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NO ESPAÇO
PÚBLICO
Todas estas práticas se
sustentam na ideia de que o
espaço público, longe de ser
uma entidade preexistente
criada para os seus usuários,
é antes um espaço que
emerge da prática dos seus
utilizadores.
Rosalyn Deutsche1
1
Rosalyn Deutsche, “The Question of ‘Public Space’”, disponível em <iwalewapublicspace.
files.wordpress.com/.../rosalyn-deutsche-_-the-question-of-_public-space_.pdf>, acedido
em 10 Abr. 2013. Tradução livre dos autores.
A presença de objetos artísticos no chamado espaço público não constitui
uma novidade de maior, quer se trate de estátuas equestres que perpetuam
figuras e feitos históricos na memória coletiva dos locais, de painéis de azu-
lejos em relação intrínseca com a arquitetura que os suporta ou de escultu-
ras desenhadas para embelezarem uma determinada composição urbana.
Todos reconhecemos a presença destas manifestações, mesmo que por ra-
zões diversas possamos não ter reparado nesta ou naquela especificamen-
te. Aos exemplos enunciados poderíamos acrescentar os graffiti, stencils,
tags e stickers que constituem o que geralmente se designa de street art;
mas também manifestações menos visíveis, como intervenções efémeras
ou ações que ocorrem durante um período reduzido de tempo. Durante as
últimas décadas o conceito de arte pública tem procurado identificar esta
complexa composição definida por intervenções manifestamente distintas.
1 Situação: vocábulo escolhido pelo crítico de arte americano Michael Fried (1939, Nova Iorque)
para referir o espaço-tempo de ocorrência de uma obra minimalista. Situação é o resultado
da articulação entre três elementos: espaço, obra e observador. A presença deste último no
espaço de instalação do trabalho artístico ativava a relação entre os três elementos, fundando
a totalidade da obra.
PARQUE DA FUNDAÇÃO DE SERRALVES
2 Minimalismo: movimento artístico que emerge nos finais dos anos 1950 e se estende pelas
décadas seguintes, protagonizado por artistas como Donald Judd, Dan Flavin, Robert Morris,
Frank Stella, Carl Andre e Richard Serra. Os seus trabalhos caraterizavam-se pela simplicidade
das formas, quer escultóricas, quer pictóricas. Estes autores pretendem que os seus objetos
não representem aspetos da vida real, mas a literalidade formal apresentada. Ou seja, a forma
que se apresentava ao observador era a realidade em si.
3 Da coleção da Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea.
Segundo o artista Robert Morris, um dos principais representantes do mini-
malismo, “O objeto [artístico] não se tornou menos importante. Apenas se
tornou menos importante em si mesmo.”4 O movimento centrípeto e de en-
simesmamento que caracterizava a fruição do objeto artístico expande-se,
integrando não só as condições que lhe preexistem, mas também a situação
experiencial espoletada pela presença do observador. Neste momento o ob-
servador deixa de operar unicamente como aquele que observa, passando a
ser parte integrante da situação como um dos seus elementos constituintes.
No contexto da polémica gerada por Tilted Arc, Richard Serra demonstrou
objetivamente a relação intrínseca que os objetos desenhados para um de-
terminado local estabelecem com esse mesmo sítio. Uma relação formal en-
tre espaço e obra que tem vindo a ser definida pela expressão site-specific
(para um espaço específico). Tilted Arc foi desenhado e concebido por Rich-
ard Serra para a Federal Plaza em Nova Iorque, a convite do programa Art-in-
Architecture [Arte-na-Arquitetura] dos Serviços Gerais de Administração dos
Estados Unidos. Instalada em 1981, esta peça foi alvo de enorme contestação
por parte dos utentes que atravessavam a praça diariamente a caminho do
seu local de trabalho ou a usavam durante a pausa do almoço. A presença
deste objeto tornou-se intrusiva, tanto para os utentes, como para os que
consideravam que a obra punha em causa a segurança do local por bloquear
a visibilidade. Em 1989, perante a pressão que se gerou em torno deste pro-
jeto, as autoridades locais decidiram remover o trabalho. Mas para Serra “re-
mover o trabalho é destruir o trabalho”, tendo dado instruções para que este,
uma vez retirado, não pudesse ser reinstalado noutro local. No entanto, o au-
tor não desvaloriza toda a polémica causada, considerando as consequências
da implantação do objeto como parte constituinte da situação gerada pela
obra na praça.
5 Fluxus: movimento artístico fundado em 1962 pelo artista George Maciunas (1931–1978) na Ale-
manha e que contou com artistas como Joseph Beuys, John Cage, Dick Higgins, entre muitos
outros. Não se restringindo a nenhum meio específico, explorava várias formas artísticas que
produzissem um compromisso entre o artista e o contexto social e político do qual fazia parte.
Praça do Anjo I, 2007 – Praça de Lisboa (antiga Praça do Anjo), Porto
A primeira iniciativa realizada pelo coletivo surgiu no seguimento do convite
feito pelo Projeto Apêndice, no Porto – espaço de exposições alternativo
organizado pelas artistas Carla Filipe e Isabel Ribeiro, cuja programação
decorreu de 2006 a 2008.
Em colaboração com Ricardo Gomes (guia turístico), foi organizada uma vis-
ita guiada ao local de onde a Anja havia sido retirada. No dia 16 de janeiro de
2007, as pessoas que compareceram na inauguração da suposta exposição
do coletivo no Projeto Apêndice foram levadas até à Praça de Lisboa, onde
a visita se realizou. Ao longo do percurso o guia conduziu os visitantes por
treze pontos de interesse, devidamente numerados. O percurso também po-
dia ser acompanhado através do folheto que foi entregue a cada um dos pre-
sentes. Através de um discurso recheado de ironia, o guia dava a conhecer
uma história onde realidade e ficção se misturavam de forma intencional e
sem que os limites de ambos fossem facilmente percetíveis. De entre os ob-
jetos de interesse selecionados constavam: a Fonte da Anja, onde a tragédia
que aqui tinha tido lugar era enunciada e explicada aos presentes; o banco
público, mostrado como um objeto de arqueologia urbana que remontava
ao período em que “existiam coisas públicas”; ou o fenómeno “incidente
na calçada”, onde algumas pedras da calçada tinham sido retiradas, tendo
composto um desenho abstrato que a imaginação popular se tinha ocupado
de atribuir significados.
Praça do Anjo II, 2008 – Praça de Lisboa (antiga Praça do Anjo), Porto
No ano seguinte, a Associação de Amigos da Praça do Anjo concebeu uma
placa comemorativa em homenagem à escultura desaparecida. Replicando
o tipo de cerimónias que marcam estes gestos comemorativos, o coletivo
convocou a população para estar presente na inauguração da lápide (como
os artistas gostam de denominar). Afixada num dos altos muros que circun-
screvia, antes do início das obras em 2011, a área do Clérigos Shopping (Rua
das Carmelitas), esta foi desvelada com pompa e circunstância, contando
com o acompanhamento musical do grupo Calhau!. Na placa podia-se ler: