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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CURSO DE MESTRADO

ALEXANDRA VALÉRIA VICENTE DA SILVA

A POLÍCIA MILITAR E A SOCIEDADE, NA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS


POLICIAIS MILITARES DO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro
Junho de 2006
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CURSO DE MESTRADO

ALEXANDRA VALÉRIA VICENTE DA SILVA

A POLÍCIA MILITAR E A SOCIEDADE, NA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS


POLICIAIS MILITARES DO RIO DE JANEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia Social da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Orientador: Prof. Doutor Celso Pereira de Sá

Rio de Janeiro
Junho, 2006
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CURSO DE MESTRADO

A Dissertação “A POLÍCIA MILITAR E A SOCIEDADE, NA REPRESENTAÇÃO


SOCIAL DOS POLICIAIS DO RIO DE JANEIRO ”

elaborada por ALEXANDRA VALÉRIA VICENTE DA SILVA


foi aprovada pelos membros da banca examinadora:

_____________________________________________
Professor Doutor CELSO PEREIRA DE SÁ (Orientador)

____________________________________________________
Professor Doutor RICARDO VIEIRALVES DE CASTRO

_____________________________________________________
Professora Doutora JACQUELINE DE OLIVEIRA MUNIZ
Aos meus dois grandes amores, Derly e Manoel...
AGRADECIMENTOS

Esse trabalho não poderia ter sido concluído sem ajuda, a boa vontade e a paciência de
muitas pessoas. Receio no momento esquecer algum nome, já que a “cabeça” não está muito boa.
A ordem em que os nomes vão surgindo não tem nenhuma importância, é que todos não cabem
em uma mesma linha. Assim sendo...

Deus Nosso, sem a sua sustentação e força que se fizeram presentes através de tantos
amigos, eu não teria conseguido. Obrigada por todas as pessoas que o senhor colocou em meu
caminho, independente da contribuição que trouxeram, me ajudaram a crescer.

Aos policiais militares que aceitaram fazer parte desta pesquisa, pela oportunidade de me
fazer útil com o meu trabalho. E a todos aqueles outros que aceitaram compartilhar comigo suas
angústias.

Professor Celso, a sua paciência e firmeza sempre me encorajaram a prosseguir. Penso


que para o senhor, aceitar ter como orientanda alguém que, infelizmente por muitos motivos,
nunca trabalhou com pesquisa, nunca publicou ou apresentou nada e, muito mal conhecia a teoria
das representações sociais, é um ato de extrema generosidade, que só os verdadeiros “mestres” se
predispõem a realizar...

Ana Jacó, você indicou a porta, eu abri e entrei... Muito obrigada...

Lou, cada vez mais me ajudando a crescer...

Professora Denize Cristina, sempre mostrando caminhos.

Professor Ricardo Vieiralves, confesso que no início achava o senhor muito sério e “meio
inacessível”; tinha dificuldades em elaborar questões durante a sua aula... Mas depois de alguns
“largos” sorrisos seus, soube que era mais uma pessoa com quem poderia contar.

Professor Luiz Eduardo Soares, sempre disponível e acessível. Obrigada pelas dicas e
textos.

Professora Jacqueline Muniz, desde o início mostrou-se interessada e pronta para ajudar.
Facilitou o acesso a sua tese de doutoramento, o que foi de extrema importância para esta
pesquisa.

Vocês me ofertaram paciência, conforto, encorajamento e “dicas”... Carlinha, Patrícia,


Ana Rafaela e Renata, a generosidade de vocês foi o que me cativou.

Cássia Cristina, Maria Luíza e Sabrina: seguraram uma barra comigo! Wanderley,
Thereza, André, Marília, João Carlos, Alexandre e “Tia” Celina, sempre me empurrando para
frente. Helena, Márcia e Linda, mesmo distantes, amigas sempre! Eduardo (Dudu), coração
gigante...
Tia Efigênia e Tia Sônia: fortaleza e conforto.

Dr. Paulo José e Dra. Frida: esperança e equilíbrio.

À Direção e aos amigos da Escola Municipal Presidente Gronchi, pelo apoio e paciência
(Beth, você também faz parte deste grupo).

Coronel Márcio, obrigado pelo incentivo.

Coronel Rabello, obrigado pelo apoio, disponibilidade e interesse em ajudar.

Antônio Carlos Carballo Blanco, sempre disponível e me permitindo muitos contatos.


Desculpe se muito o incomodei.

Sargento Monteiro do CRSP, você sabe o porquê.

Às pedagogas Magda (CFAP) e Rosemery (BOPE), obrigada pela atenção e auxílio.

Carmem Luíza, bibliotecária da Academia de Polícia Militar D. João VI, milhões de


“obrigadas”.

Neilice e Maristela, sempre disponíveis para ouvirem as minhas ansiedades...

Soldado Michael, Sargento Rosemery e Sargento Nunes do CFRPM: Vocês fazem parte
disso!

Aos amigos da Casa de Antônio de Aquino: Esperança no porvir...


SUMÁRIO

Resumo

Abstract

Lista de Figuras

Lista de Tabelas

Folha de assinaturas

INTRODUÇÃO

1- A Instituição Policial _______________________________________________________ 22

1.1 – A Instituição Policial Militar ____________________________________________ 25

1.1.1 – Os Primórdios da Instituição Policial Militar ____________________________25


1.1.2 – Normas e Diretrizes Constitucionais __________________________________ 31
1.1.3 – O Funcionamento da Organização Policial Militar _______________________ 33

2- O Policial Militar e a Sociedade do Rio de Janeiro _______________________________ 39

2.1 – O Trabalho do Policial Militar: Implicações ________________________________ 39


2.2 – O Uso da Força X a Violência no Trabalho Policial Militar ____________________ 41
2.3 – Aspectos da Relação entre Comunidade e Polícia Militar ______________________ 43

3- Representações Sociais _____________________________________________________ 45

3.1 – A teoria das representações sociais _______________________________________ 47

3.1.1 – Formação das Representações Sociais ________________________________ 49


3.1.2 – A Representação Social e suas Funções _______________________________ 51
3.1.3 – Representações Sociais e Práticas Sociais _____________________________ 52

3.2 – A teoria do núcleo central da representação social ___________________________ 54

4- Representações Sociais da Polícia Militar, Pelos Próprios Policiais: Um Estudo Empírico _ 57

4.1 – Objetivos ____________________________________________________________ 57

4.2 – Método _____________________________________________________________ 58


4.2.1 – Sujeitos ________________________________________________________ 58
4.2.2 – Coleta de Dados__________________________________________________ 60
4.2.3 – Campo de Coleta de Dados _________________________________________ 61
4.2.4 – Análise de Dados_________________________________________________ 61

4.3 – Resultados e Discussão ________________________________________________ 61

4.3.1 – Características Sócio-Demográficas do Conjunto de Sujeitos ______________ 62


4.3.2 – Configurações Estruturais das Representações Sociais ____________________ 66
4.3.3 – Representações de Relações Específicas entre a Polícia Militar e a Sociedade __78

5 – Considerações Finais ______________________________________________________ 133

Referências Bibliográficas _____________________________________________________ 138

Anexo A ___________________________________________________________________ 141

Apêndice A ________________________________________________________________ 142

Apêndice B ________________________________________________________________ 144

Apêndice C ________________________________________________________________ 151

Apêndice D ________________________________________________________________ 152


Resumo

Este estudo descreve, discute e compara as representações sociais construídas por


policiais militares, da ativa, do Estado do Rio de Janeiro, com diferentes tempos de serviço na
corporação, a respeito da Policial Militar em sua relação com a sociedade. Adicionalmente, essas
representações são tratadas em termos de local de trabalho (capital / Baixada Fluminense ou
interior) e nível de escolaridade (nível médio ou superior de instrução)
Abstract

This study describes, discusses and compares the social representation built up by cops
from Rio de Janeiro, with different periods of time on duty, of the Military Police and its relations
with society. Added to this, these representations are approached in terms of place of work (
capital / Baixada Fluminense / countryside) and Level of education ( Secondary school and
University Degree) of the individuals, without any concern about time on duty. All of the
individuals are graded as private, and they form three segments: (1) Recruits; (2) Corporals; (3)
Auxiliary Officers Effective (AOE) – Data was collected by means of a questionnaire constituted
of: seven multiple choice questions, twenty questions of open answer and a task evoking the issue
“Military Police”. The outcomes show the existence of structural differences among social
representations formed by the three groups of individuals, pointing out the group of corporals,
with a representation whose contents diverge considerably from the other two groups, the recruits
group and the AOE group. As a conclusion, it is assumed that features such as period of time on
duty, level of personal satisfaction, institutional acknowledge, evidenced by the appreciation of
the professional by all means, as well as the support that is understood to come from society,
influence the representations built up by the cops and will also affect their professional acts.

Keywords: social representation, Military Police, public security.


Lista de Figuras

Figura 1: Estrutura Administrativa da PMERJ _____________________________________ 35

Figura 2: Quadro Hierárquico da PMERJ_________________________________________ 36

Figura 3: Análise das evocações do conjunto de policiais militares (sujeitos)______________ 67

Figura 4: Análise das evocações do grupo de Recrutas _______________________________ 72

Figura 5: Análise das evocações do grupo de Cabos _________________________________ 73


Lista de Tabelas

Tabela 1: Distribuição da localização das unidades operacionais de origem em função das


categorias funcionais de policiais militares _________________________________________ 62

Tabela 2: Distribuição do nível de escolaridade dos policiais militares ___________________ 63

Tabela 3: Distribuição dos cursos de nível superior, concluídos pelos policiais militares _____ 64

Tabela 4: Distribuição da existência ou não de desemprego anterior a entrada do policial na


corporação __________________________________________________________________ 65

Tabela 5: Distribuição da última ocupação profissional do policial militar, anterior a sua entrada
na corporação _______________________________________________________________ 65

Tabela 6: Distribuição das expectativas da população, segundo o policial militar, a respeito do


seu trabalho ________________________________________________________________ 80

Tabela 7: Distribuição da opinião dos policiais militares a respeito da satisfação da população


quanto ao nível de atendimento oferecido pela Polícia Militar _________________________ 81

Tabela 8: Distribuição das próprias práticas profissionais entendidas como insatisfatórias pelos
policiais ___________________________________________________________________ 82

Tabela 9: Distribuição das próprias práticas profissionais entendidas como satisfatórias pelos
policiais ___________________________________________________________________ 85

Tabela 10: Distribuição da opinião dos policiais militares a respeito do quantitativo de auxílio
oferecido pela população ao trabalho policial ______________________________________ 86

Tabela 11: Distribuição das expectativas dos policiais quanto aos tipos de auxílio que podem ser
oferecidos pela população ao seu serviço _________________________________________ 87
Tabela 12: Distribuição dos comportamentos que, realizados pela população, não expressa
colaboração com o trabalho policial, segundo os próprios policiais militares ______________ 89

Tabela 13: Distribuição das opiniões dos policiais militares a respeito da pesquisa que afirma,
serem os moradores de uma Favela Carioca, mais bem tratado por traficantes do que por policiais
___________________________________________________________________________ 91

Tabela 14: Distribuição das opiniões dos policiais militares sobre críticas da imprensa que,
apontam para modos indistintos de atuação profissional, por parte do policial _____________ 93

Tabela 15: Distribuição de comentários emitidos pelos policiais, sobre a falsidade da afirmação
da imprensa de que eles atuariam de maneira indistinta em situações de conflito e situações
preventivas _________________________________________________________________ 93

Tabela 16: Distribuição dos comentários emitidos pelos policiais, a respeito do fato de
concordarem razoavelmente com a afirmação da imprensa de que atuariam de maneira indistinta
em situações de conflito e situações preventivas ____________________________________ 94

Tabela 17: Distribuição da opinião dos policiais militares a respeito das denúncias de más
atuações profissionais _________________________________________________________ 95

Tabela 18: Distribuição das justificativas oferecidas pelos policiais, para o fato de que as
denúncias de más atuações policiais pela imprensa dificultam a prestação de serviços pela Polícia
Militar _____________________________________________________________________ 96

Tabela 19: Distribuição das justificativa oferecidas pelos policiais, para o fato de que as
denúncias de más atuações policiais pela imprensa contribuem para a melhoria da atuação da
Polícia Militar _______________________________________________________________ 97

Tabela 20: Distribuição das justificativas oferecidas pelos policiais, para o fato de que as
denúncias de más atuações policiais pela imprensa é um serviço que ela presta a população
___________________________________________________________________________ 98

Tabela 21: Distribuição das circunstâncias em que, mesmo sem risco de vida, os policiais
militares acreditam poderem usar sua arma de fogo __________________________________ 99
Tabela 22: Distribuição da existência ou não de circunstâncias em que é possível utilizar outros
modos de atuação, além da força e da arma de fogo _________________________________ 101

Tabela 23: Distribuição das circunstâncias em que o policial militar pode ter atuações que
diferem do uso da força e da arma de fogo ________________________________________ 102

Tabela 24: Distribuição de atuações possíveis, na prática policial, que diferem do uso de armas
de fogo e da força ___________________________________________________________ 103

Tabela 25: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito da existência, ou não, de
uma predisposição para o uso da força e de armas de fogo junto a determinado segmento da
população _________________________________________________________________ 104

Tabela 26: Distribuição da opinião do policial militar, a respeito dos segmentos da população
sujeitos a intervenções mediante o uso da força e de armas de fogo ____________________ 105

Tabela 27: Distribuição das justificativas para as críticas que afirmam que, pobres, negros e
mulatos são mais abordados por policiais militares do que brancos e pessoas que demonstrem
possuir maior poder aquisitivo _________________________________________________ 106

Tabela 28: Distribuição das justificativas dos policiais, quanto ao uso de arma de fogo fora do
horário de serviço ___________________________________________________________ 107

Tabela 29: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito da Campanha Nacional
sobre o Desarmamento _______________________________________________________ 108

Tabela 30: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito de policiais que achacam
__________________________________________________________________________ 109

Tabela 31: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito da existência de diferenças
entre achacar e aceitar dinheiro ________________________________________________ 110

Tabela 32: Distribuição das justificativas dos policiais militares que concordam com a existência
de diferenças entre achacar e aceitar dinheiro _____________________________________ 111
Tabela 33: Distribuição das sugestões oferecidas pelos policiais militares, para a melhoria dos
serviços prestados a população ________________________________________________ 113

Tabela 34: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito de considerarem suficientes
e adequadas a preparação recebida para a atuação da sua prática profissional ____________ 114

Tabela 35: Distribuição das alterações que, segundo os policiais militares, são necessárias na
preparação do policial militar _________________________________________________ 116

Tabela 36: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito da possibilidade de poderem
atuar como agentes educadores em algumas situações de trabalho ____________________ 118

Tabela 37: Distribuição do nível de concordância a respeito do fato de que, o modo como se
realiza uma intervenção policial poderá interferir na predisposição do meio social em colaborar
com o trabalho do policial ___________________________________________________ 119

Tabela 38: Distribuição das justificativas dos policiais militares que concordam com o fato de
que sua atuação profissional pode interferir na predisposição do meio social colaborar, ou não,
com o trabalho policial _____________________________________________________ 120

Tabela 39: Distribuição das justificativas dos policiais militares que não concordam com o fato
de que sua atuação profissional pode interferir na predisposição do meio social colaborar, ou não,
com o trabalho policial _____________________________________________________ 122

Tabela 40: Distribuição das justificativas para a escolha da profissão de policial milita __ 123

Tabela 41: Distribuição das recompensas percebidas na profissão de policial militar, segundo os
policiais _________________________________________________________________ 125

Tabela 42: Distribuição da existência, ou não, do desejo de mudar de profissão pelo policial
militar __________________________________________________________________ 126

Tabela 43: Distribuição dos possíveis motivos para o abandono da profissão de policial
militar___________________________________________________________________ 127

Tabela 44: Distribuição dos motivos para não abandonar a profissão de policial militar __ 127
Tabela 45: Distribuição da concordância, ou não, por parte do policial militar, a respeito da
interferência do trabalho nas suas relações sócio-familiares _________________________ 128

Tabela 46: Distribuição dos modos possíveis, do trabalho do policial interferir em sua vida
sócio-afetiva ______________________________________________________________ 129

Tabela 47: Distribuição dos sentimentos vivenciados a respeito da profissão de policial


militar___________________________________________________________________ 130

Tabela 48: Distribuição de “outros” sentimentos vivenciados pelos policiais, a respeito de sua
profissão ________________________________________________________________ 131
INTRODUÇÃO

O ingresso na Polícia Militar foi, para a autora da presente dissertação, por si só


“chocante”, visto que ao preencher o formulário de inscrição para o mesmo, só “sabia” que se
tratava de um concurso para trabalhar como psicólogo naquela corporação, tendo sua falta de
atenção impedido que ela percebesse as implicações decorrentes de uma eventual
classificação. E quando a aprovação chegou, ela se viu de repente inserida em um novo, e por
isso diferente contexto profissional. “Descobrir” de uma hora para outra que havia se tornado
“tira” psicóloga – pois uma das primeiras coisas que lhe avisaram na academia era que,
“antes” de ser psicóloga, era uma policial! – foi “assustador”. Afinal, a maioria das pessoas
que conhecia falavam mal da polícia e diziam que os “bandidos” queriam matar os policiais.
Logo imaginou que as coisas não iriam dar certo! Mas, como quem está na vida é para viver,
escolheu abrir a porta e perguntar em que poderia ser útil. Deste modo, este trabalho começou
a ser “pensado” no dia em que a pesquisadora foi, juntamente com outros psicólogos,
implantar o que seria uma proposta de trabalho na área de psicologia dentro da Polícia Militar,
mais especificamente no 8º BPM (Campos dos Goytacazes). Digo “o que seria”, pois, até
então (hoje já caminhamos um pouco mais) não se sabia ao certo o que “eles” (os policiais e a
instituição) esperavam de nós, nem o que poderíamos oferecer a eles; e o pior, não
imaginávamos do que eles “precisavam” de um modo geral, e porque precisavam.

A proximidade com os policiais fez a pesquisadora perceber algo óbvio, mas que até
então nunca tinha imaginado: eles eram de carne e osso! Tinham famílias! Ficavam doentes!
Tinham medo! Não queriam morrer! Tinham problemas! E não se poderia generalizar todos
eles como “bandidos com carteira”. Tinha-se, então, muito trabalho pela frente.

Pensar a respeito da segurança pública, em termos acadêmicos apresenta-se como um


desafio, não só por ser uma área que somente aos poucos vem deixando de ser exclusividade
de policiais, juizes, advogados e militares, passando a se situar, assim, em um contexto social
em que se faz necessário um olhar mais abrangente, advindo de várias perspectivas
acadêmicas, mas também porque leva necessariamente a buscar entender as entrelinhas dos
projetos políticos existentes para todas as áreas da sociedade e, conseqüentemente, a tomadas
de decisão a respeito de qual percurso seguir. São estas tomadas de decisão que devem
implicar necessariamente em compromissos sociais e políticos com a população de um modo
geral. Não há como jogar para “baixo do tapete” segmentos da sociedade que convivem com
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o crime, com o tráfico e a violência, simplesmente porque tal proximidade não é sinônimo de
“igualdade”, ou seja, não se “tem que ser” – e não se é!– criminoso porque se mora no morro
e se é pobre. Não se pode generalizar a “bandidagem”, que tanto pode estar no morro como no
asfalto.

Como o Estado pode intervir com estratégias de prevenção e recuperação de alguns


sujeitos que adentram este percurso por falta de “família” – não digo uma casa com paredes e
teto, e pessoas denominadas pai e mãe, mas de um lar – onde haja afeto, respeito e cuidado,
independente de serem os “pais” biológicos ou não, é uma questão que implica, não só, as
diversas “secretarias” governamentais, em todos os níveis do Estado, mas também uma
contrapartida da sociedade que, não precisa ser efetivada necessariamente através de grandes
eventos e mobilizações. Pode-se começar a agir e refletir através de situações menores do dia-
a-dia. Alguns destes sujeitos (a maioria jovens e crianças), captados pelo tráfico, permitem
que tal situação ocorra, muito mais como decorrência de uma certa “invisibilidade social”
(Soares, 2000) do que necessariamente pela fome e miséria que vivenciam. Esta
“invisibilidade” ocorre, muitas vezes, não somente por lhes ser negado, mas principalmente
por ser exigido (e este aspecto, pode-se dirigir a sociedade – principalmente aos mais jovens –
como um todo) que acompanhem o que “dizem”, ser necessário que “tenham”, de modo que
este “ter” lhes conceda o direito de “ser”. Quando este imbróglio fica pronto, as alternativas
parecem ser poucas, e portar um fuzil parece “ser” uma alternativa que leva esse sujeito a “ser
alguém” na vida. São estes casos, em que governo e sociedade devem se unir, criando,
propondo e efetivando estratégias de resgate e valorização da cidadania destes sujeitos. Mas
há também aqueles outros casos que, apesar das possibilidades de reflexão a respeito do “ter”
e “ser”, os sujeitos optam por uma vida “mais emocionante”. Tanto no primeiro caso como no
segundo é importante que as leis se façam cumprir, que não haja “jeitinhos”, pois é justamente
a certeza da impunidade, sustentada principalmente pela corrupção, que alimenta esse
“dragão” chamado violência, que entra em todas os lares, em meio a muitas famílias, levando
destruição, remorso, culpa e desespero.

Pensando desta maneira, a pesquisadora, como uma profissional da área de Segurança


Pública e ocupando o cargo de 1o Ten PM Psicóloga, traz para o foco de estudo a organização
policial militar na sua interação com o meio social, tendo o policial militar como observador
destas relações, e entendendo esta instituição militar como uma das bases que compõem a
Segurança Pública.
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O Projeto de Segurança Pública (PSP) do atual governo brasileiro, originário do


Partido dos Trabalhadores (PT), aponta uma total desestabilização das polícias, que são tidas
como “arbitrárias, violentas e corruptas” (p. 04), sendo isso o reflexo de políticas
comprometidas apenas com as elites. Entretanto, esse mesmo projeto reconhece que o número
de policiais corruptos refere-se a “segmentos minoritários, mas significativos da polícia” (p.
08). Esses policiais corruptos agem preferencialmente entre as populações carentes, sendo
estas, então, submetidas tanto ao jugo de traficantes como ao de “policiais-bandidos”. O
mesmo PSP afirma que “a cumplicidade de setores das polícias com o crime degrada sua
imagem e agride a honra da maioria dos trabalhadores policiais, que arriscam a vida para
cumprir seu dever, em troca da ingratidão do Estado, da desvalorização profissional e de
salários aviltantes” (p.8).

A reforma das polícias é vista pelo PSP como o ponto de partida para a mudança de
paradigmas em segurança pública. A polícia deixaria de ser “treinada para guerra, organizada
como instrumento de defesa do Estado (...)”, para ser uma “polícia eficiente, que respeita a
cidadania, agente do processo de construção da paz” (p. 09). Entretanto, ainda segundo o PSP,
tudo isso só será possível se realmente houver, dentro da polícia, uma reformulação em seus
valores fundamentais e da sua identidade, ou seja, é necessário que ocorram transformações
no “princípio fundador das corporações” (p. 21). O mesmo plano sugere que

se o servidor da segurança pública não estiver preparado


psicologicamente, eticamente e tecnicamente para utilizar armas ou
outros recursos de força, não se pode falar de uma polícia legítima,
com possibilidades de ser respeitada pela população (p.21).

O país se encontra em um momento histórico-social em que questões referentes à


segurança pública estão sendo debatidas, tendo como principal alvo as instituições
responsáveis pela manutenção da ordem pública. Nas últimas décadas houve um grande
aumento da criminalidade; segundo Peralva (2000), “o retorno à democracia efetuou-se pari
passu com uma intensificação sem precedentes da criminalidade” (p. 73). Ainda para a
mesma autora (ibid.), este fato seria uma conseqüência da “ausência de mecanismos de
regulação apropriados a um novo tipo de sociedade emergente” (p. 85). Deste modo, dirigir o
olhar para a figura do policial militar, um sujeito “uniformizado” e, muitas vezes,
“estigmatizado”, apresenta-se, neste momento histórico, como uma possibilidade para que se
entenda como ele, ao se encontrar plenamente implicado na relação entre a instituição policial
20

militar e a sociedade, constrói, a este respeito, suas representações sociais e desenvolve suas
práticas.

A proposta deste estudo é, não só ensejar a reflexão e compreensão a respeito do modo


como os policiais militares identificam as relações entre a sociedade e a instituição policial
militar, como também possibilitar pensar estratégias e recursos que auxiliem o sujeito policial
militar, não somente enquanto profissional da área de segurança pública, mas também
enquanto “sujeito social”, que se encontra inserido em um determinado contexto social e
pertencente a um grupo familiar, a exercer com competência, profissionalismo e respeito suas
práticas profissionais. Nesse sentido, acredita-se que a representação social que ele constrói
acerca da organização policial militar no contato com o meio civil está intimamente ligada à
sua postura profissional e social/ familiar. Espera-se que a pesquisa dessa representação
possa, em última análise, fornecer subsídios relevantes a serem considerados no
encaminhamento de políticas de segurança pública que favoreçam o policial e a sociedade,
possibilitando que este primeiro alcance modos de atuação que resultem tanto em uma
melhoria de sua qualidade de vida, como em uma melhor relação profissional com a
sociedade. E que a sociedade sinta-se realmente protegida e confiante nos profissionais
preparados para esta função.

Os policiais militares não são “seres que caíram do espaço”, ou seja, não vieram de
“um nada”. Com isto, se deseja chamar atenção para o fato de que o policial militar é um
sujeito social, e que na maioria das vezes provém das camadas sociais menos favorecidas.
Trata-se de um sujeito histórico, socialmente situado e contextualizado, e que, quando
ingressa na corporação, já traz consigo toda uma gama de saberes (representações) a respeito
da corporação. Parece, ser relevante atentar para este último ponto, em virtude da
possibilidade da existência de um ciclo, pelo qual as práticas profissionais do policial militar
venham, a alimentar a construção de representações sociais nos grupos com os quais ele
interage, dos quais, posteriormente, advirão novos sujeitos para ingresso na organização
militar, e que provavelmente tenderão a repetir essas mesmas práticas sociais/ profissionais.

Os policiais participantes desta pesquisa ocupam a posição hierárquica de Praça. O


primeiro motivo para esta escolha é que eles são a maioria na corporação e, depois, são os que
mais próximos estão da população, executando as funções de policiamento ostensivo, visando
um trabalho preventivo. A pesquisa irá procurar identificar e comparar as representações
sociais construídas por três grupos distintos de policiais militares – diferenciados por tempo
de serviço dentro da instituição – a respeito das relações entre Polícia Militar e a sociedade do
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Estado do Rio de Janeiro. Em acréscimo, também serão levantadas as representações dos


sujeitos portadores de nível médio ou superior de instrução, e daqueles em serviço na capital
ou interior do Estado, independente do tempo em que estejam na corporação.

O primeiro capítulo do trabalho apresentará uma abordagem da instituição policial


como um todo, explicitando suas características e funções. Em seguida se tratará mais
especificamente da Polícia Militar, com seu histórico, normas, diretrizes e aspectos
administrativos/ organizacionais.

O segundo capítulo tratará das características do trabalho policial militar e de suas


implicações, tanto para a vida social/ familiar deste indivíduo, quanto para o seu trabalho, no
envolvimento com a sociedade.

A abordagem teórica que sustentará o trabalho e será exposta no terceiro capítulo é a


teoria das representações sociais proposta por Serge Moscovici (1978, 2001, 2002)
complementada pela teoria do núcleo central de autoria de Jean-Claude Abric (2000).

No quarto capítulo, que relata a pesquisa, serão apresentados o seu objetivo geral e os
objetivos específicos, bem como as análises dos dados levantados e as discussões desses
resultados à luz da teoria das representações sociais.

Finalizando, se buscará, a partir das análises e das discussões realizadas, construir uma
“fotografia” do atual momento que o policial militar vivencia a respeito de suas práticas na
relação com o meio social, sugerindo assim, caminhos que aproximem essas duas realidades
que se mostram distantes e distintas, mas que na verdade, são complementares.
1 - A INSTITUIÇÃO POLICIAL

Neste capítulo é proposto o estudo da instituição policial, partindo-se de uma


perspectiva geral em termos de Segurança Pública e focalizando mais especificamente a
Polícia Militar, com seu histórico, aspectos legais, organizacionais e o seu funcionamento. É
importante ressaltar que, ao se falar sobre o policial militar neste trabalho, sempre se terá
como principal sujeito o Praça da Polícia Militar, isto é, o Recruta, o Soldado, o Cabo, o
Sargento e o Sub-Tenente.

Como “polícia” deve-se entender um órgão da administração pública que limita direitos
e deveres individuais em benefício da coletividade. Manoel (2004) esclarece ainda, a este
respeito, que se trata de um

conjunto de instituições, fundadas pelo Estado, para que, segundo as prescrições


legais e regulamentares estabelecidas, exerçam vigilância para que se mantenha
a ordem pública, a moralidade, a saúde pública e se assegure o bem-estar
coletivo, garantindo-se a propriedade e outros direitos individuais. (p.33)

De um modo mais claro, Bayley (2002) afirma que a polícia pode ser entendida no
sentido de “se referir a pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações
interpessoais dentro deste grupo através da força física” (p. 20).

No Brasil, o sistema de segurança pública é regido por uma dicotomia policial, ou


seja, existem dois órgãos policiais realizando funções distintas e, ao mesmo tempo,
complementares. De um lado tem-se uma polícia administrativa, ostensiva e militar, de outro,
uma polícia judiciária, cartorária, investigativa e repressiva. A primeira, a Polícia Militar,
subordinada aos princípios jurídicos de direito administrativo, provê um policiamento
ostensivo e preventivo. A segunda, a Polícia Civil, regida pelas normas do direito processual
penal, incumbe-se de investigar os crimes e sua autoria. Pode-se, então, entender que a Polícia
Militar deve atuar de modo preventivo, evitando o ato ilícito, enquanto a Polícia Civil será
responsável pela investigação após o ilícito, auxiliando o poder judiciário. Entretanto, a
divisão entre os dois momentos é algo tênue, tendo a existência, ou não, de um fato criminoso
como indicador para a sua separação. Manoel (2004) afirma que “o que qualifica a ação
policial em preventiva ou repressiva é a atividade de polícia desenvolvida em si mesma”
(p.35).
23

O termo “polícia ostensiva”, referente à Polícia Militar, é novo no texto constitucional


e expressa uma expansão do termo “policiamento ostensivo1”. Isto significa um aumento na
magnitude dos poderes da Polícia Militar pelo qual sua atuação passa a se estender à
totalidade das fases do poder de polícia. Para Manoel (2004) isto significa, na prática que,

em função do exercício do poder de polícia, o policial militar é autoridade


policial-militar tanto para o exercício da polícia administrativa, quando realiza a
prevenção, bem como de natureza judiciária, quando atua na eclosão do delito,
realizando a colheita de elementos indispensáveis à elucidação do crime. É o
que se chama de repressão imediata. (p.36)

Um policiamento ostensivo tem como principal objetivo evitar ocorrências criminosas.


Pode ser entendido como um conjunto de variados tipos de policiamento/ patrulhamento. De
uma forma mais clara, Manoel (2004) afirma que

policiamento ostensivo, de competência da Polícia Militar, são todos os meios e


formas de emprego da Polícia Militar, onde o policial é facilmente
identificado pela farda que ostenta, como principal aspecto e de equipamentos,
aprestos, armamento e meio de locomoção, para a preservação da ordem
pública, observando critérios técnicos, táticos, variáveis e princípios próprios da
atividade, visando a tranqüilidade e bem estar da população. (p.37)

Tendo sido mencionada a atuação da Polícia Militar em todas as fases do “poder de


polícia”, resta explicitar que poder é esse. Recorrendo novamente a Manoel (2004), ele
explica que esse poder se refere a uma das possibilidades do Estado “para o controle do uso e
do gozo dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas” (p.61). O Estado mostra-
se, assim, como o responsável legal pela imposição e manutenção de leis que limitam e
regulam as relações sociais. É importante notar que o poder de polícia é uma faculdade de que
dispõem vários segmentos da administração pública, e que permite que se possa atuar em
diversos campos da administração pública, como bens e serviços. Contudo, uma ação direta
sobre os sujeitos e seus direitos individuais só pode ser realizada por agentes policiais, em
acordo com o art. 144, incisos l a V, da Constituição Federal de 1988. O poder de polícia
permite que as relações de direito sejam alteradas de forma unilateral, mas sempre
subordinadas à legalidade do Poder Judiciário. Para uma melhor compreensão, destacam-se
abaixo as fases do poder de polícia.

- Ordem de polícia → quando o policial solicita ao sujeito que não realize determinado
ato prejudicial, ou que não se deixe de fazer algo que poderia evitar prejuízo público;
1
Anterior a Constituição de 1988, o termo “policiamento” referia-se a mero patrulhamento.
24

- Consentimento de polícia → refere-se, quando da concordância entre o interesse


público e particular, à liberação de licenças ou autorizações para a realização de diversas
atividades;

- Fiscalização de polícia → especificamente no caso da polícia, é o que se denomina


policiamento, isto é, a verificação quanto ao cumprimento das leis;

- Sanção de polícia → trata-se da intervenção legal do Estado para reprimir uma


infração.

Continuando, é imprescindível ainda apresentar os atributos do poder de polícia.

- Discricionariedade → permite certa liberdade no agir do agente policial, sempre


pautada no direito legal. Não deve ser confundida com arbitrariedade, que está relacionada a
um agir com abuso de poderes. Segundo Manoel (2004), “a discricionariedade permite ao
policial aferir males, controlar e fazer justiça inspirado nos ideais do bem comum e nos
limites da lei” (p.63).

- Auto-executoriedade → todas ações ostensivas da polícia, por exemplo, abordagens e


fiscalização de veículos, podem ocorrer sem autorização judicial. Contudo, os policiais
deverão responder judicialmente pelas distorções que cometam. A autoridade policial deverá
decidir e executar sua ação, sempre pautada em base legal.

- Coercibilidade → refere-se a uma imposição coercitiva quanto às medidas adotadas


pelos agentes policiais. Todos os atos que os policiais determinam que sejam realizados,
desde que baseados nas leis, não são facultativos aos sujeitos, isto é, devem ser cumpridos.
Tal característica mostra-se importante, uma vez que é o que permite e legaliza o uso da força
no trabalho policial, pois faz com que esta seja um atributo intrínseco a este. O Estado como
responsável legal pelo estabelecimento da ordem nos diversos níveis do meio social, bem
como pelo uso legal da força, estende ao agente policial a execução dessas atribuições. Porém,
a possibilidade do uso da força para a realização de uma função, não implica que ela possa ser
arbitrária, desnecessária e desproporcional. Pela relevância do tema, isto é, o uso da força pelo
policial, este será tratado separadamente mais à frente, na segunda parte deste trabalho.
25

1.1 – A Instituição Policial Militar

1.1.1 – Os Primórdios Da Instituição Policial Militar

Ao se propor um estudo que analise as relações entre a Polícia Militar e a sociedade,


não há como ignorar o surgimento e todo o percurso de institucionalização da polícia no
Brasil. Tais aspectos expressam a construção, de certo que não de forma linear, do modo de se
“pensar” e de se “fazer” a prática policial na atualidade. Muniz (1999), esclarece que

O surgimento e a disseminação das policias profissionais por todo o ocidente


refletiram, em boa medida, o processo mesmo de construção da perspectiva
liberal do estado de direito (Bittner,19752). As fortes pressões civis pela garantia
e ampliação dos direitos conquistados, e os esforços empreendidos pelos
Estados para monopolizar o uso ou ameaça do emprego da força na resolução
dos conflitos internos propiciaram o ambiente necessário para o debate sobre a
pertinência de uma instituição capaz de atender às exigências postas por esse
novo mundo(...). (p. 27)

Os atuais modelos de atuação policial de caráter ostensivo, ou seja, uniformizada e


atuando de maneira a prevenir e coibir abusos contra a liberdade alheia provêm de duas
vertentes surgidas na Europa Ocidental entre fins do século XVIII e início do século XIX
(Holloway, 1997), e que, segundo Muniz (1999), “resulta dos esforços de construção de uma
concepção de Estado que identificamos como moderna, orientada pela ambição iluminista de
produzir e sustentar a paz através de meios pacíficos e civilizados’” (p.26).

Os modelos europeus de polícia são oriundos mais especificamente da França e da


Inglaterra, e, apesar de inseridos em um mesmo continente, possuem proposições bem
diferentes. Enquanto a perspectiva francesa mostra-se totalitária (e autoritária), consistindo
em uma presença firme e atuante do Estado, o modelo inglês preocupa-se em assegurar os
direitos conquistados, receoso do possível surgimento de uma força policial arbitrária.

No Brasil, a cidade do Rio de Janeiro apresenta uma característica singular no


surgimento e desenvolvimento de sua polícia. Isto ocorre por ter sido esta sede do Império e,
posteriormente, da República. Estes fatos fazem com que essa polícia, inicialmente, seja
sujeitada a modelos provenientes dos colonizadores portugueses, isto é, com a chegada da
Família Real as formas de “policiamento” existentes sofrem mudanças, de forma a se
adequarem à nova realidade do país (Colônia). Holloway (1997) afirma que a população do

2
BITTNER, William J. “Reclaiming the Public Spaces of New York”. Police Strategy n° 5. New York. Police
departament of New York, 1994.
26

Rio de Janeiro, antes da chegada da Corte, era composta, em sua maioria, por homens
oriundos de outros locais “cujo status favorecia o ressentimento com a ordem social ou o
pouquíssimo interesse pela sua preservação” (p.40). Segundo o mesmo autor ao chegar ao
Brasil em 1808, D. João VI e sua comitiva encontraram “uma população hostil e perigosa e
com o espaço público da cidade ocupado por escravos africanos como nunca tinham visto em
sua pátria” (p.41).

Apesar da grande influência dos modelos europeus de policiamento existentes na


época, a polícia do Rio de Janeiro foi desenvolvida a partir de sucessivas tentativas, com
muitos erros e acertos, em busca de um modelo que se adequasse às características do povo
(do qual a “tropa” fazia parte). Isto continuou a ocorrer mesmo depois da Proclamação da
República. Tal característica impede que se possa dizer que as propostas para a polícia
brasileira tenham sido meras adaptações importadas.

Um olhar sobre a história da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ)


mostra que, desde sua origem, há uma preocupação com a manutenção da ordem pública e
defesa do Estado. Ou seja, uma idéia de segurança pública que se mistura a uma idéia de
segurança nacional. Isto faz com que, nos dias atuais, tenhamos uma polícia que se propõe
profissional no exercício de sua ação ostensiva e para preservação da ordem pública, mas que
continua subordinada, não apenas no que tange a normas, regulamentos e diretrizes do
Exército para a defesa da nação contra os inimigos (externos ou internos), mas,
principalmente, a toda uma construção histórica e representacional que está a delinear tanto a
sua identidade quanto as suas práticas profissionais.

Até a chegada da Família Real em 1808, a vigilância da Colônia e, mais


especificamente, da cidade do Rio de Janeiro, era realizada por quadrilheiros3, alcaides e
capitães-mores de estradas e assaltos (capitães do mato). Contudo, com a chegada de D. João
VI, esse sistema de segurança mostrou-se ineficiente para o novo papel que a Colônia
assumia. Deste modo, o próprio monarca cria, nos moldes de Lisboa, em 1808, a Intendência
Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil. Esta tinha como referência o modelo francês
de polícia, que havia sido introduzido em Portugal em 1760 (Holloway, 1997). Em seguida,
foi formalizado o cargo de Intendente Geral da Polícia, o que permitiu que as ações
anteriormente executadas por quadrilheiros, alcaides e capitães do mato, se concentrassem nas
mãos do Intendente. A responsabilidade pela Intendência Geral foi dada a Paulo Fernandes

3
Primeira tentativa de uma “organização policial” no Rio de Janeiro. Foi criado pelo Ouvidor Geral Luiz
Nogueira de Brito em 1626. Seu único objetivo era a repressão, para manter a ordem.
27

Viana, brasileiro de nascimento. Um aspecto interessante assinalado por Halloway refere-se


ao fato de que, além de ser responsável pela segurança na (da) cidade, a Intendência também
deveria “manter tudo em ordem” para a Corte, atuando em obras públicas, para garantir o
abastecimento da cidade. Um fato destacado por Lima e Filho (1939), ao se reportar ao
Intendente Paulo Viana, é que, este “procurava sempre distrair o povo, atenuando-lhe as
‘amarguras da vida, por meio de festivais populares promovidos pela Intendência da Polícia’”
(p. 185).

Em 13 de maio de 1809, é criada a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia do Rio


de Janeiro, que, conforme esclarece Holloway, foi a primeira “força policial de tempo
integral, organizada militarmente e com ampla autoridade para manter a ordem e perseguir
criminosos” (p.47). Com efetivo de 218 homens, inicialmente era constituída por três
companhias de infantaria e uma de cavalaria. Ela era subordinada à Intendência de Polícia, e
mais tarde seria considerada o ponto de partida da atual Polícia Militar do Estado do Rio de
Janeiro. Seu primeiro comandante foi o português José Maria Rebello Andrade Vasconcellos
e Souza, tendo como seu auxiliar o brasileiro Miguel Nunes Vidigal. A missão da Guarda
Real deveria ser, segundo Sanctos apud.Holloway (1997) “manter a tranqüilidade pública (...)
e muitas outras obrigações relativas à ordem civil” (p.48).

Os sujeitos integrantes da Guarda Real eram oriundos, de modo maciço, das classes
mais pobres e não escrava (as mesmas que eram mais atingidas pelos seus métodos
repressivos). Não havia impedimentos quanto à presença de negros, desde que livres. Estes
aspectos podem ser observados durante todo o desenvolvimento da Polícia, isto é, acesso
irrestrito para todos os que fossem “livres”, brancos ou negros, estrangeiros, desde que
residentes há algum tempo no país, mas todos provenientes das classes mais miseráveis e sem
instrução. Os conflitos com essa mesma parcela (de nível social e econômico mais baixo)
sempre foram constantes, pois estes consideravam os métodos de atuação da Guarda Real
muito violentos. Halloway (1997) relata a avaliação feita por um comerciante inglês residente
no Brasil àquela época, a respeito da Guarda Real, cujos integrantes, para ele, “logo se
tornaram corruptos, abusaram de sua autoridade e não só envolveram-se em práticas
incompatíveis com suas funções, mas também adotaram um sistema geral de violência e
extorsão” (p.64). Entretanto, para a elite que a havia idealizado (a Guarda Real), seu
funcionamento estava em perfeita ordem, já que eles conseguiam reprimir a desordem,
impondo a disciplina.
28

Retornando a Halloway (1997), ele explica que

Uma conclusão que se pode tirar dos registros de 1810-21 é que o intendente,
sua equipe e a Guarda Real que patrulhava as ruas em seu nome gastavam a
maior parte de seu tempo tentando manter na linha os escravos. A polícia
também prendia ladrões e apartava brigas, mas seu forte era capturar escravos
fugitivos, impedir que grupos de escravos e negros livres se reunissem nas ruas
ou agissem de maneira que a patrulha policial considerasse suspeita, desordeira
ou desrespeitosa, e apreender quaisquer instrumentos que pudessem ser usados
como armas por essa mesma categoria de pessoas. (p.54)

Em julho de 1831 a Guarda Real é extinta, sendo esta decisão conseqüência da sua
participação no motim ocorrido em 12 de julho, ao colaborar com o 26o Batalhão de Infantaria
do Exército, quando este último se rebelou contra a sua própria dissolução, determinada por
ordens emitidas em 04 de maio daquele mesmo ano. Um mês antes deste acontecido, havia
sido criada a Guarda Municipal, de caráter civil. A proposta era de que os guardas civis
substituíssem os soldados da Guarda Real nos distritos judiciais locais. Uma das principais
preocupações da Guarda Municipal referia-se à origem de seus membros, que deveriam
apresentar certos antecedentes que os validassem como devidamente qualificados. Não havia
uma discriminação formal quanto à raça, mas seus membros estavam inseridos em uma parte
da população com um melhor poder aquisitivo. Halloway (1997) acrescenta, quanto aos
sujeitos, que “eles não seriam remunerados por seus serviços, mas receberiam armas e
munições a expensas do governo e serviriam quando convocados pelos juizes de paz ou seus
delegados” (p.77). Continuando, o mesmo autor esclarece que “sua missão geral era ‘manter a
segurança pública e prender malfeitores’” (p.77).

Durante o motim de 1831, apesar do pouco tempo de sua existência, a Guarda


Municipal atuou, contudo, decepcionou. Mal organizados e sem armamentos não conseguiram
intervir na rebelião. Holloway (1997) explica que “buscando remediar a situação, em 17 de
julho, o Parlamento tentou reorganizar a Guarda Municipal, nomeando um comandante geral
e tirando o controle operacional das mãos dos juizes de paz nos diversos distritos” (p.80). Ela
deveria se responsabilizar pelo patrulhamento das ruas. Na mesma época, ainda como
tentativa de aliviar a situação conflituosa causada pela rebelião e pela pouca eficiência da
Guarda Municipal foi criado um grupo que reunia diversos oficiais. Seu objetivo era fazer
com que seus membros atuassem como soldados no patrulhamento da capital em conjunto
com a Guarda Municipal. Tratava-se de oficiais que estavam a renunciar a seus postos e
29

antiguidade para atuarem como soldados, e eram conhecidos como Oficiais de Confiança
(Batalhão dos Oficiais-Soldados, Voluntários da Pátria, Sagrado Batalhão e Guerreiros da
Pátria). Muitos desses oficiais eram remanescentes do 26º Batalhão de Infantaria do Exército,
que ficaram sem função com a extinção deste último. Seu contingente ultrapassou o montante
de 400 homens.

Em agosto de 1831 foi criada a Guarda Nacional, com caráter paramilitar. Seu
surgimento foi precipitado pelas dificuldades vivenciadas pela Guarda Municipal durante a
rebelião de 12 de julho. Ela deveria ser organizada militarmente, em toda a nação, ser bem
armada, e estava subordinada ao ministro civil da justiça, às autoridades políticas e judiciais e
aos juizes de paz. As condições de recrutamento deveriam ser semelhantes àquelas da Guarda
Municipal. Holloway (1997) esclarece que

O serviço da Guarda Nacional tornou-se, portanto, uma das obrigações do


cidadão, como era o voto. No Rio, a renda mínima requerida de 200$000
situava-se num nível suficientemente baixo da hierarquia econômica para poder
incluir a maioria dos artesãos, comerciantes e assalariados independentes, mas
excluía muitos membros das classes urbanas inferiores sem renda monetária
suficiente para o alistamento. (p.89)

Sabe-se que os sujeitos mais abastados e com mais contatos políticos conseguiam
facilmente modos de se evadir deste tipo de serviço. Na verdade, o objetivo de se ter esta
parcela da população no trabalho de guarda é que se entendia que eles, como proprietários,
deveriam auxiliar na defesa dos seus próprios bens. Como os guardas municipais, os membros
da Guarda Nacional também não eram remunerados.

Em 10 de outubro de 1831 foi criado o Corpo de Guardas Municipais Permanentes


(seus membros eram conhecidos como os “Permanentes”). Tratava-se de uma organização
militar que se pretendia que substituísse os guardas municipais civis. Entendia-se, na época, a
necessidade de uma força que atuasse em tempo integral, que fosse profissional e atuasse
organizada e disciplinada com os preceitos do militarismo. Na realidade, eles eram os
substitutos diretos da antiga Guarda Real, com algumas diferenças, como, por exemplo,
estavam subordinados ao Ministro Civil da Justiça, seus integrantes alistavam-se
voluntariamente, recebendo salários mais dignos e não podiam mais receber castigos
corporais, como na Guarda Real. Juntamente com essa nova reformulação foram propostas
medidas que pretendiam regular as atividades policiais. Segundo Holloway (1997), o padre
Diogo Antônio Feijó, Ministro da Justiça, “incluiu essas disposições nas instruções para
acabar com a política anterior de brutalidade desregrada e arbitrária” (p.94). Feijó entendia
30

que a Guarda Real teria atuado de modo impróprio, cometendo muitas arbitrariedades e
excessos, o que apenas aumentava os problemas que elas deveriam resolver. Porém,
acreditava também que não se deveria permitir uma postura mais “frouxa”, com relação aos
“policiais”, visto que, assim, certamente caminhariam para uma completa desorganização. Daí
a importância da criação de uma organização pautada em modelos militares de hierarquia e
disciplina.

O Corpo de Permanentes viu-se, desde o início, sobrecarregado em suas funções.


Além de ser o responsável direto por ações preventivas e repressivas, qualquer ocasião em
que se acreditava ser necessária uma força armada e militarmente organizada, seu contingente
era deslocado. Holloway (1997) fornece alguns exemplos dessas “atividades”: “Em janeiro de
1835, um juiz de paz (...) solicitou um destacamento de 30 soldados de polícia,
‘apropriadamente armados’, que deveriam reunir-se às 3h da madrugada para marchar sobre o
local do quilombo e desfechar o ataque ao amanhecer” (p.134).

Em 1832, logo depois de serem organizados, os Permanentes passaram a ser


comandados por Luís Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, que permaneceu
neste cargo até 1839. Caxias foi o grande responsável pelo surgimento e desenvolvimento da
identidade policial. Isto porque, ao se preocupar em manter a ordem e a disciplina interna,
objetivando que a tropa se mostrasse eficiente em seus serviços, ele acaba por agir, muitas
vezes, de modo corporativo para com todos aqueles que lhe acatassem fielmente as
determinações. Ou seja, quando um sujeito fora do seu horário de serviço “aprontava” algum
problema, Caxias tendia a relevar tais falhas, mas em troca, queria obediência às suas ordens.
Contudo, não se importava em afastar do grupo àqueles considerados, por ele, maus
elementos.

Em julho de 1865 um grande número de soldados da Guarda de Permanente da Corte


foi convocado para a Guerra do Paraguai. Lá, este grupo recebeu a denominação de 31o
Batalhão Voluntário. Em 1866, como tentativa de amenizar os efeitos da partida do grande
contingente, é criada a Guarda Urbana. Esta era uniformizada, mas não possuía características
militares e estava subordinada ao Chefe de Polícia – civil. Esta proposta mostrava claramente
a influência do modelo de polícia inglesa. Entretanto, já em 1869, a Guarda Urbana
apresentava perspectivas negativas; com o tempo mostraram-se extremamente arbitrários e
violentos, vindo a superar, em reclamações, os Permanentes. Tal fato era creditado aos baixos
salários e à ausência de organização e disciplina militar. Mas somente em 07 de março de
1885 a Guarda Urbana chega ao seu fim, 19 anos após a sua criação. Em setembro deste
31

mesmo ano, a força policial militar é reestruturada, voltando a ser responsável pelo
policiamento, já que, a partir do surgimento da Guarda Urbana, ela deveria ficar apenas de
prontidão para atuar nos casos emergenciais. Contudo, neste momento sua nomenclatura já
havia sido alterada, com a reforma de 1871, de Corpo de Guardas Municipais Permanentes
para Corpo Militar de Polícia da Corte. Deixa também de ser subordinada ao Chefe de Polícia.
Em 1890, recebe a denominação de Brigada de Polícia da Capital Federal.

Em 1905 a Brigada passa a ser chamada de Força Policial do Distrito Federal. Seu
efetivo tem agora 2.010 homens, e seu comandante responde diretamente ao Ministro da
Justiça.

Em 1920 novamente o nome é alterado para Polícia Militar. Seu comando continua
subordinado aos oficiais de alta patente do Exército.

Em 1960, após a transferência da capital federal para Brasília, a Polícia Militar torna-
se a Polícia Militar do Estado da Guanabara. Entretanto, com a fusão dos Estados da
Guanabara e do Rio de Janeiro em 1975, a instituição recebe sua atual denominação, isto é,
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – PMERJ.

Até o presente momento, o efetivo da PMERJ conta com 38.594 mil ativos e 23 mil
inativos. Destes, aproximadamente 1.500 são mulheres (531 oficiais e 911 praças).

1.1.2 – Normas e Diretrizes Constitucionais

Comparando-se as cartas constitucionais promulgadas nos anos de 1934, 1946, 1967 e


1988, percebe-se que é nesta última que pela primeira vez o tema relativo à Segurança Pública
é abordado em parte separado dos assuntos referentes à Defesa Interna e às Forças Armadas.

A Constituição de 1934, em seu artigo 167, define as polícias militares como “reservas
do Exército”, podendo ser mobilizadas pelo Governo Federal para atuar na defesa interna do
país contra todos aqueles considerados inimigos. A Lei n° 192, de 17 de janeiro de 1936,
determina a estruturação da Polícia Militar nos moldes da infantaria e da cavalaria do
Exército. Nesta Constituição percebe-se claramente como a noção de segurança pública
relaciona-se diretamente à de segurança interna.

O artigo 183 da Constituição de 1946, além de ratificar as polícias militares como


“reserva do Exército”, acrescenta a idéia de serem estas “auxiliares” do Exército. Novamente,
as polícias militares “herdam” do Exército o caráter de força militar que deve agir em defesa
32

do país, contra aqueles que, neste caso específico, são agentes internos potencialmente
perigosos, e como na guerra, devem ser eliminados.

Em 1967, a nova Constituição mantém a Segurança Pública atrelada à Segurança


Nacional e às Forças Armadas. Ainda neste mesmo ano, o Decreto-lei n° 317, de 18 de março,
define que o “policiamento ostensivo fardado” é de competência única das polícias militares
estaduais. Deste modo, os governos estaduais não poderiam manter outras forças de segurança
uniformizadas. A respeito do Ato Complementar de 30 de dezembro de 1968, que confirma o
caráter de “força auxiliar e reserva do Exército”, bem como do Decreto n° 6.862 de 08 de
julho de 1970, que determina que as polícias militares devem “integrar o serviço de
informações e contra-informações do Exército, conforme dispuserem os comandantes do
Exército ou Comandos Militares de Áreas, nas respectivas áreas de jurisdição”, Musumeci e
Muniz (2000) afirmam que “reforça-se assim, a ambigüidade de um órgão destinado a
especializar-se no provimento cotidiano de segurança pública, mas que, ao mesmo tempo,
deve ser organizado e treinado como braço auxiliar das forças de segurança nacional” (p.08).

Na Constituição de 1988, o artigo 144 retrata a Segurança Pública em separado das


Forças Armadas. Como dito anteriormente, trata-se de um fato inédito e, se não soluciona
todas as ambigüidades, ao menos é um começo. Contudo, a polícia militar mantém-se como
“força auxiliar e reserva do Exército”, devendo subordinar-se aos governos estaduais e
federais. O referido artigo define segurança pública como,

dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a


preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos: I. polícia federal; II. polícia rodoviária federal; III.
polícia ferroviária federal; IV. Polícias civis; V. policias militares e corpos de
bombeiros militares.

Quanto à função da polícia militar, o § 5° da Constituição de 1988 afirma: “às polícias


33

Tal fato acabou por trazer, em longo prazo, prejuízos e distorções tanto para a construção da
identidade do policial, como para a própria representação social da instituição, quando se
observa de perto relatos de sujeitos de várias camadas sociais (principalmente as mais
carentes), bem como apreciações da mídia e análises de publicações científicas. Em trabalho
publicado por Lemgruber, Musumeci e Cano (2003), pode-se destacar a seguinte fala de um
morador de bairro de classe média do Rio de Janeiro: “A última pessoa que eu chamaria
quando tivesse um problema seria a polícia!” (p.43).

Na Constituição Estadual, o título V trata da Segurança Pública, e em seus artigos 183


e 184 se podem encontrar os mesmos textos da Constituição Federal de 1988. Destaca-se o
Art. 185, que afirma que “o exercício da função policial é privativo do policial de carreira,
recrutado exclusivamente por concurso público de provas e títulos, submetido a curso de
formação policial”. Seu parágrafo único mostra também que “os integrantes dos serviços
policiais deverão ser reavaliados periodicamente, aferindo-se suas condições físicas e mentais
para o exercício do cargo, na forma da lei”. No artigo 189 surge novamente a missão da
Polícia Militar, isto é, a sua ação ostensiva para a preservação da ordem pública. Em seu Art.
189, § 2º, declara-se ainda que “as corporações militares do Estado serão comandadas por
oficial combatente da ativa, do último posto dos respectivos quadros, salvo no caso de
mobilização nacional”.

1.1.3 – O Funcionamento da Organização Policial Militar

O ingresso na Polícia Militar ocorre sempre mediante concurso público, e existem


duas principais vias de acesso à função efetiva de policial militar, e que podem ser
consideradas como formadoras de policiais “combatentes”. Uma refere-se à realização de
prova através do vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e tem como
objetivo o acesso ao Quadro de Oficiais Policiais Militares (QOPM), após a conclusão do
respectivo curso (período integral, durante três anos). Esse caminho faz com que os sujeitos
possam alcançar os mais altos níveis dentro da instituição. Uma segunda via são provas para o
Curso de Formação de Soldados, que permitirão o ingresso no Quadro de Praças, inicialmente
como Soldados. A entrada na PMERJ pelo Curso de Formação de Soldados também permite
que o Praça alcance níveis hierárquicos mais altos, através de concursos internos, tempo de
serviço e merecimento, podendo chegar, caso ingresse no Quadro de Oficiais Auxiliares
(QOA), ao posto de major. Além das provas intelectuais, os candidatos deverão realizar
34

outros exames, todos de caráter eliminatório: antropométrico, psicológico, de saúde, físico e


social/ documental.

Dentro do Quadro de Praças, estes poderão apresentar qualificações particulares. Deste


modo, haverá os combatentes, os responsáveis pela manutenção de armamento, operador de
comunicações, manutenção de motomecanização, músicos, manutenção de comunicações,
auxiliar de saúde e corneteiros.

Outra possibilidade de acesso a PMERJ refere-se ao Quadro de Oficiais da Saúde


(QOS). Também através de concursos4, profissionais de diferentes áreas5 de atuação entram
na Corporação, ocupando o posto de 1º Tenente. Do mesmo modo, ocorrerá o ingresso para o
Quadro de Oficiais Especialistas (Músicos e Comunicações) e para o Quadro de Capelães
Policiais Militares.

Para a ascensão dentro da instituição, dois critérios básicos são adotados: antiguidade
(tempo de serviço na instituição) e merecimento (resultado de uma avaliação realizada
anualmente, em que pontos são conferidos aos sujeitos pelo seu desempenho profissional por
seu superior hierárquico). No Círculo de Praças ainda há a possibilidade de provas de
ascensão na carreira. Estas podem ocorrer para as graduações de Cabo e de 3º Sargento. Para
o ingresso no Quadro de Oficiais Auxiliares, aberto às graduações de 1º Sargento e de Sub-
Tenente, além da antiguidade, deverão também ser realizadas provas.

No Círculo de Oficiais as promoções que ocorrem desde Aspirante a Oficial PM até


Capitão desenvolvem-se por tempo de serviço. Do posto de Capitão para o de Major é
necessário, além do tempo de serviço (mínimo de quatro anos de exercício neste posto), o
merecimento e a conclusão do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO). A passagem do
posto de Major para o de Tenente-Coronel requer que o policial esteja no mínimo há três anos
na função de Major e tenha o merecimento reconhecido. A promoção para o nível hierárquico
mais alto da corporação, ou seja, o posto de Coronel, demanda também antiguidade,
merecimento e a realização do Curso Superior de Polícia Militar (CSPM).

A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro foi estruturada tendo como base as
disposições do Exército Brasileiro, o que fica mais fácil de perceber ao se observar o
Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG) do Ministério do Exército6, que tem como

4
Diferenciando-se dos Combatentes apenas na primeira fase, visto que, o exame intelectual refere-se à
especialidade de cada área profissional.
5
Psicólogos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, veterinários, farmacêuticos e dentistas.
6
1ª edição, 1984
35

objetivo, segundo seu Capítulo I, art. 1º, prescrever “tudo quanto se relaciona com a vida
interna e com os serviços gerais das Unidades de Tropa, estabelecendo normas relativas às
atribuições, às responsabilidades e ao exercício das funções de seus integrantes”. Assim, toda
estrutura administrativa e operacional, com algumas variações e adaptações, parece ter sido
copiada para o âmbito da Polícia Militar. Na figura 1 é possível observar a estrutura
administrativa e operacional da PMERJ, sendo que no anexo “A” ela é apresentada de forma
mais detalhada

COMANDANTE GERAL

OPMs EXECUTIVAS

COPOM
ASSESSORIA ESTADO-MAIOR
Centro de Operações CORREGEDORIA
ESPECIAL GERAL
OPMs SETORIAIS
DGS
DEI DGAL DGP DGF
Diretoria Geral de
Diretoria de Ensino Diretoria Geral de Diretoria Geral de Diretoria Geral de
Saúde
e Instrução Apoio Logístico Pessoal Finanças
OPMs OPERACIONAIS
CPC
CPI CPB Cmdo UOpE
Comando de
Comando do Comando de Comando das Unidades
Policiamento da Capital
Policiamento do Interior Policiamento da Baixada de Operações Especiais
Batalhões (BPMs) e Batalhões (BPMs) e Batalhões (BPMs) e BpChoq, BPRv, BPFer,
Companhias Companhias Companhias BOPE, BPFMA, RCECS7
Independentes (CIPMs) Independentes (CIPMs) Independentes (CIPMs)
Figura 1. Estrutura administrativa da PMERJ8.

O Comando Geral da Polícia Militar deverá ser exercido por um oficial da ativa que
ocupe o posto de Coronel. É importante ressaltar que, em quase 200 anos de existência,
apenas a partir de 1983 os próprios oficiais da PMERJ começaram, de modo ininterrupto, a
assumir o seu comando. Até então, a prerrogativa do comando pertencia ao Exército
Brasileiro.

A estrutura hierárquica dentro da PMERJ, como já visto, tem como modelo


organizacional e administrativo o Exército Brasileiro. Seu objetivo, descrito no art. 12, § 1º do
Estatuto dos Policiais Militares do Rio de Janeiro, é dispor os sujeitos em variados níveis de
autoridade e trabalho. Apresenta-se em forma de dois “Círculos”, um de Praças e outro de
Oficiais. Constando do mesmo Estatuto, em seu art.13, os Círculos representam “âmbitos de
convivência entre os policiais militares da mesma categoria e têm a finalidade de desenvolver

7
Ver glossário no apêndice “A”
8
Fonte: PMERJ
36

o espírito de camaradagem em ambiente de estima e confiança, sem prejuízo do respeito


mútuo”. O Círculo de Oficiais é disposto em vários postos, e o Círculo de Praças, em
graduações. A cada posto ou Graduação cabe uma função diferente, contudo, os lugares de
comando sempre irão pertencer aos oficiais.

Apresenta-se, em seguida, na figura 2, um quadro que esclarece como são distribuídos


os diversos níveis hierárquicos dentro da PMERJ.

CÍRCULO DE OFICIAIS POSTO ABREVIATURA


Oficiais Superiores Coronel PM CEL PM
Tenente Coronel PM TEN CEL PM
Major PM MAJ PM
Oficiais Intermediários Capitão PM CAP PM
Oficiais Subalternos 1º Tenente PM 1º TEN PM
2º tenente PM 2º TEN PM
CÍRCULO DE PRAÇAS
GRADUAÇÃO ABREVIATURA
ESPECIAIS
Praças especiais Aspirente-a-Oficial PM ASP OF PM
Cadete PM CAD PM
CÍRCULO DE PRAÇAS GRADUAÇÃO ABREVIATURA
Praças Subtenente PM SUB TEN PM
1º Sargento PM 1º SGT PM
2º Sargento PM 2º SGT PM
3º Sargento PM 3º SGT PM
Cabo PM CB PM
Soldado PM SD PM
Praças Aluno do Curso de Formação de soldados AL CFSd
(recrutas)
Figura 2. Quadro hierárquico da PMERJ9.

Dentro da corporação policial militar, estreitamente relacionada à hierarquia, está a


disciplina. Seguindo ainda com o Estatuto dos Policiais Militares do Rio de Janeiro, em seu
art. 12, § 2º, “disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis,
regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo policial-militar e
coordenam seu funcionamento regular e harmônico (...)”.

O Estatuto dos Policiais Militares esclarece como ocorre a divisão dos cargos. Assim,
cabem aos postos de Coronel PM, Tenente-Coronel PM e Major PM as funções de comando,
liderança, direção e planejamento. Ao Capitão PM e ao 1º e 2º TEN PM fica a
responsabilidade pela gerência e administração, constituindo os elos de comunicação entre o
comando e os praças. Dentro do círculo de praças, caberão ao Subtenente PM, bem como aos
1º, 2º e 3º Sargentos PM, as execuções das diretrizes administrativas e operacionais. Dentre
estas, incluem-se, além da instrução, adestramento e controle das praças, a participação de

9
Fonte: PMERJ
37

modo direto nas atividades de policiamento ostensivo. Ao Cabo PM e ao Soldado PM é


atribuída à realização direta das tarefas normais e especiais de policiamento ostensivo.

Internamente, o critério de antiguidade irá novamente hierarquizar os sujeitos, ou seja,


dentro do mesmo posto ou graduação o mais antigo terá a prioridade. Tal fato torna-se mais
importante para as possibilidades de promoção e realização de cursos.

O Estatuto dos Policiais Militares foi criado pela Lei n˚ 443, de 1º de julho de 1981, e,
juntamente com o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
(RDPM), existente pelo Decreto n˚ 6.579, de 05 de março de 1983, são dois importantes
vetores dentro da corporação a orientar condutas relativas a direitos e deveres dos policiais.
Análises e discussões bastante completas acerca do Estatuto Policial e do Regulamento
Disciplinar são encontradas em Muniz (1999), Soares (2000) e, Biscaia, Mariano, Soares e
Aguiar (2001).

As funções previstas para a Polícia Militar incluem, além do policiamento preventivo,


ações repressivas, atendimentos de emergência para a população, bem como assistência ao
público. Outras possibilidades de atuação envolvem o suporte a outras instituições como a
Polícia Civil, a Defesa Civil, o Ministério Público, a Guarda Municipal e o Corpo de
Bombeiros. Os tipos de policiamento realizados pela PMERJ são assim divididos:

· Policiamento Ostensivo Geral: a pé, a cavalo e com cães.

· Policiamento Motorizado: rádio patrulha (RP), patrulhamento tático móvel


(PATAMO), patrulhamento motorizado especial (PAMESP) e
motopatrulhamento (MPTr).

· Policiamento Ostensivo de Trânsito Urbano: a pé, motorizado, com


motocicletas.

· Policiamento Ostensivo de Trânsito Rodoviário: motorizado e com


motocicletas.

· Policiamento Aeromarítimo: com helicópteros e com lanchas.

Ainda sobre as características do trabalho policial, Bayley (2002) declara que “a única
característica exclusiva da polícia é que ela está autorizada a usar a força física para regular as
relações interpessoais nas comunidades” (p.117). O mesmo autor chama atenção para as
diversidades, tanto de situações como de comportamentos implicados nas práticas policiais.
Assim, apesar do patrulhamento ser a principal atribuição, na sua forma de policiamento
38

ostensivo, e que pretende, principalmente, evitar a ocorrência de situações criminosas, as


múltiplas situações em que ele vai ocorrer irão influenciar os diferentes modos de atuação do
policial. Então, durante brigas domésticas, crimes em andamento, colisão de veículos com
feridos, crianças perdidas, pessoas suspeitas, etc, o trabalho policial passa a assumir a postura
que o momento necessita, o que pode fazer com que ele tenha que prender alguém, prestar um
socorro, ameaçar, aconselhar, mediar, relatar, tranqüilizar, etc. Estes aspectos chamam a
atenção para a importância do preparo profissional do policial militar, especialmente dos
Praças. Preparo profissional no sentido de se receber treinamentos periódicos e atualizados,
bem como condições favoráveis para exercerem suas funções, visto que, normalmente, como
é ele quem está na ponta final da cadeia de comando, é quem terá que decidir, no dia a dia,
naquelas situações mais rotineiras e por isso muitas vezes invisíveis, o melhor meio para
atuar. Seja qual for à escolha que fizer, os resultados serão creditados na “conta” de todos os
policiais.
2 – O POLICIAL MILITAR E A SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO

A proposta deste capítulo é abordar, inicialmente, as características do trabalho


policial e suas implicações, tanto dentro da instituição policial com os seus pares, como no
meio sócio-familiar em que o sujeito policial vive. Também será visto a relação entre força e
violência, bem como suas implicações nas práticas policiais. Finalmente será tratado o modo
como se apresentam nos dias atuais as relações entre polícia e comunidade.

2.1 – O Trabalho do Policial Militar: Implicações

Nos diversos atendimentos realizados pela pesquisadora nas Unidades Básicas de


Saúde (UBS), das cidades de Campos dos Goytacazes, Duque de Caxias, e no Centro de
Fisiatria e Reabilitação da Polícia Militar (CFRPM), no bairro de Olaria, subúrbio da cidade
do Rio de Janeiro, e onde a pesquisadora se encontra atualmente em serviço, o policial, com
seu discurso, informa de maneira clara o modo como acredita ser “visto” pela população, ou
seja, como o policial é representado pela sociedade, representação essa que normalmente
aponta para uma visão negativa da profissão. Segundo alguns policiais, “é uma profissão de
que ninguém gosta”, “só quem gosta do policial é a mãe dele!”. Eles reconhecem a existência,
dentro da corporação, de indivíduos não comprometidos com as leis, que usam o cargo de
maneira abusiva; contudo, acreditam que estes sejam uma minoria, mas “sabem” que todos,
no final, são vistos como maus profissionais. Esse aspecto é muito interessante, pois de certo
modo a farda policial parece conferir não apenas uma uniformidade em termos de “todos se
vestem iguais”, mas principalmente ao nível de “todos são iguais”. O que faz com que a ação
de alguns atinja todo o efetivo, principalmente quando a perspectiva é negativa.

Muitos policiais apontam para os problemas decorrentes do trabalho, que permeado


continuamente pelo contato com a criminalidade e com vários tipos de violência, são
aumentados pelas dificuldades de relacionamento dentro da corporação. As relações
profissionais destes sujeitos entre seus pares, isto é, com aquele outro sujeito que “vai para a
rua” com ele, demonstram ambigüidades. O alto nível de estresse vivenciado dentro da
profissão parece fazer com que ele necessite estabelecer laços de cumplicidade e confiança
com outros companheiros, para que haja um mínimo e suficiente equilíbrio emocional. Porém,
muitos dos policiais que procuram o serviço de psicologia na PMERJ declaram não confiar
em alguns de seus colegas, chegando muitas vezes a agir de modo deliberado para conseguir
40

manter determinado “parceiro”, evitando “outros”, pois “é muito perigoso não confiar em
quem está nas suas costas quando você sobe um morro”. Esta situação faz com que muitos
policiais progressivamente deixem de confiar nas pessoas de um modo geral. Em longo prazo
essa “desconfiança”, segundo os policiais, faz com que haja, muitas vezes, um contínuo e
progressivo afastamento de qualquer atividade social. Evitam sair de casa, pois têm que
“descansar” e “evitar problemas”. Contudo, nestes casos, “ficar em casa” não significa que
estejam mais próximos da família. Muitas queixas referentes a mudanças de comportamento e
atitudes após a entrada destes sujeitos na corporação, puderam ser registradas durante os
atendimentos. Tanto os policiais como seus familiares referem-se a um aumento de irritação,
intolerância, agitação e dificuldades de relacionamento familiar e social. Além disto, relatam
que estes quadros, ao longo do tempo, muitas vezes se agravam, apresentando-se como crises
depressivas, surtos psicóticos, vários quadros neuróticos, tentativas de suicídio, alcoolismo,
agressões físicas, divórcio e homicídios.

As relações familiares dos policiais militares também se mostram afetadas, tanto em


relação ao cônjuge quanto aos filhos. Neste ponto, as relações extraconjugais, e filhos tidos
nestas relações, são quase sempre regra, o que geralmente desencadeia novos e grandes
conflitos.

A hierarquia e a disciplina são tidas como necessárias e importantes para a realização


dos trabalhos; entretanto, a postura de alguns ocupantes de posições superiores é tida por
muitos como desrespeitosa e autoritária, conseguindo impor-se apenas por uma questão de
hierarquia e não por respeito e competência profissional. Para a execução da atividade
profissional, os policiais também destacam a falta de preparo “psicológico” para atuarem em
muitas situações em que seu trabalho é requisitado junto à população.

Aspectos importantes também a serem observados no trabalho do policial são as


características do local de serviço, ou seja, onde este está escalado para trabalhar e as
condições sob as quais ele realiza essas funções. Como exemplo, se pode citar a Casa de
Custódia Dalton Crespo de Castro, em Campos dos Goytacazes, norte do Estado do Rio de
Janeiro. Para muitos policiais “tirar serviço” neste local é considerado “castigo”. Isto porque,
segundo eles, não estão preparados para, “após realizar a prisão do marginal”, ter que “tomar
conta dele”. A situação, por si só delicada, torna-se também conflituosa, pois o Poder Público
não consegue prover, por vários motivos, número suficiente de ocupantes do cargo que seria,
na realidade “preparado” para esta função, ou seja, o agente penitenciário. Resta ao policial,
muitas vezes, buscar estratégias para se adaptar, ou “meios” para ser removido da função.
41

2.2 – O Uso da Força versus A Violência no Trabalho Policial Militar

Normalmente, quando o termo “força” é relacionado ao trabalho do policial militar, a


maioria das pessoas imagina situações de uso de arma de fogo, ou o policial agredindo
alguém fisicamente ou com palavras. Estas idéias fazem com que o tema, ou seja, força, seja
levada para longe do espaço onde deve ser tratado, que é principalmente no interior da
instituição policial, junto ao policial militar. É necessário que o policial saiba que a força é
intrínseca ao seu trabalho, mas que cabe a ele, tendo como suporte o treinamento recebido na
corporação, sua correta utilização. Por outro lado, é perigoso que o meio social entenda que a
possibilidade do uso da “força” pelo policial signifique, necessariamente a arbitrariedade e a
violência, sem entender que o policial pode ser preparado para atuar de maneiras diversas,
frente a situações variadas, utilizando o nível de força que for necessária.

O recurso da força, segundo Muniz, Júnior e Diniz (1999), apresenta-se como “um ato
legal, legítimo e idealmente profissional” no trabalho do policial militar (p. 1). O uso da força,
como visto anteriormente, é inerente às práticas profissionais dos policiais. Não se concebe
um policial no exercício de sua função que não traga atrelado ao seu papel social à
possibilidade do uso da força, isso porque, para que ele seja capaz de solucionar qualquer
problema, por mais simples que seja, como, por exemplo, quando é chamado para apartar uma
briga entre dois indivíduos, é necessário que inicialmente as pessoas que o solicitaram
reconheçam nele o profissional legalmente investido e preparado para o uso da “força”
(aquele que possui autorização legal), se necessário. Assim, como profissional que é, ele
deverá saber agir de forma ordenada e progressiva para a solução dos conflitos. A respeito
desta ordenação e progressão no uso da força, é importante que se fale do que tecnicamente é
conhecido como “gradiente de uso da força”, isto é, instruções que possibilitam ao policial
conhecer quais serão as técnicas que terá a sua disposição durante o seu trabalho e que lhe
permitirão intervir em situações diferenciadas ou quando da abordagem de indivíduos. Sobre
este assunto, é interessante observar a explanação que Soares (2000) apresenta a propósito de
uma palestra do então Major PM Antônio Carlos Carballo Blanco para um grupo de policiais:

Primeiro, a menos que haja evidentes obstáculos, deve-se tentar o comando


verbal; havendo resistência, é legítimo recorrer à força, cujas expressões
ampliam-se na exata medida da resistência encontrada e dos riscos envolvidos
para o agente da lei. No limite, o policial pode e deve recorrer ao uso da arma,
cujo efeito letal será legítimo e perfeitamente coerente com os respeitos às leis,
aos direitos humanos e civis, quando a resistência à sua ação representar ameaça
42

à sua própria vida, esgotados todos os demais recursos de persuasão e coerção


física. O princípio da legítima defesa é compatível com os direitos humanos,
assim como a função coercitiva legal e legítima. (p.116)

Ainda em relação aos padrões de uso de força pela polícia, Cerqueira e Dornelles
(1998) apresentam princípios fundamentais:

Os princípios da necessidade e da proporcionalidade estão por trás de todas as


disposições detalhadas que regulam o uso da força pela polícia. Estes princípios
exigem respectivamente, que a força somente seja usada pela polícia quando
estritamente necessária para fazer cumprir a lei e manter a ordem pública, e que
a aplicação da força seja proporcional – isto é, só seja aplicada na medida
exigida pelos legítimos fins do cumprimento da lei e da manutenção da ordem
publica. (p.68)

Em oposição ao uso legítimo e legal de força pelo policial, têm-se os atos de violência.
Alguns autores como Lemgruber, Musumeci e Cano (2003), ao abordarem a violência
cometida por alguns policiais, assim a definem: “por violência entende-se tanto o uso abusivo,
e sobretudo o uso letal, da força nas intervenções policiais quanto a tortura cometida para
obter confissões nas investigações ou para garantir controle sobre os detentos” (p. 37). A
violência está ligada então a um uso de força que é arbitrário, desmedido e ilegal. Cerqueira e
Dornelles (1998) esclarecem que “os abusos e excessos no uso da força podem ter um efeito
de tornar impossível uma tarefa que já é difícil” (p. 71). A este respeito Soares, Bill e Athayde
(2005) explicam: “a violência policial autorizada estimula a corrupção, que significa
incompetência no combate à criminalidade” (p. 266). Ainda segundo estes mesmos autores,

Quem pede mais violência policial talvez não saiba que está alimentando a fera,
jogando lenha na fogueira da anarquia. Prepare-se para colher mais corrupção,
cumplicidade com o crime e ineficiência. A brutalidade policial só na aparência
contraria o interesse dos criminosos: ao contrário, ela cava um abismo entre as
instituições policiais e as populações atingidas e, sobretudo, ao inibir os
instrumentos de controle internos e externos, contribui para a independência
excessiva dos que atuam na ponta. (p. 269)

Parece que, em longo prazo, práticas abusivas e ilegais concorrem para a criação de
um ciclo vicioso que não apenas afasta a população da polícia, fazendo com que a primeira
deixe de colaborar e confiar na segunda, mas também termina por criar e legitimar um
pseudo-saber sobre o agir policial, o que em última análise termina por “atrelar” a violência à
identidade da profissão de policial. Como conseqüência, poder-se-á ter bons profissionais
carregando estigmas de não-confiáveis e violentos, e, por um outro lado, alguns “sujeitos” que
43

esperam entrar para a PMERJ para “poderem se dar bem”, como se ser policial fosse uma
garantia para agir impunemente.

É importante notar que os modos de violência que os policiais são acusados de


cometer, muitas vezes extrapolam a forma física. Bretas (1997) cita algumas modalidades:
“forjam evidências em casos criminais; e usam palavrões e linguagem indecente (...)” (p. 82).
Lemgruber, Musumeci e Cano (2003) complementam afirmando que o uso abusivo da força
na forma de tortura, ainda é “insistentemente denunciada nos relatórios dos grupos de direitos
humanos” (p. 37).

2.3 – Aspectos da Relação: Comunidade e Polícia Militar

As relações entre polícia e sociedade, de um modo geral, parecem sempre se


apresentar conturbadas, sendo que, com as camadas menos abastadas da população, os
conflitos parecem intensificar-se. São nestas comunidades que eclodem as maiores
dificuldades. Pesquisa realizada por Lemgruber, Musumeci e Cano (2003) aponta que, em
relação à polícia, “o grau de desconfiança é maior entre os segmentos que se sentem mais
visados pela arbitrariedade policial, como os jovens de baixa renda, os negros, os moradores
de favelas e outras minorias sociais” (p. 43).

Os referidos autores afirmam que

a percepção geral, nesses grupos, era de que, além de não cumprir seu papel de
oferecer segurança, os policiais agem em áreas carentes como “terra de
ninguém”: não são fiscalizados e fazem o que querem, na certeza da impunidade
(...)”. (p. 46)

Se por um lado à população não confia na polícia, a polícia também parece não confiar
na população, justamente as comunidades carentes. Para alguns policiais (como também
poderá ser visto mais à frente com os dados desta pesquisa), as pessoas daquelas comunidades
sempre estarão a favor do tráfico, ou por terem ali algum parente, ou por receberem benefícios
destes. A respeito deste tipo de relação que parece se estabelecer em bases mútuas de
desconfiança, Bretas e Poncioni (1999) afirmam que ela parece exprimir

uma relação entre a polícia e a população estruturada sobre imagens, crenças e


estereótipos que ficam cristalizados em ambas as partes da relação, tanto pela
experiências concretas vividas no processo de interação, quanto pelo conjunto
de representações construídos na sociedade. (p. 162)
44

A presença e o domínio do tráfico dentro das comunidades carentes faz com que esta
tenha que lidar com dificuldades tanto advindas dos criminosos, quanto àquelas decorrentes
da polícia (Soares 2000). Sob o jugo do tráfico, principalmente quando a “facção” presente na
comunidade age de modo a intimidar e violentar os que ali vivem, as pessoas passam a ter que
moldar seu comportamento de acordo com o que aqueles sujeitos querem, mesmo que para
isso tenham que expor suas vidas e de seus familiares. É o que ocorre quando, durante
confrontos com a polícia, os criminosos ordenam que mulheres, crianças e idosos passem a
circular pelas ruas.

No contato com a polícia, algumas pessoas podem se defrontar com indivíduos que
possuem a carteira de identidade de policial, mas que na realidade são criminosos. Destes,
nunca se sabe o que esperar, uma vez que deveriam estar ali como representantes legais do
Estado para os protegerem, contudo, roubam, matam, achacam, ameaçam, estupram. E o pior,
jogam na lama todos os outros policiais, pois aqui, eles não têm nomes, são apenas policiais
militares, fardados e uniformizados.
3 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Este capítulo busca apresentar as teorias nas quais esta pesquisa se fundamenta. A
concepção teórica adotada foi a teoria das representações sociais desenvolvida por Serge
Moscovici (1978, 2001, 2002), tendo como suporte complementar contribuições da teoria do
núcleo central – ou abordagem estrutural das representações sociais – desenvolvida por Jean-
Claude Abric (2000). Antes porém, de se passar à explicitação das teorias em si, é relevante
expor os motivos reconhecidos como significativos para utilizá-las em um estudo a respeito
da Polícia Militar.

Entende-se que as representações sociais construídas pelo policial militar no âmbito


das suas relações com o meio social irão permear toda a sua conduta profissional. Ao
ingressar na Polícia Militar, o sujeito tem acesso a uma ampla gama de normatizações,
procedimentos e regulamentos, que conseqüentemente institucionalizam seu saber a respeito
de um dado objeto, neste caso, a Polícia Militar. Contudo, suas práticas profissionais estarão
diretamente relacionadas, não só a estas concepções, mas também a todo um universo social,
a respeito do qual ele já possui uma representação e que inclui, entre outras coisas, políticas
públicas, governos, políticos, cultura, cidadania, direitos humanos e a própria Polícia Militar.
Estes constituirão uma “teia” de interações, da qual a prática profissional do policial será uma
das resultantes.

Ao se buscar discutir as representações sociais construídas nas relações entre a Polícia


Militar e a sociedade, acompanha-se uma afirmativa de Jovchelovitch (2000), que diz que “a
vida pública dá origem a representações que se tornam, elas mesmas, constitutivas do objeto
que originalmente as formou” (p. 33). Parece assim, haver circunstâncias externas, de caráter
público, que muitas vezes podem ensejar a postulação de “boas razões” (Flament, 1994)10,
apud Sá (2002) por parte dos policiais, para operarem mudanças em uma prática social. Essas
“boas razões” segundo Flament (1994)11 apud Sá (2002), significam, em seu modelo, que se
está “considerando que o meio de restabelecer o equilíbrio é senão claramente consciente e
explícito, ao menos ‘explicitável’ pelo próprio sujeito” (p. 94). Ou seja, quando realiza uma
nova ação ou participa de novo acontecimento em um dado contexto, o indivíduo parece
10
Structure, dynamique et transformation des représentations sociales. In: J.-C. Abric (Ed.). pratiques sociales et
représentations. Paris, Presses Universitaires de France, 1994b, 37-57.
11
Structure, dynamique et transformation des représentations sociales. In: J.-C. Abric (Ed.). pratiques sociales et
représentations. Paris, Presses Universitaires de France, 1994b, 37-57.
46

buscar “explicações” que tendem a justificar para si mesmo a manutenção ou não dessas
ações ou participações. O mesmo autor (ibid.) continua afirmando existirem possibilidades de
que, com a repetição do seu uso, essas “boas razões” passem a integrar consistentemente a
representação do policial militar acerca da sua instituição.

Buscando exemplificar circunstâncias que podem vir a entrar em conflito com as


práticas policiais, tornando-se assim “boas razões” envolvidas numa mudança
representacional, é necessário relembrar a existência de uma grande cadeia hierárquica de
comando dentro da Polícia Militar. No interior desta cadeia de comando, sujeitos que tenham
a responsabilidade de decidir e determinar, independente de serem praças ou oficiais, é que
irão direcionar as diferentes possibilidades de desempenho do policial que está na ponta.
Quando estas possibilidades se afastam daquilo que é legítimo e permitido, poderão vir, em
médio e longo prazo, a influenciar as práticas destes mesmos policiais, autorizando a
construção de comportamentos futuros que muitas vezes poderão escapar para uma postura
ilegal. Assim, dentro da instituição, quando alguém autoriza, ou até mesmo se omite diante de
uma postura arbitrária realizada por um policial, acreditando que somente assim se conseguirá
diminuir o crime e a violência na cidade, na realidade, se estará aprovando uma maior
aproximação entre a criminalidade e a polícia. Isto porque, muitas vezes, a violência está bem
perto dos atos corruptos. Isto é, depois de certo tempo o policial pode se sentir “autorizado” –
muitas vezes em decorrência das dificuldades em se controlar de modo eficiente às atividades
de ponta, visto a existência de mecanismos internos e externos falhos para isto – a agir de
modo desmedido, em termos de utilização da força (seu poder discricionário), encontrando na
corrupção diversos modos de atuação. Estes aspectos apontam para a possibilidade de
mudanças na representação partindo-se de distorções das práticas. Deste modo, quando alguns
segmentos dentro da cadeia hierárquica de comando optam por enfrentar a criminalidade e a
violência dos marginais nas mesmas bases destes, ou seja, com mais violência e desrespeito às
leis, acabam por iniciar a construção no meio social de um conhecimento a respeito da Polícia
Militar que, em longo prazo, engendrará formas de se representar esta corporação.

Em Soares et al. (2005) é possível encontrar maiores esclarecimentos a este respeito.


Para estes autores, “a idéia de que, se respeitar os direitos humanos, a polícia será menos
eficiente” (p. 206) é errônea, pois, é justamente isto que afastará o policial de um agir correto,
reconhecido e referendado pela sociedade, em outras palavras, é o que o afastará do meio
social, cavando um abismo entre eles.
47

Concluindo, a análise dos dados coletados à luz da teoria das representações sociais e
da teoria do núcleo central é importante para que este trabalho possa ser capaz de, ao final,
propiciar reflexões a respeito de todo conhecimento que é produzido no âmbito da Polícia
Militar em sua interação com o meio social, bem como propor estratégias de ação que possam
sugerir novos caminhos que a tornem mais legítima, tanto para o policial quanto para a
sociedade.

3.1. A Teoria das Representações Sociais

Para a elaboração da teoria das representações sociais, Serge Moscovici se utiliza não
apenas da psicologia, mas também de outras disciplinas, como a sociologia e a antropologia.
Uma primeira apresentação sistemática desta teoria vem à tona com o lançamento do livro de
Moscovici, La psychanalyse, son image et son public, em 1961, na França. Este trabalho
descreve a apropriação da psicanálise por variados segmentos da população parisiense, ou
seja, como era representada essa área de conhecimento científico pelos considerados “leigos”.

A teoria das representações sociais, segundo Sá (1996) encontra-se situada na vertente


européia da psicologia social, e é considerada como uma forma de psicologia social
sociológica, estando em oposição à psicologia social desenvolvida nos Estados Unidos,
entendida como um modelo de psicologia social psicológica.

Segundo Jodelet (2001), “uma das razões que levaram Moscovici (...) a restabelecer o
uso da noção [de representação] foi à reação contra a insuficiência dos conceitos da psicologia
social, a limitação de seus objetos e paradigmas” (p. 25), estando ela aqui se referindo
justamente à psicologia social psicológica americana. A isso se pode acrescentar o propósito
de Moscovici de pôr fim à distinção entre sujeito e objeto. Assim, uma representação social
não estaria atrelada ao simples ato de reprodução, mas implicaria, de fato, uma construção,
em que sujeito e objeto não mais estariam em posições distintas.

É na sociologia que Moscovici vai buscar a principal influência para a estruturação do


conceito de representação social. Lá, ele dirige seu olhar para as representações coletivas,
conceito elaborado por Emile Durkheim em 1898. Vala (2000) esclarece que, para Durkeim,
“as representações coletivas são produções sociais que se impõem aos indivíduos como forças
exteriores, servem à coesão social e constituem fenômenos tão diversos como a religião, a
ciência, os mitos e o senso comum” (p. 368). Contudo, as representações coletivas
apresentavam-se de maneira estável, rígida e coerciva, impondo-se aos sujeitos de modo
48

absoluto, não havendo espaço para a inserção de características pessoais. As representações


coletivas podem ser entendidas como um dos pontos de partida em direção às representações
sociais, sem, no entanto confundir-se com elas.

É ainda Denise Jodelet (2001) quem irá fornecer uma definição mais apurada de
representação social: “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada,
com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um
conjunto social” (p. 22). Tal definição possui a capacidade de comportar em si todas as
características que Moscovici e outros autores haviam atribuído anteriormente ao conceito.

Como apontado no parágrafo anterior, a representação social é uma forma de


conhecimento, não uma cópia de uma dada realidade externa. Moscovici (2004) remete-se aos
estudos do antropólogo Lévy-Bruhl a respeito das sociedades primitivas, para demonstrar
como estes ofereceram importantes contribuições para a elaboração do conceito de
representações sociais, visto que, até os estudos realizados por Lévy-Bruhl discutia-se a
evolução, dentro de uma perspectiva “racional”, partindo-se de um modo de uma
“mentalidade primitiva” em direção linear a uma “mentalidade civilizada”. Com os resultados
das pesquisas produzidas, passou a ser possível compreender a evolução em termos de
descontinuidade, o que permite entrever dentro de cada sociedade princípios diferentes que
fazem com que estas não possam ser pensadas e comparadas em termos absolutos. O próprio
Moscovici (2004) afirma que “é impossível propor um critério absoluto de racionalidade que
possa ser independente do conteúdo das representações coletivas e de sua inserção em uma
sociedade específica” (p.186). Deste modo, retornando ao conceito de representação social,
ela deve ser identificada como uma “outra” forma de conhecimento, pertencente aos universos
consensuais (do senso comum), tão válidas como aquelas formas de conhecimento oriundas
dos universos reificados (da ciência).

Como uma forma de conhecimento, as representações indicam, então, que um certo


saber foi construído e compartilhado no âmbito de um grupo social a respeito de um objeto,
seja ele material ou não. O caráter de compartilhamento das representações sociais aponta
para a produção social das mesmas. Para Vala (2000), que utiliza um critério genético, “uma
representação é social no sentido em que é coletivamente produzida: as representações sociais
são um produto das interações e dos fenômenos de comunicação no interior de um grupo
social, refletindo a situação desse grupo, os seus projetos, problemas e estratégias” (p. 357).

Esclarecendo adicionalmente a natureza dessa produção coletiva, Wagner (2000) dirá


que “a representação social como processo só pode ocorrer em grupos e sociedades onde o
49

discurso social inclui a comunicação tanto de pontos de vista compartilhados, quanto


divergentes sobre muitos assuntos” (p. 10). A este respeito será possível observar, ao longo
das análises feitas com os materiais coletados junto aos pesquisados, toda a complexidade que
abarca as variadas redes de comunicações existentes no interior da instituição policial militar
e que sugerem diferenciados discursos que procuram explicar, justificar e propor como devem
ser as práticas profissionais do policial militar, bem como sua interação no meio social.

3.1.1. Formação das Representações Sociais

Como já visto, as representações sociais são criadas dentro dos grupos, através da
comunicação, em processos de interação, ou seja, são compartilhadas. Um dos motivos pelo
qual isso ocorre deve-se ao fato de que as representações sociais são formadas de modo a
tornar familiar o que não nos é familiar. Possibilita, deste modo, a apreensão das coisas do
mundo. Moscovici (2004) aponta para um outro aspecto de grande relevância e esclarecedor a
este respeito, ou seja, que “a procura pelo familiar em uma situação estranha significa que
essas representações tendem para o conservadorismo, para a confirmação de seu conteúdo
significativo” (p. 207). Isso permite inferir, como se verá mais adiante, no grande peso das
estruturas sociais mais fortemente marcadas pelo tradicionalismo e pela memória de muitas
gerações na formação e manutenção das representações sociais.

Para que possa ocorrer a formação e a sustentação das representações sociais, Vala
(2000), declara existirem dois fatores: o primeiro refere-se aos processos sociocognitivos, que
atuam através da objetivação e da ancoragem; o segundo refere-se aos fatores sociais. Quanto
ao aspecto sociocognitivo, Sá (2002) esclarece que “o primeiro passo para a elaboração de
uma teoria das representações sociais terá sido a estrutura de dupla natureza – conceptual e
figurativa – que Moscovici lhe atribuiu desde o início” (p. 45). Assim, todas as representações
trariam em si, de maneira indissolúvel, dois aspectos: a figura e o conceito. O mesmo autor
(ibid.) continua explicando que

A duplicação de um sentido por uma figura, pela qual se dá a materialidade a um


objeto abstrato, é cumprida pelo processo de objetivação. A duplicação de uma
figura por um sentido, pela qual se fornece um sentido inteligível ao objeto, é
cumprida pelo processo de ancoragem. (p. 46)

Sá (ibid.) remetendo-se a Moscovici, explica que “ancorar é classificar e denominar”


(p. 38). O ato de classificar faz com que seja realizada uma opção que, necessariamente,
50

remete a um determinado posicionamento paradigmático, refletindo um encaminhamento de


valor. Denominar algo, ou seja, oferecer-lhe um nome, é permitir que aquilo se faça
reconhecido, visto que irá permitir que seja compartilhado. Conclui-se neste ponto, citando
Denise Jodelet (2001), que “a ancoragem serve para a instrumentalização do saber,
conferindo-lhe um valor funcional para a interpretação e a gestão do ambiente” (p.39).

O processo de objetivação permite que se possa remeter para o nível do concreto algo
(ou um sentido) que não possua nenhuma materialidade, tornando-se, então, mais fácil a sua
compreensão e explicação. Nóbrega (2001) explicita que “a objetivação consiste em
materializar as abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o impalpável,
enfim, transformar em objeto o que é representado” (p. 73).

Cabe aqui considerar os fatores sociais implicados na formação e sustentação das


representações sociais. Vala (2000), apoiando-se em Moscovici, declara que as representações
sociais devem ser compreendidas de modo integrado à dinâmica social, ou seja, atrelada à
estrutura da sociedade na qual se forma. Isto implica que, necessariamente, esta sociedade
seja entendida como um vasto campo no interior do qual despontam várias construções
ideológicas. As conseqüências, de variadas diferenciações, apresentam-se em dois níveis: o
nível das condições sócio-econômicas e o nível de sistemas de orientação. Ainda a respeito
dos fatos sociais, é importante que se reflita a respeito do que Moscovici (apud. Sá, 2004)
denomina de “sociedade pensante” e que se refere ao fato de que

os indivíduos não são apenas processadores de informações, nem meros


portadores de ideologias ou crenças coletivas, mas pensadores ativos que,
mediante inumeráveis episódios cotidianos de interação social, ‘produzem e
comunicam incessantemente suas próprias representações e soluções específicas
para as questões que se colocam a si mesmos. (p. 28)

Deste modo, o indivíduo deve ser concebido em uma perspectiva atuante com o seu
meio social, e não como simples receptáculo de ideologias e valores. Não obstante, há certas
condições, discutidas por Moscovici, que irão influenciar a emergência ou não de uma
representação social de um dado objeto por parte de um dado conjunto social. Esse mesmo
autor, citado por Vala (2000), aponta para três fatores:

a) A dispersão da informação – reenvia para um desfasamento quantitativo e


qualitativo entre a informação disponível e a informação necessária para a
compreensão sólida de um problema ou de um objeto. (...) Este desfasamento
não é independente das clivagens sociais: não só a informação não circula da
51

mesma forma, como não circula o mesmo tipo de informação em todos os


grupos sociais(...);
b) A focalização – os recursos educativos, os interesses profissionais ou
ideológicos parametrizam a focalização dos indivíduos em diferentes domínios
do meio e gerem a pertinência da elaboração de uma representação ou de uma
representação mais sólida ou mais fluida acerca de um dado objeto;
c) A pressão à inferência – entre a constatação de um fenômeno e a necessidade
de tomada de posição sobre ele vai um lapso de tempo mínimo. A posição a
tomar não é, contudo, uma qualquer, deve servir objetivos individuais ou grupais
(...). (p.363)

3.1.2. A Representação Social e suas Funções

Uma das principais propriedades de uma representação social refere-se à sua


capacidade de elaborar comportamentos e discursos. Dentro desta perspectiva, apoiando-se
em Abric (2000), serão analisadas quatro funções que traduzem as finalidades de uma
representação social, isto é, trata-se de um modo mais claro de se compreender porque as
representações sociais são ativadas, e como atuam no ambiente social.

a) Função de saber – “permite compreender e explicar a realidade” (p. 28). Além de


facilitar a compreensão das diversas situações e objetos estranhos com os quais o
sujeitos se deparam no cotidiano, fornecendo-lhes instrumentos cognitivos para lidar
com eles, as representações também acabam por fornecer aos sujeitos uma relação
causal para variadas situações / objetos, independente de ser tal explicação “real” ou
não, ou seja, é a explicação que aquele determinado grupo tem a fornecer, mesmo que
no momento não esteja de acordo com outras explicações;

b) Função identitária – “define a identidade e permite a proteção da especificidade dos


grupos” (p. 29). As representações acabam por aproximar todos sujeitos que as
compartilham, fazendo surgir uma linha de identidade entre eles que acaba por
fortalecer os vínculos constituídos dentro daquele contexto social. De certo modo,
aqueles elementos que venham a fortalecer as representações ali constituídas são
aceitos, enquanto que elementos que venham a destoar destas representações podem
ser rechaçados, o que mantém a representação protegida;

c) Função de orientação – “guia os comportamentos e as práticas” (p.29). As


representações acabam por oferecer uma “teoria” a respeito de um determinado objeto
/ contexto; ao fazer isso, elas já “orientam” o agir que os sujeitos devem ter em relação
aquele objeto / contexto específico;
52

d) Função Justificadora – Permite “a justificativa das tomadas de posição e dos


comportamentos” (p. 30). Após a realização de uma ação, ou tomada de atitude, é
possível aos sujeitos de um grupo a construção de uma representação que as justifique.

Ao se propor o presente estudo, uma das preocupações iniciais era a de se buscar


entender como as representações construídas pelo policial orientam suas ações,
principalmente quando da interação junto ao meio social, independentemente estarem estes
em uma ação repressiva ou preventiva. Acredita-se que esta “orientação” tenha como
sustentáculo tanto um “saber” sobre as próprias práticas de atuação do policial, bem como em
relação à sociedade. Do mesmo modo, existirão “justificativas” construídas por estes sujeitos
para seus comportamentos e atitudes, o que fará com que optem por determinadas posturas
durante a realização das práticas profissionais e, que em última instância, poderão vir a lhe
conferir uma certa identidade profissional.

3.1.3. Representações Sociais e Práticas Sociais

Ao se falar em prática social, deve-se inicialmente tentar compreender e elucidar o que


é uma prática. Para responder a essa questão, traz-se a explicação oferecida por Rouquette
(2000). Segundo ele, a prática “abrange ao menos dois aspectos (...); a realização de uma ação
(...) e a freqüência dessa realização” (p. 43). Direcionando o olhar para as práticas
profissionais do policial militar, se está, deste modo, analisando especificamente como estes
sujeitos realizam suas ações profissionais, tanto aquelas para as quais foram instruídos, quanto
aquelas às que se encontra obrigado, ou por força de um regulamento disciplinar, ou porque
seu próprio grupo de pares as desenvolveu. É interessante notar que, além de se procurar
entender como aquele indivíduo realiza uma ação, também se deseja saber qual a
compreensão construída por ele a este respeito.

Como visto anteriormente, a representação social possui uma função de orientação,


isto é, guia os comportamentos dos sujeitos e as práticas dos diversos grupos sociais ao longo
da vida, o que permite uma movimentação dentro da sociedade e, mais especificamente, no
interior do grupo ao qual pertencem. Isto termina por remeter a uma outra questão, a
identidade social, visto que, ao possibilitar que o sujeito construa um significado do mundo,
transitando entre os discursos existentes, as representações sociais acabam por lhe favorecer
um sentimento de pertença grupal. Wagner (2000) irá dizer que “‘pensamento’ coletivo e
53

grupos reflexivos12 se complementam uns ao outro e são requisitos fundamentais para o que
se chama identidade social” (p. 12). Nesse sentido, a pesquisa, ora desenvolvida é, ao mesmo
tempo, uma pesquisa da sua própria identidade social, pelo policial militar.

Uma importante discussão a respeito das práticas sociais e das representações sociais
refere-se ao questionamento de qual delas caracterizar como uma variável dependente ou
variável independente. Qual influencia qual? Influenciam-se mutuamente?

Pode-se pensar inicialmente nas representações sociais como sendo influenciadoras


das práticas sociais, ou seja, o que faço depende daquilo que penso. E o que penso, também
depende daqueles preceitos constituídos pela cultura na qual me encontro inserido, com todos
os seus valores e normas; assim, o que faço depende de onde faço. Em seguida, esse tipo de
relação abre espaços, dentro do amplo contexto social, para a questão da singularidade, ou
seja, também posso fazer parte de variados grupos sociais, sendo portador de diversos papéis
sociais diferenciados. Rouquette (2000), quanto a isso, afirma que “essa influência das
representações sobre as práticas é (...) uma condição de coerção variável, e não uma
determinação propriamente dita” (p. 42). Tendo como base os estudos de Von Cranach13,
Rouquette (2000) acrescenta que os mesmos sugerem “que as representações sociais definem
as possíveis condições de ação, que portanto as constrangem, mas não as ditam” (p.43).

Deste modo, dentro das representações sociais construídas, sempre haverá espaços
para as características histórico-sociais de cada sujeito. Entretanto, Rouquette chama atenção
para o fato de que nem sempre se realiza aquilo que se deseja, seja por motivos morais, legais
ou normativos, dentre outros. Ou seja, existem pressões a respeito das quais muitas vezes é
difícil desvencilhar-se e que levam as pessoas a determinados comportamentos e, como
resultadas destes, as representações podem ser alteradas. Rouquette (op. cit.) continua,
afirmando que “por todas estas razões, a influência das práticas sobre a cognição constitui
uma determinação objetiva” (p. 43).

Como conclusão, o autor anteriormente citado afirma que não há uma mútua
influência entre as instâncias da vida social, ou seja, entre práticas e representações sociais,
sendo mais correto “tomar as representações como uma condição das práticas, e as práticas
como um agente de transformação das representações” (ibid, p.43).

12
Segundo Wagner (2000, p.10), grupo reflexivo “é entendido como um grupo que é definido pelos seus
membros, que conhecem sua afiliação e dispõem de critérios para decidir sobre quem são os seus membros”.
13
(Von Cranach, 1992)
54

3.2. A Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais

A teoria do núcleo central das representações sociais – ou abordagem estrutural, como


passou a ser posteriormente chamada – foi inicialmente elaborada por Jean-Claude Abric em
1976, na tese de seu doutoramento. Ela é considerada como tendo um caráter complementar à
teoria das representações sociais desenvolvida por Serge Moscovici.

A hipótese inicial de Abric (2000) era de que “a organização de uma representação


social apresenta uma característica específica, a de ser organizada em torno de um núcleo
central, constituindo-se em um ou mais elementos, que dão significado à representação” (p.
31). Deste modo, o núcleo central teria a função de não apenas organizar os elementos de uma
representação, mas também de lhes conceder um sentido. Mas o núcleo central não é o único
constituinte interno de uma representação. Ao seu redor é possível encontrar os chamados
elementos periféricos. Tais elementos, ainda segundo Abric (ibid.) “constituem o essencial do
conteúdo da representação: seus componentes mais acessíveis, mais vivos e mais concretos”
(p. 31). Sá (2002), apoiando-se em Abric14, completa com a consideração de que este sistema
periférico, ao possibilitar uma aproximação entre o meio social e o sistema central da
representação, “atualiza e contextualiza constantemente as determinações normativas e de
outra forma consensuais deste último, daí resultando a mobilidade, a flexibilidade e a
expressão individualizada que igualmente caracterizam as representações sociais” (p.73).

A hipótese do núcleo central permite compreender como duas representações podem


se distinguir, apesar de terem, muitas vezes, os mesmos elementos. Isto é explicado
justamente pela possibilidade de diferenciação na organização dos elementos centrais.
Alternativamente, duas representações com conteúdos periféricos algo distintos podem se
revelar como constituindo a mesma representação básica, devido à identidade de seus núcleos
centrais. Segundo Abric (2000), para que duas ou mais representações sejam distintas “elas
deverão ser organizadas em torno de dois núcleos centrais diferentes” (p. 31). Daí a
importância de se identificar os elementos pertencentes ao núcleo de uma representação. Um
ponto importante refere-se às determinações que irão definir a centralidade de um elemento,
que, para Abric (2000), “não pode ser atribuída somente por critérios quantitativos. Ao
contrário, o núcleo central possui (...) uma dimensão qualitativa. Não é a presença maciça de
um elemento que define sua centralidade, mas sim, o fato que ele dá significado à
representação” (p. 31).

14
L’organisation interne des représentations sociales: système central et système périphérique. In C. GUIMELLI
(Ed.). Structures et transformations des représentations sociales. Neuchâtel, Delachaux et Niestlé, 1994b, p 79.
55

Segundo Abric (ibid.), “o núcleo central será determinado pela natureza do objeto
representado, (...) pelo tipo de relações que o grupo mantém com este objeto e, (...) pelo
sistema de valores e normas sociais que constituem o meio ambiente ideológico do momento
e do grupo” (p. 31). Continuando, Abric afirma que o núcleo central possui duas importantes
funções: uma geradora, que permite criar ou transformar significados dos outros elementos
integrantes de uma representação; e uma função organizadora, que lhe possibilita estruturar as
ligações entre os elementos de uma representação.

Uma propriedade do núcleo central é, segundo Abric (ibid.), a de promover uma certa
estabilidade da representação. Deste modo, o núcleo central é o elemento mais resistente de
uma representação, o mais difícil de se alcançar para a produção de mudanças em uma
representação. Só é possível falar na transformação de uma representação, se ocorrerem
alterações em seu núcleo central.

Retornando aos elementos periféricos, é importante que se diga que não se tratam de
elementos menores de uma representação. Sem sua correta compreensão, a teoria do núcleo
central poderia se apresentar de modo confuso, visto que, as representações, segundo Abric
(ibid.), se mostram “simultaneamente, estáveis e móveis, rígidas e flexíveis” (p. 34), e
continua esclarecendo que “além disto, as representações são, ao mesmo tempo, consensuais e
marcadas por fortes diferenças individuais” (p. 34). Ou seja, aparentemente parece existir uma
certa contradição interna. Contudo, a mesma pode ser facilmente explicada; sendo que para
isto Sá (2002) declara que, a própria teoria acaba por propor a idéia de que,

uma representação social, conquanto uma entidade unitária, é regida por um sistema
interno duplo, em que cada parte tem um papel específico mas complementar ao da
outra. Haveria, assim, um sistema central, constituído pelo núcleo central da
representação (...). Em segundo lugar, como complemento indispensável do sistema
central (...) “um sistema periférico”, constituído pelos elementos periféricos da
representação (...). (p.73)

Deste modo, são os elementos periféricos que concedem um caráter mais flexível e
móvel à representação, justamente por estarem apoiados nas experiências individuais dos
sujeitos, enquanto o núcleo central, como já foi visto, é responsável pela rigidez e estabilidade
da representação, apoiando-se na história e valores do grupo.

Os elementos periféricos também são entendidos por Flament como esquemas. Para
ele, (2001), “os esquemas periféricos asseguram o funcionamento quase instantâneo da
representação como grade de decodificação de uma situação: indicam (...) o que é normal (e,
56

por contraste, o que não é); e, portanto, o que é preciso fazer compreender ou memorizar” (p.
177). Baseando-se nesta noção de esquema, Abric (2000) cita Flament para explicitar três
características identificadas por este último para os elementos periféricos.

Segundo Abric (2000), os elementos periféricos possuem três importantes funções:


“função de concretização, função de regulação e função de defesa” (p. 32). A função de
concretização permite à representação apoiar-se nos aspectos mais vívidos e concretos da
experiência de vida do sujeito, o que facilita a transmissão das representações. A função de
regulação é o que possibilita que a representação se adapte às situações do contexto imediato,
captando novos elementos do meio para a periferia da representação. Esta função acaba por
relacionar-se de modo direto à terceira função, que é a de defesa. Os elementos periféricos,
por sua mobilidade, flexibilidade e aspectos individuais, evitam que as novas informações que
contradigam uma dada representação atinjam o seu núcleo central, modificando-a.
Finalizando, Flament (2001) esclarece que “na realidade, a periferia da representação serve de
pára-choque entre uma realidade que questiona e um núcleo central que não deve mudar
facilmente” (p. 178).

Nesta pesquisa, o uso da abordagem estrutural permitiu que fossem realizados diversos
níveis de comparação entre as representações sociais levantadas. Inicialmente, do total de
sujeitos analisou-se e compararam-se as representações construídas por três grupos com
diferentes tempos de serviço na corporação, em seguida observou-se o nível de escolarização
(ensino médio ou superior) e por fim, a localização da unidade operacional a que pertence:
interior ou capital.
4 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA POLÍCIA MILITAR PELOS
PRÓPRIOS POLICIAIS: UM ESTUDO EMPÍRICO

4.1 – Objetivos

O objetivo geral da presente pesquisa empírica consistiu em descrever e comparar as


representações sociais construídas pelos policiais militares – diferenciados em relação a
tempo de serviço, lotação geográfica e nível de escolaridade – a respeito da Polícia Militar do
Estado do Rio de Janeiro e de sua relação com a sociedade.

Para a consecução desse objetivo geral, foram estabelecidos e alcançados os seguintes


objetivos específicos:

· Descrever o conteúdo e a estrutura das representações sociais construídas por


Recrutas da PMERJ.

· Descrever o conteúdo e a estrutura das as representações sociais construídas


pos Cabos da PMERJ.

· Descrever o conteúdo e a estrutura das representações sociais construídas por


Sargentos e Sub-Tenentes da PMERJ.

· Descrever o conteúdo e a estrutura das representações sociais construídas por


policiais da cidade do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense.

· Descrever o conteúdo e a estrutura das representações sociais construídas por


policiais do interior do Estado do Rio de Janeiro.

· Descrever o conteúdo e a estrutura das representações sociais construídas por


policiais com nível médio de instrução.

· Descrever o conteúdo e a estrutura das representações sociais construídas por


policiais com nível superior de instrução.

· Comparar as representações construídas pelos diferentes segmentos de


policiais militares, segundo os critérios assinalados.
58

4.2 – Método

4.2.1 – Sujeitos

Os sujeitos deste estudo foram Praças em serviço ativo na Polícia Militar do Estado do
Rio de Janeiro. Acreditou-se que através destes, se poderia alcançar como uma instituição
“centenária” é capaz de se perceber através do olhar de sujeitos que de dentro de seus portões,
também fazem parte de uma vasta rede social. Os policiais pesquisados estão incluídos em
faixas distintas de tempo de serviço dentro da corporação. Para se obter estas amostras os
pesquisados foram recrutados dentre:

a) Alunos do Curso de Formação de Soldados;

b) Alunos do Curso Especial de Formação de Cabos;

c) Alunos do Curso do Quadro de Oficiais Auxiliares.

No Curso de Formação de Soldados, os sujeitos ainda se encontram em processo de


ingresso na corporação, não possuindo nenhum conhecimento “prático” da mesma. Para
este estudo, os participantes foram candidatos aprovados no concurso público para soldado
em 2004. Entende-se que é importante levantar a representação a respeito da instituição
que é trazida por esses recém-admitidos, quando do seu ingresso. Posteriormente, será
possível comparar tal forma de conhecimento com as dos sujeitos que estão há mais tempo
na corporação, de modo a inferir as transformações que possivelmente ocorrem com estas
representações ao longo do exercício profissional.

O Curso de Formação de Soldados15 tem duração de 32 semanas, com carga horária


total de 1.140 horas. Os objetivos gerais deste curso são16:

· Formar o Soldado Policial Militar;

· Desenvolver as aptidões necessárias para o exercício da função;

· Motivar o aluno em formação, demonstrando a importância de uma corporação e a


responsabilidade do Soldado PM para com a sociedade.

15
Fonte: Diretoria de Ensino e Instrução da PMERJ – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças - CFAP
16
Para melhor compreensão acerca dos currículos escolares dos policiais, ver Tese de Doutorado de Paula
Poncione, “Tornar-se Policial: A construção da Identidade Profissional do Policial no Estado do Rio de Janeiro”
– 2003.
59

Para o Curso Especial de Formação de Cabos, os policiais devem estar há cerca de,
no mínimo, oito anos na instituição. É importante frisar que soldados com um tempo de
serviço menor também possuem o direito de realizar o curso de formação de cabos, desde
que aprovados em concurso interno da corporação; contudo, estes não fizeram parte da
amostra desta pesquisa.

O Curso Especial de Formação de Cabos17 tem duração 23 semanas, com carga


horária total de 802 horas. Seus objetivos gerais são:

· Formar o Cabo PM;

· Registrar a importância do Cabo PM dentro da cadeia hierárquica da corporação;

· Aplicar conhecimentos necessários ao exercício da função de Cabo PM;

· Ampliar as habilidades e competências adquiridas como Soldado Policial Militar.

O curso do Quadro de Oficiais Auxiliares é realizado por policiais militares que


possuem em torno de quinze anos na corporação. Este curso, apesar de se destinar à
formação de oficiais, é realizado exclusivamente por sujeitos que entraram na Polícia
Militar através do concurso de soldados, ou seja, todos são Praças que, após uma série de
concursos internos ao longo de sua carreira, galgaram a possibilidade de integrarem o
quadro de oficiais da corporação. Deste modo, este curso difere daquele em que, através de
provas de vestibular, o sujeito é admitido na Academia de Polícia Militar D. João VI e,
após três anos de internato, sai como “Aspirante-a-Oficial PM”. Neste segundo caso, o
sujeito nunca foi Praça.

O curso do Quadro de Oficiais Auxiliares18 tem duração de 26 semanas, com carga


horária total de 928 horas. Seus objetivos são:

· Conhecer os cargos e funções privativas de Oficiais Auxiliares e especialistas da


Corporação, bem como as funções afetas a todo Oficial subalterno/ Intermediário;

· Exercer as funções inerentes aos oficiais do Quadro de Oficiais Auxiliares e


especialistas;

· Valorizar as qualidades morais e éticas próprias de quem atinge o oficialato.

17
Fonte: Diretoria de Ensino e Instrução da PMERJ – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças - CFAP
18
Fonte: Divisão de Ensino da PMERJ – Centro de Qualificação de Profissionais de Segurança - CQPS
60

4.2.2 – Coleta de Dados

Utilizaram-se como instrumentos para a coleta de dados o questionário e a técnica de


evocação livre. A opção pelo questionário, e não de entrevistas, se deveu principalmente à
necessidade de oferecer aos sujeitos estudados a possibilidade de se manterem no anonimato,
visto que muitos temem pela possibilidade de “perseguição” dentro da instituição, o que
possivelmente faria com que não aceitassem participar da pesquisa.

Uma outra providência relevante para a construção do questionário foi à proposição de


perguntas que não solicitassem uma resposta pessoal do sujeito, mas sim que o levassem a
responder pelo conjunto de policiais militares, em nome dos quais ele era chamado a se
posicionar. Com isto, acreditou-se que os policiais se sentiriam mais “livres” para responder,
uma vez que, uma resposta que emitisse um valor não aceito dentro do campo social passaria
pela conta da “maioria dos policiais”, e não pela do respondente individual. Tomou-se como
base para essa providência a “técnica de substituição” formulada por Abric (2004) e cujo
objetivo é evitar que os sujeitos se sintam tentados a falsear suas respostas para se colocar sob
uma luz mais favorável, ou seja, evitar o efeito conhecido como “desiderabilidade social”. O
questionário, que pode ser observado no apêndice “B” contém perguntas abertas e fechadas e
foi aplicado coletivamente pela pesquisadora, em sessões programadas dentro dos cursos, mas
sendo respondido pelo próprio policial, de modo individual. O questionário divide-se em três
partes:

a) Caracterização sócio-demográfica da amostra de sujeitos, através de perguntas fechadas;

b) Identificação da estrutura temática básica da representação social, pela utilização da


técnica de evocação livre (Vergès, 1992), cujo termo indutor foi “Polícia Militar”;

c) Levantamento do conteúdo mais detalhado da representação social, através de perguntas


fechadas e abetas referentes à relação entre a instituição policial militar e a sociedade.

Antes da aplicação dos questionários, os objetivos e natureza da pesquisa, bem


como as circunstâncias de utilização das respostas, foram explicados aos sujeitos, que
puderam optar por participar ou não. Os que concordaram em responder ao questionário
foram solicitados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que pode ser
visto no apêndice “C”.
61

4.2.3 – Campo de Coleta dos Dados

A coleta de dados foi realizada durante o ano de 2005, no Centro de Formação de


Praças 31 de Voluntários (CFAP), localizado no bairro de Sulacap, na cidade do Rio de
Janeiro, e no Centro de Qualificação de Profissionais de Segurança (CQPS), sediado na
cidade de Niterói19. O CFAP destina-se, como o próprio nome esclarece, à formação e
aperfeiçoamento de Praças para a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Por Praças,
pode-se considerar: Alunos do Curso de Formação de Soldados (Recrutas), Soldados, Cabos,
Sargentos e Sub-Tenentes. Este local é a porta de entrada para o indivíduo (quando Praça)
ingressar na corporação, tendo que aí retornar sempre que, por tempo de serviço, concurso ou
alguma determinação administrativa, for necessário realizar algum curso. Estes cursos
poderão ou não ter como objetivo a promoção do policial a uma graduação superior. Deste
modo, aí foram aplicados os questionários aos novos Recrutas e aos Policiais Soldados que
estão se formando como Cabos. No CQPS, a pesquisa foi direcionada para aqueles sujeitos
mais antigos na corporação, isto é, que estão há mais de quinze anos na instituição.

A escolha destes locais foi baseada na relevância dos mesmos como referência na
formação dos policiais pertencentes a diferentes municípios do Rio de Janeiro. Assim, foi
possível alcançar um número representativo de policiais provenientes de várias regiões do
Estado.

4.2.4 – Análise de Dados

Para a análise dos dados, utilizaram-se procedimentos básicos de estatística descritiva


para as questões fechadas. Nas questões abertas, agruparam-se as repostas dos sujeitos,
categorizando-as antes de submetê-las a tratamento estatístico. Para a análise da evocação
livre foi utilizado o programa EVOC de análise de evocações, produzido por Vèrges (1992).

4.3 – Resultados e Discussão

Os resultados são apresentados inicialmente partindo dos dados referentes aos


resultados sócio-demográficos; em seguida serão feitas as análises das evocações livres e, por
último são apresentadas às respostas do questionário. Este percurso permitirá uma
compreensão gradativa da construção das representações sociais pelos policiais militares.

19
No momento, o CQPS encontra-se sediado no CFAP.
62

4.3.1 – Características Sócio-Demográficas dos Conjuntos de Sujeitos

Como pode ser observada na Tabela 1 a maioria dos sujeitos pesquisados atua em
áreas situadas na cidade do Rio de Janeiro ou na Baixada Fluminense, refletindo a grande
concentração de unidades operacionais nestes locais. Um outro aspecto possível de inferir, é
que, em virtude da distância e das dificuldades de deslocamento para a capital, muitos
policiais militares optam por não realizar cursos, por serem longe de sua residência. Este fato
pôde ser observado quando a pesquisadora trabalhava no 8º BPM, Campos dos Goytacazes,
em que muitos policiais solicitavam não ingressar (pois tinham direito, e eram comunicados
do fato) em cursos que lhe facilitariam a promoção, esperando que a mesma ocorresse por
tempo de serviço, para não ficarem longe da família, e do “bico”, isto é, do serviço extra, cuja
renda muitas vezes já estava incorporada ao seu orçamento familiar.

Tabela 1: Distribuição da localização das unidades operacionais de origem em função das


categorias funcionais de policiais militares. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
LOCAL DA UNIDADE f % F % f %

Cidade do Rio de Janeiro 49 89,0 53 55,0 130 73,0


ou Baixada Fluminense

Interior do Estado do Rio 5 10,0 44 45,0 17 9,0


de Janeiro

Não Responderam 1 1,0 - - 32 18,0

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Na Tabela 2, em relação à escolaridade dos policiais, observa-se que a grande maioria


é portadora de diploma de 2º Grau (nível necessário para a realização do concurso para
soldado atualmente). Entre os mais antigos na corporação pode-se encontrar a maior
porcentagem de sujeitos portadores de diploma de nível superior, e entre os novatos, a maior
porcentagem de alunos universitários. Este último dado poderia sugerir que muitos indivíduos
(especialmente os mais jovens) ingressam na Polícia Militar apenas “por um tempo” , como
uma possibilidade de remuneração garantida enquanto realizam estudos que irão lhe permitir
galgar novos horizontes, como será discutido mais tarde a propósito dos resultados
apresentados nas Tabelas 40 e 42.
63

Tabela 2: Distribuição do nível de escolaridade dos policiais militares. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA
QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
NÍVEL DE INSTRUÇÃO
f % F % f %
Ensino Superior Completo
12 22,0 5 5,0 10 5,5
Ensino Superior
Incompleto 13 23,5 7 7,2 67 37,5
Ensino Médio Completo
30 54,5 68 70,0 101 56,5
Ensino Médio Incompleto
- - 12 12,4 1 0,5
Ensino Fundamental
Completo - - 4 4,4 - -
Ensino Fundamental
Incompleto - - 1 1,0 - -

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

A Tabela 3 mostra que dentre os cursos superiores concluídos pelos policiais, dois
destacam-se. Variados cursos de Licenciatura (Língua Portuguesa, Matemática, Educação
Física, Química e etc), e Direito. A questão do Curso de Direito é interessante, pois reforça a
idéia de que para grande parte dos policiais, seu trabalho pode ser resumido em se saber (e
muito bem!) todas as leis contidas em todos os códigos. Não que tal conhecimento não seja
necessário e imprescindível, visto que, o policial é um dos responsáveis pelo cumprimento das
leis e é quem está mais próximo da população, mas por isso mesmo não deve esquecer que
estas leis são para serem aplicadas em contextos sociais e junto a pessoas, o que não permite
que esta instituição se afaste dos conhecimentos produzidos na área de ciências humanas e
sociais.
64

Tabela 3: Distribuição dos cursos de nível superior, concluídos pelos policiais militares.
Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
f % f % f %
CURSO SUPERIOR
Direito 1 8,5 3 60,0 2 20,0

Fisioterapia 2 15,5 1 20,0 2 20,0

Licenciatura 5 41,5 1 20,0 3 30,0

Outros 4 33,5 - - 3 30,0

Total (*) 12 100 5 100 10 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Complementando este item de caracterização, encontra-se no apêndice “D”, uma


tabela que contém a relação dos cursos de nível superior que ainda não foram concluídos
pelos policiais.

Como é mostrada na Tabela 4, a maioria dos sujeitos pertencentes à graduação de


Recrutas e Cabos vivenciou a situação de desemprego antes da entrada na instituição. Tal
aspecto sugere que a possibilidade de se ter um emprego estável, mesmo que este implique
em grandes riscos, pode ter sido uma das causas para a escolha da profissão. No QOA, 73%
dos sujeitos possuía emprego antes de ingressarem neste quadro militar, o que sugere que as
opções possam ter sido pautadas tanto em termos de estabilidade profissional ou gosto
pessoal. Mais à frente serão apresentados outros dados que mostram como as garantias
asseguradas pelo emprego público são um dos principais motivos que fazem com que os
policiais permaneçam na instituição. Na Tabela 5 também se pode constatar que, tanto entre
os Recrutas (24,5% de sujeitos) como entre os integrantes do QOA, (27,5% de sujeitos), a
maioria é procedente da área militar, ou seja, após a prestação de serviços obrigatórios ou não,
para o Exército, Marinha ou Aeronáutica ingressaram na PMERJ. Entre os cabos, 50% dos
sujeitos são provenientes de áreas técnicas e comerciarias, sendo que apenas 16,5 % dos
sujeitos haviam sido militares. No grupo de Recrutas e do QOA também existe uma
significativa representatividade das áreas técnicas e comerciarias.

A partir da Tabela 5, é possível observar um fato em relação ao grupo de Cabos. Do


total de 48 tabelas construídas, em 48% delas (23 tabelas) um considerável número de sujeitos
deste grupo, optou por não expressar opinião ou justificativa. Ao final das análises de todas as
65

tabelas, algumas considerações serão feitas a este respeito, visto ser necessário, inicialmente,
observar quais as características das tabelas mais negligenciadas por estes sujeitos.

Tabela 4: Distribuição da existência ou não de desemprego anterior a entrada do policial na


corporação. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
DESEMPREGO f % F % f %
ANTERIOR
Sim 14 25,4 52 53,6 136 76,0

Não 40 72,7 43 44,4 41 23,0

Não Responderam 1 1,9 2 2,0 2


66

4.3.2 – Configurações Estruturais das Representações

Analisando os dados da evocação livre, foi possível identificar as temáticas estruturais


básicas das representações sociais construídas pelo conjunto dos três grupos (Recrutas, Cabos
e QOA) de sujeitos, bem como por cada um deles isoladamente, a respeito da Polícia Militar,
em sua relação com a sociedade do Rio de Janeiro. Em acréscimo, numa tentativa de melhor
se aproximar da complexidade do objeto estudado, também foram identificadas as
representações sociais dos indivíduos que estão em atividade na Capital/ Baixada Fluminense
ou interior do Estado, e entre os que possuem nível médio ou superior de instrução,
independentemente do tempo que estejam na corporação. Contudo, os dados levantados junto
a estes quatro últimos grupos não serão citados quando da análise das respostas provenientes
do questionário em relação com as representações construídas pelos grupos de sujeitos
discriminados em termos de tempo de serviço. Isto porque, identificar os elementos
constitutivos da representação, descrevê-los e compará-los apenas em termos de tempo de
atuação na corporação, parece oferecer maiores possibilidades de se inferir algumas possíveis
alterações nas representações destes três grupos, o que possibilitaria a construção de
estratégias com vistas a um melhor desempenho profissional, melhoria das relações com o
meio social e, conseqüentemente, melhor qualidade de vida para o policial.

A análise das evocações produzidas pelo inteiro conjunto dos 331 sujeitos ante o
termo indutor “Polícia Militar”, feita com auxílio do software EVOC, resultou no quadro de
quatro casas apresentado na Figura 3. Os temas evocados contidos no quadrante superior
esquerdo, que se encontram ao mesmo tempo acima da freqüência média (45) e abaixo da
média das ordens médias de evocação (O.M.E.) das palavras (3,0), são os mais prováveis
elementos constituintes do sistema ou núcleo central, justamente por terem sido aqueles mais
freqüentemente e mais prontamente evocados. No quadrante superior direito, ou seja, a
primeira periferia da representação, tem-se os elementos mais freqüentes e menos
prontamente evocados pelos indivíduos. Por sua aproximação ao núcleo central, são os
elementos periféricos mais importantes e referem-se a aspectos que são menos afetados pelo
contexto social imediato. O quadrante inferior esquerdo engloba elementos menos freqüentes,
porém muito prontamente evocados pelos policiais. Abric entende esta periferia como uma
“zona de contraste”, que sugere a existência de um processo de transformação nas
representações, ou seja, envolve elementos temáticos não evocados pela maioria dos sujeitos
do conjunto, mas que podem ser muito valorizados pelos sujeitos de algum ou alguns dos
subconjuntos estudados, possibilitando assim, em médio ou longo prazo, transformações. O
67

quadrante inferior direito constitui a segunda periferia, englobando os elementos menos


freqüentes e menos prontamente evocados, que são os mais sensíveis ao contexto social
imediato.

Considerando que, segundo a abordagem estrutural das representações sociais, o


critério para a comparação entre as representações de dois ou mais grupos em relação a um
mesmo objeto envolve basicamente os seus respectivos núcleos centrais, serão privilegiadas a
seguir a descrição e a discussão dos elementos temáticos que compõem o quadrante superior
esquerdo, tipicamente central, e a primeira periferia (quadrante superior direito), que pode
eventualmente contribuir para a composição do sistema central.

No mesmo propósito comparativo, há, entretanto, interesse também, no caso da


representação do conjunto dos sujeitos, em analisar a composição do quadrante inferior
esquerdo, a “zona de contraste”, porque se acredita que esses dados possam eventualmente
assinalar novos caminhos para a instituição.

A figura 3, que se segue, apresentam a análise das evocações do conjunto de todos os


sujeitos.

O.M.E. < 3,0 ³ 3,0


Freq. Termo evocado Freq. O.M.E. Termo evocado Freq. O.M.E.
Med.

Servir-e-proteger 125 2,5 Ordem-pública 52 3,0


³ 45 Segurança 102 2,3 Desacreditada 49 3,5
Estabilidade 53 2,4 Repressão 46 3,3
Baixo-salário 50 2,4 Risco 46 3,3
Respeito 49 2,6

Desorganizada 43 2,8 Corrupção 31 3,2


< 45 Emprego 43 2,5 Disciplina 25 3,2
Profissão 36 2,7 Sociedade 21 3,1
Cumprimento-lei 27 2,6 Más-condições 20 3,4
Essencial 22 2,5
Orgulho 22 2,4

Figura 3: Distribuição estrutural das evocações ao termo indutor “Polícia Militar”, pelo
conjunto dos policiais militares. Rio de Janeiro, 2005. N = 331.

No núcleo central da representação social da Polícia Militar pelo conjunto dos


policiais militares (Recrutas, Cabos e QOA) verifica-se que o mais forte de seus elementos
constitutivos é o próprio lema da corporação, ou seja, “servir e proteger”, bem como a idéia
de “segurança”, cuja garantia à população seria uma responsabilidade inerente à prática
68

profissional do policial. Outros elementos centrais referem-se às condições que lhes são
proporcionadas como profissionais, sendo uma positiva “estabilidade” e outra negativa “baixo
salário”. Finalmente, a evocação de “respeito” agrega à representação uma nítida valorização
positiva da instituição policial militar.

Na importante primeira periferia da representação do conjunto dos sujeitos, encontra-


se a missão de manutenção da “ordem pública”, alcançada através da “repressão”, que, junto
com o “risco”, são reconhecidos como inerentes à atuação profissional. Uma outra
constatação é de que a instituição policial militar é socialmente “desacreditada”.

A zona de contraste, no quadrante inferior esquerdo, aponta para a compreensão de


uma característica negativa da instituição – “desorganizada”. A concepção da prática
profissional também denota a existência de modos distintos de se avaliar o trabalho policial
militar: um como “emprego” e outro como “profissão”. Para o presente estudo, a pesquisadora
buscou diferenciar os termos “emprego” e “profissão”, a partir da análise dos conteúdos que
acompanhavam as respostas/ justificativas oferecidas pelos sujeitos. Deste modo, o termo
“emprego” refere-se aqui, apenas a um meio de se obter um salário estável ao final do mês,
sendo que, a palavra “profissão” é acompanhada de uma valorização positiva deste trabalho,
isto é, o indivíduo reconhece na sua prática profissional a existência de outros fatores, além do
salário, que o fazem optar por ela.

Três aspectos positivos podem aqui também ser observados. Um relacionado a um dos
objetivos da instituição, qual seja, o de se “fazer cumprir as leis”. E outro referente à
constatação dela ser “essencial” ao meio social. Por último, uma valorização positiva da
instituição, demonstrada pelo “orgulho” em ser policial.

A segunda periferia, sendo a mais afetada pelas práticas, como visto anteriormente,
tem a função de proteger o núcleo central da representação, evitando assim, mudanças.
Contudo, por sua flexibilidade, ela se adapta mais facilmente a novas situações e, dependendo
do contexto em que isto ocorre – isto é, se essas novas práticas se apresentam como
reversíveis ou não a mudança da representação poderá ocorrer ou não. Os termos encontrados
na segunda periferia do conjunto de sujeitos, ou seja, a “corrupção” identificada no interior da
organização, a “disciplina”, que se mostra ambígua na compreensão de muitos policiais, visto
que, se para alguns ela é necessária, característica intrínseca ao militarismo, para outros ela é
entendida como coercitiva, devendo ser mais “suavizada”; bem como o termo “sociedade”,
que parece se dirigir para uma compreensão daqueles que são os reais clientes da instituição
policial militar, e a quem, os policiais militares atendem sob “más condições” de trabalho,
69

apontam para a possibilidade de se pensar estratégias, em curto prazo, que possam vir a
contribuir para um aperfeiçoamento da instituição, através de uma maior reflexão e controle
das práticas e valores arraigados a ela.

Ao se comparar às evocações encontradas na representação social do conjunto de


sujeitos com as que foram construídas pelos grupos distintos de policiais, isto é, pelos
Recrutas, Cabos e integrantes do QOA, bem como com estes mesmos sujeitos, mas dispostos
em grupos alternativos, caracterizados pela localização geográfica do serviço, ou seja, na
Capital/ Baixada Fluminense ou no interior do Estado, e com aqueles portadores de nível
médio ou superior de instrução, algumas considerações podem ser feitas.

Percebe-se que com exceção do grupo de Cabos, todos os outros foram responsáveis
pela atribuição de centralidade ao tema “servir e proteger”. O termo “segurança”, também
central na representação do conjunto de sujeitos, surgiu no núcleo central de quase todos os
grupos, menos entre os Cabos e os que estão de serviço no interior do Estado. Contudo, foram
estes dois últimos grupos, mais o daqueles que possuem nível médio de instrução que
proporcionaram centralidade ao termo “baixo salário”. Em relação a este fato, pode-se dizer
que a representação construída pelo grupo de Cabos, e que será apresentada mais adiante,
discrepa das outras, quando comparada em termos de tempo de serviço na corporação, por
não conferir centralidade aos elementos positivos “servir e proteger” e “segurança”. Estes são
privilegiados por poucos desses profissionais, encontrando-se, por isso, na zona de contraste e
na segunda periferia da representação. No grupo em atividade no interior do Estado, o
elemento “segurança” estará na zona de contraste. Os outros dois termos encontrados no
núcleo central da representação do conjunto de sujeitos, “estabilidade” e “respeito”, foram
contribuição do grupo de Recrutas, dos que atuam na Capital/ Baixada Fluminense e daqueles
portadores de nível médio de instrução. Parece que os sujeitos que estão ingressando na
polícia (Recrutas), comparados com os outros dois grupos diferenciados por tempo de serviço,
isto é, Cabos e integrantes do QOA, são os que mais vinculam o valor “respeito” ao trabalho
policial, sendo que este mesmo termo nem é evocado nas representações desses outros dois
grupos. Isto pode sugerir que, com o passar dos anos o policial sinta-se mais “desvalorizado”,
uma vez que parece constatar que não é conferido “respeito” a sua prática profissional.

A missão de “manter a ordem pública” encontrada na primeira periferia mostra-se


como contribuição do QOA, dos que atuam na Capital ou Baixada Fluminense e dos que
possuem nível médio de instrução, localizando-se na segunda periferia ou na zona de
contraste dos outros grupos, com exceção dos Cabos, onde ela sequer aparece. Para alcançar a
70

manutenção da “ordem pública”, destaca-se a “repressão”, que envolve “risco” para o policial.
Os sujeitos que mais contribuíram para a localização dessas duas últimas evocações na
primeira periferia foram os que atuam na Capital/ Baixada Fluminense, os portadores de nível
superior e o QOA. Uma das coisas que se pode perceber é que é justamente nas áreas da
capital e entorno onde parece existir um maior número de enfrentamentos entre policiais e
criminosos, e onde os policiais sentem-se mais vulneráveis aos riscos inerentes da profissão.
Uma outra observação possível sugere que o sentimento de exercer uma profissão perigosa,
que inclui “riscos”, tende a aumentar na medida direta em que aumenta o tempo de
permanência do sujeito na instituição, principalmente se ele atua na Capital/ Baixada
Fluminense.

O termo “desacreditada” encontrado na primeira periferia pode ser creditado ao grupo


de Cabos, aos que se encontram trabalhando no interior do Estado e aos que possuem nível
médio de instrução. Nos outros grupos, com exceção do QOA, onde o termo nem aparece, ele
pode ser localizado na segunda periferia.

Cabe aqui destacar, para as considerações finais que serão feitas mais à frente, que os
indivíduos que atuam na Capital/ Baixada Fluminense foram os únicos que apresentaram o
termo “repressão” em sua primeira periferia. A isto convêm acrescentar que os termos
“desacreditada” e “risco” foram os mais evocados nas primeiras periferias de todos os grupos.

Entre os elementos presentes na zona de contraste do conjunto de sujeitos, o termo


“desorganizada” mostra-se como principal contribuição do grupo de Cabos, entre aqueles que
atuam no interior e os que portam nível médio de instrução. Contudo, este elemento também
pode ser encontrado na mesma zona de contraste do grupo que atua na Capital/ Baixada
Fluminense. Do que se pode inferir que pode estar havendo uma mudança representacional a
respeito da estrutura administrativa da organização policial militar, fazendo com que o sujeito
que atua na Capital/ Baixada Fluminense passe a entender a instituição como
“desorganizada”.

O termo “emprego” surge como contribuição principal do grupo de Cabos e do QOA,


presentes no núcleo central destes grupos. O que pode sugerir que os sujeitos que estão há
mais tempo na corporação a identificam apenas como uma fonte de renda certa. A evocação
da “profissão” na zona de contraste do conjunto total de sujeitos mostra-se como contribuição
dos sujeitos que atuam na Capital/ Baixada Fluminense, para os integrantes do QOA e para os
portadores de nível médio de instrução, localizando-se também na zona de contraste dos
referidos grupos. A compreensão do trabalho policial militar tendo como um dos objetivos o
71

“cumprimento da lei”, presente também na zona de contraste do conjunto de sujeitos, é


contribuição principal dos Recrutas, dos portadores de nível médio de instrução e daqueles
que atuam na Capital/ Baixada Fluminense, localizando-se também na zona de contraste dos
respectivos grupos. Um outro elemento encontrado na zona de contraste do conjunto de
sujeitos entende a instituição como “essencial”, e foi o único termo de caráter positivo
creditado à corporação pelo grupo de Cabos, excetuando-se o lema da Polícia Militar – servir
e proteger.

Finalizando, para este estudo mostrou-se interessante levantar um dos elementos


evocado na segunda periferia, pois, como esta é a mais afetada pelas práticas, evidencia que
certas práticas, como a corrupção, são representadas como naturais por uma fração dos
policiais militares. O termo “corrupção” presente nesta segunda periferia, também foi
evocado, neste mesmo quadrante pelo grupo de Recrutas, pelos que atuam na Capital/
Baixada Fluminense e pelos que possuem nível superior; entretanto, estará presente na zona
de contraste dos sujeitos portadores de nível médio. Sendo um problema de grande
complexidade social, e existente em muitas outras instituições, a corrupção no interior da
organização policial ganha cores adversas, pois, como cabe a esta a manutenção da lei e da
ordem, comportamentos corruptos terminam necessariamente por aproximar alguns sujeitos
do crime e da violência, e estes, como representantes mais tangíveis do Estado (Soares, 2000),
levam consigo para o lodo o nome de toda a instituição. Este aspecto remete à importância,
entre outras coisas, dos mecanismos de controle do trabalho policial. Alguns estudos
realizados por Soares (2000) e por Lemgruber, Musemeci & Cano (2003) apontam para
urgência de discussões de novas estratégias por parte das Corregedorias de Polícias (forma de
controle interno) e das Ouvidorias de Polícia (controle externo). Deste modo, parece ser
importante e necessário proporcionar e incrementar mudanças externas que venham a
privilegiar o controle da corrupção na instituição policial. Este pressuposto é fortalecido por
Flament (1994)20, citado por Sá (2002), quando estabelece a modificação das circunstâncias
externas como a primeira fase para a transformação das práticas sociais e, a partir destas, das
representações.

As Figuras 4, 5 e 6, que se seguem, apresentam, para fins comparativos, as estruturas


temáticas básicas das representações produzidas, respectivamente, pelos grupos dos Recrutas,
dos Cabos e do QOA.

20
Structure, dynamique et transformation dês representations socials. In: J. –C. Abric (Ed). Pratiques socials et
representations. Paris, Presses Universitaires de France, 1994b, 37 – 57.
72

O.M.E. < 3,0 ³ 3,0


Freq. Termo Evocado Freq. O.M.E. Termo Evocado Freq. O.M.E.
Med.

Servir-e-proteger 95 2,4
³ 37 Segurança 63 2,3
Estabilidade 45 2,4
Respeito 41 2,7

Baixo-salário 28 2,9 Risco 32 3,2


< 37 Cumprimento-lei 18 2,6 Repressão 30 3,3
Orgulho 15 2,7 Ordem-pública 30 3,1
Desacreditada 25 3,5
Corrupção 22 3,5

Figura 4: Distribuição estrutural das evocações ao termo indutor “Polícia Militar”, pelo
conjunto dos Recrutas. Rio de Janeiro, 2005. N = 179.

Na figura 4, é possível observar que as evocações apresentadas no quadrante superior


direito (núcleo central) pelo conjunto de Recrutas assemelham-se aos elementos presentes no
núcleo central do conjunto de sujeitos pesquisados, com exceção do termo “baixo salário”,
que irá surgir apenas na zona de contraste. A partir disso é possível inferir que, os indivíduos
que atualmente adentram na instituição já começam a construir uma representação negativa
quanto ao retorno econômico advindo da profissão. Quanto aos elementos do núcleo central,
percebe-se a prontidão com que o lema da corporação é evocado – “servir e proteger”, bem
como a missão de proporcionar “segurança” à população. A estabilidade apresenta-se como
forte componente atrativo para o trabalho na corporação, mas o termo “respeito” denota toda
uma valorização
73

ausência de evocações nesta periferia é teoricamente possível, não representando assim, falhas
na execução da pesquisa.

O.M.E. < 2,9 ³ 2,9


Freq. Termo Evocado Freq. O.M.E. Termo Evocado Freq. O.M.E.
Med.

Desorganizada 35 2,7 Desacreditada 24 3,5


³ 17,4 Baixo-salário 20 1,9
Emprego 19 2,2

Servir-e-proteger 14 2,5 Más-condições 14 3,7


< 17,4 Essencial 10 2,3 Profissão 13 2,9
Segurança 13 3,1
Política 12 3,7

Figura 5: Distribuição estrutural das evocações ao termo indutor “Polícia Militar”, pelo
conjunto dos Cabos. Rio de Janeiro, 2005. N = 97.

A Figura 5 mostra que no grupo de Cabos o núcleo central da representação social


apresenta como elemento mais forte uma compreensão negativa do caráter estrutural da
instituição, ou seja, a “desorganização”. Outros elementos do núcleo referem-se à
representação da profissão de Policial Militar, como “emprego” que proporciona “baixos
salários”. Já foi apontado que os elementos encontrados no núcleo central deste grupo
destoam completamente, quando comparados em termos de tempo de atuação na corporação,
dos presentes no grupo de Recrutas e do QOA. A localização do termo “desacreditada” na
primeira periferia reforça esta observação. O que sugere que este grupo possui uma
representação a respeito das relações entre a Polícia Militar e a sociedade que difere dos
outros dois principais grupos, em relação ao tempo de serviço, isto é, Recrutas e o QOA.

Como será observado mais à frente, outros dois grupos conferiram centralidade aos
termos “desorganizada” e “baixo salário”, bem como situaram na primeira periferia o termo
“desacreditada”: são os portadores de nível médio de instrução e aqueles em serviço no
interior do Estado.
74

O.M.E. < 3,0 ³ 3,0


Freq. Termo Evocado Freq. O.M.E. Termo Evocado Freq. O.M.E.
Med.

Segurança 26 1,8 Ordem-pública 15 3,0


³ 12,5 Servir-e-proteger 16 2,6 Risco 13 3,4
Emprego 13 2,8

Instituição-pública 11 2,5 Incompreendida 8 3,6


< 12,5 Profissão 9 1,8 Repressão 8 3,6
Sociedade 7 2,4

Figura 6: Distribuição estrutural das evocações ao termo indutor “Polícia Militar”, pelo
conjunto do QOA. Rio de Janeiro, 2005. N = 55.

Na Figura 6 é possível verificar que para o QOA a responsabilidade de oferecer


“segurança” à população se apresenta como o elemento mais central. Outros elementos
apontam para o lema da corporação “servir e proteger”, e a representação das práticas
profissionais como “emprego”.

Os elementos da primeira periferia indicam que a “ordem pública” , como missão


constitucional da instituição, é alcançada através do “risco”.

As Figuras 7 e 8, que se seguem, apresentam, para fins comparativos, as estruturas


temáticas básicas das representações produzidas, respectivamente, pelos sujeitos em serviço
na Cidade do Rio de Janeiro/ Baixada Fluminense e por aqueles em serviço no interior do
Estado do Rio de Janeiro, independentemente do seu pertencimento aos grupos do QOA, dos
Cabos ou dos Recrutas.
75

O.M.E. < 3,0 ³ 3,0


Freq. Termo Evocado Freq. O.M.E. Termo Evocado Freq. O.M.E.
Med.
Servir-e-proteger 108 2,5 Risco 43 3,3
Segurança 91 2,3 Ordem-pública 43 3,1
³ 38,8 Estabilidade 47 2,4 Repressão 39 3,2
Respeito 42 2,6

Baixo-salário 38 2,4 Desacreditada 37 3,5


Emprego 33 2,5 Corrupção 26 3,4
< 38,8 Desorganizada 30 2,8 Disciplina 18 3,0
Profissão 29 2,8 Sociedade 16 3,2
Cumprimento-lei 25 2,6
Orgulho 19 2,5
Honestidade 15 2,5

Figura 7: Distribuição estrutural das evocações ao termo indutor “Polícia Militar”, pelo
conjunto de sujeitos em serviço na cidade do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. Rio de
Janeiro, 2005. N = 232.

Na Figura 7 podem-se identificar os elementos evocados pelos sujeitos em serviço na


cidade do Rio de Janeiro/ Baixada Fluminense. O núcleo central deste grupo possui como
elementos mais presentes o lema da corporação, “servir e proteger”, e a função de
proporcionar “segurança”, entendida como uma das responsabilidades policiais. Outro termo
refere-se à possibilidade de “estabilidade”, como característica profissional positiva oferecida
pela instituição. A evocação do “respeito” também aponta para a valorização positiva da
profissão. É importante relembrar que estes mesmos termos encontram-se no núcleo central
da representação do conjunto de sujeitos, o que mostra relativa semelhança entre elas.

Na primeira periferia, percebe-se que a missão constitucional da manutenção da


“ordem pública” é alcançada através do “risco” e da “repressão”. Esses mesmos elementos
também estão localizados na primeira periferia da representação do conjunto de sujeitos. A
presença do termo “repressão” neste quadrante, como visto anteriormente, sugere ser esta uma
das principais maneiras de atuação do policial, ou como ele entende que deva ser a forma
mais importante de atuar. Isto pode ser decorrência da maior proximidade dos policiais que
atuam na Capital / Baixada Fluminense com a violência e o crime, que muitas vezes geram
um maior número de confrontos armados do que no interior do Estado.

A presença da evocação “baixo salário”, identificada no núcleo central da evocação do


conjunto de sujeitos e na zona de contraste do grupo atuante na Capital/ Baixada Fluminense
indica possibilidades de mudanças na representação, de modo que estes sujeitos passem
também a reconhecer a profissão como algo que não oferece retorno econômico satisfatório.
76

Para finalizar, ressalta-se que o termo “honestidade” apresentou-se somente através


deste grupo, em sua zona de contraste, ou seja, sua evocação nos outros grupos não foi
relevante para sua presença nas representações, inclusive na representação do conjunto de
sujeitos.

O.M.E. < 3,0 ³ 3,0


Freq. Termo Evocado Freq. O.M.E. Termo Evocado Freq. O.M.E.
Med.
Servir-e-proteger 17 2,3 Desacreditada 12 3,4
Desorganizada 13 2,7
³ 12,0 Baixo-salário 12 2,5

Segurança 11 2,6 Ordem-pública 9 3,0


Emprego 10 2,6
< 12,0

Figura 8: Distribuição estrutural das evocações ao termo indutor “Polícia Militar”, pelo
conjunto de sujeitos em serviço no interior do Estado do Rio de Janeiro. N = 66.

Como pode ser visto na Figura 8, a representação construída pelos sujeitos em serviço
no interior do Estado, apresenta em seu núcleo central o lema da corporação como elemento
principal, ou seja, “servir e proteger”. Outras evocações sugerem um entendimento negativo
da corporação, que é percebida como “desorganizada” e oferecendo um “baixo salário” para
seus servidores. Como já discutido, este grupo contribuiu com os termos “servir e proteger” e
“baixo salário” para a construção do núcleo central do conjunto de sujeitos.

A centralização conferida ao termo “desorganizada” – como também observado no


grupo de Cabos, e que ainda será visto no grupo portador de nível médio de instrução –
contribuiu para a presença deste mesmo termo na zona de contraste da representação do
conjunto de sujeitos, sugerindo possibilidades de mudanças em termos de uma compreensão
negativa da estrutura administrativa da instituição, que passaria a ser entendida como
“desorganizada” por estes sujeitos.

Na primeira periferia surge uma outra valoração de caráter negativo da corporação,


isto é, uma instituição “desacreditada” pela população. A mesma evocação também está
presente na primeira periferia da representação do conjunto de sujeitos.

As Figuras 9 e 10, que se seguem, apresentam, para fins comparativos, as estruturas


temáticas básicas das representações produzidas, respectivamente, pelos sujeitos com nível
77

superior de escolaridade e por aqueles com nível médio, independentemente do seu


pertencimento aos grupos do QOA, dos Cabos ou dos Recrutas.

O.M.E. < 3,0 ³ 3,0


Freq. Termo Evocado Freq. O.M.E. Termo Evocado Freq. O.M.E.
Med.
Servir-e-proteger 62 2,4 Risco 21 3,4
Segurança 38 2,1
³ 20,3 Repressão 21 2,9

Respeito 19 2,6 Corrupção 11 4,0


Emprego 18 2,5 Companheirismo 10 3,7
< 20,3 Estabilidade 16 2,5 Desacreditada 10 3,8
Baixo-salário 14 2,9
Ordem-pública 13 2,8

Figura 9: Distribuição estrutural das evocações ao termo indutor “Polícia Militar”, pelo
conjunto de sujeitos portadores de nível superior de instrução. Rio de Janeiro, 2005. N = 27.

O núcleo central da representação do segmento dos portadores de nível superior de


instrução, como pode ser observado na Figura 9, também apresenta o lema da corporação
“servir e proteger” como elemento principal. Outros conteúdos apontam para a
responsabilidade inerente à profissão, ou seja, proporcionar “segurança” à população, sendo
que esta deve ser alcançada através da “repressão”. Os temas “servir e proteger” e
“segurança” encontram-se no núcleo central da representação do conjunto de sujeitos. Este
grupo foi o único que situou o elemento “repressão” em seu núcleo central. O que sugere sua
predominância na compreensão do trabalho policial para esta categoria de indivíduos.

A primeira periferia apresenta um único elemento – “risco” – e indica uma


compreensão das dificuldades e perigos inerentes à prática desta profissão. É possível
observar este mesmo termo entre os encontrados na primeira periferia do conjunto de sujeitos.
78

O.M.E. < 3,0 ³ 3,0


Freq. Termo Evocado Freq. O.M.E. Termo Evocado Freq. O.M.E.
Med.
Segurança 63 2,4 Ordem-pública 39 3,2
Servir-e-proteger 60 2,5 Desacreditada 37 3,4
³ 14,0 Estabilidade 37 2,4
Desorganizada 35 2,8
Baixo-salário 35 2,2
Respeito 30 2,7

Profissão 27 2,8 Repressão 25 3,6


Emprego 23 2,5 Risco 25 3,2
< 14,0 Essencial 22 2,5 Más-condições 19 3,3
Corrupção 18 2,7 Disciplina 17 3,2
Cumprimento-lei 14 2,7 sociedade 15 3,2
Orgulho 14 2,3

Figura 10: Distribuição estrutural das evocações ao termo indutor “Polícia Militar”, pelo
conjunto de sujeitos portadores de nível médio de instrução. Rio de Janeiro, 2005. N = 199.

Observando a Figura 10, percebe-se que o núcleo central da representação dos


portadores de nível médio apresenta como elementos constitutivos o lema da corporação, isto
é, “servir e proteger”, e a idéia de “segurança”, entendida como responsabilidade intrínseca à
profissão. Outros elementos indicam as condições advindas da profissão: uma positiva, a
“estabilidade”, e uma outra negativa, os “baixos salários”. A evocação da “desorganização”
remete a uma compreensão estrutural negativa da Instituição. Finalmente, o termo “respeito”
adiciona à representação uma valorização positiva da corporação. Note-se que, excetuando-se
o termo “desorganizada”, que estará presente na zona de contraste, todos os outros termos
encontram-se também presentes no núcleo central da representação do conjunto de sujeitos.

Na primeira periferia desponta como principal elemento a missão constitucional da


instituição, qual seja, a manutenção da “ordem pública”. Contudo, o termo “desacreditada”
sugere que a instituição, na compreensão do meio social, não tem conseguido alcançar tal
missão. Este último termo também está presente na primeira periferia do conjunto de sujeitos

4.3.3 – Representações de Relações Específicas entre a Polícia Militar e a Sociedade

Nesta parte do trabalho, as respostas obtidas através dos questionários só foram


avaliadas em termos de tempo de serviço na corporação, ou seja, pelo grupo de Recrutas,
Cabos e QOA.
79

No tocante às expectativas que os policiais creditam à população a respeito do seu


trabalho, observa-se na Tabela 6, que a questão da “segurança” surge com um pouco mais de
ênfase entre os Recrutas, sendo que no grupo de Cabos a “eficiência e a eficácia” aproximam-
se da idéia do policial como um “super-herói”. Esse aspecto é importante, pois nos
atendimentos realizados pela pesquisadora (individual ou de grupo, clínicos ou não) junto aos
policiais, quando surge na fala deste a noção de ter que ser um “super-herói”, esta
normalmente vem acompanhada de certa frustração e desânimo em relação não somente à
corporação, mas também com todo o meio social / político. Ele se sente pressionado por ter
que fazer coisas que, ao seu ver, são de competência de outras instituições e para as quais não
se encontra devidamente preparado. Um policial na graduação de Cabo, exprime assim seu
pensamento: “a população espera que a polícia militar resolva todos os seus problemas”, e
conclui afirmando que “a polícia militar vai muito além do seu papel (...) tentando fazer o
serviço de outras polícias”. Para um outro Cabo PM: “Ultimamente tudo gira em torno da PM.
Os outros órgãos não desenvolvem seus papéis, educação, esporte, lazer, trabalho, da maneira
que deveriam, deixando assim a PM sobrecarregada e responsável por tudo”.

É importante notar que o grupo de Recrutas também apresenta números relevantes


(15%) a esta compreensão do policial como um sujeito que “tem que” resolver todos os
problemas sociais. Como este grupo ainda está ingressando na corporação, pode-se entender
que se trata de um conhecimento (representação) prévio sobre a corporação, e que parece ser
compartilhado como realidade no interior da sociedade, uma vez que este sujeito advém deste
mesmo campo social. Como exemplo, é possível destacar as falas de alguns policiais que
trabalham no serviço do “190” das Unidades Operacionais. Eles relatam casos em que o
serviço é acionado para a resolução de situações como: busca de animais, alguém para
conversar, reclamações a respeito do marido, pedido de ambulâncias, etc, sem contar os
inúmeros trotes que ocorrem.

O grupo mais antigo na corporação, o QOA, assinala a “ação dentro da legalidade”


como esperança da população em relação ao trabalho do policial, apresentando como
conseqüência um serviço “eficiente e eficaz”.
80

Tabela 6: Distribuição das expectativas da população, segundo o policial militar, a respeito do


seu trabalho. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA
QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
EXPECTATIVAS DA
POPULAÇÃO f % f % f %

Segurança
5 6,7 12 9,7 61 25,9

Que sejamos perfeitos,


2 2,7 25 20,2 35 14,8
super-heróis, e resolvamos
todos os problemas sociais
Prontidão
8 10,6 12 9,7 22 9,4

Ação dentro da legalidade


16 21,3 1 0,8 17 7,2

Tratamento respeitoso
2 2,7 10 8,1 20 8,5

Honestidade e
3 4,0 12 9,7 18 7,6
Confiabilidade
A população não espera
6 8,0 10 8,1 6 2,5
nada
Eficiência e Eficácia
15 20,0 24 19,3 17 7,2

Repressão
2 2,7 - - 2 0,8

Combate a Criminalidade
- - - - 17 7,2

Policiais mais bem


10 13,3 9 7,2 9 3,8
preparados
Outros
1 1,3 9 7,2 9 3,8

Não Responderam
5 6,7 - - 3 1,3

TOTAL (*)
75 100 124 100 236 100

(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Quanto ao nível de satisfação da população para com o trabalho oferecido pela Polícia
Militar, quase dois terços dos policiais, em todos os três grupos, acredita que as pessoas
estejam “pouco” satisfeitas, como se observa na Tabela 7.
81

Tabela 7: Distribuição da opinião dos policiais militares a respeito da satisfação da população


quanto ao nível de atendimento oferecido pela Polícia Militar. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
NÍVEL DE SATISFAÇÃO f % f % f %
Nada 3 5,5 7 7,2 3 1,7

Pouco 31 56,4 63 65,0 110 61,5

Muito 16 29,0 21 21,6 56 31,3

Plenamente 4 7,3 6 6,2 9 5,0

Não Responderam 1 1,8 - - 1 0,5

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Mas se os policiais crêem no reduzido nível de satisfação da população, quando


questionados a respeito de quais de suas práticas profissionais são, segundo eles próprios,
insatisfatórias, pode-se observar na Tabela 8 que os grupos de Recrutas e Cabos ofereceram a
maioria de suas respostas para o “combate ao tráfico” (drogas e armas), bem como para o
“combate à violência”. Sendo que para o QOA esta segunda categoria foi a que recebeu o
maior número de respostas. Interessante notar que a “corrupção interna” apresenta boa
porcentagem no grupo de Recrutas, e, como estes sujeitos ainda não trabalham de modo
efetivo dentro da corporação, pode-se deduzir que se trata de um saber anteriormente
construído a respeito da instituição. Contudo, como também se pode observar na Tabela 8, os
mesmos dados foram encontrados para o grupo mais antigo (QOA), o que sugere uma
confirmação da existência de atos corruptos no interior da corporação.
82

Tabela 8: Distribuição das próprias práticas profissionais entendidas como insatisfatórias


pelos policiais. Rio de Janeiro, 2005.
CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
PRÁTICAS
PROFISSIONAIS f % f % f %
INSATISFATÓRIAS
Combate ao tráfico (drogas - - 19 19,2 32 17,4
e armas)

Combate à violência 11 18,6 16 16,2 23 12,5

Todas 7 11,8 8 8,1 5 2,7

Operações em 5 8,5 11 11,1 15 8,1


comunidades carentes

Abordagem 3 5,1 - - 22 12,0

Corrupção interna 7 11,8 - - 23 12,5

Nenhuma 1 1,7 3 3,0 - -

O envolvimento de - - - - 11 6,0
policiais com o crime

A violência de alguns 1 1,7 - - 11 6,0


policiais

Policiamento preventivo 9 15,3 13 13,2 6 3,3

Ações repressivas - - - - 18 9,8

O despreparo profissional - - 11 11,1 4 2,2

Prisão de marginais - - 2 2,0 2 1,1

As que vitimam inocentes 1 1,7 2 2,0 1 0,5

O Serviço de 190 3 5,1 - - - -

Falta de prontidão - - - - 5 2,7

Os Trabalhos de integração - - - - 5 2,7


social

Outros 6 10,2 3 3,0 1 0,5

Não Responderam 5 8,5 11 11,1 - -

TOTAL (*) 59 100 99 100 184 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos
83

Contrapondo-se às práticas profissionais entendidas como insatisfatórias, na Tabela 9


é possível identificar as práticas policiais entendidas como satisfatórias. Para o grupo de
Recrutas e do QOA o Policiamento Ostensivo, entendido aqui como preventivo, é a melhor
forma de atuação policial. Em relação ao policiamento preventivo, dois aspectos se fazem
discutir. O primeiro refere-se a sua baixa visibilidade (Muniz 1999), principalmente em
termos estatísticos. Ou seja, trata-se de um tipo de ação que não possui meios “numéricos”
para ser avaliada, pois não há como contabilizar um fato que não ocorreu, e, portanto não foi
crime, devido à simples presença de policiais. A não ocorrência de situações delituosas em
determinadas áreas pode, de fato, apontar que um “bom trabalho” preventivo está sendo feito,
mas não há como construir estatísticas de situações que “quase” ocorreram, mas que foram
inibidas pela “ronda” policial. Muitas vezes, por essa baixa visibilidade, tais ações são
compreendidas como “falta do que fazer” segundo relato de alguns policiais, que acreditam
que apenas “trabalham” quando da ocorrência de ações repressivas. O segundo ponto
direciona-se ao tipo de população que está vivenciando o trabalho preventivo do policial. O
tema será tratado de forma ampla mais a frente, aqui se fará apenas uma introdução. Assim, se
para a população que habita as áreas consideradas mais abastadas da cidade é “bom” ver
policiais nas ruas, fazendo com que se sintam mais seguros, o mesmo não se poderá afirmar
quando a mesma situação for deslocada para as áreas onde os sujeitos tenham um menor
poder aquisitivo. Exemplificando, é comum observar no subúrbio da cidade as patrulhas
deslocarem-se em trabalho preventivo com os seus ocupantes direcionando seus armamentos
para fora da viatura. Os policiais justificam este tipo de postura como necessária para a
proteção de sua vida, uma vez que lhe dá condições de reagir mais rapidamente se for
atacado, e de certa forma “inibe” possíveis ataques de criminosos. Nestes locais, a passagem
da polícia é observada apenas com “curiosidade” e “receio”. Contudo, se a mesma situação
ocorrer dentro de favelas em que o domínio do tráfico se faça presente, a ronda preventiva da
polícia (também com seus armamentos prontos para uso) pode, em algumas ocasiões provocar
“medo”, visto que faz com que haja a possibilidade de conflitos com os marginais, resultando
em trocas de tiro e balas perdidas. Deste modo, a maioria dos moradores procura entrar em
suas casas, a não ser quando a “bandidagem” exige que mulheres, crianças e idosos sigam
para as ruas, servindo de escudo para eles. Isto não que dizer essas comunidade não aprovem
e desejem o trabalho do policial, mas somente e principalmente quando realizado com
respeito e eficiência (Soares, 2000).
84

Retornando as discussões da Tabela 9, percebe-se que para o grupo de Cabos os


“policiamentos realizados nos grandes eventos esportivos e culturais” são os mais eficientes,
juntamente com o “combate à criminalidade”. É importante ressaltar que, este mesmo grupo
ofereceu um quantitativo de respostas semelhantes para o item “combate à violência” nas
ações tidas como insatisfatórias na Tabela 8, o que pode sugerir uma cisão dentro do grupo a
respeito da eficiência do combate à criminalidade e à violência.
85

Tabela 9: Distribuição das próprias práticas profissionais entendidas como satisfatórias pelos
policiais. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
PRÁTICAS
PROFISSIONAIS f % f % f %
SATISFATÓRIAS
Todas 6 10,2 10 8,3 7 3,1

Policiamento ostensivo 15 25,4 15 12,5 44 19,7

Trabalhos (programas) 11 18,6 5 4,1 35 15,7


sociais

Apreensão de drogas - - 3 2,5 31 14,0

Prisão de marginais 1 1,7 4 3,3 17 7,6

Policiamento 6 10,2 19 16,0 6 2,7


extraordinário (jogos,
eventos culturais, praia)

Apreensão de armas de - - 3 2,5 9 4,0


fogo

Combate à criminalidade - - 19 16,0 24 10,7

Não existe (nenhuma) 1 1,7 5 4,1 - -

Operações repressivas 9 15,2 4 3,3 22 10,0

Pronto atendimento 5 8,5 - - 5 2,2

Atuação no trânsito 3 5,1 - - 10 4,5

Policiamento comunitário - - 5 4,1 - -

Recuperação de objetos - - - - 8 3,6


roubados

Ações com a classe alta - - 6 5,0 - -

Outros 2 3,4 2 1,6 5 2,2

Não Responderam - - 20 16,7 - -

TOTAL (*) 59 100 120 100 223 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Em relação à população, os policiais declaram que esta “pouco” contribui com o


trabalho do policial. Os três grupos pesquisados, como pode ser observado na Tabela 10
ofereceram altos índices de respostas para esta categoria quando indagados a respeito do
quantitativo de auxilio oferecido pelas pessoas.
86

Tabela 10: Distribuição da opinião dos policiais militares a respeito do quantitativo de auxilio
oferecido pela população ao trabalho policial. Rio de Janeiro, 2005.

AUXÍLIO OFERECIDO QOA CABOS RECRUTAS


PELA POPULAÇÃO
CATEGORIA
f % f % f %
FUNCIONAL
Nada 6 11,0 20 20,6 5 2,8

Pouco 42 76,3 71 73,1 157 87,7

Muito 5 9,1 2 2,1 15 8,4

Plenamente 1 1,8 2 2,1 - -

Não Responderam 1 1,8 2 2,1 2 1,1

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Entretanto, como mostra a Tabela 11, os policiais esperam auxílio das pessoas, e quase
dois terços das respostas dos três grupos de sujeitos se orientaram para dois itens que,
segundos eles são importantes para esta ajuda. Em primeiro lugar vem a “denúncia”,
demonstrando que para o efetivo trabalho da polícia é necessário que a população colabore
com informações. Um segundo e importante modo esperado de colaboração é a
“cumplicidade, respeito e confiança”. Uma outra categoria relevante para o QOA é a
“cooperação com o trabalho policial”, que de certa forma abarca os dois termos citados
anteriormente. Parece ser assim importante para o policial algum tipo de “apoio moral” das
pessoas. Quando isto não ocorre, a falta de credibilidade sentida pelos policiais, por parte da
população em relação a sua profissão, parece favorecer a construção de uma baixa auto-
estima, profissional e pessoal. A este respeito, é possível observar a declaração de um
indivíduo do grupo do QOA que diz que “a falta de acolhimento e o descaso com relação às
atividades policiais” são sentidos como falta de colaboração da população. Um outro aspecto
possível de se ressaltar sobre isto é que os três termos destacados parecem completar-se em
uma unidade que, de um lado apresenta uma necessidade concreta (denúncias) e, de outro,
valores subjetivos e positivos (cumplicidade, respeito e confiança). Parece que só assim o
policial “sentirá” que existe cooperação com o seu trabalho.
87

Tabela 11: Distribuição das expectativas dos policiais quanto aos tipos de auxílio que podem
ser oferecidos pela população ao seu serviço. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
EXPECTATIVAS DE f % f % f %
AUXÍLIO
Denúncias 37 46,3 57 47,9 110 43,5
88

com o trabalho do policial”, talvez também sentida como desrespeito, constituem uma quarta
parte das respostas dos Cabos, quase 30% dos Recrutas e 15% das do QOA, estes
possivelmente mais acostumados a tal relação insatisfatória com a população.

Uma última observação possível de ser feita quanto aos comportamentos realizados
pela população refere-se a algumas respostas menores que os policiais apontam para uma
implicação da população com a atual conjuntura social. Isto é, eles indicam o “consumo de
drogas e álcool”, a “receptação de produtos roubados” e a “apologia ao crime” como
comportamentos reconhecidos no meio social, e muitas vezes tidos como “coisa pequena, sem
importância”, mas que parecem dificultar, em muito, o seu trabalho.
89

Tabela 12: Distribuição dos comportamentos que, realizados pela população, não expressa
colaboração com o trabalho policial, segundo os próprios policiais militares. Rio de Janeiro,
2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
COMPORTAMENTOS
DE NÃO f % f % f %
COLABORAÇÃO
Não denunciar 43 44,8 43 33,0 76 31,0

Proteção e conivência a 12 12,5 13 10,0 49 20,0


traficantes

Desrespeito ao policial 5 5,2 18 13,8 26 10,4

Não colaborar com o 9 9,5 13 10,0 37 15,0


trabalho do policial

Apologia ao crime - - - - 17 7,0

Generalizar os maus 4 4,2 - - 10 4,0


policiais

A hostilidade contra o - - - - 10 4,0


policial

Críticas destrutivas e 6 6,2 6 4,6 7 2,9


caluniosas

Medo e desconfiança 7 7,3 9 7,0 1 0,4

Preconceito e desprezo - - 12 9,2 1 0,4

Receptação de produtos 3 3,1 2 1,5 - -


roubados

Consumo de drogas e - - 3 2,3 - -


álcool

Outros 4 4,1 5 4,0 5 2,0

Não Responderam 3 3,1 6 4,6 7 2,9

TOTAL (*) 96 100 130 100 246 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Os resultados apresentados na Tabela 13 evidenciam que os policias militares têm


dificuldades de relacionamento com a imprensa, uma grande parte parecendo acreditar que ela
existe apenas para denegrir a imagem da Polícia, procurando sempre meios de colocar a
população contra os policiais. Tendo com base uma pesquisa21 realizada pelo Prof. Ignácio
Cano (UERJ) a respeito da opinião dos moradores da Favela da Rocinha após sua ocupação

21
Relatos publicados no Jornal do Brasil de 1º de novembro de 2004.
90

pela Polícia Militar, em que a comunidade afirmava ser mais bem tratada pelos traficantes do
que pela Polícia, os policiais foram chamados a emitir sua opinião sobre os resultados desta
pesquisa. Os três grupos de policiais ofereceram o maior quantitativo de respostas (entre
quase 30% a mais de 40%) afirmando que, na verdade, “os traficantes fazem o que o Governo
não faz”. No entendimento dos policiais parece haver uma omissão governamental que
permite que criminosos assumam papéis sociais no vácuo deixado pelas autoridades públicas.
Por assumirem ações que seriam da alçada do poder público, eles passariam a ser, em alguns
casos, mais benquistos pela comunidade. É importante que se reflita que esse espaço deixado
pelo poder público é desejado pelos traficantes, que se empenham em mantê-lo, uma vez que
isto faz com que seu domínio aumente sobre e dentro da comunidade (Soares, 2000). Não é
interessante para criminosos que o meio social, de preferência a comunidade onde se esconde,
se aproxime das instituições públicas, principalmente as ligadas à segurança pública. A
entrada do poder público, bem como das condições de exercício pleno de cidadania, poderiam
fazer com que as pessoas passassem a colaborar com os Governos, e conseqüentemente, com
a polícia.

O grupo do QOA conferiu 18,0% de suas respostas à categoria “a maioria dos


moradores tem conivência com o tráfico”. Alguns dos sujeitos pesquisados alegaram que
muitos moradores são parentes de traficantes, o que justificaria, segundo os policiais, seus
comportamentos favoráveis para com os criminosos. Estes dados apontam para as grandes
dificuldades de relacionamento existentes entre os policiais militares e os moradores de
comunidades carentes, o que na verdade parece esconder um grande medo, de ambas as
partes.

Os três grupos também conferiram percentuais relevantes à categoria “os moradores


têm medo de represálias por parte do tráfico”. Assim, em um espaço em que o poder público
se ausenta e que a “bandidagem” assume, os moradores parece tornar-se reféns, o que faz com
que muitos policiais nunca confiem nas pessoas destas localidades.
91

Tabela 13: Distribuição das opiniões dos policiais militares a respeito da pesquisa que afirma,
serem os moradores de uma Favela Carioca, mais bem tratado por traficantes do que por
policiais. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
OPINIÃO DOS
f % f % f %
POLICIAIS
Os traficantes fazem o que 16 28,5 45 42,0 68 38,0
o governo não faz
Verdade 3 5,3 14 13,1 20 11,3

Mentira 3 5,3 16 15,0 19 10,6

A maioria dos moradores 10 18,0 - - 20 11,3


tem conivência com o
tráfico

Os moradores têm medo de 8 14,3 21 19,6 28 15,6


represálias por parte do
tráfico

Às vezes, a polícia tem que 7 12,5 - - 9 5,0


agir com firmeza, e a
população não gosta

Pesquisa tendenciosa, a 5 9,0 3 2,8 2 1,0


maioria dos moradores não
pensa assim

Outros 3 5,3 3 2,8 5 2,8

Não Responderam 1 1,8 5 4,7 8 4,4

TOTAL (*) 56 100 107 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

As próximas três tabelas mostram as reações dos sujeitos quando questionados sobre
as críticas da imprensa a respeito de sua prática profissional, que afirmam que os policiais
atuam de modos indistintos em situações de conflito e situações preventivas, ou seja, sem
atentar-se para os diferentes contextos que solicitam ações diversas. Como se pode ver na
Tabela 14, mais de 90% dos sujeitos dos três grupos manifestam-se declarando ser tal
afirmativa “falsa” ou apenas “razoavelmente verdadeira”, com mais da metade dos grupos do
QOA e dos Cabos privilegiando a primeira resposta categoricamente negativa, enquanto
metade do grupo dos Recrutas admitia que ela contém alguma verdade. Finalmente, uma
proporção ínfima dos sujeitos, nos três grupos, considerou “inteiramente verdadeira” a
denúncia da imprensa.
92

Na justificativa da manifestação negativa, os três grupos apresentaram elevados


percentuais de respostas (em torno de 70%) para duas categorias, como mostra a Tabela 15. A
primeira diz que “as duas ações são totalmente diferentes”, não havendo assim possibilidades
para os policiais militares atuarem de modo semelhante em ambas. Outras respostas
denunciam que “a imprensa só faz propaganda negativa”, não se devendo esperar dela
comentários favoráveis sobre a Polícia, fato que justificaria as críticas como falsas.

Para os que concordam parcialmente que os policiais agem de maneiras indistintas,


cujas respostas estão sintetizadas na Tabela 16, aponta-se, no grupo de Recrutas, para o “mau
preparo do policial” e o fato de que os policiais “desconfiam da própria sombra (19%), além
dos altos níveis de “estresse”, que levariam alguns policiais a agirem indistintamente, sem
uma correta avaliação do contexto. Já no grupo de QOA, as justificativas dividem-se entre as
categorias “dependendo da área onde a prevenção é feita, ela termina em conflito” e “o
policial na rua já está em situação de conflito, pois é alvo fácil da bandidagem”. Esta última
categoria também obteve 50,0% de respostas no grupo de Cabos. Tais justificativas,
privilegiadas em comum pelos Cabos e pelo QOA podem indicar que a possibilidade sempre
eminente de conflitos nas ruas faz com que os policiais assumam uma postura de permanente
suspeita. Esta, que se mostra imprescindível para o trabalho policial, fazendo, inclusive com
que sua vida dependa disto, quando alcança altos níveis e nenhuma forma de ser elaborada,
pode levar este sujeito a atuar desastradamente. Nesse mesmo sentido, os Recrutas, que ainda
nem começaram a trabalhar nas ruas, parecem refletir em suas respostas as mesmas
preocupações dos mais experientes.
93

Tabela 14: Distribuição das opiniões dos policiais militares sobre críticas da imprensa que,
apontam para modos indistintos de atuação profissional, por parte do policial. Rio de Janeiro,
2005.
CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
CRÍTICAS DA
f % f % f %
IMPRENSA /
Falso 29 52,7 52 53,6 76 42,0

Razoavelmente Verdadeiro 21 38,2 38 39,2 89 50,0

Inteiramente Verdadeiro 4 7,3 3 3,1 7 4,0

Não Responderam 1 1,8 4 4,1 7 4,0

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Tabela 15: Distribuição de comentários emitidos pelos policiais, sobre a falsidade da


afirmação da imprensa de que eles atuariam de maneira indistinta em situações de conflito e
situações preventivas. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
NÃO CONCORDAR COM
ATUAÇÃO INDISTINTA f % f % f %
As duas ações são 1 34,5 20 38,5 38 50,0
totalmente diferentes

A imprensa só faz 10 34,5 17 32,7 15 20,0


propaganda negativa

Sempre generalizam os - - - - 10 13,0


erros ocorridos

Por medo, as pessoas não 2 7,0 - - - -


conseguem diferenciar as
ações

A PM é herança de um 1 3,0 - - - -
regime autoritário

Não acrescentaram 6 21,0 15 28,8 13 17,0


comentários

TOTAL (*) 29 100 52 100 76 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos
94

Tabela 16: Distribuição dos comentários emitidos pelos policiais, a respeito do fato de
concordarem razoavelmente com a afirmação da imprensa de que atuariam de maneira
indistinta em situações de conflito e situações preventivas. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
CONCORDAR
RAZOAVELMENTE
COM A ATUAÇÃO f % f % f %
INDISTINTA
O policial mal preparado 1 4,8 5 13,1 21 23,6
pode confundir ambas as
situações

O policial, quando muito - - 8 21,0 15 17,0


estressado, pode agir desta
maneira

Dependendo da área onde a 5 23,8 4 10,5 10 11,2


prevenção é feita, ela
termina em conflito

O policial na rua já está em 6 28,6 19 50,0 6 6,7


situação de conflito, pois é
alvo fácil da bandidagem

O policial desconfia da - - - - 17 19,0


própria sombra

Nas duas ações o policial - - 1 2,7 13 14,6


deve agir de maneira
enérgica, mal legal

Às vezes, é necessário, para - - - - 4 4,5


se ter acato e respeito dos
envolvidos

Bandidos obrigam a - - 1 2,7 - -


população a entrar em
confronto com a PM

Não acrescentaram 9 42,8 - - 3 3,4


comentários

TOTAL (*) 21 100 38 100 89 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

A respeito das diversas denúncias acerca das más atuações do policial militar, os três
grupos pesquisados, como mostra a Tabela 17, privilegiaram fortemente as respostas (entre 40
a 50%) em uma mesma categoria, ou seja, as denúncias que são feitas “dificultam a prestação
de serviços pela Polícia Militar”. Não obstante, a soma dos aspectos positivos de tais
denúncias para a Polícia Militar e para a população alcança percentuais semelhantes nos três
grupos, indicando uma compreensão por parte do policial, que reconhece que as denúncias
95

ajudam a separar o “joio do trigo”, ou seja, os bons e os maus policiais, contribuindo para
uma melhoria da corporação e, de certo modo, pressionando o governo a oferecer uma maior
qualidade nos serviços prestados por suas instituições, entendendo que a segurança pública
não pode ser pensada em separado de outros órgãos governamentais, tais como a área social,
educacional, esporte e lazer, cultura, habitação, saúde etc. Contudo, tal difusão de notícias
parece abrir espaços, segundo alguns policiais, para uma valorização negativa da instituição e
de seus membros (uniformizados), o que, em médio prazo, é sentida como uma dificuldade
para a prestação de serviços pela polícia.

Tabela 17: Distribuição da opinião dos policiais militares a respeito das denúncias de más
atuações profissionais. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA
QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
DENUNCIAS DE MÁS
ATUAÇÕES f % f % f %
PROFISSIONAIS
Dificultam a prestação de
35 45,4 51 39,8 127 52,7
serviços pela polícia
militar
Contribuem para a
20 26,0 22 17,2 62 25,7
melhoria da atuação da
polícia militar
É um serviço que ela
17 22,1 22 17,2 52 21,6
presta a população
Não responderam
5 6,5 33 25,8 - -

TOTAL (*)
77 100 128 100 241 100

(*) Os totais se referem ao conjunto de respostas e não de sujeitos

Como justificativa para o julgamento de que as denúncias dificultam o trabalho da


Polícia Militar o grupo do QOA afirma fortemente (quase 80% dos sujeitos) que as denúncias
“colocam a população contra a Polícia”, enquanto os sujeitos dos dois outros grupos
privilegiam também o comentário de que “a imprensa só fala mal, nunca anuncia nada bom
que o policial faça”, como mostrado na Tabela 18. Esses policiais parecem não esperar “nada
de bom” por parte da imprensa e, mesmo quando reconhecem a relevância do trabalho
jornalístico, identificam sempre como negativas suas conseqüências para a Polícia Militar.
96

Tabela 18: Distribuição das justificativas oferecidas pelos policiais, para o fato de que as
denúncias de más atuações policiais pela imprensa dificultam a prestação de serviços pela
polícia militar. Rio de janeiro, 2005.

CATEGORIA
QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
DIFICULTA A
PRESTAÇÃO DE f % f % f %
SERVIÇOS
A imprensa só fala mal,
1 2,8 23 45,1 37 29,0
nunca anuncia nada bom
que o policial faça

Colocam a população
27 77,3 10 19,6 31 24,4
contra a polícia
Divulgam operações que
1 2,8 5 9,8 16 12,6
deveriam ser sigilosas

Encorajam a
- - 1 2,0 1 1,0
criminalidade
Distorcem informações,
5 14,3 - - 13 10,2
prejudicando a polícia

Outros
- - 1 2,0 2 1,6

Não responderam
1 2,8 11 21,5 27 21,2

TOTAL (*)
35 100 51 100 127 100

(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Para os policiais que crêem que denúncias de más atuações contribuem para a
melhoria da atuação da Polícia Militar, os maiores percentuais de respostas apontam para o
fato de que estas denúncias “ajudam a identificar os maus policiais” e “ajudam a melhorar o
trabalho do policial”, como se pode ver na Tabela 19. Deste grupo fazem parte policiais que,
costumam afirmar que “quem não deve, não teme!”.
97

Tabela 19: Distribuição das justificativas oferecidas pelos policiais, para o fato de que as
denúncias de más atuações policiais pela imprensa contribuem para a melhoria da atuação da
polícia militar. Rio de janeiro, 2005.

CATEGORIA
QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
CONTRIBUEM PARA A
MELHORIA DA f % f % f %
ATUAÇÕA
Ajuda a identificar os
6 30,0 8 36,4 24 38,7
maus policiais
Ajuda a melhorar o
7 35,0 3 13,6 25 40,3
trabalho policial
Obriga a instituição a
4 20,0 3 13,6 5 8,0
melhorar seus serviços
Outros
- - - - - -

Não responderam
3 15,0 8 36,4 8 13,0

TOTAL (*)
20 100 22 100 62 100

(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Do quantitativo de policiais que identificam as denuncias de más atuações como um


serviço que é prestado a população, retratados na Tabela 20, em torno de 90% dos sujeitos do
grupo do QOA e do grupo de Recrutas entendem que “a população deve estar bem
informada”, que isso “fortalece a democracia” e/ou que “os maus policiais devem ser
denunciados”. Embora os Cabos também valorizem este último serviço, acrescentam
criticamente, à diferença dos dois outros grupos, que “falar mal da polícia vende jornal”. Este
grupo (Cabos) parece “sentir na pele” as dificuldades vivenciadas no interior e ao entorno da
corporação. Mostram-se mais críticos e questionadores, contudo tal posicionamento é sempre
pessimista e com uma postura de enfrentamento, isto é, um modo mais “agressivo” de se
relacionar, tanto com a instituição como com tudo aquilo que a atinja. Apesar do “desgosto”
que parecem sentir com esta, qualquer crítica advinda de pessoas que, segundo eles, não
fazem a mínima idéia do que é ser policial, das dificuldades diárias vivenciadas no trabalho e
das preocupações com a segurança da família, parece ocorrer uma maior aproximação entre
os sujeitos em defesa da corporação – que eles próprios tanto criticam –, passando a projetar
no meio social, neste caso, na mídia, todas as dificuldades vivenciadas em seu trabalho. Os
Recrutas, pelo pouquíssimo tempo na instituição ainda não se defrontaram com situações
frustrantes, seja na corporação ou no meio social, e o QOA parece já ter atingido um nível de
98

maturidade que, apesar de também criticar e questionar, já o faz de um modo mais consciente,
tendo como base o conhecimento construído no interior da instituição em conjunto com o
meio social, o que acaba por possibilitar a existência de outras posturas frente à mídia.

Tabela 20: Distribuição das justificativas oferecidas pelos policiais, para o fato de que as
denúncias de más atuações policiais pela imprensa é um serviço que ela presta a população.

CATEGORIA
QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
SERVIÇO PRESTADO
Á POPULAÇAO f % f % f %

A população deve estar


7 41,2 3 13,6 28 53,8
bem informada
Fortalece a democracia
5 29,5 3 13,6 3 5,8

Os maus policiais devem


3 17,5 6 27,2 12 23,1
ser denunciados
Falar mal da polícia
- - 7 32,0 - -
vende mais jornal
Ouros
- - - - 2 3,8

Não responderam
2 11,8 3 13,6 7 13,5

TOTAL (*)
17 100 22 100 52 100

(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Quando questionados sobre as situações possíveis para o uso de armas de fogo, mesmo
sem risco aparente de vida, os três grupos situam-se entre duas categorias, como pode ser
observado na Tabela 21. No QOA foram 66% de respostas e no grupo de cabos 41% para
categoria “nenhuma”. Já 23% das respostas dos Cabos e 18% do QOA se dirigiram para a
categoria “na defesa de sua própria vida ou de outras pessoas”. No grupo de Recrutas o maior
quantitativo de respostas (28%) também foi para esta última categoria, sendo que, 24%
assinalou “nenhuma”. Como o grupo de recrutas ainda não atua efetivamente no trabalho
policial, suas opiniões parecem se basear tanto nas aulas que estão recebendo no curso de
formação como em sua experiência prévia.

A respeito da Tabela 21, cabe assinalar que algumas respostas – que descrevem
situações em que os policiais acreditam justificar-se o uso de armas de fogo –, mesmo que não
99

alcancem números consideráveis, parecem preocupantes em termos de representações que


podem estar sendo gestadas entre os policiais militares, com a função de justificar suas
práticas. No QOA, 13,5 % das respostas afirmam que o uso de armas de fogo, mesmo sem
risco de vida, pode ocorrer nas “incursões em favelas”, para “conter tumulto generalizado”,
em “quase todas” as situações, ou quando o policial não é obedecido (respeitado). Estes
aspectos indicam a importância de cursos que possam levar estes sujeitos a refletirem sobre
sua prática profissional, na atualização de técnicas de abordagem, bem como, o que parece ser
mais difícil, no controle sobre as suas práticas.

Tabela 21: Distribuição das circunstâncias em que, mesmo sem risco de vida, os policiais
militares acreditam poderem usar sua arma de fogo. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
USO DE ARMA DE
FOGO f % f % f %

Nenhuma
45 66,0 35 40,7 45 24,0
Na defesa de sua própria
vida ou de outras pessoas 12 17,7 20 23,3 53 28,2

Incursões em favelas
3 4,4 7 8,0 13 7,0
Em quase todas
2 3,0 4 4,7 - -
Para conter tumulto
generalizado 3 4,4 4 4,7 19 10,0

Quando não é obedecido


(respeitado) 1 1,5 4 4,7 15 8,0

Situações de flagrante
- - - - 7 3,7
Quando se defronta com
- - - - 5 2,7
fugitivos
Para evitar futuros ataques
- - - - 6 3,2
Quando age assim, o
policial ou é mal
preparado ou tem - - - - 8 4,2
problemas psicológicos

Outros 1 1,5 3 3,5 5 2,6


Não responderam 1 1,5 9 10,4 12 6,4
TOTAL (*) 68 100 86 100 188 100
(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos
100

Na Tabela 22, estão os resultados oferecidos pelos policiais quando interrogados sobre
a existência de circunstâncias em que se pode atuar sem arma de fogo e sem o uso da força. É
importante que se entenda que aqui o termo “força” foi utilizado significando um uso
exagerado e abusivo da força. Todos os grupos responderam afirmativamente a esta questão,
apresentando números significativos. O que demonstra que os policiais há mais tempo na
corporação, e mesmo os Recrutas, estão cientes de que o uso abusivo da força e o de armas de
fogo não são partes intrínsecas do trabalho policial, existindo situações em que a autoridade
de que dispõe, advinda do poder de polícia, é suficiente para a solução de um conflito.

Em seguida, como mostra a Tabela 23, foi solicitado que os sujeitos identificassem
essas circunstâncias. A este respeito, é necessário inicialmente destacar que os sujeitos dos
três grupos apresentaram uma grande diversidade nas respostas, o que sugere a identificação
de muitas situações, por parte dos policiais, em que não se fazem necessárias armas ou do uso
abusivo da força. O grupo de Recrutas e do QOA destacou a possibilidade da realização de
serviços sociais. Sendo que, para os Recrutas, situações de trânsito, brigas de vizinhos e
casais, ou qualquer situação em que não exista risco de vida, é passível também de não se
utilizar armas de fogo. O grupo do QOA acrescenta ainda que, “caso o meliante se entregue
sem esboçar reação armada”, não há necessidade de armas. O grupo de Cabos oferece o maior
percentual de respostas para as situações em que haja brigas entre vizinhos e casais. Quanto à
ausência de respostas a esta pergunta, os Cabos e o QOA apresentaram números que merecem
serem observados: 10 sujeitos do QOA e 13 cabos não apontaram a existência de
circunstância alguma em que o policial possa agir sem armas e com uso exagerado da força.
Mesmo sendo um número pequeno de sujeitos, indicando a sua posição periférica na
representação, eles devem ser considerados, com vistas à formulação de estratégias que
impeçam o seu crescimento na corporação. Como os elementos mais distantes do núcleo
central são aqueles mais afetados pelas práticas, a possibilidade de construção de variadas
estratégias de instrução, não apenas durante os cursos realizados para aperfeiçoamento, mas
também de modo sistemático dentro das Unidades Operacionais, acrescentados de maneiras
efetivas de controle do trabalho policial, podem provocar mudanças para uma melhor
compreensão e utilização do gradiente de força, que permitirá aos policiais militares
utilizarem a força e os meios necessários para cada situação, caminhando das formas mais
simples para a solução de conflitos até aquelas em que se faça necessário o uso de armas de
fogo, para a preservação da própria vida ou de terceiros.
101

Tabela 22: Distribuição da existência ou não de circunstâncias em que é possível utilizar


outros modos de atuação, além da força e da arma de fogo. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
EXISTÊNCIA DE f % f % f %
CIRCUNSTÂNCIAS
Sim 43 78,2 80 82,5 148 82,7

Não 10 18,2 11 11,3 26 14,5

Não responderam 2 3,6 6 6,2 5 2,8

TOTAL(*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos
102

Tabela 23: Distribuição das circunstâncias em que o policial militar pode ter atuações que
diferem do uso da força e da arma de fogo. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
f % f % f %
POSSIBILIDADES DE
ATUAÇÃO/
Na prestação de algum 8 18,6 9 11,2 33 20,0
serviço social

No trânsito 1 2,3 6 7,5 27 16,2

Brigas de vizinhos e 2 4,6 19 24,0 26 15,6


casais

Quando não há risco de 4 9,3 7 8,7 25 15,0


vida real

Quando há possibilidade 4 9,3 - - 22 13,2


de negociação

Situações preventivas - - - - 14 8,4

Durante passeatas 2 4,6 8 10,0 - -

Conflitos que envolvam 3 7,0 2 2,5 - -


reféns

Caso o meliante se 8 18,6 2 2,5 2 1,2


entregue sem esboçar
reação armada

Durante o policiamento - - 4 5,0 - -


comunitário

Nas abordagens - - - - 5 3,0

Em operações de - - - - 4 2,4
investigação

Jogos esportivos - - 2 2,5 - -

Policiamento escolar - - 2 2,5 - -

Quando a população - - - - 3 2,0


colabora
Outros 1 2,3 6 7.4 5 3,0

Não responderam 10 23,4 13 16,2 - -

Total (*) 43 100 80 100 166 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Em complemento à questão anterior, sobre as circunstâncias que permitiriam atuações


policiais sem uso de armas de fogo ou do uso exagerado da força durante o trabalho, a Tabela
24 mostra quais seriam essas possibilidades de atuação, segundo o policial. Para o QOA e
103

grupo de Cabos, mais de 80% das respostas foram para as categorias “através do diálogo”
“realizando projetos sociais junto às comunidades”. Para os Recrutas, apesar de 25% das
respostas serem para a categoria “através do diálogo”, 108 sujeitos não souberam identificar
situações em que se pode atuar sem o uso exagerado da força ou de armas de fogo. Estes
números talvez se devam ao fato de não estarem ainda estes indivíduos em efetivo serviço
dentro da instituição, sem a conclusão teórica do Curso de Soldados, bem como do estágio nas
ruas. Ou seja, sugerem que somente com o passar dos anos dentro da corporação, nas suas
experiências diárias, é que o sujeito vai conseguindo distinguir diferentes modos de atuação.
Contudo, também demonstram a urgência de se investir neste tipo de instrução para os
policiais, principalmente os novatos. A conseqüência para a representação destes altos
percentuais de indivíduos que “não sabem o que fazer”, é que, excetuando o uso das armas de
fogo e da força, a maioria deles não sabe caracterizar (não representa) o trabalho do policial.

Tabela 24: Distribuição de atuações possíveis, na prática policial, que diferem do uso de
armas de fogo e da força. Rio de Janeiro, 2005.
CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
ATUAÇÕES f % f % f %
POSSÍVEIS
Através do diálogo 19 51,4 42 67,8 47 25,1

Realizando projetos 12 32,4 9 14,5 - -


sociais junto às
comunidades

Tendo comportamento - - - - 15 8306.33826 4001Tm [(


enérgico e firme
104

Os policiais foram indagados a respeito da possibilidade deles, durante o seu trabalho,


terem uma maior predisposição para utilizarem armas de fogo ou a força – novamente aqui,
força no sentido de um uso abusivo – com algumas populações. Os três grupos apresentaram
percentuais bastante elevados de respostas afirmativas, como se observa na Tabela 25.

Tabela 25: Distribuição da opinião de policiais militares, a respeito da existência, ou não, de


uma predisposição para o uso da força e de armas de fogo junto a determinado segmento da
população. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
PREDISPOSIÇÃO
PARA O USO DE f % f % f %
ARMAS DE FOGO E
DA FORÇA
Sim 38 69,0 50 51,5 117 65,4

Não 16 29,0 38 39,2 57 31,8

Não responderam 1 2,0 9 9,3 5 2,8

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Quanto aos segmentos da população mais suscetíveis a estes tipos de comportamentos,


os sujeitos dos grupos do QOA e dos recrutas indicam as “comunidades carentes (morros e
favelas)”, em percentuais da ordem de 80% e 70%, respectivamente, como mostrado na
Tabela 26. Deve-se ressaltar que, no grupo de Recrutas esse percentual alcançou o nível de
71%. Ou seja, um grupo de indivíduos que ainda está entrando para a PM parece já possuir
um “saber” a respeito de como a polícia “atua” com alguns segmentos da população, saber
este plenamente referendado pelos “mais velhos” na corporação. No grupo de Cabos, 58
sujeitos, como mostra a Tabela 26, não ofereceram respostas. Contudo, 30% das respostas dos
demais membros desse grupo foi para a mesma categoria: “comunidades carentes (morros e
favelas)”. Aqui parece haver uma “verdade” que não se quer que seja revelada pelo grupo de
Cabos, uma postura corporativista, ou o reconhecimento de uma delicada situação em que o
policial “faz” aquilo que “sabe” que não deveria fazer, mas que não “sabe” (ou não quer, ou
não há interesse em que se faça) fazer de outro modo.
105

Tabela 26: Distribuição da opinião do policial militar, a respeito dos segmentos da população
sujeitos a intervenções mediante o uso da força e de armas de fogo. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
POPULAÇÕES MAIS
SUJEITAS A f % f % f %
INTERVENÇÕES
Comunidades carentes 33 82,5 31 30,1 82 70,7
(morros e favelas)

Aquelas em que o índice - - 7 6,8 21 18,1


de criminalidade é maior

População criminosa 6 15,0 6 5,8 12 10,4

Outros - - 1 1,0 1 0,8

Não ofereceram respostas 1 2,5 58 56,3 - -

TOTAL (*) 40 100 103 100 116 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Os sujeitos da pesquisa foram ainda solicitados a emitir opiniões a respeito de críticas


que afirmam que pessoas pobres, negras e mulatas são mais abordadas por eles durante o
trabalho do que indivíduos brancos ou que demonstrem ter um maior poder aquisitivo. No
grupo do QOA 47% das respostas reconhecem o fato como verdadeiro, contudo o relacionam
com a própria cultura do país, não sendo privativa de policiais. Para esta mesma categoria de
resposta, têm-se 38,5% dos Recrutas e 22% do grupo de Cabos. Mas, inversamente, a
categoria “mentira” obteve 41% de respostas do grupo de Cabos, 33,5% dos Recrutas e 22%
do QOA, veja Tabela 27. Uma outra resposta menos freqüente, periférica, mas significativa, é
aquela em que os sujeitos justificam sua atuação chamando a atenção para o biotipo dos
sujeitos que estão nas penitenciárias. Já parece haver uma representação entre os policiais a
respeito das “características físicas” mais comuns entre os criminosos. Nesta tabela também é
possível perceber novamente que os Cabos adotam, apesar da “rebeldia” e “frustração”, uma
postura “protetora” para com a instituição.
106

Tabela 27: Distribuição das justificativas para as críticas que afirmam que, pobres, negros e
mulatos são mais abordados por policiais militares do que brancos e pessoas que demonstrem
possuir maior poder aquisitivo. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
ABORDAGEM/ f % f % f %

Mentira 12 21,8 39 40,6 60 33,5


0(vo. R)-3.1(is)-8 [(s)-8 [(o)-6.0( 0(vo. é)-2.5( 0(vo. d)-6.0(a)-2.5( Tm [( )] TJ ET Q q /Cs1 cs 0 0 0 scn BT /TT1 1 T
107

Tabela 28: Distribuição das justificativas dos policiais, quanto ao uso de arma de fogo
fora do horário de serviço. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
f % f % f %
USO DE ARMA DE
FOGO/
Proteção 42 63,7 37 38,3 152 67,9

O policial trabalha 24h, 21 31,8 31 32,0 61 27,2


devendo atuar em
qualquer momento que se
faça necessário

Para o trabalho extra - - 1 1,0 5 2,2

Porte de arma autorizado - - 7 7,2 2 0,9

Policial sem arma não é - - 2 2,0 - -


policial

Outros 1 1,5 2 2,0 2 0,9

Não responderam 2 3,0 17 17,5 2 0,9

TOTAL (*) 66 100 97 100 224 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

A Campanha Nacional sobre o Desarmamento foi algo muito comentado entre os


policiais militares, durante os anos de 2003, 2004 e 2005. Deste modo, buscou-se saber a
opinião deles a este respeito, como parte das suas representações acerca da relação entre a
polícia e a sociedade. As respostas sumarizadas na Tabela 29 demonstram que não existe uma
unanimidade entre os três grupos estudados. O maior percentual do grupo do QOA e para os
cabos incidiu sobre a categoria que engloba os juízos de que a Campanha é “inútil, pois só
desarma o cidadão de bem; pouco eficaz”. No grupo de Recrutas, as respostas dividem-se
aproximadamente entre essa mesma última categoria (33,5%) e aquela que credita como
sendo “excelente” a Campanha (35%). Para os Cabos, a avaliação da campanha como
excelente também obtêm 27% das respostas. Entretanto surgem ainda respostas de que ela “só
não desarma o bandido” e seria, por isso, pouco eficaz.
108

Tabela 29: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito da campanha nacional
sobre o desarmamento. Rio de janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
CAMPANHA
NACIONAL SOBRE O f % f % f %
DESARMAMENTO
Excelente 9 16,0 34 27,2 59 35,0

Inútil, pois só desarma o 40 71,4 38 30,4 57 33,5


cidadão de bem; pouco
eficaz

Legal, mas só para quem - - - - 27 16,0


não trabalha na segurança
pública

Boa, porém só não - - 24 19,2 10 6,0


desarma o bandido
Normal, cumprindo a lei - - 10 8,0 5 3,0

É necessária uma 5 9,0 - - - -


campanha que acabe com
o contrabando e a
fabricação de armas

Outros 2 3,6 1 0,8 3 1,8

Não responderam - - 18 14,4 8 4,7

TOTAL (*) 56 100 125 100 169 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Quanto à existência de policiais militares que fazem uso de práticas de achacar, os


sujeitos pesquisados, nos três grupos, identificam tal prática como “fato deplorável e sem
justificação” e julgam que “quem faz tem que ser banido da corporação”, como se observa na
Tabela 30. No grupo de Cabos o maior percentual de respostas (27%) foi para a categoria que
considera o fato como “verdade, mas é errado”, o que vai ao mesmo sentido condenatório das
categorias precedentes.
109

Tabela 30: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito de policiais que achacam.
Rio de janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
f % f % f %
POLICIAIS QUE
ACHACAM

Fato deplorável e sem 25 41,0 25 22,0 36,8 68


justificação; quem faz
tem que ser banido da
corporação

Quem faz isto também é 7 11,5 12 10,5 16,2 30


bandido

Prejudicial, pois amanhã - - 1 1,0 10,9 20


esse bandido poderá
matá-lo, ou a um outro
policial (burrice)

Verdade, mas é errado 8 13,1 31 27,2 9,8 18

Mentira - - 4 3,5 - -

Normal 6 9,8 - - 3,2 6

Necessidade de completar 2 3,3 14 12,3 8,6 16


os baixos salários

Em todas as profissões - - 8 7,0 3,2 6


existem pessoas de
caráter duvidoso

Uma vergonha que atinge 6 9,8 - - - -


a maior parte do efetivo

Os policiais corruptos são 6 9,8 2 1,7 - -


uma minoria

Não se pode generalizar - - 2 1,7 4,8 9

Outros 1 1,7 2 1,7 4,3 8

Não responderam - - 13 11,4 2,2 4

TOTAL (*) 61 100 114 100 100 185


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Também se procurou saber se para o policial militar existe diferença entre a prática de
“achacar” e a de “aceitar dinheiro”. Os três grupos apresentaram altos percentuais – em torno
110

de três quartas partes dos sujeitos – de respostas que negam tal diferença, como se observa na
Tabela 31.

Para os sujeitos que, minoritariamente, acreditam na existência de diferenças,


presentes também nos três grupos, algumas justificativas são apresentadas na Tabela 32. O
maior número de resposta justificando a prática do recebimento de propinas para o grupo de
Cabo62.9(e)ecposta justific
111

Tabela 32: Distribuição das justificativas dos policiais militares que concordam com a
existência de diferenças e3149 cm 1.00000 0 0 1.00000 0 0 Tm [(c)4.0(onc)3.9(or)-1.0(dam)] TJ ET
112

viria a favorecer as condições de serviços prestados a população. Aqui convém enfatizar que
mesmo em proporções menores, foram inúmeras as respostas oferecidas pelos três grupos de
sujeitos que trazem à baila críticas de ordem técnica e de políticas públicas. Melhores
condições de trabalho parecem não se resumir apenas na quantidade e qualidade de
instruções, mas apontam para a necessidade de melhorias técnicas, que incluem melhores e
mais modernos equipamentos que possibilitem ao policial agir de forma segura para consigo e
para com o meio social, evitando ao máximo a ocorrência de situações letais. O aumento do
efetivo pode ser entendido como algo que permitiria ao policial modificar sua atual escala de
serviço, que em alguns locais é de 24 X 48 horas, entrecortada continuamente por variados
“serviços extras” prestados para a corporação, o que conseqüentemente diminui seu tempo de
repouso e possibilidade de estar junto à família (muitos policiais reclamam que não vêem seus
filhos crescerem!).

Os policiais também levantam a necessidade de reestruturação da política de segurança


e a falta de integração com demais órgãos governamentais: “que os outros setores do Estado
possam funcionar direito”. Alguns policiais reconhecem a importância de parcerias com a
população, “ações conjuntas com a população”, bem como a urgência de se “excluir os maus
policiais”, sendo que para isto deverá haver um “controle melhor” do policial. Ao que parece,
os policiais não são contra as ouvidorias e corregedorias policiais, contudo querem que lhes
sejam dadas condições para atuar de forma profissional, que lhes seja permitido ter voz, ou
seja, serem ouvidos acerca do saber que constroem nas ruas, em suma, “ser valorizado”.
113

Tabela 33: Distribuição das sugestões oferecidas pelos policiais militares, para a melhoria dos
serviços prestados a população. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
SUGESTÕES PARA f % f % f %
MELHORIA
Com melhores condições 35 35,7 24 16,0 60 20,7
de trabalho

Com melhores salários - - 26 17,3 59 20,3

Com aumento do número 29 29,6 22 14,7 39 13,4


e na qualidade das
instruções

Cobrando e respeitando 4 4,1 - - 27 9,3


os direitos e deveres dos
cidadãos

Ações conjuntas com a 4 4,1 3 2,0 21 7,2


população

Valorização do policial 18 18,4 38 25,3 17 5,9

Aumento do efetivo - - 1 0,7 5 1,7

Excluindo os maus - - - - 9 3,1


policiais
Controlando melhor o - - 2 1,3 8 2,8
policial

Reestruturação da 1 1,0 2 1,3 8 2,8


política de segurança

Uma polícia mais técnica - - - - 7 2,4

Mais ações preventivas - - - - 5 1,7

Melhorando o processo 1 1,0 1 0,7 2 0,7


seletivo
Dando mais liberdade de - - - - 4 1,4
ação aos policiais

Que outros setores do 1 1,0 6 4,0 - -


Estado possam funcionar
direito
Outros 1 1,0 6 4,0 6 2,1

Não responderam 4 4,1 19 12,7 13 4,5

TOTAL (*) 98 100 150 100 290 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos
114

Outro aspecto importante para este estudo foi procurar identificar o nível de satisfação
– ou insatisfação – dos sujeitos com as instruções (aulas) recebidas dentro da corporação,
como se observa na Tabela 34. É relevante relembrar que os três grupos pesquisados estavam
realizando cursos dentro da instituição na época da pesquisa. Isso poderia sugerir que tal
proximidade facilitasse que eles demonstrassem sua insatisfação com os mesmos. Contudo,
em contatos informais com os policiais dentro das Unidades Operacionais, pode ser observado
que mesmo aqueles que não estão no momento realizando cursos reclamam da qualidade
destes, ou de sua ausência e, no caso dos policiais que trabalham no interior do Estado, das
dificuldades para a realização.

Nos três grupos pesquisados as respostas foram desfavoráveis para o nível de


preparação recebida na instituição, entretanto existem gradações que vale mencionar, uma vez
que elas se elevam na medida direta em que aumenta o tempo de serviço do policial na
corporação. No grupo de Recrutas as diferenças entre os níveis de satisfação e insatisfação
não foram tão acentuadas, isto é, 52% dos Recrutas não acredita ser suficiente e adequada às
instruções recebidas e 46% destes sujeitos discordam desta opinião. No grupo de Cabos, essa
mesma categoria de resposta sobe para 70% entre os que consideram as instruções
insuficientes e inadequadas, diminuindo (12,5%) o número daqueles que as consideram
adequadas e suficientes. No QOA 83,5% desses sujeitos não acredita serem suficientes e
adequadas às instruções recebidas. Deste modo, parece haver dificuldades, por parte do
policial, para pôr em prática aquilo que tem aprendido nos cursos, uma vez que estes parecem
cindidos daquilo que o policial “aprende” nas ruas e do que eles já trazem consigo antes de
entrarem na corporação.

Tabela 34: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito de considerarem


suficientes e adequadas a preparação recebida para a atuação da sua prática profissional. Rio
de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
f % f % f %
SUFICIENTE E
ADEQUADA
Não 46 83,5 68 70,0 93 52,0

Sim 7 13,0 12 12,5 82 45,8

Não responderam 2 3,5 17 17,5 4 2,2

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos
115

Mas o que policial entende como necessário para sua preparação? Na Tabela 35
observa-se que os três grupos ofereceram um maior quantitativo de respostas para a categoria
“aumento do número e da qualidade das instruções”, sendo que o grupo de Cabos foi o que
apresentou os maiores percentuais para esta categoria, diminuindo no QOA, e mais ainda para
os Recrutas. Há muitas críticas sobre as dificuldades na condução dos cursos, visto que,
segundo os policiais, muitas vezes eles são deslocados para serviços variados, em detrimento
de suas aulas. Destacam-se em seguida, algumas declarações a respeito das instruções/ aulas/
treinamentos recebidos: “o policial quando da realização de cursos, deveria estar dedicado
integralmente a isso, e não ser escalado em serviços extra. Os instrutores também deveriam
ser melhor preparados” (Policial Militar / QOA). Segundo um outro policial: “revisão do
plano de matérias, adequando à realidade presente” (Policial Militar / QOA).

Nesta mesma tabela pode-se ainda observar uma grande quantidade de respostas
menos freqüentes, mas que sugerem de modo claro estratégias para, segundo os policiais,
facilitar o seu trabalho. Essas categorias envolvem questões relacionadas a diversas áreas de
conhecimento, tais como Psicologia, Direito, Direitos Humanos e treinamento técnico e
operacional. Ao se confrontar esses resultados com a temática evidenciada na periferia da
representação do conjunto de sujeitos (ver p. 73), algumas observações podem ser formuladas.
Entendendo que uma das maneiras do policial atuar seja através da “repressão”, “treinamentos
com o BOPE”, “instruções de tiro” e um “melhor preparo tecnológico” apresentam-se
sobremaneira imprescindíveis. Para o “cumprimento da lei” e a manutenção da “ordem
pública”, em um trabalho que se mostra como “essencial” para a “sociedade”, conhecimentos
vindos da área da Psicologia, Direito e Direitos Humanos também se mostram necessários.
116

Tabela 35: Distribuição das alterações que, segundo os policiais militares, são necessárias na
preparação do policial militar. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
ALTERAÇÕES
f % f % f %
NECESSÁRIAS NA
PREPARAÇÃO
Aumento do número e da 21 45,7 65 73,8 44 34,4
qualidade das instruções
Melhor preparo 3 6,5 10 11,3 - -
psicológico
Maior número de aulas 2 4,3 - - 9 7,0
sobres técnicas de
abordagem

Maior número de aulas - - 1 1,2 13 10,1


de tiro

Mais aulas de direito 7 15,2 3 3,4 5 3,9

Mais treinamento - - - - 21 16,4


operacional com o BOPE

Preparação mais voltada - - - - 12 9,4


para atuar junto à
população

Melhora no nível dos - - 5 5,7 4 3,1


instrutores

Mais tempo de estágio - - - - 6 4,7


nas ruas

Melhor preparo - - - - 5 3,9


tecnológico

Mais aulas sobre direitos 6 13,0 - - 2 1,6


humanos

Menos militarismo - - - - 5 3,9

A população é que não - - 1 1,2 - -


está preparada; o povo
carioca é que é mal
educada
Outros 2 4,3 3 3,4 2 1,6

Não responderam 5 11,0 - - - -

TOTAL (*) 46 100 88 100 128 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de respostas e não de sujeitos
117

No questionário, foi levantada junto aos policiais a possibilidade deles entenderem


que, enquanto estão trabalhando, podem estar desempenhando o papel de “agentes
educadores”. Agentes educadores no sentido de que, no dia-a-dia do seu trabalho, qualquer
comportamento que venham a realizar ou atitude que demonstrem, estará contribuindo para a
construção de “idéias”, ou seja, de representações sociais, a respeito das suas práticas
profissionais, da instituição policial, da formação de representações da lei, da ordem social, da
cidadania, do respeito à vida e à propriedade, dos direitos humanos etc., por parte do meio
social. Nos três grupos os sujeitos se posicionaram principalmente entre duas categorias,
como mostra a Tabela 36. A maioria dos sujeitos considera que os policiais militares “aceitam
que isso faz parte de sua missão, e se empenham em exercê-la” e, em um segundo momento,
que eles “concordam que isso acontece, mas não acham que seja sua responsabilidade”.
Ambas as respostas parecem excluir-se, visto que, se o sujeito aceita que isto faz parte da sua
missão e se empenha em exercê-la, quando diz que a mesma não é de sua responsabilidade,
parece quere eximir-se de qualquer encargo. Assim, é possível inferir que estes sujeitos talvez
não saibam “como” fazer isto, e o mais complicado, não conseguem “imaginar” a importância
disto para o seu trabalho. Uma vez que, o seu modo de atuar permite que outros sujeitos
(crianças e adolescentes) construam um saber a respeito da prática profissional do policial, e
muito possivelmente mais tarde estes jovens adentrem a corporação com uma representação
que virá ensejar práticas que, baseadas em suas vivências anteriores, poderão tornar a
instituição mais frágil ou não, para com o seu compromisso profissional / constitucional.
118

Tabela 36: Distribuição da opinião dos policiais militares, a respeito da possibilidade de


poderem atuar como agentes educadores em algumas situações de trabalho. Rio de Janeiro,
2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
f % f % f %
AGENTE EDUCADOR

Aceitam que isso faz 27 49,1 55 56,7 106 59,2


parte da sua missão, e se
empenham em exercê-la

Concordam que isso 14 25,4 18 18,6 54 30,2


acontece, mas não acham
que seja sua
responsabilidade

Nunca pensaram nisso 5 9,1 1 1,0 5 2,8

Outros 7 12,7 - - 8 4,5

Não responderam 2 3,7 23 23,7 6 3,3

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Em consonância com a questão anterior, perguntou-se aos policiais se eles


acreditavam no fato de que o modo como é conduzida uma intervenção policial pode vir a
influenciar na predisposição das pessoas em colaborar ou não com o seu trabalho. Nos três
grupos a maioria dos policiais – da ordem de dois terços dos sujeitos do QOA e quase 80%
dos Recrutas – concorda com esta afirmativa, como se vê na Tabela 37.
119

Tabela 37: Distribuição do nível de concordância a respeito do fato de que, o modo como se
realiza uma intervenção policial poderá interferir na predisposição do meio social em
colaborar com o trabalho do policial. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
INTERVENÇÃO f % f % f %
POLICIAL

Sim 37 67,3 51 52,5 140 78,0

Não 11 20,0 17 17,5 23 13,0

Não responderam 7 12,7 29 30,0 16 9,0

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Os policiais que concordaram com a influência de suas práticas no conjunto social,


como retratado na Tabela 38, justificam de modo semelhante nos grupos de Cabos e do QOA,
que “conquistando a confiança dos moradores, a colaboração tende a aumentar”. Para os
Recrutas, “o policial se torna um bom exemplo” foi a categoria mais relevante. É importante
notar ainda que, na realidade, nos três grupos os maiores percentuais foram de omissão de
justificativas para a repercussão social das práticas profissionais. Não obstante, a periferia das
representações estudadas é marcada por uma ampla diversidade de respostas, com baixos
percentuais e diferenciadas de acordo com os segmentos. Pode-se então inferir que, para estes
sujeitos que optaram em não se manifestar, as conseqüências provenientes da intervenção
policial será o “descrédito” (Cabos e Recrutas) e a “incompreensão” (QOA).
120

Tabela 38: Distribuição das justificativas dos policiais militares que concordam com o fato de
que sua atuação profissional pode interferir na predisposição do meio social colaborar, ou não,
com o trabalho policial. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
INTERFERNCIAS DO
MODO DE ATUAÇÃO f % f % f %
PROFISSIONAL

O policial se torna um - - 5 9,8 32 23,0


bom exemplo

Conquistando a confiança 11 29,7 15 29,4 18 13,0


dos moradores, a
colaboração tende a
aumentar

A população conheceria - - - - 17 12,0


melhor o trabalho do
policial

Ao se mostrar respeitoso - - - - 12 8,5


com a população “de
bem”, passa a ter seu
respeito

Tira a imagem do policial 2 5,4 4 8,0 7 5,0


corrupto e agressivo

A maneira como agimos - - - - 5 3,5


nos afastará ou nos
aproximará da população

A comunidade se sentirá - - 5 9,8 - -


mais protegida

Polícia e comunidade 1 2,7 - - - -


querem ser bem tratadas e
respeitadas

Outros - - 1 2,0 2 1,5

Não responderam 23 62,2 21 41,0 47 33,5

TOTAL (*) 37 100 51 100 140 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Dentre os poucos – 13% a 20% – policiais que não concordaram com a possibilidade
de suas ações interferirem na predisposição do meio social para com o seu trabalho e com a
instituição, as respostas, observadas na Tabela 39, dos grupos diferenciaram-se. Para os
Recrutas “quem manda são os traficantes, por isso não mudaria”. No grupo de Cabos, “isso
121

não é da competência do policial, e apenas sobrecarrega o trabalho, o policial não pode ser
confundido com assistente social”. Para o QOA “as pessoas não gostam de ser reprimidas, por
isso não gostam de colaborar”, e uma alternativa é que, de qualquer modo, “as comunidades
repelem a polícia”. Aqui também, o grupo de Cabos e de Recrutas apresenta significativas
ausências de respostas. Para compreender esta omissão de justificativas, é necessário que se
retorne à análise estrutural da representação do conjunto de sujeitos. A evocação do termo
“desacreditada” na primeira periferia desta representação, bem como na primeira periferia da
representação do grupo de Cabos, e presente ainda na segunda periferia do grupo de Recrutas,
parece sugerir que para estes dois grupos, independente do que possam vir a fazer durante seu
trabalho, nunca irão “agradar”, visto o descrédito sentido pela população em relação à
corporação. O que explicaria a “despreocupação” dos policiais em justificar a resposta.
122

Tabela 39: distribuição das justificativas dos policiais militares que, não concordam com o
fato de que sua atuação profissional pode interferir na predisposição do meio social colaborar
com o trabalho policial. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
SEM f % f % f %
INTERFERÊNCIAS NO
MODO DE ATUAÇÃO
PROFISSIONAL

Quem manda são os - - 2 11,8 6 26,1


traficantes, por isso não
mudaria

As pessoas não gostam de 5 45,5 - - 4 17,4


serem reprimidas, por
isso não gostam de
colaborar

Isso não é da competência - - 4 23,5 2 8,7


do policial, e apenas
sobrecarrega o trabalho, o
policial não pode ser
confundido com
assistente social

As comunidades repelem 4 36,5 - - 3 13,0


a polícia

No momento da 2 18,0 - - - -
intervenção, só se pensa
na própria segurança

Outros - - - - 2 8,7

Não responderam - - 11 64,7 6 26,1

TOTAL (*) 11 100 17 100 23 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Na Tabela 40 estão as respostas dos policiais quando questionados a respeito dos


motivos para a escolha da profissão. No grupo de Recrutas as respostas oferecidas
destacaram-se na categoria “estabilidade”, e em segundo plano, “sonho de infância”. Para os
Cabos e os integrantes do QOA o maior percentual foi para “gostar da profissão” e, em
seguida, “falta de oportunidade”. É interessante aqui frisar que os motivos privilegiados em
cada grupo são sempre um de ordem afetiva (gostar, sonho) e outro de ordem prática
(estabilidade, falta de oportunidade), o que caracteriza uma representação bipolarizada.
123

Tabela 40: Distribuição das justificativas para a escolha da profissão de policial militar. Rio
de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
ESCOLHA f % f % f %
PROFISSIONAL

Estabilidade 10 14,9 4 4,4 97 37,6

Gosto da profissão 22 32,8 40 44,4 52 20,1

Sonho de infância - - 6 6,7 61 23,6

Falta de oportunidade 20 29,8 23 25,6 15 5,8

Profissão bonita e - - 10 11,0 4 1,6


honrosa (status)

Desejo de acabar com as 4 6,0 5 5,6 9 3,5


injustiças e com a
criminalidade. (agir em
defesa da sociedade)

Ter na família outro 1 1,5 2 2,3 - -


policial

Pelo plano de carreira - - - - 15 5,8


oferecido

Por causa do militarismo 2 3,0 - - - -

Outros 4 6,0 - - 1 0,4

Não responderam 4 6,0 - - 4 1,6

TOTAL (*) 67 100 90 100 258 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Com todas as dificuldades percebidas na profissão, os policiais ainda entendem que


nela existam “recompensas”. Das respostas nesse sentido, sumarizadas na Tabela 41, o QOA,
os Cabos e os Recrutas ofereceram respectivamente 23%, 12,5% e 16% para a categoria
“estabilidade”. Isto é, permanecem na profissão pela possibilidade de um salário certo no final
do mês, sem a ansiedade do possível desemprego. Para a categoria “alguns reconhecem o
esforço, é gratificante”, o QOA ofereceu 15% de respostas, os Cabos 13,5% e os Recrutas
22,5%. A rigor, para os cabos e recrutas as respostas de gratificação (reconhecimento)
predominaram sobre a “estabilidade”. Ao se observar às estruturas das duas representações
construídas por estes mesmos grupos de sujeitos, isto é, Cabos e Recrutas, encontram-se no
núcleo central e na primeira periferia do grupo de Cabos termos que conferem atributos
negativos à instituição: “desorganizada” e “desacreditada”. O que pode sugerir que estes
124

sujeitos entendem e sentem de maneira intensa a desvalorização da profissão policial, o que


faz com que o reconhecimento recebido da parte de algumas pessoas seja entendido como
uma importante recompensa para o policial. Já para os Recrutas, o “respeito”, localizado no
núcleo central da representação, indica a sua importância tanto para a figura do policial como
da instituição. Assim, o “reconhecimento” recebido das pessoas vem aqui fortalecer a
representação de ser esta uma profissão que se deve respeitar.

Continuando com as observações na Tabela 41, é possível identificar uma grande


variedade de respostas que apresentam uma porcentagem menor, mas sugerem que os
policiais reconhecem na profissão recompensas relacionadas a afetos positivos, ou seja,
“orgulho de ser policial”, os “amigos”, “poder ajudar o próximo”, bem como outras advindas
da própria característica organizacional da instituição, isto é, “plano de carreira”, “unidades
médicas” e o “tempo para se ter um segundo emprego, compensando os baixos salários”. Este
último termo apresentando uma crítica clara à falta de valorização, por parte da instituição, ao
retorno financeiro desta profissão.
125

Tabela 41: Distribuição das recompensas percebidas na profissão de policial militar, segundo
os policiais. Rio de Janeiro, 2005.
CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS
FUNCIONAL
RECOMPENSAS f % f % f %
PROFISSIONAIS

Estabilidade 18 22,8 12 12,4 38 15,7

Os amigos 1 1,2 5 5,1 5 2,1

Alguns reconhecem o 12 15,2 13 13,4 54 22,3


esforço, é gratificante

A consciência do dever 11 14,0 7 7,2 26 10,8


cumprido, podendo somar
para uma sociedade
melhor

Nenhuma 12 15,2 1 1,0 9 3,7

Poder ajudar o próximo - - - - 19 7,8

Plano de carreira 3 3,8 10 10,3 31 12,8

Tempo para ter um 2º 1 1,2 - - 15 6,2


emprego, compensando
os baixos salários
Unidades médicas 5 6,4 - - 4 1,7

Cursar faculdade com 1 1,2 - - 3 1,2


desconto

O orgulho de ser policial 6 7,6 6 6,2 22 9,1

Outros 3 3,8 2 2,1 3 1,2

Não responderam 6 7,6 41 42,3 13 5,4

TOTAL (*) 79 100 97 100 242 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Os sujeitos foram indagados sobre a existência de um desejo de mudarem de profissão


e suas respostas estão descritas na Tabela 42. Entre os Recrutas 55% não pretendem mudar de
profissão, contra 43% que desejam sair. Este foi o único grupo que expressou um maior
quantitativo de respostas negativas para a possibilidade de mudanças na área profissional.
Relacionando estes dados com os obtidos anteriormente (Ver Tabela 2), pode-se sugerir que,
apesar dos baixos salários e dos riscos vivenciados, parte do efetivo que hoje ingressa na
Polícia Militar pretende permanecer em suas fileiras. Entre os cabos 50,5% desejam sair,
sendo que entre os do QOA, esse percentual é de 52,7%. Os cabos também apresentaram uma
relevante ausência de respostas para esta questão: 21,5% sujeitos não responderam.
126

Tabela 42: Distribuição da existência, ou não, do desejo de mudar de profissão pelo policial
militar. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
MUDAR DE f % f % f %
PROFISSÃO

Sim 29 52,7 49 50,5 77 43,0

Não 23 41,8 27 28,0 98 55,0

Não responderam 3 5,5 21 21,5 4 2,0

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos

Os motivos que levariam todos os policiais a mudarem de profissão diferem


significativamente, sendo que o “risco de morte” que poderia ser esperado como a categoria
mais citada, ficou em segundo lugar nos três grupos. Como mostra a Tabela 43, os “baixos
salários” seriam o responsável principal pela troca apenas para os Recrutas. Para os grupos
mais antigos, QOA e Cabos, a mudança para outra área profissional ocorreria por “falta de
valorização e respeito, dentro e fora da corporação”. Talvez esta última categoria tenha mais
peso para os mais antigos, pois muitos deles exercem outras atividades profissionais no
horário da folga, já possuindo uma “relativa” estabilidade econômica e fazendo com que
aspectos relacionados a sua auto-estima e sua auto-imagem tenham mais peso para a sua
permanência na instituição neste momento de suas vidas. Deste modo, uma outra profissão
que os fizesse sentir-se mais valorizados surge como uma possibilidade para a saída da Polícia
Militar.
127

Tabela 43: Distribuição dos possíveis motivos para o abandono da profissão de policial militar

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
ABANDONO DA f % f % f %
PROFISSÃO
Baixos salário 6 18,2 11 18,3 52 50,5

Risco de morte 7 21,2 13 21,7 25 24,3

Péssimas condições de - - 10 16,7 13 12,6


trabalho

Falta de valorização e 15 45,4 24 40,0 12 11,6


respeito, dentro e fora da
corporação

Muito estresse 3 9,1 2 3,3 1 1,0

Outros 2 6,1 - - - -
Não responderam - - - - - -

TOTAL (*) 33 100 60 100 103 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Dentre os policiais que não abandonariam a profissão, a principal justificativa para os


três grupos é o “amor” por ela, como se pode ver na Tabela 44. Contudo, entre os Cabos, mais
da metade dos que fizeram a opção anterior pela permanência na corporação não a justificou.

Tabela 44: Distribuição dos motivos para não abandonar a profissão de policial militar. Rio de
Janeiro, 2005

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
MOTIVOS PARA NÃO
SE ABANDONAR A f % f % f %
PROFISSÃO
Sonho 4 17,5 - - 8 8,0

Amor 19 82,5 12 44,5 60 61,5


Desejo de fazer algo para - - 1 3,5 5 5,0
que a sociedade melhore
Buscar ascensão - - - - 6 6,0
profissional
Estabilidade - - - - 3 3,0

Não responderam - - 14 52,0 16 16,5


TOTAL (*) 23 100 27 100 98 100
(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos
128

A influência do trabalho do policial em sua vida sócio-familiar pôde ser observada em


muitos dos atendimentos clínicos realizados, tanto com os policiais quanto com seus
familiares. Os três grupos estudados apresentaram percentuais bastante elevados de respostas
afirmativas quando questionados a respeito da existência destas influências em sua vida
pessoal, como mostra a Tabela 45. As maneiras como essas influências poderiam ocorrer na
vida do policial, sumarizadas na Tabela 46, são entendidas, entre os Recrutas e os do QOA,
pelos altos níveis de estresse que eles levam para dentro de casa. Para os Cabos, “perde-se a
liberdade: tem que saber escolher amigos, locais a freqüentar e horários para circular”. No
QOA, “a imagem negativa que as pessoas têm da polícia” pode interferir na vida privada do
policial. Alguns policiais citam que em muitos momentos evitam dizer que “são policiais”,
pois sempre esperam uma reação negativa da parte do outro, seja falando mal da instituição
ou receando ficar próximo dele (o policial), pois, quem sabe, “podem levar um tiro”. Existem
outros que, segundo os sujeitos, aproximam-se para “se dar bem”, sempre com intenção de
poder usufruir o “poder” do “amigo” polícia.

Tabela 45: Distribuição da concordância, ou não, por parte do policial militar, a respeito da
interferência do trabalho nas suas relações sócio-familiares

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
f % f % f %
INTERFERÊNCIA NAS
RELAÇÕES SÓCIO-
FAMILIARES
Sim 37 67,3 56 58,0 100 56,0

Não 15 27,3 20 20,5 74 41,0

Não responderam 3 5,4 21 21,5 5 3,0

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos
129

Trabalho 46: Distribuição de modos possíveis, do trabalho do policial militar interferir em sua
vida sócio-familiar

CATEGORIA FUNCIONAL QOA CABOS RECRUTAS

MODOS DE INTERFERÊNCIA f % f % f %

Levando o estresse para dentro de 15 41,7 22 28,2 29 24,8


casa

A imagem negativa que as pessoas 1 2,8 23 29,5 21 18,0


tem da polícia militar

Ficamos muito ausentes da família 4 11,0 4 5,0 8 6,8

Perde-se a liberdade: tem que saber 4 11,0 28 36,0 24 20,5


escolher amigos, locais a
freqüentar e horários para circular

Quando sabem que você é policial, 1 2,8 - - 7 6,0


muitas pessoas se afastam, e outras,
por interesse, se aproximam

Todas as pessoas, mesmo os 3 8,4 - - - -


parentes, tem em mente que por
sermos policiais, mudamos
internamente

Como explicar aos vizinhos e ao - - 1 1,3 - -


seu filho, para que ele possa
explicar aos coleguinhas, que seu
pai não faz aquelas coisas que
aparecem na TV.

Você tem que estar mais atento - - - - 7 6,0

Maior preocupação com a 2 5,5 - - 5 4,3


segurança da família

A família se preocupa muito, e 1 2,8 - - 2 1,7


também sofre discriminações

A profissão embrutece o homem, 1 2,8 - - - -


pois para ser valente, ele pensa que
não pode ser polido

As pessoas temem serem mortas - - - - 4 3,4


por estarem ao seu lado

Sua forma de ver o mundo se 1 2,8 - - 10 8,5


modifica

Outros 3 8,4 - - - -

Não responderam - - - - - -

TOTAL (*) 36 100 78 100 117 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos
130

Finalmente foi solicitado aos sujeitos que apontassem o tipo de sentimento que
sentiam pela profissão. Três quartas partes dos Recrutas e mais de 40% dos Cabos e do QOA
afirmam sentir “orgulho” pela profissão, como mostra a Tabela 47. Não obstante, como se vê
na Tabela 48, outros 40% do QOA, e uma quinta parte dos Cabos e dos Recrutas declararam
ter “outros” sentimentos. Dentre estes “outros” sentimentos, os grupos do QOA e Cabos
privilegiaram a “decepção”. Os últimos assinalaram também a “insegurança”, juntamente com
os Recrutas, que dividiram esse sentimento com outro, descrito como uma “mistura de
orgulho e decepção”.

Tabela 47: Distribuição dos sentimentos vivenciados a respeito da profissão de policial


militar. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
SENTIMENTOS f % f % f %
VIVENCIADOS
Orgulho 23 42,0 44 45,5 133 74,0

Vergonha 5 9,0 17 17,5 1 0,5

Outros 24 43,6 20 20,5 40 22,5

Não responderam 3 5,4 16 16,5 5 3,0

TOTAL (*) 55 100 97 100 179 100


(*) Os totais se referem ao conjunto de sujeitos
131

Tabela 48: Distribuição de “outros” sentimentos vivenciados pelos policiais, a respeito de


sua profissão. Rio de Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL
f % f % f %
OUTROS
SENTIMENTOS
Esperança 4 16,5 4 20,0 8 20,0

Mistura de orgulho e 5 21,0 - - 9 22,5


vergonha

Decepção 11 46,0 7 35,0 1 2,5

Insegurança - - 6 30,0 9 22,5

Insatisfação 2 8,5 1 5,0 6 15,0

Amor 1 4,0 2 10,0 - -

Tristeza 1 4,0 - - - -

Outros - - - - 2 5,0

Não responderam - - - - 5 12,5

TOTAL (*) 24 100 20 100 40 100


(*) Os totais se referem ao conjunto das respostas e não de sujeitos

Pelos significativos pontos observados a respeito da representação do grupo de Cabos,


decidiu-se analisar em separado, nesta parte final do trabalho, os números apresentados por
eles em termos de ausência de respostas/ justificativas para algumas questões. Como visto
anteriormente, de um total de 48 tabelas, em 23 delas houve um considerável quantitativo de
sujeitos que optaram por não responder às questões. Observando-se essas tabelas é possível
perceber que a grande maioria de questões (17) que os Cabos deixaram de responder referem-
se a sua atuação profissional (veja Tabelas 8, 9, 15, 17, 18, 19, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34,
36, 37 e 39). Este aspecto pode sugerir uma insegurança, por parte do policial, no modo como
exerce sua prática profissional e, como comentado anteriormente, não sabe se o que faz é
realmente o correto, se aquela maneira é a mais adequada, ou sabe que o que faz não é correto
mas ainda não reconhece outra maneira de fazê-lo (ou não quer reconhecer!), e por isso se
omite. Parece existir uma dificuldade em reconhecer a amplitude e a complexidade do próprio
trabalho. Outras questões em que alguns policiais preferiram não responder dirigem-se para
aspectos institucionais, afetivos e sócio-familiares (veja Tabelas 41, 42, 44, 45 e 47),
demonstrando que estes sujeitos, apesar de “gostarem” de sua profissão, experimentam
diversas dificuldades no meio social, seja pela falta de valorização ao seu trabalho, seja por ter
132

que se “preocupar” com os novos e antigos amigos (alguns se afastam!), seja pela dificuldade
da esposa (marido) em “acreditar” que ele(a) tem hora para sair de casa, mas não
necessariamente para retornar, bem como dificuldades vivenciadas no interior da instituição
policial, que aí podem se apresentar em vários níveis, isto é, dificuldades hierárquicas,
dificuldades com pares, baixo salário, condições de trabalho não tão favoráveis etc. Assim
sendo, estes policiais parecem estar em conflito, onde vida profissional, social e familiar
articulam-se refletindo em diversos aspectos da representação.

Uma última tabela em que onze Cabos deixaram de manifestar foi a número cinco,
sobre a sua última ocupação profissional, que vem confirmar o significativo percentual de
sujeitos desempregados antes do ingresso na corporação.
133

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurar conhecer como ocorrem às relações entre Polícia Militar e a sociedade na


perspectiva dos policiais militares possibilitou constatar a imensa complexidade em que estas se
desenvolvem. Tanto em termos institucionais, como sociais, políticos, ideológicos, culturais,
psicológicos e econômicos.

Alguns dados obtidos na presente pesquisa guardam semelhanças com aqueles


encontrados nos estudos citados à época da Guarda Real (Holloway, 1997), quando a principal
função da “Polícia” era manter a orde
134

tanto da estrutura governamental como da sociedade. Pretender fazer isto é como querer “secar
gelo”. A violência e a criminalidade vão continuar batendo nas portas; policiais morrendo ou
agindo de forma arbitrária, violenta e ilegal.

Um outro aspecto que se mostra afetado pelo tempo de serviço na corporação é o


sentimento de “risco”, ou seja, quanto mais tempo o sujeito permanece na instituição mais a
considera como uma “profissão perigosa”. Esse aspecto é mais forte para aqueles que estão de
serviço na capital e na Baixada Fluminense. Isto pode ocorrer pelo fato de serem esses os locais
onde as situações de enfrentamento são mais constantes. A questão de sentir a profissão mais
perigosa com o passar do tempo pode estar relacionada à situação de que o sujeito tende a
construir uma família, passando assim a se preocupar tanto com a segurança como com o
sustento deste grupo, do qual muitas vezes ele é o principal mantenedor. Na pesquisa não houve
perguntas específicas a este respeito, contudo tal hipótese pode ser levantada tendo como base os
atendimentos clínicos realizados pela pesquisadora.

Com o passar dos anos o trabalho do policial parece também ser compreendido como uma
fonte de renda estável, sobreposta por alguns benefícios do serviço público, ou seja, um
“emprego”. Ser entendido como “profissão”, acrescentaria ao trabalho do policial uma
valorização positiva, no sentido deste sujeito reconhecer possibilidades de crescimento pessoal,
ter prazer no que faz, além do retorno financeiro. Os benefícios advindos do serviço público, suas
garantias, mostram-se como um dos principais motivos para a permanência dos policiais dentro
da instituição. Contudo, os motivos expressos pelos policiais sempre se apresentaram em dois
níveis, um ligado ao afeto (gostar, amar, sonho) e outro relacionado à estabilidade no trabalho.
Este aspecto, como já visto, aponta para uma bipolarização da representação

Como já abordado na quarta parte deste estudo, uma importante característica identificada
neste trabalho foi a diferenciação existente entre as representações construídas pelos três
principais grupos (Recrutas, Cabos e QOA). Os Cabos apresentaram o núcleo central da sua
representação dissonante em relação aos das representações dos grupos de Recrutas e do QOA. O
grupo de Cabos foi ainda o único que não concedeu centralidade ao lema da corporação, ou seja,
“servir e proteger”. Este mesmo grupo, no que se refere ao tempo de serviço, além dos sujeitos
que atuam no interior e daqueles portadores de nível médio de instrução, considerando os dois
135

outros critérios de lotação e de escolaridade, foram os que contribuíram para a centralidade do


termo “baixo salário” na representação do conjunto de sujeitos.

O grupo de Cabos parece apresentar uma cisão interna a respeito da eficácia do trabalho
policial no combate a criminalidade, estando praticamente divididos entre os que acreditam que
as ações são eficazes e os que não acreditam.

No grupo de Cabos, uma articulação das análises dos questionários com a estrutura
representacional, construída através das evocações livres, e com as observações realizadas pela
pesquisadora durante a aplicação do questionário, evidencia-se a adoção de uma postura
“rebelde”, crítica, mas que, diferentemente do grupo do QOA, onde a mesma “criticidade” é
acompanhada de reflexões, posicionamentos claros e sugestões, vem acompanhada de um certo
pessimismo, descaso e muita frustração. Porém, é principalmente entre os sujeitos deste grupo
que é mais possível encontrar atitudes corporativistas. Eles parecem se colocar como “protetores”
do grupo e da instituição, de que tanto reclamam, mas da qual, ao que parece, não admitem que
outros falem mal.

Cabos e integrantes do QOA demonstram estar em “permanente suspeita”. Ou seja, os


indivíduos observam tudo ao seu redor (não importa se estão em uma festinha de aniversário de
criança!), “marcam” os rostos, carros, motos, bicicletas, qualquer coisa que comece a rondá-los, e
mantêm-se em alerta. Tal postura, necessária para a preservação da vida do policial, parece, em
longo prazo, trazer graves conseqüências para a saúde destes sujeitos.

Os Cabos, os Recrutas e o QOA sabem que o uso da violência (uso exagerado da força) e
das armas de fogo não são inseparáveis do trabalho policial. Assim, sendo a força algo intrínseco
a prática policial, seu uso deve obedecer a determinadas gradações. Mas tanto o entendimento a
este respeito, bem como quanto à utilização de armas de fogo parecem ainda não terem sido bem
assimilados pelo grupo de Recrutas. Uma característica que deveria receber grande atenção
durante as instruções.

Os Recrutas, apesar de apresentarem uma predisposição a permanecer nos quadros da


Polícia Militar, parecem ainda não a terem definido como “emprego” (apenas um retorno
econômico) ou “profissão” (quando o econômico é acrescido de uma valorização positiva). Estes
mesmos sujeitos foram os que mais vincularam o valor “respeito” ao trabalho do policial militar;
para estes indivíduos o policial é alguém para ser respeitado. Como visto anteriormente, a
136

tendência é que com o tempo este entendimento diminua, aumentando o sentimento de menos
valia do sujeito, que passa a valorizar suas posições profissionais apenas por sua estabilidade.
Este ponto merece ser observa do para que a instituição aja de modo a evitar tal degradação e
conseqüentemente desmotivação e perda de interesse pelo trabalho, que se torna automática.
Além disso, cabe lembrar que o tempo todo o policial está interagindo com um complexo (e
problemático!) meio social, o que pode elevar o nível de estresse desses sujeitos e conduzi-los a
quadros de distúrbios orgânicos e/ ou psíquicos; quando também não favorece (por uma falta de
efetivo controle dos policiais que estão na ponta) situações de corrupção e violência.

Os sujeitos que hoje estão ingressando na corporação (Recrutas) parecem que estão
começando a entender o trabalho do policial militar como algo que é economicamente mal
remunerado. O mesmo tipo de situação mostra-se com os sujeitos em atividade na capital do
Estado ou na Baixada Fluminense, independentemente do tempo de serviço.

A representação da instituição como caracteristicamente “desorganizada” parece que vem


se tornando crescente. Situada na zona de contraste da estrutura representacional do conjunto de
sujeitos, este elemento é central nos grupos de Cabos, bem como na dos policiais em atividade no
interior do Estado e portadores de nível médio, independentemente do tempo de serviço.

Para os policiais portadores de nível médio de instrução, a manutenção da ordem pública


não é alcançada, pois a instituição é desacreditada. Aliás, o elemento “desacreditada” e “risco”
foram os mais encontrados nas primeiras periferias de todos os grupos, inclusive na representação
do conjunto total de sujeitos. O que parece sugerir que a instituição, não importa o que faça,
espera, na maioria das vezes, um retorno negativo do meio social. De certo modo, é como se os
policiais entendessem que ninguém acredita no trabalho profissional que eles desejam executar.

O sentimento de “risco” , como já abordado, permeia todos os momentos do sujeito na


instituição, sendo sentido com mais intensidade com o passar dos anos.

Os indivíduos portadores de nível superior de instrução foram os únicos que apresentaram


o termo “repressão” em seu núcleo central, o que sugere ser o tipo de compreensão que estes
possuem para a diminuição da violência e da criminalidade, e que só será alcançada através do
“risco”. Os policiais que atuam na Capital e na Baixada Fluminense registraram o mesmo termo
(repressão) em sua primeira periferia, ao que parece, por serem influenciados, como já visto, pela
137

proximidade com áreas em que a criminalidade se mostra em níveis elevados. Aqui também, essa
“repressão” é vivenciada através do “risco”.

Finalizando, não é proposta deste trabalho justificar práticas violentas e ilegais por parte
de alguns muitos “policiais bandidos”, nem tão pouco colocar a instituição “contra a parede” e
dizer que tudo que deu e tem dado errado é responsabilidade única e exclusiva dos comandantes e
oficiais. Mas precisamos todos nós – policiais, políticos e cidadãos de um modo geral – saber
para onde vamos, em que tipo de sociedade desejamos viver, para somente assim sermos capazes
de começar a pensar a respeito dos caminhos existentes, e aí sim, escolhermos. Escolha essa que
implica novamente todos nós em sérios compromissos com práticas que possam promover a
transformação de representações que, no momento, refletem um meio social onde não há espaço
para o respeito, para a diferença, para o companheirismo, para o perdão e para a compaixão.
138

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Representação Social. Goiânia, AB- editora.
141

Anexo A: Organograma da Instituição22

22
Ver Glossário no apêndice “A”
Apêndice A: Glossário

· BPChoq – Batalhão de Polícia de Choque


· RCECS – Regimento Coronel Eny Cony dos Santos – Polícia Montada
· BPRv – Batalhão de Polícia Rodoviária
· BPFer – Batalhão de Polícia Ferroviária
· BOPE – Batalhão de Operações Especiais
· BPFMA – Batalhão de Polícia Florestal e Meio Ambiente
· CEPTran – Companhia Especial de Policiamento de Trânsito

· CCI – Centro de Comunicação e informática


· PM 1 – Cuida dos recursos humanos
· PM 2 – É conhecido como “serviço reservado”; setor investigativo
· PM 3 – Ensino e Instrução
· PM 4 – Logística
· PM 5 – Relações Públicas
· Cia MUS – Companhia de Música
· APOM – Assessoria de Planejamento Operacional e Modernização
· NAAE – Núcleo de Articulação e Ações Estratégicas

· GCG – Gabinete do Comandante Geral


· AjG – Ajudância geral
· DP – Diretoria de pagamento
· DAF – Diretoria de Assistência Social
· Comissões – (Formada eventualmente para a solução de algum problema)

· 1ª DPJM – Delegacia de Polícia Militar / Rio de Janeiro


· 2ª DPJM – Delegacia de Polícia Militar / Niterói
· 3ª DPJM – Delegacia de Polícia Militar / Baixada Fluminense
· CCRIM – Centro de Criminalística

· DEI – Diretoria de Ensino e Instrução


*ESPM – Escola Superior da polícia Militar
*APM – Academia de Polícia Militar
*CFAP – Centro de Formação e aperfeiçoamento de Praças
*CQPS – Centro de Qualificação de Profissionais da Segurança
*CIEAT – centro de instrução e especialização em aperfeiçoamento de tiro

· DGS – Diretoria Geral de Saúde


*PPM: Policlínica da Polícia Militar – Cascadura, São João de Meriti e Olaria
*LIF – Laboratório Industrial Farmacêutico
*CFRPM – Centro de Fisiatria e Reabilitação da Polícia Militar

· DGAL – Diretoria geral de Apoio Logístico


143

*CMM – Centro de Material e Manutenção


*CSM – Centro de Suprimento e Material

· DGP – Diretoria Geral de Pessoal


*DPA – Diretoria de Pessoal da Ativa
*DIP – Diretoria de Inativos e Pensionistas
*DAS – Diretoria de Assistência Social
*CRSP – Centro de Recrutamento e Seleção de Praças

· DGF – Diretoria Geral de Finanças

· CPC – Comando de Policiamento da Capital

· Cmdo UopE – Comando de Unidades operacionais e especiais


*BOPE – Batalhão de Operações Especiais
*BPFMA – Batalhão de Polícia Florestal e Meio Ambiente

*BPchoq – Batalhão de Polícia de Choque


→GEPE – Grupo Especial de policiamento de estádios
→GPAE – Grupo Especial de policiamento em Áreas Especiais
→GAM – Grupamento Aéreo Marítimo
→GEPCPB – Grupamento Especial Policial em complexos
Penitenciários
→CIPM CÃES – Companhia Independente / Cães

*BPFer – Batalhão de Polícia Ferroviária


*BPTur – Batalhão de Polícia em áreas Turísticas
*BPVE – Batalhão de Policiamento em Vias Especiais

· CPB – Companhia de Policiamento da Baixada

· CPTran – Companhia Especial de Policiamento de Trânsito


*GTM – Gruapamento Tático – móvel
*BPRv – Batalhão de Polícia Rodoviária
*BPTran – Batalhão de policiamento de transito

· 1ª CPI – 1ª Companhia de Policiamento do Interior / Niterói

· 2ª CPI – 2ª Companhia de Policiamento do Interior / Volta Redonda


144

Apêndice B: Questionário

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social

QUESTIONÁRIO

Este questionário faz parte de um estudo sobre a Polícia Militar e nós achamos que ninguém
seria melhor para responder sobre essa instituição do que os próprios policiais militares.
Você não deve se identificar. As informações colhidas, em cada questionário, são
sigilosas.
Outras pessoas, inclusive você, terão acesso apenas ao resultado final da pesquisa, quando
todos os dados, depois de analisados, serão apresentados de forma global.

1) Escreva nas linhas abaixo, as cinco palavras ou expressões que venham logo à sua
cabeça, quando você ouvir a expressão que vai ser dita em voz alta pelo aplicador
deste questionário. Aguarde até ele enunciar qual é a expressão.

( )_______________________________________________________________

( )_______________________________________________________________

( )_______________________________________________________________

( )_______________________________________________________________

( )_______________________________________________________________

(a) Agora, você deve colocar essas palavras ou expressões em ordem de importância,
escrevendo, nos parênteses à sua frente, o número 1 para a que você acha mais importante, o
número 2 para a seguinte em importância, e assim por diante até o número 5.

Preencha agora os seguintes dados de referência

2) Nome do Curso: ( ) Curso de Formação de Soldados


( ) Curso Especial de Formação de Cabos
( ) Quadro de Oficias Auxiliares
145

3) Se for aluno do Curso Especial de Formação de cabos ou do Quadro de Oficiais Auxiliares,


diga a quantos anos você serve à Polícia Militar: ____________________________________

4) A Unidade Operacional à qual você serve:


( ) Fica na cidade do Rio de Janeiro, ou em algum município da Baixada
Fluminense
( ) Fica em alguma cidade no interior do Estado do Rio de Janeiro

5) Qual a sua idade? _______________________

6) Informe o seu nível de escolaridade, escrevendo um X nos parênteses correspondentes.


Ensino Fundamental (antigo 1o grau): ( ) incompleto ( ) completo

Ensino Médio (antigo 2o grau): ( ) incompleto ( ) completo

Ensino Superior: ( ) incompleto ( ) completo Qual curso?

______________________________________________________

7) Antes de você entrar para a Polícia Militar, qual foi a sua última ocupação profissional?

Por quanto tempo a exerceu? ______________

8) Já esteve desempregado? ( ) sim ( ) não

Em caso afirmativo, por quanto tempo?___________________________

Responda às perguntas seguintes sobre a Polícia Militar, colocando-se no lugar do


conjunto dos policiais militares.
Não interessa aqui a sua própria opinião. Com base no que você conhece do conjunto dos seus
colegas, procure dar as respostas que você acha que os policiais militares em geral dariam.
O que se quer saber é como a maioria dos policiais militares vê, entende e se relaciona com a
Polícia Militar, com seu trabalho de policial e com a sociedade.

9) O que os policiais militares acham que a população em geral espera da Polícia Militar, em
termos de prestação de serviços?_________________________________________________

___________________________________________________________________________
146

10) Os policiais militares acham que a atuação da Polícia Militar tem atendido
satisfatoriamente às expectativas da população?
( ) Plenamente ( ) Muito ( ) Pouco ( ) Nada
(a) Quais atuações têm sido satisfatórias? _________________________________________
__________________________________________________________________________

(b)Quais atuações têm sido insatisfatórias? ________________________________________


___________________________________________________________________________

11) Os policiais militares acham que a população compreende e colabora, de alguma maneira,
com o trabalho da Polícia Militar?
( ) Plenamente ( ) Muito ( ) Pouco ( ) Nada

(a) Quais são as colaborações que os policiais militares esperam da população?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

(b) Quais comportamentos os policiais militares entendem como falta de colaboração?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

12) A imprensa noticiou uma pesquisa realizada na Favela da Rocinha, após a ocupação pela
Polícia Militar, que mostrou que os moradores vêem os policiais militares como inimigos e
acham que os traficantes os tratam melhor do que a Polícia Militar. O que os policiais diriam
sobre isso?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

13) Críticas na imprensa dizem que os policiais militares costumam atuar da mesma maneira
em situações de conflito e em situações preventivas? Os policiais militares acham que isso é
( ) inteiramente verdadeiro ( ) razoavelmente verdadeiro ( ) falso

Acrescente um comentário à sua resposta._________________________________________


___________________________________________________________________________
147

14) Em quais circunstâncias os policiais militares, mesmo sem estarem sendo atacados, se

acham no direito de usar a força e armas de fogo?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

15) Há circunstâncias nas quais os policiais militares acham que podem ter outra atuação além
do uso da força e de armas de fogo?
( ) Não ( ) Sim

(a) Caso, tenha respondido "sim", quais seriam essas circunstâncias?


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
(b) E quais seriam essas outras possibilidades de atuação?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

16) Os policiais militares são mais predispostos a usar a força e armas de fogo na atuação
junto a determinadas populações?
( ) Não ( ) Sim

Caso tenha respondido "sim", quais são essas populações?


___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

17) Não é pouco comum que policiais militares portem armas de fogo fora do horário de
trabalho. Como eles justificam essa prática?________________________________________

___________________________________________________________________________
148

(a) Como, considerando essa prática, os policiais militares estão encarando a Campanha
Nacional sobre o Desarmamento?
___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

18) Uma outra prática, menos comum mas freqüentemente denunciada pela imprensa, é de
policiais militares que "acharcam" pessoas procuradas ou suspeitas de algum delito,
liberando-as em troca de dinheiro. Como isto é visto pelo conjunto dos policiais militares?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

19) Há diferença entre a prática de "acharcar" e a de policiais militares aceitarem uma oferta
de dinheiro, em função da autoridade que exercem, para que algo seja realizado fora da
maneira regulamentar?
( ) Não ( ) Sim
Se você respondeu "sim", porque?________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

20) A imprensa diz também que durante uma atuação policial preventiva, os policiais
militares tendem a abordar principalmente e com mais rigor (uso da força) pessoas pobres e
negras ou mulatas, enquanto pessoas brancas e que pareçam ter maior poder aquisitivo são
menos abordadas e melhor tratadas. O que os policiais militares acham disso?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

21) Imprensa e Polícia Militar devem estar ambas, em princípio, a serviço da população.
Assinale as alternativas (uma, duas ou três) que completem corretamente a afirmativa a
respeito do que os policiais militares acham sobre as denúncias de más atuações policiais pela
imprensa:
( ) são um serviço que ela presta à população. Por que? _______________________________
___________________________________________________________________________
149

( ) dificultam a prestação de serviços pela Polícia Militar. Por que? _____________________


___________________________________________________________________________

( ) contribuem para a melhoria da atuação da Polícia Militar. Por que? __________________


___________________________________________________________________________

22) Como, estando dentro da instituição, os policiais militares acham que pode ser melhorado
o serviço que a Polícia Militar presta à população?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

23) A preparação que o policial militar recebe para atuar junto à população, em suas ações
preventivas e repressivas é suficiente e adequada?
( ) Sim ( ) Não
Se você respondeu "não", o que deveria ser acrescentado ou modificado nessa preparação?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

24) Os policiais militares podem funcionar como agentes educadores, pois, durante o trabalho,
os seus comportamentos e atitudes são muitas vezes observados por crianças e adolescentes,
além de serem, por força do serviço ou não, levados a conversar com esses jovens. De um
modo geral, a posição dos policiais militares em relação a essa afirmação é a seguinte:
( ) Nunca pensaram nisso.
( ) Concordam que isso acontece, mas não acham que seja sua responsabilidade.
( ) Aceitam que isso faz parte da sua função e se empenham em exercê-la
( ) Outra: ________________________________________________________

25) Mesmo que nunca tenham pensado nisso, os policiais militares concordariam que a
maneira como é realizada uma intervenção policial dentro de uma comunidade, seja esta
carente ou não, pode ter um efeito educativo sobre sua disposição a colaborar ou não com a
Polícia Militar?
( ) Sim ( ) Não

Porque? ____________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
150

26) Em pelo menos uma coisa a imprensa defende os policiais militares: quando fala da
natureza não só perigosa, mas também árdua e estressante no dia a dia do seu exercício
profissional. Isto dá margem a uma série de perguntas que podem ser feitas aos policiais
militares:
(a) Por que escolheram essa profissão?____________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

(b) Fora o salário, a que todo trabalhador tem direito, que outras recompensas vêem na
profissão?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

(c) Se pudessem, deixariam a profissão? ( ) Sim ( ) Não


Por que?____________________________________________________________________

27) Os policiais militares acham que o seu trabalho pode interferir em suas relações com a
família e o meio social?
( ) Sim ( ) Não
Se você respondeu "sim", como? ________________________________________________
___________________________________________________________________________

28) Considerando todas as questões levantadas até o momento, qual seria o sentimento que os
policiais militares têm por sua profissão?

( ) Orgulho
( ) Vergonha
( ) Outro. Qual?
______________________________________________________________
151

Apêndice C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estou desenvolvendo uma pesquisa intitulada “Representações De Uma Relação: Como A Polícia E A

Sociedade Se Encontram”, que se propõe a analisar as representações sociais construídas pelo policial militar a

respeito da relação entre a Polícia Militar do Estado do Rio de janeiro e a Sociedade. Para tanto, estou realizando

a aplicação desta entrevista. Sua participação é de fundamental importância para a realização deste estudo.

Não haverá riscos, nem desconfortos, nem gastos de qualquer natureza. Você poderá solicitar qualquer
esclarecimento quando sentir necessidade e poderá interromper sua participação a qualquer momento, sem
nenhum ônus, de qualquer natureza. Asseguro que o que for dito, registrado e escrito será respeitosamente
utilizado, e que serão mantidos o sigilo e o anonimato das informações aqui contidas. Desde já agradeço a sua
colaboração.

Pesquisadora: Alexandra Valéria Vicente da Silva

Programa De Pós-Graduação Em Psicologia Social / UERJ

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, __________________________________________________________, autorizo o registro das informações

fornecidas por mim, em forma escrita, para ser utilizada integralmente ou em partes, sem restrições de prazos ou

citações, desde a presente data. Da mesma forma, autorizo a leitura de tais por terceiros, ficando vinculado o

controle e guarda dos mesmos a Alexandra Valéria Vicente da Silva, mestranda do Programa de Pós-Graduação

em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de realizar a pesquisa

intitulada “Representações sociais de uma relação: como a Polícia e a Sociedade se encontram”.

Rio de Janeiro, ____/____/________

Assinatura: ___________________________________________
152

Apêndice D: Tabela com os cursos de nível superior não concluídos pelos policiais militares

Distribuição dos cursos de nível superior não concluídos pelos policiais militares. Rio de
Janeiro, 2005.

CATEGORIA QOA CABOS RECRUTAS


FUNCIONAL CURSO
SUPERIOR f % f % f %
Direito
6 46,0 4 57,0 19 28,0
Fisioterapia
- - - - 4 6,0
Licenciatura
1 7,7 2 28,6 18 27.0
Engenharia
1 7,7 1 14,4 5 7,5
Administração de
Empresas - - - - 7 10,5

Outros
2 15,6 - - 10 15,0
Não Responderam
3 23,0 - - 4 6,0
TOTAL (*) 13 100 7 100 67 100
(*) O Total se refere ao conjunto de sujeitos.
155
156
159
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