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COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROMETHEA:
A RELAÇÃO ENTRE OS QUADRINHOS DE SUPER-HERÓIS E A
MITOLOGIA OCIDENTAL CONTEMPORÂNEA
NOVA FRIBURGO
2008
DIEGO AGUIAR VIEIRA
PROMETHEA:
A RELAÇÃO ENTRE OS QUADRINHOS DE SUPER-HERÓIS E A
MITOLOGIA OCIDENTAL CONTEMPORÂNEA
NOVA FRIBURGO
2008
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROMETHEA:
A RELAÇÃO ENTRE OS QUADRINHOS DE SUPER-HERÓIS E A
MITOLOGIA OCIDENTAL CONTEMPORÂNEA
Banca Examinadora:
_______________________________________
Alita Sá Rego
_______________________________________
Maurício Siaines
_______________________________________
Marcus S. Wolff
! ! ! ! !
Agradeço, em primeiro lugar, a meus pais, por darem corda em toda essa
loucura.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 68
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 71
APÊNDICE ............................................................................................................................ 74
9
Introdução
!
Arte seqüencial, banda desenhada, mangás, comics, hq’s, histórias em
quadrinhos ou simplesmente, gibis. As histórias em quadrinhos são conhecidas por
vários nomes e formas em todo o mundo, mas ainda não gozam de todo o prestigio
que merecem. Apesar de contarem com os públicos mais variados e de se
difundirem cada vez mais, afetando, inclusive, outras mídias (como o cinema e a
TV), os quadrinhos ainda carregam um quê de maldito, sendo considerados como
“coisa de criança” ou mero desperdício de dinheiro por parte de nerd’s e
adolescentes eternos.
No entanto, nas estantes das livrarias, quadrinhos infantis e adultos dividem
espaço com coqueluches produzidas a preço de ouro para saudosistas e
colecionadores. Ao mesmo tempo, mais quadrinhos infantis conquistam as crianças
nas bancas de jornal, com histórias simples produzidas em massa. Histórias
pornográficas são vendidas por baixo do balcão, mangás fomentam a fome das
crianças que, querendo mais histórias dos seus personagens favoritos dos desenhos
animados, abocanham os quadrinhos. E no meio disso tudo, o gênero mais
conhecido, embora, muito provavelmente, o mais depreciado, são os super-heróis.
! Nas duas últimas décadas, mais exatamente a partir de 1986, com a
publicação de obras como O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller e Watchmen de
Alan Moore e David Gibbons, uma nova consciência parece ter brotado no mercado
editorial americano de quadrinhos de super-heróis. As eternas reviravoltas, o
“continua” no final das edições, os duelos emblemáticos entre heróis e vilões – tudo
isso passou a ser visto como algo além da extrapolação criativa e comercialmente
produtiva como os quadrinhos eram encarados até então.
! E é aí que entra a segunda e mais importante parte deste trabalho. Os
quadrinhos como elementos difusores do mito do herói. Ou, ainda mais
especificamente, o mito do herói ocidental.
A mitologia ocidental contemporânea usa com bastante eficácia e, de forma
nada moderada, a imagem do herói. O herói, este individuo que busca, realiza ou
descobre “alguma coisa além do nível normal de realizações ou de experiência”,
como diria Joseph Campbell, é um elemento presente em diversas culturas e mitos.
10
Ressalta-se aqui que o material estudado vai até o ano de 1999 por duas
razões: a primeira é que este foi ano em que a primeira edição de Promethea
chegou às bancas. A segunda razão é que após o atentado de 11 de setembro de
2001, os quadrinhos de super-heróis parecem ter se encaminhado para uma outra
etapa naquilo que, durante o segundo capítulo, chamaremos de Eras dos
Quadrinhos.
3 O escritor Aldous Huxley defende ainda que a transcendência pode ocorrer em diversos níveis, de diferentes
formas. São elas: ascendente, associada a iluminação espiritual alcançada, por exemplo, após anos de disciplina
física e mental; descendente, ligadas ao consumo de drogas, sexualidade primária e o envolvimento com a
massa; e a transcendência horizontal, ligada ao altruísmo, mas também referente a questões sexuais, que neste
caso, seriam representadas pelo tantrismo. (V. Apêndice contido em Os Demônios de Loudun de sua autoria)
14
4 Autor de quadrinhos escocês, famoso por seu trabalho em Batman: Asilo Arkham, Homem-Animal, Os
Invisíveis e Liga da Justiça (v. Cap. 2).
5 A idéia moderna de que o Homem vive por sua própria conta, alheio às pressões e valores impostos pelos
mitos, acaba por ruir diante da enormidade de produções artísticas que se utilizam dos caracteres básicos de que
são compostos determinadas mitologias, e da grande quantidade de pessoas que se mostram influenciadas por
esses conceitos. Assim, mesmo que não passem de memorabilia para colecionadores e aficcionados, os altares
voltaram à moda, só que no lugarde Cristos crucificados, bonecos articulados dos personagens de Harry Potter.
6 Umberto Eco em O Mito do Superman, presente no livro Apocalípticos e Integrados.
7 O escritor Alan Moore propõe, em diversas entrevistas e na décima segunda edição de Promethea que, na
verdade, há um equilíbrio entre a razão e o espírito. Para Moore, o mundo passa por períodos cíclicos de
interesses diversos, em que, hora é o espírito o que nos motiva, ora é a razão. Sem buscar partidos, Moore não
defende qual era, ou é mais benéfica para o homem, chegando, inclusive, a creditar diversas benesses para a
evolução do conhecimento, em ambos os períodos. Moore diz ainda que a informação gerada por esse conflito
entre ordem e caos, intelecto e alma, corpo e espírito, está em vias de entrar em colapso, colocando o Homem
frente a uma nova paisagem mental, deixando-nos à porta de um novo patamar na escala evolutiva. A data
sugerida por Moore se situa entre 2012 e 2019. As palavras de Moore têm ecos de várias teorias modernas, como
os campos morfogenéticos e a teoria do caos, todas divulgadas entre o grande público principalmente por formas
de arte, como os quadrinhos e o cinema.
15
Eles ensinam que você pode se voltar para dentro, e você começa
a captar a mensagem dos símbolos. Leia mitos de outros povos,
não os da sua própria religião, porque você tenderá a interpretar
sua própria religião em termos de fatos – mas lendo os mitos
alheios você tenderá a captar a mensagem. O mito o ajuda a
colocar sua mente com essa experiência de estar vivo. Ele lhe diz
o que a experiência é. (CAMPBELL, 2008, p. 6)
! Por vivermos em uma cultura tipicamente cristã, muitas das histórias da Bíblia
fazem parte do imaginário do mundo ocidental, deixando, mesmo aqueles que não
foram criados de acordo com os preceitos cristãos, frente a exemplos que tenham
relevância apenas por seu óbvio vocabulário tradicionalmente associado às figuras
do Antigo e do Novo Testamento.
“Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação,
através dos tempos” (CAMPBELL, 2008, p. 5). Essa busca, passando principalmente
pelo canal das imperfeições e das tentações9, é o que há de comum entre os
8 As ilustrações referidas no texto remetem as imagens utilizadas como tema de adorno em templos e igrejas.
9Tomemos, por exemplo, a busca de Cristo pela superação das imperfeições clementes ao corpo, através da bem
sucedida jornada através do deserto, quando foi tentado pelo Diabo. (V. Mateus, Cap. IV)
16
homens. O mito faz as vezes de pistas para o fim deste caminho. As histórias
mitológicas são contadas com a intenção de harmonizar nossas vidas com a
realidade, para que tentemos entrar em acordo com o mundo, para que atinemos,
enfim, com as “potencialidades espirituais da vida humana” (CAMPBELL, 2008).
Para que isso ocorra, e para que os homens possam se identificar e, dessa forma,
sentirem-se parte deste grande esquema, é preciso que surja um herói.
10 Referência ao conto A Escrita do Deus, de Jorge Luis Borges, presente no livro O Aleph, cujo conto-título
também merece uma leitura de acordo com os estudos desta pesquisa.
17
11A citação é retirada de uma “entrevista sensorial”, promovida pela revista eletrônica A Arte da Palavra (http://
www.aartedapalavra.com.br/index.htm). Entrevistas sensoriais, de acordo com a proposta do site, são feitas com
perguntas relacionadas, principalmente ao ato de se escrever, com respostas obtidas através de citações tiradas da
bibliografia deste ou daquele autor. As respostas obtidas para esta sabatinada com Cortázar podem ser todas
encontradas nos livros Histórias de Cronópios e de Famas, Orientação dos Gatos, Todos os Fogos o Fogo e O
Jogo da Amarelinha.
12 Como Luke Skywalker em Star Wars Episódio IV Uma Nova Esperança, por exemplo. Seu único objetivo era
salvar a princesa. Unir-se à Rebelião e explodir a Estrela da Morte foram meras conseqüências. Só mais tarde,
Luke atinou, de fato, para a grandeza interna que possuía.
18
13 Vale lembrar que este trabalho se propõe a analisar apenas as narrativas ocidentais. Embora reconheçamos a
importância e diversidade das narrativas heróicas por todo o mundo, é de comum acordo que o Herói, conforme
analisado aqui, é o mais presente em boa parte das tradições literárias, cinematográficas e quadrinhisticas ao
redor do globo. Isso se explicaria, talvez, pela popularidade das narrativas comuns e mastigadas de Hollywood
que, contando com extenuantes aparelhos de propaganda, rapidamente se alastram pelo mundo, tornando
reconhecíveis, em qualquer parte, os elementos com que são formados os heróis.
Reconhecemos ainda a existência da arte oriental como peça bem divulgada e conhecida pelo mundo. No
entanto, heróis como Yoh, protagonista do mangá Shaman King, e Goku, de Dragon Ball, têm tanto em comum
com os heróis ocidentais, que não seria de se espantar que sua popularidade venha daí. Suas similaridades com o
supra-citado mito ocidental do herói, além da narrativa descomprimida, podem ser o bastante para torná-los
populares entre o público ocidental, já que estes [o público] passam a reconhece-los como a identidade uniforme
e imutável do mito.
19
14 Da abertura do filme A Última Tentação de Cristo, 1988, Universal Pictures, direção de Martin Scorsese, com
roteiro de Paul Schrader, baseado no livro homônimo de Nikos Kazantzakis.
20
Aí, após sobreviver a morte o herói irá celebrar. É o terceiro ato que se inicia,
o momento da “Recompensa”. O herói se apossa do tesouro que havia ido buscar, e
isso pode ser tanto um objeto quanto uma lição, uma adquirida sensação de
compreensão, mudança. É hora de fazer o “Caminho de Volta”, onde o herói
“compreende que, em algum momento, vai ter que deixar para trás o Mundo
Especial, e que ainda há perigos, tentações e testes à sua frente” (VOGLER, 1997,
p. 41).
Transformados pela experiência, os heróis experimentam uma Ressurreição,
uma lição final, onde a jornada apresenta novos testes. O objetivo é saber se o herói
realmente aprendeu as lições, para que finalmente possa voltar para casa com o
Elixir. “Algumas vezes o Elixir é o tesouro conquistado na busca, mas pode ser o
amor, a liberdade, a sabedoria, ou o conhecimento de que o Mundo Especial existe,
mas se pode sobreviver a ele” (VOGLER, 1997, p. 43)15.
Para Joseph Campbell, algo muito comum nestes estágios são as presenças
de arquétipos, uma padronização universal da constituição dos homens,
possibilitando a experiência de compartilhar, contar e ouvir histórias. “O conceito de
arquétipo é uma ferramenta indispensável para se compreender o propósito ou a
15Vogler também menciona o herói tolo que, incapaz de conquistar algo em sua provação, se põe a refazer todos
os passos da jornada. Mais a frente exploraremos este aspecto do herói, sob o prisma das cartas do tarô.
23
16 Obviamente, há a liberdade individual de se observar cada filme como um espetáculo em separado, dotado de
elementos que os diferencie da grande maioria, sejam eles direção, atuação, roteiros, cenários ou apenas algo que
provoque no espectador um profundo reboliço interno.
24
17 No documentário A Paisagem Mental de Alan Moore, 2003, ShadowSnake Productions, direção de DeZ
Vylenz.
25
!
! O personagem de quadrinhos vive à margem da temporalidade. O leitor
moderno, ao acompanhar as aventuras de um determinado super-herói, se encontra
diante de uma trama que, quase sempre, se estende em muitos anos para o
passado. É preciso um conhecimento quase enciclopédico para se virar as páginas
de uma edição de uma revista como, digamos, X-Men e entender todos os
fenômenos ali apresentados.
A longevidade de um personagem de quadrinhos se deve a renovação
constante do time de criadores que trabalha por trás das páginas. Novos escritores
trazem novas idéias: assim nascem personagens como o Super-cão, Super-gato,
Super-moça, etc. Cada um desses elementos foi integrado à mitologia do
personagem em algum momento e, quando conveniente, descartado, esquecido e
devidamente enterrado.
18 A partir daqui, todas as vezes em que citarmos “mito” ou “mitologia” neste trabalho, estaremos nos referindo à
citada “mitologia ocidental contemporânea”.
26
19 Como aponta Eco, a história da literatura acostumou-se a ver alguns de seus grandes e mais populares
personagens voltarem para estrelar uma série de novas aventuras. Personagens como Sherlock Holmes de Sir
Arthur Conan Doyle e Os Três Mosqueteiros de Alexandre Duma, por exemplo, foram bons exemplos desse
recurso largamente utilizado, ainda hoje, com as diversas e bem sucedidas seqüências no mundo cinematográfico
e até em livros que insistem em resgatar Drácula, Sherlock Holmes, Tarzan e outros personagens clássicos da
literatura.
20 Mestre das malícias e truques, Sísifo foi condenado por toda a eternidade a rolar uma grande pedra de
mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o
topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por
esse motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada "Trabalho de Sísifo".
21 Autores como Alan Grant, Warren Ellis, James Delano entre outros, criticam esta incapacidade do herói de
mudar o mundo. Grant respondeu a esse padrão imutável e esquemático dos super-heróis, criando o Anarquia,
um jovem super-dotado com fortes inclinações políticas e militantes mensagens de liberdade, que acabou sendo
alçado à condição de inimigo do Batman. Ellis, no entanto, obteve mais sucesso, com a criação de Authority, um
poderoso e imbatível grupo de super-heróis que não tinham pudores em invadir uma nação e arremessar um
ditador para uma multidão que, enfurecida, sem dúvidas o julgará da forma mais violenta possível.
27
O pequeno órfão acaba por chegar à Terra, onde é acolhido por uma singela e
infértil família do interior do Kansas, que o encontra em meio as plantações de milho,
o adota e passa a criá-lo como uma criança comum. No entanto, a força do tempo o
alcança e esta criança, que agora se chama Clark Kent, torna-se um homem. E esse
processo de amadurecimento não é nada comum: seus olhos expelem raios de fogo
e, vêem através de objetos sólidos e a distâncias ilimitadas; da mesma forma que
sua audição; seu corpo tem a resistência do aço; sua força é tanta que pode parar
um trem; e ele ainda pode saltar a distâncias enormes.
! Sim, saltar. Em suas primeiras histórias, o Super-Homem não voava. Mas
este detalhe, assim como diversos outros conflitantes eventos de sua trajetória, tem
uma razão de ser: o Super-Homem é um produto.
Para John Byrne (1996), era muito comum que Jerry Siegel e Joe Shuster,
respectivamente, escritor, desenhista e criadores do Super-Homem, trabalhassem
de acordo com a lógica de mercado. Assim, se era mais interessante e vendável que
o personagem voasse, que assim fosse. Da mesma forma como, anos depois (em
1945), descobriu-se que Clark já usava seus poderes na adolescência, sob a
alcunha de Superboy.
Mais tarde, este tipo de intervenção narrativa no passado do personagem
para justificar atos referentes a histórias do presente ganhou nome no meio editorial.
Chama-se retcon. Refere-se a mexer na continuidade retro-temporal das histórias.
O Super-Homem não é um personagem nos moldes clássicos da ficção. Os
personagens que circulam ao seu redor existem há mais de setenta anos,
praticamente imutáveis, assim como o próprio Super-Homem que, salvo um ou outro
detalhe, pouco se alterou. Sua história não se encerra na última página da história.
Como todo super-herói, o Super-Homem tem sempre uma nova aventura o
esperando na próxima edição. Quando não, uma continuação desta em que ele se
encontra.
As continuações são típicas da Indústria Cultural, onde a estabilização de um
personagem junto ao público é muito mais importante do que as histórias que o
mesmo cria. Expressão criada por Horkheimer e Adorno, a Industria Cultural ilustra a
“transformação do progresso cultural no seu contrário” (ADORNO e HORKHEIMER,
apud Wolf, 2005, p. 75), deixando a criação de lado e se concentrando nos
28
dividendos gerados pelo mesmo 22. É comum deixar que as altas vendas falem mais
alto, pois elas fazem com que o público exija cada vez mais de um personagem.
Os tempos mudam e este personagem deve se adaptar, como justifica Steve
Webb (WEBB, 1996). Setenta anos depois de histórias ininterruptas, o Super-
Homem ainda é publicado e pouco se alterou de sua essência, mas muitas
adaptações tiveram de ser feitas ao personagem e seu elenco.
Assim, estabelecidas algumas particularidades narrativas dos quadrinhos de
super-heróis, é hora de observar as mudanças da mesma com o passar dos anos –
e como os heróis se comportaram diante destas modificações.
22 Adorno e Horkheimer criaram o conceito de Indústria Cultural para definir a conversão da cultura em
mercadoria. O conceito não se refere aos veículos (televisão, jornais, rádio...), mas ao uso dessas tecnologias por
parte da classe dominante. A produção cultural e intelectual passa a ser guiada pela possibilidade de consumo
mercadológico. Para Adorno a cultura de massa tende a agir as suas criações ao redor da economia, tornando-as
uniformes. “O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade de que
nada são além negócios lhes serve de ideologia. Esta deverá legitimar os lixos que produzem de propósito. O
cinema e o rádio se autodefinem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais
tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos” (ADORNO, 2007, p. 8).
23 No entanto, quando for de relevância para a compreensão total do quadro cronológico da narrativa
quadrinhistica de super-heróis, também serão abordadas as criações de personagens de outras editoras.
24 Embora a oportunidade de acompanhar o personagem [Super-Homem] ao longo das décadas ser de grande
utilidade para o desenvolvimento deste trabalho.
29
mas também por considerarmos que seja a editora onde as criações mitológicas
tenham atingido o nível mais alto 25 de seu universo narrativo.
!
! A Era de Ouro foi marcada pelo surgimento de muitos heróis, todos na esteira
do sucesso comercial do Super-Homem. A editora, então conhecida como National
Comics26, passou a publicar personagens como Batman, Lanterna Verde, Flash
(chamado aqui no Brasil de Joel Ciclone), Aquaman, Mulher-Maravilha e em outras
editoras se observou o surgimento de vários outros heróis. A Timely Comics27
apareceu com Namor, o Príncipe Submarino, Capitão América28 , entre outros.
A publicação mais importante deste período, no entanto, foi Capitão Marvel,
da Fawcett Comics. Nas páginas da WHIZ Comics, o jovem órfão Billy Batson
transformava-se no maduro Capitão Marvel, ao pronunciar a palavra mágica
SHAZAM, ganhando assim a sabedoria de Salomão, a força de Hércules, o vigor de
Atlas, o poder de Zeus, a coragem de Aquiles e a velocidade de Mercúrio.
Apesar do grande potencial, poucas vezes se viu o personagem usando, de
fato, qualquer um dos atributos que os deuses lhe entregavam, sendo, na maior
25Mesmo as criações mitológicas oferecidas pelos quadrinhos europeus, como a série A Casta dos Metabarões
de Alejandro Jodorowsky, e mangás como Dragon Ball de Akira Toryiama, escapam à grandiosidade universal
dos quadrinhos da DC, já que são atados às considerações narrativas de um único individuo, enquanto os super-
heróis padecem de constantes renovações em suas equipes de criação.
26
E que mais tarde, 1977, passaria a se chamar oficialmente DC Comics, principalmente por conta de seu título
mais vendável, a Detective Comics, onde surgiu e é publicado, até hoje, o personagem Batman.
27Mais tarde, a editora mudaria seu nome para Atlas Comics, Timely/Atlas e, finalmente, para Marvel Comics,
como hoje é conhecida no mundo inteiro.
28Que logo na capa de sua primeira edição, em 1940, já era visto esmurrando Adolf Hitler. Um claro exemplo de
como os quadrinhos foram influenciados pelo período de guerra – algo que vem se repetindo, desde então, como,
por exemplo, a edição de Homem-Aranha onde o personagem é visto com outros heróis, ajudando a resgatar
pessoas soterradas pelos destroços do World Trade Center, durante o incidente de 11 de setembro de 2001, e nas
revistas do próprio Capitão, que chegou a ir até o Afeganistão, atrás de Osama Bin Laden.
30
29O que fez com que a National Comics processasse a Fawcett Comics. O longo processo judicial terminou em
1955, quando a Fawcett finalmente desistiu do personagem, cedendo os direitos para a DC que só o retomaria
em 1973.
30 O senador americano do estado de Winsconsin Joseph McCarthy aproveitou a paranóia americana do pós-
guerra e mobilizou uma grande luta contra o comunismo nos meios de comunicação, levando à prisão, diversos
artistas, cineastas, roteiristas e afins, baseando-se em argumentos que, hoje, vêem-se, eram pouco sólidos, mas
que surtiram grandes efeitos na época. (TEIXEIRA, 2003)
31 Whertam é o grande responsável por disseminar a idéia de que Batman e Robin são um casal gay.
32O professor Frederic M. Thrasher, da Universidade de Nova Iorque, declarou que a posição extremada adotada
e indicada por Wertham, não contava com nenhuma pesquisa válida, além de ser contrária a boa parte do
pensamento psiquiátrico daquele momento. (V. Os Gibis Americanos nos anos 40 e 50, de Rafael Teixeira)
31
36 Jay Garrick era um estudante quando inalou acidentalmente vapores de água pesada depois de adormecer em
seu laboratório onde ele estava trabalhando. Como resultado, ele descobriu que podia correr a velocidades sobre-
humanas e tinha reflexos igualmente rápidos.
Já Barry Allen, um funcionário da polícia cientifica, ganhou seus poderes depois de sofrer um acidente, sendo
banhado por produtos químicos após seu laboratório ser atingido por um raio.
37 O primeiro Lanterna Verde, criado em 1940, apareceu pela primeira vez na revista All-American Comics nº
16. Chamava-se Alan Scott. Seu anel (fonte do poder dos Lanternas Verdes), fazia parte de um fragmento de
metal alienígena encontrada por ele no final da década de 30. O metal tinha o formato de uma lanterna e
conseguia gerar objetos maciços (e verdes, claro) com o poder do pensamento. Alan usou uma parte da lanterna
para criar um anel – que constantemente tinha de ser recarregado na peça-matriz. Sua única vulnerabilidade era a
madeira.
O segundo Lanterna Verde, criado em 1959, apareceu pela primeira vez na revista Showcase mº 22. Chamava-se
Hal Jordan e ignorava a existência de Scott. Hal era um piloto de testes da Ferris-Aeronáutica. Um dia, enquanto
testava uma nave experimental, foi abduzida por uma estranha energia verde que o levou até uma clareira, onde,
agonizante, o alienígena Abin Sur entregou-lhe o anel da Tropa dos Lanternas Verdes. A partir de então, Hal
passou a contar com poderes semelhantes aos de Scott, com a diferença de que sua única vulnerabilidade estava
ligada à cor amarela e não a madeira. (V. mais sobre a Tropa dos Lanternas Verdes no apêndice)
38 Filha de um tradicional personagem da Era de Ouro, o mago Zatara. Assim como o pai, Zatanna dividia as
atividades de super-heroína com a profissão de artista dos palcos e fazia seus truques, simplesmente dizendo as
frases de trás para frente.
39 O seriado clássico de Batman, produzido entre 1968 e 1970, teve grande influência dos quadrinhos desse
período.
33
40J’onn J’onzz, mais conhecido no Brasil como Ajax, o Caçador de Marte, é o último marciano vivo. Sua origem
foi mostrada na edição 225 de Detective Comics. Atraído pra Terra no final da década de 40, por um acidente
que custou a vida de um cientista, J’onn permaneceu, durante anos, como um ex-detetive aposentado na cidade
Chicago. Com o surgimento do Super-Homem, achou que era hora de se revelar e criou uma identidade super-
heróica. Devido a seus poderes, que incluem telapatia, visão marciana (combinação de visão de calor e raio x),
super-força, intangibilidade, transmorfismo, supervelocidade e invisibilidade, logo foi alçado a condição de
membro de valor da Liga da Justiça, tornando-se o personagem que mais tempo esteve junto com o grupo.
41Gwen Stacy, morta em 1972, foi, durante muitos anos, tida como a única morte irreversível do mundo dos
quadrinhos, afetando seriamente, até os dias de hoje, as ações do Homem-Aranha. Recentemente a personagem
voltou dos mortos numa série de mal-sucedidas decisões editoriais que, aos olhos dos fãs, prejudicaram muito as
aventuras do herói. Ironicamente, a revista do personagem continua vendendo como água.
42 Mais uma vez, o humano se envolve com os deuses. No entanto, nas aventuras de Thor, ao contrário das
protagonizadas pelo Capitão Marvel, o universo dos deuses era bastante explorado.
34
43Jack Kerouac, escritor norte-americano, membro fundador do movimento beatnick, que contava também com
gente como William Burroughs (Almoço Nu), Allen Ginsberg (Uivo), Gregory Corso, Peter Orlovsky e outros.
Ficaram famosos por suas transgressões e pela contínua busca da liberdade, experimentando todo tipo de drogas
e posturas sociais anti-governamentais que encontrassem pelo caminho. A obra de Kerouac ficou marcada por
seu fascínio pelas religiões orientais, o fluxo de consciência durante a escrita e as longas viagens feitas por ele
pelos Estados Unidos. Seu livro mais famoso é On The Road – Pé na Estrada.
44Publicadas entre as edições 76 e 88 de Green Lantern (1970 e 1971), recentemente republicadas no Brasil no
especial Grandes Clássicos DC – Lanterna Verde e Arqueiro Verde Vol. 1.
45 Mesmo o Quarteto Fantástico, com sua temática familiar, ainda era, em grande parte, uma hq de aventuras
cientificas.
46 V. mais sobre os Novos Deuses no apêndice.
35
Flash, o personagem Barry Allen rompeu com os limites do espaço-tempo e foi parar
em outra Terra, encontrando-se assim com Jay Garrick, o Joel Ciclone (o primeiro
Flash, nos Estados Unidos). Segundo Julius Schwartz e Gardner Fox, responsáveis
por este encontro, as duas Terras tratavam-se do mesmo mundo, só que vibrando
em velocidades diferentes (daí, de só os Flashes poderem alcançar esses outros
mundos, pois possuem a capacidade de romperem com os limites da luz). Fox
batizou a Terra do Flash-Barry Allen de Terra Ativa (Earth One, no original) e a de
Joel Ciclone de Terra Paralela (Earth Two)47.
A história fez tanto sucesso que uma esteira cósmica foi construída para que
os heróis se encontrassem mais vezes. Além dos dois Flashes, os membros da Liga
da Justiça e da Sociedade da Justiça também passaram a se encontrar48 . Estes
encontros também proporcionaram o descobrimento de outros mundos, como a
Terra 3, onde os vilões eram versões dos heróis que conhecemos e o único defensor
do planeta era Lex Luthor; a Terra 4, habitada pelo Capitão Átomo, Besouro Azul,
Questão e outros personagens comprados da editora Charlton Comics; Terra S, lar
do Capitão Marvel, dos seus inimigos e do seu elenco de apoio; a Terra X, onde a
Alemanha havia vencido a Segunda Guerra Mundial e soldados como os da
Companhia Moleza tentavam reverter a situação; entre outras muitas terras.
Isso tudo apenas servia para bagunçar a cabeça do leitor. Embora facilitasse
a vida dos autores quando esses queriam contar alguma história que não
influenciasse na vida dos personagens49 . Tantos mundos paralelos acabaram
tornando o Universo DC confuso demais para os leitores (WEBB, 1996).
A solução foi uma crise. A Crise. A Era de Prata estava chegando ao fim.
47 Hoje, no Brasil, as denominações Terra Ativa e Terra Paralela foram deixadas de lado, em prol dos nomes
originais, Terra 1 e Terra 2.
48 Vale destacar que na Terra Paralela, Batman e Suer-Homem continuaram na ativa, casaram, tiveram filhos e, é
claro, envelheceram.
Estes encontros se davam várias vezes ao ano e foram republicados, recentemente, na edição especial Crise nas
Múltiplas Terras, pela Panini Editora.
49 Bastava ao autor dizer que aquela era uma “história imaginária”. Mais tarde, Alan Moore ironizou esta
fórmula adotada pelos autores de outrora, ao questionar na introdução de sua história “O que aconteceu com o
Homem de Aço?”, se não seriam, afinal, todas aquelas histórias imaginárias.
37
Crise nas Infinitas Terras. Uma mini-série em doze edições cujas proporções
puderam ser notadas em todos os títulos regulares da DC Comics durante todo o
ano de 1985.
Editorialmente, a solução foi muito simples: unificar tudo aquilo que
convencionou-se chamar de Universo DC numa única cronologia, atraindo assim,
novos leitores que não mais se sentiriam intimidados diante de uma continuidade tão
desordenada. Artisticamente, bastava convocar dois dos mais conceituados autores
da época, Marv Wolfman e George Pérez, respectivamente, o escritor e desenhista
38
50 Grupo que reunia os parceiros-mirins de boa parte dos heróis da DC. Entre os heróis presentes, estavam Asa
Noturna (o primeiro Robin, Dick Grayson), Ricardito (parceiro do Arqueiro Verde, recuperando-se do vício em
heroína), Aqualad (parceiro do Aquaman), Moça-Maravilha (parceira da Mulher-Maravilha), além de outros
jovens e confusos heróis que, com o tempo, foram agregados ao grupo original, tais como Ravena, Mutano (ex
Rapaz-Fera do grupo Patrulha do Destino), Cyborg e outros.
51 A maior prova disso foi que as duas revistas responsáveis pelas histórias do Super-Homem, chegaram ao fim
(para serem re-iniciadas no mês seguinte, claro). As edições 423 de Superman e 583 de Action Comics
trouxeram uma história dupla, onde o escritor Alan Moore imaginava um fim apropriado para o Homem de Aço
e seus personagens de apoio. Obviamente, como já foi dito anteriormente, esta era “uma história imaginária”.
52 Personagem pouco conhecido pelo grande público, parceiro de seu irmão, Rapina, agiam em nome da Ordem
(Columba) e do Caos (Rapina), promovendo o equilíbrio do universo. No Brasil, os leitores mais antigos se
lembram das participações dos personagens na série dos Novos Titãs, além de uma participação rápida, de um
episódio, no terceiro episódio do desenho animado Liga da Justiça – Sem Limites, em que a dupla de heróis dá o
título do episódio.
Mais tarde, Columba foi substituído por uma moça, mas Rapina nunca superou a morte do irmão, e acabou se
tornando um vilão, o Monarca, que intentava alterar o passado para controlar o futuro (V. a mini-série
Armageddon 2001). Com seus planos fracassados, adotou a alcunha de Extemporâneo, tentando, sem sucesso,
reproduzir os efeitos da Crise nas Infinitas Terras, trazendo de volta todos os mundos paralelos (V. a mini-série
Zero Hora).
39
Crise nas Infinitas Terras tornou-se um marco dos quadrinhos. Hoje, vinte e
três anos depois, é possível observar que suas mudanças foram muito além das
mortes deste ou daquele personagem. Após Crise, editorialmente, os quadrinhos
nunca mais foram os mesmos.
Seguindo o final de Crise, a coincidente publicação, em 1986, de duas mini-
séries foram cruciais para as mudanças que estavam por vir: Watchmen, de Alan
Moore e David Gibbons e Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller. Era o
fim de um período de inocência para os quadrinhos de super-heróis.
Watchmen e Batman – O Cavaleiro das Trevas trataram dos super-heróis
como se estes existissem no mundo real, com tramas complexas e tons críticos
sobre a mídia e o governo 53 que foram responsáveis por atrair toda uma nova
geração de leitores, além de consolidar os quadrinhos como arte54.
!
53Em Watchmen, ambientada em 1985, num mundo onde, inspirados pela publicação das histórias do Superman,
pessoas comuns se fantasiaram e foram às ruas para agir em nome da justiça, Richard Nixon estava em seu
quinto mandato e a iminência de uma guerra nuclear assolava a todos os personagens. Em O Cavaleiro das
Trevas, ambientado num futuro próximo onde o Homem-Morcego voltava de uma auto-imposta aposentadoria, o
mundo também passava pela ameaça de uma guerra nuclear e o governo dos Estados Unidos contava com uma
ajuda especial, o único super-herói com autorização para agir, ainda que escondido: o Super-Homem.
54Lembrando que em 1951, o Brasil já havia contado com a 1ª Exposição Internacional de História em
Quadrinhos (MANTO, 1992).
40
duas mini-séries contagiaram toda a indústria. Não era de se estranhar que super-
heróis passassem a adotar medidas mais extremas em suas aventuras55.
A DC resolveu apostar nisso e eliminou, de vez, todos os resquícios de
inocência dos quadrinhos. Personagens como Bat-Moça e Robin não foram
poupados56 , enquanto personagens como o Super-Homem recorreram ao
assassinato 57. O Homem-Aranha, da Marvel Comics, foi outro que sofreu as
conseqüências deste estranho período nos quadrinhos: após uma temporada no
espaço, durante a saga Guerra Secreta, voltou para a Terra com um uniforme negro
que, na verdade, era um simbionte alienígena, capaz de alterar suas emoções 58.
A transformação dos quadrinhos de super-heróis em uma mídia voltada para
adultos tornou-se muito natural. Visto que o público alvo estava crescendo (e
sempre estivera, de fato), era a primeira vez que se tomava medidas para continuar
cativando-os. Graças ao trabalho desenvolvido por Alan Moore na série mensal do
Monstro do Pântano, trazendo personagens secundários de volta, além de explorar
atentamente o lado místico do Universo DC, a editora criou o selo Vertigo, onde
foram introduzidos personagens como John Constantine, no título Hellblazer e os
Perpétuos59, em Sandman.
Embora pouco se relacionassem com o universo de super-heróis da DC, as
tramas do mago urbano John Constantine60 e de Sandman acabaram tornando-se
de importância impar para a indústria dos quadrinhos, firmando-se no gênero dos
chamados “quadrinhos adultos”. Ambas, até hoje, continuam gerando dividendos
preciosos para a DC Comics. Para Del Manto, os quadrinhos adultos fiam-se numa
descontinuidade, ou seja, há o desprendimento das edições anteriores, coisa que
não se vê nas tramas de super-heróis com bastante freqüência. Del Manto também
55Os super-heróis passaram a ser mais violentos e, muitas vezes, os roteiros não passavam de desculpas para um
ou mais personagens se digladiarem. O ponto alto desta fase foi a criação da editora Image, marcada por
personagens ultra-fortes e violentos, como o Spawn de Todd MacFarlanne.
56 A primeira foi aleijada pelo Coringa na Graphic-Novel A Piada Mortal de Alan Moore e Brian Bolland,
enquanto o segundo teve a morte decretada, também sob o julgo do Coringa, pelos próprios leitores, que votaram
por telefone, para decidirem o destino do personagem durante a saga Morte em Família.
57 V. Super Powers nº 17, 1990.
58 Mais tarde, livre do simbionte, o personagem continuou a usar o uniforme negro.
59 Para saber mais sobre os Perpétuos, veja o Apêndice no final deste trabalho.
60 Criado para ser um coadjuvante com “cara de Sting” para as aventuras do Monstro do Pântano, John
Constantine acabou se desvinculando do universo de super-heróis, sendo, hoje em dia, o dono de um dos títulos
mais longevos da Vertigo.
41
diz que há uma investigação muito maior por parte dos autores, criando tramas que
tenham ressonância com o mundo real (MANTO, 1992).
Embora os anos 90 tenham sido marcados por grandes golpes publicitários
no mundo dos quadrinhos, com sagas como A Morte do Super-Homem61 , A Queda
do Morcego62 e Crepúsculo Esmeralda63 , houve quem visse as coisas de outra
forma. Obviamente, nem todos os autores concordavam com o rumo que as coisas
tomaram. O escritor Neil Gaiman expressou a mudança do comportamento adotada
pela indústria quanto aos personagens. É interessante notar um personagem como
o Charada, famoso por suas excentricidades e crimes relacionados a enigmas,
perdido no “mundo real”:
61 Seguida por Funeral para um amigo, O Retorno do Super-Homem e outras que só serviram para modificar o
visual do personagem, dando-lhe cabelos compridos e uma nova gama de personagens secundários, como o
Superboy (um clone secretamente produzido para lhe substituir um dia) e Aço (um cientista genial que fez uma
armadura super-poderosa em homenagem ao Homem de Aço).
62 Saga onde, durante dois anos, os leitores acompanharam os percalços de um Bruce Wayne quebrado física e
psicologicamente que, preso a uma cadeira de rodas, precisou enfrentar muitos desafios, para retomar o manto
do morcego.
63Onde um enlouquecido Hal Jordan extermina toda a Tropa dos Lanternas Verdes, tornando-se assim, um vilão
que, mais tarde, ao lado de Extemporâneo, tentaria tomar as rédeas do tempo para si, na saga Zero Hora. Depois,
durante a Noite Final, onde o sol de nossa galáxia se extinguira, Hal se sacrificou ressuscitando a estrela. Como
recompensa, transformou-se na nova encarnação do Espectro, que, durante os tempos da SJA, havia tido como
hospedeiro o policial Jim Corrigan. Hoje, Hal Jordan voltou a vida e reassumiu seu posto de Lanterna Verde,
provando a máxima de que “nos quadrinhos, quem é morto, sempre aparece”.
42
Waid e Morrison retomaram a Liga da Justiça como uma das equipes mais
poderosas do mundo, conferindo-lhes características dignas de um panteão. O
grupo passou a ser formado pelos maiores heróis da Terra64 , cujos feitos não só
recendiam a grandiosidade primeva dos heróis, como também rendiam homenagens
a diversos elementos da Era de Prata.
Mark Waid lançou, ao lado do ilustrador Alex Ross, a mini-série O Reino do
Amanhã, onde, em um futuro próximo, os heróis aposentados do Universo DC se
viam obrigados a voltar a ativa, após testemunharem o caos instaurado pelas ações
inconseqüentes de seus jovens sucessores. Um Super-Homem rancoroso com a
espécie humana se vê obrigado a liderar um grupo de heróis, ao mesmo tempo em
que têm de levar outros à prisão. Além disso, ele também se vê na obrigação de
enfrentar uma coalizão de heróis liderados por Batman e outros justiceiros sem
super-poderes. O resultado é uma nova ordem mundial fundamentada em princípios
sombrios, bem diferentes do mundo resplandecente de outrora65. Outro fator curioso
da série são os restaurantes ornamentados em homenagem aos super-heróis, todos
64 No caso, os sete grandes personagens da DC: Super-Homem (força), Batman (astúcia e inteligência), Flash
(velocidade sobre-humana), Lanterna Verde (com seu anel energético capaz de criar formas e realizar desejos),
Aquaman (poderes aquáticos), Ajax, o Marciano (diversas habilidades alienígenas – além da própria aparência) e
Mulher-Maravilha (a destreza de uma verdadeira filha dos deuses).
65 Este conflito entre o velho e novo mundo se dá principalmente pelo Capitão Marvel, mostrado na mini-série
como um homem confuso, preso em sua forma humana, com um deus adormecido dentro de si, temeroso de sair
e encarar o novo mundo sinistro que se formou ao seu redor.
43
66Esta fase pôde ser acompanhada na revista Os Melhores do Mundo, entre os números 9 e 29, pela Editora
Abril, 3ª Guerra Mundial, pela Mythos Editora e LJA – Escada para o Céu, pela Panini Comics.
44
(...) tudo isso é porque os altos não são mais tão altos... Porque os
prédios que eu salto não são altos o suficiente. Porque levei todo
esse lance moralmente ambíguo do vigilantismo urbano o mais
longe que pude. E agora, Deus me perdoe... Agora quero visitar
outros planetas, dimensões e enfrentar deuses renegados. Nos
meus momentos mais profundos e sombrios, às três da manhã,
me imagino morrendo pra salvar o Universo. Vejo uma imagem na
lua, talhada como um memorial. Mundos inteiros chorando diante
do meu túmulo. (...) Como é que você sabe que virou um super-
herói e não apenas um fetichista maluco com desejos suicidas? É
quando a piada se torna real? (MORRISON, 2007, p. 15)
Eu sou Promethea,
Adotada por deus,
Criada em suas colinas e vales imateriais.
Minha lenda é do largo mundo substancial,
Mas minha substância é do mundo das lendas.
(...)
Eu sou Promethea,
Da pura luz da Mente
Inclino-me sobre as trevas da Terra,
Do dia das Fábulas,
Descendo até os frios fatos com pesado poder,
De Atmosferas líricas à argila mamífera.
Eu sou Promethea,
a tão falada,
O tronco Mítico que a Razão se esforça para curvar
Eu sou a voz que resta, assim que o livro termina,
Eu sou o sonho que o despertar não encerra.
(MOORE, 2007, nº 4, pp. 31, 32 e 33)
67Material escaneado, traduzido e publicado gratuitamente na internet por leitores descontentes com o mercado
editorial nacional.
46
68A série, inicialmente publicada na Inglaterra, durante o começo dos anos 80, pela revista Warrior, havia ficado
no limbo por mais de cinco anos, devido a falência dos editores originais. Com o sucesso de Moore, devido a
Watchmen e seu trabalho no Monstro do Pântano, a DC Comics o convidou para, junto do desenhista original
David LLoyd, concluírem a obra.
69Antigo personagem dos quadrinhos britânicos de super-herói, reformulado por Moore na mesma época em que
começou a escrever V de Vingança. Marvelman teve problemas ao ser publicado na América. Os problemas
legais infundidos pela Marvel Comics, devido ao nome do personagem, fizeram com que Moore o rebatizasse de
Miracleman.
70Desenhada por Eddie Campbell, From Hell começou a ser escrita em 1987 e só teve seu último capítulo
publicado em 1997.
71Desenhada por sua atual esposa, Melinda Gebbie, Lost Girls demorou dezesseis anos para ficar pronta e ser,
eventualmente, publicada.
72 Desenhada por Bill Sienkwicz, das doze edições pretendidas, apenas duas foram publicadas. Os volumosos e
lendários roteiros detalhados de Moore, acabaram por comprometer a capacidade artística de Sienkwicz que
acabou se afastando dos quadrinhos, retornando aos poucos, a principio como arte-finalista e fazendo pequenas
participações em algumas hq’s, como favor a editores que queriam presentear escritores estrelas, como Brian
Michael Bendis.
47
Fogo 73, The Birth Caul74 , Moore acabou voltando ao gênero dos super-heróis,
escrevendo esporádicas edições de Spawn, WildC.A.T.S., Supremo e outros, em
1999, Moore colocou seu plano mais audacioso em ação.
Conhecido no mercado de quadrinhos como um dos grandes inovadores da
arte de se narrar uma história, Moore se propunha um novo desafio. Uma linha de
hq’s inteiramente nova, com cinco títulos todos escritos por Moore, que na época
declarou em uma entrevista que o projeto inteiro não passava de um desafio a si
mesmo. “Vejo isso como ‘Ei, vamos nos exibir e fascinar os leitores’. Não sou
indulgente comigo mesmo com muita freqüência, então por que não,
diabos” (MOORE, 2003). Publicados pela WildStorm, subsidiaria da DC Comics75, a
ABC, America’s Best Comics trazia uma proposta inovadora aos quadrinhos de
super-heróis.
!
73 Primeiro romance de Moore, onde, através de doze capítulos, ele reconstrói a história de sua cidade-natal,
Northamptom, ao longo de sete mil anos. Cada capítulo narra eventos particulares, sob uma ótica mística, típica
do autor que, por sua vez, acaba sendo, também, um dos narradores do livro, no último capítulo, sendo
responsável pela imagem contemporânea da cidade.
74 Um ambicioso projeto artístico que misturava performances teatrais, música e o próprio autor narrando
eventos relacionados à própria infância até os momentos que procederam à morte de sua mãe. Mais tarde, este
trabalho foi adaptado aos quadrinhos por Eddie Campbell.
75No entanto, parte do acordo de Moore com o editor-original, Jim Lee, era de que o logo da DC não constasse
em nenhuma página da hq. Em entrevista a Wizard, durante a divulgação da nova linha, Moore declarou que
obviamente “não há nada nas revistas que as conecte com a DC. Quero dizer, sim, no final das contas, é a DC
que publica essas revistas. E sim, eu preferiria que isso fosse de outra forma. Mas isso é algo com o qual posso
conviver, e enquanto nós mantivermos esse relacionamento a distância, não haverá problemas.”
48
apartamento pelo ex-agente do FBI, Dennis Drucker que estava convencido que o
personagem Dirk Dangerfield, também agente do FBI e amante de Promethea, fosse
baseado em si mesmo.
! Após a morte de Woolcott, Promethea foi entregue ao jovem roteirista Steven
Shelley. Baseando a personagem em sua jovem esposa hispânica, Bárbara, Shelley
fez com que o “rosada tez caucasiana das Eras de Ouro e Prata” de Promethea,
desse lugar a um tom “lustroso como madeira de lei”. Após 26 anos, sob a batuta de
Shelley, a hq foi cancelada após a morte do roteirista, vítima de câncer.
As informações relatadas acima, são retiradas quase que inteiramente do
texto que abre a primeira edição de Promethea. O texto, intitulado O Enigma de
Promethea: Uma Aventura pelo Folclore, é a introdução do trabalho de conclusão de
curso de Sophie Bangs, a protagonista de Promethea.
Sophie vive numa Nova York contemporânea77 , porém com sutis diferenças,
como carros que voam, a polícia trabalhando em discos voadores, produtos como o
elastagel, um tecido formado por circuitos plásticos que pode ser rasgado,
modificado e alterado, mas sempre voltará a sua forma anterior.
Nas primeiras páginas de Promethea, também somos apresentados aos
quadrinhos de O Gorila Chorão, da Apex Publicações (a mesma que publicava as
revistas de Promethea escritas por Woolcott e Shelley). Um sucesso de publicações,
O Gorila Chorão não passa de uma série de closes do personagem, sempre citando
frases melancólicas que, ninguém sabe muito bem porque, atraem um grande
público. Durante as primeiras edições de Promethea, vemos o personagem surgir
em outdoors e capas de revista. Algumas de suas frases clichês autopiedosas: “A
vida moderna me faz sentir tão solitário”, “Todo mundo disse que eu devia usar o
Windows 95”, “Eu odeio meu corpo”, etc.
Na altura em que a conhecemos, Sophie está indo até a residência da viúva
de Steve Shelley, Bárbara, para entrevista-la sobre a personagem que fez a carreira
de seu marido. As perguntas de Sophie sobre constantes aparições de Promethea
através dos tempos, incomodam Bárbara, que resolve encerrar a entrevista: “Você
não quer ir atrás de folclore. E não vai querer que o folclore venha atrás de
você” (MOORE, ibdem idem, p. 13), diz Bárbara, antes de expulsar Sophie de sua
casa.
Eu sou Promethea,
A mais ardente faísca das artes,
Sou toda a inspiração, todo o desejo.
A chama da imaginação nas trevas da humanidade.
Eu sou Promethea,
Eu lhe trago fogo!
(MOORE, ibdem idem, pp. 34 e 35)
Promethea conhece seus inimigos e aliados, além de aprender um pouco sobre seu
reino, Imatéria.
! Imatéria é apresentada como um cenário surreal e psicodélico, com
cogumelos que se transformam em sapos, fadas escondidas entre flores, aranhas
tatuadas, flores que se transformam em pássaros e muito mais. Neste primeiro arco,
Sophie viaja duas vezes a Imatéria. Na primeira, logo após enfrentar demônios
enviados contra ela, a heroína tem de ir a Imatéria para resgatar sua amiga Stacia
que acidentalmente havia sido enviada para lá durante o conflito, no final da
segunda edição. Em Imatéria, Promethea recebe a ajuda da Chapeuzinho Vermelho,
! Esta, no entanto, não é a personagem clássica, mas uma Chapeuzinho
desbocada, fumante e armada, saída diretamente de um desenho feito por Sophie,
após esta ter assistido ao filme Cães de Aluguel de Quentin Tarantino. Chapeuzinho
explica que em Imatéria, Sophie não deve perder o foco, pois pode acabar se
perdendo e até ficar louca.
! Neste primeiro contato, Sophie/Promethea tem apenas um vislumbre do que é
Imatéria, enfrentando o Lobo-Mau82 e salvando Stacia que se perdeu num cenário
do gibi do Gorila Chorão e agora não consegue deixar de se lamentar. Enquanto
enfrentam o Lobo-Mau, Chapeuzinho explica a Sophie/Promethea o que se passa:
! Promethea compreende que Sophie é seu novo “veículo” e que suas psiques
se alinharão conforme ela seguir adiante. Para retornar ao mundo comum, Sophie
precisa imaginar um caminho de volta até Nova York, concentrando-se nas
particularidades da cidade. O mesmo ocorre quando Promethea precisa voltar a ser
Sophie.
! Nos quadrinhos de super-heróis, é comum que ocorra uma jornada de auto-
conhecimento. Algumas vezes, como durante a fase do Monstro do Pântano, escrita
pelo mesmo Alan Moore de Promethea, no início dos anos oitenta, o processo é
82 Algodescrito como uma “idéia simples, sem nenhuma defesa adulta como distanciamento, ironia ou o que
for” (MOORE, 2007, nº6, p. 42), visto como uma criança o vê, ou seja, o puro mau.
54
longo e doloroso 83, outras vezes, esta jornada pode ser mortal, como no caso de
Miracleman, também de Moore84.
! Em Promethea a jornada de auto-conhecimento começa com a pesquisa
sobre a história que deu origem ao mito, que neste momento já é muito mais do que
isso – saltou das páginas e encara Sophie.
A primeira revelação chega a Sophie através de Jack Faust, um antigo inimigo
das encarnações anteriores de Promethea, que agora vêm até esta para lhe
informar que ela será caçada por bruxos, demônios e um grupo conhecido como O
Templo, porque ela irá “acabar o mundo”. Faust explica que esta foi a maldição final
do pai de Promethea, lançada sobre a humanidade enquanto ele era assassinado.
Faust diz ainda que essa é uma excelente idéia e que qualquer mago de verdade
concordaria com isto.
83 Inicialmente considerado como um cientista que havia se tornado um monstro, a criatura do pântano logo na
primeira aventura escrita por Moore, descobriu que na verdade se tratava de apenas um apanhado de vegetais
inteligentes que haviam absorvido o intelecto do cientista, acabando com as esperanças do mesmo de voltar a ser
humano. Esta descoberta levou o personagem a loucura e a uma jornada através do mundo, das dimensões e do
universo, por mais de 40 edições da revista.
84 Em Miracleman, o jornalista Michael Moran descobre aos quarenta anos de idade que, na verdade, é a
contraparte humana de um super-herói britânico esquecido dos anos 50 e 60. Ao dizer a palavra Kimota, Michael
transforma-se em Miracleman. A relação do personagem com a esposa começa a se desestabilizar,
principalmente por ela acabar tendo um filho de Miracleman. Ao fim, abandonado pela esposa, que não
consegue lidar com a situação, e pela filha, uma criança poderosa e super-inteligente que o abandona para
conhecer o espaço ainda em seus primeiros meses de vida, Michael sobe até o alto de uma montanha e se
transforma em Miracleman uma última vez. O herói encontra um pedaço de papel preso sob uma rocha, nele há
o nome de Michael, assim como a sua data de nascimento e a de sua morte. Miracleman compreende o que lhe é
pedido e nunca mais volta a ser Michael Moran.
55
! Margaret resume isto a Sophie, dizendo que o mundo sólido não passaria de
uma cristalização de Imatéria85 , que é para onde qualquer pessoa vai enquanto
segue uma linha de pensamento. Na verdade, ela trilha um dos muitos caminhos de
85Há também, nesta concepção de realidade engendrada por Moore, bastante do mundo das idéias de Platão. Os
valores morais e as realizações imediatas seriam apenas meras cópias dos modelos primários localizados no
plano das essências divinas? Platão respondia a isso com duas noções fundamentais: a de participação e a de
imitação. Tomemos como exemplo, a arte, que para Platão, deveria se distanciar da reprodução da realidade, pois
só poderia imitar uma imitação da realidade.
56
Imatéria – o caminho das idéias mais raras e exóticas pertencem aos artistas,
cientistas e filósofos, que são os pioneiros destes territórios. Óbvio que todos têm
seu espaço mental particular (como aquele em que Sophie encontrou sua
marginalizada versão da Chapeuzinho Vermelho), mas o “território externo pertence
a todos” (MOORE, 2007, nº 8, p. 39).
! Margaret diz que não existem limites em Imatéria, que engloba toda a
existência e realidade, dentro das pessoas e no universo além delas, “os mundos
dentro e fora de nós têm a mesma estrutura, o mesmo padrão” (MOORE, idem, p.
46). Margaet explica a Sophie que a existência é dividida em:
- Matéria, onde a luz da mente se transformou em substância concreta.
- A Esfera Lunar, onde a imaginação e o romance se localizam. O reino do
sonho e ficção, fantasias sexuais e da mente inconsciente.
- O Domínio Mercurial do intelecto e da ciência, da magia e da linguagem,
fonte do dom mais precioso da humanidade: a comunicação.
- O Cenário Venusiano da emoção, além da idéia intelectual de molde ou
forma.
- Os Dourados Recantos Solares da Alma Humana guardam os dourados
recantos solares da alma humana. Este é o polido grão da existência de cada
individuo, o plano humano mais alto dentro de Imatéria.
- Além, ficam os Reinos Transumanos das forças absolutas universais, onde
oscila o equilíbrio do cosmos.
- Então, encontram-se os acolhedores Céus Jupterianos da piedade universal,
onde deuses dos raios e tempestades brincam.
- Por fim, há o abismo na distante fronteira da existência.
57
86Ilha imaginária, sem localização exata, considerada como morada de fadas e divindades, na mitologia celta.
Entre os cristãos, era o Paraíso na Terra.
58
voltar. E ninguém quer isso” (MOORE, 2008, nº 12, pp. 72 e 73), diz o personagem
principal da Flauta Mágica, conhecido por levar crianças embora.
A décima edição de Promethea trata exclusivamente de magia e traz uma
cena de sexo que se estende por toda a história, rompendo os limites do espaço-
tempo. Numa sessão de tântrismo guiada por Jack Faust, é explicado a a
Promethea o simbolismo do sexo como porta natural mais acessível para
transcendência. Faust compara a receptividade do corpo feminino ao Santo Graal,
por ser capaz de dar e receber. A essência da feminilidade é a compaixão, a
transformação ocorrida após experimentarem da taça sagrada do simbolismo
referente ao sexo.
Durante o ato sexual, os dois rompem com os limites da própria
personalidade, tornando-se mais do que apenas um indivíduo, mas o todo de que é
composto o universo, tornando-se o amor e entrando na eternidade. Faust fala a
Promethea sobre Kundalini, o poder espiritual primordial localizado na base da
coluna, próximo aos órgãos genitais. Derivada de uma palavra sânscrita significa
“aquela que está enrolada como uma cobra”, a Kundalini deve ser despertada para a
conscientização de nossas capacidades criativas. Enquanto sobe pelo corpo da
pessoa, durante o ato sexual, a serpente toca os diferentes chakras, até que a
consciência finalmente desperte para uma grande claridade.
Faust diz que, independente do sexo, todos os magos são machos, pois
trabalham com o cajado, procurando a fenda mágica que, por fim, lhes trará a
iluminação, transformando-lhes, tornando-os femininos e, por fim, entidades
hermafroditas, distantes do tempo e do espaço, localizados no todo, que é aqui.
Campbell interpreta a relação macho-fêmea entre os heróis, com o macho sempre
tendo mais destaque, devido as condições de vida do mesmo, que é obrigado a se
aventurar pelo mundo, enquanto a mulher está em casa. Mas tudo varia de acordo
com o ponto de vista e dar à luz, por exemplo “é incontestavelmente uma proeza
heróica, pois é abrir mão da própria vida em benefício da vida alheia” (CAMPBELL,
2008, p. 132).
Quanto as características funcionais de Imatéria, no documentário A
Paisagem Mental de Alan Moore, o autor diz que é da opinião de que o mundo das
idéias é formado por continentes inteiros representando grandes sistemas de
crenças e filosofias, onde os homens acomodaram-se e pouco ou quase nada se
60
87 Edward Alexander Crowley (1875-1947), foi um importante enxadrista, alpinista e ocultista do séc. XX. Foi
um polêmico ocultista britânico, conhecido por suas posturas controversas, pelo tarô que leva seu nome e pela
criação da doutrina de Thelema. Sua influência na cultura pop é grande e até hoje é reconhecido e influencia
artistas e grupos musicais diversos, como o próprio Moore, Grant Morrison, Ozzy Osbourne, Led Zeppelin, The
Beatles, Raul Seixas, entre outros
88 Austin Osman Spare (1886-1956) é considerado um gênio das artes, tanto mágicas quanto da pintura. Dotado
de um gênio indomável, Spare esteve junto a algumas das grandes mentes mágicas do séc. XX, mas abandonou
todos os grupos nos quais esteve envolvido, para criar sua própria corrente mística, que incluiu a criação dos
sigilos mágicos e a subseqüente criação da Magia do Caos.
89 John Dee (13 de julho de 1527 - 1608 ou 1609) foi um matemático , astrônomo, astrólogo,geógrafo e
conselheiro particular da rainha Elizabeth I. Devotou também grande parte de sua vida à alquimia, adivinhação,
e à filosofia hermética. Em seus últimos anos, gastou um considerável tempo tentando traduzir aquilo que
chamava de “língua dos anjos”.
61
transcende todo pensamento. O mito coloca você lá, o tempo todo, fornece um canal
de comunicação com o mistério que você é” (CAMPBELL, idem). Da mesma forma,
Promethea se prefigura, desde o caráter divino da personagem que acaba elevando
a leitura da hq além dos limites da ficção, por almejar, a todo tempo, que
enxerguemos além dos mitos.
! A própria figura de Promethea, por tentar estabelecer os limites entre matéria
e mente (e quebrá-los), acaba remetendo-nos ao genitor de seu nome, Prometeu,
responsável por roubar o fogo dos deuses e, consequentemente, a civilização. O
grande personagem histórico, no entanto, penou profundamente por seu desacato
aos deuses e foi condenado pela eternidade, acorrentado à uma pedra, tendo um
passado que o devora sem parar.
! A sorte de Promethea, parece, será diferente. Dentro da mitologia
estabelecida por Alan Moore, sua heroína trará menos dor e danação àqueles que
entrarem em contato com suas dádivas: ela enviará a liberdade final. Como a própria
heroína define, “‘O mundo’ não é o planeta, ou a vida e as pessoas nele. O mundo é
nosso sistema, nossa política, nossa economia... Nossas idéias de
mundo” (MOORE, 2007, nº 8, p. 40). Acabar com o mundo, segundo Moore, não é
algo ruim, como pensam as pessoas. Uma concepção mais elaborada das idéias do
autor se faz necessária para que compreendamos sua opinião:
90 Não há uma origem correta e plenamente determinada do tarô. Enquanto alguns estudiosos como o chileno
Alejandro Jodorowsky, determinam sua origem em Marselha, durante a idade-média. A origem do moderno
baralho de cartas estaria ligado a esta história, também, por oferecer facilidades de manuseio, sem oferecer
suspeitas. Crowley, por sua vez, pertencia a uma corrente de pensamento que creditava a origem do tarô ao
Antigo Egito, como uma forma de manifestação do deus Thot.
Pela ligação de Promethea com Thot, acreditamos que as inclinações de Moore estejam mais voltadas para esta
segunda versão.
63
91 Bráulio Tavares caracteriza a contracultura como “um movimento descentralizado e contraditório, que não se
criou a partir de uma origem comum, mas por uma justaposição de temas recorrentes que vieram a se entrelaçar
nas atividades de indivíduos e grupos” (TAVARES, 2007, p. 14), tais como: o interesse pelo misticismo oriental,
pelas religiões das culturas tomadas como primitivas (xamanismo), pelo ocultismo medieval e renascentista
(alquimia, cabala, magia ritual) e das artes divinatórias, como tarô, astrologia e outros; a adoção de políticas
radicais, como o anarquismo e a guerrilha; interesse por paradigmas científicos anticonvencionais e a recusa da
ética da industrialização e da tecnocracia; a busca de formas alternativas de vida comunitária e comportamento
sexual; o culto dos aspectos dionisíacos da arte; o interesse pelo inconsciente e a busca por uma psicologia
transpessoal; etc
92Embora os estudos sobre a psilocibina tenha sido proibida em 1966, e a mesma só tenha sido descoberta em
1953, as pesquisas de McKenna misturavam espiritualidade e viagens extra-corpóreas, alegando a existência de
uma paisagem mental universal, acessível a qualquer ser humano, tal como a Imatéria de Promethea. McKenna
acreditava que a droga, como o LSD, pode ser capaz de proporcionar uma viagem de auto-descobrimento capaz
de romper com todos os limites impostos pelas represas sociais construídas ao longo dos séculos.
Quanto às chamadas “bad trip’s”, as viagens funestas, comumente associadas ao LSD, McKenna dá a mesma
explicação de Joseph Campbell, alegando que esse tipo de coisa só ocorre quando você absorve mais informação
do que estava preparado.
64
95No tarô, os Arcanos Maiores são formados por vinte e duas cartas, sendo que a primeira carta, O Tolo, tem
dois números, o 0 e XXII. Isto confere ao Tarô uma forma cíclica, de construção e reconstrução, inicio, fim e
novamente início gerado pelo acumulo de experiências.
66
Conclusão
96 Os mitos também podem servir a propósitos mais simples, como representar uma regra em que a sociedade
precise acreditar, mas este trabalho versa sobre o mito como força institucionalizante da harmonização humana.
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BIBLIOGRAFIA
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Paulo, Editora Press, 1996
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www.scielo.br/scielo.php?lng=pt, acessado em 22 de novembro de 2007.
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SPERB, Nilton: Crise nas Infinitas Terras nº 1. São Paulo, Editora Abril, 1989
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2005
WOLFMAN, Marv: Crise nas Infinitas Terras nº 3. São Paulo, Editora Abril. 1989
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APÊNDICE
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Como já foi dito neste trabalho, nos setenta anos que se seguiram à
publicação do Super-Homem, o Universo DC observou o surgimento e o
desaparecimento de vários super-heróis. No entanto, com um público tão ávido por
continuidade, e a sorte de contar com artistas que também faziam parte deste
público, os eventos contrastantes finalmente tiveram de ceder a uma ordem natural,
encaixando-se, co-existindo, tornando-se parte de um único continuum.
Crise nas Infinitas Terras foi o primeiro passo deste processo. A ele se
seguiram outras sagas, em sua maioria cósmicas, grandiosas, provando que os
deuses e os mitos do Universo DC, respondendo à acusação feita por Alan Moore
de que para o leitor médio, apenas associadas à ciência, os mitos podem ser
trazidos à baila sem provocar algum incômodo.
Felizmente, há aqueles que concordam com Moore e conseguiram trazer ao
Universo DC alguma conexão com a realidade tida como racional, ignorando deuses
cósmicos e se propondo a estabelecer contato com os mitos que fornecem alguma
sustentabilidade ao nosso mundo físico. “Esse é o tema básico de toda mitologia: o
de que existe um plano invisível sustentando o visível” (CAMPBELL, 2008, p. 76).
A seguir, encontraremos um pequeno panorama contendo algumas das
entidades mais poderosas que compõem o aspecto mitológico do Universo DC. A
ordem em que são apresentadas não é aleatória, ela se baseia no contato que os
personagens da editora têm com essas entidades e sua importância na cronologia
da mesma, durante os anos que se seguem. Em alguns casos, como no da Tropa
dos Lanternas Verdes, oferecemos uma compilação inédita da história da mesma,
levando em conta toda sorte de informações geradas ao longo dos anos pelas
publicações relacionadas à Tropa.
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Os Perpétuos
! Criados por Neil Gaiman para a sua série mensal Sandman, os Perpétuos são
um retcon. Os sete irmãos chamados de Perpétuos foram introduzidos no Universo
DC, a partir de 1989, mas é inegável que sempre estiveram aqui. E sempre estarão.
Não há uma origem estabelecida para nenhum deles, que representam algumas das
situações mais básicas e inegáveis da existência. No entanto, antes de um mundo
ser habitado é a eles que o universo pede suas bênçãos. Eles, que são lendas até
no paraíso, os Perpétuos:
• Destino: um homem solitário, cego, caminhando por um jardim de muitos
caminhos, sem deixar pegadas ou sombras, carregando um livro que está
acorrentado à seu corpo e que nunca será roubado.
• Morte: a mais simpática dos irmãos. Todos a encontrarão. Estrelas,
mundos e deuses a temem. Uma vez a cada cem anos, essa moça gentil e
pálida tira um dia para viver, para aprender. Um por um todos irão até ela.
Inclusive seus irmãos.
• Sonho: Lorde Moldador, Morfeu, Sandman, João Pestana, L’Zoril, Kai’Ckul,
o sonho acumula nomes. Seu reino é o da imaginação, o da inspiração, o dos
pesadelos e o do amor. Dizem que Shakespeare tinha um pacto com ele.
Embora os Perpétuos tenham decidido que não podem amar os mortais, é
comum Sonho se perder em seus próprios domínios. Uma vez, ele teve um filho
com a musa Calíope. No entanto, o jovem Orfeu herdou as dores do coração do
pai e foi condenado a só morrer pelas mãos de alguém da família – o que
demorou muito para acontecer.
• Destruição: você pode encontrar Destruição nas ruas de alguma cidade,
ele estará pintando um quadro ou escrevendo uma poesia. Mas não cumpre mais
o seu papel Ele foi o único dos Perpétuos que abandonou o seu posto e passou
a viver. No entanto, a destruição continua, pois o universo deve caminhar.
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Novos Deuses
! Um dos maiores criadores dos quadrinhos, Jack Kirby foi o responsável pela
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Nanda Parbat
! Há uma lenda sobre uma cidade perdida entre as montanhas do Himalaia.
Nanda Parbat, como é conhecida, se localiza no topo de uma escadaria de 9.999
degraus. Àquele que alcança o topo da montanha é concedida uma sessão com
Rama Kushna.
! Rama Kushna é a voz viva de tudo que é e não é. A perfeita expressão de
alegria sobre todos, para sempre.
! Aqueles que buscam Nanda Parbat também podem escolher passar pelo
ritual de Thorgal, onde se perdem numa caverna por uma semana ou mais, em
busca de algo que ainda não compreendem. O ritual encontra paralelos com o
Thogal, ritual budista que busca atingir a iluminação.
! No Japão, existe a lenda do Buraco do Yomi, localizada em Izumo, uma das
primeiras terras habitadas do país. Yomi é o nome do país onde os mortos vão
morar. Uma vez lá dentro, sua jornada irá durar sete dias e sete noites e poderá lhe
custar a sanidade ou a vida. Mas é certo que os cinco sentidos se perderão e tudo o
que restará são as percepções adormecidas, deixando o corpo inútil, fazendo com
que a morte seja, enfim, experimentada.
! Muitos heróis do Universo DC buscaram por Nanda Parbat: Homem-Elástico,
Batman, Mulher-Maravilha, Questão, Richard Dragon, etc.
! Nanda Parbat e Rama Kushna foram criados por Arnold Drake e Carmine
Infantino em 1967, para a revista do personagem conhecido no Brasil como
Desafiador98 .
Espectro
! “A Mão de Deus”, uma das criaturas mais poderosas da existência, o Espectro
não é um ser cujas ações podem ser enquadradas. Agindo neste plano sob o manto
mortal de alguém que teve uma morte injusta e lhe serve de hospedeiro, este
aspecto de Deus age de forma incompreensível.
! Em algumas ocasiões, o Espectro toma parte em eventos cósmicos, n’outras,
ele abandona o Universo à sua própria sorte. Há criminosos que são punidos por
ele, mas nunca são específicos. Os caminhos de Deus não são claros, nem mesmo
pra ele.
A Força da Velocidade
! Ultrapassando o relâmpago e o trovão, além do furacão, mais rápido que a
luz, rumo ao desconhecido. Assim sentem-se aqueles que servem à Força da
Velocidade.
! A Força da Velocidade é o lugar onde os velocistas, como o Flash, tiram seus
poderes. Quando morre, é para lá que eles vão, tornando-se parte do campo de
energia que serve de combustível para que aqueles que, literalmente, seguem atrás.
! A primeira vez em se ouviu falar da Força da Velocidade foi na edição 95 da
revista Flash, em 1995. Mark Waid contou a história de um índio, Ahwehota, o Pé-
de-vento. Atraído pela Força da Velocidade, ou da Aceleração, como também é
chamada, Pé-de-vento hesitou e se perdeu pelo tempo, condenado a vagar para
sempre distante do paraíso.
! Há muito mais a ser explorado dentro do Universo DC, como o inferno, onde
as hordas de demônios são divididos de acordo com sua capacidade para fazer
poesia; a Quintessência, onde os cinco eternos mantêm tudo que existe sob sua
eterna vigília – são eles: Vingador Fantasma (um anjo caído, condenado a caminhar
pelas estrelas), Shazam (portador dos dons de Salomão, Hércules, Atlas, Zeus,
Aquiles e Mercúrio), um representante dos Guardiões do Universo, da Tropa dos
Lanternas Verdes, o próprio Zeus e o Pai Celestial de Nova Gênese; a Quinta
Dimensão, onde duendes e gênios vivem e o paraíso são as vogais (AEIOU – AIIIIII).
! Para a realização deste apêndice, foram usadas revistas em quadrinhos
publicadas pelas editoras Globo, Abril, Panini e Mythos Editora.