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Vera Chaia
Miguel Chaia
Resumo Abstract
O texto apresenta uma abordagem política do This article presents a political approach
significado histórico de uma cidade, com o fo- to the historical meaning of a city, having
co voltado para Brasília. A nova capital federal Brasília in the spotlight. The new federal
é analisada em função das diferentes políticas capital is examined due to the role it played
implementadas pelos governos brasileiros, a in the implementation of different policies by
partir de Juscelino Kubitschek, passando pe- diverse Brazilian governments, from Juscelino
lo regime militar e alcançando o processo de Kubitschek’s period up to the democratic
transição democrática. Algumas idéias servem transition process. Some ideas are used as
de parâmetro analítico para abordar a dimen- an analytical parameter to approach the
são política de Brasília, como, por exemplo, de- political dimension of Brasília, as for example,
senvolvimento econômico, unidade territorial e economic development, national and territorial
nacional, isolamento urbano e autoritarismo, unit, urban isolation and authoritarianism,
utopia realizada, espaço urbano como cenário realized utopia, and urban space as political
político. scenario.
Palavras chaves: urbanismo e política; pla- Keywords: urbanism and politics; urban
nejamento urbano; Brasília; cidade e governo; planning; Brasília; city and government; federal
capital federal capital.
Muitos são os tipos de cidades. Existem pela sua “origem”, isto é, a maneira como
desde aquelas que florescem espontanea- se dá a fundação de uma cidade imprime-lhe
mente no lento fluxo da história até as que sua natureza histórica. Assim, ao analisar os
são levantadas imediatamente pela vontade motivos das grandezas e da decadência de
construtora do homem. Brasília é uma cidade Roma, Maquiavel trata das cidades que “os
cuja origem encontra-se na artificialidade da habitantes, espontaneamente ou movidos
política, nasceu de um projeto visionário do pela tribo de maior autoridade, decidem ha-
governante Juscelino Kubitschek de Oliveira bitar em conjunto“ (Maquiavel, 1979, p. 20)
e se materializou pelo plano arquitetônico e e das cidades “construídas por um príncipe,
urbanístico de Oscar Niemeyer e Lucio Cos- não com o propósito de ali fixar residência,
ta. Assim como a política foi uma invenção mas exclusivamente para a sua glória, como
iniciada pelos gregos, Brasília é um projeto dá exemplo a cidade de Alexandria, estabele-
inventado por alguns homens que agem no cida por Alexandre” (ibid., p. 20). No caso de
interior de instáveis relações de forças. Não Brasília, temos o envolvimento de um sujeito
é à toa que, entre as diferentes noções de construtor respaldado pela idéia de uma nova
política, destaca-se aquela que a vincula com capital que vem atravessando a história brasi-
o termo grego polis (politikós), “que significa leira desde a Independência. Se o projeto de
tudo o que se refere à cidade e, conseqüen Juscelino concretiza-se no início da década de
temente, o que é urbano, civil,público e até 60, os antecedentes do ideário de uma nova
mesmo sociável e social” (Bobbio, 1986, capital vem de longe: Visconde de Porto Se-
166 p. 954).Nesse sentido a retomada do proje- guro, Francisco Adolfo de Vernhagen, já co-
to de uma nova capital brasileira constituiu- gitara uma cidade no planalto central do país;
se num significativo trunfo político para o José Bonifácio de Andrada, o Patriarca da
governo Kubitschek que, na retórica popu- Independência, em 1823, indica a necessida-
lista de “crescer cinqüenta anos em cinco”, de da cidade; a Constituição de 1891 registra
incorporou o entusiasmo coletivo nacional. a fundação de uma nova capital; e, inclusive,
E, desde sua inauguração,em 1960, a cidade sob o governo de Getúlio Vargas foi indicado
vem enfrentando diferentes conjunturas polí- um local indeterminado no planalto central
ticas, refletindo a história do país. para alocar a nova capital do país.1
Brasília emerge, assim, de um longo
processo de afirmação do ideal de integra-
ção territorial e político do país, que se inicia
no período colonial, com a fuga da família
A cidade, a unidade
imperial de Portugal e a instalação da Corte
territorial e a de D. João VI no Brasil, atravessa o Império,
centralização do poder cuja política está calcada na proposta da cen-
tralização política pelo Poder Moderador e
Nicolo Maquiavel, em “Comentários sobre expresso na primeira Constituição Brasileira
a Primeira Década de Tito Lívio”, chama (outorgada) e alcança a República, principal-
a atenção para o fato de que as cidades e, mente com o Estado Novo (1937-1945),
portanto, Estados e Impérios são marcados quando Getúlio Vargas impõe a centralização
política como estratégia de controle governa- militares anteriores, bem como aquelas que
mental. Brasília, nesse sentido, realiza não só brotavam na sua gestão, a política desenvolvi-
a utopia da nova cidade e do novo país, mas mentista de Juscelino incentivou não só a mo-
também encarna o andamento efetivo do pro- bilização de recursos humanos e financeiros,
jeto de integridade territorial e de integração mas também o apoio popular. Nesse sentido,
nacional do país, ante o esfacelamento da uni- Juscelino afirma enfaticamente a instauração
dade experimentada pela América espanhola. do “novo” e a aceleração do tempo político ao
Brasília ganha reatualização histórica ao ser propor o desenvolvimento de cinco décadas
incorporada como um elemento fundamental durante o seu governo. Brasília será a síntese
no modelo desenvolvimentista de Juscelino perfeita desses objetivos. Uma nova capital
Kubitschek. como símbolo de um novo governo, de um
Dessa forma, interessa abordar neste novo começo e de uma nova nação.
artigo os componentes políticos que moti- Brasília é o projeto político composto
varam a criação de Brasília e marcaram al- por múltiplas facetas: incorpora o entusias-
gumas fases do seu crescimento urbano. Se mo coletivo nacional; dinamiza o fluxo dos
num primeiro momento a cidade é pensada imigrantes trabalhadores agora atraídos pe-
como conseqüência de uma determinada polí- la construção da cidade; direciona a vontade
tica de crescimento econômico, em outra eta- construtora de intelectuais e artistas; e inclui
pa histórica a cidade torna-se um território na vida brasileira a sinalização de um futuro
fértil para viabilizar os governos militares. país mais justo e mais rico. Juscelino emer-
Assim, no final dos anos 50 e início dos anos ge como o governante que propõe romper 167
60, Brasília emerge como expressão de um com os modelos do passado e potencializar
novo olhar político sobre a unidade nacional, o país para ingressar numa etapa moderna.
já no final da década de 1960 e na década Kubitschek arma um grande lance político ao
de 1970, a nova capital federal constitui-se colocar a ação governamental em torno de
em espaço facilitador de utilização de técni- um “novo começo”, identificando seu gover-
cas governamentais autoritárias dos regimes no com o esforço para construir de manei-
militares. ra particular o espaço público, traduzindo a
O nacional-desenvolvimentismo é uma construção de uma nacionalidade cosmopolita
política que se instaura solidamente no Brasil, e equiparável a parâmetros internacionais. No
sob o governo de JK, enfatizando a criação interior desse dinâmico movimento político
de um parque industrial, formação do mer- pensado por Juscelino, Brasília é pedra fun-
cado interno e o vínculo com o capital inter- damental, idéia nacionalista que convive com
nacional: os ingredientes considerados neces- as agitações culturais e ideológicas do período
sários para realizar o crescimento econômico personificadas pelo Iseb (Instituto Superior
do país. Juscelino Kubitschek implanta uma de Estudos Brasileiros), CPC (Centro Popular
“experiência (que) resultou num governo de Cultura da União Nacional dos Estudantes)
politicamente estável, apesar de marcado e pelo ritmo da Bossa Nova.
por crises militares no começo e no fim do A estratégia política de JK, portadora de
período” (Benevides, 2002, p. 23). Buscan- um otimismo inovador, reflete-se no âmbito
do neutralizar resquícios de crises políticas e das áreas da arte e da política, à medida que
[...] sem ignorar a relação ambivalente não conseguiu administrar a crise de 1964,
e, por vezes precária, existente entre pois a conjuntura política era outra, com um
estética, técnica e política, torna-se ne- sistema partidário polarizado, estando o pró-
cessário refletir sobre o convívio da in- prio partido fragmentado, sem possibilidade
dustrialização com a vanguarda artística de gerenciar os conflitos que marcaram aque-
promovida pelo discurso modernizador le período pré-golpe.
de Kubischek. A arquitetura, em escala Após nove meses da inauguração de
bem maior do que outras manifestações Brasília, Jânio Quadros assumiu a Presidência
culturais representaram para o gover- da República, no dia 31 de janeiro de 1961.
no, uma maneira visível e popular de Na Praça dos Três Poderes, Juscelino Kubits-
novamente redefinir os conceitos de
chek passou oficialmente o cargo para Jânio
território e de apropriação na era mo-
Quadros. Na festa de posse do novo governo
derna. (Souza,2002, p. 109)
compareceram 1.500 pessoas vindas de vá-
rias partes do Brasil, mas eram oriundas, na
Assim, o governo de JK irá surgir como sua maioria, de São Paulo, local político do
sensível às manifestações populares e como novo governante. Nesse momento da posse,
articulador das expressões e desejos cultu- Brasília tornou-se um radiante pólo político,
rais engendrados por diferentes intelectuais, repetindo a festa de sua inauguração. A cida-
assumindo então a tarefa modernista de pro- de atrai, então, a atenção do país.
jetar uma nova capital. Deve ser ressaltada a
168 maneira eficiente que levou JK a se apropriar
da arquitetura tendo em vista armar uma es-
tratégia geopolítica para o país.
Interregno: entre
Tal eficiência deve-se muito ao gover-
nante, mas também à sua agremiação po-
o isolamento local
lítica. O PSD (Partido Social Democrata) foi e outros palcos nacionais
o partido de Juscelino Kubitschek e que se
caracterizou como um partido de centro, A cerimônia de transmissão do cargo não foi
sempre buscando a “conciliação e moderação” tranqüila, pois Juscelino havia sido informado
(Hippolito, 1985) e o equilíbrio e era marca- que Jânio Quadros faria um pronunciamento
do por membros e lideranças com experiência extremamente crítico ao seu governo. En-
e, segundo analistas, com competência admi- tretanto, as críticas ao governo de Juscelino
nistrativa. Durante o governo de Juscelino, o somente aconteceram quando Jânio Quadros
PSD teve uma posição de centro e ajudou a fez um pronunciamento em cadeia nacional
promover e preservar uma estabilidade políti- de rádio, no programa Hora do Brasil. O no-
ca, estabelecendo alianças com a UDN (União vo presidente acusou Kubitschek de privile-
Democrática Nacional), com o PSP (Partido giar certos grupos econômicos e políticos e
Social Progressista) e com o PTB (Partido de ter aumentado a dívida externa do país,
Trabalhista Brasileiro). dentre outros aspectos.E a cidade de Brasília
Entretanto, o PSD, diferentemente de era considerada um dos fatores importante
outros momentos de crise na história política, desse endividamento do país.
Goulart, foi Tancredo Neves, político mineiro anticomunistas da sociedade brasileira, como
do PSD. Esse sistema vigorou até janeiro de a União Cívica Feminina, Sociedade Rural Bra-
1963, quando se realizou um plebiscito para sileira, dentre outros, e foi realizada em São
que os eleitores brasileiros se manifestassem Paulo, sob a liderança de D. Leonor de Bar-
contra ou a favor da preservação do Parla- ros, mulher do então governador Adhemar
mentarismo, vencendo a volta ao regime de Barros, liderança política do PSP. O Ipes
Presidencialista. (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o
O governo Goulart formulou e tentou Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democráti-
colocar em prática uma política econômica ca), criados pelos setores mais conservadores
planificada, sintetizada no Plano Trienal. Os e com apoio dos Estados Unidos, também
pontos mais importantes desse plano eram fizeram uma oposição ferrenha ao governo
a manutenção da taxa de crescimento do de João Goulart.
produto, a redução da inflação e das desi- João Goulart, por sua vez, realizou, no
gualdades regionais e a melhor distribuição dia 13 de março de 1964, um grande Comí-
de renda. Para sensibilizar a opinião pública, cio na Central do Brasil, na cidade do Rio de
o governo fez uma campanha a favor das Janeiro, convocando o povo a apoiar as refor-
reformas de base (agrária, bancária, fiscal, mas de base, propagadas pelo seu governo.
administrativa) e da política externa inde- A anterior capital federal demonstrava ainda
pendente. A reforma agrária adquiriu uma sua vitalidade política. Nessa mesma cidade
preeminência sobre as outras reformas e en- teve lugar um motim dos marinheiros, que se
170 controu fortes resistências em vários setores rebelaram contra as condições de trabalho a
da sociedade brasileira. que eram submetidos por seus superiores. Os
Goulart enfrentou oposição ao seu go- marinheiros rebeldes são presos e logo a se-
verno no Congresso Nacional, principalmente guir Jango manda soltá-los, provocando uma
através das ações da UDN (União Democrá- reação crítica das Forças Armadas e, principal-
tica Nacional), que emperrou o andamento mente, dos almirantes da Marinha Brasileira.
de vários projetos enviados pelo Executivo, A destituição de João Goulart estava
além de encontrar resistências no interior das sendo articulada pelas Forças Armadas, com
Forças Armadas. Por adotar uma política na- apoio dos governadores de São Paulo, Adhe-
cionalista, sofreu represálias por parte dos mar de Barros, e de Minas Gerais, Magalhães
Estados Unidos e de outros países que desa- Pinto, com a presença da CIA americana e
provavam tal política. Vários segmentos que outros políticos como Carlos Lacerda, ex-
se opunham ao seu governo se organizaram governador do estado do Rio de Janeiro.
para depô-lo e assumir o poder do Estado. Na madrugada de 31 de março de 1964
No dia 31 de março de 1964 João Goulart tanques do Exército ocupam o estado da Gua-
foi deposto por um golpe militar. nabara e, no dia 1º de abril, a zona sul da
As grandes manifestações contra o go- cidade do Rio de Janeiro também é tomada.
verno de Jango ocorreram em cidades no João Goulart, ao saber das manobras milita-
eixo Rio/São Paulo. A primeira manifestação, res que estavam ocorrendo nos estados de
“Marcha da Família, com Deus, Liberdade”, Minas Gerais e São Paulo, viaja para Brasília,
foi convocada por setores conservadores e que não oferecia segurança ao presidente, por
Vera Chaia
Graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutora em
Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professora do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ciências Sociais e do Departamento de Política da Faculdade de Ciências Sociais
e Coordenadora e Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política – Neamp, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisadora do CNPq (São Paulo, Brasil).
vmchaia@pucsp.br
Miguel Chaia
Graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutor em
Sociologia pela Universidade de São Paulo. Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados
em Ciências Sociais e do Departamento de Política da Faculdade de Ciências Sociais e Coorde-
nador e Pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política – Neamp, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (São Paulo, Brasil).
mwchaia@pucsp.br
Nota
(1) Tal medida no governo Getúlio Vargas permitiu que Juscelino acelerasse a mudança da ca-
pital do Rio de Janeiro para Brasília
177
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Recebido em mar/2008
Aprovado em jun/2008