Sei sulla pagina 1di 15
REVISTA. DE GESTALT Gestalt . ier Terapia NUMERO 10 2001 EDES SAPIENTIAE Revista de Gestalt Numero 10 - 2001 Departamento de Gestalt Terapia Instituto Sedes Sapientiae Comissao Editorial Rosana Zanella Consultores Colaboradores Myrian Bove Fernandes Maria do Carmo Rodrigues Zanetta iam Cristina Basaglia da Cunha Vasconeellos ‘Ati Rehfeld Jean Clark Juliano Lilian Meyer Frazao Luis Alfredo Lilienthal Marina Pacheco Jordi Mauro Figueiroa Ronaldo Miranda Barbosa Selma Ciornai ‘Ana Maria Mirabella Beatriz Helena Paranhos Cardetta Célia Martinez. de Aguiar Eviene Abduch Lazaros Fatima Aparecida Gomes Martucelli Francisca de Araijo Lopes Marco Aurétio Miranda Maria Cecilia Peres do Souto Myriam Ramos Pinto Hoffmann ‘Teresa Cristina Pedros Ajzsenberg, Instituto Sedes Sapientiae Rua Ministro de God, 1484 -05015-900 - Sao Paulo - SP. A Reciprocidade Amorosa SumMARIO Leitura Interpretativa da Historia da Gestalt Terapia‘ Alberto Pereira Lima Filho O autor examina cuidadosamente a hist6ria da Gestalt Terapia como intento de deseobrit um angulo de visio capaz, de flagrar as origens dos softimentos ¢ das gragas da abordagem. Summary The author takes a careful look at the history of Gestalt Therapy in an attempte to devise a standpoint from which its source of both suffering and generous outcome may be viewed. Quando o nascimento® se dé em condigées traumiticas, é absolutamente necessirio que 0 trauma seja conscientizado ¢ trabalhado. Caso contratio, ele se repetira.” Examinemos 0 contexto em que surge a Gestalt Terapia.’ Perls participou de um Congresso Inter- nacional de Psicandlise, na'‘Tehecoslovaquia, em 1936, tendo apresentado um trabalho sobre ‘Resisténcias orais’, situago que foi considerada um marco no seu afastamento do movimento psicanalitico. © trabalho foi mal recebido. O encontro com Reich, seu ex-analista, foi frio; Jones foi dos poucos a Ihe oferecer boa acolhida apés 0 periodo em que trabalhou na Africa do Sul. Teve, na ocasiaio, seu primeiro, dinico ¢ desapontador encontro com Freud. Em sua autobiografia, Perls se queixa: ...vocé no pode JSazer isso comigo. E isto que ganho em troca da ‘minha lealdade nas discuss6es com Kurt Goldstein (...). Reconhece que mesmo nos iiltimos anos, com a mente mais equilibrada, aquela continuava sendo uma das prineipais situagdes inacabadas de sua vida. (..) Depois de 1936, procurei me reorientar. As malditas ¢ Gestalt # 2001 contidas diividas sobre o sistema freudiano se espalharam e me envolveram todo. Tornei-me un cético, quase um niilista — um negador de tudo, Comegaram naquela época seus ataques & psicandlise, marcados pela rejeigdo experi- mentada, que Ihe parecia injusta quando comparada com os anos de dedicagio. "Pois, afinal, Freud, ex the dei sete dos meus melhores anos", teria dito Perls. O trabalho sobre ‘Resisténcias orais’ — como seria importante que 0 conhecéssemos em sua forma original! - deu origem a sua primeira obra, cujo subtitulo cra ‘Uma revisiio da teoria © método de Freud’, substitufdo na reediga0 de 1969 por ~ ‘0 inicio da Gestalt ‘Terapia’, Um manuserito do texto fora entregue a Maria Bonaparte, amiga e diseipula de Freud, que 0 devolveu a Perls, dizendo-he: Se voce ndo acredita mais na teoria da libido, é melhor apresentar sua rentincia ~ fala considerada por Perls como 0 tratamento de choque de que necessitava. Perplexo, Perls exptessa sua indignagao: Nao pude acreditar nos meus ouvidos. Uma abordagem cientifica baseada numa profissdo de fe? Perls tinha a esperanga de que a psicanilise pudesse ter precnehido 0 vazio de um lar espiritual, numa referencia ao seu sentimento de que a teligiosidade dos pais era hipécrita ¢ Superficial. Teria desejado fazer da psicandilise Sua religiio, A minha reluidncia, entéo, em acompanhar a abordagem de Goldstein néio era por lealdade a Freud, mas por medo de mais uma vee ficar sem apoio espiritual’, teria dito ele, Foiesse o drama que emoldurouo surgimento da Gestalt Terapi Perls estava em busca de um enraizamento espiritual em raz&o da falta de um solo apropriado no contexto familiar. A. psicandilise recebeu dele, entao, a Projegao de uma matriz, do abrigo e do continente espiritwais — um Self como se ditia no linguajar da Psicologia Analitica, Um ser em busea de um acolhimento spiritual. Que imagem forte! Ter sido mal recebido pela comunidade Psicanalitica, porFreud e por seu proprio analisia 86 podem ter sido experiéncias muito dificeis. B Possivel que os anos de devogdio o tenham levado 4 crer que pertencia Aquela comunidade, A tejeigdo ~ entenda-se: a rejeigtio paterna — golpeia sua percepgio eo compele a rever sua Visdo dos fatos. Ele nao foi (apenas) traido por Freud, pela comunidadeou pelo analista, embora {alvez tenha sido essa sua vivéncia. Foi, antes, traido por seus préprios sentimentos, por seus Proprios olhos. Suas esperangas coloriram de contetidos divinos e espirituais uma tela que nao Se dispds a acother a projegfio. Ele agora estava Privado do contexto espiritual almejado, Fondenado em segunda instincia, excomungado, Um paia, enfim, privado de todos os sous direitos, abandonado a propria sorte, Podemos examinar esses acontecimentos no imbito da telagio pai-tlho, similar a relago. livindade-rebanho. Desde tempos imemoriais, ‘abe-se que é inerente ao dinamismo paterno — ertamente cm sua dimensao terrivel — 0 temor de ser superado pela prole, Em raziio desse temor, nossos pais ancestrais, representados por entes mitoldgicos, de tudo fizeram para que seus filhos nao os superassem, Urano devolvia sua, numerosa prole ao ventre materno, impedindo- a de conhecer a luz. Crono, que 0 sucedeu, cngolia os filhos tao logo nasciam, temeroso de que o suplaniassem. Zeus engoliu Métis, que Wa gravida, pois fora advertido de que, se a crianga nascesse ¢ tivesse um filho, esse neto 0 destronaria, um destino que ele nfio queria para si, & interessante destacar um elemento do dinamismo mitolégico em razao da imensa importineia que tem para a compreensio dos fatos psiquicos ¢, nfiomenos relevante, para uma {citura dos fendmenos relatives & Gestalt Terapia, ‘Trata-se do seguinte: em todos os episddios, foi a figura feminina que propiciou a mudanga de Tegéncia patemna no universo. Géia, a esposa de Urano, exausta em razao das constantes investidas de seu consorte, propés que o filho mais novo, Crono, esperasse pelo pai no momento da e6pula, munido de uma foice que ela mesma fornecera, com a qual o castraria, Tendo completado a castrag&o do pai, Crono o sucedeu, Mas tarde, como se viu, 0 mesmo Crono se revelou um pai tio despético quanto seu antecessor. Réia, sua irma ¢ esposa, infeliz, com © fato de que os filhos nao podiam ver a tuz, chganou 0 esposo: em lugar de entregar-the Zeus, seu sexto ¢ iiltimo rebento, deu-lhe para cngolir uma pedra envolta em cueiros. A fastado do convivio com os pais e criado pela cabra Amialiéia, Zeus mais tarde retornou, destronou © pai ¢ 0 afastou, confirmando a nogiio de que 40 destino ninguém foge. ‘Tempos depois, Zeus engoliu Métis, que estava gravida, como se viu. Esse fato tem imensa importéncia, Em primeito lugar, a continuidade da hist6ria ficou por ser contada, ois 0 acento patriarcal da cultura grega deixou. nos sob os auspicios de Zeus até os dias de hoje. A ter o mito o seguimenio previsto, ainda Gestalt * 2001 poderemos ver uma grande mudanga no rumo dos fatos mitolégicos, histéricos ¢, conseqiientemente, também dos fatos psiquicos ¢ da constituigao da Consciéncia Coletiva, Em segundo lugar, de todas as forgas do universo, apenas uma se impunha a Zeus, nio se submetendo a sua regéncia: as Moiras, as deusas do destino, a quem cle respeitavae temnia. Afinal, uma predigao uraniana o advertira. da possibilidade de ser superado. 'Terceiro: Métis, uma forga feminina, ainda néo expirou, Esti contida em Zeus, cativa da escuridio de seu interior para onde foi engolida ¢ onde ainda preserva seu conteido e energia. O oposto de Zeus esté nele contido ¢ representa uma oportunidade de transformagio para a humanidade. A etimologia do nome de Métis, segundo Junito Brando’ reserva significados importantissimos: plano, plano habil, sabedoria, soléreia, habilidade, prudéncia. Métis é a inteligéncia pratica, por vezes a asticia. Provém de uma raiz verbal que significa ‘medi’, o que pressupde ‘célculo, conhecimento exato’. O sentido desse ‘medir’ conservou-se em métron, a nogio da justa medida. Em toda a mitologia g2rega, 0 nico ultraje de quese podem acometer 08 mortais 6 0 de ultrapassar a medida, adentrar © descomedimento, a hybris, algo equivalente a0 que conhecemos como arrogancia ou presungiio. Esse o grande pecado, que tem como sancio o inforttinio eterno. Uma Ieitura simbética do significado dessa contravengaio deixa claro que o repetir de nossos dramas ~ 0 repetir ttio bem descrito por Freud, micleo do funcionamento neurdtico - 6 o cerne dessas punigdes tartéricas. Contra o veneno da presungao, portanto, ld esté Métis, contida no pai dos deuses. Foi ela, aliés, quem entregou a Zeus a beberagem com a qual ele Ievou o pai, Crono, a vomitar os filhos engolidos, seus irméios, devolvendo-os luz, o que evidencia secu espitito revolucionario, evolutivo. Vamos manter Gestalt ® 2001 em mente essa imagem de feminino, pois voltaré a ser titil para nossas ponderagdes. Retornando ao tema do pai que nao quer ser superado pelos filhos, encontra-se entre os mortais Laio, que, a exemplo dos deuses, mandou que Edipo fosse exposto no monte Citerdo, esperangoso de que lf o filho perecesse, pois conhecera e quisera ludibriar a predigio de que seria morto por ele. ela Antes, muito antes, portanto, de um impulso parricida no filho, Id estava um impulso filicida em Laio. A seqiiéncia dos fatos é esta: o filho ‘exporimenta esperangas em relagiio ao pai. Busca reconhecimento, legitimidade, 0 senso de pertencimento ao universo paterno. Nao hé interesse em eliminar o pai, pois isso deixaria © filho deriva, entregue a um indesejado € perigosissimo incesto com a mae, No entanto, gue interesse teria a psicandilise em fazer vista grossa ao filicidio e enfatizar o parricidio? Que ameaga esté representada pela vida nova criativa do filho, tio temida pelo pai? O que hé de tao atraente no poder, que faz.o pai se agarrar a ele como & propria vida? Por que a vida nova do filho nao pode compor com a sabedoria do pai, numa relagiio de reciprocidade? De incoeréncia a psicandlise jamais poder ser acusada, em especial no que se refere a sua proposigao para uma resolugio edipiana satisfatoria ¢, a seu ver, definitiva: no caso do homem, a identificagdo com o pai. Qualquer superagiio desse estado de identificagao soré visto como regressivo, com 0 qué as forgas progressivas da psique, representadas pela superagdo dos entraves paternos, ficam impedidas de se manifestar. A psicandlise rejeitou “o filho” que nfo Ihe mostrou obediéneia, que nilo se limitou a repetir suas ligdes, que trouxe contribuigdes ampliadoras. O novo nao foi bem-vindo. O “pai” no queria que “0 filho” tivesse vida propria, pois poderia com cla ameagar sua hegemonia. 4 Com Jung nao foi diferente. Freud pedia a ele que jamais abandonasse a teoria da sexualidade, Jung sabia que iria contrariar essa recomendago quando, em 1912, propés a ampliago do conecito de libido, liberando-o da compulséria redugao ao plano sexual. Sabia, também, que uma ruptura com Freud e com o movimento psicanalitico seria 0 desenlace inevitivel de seu ato, ¢ ainda assim optou por ser fiel a suas préprias crengas e valores, Sabemos, afinal de contas, inclusive gragas 08 ensinamentos do préprio Freud, que, num. periodo infantil, a ameaga de castragio é em grande parte o que leva o menino a identificar- se com 0 pai, neutralizando assim seu poder ‘mutilador. Naquela etapa da vida essa passagem é necesséria ¢ estruturante. Na vida adulta, porém ~ ¢ isso supera os entendimentos Psicanaliticos -, & necessirio que o filho perceba que permanecer aderido ao pai ou com ele identificado & exatamente 0 que o mantém castrado, afastado de sua alma, aprisionado a uma heteronomia compulsoria; caso queira viver € ser autdnomo, deverd romper com essa posigao mutiladora. O drama edipiano, portanto, requer a superaco do estado de identificagao com 0 Pai, que, se por algum tempo é estruturante, acaba se tormando lesivo caso se perpetuc. A partir de certo momento existencial, o filho di conta de, a um s6 tempo, preservar a nogdo nuclear de identidade masculina oriunda do paradigma patemo ¢ ir além das amarras devidas as idiossincrasias patemas. Perls parece ter-se deparado com esses fatos quando percebeu na ideologia da psicandlise o sentido do dogma — aquela a que chamou “profissio de f” — uma referéncia que, se ultrapassada, justificaria sua exclustio do movimento psicanalitico. Tanto o movimento de Jung quantoo de Perls, © 08 de tantos outros dissidentes da psicanalise, sio rupturas sadias com vistas a uma verdadeira ¢ definitiva resolugio edipiana, caso queiramos tomar a triangulagio conflitiva. como 42 paradigmatica para o desenvolvimento psicolégico de uma pessoa ou mesmo de um sistema. Ao contrario do que o cerne do pensamento freudiano prega, ou seja, a idéia de que a resolugiio do Edipo masculino se conclui acontento uma vez atingida (¢ sempre renovada) a identificagaio com o pai, um filho sé rompe com 0 incesto(!) a que fica submetido sob 0 jugo do pai quando transgride a lei patema para salvaguardar sua autonomia, sua vida propria, sua alma, uma alma que por muito tempo reside no escuro cativeiro heterénomo cujo carcereiro € 0 proprio pai. Com a mulher nao é muito diferente. Ela também fica por muitos anos aprisionada ao desejo do pai, incestuosamente penetrada por ele. Se quer ser auténoma, integra ¢ inteira, deve trai-lo. Nao se trata aqui, tanto no caso do homem quanto no da mulher, da traigaioe da transgressvio banais, psicopdticas, mas da transgress%io e da traigo sublimes, evolutivas, no a perversio, mas a subversiio da ordem patriareal para, no Jugar dela, colocar uma ordem mais justa, j4 que anogio geral de lei, o melhor legado do pai, nio ha de ser abandonada. Essa traigfo e essa transgressio hio de resgatar e voltar a incluir na experiéncia animica o Eros confiscado pelo pai, exatamente por causa de seu cardter revolucionatio. Dentre tantos outros a quem tanto devemos, esses dois criativos homens, Jung e Perls, lidaram de modos diferentes com areal castragio do “pai” psicanalitico, que, a se perpetuar, os manteria incestuosamente submetidos ¢ resignados a seus poderosos mandos. Jung optou pela ruptura, mesmo conhecendo as conseqiléncias de seu ato. Entrou em profunda depressio, pois lamentava ter de softer a perda deum elo tio significativo, mas no podia fechar os olhos a tudo que podia perceber e que ora ampliava, ora colocava em questio as idéias ¢ 08 valores cultivadas pela psicandlise. Peris, por sua vez, parecia um filho mais ingénuo — ou, Gestalt * 2001 quem sabe, mais esperangoso de que o pai pudesse abengod-lo ¢ aprov-lo, Acreditava que suas idéias préprias seriam bem recebidas, pois talvez nao tenha podido supor que o amor paterno fosse condicional. Teria ele vivido uma experiéncia de amor incondicional junto a mae? Poderiam esses fatos ser explicados pela origem judaica de Perls e pela tradi¢ao protestante da familia de Jung? Dificil dizer. Perls ficou perplexo diante da observagio de Maria Bonaparte, Afinal, dedicara sete de seus melhores anos psicanélise ¢, pelo que tudo indica, esperava reciprocidade ¢ reco- nhecimento, uma atitude simétrica de consideragiio, néio um julgamento excludente, mais esperado onde ha uma assimetria hierarquica. Faltou a Perls a vivéncia de ser legitimado por um pai em sua originalidade, em sua identidade prépria — fungdes que estio ao alcance do pai em suas menifestagdes benevolentes ¢ justas. Ele talvez imaginasse que © pai se sentiria orgulhoso por vé-lo capaz de inovar. Ledo engano, Perls. O pai (terrivel) teme ser superado pelo filho, portanto niio pode dotar de legitimidade a originalidade dele. Ele reconheceria a poténcia do filho e teria de, ao mesmo tempo, reconhecer a limitada abrangéncia de sua propria poténcia. O pai terrivel nao suporta ver o filho potente, pois nfio admite sua propria morte, por temer-¢, portanto, nao ser capaz de admitir - transformagées evolugdo. O pai acha que vai ser excluido ~ morto ~ pelo filho, enti, por isso mesmo, quer que 0 filho motra, Se 0 subtitulo da obra que resultou do texto sobre resisténcias orais foi “revisiio da teoria e método de Freud”, isso indica que a intengao de revisiio ja estava contida no trabalho apresentado aos académicos. Tenho motivos para supor que essa intengiio subjacente podia muito bem ser perccbida por Freud, em especial sendo ele um tipo sentimento introvertido, como o perecbo, Gestalt * 2001 para quem a questo da lealdade costuma ser decisiva para o bem querer ¢ a aprovastio. Diz- se que uma pessoa do tipo sentimento introvertido 6 capaz, de ser figura amantissima para um filho e madrasta ou padrasto implacavel para 0 outro. Ou, entio, eu diria, pai amantissimo para um filho em um primeiro momento e padrasto implacavel para 0 mesmo filho num momento posterior, a depender da fidelidade desse filho aos padrdes e valores apreciados por esse pai. Perls rompeu com o pai, sim. Num primeiro momento, porém, niio o fez. por escotha, como foi o caso de Jung, mas por falta de escolha, pois nao alcangou respaldo onde, pelo que tudo indica, imaginou encontrd-lo. Jung pode perceber, mais cedo, que as béngios patemas niio estariam 14. Quando se langou no campo da autonomia, portanto, sabia que teria de fundar sua propria patria. A mégoa de Perls em relagaio Apsicanilise, por sua vez, talvez se deva ao fato de que ele nio soube prever a reprovagao que viria. Relacionava-se com 0 pai intuido e almejado, nfio com o pai real. Somente depois de 1936 procurou se reorientar. As malditas e contidas davidas sobre © sistema freudiano se espalharam ¢ 0 cavolveram todo. Tomou-se um cético, quase um niilista —um negador de tudo. B como sea critica de Perls tivesse se dado em dois momentos distintos, com graus diferenciados de consciéneia. Num primeiro momento, propés visées que nem mesmo ele sabia serem revolucionarias ~ ou, caso o soubesse, ndo imaginava que causariam desagrado — e, em razio delas, foi rejeitado. A decepgaio com a ma recepgiio a seu trabalho —provavelmente vivida como rejeigio pessoal ~ 0 obrigou a se conscientizar do significado de sua critica relativa ao pai e das conseqiiéncias que dela adviriam. Ai, entio, nesse segundo momento, tornou-se um cético, um negador de tudo. Somente com 0 golpe softido é que vieram & 43 tona as malditas e contidas dtividas sobre o sistema fieudiano, que entiio fizeram metastase © © avassalaram por inteito. Esse cancer é a miégoa de Perls, sua profunda ferida narcisica uma ferida narcisica secundaria jé que, a se manter a hipétese de que ele teria conhecido um amor matemno incondicional, é possivel que néo Soffesse tanto em raztio de feridas primérias, A Cura dese cincer, dessa frida, é ainda a tarefa do gestalt terapeuta na atualidade, E interessante a afirmagiio de Perls de que Sua reluténcia em acompanhar a abordagem de Goldstein nao era por lealdade a Freud, mas por edo demais uma vez ficar sem apoio espititual, A vivéncia, portanto, nao foi a de tet sido rejeitado por um pai pessoal, um Freud a quem ele seria leal, mas por uma seitareligiosa da qual Freud seria um sacerdote, Ser rejeitado por um deus é muito pior do. que ser rejeitado por um pai’, Quando um ser busca fora de si um abrigo spiritual e no o encontra, hé de procuré-lo em outro lugar: na prépria psique, no campo subjetivo, Para fazer bom uso da rejeigdio—uma figura -, seria necessério que Perls percebesse a disposicaio do fundo dessa mesma figura: a »porlunidade’. A questéio capaz de remeter a ique a0 movimento prospectivo, neste caso, io é“como?”, mas “para qué?”: que finalidade Tiativa abre a rejeigio? Qual a oportunidade nela butida? O que favorece? A que remete? O me permite? A qué dé margem? O que haugura? A servigo de qué se coloca? recisamos ser gratos ao pai que rejeita — ou, inda, ao deus que rejeita - pois, Bragas a ipolaridade de todo evento psiquico, a mesma jeigdo que fere inclui o antidoto para seu neno, pois torna oportuna uma revolugiio. Em que pé estamos nés, filhos ¢ netos de tls, ot, quem sabe, em parte, suas extensdes, us “clones” feridos? Quando um homem nio nscgue finalizar a contento a superagiio de suas idas, deixa como legado aos filhos a missio de levar adiante 0 processo de cura, em especial quando esse homem € fundador de um movimento; a ferida ni é pessoal, mas coletiva, Estamos sabendo fazer bom uso da Sportunidade? Como ficars nossa identidade, caso tenhamos de constatar que nosso ancestral foi excomungado e tomou-se um paria? Que cidadania possui 0 filho de um expatriado? Nosso finndador deu conta de nos propiciar uma ova patria firme ¢ segura? Seus seguidores ¢ discipulos, hoje nossos mestres, saberiio receber bem nossas diferengas, ow nos receberiio mal? Como mestres, sabcremos acolher diferengas ¢ Propostas de superacio feitas por nossos pupilos, ‘out seremos avessos a elas? Seremos sedentos pelo poder ¢ submeteremos nossos alunos formandos, ou mesmo nossos clientes, ao compulsério destino de se resignarem a servir ¢ atender nossas necessidades narcisicas, ou saberemos exercer e ser figis as crengas e valores sobre os quais teoricamente versamos com tanta fluéncia? Este texto, escrito numa linguagem distinta do corpo conceitual da Gestalt Terapia, esta sendo bem aceito? Perls fundou uma patria propria, sim. E neta habitam os gestalt terapeutas. Mas talvez mareados pelo sentimento oriundo de uma exclusiio imprevista, um golpe imposto 4 alma do nosso fimdador e, conseqtientemente, as de todos nds. Nossa patria existe, mas que lugar cla ocupa no mapa de nossa psique? Ela fiz parte do mesmo planeta em que outras patrias t€m seus és firmemente plantados, ou aos moldes da ilha de Delos, antes do nascimento de Apolo, 0 terreno onde se situa nossa patria boia sobre o eceano do planeta oficial, condenado a jamais S¢ fixar? Vamos visitar a origem dessa imagem mitolégica, A ciumenta deusa Hera determinou que a {era negasse a Leto, amante de scu consorte, Zeus, um lugar onde pudesse dat 4 luz, Posidon Gestalt ® 2001

Potrebbero piacerti anche