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DISCIPLINA: Metodologia Científica CÓDIGO: BCT501

CARGA HORÁRIA: 36 horas/aula SEMESTRE: 2 / 2016


PROFESSOR: Marco Aurélio Sousa Alves SALA: 106.3 EMAIL: marcoaurelioalves@ufsj.edu.br

ANOTAÇÕES DE AULA
Documento atualizado em 06/02/2017

AULA 1: Recepção de calouros

AULA 2: Apresentação do curso

AULA 3: Mito, Filosofia, Ciência

• Mito: autoridade do falante e esoterismo


o Grécia arcaica: mitologia, oráculos e sacerdotes. O discurso esotérico
inspirado pelas Musas.

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o Antiguidade romana: Sétimo Severo ordenou que pintassem na cúpula da
sala de audiência de seu palácio, onde julgava e proferia sentenças, uma
representação exata do céu estrelado tal como no momento do seu
nascimento. Tratava-se de inscrever as sentenças que proferia, ou o seu
logos, no interior de algo maior, que funda e justifica seus proferimentos.
Sétimo Severo ilustra a atitude de colocar a ordem mágica acima da ordem
racional.

o Renascimento: os príncipes renascentistas agrupavam em torno de si, além


de sábios, técnicos e artistas, vários bruxos, astrólogos e adivinhos. Foi
principalmente a partir do século XVI e XVII que a razão se voltou
definitivamente contra a magia, iniciando a famosa caça às bruxas. . A
partir de então a nova ciência se coloca como a única manifestação da
verdade capaz de legitimar os discursos e o poder, instaurando assim novos
rituais da verdade.

 Nostradamus, por exemplo, era médico, alquimista, astrólogo e


adivinho. A rainha Catarina de Médici era sua admiradora e o levou a
Paris para que adivinhasse o futuro de seus filhos pelo horóscopo.

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• Filosofia: logos público e postura antidogmática

• Filosofia X Ciência
o Em sua origem, filosofia e ciência se confundiam. ‘Filosofia’ era outro nome
dado à própria busca da verdade. Tal acontecia porque, nesse momento,
todos os conceitos que eram usados pela ciência eram extremamente
vagos (como não havia conceitos claros, a ciência se confundia com a
filosofia).
o Ainda hoje é assim em certos campos de estudo (como a ética, a estética e
a psicologia), que são chamados “filosóficos” pela pouca clareza em
relação aos conceitos empregados (estão ainda no início do estágio
científico).
o Ainda no mundo grego, algumas disciplinas se tornaram independentes,
dando origem a ciências autônomas: a matemática, a geometria, a
astronomia, e a medicina.
o Busca do significado X busca da verdade

o Mas em que consiste a “busca do significado”?


“Como decidimos qual é o sentido de uma proposição, ou o que queremos
dizer com uma sentença que é dita, escrita ou impressa? (...) A resposta é
essa: conhecemos o significado de uma proposição quando somos capazes
de indicar exatamente as circunstâncias sob as quais ela seria verdadeira
(ou, o que é o mesmo, as circunstâncias que a tornariam falsa). A descrição
dessas circunstâncias é absolutamente a única maneira em que o
significado de uma sentença pode tornar-se claro. Após ele ter se tornado
claro, podemos continuar a procurar pelas circunstâncias atuais (reais) no
mundo e decidir se elas tornam nossa proposição verdadeira ou falsa.”
(Schlick, 2004, p.115)

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o Existem questões legítimas propriamente filosóficas? Não.
 Pseudo-questões: certas expressões linguísticas, construídas
gramaticalmente como se fossem questões, não são genuínas, pois
não admitem nenhuma resposta, ou não fazem sentido.
 Exs: “O azul mais idêntico que a música?”; “Qual a cor do
número 7?” (não se trata de questões, mas de meras séries
de palavras).
 Nesse caso, a filosofia busca descobrir a confusão e eliminar
a questão.
 Questões científicas: se a questão é significativa e pode ser
respondida, deve então ser respondida pelos métodos da ciência.

“A filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento


pelos meios da nossa linguagem.”
(Wittgenstein, 1999, §109)

Leituras recomendadas:
FOUCAULT, M. 2009. Do governo dos vivos: Curso no Collège de France, 1979-1980. Trad. N. Avelino.
São Paulo: Centro de Cultura Social. (texto)
SCHLICK, M. O Futuro da Filosofia. Abstracta, v. 1, n. 1, p. 108-122. 2004. (texto)
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Trad. J. C. Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os
Pensadores). (texto)

AULA 4: A visão de mundo antiga

• Quais mudanças na ordem do saber explicam o surgimento da ciência moderna?


• Visão de mundo: sistema amplamente coerente e inter-relacionado de crenças.
• Visão de mundo aristotélica: sistema de crenças dominante no mundo ocidental
entre 300 a.C. e cerca de 1600 d.C. (Não se refere propriamente às crenças de
Aristóteles, mas a uma tradição de pensamento em grande medida influenciada
por suas ideias).
• Algumas crenças dos antigos:
o A Terra é estacionária e está no centro do universo.
o Todos os corpos celestes giram em torno da Terra em órbitas circulares e
uniformes.
o Existem 4 elementos fundamentais no mundo terrestre (terra, fogo, água e
ar) e um elemento fundamental no mundo celeste (éter).

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o No mundo terrestre, um objeto em movimento tende naturalmente a parar,
ou porque os elementos que o compõem alcançaram seu lugar natural, ou
porque algo impede que isso aconteça.
o Cada elemento possui uma natureza essencial que explica a forma como
tende a se mover.
• As crenças acima compõem um sistema coerente e inter-relacionado. Algumas
crenças são centrais, outras periféricas.
o Contraste a crença de que existem 5 planetas com a crença de que a Terra
está parada no centro do universo.

Modelos astronômicos da antiguidade

• Eudoxo de Cnido (408 – 355 a.C.): modelo das esferas homocêntricas.

• Heráclides de Ponto (390 – 310 a.C.): rotação da Terra.


• Aristarco de Samos (310 – 230 a.C.): modelo heliocêntrico.

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Ptolomeu (90 – 168 d.C.)

• O Almagesto é o único tratado compreensivo de astronomia da antiguidade que


chegou aos nossos dias.
• Conceitos-chave: epiciclo, ecêntrico, deferente, equante.

• O modelo ptolomaico oferecia previsões bastante acuradas, era compatível com


as principais crenças físicas e metafísicas da época, e possuía um formalismo
matemático extremamente sofisticado, capaz de modelar o movimento de
qualquer corpo celeste.

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o É possível provar matematicamente que qualquer percurso pode ser
representado por um número potencialmente infinito de epiciclos, pois eles
formam uma série complexa de Fourier que gera uma função periódica que
pode ser infinitamente refinada.

 Veja aqui um exemplo ridículo.


• Argumentos contra o heliocentrismo:
o Teríamos ventos fortíssimos soprando na superfície da Terra.
o Precisaria haver algo extremamente forte movendo a Terra continuamente.
o Não observamos a paralaxe estrelar (mudança relativa na posição das
estrelas em função do nosso movimento).

Leituras recomendadas:
ARISTÓTELES. Metafísica: Livros I, II e III. Trad. L. Angioni. Clássicos da Filosofia: Cadernos de Tradução
n. 15, IFCH/UNICAMP, 2008. (texto)
DEWITT, R. Worldviews: An Introduction to the History and Philosophy of Science. Wiley-Blackwell, 2010.
(texto; tradução em português: cap.1)
KUHN, T. The Copernican Revolution: Planetary Astronomy in the Development of Western Thought.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 1985. (texto)

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AULA 5: Breve história da astronomia

Copérnico (1473 – 1543)

 Modelo copernicano: as estrelas ainda são tidas como equidistantes do


centro do universo (apesar de estarem muito mais longe que no sistema
ptolomaico), as órbitas ainda são circulares e uniformes, e o modelo
mantem os epiciclos e ecêntricos (apesar de não precisar de equantes).

 Os dois sistemas são, em grande medida, igualmente complexos. Há,


talvez, uma maior elegância matemática no modelo copernicano.

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 Vantagens do modelo copernicano:
o Não precisa de epiciclos para explicar o movimento retrógrado.

o Explica porque Marte, Júpiter e Saturno brilham com mais


intensidade quando exibem o movimento retrógrado. (O sistema
copernicano mostra a correlação entre movimento retrógrado e
proximidade com a Terra).
o Explica porque Vênus e Mercúrio aparecem sempre numa região
próxima ao Sol.
o É mais econômico e elegante, pois não precisa de equantes.
 Problema: O MUNDO NÃO PODE SER ASSIM!
o O modelo heliocêntrico é incompatível com a física da época.
o Postura instrumentalista X postura realista.

Tycho Brahe (1546-1601)

 Modelo tychônico: mistura elementos dos modelos ptolomaico e


copernicano, compatibilizando a elegância explicativa de Copérnico
com a tese geocêntrica de Ptolomeu.

 Famoso pelo rigor de suas observações astronômicas, talvez as mais


exatas já realizadas a olho nu.

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Johannes Kepler (1571-1630)

 Ficou intrigado com as observações da posições de Marte feitas por ser


mestre Tycho Brahe.

 Como os demais em seu tempo, Kepler acreditava em movimentos


circulares e uniformes, e tentou de todas as formas acomodar os dados
mantendo esses princípios.

 Acabou se convencendo que nenhum sistema baseado em movimentos


circulares seria capaz de acomodar os dados. Começou então a tentar
outras alternativas, chegando finalmente ao modelo que temos hoje,
com órbitas elípticas e movimento não uniforme.

 Em 1609 publica uma explicação da órbita de Marte nesses termos, e


pouco depois elabora um modelo para todo o sistema solar.

 Leis de Kepler:

o 1ª Lei: os planetas giram em torno do Sol em órbitas elípticas,


com o Sol ocupando um dos focos da elipse.

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o 2ª Lei: uma linha ligando o planeta ao Sol percorre áreas iguais
em períodos de tempo iguais (daí o cálculo da velocidade
variável na qual os planetas percorrem suas órbitas).

o 3ª Lei: os quadrados dos períodos de translação dos planetas


são proporcionais aos cubos dos semieixos maiores de suas
órbitas. (Segue-se daí que quanto mais distante estiver do Sol,
mais tempo levará para o planeta completar sua órbita).

Galileo Galilei (1564-1642)

 Constrói um telescópio e faz suas primeiras observações em 1609. O


telescópio de Galileu tinha 70 mm de diâmetro e aumentava apenas 6x.
Isso já foi suficiente para, em pouco tempo, coletar evidências
empíricas que penderam de vez a balança a favor do modelo
heliocêntrico.

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 Principais observações de Galileu:

o Crateras (“montanhas”) na Lua: a Lua não parece ser de éter,


mas sim uma enorme rocha cheia de crateras. Se a Lua é feita de
terra, como se mantem perpetuamente em movimento?

o Manchas no sol: o Sol também não parece uma esfera perfeita


de éter.

o Anéis (“orelhas”) de Saturno: Saturno tem protuberâncias nas


laterais que parecem orelhas, não sendo uma esfera perfeita.

o Luas de Júpiter: Existem Galileu observou a existência de 4 luas


orbitando em torno de Júpiter (hoje conhecemos a existência de
67 satélites em torno de Júpiter). Tal observação eliminou a
indisposição de alguns com o modelo heliocêntrico pelo fato de
a Lua orbitar em torno da Terra.

o Estrelas: há MUITO mais estrelas do que se imaginava, o que


sugere que o universo é de fato bem maior do que se suspeitava,
talvez até infinito.

o As fases de Vênus: Vênus tem fases assim como a Lua. O


tamanho de Vênus varia de acordo com suas fases.

 E agora?

o A partir de Galileu, fica claro que o modelo ptolomaico, que


reinou por 1500 anos, é insustentável. A visão antiga do universo
estava claramente ruindo.

o As observações de Galileu fizeram com que o modelo


heliocêntrico, que já circulava há cerca de 70 anos, desde

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Copérnico, deixasse de ser pensado de forma instrumentalista e
passasse a ser encarado em termos realistas.

o Em meados do século XVII, a maioria dos astrônomos já defendia


o heliocentrismo. Mas ninguém sabia explicar como o mundo
podia ser daquele jeito. O século XVII é um século de dúvidas,
que começa destruindo uma crença fundamental da visão de
mundo aristotélica, mas que não sabe o que colocar no lugar.

o A nova imagem do universo apresentada pela astronomia


precisava de uma física que explicasse a mecânica do universo.
Isso virá com Newton (1643 – 1727).

Leituras recomendadas:
DEWITT, R. Worldviews: An Introduction to the History and Philosophy of Science. Wiley-Blackwell, 2010.
(texto)
KUHN, T. The Copernican Revolution: Planetary Astronomy in the Development of Western Thought.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 1985. (texto)

AULA 6: O nascimento da física moderna

 Afinal de contas, o que diferencia a ciência moderna do saber antigo?


o Resposta 1: A Terra saiu do centro do universo.
 Ora, os antigos já tiveram modelos desse tipo.
o Resposta 2: A partir da modernidade passamos a prestar
atenção à observação empírica.
 Ora, os antigos também prestaram atenção,
principalmente na astronomia.
o Resposta 3: A partir da modernidade as teorias científicas
passaram a se basear apenas em fatos empíricos.
 Ora, quem disse que a ciência moderna é assim?
 A visão de mundo antiga
o O conhecimento (episteme) se limita aos objetos perfeitos.
o Aquilo que a percepção nos mostra, as aparências
(phainomena), não são objetos de ciência, mas de mera opinião
(doxa).
o Qualquer ciência digna desse nome deveria conhecer o que é
realmente cognoscível, não o que é, por natureza, inconstante e
incognoscível.
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o O mundo das aparências não é matematizável, com exceção dos
astros.
o A ciência não busca o útil, mas a contemplação da verdade:
Ciência (episteme) x Técnica (techné)
o O tipo de explicação que os antigos ofereciam não pretendia
servir a fins práticos. Para tais fins, a doxa é tudo o que se pode
ter.
o Newton, prefácio da Philosophiæ Naturalis Principia
Mathematica (1687):
“... os modernos, rejeitando as formas substanciais e as
qualidades ocultas, empenharam-se por submeter os
fenômenos da natureza às leis da matemática. (...) Os antigos
distinguiram uma dúplice mecânica: a racional (...) e a prática. À
mecânica prática pertencem todas as artes manuais, das quais
a mecânica tirou seu nome [mekhané, ou “máquina”]. Como,
porém, os artífices costumam operar com pouco rigor, a
mecânica toda se distingue da geometria pelo seguinte: tudo o
que é exato refere-se à geometria, ao passo que o que não o é
pertence à mecânica.”
 A visão moderna: física matemática e mecanicismo
o Os ‘fenômenos’, ou ‘aparências’, são os objetos por excelência
da ciência natural.
o Revolução semântica: ‘ciência’, ‘natureza’ e ‘explicação’
praticamente invertem de sentido.
 Galileu (1564-1642): “A natureza está escrita em
caracteres matemáticos”.
 Descartes (1596-1650): busca uma física livre das
especulações estéreis, que possa ser colocada a serviço
do homem. Defende uma nova noção de explicação.
o Exemplos de teorias mecanicistas:
 William Gilbert (1544-1603): explicação magnética do
movimento de rotação proposto por Copérnico.
 Kepler (1571-1630): explicação magnética da translação.
 William Harvey (1578-1658): explicação mecânica da
circulação sanguínea a partir da mensuração da
quantidade de sangue que o coração bombeia a cada
batida, de quanto sangue chega ao cérebro, etc.

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o A explicação mecânica, expressa na forma de leis e fórmulas
matemáticas, se desdobra imediatamente na capacidade de
manipular o mundo natural.
 ‘conhecer é contemplar’ → ‘conhecer é fabricar’.
o Exemplos de aplicações tecnológicas:
 Galileu (1564 – 1642) constrói o primeiro telescópio (não
um mero utensílio que permite ver mais longe, mas uma
máquina matemática).
 Descartes (1596-1650) constrói a primeira máquina de
cortar vidros parabólicos.
 Huygens (1629-1695) inventa o relógio de pêndulo a
partir da teoria do movimento pendular de Galileu.

Leituras recomendadas:
ALVES, M. A. S. The Minimal Method of Descartes. Metatheoria, v. 3, n. 1, p. 1-16. 2012. (texto)
ARISTÓTELES. Metafísica: Livros I, II e III. Trad. L. Angioni. Clássicos da Filosofia: Cadernos de Tradução
n. 15, IFCH/UNICAMP, 2008. (texto)
BACON, F. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. Trad. J. A. R.
Andrade. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). (aforismos XXXVIII a LVII)
DESCARTES, R. Discurso do Método. Trad. M. Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. (texto)
DEWITT, R. Worldviews: An Introduction to the History and Philosophy of Science. Wiley-Blackwell, 2010.
(texto)
KOYRÉ, A. Estudos de história do pensamento filosófico. Trad. M. Menezes. Rio de Janeiro: Editora
Forense Universitária, 1991. (Do mundo do mais-ou-menos ao universo da precisão)
LENOBLE, R. História geral das ciências. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960. (A revolução
científica do século XVII)

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AULA 7: Newton e a ciência dos séculos XVIII e XIX

Isaac Newton (1643 – 1727)

 Leis de Newton:
o 1ª Lei (princípio da inércia):
Lex I: Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi
uniformiter in directum, nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum
illum mutare.
Lei I: Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento
uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele
estado por forças aplicadas sobre ele.
o 2ª Lei (princípio fundamental da dinâmica):
Lex II: Mutationem motis proportionalem esse vi motrici impressae, et fieri
secundum lineam rectam qua vis illa imprimitur.
Lei II: A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e
é produzida na direção de linha reta na qual aquela força é aplicada.
Daí a fórmula F = ma, sendo F a força resultante aplicada, m a massa
(constante) do corpo e a a aceleração do corpo.
o 3ª Lei (princípio da ação e reação):
Lex III: Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine
corporum duorum actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes
contrarias dirigi
Lei III: A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as
ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e
dirigidas em sentidos opostos.

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 A maior parte dos Principia dedica-se à lei da gravitação universal. A força
gravitacional consiste na força mutuamente atrativa entre dois corpos quaisquer,
podendo ser calculada segunda a fórmula abaixo:

 A cautela de Newton ao apresentar a lei da gravitação universal se deve ao caráter


extremamente contra-intuitivo de uma ação à distância, ou uma influência física
sem contato físico.
o Hoje, depois de tantos séculos, parece natural aceitar uma postura realista
diante da força gravitacional. Mas na época de Newton isso parecia mais
mágica do que ciência. Leibniz (1646-1716), por exemplo, acusou Newton
de introduzir ‘forças ocultas’. O próprio Newton declarava uma atitude
instrumentalista diante da gravitação.
o Só teremos uma explicação satisfatória da natureza da atração
gravitacional (que não precisa postular uma ação à distância) com a teoria
geral da relatividade, de Einstein. Mas com Einstein a noção de gravidade
deixa de ser muito daquilo que Newton pensava.

A ciência depois de Newton


 Durante os séculos XVIII e XIX, as várias áreas da ciência serão “newtonizadas”.
Foram 200 anos de avanços notáveis em várias direções do conhecimento. É
inegável que o modelo newtoniano mostrou-se extraordinariamente produtivo e
fecundo.

A química moderna
 Foi apenas em 1783 que Antoine Lavoisier (1743-1794) anunciou à Academia de
Ciências de Paris que a água é composta de hidrogênio e oxigênio. Até então,
ainda reinava a antiga teoria dos elementos aristotélicos.

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 Ao medir as razões dos pesos dos elementos numa larga variedade de compostos,
os químicos gradativamente estabeleceram um sistema de pesos atômicos.

o Foi atribuído o peso 12 ao átomo de carbono. Por ser um terço mais


pesado, o átomo de oxigênio, por exemplo, tem peso 16, e o átomo de
hidrogênio, com 1/16 do peso do oxigênio, tem peso 1.

o A determinação dos pesos dos elementos foi uma grande tarefa da química
do final do século XVIII e século XIX.

 Em 1803, John Dalton (1766-1844) sugere que todo elemento é constituído por
uma espécie própria de átomo. Dalton pretendia compatibilizar a química
moderna com a física newtoniana, tendo defendido que o comportamento de
gases era explicado pela resultante das forças repulsivas das partículas em
interação.

 À época de Lavoisier, eram conhecidos apenas 23 elementos. Em 1869, já eram


mais de 60 elementos. Foi quando Dmitri Mendeleiev (1834-1907) classificou os
60 elementos conhecidos pelo peso numa tabela, a tabela periódica.

 A tabela periódica foi uma grande realização da química experimental. A


compreensão da estrutura atômica levou, no início do século XX, a uma teoria
praticamente completa dos elementos.

o Entre 1911 e 1938, vários avanços praticamente completam a teoria dos


elementos químicos. Verificou-se primeiro que o número de elétrons
determina os atributos químicos. A mecânica quântica permitiu explicar o
movimento dos elétrons, levando, em 1925, a uma teoria sólida das
partículas atômicas. Na década de 1930, a carga e peso de prótons,
nêutrons e elétrons foi medida com precisão (um elétron pesa 5/10000 de
um próton ou nêutron). No final dessa mesma década, descobre-se os
isótopos (ou núcleos com números diferentes de nêutrons).

o Hoje sabemos que existem mais de 100 elementos, classificados pelo


número de prótons. 92 deles ocorrem naturalmente na Terra. Os demais
são produzidos artificialmente, sendo que átomos com mais de 96 prótons
são produzidos em reatores nucleares, após anos de trabalho. Átomos com
mais de 109 prótons poderão um dia ser produzidos em aceleradores de
íon pesado, mas sobreviveriam apenas por alguns milésimos de segundo.

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Eletromagnetismo

 Em meados do século XVIII, Benjamin Franklin (1706-1790) demonstrou que o


raio é um fenômeno elétrico, e mostrou uma série de relações entre fenômenos
elétricos e magnéticos. Mais tarde, Charles de Coulomb (1736-1806) e Michael
Faraday (1791-1867), entre muitos outros, formularam as leis de repulsão e
atração elétrica e magnética. Coulomb, por exemplo, ficou intrigado com o fato de
a atração elétrica ser inversamente proporcional ao quadrado da distância, assim
como a força gravitacional descoberta por Newton.

 A sugestão de Faraday de que a eletricidade, o magnetismo e o luz eram aspectos


de uma mesma fonte comum teve enorme influência. James Maxwell (1831-1879)
irá desenvolver, em meados do século XIX, uma teoria eletromagnética unificada,
que revelou as principais equações matemáticas que explicam fenômenos
envolvendo luz, eletricidade e magnetismo.

A biologia moderna

 Até meados do século XVIII, muitos biólogos eram vitalistas, defendendo que os
seres vivos eram compostos de substâncias diferentes dos seres inanimados. Para
eles, as leis de Newton poderiam não se aplicar às substâncias vitais.

 Uma série de descobertas do século XVIII fazem os vitalistas gradualmente


perderem espaço, até sumirem de vez.

o Luigi Galvani (1737-1798) rejeitou a tese segundo a qual os nervos eram


dutos que transportavam o fluido vital e mostrou, por uma série de
experimentos, que os nervos transportavam correntes elétricas.

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o Alessandro Volta (1745-1827) aprimorou os experimentos de Galvani e
propôs uma teoria geral sobre os fenômenos elétricos observados em seres
vivos.

o Em 1828, Friedrich Wohler (1800-1882) produziu artificialmente ureia, que


foi o primeiro composto claramente orgânico produzido por compostos
inorgânicos.

 O passo central para a criação da biologia moderna foi certamente a teoria da


evolução, de Charles Darwin (1809-1882).

 A ideia central da teoria da evolução, apresentada em On the Origin of Species


(1859), consiste em explicar o surgimento das espécies e duas características a
partir de mudanças graduais em populações no decorrer de gerações sucessivas.
As variações seriam explicadas por pressões adaptativas, ou pela luta pela
sobrevivência.

 Uma consequência da teoria evolutiva é sua explicação não teleológica do mundo


biológico. O processo de seleção natural não inclui uma meta ou telos.

 Na mesma época em que Darwin publicava sua obra prima, Gregor Mendel (1822-
1884) realizava uma série de experimentos de cruzamentos entre tipos de ervilhas.
Em meados dos anos 1860, Mendel publica seus principais insights, mas apenas
no início do século XX seus estudos serão plenamente reconhecidos. Mendel
mostrou que a transmissão hereditária não se dá pela mistura de características
(blending), mas existe uma espécie de unidade hereditária, ou gene.

 O gene é um segmento da molécula do complexo ácido desoxirribonucléico


(DNA). Em 1953, James Watson (1928-) e Francis Crick (1916-2004)
descobriram que a molécula DNA compreende duas cadeias longas de
átomos em espiral ligadas uma à outra. A informação hereditária para
produzir um organismo está codificada na ordem dos pares de átomos
dessa espiral. Nos seres humanos, por exemplo, estima-se que o DNA
possua mais de 100 mil genes, formando mais de 30 milhões de pares que
formam o código para montar um ser humano com aminoácidos.

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A ciência hoje

 Será que é razoável esperar que a ciência ainda passe por revoluções radicais que
alterem radicalmente as bases do conhecimento atual? Será que podemos estar
redondamente enganados sobre aspectos básicos da natureza?

 Talvez tenhamos atingido um ponto no qual mudanças radicais são pouco


prováveis. As revoluções dos séculos XVII, XVIII, XIX e XX talvez marquem a infância
da ciência. Em seu estágio atual, a ciência está madura e deve apenas avançar o
que já se sabe, mas não alterar profundamente as suas bases.

Leituras recomendadas:
BALOLA, R. Princípios Matemáticos da Filosofia Natural: A lei da inércia. 2010. Dissertação (Mestrado
em Estudos Clássicos), Universidade de Lisboa, 2010. (texto)
CROMER, A. Senso incomum: a natureza herética da ciência. Trad. A. Ditchfield. São Paulo: Editora
Faculdade da Cidade, 1997. (prefácio e cap.1)
DEWITT, R. Worldviews: An Introduction to the History and Philosophy of Science. Wiley-Blackwell, 2010.
(texto)
GUERRA, A. et al. Uma breve história da ciência moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. (texto)
LENOBLE, R. História geral das ciências. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960.
NEWTON, I. Princípios matemáticos da filosofia natural. Trad. C. Mattos e P. Mariconda. São Paulo: Nova
Cultural, 2005. (Os Pensadores). (prefácio)

AULA 8: Atividade complementar / Atividade dirigida

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AULA 9: Pesquisa científica
Tipos de trabalhos acadêmicos

 Durante a formação acadêmica, existem 3 tipos centrais de trabalhos que são


exigidos para a obtenção de títulos:
o Monografia
 Muitos cursos de graduação exigem um TCC (Trabalho de
Conclusão de Curso), que geralmente envolve a redação
de uma monografia. A monografia é um estudo
aprofundado sobre um tema específico, que apesar de
mais simples que uma tese ou dissertação, deve também
obedecer a uma rigorosa metodologia científica e
apresentar conteúdo relevante e tratamento completo.
 Os cursos de pós-graduação podem ser lato sensu ou
stricto sensu. Os cursos lato sensu, também chamados de
cursos de especialização, são bem menos exigentes tanto
na seleção quanto nos trabalhos exigidos. Geralmente se
destinam ao treinamento técnico-científico em uma
determinada área profissional. Entre suas exigências,
temos a realização de cursos e seminários e a redação de
uma monografia.
o Dissertação
 Existem dois cursos de pós-graduação stricto sensu: o
mestrado e o doutorado. Ambos exigem a realização de
cursos e o desenvolvimento de um trabalho científico a ser
defendido diante de uma banca avaliadora. O trabalho
final do mestrado é chamado de dissertação, sendo
realizado num período de aproximadamente 2 anos. Na
dissertação, o mestrando deve elaborar uma pesquisa
que demonstre seu domínio do objeto tratado e sua
capacidade de pesquisa e sistematização de questões
complexas.
o Tese
 No doutorado, o aluno precisa defender uma tese, a ser
realizada num período de aproximadamente 4 anos, que
consista numa contribuição original ao tema abordado.
 A estrutura de qualquer um dos textos acima (monografia, dissertação,
tese) é semelhante, incluindo capa, folha de rosto, folha de avaliação,

22
dedicatória, agradecimento, epígrafe, resumo (e abstract), sumário,
corpo do texto (com introdução, capítulos de desenvolvimento e
conclusão), referências bibliográficas, e anexos e apêndices (quando for
o caso).
 Além dos títulos de bacharelado/licenciatura, mestrado e doutorado, há também
o pós-doutorado e o título de livre-docência. O pós-doutorado não constitui em
título superior ao doutorado, propriamente dito, mas em trabalho de pesquisa
realizado por um doutor junto a alguma instituição. O título de livre-docente
equivale, no Brasil, à promoção ao cargo de professor titular mediante defesa de
uma tese de titulação.
 Além dos trabalhos exigidos para obtenção de títulos, há uma série de outros
trabalhos realizados na academia:
o O artigo acadêmico tem hoje uma posição de destaque, sendo a
mais valorizada e mais adotada forma de divulgação de
pesquisas científicas.
 Trata-se de um trabalho pequeno (cerca de 20 páginas),
no qual se apresenta o resultado de estudos e pesquisas
científicas. Os artigos são publicados em revistas
especializadas (ou periódicos). No Brasil, a CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) desenvolveu um sistema de avaliação de
revistas acadêmicas, chamado Qualis-Periódicos, que
atribui notas que vão de A1 (nota máxima), passando por
A2, B1, B2, B3, B4, B5 até C (nota mínima).
 Um artigo normalmente conta com título/subtítulo,
resumo (e abstract em inglês), palavras-chave, texto com
introdução, desenvolvimento e conclusão, e referências
bibliográficas. Alguns podem incluir também apêndices e
anexos.
o Além de artigos originais, muitas revistas acadêmicas publicam
traduções e resenhas de livros. As resenhas visam facilitar o
acesso dos pesquisadores da área ao conteúdo de uma nova
publicação, e deve apresentar, com competência e completude,
o conteúdo de uma obra, bem como uma avaliação crítica da
qualidade e relevância desse trabalho.
o Os acadêmicos participam também de diferentes eventos
científicos, onde fazem apresentações científicas. Há vários tipos
de apresentações. A apresentação oral (ou paper) é um trabalho
23
feito para apresentação oral, no qual se apresenta os resultados
de determinada pesquisa. As apresentações são muitas vezes
publicadas em atas ou anais de encontros de pesquisa. A
comunicação é geralmente uma apresentação oral mais breve,
de 10 a 30 min. O pôster ou painel é a apresentação na forma de
cartaz ou banner.
 As apresentações orais são geralmente mais breves e
menos exigentes que os trabalhos apresentados em
artigos, podendo incluir sugestões para soluções de
problemas, esclarecimentos teóricos, críticas a outras
teorias, etc.
o Durante a realização de uma pesquisa, é comum a realização de
relatórios parciais, que consistem na descrição e exposição do
andamento da pesquisa, seu planejamento, metodologia,
procedimentos adotados, dados obtidos e resultados
provisórios. Ao final da pesquisa, um relatório final é elaborado,
contendo todos os dados obtidos, métodos utilizados, e
conclusões.
o Antes de iniciar a realização de uma pesquisa, o pesquisador
elabora um projeto de pesquisa, que será tratado a seguir.

AULA 10: Pesquisa científica


O método científico
 A palavra ‘método’ vem do grego ‘methodos’, ou “caminho para se chegar a um
fim”. Quando o fim é o conhecimento científico, tal expressão significa o conjunto
de procedimentos (técnicos e intelectuais) adotados para atingir tal fim.
 Não existe “o método” científico, mas diferentes métodos, que variam conforme o
objeto estudado e o fim pretendido.
o Nas ciências da natureza, é comum, por exemplo, o uso do
método experimental, que consiste na observação de um
fenômeno cujas condições de manipulação e controle são
rigorosamente fixadas. Assim, isolam-se variáveis a serem
testadas e observa-se o comportamento delas em diferentes
condições experimentais.
o Nas ciências sociais, é comum o uso do método observacional,
que consiste na observação dirigida teoricamente de um fato que
acontece ou que aconteceu, não havendo, no entanto, a

24
interferência do observador nas condições do surgimento do
fenômeno observado.
o Nas ciências humanas e naturais, é comum o uso do método
estatístico, que consiste numa série de procedimentos que visa
transformar dados qualitativos em dados quantitativos,
permitindo assim a elaboração de leis gerais sobre o fenômeno
observado. Apesar de o método estatístico admitir sempre certa
margem de erro, é possível reduzir essa margem e fazer
generalizações altamente prováveis.
o Um método comum nas ciências sociais aplicadas é o estudo de
caso, que consiste no estudo aprofundado de um caso particular
visando possíveis relações ou generalizações hipotéticas.

A pesquisa científica
 Podemos definir a pesquisa científica como o conjunto de procedimentos
adotados para encontrar a solução de um problema qualquer através do método
científico.
o A definição acima é obviamente circular: a pesquisa científica é
aquela que usa o método científico, e o método científico é
aquele empregado nas pesquisas científicas.
o Para evitar a circularidade, é preciso investigar a lógica da
pesquisa científica, assunto da próxima parte do curso.
 Uma pesquisa científica pode ser pura ou aplicada. A pesquisa pura pretende
solucionar um problema teórico, não levando em conta suas possíveis aplicações
práticas. A pesquisa aplicada, ao contrário, visa aplicar ou ampliar o
conhecimento científico tendo em vista a solução de um problema prático
qualquer. As ciências aplicadas ou tecnológicas, como o Direito ou as
Engenharias, normalmente envolvem pesquisas desse tipo.
 Podemos dividir as pesquisas científicas em diferentes tipos conforme o objetivo
proposto:
o A pesquisa exploratória visa proporcionar maiores informações
sobre determinado fenômeno. Essa pesquisa permite uma
melhor delimitação de possíveis temas de pesquisa.
Normalmente constitui a etapa inicial de um projeto de pesquisa
quando o tema tratado é pouco explorado e conhecido, o que
dificulta a formulação de hipóteses precisas e
operacionalizáveis. A pesquisa exploratória pode envolver

25
levantamento bibliográfico, entrevistas (surveys), estudos de
caso, observações preliminares, etc.
o A pesquisa descritiva visa observar, registrar, analisar e
interpretar os dados sem qualquer manipulação do pesquisador.
Pesquisas mercadológicas ou de opinião pública tipicamente
são desse tipo. Tal pesquisa envolve técnicas de coleta de dados,
de observação sistemática, e de generalizações probabilísticas.
o A pesquisa explicativa registra, analisa e interpreta
determinados fenômenos, procurando formular hipóteses
explicativas. Ela depende de uma boa base experimental ou
observacional e exige criatividade e inventividade do
pesquisador.
o A pesquisa teórica visa relacionar ou enfeixar hipóteses, gerando
modelos teóricos melhor estruturados, ampliando assim as
generalizações existentes ou evitando generalizações
equivocadas.
 Podemos classificar as pesquisas científicas também quanto à sua originalidade:
o O trabalho original pretende ampliar o conhecimento científico
num certo domínio, contribuindo com novas descobertas.
o O resumo do assunto consiste na compilação de trabalhos mais
avançados realizados por autoridades reconhecidas na área.
Apesar de dispensar originalidade, o resumo não dispensa rigor
científico nem consiste em mera cópia de ideias. Um bom
resumo exige a análise e interpretação das principais teses sobre
o tema, e possivelmente um enfoque original da disciplina.
 Quanto aos procedimentos, podemos classificar as pesquisas da seguinte forma:
o A pesquisa de campo se baseia na observação direta de fatos,
sem a intervenção do pesquisador. As técnicas mais comuns são
a observação criteriosa, os formulários e as entrevistas.
o A pesquisa de fontes pode envolver tanto o levantamento
bibliográfico sobre determinado tema quanto pesquisa
documental, que busca fontes primárias ainda não consideradas
pelas pesquisas da área. No primeiro caso, trata-se de fonte
secundária, e no segundo de fonte primária.
o A pesquisa de laboratório busca produzir, reproduzir e observar
determinado fenômeno em condições de controle.

26
 Quanto à abordagem, podemos classificar as pesquisas da seguinte forma:
o A pesquisa quantitativa visa quantificar dados ou informações
através de técnicas estatísticas, permitindo assim a formulação
de leis ou modelos matemáticos.
o A pesquisa qualitativa busca descrever informações não
quantificáveis ou cuja quantificação não seria apropriada aos
fins propostos. Na pesquisa qualitativa, os dados são analisados
intuitivamente, cabendo ao pesquisador formular hipóteses
explicativas justificadas pelos princípios gerais da lógica.

Etapas do projeto de pesquisa


 Apesar de diferentes pesquisas se organizarem de diferentes formas, apresento a
seguir uma lista das etapas mais comuns a diferentes tipos de pesquisa:
 Escolha do tema
o Um bom tema deve possuir fontes para coletas de dados e se
mostrar como viável. Deve também ser relevante e, muitas vezes,
original. A viabilidade de um tema depende da possibilidade de
acesso à bibliografia relevante, dos equipamentos disponíveis,
do prazo exigido para a execução da pesquisa, e do nível de
conhecimento do pesquisador. A relevância de um tema depende
do estado da arte atual na área pesquisada, podendo ser
relevante tanto uma nova descoberta quanto o esclarecimento
de determinadas questões, cuja complexidade dependerá do
nível de formação do pesquisador.
o Dê preferência a temas com os quais já está familiarizado, e evite
sempre falar de muitas coisas. Em ciência, “menos é mais”.
Precisão é tudo. Se a pesquisa envolver questões polêmicas
(políticas, morais, religiosas), evite juízos de valor precipitados e
não justificados. Evite também temas obscuros e pouco
estudados, bem como seguir suspeitas ou impressões vagas. A
ciência envolve certo nível de risco e “aposta”, mas é refratária a
visionários excessivamente intuitivos e destemidos.
 Revisão da literatura
o O mais importante não é a quantidade de leitura, mas sua
qualidade e relevância. Ler demais sem nenhum critério vai
apenas deixá-lo mais confuso. E, lembre-se, precisão é tudo.
o Comece pesquisando bons textos introdutórios e tente detectar
os autores e textos mais relevantes na área a ser pesquisada. Vá
27
atrás desses textos, e quando vir uma referência a algum texto
que parece tratar exatamente do tema pretendido, vá atrás e
busque mapear as teses, pesquisadores e questões mais
relevantes.
o À medida que a leitura for avançando e o tema for ficando mais
preciso, tente detectar se existem trabalhos muito semelhantes
ou idênticos ao que pretende realizar. Caso exista, é
recomendável que altere seu tema de forma a torná-lo relevante
e inédito.
 Delimitação do assunto
o O assunto da pesquisa deve ser determinado com o máximo de
precisão possível. Apenas quando colocamos limites claros
nosso conhecimento pode avançar numa direção específica. É
preciso determinar o escopo, a profundidade e o tipo de
abordagem da pesquisa. A delimitação deve ser sensível ao grau
de conhecimento do pesquisador e aos recursos disponíveis.
o Uma vez delimitado o assunto e a forma de tratamento, formule
um título, ainda que provisório, que indique claramente o tema
da pesquisa. Normalmente usa-se um título mais geral, que
destaca o campo da pesquisa, e um subtítulo mais específico,
que descreve exatamente o que será tratado.
 Justificativa
o Um projeto de pesquisa deve mostrar sua relevância. A
justificativa consiste na argumentação à favor da pertinência e
importância do tema, bem como da viabilidade da pesquisa e
dos benefícios de suas contribuições. Em muitos casos, é preciso
também justificar sua originalidade.
o Não exagere a importância do seu projeto. É difícil acreditar em
coisas como “mudar o mundo” ou “revolucionar o entendimento
de x ou y”. Seja realista e comedido, e tente expor de forma
sincera e econômica as razões teóricas ou os motivos práticos
que tornam importante a realização da pesquisa. Mais uma vez,
vale a fórmula “menos é mais”.
 Formulação do problema
o A pesquisa propriamente dita começa do problema. É
fundamental defini-lo da forma mais precisa possível. No final
das contas, tente achar aquela pergunta, com um ponto de
interrogação no final, que você pretende responder. E lembre-se
28
que a pergunta deve ser tão geral e tão específica quanto as suas
possibilidades reais de respondê-la. Ao expor o problema, seja
honesto e explícito sobre as dificuldades a serem enfrentadas, e
de como pretende enfrentá-las.
 Construção de hipóteses
o Uma vez explicitado o problema, formule hipóteses a serem
testadas. As hipóteses devem ser precisas e excludentes. É
fundamental ser sempre igualmente justo na avaliação da força
explicativa de cada uma das alternativas. Caso já inicie a
pesquisa querendo comprovar alguma hipótese, nunca deixe tal
pretensão levá-lo a ser injusto e pouco criterioso com as demais
hipóteses. Lema: quanto mais forte seu oponente maior sua
demonstração de força. Em ciência, bater em cachorro morto não
interessa a ninguém, e fazer de um bom oponente um cachorro
morto não irá convencer ninguém.
o As hipóteses precisam ser realmente explicativas do fenômeno
estudado e devem ser elaboradas de forma a conduzir a um
método específico de avaliação da sua correção.
o Normalmente, distingue-se hipóteses básicas de hipóteses
secundárias. A hipótese básica é muitas vezes tomada como
mais provável e, provisoriamente, como correta, enquanto as
secundárias complementam a hipótese básica confirmando-a ou
negando-a. Assim, desenha-se uma estrutura que permite, a
partir da confirmação ou negação das hipóteses
complementares, confirmar ou negar a hipótese básica. Tal
estrutura é muitas vezes necessária tendo em vista a ausência de
métodos que permitam testar a hipótese básica diretamente.
 Determinação dos objetivos
o Os objetivos devem ser declarações claras e explícitas do que se
pretende alcançar, e devem ser relacionados com as questões
expostas na formulação do problema.
o Normalmente, temos a exposição separada de objetos gerais e
específicos. O objetivo geral descreve a pretensão mais ampla da
pesquisa, enquanto os objetivos específicos enumeram os
passos a serem atingidos no desenvolvimento da pesquisa e
seus respectivos objetivos, levando ao final à resposta do
objetivo geral almejado.

29
AULA 11: Redação científica
 Metodologia
o Consiste na explicação minuciosa e a mais detalhada e rigorosa
possível dos procedimentos a serem adotados. É preciso que os
meios adotados sejam compatíveis com o tipo de pesquisa, o fim
pretendido e as capacidades do pesquisador. É preciso
discriminar o instrumental a ser utilizado, o tempo previsto, a
divisão dos trabalhos, a forma de tabulação e tratamento de
dados, os questionários, entrevistas ou qualquer outra técnica
que será utilizada na pesquisa.
 Cronograma e planejamento da pesquisa
o Uma vez definido o marco teórico, a partir da formulação e
justificação do problema, descrição dos objetivos, construção
das hipóteses e exposição da metodologia, o pesquisador passa
então para a fase de planejamento da pesquisa, que consiste na
enumeração de todas as atividades a serem realizadas.
o Uma pesquisa pode ser planejada de várias formas. Há muitas
formas de se testar uma hipótese, assim como há vários
caminhos que levam a um mesmo lugar. O mais importante no
planejamento é explicitar o procedimento a ser adotado em cada
etapa da pesquisa.
o A especificação das etapas e prazos deve aparecer na forma de
um quadro, o cronograma de atividades, no projeto de pesquisa.
O cronograma deve discriminar cada fase da pesquisa e o tempo
previsto para realizá-las. As previsões devem ser realistas, e
lembre-se que algumas partes da pesquisa podem ser
executadas simultaneamente por diferentes membros da equipe,
enquanto outras atividades dependem da conclusão de etapas
anteriores.

30
o Quando se pretende submeter o projeto de pesquisa para
agências de fomento (CAPES, CNPq, FAPEMIG, etc.), é preciso
também estimar os gastos na realização de cada etapa da
pesquisa através de um detalhado orçamento. O orçamento deve
discriminar gastos com material permanente (computadores,
máquinas), de consumo (papel, cópias, material de laboratório,
etc.) e com pessoal (pesquisadores, técnicos, auxiliares, etc.). As
agências de pesquisa possuem formulários e instruções
detalhadas que devem ser seguidas à risca.
 Delineamento da pesquisa
o O levantamento bibliográfico inicial buscava a delimitação do
tema e a formulação de hipóteses. Quando se trata do
delineamento da pesquisa, temos um novo levantamento
bibliográfico que deve conduzir diretamente à obtenção dos
objetivos propostos. É muito comum a prática de fichamentos e
outras formas de organização das informações coletadas.
 O levantamento bibliográfico começa com a identificação
das fontes mais relevantes, a partir de obras de referência
(enciclopédias, índices de livros, resumos de revistas
especializadas, etc.).
 Uma vez selecionado um bom corpus de leitura, avança-
se para a leitura prévia, que visa identificar as fontes mais
importantes e selecioná-las para uma leitura mais
detalhada. A leitura aprofundada deve assumir um caráter
interpretativo e crítico mais detalhado. É fundamental que
tal leitura seja acompanhada de notas ou fichamentos
que registrem as relações e ideias formuladas. Lembre-
se: se você não deixar registros, vai esquecer e boa parte
do seu trabalho será inútil.
 Nunca se esqueça de registrar os dados
bibliográficos completos dos textos analisados.
Hoje em dia tais registros são geralmente feitos no
computador e organizados em pastas classificadas
por temas. É fundamental registrar de forma
sintética as informações mais importantes, pois
depois será virtualmente impossível voltar aos
textos e buscar as informações relevantes. Será
tempo perdido e trabalho dobrado.
31
 Dica importante: ao fazer anotações pessoais, evite
transcrever passagens dos textos consultados, a fim de
evitar plágio. Resuma as ideias nas suas próprias
palavras. Seja rigoroso na escolha de seus termos
técnicos, e evite ficar mudando ao gosto dos autores
consultados. Isso não ajuda apenas a evitar plágio, mas
propicia também uma compreensão da questão que seja
mais clara e potencialmente mais útil ao seu próprio
projeto.

o Na pesquisa de laboratório, a coleta de dados deve seguir


rigorosamente as técnicas previamente apresentadas na
metodologia. A preparação dos instrumentos a serem utilizados
deve seguir instruções precisas. Muitas vezes é necessário um
pré-teste ou estudo piloto no qual se testa o funcionamento dos
instrumentos de coleta de dados.
 Também nesse caso é fundamental o registro de todos os
passos e resultados obtidos. Em ciência, o que não se
anota não existe. Lembre-se sempre disso.
 Análise e interpretação dos resultados
o Após a obtenção dos dados, seleciona-se o que é relevante,
tendo em vista o marco teórico e os objetivos almejados. A
análise dos dados consiste em organizar e sumarizar os dados
que serão usados nas respostas ao problema investigado. Na
análise, os dados obtidos são interpretados à luz dos
conhecimentos prévios. Os dados obtidos devem ser
confrontados com pontos de vista convergentes e divergentes,
visando oferecer critérios para decisões fundamentadas.
32
o Tendo em mãos a informação já analisada e estruturada, busca-
se formular as conclusões obtidas. Na conclusão, é importante
se ater àquilo que os estudos mostraram, evitando ilações
injustificadas e saltos inferenciais. Se os dados mostram pouco
ou não levam aos objetivos propostos, essa é a conclusão da sua
pesquisa. Não force a barra e finja ter conseguido mais do que de
fato conseguiu. Isso é uma das coisas que distingue o bom
cientista do picareta.
 Redação final
o O tipo de redação varia muito conforme a área pesquisada, os
objetivos, e a natureza do texto científico. Quanto à natureza,
monografias, teses ou artigos exigem diferentes tipos de
redação. Dependendo da área, os textos tendem a ser mais ou
menos formais, mais ou menos técnicos, etc.
o Dicas estilísticas:
 Tenha em mente que o estilo de um texto acadêmico
difere bastante de outros gêneros textuais, tais como o
jornalístico, o literário, ou o panfletário.
 Evite sentenças longas e truncadas, e nunca use um termo
técnico sem saber exatamente o que ele significa.
Lembre-se sempre que frases curtas reduzem o risco de
imprecisão e ambiguidade.
 Seja o mais direto, claro e econômico possível. Não
floreie, não use mais palavras do que estritamente
necessário. E lembre-se: um pensamento confuso, dito de
mil formas diferentes, não fica claro com sua repetição.
Além de confuso, seu texto ficará chato e repetitivo. Os
vícios mais comuns e mais chatos de textos acadêmicos
são a repetição, a confusão, e a obviedade. Nunca
menospreze a memória, a atenção e a inteligência do
leitor. Se algo for óbvio, não diga. Se já disse algo, não
repita. Se não está claro para você, então não estará para
mais ninguém. Não ache que o leitor encontrará no seu
texto o que não está lá, ou que fará longas digressões que
darão ao texto o sentido desejado. Apenas diga o que
você quer que ele pense, e nada mais que isso.
 A apresentação das ideias deve seguir uma sequência
lógica e bem ordenada. Evite a todo custo desviar do

33
assunto e fazer digressões paralelas. Tudo o que for
dispensável e irrelevante, corte. NUNCA encha linguiça.
Geralmente, seu texto será tanto melhor quanto mais você
conseguir reduzi-lo.
 Evite qualquer manifestação de opiniões pessoais não
justificadas. Evite o uso de adjetivos que qualificam algo
sem apresentar razões para isso. A sua opinião não
importa, mas sim as razões que estão por trás dela. A
mera opinião de outros também não interessam. Se for
citar a opinião de alguém, ela deve sempre compor um
argumento, que apresenta razões, e não simplesmente
figurar como uma espécie de argumento de autoridade.
Na ciência, nunca se esqueça disso, a única autoridade é
a razão. Evite sempre a falácia do apelo à autoridade
(argumentum ad verecundiam).
 Lembre-se que um texto acadêmico não é uma conversa
de boteco. Use linguagem formal, conforme as normas
cultas, evitando gírias, chavões e expressões vulgares.
Isso não significa que o texto deve ser chato e pomposo. É
possível que um texto formal seja leve, gostoso de ler, e
bem escrito.
 Mantenha uma uniformidade estilística ao longo de todo
o texto. Evite o texto Frankenstein. Ou seja, mantenha a
forma de tratamento, a pessoa gramatical, as unidades
de medidas, a formatação, etc. E mantenha uma unidade
e coerência terminológica. Se apresentou um
determinado conceito ou termo técnico, use ele, e não
outro qualquer que não foi apresentado. E evite poluir o
texto com mais termos técnicos do que estritamente
necessário.
 Eis uma boa lista das principais virtudes de um texto
acadêmico: objetividade, correção, clareza, precisão,
impessoalidade e concisão.

34
Estrutura do projeto de pesquisa
 Capa: Nome da instituição e curso; Identificação do trabalho (“Projeto
Vetor - Pesquisa de Graduação em Engenharia...); Título e subtítulo;
Nome do autor (ou dos autores); Nome do orientador e coorientador
(caso haja algum). Local e ano.
 Folha de rosto: Repetem-se as informações da capa, com a mesma
formatação, incluindo agora os nomes dos membros da banca
avaliadora e seus vínculos institucionais.
 Pré-texto: São elementos opcionais, como Dedicatória, Agradecimento
e Epígrafe.
 Resumo e Abstract: Resumo curto, entre 200-250 palavras, onde são
resumidos os objetivos centrais e as conclusões alcançadas. O abstract
é uma tradução em língua inglesa do resumo.
 Sumário: Relaciona as principais divisões do texto, indicando suas
respectivas páginas.
 Introdução: Apresenta o tema, anunciando sua ideia básica. Delimita o
foco da pesquisa, situando-o dentro do contexto mais amplo da área de
trabalho. Descreve as motivações que levaram à escolha do tema.
Define, ao final, em uma frase, o objeto de estudo.
 Objetivos: Identifica claramente o que se pretende. Divide-se em
objetivo geral e objetivos específicos. (Use verbos para descrever seus
objetivos: conhecer, identificar, descobrir, caracterizar, descrever,
determinar, analisar, avaliar, interpretar, verificar, explicar, etc.)
 Justificativa: Demonstra o valor ou relevância do projeto, tanto
acadêmica/teórica quanto, se for o caso, prática ou de utilidade social,
e a viabilidade de sua realização.
 Revisão teórica: Destaca os principais trabalhos/teorias sobre o
assunto estudado, apresentando assim uma moldura conceitual do
tema e ligando a pesquisa à bibliografia já existente. Apresente com
mais cuidado a teoria (ou teorias) que sustentam o trabalho proposto,
expondo seus conceitos centrais de forma clara e sucinta.
 Metodologia: Afinal de contas, como e com o quê a pesquisa será
realizada? A metodologia apresenta os métodos e procedimentos a
serem adotados, bem como os materiais e recursos a serem utilizados.
É preciso traçar o caminho a ser seguido de forma detalhada,
apresentando as principais estratégias para a execução do projeto.

35
 Cronograma: Apresenta um quadro onde cada etapa da pesquisa é
identificada, bem como seus prazos e ordem de execução. Façam um
projeto simples, algo executável no prazo de 1 ano.
 Referências bibliográficas: Tudo o que for citado ou mencionado no
projeto deve aparecer nas referências, segundo as regras da ABNT.
Inclua todos os livros, artigos, monografias, material de internet, etc.
Num projeto, é aceitável incluir textos que ainda serão consultados,
desde que apareçam na revisão teórica ou em qualquer outra parte do
projeto.
 Anexos: São opcionais, incluindo materiais como tabelas, gráficos, lista
de abreviações, fotos e outros materiais ilustrativos, documentos,
resultados de experimentos, etc. Inclua apenas aquilo que for realmente
útil para informar o leitor ou justificar afirmações presentes no projeto.
Regras de normalização
 Recomendo a consulta dos seguintes manuais: Manual 1 e Manual 2.
 Sigam à risca as regras de formação e citação bibliográfica. Mais
informações podem ser encontradas neste livro ou no documento da
ABNT. Talvez a forma mais simples de aprender as regras é ver com
cuidado como os livros e artigos consultados fazem suas referências.
 Dado que cada tipo de material bibliográfico pede um tipo de citação
específica (o importante, lembre-se, é fornecer as informações
relevantes para identificar a fonte), prefiro auxiliar cada grupo caso a
caso. Mas não deixem de ver os manuais acima antes, vindo até mim
apenas no caso de eventuais dúvidas.

Leituras recomendadas:
ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais. São Paulo:
Pioneira Thomson, 2002. (texto)
ASSIS, M. C. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: manuscrito, 2009. (texto)
ANDRADE, M. M. Introdução à metodologia do trabalho científico: elaboração de trabalhos na
graduação. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010. (texto)
BOAVENTURA, E. M. Metodologia da pesquisa: monografia, dissertação, tese. São Paulo: Atlas, 2004.
(texto)
FRANÇA, J. L.; VASCONCELLOS, A. C. Manual para normalização de publicações técnico-científicas. 8.
ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007. (texto)
KÖCHE, J. C. Fundamentos de metodologia científica: teoria da ciência e prática da pesquisa. 23 ed.
Petrópolis: Vozes, 2006. (texto)
MEDEIROS, J. B. Redação científica: a prática de fichamento, resumo e resenhas. São Paulo: Atlas,
2000. (texto)
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. São Paulo: Cortez, 2010. (texto)
36
AULA 12: Atividade dirigida

AULA 13: Teoria indutivista do conhecimento científico

Indutivismo
 Durante e logo após a revolução científica, foi amplamente aceita a tese de que as
teorias científicas estavam apoiadas na rigorosa obtenção de dados da
experiência. Francis Bacon (1561-1626) dizia que era preciso consultar a
natureza, e não os textos de Aristóteles. Estimulados pelo sucesso de Galileu e
outros experimentadores, a ideia de que a principal fonte de todo conhecimento
era a experiência se tornou cada vez mais popular.

 A ideia de que a ciência se apoia sobre fatos objetivos coletados pela observação
e pelo experimento rigoroso e desinteressado ainda conforma um ideário comum
do que distingue a ciência de outras formas de saber.
 Segundo a teoria indutivista, a ciência começa com a observação. O cientista
registra o que observa sem preconceitos ou ideias preconcebidas. A observação
dá origem a afirmações sobre o mundo, ou proposições observacionais. A partir
dessas proposições, o cientista chega a leis e teorias científicas.
 As proposições observacionais são extraídas de observações que podem ser
testadas e conferidas por qualquer um que seguir cuidadosamente as condições
necessárias. Logicamente falando, essas proposições são singulares, pois se
referem a uma ocorrência ou a um estado de coisas específico do mundo, algo que
ocorre num tempo e lugar particulares. A afirmação, por exemplo, de que “à meia-
noite de 9 de janeiro de 1978, Marte apareceu em tal e tal posição no céu” é uma
proposição desse tipo.
 A partir das observações, o cientista elabora leis e teorias. As afirmações teóricas,
ao contrário das observacionais, são gerais ou universais, pois se referem a todos
os eventos de um determinado tipo. A afirmação, por exemplo, de que “Os
planetas se movem em elipses em torno do seu sol” é uma afirmação desse tipo.

37
 Exemplo: o cientista deriva a lei de que os metais expandem quando
aquecidos de uma vasta coleção de experimentos em variadas
circunstâncias. A partir dessa lei, ele deduz que os trilhos contínuos de
ferrovias, que não são interrompidos por pequenos espaços, alterarão
suas dimensões sob o calor do Sol.
 Mas como é possível extrair afirmações universais de afirmações singulares? Ou
seja, como teorias científicas, compostas por afirmações universais, podem ser
extraídas da base limitada de evidências fornecidas pelas observações
singulares?
 O indutivista responde à questão acima determinando condições que, uma vez
satisfeitas, tornam legítima a generalização. Há três condições principais:
1) O número de proposições singulares que forma a base de uma generalização
deve ser grande o suficiente;
2) As observações devem ser repetidas sob uma ampla variedade de condições;
3) Nenhuma proposição singular deve conflitar com a lei universal derivada.
 As condições acima tentam evitar conclusões precipitadas. Em termos lógicos, o
tipo de inferência que leva de proposições singulares para proposições universais
é a indução. O princípio de indução pode ser expresso assim:
Se um grande número de As foi observado sob uma ampla variedade de
condições, e se todos esses As observados possuíam sem exceção a
propriedade B, então todos os As têm a propriedade B.
 Segundo os indutivistas, o progresso científico consiste no aumento da base
experimental. Uma vez que as observações se tornam mais refinadas e rigorosas,
novas leis e teorias cada vez mais abrangentes e precisas são formuladas.

Problema da indução
 É possível justificar logicamente o princípio de indução? Argumentos indutivos são
logicamente inválidos, pois mesmo que todas as premissas sejam verdadeiras, a
conclusão pode ser falsa.
 O problema da indução ganhou fama a partir de David Hume (1711-1776). Hume
criticou todas as alternativas de justificar a indução. No final das contas, todas
elas usam algum tipo de argumento circular, que pretende justificar a indução
indutivamente. O apelo à probabilidade, muito comum nesses debates, não
parece ajudar, pois a probabilidade de uma lei universal não aumenta com o
número de observações, dada a base infinita de casos possíveis. A probabilidade
de qualquer afirmação universal sobre um domínio infinito é sempre zero.

38
 O princípio de indução impõe exigências excessivamente vagas e imprecisas. O
que seria um “grande número” de casos, ou uma “ampla variedade” de
circunstâncias?
o Exemplo: As condições relevantes (não-supérfluas) para determinar o ponto
de fervura da água depende de um conhecimento teórico prévio da
situação. Num sentido importante, a teoria dirige a experimentação, e não
apenas o contrário.
 Um dos pressupostos mais frágeis do indutivismo é a concepção da observação
empírica como teoricamente neutra e publicamente acessível. Vários estudos em
psicologia mostram como nossas percepções do mundo dependem, em grande
medida, de experiências passadas e de uma visão integrada do mundo. Um
mesmo fenômeno é observado de formas variadas por diferentes observadores
com diferentes backgrounds. A forma com interpretamos um fenômeno, tendo em
vista nosso conhecimento prévio, é parte do que vemos.
 Se proposições singulares pressupõem um pano de fundo teórico, então não é
verdade que as teorias científicas derivam da pura observação, pois algum tipo de
teoria precisa preceder às próprias observações. Ao ver como vemos e descrever
como descrevemos em sentenças singulares, pressupomos formas de classificar
eventos e objetos do mundo. Qualquer sentença universal está carregada de
teoria.
o Pense, por exemplo, na afirmação de que “o facho eletrônico foi repelido
pelo polo norte do magneto”, ou na forma como um psiquiatra descreve os
sintomas de um paciente.
 A prioridade dada pelos indutivistas aos fatos observacionais ignora o fato de que
observações são tão falíveis quanto teorias.
o Exemplo: Na época de Copérnico, foram feitas cuidadosas observações do
tamanho de Vênus. Observou-se, então, que o tamanho de Vênus não
alterava. Isso levou os contemporâneos de Copérnico a dizerem que a
previsão de que Vênus deveria mudar de tamanho durante o ano era
refutada pela experiência. Contudo, sabe-se hoje que tal observação
pressupunha uma teoria falsa segundo a qual o tamanho de pequenas
fontes de luz poderia ser calculado acuradamente a olho nu. Sabemos hoje
que tais medições são altamente enganosas. A observação por telescópio
mostrará, menos de um século depois, que Vênus muda consideravelmente
de tamanho durante o ano.
o Exemplo anedótico: nas anotações de Kepler, que usava um telescópio
galileano na época, encontramos a seguinte observação: “Marte é
quadrado e intensamente colorido”.
 Conclusão: ao contrário do que dizem os indutivistas, observações e experimentos
são geralmente realizados para testar, aperfeiçoar ou lançar luz sobre alguma
teoria. Seja qual for a relação entre experiência e teoria, ela não pode ser pensada
na forma de uma determinação em mão única. Além disso, a relação indutiva é
fraca demais para justificar as teorias resultantes. A relação entre teoria e
experiência precisa ser pensada em outros termos
39
Leituras recomendadas:
ANDERY, M. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 12 ed. São Paulo: EDUC,
2003. (texto)
BACON, F. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. Trad. J. A. R.
Andrade. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). (aforismos XXXVIII a LVII)
CARNAP, R.; HAHN, H.; NEURATH, O. A concepção científica do mundo: o Círculo de Viena. Cadernos de
História e Filosofia da Ciência, v. 10. 1986.(texto)
CHALMERS, A. F. O que é a ciência, afinal? Trad. R. Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.(texto)

AULA 14: Teoria falsificacionista do conhecimento científico

 Karl Popper (1902-1994) publica A Lógica da Pesquisa Científica em 1934,


apresentando uma alternativa à teoria indutivista.

“No campo das ciências empíricas, o cientista formula hipóteses ou


sistemas de teorias, e submete-os a teste, confrontando-os com a
experiência, através de recursos de observação e experimentação. A tarefa
da lógica científica, ou da lógica do conhecimento, é, segundo penso,
proporcionar uma análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o
método das ciências empíricas.” (Popper, LPC: 27)

 Na época de Popper, os positistas lógicos defendiam uma sofisticada forma de


indutivismo semântico, que era amplamente aceita.
o Reichenbach (1930), por exemplo, afirmou que o princípio de indução
“determina a verdade das teorias científicas. (...) Sem ele, a ciência
perderia indiscutivelmente o direito de separar suas teorias das criações
fantasiosas e arbitrárias do poeta.”
40
 Popper irá insistir que as incoerências do princípio de indução já deveriam ter
ficado claras desde Hume. Tais dificuldades, segundo ele, são intransponíveis.
Mas isso não ameaça a ciência, pois ela não está baseada na indução.

 Antes de tudo, é preciso eliminar o psicologismo da lógica. É preciso separar


claramente a psicologia do conhecimento da lógica do conhecimento. O processo
de conceber (ou conjecturar) uma ideia nova difere dos métodos de justificação da
ideia concebida.
o “O estágio inicial, o ato de conceber ou inventar uma teoria, parece-me não
reclamar análise lógica, nem ser dela suscetível. A questão de saber como
uma ideia nova ocorre ao homem – trate-se de um tema musical, de um
conflito dramático ou de uma teoria científica – pode revestir-se de grande
interesse para a psicologia empírica, mas não interessa à análise lógica do
conhecimento científico.” (Popper, LPC: 31)

 O que interessa ao lógico é o método de submeter as ideias concebidas ao teste


empírico.
o “A partir de uma ideia nova, formulada conjecturalmente e ainda não
justificada – antecipação, hipótese, sistema teórico ou algo análogo –
podem-se tirar conclusões por meio de dedução lógica. Essas conclusões
são em seguida comparadas entre si e com outros enunciados pertinentes,
de modo a descobrir-se que relações lógicas (equivalência, dedutibilidade,
compatibilidade ou incompatibilidade) existem no caso.” (LPC: 33)

 A partir de uma teoria, podemos extrair predições, ou enunciados singulares


deduzidos da teoria. As predições são susceptíveis de serem submetidas a prova
ou aplicáveis na prática. Se as predições se mostrarem aceitáveis ou comprovadas
(pelos resultados das aplicações práticas e dos experimentos), a teoria terá (ao
menos provisoriamente) passado no teste (dado que não se descobriu motivo para
rejeitá-la).
o “Importa acentuar que uma decisão positiva só pode proporcionar alicerce
temporário à teoria, pois subsequentes decisões negativas sempre poderão
constituir-se em motivo para rejeitá-la. Na medida em que a teoria resista a
provas pormenorizadas e severas, e não seja suplantada por outra, no curso
do progresso científico, poderemos dizer que ela ‘comprovou sua
qualidade’ ou foi ‘corroborada’ pela experiência passada. Nada que lembre
a lógica indutiva aparece no processo aqui esquematizado. Nunca suponho
que possamos sustentar a verdade de teorias a partir da verdade de
enunciados singulares.” (LPC: 34)
41
 Cabe à lógica da ciência propor um critério de demarcação que distinga a ciência
da pseudociência. A lógica indutiva é incapaz de fornecer tal critério. Popper irá
propor um novo critério: a falseabilidade.
o “Não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como
válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua
forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a
provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela
experiência, um sistema científico empírico." (LPC: 42)
o “Minha posição está alicerçada numa assimetria entre verificabilidade e
falseabilidade, assimetria que decorre da forma lógica dos enunciados
universais. Estes enunciados nunca são deriváveis de enunciados
singulares, mas podem ser contraditos por enunciados singulares.
Consequentemente, é possível, através de recurso a inferências puramente
dedutivas (com auxílio do modus tollens da lógica tradicional), concluir
acerca da falsidade de enunciados universais a partir da verdade de
enunciados singulares.” (LPC: 43)

 Parte do avanço da ciência consiste em propor teorias cada vez mais falsificáveis.
A tese de que “todos os pares de corpos se atraem mutuamente com uma força
que varia inversamente com o quadrado da distância” é claramente mais
falsificável que as teses de que “os corpos se atraem mutuamente” ou que “os
planetas do sistema solar se atraem mutuamente com uma força que varia
inversamente com o quadrado da distância”. A primeira tese envolve as
posteriories, sendo, portanto, mais falsificável e consistindo num avanço teórico
em relação às demais.

Desafios do falsificacionismo

 Uma modificação numa teoria, tal como o acréscimo de um postulado extra ou a


mudança de algum postulado, que não tenha consequências testáveis adicionais
àquelas já apresentadas pela teoria original, são chamadas de modificações ad
hoc.
o Pense, por exemplo, na proposição geral “o pão alimenta”. Imagine agora
que um grupo de pessoas de uma cidadezinha francesa come pão e fica
gravemente doente ao invés de alimentado. Isso, aparentemente, falsifica a
tese geral de que “todo pão alimenta”. Para evitar a falsificação da tese
geral, modifica-se a afirmação geral, afirmando, por exemplo, que “todo
pão, com exceção do pão daquela aldeia francesa, alimenta”. Tal mudança
42
é ad hoc pois não pode ser testada de nenhuma outra maneira que já não
fosse um teste da tese original. A tese modificada é, na verdade, menos
falsificável que a original.
o Exemplo histórico: Galileu havia observado em seu telescópio que a Lua
não era uma esfera homogênea, mas tinha montanhas e crateras. Um
astrônomo aristotélico, tendo verificado as observações de Galileu, sugeriu
que havia uma substância invisível na Lua que preenchia as crateras e
nivelava as montanhas, tornando a Lua perfeitamente esférica. Numa
resposta muito espirituosa, Galileu disse que estava disposto a admitir a
existência de tal substância invisível na Lua, mas insistiu que, na verdade,
ela estava acumulada nos topos das montanhas, fazendo com que essas
fossem muito mais altas do que pareciam. A ironia de Galileu ilustra como
a alteração ad hoc da teoria aristotélica não aumentava sua falseabilidade,
mas simplesmente afirmava algo que não podia ser testado.

 A introdução sistemática de hipóteses ad hoc evita a falsificação de teorias, o que


tornaria dúbia sua própria natureza científica, dado o critério falsificacionsita de
demarcação. Entretanto, há vários exemplos bem sucedidos do uso de hipóteses
ad hoc.
o Exemplo histórico 1: já nos seus primeiros anos de vida, a teoria
gravitacional de Newton foi falsificada por observações da órbita lunar.
Foram necessário quase 50 anos para que o erro fosse detectado em
outras causas alheias à teoria de Newton. A teoria mostrou-se também
incompatível com certos detalhes da órbita de Mercúrio. Novamente, os
cientistas não abandonaram a teoria de Newton, ainda que nunca tenham
sido capazes de explicar tal fenômeno de modo a compatibilizá-lo com a
teoria newtoniana.
o Exemplo histórico 2: as observações da órbita de Urano violavam
sistematicamente as previsões feitas a partir da teoria de Newton.
Entretanto, os astrônomos preferiram manter a teoria newtoniana e
postular uma hipótese ad hoc. Foi aventada a existência de outro planeta
(Netuno), que ainda não havia sido observado, que alterava as condições
experimentais, modificando a órbita de Urano. Tal estratégia, como mais
tarde se confirmou, foi acertada.
o Exemplo histórico 3: Tycho Brahe alegava ter refutado a teoria copernicana
ao mostrar que não se detectava nenhuma paralaxe estrelar. Mais tarde
ficamos sabendo que a suposta refutação de Tycho estava baseada em
suposições equivocadas sobre a distância das estrelas. Se corrigirmos os

43
cálculos, veremos que a paralaxe é demasiado pequena para ser detectada
a olho nu.

 Ainda que a teoria falsificacionsita esteja certa sobre como deveria ser o método
científico, ela parece ser historicamente implausível. Vemos na história várias
teorias que conviveram muito tempo com evidências empíricas contrárias a elas e
que lançaram mão de adições ad hoc para sobreviverem.

 Além disso, a teoria falsificacionsita dá muito importância à psoposição


observacional, que é capaz de refutar uma teoria universal. Entretanto, nada na
lógica pode mostrar se o erro está na observação ou na teoria.

 Uma teoria científica não é simplesmente uma afirmação isolada, mas um


complexo de afirmações universais. O teste empírico de uma teoria envolve
suposições auxiliares referentes, por exemplo, às leis ou teorias que governam o
uso de instrumentos, medidores, e o controle das condições experimentais.
o Exemplo: a verificação empírica de uma teoria astronômica envolve
pressupostos acerca da orientação do telescópio, das condições
observacionais, das posições previstas de certos planetas e do Sol, de
teorias sobre a refração da luz quando atravessa a atmosfera, etc. Se uma
previsão astronômica não é confirmada por um experimento, tudo o que a
lógica nos permite concluir é que ao menos uma das premissas desse
emaranhado de pressupostos está errada.

A tese de Quine-Duhem

Willard van Orman Quine (1908-2000) Pierre Duhem (1861-1916)

44
 Afinal de contas, como as teorias científicas são informadas e respondem aos
experimentos empíricos? A ideia geral de Duhem e Quine é que uma hipótese
científica não pode ser testada isoladamente. O que testamos é um amplo
conjunto de afirmações, e qualquer uma delas pode ser rejeitada ou modificada
caso os resultados experimentais não sejam os esperados.

 Quine expressa essa ideia ao dizer que nossas crenças e teorias enfrentam o
tribunal da experiência em bloco, não isoladamente. Normalmente, não há como
apontar para “experimentos cruciais” capazes de decidir entre duas teorias em
disputa. Há uma relação de subdeterminação (underdetermination) entre os dados
empíricos disponíveis e as teorias empiricamente informadas por esses dados.

 A noção de “experimento crucial” remonta a Francis Bacon (1561-1626), que


afirmava ser possível, diante da disputa entre duas teorias científicas rivais,
conceber um experimento “crucial” no qual as teorias oferecem previsões
conflitantes e assim decidir empiricamente qual teoria sairá vencedora.
Entretanto, dado que a previsão de uma teoria se baseia numa rede de hipóteses
auxiliares, é sempre possível que a teoria mantenha seu núcleo duro e reveja
algumas hipóteses periféricas de forma a acomodar a evidência empírica que não
se adequa às suas previsões. Aliás, tal manobra é muitas vezes perfeitamente
legítima: não devemos jogar o bebê fora junto com a água do banho.

 A tese da subdeterminação empírica das teorias científicas tem como


consequência a possibilidade de diferentes teorias serem igualmente compatíveis
com toda a evidência empírica disponível. Nesse caso, como escolher entre elas?

 A subdeterminação empírica certamente conflita com a proposta de Popper. A


teoria falsificiacionista defende como critério de cientificidade o fato de uma
teoria se abrir à possibilidade de refutação empírica. Mas como observam Quine e
Duhem, casos de “refutação empírica” de uma teoria são raros na história da
ciência. Apesar de todos concordarem que evidências empíricas desempenham
um papel importante na ciência, tal papel parece ser mais complexo e menos
decisivo que Popper propõe. Se a falsificabilidade empírica é a marca da
cientificidade, então poucas (ou nenhuma) teorias que gostaríamos de chamar de
científicas passarão no teste.

Leituras recomendadas:
CHALMERS, A. F. O que é a ciência, afinal? Trad. R. Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993. (texto)
DEWITT, R. Worldviews. Wiley-Blackwell, 2010. (texto)

45
POPPER, K. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Editora Cultrix, 1972. (texto)
POPPER, K. Conjecturas e Refutações. Trad. S. Bath. Brasília: Editora da UnB, 1980. (cap.1)
POPPER, K. Conhecimento Objetivo. Trad. M. Amado. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1999. (texto)

AULAS 15 e 16: A estrutura das revoluções científicas


Thomas Kuhn (1922 – 1996), A estrutura das revoluções científicas (1969)

 Kuhn afirma que a filosofia da ciência ofereceu até então relatos historicamente
incompatíveis com o desenvolvimento da ciência. Se pensarmos na famosa
revolução copernicana, por exemplo, ou no nascimento da física newtoniana,
veremos que as explicações que oferecem não condizem com os acontecimentos
históricos.
o Os conceitos de ‘força’ e ‘inércia’, tal como aparecem na física newtoniana,
não surgiram simplesmente de observações cuidadosas. Contrariamente
ao mito popular, Galileu parece ter realizado pouquíssimas experiências
em mecânica. Muitas das "experiências" a que ele se refere são
experiências de pensamento, analogias, ou metáforas ilustrativas. O
mesmo acontece com Descartes ao elaborar suas teorias em ótica e
mecânica. A experimentação precisa só pode ser efetivamente levada a
cabo quando uma teoria precisa já está consolidada, capaz de produzir
técnicas, instrumentos e previsões precisas.
o Galileu evidentemente contribuiu enormemente para a construção de uma
nova mecânica, mas a experimentação detalhada só poderia surgir num
estágio posterior. As teorias de Galileu tampouco surgiram da falsificação
de conjecturas anteriores: as formulações da nova física foram mantidas
com perseverança a despeito das aparentes falsificações. Quando
observamos como, de fato, a ciência moderna surgiu e se desenvolveu, a

46
pergunta que fica é a seguinte: afinal de contas, o que explica a mudança
de teorias científicas, e o que torna tais mudanças não-arbitrárias?
 "Este ensaio tenta mostrar que esses livros [manuais e livros clássicos sobre as
realizações científicas] nos têm enganado em aspectos fundamentais. Seu
objetivo é esboçar um conceito de ciência bastante diverso que pode emergir dos
registros históricos da própria atividade de pesquisa." (SSR, 19)
o Visão equivocado do progresso gradativo da ciência:
"Se a ciência é a reunião de fatos, teorias e métodos reunidos nos textos
atuais, então os cientistas são homens que, com ou sem sucesso,
empenharam-se em contribuir com um ou outro elemento para essa
constelação específica. O desenvolvimento torna-se o processo gradativo
através do qual esses itens foram adicionados. (...) E a história da ciência
torna-se a disciplina que registra tanto esses aumentos sucessivos como os
obstáculos que inibiram sua acumulação." (SSR, 20)
"Contudo, nos últimos anos, alguns historiadores estão encontrando mais
e mais dificuldades para preencher as funções que lhes são prescritas pelo
conceito de desenvolvimento-por-acumulação. Simultaneamente, esses
mesmos historiadores confrontam-se com dificuldades crescentes para
distinguir o componente 'científico' das observações e crenças passadas
daquilo que seus predecessores rotularam prontamente de 'erro' e
'superstição'. Quanto mais estudam, digamos, a dinâmica aristotélica, a
química flogística ou a termodinâmica calórica, tanto mais certos tornam-
se de que, como um todo, as concepções de natureza outrora correntes não
eram nem menos científicas, nem menos o produto da idiossincrasia do
que as atualmente em voga. Se essas crenças obsoletas devem ser
chamadas de mitos, então os mitos podem ser produzidos pelos mesmos
tipos de métodos e mantidos pelas mesmas razões que hoje conduzem ao
conhecimento científico." (SSR, 20-1)

A estrutura das revoluções científicas


 A ciência avança seguindo fases mais ou menos bem definidas:
1) Pré-ciência
2) Estabelecimento de um paradigma
3) Ciência normal
4) Crise
5) Ciência extraordinária
6) Revolução científica
7) Estabelecimento de um novo paradigma
47
 Grosso modo, um paradigma é uma espécie de macroteoria que funciona como
um marco ou uma perspectiva geral a partir da qual a prática científica ordinária
se norteia. Uma macroteoria se torna paradigmática quando é aceita por toda (ou
por grande parte) da comunidade científica.
 O exemplo histórico mais famoso de revolução no pensamento científico é o De
Revolutionibus Orbium Coelestium, de Copérnico. Seus contemporâneos
rechaçaram seu modelo astronômico, e com pleno direito, segundo Kuhn, dado
que o modelo de Copérnico carecia de credibilidade. Kuhn ilustra como a
mudança de paradigma só foi possível quando Galileu introduziu suas novas
teorias mecânicas e coletou novas evidências com o telescópio, e quando Kepler
propôs um modelo heliocêntrico bem mais econômico e explicativo. Em princípio,
as conjecturas de Copérnico, Galileu e Kepler eram simplesmente isto:
conjecturas. Mas cada uma delas aumentou a credibilidade das outras, e juntas
mudaram a percepção da comunidade científica. Mais adiante, Newton irá
mostrar que as leis de Kepler podem ser derivadas de uma teoria unificada do
movimento. Newton solidificou a mudança de paradigma iniciada por Copérnico,
Galileu e Kepler. A partir de Newton, certamente podemos dizer que a ciência
opera dentro de um novo paradigma.

 "Neste ensaio, ciência normal significa a pesquisa firmemente baseada em uma


ou mais realizações científicas passadas. Essas realizações são reconhecidas
durante algum tempo por uma comunidade científica específica como
proporcionando os fundamentos para sua prática posterior. (...) Hoje em dia, essas
realizações são relatadas pelos manuais científicos elementares e avançados. Tais
livros expõem o corpo da teoria aceita, ilustram muitas (ou todas) das suas
aplicações bem-sucedidas e comparam essas aplicações com observações e
experiências exemplares. (...) Muitos dos clássicos famosos da ciência
desempenharam uma função similar. A Física de Aristóteles, o Almagesto de
Ptolomeu, os Principia e a Óptica de Newton, a Eletricidade de Franklin, a Química
de Lavoisier, a Geologia de Lyell - esses e muitos outros trabalhos serviram, por
algum tempo, para definir implicitamente os problemas e métodos legítimos de
um campo de pesquisa para as gerações posteriores de praticantes da ciência."
(SSR, 29-30)
"Simultaneamente, suas realizações eram suficientemente abertas para deixar
toda a espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de
praticantes da ciência." (SSR, 30)

48
 "Daqui por diante, deverei referir-me às realizações que partilham essas duas
características [modelo a ser seguido, amplamente adotado, e suficientemente
aberto para novos avanços] como paradigmas, um termo estreitamente
relacionado com 'ciência normal'. Com a escolha do termo, pretendo sugerir que
alguns exemplos aceitos na prática científica real - exemplos que incluem, ao
mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação - proporcionam modelos
dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica."
(SSR, 30)

 "O estudo dos paradigmas (...) é o que prepara basicamente o estudante para ser
membro da comunidade científica determinada na qual atuará mais tarde. (...) sua
prática subsequente raramente irá provocar desacordo declarado sobre pontos
fundamentais. (...) Esse comprometimento e o consenso aparente que produz são
pré-requisitos para a ciência normal (...)". (SSR, 30)
o Exemplo histórico: "Os manuais atuais de física ensinam ao estudante que
a luz é composta de fótons, isto é, entidades quântico-mecânicas que
exibem algumas características de ondas e outras de partículas. (...)
Contudo, essa caracterização da luz mal tem meio século. Antes de ter sido
desenvolvida por Planck, Einstein e outros no começo do século XX, os
textos de física ensinavam que a luz era um movimento ondulatório
transversal, concepção que em última análise deriva dos escritos ópticos
de Young e Fresnel, publicados no início do século XIX. (...) Durante o século
XVIII, o paradigma para este campo de estudos foi proporcionado pela
Óptica de Newton, a qual ensinava que a luz era composta de corpúsculos
de matéria. Naquela época os físicos procuravam provas da pressão
exercida pelas partículas de luz ao colidir com os corpos sólidos, algo que
não foi feito pelos primeiros teóricos da concepção ondulatória." (SSR, 31-
2)
o "Essas transformações de paradigmas da óptica física são revoluções
científicas e a transição sucessiva de um paradigma a outro, por meio de
uma revolução, é o padrão usual de desenvolvimento da ciência
amadurecida." (SSR, 32)
o "No entanto, este [a revolução] não é o padrão usual do período anterior
aos trabalhos de Newton. É este contraste que nos interessa aqui. Nenhum
período entre a Antiguidade remota e o fim do século XVII exibiu uma única
concepção da natureza da luz que fosse geralmente aceita. Em vez disso
havia um bom número de escolas e subescolas em competição, a maioria
das quais esposava uma ou outra variante das teorias de Epicuro,
49
Aristóteles ou Platão. (...) Cada uma das escolas retirava forças de sua
relação com alguma metafísica determinada. Cada uma delas enfatizava,
como observações paradigmáticas, o conjunto particular de fenômenos
ópticos que sua própria teoria podia explicar melhor." (SSR, 32)
o "Aqueles homens eram cientistas. Contudo, qualquer um que examine uma
amostra da óptica física anterior a Newton poderá perfeitamente concluir
que, embora (...) fossem cientistas, o resultado líquido de suas atividades
foi algo menos que ciência." (SSR, 33)
o "Por não ser obrigado a assumir um corpo qualquer de crenças comuns,
cada autor de óptica física sentia-se forçado a construir novamente seu
campo de estudos desde os fundamentos. A escolha das observações e
experiências que sustentavam tal reconstrução era relativamente livre. Não
havia qualquer conjunto padrão de métodos ou de fenômenos que todos os
estudiosos da óptica se sentissem forçados a empregar e explicar." (SSR,
33)
o "Excluindo áreas como a matemática e a astronomia, nas quais os
primeiros paradigmas estáveis datam da pré-história, e também aquelas,
como a bioquímica, que surgiram da divisão e combinação de
especialidades já amadurecidas, as situações esboçadas acima são
historicamente típicas." (SSR, 35)
o "Na ausência de um paradigma ou de algum candidato a paradigma, todos
os fatos que possivelmente pertencem ao desenvolvimento de determinada
ciência têm a possibilidade de parecerem igualmente relevantes. Como
consequência disso, as primeiras coletas de fatos se aproximam muito
mais de uma atividade ao acaso (...)." (SSR, 35) [Francis Bacon: "A
verdade surge mais facilmente do erro do que da confusão"]
o "É surpreendente (...) que tais divergências iniciais possam em grande
parte desaparecer nas áreas que chamamos ciência. (...) Além disso, em
geral, seu desaparecimento é causado pelo triunfo de uma das escolas pré-
paradigmáticas, a qual, devido a suas próprias crenças e preconceitos
característicos, enfatizava apenas alguma parte especial do conjunto de
informações demasiado numeroso (...)"(SSR, 37)

 "Para ser aceita como paradigma, uma teoria deve parecer melhor que suas
competidoras, mas não precisa (e de fato nunca acontece) explicar todos os fatos
com os quais pode ser confrontada." (SSR, 38)

50
 "Quando, pela primeira vez no desenvolvimento de uma ciência da natureza, um
indivíduo ou grupo produz uma síntese capaz de atrair a maioria dos praticantes
de ciência da geração seguinte, as escolas mais antigas começam a desaparecer
gradualmente. Seu desaparecimento é em parte causado pela conversão de seus
adeptos ao novo paradigma. Mas sempre existem alguns que se aferram a uma ou
outra das concepções mais antigas; são simplesmente excluídos da profissão e
seus trabalhos são ignorados." (SSR, 39)
o Exemplo histórico: "Franklin assinala que Nollet, que era o mais influente
dos eletricistas europeus na metade do século, 'viveu o suficiente para
chegar a ser o último membro de sua seita' (...)" (SSR, 35)
o Escolas inteiras sobrevivem isoladas da ciência profissional, como a
astrologia, que já foi uma parte da astronomia, e a alquimia, que já fez
parte da química.

 "A ciência normal não tem como objetivo trazer à tona novas espécies de
fenômeno; na verdade, aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma
frequentemente nem são vistos. Os cientistas também não estão constantemente
procurando inventar novas teorias; frequentemente mostram-se intolerantes com
aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal está
dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teorias já fornecidos pelo
paradigma." (SSR, 45)
o "Talvez essas características sejam defeitos (...). Mas essas restrições,
nascidas da confiança no paradigma, revelaram-se essenciais para o
desenvolvimento da ciência. (...) o paradigma força os cientistas a
investigarem alguma parcela da natureza com uma profundidade e de uma
maneira tão detalhada que de outro modo seria inimaginável." (SSR, 45)
o "Resolver um problema da pesquisa normal é alcançar o antecipado de
uma nova maneira. Isso requer a solução de todo tipo de complexos
quebra-cabeças instrumentais, conceituais e matemáticos. O indivíduo que
é bem sucedido nessa tarefa prova que é um perito na resolução de quebra-
cabeças." (SSR, 59)
 "Numa larga medida, esses são os únicos problemas que a comunidade admitirá
como científicos e encorajará seus membros a resolver. Outros problemas, mesmo
muitos dos que eram anteriormente aceitos, passam a ser rejeitados como
metafísicos ou como sendo parte de outra disciplina. Podem ainda ser rejeitados
como demasiado problemáticos para merecerem o dispêndio de tempo (...). Uma
das razões que a ciência normal parece progredir tão rapidamente é a de que seus

51
praticantes concentram-se em problemas que somente sua falta de engenho pode
impedir de resolver." (SSR, 60)
o Exemplo histórico: "Durante todo o século XVIII, os cientistas que tentaram
deduzir o movimento observado da Lua partindo das leis de Newton de
movimento e gravitação fracassaram sistematicamente. Em vista disso,
alguns deles sugeriram a substituição da lei do quadrado das distâncias
por uma lei que se afastasse dessa quando se tratasse de pequenas
distâncias. Contudo, fazer isso seria modificar o paradigma, definir um
novo quebra-cabeça e deixar sem solução o antigo. Nessa situação, os
cientistas preferiram manter as regras até que, em 1750, um deles
descobriu como se poderia utilizá-las com sucesso." (SSR, 63)
 "A própria natureza da pesquisa normal assegura que a novidade não será
suprimida por muito tempo. Algumas vezes um problema comum, que deveria ser
resolvido por meio de regras e procedimentos conhecidos, resiste ao ataque
violento e reiterado dos membros mais hábeis do grupo em cuja área de
competência ele ocorre. Em outras ocasiões, uma peça de equipamento,
projetada e construída para fins de pesquisa normal, não funciona segundo a
maneira antecipada, revelando uma anomalia que não pode ser ajustada às
expectativas profissionais, não obstante esforços repetidos. Desta e de outras
maneiras, a ciência normal desorienta-se seguidamente. E quanto isto ocorre -
isto é, quando os membros da profissão não podem mais esquivar-se das
anomalias que subvertem a tradição existente da prática científica - então
começam as investigações extraordinárias." (SSR, 24)
 Se o avanço de uma dada ciência normal gera muitos casos anômalos,
inexplicáveis no interior do paradigma adotado, gera-se uma situação de crise.
o "Confrontados com anomalias e crises, os cientistas tomam uma atitude
diferente com relação aos paradigmas existentes. Com isso, a natureza de
suas pesquisas transforma-se de forma correspondente. A proliferação de
articulações concorrentes, a disposição de tentar qualquer coisa, a
expressão de descontentamento explícito, o recurso à filosofia e ao debate
sobre os fundamentos, são sintomas de uma transição da pesquisa normal
para a extraordinária." (SSR, 123)
 "Mas os problemas extraordinários não surgem gratuitamente. Emergem apenas
em ocasiões especiais, geradas pelo avanço da ciência normal. (...) São os pontos
de apoio em torno dos quais giram as revoluções científicas." (SSR, 56)
o "Os exemplos mais óbvios de revoluções científicas são aqueles episódios
famosos do desenvolvimento científico (...) associado aos nomes de
Copérnico, Newton, Lavoisier e Einstein. (...) Cada um deles forçou a
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comunidade científica a rejeitar a teoria científica anteriormente aceita em
favor de uma outra incompatível com aquela. Como consequência, cada
um desses episódios produziu uma alteração nos problemas à disposição
do escrutínio científico e nos padrões pelos quais a profissão determinava o
que deveria ser considerado como um problema ou como uma solução de
problema legítimo". (SSR, 25)
 "(...) consideramos revoluções científicas aqueles episódios de desenvolvimento
não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente
substituído por um novo, incompatível com o anterior." (SSR, 125)
o O caráter incompatível dos paradigmas em disputa (o antigo e o novo)
implica que uma escolha entre eles "(...) não pode ser determinada
simplesmente pelos procedimentos de avaliação característicos da ciência
normal, pois esses dependem parcialmente de um paradigma determinado
e esse paradigma, por sua vez, está em questão." (SSR, 127)
o Apesar de ser um argumento circular, "colocar um paradigma como
premissa numa discussão destinada a defendê-lo pode, não obstante,
fornecer uma mostra de como será a prática científica para todos aqueles
que adotarem a nova concepção. Essa mostra pode ser imensamente
persuasiva. (...) Contudo, seja qual for a sua força, o status do argumento
circular equivale tão somente ao da persuasão." (SSR, 128)
o A natureza da disputa entre paradigmas não permite uma solução
estritamente lógica. "Na escolha de um paradigma - como nas revoluções
políticas - não existe critério superior ao consentimento da comunidade
relevante." (SSR, 128)
o "Existe ainda outras razões para o caráter incompleto do contato lógico que
sistematicamente caracteriza o debate entre paradigmas (...). Visto que
nenhum paradigma consegue resolver todos os problemas que define e
posto que não existem dois paradigmas que deixem sem solução
exatamente os mesmos problemas, os debates entre paradigmas sempre
envolvem a seguinte questão: quais são os problemas que são mais
significativos ter resolvido? Tal como a questão dos padrões em
competição, essa questão de valores somente pode ser respondida em
termos de critérios totalmente exteriores à ciência (...)" (SSR, 145)
 Num certo sentido, ao se mudar um paradigma, muda-se com ele o próprio
mundo. "(...) em períodos de revolução, quando a tradição científica normal
muda, a percepção que o cientista tem de seu meio ambiente deve ser reeducada
- deve aprender a ver uma nova forma (gestalt) em algumas situações com as
quais já está familiarizado. Depois de fazê-lo, o mundo de suas pesquisas
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parecerá, aqui e ali, incomensurável com o que habitava anteriormente." (SSR,
148)
o Antes de começarmos a descrever o mundo, precisamos ter à disposição
uma taxonomia lexical qualquer. O compartilhamento de boa parte dessa
taxonomia é necessário para uma compreensão mútua não-problemática.
O que Kuhn chama de incomensurabilidade refere-se à impossibilidade de
traduzir uma taxonomia lexical para outra. Essa impossibilidade impede a
compreensão mútua entre membros de duas comunidades.
o Ainda que seja possível que um mesmo indivíduo compreenda duas
taxonomias distintas, temos aí um caso de bilinguismo. O indivíduo
bilíngue precisa sempre saber em que língua ele fala, pois cada léxico
constitui um sistema relativamente fechado.
 Exemplo 1: "(...) o conteúdo do enunciado copernicano 'os planetas
giram em torno do Sol' não pode ser expresso por um enunciado
que invoque a taxonomia celestial do enunciado ptolemaico 'os
planetas giram em torno da Terra'. A diferença entre ambos não é
uma simples diferença a respeito dos fatos. O termo 'planeta'
ocorre em ambos como um termo para espécie, e os conjuntos de
membros das duas espécies se superpõem sem que nenhuma
contenha todos os corpos celestes contidos na outra." (120) O
tradutor, nesse caso, encontra-se numa posição análoga ao do
etnólogo diante de outra cultura.
 Há uma noção de progresso relacionada à marcha da ciência normal. É claro que
se tivermos amplo acordo quanto a um paradigma determinado, teremos o tipo de
avanço típico da solução de quebra-cabeças. Mas ver isso como progresso efetivo
pressupõe um alinhamento com os pressupostos do paradigma dominante.
 Mas a ciência avança quando muda de paradigma?
o "Aparentemente o progresso acompanha, na totalidade dos casos, as
revoluções científicas." (SSR, 210)
 Ora, é claro. As revoluções terminam com a vitória de um dos lados,
e o vencedor contará a história depois. Não surpreendentemente, o
cientista vê a história de sua disciplina como um avanço, em linha
reta, em direção à perspectiva atual da disciplina.
 As mudanças de paradigmas são então arbitrárias?
o As revoluções na ciência não são golpes de estado, onde uma autoridade
ilegítima qualquer muda o estado de coisas. A própria existência da ciência
depende da autoridade dada a um tipo especial de comunidade: a
comunidade científica. Um paradigma científico não muda por decreto, ou
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por vontade do rei. O empreendimento científico, para se desenvolver,
depende da autonomia e do (relativo) isolamento dessa comunidade.
o "Uma das leis mais fortes, ainda que não escrita, da vida científica é a
proibição de apelar a chefes de Estado ou ao povo em geral quando está
em jogo um assunto relativo à ciência." (SSR, 212)
o "Cada uma das civilizações a respeito das quais temos informações
possuía uma tecnologia, uma arte, uma religião, um sistema político, leis e
assim por diante. Em muitos casos, essas facetas da civilização eram tão
desenvolvidas como as nossas. Mas apenas as civilizações que descendem
da Grécia helênica possuíram algo mais do que uma ciência rudimentar. A
massa dos conhecimentos científicos existentes é um produto europeu
gerado nos últimos quatro séculos. Nenhuma outra civilização ou época
manteve essas comunidades muito especiais das quais provêm a
produtividade científica." (SSR, 212)
 A comunidade científica age de forma a controlar a mudança de paradigmas. Num
certo sentido, a comunidade representa uma força conservadora, que evita que
mudanças desnecessárias ou indesejadas aconteçam. Poucos cientistas são
persuadidos a abandonar o paradigma em que foram educados, a não ser que a
crise se mostre realmente séria, e a nova proposta, além de resolver os problemas
extraordinários, também preserve substancialmente as conquistas acumuladas
pelos paradigmas anteriores. "A novidade em si mesma não é um desiderato das
ciências, tal como em outras áreas da criatividade humana." (SSR, 214)
o "Se existe possibilidade de fornecer tal garantia [de que avançamos na
ciência], ela será proporcionada pela natureza da comunidade. Poderia
haver melhor critério do que a decisão de um grupo científico?" (SSR, 214)

Leituras recomendadas:
CHALMERS, A. F. O que é a ciência, afinal? Trad. R. Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993. (texto)
CROMER, A. Senso incomum. São Paulo: Ed. Faculdade da Cidade, 1997. (prefácio e cap.1)
FEYERABEND, P. Contra o método. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1977. (texto)
FEYERABEND, P. Diálogos sobre o conhecimento. São Paulo: Perspectiva, 2001. (texto)
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. (texto)
KUHN, T. The Essential Tension: Selected Studies in the Scientific Tradition and Change. Chicago: The
University of Chicago Press, 1977. (texto)
KUHN, T. O caminho desde A estrutura. Trad. C. Mortari. São Paulo: Unesp, 2003. (cap.1)

AULA 17: Revisão

AULA 18: Prova Final


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