limitariam

História Cultural da Imprensa — 215


fenomeno, mas aprofundar analiticamente o tema,
a constatar pura e simplesmente o fenômeno,
“o prisma de algumas áreas
sob “o areas básicas
basicas da filosofia
filosofia e das ciências
ciencias humanas”.
humanas”. Ou seja,
sej a,
procurava—se —
procurava-se ambito de uma escola de jornalismo —
– agora no âmbito diseutir cientificamen-
– discutir cientificamen-
te o problema58.
problema58.
Com linguagem extremamente simples, o editor do jornal
jornal mais popular de São
S510
e’poca, Notz'cias
Paulo na época, Notícias Populares, assim definiu,
definiu, o que seria primordial na escolha
dos temas frequentes no jornal.

“E preciso sentir o pensamento, o gosto, a vontade, o interesse do leitor.


“É
Entrar no meio do povo, na sua alma, e oferecer-lhe exatamente o que preten—
preten-
de comprar. E se o0 jornal vende um dia matéria
mate’ria sem sabor, o freguês
fregués não
nao volta
compra-lo na manhã
a comprá-lo manha seguinte”.
seguinte”. (Portão,
(Portao, 1971:79)
1971279)

Ramao Gomes Portão


O que Ramão Portao chamava “matéria
“materia com sabor”
sabor” eram exatamente os
temas que faziam parte do cotidiano dos leitores, por aproximação
aproximaeao ou distanciamento.
On o
Ou 0 leitor se identifica
identifica com a trama, imaginando um mundo de sonho, ou visualiza
Visualiza na
pareee extremamente proxima.
narrativa uma realidade que lhe parece próxima.

“No caso
“No easo da faixa popular, em que o povo tem pouca instrução,
instrueao, soletra as
manchetes, prefere a fotografia
fotografia ao texto longo, em suma, a imprensa sensacio-
sensacio—
nalista, precisamos captar o desejo do homem da rua. E disto não
nao tenham dúvida:
dfivida:
aeao da censura esses
ele quer sangue e mulher, crime e sexo. Mas, diante da ação
ingredientes devem ser bem dosados para atender a lei sem desatender o lei-
tor”. (Idem,
tor”. (Idem, ibidem)

Os protocolos de leitura desse pfiblico


público tambe’m elaramente na fala do
também aparecem claramente
jornalista, mostrando que há ha adaptações
adaptaeoes da edição
edieao em função
funeao das possibilidades de
leitura. O priVile’gio ilustraeao, entre outras estratégias
privilégio da ilustração, estrate’gias da oralidade, figura
figura com
contefido dessas publieaeoes.
destaque no conteúdo nao ée’ apenas o conteúdo
publicações. Mas não contefido que coloca
coloea
esse jornalismo no lugar das sensações:
sensaeoes: ée também
tambe’m a forma — grafica e editorial —
– gráfica eomo
– como
tematica é tratada.
cada temática
Portanto, quando consideramos este tipo de jornalismo como de sensações,
sensagoes, não
nao o
fazemos apenas porque esses textos apelam às
as sensações
sensaeoes físicas
fisicas e psiquicas.
psíquicas. As sensa-
eoes a que nos referimos encontram-se na relação
ções relaeao da leitura com o extraordinário,
extraordinario,
com o excepcional, aproximando esse tipo de notícia
notieia do inominável.
inominavel. São
S510 sensações
sensaeoes
representaeoes arquetípicas
contidas nas representações arquetipicas do melodrama e que continuam subsistindo

58 O conjunto das discussões


58
discussoes da Semana foi publicado na Revista Comunicação
Comunicaga‘o e Artes 4/1971. Publicagao
4/1971. Publicação
Comunicagées e
quadrimestral da Escola de Comunicações eArtes
Artes da USP.

216 — Cenários dos anos 1970-80


noticias. Tal como os gostos e anseios po-
nos modos narrativos dessas tipologias de notícias.
pulares — duracao —
– formados na longa duração – tambe’m sensacoes desse tipo de narrativa
também as sensações
mesclam os dramas cotidianos, os melodramas, em estruturas narrativas que apelam
imaginario que navega entre o sonho e a realidade (Barbosa, 2005).
ao imaginário
Esse tipo de jornalismo pode ser caracterizado como de sensações
sensacoes tambe’m
também porque
construcao narrativa de mitos, figurações,
estabelece como central a construção figuracoes, representações
representacoes
de uma literatura que subsiste há ha seculos.
séculos. Uma literatura que falava de Violen—
crimes violen-
tos, mortes suspeitas, milagres, ou seja,
sej a, de tudo o que fugia àa ordem, instaurando um
modelo de anormalidade. Mas uma anormalidade baseada na presuncao presunção de uma nor-
malidade tambem sensorial.59 Há,
também sensorial. 59
Ha, portanto, permanencias imaginario da longa
permanências de um imaginário
duracao que faz com que os conteúdos
duração conteudos dessa mídia
midia ainda reproduzam mitos de um
passado imemorial.
Se nos Estados Unidos, a origem do sensacionalismo — – a chamada penny
penny press,
press,
referéncia ao modesto preco
numa clara referência preço de venda avulsa —– ée localizada no final
final do
século XIX no contexto da rivalidade entre o0 New York World
World e o 0 Morning Journal,
no Brasil desde o0 final
final do século
se’culo XIX a imprensa do Rio de Janeiro de grande tiragem
passou a incluir nas suas paginas sensacao ou as notas sensa-
páginas os chamados crimes de sensação sensa—
epoca, como mostramos nos capítulos
cionais, como se adjetivava na época, capitulos 1l e 2.
ODia
Portanto, o que O 1970 faz para conquistar mais leitores ée incluir em
Dia dos anos 1970
noticiario narrativas que simulam a experiência
seu noticiário experiéncia da vida
Vida de seu publico,
público, proj etan—
projetan-
do—se assim fora delas mesmas e incluindo-se, sob certo aspecto, no mundo do pro—
do-se pró-
prio leitor. Ao lado disso, editam temas ligados ao mundo do trabalho, ao mesmo
tempo em que utilizam estratégias
estrate’gias clientelistas. Na conquista do leitor (eleitor) Cha-
gas Freitas faz do jornal o lugar em que torna visível
Visivel a intermediação
intermediacao estabelecida
publico, no sentido de responder aos seus anseios cotidianos.
com o público,

“Quando chegou 70, Chagas Freitas ja


“Quando já tinha assumido o comando do par—
par-
tido, com a influência
influéncia direta de O
0 Dia, porque O
0 Dia tinha o que oferecer, que
V02. O
era a voz. 0 sujeito que estivesse com Chagas Freitas tinha uma certeza: seu
ocasiao era fundamental sair no Dia para se
nome sairia no Dia, e naquela ocasião
eleger”. (Coutto, Francisco Pedro do. Depoimento ao CPDOC.
eleger”. CPDOC. Rio de Janei-
Janei—
1998)
ro, CPDOC/Alerj, 1998)

59 Essas temáticas
59
tematicas que estão
estao no centro desses relatos do jornalismo popular repetem,
repetem, com as inflexões
inflexoes
necessárias
necessarias ao tempo de sua construção,
construcao, os mitos, as figurações,
figuracoes, as representações
representacoes de uma literatura popu-
popu—
lar existente, na Europa Ocidental, desde o século XVI.
XVI. Essa literatura popular falava dos crimes violentos,
violentos,
das mortes suspeitas, dos enforcamentos,
enforcamentos, dos milagres, ou seja,
seja, de tudo que fugia à
a ordem instaurando um
modelo de anormalidade. Roger Chartier (1981,
(1981 , 1987,
1987, 1993), ao estudar este tipo de publicação,
publicacao, sublinha as
múltiplas
ml’JItiplas reconfigurações
reconfiguracoes narrativas que estes textos sofreram para se adaptar aos padrões
padroes e hábitos
habitos de
publico em larga escala.
leitura do público escala.

História Cultural da Imprensa — 217


0 Dia tem papel fundamental dentro do funcionamento do chagismo no Estado do
O
Rio de Janeiro.

“A força,
“A forca, não
nao politica,
política, mas eleitoral, do Dia era muito maior do que a
forca eleitoral do Globo ou do Jornal do Brasil. O
força 0 Globo e o Jornal do Brasil
nao elegeriam ninguém. Ningue’m
não Ninguém ée’ força
forca de expressão,
expressao, elegeriam um. Mas
Chagas Freitas elegia seis, sete, com O0 Dia. Por quê?
que? Porque o eleitor do Dia
era um eleitor muito mais propenso a seguir o comando daquela corrente que
o jornal representava, sintetizava, do que o leitor do Globo ou do Jornal do
Brasil. E assim ele utilizou o jornal”. (Idem, ibidem)
jornal”. (Idem,

0 Dia só
O so possui expressão
expressao politica cenario dos anos 1970,
política no cenário 1970, porque conta com
aproximacao com o publico
uma rede de leitores e leituras. E essa aproximação gracas àa
público se faz graças
construcao
construção de uma outra rede de textos, que apelam a valores caros ao universo popu—
popu-
0 popular se realiza no massivo (Barbero: 1997).
lar. O 1997).

“0 Dia era um jornal mais de crimes do que ée’ hoje —


“O nao deixou de ser
— não
ate’ hoje, mas agora ée um jornal muito mais bem-feito.
até bem—feito. Eram crimes em larga
escala. É E preciso ver que a notícia
noticia do crime, do conflito,
conflito, da violência
Violencia urbana,
Violencia humana, tem um apelo muito forte junto ao povao.
da violência povão. Outro fator
de apelo era que O 0 Dia tambem
também cobria bem o futebol. Por exemplo, a toda
questao popular, de interesse coletivo, de interesse dos trabalhadores, dos
questão
funcionarios publicos,
funcionários serVidores, Chagas Freitas dava o seu apoio no
públicos, dos servidores,
jornal”. (Idem, ibidem)
jornal”. (Idem,

Trazendo o mundo do leitor para as paginas


páginas da publicacao,
publicação, ofertando esse mesmo
mundo aos seus sentidos criam, pelo ato narrativo, a possibilidade de transformacao
transformação
noticias de um mundo proximo,
da realidade. Lendo as notícias Visualizando a fantasia ao
próximo, visualizando
lado da realidade, abre-se para o leitor também a possibilidade de sonho.
0 Dia na década
Portanto, o sucesso de O decada de 1970
1970 deve ser tributado àa permanencia
permanência
de uma mesma tipologia narrativa que constitui uma rede de textos. Uma rede de
significacoes múltiplas
textos que ganha significações multiplas e que, fazendo parte de um fluxo
fluxo imemorial,
reaparece periodicamente. Mudam os atores, mas os cenários
cenarios continuam praticamen—
praticamen-
te inalterados. Dependendo da tessitura da intriga, da possibilidade de estabelecer
Vinculos com o leitor, da capacidade de moldar uma espécie
vínculos especie de modelo de mundo,
identificacao do publico
aumentam a identificação veiculo, via
público com o veículo, Via estratégias
estrategias narrativas ligadas
as sensações.
às sensacoes.
A ocasioes (de 1970
À frente do governo do estado por duas ocasiões 1970 a 1974
1974 e de 1978
1978 a
1982), Chagas Freitas intensifica
1982), intensifica a pratica
prática do clientelismo ao extremo, desenvolven-
do um sistema de trocas de votos por favores particulares. Possui em O 0 Dia uma

218 — Cenários dos anos 1970-80


diaria na qual temas como reajuste das pensoes
coluna diária dificuldades
pensões dos aposentados, dificuldades
do funcionalismo publico, Vida, etc., são
público, custo de vida, sao tratados sempre em
ern linguagem ex-
ex—
tremarnente
tremamente simples (Ribeiro: 2000).
Corn o
Com 0 térrnino deA
término de A Noticia, final da década de 1970,
Notícia, no final 1970, O
0 Dia passa a ser o
0 único
unico
jornal popular da cidade, o que faz com
corn que eleve sua tiragem a mais de 400 mil
exemplares, transformando-se num dos periodicos
periódicos de maior sucesso do pais.
país.
1983, o grupo Arca —
Em 1983, haVia comprado UH
– que havia UH em 1973
1973 —
– comprou também
0 Dia e, quatro anos depois, promove uma reforma editorial radical no jornal. Ten-
O
ta—se imagern, distante do sensacionalismo. Os fatos gerais do
ta-se construir uma nova imagem,
secao Cidade, ganham espaço
Rio, como a seção espaco e atenção
atencao maiores. Investe-se em tecnologia
para garantir alto padrao
padrão industrial ao jornal. São
S510 gastos cerca de US$ 32 milhões
milhoes na
construcao do parque gráfico
construção grafico de Benfica,
Benfica, então
entao umurn dos mais modernos da América
Corn a reforma, a penetração
Latina. Com penetracao de O 0 Dia nas classes A/B aumentou 25%. O 0 Dia
continua sendo ainda hoje umurn dos maiores jornais do pais
país (Ribeiro, 2000).

História Cultural da Imprensa — 219


Calidoscopio de mudanças
IX. Calidoscópio mudaneas (1980-2000)
(1980-2000)60
60

Inúmeras mutaeoes que podem ser apontadas no jornalismo diário


sao as mutações
Infimeras são diario a partir
dos anos 1980: utilizaoao das tecnologias de informática;
1980: a utilização avanoo dos temas eco-
informatiea; o avanço
nomicos, tornando a editoria de Economia uma espécie
nômicos, especie de carro ehefe de diversas
earro chefe
publicaeoes; eclosao do chamado jornalismo investigativo, fazendo dos profissio—
publicações; a eclosão profissio-
nais espécies de investigadores do cotidiano, numa clara estrategia de natureza politi-
Clara estratégia políti-
ca; radicalizaeao do que alguns autores chamam ‘jornalismo
ea; a radicalização cidadao’, ou seja, a
‘jornalismo cidadão’,
visão aeao quotidiana da imprensa deve ter uma utilidade social,
construida de que a ação
Visao construída
servindo aos “interesses coneretos dos cidadãos,
“interesses concretos difi-
cidadaos, ajudando os leitores a enfrentar difi-
culdades multiplieaoao de cadernos especializados
quotidianas” (Abreu: 2000, 45); a multiplicação
euldades quotidianas”
em contraposição redaoional entrecortado, onde as colunas de
criaeao de um estilo redacional
contraposieao àa criação
emblematioa, entre outras.
pequenas notas proliferam de maneira emblemática,
Observa-se, estrate-
transformaooes, duas estraté-
Observa—se, portanto, apenas no alinhamento dessas transformações,
construeao de parametros
aeoes e discursivamente pela imprensa: a construção
gias adotadas por ações parâmetros
no sentido de ampliar o poder simbólico dai ser fundamental, por exem-
simbolico dos jornais, daí
idealizaoao de um jornalismo
plo, o papel de investigadores ou a idealização cidadao; e a
jornalismo como cidadão;
adoção relaeionados a uma nova temporalidade
criterios editorias diretamente relacionados
adoeao de outros critérios
que emerge do cotidiano dos leitores.
Diante do universo tecnológico espe’eie de eterno
nao cessa de construir uma espécie
tecnologieo que não
– transformando rapidamente em obsoleto praticas
presente —transfor1nando representaeoes —,
práticas e representações –, tam-
be’m os jornais diários
bém irao multiplicar
diarios irão indieam a veloci-
estrategias narrativas que indicam
multipliear as estratégias
aceleraeao da atualidade. Neste sentido, a adoção
dade e a aceleração adoeao de um estilo entrecortado

– em colunas onde as notas são sintese ou em matérias
sao síntese Inais subdivididas e
mate'rias cada vez mais

‘50 Certamente no espaço


60
espago restrito de poucas páginas
paginas não
nao será
seré possível
possivel enfocar o calidoscópio
calidoscépio de mudanças
mudangas
que enfeixou os jornais diários
diérios da cidade do Rio de Janeiro nas duas últimas
Ultimas décadas do século XX.XX. Como
estratégia narrativa e coerente com a proposta metodológica,
metodolégica, escolheremos para nos referir a essas décadas
três
trés pesquisas realizadas por jovens que se dedicam a entender os processos complexos que envolvem o
porjovens
estudo dos meios de comunicação.
comunicagao. Essas pesquisas sãosao consideradas,
consideradas, portanto,
portanto, como espécies de vesti—
vestí-
gios que nos informam sobre esse tempo quase presente.
presente. Todos esses textos foram produzidos no âmbito
ambito
Pés—graduagao em Comunicação
do Programa de Pós-graduação Fluminense. São,
Comunicagao da Universidade Federal Fluminense. coau—
portanto, coau-
Séo, portanto,
capitulo Hérica Lene, Márcio
tores deste capítulo Matheus. Com esta estratégia me-
Leticia Cantarela Matheus.
Mércio Castilho e Letícia me—
morável
moravel prestamos também uma homenagem àquelesaqueles que continuam construindo um saber que é, é, sobretu-
do,
do, cumulativo.

História Cultural da Imprensa — 221


infograficos, retrancas, etc. —
condensadas em infográficos, – parece ser a materialização
materializaeao narrativa
dessa nova temporalidade.
O mercado jornalistieo 1990 no Rio de Janeiro aponta para a posioao
jornalístico dos anos 1990 posição
hegemonica conquistada pelo jornal O
hegemônica 0 Globo desde a década
de’cada anterior. Em 1995,
1995, atin-
ge mais de 700 mil exemplares aos domingos, enquanto O ODia, colocaeao,
Dia, na segunda colocação,
454.641 exemplares. O Jamal
vende 454.641 Jornal do Brasil, vivendo
Vivendo uma crise econômica
economica sem
de’cada
precedentes, desde a década de 1980,
1980, imprime pouco mais de 150
150 mil exemplares.
A tiragem de todos os diários
diarios do Rio nos dias de semana atinge 789.896 exemplares,
mereado com mais de 12
num mercado 12 milhões
milhoes de habitantes (Imprensa — – Mz'dia,
Mídia, Ano 1,1, no-
no—
1994).
vembro 1994).
No mesmo período
periodo um estudo sobre a evolução
evolueao de circulação
circulaeao das revistas
reVistas realiza-
do pelas agências
agéncias de publicidade Salles/DMB&B diagnostica
diagnostiea um aumento de circula-
circula—
eao em todos os tipos de publicações.
ção publicaeoes. O segmento que mais cresce ée’ o
0 de revistas
acre’scimo de 26% em suas tiragens em relaeao
femininas, tendo apresentado um acréscimo relação ao
ano anterior. A Revista Claudia, por exemplo, que em maio de 1993
1993 circulava com
1994 com 572 mil (Meio e Mensagem, 17
324 mil exemplares fecha o ano de 1994 17 julho
1995 —
1995 TVPesquisa
– TV Pesquisa —– PUC—Rio).
PUC-Rio).
relaeao aos diários,
Em relação diarios, dados do IVC mostram que — medias de
– considerando as médias
vendas de segunda a domingo, por edição
edieao — circulaeao de 39 titulos
– a circulação títulos publicados em
18 capitais brasileiras, em 1994,
18 1994, soma quase o dobro dos jornais vendidos em 1993.
1993.
A mesma pesquisa aponta as dificuldades
dificuldades crescentes do Jamal
Jornal do Brasil, o que leva
espaeos, sobretudo O
os concorrentes a ocupar novos espaços, 0 Globo e O 0 Dia. “O
“0 crescimento
no primeiro trimestre de O
0 Globo ja
já ée mais que o dobro do resultado alcançado
alcaneado no ano
0 Dia cresceu quase 18%
passado. O 18% na sua circulação
circulaeao de terea sabado e mais de 11%
terça a sábado 11%
aos domingos nos quatro primeiros meses do ano em relação
relaeao àa média
media anual de 94”.
94”.
Indica ainda as faixas preferenciais de pfiblico. 0 Globo atinge 71% de sua audi-
público. O
encia nos públicos
ência pfiblicos AB. O0 Jamal
Jornal do Brasil conserva a preferéncia
preferência do publico
público AB aos
domingos (Pesquisa DPZ, citada
Citada por TV Pesquisa —– PUC—Rio).
PUC-Rio). Atribui—se au—
Atribui-se esse au-
circulaeao em meados da década de 1990
mento de circulação 1990 a trés econo—
três fatores: impulso da econo-
implantaeao do Plano Real, avanço
mia, com a implantação avaneo teenologico
tecnológico que aumenta a produtiVi-
produtivi-
periodicos e esforços
dade dos periódicos esforeos promocionais adotados pela maioria dos jornais nesse
momento. Alem
Além disso, a politica preoo de capa abaixo da inflação
política de preço inflaeao permite o au-
au—
mento das vendas diretas.
A análise
analise realizada pela DPZ mostra ainda que “na
“na briga pela preferencia
preferência dos
leitores, os jornais empregaram armas promocionais e produtos de valor agregado,
editoriais”. E conclui: “Praticamente
principalmente brindes editoriais”. “Praticamente todos os titulos
títulos que lan-
earam mão
çaram mao destes recursos tiveram seu comportamento de circulação
circulaoao beneficiado.”
beneficiado.”

222 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


Aliada a essas estratégias há
ha ainda o desenvolvimento de cadernos específicos
especificos para
leitores jovens, gerando o aumento de participagao
participação deste pfiblico.
público. (Pesquisa DPZ
Citada por TV
citada TVPesquisa
Pesquisa —
–P UC Rio).
PUC
Ha que se referir, ainda que pontualmente, ja
Há nao é nosso objetivo
já que não obj etivo recuperar
historia recente que está
essa história esta sendo construída,
construida, a informatização
informatizagao das redações
redaooes —
– no
caso do Rio de Janeiro processo desencadeado pelo O 0 Globo, em 1985
1985 — – mudando
nao so 0
não só o cotidiano do trabalho nas redagoes,
redações, nas oficinas,
oficinas, mas tendo reflexo na pro-
reflexo pró-
pria estruturação
estruturaoao do conteúdo
contefido do jornal.
A transmissão
transmissao eletrônica
eletronica de textos transformou não
nao apenas o universo das reda-
reda—
goes, mas o universo do pfiblico
ções, público e de suas leituras. Houve, como mostra Chartier, uma
modificagao na noção
modificação nogao de contexto, ao substituir a contiguidade física
fisica entre os textos
presentes num mesmo objeto
obj eto (um livro, uma revista, um jornal) por sua distribuição
distribuigao
eletronicos e dos sistemas
nas novas arquiteturas dos bancos de dados, dos arquivos eletrônicos
de processamento que tornam possivel
possível o acesso àa informação
informagao (1999:27).
(1999227).
relagao com os textos —
Essa nova relação – continua o historiador —,
–, obriga a uma profunda
reorganizagao da “economia
reorganização “economia da escrita”.
escrita”. A produgao,
produção, a transmissao
transmissão e a leitura de um
mesmo texto passam a ser simultâneas.
simultaneas. Um mesmo indivíduo
individuo é agora responsável
responsavel
pela escrita, publicaoao, distribuioao de um mesmo texto, o que permite concluir que
publicação, distribuição
“a apresentação
“a apresentagao eletrônica
eletronica dos textos anula as antigas distinções
distingoes entre papéis intelec-
intelec—
tuais e funções
fungoes sociais”.
sociais”. (Idem,
(Idem, ibidem)
A invasão
invasao das novas tecnologias de comunicação
comunicagao muda —
– de fato —– a relação
relagao do
pfiblico veiculos. Os leitores podem, em principio,
público com esses veículos. princípio, submeter o texto a uma
operagoes (decompondo-o
série de operações (decompondo—o e recompondo-o, por exemplo), tornando-se espé-
espé—
produgoes. Mas há
cies de coautores dessas produções. ha que se considerar também que mídias
midias
anteriores sempre perduram numa nova mídia.
midia.
diagnostico inicial enfocaremos, a seguir, aspectos que consideramos
Feito este diagnóstico
as mudanças
relevantes no que diz respeito às Inudangas ocorridas nos jornais diários
diarios da cidade nas
filtimas décadas do século XX e6 nos primeiros anos do século XXI.
últimas

cenario para o jornalismo econômico


Um novo cenário economico61
61

Diversos fatores, no nosso entender, contribuem para a supremacia do jornalismo


jornalismo
econémico como tema dominante também nos jornais diários
econômico diarios a partir da década de

‘51 Este subitem foi escrito em coautoria com Herica Lene.


61
Lene. Serviu de base para a sua construção
construgao a sua
dissertagao de mestrado “A
dissertação “A crise da Gazeta Mercantil: tradição
tradigao e ruptura no jornalismo econômico
econémico brasileiro”.
brasileiro”.
Niteréi: PPGCOM-UFF, 2004.
Niterói:

História Cultural da Imprensa — 223


1970: o apartamento de temas politicos,
1970: funoao do controle da informação
políticos, em função informaeao durante
o regime militar; o alinhamento da imprensa com a sociedade politica
política que tinha no
econémico discurso ideológico
sucesso econômico ideolégico privilegiado; a conjuntura histórica
historica mundial
mareada por um
marcada urn cenário
cenario politico—economieo adooao do paradigma do chamado
político-econômico de adoção
emergéncia e consolidação
neoliberalismo; a emergência consolidaeao do processo de globalização,
globalizaeao, instauran-
instauran—
Visibilidade sem precedentes para os temas da chamada revolução
do uma visibilidade revoluoao tecnologiea
tecnológica
resvalarn em aspectos de natureza econômica.
que resvalam economica.
ha que se considerar que os meios de comunicação
Por outro lado, há comunicaeao são
sao fundamen-
tais para a divulgação
divulgaeao de cenários
cenarios econômicos
economicos dominantes, desempenhando pape’is
papéis
estrategicos na naturalização
estratégicos naturalizaoao ideológica
ideologica da economia liberal de mercado, fabricando
nao há
o consenso sobre a superioridade das economias abertas e insistindo que não ha saída
saida
fora dos pressupostos neoliberais.
corn Kucinski (2000:144),
De acordo com (20002144), como ideologia dominante, encampada pela
cobertura jornalistiea area econômica,
jornalística da área economica, a tese da globalização
globalizaoao legitima a ocupação
ocupaeao de
espaeos pelo capital financeiro
novos espaços financeiro mundial, especialmente nos paises
países perife’ricos,
periféricos,
sob o argumento de que se trata de um desenvolvimento
desenvolVimento natural das forças
foreas produtivas.
A adoção
adoeao desses parâmetros
parametros que, para alguns autores, configura
configura o chamado
neoliberalismo foi gradativamente se transformando em modelo hegemônico
hegemonico no Bra-
(1990—1992). A partir de
sil, desde o curto governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992).
entao e cada vez mais a economia do pais
então lideres do
país abre-se aos ditames dos centros líderes
globalizaeao62..
processo de globalização 62

Nos governos seguintes, incluindo os dois mandatos do presidente Fernando Henrique


Cardoso, o neoliberalismo continua sendo o modelo dominante. Em 1994, 1994, o
0 Plano Real
preoos, mas
estabiliza os preços, Inas àa custa de uma crise industrial e agrícola
agricola de caráter
carater estrutural,
corn desemprego em massa e grande vulnerabilidade aos colapsos financeiros
com financeiros internacio-
internacio—
nais que atingem a economia entre 19951995 e 1999
1999 (Singer, 2001:124-125).
E, pois, também
É, tambe’m ancorado nesse discurso promotor da politica Via economia que
política via
economicos florescem
os temas econômicos florescem no jornalismo diário,
diario, passando os jornais a dedica-
espaoos a esses assuntos, reestruturando suas editorias de economia ou
rem amplos espaços
criando—as em novos moldes, como por exemplo, ocorreu com O
criando-as 0 Globo. ÉE tambem
também

62 O
62
0 Plano Collor, programa de estabilização
estabilizagao lançado
Iangado no dia seguinte à a posse do presidente,
presidente, era baseado em
um inédito confisco monetário.
monetério. Mas o plano,
plano, que pretendia reverter o processo de estagnação
estagnagéo no qual se
encontrava a economia brasileira, não néo acabou com a inflação
inflagéo e a recessão
recesséo do país
pals aumentou.
aumentou. No Brasil,
Brasil, a
3
economia, que entre 1930
1930 e 1980 gozava de uma das maiores taxas de crescimento do mundo, estagnou e
deixou de crescer nas duas últimas
Ultimas décadas do século XX.XX. O0 país
pals foi atingido pela crise da dívida
divida externa da
década de 1980. A polarização
polarizagao entre a vocação
vocagéo do mercado interno,
interno, que exigia redistribuição
redistribuigao de renda e
aceleragao do crescimento, e a atração
aceleração atragéo do mercado global,
global, que exigia redução
redugéo do gasto e do tamanho do
Estado e recessão,
recessao, levou a um impasse, traduzido na longa
Ionga e profunda crise inflacionária
inflacionéria (Singer,
(Singer, 2001:124).
2001 :124).

224 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


cenario que a Gazeta Mercantil se fortalece como jornal
nesse cenário jornal de economia e nego—
negó-
de’cada de 1970
cios, adotando, tal como fazia desde a década 197063,
63
serie de ações
, uma série acoes no
sentido de se transformar num jornal de circulação
circulacao nacional.
naciona1.Apesar final
Apesar disso, ao final
decada, o jornal começa
da década, comeca a enfrentar problemas financeiros.
financeiros.
reve’s ao fato de a Gazeta não
Podemos atribuir esse revés nao ter se adaptado às
as mudanças
mudancas
cenario econômico
do cenário economico mundial, aliado àa retração
retracao das verbas publicitarias
publicitárias e àa falta de
capital para investimentos.
A década
de’cada de 1990
1990 representa, segundo alguns autores, o momento em que a cha- cha—
comunicacao começa
mada cultura da comunicação comeca a tomar forma. As mudanças
mudancas históricas
historicas ocorri-
ocorri—
das —– abertura das sociedades umas às as outras; quebra de equilíbrios
equilibrios familiares; mu-
danca nas relações
dança relacoes sociais e nas representações
representacoes do indivíduo
individuo e da coletividade;
coletiVidade; ruptu-
ruptu—
emergéncia do setor de serviços,
ra radical das formas de trabalho com a emergência servicos, entre outras
— consequencias fundamentais para a comunicação,
– trouxeram consequências comunicacao, ancorada em um mo- mo—
delo tecnolégico midia de massa globalizada com a comunicação
tecnológico que funde a mídia comunicacao media-
media—
da por computadores. (Wolton, 1999:171)
1999: 171)
de’cada de 1900,
Em meados da década 1900, com uma receita que ja
já ultrapassa os R$ 100100
milhoes, a direção
milhões, direcao da Gazeta Mercantil decide fortalecer sua atuação,
atuacao, lançando
lancando jor—
jor-
avaliacao feita, mercado compatível.
nais onde houvesse, na avaliação compativel. Com isso pretendem
formar uma rede de jornais regionais, afirmando-se
afirmando—se perante os leitores
1eitores como um diá-
dia—
economicos mundiais, nacionais e tambe’m
rio de economia que cobre fatos econômicos também locais
(Lene: 2004).
Com isso, o jornal continua crescendo. Em 1997
1997 alcança
alcanca 89.844 assinaturas e sua
circulacao aumenta 22% em relação
circulação relacao ao ano anterior, ao passar a ser impresso em dez
capitais do pais. nfimero ja
país. Em 2000, este número alcanca 21
já alcança 21 jornais regionais e as redações
redacoes
produzem o conteúdo
contefido dos jornais nacionais e estaduais, empregando aproximada-
aproximada—
mente 500 jornalistas. (Idem,
(Idem, ibidem)
milhoes, ao contrário
Encerrando o ano de 2000 com um lucro de R$ 25,758 milhões, contrario de
1999, quando teve um prejuizo
1999, 19,534 milhões,
prejuízo de R$ 19,534 milhoes, o jornal alardeia os resultados
positivos com a manchete: “Gazeta
“Gazeta Mercantil obtém
obte’m maior lucro líquido
liquido de sua histó-
histo-
ria.” Na matéria
ria.” materia compara a sua propria atuacao num mercado onde poucos jornais
própria atuação

‘53 Na busca por firmar-se


63
firmar—se como jornal de “credibilidade”
“credibilidade” no Brasil e no exterior,
exterior, a empresa da família
familia Levy
iniciou, ja modernizacao do jornal. A direção
já na década de 1970, um processo de modernização diregao decidiu fazer um veículo
veiculo
similar aos principais jornais, no panorama mundial,
principaisjornais, mundial, especializados em economia e negócios. A definição das
negocios. Adefinigao
editorias, dos padrões
padrées gráficos
graficos e a utilização
utilizagao de bico-de-pena no lugar de fotos,
fotos, por exemplo,
exemplo, são
sao alguns
indicadores da vontade de se guiar pelo modelo internacional do jornalismo econômicoeconémico praticado nos gran-
reformulagao do jornal nos anos
des mercados. Quando ocorreu a reformulação anos1970,
1970, as editorias foram estruturadas com
base em grandes jornais internacionais da área area de Economia,
Economia, como o TheThe Wall
Wall Street Journal (Estados
Unidos), o 0 Financial Times
Times (Inglaterra) e o Handelsblatt
Handelsb/att (Alemanha).
(Alemanha). (Lene:
(Lene: 2004)

História Cultural da Imprensa — 225


cenario de
continuavam crescendo num cenário dc crise
crisc que atingia as empresas,
emprcsas, devido
dcvido princi-
palrncnte àa retração
palmente retracao das verbas publicitarias
publicitárias e àa falta de capital para investimentos.
Apesar do lucro o jornal vive
Vive uma aguda crise.
crisc. O lançamento
lancarnento do jornal Valor,
Valor,
criado a partir do investimento realizado
rcalizado pclos Manha ec Infoglobo
pelos grupos Folha da Manhã
Comunicacocs, no valor de
Comunicações, dc R$ 50 milhões,
milhoes, sob o argumento de
dc que
quc havia
haVia espaço
espaco para
urn novo diário
um diario de
dc economia,
cconomia, é apenas mais um
urn aspecto para recrudescer um
urn periodo
período
dc
de incertezas.
insuccsso dos jornais regionais, a retração
O insucesso retracao do mercado, a crise de
dc credibilidade
credibilidadc
razao de
em razão dc estar
cstar enfrentado,
cnfrentado, na pratica, urn fracasso de
prática, um dc natureza econômica
economica (o que só so
situacao do jornal, pois fazia parte da sua estratégia
piorava a situação cstratégia discursiva historica-
historica—
mentc noticiar os sucessos empresariais), aliada àa concorrência
mente concorréncia de
dc um
urn jornal para
disputar o mesmo nicho de dc mercado, tudo isso, contribui para o agravamento
agravamcnto da crise
da Gazeta Mercantil.
A rigor, os dois grupos aproveitaram a fragilidade
fragilidadc financeira
financcira da Gazeta para dis-
dis—
putar o mesmo pfiblico dc notícias
público leitor de noticias econômicas
cconémicas e de negócios.
negocios. A Revisz‘a
Revista Propa-
ganda noticia que
quc para a decisão
decisao de
dc lançar
lancar o novo jornal de
dc economia
cconomia foi fundamental
o fato de a Gazeta Mercantil não
nao apresentar boa situação
situacao financeira.
financcira.
A chegada do concorrente
concorrcnte Valor
Valor não
nao afeta de
dc imediato
irncdiato a circulação
circulacao do diário.
diario. Dc
De
corn dados do IVC, a circulação
acordo com circulacao paga da Gazeta Mercantil atinge
atingc 124.351
124.351
dczernbro de
exemplares em dezembro do 2000, com
corn aumento
aumcnto de
dc 5,4% em
cm comparação
comparacao a 1999.
1999.
Nos dois anos seguintes,
scguintcs, continua aumentando sua tiragcm.
tiragem.

Cenario 2: Jornalismo investigativo —


Cenário mitificacz‘lo?64
– categoria ou mitificação? 64

quc é afinal
O que afinal o jornalismo investigativo? Seria
Scria possivel Visualiza-lo como cate-
possível visualizá-lo
scria melhor
goria conceitual ou seria Inclhor defini-lo
dcfini—lo como uma construção
construcao originária
originaria de
dc dentro
carnpo, como
do campo, corno forma de
dc qualificar
qualificar a profissão?
profissao?
inicio do século XX, o
Se no início 0 repórter
reporter é a figura
figura inovadora do jornalisrno, final
jornalismo, no final
do século, o jornalista investigativo parece
parecc sintetizar
sintctizar a mítica
mitica da profissao construida
profissão construída
pelos proprios
próprios jornalistas.
1950/1960 era importante
Enquanto nos anos 1950/1960 importantc do ponto de
dc vista
Vista da construção
construcao do
jornalista como
corno comunidade interpretativa mostrar
rnostrar o jornalismo como o lugar natural

64 Este subitem foi escrito em coautoria com Marcio Castilho.


64
Castilho. Serviu de base para a sua construção
construcéo a sua
dissertagao de Mestrado “Uma
dissertação “Uma Morte em Família:
Familia: martírio
martirio e autoridade nos cem dias de cobertura do caso
Tim Lopes em O 0 Globo”.
Globo”. Niterói:
Niteroi: PPGCOM-UFF,
PPGCOM—UFF, 2005.
2005.

226 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


da objetividade — construeao feita graças
– construção graeas às
as estratégias
estrate’gias memoráveis
memoraveis daqueles que se
autointitulam instauradores do processo de modernização
modernizaoao —,–, a partir dos anos 1980
1980
cabera aos jornalistas serem
caberá serern investigadores do cotidiano.
A adoção
adoeao do modelo de jornalismo “objetivo,
“objetivo, imparcial e neutro”
neutro” tambe’rn
também foi
favorecida pelos limites impostos durante o periodo
período militar, uma vez que se distanciar
opiniao passou a ser uma espécie
da opinião espe’cie de prerrogativa muitas vezes para a propria so—
própria so-
breViVéncia. Ha
brevivência. Há que se considerar tambem
também que recusar os Vinculos
vínculos com a politica
política
tambem essencial para os que queriam
naquele momento era também queriarn se beneficiar
beneficiar das cerca-
cerea—
nias do poder.
mostrarnos, a ação
Se, como mostramos, aeao da imprensa
imprensajunto
junto ao campo politico, ate’ a década
político, até decada de
1960, chega por vezes a se confundir, nas décadas seguintes há
1960, ha no jornalismo a valo-
rizaeao de aspectos que na chamada modernização
rização modernizaeao dos anos 1950
1950 ficaram
ficaram encober-
encober—
tos. A ênfase
enfase a um
urn novo tipo de jornalismo —
– o investigativo —– parece se inserir neste
contexto.
Esse tipo de jornalismo —– num claro processo de autoconstrução
autoconstrueao referendado pe—
pe-
los proprios profissionais —
próprios profissionais sera enfatizado a partir dos anos 1970,
– será 1970, quando os princi—
princi-
pais prêmios
premios outorgados a jornalistas valorizam exatamente
exatarnente esse tipo de abordagem
(Castilho: 2005).
Abreu (2002:48)
(2002248) marca como ponto inflexivo
inflexivo do modelo de jornalismo investigativo
(1972—1974), destacando o significado
na imprensa brasileira, o caso Watergate (1972-1974), significado de se
particularizar o tipo de jornalismo realizado a partir do método
Ine'todo e não
nao mais pelo assun-
to (político,
(politico, econômico,
economico, esportivo, etc).
Na nossa avaliação,
avaliaeao, a conjuntura política
politica dos anos 1970
1970 foi fundamental para a
construeao de um cenário
construção cenario no campo jornalistico,
jornalístico, no qual os proprios irao se
próprios atores irão
silencio pela sua carga
autoconstruir como descortinadores de assuntos envoltos em silêncio
conflito.
de conflito.
No instante em que a politica
política como campo de debate e de polemica
polêmica foi apartada
discussoes quotidianas apresentadas pelos jornais, há
das discussões ha que se construir um
urn novo
lugar para essas mesmas polémicas. Esta montado, tambem
polêmicas. Está também sob este ponto de vista,
Vista, o0
cenario ideal para o discurso jornalistico
cenário instancias
jornalístico denunciador, mas agora em outras instâncias
nao às
que não as nitidamente políticas.
politicas. Os jornais publicam matérias
materias cujo foco central ée’ a
investigaeao dos mais variados assuntos: desde as condições
investigação condieoes de vida
Vida dos trabalhado—
trabalhado-
ate’ a poluieao
res até poluição ambiental.
Em seu estudo sobre o tema, Silvio Waisbord (2000) afirma afirma que a tradieao
tradição da
condieoes em que o jornalismo ée praticado tern
imprensa e as condições influencia decisiva no
têm influência
significado que o jornalismo investigativo toma
significado torna em determinado contexto. Nesse sen-
tido, as definições
definieoes correntes desse tipo de jornalismo refletem
refletem praticas experiencias
práticas e experiências

História Cultural da Imprensa — 227


proprias do contexto norte-americano,
próprias norte—arnericano, nada tendo a ver com a historicidade do mode-
especifieamente, carioca.
lo brasileiro e, especificamente,
oenario o jornalismo norte-americano, Waisbord destaca a caracterís-
Tendo como cenário caracteris—
“denuneista” desse tipo de jornalismo. Assim, mesmo sem evidências
tica “denuncista” evidéneias suficientes,
sufieientes,
informaooes das fontes, os jornalistas podem fazer denúncias.
a partir de informações denfincias. Predomina,
narraoao de uma história
assim, a narração historia dramatizada, onde a denúncia
denfincia não
nao é fundamentada
(Waisbord, apud Abreu, 2000:51).
2000251).
A eclosão
eelosao desse tipo de jornalismo está
esta diretamente relacionada
relaeionada tambem
também ao con-eon—
fronto que se estabelece no jornalismo, criando uma dualidade entre um urn profissional
profissional
voltado para ações
aooes de natureza politica
política e outros governados pelos ditames do merca-
1970, como
do (Roxo, 2000). Os anos 1970, eorno observa Lins e Silva, tambern
também citado pelo autor,
significaram uma hipertrofia
significaram hipertrofia no jornal do plano politico. Ja os anos 1980
político. Já 1980 deveriam
opeao pela parte técnica
representar uma opção tecnica jornalistica.
jornalística. O jornalismo — graeas àa
– agora graças
aeao das próprias
ação proprias empresas jornalistas — modernizaeao, trans-
– implementou uma outra modernização,
formando o jornalismo num negócio
negoeio rentável,
rentavel, na esteira da consolidação
consolidaeao do capitalis-
capitalis—
economica. Modernizar significava
mo na esfera econômica. significava aderir ao projeto politico-adminis—
político-adminis-
trativo estabelecido pelos jornais, cuja eficácia
efioacia estava centrada numa modernização
modernizaeao
agora implementada pelas empresas.
funeao dessa nova concepção
Em função concepeao empresarial há ha uma mudança
mudanea no perfil
perfil do jorna—
jorna-
EXige—se dele cumprimento
lista. Exige-se eurnprimento de prazos mais rigorosos para fechamento
feehamento de maté-
mate'-
rias, textos mais curtos e versatilidade para assumir outras atribuições
atribuieoes dentro do jor—jor-
mudanea ganha força
nal. Uma outra mudança forea a partir dos anos 1980:
1980: a questão
questao da exclusivida-
exclusivida—
rnate’rias, como estratégia
de das matérias, estrate’gia simbólica
sirnboliea de construção
construeao de autoridade. O jornalista
deveria ser —– cada vez mais — – aquele que podia nãonao só
so revelar o que ficava
fioava oculto,
oeulto, mas
deseobrir fatos, acontecimentos, denunciando-os
a quem caberia descobrir denunciando—os ao pfiblico.
público. Sem a
aeao investigativa, não
sua ação nao haveria sequer notícia.
noticia. O fato de dominar umurn conhecimen-
inedito evoca um
to inédito urn lugar de poder, o que justifica
justifica uma permanente preoeupaoao
preocupação do
reporter em se autoconstruir
repórter autoeonstruir como investigador.
constituieao da profissao
Se quando da constituição reporter, a importância
profissão de repórter, importancia da notícia
noticia inédi-
ine’di-
Vinculada ao gosto do público
ta era vinculada pfiblieo “sempre
“sempre sequioso por novidades”
novidades” (Barbosa, 1996:1996:
187), agora se constrói
187), constroi uma nova categoria de jornalista — – o investigativo —– que traz
caraeteristica: ée capaz de configurar
para o campo outra característica: eonfigurar — – e a ele ée’ dada esta outorga
— propria notícia,
– a própria noticia, a partir de seu “faro”
“faro” investigativo. Com
Corn isso, amplia
arnplia sua ação
aoao
frente a outras esferas sociais.
Esta categoria tende a se manifestar na cobertura policial, lugar onde o trabalho de
profissionais se confunde com
profissionais corn as atribuições
atribuieoes de investigador. Nesse sentido, o caso
easo
Tim Lopes serve para exemplificar
exemplificar esse processo, se constituindo numa espécie
espéeie de
sintese.
síntese.

228 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


Tim esteve na fronteira entre esses dois territorios
territórios —– o0 do jornalismo e o policial.
E preciso considerar ainda que repórteres
É reporteres policiais não
nao gozam de grande prestigio
prestígio
redacao. No sistema de divisão
na hierarquia das salas de redação. diVisao de poderes dentro jornalis—
jornalis-
reporteres policiais tem
mo, os repórteres simbolico do que um repórter
têm menos capital simbólico reporter de econo-
econo—
mia ou politica.
política. Reivindicar para si o0 papel de investigador, dominar um conhecimen-
to inédito
ine’dito ou trazer o “furo”
“furo” para o chefe da redação
redacao deve ser visto,
Visto, nesse sentido,
estrate’gia capaz de conferir ao jornalista investigativo maior poder simbólico.
como estratégia simbolico.
O assassinato de Tim Lopes no alto da Favela da Grota, no Complexo do Alemao,
Alemão,
Zona Norte do Rio de Janeiro, teve intensa repercussão
repercussao nos meios de comunicação
comunicacao do
pais,
país, especialmente no jornal O0 Globo, uma das empresas do grupo de comunicação
comunicacao
do qual o jornalista fazia parte. Desde o anúncio
anl'mcio do desaparecimento, o periodico
periódico
procura demarcar a sua atuação
atuacao no episódio.
episodio. Coloca-se
Coloca—se como principal adversário
adversario dos
elucidacao
executores de Tim Lopes, lidera uma campanha pela elucidação do caso e cobra a
prisao responsaveis pelo crime. Interessa observar, no entanto, que o
prisão imediata dos responsáveis
jornal não
nao concorre diretamente com os periodicos
periódicos populares que valorizam as maté-
mate-
rias policiais. Numa rápida
rapida análise
analise mercadológica,
mercadologica, O 0 Globo tem um pfiblico
público com
noticiario politico
interesse voltado para o noticiário econ6mico.
político e econômico.
As pesquisas mostram que 26% dos leitores de O 0 Globo situam-se na chamada
classe A e 45% na classe B, representando 71% do total. O 0 jornal tem 25% do seu
pfiblico
público na classe C e 4% nas classes D/E. A maior parte (41%) completou ou está esta
nivel superior e apresenta faixa etária
cursando nível etaria de 20 a 29 anos (24%). O periodico
periódico
tem maior venda entre as mulheres. Elas representam 55% no perfil audiencia
perfil de audiência
(Marplan — 1o trimestre/2004). O
– 1º 0 Globo vende uma médiamedia de 239.453 exemplares
fiteis e 370.223 aos domingos. Amaior
nos dias úteis me’dia
A maior leitura nos segmentos da classe média
reflete no mapa de distribuição
alta reflete distribuicao do jornal no Estado do Rio de Janeiro: do total de
exemplares, 55% circulam na Zona Sul, seguidos da Zona Norte (17%), Zona Central
(9%) e Niteroi
Niterói (8%) (IVC —Agosto/2004).
– Agosto/2004).
A distribuição
distribuicao das notícias
noticias por editorias —
– os jornais tém espacos reservados para
têm espaços
assuntos de economia, politica,
política, esportes, policia,
polícia, cultura e geral —– traduz tambe’m
também uma
diVisao de status entre os repórteres
divisão reporteres na empresa. A editoria policial costuma ser a
porta de entrada para quem está
esta iniciando a carreira. Em média,
media, os salários
salarios são
sao infe-
infe—
comparacao com os rendimentos de jornalistas que ocupam as editorias
riores em comparação
“nobres”, como politica
consideradas mais “nobres”, economia65.
política e economia 65
.

‘55 O piso salarial do jornalista varia de acordo com a cidade onde trabalha,
65
trabalha, a categoria (rádio,
(radio, TV ou jornal) e
a carga horária.
horaria. De acordo com a Federação
Federacao Nacional dos Jornalistas (Fenaj),
(Fenaj), o redator, no Estado do Rio de
Janeiro, recebia,
recebia, em 2004, por mêsmés R$ 695,55 (5 horas) e R$ 1.113,26
1113,26 (7 horas). No Distrito Federal,
Federal, o piso
(midia eletrônica)
varia entre R$ 958,00 (mídia eletr6nica) e R$ 1.161,00
1.161 ,00 (mídia
(midia impressa).
impressa).

História Cultural da Imprensa — 229


Tim Lopes pertencia a um grupo, dentro da reportagem policial, que está esta ligado ao
ideario romântico
ideário romantico da profissao:
profissão: o jornalismo investigativo. Sua atuação
atuacao se identifica-
identifica-
Va com a pratica
va “‘Verdadeiro jornalismo”,
prática do “verdadeiro responsavel por denunciar os escânda-
jornalismo”, responsável escanda—
corrupcao nas esferas publicas
los, relatar os dramas humanos, investigar a corrupção públicas e o0 crime
Varias passagens da carreira, incorporou per—
organizado nas favelas. Tim Lopes, em várias per-
sonagens para fazer suas reportagens. Vestiu-se
Vestiu—se de operário
operario para denunciar as condi-
condi—
coes de trabalho nas obras do metrô
ções metro do Rio de Janeiro. Como policial rodoviário,
rodoviario,
corrupcao entre os patrulheiros nas rodovias. Disfarçou-se
revelou o esquema de corrupção Disfarcou—se de
mendigo e Papai Noel para contar histórias
historias da vida
Vida “real”.
“real”. A identificação
identificacao com a
“heroi solitário”
imagem de “herói solitario” marcou a sua traj etoria nas revistas
trajetória reVistas e jornais cariocas e na
TV Globo, como repórter
TV reporter do programa “Fantástico”.
“Fantastico”.
Aos colegas de profissao reporter Octavio Ribeiro, o “Pena
profissão dizia se inspirar no repórter “Pena
Branca”, conhecido jornalista que obtinha informações
Branca”, informacoes antes de a policia
polícia ter acesso
ocorréncia. “Pena
ao local da ocorrência. “Pena Branca”
Branca” proj etava a figura
projetava figura do profissional
profissional de imprensa
“heroi solitário”,
como “herói solitario”, aquele com autoridade para cobrar justica
justiça e resolver os pro—
pro-
blemas da sociedade. A lembrança
lembranca de “Pena
“Pena Branca”
Branca” reforça
reforca a identidade de Tim
“herdeiro” de uma tradicao
Lopes como “herdeiro” reporteres, que empregam em seus méto-
tradição de repórteres, me’to-
apuracao te’cnicas
dos de apuração investigacao policial66.
técnicas de investigação ultimo trabalho, na Vila
policial . Em seu último
66

reporter
Cruzeiro, o repórter da TV Globo usava uma camera
câmera oculta para registrar a venda de
exploracao sexual infantil nas imediações
drogas e exploração imediacoes de um baile funk.
microcamera ja
O recurso da microcâmera já tinha sido utilizado por ele na matéria
mate’ria que consagrou
atuacao do repórter
a atuação reporter como detetive em áreas
areas de conflito.
conflito. Em dezembro de 2001, Tim
Prémio Esso na categoria Telejornalismo pela matéria
Lopes recebeu o Prêmio mate’ria “Feira
“F eira das
drogas”, exibida
drogas”, eXibida no “Jornal
“Jornal Nacional”,
Nacional”, da TV TV Globo, em agosto do mesmo ano.
O trabalho lhe rendeu homenagens. A imagem do premiado, editada com tre-
mate’ria vencedora, foi ao ar durante o noticiário
chos da matéria noticiario mais assistido da televisao
televisão
brasileira. A premiação
premiacao fortalecia o papel da reportagem investigativa na formação
formacao da
profissional do jornalista.
identidade profissional
No ano seguinte, o repórter
reporter Eduardo Faustino tambe’m Prémio Esso na
também venceu o Prêmio
camera escondida para flagrar
mesma categoria. Como Tim Lopes, usou a câmera flagrar um esque-
esque—
corrupcao envolvendo politicos
ma de corrupção empresarios no município
políticos e empresários municipio de São
S510 Gonçalo,
Goncalo,
Regiao Metropolitana do Rio de Janeiro. Faustino, no entanto, não
Região nao foi apresentado ao
publico. O prémio
público. prêmio foi entregue a um representante do vencedor (Jakobskind, 2003).
O meio jornalistico ViVia o impacto do assassinato de Tim Lopes.
jornalístico ainda vivia

66 Figura
66
Figure carismática,
carismética, com uma mecha branca nos cabelos negros,
negros, Pena Branca era famoso por desvendar
crimes, encontrar fugitivos e proteger testemunhas.
testemunhas. Acabou inspirando o personagem Valdomiro Pena,
Pena, inter-
inter—
pretado pelo ator Hugo Carvana, na minissérie da TV TV Globo “Plantão
“Plantao de Polícia”,
Policia”, no final dos anos 1970.
1970.
Pena Branca publicou ainda romances como Barra Pesada (1977) e Algemas de carne came (1983).

230 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


A morte do repórter
reporter da TVTV Globo
Globe soou como sinal de alerta para os jornalistas. Ate’
Até
entao, havia
então, haVia uma espécie
espe’cie de crença
crenca de que a imprensa estava imune às
as forças
forcas da socie-
fiscalizar as instituições
dade para fiscalizar instituicoes pfiblicas “estado paralelo”
públicas e apontar os males do “estado paralelo” do
crime organizado, colocando-se sempre em favor do interesse pfiblico.
público. Mas a execu-
950 no alto da Favela da Grota expôs
ção expos a vulnerabilidade de repórteres
reporteres policiais no
exercicio profissional
exercício areas de conflito.
profissional em áreas conflito.
Mesmo que a morte de Tim Lopes tenha provocado um redimensionamento das
funcoes do repórter
funções reporter investigativo na producao noticias67,
produção de notícias 67
, observamos que o discur-
so de O0 Globo e das entidades de classe permaneceu enaltecendo a imagem do jorna—jorna-
“heroi solitário”
lista como “herói solitario” convocado para uma missão
missao altruísta
altruista e de muito risco:
risco:
desvendar o0 crime que está
esta oculto e desmascarar os males da sociedade.
alem do debate ético
Para além etico sobre o uso da microcâmera
microcamera e a busca do “furo”“furo” a
qualquer preco seguranca dos repórteres,
preço em detrimento da segurança reporteres, a análise
analise das narrativas de
0 Globo aponta para a idealização
O idealizacao da profissao.
profissão. O jornal se apropria do assassinato
reforcar a imagem da imprensa como instituição
de Tim Lopes e acaba por reforçar instituicao poderosa,
intervindo sempre em defesa do interesse coletivo. Nesse sentido, os jornalistas
jornalistas tam-
be’m atuam preferencialmente a serviço
bém servico da verdade (Mouillaud, 2002). O discurso
crivel ou o poder de “fazer
crível “fazer crer”
crer” se torna o
0 capital maior do campo jornalistico,
jornalístico, pois
confere credibilidade ao jornal e oferece as condições
condicoes da sua aceitabilidade.
detem o
Os homens que detêm 0 capital da informação
informacao apelam para a objetividade,
obj etiVidade, garan-
garan—
tem estar comprometidos com os valores democráticos,
democraticos, mas acima de tudo agem em
defesa do grupo de jornalistas. As matérias
mate’rias ilustram de maneira emblemática
emblematica o modo
profissionais exercem a sua autoridade interpretativa diante dos fatos.
como os profissionais
Opiniao de O
O editor de Opinião 0 Globo,
Globe, Luiz Garcia, definiu
definiu a execução
execucao de Tim Lopes como
“morte em família”.
uma “morte familia”.

“Ele era dos nossos, e morreu fazendo o que todos queremos fazer —
“Ele –e
nem sempre todos sabemos: descobrir o0 crime que está esta oculto e, para o bem
coletivo, ée necessário
necessario contar. A sensação
sensacao de perda e a tristeza tendem a domi-
domi—
nar m
nossa reação, nossa interpretação
reacao, m interpretacao do que aconteceu: somos as vítimas,
Vitimas,
mataram um dos nossos quando fazia o w nosso trabalho.”
trabalho.” (“Somos
(“Somos todos víti-
Viti-
mas”. O
mas”. 0 Globo,
Claim, 1010 junho 2002, p. 14)
14)

‘57 Uma equipe do programa Cidade


67
Alerta, da Rede Record, chegou a trabalhar com coletes à
CidadeAIerta, a prova de balas
enquanto acompanhava as operações
operacoes policiais de busca pelo corpo de Tim Lopes no Complexo do Aleméo.
Alemão.
A agência
agéncia de notícias
noticias Association Press (AP) também informou que compraria kits de segurança
seguranca (“Jornalistas
(“Jornalistas
passam a vestir coletes à a prova de balas em operações
operacoes policiais”.
policiais”. O Globo, 12 junho de 2002,
2002, p.
p. 8).
8).

História Cultural da Imprensa — 231


O jornal fortalece a imagem dos jornalistas como profissionais
profissionais onipotentes, muni-
oder da palavra,
dos do poder alavra, cuja
cu'a missão
missao consiste em “descobrir
“descobrir o0 crime queue está
esta oculto e,
e9

para o bem coletivo, ée necessário


necessario contar”.
contar”. No entanto, outras instituições,
instituicoes, não
nao o jorna—
jorna-
lismo têm
lismo,9
tém a atribuição
atribui 50 de desvendar crimes. Naturaliza—se ratica do repórter
Naturaliza-se assim a prática re orter
policial como investigador de policia,
polícia, pois atuaria como intermediário
intermediario em favor da
coletiVidade.
coletividade.
A “morte
“morte em família”,
familia”, percebida como sentimento coletivo de luto, deve ser vista,
Vista,
construcao narrativa que reforça
sobretudo, como construção reforca a ideia da comunidade interpretativa.
O autor apela todo momento para um discurso na primeira pessoa do plural, conforme
destacamos no texto. Entendemos que há ha um claro indício
indicio de autoridade ao ser
“mataram um dos nossos quando fazia o nosso trabalho”.
enfatizado que os bandidos “mataram trabalho”.
O jornal busca legitimar os jornalistas como um grupo coeso que deve assumir o
papel de interventor na sociedade para investigar crimes.
Nas matérias
mate’rias parece clara a crença
crenca de que os repórteres
reporteres são
sao capazes de “ater-se
“ater-se
fatos” e reproduzir fielmente
aos fatos” fielmente os acontecimentos da forma como eles aconteceram.
Nesta concepção,
concepcao, os jornalistas atuam como porta—vozes confiaveis da
porta-vozes legitimados e confiáveis
1992), uma “verdade”
verdade do mundo (Zelizer, 1992), “verdade” que não
nao poderia ser ofertada ao
publico não
público nao fosse a atuação
atuacao da imprensa.

“Ja se disse que


“Já ue a primeira
rimeira vítima,
Vitima, na cobertura jornalística
'ornalistica dos conflitos,
conflitos 9

ée’ a verdade. Muitas vezes,


vezes pode
9
ode ser. Desta vez,
vez não.
nao. A vítima
9
Vitima foi a busca da
verdade. Da verdade que Tim buscava, sem o menor desvio para o sensacio-
autopromocao, movido por singelo e intenso desejo de contar as
nalismo ou a autopromoção,
acontecem”. (Idem. Grifos nossos)
coisas que acontecem”.

Ao reivindicar
reiVindicar para si o
0 papel de “descobrir
“descobrir o0 crime que está
esta oculto e, para o bem
necessario contar”,
coletivo, é necessário contar”, o jornal sobrepõe-se
sobrepoe—se a outras instituições
instituicoes como a poli-
polí-
Judiciario Da mesma forma que estampava em sua manchete que o
cia e o Poder Judiciário
trafico havia
tráfico haVia julgado, torturado e executado Tim Lopes, O 0 Globo também assume
o0 papel de um tribunal, não
nao se limitando a relatar os acontecimentos. Albuquerque
afirma que “em
afirma “em face da ineficiência
ineficiéncia da Justiça,
Justica, os jornalistas brasileiros se veem ten-
tados a realizar simbolicamente a justica nao ée capaz de fazer”
justiça que ela não fazer” (2000:48).
noticiario também reflete
Interessa observar que o noticiário reflete as instruções
instrucoes contidas nos arti-
arti—
gos publicados em O 0 Globo, tornando tênue
ténue a linha clássica
classica que separa as notícias
noticias
obj etivas dos espaços
objetivas espacos reservados para comentários
comentarios e opiniões.
opinioes. As matérias
materias se relacio-
nam com o sentido dado pelo escritor Silviano Santiago ao assassinato de Tim Lopes.
reporter a um correspondente de guerra: “O
Ele compara o repórter “O correspondente de guerra
herois anônimos
deve ser reverenciado como se reverenciam os heróis andnimos do cotidiano”.
cotidiano”. (“Nos-
(“Nos—
guerra”. In: O
so correspondente de guerra”. 0 Globo, 11
ll junho 2002, p. 19)
19)

232 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


Se a categoria jornalista investigativo ganha força,
foroa, como vimos,
Vimos, a partir dos anos
1970 em função
1970 funeao da conjuntura politica economica do pais,
política e econômica país, podemos refletir
refletir até
ate que
ponto o caso Tim Lopes representou um momento de consolidação
consolidaeao deste tipo de jor— jor-
estrate’gia memorável
nalismo do Rio de Janeiro ou um segundo ciclo de estratégia memoravel por parte dos
produtores de notícias.
noticias. Nos meses que se seguiram ao assassinato, articulou-se
articulou—se duran-
te seminário,
seminario, em parceria com o 0 Centro Knight da Universidade do Texas, a fundação
fundaeao
da Associaeao (Abraj i). Criada nos moldes da
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Investigative Reporters and Editors (IRE), a entidade tem como objetivos
obj etivos “o
“o aprimo-
aprimo—
ramento profissional
profissional dos jornalistas”
jornalistas” interessados no tema “investigação”
“investigaoao” e a “difu-
“difu—
sao dos conceitos e técnicas
são tecnicas da reportagem investigativa”
investigativa” (cf. Artigo 1º10 do Estatuto da
Associaeao
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). A Fenaj, F enaj, por sua vez, passou a
promover, a partir da morte do repórter
reporter da TV Globo,
Claim, o 0 Prêmio
Prémio Tim Lopes para Pro— Pro-
jetos de Investigação
Investigaeao Jornalística.
Jornalistica.
Quanto àa adesão
adesao do grupo ao discurso que transforma Tim em mártir martir do jornalis-
atrave’s das notas oficiais
mo, percebemos que, através oficiais das entidades e das declarações
declaraeoes dos
0 Globo adquire poder interpretativo no episódio.
seus representantes, O episédio. Sem condição
condieao
convicooes, comentários
de expressar suas convicções, comentarios e opiniões
opinioes no noticiário,
noticiario, posto que essas
manifestaeoes devem se limitar ao espaço
manifestações espaeo dos artigos, conforme as regras da profis—
profis-
350,
são, o jornal deixa que a comunidade interpretativa, ou seja, os sindicatos e associa-
eoes falem por ele. Essa tática
ções tatica se torna eficaz
eficaz graças
graeas ao sistema de citações.
citaooes. A conven-
conven—
eao noticiosa do uso da terceira pessoa permite aos jornalistas reportar a opinião
ção opiniao de
outros grupos para legitimar o seu proprio
próprio discurso.
citaooes que confere ao jornalista a possibilidade de interpretar os
O sistema de citações
materias noticiosas dos artigos. Em certos momentos, parece mes-
fatos aproxima as matérias
dificil perceber a diferença
mo difícil diferenoa entre noticiário
noticiario informativo e opinião.
opiniao. Os dois modelos
passam a ser incorporado na reportagem de O 0 Globo.
Globe. A mesma dificuldade
dificuldade se impõe
impoe
para definir
definir quem ée o agente principal da fala: o jornal ou as entidades de classe. Os dois
reivindicaoao de um tipo de autoridade específica
modelos se imbricam na defesa e reivindicação especifica para
os jornalistas ao “exigir”
“exigir” das autoridades a punieao
punição dos culpados.
episodio surge na relação
Outro dado a ser observado neste episódio relaeao entre narrativa e po—
po-
der. Dois campos distintos (o jornalistico
jornalístico e o politico) Clara estratégia
político) se aliam numa clara estrategia
de autoridade. Bourdieu (1987) informa que, para explicar o discurso, ée preciso con-
linguistico, ou seja,
siderar o habitus linguístico, sej a, a capacidade de utilizar as possibilidades ofere-
ofere—
lingua, e o contexto social no qual a comunicação
cidas pela língua, comunicaoao se instaura. Partindo
compreensao, importa situar que a narrativa do caso Tim Lopes ée produzida
dessa compreensão,
durante o periodo foroas politicas
período em que as forças estao em plena campa-
políticas do Rio de Janeiro estão campa—
nha para o Governo do Estado, administrado por Benedita da Silva (PT). Identifica-Identifica-
relaeoes de força
mos que as relações forea entre os jornalistas e as autoridades politicas sao flutuan-
políticas são flutuan—

História Cultural da Imprensa — 233


especifieos de cada grupo. Para os politicos,
tes, variando de acordo com os interesses específicos políticos,
estava em jogo a disputa eleitoral. Para os jornalistas, interessava mostrar o poder
interventor do jornalismo na sociedade e minimizar o enfoque nos riscos das chama-
chama—
HaVia, portanto, um sentido de cooperação
das reportagens investigativas. Havia, cooperaoao entre os
eobertura, como no caso das críticas
dois grupos em muitos momentos da cobertura, critieas ao relatório
relatorio
dos investigadores policiais.
idealizaeao de Tim Lopes guiou tambem
A idealização eobertura do jornal, que procurou
também a cobertura
transformar o jornalista em mártir
martir do grupo e símbolo
simbolo do combate àa violência
Violencia no pais.
país.
Ao mesmo tempo, o
0 periodieo
periódico o responsabiliza pelos fatos ocorridos
oeorridos na noite de 2 de
junho de 2002, no alto da Favela da Grota, como
eomo forma de se preservar das críticas
criticas
de que teria exposto o seu profissional riseo numa “missão”
profissional ao risco “missao” que seria atribuição
atribuieao
policia.
da polícia.
Ha, portanto, múltiplas
Há, mfiltiplas nuanças
nuanoas neste caso síntese
sintese da ação
aeao do jornalismo além
alem da
esfera meramente noticiosa. Investigar passa a ser não
nao apenas uma prerrogativa como
eomo
pratica quotidiana no mundo do jornalismo.
uma prática

Cenário
Cenario 3: Narrativas de um outro fim
fim de século 68
século68

contemporaneo aparece com toda a sua complexidade via


O mundo contemporâneo Via expressão
expressao
comunicaeao. Nos jornais diários
narrativa dos meios de comunicação. diarios a tensao
tensão entre a expectativa
estrate’gias ficcionalizantes
da referencialidade e as estratégias ficcionalizantes do sensacionalismo
sensaeionalismo parecem do-
minar as narrativas dos anos 2000. A cidade,
eidade, seus habitantes, seus espaços
espaeos físicos
fisicos e
simbolicos aparecem representados através
simbólicos atraves de uma experiência
experiencia humana que se articu-
articu—
la temporalmente nas coberturas
eoberturas jornalisticas.
jornalísticas.
Este item fala de um personagem comum nas descrições
descrieoes quotidianas da cidade
Violencia
do Rio de Janeiro nos anos 2000: o medo. O medo que resulta de uma violência
que se esparrama nas paginas
páginas dos jornais. O medo do terrorismo, o medo dos
historicas, dos atos individuais e dos atos
assaltos, da guerra urbana, das guerras históricas,
eonfigurar esse medo? Como falar dessa violência
coletivos. Como configurar Violencia que se transmuta
em medo?
cenario narrativo que apresentamos ée a arquitetura do medo construída
Portanto, o cenário construida e
Visualizaeao do jornal O
experimentada pelos leitores a partir da visualização 0 Globo. E falar em
narrativa ée se referir às
as múltiplas
ml’iltiplas figurações
figuraeoes temporais. O jornalismo
jornalismo articula o tempo

68 Este subitem foi escrito em coautoria com Letícia


68
Leticia Cantarela Matheus.
Matheus. Serviu de base para a sua constru-
ção
gao a sua dissertação
dissertagao de Mestrado “Elos,
“Elos, temporalidades e narrativas:
narrativas: a experiência
experiéncia contemporânea
contemporénea do
medo no jornalismo de O
nojornalismo 0 Globo”.
Globo”. Niterói:
Niteréi: PPGCOM-UFF,
PPGCOM-UFF, 2006.

234 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


em uma rede de sentidos, sendo um dos formuladores da sua pereepeao
percepção na
contemporaneidade.
Ha que se considerar ainda que o tempo simultâneo,
Há simultaneo, ininterrupto, dos grandes
acontecimentos, dos instantes que se sucedem, da velocidade, da instantaneidade e da
aceleraeao emerge no cotidiano, dando sentido àa existência
aceleração existéncia em função
funeao da sua Visibili—
visibili-
dade produzida via
Via meios de comunicação.
comunicaeao. A relação
relaoao dos meios de comunicação
comunicaoao com
questao midiatica. Nao so
o tempo é uma questão midiática. Não só porque participam da sedimentaoao no ima-
sedimentação
ginario de uma nova temporalidade-mundo,
ginário temporalidade—mundo, mas porque a configuração
configuraeao narrativa da
midia se inscreve
mídia insereve numa relação
relaeao de natureza, sobretudo, temporal.
Alem
Além disso, as narrativas que aparecem nas paginas
páginas dos jornais sao construídas
jornais são construidas de
mfiltiplas temporalidades. É
múltiplas E o que Ricoeur
Rieoeur chama intratemporalidade, ou seja, uma
estrutura temporal prática,
pratica, não
nao abstrata, do ser no tempo.
0 primeiro tempo que emerge ée’ o tempo de contar as histórias.
O historias. Pode-se afirmar
afirmar que a
arquitetura temporal do jomalismo
jornalismo ée composta de um tempo linear e, ao mesmo tempo,
ciclico (Pomian, 1984).
cíclico 1984). Todos os dias, há
ha novos acontecimentos que emergem na duração,
duraeao,
existencia se desenvolve em relação
mas também o sentido da existência relaoao ao amanhã,
amanha, ao depois de
amanha, ou seja, para um futuro infinito.
amanhã, infinito. O tempo da mídia
midia ée o0 linear da ubiquidade
sincronica, ée’ o tempo-mundo,
sincrônica, tempo—mundo, da globalização,
globalizaeao, da economia mundializada, dos transpor—
transpor-
tes, da padronização
padronizaoao das medições
medieoes da passagem do tempo por sistemas matemáticos.
matematicos.
Se, por um lado, a literatura jornalistica
jornalística ée orientada pela flecha
flecha temporal, por ou-
tro, o que a caracteriza ée sua periodicidade. Ainda que não nao seja a mesma edição,
edieao, o
jornal está
esta todos os dias àa disposição
disposioao de novas leituras. Mesmo algumas reportagens
calendarios, como as
dizem respeito a acontecimentos que realmente se repetem nos calendários,
cerimonias e acontecimentos cíclicos,
cerimônias ciclieos, além
alem das festas profanas e católicas:
catolicas: Réveillon,
Natal, Carnaval, a chegada do verão,
verao, o início
inicio do ano letivo, as tempestades que alagam
eidades, o campeonato de futebol, as copas do mundo, as eleições,
as cidades, eleieoes, as Olimpíadas,
Olimpiadas,
etc. Portanto, o tempo do jornal ée também
tambem o dos calendários
calendarios e do dia, este último
ultimo a mais
natural das medidas do tempo, como lembra Ricoeur (1994:99). Se existe alguma me- me—
dida abstrata de contar o tempo que se aproxima do tempo concreto da experiência experiencia
pratica,
prática, essa medida ée a duração
duraeao do dia.
nao são
Mas essas não sao as únicas
finicas formas segundo as quais a experiência
experiéncia temporal se
Ha tambem
apresenta. Há também o tempo da produoao noticias, o
produção das notícias, 0 da publicaoao, circula—
publicação, da circula-
950 e, principalmente, o tempo da leitura. Destacamos nesta análise
ção analise alguns dos tem—
tem-
pos que constituem a trama narrativa, cujos padroes veloeidades variam, bem como
padrões e velocidades
os marcos do que representam passado, presente e futuro.
analise que estamos propondo elegemos dois acontecimentos que resulta-
Para a análise resulta—
ram em extensa cobertura no jornal O
0 Globo, em 2003, e que se apresentam como
eomo

História Cultural da Imprensa — 235


parte de um mesmo tema: a violência
violéncia urbana. Alem coberturas69
Além disso, essas duas coberturas 69
sao
são
especies de capítulos
como espécies capitulos de uma mesma história
historia do medo. Os textos apontam para
uma forma de sociabilidade e de percepcao
percepção do ambiente urbano com base em um
imaginario do medo difuso, deslocado para diferentes espaços
imaginário espacos da cidade: escolas,
Vias expressas. Mas os elos entre as duas histórias
outras universidades e vias historias vão
vao além
alem das
semelhancas na abordagem da experiência
semelhanças experiéncia urbana e na difusão
difusao espacial do medo,
dizendo respeito tambe’m
também ao fato de apresentarem uma arquitetura temporal seme- seme—
lhante. A experiência
experiéncia urbana, no nosso entender, só so pode ser percebida a partir do
memoria do medo e da violência
acionamento de uma memória violéncia que tem, necessariamente, viesviés
temporal.
Na cobertura do caso Gabriela, desde o primeiro dia, na primeira pagina,
página, o jor-
Vida. A importância
nal destaca a data de sua morte como marco de sua vida. importancia que o jornal
confere àa data deriva do fato de ter sido aquele o0 dia em que Gabriela iria andar
metro. Seu corpo estava preste a se misturar simbolicamente com a cidade.
sozinha de metrô.
marco 2003, p. 11)
O texto principal (O Globo, 26 março 11) divide-se
divide—se em dois ambientes,
cada qual com uma temporalidade propria. Estacao São
própria. Enquanto na Estação Sfio Francisco Xavier
o tempo dominante ée o0 da preméncia
premência da morte, da agilidade do assalto, dos vários varios
simultaneos, em uma sucessão
acontecimentos velozes e simultâneos, sucessao de imprevistos, na outra es-
tacao, na Praça
tação, Praca Saens Peña,
Pefia, onde uma mãemae apreensiva aguarda a chegada da filha, filha,
lentidao do tempo da espera. Dez minutos, segundo o jornal, é uma eternida-
domina a lentidão eternida—
de, tanto que Cleide tem a certeza de que algo acontecera àa sua filha. filha. A separação
separacao
entre as duas temporalidades ée’ inclusive insinuada por um entretítulo
entretitulo que impõe
impoe uma
grafica do texto. O religamento entre elas se dá
fronteira na mancha gráfica da quando a perso-
sej a, quando o tempo da espera vai ao
nagem de um dos ambientes invade o outro, ou seja,
encontro do tempo da morte. Carlos, pai de Gabriela, resolve ir até ate’ a estação
estacao São
Sfio
procura—la. Lá
Francisco Xavier procurá-la. La encontra apenas os óculos
oculos da filha
filha caídos
caidos na escada.
metonimia de Gabriela e a metáfora
Eles condensam a metonímia metafora da morte. Ao vê-los,
vé—los, Carlos, e
ao mesmo tempo o0 narrador e o leitor, jajá tem a certeza da morte. Toda a informação
informacao
esta contida naquele par de óculos.
está oculos.
construido por meio de indicações
O enredo vai sendo construído indicacoes da simultaneidade dos acon-
levara ao clímax:
tecimentos que levará climax: a morte da adolescente. A simultaneidade represen-
represen—
ta, portanto, o grande mal. O subtítulo
subtitulo diz: “Jovem
“Jovem de 1414 anos ée atingida por bala
perdida durante confronto entre policial e assaltantes”
assaltantes” (O
(0 Globo, 26 março
marco de 2003,
11). Em seguida, o jornal retrocede mais um pouco ao dizer que Gabriela não
p. 11). nao saía
saia

69 As coberturas que analisamos foram a do caso da adolescente Gabriela, morta na estação


69
estagéo de metrô
metro da
cidade, após
apés o confronto entre policiais e um bandido,
bandido, e o caso Luciana,
Luciana, aluna de uma universidade no Rio
Comprido, bairro próximo
préximo ao
a0 centro no Rio, que,
que, vítima
vitima também de bala perdida,
perdida, ficou tetraplégica.
tetraplégica.

236 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


metro pela primeira vez sozinha. Informa, ainda,
de casa nunca e que ontem pegaria o metrô
que os quatro bandidos chegaram àa estação
estaoao às
as 15h30.
15h30.
Comeea a ação
Começa aoao do assalto. Um dos bandidos tenta fugir pela escada e se depara
com um detetive àa paisana que descia. Os dois entram em confronto e uma bala perdi-
“que tambem
da atinge Gabriela, “que também descia a escada para entrar na estação”.
estaoao”. O texto
improvavel: a menina estar fazendo a mesma ação
indica o improvável: aeao que o detetive e ao mesmo
mae
tempo. Enquanto isso, a mãe espera na outra estaeao. O texto constrói
estação. constroi a diversidade
dos tempos dos bandidos, do detetive e de Gabriela. Quando sãosao simultâneos,
simultaneos, produ-
zem a tragédia. Nao
Não ée’ somente a bala que cruza o caminho de Gabriela. ÉE o tempo da
menina que intercepta os tempos do bandido e do detetive.
A reportagem ée mediadora da experiência
experiencia urbana, entre outras razões,
razoes, por sua
articulaoao dos tempos cronológicos
capacidade de articulação cronologicos e não-cronológicos.
nao-cronologicos. O texto se
episodio ocorrido em um determinado dia: pertencente a uma sequência
refere a um episódio sequéncia
temporal linear, publicado em edições
ediooes de um determinado dia que circulam em uma
sucessao de agoras. Entretanto, para fazer compreender o episódio
sucessão episodio que conta, a repor-
repor—
tagem precisa ser redigida tambem nao—cronologica, indo e voltando
também em uma ordem não-cronológica,
flecha do tempo, apresentando temporalidades múltiplas
na flecha ml’iltiplas de vários
Varios personagens
ainda que sob o ponto de vista
Vista de um único
finico narrador.
climax desta primeira reportagem da história
O clímax historia de Gabriela ée evidentemente sua
informaeao, que seria a conclusão
morte. Essa informação, conclusao da história,
histéria, o leitor ja
já sabe desde o
titulo
título na primeira pagina “Adolescente ée’ morta em tiroteio no metrô”
página “Adolescente metro” (O (0 Globo, 26
maroo de 2003, p. 1).
março l). Em uma estrutura linear cronológica,
cronologica, ainda que retrospectiva, o
explicaoao para a morte somente ao avançar
leitor encontra a explicação avanoar na história.
historia. Mas a expli-
expli—
caoao vai até
cação ate’ certo ponto. O que garante continuidade ao noticiário
noticiario ée’ justamente o
perpe’tuo de todas as explicações.
adiamento perpétuo explicaooes. O fluxo
fluxo do medo sobrevive
sobreVive exatamente
conclusoes parciais a cada nova edição.
do fornecimento de conclusões edieao. Assim, o continuum nar-
fica garantido. A mesma reportagem apresenta tanto um caráter
rativo fica carater linear — avan—
– avan-
eando sobre a história
çando historia — Ciclico —
– quanto cíclico – de repetir o tema no dia seguinte.
Ale’m
Além disso, o texto ée’ composto por dois tempos: o tempo da ação
aoao dos bandidos e
mae de Gabriela, Cleide. O primeiro tempo, o
o tempo de espera da mãe 0 do crime, é6’: retros-
pectivo. O leitor fica
fica sabendo que Gabriela morreu antes de conhecer detalhes sobre o
assalto, embora este seja relatado cronologicamente. Mas o segundo tempo, o0 da es- es—
pera, é cronológico
cronologico prospectivo, produzindo deste modo sensação
sensaoao de ansiedade, as- as—
Viveu Cleide. O leitor precisa acompanhar cronologicamente os fatos para
sim como viveu
familia soube da morte da menina. A notícia
descobrir como a família noticia da morte, pelo seu
adiamento e pela sobreposição
sobreposioao do tempo de leitura com o tempo da explicação,
explicaeao, acaba
por ser mais dramática
dramatica narrativamente do que a propria
própria morte.

História Cultural da Imprensa — 237


Temos, portanto, dois tempos principais —– o cíclico
ciclico e o
0 linear —, sao paralelos
–, que são
na reportagem. Na imagem reproduzida pelo jornal, ganha destaque o0 par de óculos oculos
caido ao chão
da menina caído chao junto àa escada. Podemos dizer que a morte de Gabriela está esta
eomo os óculos
para o assalto assim como oeulos caídos
caidos no chão
chao estão
estao para a espera. Deste modo,
circulo inteiro do arco hermenêutico
a reportagem completa um círculo hermenéutico de Ricoeur
Rieoeur (1994): os
oeulos no chão
óculos ehao são
sao a refiguração
refiguragao da morte. Ao se deparar com o 0 par de óculos,
oeulos, o leitor
ja esta interpretando a morte pela segunda vez, enquanto o pai que vai atrás
já está atras de Gabriela
esta tomando conhecimento naquele momento.
está
Mas o ciclo temporal da narrativa jornalistica
jornalística tambe’m
também engloba o futuro. Nessa
noticia, num box intitulado “Plano
mesma notícia, “Plano era fazer festa de 15
15 anos no mar”,
mar”, mfilti—
múlti-
sao descritos:
plos futuros são deseritos: o
0 de Gabriela (que queria alugar uma escuna para a festa
dos seus 1515 anos, em agosto); o dos pais da adolescente e o 0 da cidade (a associação
associaoao
entre o0 crime e a vida
Vida da cidade ée’ destacada
destaeada pela mãe
mae da vítima,
Vitima, mostrando a decadên-
decaden-
metro como símbolo
cia do metrô simbolo de segurança).
seguranoa). O sentido ée aquilo que seria feito no futuro
nao houvesse essa ruptura representada pela morte inesperada. São
se não Sfio projetos, ou
sej a, uma memória
seja, memoria prospectiva comoeomo antecipação
antecipaeao de futuro.
A vida
Vida de Gabriela e de Luciana são
sao também
tambe'm pontos de ancoragem da narrativa do
jornal sobre a experiência
experiencia urbana. Para Ricoeur (1994:115),
(1994: 1 15), não
nao ée’ de todo incongru-
Vidas são
ente falar que as vidas sao histórias
historias não
nao contadas, no sentido de serem narrativas
potenciais. O jornal ancora sua narratividade
narratiVidade nos acontecimentos
aeontecimentos e a propria
própria narrativa
se torna um novo acontecimento,
aconteeimento, ou seja, torna-se nova prefiguraoao.
sej a, torna—se prefiguração.
relaoao entre os fenômenos
Talvez a melhor maneira de explicar a relação fenomenos que acontecem
oeorrem nos jornais seja recorrer àa distinção
e os que ocorrem distineao proposta por Nora (1976) entre
historia) e fato cotidiano.
acontecimento (aquilo que irrompe na história) eotidiano. Há
Ha uma ansiedade
caracteristica do nosso tempo em enxertar sentido histórico
característica historico nos fatos cotidianos,
eotidianos, num
esforeo interpretativo. Caberia ao jornalista
permanente estado de esforço interpretaeao
jornalista essa interpretação
nao mais ao historiador. A condição
e não condieao de existência
existéncia de um acontecimento histórico
historieo
midia. Diante da ansiedade de interpretar a atualidade, os meios de
seria estar na mídia.
comunicaoao reafirmam
comunicação reafirmam sua importância
importancia na sociedade. Cada novo crime parece con- con—
ter algum sentido maior.
Halbwaehs (1990:115),
Para Halbwachs (1990: 1 15), o acontecimento ée’ o que une diferentes grupos diante
representaeao comum. Nesse sentido, podemos acrescentar,
de uma representação acreseentar, seria o instante
mfiltiplas temporalidades convergem, como durante o encontro dos óculos
em que as múltiplas oeulos
chao. Assim, o jornal não
de Gabriela no chão. nao reconfigura
reconfigura o passado proximo
próximo ou distante.
Ao enfocar múltiplas
ml’iltiplas temporalidades, empurra para o passado ou lançalanea para o futuro
a narrativa, de modo a enriquecer a trama.
O jornal segue dialogando com o futuro no dia 28 de março,
mareo, na pagina 14, onde
página 14,
anuneia que os amigos de Gabriela farão
anuncia farao um protesto. Há
H21 o
0 esforço
esforeo de manter viva
Viva a

238 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


memoria de Gabriela de várias
memória Varias maneiras e as estratégias
estrate’gias do jornal
jornal se coadunam com a
Vitima.
dos amigos da vítima.

Na sala de aula da turma 101,


101, uma das cadeiras da primeira fila
fila ficará
ficara
decisao dos colegas de Gabriela, desde ontem o lugar onde ela
vaga. Por decisão
estd vazio para
costumava se sentar está para lembrar a presence!
presença [original sem grifo]
(0 Globo, 28 março
da estudante... (O marco de 2003, p. 14)
14)

A cadeira-monumento estará
estara ali para lembrar a falta, mas tambe'm
também como emblema
do que pode acontecer com aqueles que subestimam o medo. O monumento ée um
meméria, um sinal do passado, que pode ser tanto obra comemo-
suporte material de memória, comemo—
funerario, como a cadeira se tornou. Seu objetivo é
rativa quanto um monumento funerário,
perpetuar a recordação
recordacao de Gabriela em um domínio
dominio privilegiado de memória:
memoria: a morte.
Alem diferenca, o monumento dialoga concretamente com os colegas de sala da
Além dessa diferença,
adolescente, ele ée menos abstrato do que um documento. É E do universo sensível.
sensivel.
Cleide disse que costumava monitorar os passos da filha,
filha, o que é o mesmo que
“Quando ela demorou mais de dez minutos, sabia que alguma
monitorar seu tempo. “Quando
acontecido.” Nao
coisa tinha acontecido.” Não ée somente a morte e a experiência
experiéncia urbana que se preten-
dem domar, mas também suas temporalidades.
A construção
construcao da identidade leva a um processo permanente de des e reconstrução
reconstrucao
do passado (Velho: 1994).
1994). É
E isso que observamos na reportagem, embora o autor dê dé
énfase ao indivíduo.
mais ênfase individuo. O que interessa aqui são
sao as percepcoes
percepções coletivas. Nesse
Vida individual de Gabriela a ser reconstruída,
sentido, embora seja a vida reconstruida, sua importância
importancia
obj eto midiático
como objeto midiatico é somente na medida em que ela puder ser compreendida como
categoria social. Nao
Não se trata do destino de Gabriela do Prado Ribeiro, mas de como
o jornal trabalha com um personagem arquetípico
arquetipico melodramático
melodramatico e com sua relacao
relação
com a cidade do Rio. Assim em março
marco foi Gabriela, em maio foi Luciana.
A mobilidade do tempo no episódio
episodio Luciana ée menos dinâmica.
dinamica. Ela se concentra
principalmente no passado —
– o ataque àa universidade —
– e no que antecedeu, uma vez a
motivacao ée o grande enredo da cobertura. Tem-se, portanto, o passado da bala aloja-
motivação aloj a—
da na coluna cervical de Luciana e o passado misterioso da motivação
motivacao do ato. JáJa o
futuro ée representado pela iminência
iminéncia da sua morte ou por sua tetraplegia e pela possi-
bilidade de crimes semelhantes se repetirem. Articula-se, portanto, um tempo de natu-
natu—
ciclica.
reza cíclica.
A primeira pagina
página de 6 de maio de 2003, primeiro dia de cobertura do caso Luciana,
ja tensao entre o passado da bala perdida e o risco da estudante ficar
já traz a tensão ficar tetraplegica.
tetraplégica.
O texto relata que a direção
direcao da universidade recebera uma carta naquela manhã
manha orde-
orde—
nando o fechamento do campus, mas que os alunos estavam sendo dispensados, aos
poucos, para não
nao causar panico.
pânico. Luciana estava sentada na cantina esperando a aula

História Cultural da Imprensa — 239


Ha, mais uma vez, assim como na cobertura Gabriela, a oposição
seguinte. Há, oposicao entre a
acao imediata dos bandidos de outro,
temporalidade lenta da ordem de um lado contra a ação
onde o tempo passa rapidamente, surpreendendo aqueles que subestimam o medo.
Na pagina 15, o jornal afirma
página 15, afirma que os disparos foram feitos depois que os trafican-
trafican-
tes ordenaram luto em toda a região
regiao pela morte de Adriano Paulino Martins Miano, o
Sapinho, e pelo desaparecimento de outros dois moradores vistos Vistos pela última
ultima vez
porem, nao
quatro dias antes. Esse fato, porém, não fora noticiado por 0
O Globo. Do mesmo modo,
o jornal não
nao publicou a história
historia da morte dos moradores do Morro do Borel, que apare-
ceria posteriormente. Mas não nao podia deixar transparecer que se tratava de notícias
noticias ve-
razao pela qual foram presentificadas.
lhas, razão nao
presentificadas. Portanto, o sentido do que foi relatado não
ée’ de um passado, mas de um episódio
episodio que vinha
Vinha em andamento há ha quatro dias.
Ainda na mesma edição,
edicao, na página
pagina 16,
16, o periodico
periódico direciona sua narrativa para o
futuro, por meio das declarações
declaracoes do secretário
secretario de segurança,
seguranca, que pede aos comercian-
comercian—
nao obedeçam
tes que não obedecam aos traficantes.
traficantes. Ou seja, o jornal está
esta aceitando a tese de um
ciclico de ameaças
tempo cíclico ameacas que se repetem. O efeito de continuidade entre um presente
experimentado com medo e o futuro ée’ produzido tambe’m materia coordenada na
também na matéria
pagina. Sua temporalidade ée coerente com o restante da cobertura.
mesma página.
“Estou morrendo um pouco com a minha filha”,
“Estou filha”, diz o titulo,
título, reproduzindo as pala-
Vras do pai de Luciana. A frase faz referência
vras referéncia àa iminência
iminéncia da morte, uma morte gradu-gradu—
al. Assim como o bairro do Rio Comprido, que, segundo o texto, sofre assaltos diários,
diarios,
J036’: morrem lentamente. Para o
tanto a cidade quanto Luciana e seu José 0 jornal, os trabalha—
trabalha-
dores do Rio Comprido tambem
também nãonao saem mais para almoçar
almocar devido
deVido àa violência.
Violencia. O
bairro sofre uma imobilidade gradativa.
Ainda que, por um lado, haja a ideia de morte progressiva e de violência
Violencia progres-
sivamente agravada, por outro lado, o tempo cíclico
ciclico não
nao deixa de ser articulado. Por
exemplo, a mesma reportagem relembra o caso do filho filho do Neguinho da Beija-Flor,
Beija—Flor,
Luiz Antonio Junior, aluno da Estácio,
Antônio Feliciano Marcondes Júnior, Estacio, que tambem
também foi ferido
por uma bala perdida na Rua do Bispo em marçomarco do ano anterior. Também
Tambem cita os
Fundao e um assalto àa Universidade Gama
crimes no campus da UFRJ, na Ilha do Fundão
Tambe’m destacam o pressuposto do secretário
Filho em 2000. Também secretario de segurança
seguranca de que as
ameacas se repitam. Ou seja, os episódios
ameaças episodios são
sao cíclicos;
ciclicos; a violência,
Violencia, linear.
O que confere sentido de atualidade aos acontecimentos narrados ée a sua inserção
insercao
na temporalidade do jornal. As cenas não
nao pertencem ao passado. O jornal as reatualiza
a cada nova publicacao.
publicação. São$510 cenas memoráveis,
memoraveis, não
nao por seu valor intrínseco,
intrinseco, mas
pelo poder que o jornal lhe confere de trazer o passado para o presente e de construir
memoria da cidade hoje. Essas imagens podem ter sido impressas pela luz do instan-
a memória instan—
te passado mas ée àa luz do presente que produzem a sua visibilidade.
Visibilidade.

240 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


Para Ricoeur, o presente não
nao ée o mesmo que o agora. Ele pode atéate’ coincidir com a
relégio, mas a percepcao
hora do relógio, percepção do que é o presente ée’ muito mais dinâmica.
dinamica. “O
“O agora
existencial é o presente da preocupacao,
preocupação, que ée’ um tornar—presente, inseparavel de um
tornar-presente, inseparável
‘esperar e de um ‘reter’”,
‘esperar ‘reter , diz Ricoeur (1994:100),
9”
(1994: 100), citando Heidegger. A preocupacao
preocupação
ée a dimensão
dimensao da inquietação
inquietacao existencial. “O
“O que é considerado presente ée a articula-
articula—
9510 no discurso de um tornar-presente,
ção tornar-presente, que se temporaliza em união
uniao com uma espera
retém.” Se todos esses acontecimentos de até
que retém.” ate’ dois anos antes são
sao atualizados pelo
jornal, é porque através
atraVés da narrativa se constrói
constroi um grande presente.
No mesmo texto ée enfatizado que a distância
distancia espacial entre a Gama Filho, na
Piedade, e o0 Rio Comprido “não
“nao diminuiu o medo dos alunos de passar pelo mesmo
inicio da semana”.
drama da estudante Luciana atingida no início semana”. A distância
distancia física
fisica nao
não
contaminacao do medo, nem a distância
impede a contaminação distancia temporal, como indica a frase. Mais
uma vez, tambem
também “o“o inicio
início da semana”
semana” ainda nao ée’ passado para o jornal, bem como
não
todos os demais casos presentificados
presentificados na matéria.
materia. O jornal, portanto, trabalha moven—
moven-
do a fronteira passado/presente.
Finalmente, na pagina 13 da mesma edição,
página 13 edicao, pela primeira vez um outro vínculo
Vinculo
mnemonico entre as duas coberturas e o fluxo
mnemônico fluxo do noticiário
noticiario emerge do subsolo do
não-dito,
ndo-diz‘o, da memória
memoria silenciosa da violência.
Violencia. A mesma matéria
mate’ria rememora o caso
Turano e relata o caso do Morro do Borel, onde quatro moradores foram mortos em
16 de abril daquele ano pela Polícia
16 Policia Militar. Entretanto, essa notícia
noticia (assim como o
desaparecimento dos moradores do Turano) não nao tinha sido publicada pelo jornal. As
familias das vítimas
famílias Vitimas estavam mandando um dossiê dossié para o ministro da Justiça.
Justica. Pela
primeira vez, nessas duas coberturas, a violência
Violencia contra a populacao
população das favelas tem
memoria, que se coloca no lugar do silêncio
memória, siléncio quando da eclosão
eclosao do acontecimento. A
noticia da morte dos quatro moradores do Morro Turano tem uma temporalidade in-
notícia
comoda para o jorna1.Afina1,
cômoda jornal. Afinal, o0 crime ocorreu em 1616 de abril.
No último
filtimo dia analisado, 10
10 de maio, o jornal
jornal trabalha com o passado do passado,
tentando explicar o
0 crime por um retorno a um passado mais antigo. Surge a hipótese,
hipotese,
investigacoes, de o
nas investigações, 0 disparo ter sido feito por um PM ou por um traficante
traficante de
dentro do campus, o que de certa forma poe põe em xeque as narrativas do temor em
relacao àa proximidade com a favela.
relação
É,
E, ao mesmo tempo, algo que pertence ao passado e ao futuro. É E uma tese que
nao se confirmou
ainda não confirmou no futuro. Se quem atirou foi um PM, a hipótese
hipotese construída
construida
pelo jornal ée’ que fosse um segurança
seguranca contratado pela universidade. Esse dado confir-
confir-
mado mudaria completamente o sentido do evento. Surge neste momento a possibi— possibi-
1idade de total inversão
lidade inversao do sentido do medo, vindo
Vindo não
nao mais diretamente das favelas,
forca policial, do Estado. Somente a existência
mas da força existencia dessa hipótese
hipotese ja
já faz a cobertura
— comeca dando uma certa configuração
– que começa configuracao àa violência
Violencia —
– ter seu sentido alterado.

História Cultural da Imprensa — 241


Entao, no melodrama, o traidor seria não
Então, nao mais o cidadão
cidadao das favelas —– que deveria ser
pacato — Policia Militar, um traidor ainda pior porque
– e se volta contra a ordem, mas a Polícia
instrumento dessa mesma ordem. Na mesma edição, edicao, em outra matéria,
materia, o caso Luciana
ée’ lembrado mais uma vez como justificativa
justificativa para o medo ter chegado às as escolas do
mesmo modo como no caso Gabriela.
Vinculos mnemônicos
Os vínculos mnemonicos se encontram no fluxo
fluxo noticioso que garante uma sensa-
sensa—
950
ção de continuidade dos acontecimentos, no recurso de ir e Vir
vir na flecha
flecha do tempo
(“Mais uma família
(“Mais familia derrotada...”),
derrotada...”), rememorando outros casos nos quais ocorreram
experiencias urbanas semelhantes. Configura-se
experiências Configura—se assim a intriga maior da violência.
Violencia.
A semelhança
semelhanca entre a topografia
topografia temporal das duas coberturas — lentidao da ordem
– a lentidão
contra a velocidade do crime — tambem é fundamental para construir os vínculos
– também Vinculos me-
moraveis. Em ambos os episódios,
moráveis. episodios, o futuro está
esta sob ameaça.
ameaca.
Vinculos são
Esses vínculos sao muitos: a fotografia
fotografia de Gabriela fazendo o símbolo
simbolo da paz, o
fluxo do mal,
pretenso assassino acionando o fluxo ma], o
0 papel nocivo da PM em ambos os
episodios, um mesmo tipo de diálogo
episódios, dialogo com a cidade, o mesmo papel da bala perdida, a
ligacao entre o Morro do Borel e o Morro do Turano, entre o assalto ao posto de
ligação
metro em 2003, entre o ataque àa Estácio
gasolina em 2002 e ao metrô Estacio de Sá821 em 2003, o
assalto àa Gama Filho em 2000 e as ameaças
ameacas contra escolas infantis, entre a bala perdi—
perdi-
filho de Neguinho da Beija-Flor e a que atingiu Luciana, entre o
da que atingiu o filho
andar sozinha de Gabriela e o receio dos pais deixarem os filhos
filhos sozinhos, a simulta-
angfistia de Cleide e o tempo da morte de Gabriela.
neidade entre o tempo da angústia
analise leva a crer que não
Tal análise nao há
ha um privilegio
privilégio do presente, do passado ou on do
entrelacamento entre passado/presente/futuro no presente do jornal.
futuro, mas um entrelaçamento
dfivida, o jornal confere atualidade àa narrativa, um sentido de presente, ainda que
Sem dúvida,
se trate de acontecimentos passados e de expectativas de futuro. Nao ha aí
Não há ai incoerên-
incoeren-
cia, ja analise de Ricoeur (1994:96),
já que, conforme a análise (1994296), ée’ justamente na articulação
articulacao
entre passado, presente e futuro que se tece a narrativa. É
E no processo de presentificacao
presentificação
dos acontecimentos, tanto passados quanto futuros, que se produz ficção ficcaom,
70
, pois toda
reconfigura o que não
narrativa reconfigura nao está
esta em algum tempo específico,
especifico, mas que é construído
construido
metro e o ataque àa universidade são
no presente. O assalto ao metrô sao vestígios
vestigios que chegam do
passado e permitem refazer a memória
memoria no presente, são sao lembranças
lembrancas reconstruídas
reconstruidas
1990377) do que não
(Halbwachs, 1990:77) nao se viveu.
Viveu. Já
Ja que não
nao vivenciamos
Vivenciamos os fatos narrados,
ja nao vivemos
já que não Vivemos ao lado de Gabriela e de Luciana para saber como eram suas vidas Vidas
e imaginar como teriam sido se os crimes não nao tivessem acontecido, aceitamos essas

7° Ficção
70
Ficcao aqui tem o sentido de muthos aristotélico, ou seja,
seja, não
néo se quer dizer que os fatos sejam inventados,
inventados,
sem nenhuma referência
referéncia e verdade, mas como agenciamento de fatos (Ricoeur, op. op. cit.:
cit.: 102).

242 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


lembranoas simuladas pelo jornal. Deste modo, o periodico
lembranças memoria
periódico funciona como memória
nao vimos
emprestada do que não Vimos mas que passamos a incorporar. E, neste sentido, ée’ um
memoria.
artefato de memória.
Ale’m
Além disso, ainda que tive’ssemos Vivenciado esses episódios,
tivéssemos vivenciado episodios, nossas lembranças
lembraneas
jamais seriam um retrato fiel
fiel do passado. Para Fentress e Wickham (1992:17) ela ée
constituida de informação
constituída informaeao e sensação.
sensaoao. Para Halbwachs (1990:25) de realidade e fic-
fic-
9510.
ção. E Ricoeur (1994) sequer distingue esses dois estados na narrativa.
Pore’m, essas coberturas acionam não
Porém, nao somente a memória
memoria de um passado ou de um
presente mas também
tambe’m de futuro. O
0 Globo também
tambem apontou para uma interrupção
interrupoao do
fluxo do tempo, interrompendo o futuro, seja das duas vítimas,
fluxo Vitimas, seja da cidade, seja de
familias em perspectiva.
outras famílias
Gabriela teve seus sonhos interrompidos. Deixou de aprender a andar de salto
sej a, deixou de ser mulher. Nao
alto, ou seja, 15 anos em uma escuna
Não fez a festa de 15 eseuna no mar,
como queria. Luciana não nao concluiu a faculdade. Se as duas histórias
historias tratam de episó-
episo—
dios diferentes, por outro lado, tém
têm em comum o fato de serem rupturas. A continuida-
continuida—
fluxo do sensacional ée garantida pelo que há
de do fluxo ha de rotineiro nas rupturas.
Com o0 destaque dado ao medo, ao pânico,
panico, às
as ameaças
ameaeas e ao risco, o diário
diario configu-
configu—
ra por meio dessas duas coberturas um caos que ainda não nao se vive
Vive plenamente.
O tempo, deste modo, parece estar em suspensão,
suspensao, e a cidade estática,
estatica, o que é eviden-
importancia que adquire o fluxo
ciado pela importância fluxo das vias
Vias expressas e dos tl’meis
túneis nas narra-
tivas sobre violência.
Violencia.
dao a entender ée’ que o habitante da cidade vive
O que essas duas coberturas dão Vive um
tempo em suspensão
suspensao pelo medo. Iminência
Iminéncia eterna do caos que se atualiza em cada
novo crime narrado pelo jornal. Há Ha um adiamento perpe’tuo
perpétuo de um ideal de paz que é
laneado para o futuro, como um mito. Nao
lançado Não um mito fundador, como os do passado,
mas um mito prospector, cujo narrador, ou seja, cujo sujeito-memória
sujeito—memoria ée o proprio
próprio
jornal. Le Goff (1997:12)
(1997212) afirma
afirma que o comportamento narrativo, ou seja, o ato de
mnemonico por excelência.
narrar constitui o ato mnemônico excelencia. É
E aí
ai que o jornal se constrói
constroi como
espe’cie de emblema dos processos de memória.
uma espécie memoria. Ele não
nao ée apenas um artefato.
memoria devido
Trata-se de um lugar privilegiado de memória deVido ao seu poder de narração.
narraeao. Por
diaria de O
meio da leitura diária 0 Globo, ée possivel memoria
possível compartilhar uma determinada memória
Violencia que envolve episódios
massiva sobre uma ideia de violência episodios de disparos em universi-
universi—
dades, assaltos, sequestros que, se aconteceram no passado, voltarão
voltarao a irromper no
futuro.
Resta ainda uma palavra final
final sobre a questão
questao da ficcionalidade
ficcionalidade da notícia
noticia que
parece ser síntese
sintese histórica
historica da configuração
configuraeao narrativa dos textos jornalisticos
jornalísticos na
contemporaneidade. A aplicação
aplicaeao adequada de uma economia estética
este’tica do sensacional

História Cultural da Imprensa — 243


éo’ capaz de
do estreitar
ostroitar os vínculos
Vinculos do leitor
loitor com seu
sou jornal eo tornar mais concreta,
concrota, sensí-
sonsi—
vol, a experimentação
vel, oXporimontaoao do espaço-tempo
ospaoo—tompo narrados. Mas toda narrativa éo’ necessaria-
nocossaria—
monto ficcional,
mente ficcional, sob o ponto de do vista
Vista de
do Ricoeur.
Ricoour.
Para o0 autor, toda narrativa, histórica
histérica ou ficcional
ficcional (no sentido
sontido de
do obra literária)
litoraria)
roforoncialidado, ja
possui referencialidade, quo para se
já que so fazer
fazor entender,
ontondor, leitor
loitor eo autor procisam compar—
precisam compar-
nao apenas
tilhar não aponas códigos
codigos comuns mas uma pré—comproonsao
pré-compreensão de do mundo
Inundo (mimese
(mimoso I). 1).
afirmar que
Por isso, afirmar quo uma prima pola roforoncialidado enquanto
pela referencialidade onquanto a outra não nao ja nao se
já não so
sustonta. Segundo Ricoeur,
sustenta. Ricoour, ainda que quo a composição
composioao poo’tica
poética possa sersor inovadora, elaola
nocossariamonto se
necessariamente so apoia emom trés traoos dessa
três traços dossa pré-compreensão:
pro—comproonsao: uma trama conceitual
concoitual
ontro leitor
compartilhada entre loitor eo autor, suas fontes
fontos simbólicas
simbolicas inteligíveis
intoligivois eo uma estrutura
ostrutura
quo demanda
temporal que domanda narração.
narraoao.
loitor de
O leitor do O
0 Globo está
osta familiarizado com o quem,
quom, o quê,
quo, por quê
qué eo como das
aooos das reportagens.
ações roportagons. Essa familizarização
familizarizaoao éo potoncializada
potencializada eo naturalizada pola os—
pela es-
melodramatica conferida
trutura melodramática conforida a trama. Por outro lado as mediações
modiagoos simbólicas
simbolicas são
sao
oporadas polos
operadas pelos jornais em
om um
uIn jogo narrativo que
quo aparece
aparoco claramente
claramonto nos toxtos
textos
jornalisticos: modos da morte,
jornalísticos: os medos morto, das sedições,
sodiooos, da alteridade,
altoridado, objetivados
objotivados principal-
monto no caso do objeto
mente objoto da nossa análise
analiso em
om um suposto inimigo interno
intorno produzido
historicamonto no Rio de
historicamente do Janeiro.
Janoiro. Há
Ha tambo’m quo se
também que so considerar
considorar uma estrutura
ostrutura tompo-
tempo-
ral compartilhada pelapola memória
momoria dedo certo
corto grupo social traduzida nos tormos do uma
termos de
idoalizaoao de
idealização do um passado de do crimes
crimos ingênuos,
ingonuos, um prosonto om suspensão
presente em susponsao pola
pela
iminoncia do caos eo um futuro sob constante
iminência constanto ameaça.
amoaoa.
Alo’m dossos três
Além desses trés fatores,
fatoros, toda narrativa está
osta inserida
insorida no “reino
“roino do como se”
so” (mimese
(mimoso
11). O que
II). quo muda entre
ontro as histórias
historias (jornalísticas)
(jornalisticas) eo ficcionais
ficcionais (literárias)
(litorarias) são
sao as estraté-
ostrato-
do verossimilhança.
gias de vorossimilhanoa. Para Ricoeur,
Ricoour, trata—so do duas grandes
trata-se de grandos classes
classos narrativas que
quo
traduzom diferentes
traduzem diforontos protonsoos
pretensões àa verdade.
vordado. A intriga éo a composição
composioao de do uma história
historia
sonsata a partir de
sensata do uma pluralidado do acontecimentos
pluralidade de acontocimontos extraídos
oxtraidos do tompo. agroga
tempo. Ela agrega
hotorogénoas, além
coisas heterogêneas, alo’m de
do combinar tomporalidados diforontos. Por isso, a notícia
temporalidades diferentes. noticia
jornalistica
jornalística éo tambo’m
também fruto dedo uma construção
construoao fictícia:
ficticia: éo obra da imaginação
imaginaoao produtora.
ultimo, éo’ prociso
Por último, dostacar que
preciso destacar quo essas
ossas reportagens
roportagons não
nao se
so referem
roforom àa cidade
cidado eo aos
sous medos,
seus modos, mas ao Rio eo seus sous medos
modos projotados.
projetados. ÉE esse
osso mundo projotado quo será
projetado que sora
horizonto interpretativo
usado como horizonte intorprotativo polo loitor. Deste
pelo leitor. Dosto modo,
Inodo, não
nao se
so podo dosconsidorar
pode desconsiderar
quo a comunicação
que comunicagao só 56 éo efetivamente
ofotivamonto realizada
roalizada no momento
momonto em om que
quo o leitor
loitor lê
lé essas
ossas
roportagons, olha as fotografias,
reportagens, fotografias, manuseia
manusoia o jornal eo o carrega
carroga debaixo
dobaixo do braço,
braoo,
comonta o que
comenta quo leu,
lou, recorta,
rocorta, rasga ou joga fora, ou seja,
soj a, quando reconfigura
roconfigura o mundo
Inundo
(mimoso III). Há
(mimese Ha uma cadeia
cadoia dedo reapropriações
roapropriaooos miméticas,
mimoticas, todas elas
olas sempre
sompro fruto do
sompro de
agir criativo, sempre do natureza
naturoza ficcional.
ficcional.

244 — Calidoscópio de mudanças (1980-2000)


Consideracoes Finais
Considerações

A proposta desse trabalho de recuperar um século


se’culo de imprensa no Rio de Janeiro
fim com a certeza de que percorremos um
chega ao fim urn caminho rico e multifacetado e
que, certamente, a trilha escolhida por nós
nos ée apenas uma das possibilidades de inter-
pretacao
pretação do passado.
afinal ée’ sempre objeto
O passado afinal obj eto de proj etos, olhares, ainda que seja sempre des-
projetos, des—
inteligivel.
conhecido e inteligível.
tentarnos, graças
Mesmo assim, tentamos, gracas a uma espécie
especie de fascínio
fascinio que o passado exerce
nos, desvelar rostos e ações
sobre nós, acoes que permanecem hoje irremediavelmente perdidos,
posto que fazem parte de um mundo que só so existe em
ern sonho e imaginação.
imaginacao.
fizemos foi pensar questões
Sendo assim, o que fizemos questoes que consideramos fundamentais
porque inscritas no nosso aqui e agora. Questões
Questoes que remetem para a importância
importancia de
uma sociedade midiatizada, governada por ações
acoes e emblemas que surgem, se modifi-
modifi-
cam e retornam a partir do trabalho realizado pelos meios de comunicação.
comunicacao.
Procuramos mostrar como os jornais diários
diarios da cidade do Rio de Janeiro ocupam
seculo XX. Nao
lugar central ao longo de todo o século corno parte
Não de maneira isolada, mas como
de um processo de comunicação.
comunicacao. Assim, o seu estudo envolve sempre a ideia de pro-
construcao, que termina invariavelmente na interpretação
cesso em construção, interpretacao dos leitores.
ultimo elo de aproximação
Os leitores e as leituras como último aproximacao desses impressos com o
interpretacao plural. Mas a invenção
mundo fornecem uma interpretação invencao criadora do publico
público e as
praticas
práticas que se apropriam de modo diferente dos materiais — – inclusive os textos im-
pressos — ficaram, em
– que circulam na sociedade ficaram, ern muitos momentos, ausentes.
Procuramos percorrer cem anos dessa história
historia singular, porque a história
historia não
nao ée
feita de tempos breves e nem por saltos. A história
historia ée feita de tempos longos — – a longa
duracao de Braudel (1978) —
duração – e essa temporalidade particular, construída
construida tambem
também pe-
las permanéncias,
permanências, permite que se visualize
Visualize nos tracos mate-
traços mais do que nas marcas, a maté-
significados plurais.
ria para decifrar significados
E preciso desvendar, quando se fala em história
É historia da imprensa, quem escreve nesses
jornais, como procuram se popularizar — estrategias, apelos e valores
– ou seja, que estratégias,
veiculos invocam no seu discurso —,
esses veículos corno funcionam
–, como funcionarn essas empresas e de que

História Cultural da Imprensa — 245


ossos textos
forma esses toxtos chegam
Chogam ao publioo. Porcorrido esse
público. Percorrido osso caminho
oaminho éo prociso vor ainda
preciso ver
oomo os leitores
como loitoros entendem
ontondom os sinais na pagina improssa, quais são
página impressa, 350 os
OS efeitos
ofoitos sociais
dossa experiência.
dessa oxporiénoia. Por outro lado, as inovações
inovaooos devem
dovom ser
sor ponsadas nao apenas
pensadas não aponas como
oomo
circunstancias de
circunstâncias do natureza
naturoza politica, oconémica eo tocnologica,
política, econômica sobrotudo na rela-
tecnológica, mas sobretudo rola—
oao direta
ção dirota com o pfiblico.
público. Uma nova toonologia
tecnologia prossupoo sompro uma recepção
pressupõe sempre rooopoao na
sociodado, uma espera,
sociedade, ospora, muitas vezes
vozos anterior mesmo
mosmo àa emergência
omorgénoia da propria
própria
tocnologia.
tecnologia.
Evidontomonto que
Evidentemente quo neste
nosto trabalho não
nao tivomos
tivemos a protonsao
pretensão dedo desvendar
dosvondar o circuito
comunioaoao dos impressos
da comunicação improssos que
quo circularam
Circularam no Rio dedo Janeiro,
Janoiro, durante
duranto cem
com anos.
quo procuramos foi recontar
O que rooontar uma história
historia a partir de
do vestígios
vostigios significativos
significativos que
quo
chogam ao prosonto,
chegam presente, particularizando em om cada capítulo
oapitulo uma década,
do’cada, tipologias
documontais eo uma questão
documentais quostao teórica.
toorica. A nossa protonsao nao foi recuperar
pretensão não roouporar o passado tal
oomo olo so dou,
como ele se deu, mas oforooor
oferecer uma intorprotaoao quo so sora oomplotada pola
interpretação que só será completada loitura
pela leitura
loitor do prosonto.
do leitor presente.
Na sua Escrita da Histo’ria, Cortoau (1982) diz que
História, Certeau quo éo’ fundamental sublinhar a
singularidado de
singularidade do cada análise.
analiso. Fazendo
Fazondo isso se
so questiona
quostiona a possibilidado sistomati-
possibilidade da sistemati-
zaoao totalizante
zação totalizanto eo considera-se
oonsidora—so como
oomo essencial
ossoncial a pluralidado do procodimontos.
pluralidade de procedimentos. Su-Su—
quo o que
blinha ainda que quo se
so produz ao fazer
fazor história
historia é um discurso quequo “enquanto
“onquanto fala da
historia, está
história, osta também situado na história”.
historia”. Ou seja,
soj a, o discurso que
quo fala da história
historia éo ele
olo
mosmo histórico
mesmo historico eo produzido a partir de
do um
urn contexto
oontoxto prooiso.
preciso.
Por outro lado, o que quo história
historia produz é uma escrita
osorita que
quo exorciza
oxoroiza a morte,
morto, introdu-
introdu—
zindo-a no porcurso, mosmo tompo
percurso, ao mesmo tempo emom que
quo possui uma função
funoao simbólica
simbolioa que
quo por—
per-
mito a sociedade
mite sociodado situar-se,
situar—so, abrindo espaço
ospaoo para o proprio
próprio passado (Certeau,
(Cortoau, 1982:
1982:
107). E Certeau
107). Cortoau continua: marcar
maroar umurn passado éo dar um lugar àa morte,
morto, mas tambom
também
rodistribuir o espaço
redistribuir ospaoo das possibilidados, dotorminar negativamente
possibilidades, determinar nogativamonto aquilo que
quo está
osta
fazor eo utilizar a narratividade
por fazer narratiVidado que
quo enterra
ontorra os mortos como
oomo um meio
moio de
do estabelecer
ostabolooor
Vivos.
um lugar para os vivos.
Acrosoontando osta frase
Acrescentando a esta fraso uma maravilhosa constatação
constataoao de
do Paul Ricouer
Ricouor (2001) éo
prociso também perceber
preciso poroobor que
quo o “passado
“passado tinha um
urn futuro”
futuro” eo que
quo nós
nos somos o futuro
dosso passado. Assim, não
desse nao nos cabe
cabo cobrar — basoando-nos em
– baseando-nos om uma vivência
ViVéncia postorior
posterior
— aooos desses
– ações dossos homens
homons do passado. Para eles,
o1os, nós
nos éramos
oramos o desconhecido,
dosconhocido, o futuro, o
inintoligivol. E eles
ininteligível. olos para nós
nos — quo transformamos em
– mortos que om vivos
Vivos — continuarao
– continuarão
sondo sempre
sendo sompro o passado, o desconhecido,
dosoonhocido, o ininteligível.
inintoligivol.

246 — Considerações finais


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Costa Filho, reporter Gilberto Negreiros. Folha de S.
S. Paulo. Série
Se’rie Jornalis-
Jornalis—
tas contam a História.
Historia. Nova imagem dod0 governo JK.
Cotrim Neto, Alvaro.
Álvaro. Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Rio de Janeiro: ABI.

História Cultural da Imprensa — 261


Coutto, Francisco Pedro Do. Pedro do Couto (depoimento,
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1997). Rio de Janeiro,
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Ferrone, Paschoal. Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Rio de Janeiro: ABI
Gonoalves, Manoel A. Memo’ria
Gonçalves, Memória da AB].
ABI. Rio de Janeiro: ABI
reporter Gilberto Negreiros. Folha de S.
Leite Filho, Barreto. ao repórter S. Paulo. Série Jorna-
Histéria. Na década
listas contam a História. de'cada de 20,
20, a agonia do
d0 regime.
Leite Filho, Barreto. Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Rio de Janeiro: ABI
reporter Gilberto Negreiros. Folha de S.
Lima, Paulo Mota, ao repórter S. Paulo. Série Jornalis-
Jornalis—
Historia. AS
tas contam a História. ilusfies da Constituinte de 46.
As ilusões
Lima, Paulo Motta. Memo’ria
Memória da ABI. Rio de Janeiro: ABI
Magalhaes Jr, Raimundo, ao repórter
Magalhães reporter Gilberto Negreiros. Folha de S.
S. Paulo. Série
Historia. Ensinamentas
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Ensinamentos dos anos
Magalhaes, Mario. Memo’ria
Magalhães, Memória da AB].
ABI. Rio de Janeiro: ABI
Mello Filho, Murilo. Murilo Mela
Melo Filho (depoimento,
(depoimenta, 1998).
1998). Rio de
(16 Janeiro, CPDOC/
ALERJ, 1998.
1998.
reporter Gilberto Negreiros. Folha de S.
Moniz, Edmundo, ao repórter S. Paulo. Série Jornalis-
Jornalis—
Historia. 1964,
tas contam a História. 1964, fim Ciclo de crise.
fim de um ciclo
Peixoto, Armando F.. Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Rio de Janeiro: ABI
Perdigao, José
Perdigão, Jose’ Maria R. Memo’ria
Memória da AB].
ABI. Rio de Janeiro: ABI
Baiao. 12
Silveira, Joel, a Juliana Rodrigues Baião. 12 janeiro 2001.
reporter Gilberto Negreiros. Folha de S.
Silveira, Joel, ao repórter S. Paulo.
Paulo. Série Jornalistas
Historia. O Estado Nova
contam a História. Novo e o0 getulismo.
Varzea, Afonso. Memo’ria
Várzea, Memória da AB].
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Álvaro. In: Boletim da ABI. Ano XXIII, nov.-dez.
nov.—dez. 1974.
1974.
reporter Wianey Pinheiro. Folha de S.
Wainer, Samuel, ao repórter S. Paulo. Série Jornalistas
Historia. Parque
contam a História. Cafe' Filho traiu
Porque Café train Getúlio.
Getdlio.

262 — Bibliografia
CARACTERiSTICAS
C DESTE LIVRO
ARACTERÍSTICAS DESTE LIVRO::
Formato: 16 x 23
16 X 23 cm

Mancha: 12 x 19
12 X 19 cm
Tipologia: Times New Roman 10/14
10/14
Papel: Ofsete 75g/m
7 Sg/m22 (miolo)

Cartão
Cartfio Supremo 250g/m22 (capa)
Supreme 250g/m

I a edição:
edigdo: 2007

2" edição:
edigdo: 2010

Impressão digital: Bandeirantes Soluções


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