Certeau, Michel de, 1925-1986. A Escrita da história/Michel de Certeau;
tradução de Maria de Lourdes Menezes: revisão técnica de Arno Vogel. -ed 2. Ed.- Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. A história religiosa é o campo de um confronto entre a historiografia e a arqueologia da qual parcialmente tomou lugar. Secundariamente, permite analisar a relação que entrelaça a história com a ideologia da qual deve dar conta em termos de produção. As duas questões se entrecruzam e podem ser consideradas em conjunto no setor estreitamente circunscrito do “tratamento” da teologia por métodos próprios à história. (pág. 31) Sem dúvida a história é o nosso mito. Ela combina o pensável e a origem, de acordo com o modo através do qual uma sociedade se compreende” (pág. 33.) Globalmente, desde há três séculos, no que concerne à França, a história religiosa parece marcada por duas tendências: uma originária das correntes espirituais, fixa o estudo na análise das doutrinas, a outra, marcada pelas “Luzes”, coloca a religião sob o signo das superstições. (pág.34) A História da Loucura criou o signo desse momento em que uma cientificidade ampliada se confronta comas zonas que abandona como seu resíduo ou reverso inteligível. A ciência histórica vê crescer, com seu progresso, as regiões silenciosas do que não atinge. (pág.50) “... existe em cada história um processo de significação que visa sempre preencher o sentido da história: o historiador é aquele que reúne menos os fatos do que os significantes. Ele parece contar os fatos, enquanto efetivamente, enuncia sentidos que, aliás, remetem o notado a uma concepção do notável”. (pág. 52.) A história cairia em ruínas sem chave de abóbada de toda a sua arquitetura: a articulação entre o ato que propõe e a sociedade que reflete; o corte, constantemente questionado, entre um presente e um passado; (pág.54) A escrita histórica se constrói em função de uma instituição cuja organização parece inverter: com efeito, obedece a regras próprias que exigem ser examinadas por elas mesma. (pág.66) Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio- econômico, político e cultural. (pág.66) A história não reconstitui a verdade do ocorrido no passado. Vivemos no tempo da desconfiança em que “Mostrou-se que toda interpretação histórica depende de um sistema de referência; que este sistema permanece uma filosofia implícita particular; que se infiltrando no trabalho de análise, organizando-o à sua revelia, remete à subjetividade do autor”. (pág. 67) “Fazer história” é uma prática. Sob este ângulo podemos passar para uma perspectiva mais pragmática, considerando os caminhos que se abrem sem se prender mais à situação epistemológica que, até aqui, foi desvendada pela sociologia da historiografia. (pág.78) O historiador trabalha em cima de um material para transformá-lo em história. Empreende uma manipulação que obedece a regras. “Quando o historiador supõe que um passado já dado se desvenda no seu texto, ele se alinha com o comportamento do consumidor. Recebe, passivamente, os objetos distribuídos pelos produtores”. (pág. 80) “A escrita não fala do passado senão para enterrá-lo. Ela é um túmulo no duplo sentido de que, através do mesmo texto, ela honra e elimina”. (pág. 108) A linguagem permite a uma prática situar-se com relação ao seu outro, o passado. Com efeito, ele mesmo é uma prática. A historiografia se serve da morte para articular uma lei (do presente). Ela não descreve as práticas silenciosas que a constroem, mas efetua uma nova distribuição de práticas já semantizadas. (pág.108) A história fornece “fotos” destinados a preencher os quadros formais determinados por uma teoria econômica, sociológica, demográfica ou psicanalítica. Esta concepção tende a situar a história ao lado dos “exemplos” que devem “ilustrar uma “doutrina” definida noutro lugar”. (pág.125) (...). Jean-Jacques Rousseau designa a mutação que se completou, quando escreve a Voltaire: “O dogma não é nada, a moral é tudo”. Da mesma forma, para a Enciclopédia, “a moral prevalece sobre a fé... por que quase toda a moral (...) é de natureza imutável e permanecerá por toda a eternidade, enquanto a fé não mais subsistirá e será transformada em convicção. (pag. 154) (...). Ao mesmo tempo, a doutrina de ontem se transforma num fato de “crença”, é uma “convicção” (quer dizer, uma opinião combinada com uma paixão), ou uma “superstição”, em suma, o objeto de uma analise articulada por critérios autônomos. (...). Uma “ciência dos costumes”, de agora em diante, julga a ideologia religiosa e seus efeitos, lá onde a “ciência da fé” classificou os comportamentos em uma subseção intitulada “teologia moral”... (pag. 154) Uma apologética prolifera numa atmosfera onde as violências e as “controvérsias” entre grupos religiosos crescem com a suspeita que atinge seus imperativos particulares. Mesmo a filosofia cristã é mobilizada pela tarefa que Malebranche definiu como: “Descobria através da razão, entre todas as religiões aquela que Deus estabeleceu.” (pag. 156) Para reencontrar a certeza através de unidade é preciso, pois: ou remontar a uma religião natural, mais fundamental que as religiões históricas, todas contingentes: ou tentar levar, para uma destas religiões todas as suas rivais, que se hão de considerar “falsas”, graças ao estabelecimento de “marcas” garantido a “verdadeira”. (pag. 157) (...). No século XVIII será considerada com um olho já etnográfico pelos “observateus de I’homme”. O próprio termo que a designa muda de sentido. Religião não significa mais uma Ordem religiosa ou a Igreja no singular: “religião de agora em diante, se pode dizer no plural”. (...) existe aí um conjunto que é preciso compreender, critica ou situar segundo critérios que não são os seus (...). O conteúdo da crença se oferece a analise, a partir de um distanciamento com relação ao ato de crer. A religião tende a se tornar um objeto social e, portanto, um objeto de estudo, deixando de ser para o individuo aquele que lhes permite pensar ou se conduzir. (pag. 157) (...). A razão de Estado já reordena o país como empresa capitalista e mercantilista. Ela também enquadra as crenças: “Governar é fazer crer”. Nesta racionalização política das convicções e das mentalidades, Mersenne via como legitima uma “manutenção dos espíritos”, Campanella, uma “guerra espiritual”, uma cruzada, o equivalente do “combate espiritual”. (pag. 160) A vontade de “dizer” uma fé se acompanha se um recuo para o “interior” ou para “fora do mundo”. (pag.165) (...) Montesquieu dirá dos cristãos que eles “não são mais firmes na sua incredulidade do que na sua fé; vivem num fluxo e refluxo que os leva sem cessar de uma à outra”. Humorística talvez, lúcida em todo caso, sua observação indica a dificuldade destes cristãos de encontrar balizadas sociais para sua fé... (pag. 166) (...) a “heresia tradicional”, forma social modelada numa verteologica, se torna cada vez menos possível. (pag. 172) (...) a razão tem seu próprio tesouro guardado no povo e inscrito na historia. Ela o transforma, mas recebendo-o daquilo que a precedeu. Um fluxo popular, de onde tudo provem, ascende; finalmente, dizendo-se sua cabeça de ponte, a ciência esclarecida confessa, também, não ser senão a metáfora dele. (pag. 175) O dicionário se torna instrumento teológico. Quando a linguagem religiosa é pervertida por um uso é “difícil de conhecer” e que remete ao insondável das “intenções” ou do “coração”. (pag.224) (...), Joana dos Anjos é a vez de tal ou qual demônio que a possui. São discursos escritos na diferença dos tempos, quando ela se objetiva dizendo: “Eu era, eu fazia”. (...) Joana dos Anjos pode falar como possuída, mas não pode escrever como possuída. A possessão não é senão uma voz. Desde que Joana passa à escrita ela diz o que fazia, pensa no passado, descreve um objeto distante dela sobre o qual, a posterior, pode, aliás enunciar o discurso do saber.(pag. 252) (...). O mundo se transforma em espaço; o conhecimento se organizar como olhar, em Pascal, com toda a dialética da distancia ou do “ponto de vista” do observador, e em Descartes, com a filosofia cogito operando um trabalho de distinção na e com relação à “fabula do Mundo”.(pag.264) “A etnologia, diz ele, se interessa, sobretudo, pelo que não está escrito”. (pág. 212) A propósito de uma tradição oral dos Tupis concernente ao dilúvio que teria afogado “todos os homens do mundo, exceto suas avós, que se salvaram sobre as mais altas árvores de seu país”, Léry observa que “estando privados de toda espécie de escrita lhes é penoso reter as coisas em sua pureza; eles acrescentaram a está fábula, como os poetas, que seus avôs se salvaram sobre as árvores”. (pág. 218) Os “ruídos” que chegam da festa dos homens-selvagens, assim como os “sons inarticulados” que assinalam a dos “homens-mulheres”, não têm conteúdo inelegível. (pág. 229) A nudez destas mulheres da noite, loucas de prazer, é uma visão muito ambivalente. Sua selvageria fascina e ameaça. Ela vem do mundo desconhecido onde estão as índias tupi, segundo Léry, as únicas a trabalhar incansavelmente, ativas e vorazes, também, as primeiras a praticar a antropofagia. (pág. 231 e 232) Este primeiro estudo, La Possession de Loundun, tratava de compreender o espetáculo diabólico como um fenômeno social, examinando nele as regras as quais o jogo de personagens obedecia no campo religioso, médico ou político, e por outro lado, as relações que os processos de aculturação social mantinham com uma lógica do imaginário. (pág. 245) Uma perturbação já faz parte do documento tal como ele nos chega, e não se pode identificar com o texto perguntas-respostas à possessão que nele se revela. (pág. 252) Joana dos Anjos pode falar como possuída, mas não pode escrever como possuída. (pág. 252) Os textos das possuídas não fornecem a chave de sua linguagem, que permanece indecifrável para elas mesmas. (pág. 255) Se, portanto, “o nome próprio permanece sempre do lado da significação”, ele se situa no “limiar” marcado por uma descontinuidade entre o ato de significado e o de mostrar. (pág.259 e 260) Entrar neste repertorio e descobrir um lugar, mas um lugar que oscila do rito ao teatro é que comprometido pelas interferências do dicionário dos demônios com o das famílias ou o dos nomes religiosos (Joana dos Anjos, Luiza de Jesus). (pág. 262) A hagiografia é um gênero literário, que no século VII, chamavam-se também de hagiologia ou hagiológica. (pág. 266) A vida de santo se inscreve na vida de um grupo, igreja ou comunidade. (pág. 269) A mais antiga menção de uma hagiografia na literatura cristã eclesiástica é uma condenação: o autor (um padre) foi degradado por haver cometido um apócrifo. (pág. 271) A hagiografia oferece um imenso repertorio de temas que, freqüentemente historiadores, etnólogos e folcloristas exploram. (pág. 275) A palavra historia oscila entre dois pólos: a história que é contada (Histoire) e a que é feita (Geschichte) (pág. 281) A psicanálise não constitui uma nova seqüência no progresso de um engodo sempre acrescido pela capacidade de desmistificar e pela própria lucidez. (pág. 292) Para Haitzmann, seu trabalho ascético de religioso o dispensa ainda do trabalho que consistiria em “assegurar“ ele mesmo” sua existência”; pede praticar uma lei comum à qual se abandona e se consagra para não ser abandonado. (pág. 293) Freud traça uma linha de demarcação entre estas duas vertentes da pratica psicanalítica, quando menciona o principio imperceptível que usa como uma navalha, para recortar significantes na superfície de um discurso ou de um texto. (pág. 297) a erudição pode, comodamente, dar conta de “Moisés e o monoteísmo” citando- o no lugar dos textos sérios. (pág. 301) “Moisés o egípcio” este é o “ponto de partida” de um trabalho analítico. (pág. 302) a fábula freudiana se anuncia “analítica” porque restaura ou confessa o corte que em todo lugar volta e se desloca “romanesca” porque não aprende nunca senão substitutos de outra coisa e de estabilidades ilusórias com relação à divisão que as faz roçar no mesmo lugar. (pág. 307) O texto nasce da relação entre uma partida e uma divida. (pág. 310) É necessário morrer de corpo para que nasça a escrita. (pág. 314) O que se inscreve nos textos - e no romance de Freud – é o seu luto, já que o trabalho de “fechar os olhos” do “pai” anuncia igualmente a lei de seu retorno. (pág. 320) A lenda judia do nascimento de Moisés “difere de todas as outras lendas do mesmo gênero”; “ocupa a parte e contradiz mesmo a outras num ponto essencial”: (...). (pág. 325) A inversão, na verdade, não é senão uma variante. (pág.325) É verdade, a historiografia “conhece” a questão do outro. (pág. 333) Para Freud, o problema religioso é indissociável da sua tradição. (pág. 334) A comunicação é sempre a metáfora do que oculta. (pág. 336) O romance de Freud é a teoria da ficção cientifica. (pág. 337)
“Relações de Força” - Carlo Ginzburg
"Pensamos em criar um blog para dar mais visibilidade e suscitar discussões além dos nossos encontros semanais. Espero que possamos desenvolver nossas leituras e ajudarmos uns aos outros. Cada encontro terá um pequeno resumo postado aqui, um pequeno texto que nos mostre alguns pontos importantes que foram analisados nos nossos encontros" (Carolina Abreu - Integrante do G.E.P.H.T.D)
Sendo assim, aqui vai um resumo feito pelo prof. Jailson sobre o encontro no qual foi discutido a introdução da obra de Carlo Ginzburg "Relações de Força".
Boa Leitura!
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Em primeiro lugar, buscamos destacar algumas razões que levam o autor a
escrever o texto. Para nós, parece claro que as preocupações de Ginzburg, destacadamente nos seus trabalhos mais recentes, se direcionam para uma ponderação e um questionamento do papel dos documentos e dos discursos no fazer do historiador. Em textos como “O queijo e os vermes” e “Mitos, emblemas e sinais”, por exemplo, o autor italiano reflete sobre pressupostos teórico-metodológicos que informam o ofício do historiador.
Na estrutura da Introdução de “Relações de Força”, Ginzburg optou por
organizar seus argumentos em pequenos pontos (treze ao todo), que se comunicam entre si e que refletem sobre a relação entre “História, retórica e prova” pensando como esses elementos foram interpretados em momentos e realidades distintas, com exemplos e citações que vão desde a Antiguidade até o século XX.
Desses 13 pontos, destacamos os seguintes aspectos:
Primeiro Ponto- O autor lembra que, hoje, a relação entre a História e a
Retórica esvaziou a necessidade da prova. Isso ocorre porque a Retórica parece ter assumido uma autonomia, em si, como campo de construção de sentidos. Para Ginzburg, essa visão da retórica apartada da prova precisa ser problematizada. Para ele, no passado, a Retórica necessitava da prova; caso contrário ela se esvaziaria, tornando-se um discurso sofístico, enganador. Segundo Ponto- Essa primazia da retórica sobre a prova (e por vezes sobre a História) ameaça arrastar a reflexão histórica para um relativismo absoluto, no qual a dimensão narrativa se sobressai. Para o autor, essa não é uma questão apenas de teoria e metodologia da História, pois ela diz respeito à maneira como nós nos colocamos diante da questão do outro. Se o relativismo absoluto é válido, estamos obrigado a aceitar, sem questionar, tudo que vem do outro? “aceitar a existência de costumes e valores diversos dos nossos parece a muitos ato obrigatório; aceitá-los sempre e de qualquer jeito parece a alguns (entre os quais eu me incluo) intolerável” (p. 14)
Terceiro Ponto- Tomando uma reflexão de Nietzsche acerca da “Guerra do
Peloponeso”, de Tucídides, Ginzburg retoma um argumento ateniense para justificar a invasão contra os Mélios. Segundo tal argumento: é justo que o mais forte prevaleça sobre o mais fraco. (“O justo nas discussões entre os homens só prevalece quando o interesse de ambos os lados são compatíveis”). Quarto Ponto-Quando isso não ocorre, quer dizer, quando não há consenso, os mais fracos são dominados pelos mais fortes. Nesse sentido, embaçam-se as distinções entre justiça e poder, graças às artimanhas da Retórica. A retórica, portanto, distorce a justiça.
Quinto Ponto- Avançando a reflexão sobre a relação entre retórica e poder,
retórica e justiça, Ginzburg vai buscar em Platão e Sócrates (Górgias) uma forma de questionar a validade da retórica em si: “Da retórica, dissera Sócrates no final de Górgias (527 a.C), ‘se deve sempre fazer uso visando a justiça, assim como de qualquer outra atividade’.” ( p.23). Então Ginzburg se aproxima ainda mais de Nietzsche para pensar seu texto “acerca da verdade e da mentira”. Nietzsche, que deixara esse texto incompleto e o abre em tom fabuloso, expunha suas críticas ao conhecimento e a pretensa sensação de centralidade/superioridade da humanidade. A questão lançada no texto é: “o que é então a verdade?”
Sexto Ponto- Para Nietzsche, a verdade se apresenta como uma
convenção. “um exército móbil de metáforas e metonímias (...) reforçadas poética e retoricamente. As verdades são ilusões das quais se esqueceu a natureza evasiva” (p. 24-25). Então Nietzsche põe a verdade em relação direta coma linguagem (retórica e poética), argumento e beleza. Estilo, enfim.
Sétimo Ponto- Ginzburg retoma trechos do texto nietzscheano, cruzando
com dados da sua biografia, marcada pela ascendência religiosa. Essa ascendência levara Nietzsche a pensar que a história responderia as grandes questões religiosas e filosóficas. Desencantado com os limites do pensar histórico, a linguagem, sua estrutura de significação, ganha destaque no pensamento nietzscheano como forma de validar o mundo, embora haja sempre os limites da “tradução”. Oitavo Ponto- Por isso a exegese, seja ela espiritual ou literal, não ultrapassa os limites da linguagem. É preciso conhecer os tropos da linguagem para compreender as suas anfibologias (duplicidade de sentidos) Nono Ponto- A duplicidade não se separa da dubiedade. O exemplo de Paul de Man, um crítico literário famoso por suas ideias desconstrucionistas e que, depois de sua morte, teve desvelada sua produção antissemita e colaboracionista serve como ponto de inflexão para Ginzburg questionar, novamente, o relativismo absoluto. De Man tinha razões para tentar fugir da sua própria história. Desconstruir a história e também desconstruir sua condição de sujeito. Décimo Ponto- O ceticismo de Nietzsche é limitado. “Nietzsche postula tacitamente a existência de um mundo único dominado por uma luta implacável pela sobrevivência” (p. 37).
Décimo Primeiro Ponto- Os limites do relativismo são cognitivos e
político-morais. Cognitivo porque anula a si mesmo. Político-moral porque aponta para uma “equidade” que, no fundo, torna-se uma recusa à responsabilidade que temos de assumir uma postura crítica e política diante do mundo.
Décimo Segundo Ponto- A Retórica caiu em descrédito no século XVIII
(Ilustração) e assim continuou até o final do século XX. Agora retomada, ela parece dispensar sua própria história, negando sua relação com a prova. Nesse sentido, corre-se o risco de simplificar o sentido e a função do conhecimento, restringindo-o ao “exercício brutal do poder”. (p. 43). É preciso trazer a retórica não como um dado em si, um discurso que diz a si mesmo e aos outros. É preciso transformá-la, novamente, em objeto e instrumento da história. Aproximá-la do “trabalho concreto dos historiadores” (p.14, começo do texto).
Décimo Terceiro Ponto- Isso coloca a questão dos documentos,
novamente, em evidência no trabalho do historiador. Sem as fontes, esvaziam-se os objetos e instrumentos da história. Para encerrar, vaticina Ginzburg expondo sua convicção na nulidade do relativismo absoluto diante da vida, da política e do conhecimento histórico: “as fontes não são nem janelas escancaras, como acreditam os positivistas, nem muros que obstruem a visão, como pensam os céticos: no máximo poderíamos compará-las a espelhos deformantes. A análise da distorção específica de qualquer fonte implica já um elemento construtivo. Mas a construção (...) não é incompatível com a prova; a projeção do desejo, sem o qual não há pesquisa, não é incompatível com os desmentidos infligidos pelo princípio de realidade. O conhecimento (mesmo o conhecimento histórico) é possível”. (p. 44-45)
GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: