Sei sulla pagina 1di 242

EDITORES

Sérgio Luiz do Logar Mattos


Mauro Pereira de Azevedo
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Rogean Rodrigues Nunes

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2018
Dor e Cuidados Paliativos
Copyright© 2018, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.

Diretoria, gestão 2018 Comissão de Treinamento e Terapêutica da


Sérgio Luiz do Logar Mattos Dor – CTTDor
Erick Freitas Curi Mauro Pereira de Azevedo - Presidente e
Tolomeu Artur Assunção Casali Coordenador do livro
Augusto Key Karazawa Takaschima Breno José Santiago Bezerra de Lima - Secretário
Armando Vieira de Almeida Welma Rezende Fuso de Assis - Membro
Marcos Antonio Costa de Albuquerque Vinicius Sepulveda Lima - Membro eleito para 2018
Rogean Rodrigues Nunes
Comissão de Treinamento em Medicina
Diretoria, gestão 2017 Paliativa – CTMP
Ricardo Almeida de Azevedo Mirlane Guimarães de Melo Cardoso - Presidente e
Sérgio Luiz do Logar Mattos Coordenadora do livro
Tolomeu Artur Assunção Casali Guilherme Antônio Moreira de Barros - Membro
Augusto Key Karazawa Takaschima Inês Tavares Vale e Melo - Membro
Enis Donizetti Silva
Erick Freitas Curi
Rogean Rodrigues Nunes

Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Auxiliar Técnico
Marcelo de Carvalho Sperle

Ficha catalográfica
S678d Dor e Cuidados Paliativos / Editores: Sérgio Luiz do Logar Mattos, Mauro Pereira de Azevedo,
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso e Rogean Rodrigues Nunes.
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2018.
240 p.; 25cm.; ilust.

ISBN 978-85-98632-39-1
Vários colaboradores.
1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Mattos,
Sérgio Luiz do Logar. III. Nunes, Rogean Rodrigues. IV. Azevedo, Mauro Pereira de. V.
Cardoso, Mirlane Guimarães de Melo.
CDD - 617-96

O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).


Produzido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Material de distribuição exclusiva aos médicos anestesiologistas.
Produzido em abril/2018

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ
CEP 22251-080 - Tel.: (21) 3528-1050 - E-Mail: contato@sbahq.org - Portal: https://www.sbahq.org/
Fanpage: https://www.facebook.com/sociedadebrasileiradeanestesiologia - YouTube: https://www.youtube.com/user/SBAwebtv
EDITORES
Sérgio Luiz do Logar Mattos
•• TSA – SBA, Presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, gestão 2018
•• Instrutor Corresponsável pelo CET/SBA Hosp.Universitário Pedro Ernesto da UERJ.

Mauro Pereira de Azevedo


•• TSA – SBA, Presidente da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor – CTTDor, gestão 2017.
•• Diretor de Eventos e Divulgação da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro - SAERJ.
•• Instrutor Corresponsável CET/SBA Hospital Naval Marcilio Dias.

Mirlane Guimarães de Melo Cardoso


•• Presidente da Comissão de Treinamento em Medicina Paliativa da SBA - CTMP.
•• Médica anestesiologista com certificação na área de atuação em dor e medicina paliativa.
•• Professora adjunta da disciplina de farmacologia da Universidade Federal do Amazonas.
•• Mestre e doutora em farmacologia pela Universidade Federal do Ceará.
•• Responsável pelo Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos da Fundação Centro de Controle
de Oncologia do Amazonas – STDCP/FCECON.

Rogean Rodrigues Nunes


•• TSA – SBA, Diretor do Departamento Científico da SBA.
•• Instrutor Corresponsável pelo CET Hospital Geral do Inamps de Fortaleza.
•• Mestre e doutor em anestesia; pós-graduado em cardiologia; pós-graduado em engenharia clínica.
•• Professor de medicina da UNICHRISTUS.

AUTORES/COAUTORES
Alexandre Annes Henriques
•• Médico psiquiatra, mestre em ciências médicas pela UFRGS.
•• Psiquiatra contratado exclusivo do Serviço de Dor e Medicina Paliativa do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre (HCPA).
•• Coordenador do Programa de Psiquiatria e Dor – Prodor/HCPA.
•• Preceptor das residências médicas de psiquiatria, dor e medicina paliativa do HCPA.
•• Professor do Curso de Especialização em Tratamento da Dor e Medicina Paliativa da Faculdade de
Medicina da UFRGS.

Ana Cláudia Mesquita


•• Enfermeira.
•• Doutora em ciências pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
•• Pós-doutoranda do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).

Ana Paula dos Santos


•• Médica Anestesiologista do SMA/ Hospital Sirio Libanês.
•• Especialização em Dor pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.
•• Especialização em Cuidados Paliativos pelo Pallium Latinoamérica - Buenos Aires/AR.
•• Mestrado e Doutorado em Pesquisa em Cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo (2009 e 2013).

André Filipe Junqueira dos Santos


•• Vice-presidente da ANCP.
André Marques Mansano
•• MD, PhD, FIPP, CIPS, TSA – SBA.
•• Área de atuação em Dor -AMB.
•• Fellow of Interventional Pain Practice - World Institute of Pain.
•• Membro do Comitê de Educação do “World Institute of Pain”.

Anita Perpétua Carvalho Rocha de Castro


•• Doutora em anestesiologia pela Universidade Estadual Paulista (Botucatu).
•• Anestesiologista com certificado de atuação na área de dor.

Breno José Santiago Bezerra de Lima


•• MD, MSc, PhD, FIPP, TSA – SBA.
•• Secretário da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor-SBA.
•• Fellow of Interventional Pain Practice - World Institute of Pain.
•• Mestre e Doutor em Ciências Médicas - FMRP/USP.
•• Área de atuação em Dor e Medicina Paliativa.

Cristina Clebis Martins


•• TSA – SBA.
•• Área de atuação em Dor – AMB.
•• Especialização em anestesia regional guiada por ultrassom no Hospital Sírio-Libanês.

Danielle Soller Lopes


•• Médica com formação em clínica médica e geriatria.
•• Mestrado profissional em cuidados paliativos en el paciente oncologico – Universidad Autónoma
de Madrid, UAM, Espanha.
•• Mestrado em master en bioética y derecho – Universitat Barcelona, UAE, Espanha.

Durval Campos Kraychete


•• TSA – SBA.
•• Professor associado do Departamento de Anestesiologia e Cirurgia da Universidade Federal da Bahia.

Edison Iglesias de Oliveira Vidal


•• Mestrado e doutorado em saúde coletiva pela Unicamp.
•• Livre-docência em geriatria pela FMB – Unesp.
•• Docente da disciplina de geriatria da FMB – Unesp.

Elaine Gomes Martins


•• Residência Médica em Anestesiologia pelo Hospital Sírio Libanês.
•• Aperfeiçoamento em Anestesia Regional - IEP/Sírio-Libanês. Especialização Dor - IEP/Sírio-Libanês.
•• Certificado Atuação em Dor AMB/SBA.
•• CIPS - Certified interventional Pain Sonologist - World Institute of Pain.

Érica Brandão de Moraes


•• Enfermeira doutora pela Universidade de São Paulo.
•• Orientadora da Liga de Dor do Maranhão da UFMA.

Érica Carla Lage de Oliveira


•• TEA – SBA.
•• Anestesiologista com área de atuação em dor.
•• Especialista em medicina da dor pelo Hospital das Clínicas da UFMG.
•• Médica da Clínica de Dor do HC UFMG, da Rede Mater Dei de Saúde e da ClinD’Or.

Esther Alessandra Rocha


•• TSA – SBA.
•• Instrutora corresponsável do Centro de Ensino e Treinamento da Faculdade de Medicina do ABC.
•• Professora adjunta da disciplina de anestesiologia da Faculdade de Medicina do ABC.
•• Anestesiologista do Hospital Estadual Mário Covas da Faculdade de Medicina do ABC.
Fernanda Bono Fukushima
•• Doutorado em anestesiologia pela Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp.
•• Especialista em anestesiologia, título de área de atuação em dor e cuidados paliativos pela AMB.
Docente da disciplina de terapia antálgica e cuidados paliativos da FMB – Unesp.

Guilherme Antônio Moreira de Barros


•• Membro da Comissão de Treinamento em Medicina Paliativa da SBA - CTMP.
•• Médico anestesiologista com certificação na área de atuação em dor e medicina paliativa.
•• Professor adjunto da disciplina de dor e cuidados paliativos da Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp.
•• Mestre e doutor em anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp.
•• Responsável pelo Serviço de Terapia Antálgica e Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp.
Gustavo Rodrigues Costa Lages
•• Anestesiologista TSA – SBA, CAAD, TEMI AMIB.
•• Corresponsável pelo CET do Hospital das Clínicas da UFMG.
•• Coordenador da Clínica de Dor do HC UFMG, da Rede Mater Dei de Saúde e da ClinD’Or.

Inês Tavares Vale e Melo


•• Membro da Comissão de Treinamento em Medicina Paliativa da SBA – CTMP.
•• Médica anestesiologista com certificação na área de atuação em dor e medicina paliativa.
•• Coordenadora da especialização latu sensu de cuidados paliativos da Unimed/Unifor.
•• Coordenadora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital Regional Unimed Fortaleza.
•• Membro da Câmara Técnica de Cuidados Paliativos do Conselho Federal de Medicina – CFM.

Irimar de Paula Posso


•• TSA – SBA.
•• Instrutor corresponsável do Centro de Ensino e Treinamento da Faculdade de Medicina do ABC.
•• Anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
•• Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor.

Joana Angélica Vaz de Melo


•• Anestesiologista, TEA – SBA.
•• Especialista em clínica de dor pelo Hospital das Clínicas da UFMG.

João Batista Santos Garcia


•• Prof.Dr., TSA – SBA.
•• Professor doutor associado da disciplina de anestesiologia, dor e cuidados paliativos da Universida-
de Federal do Maranhão (UFMA).
•• Responsável pelo Serviço de Dor e Cuidados Paliativos do Hospital Universitário da UFMA e do
Hospital do Câncer do Maranhão.

José Cristovão Ferreira


•• TEA – SBA, Anestesiologista do Hospital Evangélico de Londrina.
•• Membro da Comissão de Cuidados Paliativos - Hospital Evangélico de Londrina.

Karen Santos Braghiroli


•• MD, FIPP, TEA – SBA.
•• Fellow of Interventional Pain Practice - World Institute of Pain.
•• Médica da equipe de Dor do Hospital Alemão Osvaldo Cruz e Professora Assistente na pós-gradua-
ção em Dor do Hospital Sírio-Libânes.
Lúcia Miranda Monteiro dos Santos
•• Médica anestesiologista TSA/SBA com área de atuação em dor e cuidados paliativos.
•• Mestre em neurociência pela UFRGS.
•• Ex-chefe do Serviço de Dor e Medicina Paliativa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA,
2008-16). Coordenadora do Programa de Cuidados Paliativos do HCPA.
•• Professora do Curso de Especialização em Dor e Medicina Paliativa da Fac.de Medicina da UFRGS.
Luís Fernando Rodrigues
•• MD, MAHR Palliative Care.
•• Médico da Unidade de Cuidados Paliativos – Physician at the Palliative Care Unit.
•• Hospital São Judas Tadeu, Fundação Pio XII – PIO XII Foundation.
•• Hospital de Câncer de Barretos – Barretos, São Paulo.

Mauro Pereira de Azevedo


•• TSA – SBA, Presidente da Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor da SBA - CTTDor.
•• Diretor de Eventos e Divulgação da SAERJ.
•• Instrutor Corresponsável CET/SBA Hospital Naval Marcilio Dias.

Mirlane Guimarães de Melo Cardoso


•• Presidente da Comissão de Ensino e Treinamento em Medicina Paliativa da SBA - CTMP.
•• Médica anestesiologista com certificação na área de atuação em dor e medicina paliativa.
•• Doutora em farmacologia e professora adjunta da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
•• Responsável pelo Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos da Fundação Centro de Controle
de Oncologia do Amazonas – STDCP/FCECON.
•• Mestre e doutora em farmacologia pela Universidade Federal do Ceará.

Paulo Adilson Herrera


•• TSA – SBA, CAAD, MSc, Membro da Comissão de Educação Continuada SBA - CEC.
•• Professor auxiliar da disciplina de anestesiologia da PUC/PR – Campus Londrina.
•• Corresponsável de CET de Anestesiologia - Hospital Evangélico de Londrina.

Paulo Renato Barreiros da Fonseca


•• TEA – SBA.
•• Médico anestesiologista com especialização na área de atuação em dor.
•• Diretor científico da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor.
•• Ex-professor de anestesiologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Pedro Paulo Kimachi


•• TSA – SBA.
•• Residência Médica em Anestesiologia pela Universidade de São Paulo.
•• Médico Anestesiologista do SMA - Serviços Médicos de Anestesia.
•• Coordenador da Pós-Graduação - Aperfeiçoamento em Anestesia Regional, Hospital Sírio Libanês
•• Coordenador do curso de Ultrassonografia Point of Care, Hospital Sírio Libanês.

Roberto Henrique Benedetti


•• TSA – SBA, Membro da Comissão de Ensino e Treinamento da SBA - CET.
•• Responsável pelo CET/SBA Sianest/Hospital Florianópolis – Cepon.
•• Professor do curso de medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).
APRESENTAÇÃO

É com grande orgulho e satisfação que a SBA apresenta mais um trabalho de enor-
me importância social, que contribui, de maneira incontestável, para a consolidação
dessa associação como a principal incentivadora na promoção e qualificação técnica e
científica do anestesiologista brasileiro.
Este livro representa não só o papel referencial de qualidade da SBA na especiali-
dade, mas o empenho e o esforço de todos aqueles que se dedicaram e trabalharam
para que esta obra se concretizasse de maneira tão qualificada.
A dor e, mais recentemente, os cuidados paliativos são áreas de atuação do mé-
dico anestesiologista, e a SBA não poderia deixar de atender às novas demandas de
uma sociedade cada vez mais exigente e dinâmica. Portanto, essas áreas precisam ser
fortalecidas para que os espaços sejam ocupados de maneira efetiva e competente e,
assim, no final, os pacientes possam se beneficiar de uma assistência especializada
mais aprimorada.
Esta obra comprova a histórica tradição da SBA no cumprimento de sua missão de
garantir a qualidade e a segurança da medicina perioperatória e, com isso, deixar seus
sócios orgulhosos em fazerem parte de tão respeitável entidade.

Bons estudos!

Rogean Rodrigues Nunes


Diretor do Departamento Científico da SBA

Sérgio Luiz do Logar Mattos


Presidente da SBA, gestão 2018
SUMÁRIO
Prefácio - Partes I e II. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Parte I
Capítulo 01
Epidemiologia, Fisiopatologia e Classificação da Dor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
João Batista Santos Garcia, Érica Brandão de Moraes
Capítulo 02
Estratégias para o Controle da Dor Pós-Operatória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Paulo Adilson Herrera, José Cristovão Ferreira
Capítulo 03
Uso de Ultrassonografia no Tratamento da Dor Pós-Operatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Pedro Paulo Kimachi, Elaine Gomes Martins
Capítulo 04
Analgesia Pós-Operatória no Paciente com Dor Crônica em Tratamento . . . . . . . . . . . . . 47
Durval Campos Kraychete, Anita Perpétua Carvalho Rocha de Castro
Capítulo 05
Dor Crônica Pós-Operatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Gustavo Rodrigues Costa Lages, Érica Carla Lage de Oliveira, Joana Angélica Vaz de Melo
Capítulo 06
Dor Crônica Pós-Operatória e Influência da Técnica Anestésica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Mauro Pereira de Azevedo
Capítulo 07
Tratamento Farmacológico da Dor Crônica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Paulo Renato Barreiros da Fonseca, Irimar de Paula Posso, Esther Alessandra Rocha
Capítulo 08
Tratamento Intervencionista da Dor Crônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
André Marques Mansano, Breno José Santiago Bezerra de Lima, Karen Santos Braghiroli
Capítulo 09
Dor Oncológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Breno José Santiago Bezerra de Lima, Roberto Henrique Benedetti, Paulo Adilson Herrera
Capítulo 10
Síndromes Dolorosas Crônicas Não-Oncológicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
Breno José Santiago Bezerra de Lima, Cristina Clebis Martins, Roberto Henrique Benedetti

Parte II
Capítulo 11
Cuidados Paliativos: Aspectos Conceituais e Princípios Essenciais. . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso, Inês Tavares Vale e Melo, Guilherme Antônio Moreira
de Barros
Capítulo 12
Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
Guilherme Antonio Moreira de Barros, Danielle Soller Lopes, Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Capítulo 13
Cuidados Paliativos: Quando Indicar e Como Reconhecer Critérios de Terminalidade. . . . 159
João Batista Santos Garcia
Capítulo 14
Organização e Modelos de Assistência em Cuidados Paliativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
Ana Paula dos Santos
Capítulo 15
Estratégias no Manejo da Dor Total. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Capítulo 16
Sintomas Respiratórios em Cuidados Paliativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
Fernanda Bono Fukushima, Edison Iglesias de Oliveira Vidal
Capítulo 17
Avaliação e Controle de Sintomas Neuropsiquiátricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
Lúcia Miranda Monteiro dos Santos, Alexandre Annes Henriques
Capítulo 18
Terapia de Sedação Paliativa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Inês Tavares Vale e Melo, Luís Fernando Rodrigues
Capítulo 19
Hipodermóclise: Via Alternativa em Cuidados Paliativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Ana Cláudia Mesquita, Guilherme Antônio Moreira de Barros
Capítulo 20
Sintomas Gastrointestinais em Cuidados Paliativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
Edison Iglesias de Oliveira Vidal, Fernanda Bono Fukushima
Capítulo 21
Assistência ao Fim da Vida: Identificação e Manejo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229
André Filipe Junqueira dos Santos, Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
PREFÁCIO

Parte I - Dor
A Sociedade Brasileira de Anestesiologia investe continuamente na atualização e
no aperfeiçoamento de seus associados. Nesse contexto, a Comissão de Treina-
mento e Terapêutica da Dor (CTTDor/SBA) participou da elaboração deste livro,
cujo objetivo é lançar uma luz nos meandros da dor, voltada especialmente para o
anestesiologista que não é clínico de dor.
Uma preocupação particular sempre foi incentivar o trabalho do anestesiologista
clínico, aquele que atua diariamente no centro cirúrgico, na prevenção e no tratamen-
to da dor, além de estimular aquilo que é feito de modo corriqueiro. Pensar na dor
como um momento inexorável no curso da cirurgia é esquecer a existência de efeitos
a longo prazo, especialmente sua cronificação. Quanto mais se falar em fisiopatologia
da dor pós-operatória, nos fatores envolvidos em sua cronificação e na importância de
uma técnica anestésica adequada como principal fator de prevenção, mais estaremos
ajudando na redução dessa importante patologia que pode acometer um número ex-
pressivo de pacientes em determinadas cirurgias, com grande impacto físico, social,
emocional e econômico para os pacientes e para o sistema de saúde.
Procuramos também atualizar o anestesiologista sobre novos aspectos da dor crô-
nica e oncológica, temas fundamentais que com frequência se apresentam diante do
clínico e para os quais devemos estar preparados para ao menos orientar o paciente.
Colegas importantes e com experiência foram convidados a participar desta em-
preitada e prontamente aceitaram a tarefa. A esses colegas agradeço imensamente em
nome da SBA e, especialmente, em nome da CTTDor/SBA.
A intenção é atualizar anualmente este livro, para que ele cresça e se aprimore
sempre. Novidades aparecem todos os dias, e a SBA estará sempre empenhada em
levar o melhor a seu associado.
Agradeço a confiança na SBA e seu apoio, sem o qual este livro não existiria.

Comissão de Treinamento e Terapêutica da Dor – CTTDor


Mauro Pereira de Azevedo - Presidente e Coordenador do livro
Breno José Santiago Bezerra de Lima - Secretário
Welma Rezende Fuso de Assis - Membro

Prefácio | 11
PREFÁCIO

Parte II - Medicina Paliativa


Com esta mensagem simples e clara, nós, da Comissão de Treinamento em
Medicina Paliativa da Sociedade Brasileira de Anestesiologia, criada em 2015,
queremos iniciar um Plano de Informação, Comunicação e Sensibilização dos aneste-
siologistas para a mais nova área de atuação de nossa especialidade, que é cuidados
paliativos (CP), uma modalidade de assistência solidária que surgiu na década de
1960, em Londres, com uma filosofia de cuidados integrais destinados a proporcionar
bem-estar, conforto e apoio aos pacientes portadores de doenças ameaçadoras da vida
e suas famílias, incluindo o cuidado pós-morte.
A morte é um tema que, à primeira vista, é muito difícil de ser abordado no dia
a dia das famílias. No ambiente hospitalar, paradoxalmente, acontece fenômeno si-
milar. Os médicos, apesar de, muitas vezes, lidarem com pacientes em final de vida,
ignoram essa realidade. A arte de “fugir da morte” é exercida na presença daqueles
que vão morrer, seja numa conspiração silenciosa entre a equipe de saúde e familiares
que impedem a autonomia do paciente, seja pela incapacidade de se buscarem novas
possibilidades de se lidar com o final da vida. Mas enquanto houver vida deve haver
a dignidade de poder vivê-la, com a dor e o sofrimento sendo cuidados de forma ade-
quada. Um primeiro passo para isso é falar sobre a finitude e avaliar as possibilidades
de se trabalhar com uma equipe multiprofissional, considerando como foco da aten-
ção o doente, e não a doença incurável, tendo os princípios bioéticos como base para
a tomada de decisões.
Queremos, com esta obra, que conta com parceiros de destacada qualidade cientí-
fica e humana, transmitir as muitas experiências de intensidade da vida que todos nós
que trabalhamos no CP vivenciamos na primeira pessoa, todos os dias, acompanhan-
do milhares de pacientes no final de suas vidas e suas famílias.
Este livro é o primeiro movimento da comissão que vai ao encontro dos paliati-
vistas da SBA e dos anestesiologistas interessados em participar desse projeto e tra-
balhar conosco. Todas as mãos serão poucas para construir a SBA influente em suas
áreas de atuação que queremos. Seguiremos estimulando a elaboração de eventos de
treinamento multidisciplinar em CP, com prioridade da qualidade científica, que ser-
virão como pontos de encontro e participação dos anestesiogistas paliativistas nos
eventos oficiais da SBA.
Desejamos transmitir nosso entusiasmo. Desejamos que você nos acompanhe.
Desejamos boa leitura!

Comissão de Treinamento em Medicina Paliativa – CTMP


Mirlane Guimarães de Melo Cardoso - Presidente e Coordenadora do livro
Guilherme Antônio Moreira de Barros - Membro
Inês Tavares Vale e Melo - Membro

12 | Dor e Cuidados Paliativos


Parte I

DOR
01
Capítulo

Epidemiologia, Fisiopatologia e
Classificação da Dor
João Batista Santos Garcia
Érica Brandão de Moraes

Incidência
A dor está associada a elevados custos para o sistema de saúde, além de comprome-
ter também o humor e a qualidade de vida das pessoas. A dor crônica tem sido o foco
dos estudos epidemiológicos pelo grande impacto na vida dos indivíduos, além de ser
considerada hoje um problema de saúde pública mundial.
Estudo conduzido por meio de inquérito por telefone, com 17.543 pessoas em uma
cidade da Austrália, observou que os pacientes com dor crônica apresentaram maior
probabilidade de acesso dos serviços e estiveram mais propensos a serem usuários
frequentes desses serviços. O estudo mostrou ainda que a dor crônica está associada
ao aumento duas vezes maior de hospitalização e consultas médicas nos últimos 12
meses. As pessoas que tinham dor crônica procuraram cinco vezes mais os serviços
de emergência comparado com as pessoas que não tinham dor crônica1.
O impacto da dor reflete também na qualidade de vida das pessoas. Fatores como
depressão, incapacidade física e funcional, dependência, afastamento social, mu-
danças na sexualidade, alterações na dinâmica familiar, desequilíbrio econômico,
desesperança, sentimento de morte e outros encontram-se associados a quadros de
dor crônica2.
Estima-se que a prevalência de dor crônica possa variar de 12% a 80%3, e a dor
crônica com característica neuropática atinge em média 7% a 8% da população geral
e cerca de um terço da população com dor crônica4,5.
O maior estudo epidemiológico foi realizado em 2006, na Europa, com a par-
ticipação de 15 países. Um total de 46.394 pessoas respondeu ao questionário. A

Epidemiologia, Fisiopatologia e Classificação da Dor | 15


prevalência média de DC para toda a Europa foi de 19%. Nesse estudo, as mulheres
referiram mais dor do que os homens. A dor foi mais prevalente entre 41-60 anos.
Somente 12% dos respondentes sofriam de dor crônica há menos de dois anos, quase
60% sentiam dor entre há 15 anos e muitos reportaram dor com duração maior do
que 20 anos (21%). Uma em cada cinco pessoas tinha dor de cabeça e nos membros
inferiores6. A dor foi intensa em 34% das pessoas, e 31% delas não toleravam mais
a dor. Um em cada quatro indivíduos afirmou que sua dor influenciava na situação
de trabalho em que se encontravam. A dor teve também grande impacto no estado
emocional deles: 21% dos respondentes disseram que tiveram diagnóstico de de-
pressão por causa da dor. Somente 25% foram a um especialista em dor. Em relação
ao tipo de medicamento utilizado para o tratamento da dor, a maioria utilizava an-
ti-inflamatórios não esteroides, AINEs (55%), 43% usavam analgésicos, 13% eram
opioides. Em relação à satisfação com o tratamento, 40% estavam insatisfeitos com
o tratamento recebido6.
Alguns estudos mostram maior prevalência de dor entre pessoas do sexo femi-
nino. Um estudo populacional realizado na Noruega comparou homens e mulheres.
Em relação à intensidade dolorosa, as mulheres tiveram significantemente maior in-
tensidade dolorosa em relação à dor no momento da entrevista e também no pior
momento. As mulheres também tiveram dor em mais locais do que os homens7. As
mulheres também tiveram maior porcentagem no consumo de medicamentos como
analgésicos. A dor crônica também teve uma grande influência na qualidade de vida
das mulheres, que deixaram de fazer suas atividades diárias7.
Outro aspecto importante é o aumento da prevalência com o avançar da idade.
Um estudo realizado com idosos em Londrina observou que 51,4% dos entrevistados
apresentaram queixa de dor crônica. Os locais mais prevalentes foram região dorsal
(21,7%) e membros inferiores (21,5%). A intensidade foi moderada em 38,4% dos casos
e em 9,5% foi descrita como intensa. A maioria dos idosos apresentava frequência
diária de dor e 18% referiram sentir dor contínua (31,3%)2.
No Brasil ainda existem poucos estudos epidemiológicos sobre dor crônica. O
primeiro estudo populacional foi realizado em 2008, na cidade de Salvador, Bah-
ia. Participaram desse estudo 2297 indivíduos. A prevalência de dor crônica foi
de 41,4%, com predominância maior nas mulheres (48,4%). A região lombar foi
a mais presente, representando 16,3%. No modelo final, idade, ser ex-fumante e
obesidade central estiveram associadas à dor crônica em ambos os sexos. O con-
sumo excessivo de álcool na mulher e o fumo para os homens também estiveram
associados à dor crônica8.
Em 2012 foi realizada uma pesquisa populacional na cidade de São Luís (MA),
com enfoque na dor crônica com e sem características neuropáticas. A amostra
consistiu de 1.597 indivíduos. A prevalência de dor crônica (DC) em São Luís foi
42%, e 10% apresentaram dor com características neuropáticas, percentual maior
que no Reino Unido (8%)5 e na França (6,9%)4 . O aumento da idade foi um forte
fator associado, observando-se que a prevalência de DC aumentou nos indivíduos
mais velhos. O tempo de duração da dor, nesse estudo, concentrou-se entre 6 meses
e 4 anos, com frequência predominantemente diária, com a intensidade dolorosa

16 | Dor e Cuidados Paliativos


e o tempo de dor maior nas pessoas que tinham dor crônica com característica
neuropática. Houve predominância da dor nos membros inferiores nessa popula-
ção (51%). Grande parte da população ainda não sabia a causa da dor (50,89%).
Os medicamentos mais utilizados para o tratamento da dor crônica nesse estudo
foram analgésicos e AINEs9.

Quinto Sinal Vital


O reconhecimento da dor como o quinto sinal vital surgiu nos Estados Unidos, em
1996, por James Campbell, presidente da Sociedade Americana de Dor. A ideia dessa
inclusão é que a dor seja avaliada periodicamente, da mesma forma que os demais
sinais vitais, e que essa avaliação passe a ser uma rotina nas instituições.
A avaliação da dor e o registro sistemático e periódico de sua intensidade são fun-
damentais para que se acompanhe a evolução dos pacientes e se realizem os ajustes
necessários ao tratamento. As construções de rotinas de avaliação da dor e protocolos
de conduta são de extrema importância para fomentar essa prática. Deve-se estabe-
lecer um local de registro de avaliação da dor, de preferência junto com os demais
registros dos sinais vitais.
Outro aspecto importante é o treinamento da equipe, sobretudo da equipe de
enfermagem, que é quem terá maior contato com os pacientes. A implantação da
avaliação da dor como o quinto sinal vital deve ser tido como uma meta institucio-
nal, com monitoramento dos indicadores de adesão pela equipe. Considerar a dor
como o quinto sinal vital é uma maneira de melhorar a qualidade do atendimento
ao paciente10.
A Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED)11 recomenda que os compo-
nentes iniciais dessa iniciativa devam ser:
• adotar uma rotina de avaliação de ocorrência e intensidade da dor para todos
os pacientes, usando uma escala visual analógica (EVA);
• documentar a ocorrência de dor e de sua intensidade para todos os doentes;
• documentar as intervenções planejadas para o tratamento e controle da dor,
bem como o período determinado para a reavaliação;
• realizar um planejamento para seu efetivo desenvolvimento, preferencialmente
designando um membro da equipe que fique responsável pela coordenação da
implantação do quinto sinal vital;
• estabelecer um plano de ação com prazos e designação de responsáveis para
sua implantação em todas as unidades da instituição;
• definir a folha de registro da avaliação, intervenção e reavaliação;
• definir o instrumento de avaliação (EVA) que será utilizado;
• estabelecer normas e procedimentos para avaliação e reavaliação da dor para
os pacientes em que a dor seja identificada;
• educar a equipe de saúde quanto à avaliação da dor (componentes de uma ava-
liação, aplicação da EVA, registro adequado e reavaliação) e seu manejo (inter-
venções farmacológicas e não farmacológicas);
• desenvolver um plano para educação do paciente e seus familiares quanto à
avaliação e ao manejo da dor.

Epidemiologia, Fisiopatologia e Classificação da Dor | 17


Avaliação da Dor
A dor é extremamente subjetiva, e os pacientes podem ter dificuldade para ex-
pressá-la, portanto, sua avaliação e mensuração são consideradas tarefas difíceis por
agrupar aspectos individuais, valores e fatores próprios da doença.
Uma avaliação apropriada torna-se fundamental no tratamento do paciente, pois
possibilita uma terapia analgésica adequada, que conduz a mudanças necessárias no
manejo da dor, permitindo melhoria na qualidade do cuidado12.
Aspectos importantes na avaliação da dor:
1. Sempre avaliar a dor no momento da admissão e visita do profissional ao paciente.
2. Quando houver alguma alteração do estado clínico do paciente, a dor deve
ser reavaliada.
3. Antes, durante e após qualquer procedimento invasivo no paciente.
4. Usar instrumentos adequados para grupos específicos de pacientes:
• neonatos, lactentes e crianças;
• idosos com comprometimento cognitivo (demência avançada);
• pacientes em estado grave ou inconscientes (entubados, sedados);
• pacientes oncológicos.
5. Realizar uma avaliação abrangente da dor, investigando:
• a localização da dor - observar a região afetada e se há irradiação;
• a intensidade da dor - avaliar a dor atual e no contexto geral, em repouso
e movimento;
• o tempo da dor - quando iniciou, a duração de cada episódio e se é inter-
mitente ou contínuo;
• a qualidade da dor - avaliar os descritores utilizados pelos pacientes (for-
migamento; pontada; queimação etc.);
• os fatores de piora e melhora - avaliar em que momento do dia piora
e melhora;
• o tratamento atual e prévio - considerar os fatores farmacológicos e não
farmacológicos; adesão ao tratamento; efeitos colaterais e reações adversas;
• a interferência na vida diária - sono e repouso; trabalho; apetite; humor;
convívio social e espiritualidade, entre outros.
Os resultados da avaliação da dor devem ser sempre documentados para que todos os
profissionais envolvidos no cuidado com o paciente possam realizar o manejo ideal da dor.
São inúmeros instrumentos disponíveis para serem aplicados durante o processo de
avaliação da dor. Estes podem ser unidimensionais (avaliam apenas a intensidade da dor)
e multidimensionais (avaliam diferentes dimensões da dor). Os instrumentos unidimen-
sionais são escalas que quantificam apenas o nível de intensidade da dor; são ferramentas
rápidas, fáceis de serem aplicadas, fornecem resposta sobre a eficácia das intervenções e
têm sido amplamente utilizadas no meio hospitalar. As mais utilizadas são a Escala Des-
critiva Verbal, a Escala Analógica Visual (EAV) e a Escala Numérica Verbal13.
Os instrumentos multidimensionais são escalas utilizadas para avaliar e mensurar
as diferentes dimensões da dor. As principais dimensões avaliadas são a sensorial,
afetiva e avaliativa. A mais utilizada é a Escala de Dor de McGill14.

18 | Dor e Cuidados Paliativos


Fisiopatologia da Dor e Mecanismos Periféricos e Centrais
A dor resulta da ativação de receptores periféricos por estímulos térmicos, químicos
ou mecânicos potencialmente lesivos. Esses receptores ou terminações nervosas livres
possuem alto limiar de excitabilidade e são chamados de nociceptores. A informação
da lesão tecidual é transmitida ao sistema nervoso central através de fibras nervosas do
tipo Aδ e C, que se dirigem para a medula espinhal, por meio da raiz dorsal15.
Quando o estímulo é muito intenso e prolongado, no local da lesão tecidual há a
liberação de substâncias responsáveis pela resposta inflamatória, que pode durar ho-
ras ou dias. A persistência das lesões periféricas pode causar modificações, direta ou
indiretamente, no sistema nervoso, nas vias de processamento da dor16.
A dor que se segue à manipulação cirúrgica, por exemplo, normalmente provo-
ca mudanças na sensibilidade das fibras nervosas, que caracteriza o fenômeno de
sensibilização periférica. Este se manifesta pelo aumento na atividade espontânea
neuronal, diminuição do limiar necessário para ativação dos nociceptores e aumento
da resposta a estímulos supraliminares. A sensibilização dos nociceptores aferentes
primários provoca hiperalgesia, que é definida como uma resposta exagerada aos es-
tímulos dolorosos. Há a hiperalgesia primária, que ocorre dentro dos limites da área
de lesão tecidual, e a hiperalgesia secundária, que se dá nas circunvizinhanças da
lesão. Uma proporção de aferentes primários não mielinizados normalmente não são
sensíveis a estímulos térmicos e mecânicos intensos, entretanto, na presença de sensi-
bilização tornam-se responsivos. São os chamados nociceptores silentes, que passam
a responder de maneira intensa mesmo a estímulos não nociceptivos17.
A resposta inflamatória que ocorre após a lesão do tecido, que leva à sensibilização
periférica, é caracterizada pela liberação de substâncias tanto das células do tecido
lesado como das células inflamatórias, como mastócitos, macrófagos e linfócitos.
Ocorrem mudanças na permeabilidade vascular e no fluxo sanguíneo local, ativação
e migração de células do sistema imunológico e mudanças na liberação de fatores
tróficos e de crescimento pelos tecidos próximos18.
Há liberação de cininas (principalmente a bradicinina) e de ácido araquidônico,
que sob a ação da cicloxigenase e da lipoxigenase origina as prostaciclinas, as pros-
taglandinas, o tromboxano e os leucotrienos. A liberação de prostaglandinas, prin-
cipalmente PGE2, provoca diminuição do limiar de excitabilidade dos nociceptores,
tornando-os sensíveis a estímulos menos intensos. Há ainda a liberação de media-
dores como potássio, serotonina, óxido nítrico, substância P, histamina e citocinas
(IL-1, IL-6, IL-8 e TNFα). Embora alguns mediadores possam agir diretamente nos
canais iônicos das membranas, alterando a permeabilidade e a excitabilidade celular,
a grande maioria age indiretamente pela ativação de receptores de membrana que
estão usualmente, mas não exclusivamente, acoplados a segundos mensageiros, ati-
vando cinases específicas com fosforilação de canais iônicos de membrana18.
Com a estimulação persistente dos nociceptores, observa-se redução do limiar de
sensibilidade, fazendo com que estímulos normalmente não dolorosos resultem em
dor (alodínia), além do aparecimento de dor espontânea, hiperalgesia primária e se-
cundária, que podem persistir, mesmo após a resolução da lesão tecidual. Isso sugere

Epidemiologia, Fisiopatologia e Classificação da Dor | 19


que a sensibilização periférica não é responsável por todas essas mudanças, devendo
haver um envolvimento significante do sistema nervoso central nesse processo, que
caracteriza o fenômeno de sensibilização central19,20.
O sistema nervoso central apresenta mudanças estruturais e funcionais, denomi-
nadas plasticidade, com adaptações positivas (apropriadas às mudanças do meio) ou
negativas (anormalidade de função).
A sensibilização central é desencadeada por impulsos sensoriais transmitidos
através de fibras amielínicas C, que terminam nas camadas mais superficiais do
corno posterior da medula espinhal. Essa sensibilização se caracteriza por atividade
espontânea aumentada, redução de limiar ou aumento na responsividade a impulsos
aferentes, descargas prolongadas após estímulos repetidos e expansão dos campos
receptivos periféricos de neurônios do corno dorsal. Além do componente medular,
há evidências de que as lesões periféricas também possam induzir plasticidade em
estruturas supraespinhais, afetando a resposta à dor19,20.
Para que ocorram alterações no corno dorsal da medula, é necessário que a ati-
vação dos aferentes primários de pequeno diâmetro resultem na liberação de neu-
ropeptídeos (substância-P, neurocinina-A, somatostatina e peptídeo geneticamente
relacionado com a calcitonina) e de aminoácidos excitatórios (glutamato e aspartato).
Essas substâncias estão relacionadas com a geração de potenciais pós-sinápticos exci-
tatórios, que podem ser lentos (produzidos pelas fibras amielínicas C, podendo durar
até 20 segundos) e rápidos (produzidos pelas fibras A de baixo limiar de excitabilida-
de, durando milissegundos)21.
Os potenciais pós-sinápticos excitatórios rápidos geram correntes iônicas de curta
duração para dentro da célula e são mediados pela ação do glutamato via receptores
AMPA (ácido alfa-amino-3-hidróxi-5-metil-4-isoxasolpropiônico), ligados a canal iô-
nico de sódio e receptores metabotrópicos, ligados a proteína-G e fosfolipase-C da
membrana, que são conhecidos como receptores não-NMDA (N-metil-D-aspartato).
Os potenciais pós-sinápticos excitatórios lentos podem também ocorrer por meio dos
receptores AMPA, mas seu mecanismo de geração mais consistente é através da ação
do glutamato e da glicina (coagonista obrigatório) sobre os receptores NMDA e da
ação de taquicininas, como a substância-P e a neurocinina-A. Há três tipos de recep-
tor para as taquicininas: neurocinina-1 (NK1), neurocinina-2 (NK2) e neurocinina-3
(NK 3), sendo todos pós-sinápticos, acoplados à proteína G e localizados nas lâminas
I, II e X do corno dorsal medular. A substância-P age preferencialmente pelo NK1 e a
neurocinina-A via NK221.
A duração prolongada dos potenciais lentos permite que, durante os estímulos re-
petitivos dos aferentes, esses potenciais possam ser somados temporariamente, pro-
duzindo aumento cumulativo na despolarização pós-sináptica (poucos segundos de
impulsos pelas fibras C resultam em vários minutos de despolarização). Esse aumento
progressivo na descarga do potencial de ação às estimulações repetidas é conhecido
como o fenômeno de wind up19,21.
Para que esse fenômeno ocorra é necessário que haja a ativação dos recepto-
res NMDA. Esses receptores ionotrópicos são multímeros tetra ou pentaméricos
que, além de altamente permeáveis ao cálcio, também são permeáveis ao sódio e

20 | Dor e Cuidados Paliativos


potássio. Identificam-se três famílias de receptor, formadas por subunidades de-
nominadas NR1, NR2, NR3. O NR2 pode ainda ser subdividido em NR2 A, B, C e
D e o NR3 em A e B. A subunidade NR1 é essencial na formação do receptor, sendo
largamente distribuída no sistema nervoso central. A subunidade NR2 está impli-
cada na patogênese de doenças como a esquizofrenia. A associação mais funcional
e importante desses receptores é a NR1-NR2B, que tem sido alvo de pesquisas dos
antagonistas terapêuticos22.
As condições necessárias para a ativação desses receptores são complexas e en-
volvem, além de sua ligação com o glutamato, a remoção do íon magnésio (que nor-
malmente bloqueia o canal) e a ação moduladora de taquicininas. O deslocamento
do magnésio acontece quando há despolarização prolongada e repetitiva da mem-
brana (efeito voltagem-dependente), permitindo a passagem de cálcio para o interior
da célula. Se os estímulos através das fibras C forem mantidos com a frequência e a
intensidade adequadas, o receptor NMDA ficará ativado e o resultado disso será a
amplificação e o prolongamento das respostas implicadas na hiperalgesia22.
As taquicininas têm um papel proeminente na potencialização das respostas me-
diadas pelos receptores NMDA. A substância P e a neurocinina-A ativam seus recep-
tores NK1 e NK2, havendo como consequência um aumento de diacilglicerol (DAG) e
formação de inositol 1,4,5-trifosfato (IP3). Na presença de fosfatidilserina e de cálcio
(em concentrações intracelulares próximas às condições de repouso), o DAG causa ati-
vação de proteína cinase C (PKC). Esta é translocada do citoplasma para a membrana,
fosforilando proteínas, inclusive os receptores NMDA. A fosforilação dos receptores
NMDA muda a cinética de ligação do íon magnésio, deslocando-o e facilitando, assim,
a entrada de cálcio para dentro da célula. O aumento do cálcio intracelular tem um
efeito adicional na ativação de PKC. A formação de IP3 pode causar liberação de cálcio
das vesículas intracelulares e induzir mais ativação de PKC, formando um ciclo de
ativação do receptor NMDA (feedback positivo)22.
O aumento do cálcio também gera a ativação da enzima óxido nítrico-sintetase
(NOS) e a estimulação da transcrição de protoncogenes (genes reguladores do proces-
so transcricional de DNA). Os protoncogenes c-fos e c-jun, também chamados genes
precoces, são originariamente descritos como uma classe de genes expressos nas cé-
lulas do sistema nervoso central de forma rápida e transitória após várias formas de
estimulação. O produto proteico da transcrição (Fos) é encontrado nos neurônios das
lâminas I, II e V da medula espinhal (que são áreas sabidamente receptoras de fibras
nervosas que conduzem a dor) e tem ação sobre a expressão de outros genes23.
A ativação de Fos pode causar a transcrição de ARN mensageiros controladores
da síntese de proteínas, fundamentais para o funcionamento do neurônio, como re-
ceptores do glutamato (que aumenta sua densidade na membrana e torna o neurônio
mais sensível ao glutamato), canais iônicos (aumenta sua excitabilidade) e enzimas
como fosforilases e proteinocinases. Essas mudanças causam alteração da expressão
fenotípica, são duradouras e eventualmente permanentes, tornando esses neurônios
hipersensíveis por longos períodos23.
Importante ainda salientar a participação das células gliais do sistema nervoso
central em todo esse processo – sabe-se hoje que elas participam de forma dinâmi-

Epidemiologia, Fisiopatologia e Classificação da Dor | 21


ca, com destaque para a micróglia. Esta exibe uma série de respostas especialmente
quando há lesão nervosa periférica. Há uma proliferação dessas células no terceiro
dia após a lesão, com aumento da expressão de um número de marcadores proteicos,
como os receptores toll-like 4(TLR4), CD14, CD4, proteína complexa de histocompati-
bilidade classe II. Além desses, há uma regulação ascendente dos receptores purinér-
gicos P2X424.
Com os dados citados anteriormente, é coerente pensar que antagonistas dos re-
ceptores NMDA, de neurocininas e da geração de Fos tenham um papel protetor, blo-
queando o desenvolvimento e a manutenção da sensibilização central. A ativação dos
receptores NMDA é, em última análise, o mecanismo principal da sensibilização do
corno posterior da medula espinhal, caracterizada por atividade espontânea, redução
do limiar ou aumento da resposta a impulsos aferentes, descargas prolongadas após
estímulos repetidos e expansão dos campos receptivos dos neurônios do corno dorsal.
Antagonistas dos receptores NMDA, como ácido aminofosfonovalérico (AP5), dizo-
cilpina (MK-801), cetamina, dextrometorfano e outros, têm sido testados em modelos
animais e em humanos, mostrando uma ação redutora nos fenômenos de sensibiliza-
ção central e de wind up. Os opioides e os anestésicos locais também teriam uma ação
semelhante, tendo sido, inclusive, demonstrada redução da geração de Fos com esses
fármacos. Agonistas α-2, como a medetomidina, também têm efeito supressor de Fos
na medula espinhal quando usada de forma preemptiva. Com esses resultados pro-
missores, há um redimensionamento de estratégias para um melhor controle da dor25.

Efeitos da Dor nos Órgãos e Sistemas


A dor, especialmente a aguda, pode gerar reflexos somáticos e autonômicos que
podem influenciar, de forma adversa, o funcionamento de vários órgãos e contribuir
para o aumento da morbidade26 (Quadro 1).
Quadro 1 – Consequências fisiológicas da dor aguda
Cardiovascular ↑ FC, ↑ PA, ↑ RVS, ↑ trabalho cardíaco
Hipóxia, retenção de CO2, atelectasia, dificuldade em tos-
Pulmonar
sir, ↓ VC, ↓ CRF, alteração da ventilação/perfusão
Gastrointestinal Náusea, vômito, íleo paralítico
Renal Oligúria, retenção urinária
Sistema nervoso central Ansiedade, medo, fadiga, falta de sono
Imunológico Imunossupressão
Extremidades Dor muscular, estase venosa, tromboembolismo
FC - frequência cardíaca; PA - pressão arterial; RVS - resistência vascular sistêmica; VC - volume cor-
rente; CRF - capacidade residual funcional.

No sistema cardiovascular, a dor aumenta o risco de isquemia miocárdica, infarto


e insuficiência cardíaca e o risco de tromboembolismo. No sistema respiratório, causa
redução de volumes e capacidades pulmonares, espasmo reflexo da musculatura ab-

22 | Dor e Cuidados Paliativos


dominal, resultando em dificuldade para respirar profundamente e para tossir, acu-
mulando secreções, causando atelectasias e maior risco de pneumonia26.
Outras consequências da dor aguda incluem retardo do funcionamento normal do
intestino; retenção urinária; alterações do sistema imunológico e incapacidade física27.
A dor pós-operatória associada ao trauma cirúrgico desencadeia, além de uma resposta
neural, caracterizada por elevados valores circulantes de catecolaminas, uma resposta
endócrina manifestada pelo aumento dos níveis séricos de hormônios catabolizantes
e pela diminuição dos hormônios anabolizantes, o que resulta em retenção de água e
sódio, aumento de glicemia, radicais ácidos livres, corpos cetônicos e lactato. Evidências
sugerem que essas mudanças autonômicas, endócrinas e metabólicas estão relaciona-
das com o aparecimento de eventos adversos no período perioperatório27.
Há uma valorização crescente para os aspectos mentais da dor, sabendo-se que
o paciente reage não só do ponto de vista anatômico e fisiológico. Observa-se, com
frequência, o aparecimento de sintomas psicológicos negativos em pacientes com dor
aguda, como sofrimento, tristeza, depressão, pânico, desespero, ansiedade, sentimen-
to de desamparo e diminuição da motivação, além de alterações do sono27.
Em um estudo europeu com pacientes com dor crônica não oncológica, a quali-
dade de vida e o humor foram significativamente afetados em relação à população
geral. Quase 60% dos pacientes apresentaram escores que indicavam depressão ou
ansiedade. Ansiedade e transtorno depressivo têm se mostrado associados à presen-
ça ou ao curso clínico de dor crônica. Pesquisas anteriores mostraram que indiví-
duos com dor crônica na população geral são mais propensos a terem um transtorno
psicológico ou psiquiátrico28,29.
Pacientes com dor crônica utilizam muito mais frequentemente o sistema de saúde,
acarretando maiores custos com o tratamento, e também apresentam menor produti-
vidade com maior número de horas de trabalho perdidas30.

Conclusões
A dor é um fenômeno complexo e individual, de prevalência importante, com im-
pactos físico, psíquico, social e econômico negativos na vida dos indivíduos. Deve ser
bem compreendida em seus mecanismos, avaliada corretamente e de forma sistemá-
tica, para que estratégias de tratamento sejam estabelecidas o mais cedo possível.

Referências
1. Blyth FM, March LM, Brnabic AJ et al. Chronic pain and frequent use of health care. Pain,
2004;111:51-8.
2. Dellaroza MS, Pimenta CA, Matsuo T. Prevalencia e caracterizacao da dor cronica em idosos nao
institucionalizados. Cad Saude Publica, 2007;23:1151-60.
3. Abu-Saad Huijer, H. Chronic pain: a review. J Med Liban, 2010;58:21-7.
4. Bouhassira D, Lantéri-Minet M, Attal N et al. Prevalence of chronic pain with neuropathic charac-
teristics in the general population. Pain, 2008;136:380-7.
5. Torrance N, Smith BH, Bennett MI et al. The epidemiology of chronic pain of predominantly neuro-
pathic origin. Results from a general population survey. J Pain, 2006; 7:281-9.
6. Breivik H, Collett B, Ventafridda V et al. Survey of chronic pain in Europe: prevalence, impact on
daily life, and treatment. Eur J Pain, 2006;10:287-333.

Epidemiologia, Fisiopatologia e Classificação da Dor | 23


7. Rustoen T, Wahl AK, Hanestad BR et al. Gender differences in chronic pain--findings from a popu-
lation-based study of Norwegian adults. Pain Manag Nurs, 2004;5:105-17.
8. Sá KN, Baptista AF, Matos MA et al. Chronic pain and gender in Salvador population, Brazil. Pain,
2008; 139:498-506.
9. Moraes Vieira EB, Garcia JBS, Silva AA et al. Prevalence, characteristics, and factors associated
with chronic pain with and without neuropathic characteristics in São Luís, Brazil. J Pain Symptom
Manage, 2012;44:239-51.
10. Sousa FA. Dor: o quinto sinal vital. Rev Lat-Am Enfermagem, 2002;10:446-7.
11. Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor. 5º Sinal Vital. 2017. Disponível em: http://www.sbed.
org.br/materias.php?cd_secao=65.
12. Gordon DB, Dahl JL, Miaskowski C et al. American pain society recommendations for improving
the quality of acute and cancerpain management: American Pain Society Quality of CareTask Force.
Arch Intern Med, 2005;165:1574-80.
13. Huskisson, EC. Measurement of pain. Lancet, 1974;2:1127-31.
14. Pimenta CA, Teixeira MJ. Questionario de dor McGill: proposta de adaptacao para a lingua Portu-
guesa. Rev Esc Enferm USP, 1996;30:473-83.
15. Stucky CL, Gold MS; Zhang X. Mechanisms of pain. Proc Natl Acad Sci USA, 2001;98:11845-6
16. Dubner R, Gold M. The neurobiology of pain. Proc Natl Acad Sci USA, 1999;96:7627-30.
17. Dickenson AH. Spinal cord pharmacology of pain. Br J Anaesth, 1995;75:193-200.
18. Xu Q, Yaksh TL. A brief comparison of the pathophysiology of inflammatory versus neuropathic
pain. Curr Opin Anaesthesiol, 2011;24:400-7.
19. Woolf CJ, Salter MW. Neuronal plasticity: increasing the gain in pain. Science, 2000;288:1765-9.
20. Woolf CJ. Wind-up and central sensitization are not equivalent. Pain, 1996; 66:105-8.
21. Harden RN. Chronic neuropathic pain. Mechanisms, diagnosis and treatment. Neurologist, 2005;
11:112-22.
22. Liu XJ, Salter MW. Glutamate receptor phosphorylation and trafficking in pain plasticity in spinal
cord dorsal horn. Eur J Neurosci, 2010;32:278-89.
23. Basbaum AI, Bautista DM, Scherrer G et al. Cellular and molecular mechanisms of pain. Cell,
2009;139:267-84.
24. Hanisch UK, Kettenmann H. Microglia: active sensor and versatile effector cells in the normal and
pathological brain. Nat Neurosci, 2007:10:1387-94.
25. Yamakura T, Sakimura K, Shimoji K. The stereoselective effects of ketamine isomers on heterome-
ric N-methyl-D-aspartate receptor channels. Anesth Analg, 2000; 91:225-9
26. Kehlet H, Holte K. Effect of postoperative analgesia on surgical outcome. Br J Anaesth, 2001;87:62-72.
27. Flink WA Jr. The pathophysiology of acute pain. Emerg Med Clin North Am 2005;23:277-84.
28. Becker N, Sjogren P, Bech P et al. Treatment outcome of chronic non-malignant pain patients
managed in a Danish multidisciplinary pain centre compared to general practice: a randomised
controlled trial. Pain, 2000; 84:203-11.
29. Ohayon MM. Specific characteristics of the pain/depression association in the general population.
J Clin Psychiatry, 2004; 65(suppl 12): 5-9.
30. Pizzi LT, Carter CT, Howell JB et al. Work loss, healthcare utilization, and costs among US employe-
es with chronic pain. Dis Manage Health Outcomes, 2005; 13: 201-8.

24 | Dor e Cuidados Paliativos


02
Capítulo

Estratégias para o Controle da


Dor Pós-Operatória
Paulo Adilson Herrera
José Cristovão Ferreira

Introdução
Mesmo com todo o avanço médico e novos tratamentos clínicos para várias doen-
ças, o número de procedimentos cirúrgicos tem aumentado. Mais de 230 milhões
de procedimentos cirúrgicos são realizados anualmente em todo o mundo. A dor
pós-operatória é a principal preocupação dos pacientes antes da cirurgia e está rela-
cionada com as complicações cirúrgicas e com o aumento da morbidade no período
pós-operatório. Postula-se que a dor não tratada no período pós-operatório pode au-
mentar a incidência de pneumonias, isquemia miocárdica, eventos tromboembólicos,
íleo paralítico, náuseas e vômitos, tempo de internação.
Apesar de todo o conhecimento e os fármacos disponíveis, a dor pós-operatória
continua subtratada. Mais da metade dos pacientes submetidos a cirurgias relatam
dor moderada a severa no pós-operatório, 40% dos pacientes relatam dor intensa mes-
mo após receberem seus analgésicos prescritos1,2.
A dor pós-operatória possui características únicas. Dor mista, em parte somática
(inflamatória e relacionada com o trauma tecidual), em parte neuropática (lesão
axonal decorrente da cirurgia) só pode ser adequadamente tratada se ambos os
componentes forem considerados após correta avaliação. Novos tratamentos têm
emergidos fundamentados nos conhecimentos científicos atuais. Terapêuticas mul-
timodais e tratamentos ditos preemptivos e preventivos têm sido recomendados
com base nos conhecimentos derivados dos conceitos de sensibilização neuronal
central e periférica2.

Estratégias para o Controle da Dor Pós-Operatória | 25


Tratamento Clínico da Dor Pós-Operatória
O tratamento da dor pós-operatória envolve uma equipe de saúde que entende que
seu tratamento não se limita simplesmente a prescrever analgésicos anti-inflamatórios
e opioides. A dor aguda pós-operatória deve ser vista como um fenômeno complexo de
interações desencadeadas pela agressão tecidual cirúrgica, moduladas pelo sistema
nervoso periférico e central em um paciente que possui um contexto histórico pessoal
emocional com expectativas em relação ao procedimento. Seu tratamento inicia na
avaliação e orientação da família e do paciente, passa por estratégias farmacológicas
que endereçarão a sensibilização periférica (inflamação) e central (neuropática) e se
extende até a alta do paciente com orientações e cuidados que visam aumentar a satis-
fação do paciente no período domiciliar e até identificar precocemente pacientes que
vão apresentar a cronificação da dor pós-operatória.
Recomendações para o tratamento da dor pós-operatória foram desenvolvidas em
2014 por um painel de expertos da Sociedade Americana de Dor com o aval da So-
ciedade Americana de Anestesiologistas3. As 32 recomendações apresentadas estão
resumidas na Tabela 1. Baseadas em evidências, refletem o princípio de que o trata-
mento da dor inicia-se no período pré-operatório, deve ser individualizado e extende-
-se além da alta do paciente.
Tabela 1 - Recomendações no Tratamento da Dor Pós-Operatória (American Pain
Society, 2016)
Recomendação Grau Recomendação/Evidência
Educação e Planejamento Perioperatório
Informar paciente e família das opções para o Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
tratamento da dor PO e documentar o plano
Pais de crianças submetidas a cirurgias recebam Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
instruções para avaliar a dor
Avaliação pré-operatória sobre comorbidades, Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
doenças psiquiátricas, uso de analgésicos,
história de dor crônica, experiências passadas
Reajuste do plano de tratamento de acordo com a Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
eficácia em aliviar da dor e efeitos adversos dos
analgésicos
Métodos de Avaliação
Utilizar métodos validados de avaliação da dor Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
Princípios Gerais de Tratamento Multimodal
Recomenda o tratamento multimodal com Recomendação forte/Evidência alta qualidade
diferentes analgésicos, técnicas de administração
e tratamentos não farmacológicos
Utilização de Modalidades Físicas
Considerar TENS ( estimulação transcutânea) Recomendação fraca/Evidência moderada
qualidade
Nem encoraja, nem recomenda acupuntura, Evidência Insuficiente
massagem ou crioterapia
Uso de Modalidades Cognitivas comportamentais
Considerar a utilização de modalidades Recomendação fraca/Evidência moderada
cognitivo comportamentais em uma abordagem qualidade
multimodal

26 | Dor e Cuidados Paliativos


Recomendação Grau Recomendação/Evidência
Tratamento Farmacológico Sistêmico
Recomenda tratamento oral nos pacientes que Recomendação forte/Evidência moderada
podem utilizar esta via qualidade
Evitar a via intra-muscular Recomendação forte/Evidência moderada
qualidade
Recomenda PCA ( analgesia controlada pelo Recomendação forte/Evidência moderada
paciente) quando existe necessidade de via qualidade
parenteral
Considerem lidocaína IV em pacientes Recomendação fraca/Evidência moderada
submetidos a procedimentos abdominais qualidade
laparoscópicos se não há contraindicação
Uso de Tratamentos Farmacológicos Locais/Tópicos
Considerar Infiltrações de anestésicos locais nas Recomendação fraca/Evidência moderada
cirurgias em que a evidência demonstra eficácia qualidade
Anestésicos tópicos junto com a infiltração local Recomendação forte/Evidência moderada
em circuncisões qualidade
Não recomenda analgesia interpleural após Recomendação forte/Evidência moderada
toracotomias qualidade
Anestesia Regional Periférica
Anestesia Regional é recomendada em adultos e Recomendação forte/Evidência alta qualidade
crianças nos procedimentos em que há evidência
de eficácia
Anestesia regional continua se a necessidade de Recomendação forte/Evidência moderada
analgesia excede a duração de uma única injeção qualidade
Adição de clonidina como coadjuvante para Recomendação fraca/Evidência moderada
prolongar a analgesia de um bloqueio regional qualidade
periférico em uma única injeção
Terapias Neuroaxiais
Recomendam analgesia neuroaxial para Recomendação forte/Evidência alta qualidade
procedimentos torácicos e abdominais maiores,
particularmente em pacientes de alto risco
cardiovascular/pulmonar ou íleo prolongado
Evitar a administração neuroaxial de magnésio, Recomendação forte/Evidência moderada
cetamina, midazolam, neostigmine, tramadol qualidade
Monitoramento pós-operatório apropriado para Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
os pacientes que recebem analgesia neuroaxial
Estrutura Organizacional, Políticas e Procedimentos
Instalações que realizam cirurgia/analgesia Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
refinem seus processos e políticas para a oferta
segura de analgesia PO
Acesso a um especialista em dor para os casos de Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
analgesia inadequada ou pacientes de alto risco
para inadequação da analgesia ( dependentes
químicos, uso crônico de opioides)
Políticas de segurança e pessoal treinado para a Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
realização de anestesias neuroaxiais e bloqueios
periféricos
Transição para os Cuidados Ambulatoriais
Prover educação para paciente e cuidadores do Recomendação forte/Evidência baixa qualidade
plano de analgesia em casa e de como devem
reduzir e retirar os analgésicos

Estratégias para o Controle da Dor Pós-Operatória | 27


Analgesia Preemptiva
A importância da modulação periférica e central na nocicepção apoiou o conceito
da “analgesia preemptiva” em pacientes que serão submetidos a cirurgia. Este tipo
de tratamento induz farmacologicamente um estado analgésico antes do trauma ci-
rúrgico. Analgesia preemptiva é definida como um tratamento pré-operatório que é
mais efetivo do que o tratamento idêntico administrado após a incisão. O objetivo é
estender a duração dos analgésicos administrados para além da duração esperada.
Estes tratamentos podem ser a infiltração da ferida com anestésico local, bloqueio
neuroaxiais ou periféricos ou ainda administração sistêmica de doses efetivas de
opiáceos, anti-inflamatórios, anestésicos locais ou bloqueadores NMDA (cetamina).
Evidências experimentais sugerem que a analgesia preemptiva pode atenuar efe-
tivamente a sensibilização periférica e central para a dor. Apesar de alguns estudos
terem falhado em demonstrar a analgesia preemptiva em humanos, outros estudos
registram reduções significativas nas necessidades analgésicas pós-operatórias em
pacientes recebendo analgesia preemptiva.
Porém os objetivos principais, a prevenção da dor aguda intra e pós-operatória,
prevenção da dor neuropática e prevenção da dor pós-operatória persistente e da
dor crônica pós-cirúrgica, não são consistentemente alcançados com esta modali-
dade analgésica.
É consensual que os mediadores inflamatórios devem ser inibidos por mais tempo,
abrangendo-se o período de lesão tecidual associado a inflamação pós-operatória. A
sensibilização central pode não ser prevenida se o tratamento terminar precocemente,
deve haver um balanço entre lesão incisional e lesão inflamatória, que depende da
natureza do procedimento cirúrgico. Em algumas situações, a resposta inflamatória
é um fator dominante.
Temos evidências fundamentadas em estudos amplos e de boa qualidade de que
algumas intervenções específicas, como a analgesia peridural, podem gerar efeito
preemptivo clinicamente significativo. Entretanto, essa afirmação não é valida para
todas as técnicas analgésicas, e, algumas, como a utilização dos receptores de NMDA,
permanecem controversas e merecem maior investigação4,5.
O alívio adequado da dor é importante para reduzir a incidência de dor crônica,
devendo ser feito de forma preventiva e com duração suficiente para evitar sensibiliza-
ção central pela dor prévia, pelo trauma cirúrgico e pela inflamação pós-operatória4.

Analgesia Preventiva
A crença prévia de que a incisão cirúrgica desencadeia a sensibilização central tem
sido expandida para incluir os efeitos dos estímulos pré-operatórios e de outros estí-
mulos nocivos, intra e pós-operatórios, o que sugere que a definição prévia de analge-
sia preemptiva é muito restritiva.
A analgesia preventiva difere da analgesia preemptiva por procurar estender a du-
ração da analgesia pelo período pós-operatório, por todo o tempo em que os mecanis-
mos de lesão tecidual e sensibilização persistem. Assim, o termo analgesia preventiva
foi introduzido para enfatizar o fato de que a sensibilização central é induzida por

28 | Dor e Cuidados Paliativos


estímulo nocivo pré- e pós-operatório, e tem sido usado para descrever a redução da
dor, do consumo de analgésicos, ou ambos, durante toda a intervenção. O objetivo
da analgesia preventiva é reduzir a sensibilização central durante todo o período pe-
rioperatório e, portanto, tem maior relevância clínica do que a analgesia preemptiva.
O termo analgesia preventiva também se refere ao objetivo de prevenção da dor
pós-operatória crônica. Dor crônica pós-operatória é relativamente comum acome-
tendo cerca de 10 % de todos os pacientes operados. Aproximadamente 2% dos pacien-
tes continuam a apresentar dor severa após 1 ano de operados com clara redução do
bem-estar e da qualidade de vida destes indivíduos6.
Há um corpo de evidência que a dor intensa sofrida no período pós-operatório
imediato pode ser um fator de risco significativo para o processo de cronificação da
dor. O papel da prevenção estaria na redução do tempo em que o paciente permanece
com dor neste período. Estima-se que a cada aumento de 10% no tempo em que o
paciente fica com dor no pós-operatório imediato corresponde a um aumento de 30%
na incidência de dor crônica pós-operatória aos 12 meses6.
Porém ainda nenhuma farmacoterapia sistêmica (gabapentinoides, lidocaína, clo-
nidina, cetamina, esteroides, opioides e anti-inflamatórios) demonstrou eficácia em
diminuir a incidência de dor crônica pós-operatória7, e mais estudos de qualidade
serão necessários para determinar este benefício. Bloqueios neuroaxiais (peridural e
paravertebral) parecem reduzir a incidência de DCPO em toracotomias e mastecto-
mias, respectivamente8.
Ainda assim uma estratégia para analgesia pré- e pós-operatória deve ser conside-
rada em todos os pacientes cirúrgicos, tendo em mente os fatores que podem influen-
ciar no planejamento como o tipo da cirurgia, alergias associadas, condições clínicas
e o risco benefício da técnica.

Analgesia Multimodal
O conceito de analgesia multimodal é definido como a utilização de diferentes
fármacos analgésicos, diferentes técnicas analgésicas ou mesmo diferentes vias de
administração para obtenção de melhor analgesia pós-operatória com redução dos
efeitos adversos.
Na analgesia multimodal procura-se prescrever analgésicos ou métodos que atuam
em diferentes vias ou receptores, periféricos e centrais, proporcionando sinergismo
da atividade analgésica. Também pode se associar métodos não farmacológicos aos
métodos farmacológicos com esta finalidade.
Bloqueios anestésicos no neuroeixo ou bloqueios regionais periféricos podem
ser úteis no controle da dor com redução do consumo de opioides no pós-operatório
imediato, especialmente naquelas cirurgias/pacientes em que os efeitos adversos dos
opioides podem ser mais limitantes (por exemplo, pacientes com reserva pulmonar
reduzida) ou ainda buscando uma recuperação cirúrgica mais precoce (por exemplo,
redução do tempo de íleo em cirurgias colônia).
Componentes de terapia multimodal comumente utilizadas e sua indicação em al-
gumas cirurgias por evidência ou consenso de expertos são resumidas na Tabela 2.

Estratégias para o Controle da Dor Pós-Operatória | 29


Ainda que o objetivo maior da terapia analgésica multimodal seja a recuperação
do paciente demonstrado pela redução do tempo de internação, isto não tem sido
observado na maioria dos estudos que abordam este desfecho. Mesmo assim estes
achados não invalidam os benefícios da analgesia multimodal. Acontece que a re-
cuperação acelerada do paciente depende de muitos outros fatores que em conjunto
podem atingir este objetivo, como demonstrado por diversos protocolos institucionais
de recuperação acelerada (ERAS, Projeto ACERTO, por exemplo). Além do mais estes
estudos demonstram maior satisfação do paciente e redução dos efeitos adversos com
a analgesia multimodal.

Tabela 2 - Opções de Componentes de Analgesia Multimodal para Cirurgias Co-


mumente Realizadas
Tratamento
Técnicas de
Tratamento Local, Técnicas Terapias Não
Cirurgia Anestesia
Sistêmico Intrarticular, Neuroaxiais Farmacológicas
Regional,
Tópico

Opioides, AINES,
Peridural com
Gabapentinóides, Bloqueio Modalidades
Toracotomia ou sem Opioide,
Cetamina, Paravertebral Cognitivas, TENS
Opioide intratecal
Lidocaína

Opioides, AINES,
Bloqueio no Peridural com
Laparotomia Gabapentinóides, Anestésico local Modalidades
plano transverso ou sem Opioide,
Aberta Cetamina, na incisão, Cognitivas, TENS
abdominal (TAP) Opioide intratecal
Lidocaína

Opioides, AINES, Bloqueio Fáscia


Anestésico local Peridural com
Artroplastia Total Gabapentinóides, do ilíaco, Modalidades
Intraarticular e/ ou sem Opioide,
Quadril Cetamina, paravertebral Cognitivas, TENS
ou Opioide Opioide intratecal
Lidocaína lombar

Opioides, AINES, Bloqueio femoral,


Anestésico local Peridural com
Artroplastia Total Gabapentinóides, bloqueio ciático, Modalidades
Intraarticular e/ ou sem Opioide,
de Joelho Cetamina, fáscia do ilíaco, Cognitivas, TENS
ou Opioide Opioide intratecal
Lidocaína paravertebral

Opioides, AINES,
Peridural com
Artrodese de Gabapentinóides, Anestésico local Modalidades
ou sem Opioide,
Coluna Cetamina, na incisão, Cognitivas, TENS
Opioide intratecal
Lidocaína

Opioides, AINES,
Bloqueio no Peridural com
Gabapentinóides, Anestésico local Modalidades
Cesariana plano transverso ou sem Opioide,
Cetamina, na incisão, Cognitivas, TENS
abdominal (TAP) Opioide intratecal
Lidocaína

Opioides, AINES,
Revascularização Gabapentinóides, Modalidades
Opioide intratecal
do Miocárdio Cetamina, Cognitivas, TENS
Lidocaína

*Adaptado de CHOU, Roger et al. Management of Postoperative Pain: a clinical practice guideline
from the American Pain Society, the American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine, and
the American Society of Anesthesiologists’ committee on regional anesthesia, executive committee,
and administrative council. Journal of Pain, 2016.

30 | Dor e Cuidados Paliativos


Tratamento Farmacológico
Por questões econômicas, muitas das intervenções que antes eram executadas com
o paciente internado, atualmente são realizadas em hospital dia, nas diversas especia-
lidades, como cirurgias artroscópicas, laparoscópicas, oftálmicas, otorrinolaringoló-
gicas e estéticas.
A dor constitui uma das principais causas de retardo para alta hospitalização inad-
vertida após cirurgia ambulatorial, sendo considerado um indicador importante da
qualidade do atendimento.
Assim com uma analgesia preemptiva somando a uma boa analgesia preventiva
conseguiremos diminuir as doses individuais de cada fármaco com menor incidência
de efeitos colaterais.
Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINEs)
São úteis como analgésicos isolados após cirurgias de pequeno porte e maior e
ainda podem ser associados a dipirona ou a paracetamol. Como parte de uma estra-
tégia multimodal, potencializam a analgesia, diminuindo o consumo de opioides e a
necessidade de medicações de resgate após cirurgias de maior porte, promovendo por
isso uma redução do íleo e da incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório.
Os inibidores seletivos de COX-2 (coxibs) produzem efeito antiagregante plaque-
tário menor que os AINEs não seletivos podendo ser utilizados em situações onde o
sangramento excessivo pode ser uma preocupação primária. Além disso, os coxibs
têm menor incidência de hemorragia digestiva e não causam broncoespasmo em pa-
cientes com asma exacerbada por AINEs.
Os AINEs apresentam fenômeno de efeito teto, doses acima preconizadas não cor-
relacionam com maior grau de analgesia, mas sim com um aumento de incidência
de efeitos adversos. Ao contrário dos opioides são mais eficazes no controle da dor
somática do que na de caráter visceral, apresentando maior eficácia que os opioides
em relação à dor provocada por movimento.
Corticosteróides
A dexametasona é largamente empregada na prática anestésica cirúrgica por po-
tencializar o efeitos dos antieméticos e reduzir a incidência de náuseas e vômitos no
pós-operatório imediato. Também reduz a dor e o consumo de opioides no pós-opera-
tório em menor extensão. Há uma preocupação com os efeitos adversos dos corticos-
teroides, aumento da glicemia, hipertensão arterial e imunossupressão.

Opioides
Apesar do grande número de agentes e técnicas de analgesia, o opioide continua
sendo padrão ouro no tratamento da dor aguda, e o médico, no entanto, lida com o
medo da possibilidade de provocar dependência ou enfrentar efeitos colaterais graves,
como a depressão respiratória.
Estes agentes opioides podem ser divididos em:
Opioides fracos - Aqui podemos citar a codeína e o tramadol, estão mais
indicados para procedimentos ambulatoriais e pós-operatório de cirurgias de pe-

Estratégias para o Controle da Dor Pós-Operatória | 31


queno e médio portes. A dose máxima de codeína é de 360 mg/dia e tramadol de
400 mg/dia.
Opioides fortes - Nesta classe temos a morfina, buprenorfina, oxicodona, meta-
dona e fentanil, não tendo dose limite para uso, sendo o que limita são os efeitos co-
laterais (obstipação, retenção urinária, vômitos, sonolência, depressão respiratória).
Podemos, também, utilizar a analgesia controlada pelo paciente (ACP), sendo este
primariamente um método de administração de opioides por via endovenosa, poden-
do também ser utilizados para a administração de anestésicos locais e/ou opioides no
neuroeixo. A analgesia proporcionada pela ACP aumenta a satisfação do paciente e
reduz o consumo de opioides quando comparada a outros métodos de administração
intermitente de opioides.

Gabapentinoides
Gabapentina e Pregabalina - Estes alfa-2 delta ligante possuem mecanismos
de ação semelhantes. Modulam a α2 δ-1 subunidade do canal de cálcio voltagem de-
pendente no corno dorsal da medula espinhal e em outros sítios do sistema nervoso
central reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios. Esses agentes po-
dem ser utilizados em dose única uma a duas horas antes da cirurgia, para reduzir a
dor e o consumo de opioides. Também possuem propriedade ansiolítica. Potenciali-
zam a analgesia, reduzem tolerância induzida por opioides e reduzem seu consumo,
resultando em menor incidência de efeitos adversos relacionados com os opioides.
Efeitos adversos podem ser limitantes. Tontura e sedação principalmente. São me-
dicamentos excretados via renal e só devem ser utilizados em pacientes com prejuízo
da função renal com cautela.

Anestésicos Locais
Os anestésicos locais são bloqueadores de canal de sódio. Podem ser utilizados em
infusão venosa, infiltração da ferida operatória ou nos bloqueios regionais e de neu-
roeixo. Reduzem o consumo de opioides, a incidência de náuseas e vômitos, melhoram
a qualidade de analgesia e o grau de satisfação do paciente.
Em cirurgias abdominais, torácicas e de membros quase sempre é possível indicar
um bloqueio regional anestésico. O advento do ultrassom criou técnicas novas de blo-
queios regionais e trouxe facilidade para execução e redução das complicações para a
execução de técnicas regionais.
Por outro lado a infiltração de parede com anestésico local, pode ser útil após lapa-
rotomia, cesárea e correção cirúrgica de hemorroida. O emprego da clonidina associada
ao anestésico local no bloqueio de nervo periférico pode aumentar o tempo de analgesia.
Na técnica contínua por via peridural, o cateter deve estar próximo à área de maior
estímulo nociceptivo, os anestésicos locais tendem a acelerar o peristaltismo e me-
lhorar a perfusão da mucosa intestinal, a reduzir a adesão plaquetária, melhorar a
microcirculação e diminuir a incidência de trombose venosa profunda.
Na via subaracnóidea, o anestésico pode ser utilizado em dose única e associado
à opioide em cirurgias de médio porte, com duração de analgesia dose-dependente
podendo durar até 24 horas.

32 | Dor e Cuidados Paliativos


Nos casos onde os bloqueios não são possíveis ou contraindicados, ou ainda em
procedimentos laparoscópicos sob anestesia geral a lidocaína pode ser utilizada por
via endovenosa sistêmica. A dose recomendada varia de 1-2 mg/kg/hora iniciando
na indução da anestesia e mantendo até 6-24 horas no pós-operatório. A lidocaína
venosa reduz o consumo de opioides nas primeiras 24 horas, diminuindo o tempo de
alta hospitalar.
Cetamina
O receptor NMDA é um dos principais regulador da neuroplasticidade no fenôme-
no doloroso, estando envolvido nos processos de manutenção de dor crônica, nos fe-
nômenos de tolerância e hiperalgesia induzida por opioides. A cetamina é um inibidor
não competitivo dos receptores NMDA.
O uso do isômero S(+) determina algumas vantagens em relação à forma racêmica,
como o dobro da potência analgésica, biotransformação hepática 20% mais rápida,
menor tempo para emergência e recuperação funcional e menor incidência de distúr-
bios psicomiméticos.
A administração intraoperatória pode ser realizada na forma de infusão contínua
em dose ao redor de 0,1 mg/kg/hora, ou em bolus, ambos interrompidos de 30 a
60 minutos antes do fim da cirurgia. A limitação de sua utilização fica por conta do
aumento de náuseas no pós-operatório imediato, que podem ser compensadas pela
redução no consumo de opioides e alucinações produzidas por esta droga. O efeito da
cetamina parece ser mais pronunciado naquelas cirurgias com maior intensidade da
dor e componente neuropático mais evidente (toracotomias, por exemplo).
Alfa2 – Adrenérgicos
O uso sistêmico da dexmedetomidina e da clonidina determina sedação, hipnose,
ansiólise, analgesia moderada, hipotensão, redução das necessidades de opioides e da
CAM de halogenados por sua ação em receptores pré-sinápticos alfa-2 presentes na
medula espinhal, locus ceruleus e outras áreas do sistema nervoso central. Revertem
a hiperalgesia e a tolerância induzidas por opioides e diminuem seu consumo pós-
-operatório.
A clonidina intensifica os bloqueios sensitivo e motor resultante da aplicação peri-
dural ou em bloqueio periférico com anestésico local.
Ela também pode ser utilizada como medicação pré-anestésica, tendo como van-
tagem sua ação sedativa, ansiolítica, simpatolítica e antissialogoga. Produz sedação
dose-dependente na dose de 50 a 900 microgramas com instalação rápida (< 20 mi-
nutos) independente da via de administração.

Tratamentos Não Farmacológicos


Tratamentos não farmacológicos, físicos e cognitivos apesar de não serem utiliza-
dos isoladamente no tratamento da dor pós-operatória podem ser considerados como
adjuvantes ao tratamento farmacológico convencional.
Diferentes métodos físicos têm sido avaliados: TENS, aplicação de calor e frio, mo-
bilização, acupuntura, aurículo acupuntura, massagem. Apesar de virtual ausência

Estratégias para o Controle da Dor Pós-Operatória | 33


de contraindicações a estes métodos e o baixo potencial de complicações, somente o
TENS tem demonstrado alguma evidência. Os demais métodos usualmente não são
indicados por carecerem de benefícios claros demonstrados com sua utilização.
Técnicas cognitivo-comportamentais podem ser oferecidas por uma equipe mul-
tiprofissional de saúde como adjuvante ao tratamento farmacológico. Técnica de re-
laxamento, imagens, música diminuem a ansiedade e podem reduzir a ansiedade e a
dor reduzindo a necessidade de analgésicos no pós-operatório imediato e reduzindo
os efeitos colaterais dos mesmos.

Considerações Finais
O tratamento da dor pós-operatória é um grande desafio, sendo necessário edu-
cação continuada sobre o tema, enfocando os mecanismos da dor aguda, avaliação e
mensuração da dor e tratamento farmacológico e não farmacológico. As evidências
para um manejo multimodal da dor pós-operatória é significante no momento. O
tratamento da dor pós-operatória além de conforto ao paciente tem um potencial de
reduzir a morbimortalidade perioperatória, e outras complicações tardias como é o
caso da dor crônica pós-operatória.

Referências
1. Gan TJ, Habib AS, Miller TE et al. Incidence, patient satisfaction, and perceptions of post-surgical
pain: results from a US national survey. Curr Med Res Opin, 2014; 30: 149-160.
2. Pogatzki-Zahn EM, Segelcke D, Schug SA. Postoperative pain - from mechanisms to treatment. Pain
Rep, 2017; 2: e588.
3. Chou R, Gordon DB, de Leon-Casasola OA et al. Management of postoperative pain: a clinical prac-
tice guideline from the American Pain Society, the American Society of Regional Anesthesia and
Pain Medicine, and the American Society of Anesthesiologists’ committee on regional anesthesia,
executive committee, and administrative council. J Pain, 2016; 17: 131-157.
4. Cangiani LM, Carmona MJC,Torres MLA et al (Ed.). Tratado de anestesiologia SAESP. 8.ª ed. São
Paulo: Atheneu, 2017.
5. Carneiro AF, Valverde Filho J, Auler Junior JOC et al (Ed.). Anestesia regional : princípios e prática.
São Paulo: Manole, 2009.
6. Fletcher D, Stamer UM, Pogatzi-Zahn E et al. Chronic postsurgical pain in Europe: an observational
study. Eur J Anaesthesiol, 2015; 32:725-734.
7. Chaparro LE, Smith SA, Moore RA et al. Pharmacotherapy for the prevention of chronic pain after
surgery in adults. Cochrane Database Syst Rev, 2013; 7: CD008307.
8. Lavand’homme PM, Grosu I, France MN et al. Pain trajectories identify patients at risk of persistent
pain after knee arthroplasty: an observational study. Clin Orthop Relat Res, 2014; 472: 1409-1415.
9. Vance CG, Dailey DL, Rakel BA et al. Using TENS for pain control: the state of the evidence. Pain
Manag, 2014; 4: 197-209.

34 | Dor e Cuidados Paliativos


03
Capítulo

Uso de Ultrassonografia no
Tratamento da Dor Pós-Operatória
Pedro Paulo Kimachi
Elaine Gomes Martins

Introdução
A técnica anestésica escolhida e seu impacto nos desfechos dos pacientes cirúrgicos
consistem em temas importantes atualmente. Muitas discussões sobre tratamento de
dor pós-operatória baseiam-se na análise comparativa de anestesia geral versus regio-
nal e complicações perioperatórias. Quando revisamos a literatura sobre o assunto, a
anestesia regional destaca-se, em várias situações específicas, como uma técnica que
é associada tanto à diminuição de complicações como ao melhor controle álgico1,2. A
prática de anestesia regional cresceu consideravelmente nas últimas décadas e esse
aumento pode ser atribuído a várias causas: ênfase atual na analgesia perioperatória;
melhores resultados descritos; destaque na formação médica; aprimoramento em téc-
nicas, equipamentos e drogas.
Um artigo interessante publicado em 2000 tentou vislumbrar sobre como seria o
futuro da anestesia regional3, e o passado recente apontava para contínua inovação e
criatividade. O uso de técnicas de imagem modernas que possibilitassem identificar
a localização anatômica exata de agulhas e soluções injetadas é criticamente impor-
tante;, desse modo o uso do ultrassom continua se destacando consideravelmente.
Dados recentes sugerem que o uso de ultrassom no tratamento de dor pós-operatória
aumenta as taxas de sucesso dos procedimentos e reduz o tempo de performance em
comparação com outras abordagens, entre outras inúmeras vantagens que vamos dis-
cutir na sessão de cada procedimento específico neste capítulo.
Bloqueios guiados por ultrassonografia exigem um conjunto único de habilidades.
Assim, normas e diretrizes estão constantemente sendo desenvolvidas pelas socieda-

Uso de Ultrassonografia no Tratamento da Dor Pós-Operatória | 35


des de liderança para promover a educação e a formação adequadas na especialidade.
A visualização ideal das estruturas anatômicas depende de uma variedade de fatores,
incluindo a experiência do operador e o conhecimento de anatomia.
Vamos discutir objetivamente as aplicações práticas da ultrassonografia no tra-
tamento de dor pós-operatória descrevendo os principais procedimentos realizados
em nosso serviço para o controle de dor aguda, como também mostrar as evidências
científicas atuais sobre o assunto.

Anestesia Regional Contínua


O bloqueio do nervo periférico contínuo consiste em um cateter inserido percuta-
neamente através do qual o anestésico local pode ser administrado. Essa infusão de
anestésico local proporciona um bloqueio prolongado do nervo periférico que pode ser
titulado para o efeito desejado.
Uso de cateteres de nervos periféricos para analgesia pós-operatória proporcionou
melhor controle de dor tanto em cirurgias com grande estímulo álgico, como também
em procedimentos cirúrgicos nos quais a dor pós-operatória precisa ser mais bem con-
trolada para proporcionar reabilitação precoce e tratamento fisioterápico. Controle de
dor pós-operatória deve estar sempre associado à reabilitação, pensando também em
alta precoce e melhores desfechos a longo prazo4. A passagem de cateteres plexulares
possibilita o uso de Patient Controlled Analgesia (PCA) através de bombas de infusão
controladas pelo paciente. Nesse raciocínio, o uso do ultrassom permite a passagem
rápida dos dispositivos, a confirmação de localização exata e os melhores resultados
em geral. O sucesso da inserção do cateter é maior quando guiado por ultrassom em
comparação com estimulação nervosa para a maioria dos locais de inserção5. Iremos
destacar os procedimentos mais realizados atualmente.
Anestesia regional contínua para cirurgias de artroplastia total de quadril
A artroplastia total de quadril (ATQ) é uma cirurgia com o pós-operatório extre-
mamente doloroso, cujo quadro é agravado ao movimento. Técnica analgésica eficaz
e com mínimos eventos adversos se faz necessária para essa cirurgia que, assim, per-
mite o início precoce da fisioterapia e movimentação do paciente, com a finalidade
de evitar contraturas capsulares e atrofia muscular que podem levar a um retardo na
reabilitação funcional do paciente e prejuízo ao desfecho da cirurgia e aumento no
tempo de internação6.
Atualmente, as técnicas mais utilizadas em cirurgia de membros inferiores são
os bloqueios de neuroeixo com a raquianestesia associada ou não à peridural, que,
apesar de eficácia comprovada, é uma técnica com efeitos adversos: hipotensão arte-
rial, cefaleia pós-punção, retenção urinária, sintomas neurológicos transitórios. Daí o
interesse em buscar uma técnica de analgesia com menos efeitos colaterais, principal-
mente pelo perfil de paciente submetido especificamente a essa cirurgia: idosos com
múltiplas comorbidades. Bloqueio de plexo lombar (BPL) consegue promover aneste-
sia seletiva do único membro, como também diminuir a incidência de bloqueio motor.
Ele promove, portanto, o início precoce da fisioterapia, o que se demonstrou ser um
dos fatores mais importantes no pós-operatório de ATQ.

36 | Dor e Cuidados Paliativos


Quando comparamos as técnicas como raquianestesia com morfina versus bloqueio
do plexo lombar (BPL) em injeção única, estudos mostram que a morfina intratecal
é superior no controle da analgesia, diferentemente da técnica do BPL com infusão
contínua, que não demonstrou superioridade de uma técnica sobre a outra de modo
significativo. Porém, como citado anteriormente, a raquianestesia apresenta maior in-
cidência de complicações. Portanto, com a finalidade de prolongar a analgesia, o BPL
pode ser realizado com infusão contínua através do cateter plexular, aumentando o
poder analgésico e levando a uma redução de efeitos adversos7.
Assim, entendemos que o BPL injeção única tem um benefício limitado nas primei-
ras 4-8 horas do pós-operatório e não demonstrou superioridade em relação às técnicas
de neuroeixo, principalmente na dor à movimentação8. Com a finalidade de prolongar
analgesia o BPL pode ser realizado com infusão contínua através do cateter plexular.

Figura 1 – Posicionamento e fixação de cateter de plexo lombar

Tabela 1 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio de plexo
lombar com cateter.
Bloqueio de plexo lombar
Cateter plexular  
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,5%
Volume 20 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
4 a 6 mL/hora
Bolus 5 mL a cada 30 min 

Anestesia regional contínua para cirurgias torácicas


O bloqueio paravertebral torácico (BPVT) foi inicialmente descrito por Hugo Se-
lheim em 1905, procurando uma estratégia anestésica mais segura como alternativa
às abordagens neuroaxiais. O uso do ultrassom oferece várias vantagens potenciais
em relação às técnicas baseadas em marcos anatômicos9. A visualização da agulha

Uso de Ultrassonografia no Tratamento da Dor Pós-Operatória | 37


e da pleura durante o procedimento diminui o risco de punção pleural e confirma
a entrada da ponta da agulha no espaço paravertebral. Além disso, a confirmação
do espraiamento do anestésico local no espaço paravertebral pode ser documentada
observando o deslocamento da pleura.
Sua indicação de uso é extensa, já que os metâmeros torácicos contemplam quase
toda inervação toracoabdominal. O uso BPVT em cirurgia torácica apresenta a mesma
eficácia analgésica com melhor perfil respiratório e hemodinâmico, além de menos náu-
sea, vômitos e outros efeitos colaterais do que com o uso da peridural ou da geral como
técnica única10. Além disso, alguns autores relatam segurança e excelente analgesia na
técnica contínua ou simples, para cirurgia cardíaca, em que o paciente apresentará dis-
túrbios da coagulação. Para cirurgias torácicas a analgesia contínua parece mais eficien-
te do que o bolus intermitente, e um bloqueio preemptivo com doses e concentrações
maiores de anestésico local também predizem menor dor no pós-operatório. Aparen-
temente o BPVT apresenta as mesmas vantagens sobre a anestesia geral para cirurgia
abdominal alta como a nefrectomia, hepatectomia, colecistectomia etc.
Pensando em anestesia regional contínua, a passagem de cateter no espaço para-
vertebral é considerada um desafio, mesmo com o uso de ultrassom.
Vários novos bloqueios têm sido descritos com o uso do ultrassom. Os bloqueios
interfasciais são cada vez mais populares pela segurança que oferecem, além da faci-
lidade de execução. Nesse sentido, como alternativa ao bloqueio paravertebral surge o
bloqueio do plano eretor da espinha, descrito por Mauricio Forero e colaboradores11.
O bloqueio do plano do eretor da espinha é promissor por se apresentar como uma
técnica mais simples e segura comparada com o BPVT para analgesia torácica, tan-
to em dor neuropática como em dor pós-cirúrgica ou pós-traumática, como injeção
única ou infusão contínua através de cateter12. Depois da descrição de Forero vários
relatos de caso foram publicados em diferentes contextos, desde cirurgias torácicas
até cirurgias abdominais abertas e por vídeo, com pequenas variações de acordo com
o nível desejado (injeção a nível de T7) e bons resultados como parte de estratégia de
analgesia multimodal13.
Ainda faltam estudos prospectivos, randomizados e controlados comparando com
técnicas padrão-ouro como bloqueio paravertebral ou peridural.

Figura 2 – Cateter no plano eretor da espinha para analgesia de cirurgia torácica

38 | Dor e Cuidados Paliativos


Tabela 2 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio do plano
eretor da espinha (ESP block) com cateter
Bloqueio do plano eretor da espinha (ESP)
Cateter plexular
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,37% a 5%
Volume 25 a 30 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
5 a 7 mL/hora
Bolus 5 a cada 30 min

Anestesia regional contínua para cirurgias de artroplastia de ombro


A cirurgia do ombro foi identificada como uma das cirurgias mais dolorosas.
Aproximadamente 80% dos pacientes submetidos a essa cirurgia relatam dor de in-
tensidade moderada, severa ou extrema durante as primeiras duas semanas após o
procedimento14. O manejo inadequado da dor perioperatória foi correlacionado com
inúmeros resultados desfavoráveis, incluindo aumento das readmissões hospitalares,
reabilitação mais lenta, atraso no retorno das atividades da vida diária, aumento do
custo geral e progressão para um estado de dor crônica15.
A prática atual na cirurgia do ombro é conseguir um bloqueio do plexo braquial via
interescalênica com anestésico local administrado imediatamente antes da cirurgia.
O bloqueio do plexo braquial com uma infusão contínua através de um cateter é usa-
do para fornecer analgesia efetiva e duradoura, com possibilidade de configurar uma
bomba controlada pelo paciente para fornecer anestesia local conforme necessário, o
que leva a maior controle de dor no pós-operatório imediato.
O bloqueio contínuo também possui limitações, como dificuldades técnicas na
passagem do cateter que podem levar ao controle inadequado da dor. Vários estudos
revisaram essas características para o bloqueio contínuo e a evidência destaca que até
22% dos pacientes apresentam complicações por falha, mais comumente devido ao
fracasso de o cateter permanecer no lugar correto16.
Preconizamos para artroplastia de ombro a passagem de cateter interescalênico e con-
trole álgico com Patient Controlled Analgesia (PCA) plexular pós-operatório com bomba de
infusão inicialmente programada para infusão contínua e bolus por demanda do paciente.

Tabela 3 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio do plexo
braquial via interescalênica com cateter
Bloqueio de plexo braquial via interescalênica
Cateter plexular
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,5%
Volume 10 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
3 a 5 mL/hora
Bolus 5 mL a cada 30 min  

Uso de Ultrassonografia no Tratamento da Dor Pós-Operatória | 39


Anestesia regional contínua para cirurgias de artroplastia de joelho
Persiste uma grande discussão atual entre os especialistas de anestesia regional
sobre qual seria a melhor analgesia para esse tipo de cirurgia. Possibilidades de blo-
queios periféricos contínuos seriam o bloqueio de nervo femoral, o bloqueio do canal
dos adutores e o bloqueio do nervo ciático.
Bloqueio do nervo femoral: até há bem pouco tempo, o local de cateter mais comu-
mente publicado para a cirurgia do joelho, mas as preocupações com as constantes
quedas associadas ao procedimento aumentaram o interesse em locais alternativos de
passagem de cateter, como o canal adutor17.

Tabela 4 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio do ner-
vo femoral com cateter
Bloqueio do nervo femoral
Cateter plexular  
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,2%
Volume 10 a 15 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
4 a 6 mL/hora
Bolus 5 a cada 30 min  

Bloqueio do canal do adutor (BCA): relativamente validado com ensaios randomiza-


dos e controlados, porém várias questões permanecem em discussão, como a analgesia
relativa menor proporcionada em comparação com uma infusão femoral18. Em compa-
ração com a infusão femoral, o BCA induz menor fraqueza muscular por preservar força
do quadríceps, diminuindo a incapacidade e melhorando a reabilitação.

Figura 3 – Posicionamento e fixação após passagem de cateter no canal do adutor para analgesia de
artroplastia de joelho

Com o bloqueio, temos boa analgesia das faces anterior e medial do joelho, local
onde se encontra a incisão cirúrgica e a manipulação de cápsula articular. A analgesia

40 | Dor e Cuidados Paliativos


das regiões posterior e lateral permanece um desafio, porém a dor é bem controlada
com analgésicos orais ou outras técnicas de bloqueios.
Tabela 5 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio do canal
do adutor com cateter
Bloqueio de canal do adutor
Cateter plexular  
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,375%
Volume 30 a 35 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
5 a 7 mL/hora
Bolus 5 a 7 mL a cada 30 min  

Bloqueio do nervo ciático: três estudos recentes investigaram os efeitos da adi-


ção de um bloqueio contínuo do nervo ciático a um femoral contínuo após artro-
plastia total do joelho. Todos demonstraram menores escores de dor e diminuição
do consumo de analgésicos suplementares, e um detectou menor incidência de
náuseas e vômitos19. Também pode ser realizado o bloqueio de nervo ciático punção
única via anterior para artroplastia de joelho. Entretanto, não fazemos rotineira-
mente esse bloqueio para cirurgias de joelho, como também não fazem a maioria
dos especialistas em anestesia regional. O raciocínio clínico para não realizar o
bloqueio é baseado em melhor reabilitação como prioridade pós-operatória. Além
disso, problemas relacionados com lesões de nervo fibular, comum durante o pro-
cedimento cirúrgico que foram atribuídos inadequadamente ao bloqueio periférico,
desencorajam o uso da técnica.

Figura 4 – Cateter via poplítea em nervo ciático conectado ao sistema de Patient Controlled Anal-
gesia (PCA)

Uso de Ultrassonografia no Tratamento da Dor Pós-Operatória | 41


Tabela 6 – Doses usuais de anestésico local e taxas de infusão para bloqueio do
nervo ciático com cateter
Bloqueio de nervo ciático via poplítea
Cateter plexular  
Dose inicial do bloqueio
Anestésico local Ropivacaína
Concentração 0,375%
Volume 10 a 15 mL
Configuração da PCA com solução padrão 0,2%
5 mL/hora
Bolus 5 mL a cada 30 min  

Bloqueio de Nervos Periféricos


As técnicas de bloqueio de nervos periféricos guiados por ultrassom utilizam, de
preferência, o corte transversal para identificação do nervo. Inicialmente, é feito um
escaneamento da região identificando estruturas como vasos, ossos e nervos. Nesse
primeiro momento é essencial obter o melhor plano de visualização possível e realizar
os ajustes necessários no aparelho de ultrassom, pois o sucesso dessa técnica pode
estar relacionado com a qualidade das imagens obtidas do paciente. Depois, a ponta
da agulha é guiada até o alvo e, em seguida, é realizada a injeção da solução anestésica
observando-se sua dispersão em torno do local desejado.
Existem diversos bloqueios de nervos periféricos descritos para tratamento de dor
pós-operatória. Quando discutimos sobre o uso da ultrassonografia, podemos dizer
que seu maior impacto atual nessas diferentes abordagens foi no aprimoramento de
bloqueios parietais, interfaciais. As possibilidades de intervenções para melhora do
controle álgico cresceram consideravelmente e novos bloqueios foram descritos. Por-
tanto, vamos destacar esses bloqueios na discussão a seguir.
Notavelmente, alguns bloqueios de parede abdominal tornaram-se promissores,
mostrando excelentes resultados na cirurgia com incisões abdominais. Os menores
escores de dor pós-operatórios, a recuperação precoce e a diminuição do consumo de
opioides são vantagens importantes no uso de bloqueios periféricos20. Consideramos
importante citar os dois procedimentos que teriam papéis importantes na analgesia
pós-operatória de pacientes submetidos à cirurgia abdominal: bloqueio do plano
transverso abdominal (TAP) e bloqueio do quadrado lombar (BQL).
A chave para entender os bloqueios do nervo da parede abdominal é uma com-
preensão da anatomia. A pele e a fáscia da parede abdominal anterior sobrepõem
os músculos que ajudam a suportar o conteúdo abdominal e o tronco. Existem três
camadas musculares na parede abdominal lateral, cada qual com uma bainha fascial
associada. De superficial a profundo, estes são os oblíquos externos, oblíquos internos
e transverso abdominal. Sob os músculos encontram-se gorduras extraperitoneais e,
em seguida, o peritônio parietal.
A inervação da parede abdominal é fornecida pelos nervos intercostais T7 a T11
(os nervos toracoabdominais) e pelos nervos subcostal, ilio-hipogástrico e ilioingui-
nal. Entre os músculos oblíquo interno e transverso abdominal encontra-se um plano

42 | Dor e Cuidados Paliativos


intermuscular, o qual contém os ramos anteriores dos seis nervos torácicos inferio-
res (T7 a T12) e primeiro nervo lombar (L1). Nesse plano intermuscular injetamos
anestésico local para realização do TAP, bloqueio que permite analgesia da pele, dos
músculos e do peritônio parietal na região infraumbilical abdominal.

Figura 5 – Posicionamento do probe e marcos anatômicos durante a realização do TAP

O uso do bloqueio do quadrado lombar resultou em aumento do bloqueio sensorial


em comparação com o bloqueio TAP quando realizado com um volume semelhante
de anestesia local21. Por isso, o BQL tornou-se uma opção para procedimentos que
necessitem de analgesia de abdome superior.
O quadrado lombar tem várias abordagens descritas: tipo 1, tipo 2 e tipo 3. O pró-
prio autor não considera mais o tipo 1 como técnica de escolha, visto que essa aborda-
gem seria um bloqueio da fascia transversalis22.
O tipo 2 descrito é de fácil realização, excelente padrão de dispersão de anestésico
local e pode ser realizado com auxílio do probe linear por não ser tão profundo na
maioria dos pacientes.
O tipo 3, transmuscular – TQL ou “tequila block”, é realizado com probe curvo,
visualizando as estruturas na região posterior do abdome e injetando anestésico local
entre os músculos quadrado lombar e psoas. O objetivo seria atingir o espaço entre os
dois músculos e ter uma dispersão craniocaudal, com espraiamento de anestésico in-
clusive para o espaço paravertebral torácico, visto que a fáscia endotorácica tem con-
tinuidade anatômica com a fascia transversalis. Seria a explicação anatômica para um
melhor resultado analgésico em abdome superior do BQL23. O bloqueio até o momento
não mostrou bons resultados nem é indicado para cirurgias de membro inferior.
Tão importante quanto entender as indicações do TAP e do bloqueio do quadra-
do lombar seria entender as limitações de cada um deles. Sabemos que o TAP tem
resultados muito variáveis de paciente para paciente; algumas vezes o bloqueio
não consegue contemplar nervos lombares; necessita ser realizado bilateral para
incisões em linha mediana e não alcança níveis mais altos para analgesia de ab-
dome superior.
Bloqueios para cirurgia de mama
A dor pós-operatória de cirurgia de mama pode ser um problema com várias cau-
sas. É motivo constante de ansiedade para a paciente, a qual já está sendo submetida

Uso de Ultrassonografia no Tratamento da Dor Pós-Operatória | 43


a uma cirurgia oncológica complexa com diversos fatores psicológicos envolvidos.
Diante desses fatos, o adequado controle de dor é crucial para as pacientes.
Os bloqueios guiados por USG, especificamente o bloqueio do plano serrátil an-
terior – PECs I e II foram descritos para essas cirurgias –, são excelentes opções
terapêuticas, porém com a limitação de promover analgesia da parede torácica ante-
rolateral e axila e não cobrindo totalmente a área posterior24.
O papel do bloqueio paravertebral (BPVT) para cirurgia de mama é bem estabele-
cido. A realização do BPVT guiado por ultrassom necessita de treinamento adequado
e maior proficiência na realização do procedimento, visto que potenciais complicações
da técnica podem ser graves, em razão da sua localização perto de estruturas nobres
e grande vascularização da região. Na cirurgia oncológica mamária o BPVT também
promove excelente analgesia com menores efeitos colaterais além de possibilitar alta
mais precoce. Aparentemente, benefícios no longo prazo como a diminuição da recidi-
va tumoral e da síndrome Dolorosa Pós-Mastectomia também podem ser associados a
esta técnica25. Esses potenciais benefícios no longo prazo parecem estar relacionados
com o denso bloqueio da aferência sensitiva ao bloquear as principais estruturas en-
volvidas nas vias de condução e modulação da dor (a raiz nervosa com o gânglio da
raiz dorsal e a cadeia simpática e seus ramos comunicantes)26. Com a diminuição do
estresse pós-operatório e seus hormônios (cortisol, adrenalina), é provável que uma
imunomodulação favorável melhore o prognóstico oncológico27.
Importante lembrar que a analgesia dos músculos peitorais não é contemplada por
esse bloqueio. Os músculos peitorais maior e menor são inervados por ramos dos ner-
vos peitoral lateral e peitoral medial, ambos originados no plexo braquial. A analgesia
dessa musculatura é importante no uso de expansores e próteses transmusculares. O
PECs I consegue exatamente bloquear esses ramos.
Recentemente foi publicada uma nova abordagem para cirurgias de mama que
tem mostrado resultados animadores no nosso serviço, pela facilidade de realização
e maior segurança, além de cobertura analgésica da área posterior do tórax. Trata-
-se do bloqueio do plano do eretor espinhal, já discutido anteriormente, um bloqueio
com excelentes resultados tanto como dose única quanto como analgesia contínua
por cateter.
Concluímos que houve aumento importante das possibilidades de intervenção para
melhor controle de dor pós-operatória com o advento do ultrassom. A utilização de
cateteres de nervo periférico aumenta consideravelmente a duração da analgesia, pos-
sibilita melhor reabilitação, muda desfechos e melhora os resultados no longo prazo.
Podemos dizer que o maior impacto da ultrassonografia para anestesia regional foi
no aprimoramento de bloqueios parietais, interfaciais. A visualização ideal das estru-
turas anatômicas depende de uma variedade de fatores, incluindo a experiência do
operador e o conhecimento de anatomia.

Referências
1. Hartmann FV, Novaes MR, Carvalho MR. Bloqueio do nervo femoral versus fentanil por via veno-
sa em pacientes adultos com fraturas de quadril – revisão sistemática. Rev Bras Anestesiol, 2017;
67:67-71

44 | Dor e Cuidados Paliativos


2. Ding DY, Mahure SA, Mollon B et al. Comparison of general versus isolated regional anesthesia
in total shoulder arthroplasty: a retrospective propensity-matched cohort analysis. J Orthop,
2017;14:417-21.
3. Wedel DJ. Regional anesthesia and pain management: reviewing the past decade and predicting the
future. Anesth Analg, 2000;90:1244-5.
4. Aguirre J, Del Moral A, Cobo I et al. The role of continuous peripheral nerve blocks. Anesthesiol Res
Pract, 2012;2012:560879.
5. Schnabel A, Meyer-Frießem CH, Zahn PK et al. Ultrasound compared with nerve stimulation gui-
dance for peripheral nerve catheter placement: a meta-analysis of randomized controlled trials. Br
J Anaesth, 2013;111:564–572.
6. Strid JMC, Sauter AR, Ullensvang K et al. Ultrasound-guided lumbar plexus block in volunteers; a
randomized controlled trial. Br J Anaesth, 2017;118:430-8.
7. Wilson SH, Wolf BJ, Algendy AA et al. Comparison of lumbar epidurals and lumbar plexus nerve
blocks for analgesia following primary total hip arthroplasty: a retrospective analysis. J Arthroplas-
ty, 2017;32:635-40.
8. Ilfeld BM, Ball ST, Gearen PF Health-related quality of life after hip arthroplasty with and without
an extended-duration continuous posterior lumbar plexus nerve block: a prospective, 1-year follow-
-up of a randomized, triple-masked, placebo-controlled study. Anesth Analg, 2009;109:586-91.
9. Renes SH, Bruhn J, Gielen MJ et al. In-plane ultrasound-guided thoracic paravertebral block. Reg
Anesth Pain Med, 2010;35:212–6.
10. Dhole S, Mehta Y, Saxena H et al. Comparison of continuous thoracic epidural and paravertebral
blocks for postoperative analgesia after minimally invasive direct coronary artery bypass surgery. J
Cardiothorac Vasc Anesth, 2001; 15:288–92.
11. Forero M, Adhikary SD, Lopez H et al. The erector spinae plane block: a novel analgesic technique
in thoracic neuropathic pain. Reg Anesth Pain Med, 2016;41:621–7.
12. Forero M, Rajarathinam M, Adhikary S et al. Erector spinae plane (ESP) block in the management
of post thoracotomy pain syndrome: A case series. Scand J Pain, 2017; pii: S1877-8860(17)30185-4.
13. Ueshima H, Otake H. Erector spinae plane block provides effective pain management during pneu-
mothorax surgery. J Clin Anesth, 2017;40:74.
14. Schairer WW, Zhang AL, Feeley BT. Hospital readmissions after primary shoulder arthroplasty. J
Shoulder Elbow Surg, 2014;23:1349-55.
15. Yan Z, Chen Z, Ma C. Liposomal bupivacaine versus interscalene nerve block for pain control after
shoulder arthroplasty: a meta-analysis. Medicine. 2017;96:e7226.
16. Fredrickson MJ, Ball CM, Dalgleish AJ. Analgesic effectiveness of a continuous versus single-injection
interscalene block for minor arthroscopic shoulder surgery. Reg Anesth Pain Med, 2010;35:28-33.
17. Elkassabany NM, Antosh S, Ahmed M et al. The risk of falls after total knee arthroplasty with the
use of a femoral nerve block versus an adductor canal block: a double-blinded randomized control-
led study. Anesth Analg, 2016;122:1696-703.
18. Seo SS, Kim OG, Seo JH et al. Comparison of the effect of continuous femoral nerve block and
adductor canal block after primary total knee arthroplasty. Clin Orthop Surg, 2017;9:303-9.
19. Bendtsen TF, Nielsen TD, Rohde CV et al. Ultrasound guidance improves a continuous popliteal
sciatic nerve block when compared with nerve stimulation. Reg Anesth Pain Med, 2011;36:181-4.
20. Chin KJ, McDonnell JG, Carvalho B et al. Essentials of our current understanding: abdominal wall
blocks. Reg Anesth Pain Med, 2017;42:133-83.
21. Hansen CK, Dam M, Bendtsen TF et al. Ultrasound-guided quadratus lumborum blocks: definition
of the clinical relevant endpoint of injection and the safest approach. A A Case Rep, 2016;6:39.
22. Choquet O, Capdevila X. Quadratus lumborum 1 and transversalis fascia blocks: different names for
the same posterior pararenal space block. Reg Anesth Pain Med, 2017;42:547-8.
23. Dam M, Moriggl B, Hansen CK et al. The pathway of injectate spread with the transmuscular qua-
dratus lumborum block: a cadaver study. Anesth Analg, 2017;125:303-12.

Uso de Ultrassonografia no Tratamento da Dor Pós-Operatória | 45


24. Blanco R, Fajardo M, Parras Maldonado T. Ultrasound description of Pecs II (modified Pecs I): a
novel approach to breast surgery. Rev Esp Anestesiol Reanim, 2012;59:470-5.
25. Ibarra MML, S-Carralero G-CM, Vicente GU et al. Chronic postoperative pain after general anes-
thesia with or without a single-dose preincisional paravertebral nerve block in radical breast cancer
surgery. Rev Esp Anestesiol Reanim, 2011;58:290-4.
26. Richardson J, Jones J, Atkinson R. The effect of thoracic paravertebral blockade on intercostal so-
matosensory evoked potentials. Anesth Analg, 1998; 87:373-6.
27. Yeager MP, Rosenkranz KM. Cancer recurrence after surgery: a role for regional anesthesia? Reg
Anesth Pain Med, 2010;35:483-4.

46 | Dor e Cuidados Paliativos


04
Capítulo

Analgesia Pós-Operatória no Paciente


com Dor Crônica em Tratamento
Durval Campos Kraychete
Anita Perpétua Carvalho Rocha de Castro

Introdução
A dor aguda ou crônica é um problema de saúde mundial, e seu tratamento é
um desafio para a sociedade1. A dor aguda está associada a complicações respi-
ratórias, cardiovasculares, gastrointestinais e neuroendócrinas, a alterações da
coagulação, do tempo de permanência hospitalar e da performance psíquica dos
pacientes. Além disso, a dor aguda é um preditor de dor crônica2. Quanto mais
intensa a dor aguda, maior a chance de o paciente desenvolver dor crônica. Isso
ocorre porque o controle inadequado da dor aguda está associado a alterações no
corno dorsal da medula espinhal, com consequente hipersensibilização central e
perpetuação do quadro álgico3.
A dor crônica é um problema de saúde comum, no entanto, os estudos epidemioló-
gicos mostraram ampla variação de sua prevalência no mundo. A revisão sistemática
sintetizada pela Sociedade Internacional para o Estudo da Dor (IASP)4, que inclui o
estudo multinacional conduzido pela Organização Mundial de Saúde5, estima a média
ponderada de prevalência de dor crônica em 35,5%, com variação entre 11,5% e 55,2%.
Nos Estados Unidos da América, mais de cem milhões de pessoas experimentam
dor em algum momento da vida. Outro estudo sugere que cerca de 2 milhões de adul-
tos sofrem de dor neuropática nesse país6. Estudos conduzidos no Brasil, de forma
geral, estão associados a condições específicas, que encontraram em São Paulo 29,7%
da população idosa com dor crônica7. Em São Luís do Maranhão, 50% das mulhe-
res e 28,36% dos homens são afetados pela dor crônica8 e, em Salvador, um estudo
transversal que utilizou uma amostra probabilística da população da cidade revelou a

Analgesia Pós-Operatória no Paciente com Dor Crônica em Tratamento | 47


prevalência de 41,4%9. Mesmo considerando a variabilidade das medidas apuradas, é
possível entender que o problema constitui uma questão de saúde pública10.
A dor crônica é uma das principais razões da busca por serviços de atendimento
médico, e pacientes com dor crônica procuram cinco vezes mais os serviços de saúde
quando comparados com a população geral. Ao lado disso, um número substancial
de pacientes com dor crônica é submetido a procedimentos cirúrgicos e experimenta
dor aguda pós-operatória. Desse modo, o manejo da dor pós-operatória apresenta ca-
racterísticas próprias que devem ser consideradas no momento da escolha da técnica
anestésica e analgésica, no intuito de identificar a estratégia mais adequada11.
Os objetivos principais do tratamento da dor pós-operatória são reduzir as com-
plicações orgânicas, evitar a sensibilização da medula espinhal, diminuir a incidên-
cia de síndromes dolorosas crônicas, minimizar o tempo de permanência hospitalar
e aumentar o grau de satisfação do paciente. Para isso é importante ouvir a queixa
do sujeito, compreender o contexto no qual o indivíduo está inserido e suas doen-
ças associadas, acatar que o exame físico é fundamental para esclarecer a etiologia
da persistência da dor aguda, documentar o estado da dor em intervalos regulares e
acompanhar a evolução do tratamento12.

Uso de Opioides
Existe uma barreira à prescrição de opioides relacionada com conceitos incorretos
de hiperalgesia induzida por esses agentes, recomendações não baseadas em evidên-
cias científicas, potencial de efeitos adversos, incluindo sobredose, desenvolvimento
de tolerância, adição, dependência e abuso (Tabela 1)13.
Trabalho recente demonstrou que a prevalência de dependência pode variar de 0
a 31% (média de 4,5%)14. Por outro lado, a verdadeira prevalência de dependência por
causa do emprego de opioide não é conhecida, mas parece maior que a esperada e
pode variar de 0 a 50%15,16.
Dependência física ocorre após a utilização crônica de determinado fármaco e ma-
nifesta-se por sintomas de abstinência quando da suspensão abrupta, rápida redução
da dose, diminuição dos níveis sanguíneos ou administração de um antagonista do
fármaco em questão17. O desenvolvimento de síndrome de abstinência não necessa-
riamente indica a utilização dessa substância de forma abusiva. Opioides, anticonvul-
sivantes, benzodiazepínicos e antidepressivos, quando consumidos por um período
prolongado, produzem dependência física. Acredita-se que o uso de morfina em dose
igual ou superior a 30 mg/dia por um período de duas a quatro semanas represente
um fator de risco para o desenvolvimento de síndrome de abstinência18. É essencial
agir de forma preventiva diante da possibilidade de desenvolvimento de síndrome
de abstinência, que é caracterizada por ansiedade, insônia, irritabilidade, agitação,
náusea, vômito, diaforese, diarreia, cólica abdominal, crise convulsiva, taquicardia,
hipertensão e até mesmo morte.
Tolerância é definida como a situação na qual a exposição crônica a determinada
substância resulta na redução de seu efeito e, portanto, na necessidade de aumentar
sua dosagem com o intuito de obter o mesmo resultado19. Os mecanismos responsá-
veis pelo fenômeno de tolerância são múltiplos e desenvolvem-se em diferentes níveis

48 | Dor e Cuidados Paliativos


do organismo. Por definição, tolerância é um fenômeno farmacológico. Após exposi-
ção aos opioides, os receptores podem se tornar dessensibilizados ou sofrer endoci-
tose, com sua consequente downregulation, evento conhecido como internalização
de receptores. Outra teoria aventada é que essa dessensibilização seja decorrente do
desacoplamento do receptor opioide da proteína G inibitória, a qual exerce o papel de
segundo mensageiro na cascata responsável pelo efeito final dos opioides19-21. Em uma
situação normal, em nível intracelular, os opioides administrados inibem a adenilato
ciclase, o AMPc e as proteínas cinases do tipo A, contribuindo para a fosforilação
de proteínas intracelulares. Na presença de tolerância, os níveis de AMPc retornam
aos valores basais22. Finalmente, um aumento na sensibilidade dos receptores NMDA
também pode estar envolvido. De fato, o uso de antagonistas dos receptores NMDA,
como a cetamina, inibe o desenvolvimento de tolerância em modelos animais. In-
divíduos portadores de tolerância apresentam um desvio da curva dose-resposta do
fármaco para a direita23.
Tabela 1 – Conceitos utilizados na prática clínica
Estado de adaptação no qual a exposição a uma droga induz a
Tolerância alterações que resultam na redução do efeito de um ou mais opioi-
des ao longo do tempo.
Estado de adaptação caracterizada por síndrome de abstinência
Dependência que pode ser resultado de retirada abrupta, rápida redução da
física dose ou da concentração sanguínea de um fármaco ou da admi-
nistração de antagonista específico.
Doença neurobiológica crônica e primária, cujo desenvolvimento
e manifestação estão associados a componentes genéticos, psicos-
Adição sociais e ambientais. É caracterizada por comportamentos que
incluem falta de controle sobre o uso da droga, uso compulsivo,
fissura e uso contínuo, a despeito do mal que a droga produz.
Comportamento Comportamento além dos limites acordados no plano de trata-
aberrante mento entre o médico e o paciente.
Uso de medicação sem indicação médica ou por outras razões que
as prescritas. Também é o emprego intencional ou não de subs-
Mau uso tâncias de modo incompatível com as recomendações médicas.
Pode haver alterações de doses ou quebra de medicamentos com
consequências prejudiciais ao indivíduo.
É o mau uso com consequências, para modificar ou controlar o
comportamento ou o estado mental de maneira ilegal ou prejudi-
Abuso cial para si ou para outros. Isso inclui acidentes, insultos, proble-
mas legais, comportamento sexual que aumente o risco de adqui-
rir doenças sexualmente transmissíveis.
A transferência intencional de substâncias de uma distribuição e
Diversão dispensa legítima para canais ilegais ou a obtenção de drogas por
métodos ilegais.

Analgesia Pós-Operatória no Paciente com Dor Crônica em Tratamento | 49


Vários estudos demonstraram que os pacientes usuários crônicos de opioides
apresentam elevado nível de dor pós-operatória e maior necessidade de analgé-
sicos quando comparados com outros pacientes que não vivem essa realidade.
Também, pacientes com câncer em tratamento com opioide necessitaram de três
vezes mais morfina peridural e quatro vezes mais morfina intravenosa quando
comparados com pacientes que nunca utilizaram opioides24 . Outros autores, en-
tretanto, constataram o aumento da necessidade de opioide em cinco vezes25 . A
identificação precoce dos pacientes tolerantes aos opioides é essencial no processo
de tratamento da dor aguda pós-operatória, uma vez que implica a obrigatorieda-
de de otimização da dose dos analgésicos.
Paradoxalmente, a exposição crônica aos opioides pode causar hiperalgesia em
alguns pacientes, que é caracterizada pela resposta exagerada a estímulos natural-
mente dolorosos. Esse fenômeno denomina-se HIO. A fisiopatologia da HIO ainda é
pobremente compreendida, entretanto, parece ser multifatorial. Observa-se que, após
a ativação do receptor opioide, há alteração da sinalização intracelular26 e presença
de resposta dolorosa a estímulos naturalmente não nociceptivos. Na HIO, observa-se
o deslocamento da curva dose-resposta para baixo27. Clinicamente, a HIO associa-se
à exacerbação de dor preexistente, não responsiva ao aumento da dose de opioide.
Por outro lado, verifica-se que a redução progressiva da dose de opioide implica um
melhor controle da dor. Outras estratégias propostas são a utilização concomitante de
antagonistas dos receptores NMDA, de analgésicos anti-inflamatórios e de agonistas-
-α2. Nos casos refratários, propõem-se a rotação do opioide28 e até mesmo a utilização
de antagonistas opioides em pequenas dosagens.

Abordagem da Dor
O alívio da dor aguda pós-operatória (DAPO) é primariamente uma atribuição da
equipe de anestesiologia. Entretanto, o manejo do paciente portador de dor crônica no
contexto da DAPO demanda atenção especial e multiprofissional.29 Frequentemente,
esses pacientes apresentam alteração psíquica – depressão e ansiedade, doenças que
tornam a condução do tratamento mais difícil. Os pacientes com dor crônica normal-
mente fazem uso de vários fármacos, o que facilita o desenvolvimento de interações
medicamentosas. Medicações como antidepressivos, anticonvulsivantes, relaxantes
musculares, anestésicos locais, antagonistas dos receptores N-metil-D-aspartato
(NMDA), anti-inflamatórios (AINE) e opioides podem alterar a farmacocinética e
farmacodinâmica de seus pares, aumentando ou reduzindo a concentração sérica do
agente, de modo a influenciar o efeito desejado. As implicações clínicas dessas intera-
ções parecem não ter impacto significativo30.
Antidepressivos são frequentemente utilizados para o tratamento de dor crônica
de diferentes etiologias31 e são classificados de acordo com sua estrutura química e/ou
seu mecanismo de ação. Os grupos de antidepressivos mais frequentemente utilizados
são os antidepressivos tricíclicos, os inibidores seletivos da recaptação da serotoni-
na e os inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina. Acredita-se que, em
adição à inibição da recaptação da serotonina e da noradrenalina, os antidepressivos
tricíclicos atuam nos canais de sódio localizados no sistema nervoso periférico e têm

50 | Dor e Cuidados Paliativos


ação antagônica sobre os receptores NMDA. Esses mecanismos de ação contribuem
para inibir a sensibilização central, a qual tem um papel importante na fisiopatologia
da dor aguda pós-operatória32.
Em 1970, foram relatados casos de arritmia perioperatória em pacientes que fa-
ziam uso de antidepressivos tricíclicos. Em função disso foi recomendado que eles
fossem descontinuados 72 horas antes da cirurgia. Mais recentemente foi demons-
trado que a incidência de arritmia e hipotensão no período perioperatório é baixa nos
usuários crônicos de antidepressivos tricíclicos quando comparados com a população
geral e que essa incidência independe da continuação ou não do tratamento. Em con-
trapartida, a interrupção do uso do antidepressivo está associada a maior incidência
de delírio, confusão e sintomas depressivos33, o que contraindica sua suspensão no
período perioperatório.
Anticonvulsivantes gabapentinoides representam fármacos de primeira linha para
o tratamento da dor neuropática e são frequentemente prescritos para os indivíduos
portadores de dor crônica, uma vez que estão associados à pequena incidência de in-
teração medicamentosa e de efeitos colaterais. Os representantes desse grupo são a
gabapentina e a pregabalina. A gabapentina possui uma estrutura análoga à do ácido
gama-aminobutírico e é bastante semelhante à pregabalina. Ambas apresentam como
local de ação a subunidade α2δ-1 dos canais de cálcio voltagem-dependentes presen-
tes nos neurônios do corno dorsal da medula espinhal, com consequente inibição do
influxo de cálcio e redução da liberação de neurotransmissores excitatórios34. Os ga-
bapentinoides apresentam ação analgésica e têm sido considerados por muitos como
uma estratégia para a prevenção e o tratamento da dor aguda pós-operatória35,36.
Topiramato, carbamazepina, oxicarbazepina e lamotrigina são utilizados em indiví-
duos portadores de cefaleia crônica, neuralgia do trigêmeo e, com menor frequência,
no tratamento de dor neuropática de diferentes etiologias. Nenhum anticonvulsivante
deve ser descontinuado abruptamente no período perioperatório, pois a interrupção
do tratamento está associada à hiperexcitabilidade neuronal e dor de rebote.
Dano tissular e/ou inflamação representam mecanismos de dor pós-operatória,
que caracteristicamente é classificada como predominantemente nociceptiva. Fárma-
cos anti-inflamatórios e analgésicos comuns têm sido propostos como analgésicos no
tratamento dos pacientes portadores de dor leve, com bons resultados. Entretanto,
não são efetivos isoladamente no tratamento da dor de moderada a forte intensida-
de. Estudos realizados com esses pacientes sugerem que os AINEs sejam associados
aos opioides. O uso de AINEs resulta na redução do requerimento de opioides, com
consequente diminuição de seus efeitos deletérios, como náusea, vômito e sedação.
Diferente dos opioides, os AINEs não induzem dependência, tolerância ou hiperalge-
sia, entretanto, não são isentos de efeitos colaterais. É importante lembrar que os AI-
NEs podem causar sérios danos renais e gastrointestinais e alterações da coagulação.
Além disso, alguns representantes desse grupo estão associados ao risco aumentado
de acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio. Os AINEs são recomen-
dados apenas como adjuvantes para ser administrados por curto período de tempo37.
Os pacientes com dor crônica frequentemente apresentam maior risco para o
desenvolvimento de dor aguda pós-operatória de difícil controle. Dessa forma, são

Analgesia Pós-Operatória no Paciente com Dor Crônica em Tratamento | 51


necessários: (a) o ajuste ou a continuação de medicações que, ao serem suspensas
abruptamente, possam causar síndrome de abstinência; (b) o tratamento e a redução
da ansiedade; (c) o uso de pré-medicações como parte de um programa de manuseio
multimodal da dor e (d) a educação do paciente e da família, incluindo técnicas com-
portamentais de controle da dor.
O conceito de analgesia multimodal foi desenvolvido em torno do tratamento da
dor no pós-operatório. Essa técnica considera o emprego da associação de subs-
tâncias que ajam em diferentes locais da transmissão dolorosa no sistema nervoso
periférico e central, de forma a proporcionar analgesia de boa qualidade e evitar
efeitos colaterais. Isso por conta da redução da dose individual dos fármacos por
efeito aditivo ou sinérgico38.
Diferentes estratégias encontram-se disponíveis para o tratamento da dor pós-
-operatória e incluem a administração de analgésicos sistêmicos; analgesia neuroaxial
com opioide e analgesia regional, representada pelo bloqueio dos nervos periféricos,
como o bloqueio do plexo braquial; bloqueio dos nervos intercostais e infiltração da
pele com anestésico local. Os anestésicos locais por via sistêmica tendem a acelerar o
peristaltismo e melhorar a perfusão da mucosa intestinal, reduzir a adesão plaquetá-
ria, melhorar a microcirculação e diminuir a incidência de trombose venosa profunda.
Dessa forma, eles reduzem a necessidade de uso de opioides por via espinhal ou sistê-
mica e de AINEs já são bem indicados no intraoperatório de cirurgias abdominais37.

Analgesia Pós-operatória por Via Sistêmica em Pacientes


Portadores de Dor Crônica
O planejamento da analgesia pós-operatória em indivíduos portadores de dor
crônica usuários de opioides, por meio da administração de analgésicos sistêmicos,
implica a necessidade do conhecimento da conversão dos opioides para evitar o de-
senvolvimento da síndrome de abstinência (Tabela 2)39.
Tabela 2 – Doses equianalgésicas de opioides orais e parenterais
Opioide Dose parenteral Dose oral
Morfina 10 mg 30 mg
Codeína 100 mg 200 mg
Oxicodona ND 15 mg
Hidromorfona 2 mg 6 mg
Metadona 1 mg 2 mg
Fentanil 2,5 mcg.h 24h
-1
= morfina 50 mg.24h
Meperidina 75 mg 300 mg
ND – não disponível.

Pacientes em uso de metadona, para o tratamento de dor ou de adição, devem re-


ceber a dose usual desse agente, inclusive na manhã do dia da cirurgia, no intuito
de evitar flutuações desnecessárias na concentração do fármaco e síndrome de abs-
tinência. Além disso, a descontinuação abrupta da metadona antes da cirurgia está
associada a maior dificuldade no controle da dor pós-operatória40. Ao programar a

52 | Dor e Cuidados Paliativos


analgesia pós-operatória em indivíduos que serão submetidos a jejum prolongado é
importante a conversão da metadona para outro opioide em dose equianalgésica. Pre-
ferencialmente, essa conversão deve ser orientada por um especialista, uma vez que a
metadona apresenta comportamento de acúmulo e meia-vida prolongada. Apesar de
haver uma equianalgesia padrão entre a morfina e a metadona, sabe-se que, à medida
que a dose de morfina aumenta, a correlação de conversão para a metadona diminui
significativamente (Tabela 3)41.
Tabela 3 – Conversão de morfina para metadona
Dose diária de morfina oral Correlação de conversão para
(equivalente) metadona
30 a 90 mg 4:1
91 a 300 mg 8:1
301 a 600 mg 10:1
601 a 800 mg 12:1
801 a 1.000 mg 15:1
> 1.000 mg 20:1
Em relação à adição a opioides, analgésicos comuns, anti-inflamatórios, cetamina e
agonistas-α2 devem ser lembrados como parte de um esquema de analgesia multimo-
dal. A cetamina na dose de 0,15 mg.kg-1, seguida de infusão contínua intraoperatória
de 5 mcg.kg-1.min-1, está associada a menor consumo de opioide no período periopera-
tório, menores escores de dor e prolongamento do tempo necessário para a primeira
complementação de analgésicos42.
Quando a analgesia controlada pelo paciente é a técnica de escolha, deve-se consi-
derar o esquema analgésico de uso crônico e fazer a conversão conforme a dose equia-
nalgésica. Nos pacientes em uso de metadona, recomenda-se que seja feita a conver-
são para morfina parenteral e iniciada uma infusão basal equivalente a 50% do valor
obtido. Bolus devem ser disponibilizados em doses 50% maiores do que o utilizado
em pacientes que nunca utilizaram opioide. É importante lembrar que, independen-
temente da história do paciente, este deve receber opioides em doses que realmente
sejam efetivas. Analgesia inadequada está associada não apenas à dor, mas também à
ansiedade e ao comportamento de busca43, o que muitas vezes é confundido com vício.

Anestesia Regional em Pacientes Usuários Crônicos de Opioides


A anestesia regional apresenta particularidades que a tornam interessante para
os pacientes portadores de dor crônica e que necessitam fazer uso de opioides, uma
vez que permite um bom controle da dor com menor possibilidade de interação me-
dicamentosa. Entretanto, é importante lembrar que esses pacientes são suscetíveis ao
desenvolvimento de síndrome de abstinência. Para evitá-la, deve-se manter 50% da
dosagem diária do opioide administrada por via oral ou parenteral.
Diferentes opioides podem ser utilizados no neuroeixo. Estudos que compara-
ram a analgesia proporcionada pela morfina com a observada com o fentanil ou o
sufentanil, em pacientes usuários crônicos de opioides submetidos a procedimentos
cirúrgicos sob anestesia peridural, demonstraram que os opioides lipossolúveis são

Analgesia Pós-Operatória no Paciente com Dor Crônica em Tratamento | 53


superiores aos hidrossolúveis nesse contexto44,45. Acredita-se que a maior potência
analgésica do fentanil e do sufentanil, quando comparada com a da morfina, possa
justificar esses resultados.

Conclusão
O tratamento adequado da dor aguda pós-operatória deve ser uma preocupação
da equipe de saúde em qualquer contexto. O paciente com dor crônica faz uso de di-
ferentes medicações, as quais devem ser identificadas e consideradas no momento do
planejamento da analgesia. A analgesia sistêmica e regional tem sido recomendada,
principalmente como parte de uma abordagem multimodal e multiprofissional.

Referências
1. Gallagher RM. Chronic pain: a public health problem? Clin J Pain. 1998; 14:277-9.
2. Baratta JL, Schwenk ES, Viscusi ER. Clinical consequences of inadequate pain relief: barriers to
optimal pain management. Plast. Reconstr Surg. 2014; 134:S15-S21.
3. Dubner R. Pain and hyperalgesia following tissue injury: new mechanisms and new treatments.
Pain, 1991; 44:213-4.
4. Harstall C, Ospina, M. How prevalent is chronic pain. Pain Clin Updates, Seattle 2003; 11 (2):1-4.
5. Gureje O, Von Korff M, Simon GE et al. Persistent pain and well-being: a World Health Organization
Study in Primary Care. JAMA, 1998; 8;280:147-51.
6. Foley KM. Opioids and chronic neuropathic pain. N Engl J Med, 2003; 348:1279-81.
7. Dellaroza MS, Pimenta CA, Duarte YA et al. Dor cronica em idosos residentes em Sao Paulo, Brasil:
prevalencia,caracteristicas e associacao com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE).
Cad Saúde Pública, 2013; 29:325-34.
8. Vieira EB, Garcia JB, Silva AA et al. Chronic pain, associated factors, and impact on daily life: are
there differences between the sexes? Cad Saúde Pública, 2012; 28:1459-67
9. Sá K, Baptista AF, Matos MA et al. Prevalence of chronic pain and associated factors in the popula-
tion of Salvador, Bahia. Rev Saúde Pública, 2009; 43:622-30.
10. Elliott AM, Smith BH, Penny KI et al. The epidemiology of chronic pain in the community. Lancet,
1999; 354:1248-52.
11. Gandhi K, Heitz JW, Viscusi ER. Challenges in acute pain management. Anesthesiol Clin, 2011;
29:291-309.
12. Davis JA, Robinson RL, Le TK et al. Incidence and impact of pain conditions and comorbid illnesses.
J Pain Res, 2011; 4:331-45.
13. Savage SR, Joranson DE, Covington EC et al. Definitions related to the medical use of opioids: evolu-
tion towards universal agreement. J Pain Symptom Manage, 2003; 26:655-667.
14. Minozzi S, Amato L, Davoli M. Development of dependence following treatment with opioid analge-
sics for pain relief: a systematic review. Addiction, 2013; 108:688-98.
15. Schultz D. Opioid use and abuse: a pain clinic perspective. Minn Med, 2013; 96:42-4.
16. Sehgal N, Manchikanti L, Smith HS. Prescription opioid abuse in chronic pain: a review of opioid
abuse predictors and strategies to curb opioid abuse. Pain Physician, 2012; 15:ES67-92.
17. Savage SR, Kirsh KL, Passik SD. Challenges in using opioids to treat pain in persons with substance
use disorders. Addict Sci Clin Pract, 2008; 4:4-25.
18. Protenoy RK, Payne R. Acute and chronic pain. In: Lowinson JH, Ruiz P, Millman RB et al. (Ed.).
Substance abuse: a comperhensive textbook, 2nd ed. Baltimore: Williams and Wilkins, 1992. p.691-721.
19. Fabregat-Cid G, Asensio-Samper JM, Villanueva-Pèrez V et al. Manejo erioperatorio del dolor en el
paciente en tratamiento cronico con opiaceos. Rev Esp Anestesiol Reanim, 2011; 58(1):25-33.

54 | Dor e Cuidados Paliativos


20. Mitra S, Sinatra RS. Perioperative management of acute pain in the opioid-dependent patient. An-
esthesiology, 2004; 101: 212-27.
21. Chavkin C, Goldstein A. Opioid receptor reserve in normal and morphine-tolerant guinea pig ileum
myenteric plexus. Proc Natl Acad Sci USA, 1984; 81(22):7253-57.
22. Nestler EJ, Tallman JF. Chronic morphine treatment increases cyclic AMP - dependent protein
kinase activity in the rat locus coeruleus. Mol Pharmacol, 1988; 33(2):127-32.
23. Shah S, Kapoor S, Durkin B. Analgesic management of acute pain in the opioid-tolerant patient.
Curr Opin Anaesthesiol, 2015;28:398-402.
24. de Leon-Casasola O, Myers DP, Donaparthi S et al. A comparison of postoperative epidural analgesia
between patients with chronic cancer taking high doses of oral opioids versus opioid-naive patients.
Anesth Analg, 1993; 76:302-7.
25. Patanwala AE, Jarzyna DL, Miller MD et al. Comparison of opioid requirements and analgesic
response in opioid-tolerant versus opioid-naïve patients after total knee arthroplasty. Pharmaco-
therapy, 2008; 28:1453-60.
26. Huxtable CA, Roberts LJ, Somogyi AA et al. Acute pain management in opioid-tolerant patients: a
growing challenge. Anaesth Intensive Care, 2011; 39:804-23.
27. Angst MS, Clark JD. Opioid-induced hyperalgesia: a qualitative systematic review. Anesthesiology,
2006; 104:570-87.
28. Lee M, Silverman SM, Hansen H et al. A comprehensive review of opioid-induced hyperalgesia. Pain
Physician, 2011; 14:145-61.
29. de Leon-Casasola OA. Postoperative pain management in the opioid-tolerant patient. Reg Anesth.
1996; 21(6 Suppl):114-6.
30. Ryder SA, Stannard CF. Treatment of chronic pain: antidepressant, antiepileptic and antiarrhyth-
mic drugs. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain, 2005; 5:18-21.
31. Finnerup NB, Sindrup SH, Jensen TS. The evidence for pharmacological treatment of neuropathic
pain. Pain, 2010; 150:573-81.
32. Dahl JB, Kehlet H. Preventive analgesia. Curr Opin Anaesthesiol, 2011; 24:331-8.
33. Kudoh A, Katagai H, Takagawa T. Antidepressant treatment for chronic depressed patients should
not be discontinued prior to anesthesia. Can J Anesth, 2002; 49:132-6.
34. Maneuf YP, Gonzalez MI, Sutton KS et al. Cellular and molecular action of the putative GABA-
mimetic, gabapentin. Cell Mol Life Sci, 2003; 60:742-50.
35. Seib RK, Paul JE. Preoperative gabapentin for postoperative analgesia: a meta-analysis. Can J
Anesth, 2006; 53:461-9.
36. Sabatowski R, Galvez R, Cherry DA et al. Pregabalin reduces pain and improves sleep and mood
disturbances in patients with post-herpetic neuralgia: results of a randomized, placebo-controlled
clinical trial. Pain, 2004; 109:26-35.
37. American Society of Anesthesiologists Task Force on Acute Pain Management. Practice guidelines
for acute pain management in the perioperative setting. an updated report by the American Society
of Anesthesiologists Task Force on Acute Pain Management. Anestesiology, 2012; 116:248-73.
38. Joshi GP. Multimodal analgesia techniques and postoperative rehabilitation. Anesthesiol Clin North
America, 2005; 23:185-202.
39. Hadi H, Morley-Forster PK, Dain S et al. Brief review: perioperative management of the patient with
chronic non-cancer pain. Can J Anesth, 2006; 53:1190-9.
40. Peng PW, Tumber PS, Gourlay D. Review article: perioperative pain management of patients on
methadone therapy. Can J Anaesth, 2005; 52:513-23.
41. Wiermann EG, Diz MDPE, Caponero R et al. Brazilian cancer pain management consensus. Rev
Bras Oncol Clin. 2014; 10:132-43.
42. Guignard B, Coste C, Costes H et al. Supplementing desflurane-remifentanil anesthesia with small-
dose ketamine reduces perioperative opioid analgesic requirements. Anesth Analg, 2002; 95:103-8.

Analgesia Pós-Operatória no Paciente com Dor Crônica em Tratamento | 55


43. Macintyre PE, Ready LB. The opioid-dependent patient. In: Macintyre PE, Ready LB (Ed.). Acute
pain management: a practical guide. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders, 2001. p. 181-99.
44. de Leon-Casasola OA, Lema MJ. Epidural sufentanil for acute pain control in a patient with extreme
opioid dependency. Anesthesiolgy, 1992; 76:853-6.
45. de Leon-Casasola OA, Lema MJ. Epidural bupivacaine/sufentanil therapy for postoperative pain
control in patients tolerant to opioid and unresponsive to epidural bupivacaine/morphine. Anesthe-
siology, 1994; 80:303-9.

56 | Dor e Cuidados Paliativos


05
Capítulo

Dor Crônica Pós-Operatória


Gustavo Rodrigues Costa Lages
Érica Carla Lage de Oliveira
Joana Angélica Vaz de Melo

Introdução
A dor crônica pós-operatória (DCPO) é considerada uma prioridade em saúde.
Sua incidência é alta, variando de 10% a 50%1,2. Aproximadamente 10% a 20% dos
pacientes cirúrgicos intercorrem com DCPO moderada a intensa 12 meses após o
procedimento3, e seu tratamento, não raramente, é difícil e dispendioso, com custos
associados ao aumento do uso do serviço de saúde, bem como à redução da qualidade
de vida e da produtividade econômica. O número de procedimentos cirúrgicos reali-
zados anualmente é crescente e potencialmente enorme e o contingente de pacientes
referenciados ao médico especialista em dor devido à DCPO segue essa tendência4.
Por definição, DCPO é aquela que persiste por mais de dois meses após uma cirur-
gia e não estava presente antes do procedimento cirúrgico, que tem características
diferentes ou com aumento de intensidade comparada com a dor pré-operatória. É
preciso que a dor esteja localizada no sítio cirúrgico ou em área referida. Considerado
isso e excluídas outras causas para a dor sentida (por exemplo, recidiva ou progressão
de doença; infecciosa), o diagnóstico de DCPO pode ser firmado5,6.

Etiologia
Os mecanismos da DCPO são complexos e ainda malcompreendidos, mas envol-
vem fatores biopsicosociais7. Diferentes mecanismos podem ser responsáveis por
distintos quadros dolorosos, mesmo após o mesmo tipo de cirurgia. A DCPO pode
ser expressa como uma combinação de diferentes tipos clínicos de dor, como neuro-
pática, nociceptiva, referida, visceral ou mista. A mais comumente manifestada é a

Dor Crônica Pós-Operatória | 57


dor neuropática, resultado de lesão do sistema nervoso. Fatores neuropáticos ocorrem
em aproximadamente 30% dos pacientes com DCPO e a prevalência varia conforme
o tipo de cirurgia; por exemplo: maior em toracotomia ou mastectomia, menor após
artroplastias de joelho ou quadril. A dor neuropática precoce pode predizer DCPO
neuropática. A cirurgia deve ser encarada como uma lesão, na maioria dos casos,
realizada com indicação adequada e visando ao bem do paciente, mas, ainda assim,
uma lesão5. Considerando a lesão inicial como a responsável por iniciar as mudanças
no sistema nervoso, é provável que cirurgias subsequentes possam piorar a dor, pelo
mecanismo de sensibilização central. O processo de somação temporal do estímulo
doloroso (Wind-up) e a deficiência no sistema inibitório descendente, modulatório da
dor, são importantes na fisiopatologia2,8.

Fatores de risco e prevenção


São apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 – Fatores de risco para DCPO correlacionados com o período


Fatores de risco para DCPO
Pré-operatórios Intraoperatórios Pós-operatórios
1. Dor moderada/intensa, 1. Abordagem cirúrgica com 1. Dor aguda
com duração > 1 mês risco de lesão nervosa moderada/intensa
2. Reoperação 2. Radioterapia
3. Vulnerabilidade psíquica (p. ex.: sobreposta à área cirúrgica
catastrofização) 3. Quimioterapia neurotóxica
4. Ansiedade pré-operatória 4. Vulnerabilidade psicológica (p.
5. Sexo feminino ex.: neuroticismo)
6. Idade mais jovem 5. Depressão
7. Pior condição econômica 6. Ansiedade
8. Predisposição genética
9. Controle ineficiente da inibição
de estímulos nóxicos
(Adapado de Schug SA, Palmer GM, Scott DA, Halliwell R, Trinca J. Acute Pain Management: Scientific
Evidence. 4th ed. Melbourne: ANZCA & FPM, 20159)

Fatores clínicos predizem aproximadamente 70% do risco para a DCPO: o tipo de


cirurgia; a idade (pacientes mais jovens têm maior risco); a saúde física e mental; dor
pré-operatória (no sítio cirúrgico ou em outros locais); o uso de analgésicos no pré-
-operatório; a intensidade da dor aguda pós-operatória (PO); medo da cirurgia; falta
de otimismo; baixa qualidade de vida pré-operatória3; ansiedade e distúrbios do sono
(incluindo os casos em que estejam controlados à custa de medicamentos)10. O uso de
opioides no pré-operatório aumenta o risco relativo de DCPO de 2,0 (IC 95%, 1,2 a 3,3)11.
O tipo de cirurgia influencia tanto a incidência quanto a intensidade da DCPO. Nos
Estados Unidos, a incidência de DCPO é de 20% a 50% em casos de mastectomias, 6%
em cesarianas, 50% a 85% em amputações, 30% a 55% em cirurgias cardíacas, 5% a
35% em hernioplastias, 5% a 50% em colecistectomias, 12% em artroplastias totais de
quadril e 5% a 65% em toracotomias5. Procedimentos laparoscópicos e abordagens
minimamente invasivas podem estar associados à incidência semelhante ou levemen-

58 | Dor e Cuidados Paliativos


te menor de DCPO, apesar da expectativa de o fato de não haver retração das costelas
em cirurgias torácicas videoassistidas e menor risco de lesão de nervos intercostais.
A herniorrafia inguinal por vídeo parece reduzir o risco de DCPO. O tempo ci-
rúrgico (< 3 horas) e a experiência do cirurgião parecem ter importância. Assim,
mastologistas experientes conseguem preservar mais o nervo intercostobraquial du-
rante mastectomias. Ocorrem também diferenças na intensidade relatada da DCPO,
a depender do tipo de cirurgia, por exemplo. Nas artroplastias, a dor é maior que nas
cirurgias ginecológicas e viscerais5,12.
A suscetibilidade genética para o desenvolvimento de DCPO também é alvo de es-
tudos, mas ainda com resultados imprecisos7. Polimorfismo em nucleotídeo do gene
do receptor μ-opioide (OPRM1) foi associado a maior incidência de dor três meses
após prostatectomia e histerectomia. O gene mais bem estudado relacionado com a
dor é o catecol-O-metil-transferase (COMT), um candidato forte a ter impacto na dor
pós-operatória. Determinados genótipos da COMT podem relacionar maior risco de
DCPO, já demonstrado em estudo pós-mastectomia. Fatores genéticos relacionados
com a codificação de moléculas, como as interleucinas (pós-mastectomia), e de canais
de sódio específicos (SCN9A) podem ter influência12.
A dor pós-operatória é um importante determinante no desenvolvimento de DCPO,
particularmente a duração da dor de alta intensidade, ou seja, o tempo com dor não
aliviada em vez de um único pico de dor forte5.
Medicamentos que agem no sistema nervoso central (SNC) inibindo a liberação de
neurotransmissores ou bloqueando os receptores NMDA (drogas anti-hiperalgésicas),
como a cetamina e os gabapentinoides, têm sido avaliados no perioperatório. Essas
drogas, além de terem ação para o controle da dor aguda, teriam um impacto contra
a cronificação da dor6,13.
A cetamina tem ação anti-hiperalgésica pela ativação do sistema inibitório descen-
dente monoaminérgico e pelo antagonismo dos receptores NMDA. A infusão periope-
ratória de cetamina (em regimes variados próximos a bolus de 0,5 mg/kg seguido de
infusão contínua de 0,25 mg/kg/h, estendida do intraoperatório para 6 horas a 48
horas PO)6 tem produzido achados positivos, mas inconsistentes13,14.
Os gabapentinoides diminuem a sensibilização central, agindo na subunidade
alfa-2-delta do canal de cálcio, induzindo a liberação de neutransmissores15. O uso
perioperatório de pregabalina reduz o consumo de morfina, a intensidade da dor nas
primeiras 24 horas, PO e o risco de náuseas e vômitos16.
Uma primeira metanálise com o uso de pregabalina, em 2012, suportou a ideia de
que sua administração perioperatória era efetiva para reduzir a incidência de DCPO17.
No ano seguinte, uma revisão da Cochrane introduziu mais dois trabalhos, não endor-
sando o uso da pregabalina como efetivo para prevenção da DCPO13. Em 2015, uma
análise combinada de seis ensaios clínicos observou que os dados eram insuficientes
para se fazer qualquer conclusão sobre a eficácia da pregabalina em reduzir a DCPO16.
Nenhuma das três metanálises incluiu estudos relevantes não publicados, cujos re-
sultados podem ser encontrados em www.clinicaltrials15. Em 2016, Martinez e cols.15
publicaram uma metanálise com evidências colhidas em trabalhos publicados e não
publicados. A dose média foi de 150 mg de pregabalina por dia, iniciado no pré-ope-

Dor Crônica Pós-Operatória | 59


ratório e continuado por um período médio de cinco dias. Não houve diferença entre
pregabalina e o grupo controle em DCPO nos meses 3, 6 e 12 PO.
As evidências indicam que a eficácia da pregabalina se restringe a procedimentos
cirúrgicos associados a mecanismos pró-nociceptivos, como cirurgia de coluna, artro-
plastia e amputações15.
A Sociedade Americana de Dor (APS) recomenda o uso de pregabalina para pro-
cedimentos cirúrgicos associados a alto risco de dor18. Entretanto, efeitos adversos
são comuns a esse grupo de droga. Revisões sistemáticas prévias relatam aumento
de duas a três vezes no risco de sedação, risco 30% maior de tontura e de três a seis
vezes de ocorrerem distúrbios visuais15. Estudos recentes vêm criticando os benefí-
cios de incluírem os gabapentinoides em abordagens multimodais da dor e a relação
risco-benefício de seus usos. Além disso, a associação de gabapetina com tratamentos
multimodais que combinem infiltração intra-articular com analgésicos não opioides
para prótese de joelho não parece ser efetivo para aliviar a dor e para reduzir o con-
sumo de morfina, além de ser problemático quanto a efeitos adversos, sonolência e
tontura, entre outros19.
Com base na relação risco-benefício, os gabapentinoides não devem ser adminis-
trados sistematicamente para o controle da dor perioperatória20 e seus usos devem ser
abandonados em cirurgias menores. Não foi demonstrado benefício quanto à DCPO
e é questionável algum benefício quanto à redução da incidência de dor neuropática
crônica pós-operatória (DNCPO). Esse uso preventivo exporia um grande número de
pessoas a um risco de efeitos adversos, e o prejuízo relacionado com o tratamento
pode superar os benefícios15.
Os coxibes reduzem a dor e melhoram a função em pacientes com OA de joelho.
Como parte do mecanismo de ação está a interação com mecanismos de sensibiliza-
ção central, com potencial de redução de DCPO não comprovado21.
Uma revisão recente (Kremer et al., Neuroscience, 2016) ressalta que os antidepres-
sivos não se prezam para analgesia aguda, mas requer longo período para tratar a dor
neuropática. Teoricamente, eles poderiam melhorar o perfil de modulação da dor em
pacientes com dor crônica pré-operatória, como em pacientes com osteoartrite, com
um potencial impacto em DCPO, mas nenhum estudo ainda suporta essa hipótese8.
A anestesia regional pode reduzir o risco de DCPO em alguns pacientes. A anal-
gesia epidural previne a DCPO após seis meses em 25% dos pacientes submetidos à
toracotomia e ao bloqueio paravertebral e em 20% a 25% dos pacientes submetidos à
mastectomia para o tratamento de câncer de mama22.

Dor crônica pós-mastectomia


A síndrome da dor pós-mastectomia (SDPM) é uma síndrome de dor neuropática
crônica que pode ocorrer após procedimentos cirúrgicos relacionados com o câncer.
As analgesias protetivas, que utilizam medicações sistêmicas (anti-inflamatórios, ga-
bapentina, inibidores do receptor NMDA), e as locorregionais por meio dos bloqueios
com anestésicos locais e adjuvantes (infiltração de feridas, bloqueio paravertebral ou
peridural...), são recomendadas para alívio da dor perioperatória, mas ainda faltam
estudos prospectivos que demonstrem mais claramente seu benefício no controle da

60 | Dor e Cuidados Paliativos


SDPM. As variações entre os estudos quanto à aplicação e à duração da analgesia
preventiva limitam essa avaliação.
O bloqueio do plano serrátil fornece analgesia a todo o hemitórax, e tanto o blo-
queio do plano superficial quanto do profundo pode ser útil para analgesia por curtos
períodos de tempo no tratamento da SDPM. São necessários mais estudos para anali-
sar seu impacto a longo prazo23.
A reabilitação com fisioterapia é benéfica para restaurar a mobilidade articular e
para prevenir o encurtamento tendinoso, bem como para o fortalecimento da mus-
culatura do manguito rotador e para a liberação miofascial. Abordagem que envolve
alongamentos e exercícios ativos foi útil para o alívio da dor nesses pacientes24.

Dor crônica pós-toracotomia


É condição relativamente comum que aflige até 57% dos pacientes aos três meses
e 47% aos seis meses de pós-operatório. Da década de 1990 aos dias atuais, essa
incidência não diminuiu, apesar das melhorias no tratamento perioperatório25. A
dor pós-toracotomia surge de mecanismos nociceptivos e neuropáticos que podem
ser originários de aferentes somáticos e viscerais. A lesão do nervo intercostal é
provavelmente o fator de risco mais importante no desenvolvimento da SDPT26. A
dor neuropática é um achado em 20% a 35% dos pacientes com dor crônica após
uma cirurgia torácica27.
Na maioria dos casos, a dor é leve e pode apenas interferir ligeiramente nas ativi-
dades diárias. No entanto, em alguns pacientes, a dor pode ser forte e incapacitante.
A SDPT tem um grande impacto na função física, respiratória e na qualidade de vida
geral dos pacientes28.
Idealmente, o manejo de uma futura SDPT inicia-se no perioperatório, ao intervir
sobre fatores de risco modificáveis. Alguns estudos mostraram redução na dor crônica
após analgesia epidural perioperatória (anestésicos locais aumentam a biodisponibili-
dade dos opioides no líquido cefalorraquidiano, aumentam sua ligação com os recep-
tores μ e bloqueiam a liberação da substância P no corno dorsal da medula). Exemplo
de solução para infusão via epidural contínua é a da bupivacaína a 0,1-0,125% + fen-
tanil 2-5 μg/ml, a 0,1 ml/kg/h26. A analgesia peridural é efetiva para a redução da
incidência de SDPT (nível I, Cochrane)9.

Dor crônica pós-hernioplastia inguinal (síndrome da dor pós-


hernioplastia inguinal)
O reparo da hérnia inguinal é uma das cirurgias mais realizadas em todo
o mundo. A síndrome da dor pós-hernioplastia inguinal (SDPHI) é uma com-
plicação relativamente comum, cuja incidência pode chegar a 62,9%29. Um
quarto desses pacientes sofre de comprometimento intenso na realização de suas ati-
vidades diárias. Em uma pesquisa com 2.500 pacientes suecos, 30% relataram dor na
região inguinal dois a três anos após a cirurgia primária e 11% a 14% consideraram
que a dor era suficientemente grave para interferir nas atividades rotineiras. Outra
pesquisa, com 351 pacientes, identificou a idade como o fator de risco mais forte para

Dor Crônica Pós-Operatória | 61


o desenvolvimento de dor persistente pós-hernioplastia inguinal. A incidência de dor
persistente foi de 58% para menores de 40 anos e de 14% para maiores de 60 anos. A
atividade física e o tipo de emprego foram levantados como possíveis influenciadores
nessa diferença31.
Os nervos mais frequentemente implicados na etiologia da dor inguinal que per-
siste após reparo da hérnia incluem os nervos ilioinguinal, ílio-hipogástrico, genito-
femorais e cutâneo femoral lateral. Esses nervos originam-se do plexo lombar e pro-
porcionam inervação sensorial cutânea nas regiões da virilha e na região inguinal,
do quadril superior e das coxas. O nervo cutâneo femoral lateral é menos comumente
afetado, mas pode ser exposto durante a dissecção do ligamento inguinal e das fibras
laterais da aponeurose oblíqua interna. Os demais nervos são encontrados durante o
reparo da hérnia em cirurgias de vias abertas32.
Pela abordagem laparoscópica (possivelmente relacionada com menor risco de
DCPO) são encontrados os nervos cutâneo femoral lateral, o ramo femoral do nervo
genitofemoral, o ílio-hipogástrico e, potencialmente, o nervo femoral. Durante o repa-
ro laparoscópico, estão em risco o nervo ilioinguinal (lateral ao anel inguinal interno)
e o nervo genitofemoral (medial ao anel). O nervo ílio-hipogástrico é vulnerável a le-
sões durante a fixação da malha pela via laparoscópica. Menos comumente, os nervos
cutâneo femoral lateral e femoral são afetados32. A frequência de DCPO pode ser maior
após o reparo da hérnia por via aberta (abordagem anterior), em comparação com o
reparo da hérnia por via laparoscópica (ou seja, abordagem posterior)33.
A resposta a um bloqueio de nervo em pacientes com neuralgia pós-herniorrafia,
mesmo que passageira, indica que a dor é provavelmente de origem neuropática (blo-
queio teste positivo). E havendo resposta analgésica efêmera, mesmo após bloqueios
repetidos, pode-se cogitar a realização de neuroablação para o alívio permanente da
dor. Caso ainda seja insuficiente, outros procedimentos, como neurectomia ou neuró-
lise, podem ser tentados. A neurectomia tripla (ilioinguinal, ílio-hipogástrico e genito-
femoral) alivia permanentemente a dor na maioria dos pacientes (até 95%), mas com
perda de sensação inguinal.

Dor crônica pós-artroplastia (prótese) total de quadril (PTQ) e


joelho (PTJ)
Embora a maioria dos pacientes tenha alívio da dor após prótese articular, 20%
dos pacientes pós-PTJ e 10% pós-PTQ desenvolvem DCPO. Inflamação e estimulação
prolongadas dos nociceptores podem resultar em sensibilização primária, podendo
levar, eventualmente, à sensibilização de todo o SNC (sensibilização central), que se
traduz em hipersensibilidade difusa.
Pacientes com dor intensa pré-operatória têm maior risco de DCPO, e os pacientes
com dor moderada a intensa na primeira semana do pós-operatório apresentam risco
de 3 a 10 vezes de DCPO. Também apresentam risco aumentado aqueles que apresen-
tam múltiplas articulações acometidas pela osteoartrite (OA)8.
Um subgrupo específico de pacientes com OA caracterizado por dor intensa, mas baixa
gravidade radiológica, parece ser altamente sensível à dor. A identificação desses pacien-
tes e a formulação de um plano de cuidados perioperatórios especial são importante.

62 | Dor e Cuidados Paliativos


Tratamento
Uma intervenção multidimensional e multiprofissional é mais adequada e envolve
terapias comportamentais; reabilitação; bloqueios anestésicos e fármacos (anti-infla-
matórios, antidepressivos, gabapentinoides, esquemas de infusão de cetamina e de
anestésicos locais e opioides, estes, se necessário, por curto período), com o objetivo
de reduzir a sensibilização central. Um tratamento não farmacológico, de eficácia
variável, deve ser associado: TENS, crioanalgesia... Técnicas neuromodulatórias por
radiofrequência e estimulação elétrica medular podem ser necessárias.
O tratamento ideal também deve contemplar a educação dos pacientes e da equipe
médica sobre a DCPO. Não é incomum que pacientes acreditem que algo deu errado
durante a cirurgia ou que houve um erro médico. Pacientes que atribuem culpa por
sua dor crônica apresentam mais distúrbios comportamentais e angústia, uma res-
posta incipiente ao tratamento, e têm expectativas mais baixas a respeito do sucesso
de futuras abordagens terapêuticas34. Esclarecimentos a respeito da DCPO ajudariam
esses pacientes a enfrentar seu problema.
A DCPO, uma vez destrinchada, pode ser multifacetada e um desafio, assim
como em outras síndromes dolorosas crônicas. Além disso, as comorbidades tí-
picas de dor crônica quase sempre se desenvolvem, como distúrbio do sono ou
alterações de humor5 .
Medicamentos de primeira linha para dor neuropática (gabapentinoides, antide-
pressivos tricíclicos e antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina
e noradrenalina) são as drogas de escolha sempre que há um componente neuropáti-
co. Nos casos em que acompanham alodinia, lidocaína patch 5% pode ser usada como
medicação de segunda linha. A associação de antidepressivo com anticonvulsivante
pode ser necessária. O tramadol é um opioide de segunda linha por seus efeitos sobre
os neurotransmissores serotonina e noradrenalina. Outros opioides, especialmente os
fortes, podem ser usados, preferencialmente por curto intervalo, em casos rebeldes,
como medicação de terceira linha35.

Conclusão
É provável que a prevenção – se realmente possível – requeira uma intervenção
prolongada no pós-operatório, com uma combinação de drogas com diferentes meca-
nismos de ação que deveria ser continuada até que a resposta inflamatória periférica
e os estímulos aferentes tenham cessado. Ansiedade e dor pré-operatória devem ser
avaliadas e tratadas, embora, muitas vezes, não haja tempo hábil para tal controle.
O controle inadequado da dor PO se associa à DCPO, embora a relação causal seja
incerta. De toda forma, analgesia de qualidade deve ser oferecida por razões éticas e hu-
manitárias e para redução de morbidades relacionadas com o mal da dor controle PO36.
A prevenção permanece como peça-chave para diminuir o fardo da DCPO. Acom-
panhamento rigoroso no pós-operatório e controle precoce com especialista podem
beneficiar pacientes que apresentam os primeiros sinais de dor nova ou recorrente.
Um encaminhamento a um programa multidisciplinar de dor deve ser considerado
em pacientes selecionados.

Dor Crônica Pós-Operatória | 63


Para o futuro, espera-se que possamos identificar geneticamente pacientes com
maior risco para desenvolver DCPO e consigamos estudar, no pré-operatório, o esta-
do funcional do sistema nociceptivo, incluindo o sistema modulatório, possibilitando
planos de controle de dor perioperatória mais personalizados12.

Referências
1. Fletcher D, Stamer UM, Pogatzki-Zahn E et al. Chronic postsurgical pain in Europe: an observatio-
nal study. Eur J Anaesthesiol, 2015; 32: 725–34.
2. Martinez V, Baudic S, Fletcher D. Chronic postsurgical pain. Ann Fr Anesth Reanim, 2013; 32:
422–35.
3. Hoofwijk DM, Fiddelers AA, Peters ML et al. Prevalence and predictive factors of chronic postsur-
gical pain and poor global recovery 1 year after outpatient surgery. Clin J Pain, 2015; 31: 1017-25.
4. Bruce J, Quinlan J. Chronic post surgical pain. Rev Pain, 2011; 5: 23-9.
5. Macrae WA. Chronic post-surgical pain: 10 years on. Br J Anaesth, 2008; 101: 77–86.
6. Reddi D. Preventing chronic postoperative pain. Anaesthesia, 2016; 71(Suppl.1): 64-71.
7. Chapman CR, Vierck CJ. The transition of acute postoperative pain to chronic pain: an integrative
overview of research on mechanisms, J Pain, 2016; 18: 359.e1-359.e38.
8. Petersen KK, Arendt-Nielsen L. Chronic postoperative pain after joint replacement. IASP Pain Clin
Updates, 2016; 24: 1-6.
9. Schug SA, Palmer GM, Scott DA et al. Acute pain management: scientific evidence. 4.th ed. Melbour-
ne: ANZCA & FPM, 2015.
10. Althaus A, Hinrichs-Rocker A, Chapman R et al. Development of a risk index for the prediction of
chronic post-surgical pain. Eur J Pain, 2012; 16: 901–10.
11. VanDenKerkhof EG, Hopman WM, Goldstein DH et al. Impact of perioperative pain intensity, pain
qualities, and opioid use on chronic pain after surgery: a prospective cohort study. Reg Anesth Pain
Med, 2012; 37: 19–27.
12. Kehlet H, Edwards RR, Brennan T. Persistent postsurgical pain: pathogenics mechanisms and pre-
ventive strategies. In: Raja SN, Sommer CL. Pain 2014 Refresher Courses: 15th World Congress on
Pain. Washington: IASP PRESS, 2014. p. 113-24.
13. Chaparro LE, Smith SA, Moore RA et al. Pharmacotherapy for the prevention of chronic pain after
surgery in adults. Cochrane Database Syst Rev, 2013; CD008307.
14. McNicol ED, Schumann R, Haroutiunian S. A systematic review and meta-analysis of ketamine for
the prevention of persistent postsurgical pain. Acta Anaesthesiol Scand, 2014; 58: 1199–213.
15. Martinez V, Pichard X, Fletcher D. Perioperative pregabalin administration does not prevent chro-
nic postoperative pain: systematic review with a meta-analysis of randomized trials. Pain. 2017;
158: 775-83.
16. Mishriky BM, Waldron NH, Habib AS. Impact of pregabalin on acute and persistent postoperative
pain: a systematic review and meta-analysis. Br J Anaesth, 2015; 114: 10–31.
17. Clarke H, Bonin RP, Orser BA et al. The prevention of chronic postsurgical pain using gabapentin
and pregabalin: a combined systematic review and meta-analysis. Anesth Analg, 2012; 115: 428–42.
18. Chou R, Gordon DB, de Leon-Casasola AO et al. Management of postoperative pain: a clinical prac-
tice guideline from the American Pain Society, the American Society of Regional Anesthesia and
Pain Medicine, and the American Society of Anesthesiologists’ Committee on Regional Anesthesia,
Executive Committee, and Administrative Council. J Pain, 2016; 17: 131-57.
19. Lunn TH, Husted H, Laursen MB et al. Analgesic and sedative effects of perioperative gabapentin in
total knee arthroplasty: a randomized, double-blind, placebo-controlled dose-finding study. Pain,
2015; 156: 2438–48.
20. Dworkin RH, McDermott MP, Raja SN. Preventing chronic postsurgical pain: how much of a diffe-
rence makes a difference? Anesthesiology, 2010; 112: 516–18.

64 | Dor e Cuidados Paliativos


21. Arendt-Nielsen L, Egsgaard LL, Petersen KK. Evidence for a central mode of action for etoricoxib
(COX-2 inhibitor) in patients with painful knee osteoarthritis. Pain, 2016; 157: 1634–44.
22. Andreae MH, Andreae DA. Regional anaesthesia to prevent chronic pain after surgery: a cochrane
systematic review and meta-analysis. Br J Anaesth, 2013; 111: 711– 20.
23. Zocca JA, Chen GH, Puttanniah VG et al. Ultrasound-guided serratus plane block for treatment of
postmastectomy pain syndromes in breast cancer patients: a case series. Pain Pract, 2017; 17: 141-6.
24. De Groef A, Van Kampen M, Dieltjens E et al. Effectiveness of postoperative physical therapy for
upper-limb impairments after breast cancer treatment: a systematic review. Arch Phys Med Reha-
bil, 2015; 96: 1140-53.
25. Bayman EO, Brennan TJ. Incidence and severity of chronic pain at 3 and 6 months after thoraco-
tomy: meta-analysis. J Pain, 2014; 15: 887–97.
26. Wildgaard K, Ravn J, Kehlet H. Chronic postthoracotomy pain: a critical review of pathogenic me-
chanisms and strategies for prevention. Eur J Cardiothorac Surg, 2009; 36: 170-80.
27. Steegers MA, Snik DM, Verhagen AF et al. Only half of the chronic pain after thoracic surgery shows
a neuropathic component. J Pain, 2008; 9: 955-61.
28. Hersini KJ, Andreasen JJ, Gazerani P et al. Prevalence, characteristics and impact of the post-
-thoracotomy pain syndrome on quality of life: a cross-sectional study. J Pain Relief, 2015; 4: 1-7.
29. Hakeem A, Shanmugam V. Current trends in the diagnosis and management of postherniorraphy
chronic groin pain. World J Gastrointest Surg, 2011; 3: 73-81.
30. Fränneby U, Sandblom G, Nordin P et al. Risk factors for long-term pain after hernia surgery. Ann
Surg, 2006; 244: 212-9.
31. Poobalan AS, Bruce J, King PM et al. Chronic pain and quality of life following open inguinal hernia
repair. Br J Surg, 2001; 88: 1122-6.
32. Pokorny H, Klingler A, Schmid T et al. Recurrence and complications after laparoscopic versus
open inguinal hernia repair: results of a prospective randomized multicenter trial. Hernia, 2008;
12: 385-9.
33. O’Reilly EA, Burke JP, O’Connell PR. A meta-analysis of surgical morbidity and recurrence after
laparoscopic and open repair of primary unilateral inguinal hernia. Ann Surg, 2012; 255: 846-53.
34. DeGood DE, Kiernan B. Perception of fault in patients with chronic pain. Pain, 1996; 64: 153–9.
35. Colloca L, Ludman T, Bouhassira D et al. Neuropathic pain. Nat Rev Dis Primers, 2017; 16: 1-19.
36. Nikolajsen L. Perioperative interventions for the reduction of chronic postsurgical pain. Pain, 2017;
158: 769-70.

Dor Crônica Pós-Operatória | 65


06
Capítulo

Dor Crônica Pós-Operatória e


Influência da Técnica Anestésica
Mauro Pereira de Azevedo

Definição
A International Association for Study of Pain (IASP) define a dor como uma expe-
riência sensorial e emocional desagradável associada ao dano tecidual atual ou poten-
cial, ou descrito nos termos desse dano1. A dor pós-operatória ainda é vista como um
fato inevitável após a cirurgia por muitas populações, o que é um grande erro, muitas
vezes oriundo de conceitos errados propagados pela própria equipe médica. Ciente
deste fato e dos riscos relacionados com a presença de dor, tanto agudamente como
de modo crônico, a IASP declarou 2017 como o Ano Internacional contra a Dor após
Cirurgia2. A presença de dor pós-operatória é um dos principais fatores de risco para
o desenvolvimento de dor crônica pós-operatória. A ação da IASP foi difundida em
todas as suas regionais no mundo (no Brasil é representada pela Sociedade Brasileira
para o Estudo da Dor – SBED) e tem como objetivos:
• disseminar ao redor do mundo informações acerca da dor após cirurgia;
• educar pesquisadores em dor e profissionais de saúde que veem em primeira
mão pacientes com este tipo de dor quando interagem com os pacientes;
• aumentar a consciência da dor pós-operatória entre os administradores públi-
cos, membros da mídia e público em geral; e
• encorajar líderes governamentais, organizações de saúde e outros a apoiar po-
líticas que resultem em melhor manejo da dor pós-operatória.
Caracteristicamente, a dor pós-operatória tende a se resolver aos poucos após o
trauma cirúrgico, sendo mais intensa nas primeiras 48 horas (Figura 1). Alguns
pacientes, entretanto, podem ter um curso anormal de dor, apresentando dores lo-
calizadas nos dermátomos correspondentes à cirurgia por meses ou anos, ou a dor
pode aparecer após longos períodos sem sintomas. A dor pode, inclusive, ser loca-

Dor Crônica Pós-Operatória e Influência da Técnica Anestésica | 67


lizada em dermátomos não relacionados com o local da cirurgia. A presença dessa
dor caracteriza a Dor Crônica Pós-operatória (DCPO) ou Dor Persistente
Pós-operatória (DPPO), inicialmente definida pela IASP como a dor que se de-
senvolve depois de uma intervenção cirúrgica cuja duração é de pelo menos dois
meses, com outras causas de dor excluídas, em particular a dor por uma condição
precedente à cirurgia3. Muitos autores acreditam que a presença de uma caracte-
rística neuropática (queimação, choque, pontada) deve ser verificada na avaliação
clínica, apesar de essa característica não estar presente em todos os pacientes. A
DCPO pode ser severa o suficiente para interferir na qualidade de vida, no sono, na
produtividade, no relacionamento social, no humor e em outros aspectos da vida de
relação, levando ao isolamento do paciente.

Figura 1 – Representação esquemática da dor pós-operatória após cirurgia de grande porte em pacien-
tes com analgesia otimizada com opioide parenteral4

A dor pode se exacerbar após a cirurgia, mudar de característica ou de localização.


Porém, se a característica da dor não se modificou ou se persistiu e melhorou após a
cirurgia, ela não pode ser chamada de DCPO5.
Atualmente estudam-se critérios mais amplos para definir a DCPO, visto que é de di-
fícil caracterização, pois não é possível identificar o momento nem a causa da transição,
que é multifatorial. A proposta mais recente de definição de DCPO (Tabela 1) seria uma
revisão da anterior5 e aponta as seguintes características:
Tabela 1 – Critérios propostos para definição de DCPO
1. A dor se desenvolve após um procedimento cirúrgico ou aumenta de intensidade após o
procedimento cirúrgico.
2. A dor tem duração de pelo menos três a seis meses e afeta significativamente a qualida-
de de vida relacionada com a saúde.
3. A dor é tanto uma continuação da dor aguda pós-operatória como pode se desenvolver
após um período assintomático.
4. A dor pode ser localizada na área da cirurgia, projetada para o território inervado por
um nervo localizado na área da cirurgia, ou referida em um dermátomo (após cirurgia
em um tecido somático profundo ou visceral).
5. Outras causas de dor devem ser excluídas, como infecção ou evolução da malignidade
em cirurgia oncológica.

68 | Dor e Cuidados Paliativos


O estudo da DCPO é importante, pois ela ocorre mesmo em cirurgias menos com-
plexas e mais comuns, como herniorrafias e cesarianas; tem incidência alta, chegando
a mais de 50% dos pacientes em alguns tipos de cirurgia, como toracotomias; pode
estar associada a outras dores crônicas independentemente da cirurgia, e pode causar
incapacidade física, psicológica e social em uma grande proporção de pacientes.
Estima-se que mais de 300 milhões de procedimentos cirúrgicos sejam realizados
anualmente ao redor do mundo. Destes, 11,8% (IC 9,7% a 13,9%) vão sofrer de DCPO,
que pode ser severa em 2,2% dos pacientes, e em 30% (6% a 54%) existem sinais de
dor neuropática6.

Epidemiologia e fatores de risco


A incidência de dor pós-operatória ainda é elevada, especialmente a dor em mo-
vimento. Esse quadro exige cada vez mais a atenção do profissional, pois o risco de
efeitos adversos, entre eles a dor aguda e a DCPO, é muito grande. Estudos diversos
apontam essa alta incidência de dor, como o de Sommer e colaboradores7, que, ana-
lisando 1.490 pacientes cirúrgicos e com acompanhamento de analgesia pós-opera-
tória três vezes ao dia, desde a véspera da cirurgia até quarto dia de pós-operatório,
encontraram uma incidência de dor moderada ou severa de 41% no D0, 30% no D1 e
19%, 16% e 14% nos D2, D3 e D4, especialmente nos pacientes submetidos a cirurgia
de extremidades e de coluna.
Os pacientes pediátricos também são afetados pela dor pós-operatória. Um estudo
dinamarquês publicado em 20168 questionou 570 pacientes pediátricos sobre a ex-
periência de dor e seu manejo nas últimas 24 horas e mostrou que 37% das crianças
referiram dor nas últimas 24 horas, das quais 24% indicaram dor moderada a severa.
Quarenta e três por cento gostariam de uma intervenção para aliviar a dor. O procedi-
mento mais comum associado à dor foram procedimentos com agulhas.
Uma metanálise recente, que envolveu quatro estudos com 628 participantes em
diversos tipos de cirurgias, documentou uma prevalência de DCPO de 20% em 12
meses após a cirurgia9.
Uma grande proporção de procedimentos cirúrgicos é realizada em regime ambu-
latorial ou em internação de curta permanência, quando o paciente fica pouco tempo
em observação e o risco de dor após a alta se intensifica, pela falta de tempo em acom-
panhar o paciente. Isso também acontece em cirurgias com alta incidência de DCPO,
como herniorrafias e mastectomias, hoje realizadas em regime de internação curta.
O crescimento da incidência de dor causa aumento do número de atendimentos na
emergência em decorrência da dor, e, em consequência, aumento do índice de reinter-
nações pelo mesmo diagnóstico, onerando o sistema de saúde.
Sabe-se que um dos principais fatores para o desenvolvimento de DCPO é a presen-
ça de dor intensa no pós-operatório imediato; logo, é preciso que haja um protocolo
mínimo de atenção com o objetivo de:
1. identificar quais pacientes apresentam risco aumentado de dor pós-operatória
e DCPO;
2. proporcionar medidas preventivas aos pacientes em risco no intra, per e
pós-operatório; e

Dor Crônica Pós-Operatória e Influência da Técnica Anestésica | 69


3. antecipar a identificação dos pacientes com quadros álgicos de intensidade ou
evolução anormal, para abordagem precoce no sentido de evitar a evolução.
O anestesiologista tem um papel especial na identificação dos pacientes em risco de
desenvolvimento de DCPO, no uso de técnicas de anestesia e analgesia que promovam
proteção contra o desenvolvimento da DCPO e na detecção precoce e no tratamento
dos pacientes que vierem a desenvolver a patologia.
A IASP avalia que a incidência de DCPO se situa entre 20% e 50%10 após cirurgias
maiores e em cerca de 10% dos pacientes submetidos a cirurgias de menor complexi-
dade, como herniorrafias e cesariana.
O Colégio Australiano e Neozelandês de Anestesiologia publica regularmente um
estudo sobre Evidências em Tratamento da Dor Aguda. Sua última edição11, publicada
em 2015, aponta as seguintes incidências de DCPO (Tabela 2):
Tabela 2 – Incidência de dor crônica pós-operatória (tradução do autor)
Incidência estimada de dor crôni-
Tipo de cirurgia Incidência de dor crônica (%)
ca severa [> 5 em 10/10] (%)
Amputação 30-85 5-10
Toracotomia 5-65 10
Mastectomia 11-57 5-10
Hérnia inguinal 5-63 2-4
By pass coronário 30-50 5-10
Cesariana 6-55 4
Artroplastia de quadril 27 6
Artroplastia de joelho 44 15
Colecistectomia 3-50 Não estimado
Vasectomia 0-37 Não estimado
Cirurgia dentária 5-13 Não estimado

A prevalência da DCPO é maior nas cirurgias nas quais haja lesão de nervos, espe-
cialmente quando inevitável, como nas amputações, e, mais ainda, quando derivadas
de trauma.
Não se sabe quais são os fatores determinantes para a transformação ou evolução
da dor aguda em crônica após a cirurgia. Sabe-se, porém, que diversos fatores de risco
colaboram para essa transformação (ou evolução). Esses fatores de risco podem estar
relacionados com fatores pré-operatórios, intraoperatórios ou pós-operatórios (Tabela
3). Alguns desses fatores estão relacionados com o paciente; outros, com a cirurgia.
Em geral, esses fatores de risco não existem isoladamente, ou seja: a associação dos
fatores potencializa o risco de desenvolvimento de DCPO.
Uma revisão recente sobre os preditores de dor pós-operatória e consumo de anal-
gésicos encontrou que os principais fatores de risco para dor pós-operatória são a dor
pré-operatória, ansiedade, idade e o tipo de cirurgia12. Esses fatores também serão de-
terminantes no risco de desenvolvimento de DCPO. A avaliação do DNIC pode servir
para determinar os pacientes em risco para o desenvolvimento de DCPO.
A presença de estados dolorosos pré-operatórios se associa à maior dor pós-opera-
tória, o que inclui pacientes com fibromialgia, síndrome da bexiga dolorosa, síndrome

70 | Dor e Cuidados Paliativos


do intestino irritável, enxaqueca, entre outros. Esses pacientes podem ter predisposi-
ção genética ao desenvolvimento de DCPO, como visto em estudos com gêmeos mono-
zigóticos versus dizigóticos, que mostraram um componente hereditário para o risco
de desenvolvimento de dor persistente superior a 60%13. Fatores epigenéticos estão
sendo vistos como cada vez mais importantes na transição da dor aguda para crônica.
Esses fatores podem ser influenciados por aspectos ambientais (toxinas), medicamen-
tosos, nutricionais e estresse psicológico14.
Tabela 3 – Fatores de risco para DCPO10,11
Fatores pré-operatórios Dor de moderada a severa que perdura por mais de um mês
Cirurgia de repetição
Vulnerabilidade psicológica (por exemplo, catastrofização)
Ansiedade pré-operatória
Gênero feminino
Idade jovem (adultos)
Compensação no trabalho
Predisposição genética
diffuse noxious inhibitory control (DNIC) ineficiente
Fatores intraoperatórios Técnica cirúrgica com risco de lesão nervosa
O uso de óxido nitroso deve ser evitado
Fatores pós-operatórios Dor (aguda, moderada a severa)
Radioterapia na área
Quimioterapia neurotóxica
Depressão
Vulnerabilidade psicológica
Neuroticismo
Ansiedade
A dor tem de ser pensada em termos de um modelo biopsicossocial, do qual deriva
de interações complexas entre variáveis biológicas e psicológicas15. Não é possível ver
a dor pós-operatória como um evento distinto de toda a história clínica do paciente.
Devemos ser especialmente atentos aos pacientes em regimes medicamentosos com-
plexos (polifarmácia) para tratamentos de distúrbios psicológicos e psiquiátricos, além
dos pacientes em uso crônico de medicações analgésicas opioides. Os pacientes usuários
crônicos de opioides desenvolvem tolerância e necessitam de doses muito maiores para
tratamento da dor pós-operatória, com o risco de sucesso apenas parcial no alivio da
dor16. O uso de opioides ainda se relaciona com o desenvolvimento de hiperalgesia indu-
zida por eles, que é um fator que pode colaborar no desenvolvimento da DCPO17.
Atualmente, a questão da predisposição genética à dor com possibilidade de inter-
ferência tem ganhado muita evidência15. O fator também é importante porque somen-
te alguns pacientes sujeitos às mesmas condições desenvolvem DCPO.
As técnicas cirúrgicas com preservação de nervos, as minimamente invasivas e as
de menor duração estão associadas ao menor risco de DCPO.
A técnica anestésica também exerce influência sobre o risco de desenvolvimento de
DCPO, especialmente quando se usa a anestesia regional associada ou não à anestesia
geral. Outras abordagens também podem ser feitas no intraoperatório no sentido de
reduzir a inflamação sistêmica e o risco de DCPO, entre outros. Este tema será abordado
em seguida.

Dor Crônica Pós-Operatória e Influência da Técnica Anestésica | 71


Fisiopatologia
A fisiopatologia da transformação da dor aguda pós-operatória em dor crônica
ou persistente pós-operatória é muito complexa e ainda não totalmente elucidada. A
transição decorre de alterações funcionais e neuroplásticas em três processos: sen-
sibilização periférica, sensibilização central e modulação descendente18 (Figura 2).
Na periferia, a lesão induz a liberação de mediadores inflamatórios diversos (in-
flamação neurogênica) – prostaglandinas, citocinas, serotonina, bradicinina, íons H+,
entre outros) – que promovem a diminuição do limiar excitatório dos nociceptores
(específicos ou polimodais) e causam alodinia (percepção de dor com um estimulo
que normalmente não provoca dor) e/ou hiperalgesia (percepção aumentada da dor
com um estímulo que normalmente provoca dor). Ocorrem alterações na transdução
e na transmissão do impulso nervoso e disparos espontâneos dos nociceptores. Esses
fenômenos somados geram a sensibilização (neuroplasticidade) periférica1,18,19.

Figura 2 – Locais e mecanismos responsáveis pela dor neuropática


Crônica pós-operatória15 - (1) Células de Schwann desnervadas e infiltração de macrófagos distais ao
nervo lesado produzem substâncias químicas sistêmicas e locais que sinalizam a dor. (2) Neuroma no
local da lesão é a fonte de excitabilidade ectópica espontânea nas fibras sensitivas. (3) Alteração na
expressão de genes no gânglio da raiz dorsal alteram a excitabilidade, responsividade, transmissão e
sobrevivência dos neurônios sensoriais. (4) O corno dorsal é o local da atividade e da expressão genética
alterada, produção da sensibilização central, perda dos interneurônios inibitórios, ativação da micró-
glia, o que, juntos, amplificam o fluxo sensitivo. (5) Controle descendente do tronco cerebral modula
a transmissão na medula espinhal. (6) Sistema límbico e hipotálamo contribuem para alteração do
humor, comportamento e reflexos autonômicos. (7) A sensação de dor é gerada no córtex (experiências
passadas, influências culturais e expectativas convergem para determinar o que o paciente sente. (8)
Genoma do DNA predispõe (ou não) o paciente para dor crônica e afeta sua reação ao tratamento.

72 | Dor e Cuidados Paliativos


Neuroplasticidade significa remodelamento da citoarquitetura neuronal, a qual
ocorre após início da dor aguda persistente e leva à transição da dor aguda para um
estado crônico20.
Se o processo doloroso se resolver com a cicatrização normal, a sensibilização e a
facilitação da transmissão sináptica para o sistema nervoso central revertem para um
padrão de atividade normal20.
A persistência da atividade nóxica periférica gera alterações em nível central, em
que ocorrem alterações no corno dorsal da medula e centros superiores que causam
alteração na densidade dos canais iônicos e na densidade de receptores e neurotrans-
missores, que levam a um estado de sensibilidade aumentada. Há um aumento es-
pecial dos receptores AMPA e NMDA, sensíveis ao glutamato, que estão associados
aos fenômenos de wind-up e somação temporal nos neurônios centrais. A micróglia
(macrófagos centrais) é ativada na medula espinhal e produzem moléculas que agem
nos neurônios do corno dorsal produzindo hipersensibilidade à dor. A micróglia ati-
vada faz up-regulação da COX-2 (ciclo-oxigenase) para produzir prostaglandina E2 e
liberação de substâncias neuroativas (interleucina-1, interleucina-6 e TNF-α).
Acredita-se que a ativação maciça dos receptores NMDA pós-sinápticos nos inter-
neurônios na medula espinhal é excitotóxica, levando à destruição e desinibição das
vias da dor21.
A modulação da dor é um processo complexo que ocorre inicialmente no corno
dorsal da medula, para onde convergem sinapses excitatórias (glutamato), inibitórias
(GABAérgicas) e moduladoras, por meio de interneurônios, células da glia e tratos
descendentes inibitórios. Nesta região se iniciam os processos de wind-up e sensi-
bilização central. A dor também sofre modulação supraespinhal em vários centros,
como conexões tálamo-corticais, córtex somatossensorial, córtex cingulado anterior,
ínsula, córtex motor, córtex pré-frontal dorsolateral, córtex orbitofrontal, amígdala,
entre outros (pain matrix)22. Ocorre também ativação dos astrócitos e da micróglia23.
A inibição descendente é principalmente noradrenérgica, e a facilitação descendente é
principalmente serotoninérgica.
Inicialmente se pensou que a DCPO seria primariamente neuropática. Isto nem
sempre acontece, pois em alguns pacientes o componente nociceptivo (dor evocada
por estímulo) é mais pronunciado que o neuropático (alterações sensitivas), que pode
estar inexistente10, sugerindo que os dois componentes podem estar presentes de
forma distinta24. A característica neuropática ocorre em aproximadamente 30% dos
pacientes com DCPO, dependendo do tipo de instrumento utilizado para avaliação25.

Prevenção e tratamento
A prevenção do desenvolvimento da DCPO se inicia na identificação dos pacien-
tes com maior risco de desenvolvimento da patologia, observando-se os fatores de
risco envolvidos em cada caso particular. Especial atenção deve ser dada aos pa-
cientes com quadros álgicos pré-operatórios, que é o principal fator de risco para
desenvolvimento de DCPO, e naqueles usuários crônicos de opioides, pelo risco de
hiperalgesia induzida pelos opioides. Identificando-se os pacientes em risco, é pos-
sível a adoção precoce de medidas preventivas antes mesmo da cirurgia. Já foram

Dor Crônica Pós-Operatória e Influência da Técnica Anestésica | 73


propostos testes para identificar pacientes em risco para dor pós-operatória mais
intensa, maior risco de catastrofização e genes associados à dor, porém ainda sem
uso clinico definido15.
A avaliação pré-anestésica é fundamental para identificação desses pacientes e
para traçar estratégias para condução da anestesia e da analgesia pós-operatória.
Neste momento podemos identificar não só os fatores de risco, mas também podemos
aplicar instrumentos de avaliação da suscetibilidade à dor, como o questionário DN4
de avaliação da dor neuropática26, o Quantitative Sensory Testing (QST)27 ou avaliação
da competência do DNIC individual28. Esses testes não estão validados para tal finali-
dade, porém podem servir como indicadores úteis.
Em pacientes de alto risco com dor pré-operatória, a otimização da analgesia é um
fator importante, associada a uma abordagem dos aspectos psicossociais, frequente-
mente associados aos quadros de dor crônica. Em procedimentos com alta incidência
de dor pós-operatória e, por conseguinte, de DCPO, a administração de gabapentina
ou pregabalina no pré-operatório reduz a dor pós-operatória, o consumo de analgé-
sicos opioides e auxilia na redução da incidência de DCPO. Caso não seja possível
o uso dias antes da cirurgia, a administração no pré-operatório imediato, com sua
continuação no pós-operatório, é extremamente benéfica ao paciente em risco.
Medidas cirúrgicas também são fundamentais. Técnicas que preservam as estru-
turas nervosas, como as laparoscopias, reduzem a incidência de dor pós-operatória
quando comparadas à cirurgia aberta. Nas mastectomias, por exemplo, a preocupação
com a preservação do nervo intercostobraquial reduz a incidência de DCPO. Nas tora-
cotomias realizadas por via anterior, a lesão de nervos intercostais é menor, cursando
com menor incidência de DCPO.
No período peroperatório a anestesia tem papel fundamental na prevenção da
dor pós-operatória, especialmente no que tange à prevenção da neuroplasticidade
neuronal. Além da prevenção, o tratamento agressivo da dor pós-operatória, com a
abordagem preventiva e multimodal da analgesia, é essencial. A neuroplasticidade é
induzida por via nervosa e por via humoral. O uso de técnicas anestésicas regionais é
capaz de reduzir significativamente o influxo via nervosa ao SNC, desde a infiltração
local até os bloqueios centrais29. Esta seria uma medida preventiva fundamental nos
casos indicados, desde que utilizada a partir do período intraoperatório e por tempo
suficiente correspondente ao período inflamatório máximo no pós-operatório (pelo
menos 48 horas). Porém, ainda existem os fatores humorais, que podem ser preveni-
dos pela adoção de outras medidas farmacológicas18 como:
• antidepressivos;
• inibidores da COX-2;
• opioides;
• antagonistas NMDA – cetamina e/ou magnésio;
• gabapentoides – gabapentina ou pregabalina;
• α2 agonistas – clonidina ou dexmedetomidina;
• lidocaína em infusão venosa.
O objetivo do uso dessas drogas é proteger contra a hiperalgesia, a modulação da
resposta inflamatória decorrente do trauma, além do efeito poupador de opioides.

74 | Dor e Cuidados Paliativos


Esse efeito é benéfico tanto na redução da hiperalgesia quanto na facilitação da recu-
peração do paciente.
Os antidepressivos atuam na redução da sensibilização central e na modulação des-
cendente da dor. Atuam também no componente de ansiedade e depressão, presente
em 65% dos pacientes com dor crônica18. Apesar do uso consagrado dessas drogas no
tratamento de dores crônicas, não existem evidências para seu uso em dor aguda pós-
-operatória, não obstante seu potencial efeito benéfico30. Recentemente foi publicado
um estudo sobre o uso da duloxetina em modelo experimental de dor pós-incisional,
que demonstrou alta eficácia contra dor pós-operatória pelo bloqueio tônico e uso-de-
pendente dos canais de sódio31.
Os gabapentoides – gabapentina e pregabalina – também atuam na redução da sen-
sibilização central reduzindo a hiperexcitabilidade central bloqueando a subunidade
α2-δ do canal de cálcio neuronal no corno dorsal da medula, o que reduz a liberação
de neurotransmissores excitatórios como o glutamato, a noradrenalina, o CGRP (calci-
tonin-gene-related-peptide) e a substância P. Seu uso durante o período operatório me-
lhora a analgesia de opioides. A gabapentina é eficaz na melhoria da dor pós-operatória,
mesmo quando administrada em dose única em pacientes já com dor estabelecida32, o
que não é consistente em todos os estudos, alguns dos quais não mostram evidência
no tratamento da dor pós-operatória33. A mais recente revisão sistemática sobre o uso
da gabapentina em dor neuropática34, frequente na DCPO, mostrou sua eficácia para
redução da dor em neuralgia pós-herpética e por neuropatia diabética.
A vantagem da pregabalina sobre a gabapentina se dá pelo seu melhor perfil farma-
cocinético. Ela demonstra melhor efeito na redução do consumo de analgésicos e da
dor pós-operatória em cirurgias associadas aos mecanismos pró-nociceptivos, porém
sem efeito significativo na DCPO demonstrado em alguns estudos35. Uma revisão sis-
temática recente36 não encontrou nenhuma diferença na DCPO entre a pregabalina
e placebo em nenhum momento do estudo (3, 6 e 12 meses). A análise de subgrupos
(dose, tipo de administração, tipo de cirurgia e qualidade da publicação) também não
revelou diferenças na incidência de DCPO. No entanto, não existe uma consistência
na literatura, como esclarece uma revisão de Schmidt et cols. publicada em 201326. Os
problemas nas diferenças entre os estudos parecem ser metodológicos e em tamanhos
de amostras.
A cetamina tem importante papel na prevenção da neuroplasticidade central, ao
realizar um bloqueio inespecífico do canal do receptor NMDA (N-metil D-aspartato).
Ela também ativa o sistema inibitório descendente e age nos receptores opioides e
colinérgicos. O efeito da cetamina também é controverso. Moyse et cols. publicaram
uma revisão sistemática em 201737, na qual analisaram o uso da cetamina venosa
comparada com a peridural para prevenção da dor pós-toracotomia, uma das cirur-
gias com maior incidência de DCPO. A análise de 15 estudos mostrou que a maioria
avalia a dor aguda, que é reduzida pela droga, mas a evidência para benefícios no
longo prazo é limitada, independentemente da via de administração. Os autores citam
a heterogeneidade dos estudos como fator principal para a insuficiência da evidência.
A revisão de Chaparro et cols.38 demonstrou um pequeno efeito da cetamina na redu-
ção da DCPO, efeito que deve ser visto com cuidado, pois pode estar superestimado

Dor Crônica Pós-Operatória e Influência da Técnica Anestésica | 75


pelo pequeno tamanho da amostra dos estudos. Outros antagonistas NMDA já foram
estudados no tratamento da dor aguda com efeitos positivos, como o sulfato de mag-
nésio39, porém sem estudos aplicáveis no estudo da DCPO.
Os anti-inflamatórios agem não só na periferia, modulando a inflamação neu-
rogênica, como também no SNC, especialmente os inibidores da COX-2. Os estu-
dos, porém, não avaliam os efeitos no longo prazo na DCPO. Os corticosteroides
também reduzem a dor aguda, embora persista a mesma dúvida acerca dos efeitos
na DCPO.
Entre os α2 agonistas, a clonidina é a droga mais estudada no tratamento da dor.
A clonidina intensifica a modulação descendente da dor, entre outros efeitos. Ela é
capaz de reduzir o consumo de analgésicos no pós-operatório40, porém não é relatado
efeito definido na prevenção do tratamento da DCPO, apesar de ser uma das opções
no tratamento da dor neuropática.
Uma das opções mais recentes é a disseminação do uso da lidocaína venosa no
peroperatório, com efeitos positivos na redução da dor e consumo de anestésicos e
analgésicos durante a cirurgia e com efeito prolongado após o término do uso. Estu-
dos demonstram efeito na redução da DCPO pós-mastectomia41.
Tabela 4 – Sumário das medidas preventivas para DCPO
Sumário das medidas preventivas
· Identificação dos pacientes em risco
· Otimização da analgesia pré-operatória
· Apoio psicossocial e fisioterápico, quando indicado
· Abordagem medicamentosa preventiva
· Técnica cirúrgica com preservação de nervos
· Uso de anestesia regional, quando indicado
· Abordagem anestésica e analgésica preventiva e multimodal
· Uso de técnicas poupadoras de opioides
· Analgesia pós-operatória agressiva e por tempo adequado
· Mobilização precoce do paciente
· Detecção precoce dos pacientes desenvolvendo quadros álgicos prolongados ou atípicos
e encaminhamento rápido para clínicas especializadas

Recentemente foram propostas a criação de clínicas de dor especializadas para pa-


cientes com crônica pós-operatória ou sob risco, objetivando tratamento mais centra-
do. São braços das clínicas de dor aguda ou de dor crônica42,43. A demora no tratamen-
to adequado desses pacientes colabora para a perpetuação da dor e do afastamento do
indivíduo da sua vida social e profissional. É muito importante o manejo adequado e
precoce para redução da incapacidade funcional e social.

Perspectivas e conclusão
Não existe nenhuma medicação nem estudo de medicação para uso especifico
em DCPO. As melhores perspectivas estão voltadas para o uso de medicamentos
que atuem em processos específicos da reação inflamatória para prevenção da sua

76 | Dor e Cuidados Paliativos


ação nos nervos (como o fator neurotrófico derivado de linhagem de células da glia –
GNDF, que poderia prevenir alterações transcricionais nos neurônios sensitivos) ou
para prevenir ativação da glia, como a minociclina15 e outras substâncias em estudo.
O bloqueio de canais iônicos específicos também é estudado, assim como drogas
que aumentam a inibição descendente, como o uso de duloxetina. O uso de inibidores
do receptor de serotonina (5-HT3) tem sido estudado como medida eficaz para redu-
ção do drive facilitatório descendente no corno dorsal da medula20.
A anestesia regional prolongada continua a ser fator importante, cujo uso deve ser
intensificado e otimizado no pós-operatório, inclusive após a alta hospitalar.
Estudos mais aprofundados e com melhores desenhos são necessários para escla-
recimento da fisiopatologia, medidas preventivas e tratamento da patologia, tomando
como base o fator procedimento especifico e a necessidade de individualização da
terapia44. Nesse campo, a questão genética se revela importante, dada a grande varia-
bilidade das respostas individuais. Já se colocou a necessidade de coletar amostras
individuais de sangue e estocagem para futuros estudos genéticos24.
Em conclusão, a DCPO existe, mas é subestimada. Seu diagnóstico é complexo e
deve ser feito precocemente para possibilitar uma intervenção efetiva para prevenir a
incapacidade do paciente. Estudos com melhor desenho e com amostra adequada de-
vem ser realizados, especialmente visando a determinação dos fatores que possibili-
tam a evolução da dor aguda para crônica e sua persistência. Possivelmente a resposta
está na elucidação dos fatores genéticos envolvidos na fisiopatologia da dor.

Referências
1. International Association for the Study of Pain. IASP taxonomy: pain terms. Disponível em: https://
www.iasp-pain.org/Taxonomy#Pain.
2. International Association for the Study of Pain. 2017 global year against pain after surgery. Dis-
ponível em: https://www.iasp-pain.org/GlobalYear?navItemNumber=580. Acesso em: 27 set 2017.
3. WA M, HTO D. Chronic postsurgical pain. In: Crombie IK, Croft PR, Linton SJ et al. (Ed.). Epidemi-
ology of pain. Seattle: IASP Press; 1999. p. 125–42.
4. Brennan TJ. Pathophysiology of postoperative pain. Pain, 2011;152:S33-40.
5. Werner MU, Kongsgaard UE. I. Defining persistent post-surgical pain: is an update required? Br J
Anaesth, 2014: 113:1-4.
6. Steyaert A, Lavand’homme P. Acute and chronic neuropathic pain after surgery: still a lot to learn.
Eur J Anaesthesiol, 2017;34:650-1.
7. Sommer M, de Rijke JM, van Kleef M et al. The prevalence of postoperative pain in a sample of 1490
surgical inpatients. Eur J Anaesthesiol, 2008;25:267-74.
8. Walther-Larsen S, Pedersen MT, Friis SM et al. Pain prevalence in hospitalized children: a pro-
spective cross-sectional survey in four Danish university hospitals. Acta Anaesthesiol Scand,
2017;61:328-37.
9. Rabbitts JA, Fisher E, Rosenbloom BN et al. Prevalence and predictors of chronic postsurgical pain
in children: a systematic review and meta-analysis. J Pain, 2017;18:605-14.
10. Schug SA, Pogatzki-Zahn EM. Chronic pain after surgery or injury. Pain Clin Updates, 2011; 19:1-5.
11. Schug SA, Palmer GM, Scott DA et al. Acute pain management: scientific evidence, fourth edition,
2015. Med J Aust, 2016;204:315-7.
12. Ip HY, Abrishami A, Peng PW et al. Predictors of postoperative pain and analgesic consumption: a
qualitative systematic review. Anesthesiology, 2009;111:657-77.

Dor Crônica Pós-Operatória e Influência da Técnica Anestésica | 77


13. Lirk P, Fiegl H, Weber NC et al. Epigenetics in the perioperative period. Br J Pharmacol,
2015;172:2748-55.
14. Buchheit T, Van de Ven T, Shaw A. Epigenetics and the transition from acute to chronic pain. Pain
Med, 2012;13:1474-90.
15. Kehlet H, Jensen TS, Woolf CJ. Persistent postsurgical pain: risk factors and prevention. Lancet,
2006;367:1618-25.
16. Clark AJ, Spanswick CC. Why anesthesiologists need to care about the way chronic pain is managed.
Can J Anaesth, 2014;61:95-100.
17. Angst MS, Clark JD. Opioid-induced hyperalgesia: a qualitative systematic review. Anesthesiology,
2006;104:570-87.
18. McGreevy K, Bottros MM, Raja SN. Preventing chronic pain following acute pain: risk factors, pre-
ventive strategies, and their efficacy. Eur J Pain Suppl, 2011;5:365-72.
19. Kraychete DC, Sakata RK, Lannes Lde O et al. Dor crônica persistente pós-operatória: o que sabe-
mos sobre prevenção, fatores de risco e tratamento?. Rev Bras Anestesiol, 2016;66:505-12.
20. Voscopoulos C, Lema M. When does acute pain become chronic? Br J Anaesth, 2010;105:i69-85.
21. Katz J, Seltzer Z. Transition from acute to chronic postsurgical pain: risk factors and protective
factors. Expert Rev Neurother, 2009;9:723-44.
22. D’Mello R, Dickenson AH. Spinal cord mechanisms of pain. Br J Anaesth, 2008;101:8-16.
23. Ji RR, Berta T, Nedergaard M. Glia and pain: is chronic pain a gliopathy? Pain, 2013;154:S10-28.
24. Kehlet H, Rathmell JP. Persistent postsurgical pain: the path forward through better design of clini-
cal studies. Anesthesiology, 2010;112:514-5.
25. Haroutiunian S, Nikolajsen L, Finnerup NB et al. The neuropathic component in persistent postsur-
gical pain: a systematic literature review. Pain, 2013;154:95-102.
26. Beloeil H, Sion B, Rousseau C et al. Early postoperative neuropathic pain assessed by the DN4
score predicts an increased risk of persistent postsurgical neuropathic pain. Eur J Anaesthesiol,
2017;34:652-7.
27. Granot M. Can we predict persistent postoperative pain by testing preoperative experimental pain?
Curr Opin Anaesthesiol, 2009;22:425-30.
28. Yarnitsky D, Crispel Y, Eisenberg E et al. Prediction of chronic post-operative pain: pre-operative
DNIC testing identifies patients at risk. Pain, 2008;138:22-8.
29. Rivat C, Bollag L, Richebe P. Mechanisms of regional anaesthesia protection against hyperalgesia
and pain chronicization. Curr Opin Anaesthesiol, 2013;26:621-5.
30. Wong K, Phelan R, Kalso E et al. Antidepressant drugs for prevention of acute and chronic
postsurgical pain: early evidence and recommended future directions. Anesthesiology, 2014;
121:591-608.
31. Wang CF, Russell G, Wang SY et al. R-duloxetine and N-methyl duloxetine as novel analgesics
against experimental postincisional pain. Anesth Analg, 2016;122:719-29.
32. Straube S, Derry S, Moore RA et al. Single dose oral gabapentin for established acute postoperative
pain in adults. Cochrane Database Syst Rev, 2010:CD008183.
33. Fabritius ML, Geisler A, Petersen PL et al. Gabapentin for post-operative pain management - a
systematic review with meta-analyses and trial sequential analyses. Acta Anaesthesiol Scand,
2016;60:1188-208.
34. Wiffen PJ, Derry S, Bell RF et al. Gabapentin for chronic neuropathic pain in adults. Cochrane
Database Syst Rev, 2017;6:CD007938.
35. Eipe N, Penning J, Yazdi F et al. Perioperative use of pregabalin for acute pain-a systematic review
and meta-analysis. Pain, 2015;156:1284-300.
36. Martinez V, Pichard X, Fletcher D. Perioperative pregabalin administration does not prevent
chronic postoperative pain: systematic review with a meta-analysis of randomized trials. Pain,
2017;158:775-83.

78 | Dor e Cuidados Paliativos


37. Moyse DW, Kaye AD, Diaz JH et al. Perioperative ketamine administration for thoracotomy pain.
Pain Physician, 2017;20:173-84.
38. Chaparro LE, Smith SA, Moore RA eet al. Pharmacotherapy for the prevention of chronic pain after
surgery in adults. Cochrane Database Syst Rev, 2013:CD008307.
39. Oliveira Jr GS, Castro-Alves LJ, Khan JH et al. Perioperative systemic magnesium to mini-
mize postoperative pain: a meta-analysis of randomized controlled trials. Anesthesiology,
2013;119:178-90.
40. Sanchez Munoz MC, De Kock M, Forget P. What is the place of clonidine in anesthesia? Systematic
review and meta-analyses of randomized controlled trials. J Clin Anesth, 2017;38:140-53.
41. Dunn LK, Durieux ME. Perioperative use of intravenous lidocaine. Anesthesiology, 2017;126:729-37.
42. Tiippana E, Hamunen K, Heiskanen T et al. New approach for treatment of prolonged postoperative
pain: APS Out-Patient Clinic. Scand J Pain, 2016;12:19-24.
43. Katz J, Weinrib A, Fashler SR et al. The Toronto General Hospital Transitional Pain Service: devel-
opment and implementation of a multidisciplinary program to prevent chronic postsurgical pain. J
Pain Res, 2015;8:695-702.
44. Scholz J, Yaksh TL. Preclinical research on persistent postsurgical pain: what we don’t know, but
should start studying. Anesthesiology, 2010;112:511-3.

Dor Crônica Pós-Operatória e Influência da Técnica Anestésica | 79


07
Capítulo

Tratamento Farmacológico da
Dor Crônica
Paulo Renato Barreiros da Fonseca
Irimar de Paula Posso
Esther Alessandra Rocha

Introdução
A dor crônica é uma condição multifatorial com sintomas físicos e psicológicos que
afeta de 30% a 50% da população mundial. Sua incidência varia de acordo com inú-
meros fatores, como a metodologia do estudo e as características geográficas e econô-
micas, podendo variar em diferentes regiões de um mesmo país. No Brasil, um estudo
recente demonstrou que a prevalência da dor crônica foi significativamente diferente
nas diversas regiões, com 25% na região Centro-Oeste, 32% na região Nordeste, 42%
na região Norte, 44% na região Sudeste e 47% na região Sul1,2.
A dor crônica é geralmente descrita como uma dor persistente por pelo menos três
meses, porém, outros critérios apontam um mínimo de seis meses de dor para consi-
derá-la crônica. Há também critério mais flexível, que a descreve como uma dor que
se estende além do período esperado para a cura. O tratamento medicamentoso da
dor crônica deve levar em consideração se ela é nociceptiva, neuropática ou mista e
também se ela é uma dor oncológica ou não oncológica3.
Apesar de, nas últimas décadas, terem ocorrido avanços notáveis no manejo da
dor, a dor crônica continua a ser um sério problema, embora a abordagem baseada em
mecanismos e evidências tenha melhorado o resultado do tratamento farmacológico
de muitos tipos de dor crônica4.
Em pacientes com dor crônica de leve intensidade, o tratamento inicial deve ser
com monoterapia, porém, muitas vezes, nas doses indicadas, ocorrem efeitos adversos
que impedem que seja atingida a dose necessária para obter analgesia adequada. A
combinação de dois ou mais fármacos passa a ser a melhor estratégia terapêutica, pois

Tratamento Farmacológico da Dor Crônica | 81


os avanços na compreensão da fisiopatologia da dor evidenciaram que há diferentes
mecanismos, tanto periféricos quanto centrais, indicando que a farmacoterapia com-
binada ou multimodal, direcionada a múltiplos mecanismos simultaneamente, pode
propiciar melhor eficácia analgésica5,6.
A terapia antálgica multimodal, com associação de dois ou mais agentes, é indica-
da, pois o sinergismo existente entre os fármacos e as técnicas analgésicas permite
usar menor quantidade de analgésicos e adjuvantes, minimizando os efeitos adversos
e aumentando a atividade analgésica, pois o tratamento medicamentoso da dor crô-
nica pode ser acompanhado de muitos efeitos adversos. A terapia multimodal com
associação de fármacos permite o uso de doses menores, diminuindo a incidência de
efeitos indesejáveis que diminuem a adesão ao tratamento7.
O tratamento farmacológico da dor crônica é cada vez mais caracterizado pela
abordagem multimodal, que é mais equilibrada, com uso de doses menores dos
analgésicos não opioides paracetamol e dipirona, anti-inflamatórios não esteroidais
(AINEs) e anestésicos locais, associados ou não aos opioides e aos adjuvantes, como
antagonistas de N-metil-D-aspartato (NMDA), anticonvulsivantes, antidepressivos e
neurolépticos, entre outros, por via sistêmica ou local, melhorando o controle da dor
e minimizando os efeitos adversos induzidos pelos fármacos7.
A orientação terapêutica para facilitar a compreensão e a aplicação das técnicas de
avaliação e de tratamento da dor, a implementação da analgesia multimodal e a ado-
ção da escada analgésica, algoritmo extremamente objetivo e de fácil compreensão
proposto pela Organização Mundial de Saúde para o tratamento não invasivo da dor
oncológica, com algumas adequações, são adequadas como algoritmo para o trata-
mento da dor crônica não oncológica8.

Figura 1 – Escada analgésica

As diretrizes disponíveis para o tratamento da dor crônica não são universalmente


aceitas, pois, habitualmente, o manejo da dor é orientado pela tradição e experiên-
cia pessoal, mesmo porque a dor crônica comumente é associada a outros problemas
como depressão, distúrbios do sono e humor e ansiedade4.
Outro fator complicador no tratamento farmacológico da dor crônica é que al-
guns dos fármacos indicados para o controle da dor oncológica têm indicação muito
restrita no tratamento da dor não oncológica, como é o caso dos opioides, e ele se
aplica em relação ao tratamento de dores não oncológicas, pois fármacos que têm

82 | Dor e Cuidados Paliativos


ação efetiva no controle da dor nociceptiva não são eficazes na dor neuropática,
como é o caso dos AINEs9-12.
O controle da dor crônica pode ser dificultado pela falta de adesão, pelo potencial
de abuso ou dependência aos medicamentos usados e pelos efeitos colaterais adversos
de fármacos, porém, outros fatores podem influenciar a disposição dos medicamen-
tos, incluindo variação genética, o que pode complicar ainda mais o manejo desses
pacientes, pois o metabolismo e as respostas aos medicamentos são afetados por va-
riações genéticas de modo que a resposta terapêutica de alguns indivíduos pode ser
alterada para mais ou menos, causando resposta exagerada ou ineficiente, embora
a dose administrada esteja coerente com o peso, o sexo e a idade. Estudos genéti-
cos identificaram vários loci em que as alterações polimórficas podem influenciar a
farmacodinâmica e a cinética de analgésicos. O atual monitoramento do paciente no
gerenciamento de dor é realizado pela resposta clínica, embora possa se basear nos
níveis plasmáticos dos fármacos ou de seus metabólitos na urina9,13.
O impacto da dor neuropática nas atividades de vida diária é muito variável, assim
como a resposta ao tratamento farmacológico, de modo que, às vezes, o objetivo pri-
mário do tratamento é tornar a dor tolerável, pois o alívio total raramente é obtido.
Os fármacos usados para o alívio da dor neuropática apresentam eficácia moderada,
possibilitando a aquisição de 50% de alívio da dor em menos de um terço dos pacien-
tes. Alguns tratamentos apresentam melhores evidências que outros, pois propiciam
alívio significativo numa minoria de pacientes, muitas vezes não há como prever qual
o fármaco mais eficaz5,14.

Analgésicos Não Opioides

Dipirona
A dipirona possui propriedades analgésicas, antitérmicas, antiespasmódicas e
discreta atividade anti-inflamatória. Seu efeito analgésico é dose-dependente e rela-
cionado com a concentração plasmática de seus metabólitos 4-metilaminoantipirina
e 4-aminoantipirina. A dose indicada para obter analgesia é de 25 a 30 mg.kg-1 por via
venosa (EV) ou oral (VO) a cada seis horas, sendo aconselhada dose máxima diária
de 8 g.dia-1. A dipirona potencializa a analgesia dos AINEs e opioides, reduzindo seu
consumo, sendo indicada como um dos componentes da analgesia multimodal no tra-
tamento da dor crônica nociceptiva, mista e oncológica15,16.
Paracetamol
O paracetamol apresenta propriedades analgésicas e antitérmicas, porém, não exi-
be atividade anti-inflamatória. Potencializa a analgesia dos AINEs e opioides, redu-
zindo seu consumo, sendo indicado como um dos componentes da analgesia multimo-
dal no tratamento da dor crônica nociceptiva, mista e oncológica. É metabolizado pelo
sistema CYP 450 e pode gerar o metabólito tóxico N-acetil-p-benzoquinonaimina,
que normalmente é conjugado com a glutationa e excretado por via renal. Quando a
síntese desse metabólito é elevada por doses exageradas ou por causa de polimorfismo
da fração CYP 2D6, resultando em metabolização ultrarrápida e o processo de conju-

Tratamento Farmacológico da Dor Crônica | 83


gação é insuficiente, podem ocorrer perda da integridade da membrana mitocondrial
e apoptose celular com indução de aumento dos valores das transaminases hepáticas.
O paracetamol é a principal causa de insuficiência hepática aguda farmacológica; por
esse motivo, a posologia recomendada foi revisada, sendo indicada dose de 500 mg a
750 mg VO a cada seis horas, sendo recomenda dose máxima de 4 g.dia-1 17-19.
Anti-inflamatórios não hormonais
Os AINEs têm três efeitos farmacológicos: anti-inflamatório, analgésico e anti-
pirético. Agem pela inibição da biossíntese de prostaglandinas pela inibição da ati-
vidade da ciclo-oxigenase (COX) e a redução da concentração tecidual de citocinas
e outras substâncias pró-inflamatórias, contribuindo para atenuar a sensibilização
periférica e central. Todos os AINEs e os agentes inibidores da COX-2 parecem ser
igualmente eficazes no tratamento de distúrbios da dor. São úteis como analgésicos
isolados ou associados à dipirona, ao paracetamol, aos opioides e aos adjuvantes
em dor nociceptiva ou mista. Os AINEs potencializam a analgesia, diminuindo o
consumo de opioides. Os efeitos adversos gastrointestinais e renais têm sido tradi-
cionalmente considerados as complicações mais comuns e preocupantes dos AINEs,
porém, o risco cardiovascular tem sido causa de crescente preocupação. Apresen-
tam fenômeno de efeito-teto, ou seja, doses acima das preconizadas não aumentam
a analgesia, e sim elevam a incidência de efeitos adversos. Portanto, sua utilização
na dor crônica deve ser limitada a curtos períodos em razão de sua toxicidade com
o uso prolongado20-24.

Opioides
Os opioides são indicados de modo mais liberal para o tratamento da dor crônica
oncológica segundo a escada analgésica da OMS, porém, devem ser usados com par-
cimônia em pacientes portadores de dor crônica não oncológica. Para seu uso seguro
e efetivo, alguns princípios gerais devem ser respeitados:
• maximizar primeiro as estratégias analgésicas não opioides;
• informar os pacientes sobre os riscos, incluindo o vício, antes de iniciar a tera-
pia com opioides;
• usar termos de contrato para pacientes que iniciam a terapia com opioides ou
com doses crescentes de opioides;
• programar visitas de acompanhamento em intervalos curtos;
• realizar testes periódicos de urina para confirmar a aderência;
• monitorar a intensidade da dor e o comprometimento funcional relacionado com
a dor nos retornos, pois a resposta analgésica pode diminuir ao longo do tempo;
• evitar aumentos de dose sem avaliar a gravidade da dor e a interferência da dor
na vida diária;
• considerar o opioide como um tratamento empírico e suspendê-lo se o resulta-
do não for benéfico;
• considerar a rotação de opioides se houver suspeita de tolerância;
• não usar opioide em pacientes de alto risco para essa substância, particular-
mente aqueles com adição atual ou passada a drogas, incluindo álcool4.

84 | Dor e Cuidados Paliativos


No tratamento da dor crônica podem ser utilizados opioides de ação prolongada
ou preparações de liberação controlada. A maioria dos opioides tem perfil similar de
efeitos farmacodinâmicos como a morfina, no entanto, diferem na farmacocinética,
como meia-vida de eliminação, metabolismo, via de eliminação e potência analgésica
relativa. Entre os agonistas opioides puros, a metadona possui propriedades pecu-
liares, por apresentar efeito antagonista do receptor N-metil-D-aspartato intrínseco
(NMDA). O efeito antagonista no receptor N-metil-D-aspartato (NMDA) parece con-
ferir à metadona melhor atividade analgésica para a dor neuropática do que outros
opioides, porém, sua meia-vida longa e variável exige cautela por causa do risco de
acúmulo com toxicidade por overdose retardada25-27.
Embora o modo de ação do tramadol não esteja completamente elucidado, se aceita
que ele tem dupla atividade, pois um terço se dá a um mecanismo opioide e dois terços,
a um mecanismo semelhante à amitriptilina, podendo ser considerado um fármaco
multimodal a se levar em conta para estratégias de tratamento da dor crônica, como
osteoartrite e fibromialgia. Segundo ensaios controlados, o tramadol mostrou eficá-
cia para o tratamento da dor neuropática. Embora o grau de dependência física seja
relativamente brando, alguns pacientes relataram sintomas de dependência psíquica,
como o desejo de continuar usando o fármaco após a interrupção do tratamento. Têm
ocorrido casos de convulsão com uso de tramadol por causa da síndrome serotoninér-
gica, assim, seu uso em pacientes com história de convulsões e naqueles que usam an-
tidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina, inibidores
de monoaminaoxidase, medicamentos antipsicóticos ou outros opioides podem estar
relacionados com maior risco de convulsões. As doses diárias de tramadol não devem
exceder 400 mg28-31.
Os agonistas opioides fortes não têm uma dose de teto verdadeira para a anal-
gesia e não causam danos diretos aos órgãos. Com exceção da constipação, ocorre
tolerância para a maioria dos efeitos colaterais relacionados com os opioides. E para
determinar a resposta adequada de cada paciente aos opioides é necessária titulação
cuidadosa da dose, pois a sensibilidade aos efeitos adversos, o grau de analgesia e
o desenvolvimento da tolerância analgésica são extremamente variáveis entre os
pacientes com dor32.
Os chamados opioides fracos, como codeína e tramadol, são frequentemente usa-
dos em combinação com um analgésico não opioide ou com adjuvantes para tratar a
dor de intensidade moderada33.
A meperidina deve ser evitada por causa da potencial toxicidade caracterizada por
disforia, mioclonia, hiperreflexia e convulsões causadas pelo acúmulo do metabólito
normeperidina, especialmente em pacientes com insuficiência renal34.
A característica da terapia com opioides é a necessidade de individualizar o trata-
mento para cada paciente, pois a variabilidade pode ser intensa, não sendo incomum
o paciente informar que um opioide é mais efetivo do que outro ou que um paciente
incapaz de tolerar a morfina por causa de náuseas e vômitos possa usar a metadona
sem sentir os mesmos efeitos adversos. A seleção do opioide para o controle da dor
crônica deve se basear na experiência do prescritor e do paciente, de comorbidades,
como insuficiência renal e dificuldade para a ingestão do medicamento4.

Tratamento Farmacológico da Dor Crônica | 85


A terapia com opioides apresenta efeitos adversos como náuseas, constipação, so-
nolência, tontura e vômitos, levando vários pacientes a abandonarem o tratamento
por conta dos efeitos adversos. Podem ocorrer alterações endocrinológicas como hi-
pogonadismo, disfunção erétil e amenorreia fruto do uso prolongado. Também pode
haver prejuízo do desempenho neuropsicológico em relação aos tempos de reação,
velocidade psicomotora e memória funcional, embora uma revisão sistemática tenha
evidenciado que doses estáveis de opioides não prejudicaram o desempenho na con-
dução de veículos27,34-37.
Os fármacos de liberação controlada e de longa duração geralmente são indicados para
o tratamento de dor crônica ou persistente. Existem disponíveis formulações de morfina e
de oxicodona para uso oral e de fentanil e buprenorfina para a via transdérmica38-40.
Os pacientes idosos são mais propensos aos efeitos adversos dos opioides, mas eles
podem ser usados com segurança e eficácia se o esquema terapêutico for adaptado
às características clínicas e comorbidades de cada paciente, iniciando sempre com
dose baixa que deve ser titulada lentamente, dependendo da resposta analgésica e dos
efeitos adversos. A presença de efeitos adversos deve ser avaliada e tratada sistemati-
camente e deve ser instituído esquema profilático preventivo em pacientes com risco
de constipação4.41.

Antidepressivos
Aumentam a biodisponibilidade central de noradrenalina e serotonina por inibir
sua recaptação neuronal. A analgesia decorre principalmente da ativação de vias ini-
bitórias descendentes monoaminérgicas, sendo indicados em dor crônica oncológica
e não oncológica, incluindo dor neuropática, osteoarticular, pós-operatória crônica,
fibromialgia e neuralgia pós-herpética, entre outras42,43.
Antidepressivos tricíclicos (ADT)
Bloqueiam a recaptação da serotonina e noradrenalina, a hiperalgesia induzida
pelo agonista NMDA e os canais de sódio. A amitriptilina e a nortriptilina são os
mais utilizados. Deve ser usada dose inicial baixa com aumento gradual a cada 3-7
dias até a dose máxima de 150 mg em tomada única noturna. Os principais efei-
tos adversos são sonolência; tontura; hipotensão ortostática; bloqueio de condução
cardíaca; retenção urinária; constipação; xerostomia; visão turva; ganho de peso
e redução do limiar convulsivo, sendo contraindicados em pacientes com anorma-
lidade de condução ventricular; retenção urinária; glaucoma de ângulo fechado e
epilepsias não controladas44-46.
Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN)
Os IRSN ou antidepressivos duais, quando usados em doses mais baixas, atuam
predominantemente como inibidores seletivos da recaptação da serotonina e, em
doses mais altas, inibem a recaptação da noradrenalina, sendo considerados de pri-
meira linha para o tratamento da dor neuropática, mas também são indicados em
dor musculoesquelética e fibromialgia. Os fármacos mais usados são a duloxetina e a
venlafaxina. A dose inicial recomendada é 30 mg.dia-1 para a duloxetina e 37,5 mg.dia-1

86 | Dor e Cuidados Paliativos


para a venlafaxina. As doses devem ser tituladas gradualmente e a dose máxima su-
gerida é, respectivamente, 120 mg.dia-1 e 375 mg.dia-1 . Os principais efeitos adversos
relatados são náusea; sedação; constipação; xerostomia; diminuição do apetite; ansie-
dade; tontura; fadiga; insônia; disfunção sexual; hipertensão arterial e ataxia, sendo
contraindicados em pacientes portadores de glaucoma45,46.
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS)
Deste grupo destacam-se a paroxetina e o citalopram, que mostram alguma eficá-
cia no controle da dor neuropática45,46.

Anticonvulsivantes
Os gabapentinoides, a pregabalina e a gabapentina são os anticonvulsivantes mais
utilizados como adjuvantes. Eles têm melhor perfil de tolerância do que a carbama-
zepina e apresentam atividade anti-hiperálgica, antialodínica, ansiolítica, sedativa e
moduladora do sono, além de potencializar a analgesia, atenuar a tolerância induzida
por opioides e reduzir seu consumo. Atuam como ligantes à subunidade alfa-2-delta dos
canais de cálcio voltagem-dependentes pré-sinápticos, regulando a entrada de cálcio no
neurônio pré-sináptico e diminuindo a liberação de neurotransmissores excitatórios na
fenda sináptica. São bem tolerados e têm poucas interações farmacológicas. A gabapen-
tina não apresenta farmacocinética linear por causa da saturação na absorção, portan-
to, deve-se iniciá-la com doses baixas da ordem de 300 mg a 600 mg.dia-1 e aumentar
gradualmente, até 3.600 mg.dia-1, dividida em três tomadas diárias. A pregabalina apre-
senta farmacocinética linear, sendo a titulação mais fácil e rápida, podendo iniciar o
tratamento com dose eficaz da ordem de 75 mg duas a três vezes ao dia até atingir a dose
máxima preconizada, de 600 mg.dia-1. Os principais efeitos adversos são sonolência;
tontura; ganho de peso; vertigem; xerostomia e edema de membros inferiores47-50.
A carbamazepina é um anticonvulsivante cuja principal indicação é na neuralgia
do trigêmeo. Age bloqueando os canais de sódio voltagem-dependente, retardando
a recuperação iônica após a ativação e suprimindo a atividade espontânea sem blo-
quear a condução normal. Seus principais efeitos adversos são sonolência; náuseas;
vômitos; ataxia; diplopia; vertigens; alterações hepáticas; leucopenia e rush cutâneo.
A oxcarbazepina é um pró-fármaco rapidamente metabolizado a 10-mono-hidróxido
que exerce função farmacológica e parece ser mais segura e eficaz que a carbamazepi-
na, sendo considerada uma substância de primeira linha para nevralgia do trigêmeo
e do glossofaríngeo51.
A lamotrigina é indicada no tratamento da neuralgia do trigêmeo refratária. Age
bloqueando os canais de sódio voltagem-dependente e inibindo a liberação de glu-
tamato e aspartato. Seus principais efeitos adversos são eritema cutâneo, que pode
evoluir para síndrome de Stevens-Johnson52. O topiramato tem apresentado bons
resultados no tratamento da enxaqueca, mas seus efeitos ainda são conflitantes53.
Lidocaína venosa
A lidocaína por via venosa é eficaz nas síndromes dolorosas crônicas, inclusive na
dor neuropática. Atua inibindo os canais de sódio e potássio, o receptor NMDA e o

Tratamento Farmacológico da Dor Crônica | 87


transporte de glicina. A administração venosa deve iniciar com a dose de 1 a 2 mg.kg-1,
em 15 a 20 min, e se melhorar a dor, iniciar infusão contínua de 1 a 3 mg.kg.h, para
atingir o nível plasmático terapêutico, que é de 2 a 6 µg.mL-1. A infusão deve ser cau-
telosa, especialmente em pacientes com disfunção renal, hepática ou cardíaca, sendo
contraindicado para pacientes com hipersensibilidade a anestésico local do tipo ami-
na e portadores de síndrome de Stokes-Adams, Wolff-Parkinson-White ou bloqueio
sinoatrial, atrioventricular ou intraventricular. Os principais efeitos adversos são dor-
mência perioral e da língua, contrações musculares e crise convulsiva, causados pelo
nível plasmático elevado da lidocaína54-56.
Cetamina
A cetamina é um antagonista do receptor NMDA com atividade em receptores
opioides e na inibição da recaptação de dopamina e serotonina, que, em doses baixas,
tem ação analgésica e anti-hiperalgésica. A infusão venosa deve iniciar com 0,1 a 0,5
mg.kg.h-1, não ultrapassando de 600 a 700 mg em 24 horas. Por via oral, a dose varia
de 10 a 25 mg três a quatro vezes ao dia, pois a biotransformação enteral origina o
metabólito ativo, norcetamina, que aumenta a potência analgésica. É contraindicado
na gravidez e amamentação; hipertensão arterial; arritmias cardíacas; doença coro-
nariana; glaucoma; hipertensão intracraniana e trauma cerebral e em pacientes com
antecedentes de transtorno bipolar, esquizofrenia e psicoses57,58.
Analgésicos tópicos no tratamento da dor neuropática
Os analgésicos tópicos são fármacos aplicados sobre a pele que apresentam efeito
local e agem modulando os nociceptores periféricos. A grande vantagem diante dos
transdérmicos são a mínima absorção sistêmica e, consequentemente, menores efeitos
adversos. Os AINEs, os anestésicos locais e a capsaicina possuem efeito bem estabele-
cido no controle da dor por essa via, porém, outros fármacos, como os antidepressivos
tricíclicos, os antagonistas dos receptores NMDA e os antagonistas alfa-adrenorecep-
tores, têm sido propostos, mas os resultados ainda não estão bem comprovados59-69.

Conclusões
Não é fácil planejar uma terapia farmacológica efetiva para dor crônica. Neste ca-
pítulo, foram enfocadas as principais classes de medicamentos para o tratamento da
dor crônica e as combinações de fármacos indicadas para a analgesia multimodal,
com o objetivo de propiciar aumento do conhecimento sobre as opções farmacológicas
disponíveis para gerenciar os diferentes tipos de dor crônica.

Referências
1. Fayaz A, Croft P, Langford RM et al. Prevalence of chronic pain in the UK: a systematic review and
meta-analysis of population studies. BMJ Open, 2016;6:e010364.
2. Souza JB, Grossmann E, Perissinotti DMN et al. Prevalence of chronic pain, treatments, per-
ception, and interference on life activities: Brazilian population-Based survey. Pain Res Manag,
2017;2017:4643830.
3. Merskey H, Bogduk N (Ed.). Classification of chronic pain: descriptions of chronic pain syndromes
and definitions of pain terms. 2nd ed. Seattle, IASP Press,1994, Update 2002. Disponível em: https://

88 | Dor e Cuidados Paliativos


www.iasp-pain.org/files/Content/ContentFolders/Publications2/ FreeBooks/Classification-of-
-Chronic-Pain.pdf
4. Park HJ, Moon DE. Pharmacologic management of chronic pain. Korean J Pain, 2010;23:99-108.
5. Eisenberg E, Suzan E. Drug combinations in the treatment of neuropathic pain. Curr Pain Headache
Rep, 2014;18:463.
6. Moulin D, Boulanger A, Clark AJ et al. Pharmacological management of chronic neuropathic pain:
revised consensus statement from the Canadian Pain Society. Pain Res Manag, 2014;19:328-35.
7. DeLeo JA. Basic science of pain. J Bone Joint Surg Am, 2006;88 Suppl 2:58-62.
8. Posso IP, Miranda MM, Schalch E et al. Dor aguda pós-operatória. In: Posso IP, Grossmann E,
Fonseca PRB et al. Tratado de dor. Rio de Janeiro: Atheneu, 2017. p. 655-98.
9. Varrassi G, Müller-Schwefe G, Pergolizzi J et al. Pharmacological treatment of chronic pain - the
need for CHANGE. Curr Med Res Opin, 2010;26:1231-45.
10. Torrance N, Smith BH, Watson MC et al. Medication and treatment use in primary care patients
with chronic pain of predominantly neuropathic origin. Fam Pract, 2007;24:481-5.
11. Manchikanti L, Abdi S, Atluri S et al. American Society of Interventional Pain Physicians (ASIPP)
guidelines for responsible opioid prescribing in chronic non-cancer pain: Part I – evidence assess-
ment. Pain Physician, 2012;15(3 Suppl):s1-65.
12. Brown KR, Bruel BM, Bryce DA et al. American Society of Interventional Pain Physicians (ASIPP)
guidelines for responsible opioid prescribing in chronic non-cancer pain: Part 2-guidance. Pain
Physician, 2012;15(3 Suppl): S67-116.
13. Kapur BM, Lala PK, Shaw JL. Pharmacogenetics of chronic pain management. Clin Biochem,
2014;47:1169-87.
14. Mendlik MT, Uritsky TJ. Treatment of neuropathic pain. Curr Treat Options Neurol, 2015;17:50.
15. Levy M, Zylber-Katz E, Rosenkranz B. Clinical pharmacokinetics of dipyrone and its metabolites.
Clin Pharmacokinet, 1995;28:216-34.
16. Avellaneda C, Gómez A, Martos F et al. The effect of a single intravenous dose of metamizole 2g,
ketorolac 30 mg and propacetamol 1 g on haemodynamic parameters and postoperative pain after
heart surgery. Eur J Anaesthesiol, 2000;17:85-90.
17. Heard KJ. Acetylcysteine for acetaminophen poisoning. N Engl J Med, 2008;359:285-92.
18. Sharma C, Mehta V. Paracetamol: mechanisms and updates. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain,
2014;14:153-8.
19. Watkins PB, Kaplowitz N, Slattery JT et al. Aminotransferase elevations in healthy adults receiving
4 grams of acetaminophen daily: a randomized controlled trial. JAMA, 2006; 296:87-93.
20. Roelofs PD, Deyo RA, Koes BW et al. Nonsteroidal anti-inflammatory drugs for low back pain: an
updated Cochrane review. Spine.2008;33:1766-74.
21. Antman EM, Bennett JS, Daugherty A et al. Use of nonsteroidal antiinflammatory drugs: an
update for clinicians: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation,
2007;115:1634-42.
22. Elia N, Lysakowski C, Tramèr MR. Does multimodal analgesia with acetaminophen, non-steroidal
anti-inflammatory drugs, or selective cyclooxygenase-2 inhibitors and patient-controlled analgesia
morphine offer advantages over morphine alone? Meta-analysis of randomized trials. Anesthesio-
logy, 2005;103:1296-304.
23. Bjordal JM, Ljunggren AE, Klovning A et al. Non-steroidal anti-inflammatory drugs, including
cyclo-oxygenase-2 inhibitors, in osteoarthritic knee pain: meta-analysis of randomised placebo
controlled trials. BMJ, 2004; 329:1317.
24. Fendrick AM, Greenberg BP. A review of the benefits and risks of nonsteroidal anti-inflammatory
drugs in the management of mild-to-moderate osteoarthritis. Osteopath Med Prim Care, 2009; 3:1.
25. Lussier D, Pappagallo M. 10 most commonly asked questions about the use of opioids for chronic
pain. Neurologist, 2004;10:221-4

Tratamento Farmacológico da Dor Crônica | 89


26. Coluzzi F, Pappagallo M. Opioid therapy for chronic noncancer pain: practice guidelines for initia-
tion and maintenance of therapy. Minerva Anestesiol, 2005;71:425-33.
27. Fishbain DA, Cutler RB, Rosomoff HL et al. Are opioid-dependent/tolerant patients impaired in dri-
ving-related skills? A structured evidence-based review. J Pain Symptom Manage, 2003;25:559–77.
28. Bonezzi C, Allegri M, Demartini L et al. The pharmacological treatment of neuropathic pain. Eur J
Pain Suppl, 2009;3(s2):85-8.
29. McDiarmid T, Mackler L, Schneider DM. Clinical inquiries. What is the addiction risk associated
with tramadol? J Fam Pract, 2005;54:72-3.
30. Sansone RA, Sansone LA. Tramadol: seizures, serotonin syndrome, and coadministered antide-
pressants. Psychiatry (Edgmont), 2009;6:17-21.
31. Sindrup SH, Madsen C, Brosen K et al. The effect of tramadol in painful polyneuropathy in relation
to serum drug and metabolite levels. Clin Pharmacol Ther, 1999; 66:636-41.
32. Haythornthwaite JA, Menefee LA, Quatrano-Piacentini AL et al. Outcome of chronic opioid therapy
for non-cancer pain. J Pain Symptom Manage, 1998;15: 185-94.
33. Mercadante S, Radbruch L, Caraceni A et al. Episodic (breakthrough) pain: consensus conference
of an expert working group of the European Association for Palliative Care. Cancer, 2002;94:832-9.
34. Ballantyne JC, Mao J. Opioid therapy for chronic pain. N Engl J Med, 2003;349:1943-53.
35. Daniell HW. Hypogonadism in men consuming sustained-action oral opioids. J Pain. 2002;3:377-84.
36. Daniell HW. Opioid endocrinopathy in women consuming prescribed sustained-action opioids for
control of nonmalignant pain. J Pain, 2008;9:28-36.
37. Højsted J, Sjøgren P. An update on the role of opioids in the management of chronic pain of nonma-
lignant origin. Curr Opin Anaesthesiol, 2007;20:451-5.
38. Ahn JS, Lin J, Ogawa S et al. Transdermal buprenorphine and fentanyl patches in cancer pain: a
network systematic review. J Pain Res, 2017;10:1963-72.
39. Nosek K, Leppert W, Nosek H et al. A comparison of oral controlled-release morphine and oxycodo-
ne with transdermal formulations of buprenorphine and fentanyl in the treatment of severe pain in
cancer patients. Drug Des Devel Ther, 2017;11:2409-19.
40. Yoon DH, Bin SI, Chan SK et al. Effectiveness and tolerability of transdermal buprenorphine pa-
tches: a multicenter, prospective, open-label study in Asian patients with moderate to severe chronic
musculoskeletal pain. BMC Musculoskelet Disord, 2017; 18:337.
41. Pergolizzi J, Böger RH, Budd K et al. Opioids and the management of chronic severe pain in the
elderly: consensus statement of an International Expert Panel with focus on the six clinically most
often used World Health Organization Step III opioids (buprenorphine, fentanyl, hydromorphone,
methadone, morphine, oxycodone). Pain Pract, 2008;8:287-313.
42. Wong K, Phelan R, Kalso E et al. Antidepressant drugs for prevention of acute and chronic postsur-
gical pain: early evidence and recommended future directions. Anesthesiology, 2014;121:591-608.
43. Collins SL, Moore RA, McQuay HJ et al. Antidepressants and anticonvulsants for diabetic neu-
ropathy and postherpetic neuralgia: a quantitative systematic review. J Pain Symptom Manage,
2000;20:449-58.
44. Lawson K. A brief review of the pharmacology of amitriptyline and clinical outcomes in treating
fibromyalgia. Biomedicines, 2017;5. pii: E24.
45. Riediger C, Schuster T, Barlinn K et al. Adverse effects of antidepressants for chronic pain: a syste-
matic review and meta-analysis. Front Neurol, 2017;8:307.
46. Patetsos E, Horjales-Araujo E. Treating chronic pain with SSRIs: What do we know? Pain Res
Manag, 2016;2016:2020915.
47. Vargas-Espinosa ML, Sanmartí-García G, Vázquez-Delgado E et al. Antiepileptic drugs for the tre-
atment of neuropathic pain: a systematic review. Med Oral Patol Oral Cir Bucal, 2012;17:e786-93.
48. Gajraj NM. Pregabalin: its pharmacology and use in pain management. Anesth Analg,
2007;105:1805-1815.

90 | Dor e Cuidados Paliativos


49. Moore RA, Wiffen PJ, Derry S et al. Gabapentin for chronic neuropathic pain and fibromyalgia in
adults. Cochrane Database Syst Rev, 2011:CD007938.
50. Moore RA, Straube S, Wiffen PJ et al. Pregabalin for acute and chronic pain in adults. Cochrane
Database Syst Rev, 2009:CD007076.
51. Wiffen PJ, Derry S, Moore RA et al. Carbamazepine for acute and chronic pain in adults. Cochrane
Database Syst Rev, 2011:CD005451.
52. Wiffen PJ, Rees J. Lamotrigine for acute and chronic pain. Cochrane Database Syst Rev
2007:CD006044.
53. Silberstein SD, Lipton RB, Dodick DW et al. Efficacy and safety of topiramate for the treatment of
chronic migraine: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Headache, 2007; 47:170-80.
54. Deng Y, Luo L, Hu Yet al. Clinical practice guidelines for the management of neuropathic pain: a
systematic review. BMC Anesthesiol, 2016;16:12.
55. Souza MF, Kraychete DC. O efeito analgésico da lidocaína intravenosa no tratamento da dor crônica:
uma revisão da literatura. Rev Bras Reumatol, 2014;54:386-92.
56. Iacob E, Hagn EE, Sindt J et al. Tertiary care clinical experience with intravenous lidocaine infu-
sions for the treatment of chronic pain. Pain Med, 2017 Jul 28. (no prelo).
57. Richebé P, Rivat C, Rivalan B et al. Kétamine à faible dose: médicament antihyperalgésique, non
analgésique. Ann Fr Anesth Reanim, 2005;24:1349-59.
58. Jonkman K, Dahan A, van de Donk T et al. Ketamine for pain. F1000Res. 2017 Sep 20;6. pii: F1000
Faculty Rev-1711.
59. Campbell J. A mechanistic approach to the use of topical therapy to treat neuropathic pain. J Peri-
pher Nerv Syst, 2014; 19(Suppl 2):s10-11.
60. Heyneman CA, Lawless-Liday C, Wall GC. Oral versus topical NSAIDs in rheumatic diseases: a
comparison. Drugs, 2000;60:555-74.
61. Mason L, Moore RA, Derry S et al. Systematic review of topical capsaicin for the treatment of chro-
nic pain. BMJ, 2004;328:991.
62. Attal N, Bouhassira D. Pharmacotherapy of neuropathic pain: which drugs, which treatment algori-
thms? Pain, 2015;156(Suppl 1):s104-14.
63. Thompson DF, Brooks KG. Systematic review of topical amitriptyline for the treatment of neuropa-
thic pain. J Clin Pharm Ther, 2015 (No prelo).
64. Lynch ME, Clark AJ, Sawynok J et al. Topical 2% amitriptyline and 1% ketamine in neuropathic pain
syndromes: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Anesthesiology, 2005;103:140-6.
65. Kopsky DJ, Keppel Hesselink JM, Bhaskar A et al. Analgesic effects of topical ketamine. Minerva
Anestesiol, 2015; 81:440-9.
66. Dogrul A, Uzbay IT. Topical clonidine antinociception. Pain, 2004;111:385-91.
67. Derry S, Wiffen PJ, Kalso EA et al. Topical analgesics for acute and chronic pain in adults - an
overview of Cochrane Reviews. Cochrane Database Syst Rev, 2017;5:CD008609.
68. Baron R, Allegri M, Correa-Illanes G et al. The 5% lidocaine-medicated plaster: its inclusion in
international treatment guidelines for treating localized neuropathic pain, and clinical evidence
supporting its use. Pain Ther, 2016;5:149-69.
69. Sansone P, Passavanti MB, Fiorelli A et al. Efficacy of the topical 5% lidocaine medicated plaster in
the treatment of chronic post-thoracotomy neuropathic pain. Pain Manag, 2017;7:189-96.

Tratamento Farmacológico da Dor Crônica | 91


08
Capítulo

Tratamento Intervencionista da
Dor Crônica
André Marques Mansano
Breno José Santiago Bezerra de Lima
Karen Santos Braghiroli

Introdução
A terapia intervencionista baseia-se no conceito de que, para determinado tipo de
dor, existe uma base estrutural anatômica. O bloqueio neural altera ou interrompe o
estímulo nociceptivo proveniente de tal estrutura. Nos Estados Unidos, o tratamento
intervencionista da dor é definido como sendo a disciplina médica voltada ao diagnósti-
co e tratamento de doenças relacionadas com a dor, principalmente com a aplicação de
técnicas intervencionistas, para o controle de dores subagudas, crônicas, persistentes ou
intratáveis, independentemente ou em conjunto com outras modalidades de tratamento1.
No Brasil, ele ainda não é considerado uma especialidade e, em geral, anestesiologistas,
neurocirurgiões e ortopedistas especialistas em coluna são os profissionais que se dedi-
cam a essa área de atuação. Muitas sociedades no mundo e no Brasil têm colaborado nas
mais variadas formas para a difusão dessas técnicas entre os especialistas em dor. No
mundo, destaca-se o World Institute of Pain (WIP), fundado em 1993, e a American So-
ciety of Interventional Pain Physicians (ASIPP), criada cinco anos depois, nos Estados
Unidos. A Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) criou, em 2006, o Comitê
de Técnicas Minimamente Invasivas da Dor. Com o surgimento dessas organizações
associativas, um interesse cada vez maior tem atraído os profissionais para o treina-
mento nesse campo. Nos Estados Unidos, segundo dados da ASIPP, em 1997, foram
realizados 1.377.000 procedimentos intervencionistas em dor pela Medicare, o maior
seguro de saúde daquele país, enquanto, em 2006, foram realizados 4.610.360, um au-
mento de mais de três vezes em dez anos. O número de procedimentos realizados nos
Estados Unidos continuou a crescer, de modo que, em 2011, foram realizados 2.289.213

Tratamento Intervencionista da Dor Crônica | 93


bloqueios peridurais2, 1.811.573 bloqueios facetários3 e 252.654 infiltrações da articula-
ção sacroilíaca4. Os avanços em imagem, achados neuroanatômicos, as descobertas de
novos mediadores químicos, o surgimento de técnicas de bloqueio mais precisas e com
menores riscos e o sucesso terapêutico relatado a essas técnicas são também fatores que
contribuíram para esse aumento.
O tratamento intervencionista é considerado o quarto degrau no sistema de es-
cadas proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o controle da dor. A
abordagem invasiva deve ser instituída de forma interdisciplinar, em conjunto com o
fisioterapeuta, o psicólogo especialista em dor, uma equipe de enfermagem especia-
lizada e outros profissionais médicos e paramédicos, que vão depender das caracte-
rísticas individuais de cada serviço. A interação dessa equipe parece ser o principal
determinante para o sucesso do tratamento do paciente com dor crônica. Essa forma
de tratamento em equipe é chamada de modelo biopsicossocial e baseia-se no conceito
da dor total. Nesse modelo, uma análise de todos os aspectos do paciente é realizada,
não centralizando a terapia somente nas alterações de ordem física. Os aspectos emo-
cionais, socioculturais, familiares e financeiros, entre outros, também são avaliados.
O tipo de dor apresentado pelo paciente é importante para determinar onde e
quando os procedimentos invasivos poderão ser instituídos. Casos de dor oncológica
apresentam uma resposta muito boa ao tratamento medicamentoso, e apenas 15-20%
dos pacientes necessitam da terapia intervencionista. Por outro lado, apesar do avanço
da indústria farmacêutica com pesquisas e lançamentos de novos analgésicos, deter-
minados tipos de dor, como dores neuropáticas e dores crônicas de coluna, respondem
mal aos medicamentos, e uma grande parte desses pacientes evolui para procedimen-
tos invasivos. Outros aspectos avaliados pela equipe também são importantes para
selecionar quando instituir a terapia intervencionista. Pacientes com distúrbios afeti-
vo-emocionais devem ser vistos com reserva para esses procedimentos, assim como
pacientes com problemas trabalhistas. A atuação do psicólogo especialista em dor é
muito importante nesses casos para auxiliar na seleção correta dos pacientes.
A história da aplicação de técnicas intervencionistas no controle da dor data de
1901, quando injeções peridurais para tratamento de compressão de raízes lomba-
res foram relatadas5,6. Desde então, avanços aconteceram nas injeções peridurais, e
uma variedade de outras técnicas percutâneas foram descritas7,8. Atualmente, várias
dessas técnicas têm sido decisivas no diagnóstico e tratamento da dor. Os procedi-
mentos são realizados sob orientação radiológica. Isso visa aumentar a segurança e
eficácia, diminuindo, de forma considerável, a morbidade. Preferencialmente devem
ser realizados sob uma sedação leve, para que o paciente esteja apto a responder-nos
prontamente aos estímulos sensitivos e relatar quaisquer problemas, como uma dor
inesperada. A anestesia geral aumenta a morbidade do procedimento. No entanto, em
casos selecionados, como os dos portadores de comorbidades psiquiátricas, sequelas
neurológicas cognitivas ou nos que se recusam a permanecerem despertos e coopera-
tivos, a anestesia geral poderá ser instituída. O uso de bloqueadores neuromusculares,
nesses casos, deverá ser evitado para que as respostas motoras à estimulação sejam
utilizadas como parâmetro de localização de alvos. Um profissional diferente daquele
que está fazendo o procedimento deverá administrar a anestesia. As instalações ne-

94 | Dor e Cuidados Paliativos


cessárias para sua realização devem incluir uma sala cirúrgica com intensificador de
imagens, ultrassom e sala de recuperação anestésica.

Procedimentos Intervencionistas – Princípios Gerais


Bloqueios diagnósticos – são procedimentos realizados em estruturas especí-
ficas, com intenção de determinar fisiologicamente se tais estruturas são responsáveis
pela dor do paciente9. Associados a história, exame físico e exames de imagem, os
bloqueios diagnósticos auxiliam na determinação da causa da dor ou na identificação
de nervos mediadores da dor e de outros sintomas10. Eles são realizados através da
injeção de anestésico local na possível estrutura causadora da dor e/ou em nervos que
inervam essa estrutura, com o objetivo de interromper os impulsos sensoriais. Se isso
ocorrer, atribui-se que aquela estrutura é responsável pela manutenção do quadro
doloroso. A resposta ao bloqueio pode resultar em alívio completo ou parcial da dor,
permanente ou temporário, ou ausência de alívio.
Em relação aos bloqueios diagnósticos, devem-se considerar os resultados falso-
-positivos e falso-negativos da resposta do paciente. A resposta falso-positiva pode
ocorrer em razão do efeito placebo do procedimento, do realizar sedação excessiva, do
uso excessivo do anestésico local em determinada estrutura (ocorrendo dispersão da
solução para estruturas adjacentes). A resposta falso-negativa pode ocorrer por causa
do posicionamento inadequado da agulha, da incapacidade de detecção da injeção
intravascular e da baixa cognição do paciente.
O bloqueio sempre deve ser guiado por imagem, com auxílio de escopia e/ou ultras-
som e deve ser alvo-específico e com pouca quantidade de anestésico para melhorar a
acurácia e atingir o objetivo. O bloqueio guiado por imagens possibilita guiar a agulha
em direção à estrutura-alvo11-14, auxiliando na redução de resultados falso-negativos.
Cimentoplastias – são procedimentos percutâneos e minimamente invasivos
nos quais um cimento cirúrgico, o polimetilmetacrilato (PMMA), é injetado dentro
de ossos, com o objetivo primário de melhorar a dor e também estabilizar e promover
melhor reabilitação do paciente com fraturas vertebrais compressivas e metástases
na coluna vertebral. Algumas indicações são fraturas por compressão secundárias a
osteoporose, leucemias e mieloma múltiplo, metástases ósseas dolorosas e heman-
giomas vertebrais agressivos. Entre as contraindicações absolutas estão a presença
de coagulopatias, fraturas instáveis, fraturas com perda do muro posterior vertebral,
infecção sistêmica ou na coluna e alergia ao PMMA ou ao contraste15-18.
a) Vertebroplastia – descrita pela primeira vez em 1987 para tratamento de heman-
gioma cervical. Introdução de agulha dentro do corpo vertebral e injeção do PMMA
no seu interior19.
b) Cifoplastia – desenvolvida em 1998, nos Estados Unidos, por Mark Reiley, se
baseia na introdução de um balão no interior do corpo vertebral previamente à in-
jeção de PMMA, com o objetivo adicional de recuperar a altura do corpo vertebral e
restaurar o alinhamento da coluna (pois podem ocorrer deformidades como cifose em
algumas fraturas compressivas).
c) Femoroplastia – a primeira foi realizada em 2012 por Plancarte, no México20. É
a introdução de uma agulha de biópsia no fêmur, com o objetivo de injeção de PMMA

Tratamento Intervencionista da Dor Crônica | 95


para fortalecer a cabeça, o colo e o terço proximal do fêmur21. Têm sido desenvolvidas
outras técnicas de osteoplastias, como sacroplastias, umeroplastias, isquioplastias e
acetabuloplastias, muitas ainda sem publicação na literatura.
Dispositivos implantáveis – a via intraespinhal é utilizada para o controle de
dores persistentes e fortes, com o benefício da utilização de baixas doses de medica-
ção e, assim, com menos efeitos adversos. No espaço intratecal, os opioides e outros
analgésicos adjuvantes não encontram barreiras anatômicas, e a absorção vascular
das medicações é lenta, o que permite que os dispositivos implantáveis liberem uma
pequena quantidade de opioides, combinados ou não com adjuvantes, e que eles al-
cancem alta concentração no local do seu sítio de ação22,23.
O dispositivo implantável consiste em um reservatório colocado no subcutâneo
do paciente e conectado a um cateter tunelizado abaixo da pele e inserido no espaço
intratecal no nível desejado. Algumas indicações são dor crônica maligna ou não, re-
fratária à dose máxima de terapia medicamentosa ou limitada por causa dos efeitos
colaterais significativos, dor sem alívio com outros procedimentos ablativos e espasti-
cidade refratária24-26. Os dispositivos implantáveis possuem depósitos com diferentes
capacidades de volume de solução e a medicação é reabastecida por meio de injeção
percutânea. Há possibilidade de realizar diversas programações para administrar as
medicações. Para a titulação das medicações, devem-se compreender detalhadamente
os sintomas dos pacientes, o momento de início do tratamento, a frequência da titula-
ção das doses e a evolução regular da resposta do paciente ao tratamento, garantindo,
assim, melhor efeito terapêutico24,25,27.
Neuroestimulação – é o tratamento que passou por avanços significativos nos úl-
timos anos, incluindo evolução nos eletrodos, diferentes dispositivos e softwares, novas
formas de onda de estimulação. Grandes descobertas com a estimulação do gânglio da
raiz dorsal, estimulação de alta frequência, estimulação do tipo burst, eletrodos compa-
tíveis com ressonância magnética e novas plataformas de programação estão mudando
o campo da neuromodulação e possibilitando melhorias no tratamento.
O eletrodo de estimulação medular emite impulsos elétricos e, com base na teoria
do portão, estimula fibras A-beta largas mielinizadas na coluna dorsal e impede a
transmissão dos sinais dolorosos das fibras C para o córtex cerebral. Essa inter-
rupção dos sinais para o córtex cerebral provoca sensação de alívio e parestesia em
substituição à sensação de dor. A vantagem é ser uma terapia não farmacológica,
não destrutiva, reduzindo efeitos adversos com medicações. O sistema é reversível,
podendo ser retirado ou desligado sem provocar danos aos pacientes, e pode ser
programado de acordo com a intensidade, gravidade e localização da dor. Algumas
indicações mais comuns e estabelecidas na literatura são seu uso na síndrome pós-
-laminectomia, em dores radiculares, na síndrome de dor complexa regional, na
fibrose peridural e na aracnoidite. Algumas indicações mais recentes são seu uso no
tratamento de dor nas extremidades por causa da isquemia, em angina refratária,
cefaleia crônica refratária, na dor facial típica e atípica, em neuropatias pós-cirúr-
gicas (pós-herniorrafias, pós-toracotomias), em neuralgia pós-herpética, na dor ab-
dominal visceral, nas dores pélvico-perineais e na neuropatia periférica (diabética
ou metabólica)28-30.

96 | Dor e Cuidados Paliativos


O sucesso do tratamento consiste em “cobrir” a área de dor com o estímulo, o
esperado é a não ocorrência de parestesia ou que ela seja tolerada pelo paciente
e que não ocorra estimulação motora. A importância do conhecimento da eletro-
fisiologia afeta diretamente o sucesso do neuroestimulador – pelo conhecimento
de conceitos básicos de amplitude, largura de pulso e frequência de onda para a
programação dos eletrodos.
Técnicas neurolíticas – é uma injeção de substâncias neurolíticas (quimioneu-
rólise). A neurólise é utilizada no tratamento de dores crônicas, malignas ou não, com
aplicação em gânglios autonômicos da cadeia simpática e também no espaço peridu-
ral31. O tempo de duração é de aproximadamente três a seis meses32.
O álcool etílico é disponível em concentrações de 50-100%, é hipobárico em relação
ao liquor e sua injeção é dolorosa. O álcool dispersa-se rapidamente, e o contato com
o tecido nervoso leva à sua desidratação e precipitação das lipoproteínas das membra-
nas celulares. Alguns riscos com essa injeção são o desenvolvimento de neurite quí-
mica, a formação de neuromas e necrose tissular, com o desenvolvimento de cicatrizes
superficiais se a injeção ocorrer próximo à pele.
O fenol é um ácido aromático fraco, que provoca queimaduras ao entrar em contato
com a pele e pode ser utilizado na forma aquosa ou glicerinada (aumenta a viscosidade
da solução, levando ao maior controle da injeção). A injeção é não dolorosa, pouco
solúvel em água e hiperbárico em relação ao liquor. Em concentrações de 1-2%, ele
atua como um anestésico local de longa duração com propriedades anti-inflamató-
rias. Entre 3-5%, podem ocorrer sensação de queimação inicial, seguida por anestesia
completa das fibras amielínicas C, desnaturação de proteínas e desmielinização seg-
mentar de fibras A-delta. Em concentrações maiores de 5%, ocorrem neurólise verda-
deira, com degeneração walleriana e axonal, coagulação e precipitação de proteínas,
destruição de células de Schwann, afetando a lâmina basal, a vasculite focal e o edema
neurogênico. O fenol exerce uma ação dual: efeito imediato de anestésico local e efeito
a longo prazo de desnaturação de proteínas neurais, com pico em 2 semanas33. Rege-
neração neural pode ocorrer em 4 a 5 semanas.
Radiofrequência – o princípio da radiofrequência convencional consiste no
aquecimento dos tecidos, provocando destruição tecidual em formato elíptico, ao re-
dor e paralelo à área exposta da ponta ativa da agulha de RF. São utilizadas agulhas de
RF com pontas ativas que podem variar de 5-20 mm e são colocadas paralelamente ao
alvo desejado para amplificar a área de lesão. O probe de RF é introduzido por dentro
da agulha34.
Cada vez mais vem sendo utilizada a RF resfriada, que é uma RF convencional,
porém, o resfriamento interno do probe evita temperaturas excessivamente altas nos
tecidos e permite lesões maiores. A RF pulsada também tem seu espaço e consiste em
pulsos de corrente elétrica, mantendo a temperatura no tecido em níveis menos des-
trutivos, em torno de 42 graus, e não destrói a bainha de mielina igual à convencional.
Foi demonstrado que há um efeito seletivo nos nervos sensitivos enquanto poupa os
nervos motores35.
A RF geralmente é utilizada para denervação de nervos pequenos ou amielínicos
das facetas articulares da coluna, gânglio da raiz dorsal, periósteo, articulações, dis-

Tratamento Intervencionista da Dor Crônica | 97


cos intervertebrais, sistema simpático, nervo trigeminal. A RF convencional é con-
traindicada para nervos mielinizados e largos, pois a coagulação de proteínas pode
levar a anestesia dolorosa e formação de neuroma.
Toxina botulínica – além de seu uso para fins estéticos, a toxina botulínica
é utilizada com propósito clínico-terapêutico para tratar diversas doenças autonô-
micas e neuromusculares36. O mecanismo de ação da toxina é inibir a liberação da
acetilcolina dos terminais pré-sinápticos, resultando na redução da atividade da
fibra muscular. A toxina inibe a exocitose da acetilcolina dos terminais colinérgicos.
Ela é formada por uma dupla cadeia polipeptídica com peso molecular aproximado
de 150.000 daltons (d). A cadeia pesada de 100.000 daltons liga-se ao nervo e per-
mite a internalização da cadeia leve. A cadeia leve, de 50.000 daltons, está ligada à
pesada por uma ponte dissulfídica e é ela que inibe a liberação da vesícula sináptica
que contém o neurotransmissor no seu interior na junção neuromuscular37,38. Estu-
dos mostram que a toxina age bloqueando a exocitose de vesículas sinápticas car-
readoras de neurotransmissores e mediadores inflamatórios em nervos sensitivos
periféricos39. A ação analgésica da toxina também é atribuída a diversos mecanis-
mos, como inibição da liberação do peptídeo relacionado com o gene da calcitonina
(CGRP) nos terminais aferentes, inibição da liberação de substância P e inibição da
liberação de glutamato no corno posterior. Artigos recentes da literatura tentam
estabelecer o grau de evidência para seu uso em diversas condições dolorosas. A to-
xina mostrou-se efetiva no tratamento da neuralgia pós-herpética e neuralgia trige-
minal, provavelmente efetiva para neuralgia pós-traumática, neuropatia diabética e
com efetividade indeterminada para neuralgia occipital, dor fantasma e síndrome
de dor complexa regional40,41.

Procedimentos Intervencionistas – Indicações


• Radiofrequência convencional/Compressão percutânea por balão – neural-
gia trigeminal em que há falha do tratamento medicamentoso42,43.
• Bloqueio/Radiofrequência do gânglio esfenopalatino – cefaleia em salvas;
enxaqueca; neuralgia pós-herpética; dor facial idiopática persistente e neu-
ralgia esfenopalatina44.
• Neuroestimulação dos nervos occipitais – cefaleia em salvas e neuralgia
occipital 45,46.
• Bloqueio/Radiofrequência convencional do ramo médio do ramo dorsal –
dor de origem facetária cervical e lombar, assim como dor intratável por com-
pressão vertebral por fraturas malignas47-49.
• Corticosteroide por peridural cervical interlaminar – dor radicular cervical
de caráter subagudo50.
• Radiofrequência pulsada no gânglio da raiz dorsal cervical – dor radicular
cervical crônica51.
• Corticosteroide por peridural lombar transforaminal – dor radicular lombar
subagudo/crônico52.
• Radiofrequência pulsada no gânglio da raiz dorsal lombar – dor radicular
lombar de caráter crônico52.

98 | Dor e Cuidados Paliativos


• Radiofrequência resfriada dos ramos laterais de S1 a S3 – dor lombossacral
com etiologia na articulação sacroilíaca53.
• Radiofrequência convencional dos ramos comunicantes – dor discogêni-
ca lombar54 .
• Anuloplastias – dor discogênica (denervação da parte posterior do anel fibro-
so, por meio da aplicação de corrente de radiofrequência55.)
• Radiofrequência pulsada no gânglio da raiz dorsal de L2 – lombalgia de
etiologia discogênica56.
• Bloqueio peridural caudal – hérnia discal sem compressão de raiz nervosa;
hérnia discal com irritação de raiz nervosa; espondilolistese; coccidínia; este-
nose espinhal; contratura lombar57.
• Neuroplastia peridural caudal – síndrome pós-laminectomia; fibrose peri-
dural; radiculopatia lombar; estenose espinhal; hérnia discal; dor neuropáti-
ca radicular; neuropatia pós-radiação57.
• Cordotomia cervical – dor oncológica refratária unilateral, abaixo do der-
mátomo C5, com expectativa de vida máxima de um ano, que obtém alívio
insuficiente com o tratamento convencional58.
• Vertebroplastia/Cifoplastia – tratamento de colapso vertebral doloroso em
pacientes com osteoporose ou metástases ósseas58.
• Bloqueio/Radiofrequência convencional do gânglio estrelado – trata-
mento da dor no crânio, na face, no pescoço e nos membros superiores em
situações clínicas como: síndrome dolorosa regional complexa dos tipos
I e II; neuralgia pós-herpética; dor oncológica; neuropatia diabética; dor
do membro fantasma; angina pectoris intratável; herpes zóster agudo;
vasoespasmo; doença vascular embólica; doença e fenômeno de Raynaud
e escleroderma 59.
• Bloqueio/Radiofrequência convencional do simpático torácico – doenças
vasculares; neuralgia pós-herpética de tronco e membros superiores; dor on-
cológica e síndrome dolorosa regional complexa dos tipos I e II no tronco e
nos membros superiores55.
• Bloqueio/Neurólise de nervos intercostais – fratura de costela; contusão da
parede torácica; pleurite; esternotomias ou fraturas do esterno; dor oncológi-
ca; herpes zóster e neuralgia pós-herpética na região torácica55.
• Bloqueio/Radiofrequência convencional dos nervos esplâncnicos – síndro-
mes dolorosas envolvendo vísceras abdominais altas; pancreatite aguda ou
crônica e dor oncológica nas vísceras abdominais altas60.
• Bloqueio/Alcoolização do plexo celíaco – casos em que não há alívio da dor
com o bloqueio dos nervos esplâncnicos. Deve-se esse fato ao menor risco
de morbimortalidade e à possibilidade de se realizar radiofrequência nos
nervos esplâncnicos. Náuseas e vômitos incontroláveis podem ser indicação
para bloqueio do plexo celíaco, assim como dor oncológica proveniente do
pâncreas, estômago e duodeno55,60.
• Bloqueio/Radiofrequência convencional do simpático lombar – síndrome
dolorosa regional complexa do tipos I e II em membros inferiores; insuficiên-

Tratamento Intervencionista da Dor Crônica | 99


cia vascular nos membros inferiores; dor urogenital intratável; lombalgia; dor
fantasma e hiperidrose55.
• Bloqueio/Fenolização do plexo hipogástrico superior – dor pélvica de origem
oncológica (cólon descendente, reto, útero e colo uterino, vagina, ovários, be-
xiga, próstata, testículos, tenesmo pós-anastomose colorretal) e dor pélvica
de origem não oncológica (endometriose, dispareunia, prostatodínea, cistite
intersticial crônica, dor pélvica em geral)55.
• Bloqueio/Radiofrequência convencional do gânglio ímpar – coccigodínia;
proctalgia fugaz; enterite por radiação; dor de origem oncológica na região
perineal; dor de manutenção simpática perineal55.
• Neuroestimulação medular – síndrome pós-laminectomia; síndrome do-
lorosa regional complexa; neuralgia pós-herpética; polineuropatia diabé-
tica; dor fantasma; lesão traumática em plexos nervosos; angina pectoris
intratável; fenômeno de Raynaud; dor isquêmica nas extremidades e dor na
pancreatite crônica60.
• Bomba de infusão intratecal de fármacos – espasticidade e dor oncológica
refratárias ao tratamento convencional ou paciente com importantes efeitos
colaterais à medicação dispensada por outras vias de administração58.

Figura 1 – Bloqueio peridural caudal

Referências
1. Manchikanti L, Boswall MV, Singh V et al. Comprehensive evidence-based guidelines for interven-
tional techniques in the management of chronic spinal pain. Pain Physcian, 2009;12: 699-802.
2. Manchikanti L, Pampati V, Falco FJ et al. Assessment of the growth of epidural injections in the
medicare population from 2000 to 2011. Pain Physician, 2011;16: E349-64.
3. Manhikanti L, Pampati V, Singh V et al. Assessment of the escalating growth of facet joint interven-
tions in the medicare population in the United States from 2000 to 2011. Pain Physician, 2011;16:
E365-78.

100 | Dor e Cuidados Paliativos


4. Manchikanti L, Hansen H, Pampati V et al. Utilization and growth patterns of sacroiliac joint injec-
tions from 2000 to 2011 in the medicare population. Pain Physician, 2011;16: E379-90.
5. Cathelin MF. Mode dáction de cocaine injecté daus léscapte epidural par le procede du canal sacre.
Compt Rend Soc. Biol, 1901;53: 478-9. 
6. Sicard MA. Les injections medicamenteuse extra-duraqles par voie sacro-coccygiene. Compt Rend
Soc Biol, 1901;53: 396-8.
7. Caussade G, Queste P. Traitement de la neuralgie sciatique par la mèthode de Sicard. Rèsultats
favorables même dans les cars chroniques par la cocaine à doses êlevées et repetees à intervales
raproches. Bull Soc Med (Paris), 1909;28: 855-8.
8. Bonica JJ. The management of pain. 2nd ed. Philadelphia: Lea & Febiger, 1990.
9. Von Gaza W. Die Resektion der paravertebralen Nerven und die isolierte Durchschneidung des
Ramus communicans. Arch Klin Chir, 1924;133:479.
10. Curatolo M, Bogduk N. Diagnostic and therapeutic nerve blocks. In: Fishman SM, Ballantyne JC,
Rathmell JP. Bonica’s management of pain. 4th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2010. p.1401-23.
11. Barnsley L, Bogduk N. Medial branch blocks are specific for the diagnosis of cervical zygapophysial
joint pain. Reg Anesth 1993;18: 343-50.
12. Jochum D, Iohom G, Bouaziz H. Ultrasound guidance, a win-win approach to peripheral nerve blo-
ckade. Curr Opin Anaesthesiol, 2013; 26:600-4.
13. Koscielniak-Nielsen ZJ, Dahl JB. Ultrasound-guided peripheral nerve blockade of the upper extre-
mity. Curr Opin Anaesthesiol, 2012; 25:253-9.
14. Antonakakis JG, Ting PH, Sites B. Ultrasound-guided regional anesthesia for peripheral nerve blo-
cks: an evidence-based outcome review. Anesthesiol Clin, 2011; 29:179-91.
15. Peh W, Gilula G. Percutaneous vertebroplasty: indications, contraindications and technique. Br J
Radiol, 2003;76:69-75.
16. Roedel B, Clarecon F, Touraine S et al. Has to the percutaneous vertebroplasty a role to prevent
progression or local recurrence in spinal metastases of breast cancer? J Neuroradiol, 2015;4: 222-8.
17. Pflugmacher R, Taylor R, Agarwal A et al. Balloon kyphoplasty in the treatment of metastatic disea-
se of the spine: A 2-year prospective evaluation. Eur Spine J, 2008;17: 1042-8.
18. Berenson J, Pflugmacher R, Jarzem P et al. Balloon kyphoplasty versus non-surgical fracture ma-
nagement for treatment of painful vertebral body compression fractures in patients with cancer: a
multicenter, randomized controlled trial. Lancet Oncol, 2011;12: 225-35.
19. Cazzato R, Palussiere J, Buy X et al. Percutaneous long bone cementoplasty for palliation of malig-
nant lesions of the limbs: a systematic review. Cardiovasc Intervent Radiol, 2015;38: 1563-72.
20. Chejne Gomés F, Plancarte Sanchéz R, Guajardo Rosa J. Vertebroplastía: efectividad em metástasis
vertebrales. Cancerología, 2006;1:245-52.
21. Plancarte-Sanchez R, Guajardo-Rosas J, Cerezo-Camacho O. Femoroplasty: a new option for femur
metastasis. Pain Pract, 2013;13:409-15.
22. Plancarte R, Guajardo R, Hernández BC. Dolor óseo. En: Arrieta Gonzáles MC (Ed.). Manejo del
dolor y cuidados paliativos: un reto de Siglo XXI. Alfil Mexico: Prado, 2015.
23. Smith TJ, Coyne PJ, Staats OS et al. An implantable drug delivery system (IDDS) for refractory
cancer pain provides sustained pain control, less drug-related toxicity, and possibly better survival
compared with comprehensive medical management (CMM). Ann Oncol, 2005;16: 825-33.
24. Textor LH. CE: intrathecal pumps for managing cancer pain. Am J Nurs, 2016;116: 36-44.
25. Prager J, Deer T, Levy R et al. Best practices for intrathecal drug delivery for pain. Neuromodula-
tion, 2014;17: 354-72.
26. Deer T, Winkelmuller W, Erdine S et al. Intrathecal therapy for cancer and non-malignant pain:
patient selection and patient management. Neuromodulation, 1999;2: 55-66.
27. Williams JE, Louw G, Towlerton G. Intrathecal pumps for giving opioids in chronic pain: a sistema-
tic review. Health Technol Assess, 2000;4: iii-iv, 1-65.

Tratamento Intervencionista da Dor Crônica | 101


28. Bottros MM, Christo PJ. Current perspectives on intrathecal drug delivery. J Pain Res, 2014;7:
615-26.
29. Kumar K, Toth C, Nath RK et al. Epidural spinal cord stimulation for treatment of chronic pain -
some predictors of success. A 15-year experience. Surg Neurol, 1998;50: 110-21.
30. Hunter C, Davé N, Diwan S et al. Neuromodulation of pelvic visceral pain: review of the literature
and case series of potential novel targets for treatment. Pain Pract, 2013;13: 3-17.
31. Kapural L, Deer T, Yakovlev A et al. Technical aspects of spinal cord stimulation for managing chro-
nic visceral abdominal pain: the results from the national survey. Pain Med, 2010;11: 685-91.
32. Christo PJ, Mazloomdoost D. Interventional pain treatments for cancer pain. Ann N Y Acad Sci,
2008;1138: 299-328.
33. Koyyalagunta D, Burton AW. The role of chemical neurolysis in cancer pain. Curr Pain Headache
Rep, 2010;14: 261-7.
34. Jackson TP, Gaeta R. Neurolytic blocks revisited. Curr Pain Headache Rep, 2008; 12: 7-13.
35. Golovac S. Radiofrequency neurolysis. Neuroimaging Clin N Am, 2010;20: 203-14.
36. Van Zundert J, Raj P, Erdine S et al. Application of radiofrequency treatment in practical pain ma-
nagement: state of the art. Pain Pract, 2002;2:268-78.
37. Matak I, Lackovic Z. Botulinum toxin A, brain and pain. Prog Neurobiol, 2014; 119-120: 39-59.
38. Freund B, Schwartz M. Temporal relationship of muscle weakness and pain reduction in subjects
treated with botulinum toxin A. J Pain, 2003;4:159-65.
39. Argoff CE. A focused review on the use of botulinum toxins for neuropathic pain. Clin J Pain,
2002;18: S177-81.
40. Pellizzari R, Rossetto O, Schiavo G et al. Tetanus and botulinum neurotoxins: mechanism of action
and therapeutic uses. Philos Trans R Soc Lond. B Biol Sci, 1999; 354: 259-68.
41. Pellett S, Yaksh TL, Ramachandran R. Current status and future directions of botulinum neuroto-
xins for targeting pain processing. Toxins, 2015;7: 4519-63.
42. van Kleef M, van Genderen WE, Narouze S et al. Trigeminal neuralgia. In: van Zundert J, Patijn
J, Hartrick CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses.
Oxford: Wiley-Blackwell, 2012. p. 1-7.
43. Mullan S, Lichtor T. Percutaneous microcompression of the trigeminal ganglion for trigeminal neu-
ralgia. J Neurosurg, 1983;59:1007-12.
44. Raj PP, Erdine S. Interventional pain procedures in the head. In: Raj PP, Erdine S. Pain-relieving
procedures the illustrated guide. Oxford: Wiley-Blackwell, 2012. p. 130-165.
45. van Kleef M, Lataster A, Narouze S et al. Cluster headache. In: van Zundert J, Patijn J, Hartrick CT
et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford: Wiley-
-Blackwell, 2012. p. 8-13.
46. Vanelderen P, Lataster A, Levy R et al. Occipital Neuralgia. In: van Zundert J, Patijn J, Hartrick CT
et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford: Wiley-
-Blackwell, 2012. p. 49-53.
47. Portenoy RK, Copenhaver DJ. Cancer pain management: interventional therapies. UpToDate [onli-
ne], 2017. p:1-17. Disponível em: http://www.uptodate.com/online. Acesso em: 08 maio 2017.
48. van Eerd M, Patijn J, Lataster A et al. Cervical facet pain. In: van Zundert J, Patijn J, Hartrick CT
et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford: Wiley-
-Blackwell, 2012. p. 31-39.
49. van Kleef M, Vanelderen P, Cohen SP et al. Pain originating from the lumbar facet joints. In: van
Zundert J, Patijn J, Hartrick CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clini-
cal diagnoses. Oxford: Wiley-Blackwell, 2012. p. 87-95.
50. Van Zundert J, Huntoon M, Patijn J et al. Cervical radicular pain. In: van Zundert J, Patijn J, Har-
trick CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford:
Wiley-Blackwell, 2012. p. 18-30.

102 | Dor e Cuidados Paliativos


51. Van Boxem K, Cheng J, Patijn J et al. Lumbosacral radicular pain. In: van Zundert J, Patijn J, Har-
trick CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford:
Wiley-Blackwell, 2012. p. 71-86.
52. Vanelderen P, Szadek K, Cohen SP et al. Sacroiliac joint pain. In: van Zundert J, Patijn J, Hartrick
CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford: Wiley-
-Blackwell, 2012. p. 96-102.
53. Kallewaard JW, Terheggen MAMB, Groen GJ et al. Discogenic low back pain. In: van Zundert J, Pa-
tijn J, Hartrick CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses.
Oxford: Wiley-Blackwell, 2012. p. 107-122.
54. Assis FD, Oliveira CA, Cuartas LAM et al. Tratamento intervencionista da dor. In: Cangiani LM,
Carmona MJC, Torres MLA et al. Ed.). Tratado de anestesiologia SAESP. 8ª ed. Rio de Janeiro:
Atheneu, 2017. p. 2105-64.
55. Assis FD, Amaral C, Tucci C et al. Uso terapêutico da radiofrequência pulsátil no gânglio dorsal da
raiz de L2 na lombalgia discogênica. Coluna/Columna, 2009;8:139-42.
56. Raj PP, Erdine S. Interventinal pain procedures in the pelvic and sacral regions. In: Raj PP, Erdine S.
Pain-relieving procedures: the illustrated guide. Oxford: John Wiley, 2012. p. 337-383.
57. Vissers KCP, Besse Kees, Wagemans M et al. Pain in patients with cancer. In: van Zundert J, Patijn
J, Hartrick CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses.
Oxford: Wiley-Blackwell, 2012. p. 173-90.
58. Raj PP, Erdine S. Interventinal pain procedures in the neck. In: Raj PP, Erdine S. Pain-relieving
procedures: the illustrated guide. Oxford: John Wiley, 2012. p. 166-218.
59. Raj PP, Erdine S. Interventinal procedures for visceral pain in the thoraco-abdominal region. In: Raj
PP, Erdine S. Pain-relieving procedures: the illustrated guide. Oxford: John Wiley, 2012. p. 256-273.
60. Van Zundert J, Patijn J, Hartrick CT et al. Introduction. In: van Zundert J, Patijn J, Hartrick CT
et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford: Wiley-
-Blackwell, 2012.

Tratamento Intervencionista da Dor Crônica | 103


09
Capítulo

Dor Oncológica
Breno José Santiago Bezerra de Lima
Roberto Henrique Benedetti
Paulo Adilson Herrera

Introdução
A dor oncológica é um sintoma complexo que afeta vários aspectos da rotina diária
do paciente, incluindo condicionamento físico, atividades corriqueiras, estados emo-
cional e psicológico, além das interações sociais.
A prevalência de dor crônica em populações em tratamento de combate ao cân-
cer alcança valores entre 33% e 59%, e é consideravelmente mais alta em pacientes
com doença avançada (64% a 74%). Em razão da alta prevalência da dor oncológica e
suas severas consequências, todos os pacientes com doença ativa devem ser avaliados
quanto à presença de quadro álgico e prontamente tratados de maneira específica1,2.

Avaliação da Dor Oncológica


A coleta de informações a respeito da dor, assim como da doença ativa e seus es-
tadiamento e tratamento, é bastante relevante. Sempre é importante recordar que
muitas vezes o quadro álgico de origem oncológica pode persistir mesmo após a cura
do câncer como em situações de dor pós-mastectomia e dor pós-toracotomia, por
exemplo, o que pode levar a um grande impacto psicológico e espiritual3.
A dor é uma experiência subjetiva e multidimensional, logo a otimização do seu
tratamento exige uma descrição detalhada de suas características.
Vários métodos são utilizados para mensurar a intensidade da dor como escala
verbal (leve, moderada e severa), escala numérica (0, sem dor, e 10, pior dor) e a escala
visual analógica, assim como há algumas avaliações sobre a intensidade e a interfe-
rência nas atividades diárias como o questionário de McGill4.

Dor Oncológica | 105


É bastante relevante para o tratamento do paciente com dor oncológica saber o
comportamento temporal do quadro álgico. Perguntas importantes a serem respon-
didas são: como o quadro se inicia? Há flutuações diárias? Existe causa identificável?
Há presença de dor incidental? Quando a queixa se iniciou?5,6
Saber a fisiopatologia da dor oncológica é primordial para se planejar a estratégia
de combate ao quadro álgico, diferenciando-se as etiologias nociceptiva, neuropática
e psicogênica.
A dor nociceptiva é, sobretudo, por lesão tecidual, tendo uma divisão em sua classi-
ficação entre somática e visceral dependendo do tecido envolvido. A dor somática en-
volve estruturas como ossos, músculos e articulações, podendo ser descrita como “em
pressão”, “em facada” ou contínua. Já a dor visceral envolve lesão a vísceras, podendo
ser “em cãibra” ou “em facada” quando originária de cápsulas, pleura ou miocárdio7.
A dor neuropática é mantida por um processamento somatossensorial anormal no
sistema nervoso central e/ou periférico e geralmente se encontra presente em cerca
de 40% das síndromes dolorosas oncológicas, podendo ser causada tanto pela doença
em si como pelo tratamento de combate ao câncer. Termos como “em queimação”, “em
choque” e elétrica são usados para caracterização da dor neuropática.7
A dor psicogênica é quando a origem do quadro se dá basicamente por fatores
psicológicos. Não é comum no paciente oncológico, a não ser que haja evidência
de psicopatologia8.

Síndromes Dolorosas Oncológicas


É importante durante o exame do paciente observar todos os sinais e sintomas,
visto que podem sugerir uma síndrome dolorosa oncológica específica. Determinar
a identificação da síndrome pode auxiliar a elucidar a etiologia da dor e a clarear o
prognóstico tanto da dor como da doença em si9.
As síndromes dolorosas oncológicas podem ser divididas em agudas e crônicas,
sendo as síndromes agudas geralmente relacionadas com intervenções diagnósticas e
terapêuticas, enquanto as síndromes crônicas são relacionadas com a neoplasia em si
e com o tratamento antineoplásico9.
Síndromes Dolorosas Agudas
A maioria das síndromes dolorosas oncológicas agudas são relacionadas com pro-
cedimentos diagnósticos ou terapêuticos. No entanto, algumas são relacionadas com
a doença em si como a dor por hemorragia tumoral aguda, a dor óssea por fratura pa-
tológica e a dor visceral por obstrução aguda ou perfuração de ducto biliar, intestino
ou ureter.
Vale frisar que há algumas síndromes dolorosas agudas desencadeadas pelo tra-
tamento antineoplásico, incluindo quimioterapia, terapia hormonal, imunoterapia
e radioterapia.
A mucosite oral é a queixa dolorosa aguda mais comumente relacionada com a
terapia antineoplásica. A mucosite relacionada com a quimioterapia pode ocorrer em
todo o trato gastrointestinal, entretanto, a dor é proveniente, na maioria das vezes,
da mucosite oral que se torna clinicamente evidente durante a primeira semana de

106 | Dor e Cuidados Paliativos


administração dos agentes quimioterápicos. Quase todos os pacientes que recebem
radioterapia nas regiões de cabeça e pescoço desenvolvem mucosite, e sua intensidade
depende dos agentes quimioterápicos associados no tratamento10.
A neuropatia induzida por quimioterápico pode se manifestar como dor neuropáti-
ca aguda na forma de polineuropatia ou, mais raramente, de mononeuropatia. Vários
quimioterápicos são neurotóxicos, e os que possuem alta incidência de polineuropa-
tia são: vincristina, cisplatina, paclitaxel, talidomida, oxaliplatina e bortezomibe. A
polineuropatia causada pelos quimioterápicos comumente é insidiosa, mas pode ter
apresentação aguda como no espasmo faringolaríngeo causado pela oxaliplatina11.
Outras síndromes dolorosas oncológicas agudas podem ser causadas pelo trata-
mento radioterápico, como a plexopatia, pela radiação que acomete de maneira tran-
sitória sobretudo o plexo braquial, e a enterite e/ou proctite causadas pela radiação12.
Síndromes Dolorosas Crônicas
Cerca de 75% dos pacientes que têm um quadro álgico crônico de origem oncológi-
ca possuem síndromes dolorosas nociceptivas ou neuropáticas que representam efeito
direto da neoplasia. Outras causas de dor crônica são os tratamentos antineoplásicos
e as desordens não relacionadas com a doença e com seu tratamento13.
As síndromes dolorosas somáticas relacionadas com o tumor envolvem ossos, ar-
ticulações e tecido conectivo, levando a um quadro de dor persistente. Exemplos são
a dor óssea multifocal, a dor por fratura vertebral patológica, a dor por metástases
em pelve e quadril, além da causada por metástases na base do crânio. Importante
lembrar que as vértebras são os locais mais comuns para metástases ósseas14.
As síndromes dolorosas viscerais relacionadas com o tumor podem ser causadas
por obstrução intestinal, do ureter ou do ducto biliar, ou por lesão em estruturas como
a pleura visceral, a cápsula hepática ou o peritônio. As síndromes dolorosas viscerais
são particularmente comuns em neoplasias gastrointestinais e ginecológicas15.
Como exemplos de síndromes dolorosas neuropáticas têm-se as metástases nas lepto-
meninges, neuralgias craniais (glossofaríngeo, trigêmio), radiculopatias e plexopatias16,17.
Causas comuns de síndromes dolorosas crônicas relacionadas com o tratamento
antineoplásico são as síndromes dolorosas pós-radioterapia (plexopatias, mielopatias,
linfedema e osteonecrose) e a dor do membro fantasma e suas variações após proce-
dimentos cirúrgicos18-20.

Princípios Gerais do Tratamento da Dor Oncológica


1 – Fazer uma avaliação precisa do quadro álgico do paciente (etiologia, fisiopatolo-
gia, extensão tumoral, síndrome dolorosa específica, cuidados paliativos).
2 – O próprio tratamento antineoplásico (quimioterapia, radioterapia e cirurgia)
pode auxiliar bastante no manejo da dor, fazendo que o acompanhamento regular
com o médico oncologista seja bastante importante.
3 – Grande proporção dos pacientes com dor por doença ativa necessita de trata-
mento sintomático, seguindo a escada analgésica da Organização Mundial de Saúde
(OMS), na qual o tratamento medicamentoso com opioides é a abordagem principal
nos casos moderados a severos.

Dor Oncológica | 107


4 – Avaliar o risco de abuso medicamentoso por parte do paciente, checando em
sua história passado de abuso com álcool ou alguma outra droga, histórico familiar e
desordem psiquiátrica21-25.

Tratamento Medicamentoso – Opioides


Os opioides são frequentemente utilizados nos pacientes oncológicos por causa de
sua segurança, várias vias de administração, facilidade de titulação e efetividade para
todos os tipos de dor (somática, visceral e neuropática). Mesmo a dor neuropática sen-
do mais difícil de tratar, uma resposta favorável é possível em uma analgesia baseada
em opioides26.
Os opioides agem se ligando a receptores específicos, como o mu, kappa e o delta.
Esses receptores estão presentes em tecidos pelo organismo, incluindo o sistema ner-
voso central e o periférico26.
Existe uma classificação em que os opioides são divididos tendo como base os efei-
tos no receptor mu em agonistas puros, agonista-antagonistas (agonistas parciais e
agonista-antagonistas mistos) e os antagonistas puros. Os antagonistas do receptor
mu não possuem atividade analgésica intrínseca e são utilizados para prevenir ou
reverter os efeitos dos opioides. Com poucas exceções, o manejo da dor crônica onco-
lógica é feito com agonistas do receptor mu puros. Entretanto, em alguns países como
nos Estados Unidos e no Brasil, está disponível um agonista parcial, a buprenorfina,
na forma de emplastro. Outros analgésicos de ação central como o tramadol e o tapen-
tadol têm efeitos agonista mu e de inibição de recaptação de neurotransmissores que
são interessantes em pacientes oncológicos algumas vezes26-28.
A morfina é o protótipo de opioide para o tratamento de dor oncológica de mo-
derada a severa e é considerada o modelo para comparação entre os opioides. Não
há trabalhos que provem a superioridade da morfina em relação a outros opioides
como fentanil, metadona e oxicodona no tratamento do paciente oncológico. Há uma
variação individual muito grande nas respostas aos agonistas mu puros, fazendo com
que não haja como prever qual dos agonistas mu puros terá melhor balanço entre
analgesia e efeitos colaterais26.
A morfina existe em diversas apresentações (comprimidos, cápsulas, suposi-
tórios, soluções) e pode ser administrada por várias vias (oral, subcutânea, endo-
venosa, retal), sendo metabolizada no fígado e tendo seus metabólitos eliminados
por via renal, logo sua administração tem que ser cuidadosa em pacientes com
insuficiência renal27.
A oxicodona se liga tanto aos receptores mu como aos receptores kappa, o que teo-
ricamente pode sugerir alguma vantagem. No entanto, estudos clínicos não mostram
diferenças na eficácia e na tolerabilidade quando se compara a oxicodona com a mor-
fina e com outros agonistas mu28.
A metadona é um opioide agonista mu com farmacologia única que pode fazer com
que alguns pacientes tenham excelente analgesia em doses baixas e com que outros
tenham severa toxicidade imprevista29. Há ao menos um estudo que mostra que a me-
tadona tem a mesma efetividade da morfina para o tratamento da dor oncológica30.
Entre os benefícios do uso da metadona tem-se: baixo custo, longa duração de ação,

108 | Dor e Cuidados Paliativos


sendo o único opioide de longa duração disponível em formulação líquida31,32. A meta-
dona não tem metabólitos ativos, fazendo com que, quando dosada apropriadamente,
seja bem indicada na insuficiência renal.
A metadona tem uma meia-vida de aproximadamente 24 horas, mas pode variar de
12 horas até uma semana, fazendo com que seja indicada a sua prescrição apenas para
os que tenham familiaridade com a sua farmacologia33.
A metadona tem alguns efeitos que são interessantes como antagonismo ao recep-
tor NMDA, agindo em casos de tolerância a opioides; prolongamento do intervalo QT
e interação medicamentosa com antirretrovirais34.
A codeína tem pouca indicação para o tratamento da dor oncológica, sobretudo
pela variação genética apresentada em seu metabolismo. O efeito analgésico da codeí-
na requer conversão à morfina e cerca de 10% das pessoas não são capazes de realizar
essa conversão em nível hepático por variabilidade genética.35
A meperidina é metabolizada em normeperidina que é relativamente tóxico, po-
dendo levar a tremores, delírio e convulsões. É mais seguro escolher outro agonista
mu para o tratamento do paciente com dor oncológica que não seja a meperidina.
Algumas considerações práticas são importantes para o manejo analgésico do pa-
ciente em uso de opioides. A escolha do opioide tem de ser bem fundamentada nas
características farmacológicas de cada fármaco, levando-se em consideração também
comorbidades preexistentes (insuficiência renal, insuficiência hepática), questão fi-
nanceira e cuidados com os pacientes susceptíveis a abuso medicamentoso36.
A eleição da via de administração é um cuidado que se deve ter após a escolha
de qual opioide será prescrito. A via oral é a preferencial no tratamento da dor crô-
nica oncológica por ser flexível e conveniente, mas, dependendo da progressão da
doença, outras vias de administração devem ser utilizadas. Pacientes com disfagia
ou odinofagia podem ter sua analgesia feita por via subcutânea ou transdérmica,
por exemplo.
A via transdérmica é bastante usada para dor crônica com medicamentos como
o fentanil e a buprenorfina. O fentanil necessita que o paciente tenha tecido adiposo
para absorção adequada37,38.
A via retal tem absorção variável, por isso, quando se troca a via oral pela via retal,
inicialmente se reduz a dose equivalente para avaliar a resposta39.
Para garantir conforto ao paciente quando há administração de medicamento por
via subcutânea, a taxa de infusão não deve ser superior a 5 mL/hora. Entretanto, caso
haja adição de hialuronidade à infusão, a taxa pode ser aumentada. Lembrar que a
metadona não está bem indicada por via subcutânea por causar irritação40.
A via de administração intratecal em pacientes selecionados tem grandes
vantagens, visto que há estudo clínico randomizado comparando terapias anal-
gésicas convencionais com bombas implantáveis de infusão de fármacos por via
intratecal, no qual a via intratecal mostra ter melhor controle da dor com menos
efeitos colaterais 41.
Uma estratégia bastante usada na rotina com pacientes oncológicos é o rodízio
de opioides, sobretudo nos pacientes com pobre resposta ao tratamento analgésico.
É feita uma troca de um opioide por outro na tentativa de se obter melhor balanço

Dor Oncológica | 109


entre alívio da dor e efeitos colaterais. Faz-se necessário que a conversão da dose dos
opioides seja feita de maneira adequada quando o rodízio for realizado42.

Tratamento Medicamentoso – Analgésicos Adjuvantes


Glicocorticoides – podem ser benéficos para tratamento da dor neuropática e da
dor óssea, além da dor por obstrução intestinal, dor por linfedema e dor por expansão
capsular. No entanto, não há recomendações específicas para o uso de glicocorticoides
na dor oncológica43.
Antidepressivos – pacientes que respondem pouco aos opioides e possuem quadro
depressivo associado ao quadro doloroso podem se beneficiar do uso de antidepres-
sivos. A duloxetina é uma opção interessante com sua ação de inibir a recaptação de
serotonina e norepinefrina para o tratamento de dor neuropática e de quadros de-
pressivos. A bupropiona é indicada nos quadros de fadiga e sonolência, mas deve ser
evitada nos pacientes de risco para convulsão44.
Alfa-2 agonistas adrenérgicos – a clonidina é uma opção para os pacientes que são
refratários ao tratamento com opioides. A clonidina administrada por via espinhal
tem propriedades analgésicas em pacientes oncológicos e é mais eficaz para dor neu-
ropática que para dor nociceptiva45.
Canabinoides – o uso continua sendo controverso para pacientes com dor oncológi-
ca refratária ao uso de opioides. Algumas revisões sistemáticas mostram eficácia para
dor crônica, especialmente de caráter neuropático46.
Lidocaína tópica – é a terapia tópica mais utilizada, sendo usada no tratamento de
dor regional e/ou focal de todos os tipos47,48.
Capsaicina tópica – utilizada no tratamento de neuralgia pós-herpética49.
Toxina botulínica – tratamento de dor refratária em neuralgias do trigêmio e pós-
-herpética, além de enxaqueca50.
Gabapentinoides – utilizados para o tratamento de dor neuropática relacionada
com câncer, seja por ação direta ou pelos tratamentos quimioterápico e radioterápico.
Tem uma associação interessante com a amitriptilina51.
Cetamina – é uma droga antagonista do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA). O
receptor NMDA é envolvido com a sensibilização central e com o funcionamento dos
receptores opioides, além de haver evidências de ações analgésicas dos antagonistas
do receptor NMDA. Vários autores acreditam que a cetamina em doses subanestési-
cas pode ser útil para o tratamento da dor refratária severa52,53.
Bifosfonados – indicados em pacientes com dor óssea metastática, ajudam a me-
lhorar a qualidade de vida por facilitar o manejo adequado do quadro álgico. O meca-
nismo de ação é pela inibição da atividade dos osteoclastos54.

Tratamento Intervencionista
O tratamento intervencionista da dor é realizado nos pacientes com pobre resposta
à terapia medicamentosa e naqueles em que os efeitos colaterais são severos demais
para conseguirem adesão ao tratamento medicamentoso proposto.

110 | Dor e Cuidados Paliativos


Algumas indicações clássicas de procedimentos intervencionistas são:
• Vertebroplastia e cifoplastia – em pacientes com fratura sintomática de corpo
vertebral sem retropulsão de fragmentos ósseos para medula espinhal ou aco-
metimento peridural55.
• Neurólise de plexo celíaco – em pacientes com dor por neoplasia abdominal
alta, particularmente câncer pancreático. A neurólise do plexo celíaco pode
ser utilizada até em fases mais iniciais da doença, caso o paciente prefira uma
abordagem menos farmacológica. A principal abordagem para a realização do
procedimento é a percutânea56,57.
• Neurólise de plexo hipogástrico superior – indicada em pacientes com dor vis-
ceral pélvica refratária ao tratamento medicamentoso. Geralmente utiliza-se
a fluoroscopia para localização das estruturas anatômicas. É feito o bloqueio
prognóstico com anestésico local antes da realização do bloqueio neurolítico
para se avaliar a resposta58.
• Neuroestimulação medular – opção para pacientes com dor neuropática rela-
cionada com câncer, mas não para os pacientes com lesão em medula espinhal59.
• Bomba implantável de infusão intratecal de fármacos – indicada em pacien-
tes com dor oncológica de difícil manejo. Costuma haver alívio do quadro
álgico com doses mais baixas de medicamentos e consequentemente menos
efeitos colaterais60.

Referências
1. Goudas LC, Bloch R, Gialeli-Goudas M et al. The epidemiology of cancer pain. Cancer Invest, 2005;
23:182-90.
2. van den Beuken-van Everdingen MH, de Rijke JM, Kesseis AG et al. Prevalence of pain in patients
with cancer: a systematic review of the past 40 years. Ann Oncol, 2007;18:1437-49.
3. Zaza C, Baine N. Cancer pain and psychosocial factors: a critical review of the literature. J Pain
Symptom Manage, 2002; 24:526-42.
4. Melzack R. The McGill pain questionnaire: major properties and scoring methods. Pain, 1975;
1:277-99.
5. Davis A, Buchanan A, Zeppetella G et al. Breakthrough cancer pain: an observational study of 1000
european oncology patients. J Pain Symptom Manage, 2013; 46:619-28.
6. Davies AN. Breakthrough cancer pain. Curr Pain Headache Rep, 2014; 18:420.
7. Caraceni A, Portenoy RK. An international survey of cancer pain characteristics and syndromes.
IASP Task Force on Cancer Pain. International Association for the Study of Pain. Pain, 1999;
82:263-74.
8. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-5).
5th ed. Arlington VA: American Psychiatric Association, 2013. p.309.
9. Foley KM. Acute and chronic cancer pain syndromes. In: Doyle D, Hanks G, Cherny N et al. (Ed.).
Oxford textbook of palliative medicine, 3rd ed. Oxford: Oxford University Press, 2004. p.298.
10. Lalla RV, Bowen J, Barasch A et al. MASCC/ISOO clinical pratice guidelines for the management of
mucositis secondary to cancer therapy. Cancer, 2014; 120: 1453-61.
11. McCarthy GM, Skillings JR. Jaw and other orofacial pain in patients receiving vincristine for the
treatment of cancer. Oral Surg Oral Med Pathol, 1992; 74:299-304.

Dor Oncológica | 111


12. Salner AL, Botnick LE, Herzog AG et al. Reversible brachial plexopathy following primary radiation
therapy for breast cancer. Cancer Treat Rep, 1981; 65:797-802.
13. Paice JA, Mulvey M, Bennett M et al. AAPT diagnostic criteria for chronic cancer pain conditions.
J Pain, 2017; 18:233-46.
14. Mercadante S. Malignant boné pain: pathophysiology and treatment. Pain, 1997; 69:1-18.
15. Coombs DW. Pain due to liver capsular distention. In: Common problems in pain management.
Common problems in anesthesia. Ferrer-Brechner T (Ed.). Chigago: Year Book Medical, 1990.
p.247.
16. Nolan CP, Abrey LE. Leptomeningeal metastases from leukemias and lymphomas. Cancer Treat
Res, 2005; 125:53-69.
17. Cheng TM, Cascino TL, Onofrio BM. Comprehensive study of diagnosis and treatment of trigeminal
neuralgia secondary to tumors. Neurology, 1993; 43:2298-302.
18. Weiss T, Miltner WH, Adler T et al. Decrease in phantom limb pain associated with prosthesis-
-induced increased use of an amputation stump in humans. Neurosci Lett, 1999; 272:131-4.
19. Newman ML, Brennan M, Passik S. Lymphedema complicated by pain and psychological distress: a
case with complex treatment needs. J Pain Symptom Manage, 1996; 12:376-9.
20. Minsky BD, Cohen AM. Minimizing the toxicity of pelvic radiation therapy in rectal cancer. Oncolo-
gy (Williston Park), 1988; 2:21-5, 28-9.
21. Kroenke K, Zhong X, Theobald D et al. Somatic symptoms in patients with cancer experiencing pain
or depression: prevalence, disability, and health care use. Arch Intern Med, 2010; 170:1686-94.
22. World Health Organization. WHO’s cancer pain ladder for adults. Disponível em: www.who.int/
cancer/palliative/painladder/en/. Acesso em: 6 set 2011.
23. Jadad AR, Browman GP. The WHO analgesic ladder for cancer pain management. Stepping up the
quality of its evaluation. JAMA, 1995; 274:1870-3.
24. Tan PD, Barclay JS, Blackhall LJ. Do palliative care clinics screen for substance abuse and diver-
sion? Results of a national survey. J Palliat Med., 2015; 18:752-7.
25. Carmichael NA, Morgan L, Del Fabbro E. Identifying and assessing the risk of opioid abuse in pa-
tients with cancer: an integrative review. Subs Abuse Rehabil, 2016; 7:71-9.
26. Quigley C. Opioids in people with cancer-related pain. BMJ Clin Evid, 2008; 2008.
27. Penson RT, Joel SP, Gloyne A et al. Morphine analgesia in cancer pain: role of glucuronides. J Opioid
Manag, 2005; 1:83-90.
28. Schmidt-Hansen M, Bennett MI, Arnold S et al. Oxycodone for cancer-related pain. Cochrane Data-
base Syst Rev, 2017; 8:CD003870.
29. Bryson J, Tamber A, Seccareccia D et al. Methadone for treatment of cancer pain. Curr Oncol Rep,
2006; 8:282-8.
30. Bruera E, Palmer JL, Bosnjak S et al. Methadone versus morphine as first-line strong opioid for
cancer pain: a randomized double-blind study. J Clin Oncol, 2004; 22:185-92.
31. Connolly I, Zaleon C, Montagnini M. Management of severe neurophatic cancer pain: an illustrative
case and review. Am J Hosp Palliat Care, 2013; 30:83-90.
32. Cimino NM, Lockman K, McPherson ML. Pratical guide to the safe use of methadone. Prat Pain
Manage, 2015; 15(2). Disponível em: http://www.practicalpainmanagement.com/treatments/phar-
macological/opioids/practical-guide-safe-use-methadone. Acesso em: 21 out 2016.
33. Leppert W. The role of methadone in cancer pain treatment – a review. Int J Clin Pract, 2009;
63:1095-109.
34. Chou R, Cruciani RA, Fiellin DA et al. Methadone safety: a clinical practice guideline from the Ame-
rican Pain Society and College on problems of drug dependence, in collaboration with the Heart
Rhythm Society. J Pain, 2014; 15:321-37.
35. Otton SV, Schadel M, Cheung SW et al. CYP2D6 phenotype determines the metabolic conversion of
hidrocodone to hydromorphone. Clin Pharmacol Ther, 1993; 54:463-72.

112 | Dor e Cuidados Paliativos


36. Chou R, Clark E, Helfand M. Comparative efficacy and safety of long-acting oral opioids for chronic
non-cancer pain: a systematic review. J Pain Symptom Manage, 2003; 26:1026-48.
37. Bohme K, Likar R. Efficacy and tolerability of a new opioid formulation, buprenorphine transdermal
therapeutic system (TDS) in the treatment of patients with chronic pain. A randomised, double-
-blind, placebo-controlled study. Pain Clin, 2003; 15;193-202.
38. Naing C, Aung K, Racloz V et al. Safety and efficacy of transdermal buprenorphine for the relief of
cancer pain. J Cancer Res Clin Oncol, 2013; 139:1963-70.
39. Bruera E, Fainsinger R, Spachynki K et al. Clinical efficacy and safety of a novel controlled-release
morphine suppository and subcutaneous morphine in cancer pain: a randomized evaluation. J Clin
Oncol, 1995; 13:1520-7.
40. McNeill JA, Sherwood GD, Starck PL. The hidden error of mismanaged pain: a systems approach. J
Pain Symptom Manage, 2004; 28:47-58.
41. Smith TJ, Staats PS, Deer T et al. Randomized clinical trial of an implantable drug delivery system
compared with comprehensive medical management for refractory cancer pain: impacto n pain,
drug-related toxicity, and survival. J Clin Oncol ,2002; 20:4040-9.
42. Raddy A, Yennurajalingam S, Pulivarthi K et al. Frequency outcome and predictors of success whi-
tin 6 weeks of opioid rotation among outpatients with cancer receiving strong opioids. Oncologist,
2013; 18: 212-20.
43. Haywood A, Good P, Khan S et al. Corticosteroids for the management of cancer-related pain in
adults. Cochrane Database Syst Ver, 2015; CD010756.
44. Verdu B, Decosterd I, Buclin T et al. Antidepressants for the treatment of chronic pain. Drugs, 2008;
68:2611-32.
45. Eisenach JC, DuPen S, Dubois M et al. Epidural clonidine analgesia for intractable cancer pain. The
epidural clonidine study group. Pain, 1995; 61:391-9.
46. Whiting PF, Wolf RF, Deshpande S et al. Cannabinoids for medical use: a systematic review and
meta-analysis. JAMA, 2015; 313:2456-73.
47. Rowbotham MC, Davies PS, Fields HL. Topical lidocaine gel relieves postherpetic neuralgia. Ann
Neurol, 1995; 37:246-53.
48. Derry S, Wiffen PJ, Moore RA et al. Topical lidocaine for neuropathic pain in adults. Cochrane
Database Syst Rev, 2014; CD010958.
49. Jones VM, Moore KA, Peterson DM. Capsaicin 8% topical path (Qutenza) – a review of the evidence.
J Pain Palliat Care Pharmacother, 2011; 25:32-41.
50. Sandrini G, De Icco R, Tassorelli C et al. Botulinum neurotoxin type A for the treatment of pain: not
just in migraine and trigeminal neuralgia. J Headache Pain, 2017; 18:38.
51. Jongen JL, Huijsman ML, Jessurun J et al. The evidence for pharmacologic treatment of neuropa-
thic cancer pain: beneficial and adverse effects. J Pain Symptom Manage, 2013; 46:581-90.
52. Bem-Ari A, Lewis MC, Davidson E. Chronic administration of ketamine for analgesia. J Pain Palliat
Care Pharmacother, 2007; 21:7-14.
53. Jackson K, Ashby M, Howell D et al. The effectiveness and adverse effects profile of “burst” ketami-
ne in refractory cancer pain: the VCOG PM 1-00 study. J Palliat Care, 2010; 26:176-83.
54. Wong MH, Stockler MR, Pavlakis N. Bisphosphonates and other bone agentes for breast cancer.
Cochrane Database Syst Rev, 2012; CD003474.
55. Molloy S, Sewell MD, Platinum J et al. Is balloon kyphoplasty safe and effective for cancer-related
vertebral compression fractures with posterior vertebral body wall defects? J Surg Oncol, 2016;
113:835-42.
56. Arcidiacono PG, Calori G, Carrara S et al. Celiac plexus block for pancreatic cancer pain in adults.
Cochrane Database Syst Rev, 2011; CD007519.
57. Amr YM, Makharita MY. Neurolytic sympathectomy in the management of cancer pain –time effect:
a propective, randomized multicenter study. J Pain Symptom Manage, 2014; 48:944-56.

Dor Oncológica | 113


58. Plancarte R, de Leon-Casasola OA, El-Helaly M et al. Neurolytic superior hypogastric plexus block
for chronic pelvic pain associated with cancer. Reg Anesth, 1997; 22;562-8.
59. Deer TR, Mekhail N, Provenzano D et al. The appropriate use of neurostimulation of the spinal
cord and peripheral nervous system for the treatment of chronic pain and ischemic diseases: the
Neuromodulation Appropriateness Consensus Committee. Neuromodulation, 2014; 17:515-50.
60. Brogan S, Junkins S, Interventional therapies for the management of cancer pain. J Support Oncol,
2010; 8:52-9.

114 | Dor e Cuidados Paliativos


10
Capítulo

Síndromes Dolorosas Crônicas


Não-Oncológicas
Breno José Santiago Bezerra de Lima
Cristina Clebis Martins
Roberto Henrique Benedetti

Introdução
Este capítulo tem como foco a dor crônica e sua prevalência bastante elevada na
sociedade brasileira, buscando apresentar algumas síndromes dolorosas crônicas de
caráter não oncológico que podem fazer parte da rotina do anestesiologista com inte-
resse na área da dor.

Síndrome dolorosa complexa regional


É uma síndrome que ocorre em geral após uma lesão, mais comumente em uma
extremidade, entretanto há descrições de ocorrência em múltiplas extremidades1. As
manifestações são desproporcionais em duração e intensidade à evolução clínica do
evento inicial. Traumas mesmo que mínimos (laceração, operação, fratura, contusão,
queimaduras, esmagamento e gesso) podem provocar a síndrome dolorosa complexa
regional (SDCR)2. A SDCR ocorre ligeiramente mais nas extremidades superiores que
nas inferiores, sendo uma fratura o evento inicial mais comum nos membros supe-
riores. Mulheres são afetadas de 3 a 4 vezes mais que os homens e a idade média no
momento do diagnóstico é entre 47 a 52 anos1.
A classificação da SDCR é entre tipo I sem lesão de nervo, tipo II com lesão de
nervo e tipo III em que os critérios diagnósticos são atendidos apenas parcialmente,
mas nenhum outro diagnóstico pode ser feito.1
A SDCR em crianças acomete mais as extremidades inferiores, sendo os sintomas
neurológicos pouco importantes. A temperatura da pele costuma ser mais fria em

Síndromes Dolorosas Crônicas Não-Oncológicas | 115


crianças que em adultos. Questões psicológicas têm uma maior importância na fisio-
patologia em crianças que em adultos3.
A fisiopatologia da SDCR envolve mecanismos periféricos, aferentes, eferentes e
centrais. Os mecanismos periféricos incluem: hipóxia causada por vasoconstrição
induzida por disfunção endotelial; inflamação estéril com aumento dos níveis das
citocinas pró-inflamatórias como a interleucina 6 e o fator de necrose tumoral alfa;
inflamação neurogênica causada por excreção de neuropeptídeos das fibras C noci-
ceptivas (substância P, bradicinina, peptídeo relacionado com o gene calcitonina); hi-
persensibilidade denervatória com estímulos inapropriados na pele das extremidades
afetadas. Os mecanismos aferentes são: aumento do número de receptores alfa-1 na
extremidade afetada; aumento da sensibilidade do receptor alfa-adrenérgico perifé-
rico e acoplamento químico entre os neurônios simpáticos e nociceptivos na pele da
região afetada pela SDCR. Mecanismos eferentes como disfunção simpática (vaso-
constrição, hipóxia e sudorese anormal) e disfunção motora eferente (movimentos
involuntários, distonia e rigidez) podem ocorrer na fisiopatologia da SDCR. Por fim,
os mecanismos centrais seriam por meio da sensibilização dos receptores NMDA e
NK-1, assim como fatores psicológicos relacionados com o medo da dor e à ansiedade
ao se movimentar1.
As manifestações clínicas mais comuns da SDCR são dor, edema, alodinia, altera-
ção da cor e da temperatura da região afetada, hiperestesia, diminuição da movimen-
tação e da força, tremor, distonia, pele fina, fibrose palmar, unhas quebradiças, atrofia
muscular, hiperqueratose, alteração do crescimento de pelos, contratura de tendão,
rigidez articular2.
A SDCR também pode ser classificada segundo o estágio clínico em que se encon-
tra nos estágios agudo, distrófico e atrófico2,4.
No estágio agudo, o paciente desenvolve uma dor em queimação, difusa e des-
confortável, com aumento da sensibilidade ao toque e ao frio, assim como edema
localizado. A distribuição da dor não é compatível com trajeto de nervo, tronco
ou raiz nervosa. Distúrbios vasomotores ocorrem com intensidade variável, pro-
duzindo alteração de cor e temperatura; nos casos em que aconteça aumento do
fluxo sanguíneo, a pele estará quente, vermelha e seca com crescimento de pelos
e unhas; nos casos com fluxo sanguíneo reduzido, a pele ficará fria, úmida e cia-
nótica. A radiografia do osso da área acometida é geralmente normal, mas pode
mostrar desmineralização4 .
No estágio distrófico, a dor é extensa e há progressão do edema de partes moles,
assim como espessamento da pele e dos tecidos articulares. Atrofia muscular pode
estar presente e a coloração da pele fica pálida ou cianótica com temperatura fria. A
duração desse estágio é de três a seis meses4.
No estágio atrófico, há evolução irreversível das alterações tróficas, sendo o estágio
mais severo caracterizado pela limitação da movimentação, síndrome ombro-mão,
contraturas digitais, pele com aspecto de esclerodermia. A radiografia óssea revela
desmineralização severa4. O diagnóstico é feito por meio de história clínica e exame
físico. Os critérios de Budapeste são um importante guia para o diagnóstico clínico e
estão demonstrados na Tabela 14.

116 | Dor e Cuidados Paliativos


Tabela 1 – Critérios diagnósticos modificados de Budapeste
Diagnóstico Clínico de Budapeste
1º Dor continua e desproporcional quanto à intensidade e duração do evento desencadeante.
2º Relato de pelo menos um sintoma que contemple três das quatro categorias (a-d).
3º Presença de um sinal em pelo menos duas das quatro categorias (a-d).
4º Ausência de outros diagnóstico que justifique mais adequadamente os sinais e sintomas.
Categorias
a-) Sensitivas: hiperalgesia, alodínea, hipoestesia.
b-) Vasomotoras: assimetria da temperatura e/ou alteração da cor de pele.
c-) Sudomotoras/edema: edema ou sudorese anormais.
d-) Motoras/tróficas: fraqueza muscular, tremores, anormalidades em pele, cabelo e unhas.

Exames de imagem podem ser utilizados para acompanhamento e avaliação da


evolução da SDCR, sendo os principais: cintilografia óssea, radiografia óssea, tomo-
grafia computadorizada e ressonância nuclear magnética4.
Importantes diagnósticos diferenciais com a SDCR são: infecções, doença vascular
periférica, trombose venosa profunda, neuropatia periférica, artrite reumatoide e fe-
nômeno de Raynaud4.
O tratamento deve focar no alívio da dor e na recuperação funcional, tendo a fisio-
terapia um importante papel3. Medicamentos como pregabalina, gabapentina, ceta-
mina, prednisona, anti-inflamatórios, metadona, baclofeno, nifedipina, lidocaína po-
dem ser utilizados no tratamento da SDCR 4. Procedimentos intervencionistas como:
bloqueio do gânglio estrelado, bloqueio simpático lombar, bloqueio do plexo braquial,
neuroestimulação medular e neuroestimulação periférica podem ser necessários nos
casos pouco responsivos ao uso de medicamentos por via oral1.

Neuralgia trigeminal
É a forma de dor facial mais comum em pessoas com mais de 50 anos de idade. A
maior incidência da trigeminalgia ocorre entre os 50 e 70 anos de idade, sendo mais
prevalente em mulheres. Qualquer um dos ramos do trigêmeo pode ser atingido, sen-
do a distribuição mais comum a área englobando o segundo e terceiro ramos (32%)5.
A fisiopatologia é incerta, mas observações clínicas sugerem que a compressão do
nervo trigêmeo perto da sua saída no tronco cerebral por vasos sanguíneos ou tumor
podem causar a neuralgia trigeminal. A pressão local causa desmielinização que leva
à despolarização anormal, resultando em impulsos ectópicos5.
A dor é de curta duração (segundos), em geral unilateral, lancinante e semelhante a
um choque elétrico. Estímulos simples como comer, lavar o rosto, fazer a barba, calor,
frio, escovar os dentes e falar podem desencadear uma crise álgica2,5.
Os exames de imagem como ressonância nuclear magnética são importantes para
excluir etiologia secundária na trigeminalgia5.
Carbamazepina é o tratamento mais estudado para neuralgia do trigêmeo. Outros
medicamentos como oxcarbazepina, fenitoína, baclofeno, lamotrigina, lidocaína tó-
pica podem ser usados. Toxina botulínica, pregabalina, gabapentina e clonazepam
precisam de mais evidências para serem utilizados6.

Síndromes Dolorosas Crônicas Não-Oncológicas | 117


Procedimentos intervencionistas para o tratamento da dor devem ser utilizados no
caso de falha do tratamento medicamentoso. Opções de intervenção são: descompressão
microvascular cirúrgica, Gamma knife, microcompressão percutânea com balão, rizólise
percutânea com glicerol, radiofrequência convencional percutânea do gânglio de gasser5.

Cefaleia em salvas
A cefaleia em salvas é uma cefaleia neurovascular primária, sendo estritamente uni-
lateral e associada a sintomas autonômicos ipsilaterais no crânio. A cefaleia em salvas
apresenta comportamento circadiano e circanual. O ataque pode ser provocado por
vasodilatadores como álcool e nitroglicerina. Os primeiros ataques aparecem entre os
20 e 40 anos de idade. Diferentemente da enxaqueca, a cefaleia em salvas afeta mais os
homens e a história familiar de cefaleia em salvas é um fator de risco importante7.
Os ataques consistem em dor lancinante, forte, unilateral, ao redor e atrás do olho.
A dor ocorre com sinais de desregulação autonômica ipsilateral como lacrimejamento,
congestão nasal, rinorreia e até mesmo miose e/ou ptose podem ocorrer. A miose e a
ptose podem permanecer entre os ataques7.
O tratamento abortivo pode ser feito com inalação de oxigênio, 100% de oxigênio
7 L · min-1 por máscara facial é um dos métodos mais efetivo e o mais seguro. Outras
opções de tratamento abortivo são o sumatriptano subcutâneo e a ergotamina sublin-
gual. O tratamento profilático mais seguro é com o verapamil, mas outras opções
como o lítio e a prednisona podem ser utilizados7.
Na falha do tratamento conservador, o tratamento intervencionista com a radio-
frequência convencional do gânglio esfenopalatino é uma boa opção. Em casos refra-
tários à radiofrequência, a estimulação dos nervos occipitais pode ser considerada7.

Dor fantasma
Amputação parcial ou completa de um membro não leva necessariamente à dor
fantasma. A dor é chamada de fantasma quando o paciente sente dor e disestesia nos
membros em que não estão mais presentes. Importantes diagnósticos diferenciais são
a dor no coto de amputação e o telescoping (sentir a extremidade distal mais proxi-
mal). A incidência da dor fantasma varia de 2% a 80%, no entanto nos estudos mais
recentes a incidência tem sido bastante alta. Em estudo retrospectivo com amputa-
ções traumáticas em combate, 78% dos participantes tiveram dor do membro fantas-
ma desde o momento em que ocorreu a amputação. A intensidade da dor do membro
fantasma na escala analógica visual costuma ser entre sete e dez. Medo, depressão e
ansiedade costumam estar presentes nos pacientes com dor do membro fantasma,
assim como personalidade controladora e rígida8.
A dor é em geral intermitente com intervalos que variam de um dia até semanas,
casos de intervalos de até um ano são relatados. O ataque pode durar de segundos
até horas e a dor é descrita como lancinante, em queimação, em cólica, em choque,
penetrante. A dor fantasma geralmente se inicia 14 dias após a amputação, mas pode
haver um aparecimento muito precoce com até menos de 24 horas, assim como o
quadro pode somente se instalar vários anos depois. Mulheres possuem mais chances

118 | Dor e Cuidados Paliativos


de desenvolver dor fantasma que homens e os membros superiores costumam causar
mais o quadro que membros inferiores. Em crianças a incidência de dor fantasma
é menor. Há indicações que dor severa em pré-amputação e pós-operatória seriam
fatores de risco para o desenvolvimento de dor fantasma8.
O tratamento conservador tem algumas evidências de bons resultados com cetamina
e etanercept, outros medicamentos que podem ser utilizados são a duloxetina, lidocaína
endovenosa, pregabalina, metadona, morfina, gabapentina, mirtazapina, capsaicina,
fluoxetina, nortriptilina. A terapia do espelho tem tido boa resposta nos pacientes com
dor fantasma, inclusive podendo ser utilizada como estratégia preventiva2,8.
O tratamento intervencionista pode englobar bloqueio peridural pré- e pós-ampu-
tação, passagem de cateter para analgesia contínua no pós-operatório, administração
endovenosa de cetamina e lidocaína durante o perioperatório, radiofrequência pulsa-
da em gânglio da raiz dorsal e neuroestimulação medular. Todos os procedimentos
intervencionistas têm evidências controversas e não há um padrão de melhor conduta
intervencionista a seguir8.

Síndrome dolorosa miofascial


A síndrome dolorosa miofascial (SDM) é caracterizada por um espasmo muscular
persistente que gera dor regional contínua localizada. O padrão da dor pode ser em
queimação, fadiga ou cansaço e tem como causas o macrotrauma muscular (estira-
mento muscular ou trauma direto) e o mais frequente microtrauma muscular (uso re-
petitivo do músculo ou hábitos posturais inadequados). No exame físico encontramos
uma banda muscular tensa e a presença de ponto gatilho (trigger point).
O trigger point é uma região nodular de contração muscular bem definida den-
tro de uma banda muscular tensa cuja palpação firme produz dor local e referida,
reproduzindo os sintomas do paciente. A dor referida não segue uma distribuição de
raiz nervosa, no entanto sua localização não ocorre casualmente, mas sim em padrão
característico de cada músculo.
A formação dos trigger points se dá por meio da fadiga de fibras musculares de
músculos que foram muito exigidos, com consequente encurtamento e deficiência de
suprimento de oxigênio e nutrientes. A contração frequente provoca um aumento na
demanda energética, contração dos vasos sanguíneos da região e aumento da libera-
ção e acúmulo de metabólitos entre os quais muitas substâncias neurotransmissoras
que podem sensibilizar o sistema nervoso central, perpetuando o ciclo vicioso.
Os pontos gatilhos miofasciais muitas vezes desempenham um papel em síndro-
mes de dor focais mal caracterizadas como: dor lombar, dor orofacial, dor pélvica e ce-
faleia. Estímulos nocivos ao músculo afetado como: infecções, distúrbios hormonais,
distúrbios viscerais, fadiga, fibromialgia, fatores ambientais, distúrbios esqueléticos
intrínsecos, baixo condicionamento físico e distúrbios do sono podem causar o apare-
cimento de trigger points.
A SDM pode acometer qualquer músculo e/ou fáscia do nosso corpo, sendo mais
frequente na coluna cervical, cintura escapular, tórax e cintura pélvica. O diagnóstico
da SDM é clínico.

Síndromes Dolorosas Crônicas Não-Oncológicas | 119


O tratamento da SDM tem como pilar a correção dos fatores desencadeadores que
interferem na capacidade de recuperação completa do músculo. Prática de exercícios
aeróbicos, melhora do condicionamento físico, correções posturais, fisioterapia e tera-
pia psicológica são importantes para garantir plena reabilitação do paciente.
O tratamento intervencionista é com base na injeção de soluções e/ou no agulha-
mento a seco quando o trigger point estiver ativo reproduzindo a queixa do pacien-
te. Pode-se injetar 1 a 2 ml de soro fisiológico ou lidocaína sem vasoconstritor a 1%
em cada trigger point. A aplicação de toxina botulínica nos trigger points afetados
pela SDM é razoável em casos com boa resposta a injeção de solução anestésica ou
agulhamento a seco, mas com resposta fugaz. Os resultados da aplicação da toxina
botulínica podem durar de três a seis meses.
Medicamentos como dipirona, AINEs, carisoprodol e ciclobenzaprina são utiliza-
dos no tratamento farmacológico da SDM. Se há suspeita de sensibilização central,
tanto a duloxetina como a amitriptilina e a nortriptilina são boas opções para o
manejo do paciente. A pregabalina pode ser utilizada mais como medida para con-
trole de quadros ansiosos e melhora do padrão do sono. A lidocaína tópica na forma
de adesivo a 5% pode ser utilizada para a melhora da sensibilidade local e de forma
a facilitar o manejo fisioterápico do paciente, mas ainda necessita de mais estudos
para a sua recomendação.9,10

Fibromialgia
A fibromialgia (FM) é uma síndrome em que a dor crônica difusa de intensidade
variável é o sintoma principal. A dor costuma ter início em uma determinada região
e depois se generaliza com difícil localização, sendo constante, em queimação, agu-
lhadas, pontadas ou prurido. Os pacientes também relatam uma grande variedade de
outros sintomas como: depressão e ansiedade, síndrome do intestino irritável, síndro-
me da bexiga dolorosa, transtorno temporomandibular, dor pélvica crônica, cefaleia
crônica diária, síndrome de hipersensibilidade química, rigidez matinal, lombalgia,
dor miofascial, artrites, pernas inquietas, zumbidos, rash cutâneos, hipersensibilida-
de ao frio ou ao calor, parestesias de extremidades, déficit de memória, sensação de
edema de extremidades, articular ou periarticular e intolerâncias alimentares.
Os pacientes com FM caracteristicamente têm sono não restaurador, agravando os
sintomas no dia seguinte. Outra característica da síndrome é a fatigabilidade fácil ao
esforço físico, mental e estressores psicológicos.
A prevalência na população geral é estimada em 10-11% e no Brasil é, provavelmen-
te, a segunda doença reumatológica mais frequente. Pode acometer desde crianças
a idosos, mas geralmente seus sintomas se iniciam entre os 25 e 65 anos, com idade
média de 49 anos. Acomete mais mulheres que homens, em uma proporção de 8:1.
Há evidências de que a FM resulta de um processamento sensorial anormal do sis-
tema nervoso central, referido como sensibilização central com uma amplificação dos
estímulos sensoriais periféricos e redução do controle inibitório descendente da dor
no mesencéfalo. Hiperalgesia e alodinia são comuns em pacientes com fibromialgia
pela atividade reduzida de neurotransmissores envolvidos na inibição da dor como:
serotonina, noradrenalina e dopamina e aumento das concentrações de neurotrans-

120 | Dor e Cuidados Paliativos


missores facilitadores da transmissão dolorosa como: glutamato e substância P que
contribuem para a amplificação dolorosa. Parentes de primeiro grau de pacientes com
FM apresentam um risco oito vezes maior de desenvolvê-la, mostrando que fatores
genéticos são também importantes na etiologia da fibromialgia11.
O diagnóstico é eminentemente clínico, sendo o exame físico em geral normal. A
força muscular se encontra preservada e o exame neurológico não demonstra nenhu-
ma anormalidade significante. Os exames de análise laboratorial e radiológica são
normais, de forma que quando solicitados servem para excluir ou confirmar outras
condições. Em 1990, a American College of Rheumatology definiu como critérios
diagnósticos para FM sintomas persistentes com pelo menos três meses de duração
e dor generalizada acompanhada da presença de pontos dolorosos a palpação (tender
points) em 11 ou mais pontos dos 18 padronizados no exame físico.
Tabela 2 – Tender points padronizados para diagnóstico clínico de fibromialgia
Tender points padronizados para diagnóstico clínico de fibromialgia
1. Região Occipital
2. Borda médio-superior do trapézio
3. Músculo supraespinhoso
4. Quadrante superior-externo do glúteo
5. Grande trocanter
6. Região equivalente entre espaços vertebrais de C5-C7
7. Junção da segunda costela
8. 2 centímetros abaixo do epicôndilo lateral
9. Borda medial do joelho
9 pontos à direita + 9 pontos à esquerda = 18 pontos
Em 2010 a American College of Rheumatology criou critérios com base na com-
binação de sintomas comuns e locais de dor, permitindo definir a fibromialgia como
uma entidade contínua com vários graus de acometimento e gravidade.
Informar e educar o paciente é o primeiro passo no tratamento da FM. O paciente
deve ser informado da natureza benigna da sua doença, dos fatores de melhora e pio-
ra. A atividade física não extenuante é sem dúvida uma das modalidades terapêuticas
mais eficazes para o tratamento da fibromialgia12.
A utilização de medicamentos como paracetamol, dipirona, ciclobenzaprina e
carisoprodol melhoram a qualidade de vida do paciente por diminuir a dor. O ge-
renciamento da sensibilização central é tipicamente iniciado com medicamentos
antidepressivos como duloxetina, venlafaxina e amitriptilina que além da analgesia,
demonstram melhora na fadiga e sobretudo no sono de pacientes com fibromialgia.
Medicamentos anticonvulsivantes como gabapentina e pregabalina atuam diminuin-
do a liberação de neurotransmissores nociceptivos (substância P e glutamato) na si-
napse nervosa do corno posterior, diminuindo a aferência e modulando a ativação dos
receptores NMDA13.
Os opioides não devem ser a primeira escolha para a analgesia, pois não melho-
ram a qualidade de vida dos pacientes a longo prazo e adicionam riscos como os
relacionados com sonolência, depressão respiratória, dependência química e psico-

Síndromes Dolorosas Crônicas Não-Oncológicas | 121


lógica, além da adição; no entanto podem ser prescritos se os analgésicos menos
potentes falharem.
Para o tratamento da fadiga crônica no paciente com FM devemos excluir causas
tratáveis comuns como: dose inadequada das medicações, depressão, descondicio-
namento aeróbio, distúrbio do sono primário (por exemplo, apneia do sono), sono
não restaurador, doenças inflamatórias, doenças infecciosas, distúrbios endócrinos
e metabólicos, deficiências nutricionais, doenças gastrointestinais, doenças malignas
e doenças neurológicas. O metilfenidato e o modafinil proporcionam uma melhoria
da fadiga em alguns pacientes com FM. Para os pacientes com FM e transtornos do
sono a trazodona e a ciclobenzaprina, em baixas doses, são as principais estratégias
para a farmacoterapia do sono. O distúrbio do sono mais comum nos pacientes com
FM é a síndrome das pernas inquietas ou o distúrbio periódico do movimento dos
membros, sendo o tratamento com agonistas de dopamina como levodopa, carbidopa,
pramipexol ou ropinirole.
Estressores relacionados com problemas psicossociais e econômicos geralmente
se desenvolvem em pacientes com FM, tendo a terapia cognitivo-comportamental
um importante papel para aumentar a adesão do paciente ao tratamento. O suporte
psiquiátrico pode ser necessário pois até 50% dos pacientes apresentam distúrbios
psiquiátricos concomitantes que dificultam a abordagem e melhora clínica14.
Os sintomas de FM geralmente persistem por muitos anos. Em geral, os medi-
camentos recomendados podem apresentar uma melhora de 30% em cerca de 30%
dos pacientes. A dificuldade em aceitar um diagnóstico de FM, hipervigilância, altos
níveis de sofrimento psicológico e apoio social fraco são fatores prognósticos ruins.
As consequências da dor, fadiga e disfunção cognitiva influenciam negativamente o
desempenho sustentado de tarefas físicas e mentais diárias.

Neuralgia pós-herpética
Condição clínica que surge como uma complicação do Herpes-Zóster (HZ) provo-
cando dor neuropática na região afetada. Os pacientes costumam se queixar de dor
contínua tipo queimação, com episódios de paroxismos de pontada, choque e lateja-
mento de moderada a forte intensidade.
Os pacientes podem observar uma resposta amplificada aos estímulos no local da
neuralgia pós-herpética (NPH) com hiperalgesia e alodinia ou alterações focais na
função autonômica (por exemplo, aumento da transpiração). Dor musculoesquelética
com trigger points pode ocorrer em pacientes com NPH como resultado de proteção
excessiva da área afetada, gerando atrofia muscular e amplitude reduzida de movi-
mento articular. Ao exame físico se evidenciam áreas de hiperpigmentação, hipo-
pigmentação ou cicatrizes nos dermátomos afetados previamente pelo HZ. Alguns
pacientes chegam a apresentar prurido crônico na região afetada. O diagnóstico da
NPH é eminentemente clínico.
O HZ é causado pela reativação do vírus da varicela (Varicela-Zóster) que fica la-
tente nos gânglios da raiz dorsal dos nervos espinhais e gânglios de nervos sensoriais
cranianos. Tipicamente, apresenta-se como uma erupção vesicular dolorosa com uma
distribuição dermatomérica única, unilateral e que não atravessa a linha média. Ra-

122 | Dor e Cuidados Paliativos


ramente pode ocorrer quadro subclínico com dor na ausência de erupção cutânea,
fazendo com que o diagnóstico definitivo de NPH exija avaliação sorológica. A NPH
está associada a dano e cicatrização do gânglio da raiz dorsal secundário à inflamação
pela reativação viral. Os locais mais comuns para o herpes-zóster e NPH são os der-
mátomos medianos torácicos e a divisão oftálmica do nervo trigeminal, mas podem
ocorrer em qualquer dermátomo15.
A NPH ocorre em aproximadamente 9% a 34% dos pacientes pós-HZ, sendo sua
complicação crônica e doença neuropática mais comum. Em um estudo, aproximada-
mente 60% dos pacientes com HZ desenvolveram NPH aos 60 anos e 75% desenvolve-
ram NPH aos 70 anos. Ocorre igualmente em homens e mulheres e a probabilidade de
desenvolver NPH aumenta significativamente com o avanço da idade, devido à queda
da imunidade celular. Além da idade avançada, outros fatores de risco são história
familiar e estados de imunossupressão grave. Fatores de pior prognóstico são maior
gravidade da dor prodrômica e na fase de erupção, maior área atingida, localização
oftálmica (V1) e em plexo braquial.
Tratar adequadamente o quadro de HZ é necessário para reduzir a probabilidade
de evolução para NPH. A administração de aciclovir ou valaciclovir dentro de até 72
horas após a HZ parece ajudar a reduzir a probabilidade de desenvolver NPH. Um
único estudo publicado apoia o uso de amitriptilina (25 mg por dia) como comple-
mento de um agente antiviral em HZ agudo para diminuir a incidência de NPH e a dor
associada à NPH subsequente. Um estudo não controlado com coadministração de
valaciclovir e gabapentina durante HZ agudo reduziu também a incidência de NPH.
Os corticosteroides não impedem a NPH. A aplicação de laser de baixa frequência nas
lesões do HZ parece reduzir a ocorrência de NPH.
A história natural da NPH é de resolução lenta com a maioria dos indivíduos res-
pondendo à terapia medicamentosa, principalmente durante o primeiro ano após o
herpes-zóster; no entanto, um subgrupo de pacientes pode desenvolver uma dor seve-
ra e duradoura. Em um estudo por questionário com 385 adultos com idade > 65 anos
e com dor aguda persistente, a duração média da NPH foi de 3,3 anos.
A NPH é um uma entidade complexa que necessita ser abordada de forma multi-
modal. Como tratamento oral de primeira linha temos os gabapentinoides (gabapenti-
na, pregabalina) que são a única terapia oral aprovada nos Estados Unidos para NPH.
A gabapentina pode ser administrada na dosagem de 300 mg 3 vezes ao dia (com valor
máximo de 3.600 mg/dia) e a pregabalina iniciando com 50 mg à noite e subindo
até 300 mg duas vezes ao dia. Os antidepressivos tricíclicos (ADT) e aqueles de ação
dual têm por mecanismo de ação principal a inibição da recaptação da noradrenalina
e da serotonina no sistema nervoso central, fortalecendo a ação das vias inibitórias
descendentes da dor. A amitriptilina (25 mg/noite até um máximo de 75 mg/noite) e
a nortriptilina (10-25 mg/noite conforme necessário até um máximo de 75 mg/noite)
são outro tratamento de primeira linha. Esses medicamentos têm um atraso no início
da ação e podem não funcionar bem em pacientes com certos tipos de dor como dor
de queimação ou alodinia, além de terem efeitos colaterais importantes sobretudo em
idosos. Um estudo recente mostrou que a combinação de gabapentina e nortriptili-
na foi mais eficaz do que qualquer droga como monoterapia para dor neuropática. O

Síndromes Dolorosas Crônicas Não-Oncológicas | 123


tratamento de segunda linha é composto pelos opioides (por exemplo, oxicodona de
libertação controlada, tramadol e metadona) com efeitos colaterais e possibilidade
de abuso relevantes. O tratamento tópico pode ser empregado para alívio da alodinia
com emplastro de lidocaína a 5% (bloqueio canal de sódio) ou capsaicina creme (de-
pleta substância P) nas concentrações de 0,075% a 0,125%. A capsaicina também é
disponível na forma de emplastro com concentração de 8% e sua aplicação se faz em
ambiente hospitalar controlado16.
Os procedimentos intervencionistas podem ter espaço no tratamento do paciente
com NPH. Opções como radiofrequência dos nervos intercostais envolvidos na área
da dor, realização de lesões da zona de entrada da raiz dorsal (DREZ) com uma taxa
de melhoria de 20% em estudos de longo prazo, neuroestimulação medular e esti-
mulação cerebral profunda vêm se mostrando uma alternativa eficaz para NPH, mas
ainda aguardam estudos com um número maior de pacientes. Para casos refratários
podemos ainda utilizar corticosteroides epidurais, bloqueios nervosos periféricos,
aplicação de toxina botulínica intradérmica (em média 100 U dispersas na área afeta-
da) e crioterapia17.
A prevenção da NPH pode ser realizada com a vacinação para se impedir a ocorrên-
cia do HZ. A vacina VZV atenuada é efetiva na redução do risco de HZ e NPH, sendo
o principal benefício a redução da morbidade causada por NPH. A vacinação reduz o
risco de NPH em 67% em pacientes com 60 anos de idade, tendo aprovação para uso
em pacientes com mais de 50 anos nos Estados Unidos, embora a recomendação seja
a partir dos 60 anos15-17.

Referências
1. van Eijs F, Stanton-Hicks M, van Zundert et al. Complex regional pain syndrome. In: van Zundert J,
Patijn J, Hartrick CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagno-
ses. Oxford: Wiley-Blackwell. 2012. p.123-36.
2. Sakata RK. Síndromes dolorosas crônicas. In: Cangiani LM, Carmona MJC, Torres MLA et al. (Ed.).
Tratado de anestesiologia SAESP. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu. 2017; p.2073-83.
3. Sherry DD. Complex regional pain syndrome in children. UpToDate [online]. 2017; p 1-13. Disponí-
vel em: http://www.uptodate.com/online. Acesso em: 22 mar. 2017.
4. Abdi S. Complex regional pain syndrome inadults: pathogenesis, clinical manifestations, and diag-
nosis. UpToDate [online]. 2017; p 1-11. Disponível em: http://www.uptodate.com/online. Acesso em:
23 mar. 2017.
5. van Kleef M, van Genderen WE, Narouze S et al. Trigeminal neuragia. In: van Zundert J, Patijn
J, Hartrick CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses.
Oxford: Wiley-Blackwell. 2012. p. 1-7.
6. Bajwa ZH, Ho CC, Khan SA. Trigeminal neuralgia. UpToDate [online]. 2017; p. 1-17. Disponível em:
http://www.uptodate.com/online. Acesso em: 30 jan 2017.
7. van Kleef M, Lataster A, Narouze S et al. Cluster headache. In: van Zundert J, Patijn J, Hartrick CT
et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford: Wiley-
-Blackwell, 2012. p. 8-13.
8. Wolff A, Vanduynhoven E, van Kleef M et al. Phantom pain. In: van Zundert J, Patijn J, Hartrick
CT et al. Evidence-based interventional pain medicine according clinical diagnoses. Oxford: Wiley-
-Blackwell. 2012. p. 160-7.
9. Roldan C, Hu N. Saline for myofascial pain syndrome. J pain. 2015; 16:S90.

124 | Dor e Cuidados Paliativos


10. Roldan CJ, Hu N. Myofascial pain syndromes in the emergency department: what are we missing?
J Emerg Med, 2015; 49:1004-10.
11. Arnold LM, Sarzi-Puttini P, Arsenault P et al. Efficacy and safety of pregabalin in patients with
fibromyalgia and comorbid depression taking concurrent antidepressant medication: a randomized,
placebo-controlled study. J Rheumatol, 2015; 42:1237-44.
12. Halpern R, Shah SN, Cappelleri JC et al. Evaluating guideline-recommended pain medication use
among patients with newly diagnosed fibromyalgia. Pain Pract, 2016; 16:1027-39.
13. Reyes del Paso GA, Pulgar A, Duschek S et al. Cognitive impairment in fibromyalgia syndrome: the
impact of cardiovascular regulation, pain, emotional disorders and medication. Eur J Pain, 2012;
16:421-9.
14. Heymann R. Novos conceitos em fibromialgia. AtualizaDOR: Prog Educ Med. Ortop, p.41-51 Dis-
ponível em: http://www.atualizador.com.br/fasciculos/Fasciculo_AtualizaDOR_MIOLO%204.pdf.
[Acesso em 20 ago 2017].
15. ChenYT, Wang HH, Wang TJ et al. Early application of low-level laser may reduce the incidence of
postherpetic neuralgia (PHN). J Am Acad Dermatol. 2016; 75:572-7.
16. Wang BC, Liu D, Furnback WE et al. The cost-effectiveness of pregabalin versus gabapentin for
peripheral neuropathic pain (pNeP) and postherpetic neuralgia (PHN) in China. Pain Ther, 2016;
5:81-91.
17. Oliveira CA, Castro APCR, Miyahira SA. Neuralgia pós-herpética. Rev Dor, 2016; 17:s52-5.

Síndromes Dolorosas Crônicas Não-Oncológicas | 125


Parte II

CUIDADOS
PALIATIVOS
11
Capítulo

Cuidados Paliativos: Aspectos


Conceituais e Princípios Essenciais
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Inês Tavares Vale e Melo
Guilherme Antônio Moreira de Barros

Introdução
A doença terminal é um processo contínuo e flutuante, com grande variabilidade
individual associada a múltiplos sintomas caracteristicamente intensos e oscilantes.
Por isso, os tratamentos devem adequar-se em função da intensidade desses sinto-
mas, dentro de uma visão flexível de tratamentos combinados. Cuidar de indivíduos
no fim da vida e de suas famílias dia após dia é uma proposta desafiadora. Entender
os desafios para fornecer cuidados de qualidade é o primeiro passo importante, a
fim de desenvolver abordagens adequadas para apoiar, educar e facilitar a capaci-
dade de “cuidar no fim da vida”, e é isso que nos propormos a fazer neste capítulo
introdutório sobre essa modalidade de assistência, que destaca a dor como um cui-
dado paliativo especializado.
Nesse universo, os cuidados paliativos surgem como uma modalidade de assistên-
cia direcionada às condições de incurabilidade e de fim da vida. À medida que a doen-
ça avança e o tratamento curativo não proporciona seu controle razoável, os cuidados
paliativos, como um modelo de cuidados totais, ativos, integrais e preventivos, são
oferecidos ao paciente com doença ameaçadora de vida e à sua família, que vivencia
a dor e o sofrimento de seu ente querido. Desse modo, crescem em significado, pois
legitimam o direito do paciente de morrer com dignidade, em detrimento do esforço
ilimitado e desnecessário de curar a doença. Exige-se, portanto, dos médicos uma
base de conhecimento que permita identificar fatores emergentes que possam influen-
ciar o curso da doença limitante de vida, com um excelente controle de sintomas e
consequentemente melhor qualidade de vida.

Cuidados Paliativos: Aspectos Conceituais e Princípios Essenciais | 129


Esse modelo que tem natureza colaborativa insere-se em um conflituoso campo de
intervenções, que inclui também a obstinação terapêutica ou distanásia, a eutanásia e o
suicídio assistido, diretivas antecipadas de vontade, sendo que todas estas têm repercus-
são na qualidade de vida do paciente e de seu entorno, com inegáveis implicações éticas.
A prática colaborativa entre diferentes profissionais, por meio do entrelaçamento e da
mistura de habilidades específicas, tem demostrado melhores resultados para doentes e
suas famílias, que se beneficiam dos serviços de cuidados paliativos.

Panorama Atual dos Cuidados Paliativos


Globalmente, a expectativa de vida vem aumentando continuamente. Nos países
mais desenvolvidos, a expectativa de vida ao nascer para ambos os sexos é estima-
da em 76,9 anos e, nas regiões menos desenvolvidas, 58,4 anos1. Com o aumento
da expectativa de vida da população mundial e o progresso científico que permite
o controle de uma série de doenças que anteriormente conduziam à morte iminente
e que, atualmente, se controla prolongando a sobrevida do indivíduo, a maioria das
pessoas morre de doenças crônicas progressivas, tanto nos países desenvolvidos como
nos países em desenvolvimento. Quase todos morrem por doenças cardiovasculares
(38,5%) e câncer (34%), seguidos de doenças respiratórias crônicas (10,3%), HIV
(5,7%) e diabetes (4,6%)2. Aqueles que necessitam de cuidados paliativos e morrem de
HIV/AIDS, tuberculose e hepatite B e C tendem a ter entre 15 e 59 anos, enquanto os
que morrem de doença de Alzheimer, doença de Parkinson, doenças respiratórias crô-
nicas, doenças cardiovasculares, diabetes, artrite reumatoide e câncer têm predomi-
nantemente mais de 60 anos. Porém, independentemente do diagnóstico, os pacientes
sofrem problemas similares como dor, dispneia, sofrimento psicossocial e espiritual2.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, em todo o mundo, dos quase
20 milhões de pessoas, por ano, que necessitem de cuidados paliativos no fim da vida,
cerca de 80% vivem em países de baixa e média renda; 67% são idosos (mais de 60
anos) e em torno de 6% são crianças. A maioria da população acredita que essa neces-
sidade inclui o ano anterior à morte, totalizando, assim, 40 milhões de pessoas por
ano com indicação dessa medicina solidária3.
De forma geral, os princípios dos cuidados paliativos que serão discutidos nes-
te capítulo são aplicados aos portadores de enfermidades neurológicas evolutivas
ou degenerativas, renais, cardíacas e hepáticas crônicas, doenças metabólicas, ge-
néticas, câncer etc., males potencialmente letais a médio e curto prazo, que não
respondem a tratamentos disponíveis com finalidade curativa, mas necessitam do
controle da dor e o manejo dos sintomas associados à progressão da doença e seus
respectivos tratamentos4,5.

Aspectos Históricos e Conceituais em Cuidados Paliativos


Os importantes avanços da antibioticoterapia e o desenvolvimento científico e tec-
nológico que sucedeu à Segunda Guerra Mundial atingiram a medicina na década de
1950, propiciando progressos memoráveis que culminaram na cura de várias doenças,
aumentando significativamente a expectativa média de vida. A introdução da estatís-

130 | Dor e Cuidados Paliativos


tica como método de aferição da qualidade dos serviços médicos prestados motivou
os profissionais de saúde a avaliarem a qualidade de seu desempenho, sobretudo pela
incidência de cura e pelo aumento de sobrevida em detrimento do alívio dos sintomas.
Essa realidade trouxe como consequência uma postura diferente desses profissionais,
que passaram a utilizar métodos de diagnóstico e tratamentos altamente sofisticados,
porém extremamente agressivos para os pacientes, prolongando-lhes a existência, po-
rém aumentando-lhes o sofrimento. Esse comportamento da medicina tornou-se cru-
cial diante de doenças como o câncer e o HIV/SIDA, em que a cura só pode ser obtida
por meio de métodos extremamente lesivos e citotóxicos ao organismo (ressecções
cirúrgicas amplas, quimioterapia e radioterapia), requerendo, portanto, uma análise
judiciosa entre o risco e o benefício do tratamento. Os médicos então influenciados
pelas estatísticas frequentemente forçam a indicação de procedimentos curativos ou
abandonam, frustrados, os pacientes não curados à própria sorte. A rápida ampliação
e disseminação desse movimento fez com que os profissionais de saúde percebessem
que, no afã de prolongar a vida, algumas vezes, apenas estavam retardando a morte,
mediante métodos artificiais e cruentos, a distanásia6.
Surgiu, então, um modelo de assistência médica que mantém a orientação de um tra-
tamento curativo, mas recomenda o tratamento precoce de todos os sintomas descon-
fortáveis e a análise criteriosa da indicação de condutas heroicas visando à cura, e se os
pacientes evoluem com doença ativa, progressiva e ameaçadora à continuidade da vida,
eles são mantidos com os necessários cuidados a fim de preservar a qualidade de vida.
Essa nova conduta estabeleceu um equilíbrio entre esses extremos, preenchendo uma
lacuna tão grande no exercício da atividade médica que imediatamente foi reconhecida
em muitos países como uma nova especialidade – a Medicina Paliativa4.
No Brasil, desde 2012, a medicina paliativa é considerada uma área de atuação
médica creditada a algumas especialidades médicas, como a anestesiologia, geriatria
e gerontologia; terapia intensiva; medicina de família e comunidade; oncologia clí-
nica; pediatria; neurologia e cirurgia de cabeça e pescoço. Esse enfoque terapêutico,
bem como o conceito de hospice, ambos com características multidisciplinares, foi
introduzido no Brasil na década de 19807,8.
O termo “paliativo” deriva da palavra latina pallium, que significa capa, manto.
Essa etimologia aponta para a essência dos cuidados paliativos: aliviar os efeitos
das doenças incuráveis, buscando integrar as diferentes dimensões do cuidado
físico, psicológico, social e espiritual, de tal modo a facilitar ao paciente não so-
mente um morrer em paz, mas também um viver ativo, na medida do possível, até
o momento final.
O cuidado paliativo foi definido inicialmente como um cuidado ativo e total de pa-
cientes com doença ativa, progressiva e avançada, em que o prognóstico de vida é
limitado e o foco de importância é a qualidade de vida – incluindo seu grupo familiar
–, com base em uma equipe multiprofissional, quando a enfermidade não responde a
terapêuticas curativas, considerando sua morte como um processo normal, que não
pode ser retardado nem acelerado. Contudo, o uso do termo “curativo” não é adequa-
do, uma vez que muitas condições crônicas não podem ser curadas, mas podem ser
compatíveis com uma expectativa de vida por vários anos8.

Cuidados Paliativos: Aspectos Conceituais e Princípios Essenciais | 131


À medida que essa filosofia de cuidado foi se desenvolvendo, esse conceito foi mo-
dificado em todo o mundo. Em 2002, a OMS redefiniu o conceito de Cuidados Palia-
tivos, dando ênfase à prevenção do sofrimento. “É uma abordagem que aprimora a
qualidade de vida dos pacientes e das famílias que enfrentam problemas associados
a doenças ameaçadoras da vida, através da prevenção e do alívio do sofrimento, por
meio de identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros proble-
mas de ordem física, psicossocial e espiritual.”

Princípios em Cuidados Paliativos


O trabalho de uma equipe de cuidados paliativos é regido por princípios claros que
podem ser evocados em todas as atividades desenvolvidas. Esses princípios também
foram publicados pela OMS em 1986 e reafirmados em 2002 (Tabela 1).
Tabela 1 – Princípios dos cuidados paliativos8
Princípios dos cuidados paliativos (OMS, 1996, 2002)
1 Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis.
2 Afirmar a vida e considerar a morte como um processo natural.
3 Não acelerar nem adiar a morte.
4 Integrar aspectos psicológicos e espirituais no cuidado com o paciente.
Oferecer um sistema de suporte que auxilie o paciente a viver tão ativamente quanto
5
possível, até o momento de sua morte.
Oferecer um sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do pa-
6
ciente e a enfrentar o luto.
Oferecer uma abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e
7
seus familiares, incluindo acompanhamento do luto.
8 Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença.
Iniciar, o mais precocemente possível, os cuidados paliativos, juntamente com outras
medidas de prolongamento da vida, como quimioterapia e a radioterapia, e incluir
9
todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar situações
clínicas estressantes.

Como definido por Saunders, o cuidado paliativo está dirigido para o alívio do so-
frimento e da “dor total”, termo por ela introduzido na década de 1970, que descreve
todos os aspectos que rodeiam o doente com dor, em especial o paciente oncológico.
Saunders estabeleceu três princípios essenciais para atingir os objetivos dos cuida-
dos paliativos. Estes são: tratamento dos sintomas, destacando-se o controle da dor;
apoio psicossocial e espiritual, além da comunicação contínua e da adaptação das
necessidades do doente e de sua família, considerando o paciente, e não a doença,
como o verdadeiro centro da atenção, trabalhando com uma equipe multiprofissio-
nal e interdisciplinar, para oferecer uma resposta rápida e efetiva aos pacientes, suas
famílias e aos cuidadores profissionais9. Em alguns casos, a perspectiva existencial,
mesmo sem dor e outros sintomas, pode não ter significado. Para as famílias, há,
igualmente, grande sofrimento nesse processo: perda antecipada, testemunho per-
manente da angústia emocional do paciente e o convívio com os fardos do cuidado.
Finalmente, os cuidadores profissionais testemunham potencialmente o sofrimento

132 | Dor e Cuidados Paliativos


do paciente e de sua família, que desafia seus recursos emocionais. De acordo com
esse modelo, o sofrimento de cada um desses três grupos está inextricavelmente
inter-relacionado, de tal forma que a angústia percebida por qualquer um dos três
grupos pode amplificar o sofrimento dos outros (Figura 1)10. Esse modelo tem sido
chamado de sofrimento recíproco11.

Figura 1 – A inter-relação entre a angústia do paciente, da família e dos prestadores de cuidados


de saúde10-12.

Prevalência da Dor e Outros Sintomas


Segundo a OMS, o doente com câncer apresenta uma média de dez sintomas de
uma vez. A dor, mesmo não sendo o sintoma mais frequente, é o que significativamen-
te afeta a qualidade de vida dos doentes com câncer na terminalidade, constituindo-se
num fator importante do sofrimento relacionado com a doença, mesmo quando com-
parado à expectativa de morte.
Anteriormente, dados da literatura registravam estudos de prevalência de sin-
tomas predominantemente em pacientes com câncer. Grandes conjuntos de dados
com base em outras populações de pacientes com doença avançada com risco de
vida foram publicados nessa última década. Embora a generalização seja proble-
mática, a evidência sugere que, para pacientes com doença avançada e progressiva
oncológica e não oncológica existe um grupo central de sintomas comuns, prin-
cipalmente no último ano e provavelmente nos últimos dias de vida, conforme
meta-análise que incluiu 64 estudos e identificou 11 sintomas preditivos (Tabela 2)13.
A dor aparece como o sintoma mais prevalente nos portadores de câncer e de HIV/
AIDS e a dispneia e fadiga, nos portadores de doença cardíaca e DPOC. Doença
cerebrovascular (AVC) e doença de Alzheimer, classificadas como a segunda e a
quarta causa mais comuns de morte em todo o mundo, respectivamente, não fo-
ram incluídas na meta-análise13.
Esses dados estatísticos qualificam a dor crônica como um problema de saúde pú-
blica importante, que requer atenção, independentemente da origem da doença que a
ocasionou. A dor crônica frequentemente está associada a uma sequência continuada
de tratamentos falhos, o que promove ainda mais o processo de condicionamento pa-
tológico, mesmo quando são escolhidos os tratamentos corretos. Esse cenário sugere
que fatores inter-relacionados menos evidentes e alheios à medicina mantenham essa

Cuidados Paliativos: Aspectos Conceituais e Princípios Essenciais | 133


condição desfavorável, como problemas conceituais, administrativo-legais e de trans-
ferência de tecnologia por meio da educação continuada na área de dor.
Tabela 2 – Prevalência de sintomas em doenças ameaçadoras da vida13
Doença Doença renal
Sintomas Câncer (%) HIV/AIDS (%) DPOC (%)
cardíaca (%) (%)
Dor 35-96 63-80 41-77 34-77 47-50
Depressão 3-77 10-82 9-36 37-71 5-60
Anorexia 13-79 8-34 49 51-75 39-70
Confusão 6-93 30-65 18-32 18-33 -
Fadiga 32-90 54-85 69-82 68-80 73-87
Dispneia 10-70 11-62 60-88 90-95 11-62
Insônia 9-69 74 36-48 55-65 31-71
Náusea 6-68 43-49 17-48 - 30-43
Constipação 23-65 34-35 38-42 27-48 29-70
Diarreia 3-29 30-90 12 - 21
Anorexia 30-92 51 21-41 35-67 25-64

Portanto, o controle dos sintomas, com ênfase no alívio da dor, é um dos compo-
nentes essenciais e instrumento fundamental dos cuidados paliativos, independente-
mente da etiologia da doença.

Modelo de Intervenção Terapêutica


Diagnosticar, prevenir, tratar e curar (muitas vezes) faz parte da arte milenar do
médico, porém, estamos nos esquecendo da arte e da ciência de prognosticar. Muitos
autores têm estudado a conduta dos profissionais ante o ato de prognosticar. De modo
geral, a maioria dos clínicos evita fazer previsões ou, se as fazem, as guardam para si
e não as comunicam ao paciente; quando informam, não o fazem claramente, supe-
restimando o prognóstico em situação de doença avançada, incurável e progressiva.
As intervenções terapêuticas estão intimamente relacionadas com o prognóstico para
delinear os objetivos do plano individual de intervenção, como também com a gestão
de expectativas, prioridades, tomadas de decisão e escolhas terapêuticas de pacientes
e familiares.
O tratamento efetivo da dor crônica, como fenômeno multidimensional, requer
fluidez conceitual que incorpore uma compreensão de como os fatores físicos, psi-
cológicos, espirituais e sociais afetam a neurofisiologia da nocicepção, da percepção
da dor, da modulação da dor, do sofrimento e do comportamento doloroso. Uma con-
duta analítica para avaliar os pacientes com dor nos cuidados paliativos como um
sistema biopsicossocial ajuda o médico a organizar efetivamente as informações de
forma categórica para poder formular racionalmente uma interação dos fatores ao
longo da via causal até a cronicidade12,14. Essas formulações, com uma lista de pro-
blemas priorizados e um plano de controle objetivo, direcionam para um tratamento
mais efetivo que o tratamento convencional. Entretanto, muitos aspectos cruciais dos
cuidados paliativos se aplicam perfeitamente à medicina curativa, bem como, de outro

134 | Dor e Cuidados Paliativos


lado, o desenvolvimento dos cuidados paliativos pode influenciar positivamente ou-
tras formas de cuidados de saúde, ao valorizar aspectos que ficam em segundo plano
por causa do domínio da medicina chamada científico-tecnológica, como a dimensão
humana, ética e espiritual9,14.
Desde o início do movimento hospice moderno, os cuidados paliativos liderados
por Cicely Saunders, no Reino Unido, Vittorio Ventafridda, na Europa, e Monte Bal-
four, no Canadá, evoluíram e agora estão integrados à medicina tradicional. Assim,
os cuidados paliativos têm recebido atenção crescente de pacientes, profissionais de
saúde e gestores nos últimos anos, tanto nos países desenvolvidos como nos em de-
senvolvimento9,15. Adaptados para diversos sistemas de saúde, os serviços de cuidados
paliativos se intensificaram em mais de cem países. Embora originalmente concebido
como algo direcionado apenas aos cuidados de fim da vida, os cuidados paliativos tor-
naram-se mais integrados, com serviços oferecidos ao longo da trajetória da doença
ameaçadora da vida12,15 (Figura 2).

Figura 2 – Intervenções terapêuticas nos cuidados paliativos12,15

Portanto, a OMS estabelece que os tratamentos curativos e paliativos não sejam


excludentes, podendo oferecer ao paciente melhor qualidade de atenção desde o início,
de uma forma mais ampliada a qualquer patologia em fase avançada, independente-
mente da etiologia, ou seja, os cuidados paliativos não são indicados pelo diagnóstico,
mas pela evolução da doença e pelas necessidades do doente, tendo como base para
a tomada de decisões a avaliação de desempenho funcional, por meio da Palliative
Performance Scale – PPS (Tabela 3). Estudos demonstraram que 90% dos pacientes
com PPS igual a 50% não têm sobrevida superior a seis meses, estando, nesses casos,
indicado o acompanhamento ativo desses pacientes por equipe de cuidados paliativos.
A fase final da vida coincide com PPS em torno de 20%16.

Cuidados Paliativos: Aspectos Conceituais e Princípios Essenciais | 135


Tabela 3 – Palliative Performance Scale (PPS)
Atividade e Nível de
% Deambulação Autocuidado Ingesta
evidência da doença consciência
Atividade normal;
100 Completa Completo Normal Completa
sem evidência
Atividade normal; Normal ou
90 Completa Completo Completa
alguma evidência reduzida
Atividade normal com
Normal ou
80 Completa esforço; Completo Completa
reduzida
alguma evidência
Incapaz para
Normal ou
70 Reduzida trabalho. Doença Completo Completa
reduzida
significativa
Incapaz para hobbies Completa ou
Assistência Normal ou
60 Reduzida e trabalho doméstico. períodos de
ocasional reduzida
Doença significativa confusão
Maior tempo Incapacitado para Completa ou
Assistência Normal ou
50 sentado ou qualquer trabalho. períodos de
considerável reduzida
deitado Doença extensa confusão
Incapaz para
Assistência Completa/
Maior parte do a maioria das Normal ou
40 quase sonolência +/-
tempo acamado atividades. reduzida
completa confusão
Doença extensa
Incapaz para qualquer Completa/
Totalmente Dependência Normal ou
30 atividade. sonolência +/-
acamado completa reduzida
Doença extensa confusão
Incapaz para qualquer Mínima a Completa/
Totalmente Dependência
20 atividade. pequenos sonolência +/-
acamado completa
Doença extensa goles confusão
Incapaz para qualquer Confuso ou
Totalmente Dependência Cuidados
10 atividade. coma +/-
acamado completa com a boca
Doença extensa confusão
0 Morte - - - -

Estratégia para Manejo da Dor e Outros Sintomas


As equipes de saúde dedicadas aos cuidados paliativos devem entender que um mau
controle dos sintomas se traduz em sobrecarga física e psicológica para o paciente, por
isso, devem existir vias de comunicação claras e determinadas para a assistência e o
estabelecimento de consenso profissional para quando se apresentarem algumas difi-
culdades, sendo o familiar um pilar fundamental para incentivar o paciente na adesão
ao tratamento da dor e no manejo dos efeitos adversos
Com base nessa avaliação, pode-se formular um plano de cuidados interdisciplina-
res para atender às necessidades da trilogia dos cuidados: paciente, família e cuidado-
res em cada uma das dimensões física, psicológica, social e existencial (espiritual)12. A
formulação pode ser resumida num documento que descreve o seguinte:
1. A condição clínica do paciente e os objetivos dos cuidados.
2. Descrição da família envolvida e dos cuidadores profissionais.

136 | Dor e Cuidados Paliativos


3. Problemas do paciente: físico, psicológico, existencial, social, de comunicação e
compreensão.
4. Questões familiares: físicas, psicológicas, existenciais, sociais, de comunicação
e compreensão.
5. Questões do cuidador profissional: pessoais, emocionais, de treinamento, ne-
cessidade de recursos.
6. Avaliação do enfrentamento: paciente, família e pessoal profissional.
7. Planejamento de contingência: contingências previstas, planejadas e intervenções.
Historicamente, Twycross já tinha proposto uma estratégia de base científica para
o manejo adequado da dor e de outros sintomas que se resume na sigla EMA17:
• Evolução e Explicação
• Manejo terapêutico e Monitorização
• Atenção aos detalhes
Rotineiramente, essa estratégia se faz necessária para implementar os ajustes tera-
pêuticos, a considerar: progressão da doença; desenvolvimento de tolerância; apareci-
mento de efeitos adversos intratáveis; fatores farmacocinéticos e farmacodinâmicos;
identificação do padrão temporal da dor e do tipo de dor; abordagem adequada do
componente neuropático da dor mista, frequentemente negligenciado, contribuindo
diretamente para a baixa adesão ao tratamento analgésico18.
Os fatores não físicos envolvidos na expressão dos sintomas de difícil controle, como
a ansiedade pela proximidade da morte, depressão reativa e a dimensão espiritual
presente na evolução do doente com doença avançada, contribuem negativamente, se
não forem identificados e abordados adequadamente pela equipe multiprofissional,
para a qualidade de morte dos pacientes19.

Cuidados Paliativos na Atenção Domiciliar


Observamos que na presença de um paciente com diagnóstico de doença ter-
minal associada à dor total e à diminuição da capacidade funcional, a equipe de
saúde inicial tende a abandonar e cessar a atenção ao paciente, transferindo essa
responsabilidade para as famílias em suas residências, o que gera verdadeiras crises
familiares. Desse modo, os pacientes passam a utilizar com maior frequência os
serviços de emergência por causa do quadro de dor não controlada, que, no melhor
dos casos, é estabilizada em centros assistenciais, ou são transferidos para outros
serviços, ocasionando maior gasto institucional e insegurança para o paciente e sua
família, que se sentem rejeitados e mal atendidos, e é nesse momento que a atenção
domiciliar ganha espaço.
A analgesia domiciliar, bem como o controle dos outros sintomas desconfortáveis,
que serão discutidos em outros capítulos, segue os mesmos princípios, sendo efetiva
sem riscos notáveis de efeitos adversos, entretanto, os bons resultados vão reque-
rer maior compromisso das famílias. É, portanto, vital avaliar a disponibilidade e a
competência dos sistemas de suporte dos profissionais e da família em conduzir as
recomendações médicas. Deve-se avaliar o grau de conflitos interpessoais, a dinâmica
familiar, o tipo de família, a religião e os valores em relação à morte e finalmente o

Cuidados Paliativos: Aspectos Conceituais e Princípios Essenciais | 137


tipo de atenção domiciliar e a farmacoterapia proposta para o alívio da dor e de outros
sintomas frequentes na terminalidade.
O provedor dos cuidados pode ser um familiar motivado por um componente emo-
cional (cuidador informal) ou pessoa contratada para realização do cuidado (cuidador
formal). Geralmente, na maior parte das famílias, o cuidado do paciente crônico é as-
sumido por um único membro da família, chamado de “cuidador principal”, que pode
ocorrer voluntariamente ou por acordo familiar. O cuidador deve exercer diferentes
tipos de habilidade: de enfermeiro, conselheiro, psicólogo e advogado, além de cum-
prir com o resto de suas responsabilidades particulares já anteriormente adquiridas,
sendo nítida a dificuldade para compatibilizar os diferentes tipos de responsabilidade,
o que repercute na qualidade de atenção que é delegada ao paciente, podendo levar
ao estresse em consequência da intensidade e continuidade dos cuidados e da carga
emocional da situação vivida. Sua resposta a essa situação vai depender muito da
forma como a equipe multiprofissional, responsável pela assistência domiciliar, valo-
riza essa situação. O cuidador principal merece uma esmerada atenção por parte da
equipe e deve receber uma justa atenção e reconhecimento dos outros membros da
família e da sociedade. Por tudo isso, é recomendável que o médico, desde o princípio,
aborde o grupo familiar e, dessa maneira, conduza a identificação, entre os membros,
daquele que têm propensão para cumprir as tarefas de cuidador principal, buscando
um acordo e a colaboração de todo o grupo.
Na atenção domiciliar é disponibilizada uma equipe multiprofissional integrada
por médico, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, orientador
espiritual e voluntários, que deve informar ao grupo familiar sobre a doença de seu
parente, sua evolução, o prognóstico e sobre como os cuidados devam ser realizados e,
além de oferecer apoio moral e ajuda psicológica, também levará apoio espiritual dado
por sacerdote ou orientador espiritual.
Há importantes evidências sobre os benefícios dos cuidados paliativos no domi-
cílio. Uma revisão de Cochrane recente identificou 23 estudos, dos quais 16 foram
ensaios clínicos randomizados, incluindo 37.561 pacientes, em sua maioria com cân-
cer avançado, e 4.042 cuidadores familiares, por meio do qual foi demonstrado que
uma equipe especializada em cuidados paliativos no domicílio mais do que duplicou
as chances de os pacientes morrerem em casa em comparação com os que recebiam
cuidados convencionais, e ainda com redução dos sintomas desconfortáveis20.
Os cuidados paliativos domiciliares englobam valores científicos e éticos que não
devem ser considerados um luxo restrito a uma elite que pode adquirir esse tipo de
cuidado de forma privada; eles devem ser vistos como uma forma solidária de assis-
tência integrada no sistema de saúde pública.

Considerações Finais
Tratar além de curar é missão básica dos profissionais médicos. Com a atual taxa
de mortalidade, a parte essencial do controle da dor nos cuidados paliativos é melho-
rar a qualidade de vida e/ou a qualidade da morte. Cuidados no fim da vida são parti-
cularmente intensos por causa das diferentes dimensões envolvidas no adoecimento.
Essas dimensões, que incluem as condições físicas, emocionais, sociais, espirituais e

138 | Dor e Cuidados Paliativos


práticas, podem variar em importância nos diferentes estágios do processo da morte,
independentemente do diagnóstico da doença.
Finalmente, os cuidados paliativos, pela qualidade de vida que proporcionam, de-
vem ser aceitos e propagados por todos, porque nada pode mudar tanto a qualidade
de vida dos doentes em situação terminal e de suas famílias como a colocada em prá-
tica por meio de procedimentos e técnicas de alívio da dor e de abordagem integral
do sofrimento, que se adquirem somente com essa modalidade de assistência. Nesse
processo de mudança por uma melhor terminalidade, todos nós podemos ser neces-
sários, conforme nos recomenda o nosso Código de Ética Médica, no cap. I, Princípios
Fundamentais, art. XXII21, que defende que, nas situações clínicas, irreversíveis e ter-
minais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos
desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos
apropriados, necessários para maximizar a qualidade de vida e de fim de vida.

Referências
1. World Health Organization. The top 10 causes of death. Geneve: WHO, 2013.
2. World Health Organization. World Health Statistics 2012. Geneve: WHO, 2012
3. World Health Organization. Projections of mortality and causes of death, 2015 and 2030. Geneva:
WHO, 2015.
4. Bruera E, De Lima L, Wenk R et al. Palliative care: basic principles. In: Bruera E. Palliative care
in developing world: principles and practice. Houston: International Association for Hospice and
Palliative Care, 2004. p. 1-9.
5. De Simona G, Tripopdoro V. Fundamentos de cuidados paliativos y control de sintomas. Buenos
Aires: Pallium Latinoamérica, 2004.
6. Pessini L, Bertachini L (Org.). Humanização e cuidados paliativos. São Paulo: EDUNISC-Ed.
Loyola, 2004.
7. National Council for Hospice and Specialist Palliative Care Services. Specialist palliative care: a
statement of definitions. London: National Council for Hospice and Specialist Care Services; 1995.
(Ocasional papear, 8)
8. Davies E, Higginson I. The solid facts: palliative care. Geneva: WHO; 2004.
9. Saunders DC (Ed.). Hospice and palliative care: an interdisciplinary approach. London: Edward
Arnold, 1990.
10. Cherny NI, Coyle N, Foley KM. The treatment of suffering when patients request elective death. J
Palliat Care, 1994;10,:71-9.
11. Wittenberg-Lyles E, Goldsmith J, RaganS. The shift to early palliative care: a typology of illness
journeys ad the roleof nursing. Clin J Oncol Nurs, 2011; 15: 304-10.
12. Stjernsward J, Clark D. Palliative medicine: a global perspective. In: Doyle D, Hanks GWC,
Cherny N et al. (Ed.). Oxford textbook of palliative medicine. Oxford: Oxford Univerty Press,
2003. p.1199-224.
13. Solano JP, Gomes B, Higginson IJ. A comparison of symptom prevalence in far advanced cancer,
AIDS, heart disease, chronic obstructive pulmonary disease and renal disease. J Pain Symptom
Manage, 2006;31:58-69.
14. Astudillo W, Rocha AC, Mendinueta C. Alivio de las situaciones difíciles y del sufrimiento en la
terminalidad. San Sebastián: Sociedad Vasca de Cuidados Paliativos, 2005.
15. World Health Organization. Primary health care: now more than ever. Geneva: WHO; 2008
16. Palliative Performance Scale (PPSv2) version 2. In: Victoria Hospice Society. Medical care of the
dying. 4th ed. Victoria Hospice Society, 2006. p.120.

Cuidados Paliativos: Aspectos Conceituais e Princípios Essenciais | 139


17. Twycross R. Introducing palliative care. 4th ed. Radcliff Med, 2003. p. 4-8.
18. Cardoso MGM, Weinstock JG, Sardá Jr JJ. Adesão ao tratamento da dor neuropática. Rev Dor,
2016;17(Suppl 1):107-9.
19. Silva JO, Araújo VMC, Cardoso BGM et al. Dimensão espiritual no controle da dor e sofrimento do
paciente com câncer avançado: relato de caso. Rev Dor, 2015; 16:71-4.
20. Gomes B, Calanzani N, Curiale V et al. Effectiveness and cost-effectiveness of home palliative care
services for adults with advanced illness and their caregivers. Cochrane Database Systc Rev, 2013;
(6):CD007760.
21. Conselho Federal de Medicina Brasil. Resolução nº 1.931, de setembro de 2009. Código de Ética
Médica. Cap. I, Princípios Fundamentais, Art. XXII. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2010.

140 | Dor e Cuidados Paliativos


12
Capítulo

Informação e Comunicação em
Cuidados Paliativos
Guilherme Antonio Moreira de Barros
Danielle Soller Lopes
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso

Introdução
Os cuidados paliativos, segundo a Organização Mundial de Saúde, são cuidados
direcionados a portadores de doenças ameaçadoras da vida que têm como objetivo a
melhora da qualidade de vida de pacientes e familiares, aliviando a dor e outros sinto-
mas, proporcionando apoio espiritual e psicológico desde o momento do diagnóstico
até o final da vida, incluindo a fase de luto1.
A comunicação é a base do relacionamento humano e não poderia ser diferente
quando se refere à relação médico-paciente. A boa comunicação pode ter efeito be-
néfico sobre o paciente, mas a comunicação praticada de forma desrespeitosa pode
ter efeito iatrogênico, especialmente quando envolve a revelação de uma má notícia.
Elementos como empatia, compreensão, interesse, desejo de ajuda e bom humor são
indispensáveis para conseguir um ambiente de conforto emocional, no qual o pacien-
te receberá informações sobre doença e diagnóstico, e o médico agirá segundo seus
conhecimentos, experiência clínica e suas capacidades humanas2-4. Os profissionais
envolvidos nesses cuidados necessitam de habilidades específicas nas quais o tema
“comunicação” possui importante papel. Na maioria das vezes os pacientes possuem
doenças de alta complexidade, e as demandas de cuidados do paciente e da própria
família, são muito altas4.
Todos gostamos de comunicar quando o conteúdo a ser transmitido é bom: o suces-
so de uma proposta terapêutica, o nascimento de uma criança saudável, a alta hospi-
talar etc. Mas quando o conteúdo envolve uma má notícia, o sentimento é totalmente
distinto e evitamos ao máximo sermos expostos à situação5. Pode-se definir uma má
notícia como qualquer informação que possa afetar de forma séria e adversa a visão
de um indivíduo sobre seu futuro. A maioria dos profissionais de saúde já se deparou,

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 141


ou irá se deparar, com a necessidade de revelar uma má notícia. Esta pode ser um
diagnóstico de uma doença que ameace a vida, como o câncer; uma doença crônica,
como diabetes ou AIDS; a amputação de um membro; o fim das possibilidades cura-
tivas; um prognóstico ruim; a perda da visão ou audição; uma intercorrência em uma
cirurgia; o custo de um tratamento; a proximidade da morte e muitos outros fatores
que gerem grande estresse para o profissional5.
Durante o aprendizado em saúde, especialmente em medicina, o grande objetivo a
ser alcançado é a cura. A impossibilidade da cura é encarada como falha, insucesso.
Enxerga-se a morte como o maior inimigo a se combater. No entanto, a medicina atual
oferece, na maioria das vezes, o controle da doença e não a cura6. Atualmente, vive-se
uma época de maior longevidade, portanto, há maiores possibilidades de que doen-
ças crônicas se desenvolvam. A perspectiva de ensino na cura gera profissionais que
assimilam enorme estresse em comunicar uma má notícia, especialmente em caso
de doença crônica ou ameaçadora da vida, pois eles também carregam a culpa e a
sensação de falha ao não oferecerem a cura7.
Segundo Silva, em publicação do Grupo de Trabalho sobre Cuidados Paliativos do
Cremesp, “[...] a tristeza de um diagnóstico ruim é insuportável para ambos, médico
e paciente, sendo que o médico reage a essa tristeza usando os mecanismos de defesa
que aprendeu ao longo de sua formação, em especial o distanciamento. E o paciente
muitas vezes reage através da depressão e da melancolia, pela falta de acolhimento no
momento de tão grande dor”7.

Decisão de se informar
Muitos familiares e profissionais da saúde optam por não revelar a verdade nos
casos em que a morte está próxima, o que visa “proteger” o paciente do impacto da má
notícia. Quando essa atitude é adotada o paciente é privado da chance de se despedir,
de tomar providências práticas como testamento, herança, de providenciar e parti-
cipar de rituais religiosos, de se desculpar, de revelar segredos, de fazer coisas que
sempre quis fazer, de dizer “eu te amo”, de fazer as pazes consigo mesmo. Ademais,
a chance de um paciente que ignora seu real estado de saúde optar por tratamentos
fúteis ou recusar opções de cuidados paliativos aumenta consideravelmente.
Além disso, cada vez mais de forma compulsória, os profissionais da saúde têm
a obrigação de fornecer e solicitar o termo de livre consentimento e esclarecimento
previamente a qualquer procedimento. Não é possível o paciente consentir com um
tratamento ou com uma opção terapêutica se ele não tem informação suficiente,
nem em quantidade nem em qualidade, para decidir6. Muitos fatores influenciam a
forma e a qualidade do ato de se comunicar eficientemente com os pacientes, entre
eles, as condutas e abordagens adotadas pelo serviço em que o profissional de saúde
está engajado, a idade, o cansaço, o contexto cultural, a crença religiosa e o trei-
namento sobre comunicação recebido. Esse treinamento pode ser adquirido como
ensino formal ou pelo exemplo de outros profissionais em práticas semelhantes. Sa-
be-se, entretanto, que o treinamento do profissional pode ter efeito positivo sobre a
qualidade da comunicação2.

142 | Dor e Cuidados Paliativos


Muitos autores afirmam que o processo da transmissão da informação é o que
provavelmente o paciente e sua família se lembrarão para o resto da vida. Tem mais
impacto, assim, o “como” se informa, e não “o que” se informa. De acordo com o que
Howard Brody, em seu livro sobre decisões éticas em medicina, cita: “A decisão de se
revelar um prognóstico grave, que pode ser ética por si só, pode se tornar antiética se
ela é feita abruptamente e, após isso, o médico se isenta de oferecer suporte emocional
para ajudar o paciente a lidar com seus sentimentos. Na verdade, assegurar que o
médico pretende estar ao lado do paciente ao longo do processo de adoecer e que ele
sempre estará disponível para oferecer todo o conforto possível pode ser mais impor-
tante do que a má notícia por si só. Em muitos dos casos difíceis, em que se é oferecida
uma justificativa para ocultar a verdade do paciente, a ausência de demonstração da
compaixão pode produzir mais dano que o fato de se revelar a verdade”8.
Comunicar uma má notícia pode ser um grande desafio. Ao mesmo tempo em que
se espera que um profissional da saúde seja honesto e aberto, ele não pode tirar a
esperança; deseja-se que ele seja humano e solidário, mas, simultaneamente, forte e
profissional. É como estar em pé em um rio caudaloso tentando manter o equilíbrio5.
Técnicas ou treinamentos específicos de comunicação com os pacientes são muito im-
portantes, pois o ato de revelar uma má notícia pode resultar em um elo de empatia
e confiança entre o paciente e o médico; ou, por sua vez, se a comunicação for inade-
quada, pode resultar em uma consequência iatrogênica e devastadora. Além disso,
aprender sobre comunicação em medicina, implementando técnicas e protocolos, hoje
em dia, são fundamentais2. A população aumentou seu grau de exigência no atendi-
mento à saúde e passou a buscar mais transparência e qualidade no relacionamento
provedor de saúde-paciente.

Por que informar uma má notícia?


A literatura proveniente de diversos países, por todo o mundo, demonstrou que
a maioria das pessoas inseridas nas culturas estudadas gostaria de saber seu diag-
nóstico, mesmo que implicasse uma doença sem possibilidade de cura5. Um estudo
realizado na Unesp envolvendo cem profissionais da saúde revelou que, se estivessem
doentes, 96% deles gostariam de receber informações sobre seu diagnóstico, e 81%,
sobre seu prognóstico; 90% não admitiriam mentira nem omissão daqueles respon-
sáveis por seus cuidados9. Um trabalho realizado na USP com 363 pessoas atendidas
constatou que 96,1% das mulheres e 92,6% dos homens gostariam de ser informados
do diagnóstico de câncer, e mais de 90%, de AIDS10.
Diversos estudos corroboram a necessidade de que os pacientes sejam conscienti-
zados de seu estado de saúde, relatando que os indivíduos informados apresentam um
maior grau de ajustamento à realidade, com menores níveis de depressão e ansieda-
de11. Nesse contexto, as pesquisas têm relatado que a mentira e a omissão do verdadei-
ro estado clínico do enfermo demonstram ser práticas insatisfatórias para a maioria
dos pacientes, apresentando ainda um potencial capaz de causar dano maior do que
a decepção causada pela revelação de uma má notícia11. Fornecer informações ao pa-
ciente sobre seu estado, seus diagnósticos, prognósticos, tratamentos e resultados de
exame é um direito fundamental dos pacientes e um dever ético dos profissionais de

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 143


saúde contemplado no Código de Ética, como já dito. No entanto, muitas vezes os
médicos violam o direito à confidencialidade daqueles sob seus cuidados, revelando
seu diagnóstico a outras pessoas, mesmo familiares, embora o paciente é quem tem o
direito de decidir para quem deseja revelar sua condição, e não o contrário.
Sabe-se que os pacientes informados colaboram melhor com o tratamento cura-
tivo e têm maior acesso às opções terapêuticas paliativas, atingindo assim melhor
qualidade de vida e melhor controle dos sintomas. Do mesmo modo, não recorrem
com tanta frequência a tratamentos fúteis e, em consequência, estreitam e facilitam
consideravelmente a relação médico-paciente. De modo geral, as opções de tratamen-
tos curativos oferecidas, como cirurgias e quimioterapias, podem impactar negati-
vamente a qualidade da vida, levando a efeitos adversos de difícil controle, o ajuste
medicamentoso pode levar semanas, pode apresentar restrições na vida prática do
enfermo, hospitalizações etc. O paciente que não é informado tem uma probabilida-
de muito maior de não aderir a esses tratamentos, de não aceitar intervenções, não
seguir adequadamente as posologias e recomendações12. Por sua vez, quando não se
sabe a gravidade ou o estadiamento da doença, por exemplo, em caso de câncer sem
possibilidade de cura, a chance de o paciente receber tratamentos fúteis, intervenções
heroicas, criar esperanças e expectativas falsas em tratamentos paliativos é exponen-
cialmente maior12.
Quando se decide pela “conspiração do silêncio”, em que todos os envolvidos com
os cuidados omitem ou mentem a respeito do real estado de saúde do paciente, esta-
belece-se uma barreira entre a família e o enfermo. Este fica no isolamento, muitas
vezes sabendo que tem uma doença grave e que as informações estão sendo omitidas,
ou, pior, que uma falsa condição está sendo oferecida a ele. Exames são escondidos,
bulas trocadas, sorrisos falsos, pouca conversa, afastamento, mentiras. Rompe-se um
laço de confiança com a família e com o profissional de saúde em lugar de se criar
uma condição de apoio, carinho e enfrentamento. Em um dos livros do padre Leocir
Pecini, uma paciente que foi informada de diagnóstico de câncer relata: “[...] o mais
importante, no entanto, foi que a mim e a meus familiares foi poupado um triste jogo
de esconder. Desta maneira, não se criou nenhuma barreira entre nós. Continuamos
unidos, exatamente quando era tão necessário, e aproximamo-nos mais ainda”13.
Informar um paciente, especialmente aqueles portadores de doença que ameace a
vida, é um ato de humanidade, pois permite que as pessoas se preparem para a morte.
Depois do impacto de se defrontar com a própria mortalidade, as pessoas têm a chan-
ce de reavaliar valores, definir o que é mais importante para elas e o que dá sentido
à vida. Há oportunidade para que emoções sejam reveladas. Cicely Sauders afirmou
que, antes de morrer, todas as pessoas deveriam, por direito, ter tempo para dizer
“Desculpe”, “Obrigado”, “Eu te amo” e “Adeus”. Assim, abre-se espaço para que planos
sejam feitos, locais sejam visitados, viagens, testamentos, festas sejam realizados e
decisões sejam tomadas. O paciente ainda se depara com questões de ordem prática,
como pagamento de contas, plano de saúde, custódia de filhos e animais de estimação,
senhas de cofres e diversas outras ações. No momento em que se estabelece uma rela-
ção entre a equipe de cuidados e o paciente, baseada em transparência e confiança, o
enfermo toma parte ativa no processo decisório sobre suas preferências em relação ao

144 | Dor e Cuidados Paliativos


fim da vida, como, por exemplo, quem ele gostaria que respondesse por ele em caso de
estar incapacitado de tomar decisões, se ele gostaria de ser hospitalizado ou permane-
cer em casa, quais os tipos de intervenção que ele recusaria ou aceitaria.
A Resolução do CFM 1.995/2012 trata especificamente sobre o direito de o paciente
estabelecer seu testamento vital, também chamado de diretivas antecipadas de von-
tade. Segundo esta Resolução, os pacientes passam a ter o direito de decidir sobre
tratamentos, local de ocorrência de sua morte e até mesmo indicar um representante
legal para a eventualidade de não poder mais decidir. O médico passa a ter obrigação
de respeitar essas vontades, desde que estejam em consonância com o Código de Ética
Médico14. Essas atitudes, em muitos casos, norteiam o rumo do cuidado oferecido e
tiram um pesado fardo da família quando a morte está próxima e decisões precisam
ser tomadas.

De quem é a obrigação de informar?


No Brasil, muitas vezes a tarefa de comunicar uma má notícia a um paciente é dele-
gada aos enfermeiros. Algumas vezes, por omissão da equipe médica ou porque o enfer-
meiro faz parte da equipe de cuidados. Os enfermeiros são facilitadores da comunicação
entre a equipe de saúde e o paciente e seus familiares, sendo assim, de grande importân-
cia para uma equipe interdisciplinar de cuidados. Graças ao contato mais estreito dos
pacientes com a equipe de enfermagem, é ela que, na medida do possível, encarrega-se
de esclarecer termos médicos e explicar a real dimensão do problema7. Entretanto, é
responsabilidade do médico participar do processo de informação, pois é ele quem está
apto a responder à maioria das questões, prestar mais esclarecimentos sobre a saúde
do indivíduo após uma má notícia em saúde,e a traçar estratégias terapêuticas futuras.
Estudos que abordam as preferências dos pacientes revelam que estes elegem o médico
para informar uma notícia importante quanto à sua saúde, especialmente quando a in-
formação tenha um impacto negativo em sua vida15.
O Código de Ética Médica brasileiro, resolução CFM 1.931/09, em seu artigo 34
determina que é vedado ao médico “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o
prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação dire-
ta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu represen-
tante legal”. Da mesma forma, o princípio XXI contempla que “No processo de tomada
de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões
legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos
diagnósticos e terapêuticos por ele expressos, desde que adequadas ao caso e cienti-
ficamente reconhecidas”. Para que este princípio seja contemplado integralmente a
comunicação deve se estabelecer de forma efetiva16.
É inadmissível que um profissional da saúde transfira a responsabilidade de in-
formar uma notícia ruim, ou talvez qualquer informação relacionada com exames,
diagnósticos ou prognósticos, para membros da família do paciente. Primeiramen-
te, porque o paciente detém o direito exclusivo de informações sobre sua saúde e o
médico fere o princípio da confidencialidade ao revelar dados médicos a outrem que
não o próprio enfermo, salvo em casos excepcionais. Segundo, porque esta é uma
responsabilidade do médico e da equipe de saúde que deve estar apta a informar cor-

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 145


retamente, com clareza e, de preferência, com profissionalismo e humanidade. Não
cabe aos familiares esclarecerem dúvidas e outros questionamentos, oferecer opções
terapêuticas que gerem ansiedade para o paciente e que devem ser explicadas, prefe-
rencialmente, por um profissional de saúde envolvido no cuidado deste enfermo, no
momento da má notícia.

O que fazer se a família diz “não conte”?


Infelizmente, isso é relativamente frequente no contexto brasileiro. A família do
paciente o precede, em seu primeiro atendimento, solicitando que o doente não seja
informado. Os familiares trazem para o médico uma rede de mentiras, contradições,
invenções e omissões, solicitando que os profissionais de saúde compactuem com este
cenário, como condição sine qua non para o acompanhamento médico17. Nos países
latino-americanos, o laço familiar é forte e em geral não é possível tratar de um indi-
víduo isoladamente de sua família. Esta tem papel ativo no processo decisório e nos
cuidados oferecidos aos pacientes.
Em dois estudos brasileiros, observou-se que o envolvimento da família do pacien-
te no processo de adoecer é fundamental para grande parcela dos enfermos. O estudo,
realizado na Unesp, demonstra que aproximadamente metade dos profissionais de
saúde envolve os familiares no processo de informação e o mesmo número gostaria
que a família fosse envolvida em caso de doença9. O estudo realizado na USP com
pacientes revela que mais de 80% dos entrevistados desejariam que suas famílias
também fossem informadas10.
Uma atitude de confronto entre a equipe de saúde e os familiares pode levar ao afas-
tamento do tratamento e a uma ruptura da relação estabelecida. Todavia, é possível
estabelecer cumplicidade entre médico, família e paciente. Portanto, provavelmente, a
melhor estratégia ética, nesses casos, seria explicar todos os benefícios da informação
aos familiares e as consequências da omissão. A garantia de que a informação será dada
de forma humana, em linguagem apropriada e em quantidade e qualidade que o pacien-
te desejar, assim como a garantia de continuidade do acompanhamento, fazem com que
muitas famílias compreendam e consintam na informação. Avaliar o quanto de infor-
mação o paciente já possui e o quanto ele quer receber, em presença dos familiares, pode
ser também uma estratégia para que estes saibam o que o paciente realmente deseja
ou o que ele já sabe. Muitas famílias supõem que o enfermo desconhece na realidade
seu estado de saúde, mas grande parte deles tem uma noção bem próxima do que está
ocorrendo e é capaz de compreender a situação; inclusive as crianças5.
É possível sugerir reuniões entre a equipe de saúde e os familiares para que os mo-
tivos de compartilhar a má notícia com o paciente sejam expostos, explicando todas
as vantagens da comunicação e as consequências da desinformação, principalmente
para o relacionamento familiar. Assegurar à família que o ônus da informação não
será deles e sim dos membros da equipe de saúde responsáveis pelos cuidados, pode
aliviar a tensão do impasse.
Em último caso, se o profissional de saúde julgar que a informação é necessária
para o melhor entendimento das circunstâncias, ele não é obrigado a acompanhar um
paciente em desacordo com as suas práticas e condutas ético-morais.

146 | Dor e Cuidados Paliativos


Protocolos de Comunicação
Vários treinamentos descrevem técnicas adequadas para transmitir a má notícia.
Estes treinamentos provaram ser eficazes em diminuir o estresse do profissional de
saúde e melhorar suas habilidades de comunicação, propiciando que a informação seja
transmitida de forma humana e realista18. Necessitamos conhecer essas ferramentas
para que nos ajudem a lidar com temas como controle de sintomas; discussão de prog-
nósticos; riscos de tratamentos instituídos; revelação de uma má notícia, recorrência
de enfermidades, transição do tratamento curativo para o tratamento paliativo, fase
final da vida e para compartilhar decisões relacionadas com o tratamento. Além dessa
extensa lista, devemos saber responder às difíceis emoções de pacientes e familiares.
Com frequência precisamos nos comunicar com familiares ou cuidadores por meio
de reuniões em que habitualmente a família ocupa a função de cuidador primário,
promovendo suporte em toda fase da enfermidade e no processo de decisão, além de
conectar o paciente aos provedores de cuidados19.
As reuniões com familiares são de grande importância no cenário de cuidados
paliativos, em que o suporte familiar oferece apoio no planejamento e na continui-
dade do cuidado, além de ser vital para otimizar todo o tratamento. Embora essas
reuniões possam ser desafiadoras, o treinamento e as habilidades de comunicação
aumentam a confiança dos participantes que as conduzem20. A maioria desses pro-
tocolos apresentam somente a abordagem da primeira consulta, não dando conti-
nuidade ao processo de cuidado. Descreveremos um modelo que é endereçado aos
desafios dos cenários de pacientes que necessitam de cuidados contínuos, chamado
Modelo de Comskil, que oferece estratégias e ferramentas capazes de se adaptar
a várias situações desafiadoras (por exemplo: compartilhar más notícias, discutir
prognóstico e as opções de tratamento)4.

Protocolo de COMSKIL
Esse protocolo, desenvolvido em 2005 no Memorial Sloan-Kettering Cancer Cen-
ter, nos Estados Unidos, não só possui estrutura abrangente para as habilidades de co-
municação organizacional, mas também provê descrições específicas em habilidades
necessárias em vários contextos, suprindo assim deficiências encontradas em outras
ferramentas. Trata-se de um modelo de treinamento bem aceito internacionalmente
em que o foco da atenção é centrado no paciente5.
Segundo a OMS, o modelo de atenção centrado no paciente assegura que serviços de
saúde deverão ser adaptados de acordo com as necessidades individuais dos pacientes
e que os cuidados serão fornecidos em parceria com eles, em vez de somente serem en-
tregues. Assim, o cuidado ofertado estará onde pessoas, famílias e comunidades serão
informadas, engajadas, apoiadas e tratadas com dignidade e respeito5. Esse modelo de
atenção alcança adequada comunicação usando estratégias, habilidades, perguntas
e avaliações cognitivas4.As estratégias de comunicação são os planos que, a priori,
direcionam o comportamento de comunicação para uma realização bem-sucedida.
O emprego de várias estratégias associadas facilita o processo. O processo de comu-
nicar, ou seja, a tarefa propriamente dita, é a série de diálogos e comportamentos

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 147


não verbais que proporcionam um ambiente efetivo para a comunicação. São partes
deste processo identificar-se ao paciente, promover um espaço privativo para dar más
notícias e assegurar-se de que possui estratégia de comunicação nãoverbal efetiva, tal
como estar em um mesmo nível de posicionamento que o paciente.
Durante o acompanhamento, o médico observa o comportamento verbal e não ver-
bal dos pacientes, o que permite que ele formule uma hipótese sobre as possíveis ne-
cessidades não declaradas dos enfermos. Essa avaliação cognitiva costuma ter grande
importância em todo processo de cuidado, visto que muitas vezes algumas carências
dos pacientes não são atendidas e isso poderá impedir que o tratamento atenda às
necessidades. O modelo de Comskil apresenta dois tipos de avaliação cognitiva, a pri-
meira por meio das “pistas”, a outra, pelas “barreiras”21.
As “pistas” sugerem comportamentos avaliados de forma indireta e que podem in-
duzir o médico a ofertar informação ou apoio adicional. Um exemplo dessa avaliação
cognitiva é o paciente que, apesar de desejar obter mais informações, não consegue
perguntar de forma clara, fazendo algumas afirmações que induzem o médico enten-
der o que ele realmente deseja21.
As “barreiras” são perceções não reveladas que impedem o estabelecimento de
adequado processo de comunicação. Um exemplo muito comum é o medo quanto ao
emprego de certos opioides ou da quimioterapia, o que induz o enfermo a criar falsas
interpretações que impedem a tomada de decisão de forma adequada21.

Conhecendo e desenvolvendo habilidades


Os Quadros 1 a 6 descrevem as habilidades de comunicação que são apresen-
tadas em seis categorias e que são acompanhadas de exemplos20. Eles auxiliam e
influenciam diretamente os resultados da abordagem do doente e de sua família em
cuidados paliativos.

Quadro 1 – Avaliação
Habilidade de avaliação Descrição Exemplo

Avaliando o entendimento Pergunte ao paciente sobre seu – Fale-me o que você sabe sobre
do paciente entendimento do que lhe foi infor- seu diagnóstico. Por que você
mado ou sobre sua situação atual não me diz o que entendeu sobre
o que eu disse antes?

Avaliando o conhecimento do Pergunte ao paciente sobre sua – Nós estávamos falando sobre
paciente compreensão de termos médicos sua doença e eu disse que houve
o aparecimento de uma nova me-
tástase. O que isso significa para
você?

Avaliando as preferências do Pergunte ao paciente a quantida- – Algumas pessoas desejam


paciente quanto às informações de e o tipo de informação que ele obter muitas informações sobre
deseja saber sua doença, enquanto outros
não desejam saber quase nada.
Quanta informação você deseja
saber hoje?

148 | Dor e Cuidados Paliativos


Quadro 2 – Tomada de decisão compartilhada
Habilidade de tomada de
Descrição Exemplo
decisão compartilhada

Introdução da tomada de decisão Oferecer a tomada de decisão – Existem várias opções de


conjunta conjunta e dizer o quanto essa tratamento e nós podemos de-
conduta é importante cidir juntos qual é a melhor op-
ção para você. Eu acredito que
é muito importante que você
esteja confortável com as deci-
sões acerca de seu tratamento

Avaliação das preferências do Pergunte ao paciente qual é o – É importante que eu saiba


paciente nas tomadas de decisões papel que ele quer desempe- como você gosta de decidir so-
nhar na tomada de decisões. bre seu tratamento. Você pre-
Esse processo é interativo e fere que eu tome as decisões,
algumas vezes poderá mudar que tomemos em conjunto,
durante o processo de doença. que o faça sozinho ou prefere
que sua família decida por
você?

Reforçar o fato de que o proces- Se ocorrerem mudanças na – Lembre-se, eu estou dispo-


so do adoecimento é dinâmico e doença, permita alterações no nível para conversar com você
mutável processo de tomada de deci- sobre todas as opções e nós
são e revise o que foi anterior- podemos tomar as decisões
mente acordado em conjunto

Fazer declarações de parceria Transmita a aliança que pos- – Vamos trabalhar juntos
sui com o paciente para descobrir como resolver
esse problema

Oferecer tempo para que a toma- Reforce que há tempo dispo- – Nós temos algum tempo
da de decisão ocorra nível para a tomada de deci- para decidir. Sabemos tam-
são, quando isso for aplicável, bém que em estudos feitos
e reafirme que tal atraso não anteriormente esse atraso não
vai afetar o tratamento faz diferença para a evolução
da doença

Quadro 3 – Estrutura da comunicação


Habilidade em
Descrição Exemplos
estabelecer a estrutura

Declarar os itens a serem discuti- Indique o que você gostaria de – Hoje eu gostaria de discutir
dos no dia abordar durante a consulta com você as opções de trata-
mento disponíveis

Convidar o paciente a apontar Pergunte ao paciente se existe – Antes de começarmos, eu


temas a serem conversados algum tema que ele gostaria gostaria de lhe perguntar o
de discutir que gostaria de discutir hoje

Negociar a prioridade do dia Solicite ao paciente que ele – Deve haver muito a con-
ajude a priorizar os temas a versar, o que você gostar ia
serem discutidos no dia de pr ior izar como mais
impor tante?

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 149


Quadro 4 – Perguntas
Estimular perguntas Descrição Exemplos
Convidar o paciente a fa- Deixe claro que você está dispo- – Você tem alguma coisa que gos-
zer perguntas nível para responder perguntas taria de discutir ou que queira per-
guntar? É importante que possamos
conversar sobre o que é relevante
para você. Caso pense algo em casa,
não se esqueça de anotar e, assim,
poderemos conversar sobre o assun-
to na próxima consulta
Confirmar a importância Expresse ao paciente a impor- – Perguntar é uma ótima maneira
das questões sempre per- tância de se fazer perguntas de obter informações e esclarecer
guntando assuntos obscuros. Eu tentarei res-
ponder a qualquer pergunta sua.
Sinta-se livre para perguntar o que
desejar, ok?
Esclarecer Pergunte para tentar entender – Quando você pergunta sobre os
melhor o que o paciente disse efeitos colaterais dessa medicação, a
qual efeito colateral especificamente
você está se referindo?
Reafirmar Repita com suas palavras o que – Isso que me disse me faz pensar
o paciente está dizendo que talvez você tenha alguma per-
gunta sobre seu tratamento. Então,
se eu entendi corretamente, você
está frustrado com o que lhe foi dito?
Declarar e fazer um resu- Dê uma pausa no diálogo para – Agora que já conversamos bastan-
mo do que foi conversado revisar a principal questão a ser te sobre os tratamentos disponíveis,
discutida. Peça permissão ao existe outra questão a abordar. Você
paciente para seguir adiante. gostaria de discutir isso agora ou
deixar para outro dia?

Quadro 5 – Comunicação empática


Habilidade em
Descrição Exemplo
comunicação empática
Reconhecer Afirme ao paciente que você reco- – Isso parece que foi muito difícil
nhece sua emoção ou experiência para você!
– Você parece estar menos ansioso
Afirmar normalidade Faça uma afirmação comparati- – Não é incomum sentir-se dessa
va, indicando que essa emoção, maneira
particularmente, não é incomum
Legitimar Expresse que a resposta emo- – É compreensível que você se sin-
cional ao evento ou à experiên- ta ansioso
cia é apropriada e esperada – Sim, é difícil manter o foco no tra-
balho enquanto você passa por esse
tratamento
Encorajar a expressão de Demonstre ao paciente que você – É importante para mim saber
sentimentos se interessa em saber como ele como você está lidando com suas
se sente emoções
Elogiar os esforços do Faça uma afirmação que valide – Você está indo muito bem com
paciente a maneira com que o paciente o tratamento
lida com a situação atual
Expressar a disposição Ofereça ajuda agora ou no futuro – Por favor, me informe o que eu
em ajudar posso fazer para ajudar

150 | Dor e Cuidados Paliativos


Quadro 6 – Organização
Habilidade em organizar Descrição Exemplo
Rever as informações Dê uma visão geral dos – Primeiramente, eu gostaria de falar
principais pontos que com você sobre os tratamentos já es-
você gostaria de cobrir tabelecidos e depois sobre uma nova
opção de tratamento
Resumir o que foi dito Recapitule os principais – Eu gostaria de fazer um resumo.
itens transmitidos Primeiramente você fará três ciclos de
quimioterapia e, logo a seguir, faremos
um exame de imagem
Revisar os próximos passos Acompanhe o paciente – Eu gostaria de repassar com você os
nas próximas etapas próximos passos, relembrando o que dis-
cutimos, para que eu esteja seguro que
temos os mesmo grau de entendimento

Esse modelo de comunicação pode ser empregado em todas as fases de adoecimen-


to e do tratamento dos pacientes.
Um protocolo de comunicação adaptado à realidade brasileira:
protocolo PACIENTE
Na literatura médica recente, mais marcadamente nos últimos 10 anos, encon-
tram-se estudos sobre as preferências de revelação de más notícias, várias orienta-
ções e protocolos para a comunicação com pacientes, porém, grande parte dessas
publicações é direcionada para as culturas norte-americana, europeia ou austra-
liana. Comprovadamente, as diferenças culturais e étnicas demandam um tipo de
comunicação ou abordagem diferente. Enquanto alguns países anglo-saxões têm
uma política mais aberta de comunicação, outros países, como os de cultura orien-
tal e latina, adotam uma postura mais paternalista em saúde cujos profissionais
de saúde decidem, pelo paciente, o quanto de informação fornecer. As diferenças
também ocorrem em relação às preferências dos pacientes, pois a porcentagem de
envolvimento familiar no processo de comunicação pode apresentar ampla variação
conforme a cultura.
Portanto, os protocolos de comunicação devem ser flexíveis para permitir a inclu-
são dessa ampla gama de particularidades. No Brasil, estas estratégias de comunica-
ção estão começando a ganhar força, sendo o protocolo PACIENTE o primeiro que se
adapta ao contexto brasileiro5. Em consonância com a literatura médica existente sobre
o assunto, e levando-se em consideração a experiência prática do Serviço de Terapia
Antálgica e Cuidados Paliativos (TACP), Unesp, sobre as particularidades da cultura
latino-americana, na qual o Brasil está inserido, este protocolo foi proposto. O Serviço
utiliza este protocolo para treinar os profissionais e estudantes envolvidos no atendi-
mento dos pacientes. O método é baseado em uma técnica mnemônica e consiste em
sete passos fundamentados na palavra PACIENTE5.
P – Preparar-se
Em primeiro lugar, é importante que a informação a ser revelada seja confir-
mada. Ler novamente o prontuário e ter em mãos os resultados de exames labo-

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 151


ratoriais, clínicos ou de imagem são, inicialmente, boa estratégia. Eventualmente,
há necessidade de se consultar a literatura médica. Essas informações devem estar
disponíveis para serem mostradas e discutidas com o paciente se ele assim o dese-
jar. Os pacientes se sentem mais seguros com profissionais que já estabeleceram
vínculo e confiança, portanto, a escolha do profissional da equipe responsável pela
comunicação deve ser adequada e, de preferência, que seja o próprio médico que
atende o paciente. A postura do médico que vai informar uma notícia ruim deve
indicar conexão, segurança e apoio. Uma estratégia para o estabelecimento de uma
conexão interpessoal eficiente é tentar imitar pequenos gestos, assentir com a cabe-
ça enquanto o paciente se expressa, tentar utilizar a mesma velocidade de discurso
do paciente, não cruzar as pernas, apontar os joelhos para o paciente inclinando o
tórax ligeiramente em sua direção, não cruzar os braços e estar sempre na altura dos
olhos do interlocutor. Estas são técnicas que podem aumentar a empatia e ajudar a
estabelecer proximidade e confiança com o paciente.
O ambiente também deve ser preparado, garantindo toda privacidade e confor-
to possível. Em caso de consultório médico ou sala de reuniões, é importante que
haja lugar confortável para se sentar, de preferência sem nenhuma barreira física
entre a pessoa ou equipe responsável pela informação. Retirar uma escrivaninha
ou mesa interposta entre o médico e o paciente pode prevenir um distanciamento
indesejável. Se o paciente está em enfermaria ou em leito em casa, é possível apro-
ximar-se e tentar sentar-se à altura dos olhos do enfermo. Muitas vezes, ter lenços
de papel à mão pode ser muito útil. Telefones e celulares devem ser desligados para
evitar interrupções em momentos críticos da comunicação. Se for possível, fechar
a porta para garantir privacidade e mais conforto ao paciente e eventualmente a
seus familiares.
Uma das dificuldades encontradas nos dias de hoje perante os convênios médicos
é separar tempo suficiente para cada consulta, porém este é um procedimento médico
importante que deve ser valorizado. Na cultura latina, observa-se que a comunicação
de más notícias demanda tempoe que deve ser feita de modo gradual, permitindo
que o paciente e seus familiares assimilem as informações e façam questionamen-
tos. Eventualmente, não é possível que todos os elementos sejam revelados em uma
única vez. Os profissionais de saúde podem necessitar de mais de uma consulta para
revelar todos os dados e responder a todas as questões. Por conseguinte, tempo e dis-
ponibilidade são fundamentais. O paciente tem direito de receber a informação com
exclusividade e a responsabilidade da equipe de saúde é com ele. Portanto, antes de
iniciar o processo de comunicação, o enfermo deve decidir se deseja compartilhar a
informação com algum familiar ou outra pessoa. Por isso, pode-se perguntar se ele
gostaria que alguém mais estivesse presente no momento da consulta. Se ele assim o
desejar, deve-se providenciar assento para todos.
A cultura latina tem a característica de ser calorosa e protecionista. O toque físico
afetivo nos membros superiores do paciente pode estabelecer um vínculo de empatia e
denotar apoio e compaixão. Algumas outras culturas, no entanto, preferem que o con-
tato físico não ocorra. O profissional deve estar atento para reconhecer a aceitação ou
rejeição ao contato. Uma notícia ruim em saúde pode ter um grande impacto, assim,

152 | Dor e Cuidados Paliativos


a pessoa que irá receber más notícias não deve comparecer sozinha a uma consulta
ambulatorial, é importante que haja algum acompanhante para garantir amparo e
segurança para retornar ao domicílio.

A – Avaliar quanto o paciente sabe


Pela experiência do Serviço de TACP, quatro situações podem ocorrer. A primei-
ra é a que o paciente já tem indícios da notícia, pois todo o processo investigativo
foi compartilhado com ele. Há, ainda, aqueles casos em que os familiares creem
que o paciente desconhece sua real condição, entretanto, considerando os trata-
mentos, as informações disponíveis na mídia e as conversas com outros pacientes,
ele já tem indícios suficientes para saber, com certo grau de certeza, seu estado de
saúde. Essas duas condições são mais fáceis de serem conduzidas, pois o paciente
já teve tempo de se preparar para uma presumida notícia ruim. O terceiro caso,
mais difícil, é quando o paciente realmente não tem nenhuma informação, seja
porque nunca foi compartilhada com ele, ou é um fato novo, ou a informação foi
passada em uma linguagem que o paciente não pôde compreender. Infelizmente,
muitos profissionais de saúde, em especial médicos, escondem a informação atrás
de jargões da medicina (por exemplo: adenocarcinoma em vez de câncer) ou então
minimizam a importância do diagnóstico com eufemismos (por exemplo: “tumor-
zinho” em vez de câncer).
A última situação possível talvez seja a que requeira mais preparo do profissional.
É quando o paciente já possui informação suficiente para deduzir a notícia difícil e
desenvolve a negação como mecanismo de defesa. O profissional da saúde deve estar
especialmente preparado para fazer essa avaliação e abordagem. Deve-se respeitar o
desejo do paciente em relação ao quanto e quando ele quer ser informado. Um pacien-
te em vigência de um processo de negação requer usualmente mais tempo para que o
protocolo seja seguido. Por sua vez, assim como os pacientes têm o direito de serem
informados quanto à própria saúde, eles também têm o direito de se recusar a receber
a informação. O direito de não saber tem sido amplamente discutido em literatura. Po-
rém, a informação deve ser obrigatoriamente compartilhada com o responsável pela
tomada de decisões em nome do paciente. Ele tem autonomia para dizer qual a pessoa
que deve receber a informação por ele; geralmente é o cônjuge ou um familiar. Este
direito deve ser respeitado22.

C – Convite à verdade
O melhor cenário ocorre quando, durante o processo de investigação da doença,
a questão sobre o quanto o paciente deseja saber já tenha sido abordada. Por exem-
plo, no momento da indicação de um exame de imagem, perguntar ao paciente se ele
gostaria de ser informado dos resultados mesmo que as notícias não sejam boas. O
paciente também tem o direito de não ser informado; nesse caso, ele deve nomear a
pessoa com quem se deve discutir a questão.
Avaliar o quanto o paciente sabe e o quanto quer saber, também, tem a finalida-
de de ser um preâmbulo para a informação. Então, a maioria dos pacientes pode
já estar preparada para o próximo passo: receber uma informação desagradável.

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 153


Várias perguntas podem ser utilizadas para guiar esta etapa, como: “O senhor é
daquelas pessoas que gostam de saber todos os detalhes sobre sua doença?”. Ge-
ralmente, após este questionamento algumas reações diferentes podem acontecer.
Uma boa estratégia é aguardar e deixar espaço para que o paciente convide o mé-
dico a compartilhar a informação e pergunte diretamente sobre o seu diagnóstico,
prognóstico ou resultado de exames. Muitas vezes o paciente pergunta imediata-
mente: “Doutor, o que eu tenho?” Por isso, este passo do protocolo é chamado de
“Convite à verdade”.
Em alguns casos, o paciente pode se calar e não prosseguir para o convite. Esta
pode ser uma indicação de que ele precisa de um pouco mais de tempo para entender
o que já foi dito e se preparar para uma notícia ruim. O Protocolo PACIENTE não
precisa ser completado em uma única ocasião, uma única consulta.

I – Informar
Alguma introdução à má notícia pode funcionar como aviso, preparando o paciente
para a notícia que virá a seguir, como, por exemplo, a frase: “Infelizmente, as notícias
não são boas. ” A literatura mostra que o profissional de saúde não deve se desculpar
por uma notícia ruim, pois o paciente e seus familiares podem interpretar como se,
de alguma forma, o médico fosse responsável pelos acontecimentos. A informação
deve ser compartilhada em quantidade, velocidade e qualidade suficientes para que o
paciente possa tomar alguma decisão ou optar pelo consentimento informado sobre
seu tratamento e sua vida particular.
O vocabulário utilizado deve ser inteligível para o nível cultural e idade do enfermo,
desde as crianças até os mais idosos. É aconselhável evitar jargões muito técnicos. Os
nomes complicados de determinadas condições médicas que o paciente não entenda
podem causar mais temor e apreensão do que uma condição que ele compreende o
significado e as respectivas dimensões. Assim, corre-se o risco de se superestimar
a gravidade da doença. Alguns pacientes podem entender que “novos protocolos de
tratamento” significam real possibilidade de cura, o que frequentemente é falso. Ao
mesmo tempo, deve-se evitar ao máximo o uso de eufemismos, visto que o paciente
tende a interpretar como uma desvalorização da sua condição, ou, então, não com-
preender a verdadeira gravidade da situação.
Portanto, a linguagem utilizada deve ser direta e acessível, os termos mais
difíceis devem ser explicados a cada passo. O profissional da saúde deve checar
o entendimento após cada informação importante. Nessas circunstâncias, as
pausas podem ser bastante úteis. Talvez um dos maiores desafios seja oferecer
a informação de forma clara e honesta, mantendo a esperança do paciente. Em
um estudo australiano feito com pacientes oncológicos, as atitudes dos médicos
consideradas mais positivas, no momento da revelação da má notícia, foram: ser
realista sobre o futuro, conversar pessoalmente, oferecer alguma forma de trata-
mento, assegurar que, no decorrer do processo de adoecer, o paciente não sentirá
dor, ter segurança sobre as informações oferecidas, dar espaço e tempo para
perguntas, perguntar ao paciente se ele entendeu as informações oferecidas, não
utilizar eufemismos (tumorzinho, probleminha), utilizar as palavras corretas,

154 | Dor e Cuidados Paliativos


como câncer e metástase, e explicá-las. Já, dentre as atitudes mais negativas,
ainda segundo esse estudo, encontram-se: discutir a situação financeira, revelar
prognóstico por telefone, dividir experiências pessoais, insegurança do profis-
sional de saúde, revelar, antes, o prognóstico para os familiares. Infelizmente,
existe certa escassez de estudos sobre as preferências de comunicação dos pa-
cientes no Brasil.
Há de se ter cuidado especial em relação aos pacientes portadores de doença que
ameace a vida, como câncer, no momento de discutir o prognóstico. É aconselhável
evitar a informação com exatidão quanto a meses ou anos de vida, pois estudos in-
dicam que os médicos tendem a superestimar a expectativa de vida na maioria dos
casos. Se o paciente fizer absoluta questão, gráficos e tabelas sobre o tempo médio
estimado de vida atinente à doença em questão podem ser úteis nessa discussão e fa-
cilitar seu entendimento. Por sua vez, uma estimativa pode ser necessária e muito útil
para que o paciente possa fazer planos e, ainda, sentir-se com algum controle sobre
sua vida. Infelizmente, na medicina, existem diversas situações em que, em vez da
responsabilidade de revelar uma única má notícia, o profissional da saúde se depara
com uma sequência de más notícias. Por exemplo, assim que se revela um diagnóstico
de câncer, alguns pacientes podem inquirir sobre o prognóstico, custo do tratamento,
possibilidade de cura, impacto na vida diária e várias outras perguntas que têm o
potencial de gerarem respostas que representam mais más notícias, talvez até mais
impactantes que o diagnóstico em si. Claro que não necessariamente toda esta ava-
lanche de notícias deva ser dada em uma única consulta, somente se o paciente assim
demandar. É possível e aconselhável ser gradual e reavaliar a comunicação e a reação
do paciente a cada momento.

E – Emoções
Lidar com as emoções do paciente é uma das maiores dificuldades além de ser fator
gerador de estresse para o profissional de saúde. De fato, é um dos momentos mais
importantes na comunicação de más notícias e é quando o treinamento e a experiên-
cia prática são determinantes para a qualidade do relacionamento com o paciente.
Cada indivíduo reage de uma forma distinta. A equipe de saúde deve estar preparada
para qualquer tipo de reação. Provavelmente, as respostas mais comuns sejam choque
seguido de choro. Porém, outras reações comuns são a raiva, o silêncio, a negação e até
o descrédito do profissional que revelou a má notícia.
Considerando-se os diversos cenários possíveis, é recomendado que o profissional
de saúde simplesmente permita ao paciente sentir toda a emoção e ter tempo para
chorar e se expressar livremente. Sugere-se que a equipe ouça, muito mais do que
fale, com paciência e solidariedade, deixando o paciente se acalmar. Neste momento,
é possível se utilizar do toque, principalmente porque a cultura brasileira permite que
se seja bastante caloroso e afetivo. É possível utilizar-se de lenços de papel, copos de
água ou chá.
Desaconselha-se o emprego de expressões como “não se preocupe” ou “não é nada”,
por causa do risco de se desvalorizar uma notícia muito importante para o paciente e
seus familiares, fazendo com que se sintam incompreendidos e desamparados.

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 155


Não abandonar o paciente
Embora esta recomendação pareça de certa forma óbvia, infelizmente no Brasil
ela precisa ser realizada e enfatizada. As instituições de ensino em saúde, principal-
mente as faculdades de medicina, não preparam os profissionais para o insucesso
de tratamento curativo. Portanto, muitos médicos param de acompanhar o enfer-
mo e desastrosamente proferem a seguinte frase para seus pacientes: “não há mais
nada a ser feito por você.”. O abandono é frequente. Mas, considerando o diagnóstico
de uma doença sem possibilidade de cura, a responsabilidade da equipe de saúde
não cessa. Pelo contrário, aumenta muito. Há que se compreender o paciente como
um todo, um ser complexo com várias dimensões. Deve-se oferecer conforto físico,
psíquico, espiritual, social e familiar, assegurando ao paciente o alívio da dor e o
controle dos sintomas.
Provavelmente, o que de mais importante a ser dito e enfatizado é que, indepen-
dentemente do curso da doença, a despeito do que venha a acontecer, o médico ou a
equipe sempre estará com ele. Oferecer continuidade de cuidados é um dos fatores
que mais gera segurança e conforto para o paciente e seus familiares.

Traçar uma estratégia


Uma característica do profissional latino-americano é o de, em geral, decidirem
pelo paciente o melhor plano de ação, o que reflete paternalismo culturalmente arrai-
gado. Porém, é aconselhável envolver o paciente, valorizando sua autonomia e indivi-
dualidade nas decisões sobre o melhor caminho a seguir. É possível planejar com o
enfermo os próximos cuidados a serem oferecidos e as opções de tratamento. Convém
incluir no planejamento, conforme a circunstância, cuidados interdisciplinares como
a fisioterapia, a nutrição, o acompanhamento psicológico, a terapia sexual, a terapia
ocupacional, o acompanhamento espiritual e outras especialidades médicas que po-
deriam auxiliar no melhor controle dos sintomas.
Em caso de solicitação de novos exames, é importante que o paciente entenda o
motivo de sua realização e o que se espera esclarecer; se forem oferecidas opções
terapêuticas, sejam curativas ou paliativas, explicar os efeitos desejados e possí-
veis efeitos adversos. Os enfermos podem e devem participar de todos os proces-
sos decisórios se assim o desejarem. Tal processo cria um senso de cumplicidade.
Igualmente, as opções devem ser apresentadas com segurança e os riscos e bene-
fícios expostos de maneira clara e objetiva. O paciente deve saber que existe um
plano traçado para seu cuidado. O médico brasileiro ainda não está habituado
a dividir seus pacientes com outros profissionais. Muitas vezes, cria-se a ilusão
de que ele é o único indivíduo necessário e apto para oferecer cuidados ade-
quados. Principalmente em cuidados paliativos, a excelência do cuidado é feita
por equipe multiprofissional e interdisciplinar. Cada membro da equipe oferece
uma contribuição profissional e adequada para que, somadas, haja a garantia de
que o doente está sendo abordado como um todo, da melhor e mais abrangente
forma possível.

156 | Dor e Cuidados Paliativos


Ao final do atendimento, é aconselhável que a próxima consulta seja prontamente
agendada e que se assegure a disponibilidade da equipe para os esclarecimentos do
paciente e de sua família, oferecendo uma forma de contato permanente: um telefone
fixo, um celular, a referência de uma clínica ou de um hospital.

Referências
1. Organización Mundial de la Salud. Cuidados paliativos. Disponível em: http://www.who.int/can-
cer/palliative/es/. Acessado em: 6 fev 2018.
2. Zolnierek KB, Dimatteo MR. Physician communication and patient adherence to treatment: a
meta-analysis. Med Care 2009; 47:826-34.
3. Weiner JS, Roth J. Avoiding iatrogenic harm to patient and family while discussing goals of care
near the end of life. J Palliat Med, 2006; 9:451-63.
4. Weiner JS, Cole SA. Three principles to improve clinician communication for advance care plan-
ning: overcoming emotional, cognitive, and skill barriers. J Palliat Med., 2004; 7:817-29.
5. Pereira CR, Calonego MAM, Lemonica L et al. The P-A-C-I-E-N-T-E Protocol: An instrument for
breaking bad news adapted to the Brazilian medical reality. Rev Assoc Med Bras, 2017; 63:43-9.
6. Ribeiro MM, Krupat E, Amaral CF. Brazilian medical students’ attitudes towards patient-centered
care. Med Teach, 2007; 29: e204-8.
7. Silva MJP. Falando da comunicação. In: Oliveira RA (Coord.). Cuidado paliativo. São Paulo: Con-
selho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2008. p. 33-45.
8. Brody H. Ethical decisions in medicine. Boston: Little Brown, 1981.
9. Pereira CR. Atitudes dos profissionais de saúde frente a revelação de más notícias. Botucatu. Dis-
sertação [Mestrado em Anestesiologia] – Faculdade de Medicina de Botucatu, 2007.
10. Gulinelli A, Aisawa RK, Konno SN et al. Desejo de informação e participação nas decisões tera-
pêuticas em caso de doenças graves em pacientes atendidos em um hospital universitário. Rev
Assoc Med Bras, 2004; 50: 41-7.
11. Back AL, Arnold RM, Baile WF et al. Efficacy of communication skills training for giving bad news
and discussing transitions to palliative care. Arch Intern Med, 2007; 167: 453-60.
12. Audrey S, Abel J, Blazeby JM et al. What oncologists tell patients about survival benefits of
palliative chemotherapy and implications for informed consent: qualitative study. BMJ, 2008;
337: a752.
13. Pessini L. Como lidar com o paciente em fase terminal. 5.ed. Aparecida: Santuário, 1990.
14. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução nº 1.995, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre
as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diário Oficial da União 31 ago 2012; Seção I.
15. Hagerty RG, Butow PN, Ellis PM et al. Communicating prognosis in cancer care: a systematic
review of the literature. Ann Oncol, 2005; 16: 1005-53.
16. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Código de Ética Médica: resolução CFM nº 1.931, de 17 de
setembro de 2009 – Código de processo ético-profissional: resolução CFM nº 1.897, de 17 de abril
de 2009. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2009.
17. Trindade ES, Azambuja LEO, Andrade JP et al. O médico frente ao diagnóstico e prognóstico do
câncer avançado. Rev Assoc Med. Bras, 2007; 53: 68-74.
18. Schmidt Rio-Valle J, Garcia Caro MP, Montoya Juarez R et al. Bad news for the patient and the
family? The worst part of being a health care professional. J Palliat Care, 2009; 25: 191-6.
19. de Haes H, Teunissen S. Communication in palliative care: a review of recent literature. Curr Opin
Oncol, 2005; 17: 345-50.
20. Gueguen JA, Bylund CL, Brown RF et al. Conducting family meetings in palliative care: themes,
techniques, and preliminary evaluation of a communication skills module. Palliat Support Care,
2009; 7: 171-9.

Informação e Comunicação em Cuidados Paliativos | 157


21. Kissane DW, Phyllis B, Bultz B et al. (Ed.). Handbook of communication in oncology and palliative
care. Oxford: Oxford University Press, 2010.
22. Minichiello TA, Ling D, Ucci DK. Breaking bad news: a practical approach for the hospitalist. J
Hosp Med, 2007; 2: 415-21.

158 | Dor e Cuidados Paliativos


13
Capítulo

Cuidados Paliativos: Quando Indicar


e Como Reconhecer Critérios de
Terminalidade
João Batista Santos Garcia

Introdução
Há uma tendência mundial de incorporar os cuidados paliativos (CP) ao modelo
de assistência tradicional de manejo de doenças, chamando atenção para a maior
abrangência desses cuidados ao maior número possível de pacientes. Descritos
de forma breve, os cuidados paliativos são cuidados dirigidos a indivíduos com
doenças ameaçadoras à vida, com foco na qualidade de vida. A definição completa
da Organização Mundial de Saúde (OMS) engloba muito mais, porém, de maneira
resumida, os CP devem abordar as necessidades físicas, psicológicas e sociais, por
meio de três componentes principais: prevenção e manejo meticuloso de sintomas,
incluindo a dor; excelência na comunicação ao discutir os cuidados e o planeja-
mento futuro destes; um suporte extra em relação às necessidades práticas, como
atendimento domiciliar1,2.
Há um corpo de evidência que mostra que os CP podem melhorar os desfechos em
pacientes com doença avançada, e quanto mais cedo são instituídos os cuidados, melho-
res os resultados. Em pacientes com câncer, o início precoce dos CP esteve associado a
melhor qualidade de vida, menos sintomas depressivos, menos cuidados agressivos no
final da vida, maior consciência do prognóstico e sobrevida mais longa3,4.
De maneira contrária ao que muitos pensam, a indicação de CP pode ocorrer
enquanto uma doença ainda está em tratamento, ou seja, logo após o diagnóstico,
principalmente quando poucos tratamentos curativos estão disponíveis. Contudo,
essa maneira moderna de cuidado simultâneo ainda tem muito a galgar e se firmar,
especialmente em áreas que envolvem doenças diferentes do câncer.

Cuidados Paliativos: Quando Indicar e Como Reconhecer Critérios de Terminalidade | 159


Barreiras de Acesso aos Cuidados Paliativos
Várias são as dificuldades em se estabelecer CP nos diversos países. Algumas das
mais importantes são5:
1. Disponibilidade de recursos: enquanto nos países desenvolvidos há um ra-
zoável número de serviços, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a
realidade é bem diferente – há lacunas muito grandes na oferta de profissionais
treinados, serviços estruturados e analgésicos como os opioides.
2. Falta de conhecimento: há uma carência de ensino específico em CP nas uni-
versidades e poucos residentes fazem rodízio na área, o que faz com que haja
certa ignorância em relação ao tema.
3. Relutância em referir: algumas das razões para isso são o medo de entristecer
os pacientes, não querer abandoná-los, ver a indicação como admitir que falhou
e, ainda, a não compreensão da indicação.
4. Resistência do paciente e da família: há a visão de que o CP significa que a
morte está próxima e que o termo é um eufemismo para o processo de morrer
ou, ainda, que não “há mais nada a fazer”.

Panorama da Necessidade de CP no Mundo


Segundo a OMS, a estimativa de vida da população cresceu em cinco anos nos últi-
mos 15 anos, e cada vez mais haverá pessoas com idade avançada e com possibilidade
de doenças como o câncer e/ou outras que possam ameaçar a vida. A expectativa de
vida média do brasileiro é de 75 anos6.
De acordo com a classificação internacional de doenças (CID-10), as doenças que
mais frequentemente levam ao óbito no Brasil são as neoplasias e as doenças do apa-
relho circulatório7. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), há uma previsão
de mais de 600 mil novos casos de câncer para o biênio 2016-2017. Diante desses
números, fica claro que um número expressivo de pacientes necessitará de CP8.
De acordo com um estudo realizado na Inglaterra, com o CID-10, 63% de todas as
mortes ocorreram em pacientes que teriam necessidade de CP9. Em outro estudo, há uma
projeção de que na Inglaterra e no País de Gales, até 2040, haja um aumento de 25% no
número de pessoas que necessitam de CP, especialmente naqueles com câncer e demência10.
Critérios
Os CP devem ser indicados para indivíduos com moléstias crônico-degenerativas
que ameaçam a continuidade da vida, em diferentes fases de sua evolução clínica.
Podem ter doenças crônicas como o câncer e a síndrome da imunodeficiência adqui-
rida (SIDA), como também outras doenças, como as síndromes neurodegenerativas,
cardiopatias graves, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doença hepáti-
ca avançada, entre outras. Em muitos desses casos, a evolução natural é uma série
de pioras da funcionalidade, com recuperação e baixa taxa de retorno a seus níveis
basais. Assim, os pacientes avançam paulatinamente para a terminalidade, quando
necessitam, então, de cuidados específicos para o fim da vida. As decisões pertinentes
a cada fase e a definição do prognóstico em CP devem seguir princípios éticos, como
da beneficência e não maleficência, e basear-se em parâmetros de avaliação confiáveis
que permitam uma abordagem integral9.

160 | Dor e Cuidados Paliativos


De maneira geral, para ser considerado elegível aos cuidados paliativos, o paciente
deverá apresentar todos os critérios a seguir:
1. Condição clínica que ameace a vida e imponha limitação no prognóstico, assim
como ausência de tratamentos que modifiquem o curso da doença ou que não
gerem efeito em um período de tempo compatível com esse prognóstico.
2. Esclarecimento prévio ao paciente e/ou sua família a respeito dessas condições
clínicas, das limitações terapêuticas e do prognóstico do paciente.
3. O paciente e sua família devem concordar com o objetivo do tratamento, priori-
zando o alívio dos sintomas e a qualidade de vida, e não o emprego de medidas
consideradas desnecessárias, fúteis ou invasivas para aquele prognóstico.
4. O paciente deverá contar com uma rede de suporte de saúde e social para
contrarreferência.
5. Numerosos sintomas intensos, múltiplos, multifatoriais e mutantes.
6. Grande impacto emocional no paciente, na família e na equipe de cuidadores,
relacionado com a presença explícita ou não da morte11,12.
Ainda, deve-se ter em conta situações específicas de indicação para doenças não
relacionadas com o câncer, como doenças cardíacas, pulmonares, renais e hepáticas;
demências; síndrome da imunodeficiência adquirida; acidente vascular encefálico e
outras doenças neurodegenerativas. Nesses casos, há um rol de critérios que incluem
gravidade da doença, estágio evolutivo, situação nutricional, histórico de internações
e complicações, entre outros11.
De acordo com documento publicado pela Academia Nacional de Cuidados Palia-
tivos do Brasil, para a implantação e integração de serviços de qualidade em CP, em
diferentes níveis de atenção e respeitando as diferenças regionais, devem-se conside-
rar os diferentes níveis de cuidados segundo o risco do paciente, como apresentado no
quadro a seguir13 (Quadro 1):
Quadro 1
Cuidados paliativos de nível I – pacientes com diagnóstico de doença avançada, progressiva e
potencialmente mortal a curto prazo, com um ou mais sintomas físicos, psicológicos, sociais ou es-
pirituais, diferentes graus de sofrimento, em alguns casos graves, mas controláveis, com os recursos
disponíveis nesse nível. São prestados por equipe multiprofissional com formação diferenciada em
cuidados paliativos e que estão permanentemente em processo de educação continuada, tanto em
regime domiciliar quanto em regime ambulatorial ou de internação; para esse último modelo de cui-
dados é necessária articulação com uma unidade hospitalar de referência.
Cuidados paliativos de nível II – pacientes na etapa paliativa com problemas médicos, psicoló-
gicos, sociais, ocupacionais ou espirituais de maior risco que não podem ser controlados no nível I.
São prestados por equipes com formação diferenciada em cuidados paliativos, que garantem disponi-
bilidade e apoio durante 24 horas, compreendendo o âmbito de atuação da média complexidade, em
unidades assistenciais de internação própria ou em domicílio, através do oferecimento de cuidados
em todas as dimensões que os encerram – físico, psicossocial, ocupacional e espiritual.
Cuidados paliativos de nível III – pacientes na etapa paliativa com problemas médicos, psicoló-
gicos, sociais, ocupacionais ou espirituais de maior risco que não podem ser controlados nos níveis I
e II. São prestados por equipes com formação diferenciada em cuidados paliativos, nas situações que
necessitem do âmbito de atuação em maior complexidade, em unidades de referência na área, com
disponibilidade de recursos para os cuidados de final de vida, para favorecer a adaptação a situações
de conflito de maior complexidade e prevenção do luto complicado.

Cuidados Paliativos: Quando Indicar e Como Reconhecer Critérios de Terminalidade | 161


Com base na classificação dos níveis de complexidade anteriormente descritos, é
possível selecionar, de forma simples e objetiva, os diferentes graus de assistência pa-
liativa das quais necessitarão os pacientes e seus familiares e suas condições clínicas
(físicas, psicossociais, ocupacionais e espirituais), de tal forma que seja selecionado o
melhor planejamento de CP. No próximo quadro (Quadro 2), são mostrados cenários
assistenciais a pacientes com cuidados paliativos11.
Quadro 2
Longa
Grau I Atenção básica Domiciliar Ambulatorial
permanência
1 – Paciente clinica- O paciente e sua fa- O paciente e sua famí- O paciente e sua fa- O paciente e sua fa-
mente estável, com mília necessitam de lia necessitam de visita mília necessitam de mília necessitam de
doença com baixo po- atenção por equipe domiciliar no pós-alta seguimento ambula- cuidados contínuos
tencial de cura e com multiprofissional de imediato para avalia- torial periódico por não hospitalares a
dor, sintomas e sofri- atenção básica, para ção e orientação e/ou equipe multiprofissio- longo prazo; o pa-
mento controlados. seguimento e orienta- por equipe de atenção nal e conseguem des- ciente não tem condi-
ção em domicílio e in- básica, pois não conse- locar-se até o hospital. ções de permanecer
serção em programas guem ir ao ambulató- com sua família e não
para prevenção e tra- rio hospitalar. tem rede social de su-
tamento de sintomas. porte.

Média Longa
Grau II Hospital-dia Domiciliar
complexidade permanência
2 – Paciente clinica- O paciente e sua famí- O paciente e sua fa- O paciente necessita O paciente necessita
mente estável, com lia necessitam de ma- mília necessitam de de internação hospi- de cuidados contí-
doença com baixo po- teriais ou procedimen- cuidados profissio- talar para cuidados nuos a longo prazo
tencial de cura e com tos mais complexos nais por equipe de contínuos e procedi- e procedimentos
prognóstico de morte do que seria viável em atenção básica ou mentos frequentes de frequentes de mé-
a médio prazo e/ou domicílio (bloqueio oferecidos por equipe média complexidade dia complexidade
com necessidade de anestésico, hidratação do hospital, para pro- que não são viáveis em (como aspiração e
submeter-se a proce- intermitente, medica- cedimentos viáveis em domicílio; tanto ele analgesia), sem con-
dimentos pertinentes ção parenteral de uso domicílio (como cura- como sua família ne- dições de permane-
a serviços de média periódico), mas sem tivos, fisioterapia res- cessitam ser atendidos cer com estrutura
complexidade de aten- necessidade de inter- piratória, medicações por equipe multipro- familiar e sem rede
ção à saúde. nação hospitalar. parenterais) e orienta- fissional. social de suporte.
ção para melhoria de
conforto psicossocial e
espiritual.

Grau III Unidade de urgência Hospital terciário Hospício


3 - Paciente clinicamente O paciente apresenta condi- Pacientes que necessitam Necessitam de cuidados
instável e/ou com prog- ções clínicas instáveis, que de cuidados de elevada contínuos de final de vida,
nóstico de morte a curto/ exigem assistência imedia- complexidade, com proce- em estrutura assistencial
médio prazos, necessitando ta para conforto geral, com dimentos em estrutura hos- específica para CP, não ne-
de procedimentos para con- controle de dor e sintomas pitalar terciária para estabi- cessariamente hospitalar,
trole de dor e sintomas que (não para prolongamento da lização e conforto geral (não incluindo procedimentos
necessitam de internação vida a todo custo). para prolongamento da vida de média complexidade
em estrutura hospitalar de a todo custo); tanto ele como para conforto geral; é fun-
mais alta complexidade. sua família necessitam ser damental permanência da
atendidos por equipe multi- família junto ao paciente.
profissional.

Um aspecto que merece destaque são as indicações de CP e a permanência de


pacientes elegíveis para esses cuidados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). De
forma marcante, em setembro de 2016, o Conselho Federal de Medicina em nosso

162 | Dor e Cuidados Paliativos


país estabeleceu os critérios de admissão e alta nas UTIs. Em seu artigo sexto, quando
elege as prioridades, no quinto parágrafo, diz claramente que pacientes em fase de
terminalidade, ou moribundos ou sem possibilidade de recuperação, não devem ser
admitidos em UTI, exceto se forem potenciais doadores de órgãos ou em casos excep-
cionais a critério do médico intensivista. Afirma, ainda, no artigo oitavo, que tais pa-
cientes devem ser encaminhados para unidades de CP. Com certeza, esse documento
regulatório tem uma grande importância para os CP no Brasil, com potencial impacto
na redução da distanásia14.

Critérios de Terminalidade
A terminalidade costuma ser considerada quando se esgotam as possibilidades de
resgate das condições de saúde do paciente e a possibilidade de morte se aproxima
de forma inevitável e previsível. O paciente se torna “irrecuperável” e caminha para
a morte, sem que se consiga reverter tal processo, independentemente das medidas
terapêuticas adotadas15.
A irreversibilidade da doença é definida de forma consensual pela equipe médica,
baseada em dados objetivos e subjetivos. Estabelecido esse diagnóstico, os cuidados
paliativos constituem o objetivo principal da assistência ao paciente.
Tentam-se estabelecer índices de prognóstico e de qualidade de vida, procurando
definir de forma mais clara esse momento da evolução de uma doença, tendo como
objetivo o estabelecimento de condutas para o acompanhamento desses pacientes.
Contudo, abordam-se mais aspectos epidemiológicos, faltando a especificidade em
nível individual. É mister reconhecer a definição do paciente terminal, além da bio-
logia, inserida em um contexto particular, cultural, subjetivo e humano. As possíveis
dificuldades na compreensão de um conceito preciso não devem, de forma alguma,
comprometer os benefícios que o paciente e seus familiares e a equipe profissional
podem ter no reconhecimento dessa condição. Nesse contexto, há uma grande pers-
pectiva de ações que envolvem humanização, amor, solidariedade e respeito, que pode
gerar um cuidado de alta qualidade, favorecendo despedidas, preparação de separa-
ções e projetos para os que sobreviverão. É um momento para a expressão da dor e do
sofrimento, de sentimentos intensos que envolvem a perda e a morte12.
Muitas medidas consideradas curativas ou restaurativas podem configurar trata-
mento fútil, como a nutrição parenteral ou enteral, a administração de drogas vasoa-
tivas, a terapia renal substitutiva, a instituição ou manutenção de ventilação mecânica
invasiva e, inclusive, a internação ou permanência do paciente em UTI. A priorização
dos cuidados paliativos e a identificação de medidas fúteis devem ser estabelecidas de
forma consensual pela equipe multiprofissional em consonância com o paciente (se
possível), seus familiares ou seu representante legal. As ações paliativas devem ser
registradas de forma clara no prontuário do paciente16.
A aproximação do fim da vida ou do processo de morte pode ser definida quando
pacientes provavelmente vão morrer nas próximas 12 horas e inclui aqueles para os
quais o óbito é esperado há horas ou dias e que possuem condições avançadas, pro-
gressivas e incuráveis, condições de fragilidade que gerem um óbito esperado ou que

Cuidados Paliativos: Quando Indicar e Como Reconhecer Critérios de Terminalidade | 163


possam causar a morte aguda repentina na condição da doença ou, ainda, condições
agudas que ameaçam a vida por eventos catastróficos. Esses pacientes podem apre-
sentar um rápido declínio das funções, com deterioração de suas atividades e sta-
tus funcional, diminuição e ausência da ingesta oral, disfagia, presença de delirium,
exaustão, dispneia e um crescente aumento de necessidades17.
Algumas instituições usam um esquema de cores para guiar o cuidado: azul (está-
vel, prognóstico de anos), verde (doença avançada, meses de vida), amarelo (deterio-
ração, semanas de vida), vermelho (últimos dias). As escalas de funcionalidade e de
índices prognósticos em paliativos são empregadas com bastante utilidade, apontan-
do e indicando o fim da vida17,18.

Conclusão
Os CP podem melhorar o controle de sintomas e a qualidade de vida dos pacientes.
Devem ser indicados precocemente, de forma orientada e segundo critérios especí-
ficos. Reconhecer pacientes terminais e promover um fim de vida com humanidade
deve ser uma prioridade das equipes de cuidado.

Referências
1. World Health Organization. WHO definition of palliative care. Disponível em: http://www.who.int/
cancer/palliative/definition/en/. Acesso em: 5 out. 2017. Canadian Hospice Palliative Care Associa-
tion. The Way National Framework: a roadmap for an integrated palliative approach to care. 2015.
Disponível em: http://www.hpcintegration.ca/media/60044/TWF-frameworkdoc-Eng-2015-final-
April1.pdf.
2. Temel JS, Greer JA, Admane S et al. Longitudinal perceptions of prognosis and goals of therapy in
patients with metastatic non-small-cell lung cancer: results of a randomized study of early palliative
care. J Clin Oncol. 2011; 29:2319-26.
3. Temel JS, Greer JA, Muzikansky A et al. Early palliative care for patients with metastatic non-small-
cell lung cancer. N Engl J Med, 2010; 363:733-42.
4. Hawley P. Barriers to access to palliative care. Palliat Care, 2017;10: 1-6
5. World Health Organization . Global Health Observatory (GHO) data. Life expectancy. Disponível
em: http://www.who.int/gho/mortality_burden_disease/life_tables/en/. Acesso em 7 out. 2017.
6. Ministério da Saúde (Brasil). Sistema de Informação sobre Mortalidade. Disponível em: http://
portalsaude.saude.gov.br/index.php/oministerio/principal/secretarias/svs/mortalidade. Acesso
em: 14 out. 2017.
7. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Disponível em: http://
www.inca.gov.br/estimativa/2016.
8. Murtagh FEM, Bausewein C, Verne J et al. How many people need palliative care? A study develop-
ing and comparing methods for population-based estimates. Palliat Med, 2014; 28:49-58.
9. Etkind SN, Bone AE, Gomes B et al. How many people will need palliative care in 2040? Past trends,
future projections and implications for services. BMC Med, 2017;15:102.
10. Ali AMASA, Soares IJA, Redigolo LRP et al. Protocolo clínico e de regulação para atenção a paci-
entes em cuidados paliativos. In: Santos JML. Protocolos clínicos e de regulação: acesso à rede de
saúde. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 141-60.
11. Marengo MO, Flávio DA, Silva RHA. Terminalidade da vida: bioética e humanização em saúde.
Medicina (Ribeirão Preto), 2009;42:350-7.
12. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no
Brasil. Rio de Janeiro: Diagraphic, 2006. Anexo 2, p. 41-62.

164 | Dor e Cuidados Paliativos


13. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução nº 2.156 de 17 novembro 2016. Estabelece os
critérios de admissão e alta em unidade de terapia intensiva. Diário Oficial da União. 17 nov
2016; Seção I, p.138-9. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/
BR/2016/2156. Acesso em: 9 out. 2017
14. Gutierrez PL. O que é paciente terminal? Rev Assoc Med Bras, 2001;47:92  .
15. Moritz RD, Lago PM, Souza RP et al. Terminalidade e cuidados paliativos na unidade de terapia
intensiva. Rev Bras Ter Intensiva, 2008; 20:422-8.
16. National Gold Standards Framework. Centre for End of Life Care. Primary care, care homes and
other areas. Disponível em: http://www.goldstandardsframework.org.uk.
17. Glare P, Sinclair CT. Palliative medicine review: prognostication. J Palliat Med, 2008;11:84-103.

Cuidados Paliativos: Quando Indicar e Como Reconhecer Critérios de Terminalidade | 165


14
Capítulo

Organização e Modelos de
Assistência em Cuidados Paliativos
Ana Paula dos Santos

Introdução
A literatura apresenta uma farta gama de estudos que mostram que não apenas
o oferecimento de cuidados paliativos, mas também a precocidade da indicação são
fatores de promoção de qualidade de vida diante das doenças ameaçadoras da vida.
Porém, Hawley, em 2017, deixa muito claro que os cuidados paliativos, infeliz-
mente, ainda não conseguem ser ofertados a todos os pacientes e famílias que deles
necessitam. Cita como exemplo que um terço dos hospitais americanos com mais de
50 leitos não possuem nenhum tipo de modelo de assistência em cuidados paliativos.
No Brasil a situação é um pouco mais complexa. Certamente não somos, ainda,
possuidores do número expressivo de 5 mil hospices, como, segundo a National Hos-
pice and Palliative Care Organization (NHPCO), tem a população norte-americana e
muito menos mais de 200 hospices da Inglaterra, o país berço de todo o novo movi-
mento Hospice, a filosofia que rege o cuidar paliativo.
Seja pela implantação de um hospice, seja pelo estabelecimento de uma enfermaria
de cuidados paliativos, um grupo consultor de um hospital geral, uma unidade-dia,
um ambulatório, uma equipe de atendimento domiciliar ou uma hospedaria, o que
vemos é o crescimento exponencial das práticas em cuidados paliativos, que vem, nos
últimos anos, sendo marcado pelo franco desenvolvimento de serviços de diversas
modalidades de atendimento, por motivos que vão além da preocupação do simples
cuidar, mas que perpassam as mesas de administradores que veem nos cuidados pa-
liativos a excelência do cuidado associado ao uso adequado e ponderado das novas e
caras tecnologias, muitas vezes desnecessárias e dolorosas ao paciente, ou pelas exi-

Organização e Modelos de Assistência em Cuidados Paliativos | 167


gências internacionais e nacionais dos processos de acreditação hospitalar, às quais
muitos hospitais brasileiros têm se submetido.
Sejam quais forem os motivos, o projeto Atlas, da Academia Nacional de Cuidados
Paliativos (ANCP), vem trazendo dados de uma malha surpreendente de serviços es-
pecializados em cuidados paliativos por todo o Brasil.
Várias são as modalidades de atendimento, e cada uma com sua peculiaridade ofe-
rece fatores positivos e negativos, mas fundamentais à oferta do bom cuidado.
O Brasil ainda conta com algumas dificuldades para a implantação absoluta dos
cuidados paliativos em seus diversos modelos de assistência. A falta de políticas assis-
tenciais, de regulamentação específica faz com que tais práticas permeiem pela seara
da falta de recursos, o que nos mostra que muitos serviços existentes são fruto da luta
de pessoas e equipes.
Este capítulo busca mostrar modelos de assistência presentes no Brasil e mostrar
que, apesar de nossas dificuldades, estamos indo à luta para a construção de uma
prática de cuidados paliativos de qualidade.

A Organização de um Serviço
Segundo Maciel, 2012, para que se proponha a construção de um serviço de cuida-
dos paliativos, há de se responder essencialmente a duas questões:
• que objetivos tal serviço pretende alcançar?
• qual a demanda de necessidades desse futuro serviço de cuidados paliativos?
Na primeira questão, há que se colocarem pontos acerca do tipo de cuidados que
se espera oferecer: cuidados de pacientes no fim da vida? Cuidados prolongados de
pacientes crônicos? Ser um serviço cujo objetivo é a reabilitação de pacientes graves
e vulneráveis?
Porém, para se definirem os objetivos do serviço a ser montado, é de suma impor-
tância entender a demanda da região ou do hospital no qual se pretende montar o
serviço de cuidados paliativos.
Para tal, é importante conhecer os diagnósticos mais frequentes dos pacientes; as
necessidades de pacientes e familiares; saber sobre os recursos existentes, tanto em
investimentos quanto em recursos humanos e de material; conhecer a necessidade e
a formação dos componentes envolvidos e a necessidade de treinamento em cuidados
paliativos de novas pessoas. Portando, com as respostas a essas perguntas e enten-
dendo a necessidade de integrar o novo serviço em meio à rede de saúde local, pois a
atenção global ao paciente exige que o serviço de cuidados paliativos não seja isolado,
pode-se, enfim, definir o modelo de assistência a ser criado.

Modelos de Assistência Intra-hospitalares


Enfermaria de cuidados paliativos
Trata-se de um espaço interno ao hospital, denominado ala, com leitos específicos
para cuidados paliativos, que fica sob responsabilidade de profissionais com expertise
na área, com habilidades para lidar com o sofrimento de ordem física, mas também
com as esferas psicológicas, sociais e espirituais dos pacientes com doenças ameaça-

168 | Dor e Cuidados Paliativos


doras da vida, respeitando e cuidando não apenas do paciente, mas da família deste
também. Idealmente, deve possuir quartos individuais, ter horários de visitas e regras
relacionadas com a alimentação e as atividades mais flexíveis.
O gerenciamento adequado da ala desmistifica muito a ideia de um espaço para
pacientes que “vão para morrer” ou para os pacientes “crônicos” do hospital. Assim,
a manutenção de internações curtas é importante, mantendo o paciente e sua família
apenas o tempo necessário, seja para um desfecho de fim de vida, seja para o controle
de sintomas. A proposta é promover a alta sempre que possível, para acompanhamen-
to domiciliar ou ambulatorial.
Como exemplo, temos a enfermaria de cuidados paliativos do Hospital do Servidor
Público Estadual de São Paulo.
Equipe consultora em cuidados paliativos
Em um hospital sem leitos específicos para cuidados paliativos, a equipe consulto-
ra é formada por médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. É uma equipe
acionada por outras equipes que acompanham o paciente para promover orientação
de condutas, mas não assumem o paciente de forma integral. É considerado o tipo de
atendimento mais disseminador da cultura dos cuidados paliativos. No entanto, tem
como barreira de sua ampla atuação o medo e a dificuldade da aceitação dos modelos
de cuidado apregoados pelos cuidados paliativos.
Muitos hospitais possuem esse tipo de atendimento, sendo um exemplo o Hospital
Sírio-Libanês.
Equipe itinerante
Difere da equipe consultora por assumir os cuidados do paciente, ditando as con-
dutas e acompanhando o paciente que não se encontra em uma ala específica de cui-
dados paliativos.
Tem como ponto negativo muitas vezes não poder oferecer a flexibilização de
normas hospitalares, como o controle de visitas, dependendo do local em que pas-
sa a cuidar do paciente. Além disso, é possível que a equipe ou o médico até então
responsáveis pelo atendimento do paciente se afastem do caso, dando a sensação de
abandono. No entanto, assim como o grupo consultor, é disseminadora dos conceitos
de cuidados paliativos.

Modelos de Assistência Extra-hospitalares


Ambulatório de cuidados paliativos
A proposta do atendimento ambulatorial a pacientes em cuidados paliativos é de
extrema importância para o acompanhamento de pacientes que, apesar de serem por-
tadores de doenças avançadas e ameaçadoras da vida, ainda se encontram com bom
perfil funcional.
O ambulatório promove melhor controle dos sintomas, pela resposta rápida que
se dá às queixas do paciente, por meio do acompanhamento frequente, promovendo,
ainda, a possibilidade de comunicação do processo evolutivo da doença e dos acertos
de decisão advindos de cada fase desse evoluir.

Organização e Modelos de Assistência em Cuidados Paliativos | 169


Pode ser um ambiente simples, de consultórios, com a presença de médico, en-
fermeiro e psicólogo, ou ser completo, com a associação de atendimento de outras
especialidades, como fisioterapia, nutrição, assistência social, terapia ocupacional
e farmácia.
As consultas ambulatoriais devem respeitar, em sua duração, as necessidades do
paciente, para que ele possa expressar suas dúvidas e anseios e, para tanto, deve pro-
ver também um ambiente calmo, confortável e acolhedor. O mesmo olhar deve ser
direcionado às atividades com os familiares, que são cuidadores informais e carregam
em si dores e angústias relacionados com as perdas e as dificuldades do cuidado.
Unidade-dia de cuidados paliativos
Com o perfil similar ao da unidade ambulatorial de equipe completa, a unidade-dia
oferece cuidados multiprofissionais ao paciente e, para tanto, o ambiente precisa ser
espaçoso e ter atividades não apenas terapêuticas, mas de descanso, alimentação e
convivência social.
Habitualmente, o paciente permanece de 6h a 10h dentro da unidade, o que permi-
te ao cuidador a possibilidade de folga das atividades de cuidado, criando um tempo
para si mesmo, seja para cuidar de suas coisas, seja para participar de atividades na
própria unidade.
Atendimento domiciliar
Talvez seja um dos mais complexos modelos de assistência, principalmente quando
pensamos em grandes cidades. No entanto, para o paciente, a oportunidade de poder
ser cuidado em sua casa, com seus familiares por perto, é algo indescritível. Ainda que
o processo do falecer em casa seja difícil para alguns cuidadores e a fase final de vida
seja cumprida em ambiente hospitalar.
Para esse modelo é importante que haja um cuidador orientado e responsável, que
seja capaz de colocar em prática os cuidados aprendidos a cada visita da equipe de
cuidados paliativos e que tenha discernimento para reconhecer as situações em que
deva solicitar a equipe.
O grupo de atendimento domiciliar deve ter em seu quadro médicos, enfermeiros,
assistente social, psicólogo e motorista, podendo, se possível, agregar outros profis-
sionais, como fisioterapeutas, nutricionistas e fonoaudiólogos. As visitas devem ser
preferencialmente semanais, sendo esse número aumentado de acordo com a neces-
sidade do paciente.
Por isso, o envolvimento da rede primária de saúde no atendimento domiciliar de
cuidados paliativos é fundamental, para facilitar não apenas o atendimento em gran-
des metrópoles, mas também para levar a pequenas cidades esse modelo de cuidado
aos pacientes sem possibilidade de cura.

Hospice/Unidade Hospitalar Especializada em Cuidados Paliativos


É uma unidade hospitalar de médio porte, porém com características diferentes do
hospital. Nesse local, o perfil de flexibilidade é bastante importante, seja relacionado
aos horários, seja ligado às escolhas nutricionais do paciente.

170 | Dor e Cuidados Paliativos


O que se busca nesse modelo de assistência é o bem-estar do paciente e a promoção
de sua qualidade de vida, por meio de atividades de convivência, atividades holísticas,
ou seja, de uma abordagem completa, que vai além das necessidades físicas relaciona-
das com a doença, que aqui ganha o segundo plano, deixando o doente como protago-
nista de sua história. Nessas unidades, há uma abordagem completa do paciente, com
respeitando às suas necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais.
Trata-se de um modelo de assistência caro e precisa contar, como podemos apren-
der com outros países, com a técnica de captação de recursos, visto que as políticas de
saúde não implementaram regras para o pagamento desse tipo de atendimento, seja
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja pela saúde suplementar. É necessário,, para
seu bom funcionamento, que equipes de cuidados completas e com formação em cui-
dados paliativos estejam disponíveis. E nessas equipes estão incluídos os assistentes
espirituais e os voluntários.
Os pacientes atendidos em um hospice advêm de um sistema de referência e con-
trarreferência. Assim, os critérios de admissão ou recusa de pacientes devem estar
bem definidos.
Os hospices podem agregar em sua estrutura outras modalidades de assistência,
como a unidade-dia, o ambulatório e as equipes de atendimento domiciliar.
No Brasil, são dois os modelos desse tipo de cuidado: a clínica Florence, localizada
em Salvador/BA, e o Valencis Hospice, em Curitiba/PR.
Muitos são os modelos de assistência que podem ser construídos em cada serviço e
todos são necessários para o bom desenvolvimento dos cuidados paliativos.
Iniciar a jornada de criar um novo serviço não é fácil, mas é preciso. Isso denota
qualidade de atendimento e respeito ao ser humano. E citando Cicely Saunders: “...
Faremos tudo que estiver ao nosso alcance, não somente para ajudá-lo a morrer em
paz, mas também para você viver até o dia de sua morte”.

Referências
1. Lima L, Pastrana T. Opportunities for palliative care in public health. Annu Rev Public Health,
2016;37:357-74.
2. Doyle D. Getting started: guidelines and suggestions for those starting a hospice/palliative care
services. 2nd ed. Houston; IAHPC, 2009.
3. Hawley P. Barriers to access to palliative care. Palliat Care, 2017; 10: 10.1177/1178224216688887.
Disponivel em: http://doi.org/10.1177/1178224216688887.
4. Maciel MGS. Organização de serviços de cuidados paliativos. In: Carvalho RT, Parsons HA. Manual
de cuidados paliativos ANCP. 2ª ed. Porto Alegre, Sulina, 2012. p.94-110.
5. Sakurada CK, Taquemori LY. Assistência domiciliar. In: Oliveira RA. Cuidados paliativos CREMESP.
São Paulo: CREMESP, 2008. p. 120-6.
6. The Joint Commission Advanced Certification for Palliative Care Programs. Chicago: The Joint
Commission, 2011. Disponível em: http://jointcomission.org/certification/palliative_care.aspx

Organização e Modelos de Assistência em Cuidados Paliativos | 171


15
Capítulo

Estratégias no Manejo da
Dor Total
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso

Introdução
Pacientes com doença avançada enfrentam muitos desafios. A dor é o sintoma
de uma doença que pode ter sido associada a muitas perdas, como de sua norma-
lidade, independência, saúde e futuro. A significação da dor varia entre os indi-
víduos. Um paciente diabético com dor neuropática periférica pode estar muito
angustiado pela cronicidade1, mas um paciente com doença cardíaca isquêmica
pode acreditar que a dor torácica aguda significa que está morrendo. Ainda é co-
mum as pessoas acreditarem que a dor severa é inevitável no avanço da doença,
especialmente no câncer, e isso pode ser um fator de amplificação da dor nesses
pacientes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o doente com câncer
apresenta uma média de dez sintomas simultaneamente. A dor, mesmo não sendo
o sintoma mais frequente, é o que significativamente afeta a qualidade de vida dos
doentes oncológicos na terminalidade, constituindo-se num fator importante do
sofrimento relacionado com a doença, mesmo quando comparado com a expecta-
tiva de morte2.
Uma descrição inicial para dor em um câncer terminal, conhecida como “dor to-
tal”, foi proposta por Cicely Saunders, fundadora do movimento Hospice, na década
de 1960, que reconheceu a dimensão física, psicológica, social e espiritual na per-
cepção da sensação dolorosa e os efeitos multidimensionais que tem sobre a vida
do doente e sua família 3,4 . Dito isso, devemos nos lembrar de que Cicely Saunders,
em seu conceito visionário, já incluiu o atendimento de pacientes com esclerose
lateral amiotrófica (ELA) ou doença do neurônio motor. Nos últimos anos, ficou

Estratégias no Manejo da Dor Total | 173


claro que seu conceito de “dor total”, da abordagem multiprofissional, da integração
precoce dos cuidados paliativos é essencial para inúmeros pacientes que sofrem de
distúrbios neurológicos5.
À medida que a doença avança e o tratamento curativo não proporciona um contro-
le razoável dela, os cuidados paliativos – como um modelo de cuidados totais, ativos,
integrais e preventivos – são oferecidos ao paciente com doença ameaçadora de vida e
a sua família e crescem em significado. Exige-se, portanto, dos médicos paliativistas
uma base de conhecimento que permita identificar fatores emergentes que possam in-
fluenciar o curso da doença limitante de vida, com um excelente controle da “dor total”
e, consequentemente, melhor qualidade de vida, em detrimento do esforço ilimitado e
desnecessário de curar a doença.
Anteriormente, dados da literatura registravam estudos de prevalência de sintomas
predominantemente em pacientes com câncer. Grandes conjuntos de dados baseados
em outras populações de pacientes com doença avançada e risco de vida foram publi-
cados nessa última década. Quase todos morrem por doença cardiovascular (38%) e
câncer (34%), seguidos de doenças respiratórias crônicas (10%), HIV (5,7%) e diabe-
tes (4,6%)6. Embora a generalização seja problemática, a evidência sugere que, para
pacientes com doença avançada e progressiva oncológica e não oncológica, existe um
grupo central de sintomas comuns, principalmente no último ano e provavelmente
nos últimos dias de vida, conforme metanálise que incluiu 64 estudos e identificou
11 sintomas preditivos. A dor aparece como o sintoma mais prevalente nos portado-
res de câncer e de HIV/AIDS7. Esses dados estatísticos qualificam a “dor total” como
um problema de saúde pública, que requer atenção, independentemente da origem da
doença que a ocasionou.

Conceito Multidimensional de Dor Total


O tratamento efetivo da dor crônica como fenômeno multidimensional requer flui-
dez conceitual que incorpore uma compreensão dos fatores físicos, psicológicos, espi-
rituais e sociais que afetam a neurofisiologia da nocicepção, percepção e modulação
da dor e finalmente do comportamento doloroso. O conceito de “dor total” descreve
exatamente essa natureza abrangente da dor, que ajuda a explicar os insucessos da
farmacoterapia analgésica em alguns casos em nossa prática diária. Esse conceito,
da mesma forma, ressalta a importância de uma interação complexa entre as causas
físicas e outros aspectos do ser humano, incluindo personalidade, cognição, compor-
tamento e relações sociais. Sem atenção a todos esses aspectos, o alívio da dor total
provavelmente não será atingido3,8,9.
O aperfeiçoamento desse conceito na abordagem das questões físicas, psicoló-
gicas, sociais e espirituais envolvidas na “dor total” é essencial para o desenvolvi-
mento de estratégias para o alívio da dor, mesmo em situações não relacionadas
com a doença terminal10,11. As terapias psicossociais dirigidas principalmente a
variáveis psicológicas podem ter um impacto na intensidade ou na angústia da
dor, enquanto as terapias somáticas dirigidas à nocicepção podem reduzir os as-
pectos psicológicos adversos da dor. Portanto, para gerenciar todos esses aspectos

174 | Dor e Cuidados Paliativos


da “dor total”, as terapias somáticas e psicossociais devem ser utilizadas em uma
abordagem de multimodalidade8,12.
Os sobreviventes de câncer podem se apresentar psicologicamente e fisicamente
debilitados depois dos tratamentos antitumorais, que se expressam com alteração
na imagem corporal, perda do papel anterior nas esferas da família e do trabalho,
bem como enfrentar a morbidade e a mortalidade. Todos esses fatores contribuem
para o conceito de “dor total” nos pacientes com dor crônica não oncológica, que, da
mesma forma, são propensos a desenvolver “comportamentos mal-adaptados” que
se manifestam pelo seguinte ciclo: a dor causa diminuição da atividade e conduz
à incapacidade progressiva, o que dá origem a uma socialização reduzida, ciclo de
sono e despertar alterado e uso abusivo de drogas13,14. Dados da literatura demons-
tram que sobreviventes de câncer com “dor total” quando instruídos e treinados
para construir resistência às perdas físicas, para reconhecer situações estressantes
e utilizar estratégias de enfrentamento, melhoraram a dor e a qualidade de vida. A
equipe de cuidados paliativos, ao construir experiências bem-sucedidas no paciente
com “dor total”, pode encontrar e utilizar o significado existencial para superar si-
tuações futuras14.

Avaliação da Dor Total no Contexto dos Cuidados Paliativos


A interação de fatores cognitivos, emocionais e socioambientais com os aspec-
tos nociceptivos da dor ilustra a natureza multidimensional da dor e sugere uma
avaliação global e ambiental do paciente e de sua família, por meio de uma equipe
multiprofissional. Em alguns casos, o sofrimento físico pode desencadear proble-
mas psicológicos, espirituais e sociais. Da mesma forma, a dor espiritual pode ser
estimulada ou expressa como dor física9. Por exemplo, um doente que não pode se
alimentar por causa de um câncer esofágico se beneficia grandemente com uma gas-
trostomia para retomar a alimentação. No entanto, o impacto da cirurgia paliativa
nas dimensões psicológicas, sociais e espirituais pode demorar para o paciente se
adaptar à nova condição, e isso envolve ansiedade antecipada ou preocupação de
que a situação possa piorar no futuro. Se o indivíduo é submetido a uma cirurgia pa-
liativa com êxito, mas esses outros domínios não são atendidos, ele permanece as-
sistido de maneira incompleta. Para as famílias, há, igualmente, grande sofrimento
nesse processo: perda antecipada, testemunho permanente da angústia emocional
dos pacientes e o fardo do cuidado. Finalmente, os cuidadores profissionais teste-
munham potencialmente o sofrimento dos pacientes e de suas famílias que desafia
seus recursos emocionais. De acordo com esse modelo, o sofrimento de cada um
desses três grupos – paciente, família e cuidador profissional – está inextricavel-
mente inter-relacionado, de tal forma que a angústia percebida de qualquer um dos
três grupos pode amplificar o sofrimento dos outros. Esse modelo tem sido chamado
de sofrimento recíproco12,13.
Com base nessa abordagem multidimensional, a equipe de cuidados paliativos
pode formular um plano de cuidados interdisciplinares para atender às necessidades
da trilogia dos cuidados: paciente, família e cuidadores, em cada uma das dimensões
físicas, psicológicas, sociais e existenciais ou espirituais8,9 (Quadro 1).

Estratégias no Manejo da Dor Total | 175


Quadro 1 – Plano de cuidados interdisciplinares para trilogia dos cuidados paliati-
vos em cada uma das dimensões físicas, psicológicas, sociais e existenciais
Planejamento multiprofissional e interdisciplinar
1 Avaliação da condição clínica do paciente e os objetivos do cuidado
2 Descrição da família envolvida e dos cuidadores profissionais
3 Avaliação dos transtornos do paciente: físicos, psicológicos, existenciais, sociais, de co-
municação e compreensão
4 Avaliação dos transtornos dos familiares: físicos, psicológicos, existenciais, sociais, de
comunicação e compreensão
5 Avaliação dos transtornos do cuidador profissional: pessoais, emocionais, de treinamen-
to, necessidade de recursos
6 Avaliação do enfrentamento: paciente, família e pessoal profissional
7 Planejamento de contingência: contingências previstas, planejadas e intervenções

Estratégia para o Manejo da Dor Total


Cuidar de indivíduos no final da vida e de suas famílias é uma proposta desafia-
dora. Entender os desafios para fornecer cuidados de qualidade é o primeiro passo
importante. Como definido por Saunders, o cuidado paliativo está dirigido ao alívio
do sofrimento e da “dor total”. Para isso, estabeleceu três princípios essenciais para
atingir os objetivos dos cuidados paliativos: tratamento dos sintomas, destacando-se
o controle da dor; apoio psicossocial e espiritual, além da comunicação contínua e
adaptação das necessidades do doente e de sua família, considerando o paciente, e não
a doença, como o verdadeiro centro da atenção do tratamento, trabalhando com uma
equipe multiprofisional, para oferecer uma resposta rápida e efetiva a pacientes, suas
famílias e cuidadores profissionais3.
Historicamente, Twycross já tinha proposto uma estratégia de base científica para
o manejo adequado da “dor total” e de outros sintomas, que é referendada até os dias
atuais e que se resume na sigla EMMA15:
Evolução e Explicação
Manejo terapêutico e Monitorização
Atenção aos detalhes

Evolução
Prevenir, diagnosticar, tratar e curar (muitas vezes) faz parte da arte milenar do
médico, porém, estamos nos esquecendo da arte e da ciência de prognosticar. Estra-
tegicamente, em cuidados paliativos, devemos prognosticar antes de diagnosticar e
tratar, pois o manejo da dor está intimamente relacionado com o prognóstico, para
delinear os objetivos do plano individual de intervenção, como também na condução
das expectativas, prioridades, tomadas de decisão e escolhas terapêuticas consensuais
da equipe, dos pacientes e de seus familiares. De modo geral, a maioria dos clínicos

176 | Dor e Cuidados Paliativos


evita fazer previsões ou, se as fazem, guardam para si e não as comunicam ao paciente
e, quando comunicam, não o fazem claramente, superestimando o prognóstico em
situação de doença avançada, incurável e progressiva.
Cada indivíduo tem as próprias vivências, que induzem à subjetividade de resposta
diante da expressão de dor, envolvendo respostas afetivas e cognitivas. Sobre essa óti-
ca devemos identificar e informar basicamente os quatro aspectos da dor na sequência
evoluídos: a discriminação da dor (localização, duração intensidade e característi-
cas); as causas da dor (relacionadas com própria doença, tratamentos ou patologias
recorrentes); os mecanismos da dor (nociceptivo, neuropático ou misto, orgânico ou
funcional); e os fatores não físicos envolvidos com a expressão da dor. Essa última é
frequentemente negligenciada pelos profissionais de saúde na evolução do doente com
doença avançada.
Explicação
A explicação da causa, do mecanismo da dor e de fatores relacionados por meio de
uma linguagem simples para o paciente e sua família habitualmente contribui para a
confiança e adesão ao tratamento. A expectativa do paciente com dor crônica é que, ao
aderir a um tratamento farmacológico, haverá redução da dor e sua vida retornará ao
normal. Em geral, essa expectativa é um pouco irreal e não considera a necessidade
de múltiplos tratamentos (fisioterapia, exercício físico, psicoterapia e nutrição, entre
outros), sendo pouco realista no tocante ao tempo necessário para uma reabilitação
satisfatória. Nesse sentido, reduzir a intensidade da “dor total” é o primeiro de muitos
aspectos a serem abordados.
A qualidade de vida dos pacientes com “dor total” pode ser consideravelmente
melhorada com a farmacoterapia multimodal. Entretanto, existem vários obstáculos
práticos à adesão do paciente à farmacoterapia com opioide, como a ocorrência impor-
tante de efeitos adversos16,17. Na prática clínica, encontram-se, com muita frequência,
pacientes que mudam de médico para não mudar de tratamento analgésico. Portanto,
discutir e esclarecer esses aspectos com os pacientes e familiares é importante para a
adesão ao tratamento proposto.

Manejo terapêutico
Implica a consideração de três aspectos: tratar a causa da dor quando possível;
usar medidas não farmacológicas (físicas e comportamentais) e adotar analgesia de
amplo espectro. A terapia medicamentosa refere-se à arte e à ciência no uso combi-
nado de três grupos farmacológicos: analgésicos não opioides, analgésicos opioides,
com a morfina como a droga de eleição, e drogas adjuvantes18. Nesse sentido, a OMS
publicou, em 1986, um algoritmo que serve até os dias atuais como modelo clínico
para o tratamento da dor oncológica validado e aceito mundialmente, que é a Escada
Analgésica, na qual a dor deve ser tratada segundo uma escala ascendente de potên-
cia medicamentosa ou de complexidade de procedimentos anestésicos e/ou neuroci-
rúrgicos15. As principais vantagens desse método são a simplicidade e a eficácia. As
drogas aumentam sua potência, desde analgésicos anti-inflamatórios não hormonais
até dipirona na dor leve, passando pelos opioides fracos, como codeína e tramadol, na

Estratégias no Manejo da Dor Total | 177


dor moderada, até opioides potentes, como morfina, metadona, oxicodona, fentanil
e buprenorfina, nas dores severas. Dadas as limitações da abordagem convencional,
muitos clínicos utilizam oxicodona e morfina, tradicionalmente designadas para dor
severa, para dor moderada em baixas doses. Essa prática é apoiada por evidências
científicas de eficácia19,20.
Os medicamentos adjuvantes são usados com o objetivo de aumentar a eficácia
analgésica dos opioides, previnem e tratam sintomas concomitantes que exacerbam
a “dor total” e colaboram com o manejo da dor neuropática. Podem ser usados em
todos os degraus da escada analgésica da OMS. Entre eles estão: corticoides; anticon-
vulsivantes; psicoestimulantes; antidepressivos tricíclicos; agonista α-2; anti-hista-
mínicos; ketamina; e anestésicos locais e bifosfonatos, entre outros. Ao contrário dos
opioides, esses medicamentos não causam dependência fisiológica. Como são agentes
sinérgicos aos opioides, podem ser associados com doses mais baixas do que as pres-
critas isoladamente, o que pode reduzir os efeitos adversos, pois alguns são fármacos
de faixa terapêutica estreita com potencial de toxicidade, como os anticonvulsivantes
e antidepressivos. São amplamente prescritos e, amiúde, fornecem benefícios reais
quando adequadamente associados.

Monitorização
É necessário o seguimento não só para a avaliação contínua da eficácia terapêutica
e detecção dos efeitos adversos, mas também para pesquisar o aparecimento de novos
focos de dor e revisar as respostas aos fármacos que o paciente recebeu previamen-
te, para ajustar a posologia (doses, intervalos), agregar fármacos adjuvantes quando
necessário, modificar os fármacos prescritos ou adaptar a via de administração dos
medicamentos. Embora a morfina por via oral seja a terapêutica farmacológica de
eleição, alguns pacientes possuem limitações para essa via de administração.
Com base no que o próprio paciente refere para avaliação da intensidade da dor,
é sugerida a utilização de escalas unidimensionais (numérica, verbal, percentual e
visual analógica) e multidimensionais, que nos fornecem informação quantitativa e
qualitativa da dor.
Rotineiramente, a monitorização de fatores que podem intervir na resposta anal-
gésica apropriada dos opioides no curso da doença se faz necessária para a implemen-
tação dos ajustes terapêuticos, a considerar: progressão da doença; desenvolvimento
de tolerância; aparecimento de efeitos adversos intratáveis; fatores farmacocinéticos e
farmacodinâmicos; identificação do padrão temporal da dor; tipo de dor; a abordagem
adequada do componente neuropático da dor mista, frequentemente negligenciado,
contribuindo diretamente para a baixa adesão ao tratamento analgésico21.

Atenção aos detalhes


O controle da dor tem uma base científica, mas existem também aspectos de ordem
prática que garantem sua eficácia: a prescrição de fármacos profiláticos para sinto-
mas persistentes; recomendações médicas assistenciais escritas e orientadas quantas
vezes forem necessárias; atitude proativa para evoluir, e não presumir. Quanto mais
fácil for o plano terapêutico, maior a possibilidade de seu cumprimento.

178 | Dor e Cuidados Paliativos


Alguns fármacos têm cores distintas, segundo sua potência, o que ajuda a comu-
nicação e orientação diária de alguns pacientes. Diversificar a forma de apresentação
dos diferentes analgésicos (comprimidos, cápsulas, soluções, gotas, adesivos) pode
dar a impressão, para o paciente, que ele não está usando tantos medicamentos, as-
sim, talvez, sua adesão seja facilitada. Por isso, dentro do possível, deve-se restringir
o número de medicamentos.
A relação positiva entre o número de fármacos administrados e a incidência de
reações adversas a eles já está bem documentada. Estudos demonstram que o número
médio de prescrições, na maioria da população adulta, varia de quatro a oito fárma-
cos, e que as reações adversas para o paciente que está tomando apenas um fármaco é
em torno de 10%, chegando a quase 100% quando são utilizados 10 tipos de fármaco.
Prescrição comum na população idosa, em que a dor crônica tem elevada prevalên-
cia – o risco de ocorrência de um efeito adverso na população geriátrica, em que a dor
crônica é de alta prevalência, foi estimado em 13% para dois fármacos, 58% para cinco e
82% para sete ou mais22. A prescrição de analgésicos de ação prolongada, quando a dose
titulada já foi definida, muitas vezes garante maior adesão. Estudos anteriores compro-
vam que quanto maior o número de tomadas menor será o grau de cumprimento pelo
doente. Infelizmente, isso nem sempre é possível por causa da evolução flutuante da dor
e da limitação financeira da maioria dos pacientes para aquisição desses fármacos.

Farmacoterapia Opioide – Otimizando a Analgesia

Selecionar e titular individualmente as doses de opioides


A terapia crônica com os opioides orientada pela escada analgésica da OMS é a
base para o tratamento da dor moderada e severa do câncer, com a qual se busca
alcançar um balanço favorável entre o alívio da dor e os efeitos adversos para uma
maior adesão ao tratamento proposto, com melhor qualidade de vida para o paciente.
Os efeitos adversos mais comuns incluem constipação, sedação, náuseas e vômitos e
boca seca. O efeito imunossupressor dos opioides23,24, bem como a disfunção cognitiva
associada a seu uso, apesar da relevância clínica incontestável, continua incerto, com
resultados divergentes, servindo apenas como pré-requisito para que novas investiga-
ções nessa área sejam conduzidas25. Independentemente desses dados da literatura,
os opioides são efetivos, com uma favorável relação de risco-benefício. Somente 10%
a 30% dos pacientes apresentam uma resposta pobre aos opioides na administração
de rotina. Este é um fenômeno complexo que pode estar relacionado com um ou mais
fatores, incluindo comorbidades que predispõem à toxicidade e à fisiopatologia da dor
associada ou amplificada por outras dimensões que compõem a “dor total”, bem como
à resposta analgésica relativamente limitada a efeitos farmacológicos causados por
desidratação ou insuficiência renal. Os pacientes que desenvolvem efeitos adversos
não controlados mesmo antes de alcançar a analgesia adequada durante a titulação da
dose devem receber tratamento agressivo para prevenir ou tratar os efeitos adversos,
e somente quando essa intervenção falhar deve-se considerar o rodízio de opioides.
Alucinações, falha cognitiva, mioclonias e náuseas são outras das indicações para o
rodízio de opioides, além da dor não controlada26,27,28.

Estratégias no Manejo da Dor Total | 179


Minimizar os efeitos adversos para otimizar a adesão
Múltiplos efeitos adversos têm sido comumente relatados em pacientes em uso de
opioides no tratamento da dor crônica, como náuseas (28%); constipação (26-63%);
sonolência (24%); tonturas (18%); prurido e vômitos (15%). Xerostomia, cefaleia,
disfunção sexual, ondas de calor, anorexia, fadiga, insônia, sudorese, visão turva,
confusão, contrações musculares, diarreia, ataxia, edema e retenção urinária corres-
pondem a 10% de todos os efeitos identificados. A maioria é tratada com medicação
sintomática e ajustes de dose do opioide, sem comprometimento da analgesia. Con-
tudo, a constipação, que aparece como o efeito secundário que não induz tolerância
farmacológica, é o efeito adverso mais comum e pode não ser resolvida com medidas
laxativas e ainda ser intensificada com a terapia de longo prazo e doses elevadas do
fármaco. A constipação pode se tornar um problema importante com a exposição a
opioides numa proporção significativa dos pacientes. Consequentemente, o médico
deve considerar medidas laxativas e dietéticas mesmo antes do desenvolvimento da
constipação. Se esses efeitos e complicações na prática clínica diária não forem in-
formados aos pacientes e adequadamente monitorizados e controlados, importante
abandono parcial ou total da terapia analgésica21,29 pode ocorrer.
No contexto clínico, muitas vezes, percebe-se que a subutilização do opioide prescrito é
mais frequente do que seu uso excessivo, estando associada ao medo da família relaciona-
da com o vício, estratégias de enfrentamento ativas e automedicação na maioria dos estu-
dos. Por outro lado, mais uma vez, os resultados dos estudos enfatizam que fatores como
idade, intensidade da dor, posologia, polifarmácia, qualidade da relação médico-paciente
e percepção da necessidade de terapia opioide continua, são fatores importantes associa-
dos a não adesão, que devem ser foco da atenção da equipe de cuidados paliativos30.
Identificação de comportamento anômalo relacionado com a droga
O uso abusivo de medicamentos como os opioides tem se tornado um problema
de saúde pública que deve ser conhecido e estudado, principalmente no contexto dos
cuidados paliativos de países desenvolvidos. No Brasil, temos uma realidade ainda de
subdiagnóstico e subtratamento da dor crônica. No entanto, a conscientização desse
uso é importante para buscarmos, estrategicamente, medidas para um tratamento
adequado que consigam balancear uma analgesia apropriada e o potencial risco de
abuso desses fármacos.
Dependência e abuso de substância são termos que dificultam as condutas nos cui-
dados paliativos, em razão de suas limitações quando se tenta introduzi-los na prática
médica. A escassez de informações sobre o perfil comportamental de tais indivíduos,
a perspicácia aliada à experiência do médico devem ser as principais ferramentas uti-
lizadas para discernir uma atitude comum de outra anormal. Um conceito que é muito
mais útil para a prática médica é o de comportamento anômalo relacionado
com a droga. Este, em razão de sua maior amplitude, abre mão da tentativa de defi-
nir que atitudes são próprias do abuso da droga e quais são aceitáveis socialmente31. A
verdadeira intenção dessa nomenclatura é levantar suspeita em relação a um compor-
tamento que pode destoar da normalidade, na tentativa de diagnosticá-lo como sendo
decorrente do uso da droga ou da enfermidade de base do paciente.

180 | Dor e Cuidados Paliativos


Sabe-se que, frequentemente, a “dor total” não oncológica envolve fatores biológi-
cos e psicossociais, portanto, médicos que prescrevem terapias crônicas com opioides
devem integrar terapias cognitivo-comportamentais que se mostraram efetiva, além
de terapias adjuvantes não opioides de forma rotineira31,32. Atualmente, não há defi-
nição de desfecho, manejo e complicações, entretanto, a segurança e o alívio da “dor
total”, independentemente da origem, devem ser o foco do tratamento, prevenindo
problemas e a perpetuação do uso de fármacos com potencial de dependência e vício,
como os opioides.

Considerações Finais
O paciente com uma doença ameaçadora da vida pode enfrentar vários desafios e
perdas, começando com a perda de sua saúde e expectativa de futuro. Como a cada de-
safio a perda ocorre, o paciente demora a absorver a nova situação, e esse sofrimento
fica demonstrado nas diferentes dimensões da “dor total”. Sua reavaliação contínua é
essencial, assim como a reconsideração de como apoiar a compreensão, a adaptação e
a resolução de cada um dos domínios físico, psicológico, espiritual e social inseridos
na “dor total”.

Referências
1. Callaghan BC, Cheng HT, Stables CL et al. Diabetic neuropathy: clinical manifestations and current
treatments. Lancet Neurol, 2012; 11: 521–34.
2. World Health Organization. The Top 10 Causes of Death. Fact Sheet. Geneve: WHO, 2013.
3. Saunders C. Hospice and Palliative Care: an Interdisciplinary Approach. London: Edward Ar-
nold, 1990.
4. Syrajala KL, Cummings C, Donaldson GW. Hypnosis or cognitive behavioral training for the reduc-
tion of pain and nausea during cancer treatment: a controlled trial. Pain, 1992; 48: 137– 46.
5. Andersen PM, Abrahams S, Borasio GD et al. EFNS guidelines on the clinical management of
amyotrophic lateral sclerosis (MALS) — revised report of an EFNS task force. Eur J Neurol, 2012;
19: 360–75.
6. World Health Organization. Projections of Mortality and Causes of Death. World Bank Income
Groups.Geneve: WHO, 2015.
7. Solano JP, Gomes B, Higginson IJ. A comparison of symptom prevalence in far advanced cancer,
AIDS, heart disease, chronic obstructive pulmonary disease and renal disease. J Pain Symptom
Manage, 2006; 31: 58–69.
8. Breitbart W, Holland JC. Psychiatric aspects of cancer pain. In: Foley KM, Bonica JJ et al. Advances
in Pain Research. New York: Raven Press, 1990. p. 73–87.
9. Silva JO, Araujo VMC, Cardoso BGM et al. Dimensão espiritual no controle da dor e sofrimento do
paciente com câncer avançado: relato de caso. Rev Dor , 2015; 16: 71- 4.
10. Portenoy RK. Treatment of cancer pain. Lancet, 2011; 377: 2236–2247.
11. Mackie –Jenkins W, Tosca RM, Groninger H. Consultation for total pain in high-risk obstetrics.
BMJ Support Palliat Care, 2017 [No prelo]
12. Laufenberg-Feldmann R, Schwab R, Rolke R et al. Cancer pain in palliative medicine. Anaesthesist,
2012; 61: 457-67.
13. Kaasa S, Loge JH. Quality of life in palliative care: principles and practice. In: Cherny N, Fallon M,
Kaasa S et al. Oxford Textbook of Palliative Medicine, 5.ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2015.
p.1198-1209.

Estratégias no Manejo da Dor Total | 181


14. Rayment C, Bennett MI. Definition and assessment of chronic pain in advanced disease. In: Oxford
Textbook of Palliative Medicine, 5.ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2015. p. 519-24.
15. Twycross R. Introducing Palliative Care. 4ª ed. Oxford: Radcliff Med Press, 2003.
16. LoCasale RJ, Datto C, Margolis MK et al. Satisfaction with therapy among patients with chronic
noncancer pain with opioid-induced constipation. J Manag Care Spec Pharm, 2016; 22: 246-53.
17. Lugoboni F, Mirijello A, Zamboni L et al. High prevalence of constipation and reduced quality of life
in opioid-dependent patients treated with opioid substitution treatments. Expert Opin Pharmaco-
ther, 2016; 17: 2135-41.
18. De Simone G. Fundamentos de cuidados paliativos y control de sintomas: manual para estudiantes
de la carrera de medicina. Buenos Aires: Pallium Latinoamérica, 2004.
19. Ripamonti CI, Bareggi C. Pharmacology of opioid analgesia: clinical principles. In: Bruera ED,
Portenoy RK. Cancer Pain: Assessment and Management. Cambridge: Cambridge University
Press,2009. p. 195–229.
20. Caraceni A, Hanks G, Kaasa S et al. Use of opioid analgesics in the treatment of cancer pain: evi-
dence-based recommendations from the EAPC. Lancet Oncol, 2012; 13: e58–e68.
21. Cardoso MGM, Weinstock JG, Sardá Júnior JJ. Adesão ao tratamento da dor neuropática. Rev Dor,
2016; 17(Suppl 1): 107-9
22. Fulton MM, Allen ER. Polypharmacy in the elderly: a literature review. J Am Acad Nurse Pract,
2005; 17: 123-32.
23. Garcia JB, Melo MGC. Opioides y el sistema inmunológico. In: Bonilla P, De Lima L, Díaz P et al.
(Ed.) Uso de opioides en tratamiento del dolor: manual para Latinoamerica. Caracas: TIPS Imagen
y Comunicación, 2011. p.136-43.
24. Garcia JB, Cardoso MG, Santos MC. Opioide e Sistema Imunológico: relevância clínica. Rev Bras
Anestesiol, 2012; 62: 709-18.
25. Garcia JB, Melo MGC, Zuluaga PAD et al. Efectos de los opioides en el sistema nervioso central
y en el funcionamiento cognitive. In: Bonilla P, De Lima L, Díaz P et al. (Ed.) Uso de opioides en
tratamiento del dolor: manual para Latinoamerica. Caracas: TIPS Imagen y Comunicación, 2011.
p. 124-35.
26. van Dorp EL, Morariu A, Dahan A. Morphine-6-glucuronide: potency and safety compared with
morphine. Expert Opin Pharmacother, 2008; 9: 1955-61.
27. Stone P, Minton O. European Palliative Care Research collaborative pain guidelines. Central side-
effects management: what is the evidence to support best practice in the management of sedation,
cognitive impairment and myoclonus? Palliat Med, 2011; 25: 431–41.
28. Vissers KC, Besse K, Hans G et al. Opioid rotation in the management of chronic pain: where is the
evidence? Pain Pract, 2010; 10: 85–93.
29. Lugoboni F, Mirijello A, Zamboni L et al. High prevalence of constipation and reduced quality of life
in opioid-dependent patients treated with opioid substitution treatments. Expert Opin Pharmaco-
ther, 2016;17: 2135-41.
30. Butow P, Sharpe L. The impact of communication on adherence in pain management. Pain, 2014;
154(Suppl 1): S101-7.
31. Webster LR, Webster RM. Predicting aberrant behaviors in opioid-treated patients: preliminary
validation of the Opioid Risk Tool . Pain Medicine, 2005; 6: 432–42.
32. Schäfer M, Denke C, Krampe H et al. Pharmacotherapy in pain patients with substance abuse. J
Pain Palliat Care Pharmacother, 2015; 29: 59-60.

182 | Dor e Cuidados Paliativos


16
Capítulo

Sintomas Respiratórios em
Cuidados Paliativos
Fernanda Bono Fukushima
Edison Iglesias de Oliveira Vidal

Sintomas respiratórios são extremamente comuns em muitos pacientes em está-


gios avançados de doenças ameaçadoras da vida. Neste capitulo serão abordados dois
dos sintomas respiratórios mais comuns relacionados com o paciente em cuidados
paliativos: dispneia e tosse.
O manejo de qualquer sintoma em cuidados paliativos demanda uma avaliação
adequada, que, por sua vez, envolve uma história clínica detalhada, exame físico e
investigação diagnóstica complementar, quando necessária, para determinar sua(s)
causa(s) de base. Medidas diagnósticas e terapêuticas devem sempre levar em consi-
deração o prognóstico do paciente, seus objetivos de cuidados e o custo ou desconforto
associado a cada estratégia.

Dispneia
Aspectos gerais
A dispneia pode ser definida como “experiência subjetiva de desconforto respirató-
rio que consiste em diferentes sensações qualitativas e varia em intensidade”1. Dessa
forma, a falta de ar, tal como a dor, é um sintoma, e não um sinal. Sua prevalência
é bastante variável (12%-74%)2-4, dependendo do diagnóstico de base e do estágio
da doença em cada paciente. Diversas pesquisas têm demonstrado que medidas da
frequência respiratória, saturação de oxigênio, gasometria e mesmo a percepção de
profissionais de saúde e familiares não se correlacionam com a percepção do paciente
sobre sua falta de ar5. Como a dor, esse sintoma pode ser entendido como uma combi-
nação de fatores físicos, mas também de aspectos psicossociais e espirituais, sendo o

Sintomas Respiratórios em Cuidados Paliativos | 183


autorrelato do paciente sua medida mais adequada6. Alguns pacientes podem sequer
queixar-se espontaneamente de dispneia, todavia, quando questionados sobre sua
capacidade para deambular, podem indicar a ocorrência de falta de ar que os impede
de caminhar com a mesma velocidade ou de percorrer a mesma distância que costu-
mavam conseguir.
A sensação de se “afogar no seco” é angustiante e aterrorizante não somente para
o paciente como também para os familiares e cuidadores. Sua frequência pode ser
relativamente comum em algumas patologias, como na doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC), na insuficiência cardíaca e nas neoplasias pulmonares. A percepção
de falta de ar pode ser influenciada pelo grau de ansiedade do paciente, pela evolução
do sintoma e por experiências prévias7.
Familiares e cuidadores precisam ser educados de sua percepção quanto à presen-
ça e intensidade de falta de ar em relação ao paciente, que pode ser muito diferente da
percepção individual do doente em relação a si mesmo. O tempo investido pela equipe
de cuidados paliativos na compreensão dos desejos e objetivos de cuidado do pacien-
te quanto ao controle dos sintomas e medidas diagnósticas e terapêuticas permitirá
otimizar o tratamento oferecido, bem como minimizar o risco de incompreensão, ia-
trogenia e sofrimento5.
A causa da falta de ar pode ser bem definida (ex.: tromboembolismo pulmonar,
pneumonia, metástases pulmonares e DPOC), entretanto, em alguns pacientes po-
demos não encontrar uma etiologia única e inequívoca. Diversas doenças podem
comprometer a respiração e causar a sensação de falta de ar. Alguns dos mecanismos
mais comuns na gênese da dispneia incluem ansiedade, obstrução de vias aéreas,
broncoespasmo, hipoxemia, derrame pleural, pneumonia, edema pulmonar, embo-
lia pulmonar, secreções respiratórias volumosas e espessas, distúrbios metabólicos e
mesmo questões espirituais ou de natureza familiar, financeira ou legal. Por sua vez,
cada mecanismo pode estar associado a diferentes etiologias.

Avaliação
A avaliação clínica da dispneia inclui, portanto, o relato do paciente, a história da
evolução do sintoma e o exame físico direcionado. Os resultados da avaliação guiarão
o tratamento, bem como servirão para o estabelecimento de um parâmetro basal a ser
utilizado para a avaliação da resposta terapêutica do paciente.
A presença e intensidade da dispneia devem ser avaliadas por meio de instrumentos
validados, como as escalas numéricas verbais ou a escala analógica visual. A avaliação
da intensidade da dispneia faz parte de vários instrumentos específicos de avaliação em
cuidados paliativos, como a escala de avaliação dos sintomas de Edmonton (ESAS).
Avaliações mais específicas, como exames laboratoriais (ex.: dosagem de D-dí-
mero, peptídeos natriuréticos tipo B, proteína C reativa, hemograma, gasometria
arterial) ou radiológicos (ex.: radiografias e tomografia computadorizada), devem ser
solicitadas se os benefícios da informação a ser obtida excederem o desconforto e o
risco relacionados com o procedimento e na medida em que se encontrem alinhados
com os objetivos de cuidado do paciente, seus valores e preferências individuais. To-
davia, a oximetria de pulso ou gasometria não deve ser vista como medida objetiva

184 | Dor e Cuidados Paliativos


do desconforto do paciente, e sim o autorrelato. Pesquisas têm demonstrado que a
maioria dos pacientes que relatam falta de ar não está hipoxêmico e, por sua vez, as
medidas de hipoxemia (ex.: oximetria de pulso e gasometria) frequentemente não se
correlacionam bem com a percepção dos pacientes5,8.
Tratamento
O tratamento da dispneia deve ser sempre individualizado, entretanto, alguns prin-
cípios gerais podem ser aplicados a todas as causas. A abordagem multidisciplinar é
fundamental. Merece destaque especial o papel dos fisioterapeutas, os quais podem au-
xiliar no posicionamento do paciente no leito, na realização de fisioterapia respiratória,
no controle da hiperventilação, na orientação sobre técnicas de relaxamento, bem como
no oferecimento de orientações práticas sobre a realização de atividades cotidianas5.
Em alguns pacientes oncológicos a quimioterapia pode melhorar o controle de
sintomas e a qualidade de vida. A pleurodese com insuflação de talco pode ser consi-
derada precocemente em detrimento de múltiplas punções pleurais. Toda abordagem
terapêutica deve ser ponderada diante do contexto de cada paciente especificamente,
considerando-se riscos, custos e benefícios à luz de seus valores individuais e objetivos
de cuidado. Para alguns pacientes, por exemplo, o simples deslocamento ou internação
para a realização de um procedimento (seja quimioterapia, radioterapia, laserterapia
ou implantação de stent endobrônquico) pode representar sofrimento desnecessário.
Tratamento farmacológico
Oxigênio
Em pacientes portadores de DPOC avançado a utilização de oxigênio domiciliar
demonstrou melhora em sua sobrevida nas seguintes condições: a) PaO2 < 55 mmHg
ou SatO2 < 88% ou b) PaO2 < 60 mmHg ou SatO2 < 89% e hipertensão pulmonar, in-
suficiência cardíaca ou policitemia secundária (hematócrito > 55%)9,10. Por outro lado,
a utilização de oxigenoterapia para o alívio da dispneia em pacientes sem hipoxemia
carece de evidências e pode ser associada a uma variedade de problemas e efeitos
indesejáveis, como o desconforto relacionado com o uso do cateter nasal, o resseca-
mento das vias aéreas, a redução da mobilidade, os custos financeiros e até mesmo o
desenvolvimento de dependência psicológica11.
Mesmo em pacientes com hipoxemia associada a doenças ameaçadoras da vida em
fase avançada, não há clareza quanto ao real benefício da oxigenoterapia para o alívio
do sintoma de dispneia no longo prazo. Em função da complexidade do fenômeno da
falta de ar, pode-se propor ao paciente a realização de um teste terapêutico com O2
suplementar por 24 horas para verificar o benefício da intervenção no alívio do sinto-
ma. Nesses casos, recomenda-se avaliação intermitente do paciente, se possível com
oximetria de pulso. Em caso de resposta terapêutica favorável, com perspectiva de uso
por longo prazo, deve-se considerar o uso de concentradores de oxigênio.
Opioides
Morfina, fentanil, hidromorfona, oxicodona e metadona são alguns dos opioides
utilizados no tratamento da dispneia. O mecanismo exato da ação dos opioides sobre
o alívio da dispneia ainda não é conhecido em sua totalidade, entretanto, pode incluir

Sintomas Respiratórios em Cuidados Paliativos | 185


ação inibitória direta sobre receptores opioides presentes nos alvéolos, na medula e
no centro respiratório. Os opioides podem diminuir da sensibilidade do centro respi-
ratório à hipóxia e hipercarbia, mas também podem exercer efeito ansiolítico. Outro
mecanismo possível é a dilatação venosa pulmonar com redução na pré-carga cardía-
ca, especialmente relevante em pacientes com insuficiência cardíaca.
Os opioides são considerados a principal classe farmacológica para o tratamento
paliativo da dispneia refratária. Ainda que uma revisão sistemática recente tenha
considerado a qualidade da evidência disponível a esse respeito como baixa3, trata-se
da opção terapêutica mais bem estudada e aceita como eficaz e segura11-13. O uso de
opioides para tratamento da dispneia contribui para a melhora da qualidade de vida
de pacientes portadores de dispneia refratária e pode indiretamente contribuir para o
prolongamento da vida dos pacientes por reduzir o estresse físico e psicológico, bem
como diminuir a exaustão relacionada com esse sintoma14.
Os opioides devem ser utilizados de forma semelhante ao tratamento da dor. Ini-
cia-se com doses baixas de formulações de liberação imediata em posologia regular
associada a uma dose de resgate. A dose diária deve ser titulada até o alívio do sinto-
ma. Uma vez que o sintoma esteja controlado, é possível transicionar para o uso de um
opioide de liberação lenta14. Os efeitos adversos devem ser antecipados e prevenidos,
em especial a constipação.
Quando os opioides são utilizados para tratar a dispneia, a questão da tolerância
farmacológica não costuma representar um problema relevante. Em alguns pacientes,
o alívio do sintoma pode ser acompanhado de um aumento mensurável na tolerância
ao exercício e maior mobilidade. Em geral, as doses utilizadas para tratamento da
dispneia são inferiores às usadas para tratamento da dor, e quando o sintoma é con-
trolado por meio de titulação cuidadosa da dose, a depressão respiratória e o compor-
tamento de vício não representam risco significativo.
O Quadro 1, a seguir, exemplifica prescrições iniciais de opioides para tratamento
de dispneia em pacientes sem uso prévio desses medicamentos.
Quadro 1 – Exemplos de prescrição inicial de opioides para tratamento da dispneia
em pacientes adultos virgens de opioides
Dispneia leve
• Codeína 30 mg VO 4/4h com uma dose de resgate de 30 mg a cada 2h. Considere
reduzir a dose em 1 ⁄4 ou pela metade para pacientes idosos ou frágeis.
Dispneia grave
• Morfina (como solução oral ou comprimidos), 5 mg 4/4h, com uma dose de resgate
de 5 mg a cada hora.

Os opioides podem ser administrados por via EV ou SC em situações de urgência


ou quando a via oral não estiver disponível ou for desaconselhável.

Ansiolíticos e fenotiazinas
A falta de ar, em especial quando aguda ou grave, pode causar grande ansiedade e
pânico. Opioides e terapias não farmacológicas podem aliviar tanto a dispneia como
a ansiedade resultante. As evidências atuais apontam o uso de prometazina por via

186 | Dor e Cuidados Paliativos


oral isoladamente ou em associação com opioides como um agente de segunda linha
para o tratamento da dispneia14.
Apesar de benzodiazepínicos, como diazepam ou midazolam, atuarem como an-
siolíticos e potencialmente reduzirem a resposta ventilatória à hipóxia e hipercapnia,
até o presente momento, estudos não corroboram seu uso14. No tratamento da falta de
ar, o uso de benzodiazepínicos deve ser reservado àqueles pacientes com ansiedade
excessiva associada ao quadro de dispneia. Recomenda-se, antes do uso de benzodia-
zepínicos, um teste com buspirona, agonista serotoninérgico e ansiolítico não benzo-
diazepínico, ou sertralina pelo efeito modulatório da serotonina na respiração7.
Outras medicações
O uso de corticoides sistêmicos pode ser benéfico na DPOC, em casos de linfangite
carcinomatosa, pneumonite actínica, síndrome da veia cava superior e em obstrução
de vias aéreas associadas a neoplasias por conta de seus efeitos anti-inflamatórios
com redução de edema. O uso prolongado dessa medicação, entretanto, pode estar
relacionado com a miopatia, o que pode prejudicar o controle da dispneia no médio e
longo prazo. Dessa forma, os corticoides devem ser utilizados com cautela14.
Tratamento não farmacológico
Medidas não farmacológicas podem proporcionar alívio adicional para a dispneia.
Nesse sentido, uma equipe interdisciplinar integrada pode contribuir de forma signi-
ficativa no controle desse sintoma. Medidas simples, como cuidados com o ambiente,
o posicionamento do paciente e orientações à família e cuidadores, podem exercer
grande impacto sobre o alívio da dispneia. Sabe-se que a estimulação facial com fluxo
de ar pode contribuir para o alívio da sensação de falta de ar. O possível mecanismo
subjacente à melhora sintomática provavelmente está relacionado com o estímulo
inibitório decorrente do segundo ramo (maxilar) do nervo trigêmeo sobre o centro
respiratório, o qual pode ser obtido mediante a utilização de um recurso simples como
um ventilador com fluxo de ar direcionado para o rosto do paciente5.
O Quadro 2, a seguir, reúne as principais medidas não farmacológicas descritas
como benéficas na abordagem da dispneia.
Quadro 2 – Medidas não farmacológicas para o tratamento da dispneia
• Educação do paciente, familiar e cuidadores quanto à natureza dos sintomas.
• Orientação quanto às intervenções propostas e adotadas.
• Abordagem de questões relativas a valores individuais e à percepção de sentido/signifi-
cado daquilo que se tem vivenciado/observado.
• Apoio e aconselhamento da família acerca de assuntos de ordem espiritual, financeira e
legal que possam estar contribuindo com a ansiedade.
• Limitar o número de pessoas no quarto do paciente.
• Manter o ambiente fresco e bem arejado.
• Proporcionar fluxo de ar voltado para o rosto do paciente (ex.: ventilador).
• Se possível, oferecer ao paciente visão do ambiente externo através de janelas.
• Eliminar agentes irritantes respiratórios como fumaça de cigarro e poeira.
• Elevar a cabeceira da cama e mobilizar frequentemente o paciente.
• Usar terapias de relaxamento, distração, acupuntura ou hipnose.

Sintomas Respiratórios em Cuidados Paliativos | 187


Em algumas circunstâncias, as terapias não farmacológicas podem ser eficazes
isoladamente e dispensar o uso de medicamentos. No entanto, principalmente para
os pacientes mais ansiosos, a combinação de tratamento farmacológico e não farma-
cológico em geral será necessária.
Tosse
A tosse é um mecanismo fisiológico de proteção pulmonar e das vias aéreas. Apre-
senta mecanismos voluntários e involuntários. É um dos sintomas mais comuns e
está frequentemente relacionado com infecções das vias aéreas. Apesar de sua função
protetora, quando prolongada, pode causar grande desconforto ao paciente. A história
clínica é fundamental para o adequado diagnóstico etiológico, para distinguir entre
tosse secundária a infecções de vias aéreas superiores, pneumonia, refluxo gastroeso-
fágico, broncoaspiração ou obstrução das vias aéreas por um tumor. Caso o fator irri-
tativo responsável pela tosse não tenha perspectiva de melhora mediante tratamento
etiológico específico, o uso de supressores da tosse torna-se uma importante opção
para o manejo paliativo desse sintoma.
Tratamento
O tratamento deve levar em consideração tanto a etiologia da tosse como as condi-
ções clínicas, o prognóstico do paciente, seus valores e objetivos de cuidados. Sempre
que possível, o tratamento deve incidir sobre a causa do sintoma. É importante alcan-
çar clareza quanto aos fatores de piora com o objetivo de prevenir sua ocorrência. A
falta de ar pode desencadear a tosse e vice-versa. Tosse persistente pode precipitar
vômito, fadiga, dor torácica e abdominal, fratura de costela, síncope e insônia. Esses
problemas devem ser tratados concomitantemente.
Uma radiografia simples de tórax, bem como um hemograma, pode ser útil na in-
vestigação etiológica. Na suspeita de tosse secundária a refluxo gastroesofágico, de-
ve-se implementar teste terapêutico com medicamentos pró-cinéticos e bloqueadores
de bomba de prótons15.
Supressores da tosse são geralmente utilizados no tratamento da tosse seca irrita-
tiva. A tosse produtiva pode ser tratada com supressores se ocorrer no período notur-
no e também no paciente nas últimas horas de vida. Os opioides são considerados os
agentes antitussígenos mais potentes. Pode-se iniciar com codeína ou baixas doses de
morfina (2,5 mg de morfina a cada 4 horas) associada ao não a anti-histamínicos de
primeira geração.
Agentes mucolíticos como xaropes ou nebulização com solução fisiológica podem
beneficiar o paciente com dificuldade de eliminar secreções. O uso de nebulização
com solução fisiológica pode fluidificar as secreções, facilitando a expectoração.
A nebulização com anestésicos locais pode aliviar a tosse seca irritativa refratária
aos tratamentos supracitados. É importante notar que na primeira aplicação pode
ocorrer broncoespasmo, sendo desejável, portanto, a disponibilidade de um bronco-
dilatador inalatório. Tanto a lidocaína (até 5 mL de lidocaína 2% a cada 6 horas) como
a bupivacaína (até 5 mL de bupivacaína 0,25% a cada 8 horas) podem ser utilizadas. A
eficácia e a toxicidade, entretanto, ainda não estão bem estabelecidas. O uso de anes-

188 | Dor e Cuidados Paliativos


tésicos locais por via inalatória também pode causar rouquidão. Os pacientes devem
ser orientados a não se alimentarem por uma hora após a nebulização em razão do
risco de broncoaspiração.
Fisioterapia respiratória deve ser considerada em todos os pacientes como estra-
tégia não farmacológica para o manejo de secreções mesmo naqueles em processo
de morte.
Medicamentos com efeito antimuscarínico podem ser considerados para reduzir
secreções respiratórias, especialmente salivar. N-butil-escopolamina (10 a 20 mg EV
ou SC até 6/6h) e atropina 1% (1 a 3 gotas SL a cada 4 a 6h) são os medicamentos mais
utilizados para essa finalidade em cuidados paliativos.

Referências
1. Dyspnea. Mechanisms, assessment, and management: a consensus statement. American Thoracic
Society. Am J Respir Crit Care Med, 1999; 159:321-40.
2. Au DH, Udris EM, Fihn SD et al. Differences in health care utilization at the end of life among
patients with chronic obstructive pulmonary disease and patients with lung cancer. Arch Intern
Med, 2006; 166:326-31.
3. Barnes H, McDonald J, Smallwood N et al. Opioids for the palliation of refractory breathlessness in
adults with advanced disease and terminal illness. Cochrane Database Syst Rev, 2016; 3: CD011008.
4. Janssen DJ, Spruit MA, Uszko-Lencer NH et al. Symptoms, comorbidities and health care in
advanced chronic obstructive pulmonary disease or chronic heart failure. J Palliat Med, 2011;
14:735-43.
5. Berger AM, Shuster JL, Von Roenn JH. Principles and practice of palliative care and supportive
oncology. 4th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; Lippincott Williams & Wilkins, 2013.
6. Abernethy AP, Wheeler JL. Total dyspnoea. Curr Opin Support Palliat Care, 2008; 2:110-3.
7. Clemens KE, Faust M, Bruera E. Update on combined modalities for the management of breathless-
ness. Curr Opin Support Palliat Care, 2012; 6:163-7.
8. Bruera E, Schmitz B, Pither J et al. The frequency and correlates of dyspnea in patients with ad-
vanced cancer. J Pain Symptom Manage, 2000; 19:357-62.
9. Hardinge M, Annandale J, Bourne S et al. British Thoracic Society guidelines for home oxygen use
in adults. Thorax, 2015; 70:i1-43.
10. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD). GOLD 2017 global strategy for the
diagnosis, management, and prevention of COPD. 2017. Disponínel em: http://goldcopd.org/gold-
2017-global-strategy-diagnosis-management-prevention-copd/. Acesso em: 22 nov. 2017.
11. Kloke M, Cherny N, ESMO Guidelines Committee. Treatment of dyspnoea in advanced cancer pa-
tients: ESMO Clinical Practice Guidelines. Ann Oncol, 2015; 26:v169-73.
12. Kamal AH, Maguire JM, Wheeler JL et al. Dyspnea review for the palliative care professional: treat-
ment goals and therapeutic options. J Palliat Med, 2012; 15:106-14.
13. Rocker GM, Simpson AC, Horton R. Palliative care in advanced lung disease: the challenge of inte-
grating palliation into everyday care. Chest, 2015; 148:801-9.
14. Viola R, Kiteley C, Lloyd NS et al. The management of dyspnea in cancer patients: a systematic
review. Support Care Cancer, 2008; 16:329-37.
15. Morice AH, Shanks G. Pharmacology of cough in palliative care. Curr Opin Support Palliat Care,
2017; 11:147-51.

Sintomas Respiratórios em Cuidados Paliativos | 189


17
Capítulo

Avaliação e Controle de Sintomas


Neuropsiquiátricos
Lúcia Miranda Monteiro dos Santos
Alexandre Annes Henriques

Introdução
As intervenções em cuidados paliativos têm como objetivo principal propiciar qua-
lidade de vida ao paciente portador de doença avançada que não apresente possibili-
dade de cura. Manejar adequadamente os sintomas neuropsiquiátricos nesse contexto
é uma das condições para promover a qualidade de vida. O apoio às famílias desses
pacientes é igualmente essencial.
O termo neuropsiquiatria indica uma combinação entre a perspectiva da neurolo-
gia e a perspectiva psiquiátrica do mesmo fenômeno, sendo uma área de interface en-
tre o “cérebro” e a “mente”, entre a função cerebral e o comportamento humano. Esse
termo costuma ser empregado perante doenças cerebrais complexas que apresentam
significantes aspectos neurológicos e psiquiátricos (p. ex., transtorno de Tourette, sín-
dromes demenciais, doenças autoimunes com envolvimento do SNC etc.).
Os sintomas neuropsiquiátricos são uma expressão de alterações estruturais e/
ou funcionais da atividade cerebral, por acometimento primário do órgão e/ou por
reação secundária do cérebro a mudanças sistêmicas. Por essa razão, as doenças neu-
ropsiquiátricas costumam ser bastantes heterogêneas em relação a sua apresentação
clínica e, geralmente, demandam abordagens terapêuticas paralelas da neurologia e
da psiquiatria, com diferentes combinações dessas terapêuticas no plano geral de tra-
tamento, conforme a demanda em cada caso.
Outra definição da ocorrência de sintomas neuropsiquiátricos é quando ocorrem
comorbidades neurológicas juntamente com doenças psiquiátricas ou vice-versa (p.
ex., um paciente com depressão que sofreu um acidente vascular cerebral ou um pa-
ciente com doença de Huntington que desenvolve alterações cognitivas, emocionais
e/ou comportamentais).

Avaliação e Controle de Sintomas Neuropsiquiátricos | 191


Classicamente, algumas das “doenças neuropsiquiátricas” mais comuns no
contexto dos cuidados paliativos são: síndromes demenciais; delirium; trauma
cranioencefálico; acidente vascular cerebral; transtornos de uso de substâncias
(incluindo intoxicações); neoplasias cerebrais (primárias ou metastáticas); infec-
ções cerebrais; transtornos neurodesenvolvimentais; esclerose múltipla; doença
de Parkinson e doença de Huntington. Além dessas, há um subgrupo de síndromes
neurocomportamentais focais que também compõem as situações neuropsiquiá-
tricas nesse contexto: afasias; apraxias; agnosias; apatia; disfunções executivas e
síndromes orbitofrontais.
Para executar uma adequada avaliação dos sintomas neuropsiquiátricos, é neces-
sária uma boa compreensão do modelo biopsicossocial, em que sejam direcionadas
as estratégias terapêuticas multimodais de modo específico a cada fator envolvido na
etiologia e/ou manutenção dos quadros sintomatológicos. Os fatores sociais, culturais
e espirituais também demandam atenção e manejo.
O contexto dos cuidados paliativos costuma apresentar sofrimentos físicos (sin-
tomas como dor, dispneia, vômitos, astenia) e emocionais (perda da autonomia, da
autoestima, medo, solidão) significativos, o que pode levar a sentimento de tristeza,
bem como outros sintomas depressivos e/ou de ansiedade, via de regra, subdiagnos-
ticados e subtratados.
Neste capítulo, explanamos sobre a identificação e o manejo terapêutico dos sintomas
e das síndromes neuropsiquiátricas mais frequentes em situações de cuidados paliativos.

Delirium
Delirium constitui a condição com sintomas neuropsiquiátricos mais comuns em
pacientes portadores de doença avançada (CP), ocorrendo entre 26-44% dos pacientes
admitidos em ambiente hospitalar ou unidades específicas de CPs. Principalmente
nos casos de câncer e nos doentes que se encontram em fase terminal, sua ocorrência
pode indicar a proximidade da morte. Pacientes com câncer admitidos em hospitais
apresentam prevalência de até 45% de delirium, e 50% desses ainda são reversíveis.
Quando próximos do final de vida, 88% dos pacientes apresentam delirium, o que
pode ser muito estressante para pacientes, familiares e cuidadores.
De acordo com os critérios da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (DSM-5.0), delirium consiste em uma alteração do nível de
consciência de instalação aguda (horas ou dias) e curso flutuante, acompanhada de
déficit de atenção e alteração da cognição, como déficit de memória ou desorientação.
Deve existir evidência na história, no exame físico ou nos exames laboratoriais de
que a alteração seja causada por uma condição orgânica subjacente ou consequência
direta de uma condição médica geral ou de seu tratamento.
O delirium é de início agudo e pode se apresentar como:
• hiperativo – estado hipervigilante, com alucinações, agitação psicomotora,
agressividade; constitui o quadro de delirium mais facilmente diagnosticado;
• hipoativo – confusão, sedação, apatia; o diagnóstico pode ser mais difícil e con-
fundido com estado depressivo;
• misto – alterna as duas modalidades.

192 | Dor e Cuidados Paliativos


O Confusion Assessment Method (CAM) constitui uma ferramenta importante
para estabelecer o diagnóstico. Além de ser de fácil aplicação, é validado para a língua
portuguesa3. O CAM é composto pelo seguinte modo:
A) Estado confusional agudo com flutuação marcante.
B) Déficit de atenção marcante.
C) Pensamento e discurso desorganizados.
D) Alteração do nível de consciência (hipoativo ou hiperativo).
Considera-se delirium na ocorrência dos itens (A) + (B) + (C e/ou D).

Diversos fatores de risco podem contribuir para que os pacientes com doença avan-
çada apresentem delirium. A seguir, foram listados as principais causas e os fatores de
risco para o delirium:
• evolução da doença: metástase cerebral, síndromes paraneoplásicas;
• infecções: ITU, infecção respiratória, sépsis;
• distúrbios eletrolíticos: cálcio, potássio, sódio, magnésio, fosfato;
• desidratação/desnutrição;
• hiperglicemia/hipoglicemia;
• hipercarbia/hipoxemia;
• falência de órgãos: insuficiências renal, hepática e cardíaca;
• obstipação intestinal;
• tratamentos: quimioterapia, radioterapia.
Os medicamentos podem estar associados ao desenvolvimento de delirium em 12-39%
dos casos:
• anticolinérgicos: anti-histamínicos, atropina, hioscina, difenidramina, tricíclicos;
• antimicrobianos: quinolonas, aciclovir, macrolídeos, sulfonamidas, cefalospo-
rinas, aminoglicosídeos, anfotericina;
• analgésicos: opioides, AINEs;
• corticosteroides;
• agonistas dopaminérgicos: levodopa, pramipexol, bromocriptina, amantadina;
• anticonvulsivantes: ácido valproico, fenitoína, carbamazepina;
• antidepressivos: mirtazapina, inibidores de recaptação de serotonina, tricíclicos;
• sedativos: benzodiazepínicos, barbitúricos;
• relaxantes musculares;
• cardiovasculares: antiarrítmicos, betabloqueadores, metildopa, clonidina, diu-
réticos, digitálicos;
• gastrointestinais: bloqueadores H2, metoclopramida, loperamida, antiespasmódicos;
• outros: fitoterápicos, lítio, donepezil, fenotiazinas.
O quadro clínico ocorre com múltiplas apresentações dos seguintes sintomas:
• início agudo;
• curso flutuante durante o dia/intervalos lúcidos presentes;
• déficit de atenção;
• alteração no nível de consciência;
• pensamento desorganizado;
• distúrbios da percepção (delírios e alucinações);
• alterações psicomotoras (hiper ou hipoatividade);

Avaliação e Controle de Sintomas Neuropsiquiátricos | 193


• alterações no ciclo sono-vigília;
• distúrbios emocionais (labilidade, ansiedade etc.).

Tratamento
O tratamento é composto por medidas farmacológicas e não farmacológicas. O ha-
loperidol3 é o fármaco de escolha para controlar os sintomas de agitação psicomotora
e alucinações, nas doses de 0,5 a 1,0 mg (VO, IV ou SC), podendo a dose ser repetida
a cada 45-60 minutos até o alívio dos sintomas, em uma dose máxima de 5 mg nas
24 horas. Idosos vão requerer doses menores, para evitar os efeitos colaterais (em
especial, os efeitos extrapiramidais). Ele necessita de pouco ajuste de dose em insufi-
ciência hepática e nenhum ajuste em insuficiência renal. Por meio da via subcutânea,
o haloperidol pode ser facilmente prescrito no manejo de náuseas e vômitos (25% de
resposta) e em agitação terminal em pacientes sob CP. O haloperidol foi listado como
uma das 25 medicações importantes no tratamento de CPs.
Outros fármacos antipsicóticos, como olanzapina 2,5 a 10 mg 1X/dia, risperidona
1-6 mg/dia e quetiapina 25-400 mg/dia, podem ser utilizados, apresentando um efeito
mais sedativo, com menor incidência de efeitos extrapiramidais. A olanzapina tam-
bém apresenta efeito antiemético, incluindo náusea e vômito por quimioterapia, por
opioides e por tumor cerebral (2,5 a 5 mg/dia).
Os benzodiazepínicos não devem ser utilizados isoladamente em pacientes com deli-
rium. Contudo, em delirium terminal, o midazolam intermitente ou contínuo é empre-
gado. Delirium hipoativo em CPs pode melhorar com o uso de metilfenidato.
Paralelamente à medicação, outras intervenções devem ser implementadas, como
avaliação da medicação em uso, correção da hidratação e das alterações eletrolíticas
e/ou metabólicas, tratamento de infecção, da obstipação, hipoxemia etc. Também é
necessário corrigir fatores que podem agravar o quadro, como imobilização do pa-
ciente, distúrbio de sono e controle da dor.
As medidas não farmacológicas fornecem um suporte importante na melhora do
quadro e buscam otimizar a orientação do paciente. A presença dos familiares junto
com o paciente diminui estranhamentos ao ambiente, bem como a presença de um
acesso a uma janela pode auxiliar no ciclo sono-vigília. A utilização de relógios e ca-
lendários também auxilia a orientação no tempo. Evitar o emprego de sondas vesicais
e nasogástricas e, sempre que possível, evitar a contenção mecânica do paciente no
leito igualmente colaboram no manejo do quadro. A abordagem da privação do sono,
além do uso de medicação, inclui proporcionar um ambiente com o mínimo de ruídos
e iluminação adequada e a organização de horários de intervenções físicas (curativos,
banho etc.) e da administração das medicações, para não interromper o período de
descanso do paciente.

Encefalopatia Hepática (EH)


É constituída por um espectro de alterações neuropsiquiátricas potencialmente
reversíveis que ocorrem em pacientes com disfunção hepática significativa. Os fatores
precipitantes mais comuns incluem hemorragia gastrointestinal, uremia, mudanças
dietéticas, infecções, medicações e constipação.

194 | Dor e Cuidados Paliativos


A EH persistente expressa-se com alterações cognitivas e não cognitivas (p. ex.,
alterações extrapiramidais e do sono etc.), com impacto social e de interação pessoal
negativo e desgastante.
A administração de lactulose não absorvível é uma indicação terapêutica benéfica,
mesmo sem evidências consistentes de eficácia. Quando a medicação não pode ser ad-
ministrada por via oral, por alteração mental, a administração deverá ser por via re-
tal. Antibióticos e medicações para delirium também são empregadas. Por aumentar
o risco de delirium, os benzodiazepínicos devem ser evitados nessas circunstâncias.

Ansiedade e Depressão
Sintomas ansiosos e depressivos são comuns em pacientes com doenças neurode-
generativas. Há múltiplos fatores envolvidos no desenvolvimento de tais sintomas,
como estressores por doenças crônicas e debilitantes, efeitos diretos de doença em
tecido cerebral, efeitos colaterais de medicamentos (p. ex., oscilações por levodopa
em doença de Parkinson (DP), sintomas depressivos como efeito colateral de terapia
imunomodulatória em esclerose múltipla etc.).
Os estudos com foco nos sintomas e distúrbios de ansiedade em pacientes gra-
vemente enfermos, muitos em cuidados paliativos, são em número menor do que os
direcionados para a depressão, mas sintomas de ansiedade são frequentes nesses pa-
cientes10,11. Ansiedade é um estado psíquico de apreensão ou medo provocado pela
antecipação de uma situação desagradável ou perigosa. Interfere na saúde mental e
física dos pacientes, bem como na relação destes com a família e os cuidadores, além
de diminuir a qualidade de vida11,12.
Há pacientes que também apresentam transtornos ansiosos e transtornos de hu-
mor (incluindo o transtorno depressivo maior). A prevalência é de 25% para depressão
maior, de até 40% para transtornos de humor em geral e de até 80% de sintomas
depressivos em pacientes terminais. Já os sintomas ansiosos ocorrem em até 70% dos
casos, mas transtornos de ansiedade perfazem 15%.
Depressão não tratada potencializa a percepção de dor e diminui a capacidade de
tomada de decisão, piora a interação com familiares, diminui a capacidade de atingir
objetivos finais de vida e aumenta o risco de suicídio, bem como a morbimortalidade
clínica dos pacientes.
O impacto negativo sobre o paciente ocasionado por um quadro de ansiedade persis-
tente não tratada foi demonstrado em um estudo com 600 pacientes portadores de câncer
avançado, em que os autores reportaram menor entendimento por parte dos pacientes das
informações fornecidas pelo médico sobre o estado de saúde, desconforto em perguntar
a equipe sobre suas reais condições, dúvidas sobre as terapias oferecidas e receio de que
não terão o controle adequado de sintomas como dor no final da vida13. O diagnóstico e
a instituição precoce do tratamento são fundamentais, pois os distúrbios de ansiedade
não apresentam uma situação adaptativa, e a tendência é interferir negativamente nas
terapias para o controle de sintomas, com prejuízo da qualidade de vida do paciente.
Observa-se que a depressão na presença da proximidade da morte pode não ter
necessariamente um conteúdo patológico, e sim expressar o medo do desconhecido, a
frustração pelos sonhos e planos que não terão mais espaço para serem alcançados. A

Avaliação e Controle de Sintomas Neuropsiquiátricos | 195


observação atenta da equipe assistente em relação ao comportamento do paciente e do
seu contexto possibilita o diagnóstico precoce, fundamental para que seja implemen-
tado o plano terapêutico mais adequado a cada caso.
Os antidepressivos com maior evidência de eficácia em CPs são os tricíclicos (nor-
triptilina, imipramina) e os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (fluoxeti-
na, sertralina, paroxetina, fluvoxamina, citalopram, escitalopram), mas os tricíclicos
parecem ter uma resposta mais rápida. Mianserina, duloxetina, atomoxetina e, prin-
cipalmente, mirtazapina também apresentaram evidência em CPs.
Pacientes com limitada expectativa de vida necessitam de intervenções terapêuticas
com efeitos mais rápidos, mesmo que sejam indicações off-label, como metilfenidato
ou modafinil para a depressão. O metilfenidato pode ser empregado em depressão e/
ou fadiga (por câncer, por Parkinson e por HIV), bem como no manejo da sedação/
confusão por opioides e na apatia demencial. Em relação aos efeitos antidepressivos,
a resposta clínica parece ser mais rápida do que com os antidepressivos. O benefício
na fadiga parece ser maior do que na depressão. Em pacientes com doença renal, essa
medicação não necessita de ajustes; já na insuficiência hepática isso será necessário.
Em uma pequena série de casos com cardiopatia grave, com contraindicação para o
uso de antidepressivos, o metilfenidato apresentou melhora da síndrome depressiva,
sem efeitos colaterais significativos. Pacientes com disfunção cognitiva (por tumor
cerebral, por HIV e por esclerose múltipla) também apresentaram melhora desses
déficits com o uso desse fármaco (10-15 mg 2X/dia), sem risco de convulsão nessa
dosagem. A quetamina, um anestésico, em baixas doses, mostrou-se útil na depressão
e em sintomas ansiosos em pacientes internados em CPs.
Os betabloqueadores podem ser empregados no manejo de sintomas ansiosos
em CPs. Os benzodiazepínicos devem ser evitados como primeira linha no manejo
de ansiedade nessa população. Em situação de insônia, o diazepam e o clonazepam
apresentam maior efeito residual na manhã seguinte, podendo ser melhor indicação,
nesses casos, o lorazepam (0,5 a 2 mg/noite).
Além dos tratamentos psicoterápicos específicos para esses diagnósticos (ansiedade,
depressão etc.), há evidências consistentes de tratamentos psicoterápicos específicos
para os cuidados paliativos, como a terapia interpessoal, a TCC (incluindo técnicas de
resolução de problemas e relaxamento muscular progressivo) e a terapia da dignidade,
hipnoterapia, musicoterapia, acupuntura, mindfulness. Em uma metanálise realizada,
incluindo 10 artigos em que foi utilizada ioga no tratamento de pacientes com câncer
(672 pacientes), essa técnica apresentou resultados positivos nos casos de ansiedade14.

Psicose
A ocorrência de sintomas psicóticos (delírios e/ou alucinações) é frequente em
pacientes com doença de Parkinson. Quase 20% desses pacientes experimentam alu-
cinações, usualmente visuais. Isso ocorre, via de regra, quando o paciente é idoso e
com demência. Mas também podem ocorrer em quaisquer estágios da DP como efeito
colateral de medicações antiparkinsonianas.
Os sintomas psicóticos são as situações com indicação absoluta de uso de medica-
ções antipsicóticas. Essas medicações são empregadas no manejo de outros sintomas

196 | Dor e Cuidados Paliativos


neuropsiquiátricos, mas o custo-benefício pode ser discutível em quadros não emi-
nentemente psicóticos.

Sintomas Cognitivos
Os sintomas cognitivos são compostos pelas faculdades da orientação, memória,
atenção, juízo (insight), discurso (comunicação e fala) e pensamentos (incluindo racio-
cínio). Na maioria das doenças neurológicas e psiquiátricas, as alterações cognitivas
estão presentes, em menor ou maior grau.
Nas síndromes demenciais, essas alterações são praticamente presentes em todas
as funções listadas anteriormente.

Alterações Comportamentais
A agitação é um dos sintomas comportamentais mais frequentes e desgastantes
para a equipe de saúde e para a família, em CP, sendo comum causa de institucionali-
zação e aumento de utilização de recursos de saúde. Mas a apatia também pode ser um
comportamento de difícil manejo. A agitação ocorre em até 60% dos pacientes com
doença de Alzheimer (a forma mais comum de demência).
O parkinsonismo medicamentoso (ou pseudo-parkinsonismo) é a segunda causa
mais frequente de síndrome de rigidez acinética. Há bradicinesia, rigidez muscular
e alterações posturais. A polifarmacoterapia é o principal fator de risco. A maioria
ocorre nos primeiros 2-3 meses de uso da medicação. Não ocorre somente com antip-
sicóticos, mas também com antieméticos, antidepressivos, antagonistas do canal do
cálcio, anticonvulsivantes e antiarrítmicos.
A acatisia, outra condição de alteração comportamental, com inquietação e agita-
ção psicomotora, é bastante observada com o uso de antipsicóticos. Também ocorre
com antidepressivos e antieméticos.
Quando não há resposta às intervenções não farmacológicas para a agitação, além dos
antipsicóticos, o uso de anticonvulsivantes é empregado. Os antipsicóticos aumentam o
risco de quedas, de sedação e de eventos cerebrovasculares. Na agitação por demência,
os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, representados pelo citalopram e pela
sertralina, exibiram algumas evidências na efetividade em uma revisão da Cochrane.

Insônia
O sono é um fenômeno biológico essencial, um estado de intensa atividade cere-
bral, e uma de suas funções é manter a homeostase do organismo. A falta de sono
(privação) provoca diversas alterações fisiológicas e comportamentais em humanos.
Estudos mostram que o sono insuficiente, seja em quantidade e/ou em qualidade,
pode levar a disfunção metabólica, hipertensão, acidente vascular encefálico, diabetes
e doenças cardíacas, aumentando a mortalidade. A avaliação do sono é crucial nesse
contexto, assim como instituir as medidas terapêuticas necessárias.
As intervenções de “higiene do sono” são hábitos rotineiros que representam uma
intervenção comportamental destinada a promover o sono e, consequentemente, me-
lhorar sua qualidade e quantidade. As recomendações são: (i) estabelecer uma rotina
regular para deitar-se e levantar-se; (ii) tornar o ambiente de dormir agradável, com

Avaliação e Controle de Sintomas Neuropsiquiátricos | 197


uma cama confortável, um ambiente sem ruídos e barulhos, com temperatura agra-
dável; (iii) usar o quarto apenas para dormir (evitar conversas desagradáveis antes
de dormir, sem levar problemas para a cama), associando a cama com o sono, não a
usando para ler, assistir a televisão, ouvir rádio, por exemplo; (iv) evitar cochilos diur-
nos (um cochilo rápido após o almoço é possível em alguns casos); (v) praticar exercí-
cios físicos; (vi) evitar o uso de medicamentos para dormir (exceto por recomendação
médica); (vii) limitar a ingesta de líquidos antes de deitar-se; (viii) fazer atividades
relaxantes antes de deitar-se; tomar banhos quentes e relaxantes.
Zolpidem e zopiclona são melhores alternativas medicamentosas do que os benzo-
diazepínicos no manejo da insônia em CPs, pois afetam menos a arquitetura do sono e
há menos amnésia. Agentes alternativos, como a melatonina ou alguns antipsicóticos,
podem ser uma possibilidade nesse tipo de situação.
Conclusão
Pacientes com síndromes neuropsiquiátricas que estão em CPs apresentam maior
complexidade, uma vez que discussões sobre o final de vida costumam ser suprimi-
das, presumindo uma incapacidade ou desestabilização emocional e cognitiva nesses
casos. Além disso, o sofrimento para os pacientes e suas famílias é impactante nessa
etapa do ciclo vital.
À equipe multidisciplinar de saúde sugere-se que estar atenta à multiplicidade de
fatores envolvidos é fundamental, bem como buscar o equilíbrio das intervenções far-
macológicas e não farmacológicas no contexto dos cuidados paliativos.
Referências
1. Breitbart W, Bruera E, Chochinov H et al. Neuropsychiatric syndromes and psychological symptoms in
patients with advanced cancer. J Pain Symptom Manage, 1995; 10:131-41.
2. Fabbri RMA, Moreira MA, Garrido R et al. Validação e confiabilidade da versão em língua portuguesa
do Confusion Assessment Method (CAM) para detecção de delirium no idoso. Arq Neuro-Psiquiatr,
2001;59:175-9.
3. Glichrist NA, Asoh I, Greenberg B. Atypical antipsychotics for the treatment of ICU delirium. J Intensive
Care Med, 2012; 27:354-61.
4. Hakim SM, Othman AI, Naoum DO. Early treatment with risperidone for subsydromal delirium after
on-pump cardiac surgery in the elderly: a randomized trial. Anesthesiology, 2012; 116:987-97.
5. Hawkins SB, Bucklin M, Muzyk AJ. Quetiapine for the treatment of delirium. J Hosp Med, 2013; 8:215-20.
6. Jackson N, Doherty J, Coulter S. Neuropsychiatric complications of commonly used palliative care
drugs. Postgrad Med J, 2008; 84:121-6.
7. Lôbo RR, Silva Filho SRB, Lima NKC et al. Delirium, Medicina (Ribeirão Preto), 2010; 43:249-57.
8. Parellada E, BaezaI I, de Pablo J et al. Risperidone in the treatment of patients with delirium. J Clin
Psychiatry, 2004; 65:348-53.
9. Wilkins JM, Forester BP. Update on SSRI treatment for neuropsychiatric symptoms of dementia. Curr
Psychiatry Rep, 2016; 18:14.
10. Stark DPH, House A. Anxiety in cancer patients. Br J Cancer, 2000; 83:1261-7.
11. Wilson KG, Chochinov HM, Sirko MG et al. Depression and anxiety disorders in palliative care. J Pain
Symptom Manage, 2007; 33:118-29.
12. Thekkumpurath P, Venkateswaran C, Kumar M et al. Screening for psychological distress in palliative
care: a systematic review. J Pain Symptom Manage, 2008; 36:520-8.
13. Levin TT, Alici Y. Anxiety disorders. In: Holland JC, Breitbart WS, Jacobsen PB et al. (Ed.). Psycho-
-oncology., 2nd ed. New York: Oxford University Press, 2010. p. 324-31.
14. Kraft K. CAM for depression, anxiety care., grief and other symptoms in palliative Prog Palliative Care,
2012; 20:271-7.

198 | Dor e Cuidados Paliativos


18
Capítulo

Terapia de Sedação Paliativa


Inês Tavares Vale e Melo
Luís Fernando Rodrigues

Definição
Terapia de Sedação Paliativa (TSP) é o termo que define o uso de medicações seda-
tivas com o objetivo de aliviar sintomas intoleráveis e refratários a outros tratamentos,
pela redução intencional ou abolição do nível de consciência1. Esses sintomas seriam
definidos como refratários quando todas as outras formas de tratamento tivessem
falhado em controlá-los, sem comprometer o nível de consciência do paciente2-4.
Terapia de Sedação Paliativa (TSP) versus Eutanásia
Alguns autores descrevem a sedação do paciente terminal como uma forma de
eutanásia lenta ou misericordiosa, mas a TSP para o paciente terminal deve ser dis-
tinguida da eutanásia. Na TSP, o objetivo é aliviar o sofrimento, usando fármacos
sedativos titulados apenas para o controle dos sintomas. Na eutanásia, a intenção é
tirar a vida do paciente, administrando-se um fármaco letal, embora se utilizando do
argumento de que o objetivo é o alívio do sofrimento. Além disso, estudos têm mos-
trado que a indicação bem-feita da terapia de sedação paliativa não antecipa a morte,
afastando-a, portanto, do conceito de eutanásia5.
Classificação
A TSP corretamente indicada, na dose certa, por via adequada, não é um “atalho”
para se atingir o mesmo objetivo da eutanásia. Não existe evidência de que a TSP
administrada apropriadamente encurte a vida5,6. Para essa sedação, portanto, é muito
importante que a consciência seja reduzida até o nível suficiente para o alívio dos
sintomas, o que é individual e pode variar amplamente.
A TSP pode ser classificada conforme o grau: leve ou consciente – quando a cons-
ciência é mantida de modo que permita a comunicação do paciente – e profunda,

Terapia de Sedação Paliativa | 199


quando o paciente permanece semiconsciente ou inconsciente. De acordo com a dura-
ção, a TSP é classificada em intermitente – quando o paciente tem alguns períodos de
alerta – e contínua – quando fica inconsciente até o óbito. Para ser indicada a sedação
contínua e profunda, a doença deve ser irreversível e avançada, com morte esperada
para horas ou dias (Tabela 1)1,7.
Tabela 1 – Classificação da terapia de sedação paliativa
Classificação da Terapia de Sedação Paliativa
Critério Classificação
Primária: a intenção inicial é reduzir o Secundária: a intenção inicial é
nível de consciência do indivíduo. produzir outro efeito, mas a droga
1. Intenção
utilizada também promove a redução
do nível de consciência.
Intermitente: institui-se a sedação em Contínua: institui-se a sedação por
2. Tempo e períodos determinados, em que são tempo prolongado e com previsão de
duração previstas pausas na sedação para que o interrupção somente na iminência da
paciente recobre a consciência. morte ou depois dela.
Superficial: caracteriza-se pela Profunda: caracteriza-se por uma
3. Grau diminuição da ansiedade e leve redução diminuição importante do nível de
do nível de consciência (RASS = 0/-2). consciência (RASS = -4/-5).

Indicações
As principais indicações para a TSP são: dor, delírio agitado, dispneia e convulsões.
Essa indicação deve ser avaliada pela equipe multiprofissional após serem esgotados
os esforços de cada profissional em sua atuação, para amenizar o sofrimento8. A
decisão de iniciar o tratamento com fármacos sedativos deve estar de acordo com a
vontade do paciente, da família ou do responsável legal e em consenso com a equipe
médica. Todas as pessoas envolvidas nos cuidados com o paciente devem ser infor-
madas, agregadas e encorajadas a permanecer nesses cuidados durante a sedação,
recebendo sempre o suporte da equipe multiprofissional. A prevalência de sintomas
refratários que necessitam de TSP varia de 10% a 50%, com uma mediana de 20% a
30%. Situações emergenciais podem requerer terapia de sedação paliativa urgente.
Comumente podem ser: hemorragia maciça; sensação de asfixia; dispneia terminal
intensa ou crises de dor insuportável.
A Tabela 2 resume essas indicações.
Tabela 2 – Indicações para a terapia de sedação paliativa (TSP)
Indicações Usuais
1. Dor
2. Dispneia
3. Delirium agitado
4. Convulsões
Indicações Urgentes
1. Sangramento
2. Asfixia
3. Dispneia terminal intensa
4. Crise de dor insuportável
Indicação Especial
1. Sofrimento existencial

200 | Dor e Cuidados Paliativos


Drogas Mais Comumente Usadas para Terapia de Sedação Paliativa
O uso de drogas para sedação se baseia principalmente em guidelines construídos
por meio de consensos. Pela dificuldade técnica inerente em se produzirem pesquisas
em cuidados paliativos que mantenham o mesmo rigor técnico das pesquisas clínicas,
não existem ainda evidências fortes que recomendem um procedimento sobre o outro
ou uma droga sendo superior a outra, e os consensos permanecem sendo a fonte de
melhor evidência para essa prática em cuidados paliativos e cuidados de fim de vida2,3,8.
Assim, os benzodiazepínicos permanecem sendo as drogas de eleição para a se-
dação de pacientes em etapa avançada de doença crônico-degenerativa e que estejam
próximo do fim da vida. Entre eles, o midazolan tem sido a droga mais frequentemen-
te utilizada para esse fim, seguido do fenobarbital e do propofol2.
A Tabela 3 mostra as drogas mais comuns e suas propriedades.
Tabela 3 – Propriedades farmacológicas das drogas
Dose inicial/
Dose
Droga Ação Farmacologia via de
manutenção
administração

Reduz ansiedade, causa Hidrossolúvel, início 0,5 a 1 mg/h 20 mg/h


amnésia, tem efeito sinérgico de ação rápido e EV ou SC
Midazolan

com opioides e antipsicóticos. tempo de ação curto. Dose máxima:


Anticonvulsivante ajuda a Infusão contínua é 200 mg/24 h
prevenir convulsões. Agitação recomendada.
paradoxal e depressão
respiratória.

Causa inconsciência Lipossolúvel. Início de 1 a 3 mg/kg SC 0,5 mg/kg/h


Fenobarbital

rapidamente e de maneira ação: 1 h (EV 5 min); ou EV em bolus Média: 50-100


confiável. tempo de ação: entre 10 mg/h
e 12 h (EV 6 h). Dose máxima:
2.400 mg/24 h

Anestésico geral; depressão Início de ação muito 20 mg ou Infusão de 50-


Propofol

do SNC. rápido; meia-vida 0,5 mg/kg/h 70 mg/hora


curta. Mais fácil 1 a 4 mg /kg/h
titulação.

Obs.: para serem usados em casos de delirium agitado neuroléptico.

Antipsicótico - Fenotiazínico Rápido início de ação 12,5 a 25 mg 50-75 mg


Levomepro-

– bom para delirium; infusão


mazina

não é confiável para contínua


suprimir a consciência.

Efeito antipsicótico para 3-5 mg/h EV 37,5 a 15mg/dia


Clor pacientes em delirium. 25-100 mg cada 4 EV
Pro a 12 h PR 75-300 mg PR/
Ma dia
Zina

Terapia de Sedação Paliativa | 201


Administração
Conceitos como titulação inicial, seguida pela terapia contínua para assegurar a
manutenção do efeito, devem ser observados. O nível de sedação deve ser o mínimo
necessário para se obter o alívio do sofrimento. A administração regular pode ser feita
“pelo relógio”, com infusão contínua, ou em bolus intermitente.
A via de administração pode ser endovenosa, subcutânea ou retal. O consenso da
Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) cita a via intramuscular. No entan-
to, essa via em cuidados paliativos, especialmente em pacientes oncológicos no fim
da vida, raramente é utilizada e deve ser evitada. Gastrostomia e outras “ostomias”
podem ser consideradas para uso. Em qualquer caso, doses de resgate devem ser pro-
videnciadas para sintomas irruptivos2,3.
A TSP bem indicada e executada com a observância das recomendações técnicas
não antecipa a morte da pessoa. Existem vários dados da literatura que comprovam
que a sobrevida dos pacientes sob efeito da TSP não diminui5,6.

Avaliação da Eficácia da TSP


Existem várias escalas que ajudam a avaliar a eficácia da TSP. As mais conhecidas
e que têm sido usadas com maior frequência para avaliação da Terapia de Sedação Pa-
liativa em cuidados paliativos são a Richmond Assessment Sedation Scale9 e a Escala
de Ramsay10, embora ambas tenham sido desenvolvidas para a avaliação de pacientes
em unidade de terapia intensiva (Figuras 1 e 2).

Figura 1 – Richmond Assessment Sedation Scale

Figura 2 – Escala de avaliação do grau de sedação de Ramsay

202 | Dor e Cuidados Paliativos


Responsabilidades
Os consensos apontam as responsabilidades dos profissionais2,3, conforme segue.
A) Médicos
1. Confirmar que:
• a meta primordial do paciente é o conforto;
• o paciente tem uma doença terminal avançada;
• o paciente está sofrendo de sintomas físicos ou neuropsiquiátricos refratários
intensos ou problemas psicossociais;
• existe um pedido para não iniciar medidas sustentadoras da vida;
• foi obtido consentimento informado para a sedação paliativa até a inconsciência.
2. Documentar os itens citados anteriormente no prontuário.
3. Informar à equipe assistente do paciente o plano.
4. Especificar na prescrição:
• a dose de ataque;
• a taxa de infusão inicial;
• a dose da droga em mg/hora e o intervalo de tempo para aumento na taxa
de infusão;
• a dose e o intervalo de tempo para doses de resgate.
5. Assegurar que o medicamento tenha sido titulado de maneira ótima, por meio
de avaliações frequentes ou de leitura dos registros da enfermagem sobre todos
os ajustes de dose e o nível de conforto antes e depois dos ajustes.
6. Documentar no prontuário a eficácia dessa terapia pelo menos diariamente.
B) Enfermeiros
1. Administrar a medicação por meio de infusão contínua em uma bomba de in-
fusão devidamente rotulada com o nome da droga.
2. Caso o paciente apresente qualquer sinal de dor ou de distresse, aumentar a
taxa de infusão como solicitado.
3. Uma vez que o nível de sedação foi encontrado, manter a dose e documentar a
razão para qualquer ajuste nela e no nível de conforto antes e depois da dose.
4. Não reduzir a taxa de infusão por causa de redução da pressão, da frequência
respiratória, de batimentos cardíacos ou qualquer outro sinal vital se o paciente
mostrar sinais de dor ou qualquer outro distresse por qualquer outro sintoma.
5. Quando a medicação estiver acabando, pedir mais medicação de forma anteci-
pada, a fim de evitar interrupção na infusão.

Assistência de Enfermagem na Sedação Paliativa


1. Sempre orientar a família que a finalidade da sedação paliativa não é eutanásia
e que não tem a intenção de apressar a morte.
2. Instalar a sedação mediante prescrição médica, conferindo fármacos, doses e
tempo de administração.
3. Avaliar e monitorar se a sedação está adequada à finalidade pretendida e reali-
zar anotações de acordo com a escala de Rass.

Terapia de Sedação Paliativa | 203


4. Realizar as medicações prescritas para o controle de sintomas.
5. Atentar para retenção urinária e constipação intestinal, que podem gerar gran-
de desconforto nos pacientes sedados.
6. Orientar os familiares sobre possíveis sinais do processo de morte: ronco da
morte (“sororoca”), cianose das extremidades, mudança da cor da pele, hipo-
tensão e diminuição da diurese.
7. Oferecer suporte psicológico e espiritual à família.
8. Ter disponibilidade e compreensão.
9. Proporcionar privacidade ao paciente e seus familiares.
10. Realizar medidas de higiene e conforto.

Questões Éticas
Quando estamos diante de uma situação em que existem indicações para empregar
a Terapia de Sedação Paliativa, três aspectos éticos emergem e devem ser considera-
dos ao se decidir pelo emprego dessa técnica8. São eles:
1. Imperativo moral – diante do sofrimento decorrente de um sintoma refratário,
não é aceitável permitir que o paciente morra sofrendo. Por isso se justifica a
sedação paliativa.
2. Consentimento informado – sempre que for indicada, a sedação deve ser reali-
zada precedida do consentimento informado. As metas e os objetivos do trata-
mento devem ser discutidos com a família e o paciente, inclusive as implicações
religiosas que tal procedimento pode trazer. A decisão do paciente ou do fami-
liar mais próximo deve ser respeitada, mesmo que outros parentes opinem de
forma contrária.
3. Suspensão e contenção de medidas de sustentação da vida devem ser retira-
das (isso não é um elemento indispensável na sedação paliativa) – hidratação
e nutrição artificial. Ambas mantêm alto aporte hídrico ao organismo, pioran-
do secreções, edema, anasarca e ascite, ferindo, portanto, o princípio da não
maleficência. Mesmo para aqueles pacientes que estavam ingerindo antes da
sedação, vale assegurar à família que ele está morrendo da doença avançada, e
não por falta de nutrientes.

Pré-requisitos
1. O paciente deve ser portador de doenças graves como:
• câncer avançado incurável;
• insuficiência orgânica em fase final quando o transplante ou a terapia reposi-
tora do órgão não está disponível ou foi recusado pelo paciente;
• AIDS em fase avançada, sem resposta à TARV; recusa do paciente ou efeitos
colaterais intensos;
• doença neuromuscular avançada;
• demência avançada, incapaz de ingerir nutrição oral normal.
2. O paciente que está sofrendo com um ou mais dos seguintes sintomas:
• dor;
• dispneia;

204 | Dor e Cuidados Paliativos


• vômitos;
• convulsões;
• delirium agitado;
• ansiedade ou depressão.
3. O sintoma que causa distresse deve ser refratário às intervenções paliati-
vas padrão:
• medicamentos como opioides, neurolépticos, anticonvulsivantes, ansiolíti-
cos e antidepressivos;
• procedimentos neuromoduladores para dor, como bloqueios nervosos e anal-
gesia intratecal;
• radioterapia paliativa;
• procedimentos paliativos cirúrgicos ou endoscópicos;
• consultas com os melhores especialistas disponíveis na área da doença ou
condição do paciente, como cuidados paliativos, medicina da dor e neuropsi-
quiatria, e por aqueles que podem providenciar suporte psicossocial adequa-
do, como assistentes sociais, psicólogos e capelães.
4. O conforto é a meta primordial para o cuidado do paciente, conforme conversa-
do com ele. Se ele não tem capacidade para tomar decisões médicas, recorrer a
um representante legal para tomar tais decisões.
5. Se possível, deve existir uma ordem de não ressuscitar e conter medidas susten-
tadoras da vida.
6. O consentimento informado para terapia de sedação paliativa deve ser obtido
antecipadamente do paciente ou de um representante legal.
7. Membros da equipe informados de forma sistemática.

Circunstâncias Especiais
1. Sofrimento social ou existencial intenso
Isolamento social \
Perda da dignidade > podem causar extremo sofrimento
Perda do sentido da vida / que é refratário às medidas paliativas
intensivas

Para esses casos, utilizar a sedação de intervalo (respite sedation).


A sedação paliativa permanente deverá ser considerada apenas depois
que a sedação de intervalo tenha sido tentada pelo menos uma vez, jun-
to com todas as outras medidas paliativas intensivas, sem que tenha
ocorrido uma redução aceitável no sofrimento do paciente.
2. Sedação de intervalo (respite sedation):
• sedação até a inconsciência, limitada pelo tempo – pode ser usada para pa-
cientes terminais com sofrimento refratário intenso em várias situações;
• dor incidental – relacionada com procedimentos diagnósticos ou terapêuticos;
• sofrimento social/existencial intenso refratário – para quebrar o ciclo de an-
siedade e distress

Terapia de Sedação Paliativa | 205


Referências
1. de Graeff A, Dean M. Palliative sedation therapy in the last weeks of life: a literature review and
recommendations for standards. J Palliat Med, 2007; 10: 67-85.
2. Cherny NI, Group EGW. ESMO Clinical Practice Guidelines for the management of refractory symp-
toms at the end of life and the use of palliative sedation. Ann Oncol, 2014; 25 Suppl 3: iii143-52.
3. Cherny NI, Radbruch L, Board of the European Association for Palliative C. European Association
for Palliative Care (EAPC) recommended framework for the use of sedation in palliative care. Palliat
Med. 2009; 23: 581-93.
4. Cherny N, Fallon M, Kaasa S et al. Oxford Textbook of Palliative Medicine. 5.ed. Oxford: Oxford
University Press, 2015.
5. Maltoni M, Scarpi E, Rosati M et al. Palliative sedation in end-of-life care and survival: a systematic
review. J Clin Oncol, 2012; 30: 1378-83.
6. Maltoni M, Pittureri C, Scarpi E et al. Palliative sedation therapy does not hasten death: results from
a prospective multicenter study. Ann Oncol, 2009; 20: 1163-9.
7. Nogueira FL, Sakata RK. Palliative sedation of terminally ill patients. Rev Bras Anestesiol, 2012;
62: 580-92.
8. Krakauer EL. Sedation at the end of life. In: Cherny N, Fallon M, Kaasa S et al. Oxford Textbook of
Palliative Medicine. 5.ed. Oxford: Oxford University Press, 2015. p.1134-42.
9. Sessler CN, Gosnell MS, Grap MJ et al. The Richmond Agitation-Sedation Scale: validity and relia-
bility in adult intensive care unit patients. Am J Respir Crit Care Med, 2002; 166: 1338-44.
10. Ramsay MA, Savege TM, Simpson BR et al. Controlled sedation with alphaxalone-alphadolone. Br
Med J, 1974; 2: 656-9.

206 | Dor e Cuidados Paliativos


19
Capítulo

Hipodermóclise: Via Alternativa em


Cuidados Paliativos
Ana Cláudia Mesquita
Guilherme Antônio Moreira de Barros

Introdução
De maneira geral, a infusão de medicamentos utilizados no tratamento de diversas
enfermidades se dá pela via intravenosa (IV), em especial quando há indisponibili-
dade da via oral (VO)1. No entanto, os cateteres venosos, periféricos ou centrais, são
propensos a complicações e infecções, podendo permanecer in situ por poucos dias, o
que não permite sua utilização em cuidados de longa duração2. No caso de pacientes
em cuidados paliativos, a terapia IV muitas vezes se torna inviável por causa das con-
dições da rede venosa dos pacientes, a qual pode apresentar veias colapsadas, frágeis,
delgadas e de fácil rotura1,3. Além disso, tais pacientes podem ser incapazes de tolerar
a medicação oral por causa da doença subjacente e/ou de sintomas, como náuseas e
disfagia4. Assim, são necessárias vias alternativas para a administração de medica-
mentos5 e o uso da via subcutânea (SC) pode ser vantajoso6.
A hipodermóclise (HDC), ou terapia SC, pode ser definida como a infusão de
fluidos isotônicos e/ou medicamentos por via SC com para reposição hidroeletro-
lítica e/ou terapia medicamentosa7. A HDC se apresenta como um meio alternativo
para a realização de tratamento medicamentoso e reposição hidroeletrolítica de
forma segura e eficaz, especialmente em pacientes senis, com doenças crônicas e
em cuidados paliativos7-8. Vale ressaltar que quando um medicamento é adminis-
trado em bolus ou diluído em volume diminuto, tal aplicação não deve ser definida
como HDC, mas como “uso da via SC”9. A HDC é realizada no tecido subcutâneo,
por meio de agulha inserida em uma prega cutânea, em diferentes regiões topo-
gráficas do corpo10.

Hipodermóclise: Via Alternativa em Cuidados Paliativos | 207


Os bons resultados obtidos pelo uso da HDC reforçam o conceito de que esta é uma
técnica segura, eficaz e com boa relação custo-benefício, em situações clínicas não
emergenciais, quando comparada com a via IV3. Com o envelhecimento da população e
o aumento do número de indivíduos vivendo com condições crônicas de saúde, a medi-
cina paliativa terá um papel cada vez maior nos cuidados de saúde11. Assim, a HDC pode
desempenhar função importante no aprimoramento da qualidade desses cuidados12.

Implicações Relacionadas com o Uso da Hipodermóclise


Indicações
Prevenção da desidratação: principalmente no caso de pacientes idosos, quando a
sensação de sede diminui e a anorexia é mais comum13-14 ou em situações como confu-
são mental e perda excessiva de fluidos (diarreia, vômitos), entre outras15-16.
Tratamento de desidratação leve a moderada: a HDC pode ser útil quando o trata-
mento por meio de acesso venoso é difícil15 e/ou quando a desidratação se dá em de-
corrência de situações como disfagia grave, demência, obstrução intestinal por conta
de neoplasias e sonolência3,17-19.
Impossibilidade de acesso venoso: para pacientes que apresentam complicações
relacionadas com o sistema venoso7,17.
Impossibilidade de ingestão oral: para pacientes intolerantes à administração de
medicamentos por via oral ou, ainda, que apresentem comprometimento cognitivo4,7.
Possibilidade de permanência do paciente em domicílio: a HDC pode ser adminis-
trada e manipulada por cuidadores e até mesmo pelo paciente, visto que se trata de
um método simples7,20.
Necessidade de analgesia continuada: a HDC pode ser utilizada para analgesia
controlada pelo paciente combinada com infusão contínua de analgésico21-22.
Contraindicações
Recusa do paciente ou cuidador: a negação do paciente adulto ou cuidador quanto à
realização da HDC trata-se da única contraindicação formal para o uso dessa técnica9.
Casos de emergência com necessidade de reposição rápida e em grande quantidade
de fluidos: o uso da HDC é contraindicado em situações de emergência como choque
hipovolêmico, desidratação grave ou distúrbios hidroeletrolíticos severos6,10,15,23.
Edema, anasarca e ascite: o edema torna o acesso subcutâneo inviável, visto que
causa redução da velocidade de absorção dos medicamentos. Caso o paciente não
esteja em franca anasarca, é possível realizar a punção em regiões do corpo menos
edemaciadas. Na presença de ascite, deve-se evitar a punção no abdome7,9.
Risco de congestão pulmonar: a HDC é contraindicada em casos de insuficiência
cardíaca congestiva e síndrome de veia cava superior7, visto o risco de congestão pul-
monar por sobrecarga de volume9.
Distúrbio grave da hemostasia: nessa condição, a HDC pode ocasionar sangramen-
to local e hematoma6,9.
Caquexia: nessa condição, o tecido subcutâneo está diminuído, portanto, recomen-
da-se que a HDC seja feita no abdome ou na coxa, com redução do ângulo de inclina-
ção do cateter9.

208 | Dor e Cuidados Paliativos


Lesões de pele: soluções de continuidade prejudicam a absorção SC, pois provocam
alterações locais da circulação linfática ou sanguínea9.
No Quadro 1 são apresentadas as contraindicações absolutas e relativas relacio-
nadas com a HDC6,23.
Quadro 1 – Contraindicações na utilização da hipodermóclise
Absolutas Relativas
• Recusa do paciente ou cuidador • Caquexia
• Anasarca • Síndrome da veia cava superior
• Trombocitopenia grave • Ascite
• Casos de necessidade de reposição • Áreas com circulação linfática comprometida
rápida e em grande quantidade de • Áreas de infecção, inflamação ou ulceração
fluidos (ex.: choque hipovolêmico, de- cutânea
sidratação grave, distúrbios hidroele- • Proximidades de articulação
trolíticos severos) • Proeminências ósseas
Fonte: Adaptado de Azevedo9.

Vantagens e Desvantagens
As vantagens e desvantagens da HDC estão elencadas no Quadro 23-4,7,23-26.
Quadro 2 – Vantagens e desvantagens do uso da hipodermóclise
Vantagens Desvantagens
• Várias opções de sítios de punção • Taxa de infusão limitada a 3.000 ml em
• Fácil punção e manutenção simples 24 horas (1.500 ml por sítio); pacientes
• Maior conforto/aceitação pelo paciente com tecido SC reduzido podem ter o volu-
• Facilmente realizada no ambiente de cui- me limitado a 2.000 ml em 24 horas
dado, inclusive no domicílio • Uso limitado nas situações em que há ne-
• Pode ser realizada pelo cuidador ou pelo cessidade de rápida velocidade de infusão
próprio paciente e reposição com alto volume de fluidos
• Diminuição do potencial de sobrecarga de • Possibilidade de leve edema no local de
fluido (taxa de infusão mais lenta) inserção
• Redução de complicações • Limitações para a administração de eletró-
• Baixo risco de efeitos adversos sistêmicos litos, aditivos nutricionais e medicamentos
• Diminuição da flutuação das concentra- (ex.: inadequada para substâncias vesican-
ções plasmáticas de opioides tes, infusões ácidas e fortemente alcalinas)
• Baixo custo • Possibilidade de reações locais
• Possibilidade de alta hospitalar precoce • Não recomendada quando há necessidade
• Prevenção da desidratação de idosos de ajuste rápido de doses, já que a absor-
• Menor necessidade de supervisão da en- ção pelo tecido subcutâneo é mais lenta
fermagem, de modo que os profissionais • Absorção variável (influenciada por per-
obtêm mais tempo para outras atividades fusão e vascularização)
de atenção e conforto perante o paciente

Sítios de Punção
Escolha do sítio de punção
A escolha do sítio de punção deve visar ao conforto, à mobilidade e à independência
do paciente, assim, devem ser evitadas punções nas regiões próximas às articulações9.
Ainda, a seleção do local da punção dependerá do nível de atividade do paciente, do
tipo de medicação necessária e da espessura do tecido subcutâneo27.

Hipodermóclise: Via Alternativa em Cuidados Paliativos | 209


Para medicamentos a serem administrados em pacientes ambulatoriais, recomen-
da-se que a HDC seja realizada no tórax (área subclavicular) para possibilitar máxima
mobilidade ao indivíduo28. Em pacientes com confusão mental, o uso da área escapu-
lar para a infusão SC pode inibir o paciente de retirar o dispositivo do local29.
A insulina é absorvida de forma mais consistente no abdome; assim, um local nes-
sa região e que esteja longe da linha do cinto é preferível para infusão contínua de
insulina28. Geralmente, os sítios de punção devem estar localizados longe da cintura,
em áreas de maior atrito da roupa e de grandes músculos ou nervos subjacentes27. Não
se deve realizar a punção para infusão SC próxima a proeminências ósseas, locais
irritados ou infectados, em torno de tumores, vincos profundos, áreas recentemente
irradiadas e em outras lesões cutâneas27.
A HDC não está contraindicada para pacientes caquéticos; no entanto, os sítios de
punção disponíveis podem ser limitados27. O abdome é um local recomendado para
pacientes com tecido subcutâneo periférico limitado28.
A espessura do tecido subcutâneo difere nas diversas partes do corpo e de pessoa
para pessoa, diminuindo à medida que a ingestão nutricional é reduzida ou a doença
avança26,30. Para a HDC, é recomendável uma espessura mínima de 1 a 2,5 cm de
tecido subcutâneo31. Os possíveis locais de punção são apresentados na Figura 13,7,9,16.

Figura 1 – Locais para a realização de infusão subcutânea


(Adaptação da imagem Insertion sites for subcutaneous administration de Duems-Noriega e Ariño-
-Blasco26.)

Rodízio do sítio de punção


Recomenda-se a troca do cateter agulhado a cada cinco dias e do cateter não agu-
lhado a cada 11 dias, respeitando-se a distância de 5 cm do local da punção anterior7,9.
Ainda, deve-se levar em conta a cobertura utilizada: filme transparente, fita micro-
pore ou esparadrapo; a cobertura estéril transparente pode permanecer por até sete
dias, já as demais deverão ser trocadas diariamente9.

210 | Dor e Cuidados Paliativos


De forma geral, o sítio de inserção do cateter pode ser o mesmo por até sete dias32.
Pacientes que recebem assistência no domicílio devem ser observados em dias alter-
nados e a troca do acesso deve ser feita entre cinco e sete dias; no entanto, a higiene
do local, o modelo cultural familiar e o nível de independência do paciente para o
autocuidado devem ser levados em consideração na troca do acesso3.
Potenciais complicações relacionadas com o sítio de punção
O Quadro 3 apresenta as potenciais complicações relacionadas com a infusão SC3,6,9,23.
Quadro 3 – Potenciais complicações associadas com a hipodermóclise e respectivas
ações de enfermagem
Potenciais
Ações
complicações
• Há casos em que o edema em torno do sítio de inserção normalmente se resolve
espontaneamente ou com massagem. Se necessário, deve-se retirar o acesso e
Edema localizado,
fazer nova punção a pelo menos 5 cm de distância.
calor, rubor
• O sítio puncionado não deverá ser utilizado para novas punções pelo prazo
mínimo de 10 dias.
• Associada à falta de assepsia correta durante a execução da técnica de inser-
ção/gerenciamento do sítio de punção.
• Realizar compressa gelada por 15 minutos e monitorização da temperatura
Celulite
corpórea.
• O uso de antibiótico deve ser considerado.
• Acompanhamento diário por enfermeiro.
Dor/desconforto • Raros: podem estar associados à taxa de infusão rápida.
no local de • Se a redução na taxa de infusão não resolver, deve-se considerar alteração do
inserção sítio de punção.
Punção de vaso
sanguíneo durante • Raro: se ocorrer, o dispositivo deve ser removido do tecido subcutâneo e realocado.
a inserção
• Raro: associado a baixo número de plaquetas e/ou ao paciente que recebe tera-
pia anticoagulante.
Hematoma ao • O acesso deve ser retirado e o local deve ser massageado com polissulfato de
redor do local de mucopolissacarídeo (Hirudoid®) de 4/4h.
inserção • Realizar nova punção com cateter não agulhado.
• Em pacientes com risco de sangramento, é indicada a punção em flanco, entre
a cicatriz umbilical e a crista ilíaca, região menos vascularizada do abdome.
Oclusão do
• Trata-se de uma causa muito rara, sendo provável que aconteça diante de uma
dispositivo de
“torção” na tubulação externa.
infusão
• Deve-se retirar o acesso e realizar drenagem manual.
• A limpeza deve ser feita com soro fisiológico 0,9% e aplicação de clorexidina
alcoólica 5%.
Secreção purulenta
• A troca do curativo oclusivo deve ser realizada a cada 24 h.
• O uso de antibiótico deve ser considerado.
• Acompanhamento diário por enfermeiro.
• Deve-se retirar o acesso e realizar nova punção a pelo menos 5 cm de distância.
• Pacientes com câncer avançado e comprometimento da rede ganglionar podem
Endurecimento
apresentar edema de parede abdominal, que pode ser confundido com infiltra-
ção local e endurecimento.
• Deve-se retirar o acesso e realizar curativo diário (indicação de debridamento
Necrose com papaína ou hidrogel).
• Acompanhamento diário por enfermeiro.

Hipodermóclise: Via Alternativa em Cuidados Paliativos | 211


A adoção de algumas práticas pode contribuir para a redução do risco de infecção
do sítio de punção27,33-34:
• lavar as mãos com água e sabão;
• explicar o procedimento ao paciente e assegurar-se de que esteja confortável;
• utilizar luvas;
• usar equipamentos estéreis e de uso único;
• no caso de pele suja, o local selecionado para a punção deverá ser lavado com
água e sabão antes da aplicação de soluções antimicrobianas;
• remover o excesso de pelos do local de inserção;
• limpar o local de inserção do dispositivo com solução antimicrobiana apropria-
da (preferencialmente à base de clorexidina);
• inserir o dispositivo de infusão de acordo com as instruções do fabricante;
• remover o sangue na pele do paciente antes que o dispositivo de infusão seja
estabilizado e o curativo, aplicado;
• limpar adequadamente o equipamento utilizado.

Diluição, Soluções e Medicamentos

Diluição
Não existe um consenso sobre a diluição de medicamentos para a infusão SC9.
Contudo, todos os medicamentos administrados por essa via devem estar na forma
líquida e diluídos7. Os diluentes que podem ser utilizados são: água para injeção, soro
fisiológico (SF) 0,9% ou soro glicosado (SG) 5%35.
Apesar de ser o diluente mais utilizado7,36, a água para injeção é contraindicada
em algumas situações por causa da maior chance de precipitação35, como no caso dos
medicamentos cetamina, octreotide e ondansetrona, os quais devem ser diluídos em
SF a 0,9%7. A diluição deve ser pelo menos igual ao volume da apresentação do medi-
camento. Ex.: morfina 10 mg/ml, ampola de 1 ml, diluir em 1 ml de água para injeção7.
Para diminuir o risco de possível reação local em razão da incompatibilidade entre o
SF 0,9% e fármacos como a ciclizina e maiores concentrações do haloperidol, pode-se
optar pela água para injeção35.
Soluções
Soluções isotônicas como SF 0,9%, solução glicofisiológica (SGF) e SG 5% são
consideradas seguras para infusão via SC7,9-10,37 (Quadro 4). Quanto ao ringer lactato,
ainda é necessário maior evidência, mas seu uso pode ser considerado seguro, pois se
trata de solução isotônica com pH próximo à neutralidade9. Eletrólitos como o cloreto
de potássio e o cloreto de sódio devem ser administrados somente após a diluição no
SF 0,9% ou SG 5%15,38.
A infusão em bolus sempre deve ser realizada lentamente. No caso de gotejamento
de infusões contínuas por ação gravitacional, equipos de microgotas devem ser utili-
zados9. O gotejamento da infusão deve ser regulado por meio de equipo com dosador
ml/h, microgotas ou bomba de infusão, com fluxo mantido em torno de 60 a 125 ml/
h7,39. Para mais detalhes da infusão de diferentes soluções, consultar o Quadro 4.

212 | Dor e Cuidados Paliativos


Quadro 4 – Soluções para infusão SC
Solução Dose Diluição Comentário
Idem para SF0,45%; volume de infu-
Máximo 1.500
SF 0,9% ---- são máximo de 62,5 ml/h; a coxa é
ml/24 h por sítio
indicada para volumes maiores
SGF: Volume de infusão máximo de 62,5
Máximo 1.500
2/3 SG 5% + ---- ml/h; a coxa é indicada para volu-
ml/24 h por sítio
1/3 SF 0,9% mes maiores
Volume de infusão máximo de 62,5
Máximo 1.000
SG 5% ---- ml/h; a coxa é indicada para volu-
ml/24 h por sítio
mes maiores
SF 0,9% ou SG 5%
NaCl 20%* 10-20 ml/24 h Sempre requer diluição
1.000 ml
SF 0,9% ou SG 5%
KCl 19,1%** 10-15 ml/24 h Sempre requer diluição
1.000 ml
Fonte: Adaptado de Azevedo9.
*Divergências na literatura e uso em alguns serviços de cuidados paliativos no Brasil.
**Divergências na literatura e uso muito limitado no Brasil.

Medicamentos recomendados para uso em via subcutânea


Os medicamentos compatíveis com a via SC são aqueles com características hidros-
solúveis e com pH próximo à neutralidade (7,38 – 7,45) (Quadro 5). Há medicamen-
tos com pH ácido que podem ser administrados por essa via, contanto que a infusão
seja lenta: haloperidol (pH: 3,0 – 3,8), metoclopramida (pH: 3,0 – 5,0), ondansetrona
(pH: 3,5), brometo de N-butilescopolamina (pH: 3,7 – 5,5) e levomepromazina (pH:
3,2 – 4,7)9. A dose administrada pela via SC deve ser menor que a dose oral, visto que
o uso do tecido subcutâneo implica maior biodisponibilidade dos medicamentos9.
Quadro 5 – Medicamentos comumente infundidos por hipodermóclise
Classe Medicamentos
Buprenorfina, cetamina, cetorolaco, codeína, diamorfina, dipirona,
Analgésicos fentanil, hidromorfona, metadona, morfina, nalbufina, oxicodona, pe-
tidina, tramadol
Amicacina, ampicilina, cefepime, cefotaxima, ceftazidima, ceftriaxona, er-
Antibióticos
tapenem, gentamicina, meropeném, netilmicina, teicoplanina, tobramicina
Anticolinérgicos Atropina, escopolamina, glicopirrônio, papaverina
Anticonvulsivante Fenobarbital
Antieméticos e Ciclizina, clorpromazina, dimenidrato, granisetrona, haloperidol, levo-
neurolépticos mepromazina, metoclopramida, olanzapina, ondansentrona
Anti-inflamatórios Dexametasona, diclofenaco*, metilprednisolona, naproxeno
Benzodiazepínicos Clonazepam, clorazepato, diazepam*, flunitrazepam, lorazepam, midazolam
Diurético Furosemida
Ácido zoledrônico, calcitonina, clodronato, clonidina, famotidina, fitome-
Outros nadiona, heparina, hidroxizina, insulina, levotiroxina, octreotide, ome-
prazol, pamidronato, prometazina, ranitidina, salbutamol, sumatriptano
Fonte: Adaptado de Azevedo9, Godinho e Silveira32 e Carone40.
*Contraindicação controversa.

Hipodermóclise: Via Alternativa em Cuidados Paliativos | 213


Medicamentos não recomendados para uso em via subcutânea
Medicamentos com baixa solubilidade em água e que são veiculados em soluções
oleosas (ex.: propilenoglicol) podem ser prejudiciais ao tecido subcutâneo10. Soluções
com pH < 2 ou > 11 oferecem risco de irritação local ou precipitação e não devem
ser infundidas por HDC32. São incompatíveis com a via SC: diazepam, diclofenaco
(contraindicação controversa), fenitoína, eletrólitos não diluídos, soluções com teor de
glicose > 5%, soluções com teor de potássio > 20 mmol/L, soluções coloidais, sangue
e derivados, nutrição parenteral total7,10,15.
Compatibilidade entre medicamentos
Quadro 6 – Compatibilidade entre medicamentos
Medicamentos
Ampicilina C
Atropina C
Cefepime
Cefotaxima
Ceftriaxona
Ceftazidima
Cetorolaco C C C
Clonazepam
Clorpromazina C C C C C C
Dexametasona C I C I C C C C C I C I C C
Dipirona C C I C C C C C C C I C I C
Escopolamina C C I C C C C C C C I C I C
Famotidina
Fentanil
Fenobarbital I I C I
Furosemida C I I I C
Granisetrona
Haloperidol C I C C C C C C
Hioscina C C C C C C C C C C
Insulina C I C C C I I
Levomepromazina C C I C C C C C C C I C I C
Cetamina C C C C C C C
Metadona C C C C C I I
Metoclopramida C C I C C C C C C C C C
Midazolam C I I C C C C C C C C I C
Morfina C C C I C C C C I C C C C C I
Octreotide I C I C C
Ondansetrona C C C C
Ranitidina C C I C I C I C
Tramadol C C C I C C I
Ampicilina
Atropina

Ondansetrona
Ranitidina
Tramadol
Cefepime
Cefotaxima
Ceftriaxona
Ceftazidima
Cetorolaco
Clonazepam
Clorpromazina
Dexametasona
Dipirona
Escopolamina
Famotisina
Fentanil
Fenobarbital
Furosemida
Granisetrona
Haloperidol
Hioscina
Insulina
Levomepromazina
Cetamina
Metadona
Metoclopramida
Midazolan
Morfina
Octreotide

Fonte: Adaptado de Azevedo9, Azevedo e Barbosa10 e Bruno41.


C: Compatível; I: Incompatível; : Não testado.

214 | Dor e Cuidados Paliativos


Punção

Escolha do dispositivo de infusão


Há medicamentos, como a heparina e a insulina, que podem ser aplicados em bolus
no tecido subcutâneo, por meio de uma seringa com agulha 13 x 0,45 mm (canhão
castanho, 26 G, ½ polegada), em um ângulo de 90°9. Em situações nas quais há a pre-
visão de infusão de soluções ou uso regular e frequente de algum medicamento pela
via SC, é comum a instalação de um cateter no paciente, o que evita o inconveniente
de múltiplas punções9.
A seleção do dispositivo de infusão adequado contribui para o conforto do pacien-
te. Isso, por sua vez, minimiza possíveis perdas prematuras do dispositivo, o que pode
levar a procedimentos de inserção repetidos, aumentando o potencial de infecção e a
utilização excessiva de recursos materiais4. A punção pode ser realizada com cateter
agulhado (scalp) ou não agulhado (ex.: JelcoTM, AbocathTM, saf-T-IntimaTM) (Quadro 7).
A escolha do calibre dependerá da quantidade de tecido subcutâneo do paciente e do
volume a ser infundido32. O tempo de permanência dos cateteres varia de 5 a 11 dias, no
entanto, caso haja suspeita de complicações, eles devem ser removidos imediatamente9.
Quadro 7 – Características de cateteres agulhados e não agulhados
Cateteres agulhados (SCALP) Cateteres não agulhados (JELCO)
• Custo menor do que os não agulhados. • Ideais para punções com previsão de uso
• Punções menos dolorosas do que os não prolongado.
agulhados. • Podem permanecer instalados, em média,
• Calibres de escolha entre os números 21G por 11 dias.
e 25G. • Calibres de escolha entre os números 20G a
• Pode permanecer instalado por até cinco 24G (canhão rosa, azul ou amarelo).
dias.
• Não deve conter dispositivo de segurança
(mecanismo de acionamento automático de
retração da agulha), pois a movimentação
do paciente pode acioná-lo e ocasionar a
retirada do acesso.
Fonte: Pereira3, Azevedo9 e Dalacorte42.

Execução da técnica de punção


A seguir estão especificados os materiais utilizados e os procedimentos a serem
realizados na execução da técnica32.
Material:
• bandeja;
• recipiente com algodão;
• um dispositivo de punção (agulhado ou não agulhado);
• uma almotolia de álcool 70 INPM;
• uma seringa preparada com 3 ml de SF0,9%;
• curativo filme transparente;
• um saco plástico transparente;
• um par de luvas de procedimento.

Hipodermóclise: Via Alternativa em Cuidados Paliativos | 215


Procedimentos:
• lavar as mãos;
• dirigir-se ao leito do paciente com o material na bandeja;
• explicar o procedimento e sua finalidade ao paciente;
• inspecionar o local a ser puncionado;
• abrir o invólucro do dispositivo pela área indicada pelo fabricante;
• calçar as luvas de procedimento;
• preencher o dispositivo com SF 0,9%;
• realizar a antissepsia da pele com algodão embebido em álcool 70 INPM
ou clorexidina;
• retirar o protetor do dispositivo;
• escolher o local de punção com tecido adiposo mais abundante e que propor-
cione melhor mobilidade ao paciente;
• fazer a prega subcutânea com a mão não dominante;
• introduzir o dispositivo na pele com a mão dominante, em um ângulo de 30º
a 45º, com o bisel voltado para cima;
• aspirar para verificar a ausência de retorno sanguíneo;
• administrar 1 ml de SF 0,9% e verificar se há presença de extravasamento;
• fixar o dispositivo com curativo filme transparente;
• conectar o equipo da solução ao dispositivo;
• retirar a luva de procedimento e realizar a lavagem das mãos;
• identificar o acesso subcutâneo com data, nome, horário e calibre do cateter;
• desprezar o material em local apropriado;
• limpar a bandeja com álcool 70 INPM, guardando-a em local adequado;
• proceder à anotação de enfermagem no prontuário do paciente.

Cuidados de Enfermagem Pós-Punção


Cuidados para manter a via SC segura e confortável para o paciente e reduzir os
efeitos indesejáveis na pele7,9:
• lavar as mãos antes de cada manuseio do cateter;
• fazer assepsia da via de acesso sempre que for necessária a abertura do
sistema, friccionando gaze embebida em álcool a 70% no óstio do lúmen
de acesso;
• no caso de pacientes hospitalizados, trocar a tampa Luer Lock a cada manipulação;
• orientar paciente, familiares e equipe sobre a possibilidade de discreta hipere-
mia e edema no local da punção logo após a execução da técnica;
• proteger a punção com plástico durante o banho para manter a área seca;
• monitorar o sítio da punção quanto a sinais de irritação local nas primeiras
quatro horas;
• monitorar o paciente quanto a sinais de infecção (presença de febre, calafrio,
dor), cefaleia, ansiedade e sinais de sobrecarga cardíaca (taquicardia, turgência
jugular, hipertensão arterial, tosse, dispneia);
• fazer rodízio do sítio de punção a cada 96 horas, respeitando a distância de 5 cm
do local da punção anterior;

216 | Dor e Cuidados Paliativos


• após a administração da medicação, injetar 1 ml de SF 0,9% para garantir que
todo o conteúdo do dispositivo tenha sido introduzido no sítio de punção;
• no caso de edema local, diminuir o gotejamento ou suspender a infusão.

Considerações Finais
O uso da via SC apresenta-se como alternativa confiável no caso de impossibilidade
de uso da VO e evita algumas complicações da via IV, incluindo oclusão do dispositi-
vo, migração e flebite4,34. Existe também uma gama mais ampla de locais de infusão,
como as coxas, os braços e o abdome4. A administração SC, portanto, pode desempe-
nhar papel importante na melhora da qualidade dos cuidados paliativos12.

Referências
1. Morley JE. Dehydration, hypernatremia, and hyponatremia.Clin Geriatr Med, 2015; 31: 389-99.
2. Fonzo-Christe C, Vukasovic C, Wasilewski-Rasca AF et al. Subcutaneous administration of drugs in
the elderly: survey of practice and systematic literature review. Palliat Med, 2005; 19: 208-19.
3. Pereira I. Hipodermóclise. In: Cadernos CREMESP. Cuidado Paliativo. São Paulo: Conselho Regio-
nal de Medicina do Estado de São Paulo, 2008. p. 259-272.
4. Gabriel J. Subcutaneous infusion in palliative care: the neria soft infusion set. Br J Nurs, 2012; 21:
S14, S16-8.
5. Bartz L, Klein C, Seifert A et al. Subcutaneous administration of drugs in palliative care: results of a
systematic observational study. J Pain Symptom Manage, 2014; 48: 540-7.
6. Gabriel J. Subcutaneous fluid administration and the hydration of older people. Br J Nurs,
2014;23:S10, S12–4.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Terapia subcutânea no câncer avançado.
Rio de Janeiro: INCA, 2009.
8. Galriça Neto I. Utilização da via subcutânea na prática clínica. Rev Soc Port Med Interna, 2008;
15: 277-83.
9. Azevedo DL. O uso da via subcutânea em geriatria e cuidados paliativos. Rio de Janeiro: SBGG, 2016.
10. Azevedo EF; Barbosa MF. Via subcutânea: a via parenteral de escolha para administração de medi-
camentos e soluções de reidratação em cuidados paliativos. In: Carvalho RT, Parsons HA. Manual
de cuidados paliativos ANCP. 2.ª ed. São Paulo: ANCP, 2012. p. 259-269.
11. Vidal FKG, Oselame GB, Neves EB et al. Hipodermóclise: Revisão sistemática da literatura. Rev. de
Atenção à Saúde, 2015;13:61-69.
12. Gabriel J. The role of subcutaneous infusion in integrated, patient-centred palliative care. Int J
Palliat Nurs, 2014; 20: 216.
13. Phillips PA, Rolls PJ, Ledingham JGG et al. Reduced thirst after water deprivation in healthy elderly
men. N Engl J Med, 1984; 311: 753-9.
14. Morley JE. Anorexia of aging: physiologic and pathologic. Am J Clin Nutr, 1997; 66: 760–73.
15. Dardaine-Giraud V, Lamandé M, Constans T. L’hypodermoclyse: intérêts et indications en gériatrie.
Rev Med Interne, 2005; 26: 643-50.
16. Twycross R, Wilcock A. PCF 4: Palliative Care Formulary. 4.ª ed. Palliativedrugs.com Ltd, 2014.
17. Takaki CYI, Klein GFS. Hipodermóclise: o conhecimento do enfermeiro em unidade de internação.
ConScientiae Saúde, 2010; 9: 486-96.
18. Yap LK, Tan SH, Koo WH. Hypodermoclysis or subcutaneous infusion revisited. Singapore Med J,
2001; 42: 526-29.
19. Griffithis A. Clinical guideline for subcutaneous infusion (Hypodermoclysis). NHS South Glouces-
tershire, 2010; 1: 1-13.

Hipodermóclise: Via Alternativa em Cuidados Paliativos | 217


20. Vidal M, Hui D, Williams J et al. A prospective study of hypodermoclysis performed by caregivers
in the home setting. J Pain Symptom Manage, 2016; 52: 570-74.
21. Życzkowska J, Wordliczek J. Subcutaneous and intravenous administration of analgesics in palliati-
ve medicine. Advances in Palliative Medicine, 2009; 8: 153-60.
22. Ottawa (ON): Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health. Patient-Controlled Analgesia
for Acute Injury Transfers: A Review of the Clinical Effectiveness, Safety, and Guidelines. 2014; 11.
23. Sasson M, Shvartzman P. Hypodermoclysis: an alternative infusion technique. Am Fam Physician,
2001; 64: 1575-8.
24. Schweighofer CD, Wendtner CM. First-line treatment of chronic lymphocytic leukemia: role of ale-
mtuzumab. Onco Targets Ther, 2010; 3: 53-67.
25. Alós PI, Micó JMA, Pérez MM et al. Fármacos subcutáneos en tratamento paliativo. A propósito de
un caso de adenocarcinoma de páncreas. SEMERGEN, 2006; 32: 84-6.
26. Duems-Noriega O, Ariño-Blasco S. Subcutaneous fluid and drug delivery: safe, efficient and inex-
pensive. Reviews in Clinical Gerontology, 2015; 25: 117–46.
27. Parker M, Henderson K. Alternative infusion access devices. In: Alexander M, Corrigan A, Gorski L
et al. Infusion Nursing: an evidence-based approach. 3.ª ed. Saunders Elsevier, 2010.
28. Potter PA, Perry AG. Clinical nursing skills & techniques. 6.ª ed. St Louis: Mosby, 2006.
29. Anderson SL, Shreve ST. Continuous subcutaneous infusion of opiates at end-of-life. Ann Pharma-
cother, 2004; 38: 1015-1023.
30. Gallardo Avilés R GAF. Uso de la vía subcutánea en cuidados paliativos. Monografías SECPAL,
2013; 4: 1-48.
31. Schoenbeck SL, McBride K. Hypodermoclysis: easy, safe, cost-effective J Pract Nurs, 2010; 60: 7-8.
32. Godinho NC, Silveira LVA. Manual de Hipodermóclise. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi-
cina e Botucatu. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. 2017.
33. Gabriel J. Infusion therapy part two: prevention and management of complications. Nurs Stand,
2008; 22:41-48.
34. Royal College of Nursing. Standards for Infusion Therapy. London: RCN, 2010.
35. Dickman A, Schneider J. The Syringe Driver: Continuous Subcutaneous Infusions in Palliative Care.
4ª. ed. Oxford: Oxford University Press, 2016.
36. Flowers C, McLeod F. Diluent choice for subcutaneous infusion: a survey of the literature and Aus-
tralian practice. Int J Palliat Nurs, 2005;11:54-60.
37. Humphrey P. Hypodermoclysis: an alternative to I.V. infusion therapy. Nursing. 2011; 41: 16-17.
38. Lybarger EH. Hypodermoclysis in the home and long-term care settings. J Infus Nurs, 2009;
32: 40-44.
39. Walsh G. Hypodermoclysis: an alternate method for rehydration in Long-term care. J Infus Nurs,
2005; 28: 123-129.
40. Carone GF. Estudo observacional do uso da hipodermóclise em cuidado paliativos oncológicos.
[dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2016.
41. Bruno VG. Hipodermóclise: revisão de literatura para auxiliar a prática clínica. Einstein, 2015; 13:
122-128.
42. Dalacorte RR, Rigo JC, Schneider RH et al. Cuidados paliativos em geriatria e gerontologia. São
Paulo: Atheneu, 2012.

218 | Dor e Cuidados Paliativos


20
Capítulo

Sintomas Gastrointestinais em
Cuidados Paliativos
Edison Iglesias de Oliveira Vidal
Fernanda Bono Fukushima

Sintomas gastrointestinais representam problemas comuns na prática de cuidados


paliativos e são associados a considerável carga de sofrimento evitável para pacientes
e seus entes queridos. A despeito de sua frequência e da grande amplitude de recursos
existentes para sua prevenção e tratamento ainda é comum que pacientes portado-
res de doenças ameaçadoras da vida recebam cuidados subótimos em relação a esses
sintomas. O presente capítulo abordará os seguintes sintomas gastrointestinais em
cuidados paliativos: náusea, vômito, constipação e diarreia.
Náusea e Vômito
Náusea e vômito representam sintomas comuns a muitas doenças em estágios
avançados e configuram um fator importante de declínio na qualidade de vida dos
pacientes acometidos por eles. A náusea corresponde a uma sensação subjetiva desa-
gradável associada à necessidade de vomitar. Já o vômito consiste no ato de expulsar,
por via oral ou nasal, o conteúdo gástrico através da contração forçada da musculatu-
ra abdominal e torácica1.
Para aumentar as chances de manejo bem-sucedido desses sintomas, recomenda-
-se que o delineamento das estratégias terapêuticas leve em consideração os mecanis-
mos fisiopatológicos envolvidos em sua gênese2.
A compreensão atual da fisiopatologia da náusea e do vômito é a de que uma varie-
dade de estímulos fisiológicos ou psicológicos transmitidos por diferentes vias diretas
e indiretas culmina com a ativação do centro do vômito na formação reticular ascen-
dente do bulbo no tronco encefálico. Tais estímulos chegam ao centro do vômito por
uma das seguintes vias3,4:

Sintomas Gastrointestinais em Cuidados Paliativos | 219


1. Zona de gatilho quimiorreceptora, localizada na área postrema do bulbo e
ativada mediante estímulos químicos presentes no sangue ou no liquor, como
drogas e toxinas. A zona de gatilho quimiorreceptora também é ativada por
estímulos do sistema vestibular e do nervo vago. Essa área envolve receptores
de diversos neurotransmissores: dopamina (D2), serotonina (5-HT), histamina
(H1), substância P/neurocinina-1 (NK-1), receptores muscarínicos (M1) de ace-
tilcolina e canabinoides.
2. Sistema vestibular, que medeia estímulos decorrentes de movimentos e da
percepção do corpo no espaço. Os principais neurorreceptores envolvidos na
ativação do sistema vestibular são M1 e H1.
3. Córtex cerebral e sistema límbico, que transmitem estímulos decorrentes dos di-
ferentes sentidos (ex.: odores), de associações aprendidas (ex.: náusea antecipató-
ria), emoções (ex.: ansiedade) e alterações diretas do sistema nervoso central (ex.:
hipertensão intracraniana e irritação meníngea). Acredita-se que os estímulos
originados no córtex cerebral e no sistema límbico são mediados pelos receptores
5-HT, D2, NK-1 e de ácido gama-aminobutírico (GABA), bem como por outros
mecanismos complexos que não envolvem neurorreceptores específicos.
4. Nervos esplâncnicos e aferências vagais, os quais são ativados por estímulos
químicos ou mecânicos que envolvem diferentes vísceras, incluindo o peritônio.
A irritação de tecidos esplâncnicos decorrente de toxinas, drogas, inflamação,
radiação, infecções ou mesmo pela presença de massas tumorais que causam
distensão ou compressão de estruturas é transmitida pelo sistema nervoso au-
tonômico e envolve sobretudo os neurorreceptores D2 e 5-HT.
O centro do vômito em si também possui uma variedade de neurorreceptores,
como 5-HT, H1, NK-1, M1 e receptores canabinoides, os quais contribuem para o
reflexo do vômito3,4.
Etiologia
As causas de náusea e vômito são múltiplas, sendo comum que em um mesmo pa-
ciente diversas etiologias e mecanismos de ação contribuam para a ocorrência desses
sintomas. Encontram-se listadas a seguir as principais etiologias de náusea e vômito1-4.
Medicamentos e drogas: opioides, quimioterápicos, anti-inflamatórios não es-
teroidais (AINEs), álcool, agentes anticolinérgicos, antibióticos, suplementos de
ferro, digoxina, antiarrítmicos, contraceptivos hormonais, antiparkinsonianos
e anticonvulsivantes.
Distúrbios metabólicos: insuficiência renal e hepática, hipercalcemia, hiponatre-
mia, sepse, toxinas tumorais, hipertireoidismo e insuficiência adrenal.
Distúrbios gastrointestinais: constipação, obstrução intestinal, refluxo gastroe-
sofágico, dispepsia, úlceras, doença inflamatória intestinal, infecções, pancreatite,
hepatites, colecistite, metástases hepáticas, gastroparesia e outros problemas da mo-
tilidade gastrointestinal.
Transtornos psiquiátricos: transtornos de ansiedade, depressivos e alimentares.
Doenças do sistema nervoso central: hipertensão intracraniana, acidente vascular
encefálico, meningite, encefalite, convulsões, doenças desmielinizantes.

220 | Dor e Cuidados Paliativos


Distúrbios vestibulares: cinetose de movimento, doença de Menière, neurite vesti-
bular, labirintite.
Miscelâneas: radioterapia, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca.

Avaliação
A avaliação de pacientes portadores de náusea e vômito deve levar em conta as prin-
cipais etiologias descritas na seção anterior, bem como o prognóstico do paciente, seus
objetivos de cuidados e o custo ou desconforto associado a cada estratégia diagnóstica.
A história clínica deve avaliar qualitativa e quantitativamente a percepção do pa-
ciente quanto à náusea, bem como os episódios de vômitos1,2. É importante tentar
esclarecer a presença de fatores desencadeantes dos sintomas, como movimentos,
odores, sabores, sentimentos e lembranças. Também deve ser questionada a presença
de sintomas associados, como tontura, síncope, dor abdominal, constipação, alteração
de consciência e estado emocional. Ainda, os episódios de vômito devem ser caracte-
rizados em termos de conteúdo e cor (ex.: fecaloide, biliar, alimentar e hemorrágico).
Adicionalmente, é fundamental rever todos os medicamentos em uso e tratamentos
realizados, incluindo cirurgias, radioterapia e quimioterapia e a história pregressa do
paciente que envolva náusea e vômito (ex.: distúrbios vestibulares, doenças gastroin-
testinais e transtornos psiquiátricos).
O exame físico e os exames complementares podem contribuir para a identificação
de questões como obstrução intestinal, impactação fecal, disautonomia, insuficiência
hepática, hipercalcemia, uremia e hiponatremia.

Abordagem farmacológica
Sempre que possível os medicamentos prescritos devem levar em consideração as
principais hipóteses relacionadas às causas e aos mecanismos contribuintes para a ocor-
rência de náusea e vômito1-5. Por exemplo, medicamentos anti-histamínicos (ex.: dimeni-
drinato e meclizina) são mais bem indicados para quadros de origem vestibular. Náusea
e vômito relacionados, sobretudo, com questões associadas ao córtex cerebral ou sistema
límbico são comumente tratados por bloqueadores de serotonina (ex.: ondansentron) ou
de receptores GABA (ex.: lorazepam), sendo esses últimos bastante efetivos nos casos de
náusea e vômito associados à ansiedade. Estímulos decorrentes da região esplâncnica e
da inervação vagal são usualmente tratados por bloqueadores dopaminérgicos (ex.: meto-
clopramida e domperidona) e por bloqueadores de serotonina. Naturalmente, condições
específicas, como hipercalcemia, hiponatremia, impactação fecal e úlceras pépticas, de-
vem receber tratamento específico em associação ao tratamento sintomático.
No entanto, muitas vezes não é possível identificar ou corrigir de modo específico
a(s) etiologia(s) subjacente(s) para os quadros de náusea e vômitos. Nesses casos, testes
terapêuticos podem promover ao mesmo tempo alívio e pistas quanto às causas ori-
ginais. Como a dopamina e a serotonina são os principais neurotransmissores usual-
mente envolvidos na gênese de náusea e vômito, é razoável que testes terapêuticos se
iniciem por esses medicamentos. Ao combinar diferentes tratamentos farmacológicos
para esses sintomas, deve-se buscar a associação de medicamentos com mecanismos
de ação distintos e sem a sobreposição de efeitos adversos.

Sintomas Gastrointestinais em Cuidados Paliativos | 221


A Tabela 1 relaciona algumas causas de náusea e vômito com os principais trata-
mentos farmacológicos indicados. A Tabela 2 descreve os principais medicamentos
antieméticos disponíveis no Brasil.
Tabela 1 – Algumas causas comuns de náusea e vômito em cuidados paliativos e
tratamentos farmacológicos correspondentes
Causas de náusea e vômito Tratamento farmacológico
Quimioterapia Bloqueadores 5-HT, corticoides, bloqueadores NK-1, blo-
queadores D2
Opioides Bloqueadores D2, laxantes, anti-histamínicos de 1ª geração
Radioterapia Bloqueadores 5-HT, corticoides,
bloqueadores NK-1, bloqueadores D2
Ansiedade Ansiolíticos
Gastroparesia Bloqueadores D2
Distúrbios vestibulares Anti-histamínicos de 1ª geração
Uremia e insuficiência hepática Bloqueadores D2, bloqueadores 5-HT
Hipercalcemia Bisfosfonatos, hidratação, bloqueadores D2
Hipertensão intracraniana Corticoides, manitol, bloqueadores D2
Obstrução intestinal Cirurgia, corticoides, anticolinérgicos, octreotide
5-HT: 5-hidroxitriptamina; D2: receptor dopaminérgico nº 2; NK-1: neurocinina.

Tabela 2 – Os principais medicamentos antieméticos, sua posologia usual e efeitos


adversos mais comuns
Medicamentos antieméticos Posologia usual Efeitos adversos
Bloqueadores D2
Sintomas extrapiramidais,
Metoclopramida 5-20 mg VO/IV/SC a cada 6-8h
discinesia tardia, acatisia
Domperidona 10-20 mg VO, 3 a 4x/d
Haloperidol 0,5-2 mg VO/IV/SC até 6-24h Sintomas extrapiramidais,
discinesia tardia, acatisia,
apatia
Clorpromazina 10-50 mg VO/IV/SC até 4-24h Sedação
Bloqueadores 5-HT 8-24 mg VO/IV/SC ao dia Cefaleia, constipação,
Ondansentrona 2 mg VO ao dia ou 1 mg IV/SC 2x/d tontura, fadiga, alterações
Granisetrona gustativas
Anti-histamínicos
Sonolência, boca seca,
Dimenidrinato 50-100 mg VO/IV/SC a cada 6h
confusão mental, retenção
Difenidramina 25-50 mg VO/IV/SC a cada 6h
urinária
Meclizina 25-50 mg VO ao dia
Corticoides
Ansiedade, insônia
Dexametasona 4-20 mg VO/IV/SC ao dia
Ansiolíticos Sonolência, confusão
Lorazepam 0,5-2 mg VO a cada 6-12h mental
Bloqueador NK-1
Aprepitanto 125 mg VO no D1 de quimioterapia, 80 mg Diarreia, fadiga, soluços,
no D2 e D3 constipação, neutropenia
150 mg EV no D1 de quimioterapia, sem (raro)
novas doses
Canabinoides Sonolência, disforia,
Dronabinol 2,5-5 mg VO 2-4x/d dificuldade de
concentração, ataxia
5-HT: 5-hidroxitriptamina; D2: receptor dopaminérgico nº 2; NK-1: neurocinina.

222 | Dor e Cuidados Paliativos


Abordagem não farmacológica
Diversas abordagens não farmacológicas demonstraram efetividade no manejo de
náusea e vômito, principalmente no contexto do uso de quimioterapia. Dentre elas me-
recem destaque a acupuntura, acupressura, a ingestão de gengibre, terapias de relaxa-
mento, psicoterapia de grupo, abordagens cognitivo-comportamentais e hipnose1,2.

Prevenção
Sempre que possível deve-se tentar antecipar a possibilidade de ocorrência de náu-
sea e vômito e adotar medidas com o intuito de tentar prevenir sua ocorrência ou
para orientar pacientes e familiares sobre seu manejo precoce. A adoção de medidas
preventivas deve levar em conta o risco individual de o paciente desenvolver náusea
e vômito com base em seu histórico relativo a esses sintomas, na patologia de base,
em comorbidades e em tratamentos. Em situações de alto risco, como ante o uso de
quimioterapia altamente emetogênica, sempre devem ser instituídas medidas preven-
tivas para uso regular na prescrição médica. Em situações de menor risco, como uma
prescrição inicial de opioides, costuma ser suficiente prescrever o uso de um medica-
mento antiemético em caso de surgimento de sintomas.

Constipação
A constipação representa um sintoma comum entre pacientes portadores de doen-
ças avançadas e pode ser definida como desconforto associado à frequência reduzida
de evacuações, cursando com fezes endurecidas e esforço evacuatório1,6. Se não trata-
da adequadamente, a constipação pode ocasionar grande sofrimento ao paciente, en-
volvendo dor e distensão abdominal, náusea e vômito, incontinência fecal e urinária,
tenesmo, impactação fecal com diarreia paradoxal, obstrução intestinal e delirium.
Infelizmente, de modo frequente, as possíveis causas de constipação não são avaliadas
cuidadosamente, como se estivéssemos diante de um sintoma menos importante.

Etiologia
Em grande parte das vezes, a constipação possui uma etiologia multifatorial em
pacientes portadores de doenças ameaçadoras da vida em fase avançada, incluindo
fatores contribuintes reversíveis e irreversíveis. Serão elencados, a seguir, os princi-
pais elementos de uma variedade desses fatores que frequentemente corroboram para
a gênese desse sintoma.
1. Medicamentos: opioides, antiácidos (ex.: sais de alumínio), bloqueadores de
canais de cálcio, betabloqueadores, antitussígenos, fármacos com efeito anti-
colinérgico (ex.: antidepressivos tricíclicos, escopolamina, fenotiazinas e anti-
-histamínicos), suplementos de ferro por via oral, anti-inflamatórios não este-
roidais, antagonistas de serotonina (ex.: ondansentron), diuréticos (por causa
da possibilidade de desidratação) e agentes quimioterápicos (especialmente os
derivados de alcaloides de vinca, como vincristina e vimblastina).
2. Distúrbios metabólicos: desidratação, hipocalemia, hipercalcemia, hiperpara-
tireiodismo, uremia, hipotireoidismo e diabetes mellitus.

Sintomas Gastrointestinais em Cuidados Paliativos | 223


3. Problemas neurológicos: compressão medular, disautonomia, síndromes para-
neoplásicas, demências, polineuropatias, parkinsonismos e alteração da cons-
ciência.
4. Obstrução estrutural: tumor, aderências cirúrgicas, fibrose actínica e carcino-
matose peritoneal.
5. Mobilidade reduzida, que pode decorrer diretamente da doença de base, de
sequelas de outros problemas de saúde ou mesmo do controle inadequado de
outros sintomas, como dor, depressão e náusea.
6. Fatores ambientais e comportamentais, como falta de privacidade, dificuldade
de acesso ao banheiro e uso de “comadres” para evacuação no leito.
7. Outros distúrbios gastrointestinais preexistentes: síndrome do intestino irri-
tável, hérnias, fissuras anais, hemorroidas e prolapso retal.
8. Ingesta pobre em fibras e líquidos.
Avaliação
A avaliação cuidadosa da constipação requer a consideração simultânea dos ele-
mentos listados anteriormente. Em relação à história clínica, deve-se questionar o pa-
ciente em relação a seu hábito prévio de evacuação, padrão alimentar, medicamentos
em uso, comorbidades e sintomas associados, como dor, distensão abdominal, dimi-
nuição de força nos membros inferiores, incontinência urinária e vômito. Não se deve
desprezar a presença de constipação em pacientes com anorexia e baixa ingestão ali-
mentar, pois, mesmo na ausência de alimento no trato gastrointestinal, há a produção
de fezes pela descamação de células do tubo digestivo, secreções não absorvidas e bac-
térias. O exame físico deve avaliar a presença de distensão abdominal, peristaltismo e
massas abdominais. O toque retal pode ser bastante útil na avaliação da constipação e
inclui a avaliação da sensibilidade perineal, o tônus anal, a presença de hemorroidas,
fissuras, massas e fezes e sua consistência. A ausência de fezes na presença de uma
ampola retal distendida pode indicar obstrução ou acúmulo de fezes em nível mais
alto. Radiografias de abdome são especialmente úteis para estimar o volume de fezes
no intestino, avaliar a possibilidade de obstrução intestinal e pneumoperitôneo.
A presença de piora súbita do hábito intestinal e fraqueza nos membros inferiores
devem ser prontamente reconhecidas como possível compressão medular aguda, a
qual deve ser tratada como uma emergência oncológica.
Finalmente, é importante destacar que a dor abdominal decorrente de distensão
das alças intestinais por conta de constipação importante não será adequadamente
aliviada com opioides, sendo usualmente seguida por episódios de dor abdominal
mais intensa em razão da piora no quadro de distensão das alças.

Tratamento
Abordagem geral
Exames, investigações e tratamentos devem ser adequados à forma de apresen-
tação do quadro, ao estágio e ao contexto do paciente e de sua doença. A correção de
todos os múltiplos fatores contribuintes frequentemente não é possível para a maior
parte dos pacientes no fim da vida. Uma abordagem geral pode ser bastante útil e

224 | Dor e Cuidados Paliativos


envolve a prescrição rotineira de laxantes sempre que opioides são utilizados e o esta-
belecimento de um plano terapêutico que antecipe uma possível piora na constipação7.
Esse plano terapêutico deve ser esclarecido ao paciente e a sua família e deve envolver
medidas progressivas a serem adotadas na ausência persistente de episódios de elimi-
nação fecal. Ele deve envolver os seguintes elementos: (1) a prescrição para uso regular
de um laxante ou de uma associação de laxantes (ex.: Bisacodil e Lactulose); (2) orien-
tação sobre a intensificação da dose desses laxantes ou acréscimo de outro laxativo
(ex.: supositório de glicerina) caso o paciente não tenha defecado no dia anterior; (3)
orientação clara sobre como proceder se o paciente permanecer três ou mais dias sem
evacuar (ex.: aplicação retal de enema de fosfato de sódio) e reavaliação médica na au-
sência de melhora. A presença de um protocolo terapêutico claro para o paciente, sua
família e a equipe de saúde pode evitar que pacientes permaneçam até semanas sem
evacuar e sejam poupados de procedimentos extremamente desconfortáveis, como a
desimpactação fecal manual. Para alguns pacientes, como os portadores de lesão me-
dular, pode ser necessária a realização de enemas periódicos para evitar constipação
e episódios de incontinência fecal.
Abordagem não farmacológica
A educação do paciente e da família sobre a constipação, seus fatores contribuintes
e o plano terapêutico progressivo descrito anteriormente. O manejo não farmacológi-
co envolve a recomendação para tentar seguir um horário regular diariamente para o
funcionamento intestinal e aconselhamento a tirar vantagem do reflexo gastrocólico,
que ocorre após a alimentação1,6. Sugere-se também evitar o consumo excessivo de
cafeína, por causa de suas propriedades diuréticas. De forma geral, na ausência de
contraindicações por doença cardíaca ou renal avançada, recomenda-se a ingesta de
cerca de 2 litros de líquidos por dia. Uma dieta rica em fibras e a prática de exercício
físico, mesmo em pequena quantidade, também são recomendados. No entanto, mui-
tos pacientes não toleram uma dieta rica em fibras. Além disso, é importante ressaltar
que em pacientes com trânsito intestinal muito lento e predisposto à desidratação, a
suplementação com fibras alimentares pode piorar a constipação.
Abordagem farmacológica
A Tabela 3 lista os principais agentes laxantes para o tratamento medicamentoso
da constipação1,6-8. Um erro comum consiste no não aumento progressivo das doses
dos diferentes laxantes, o que, muitas vezes, conduz à percepção errônea de que “nada
funciona” quando, de fato, nada foi utilizado em doses terapêuticas máximas. Quando
pacientes encontram-se constipados por longos períodos (ex.: > 5 dias) e há risco da
presença de fecaloma, o uso de laxantes por via oral pode ser pouco efetivo e associar-
-se à ocorrência de cólica intensa. Nessas situações, é prudente a realização do toque
retal e de enemas para resolução do fecaloma antes de iniciar os laxantes por via oral.
A metilnaltrexona, um antagonista periférico de receptores mu de opioides,
sem penetração no sistema nervoso central, é altamente efetivo para o manejo
de constipação induzida por opioides7. Sua aplicação se dá por via subcutânea e
seu efeito usualmente ocorre entre uma e três horas da aplicação. Normalmente
seu uso é reservado a pacientes que não responderam a estratégias com outros

Sintomas Gastrointestinais em Cuidados Paliativos | 225


laxantes em vigência do uso de opioides. Esse medicamento foi comercializado por
curto período no Brasil após sua aprovação pela Anvisa, mas atualmente encon-
tra-se indisponível.
Tabela 3 – Principais agentes laxantes utilizados na prática clínica
Laxantes Início de ação Posologia usual
Laxantes catárticos
Senna 6 a 12h 15 a 100 mg, VO
Bisacodil 5 a 30 mg, VO
Laxantes osmóticos
Laculose 24 a 48h 10 a 40 g, 1 a 4x ao dia VO
Hidróxido de magnésio 1 a 3h 2,4 a 4,8 g, 1x ao dia VO
Macrogol 3350 30 min a 1h 1 a 5 sachês de 14 g diluído em 125 a 250 ml de
água 1x ao dia VO
Lubrificantes e estimulantes
Óleo mineral 6 a 8h 15 a 75 ml, 1x ao dia VO ou VR
Supositório de glicerina 15 min a 1h 1 aplicação VR conforme necessário
Enemas
Fosfato de sódio 5 a 15 min 130 ml VR
Glicerina 100 a 500 ml VR

Diarreia
A diarreia é frequentemente definida como a eliminação de fezes mais amolecidas
que o normal e que também podem apresentar-se em número aumentado e com sen-
sação de urgência9. No entanto, pacientes diferentes podem ter concepções próprias
a esse respeito e definir diarreia como episódios frequentes de evacuação, inclusive
de consistência aumentada e em menor volume. Portanto, o profissional de saúde,
diante da queixa de diarreia, deve, inicialmente, buscar esclarecer as características
do sintoma relatado. Diarreia persistente pode acarretar desidratação, desnutrição,
fadiga, hemorroidas e lesões da pele perianal.

Etiologia
A causa mais comum de diarreia na medicina paliativa provavelmente correspon-
de ao excesso de laxantes, principalmente após as doses de laxativos terem sido au-
mentadas progressivamente ante um episódio importante de constipação. Infecções
gastrointestinais agudas representam outra causa comum e usualmente têm duração
limitada a um ou dois dias.
Além dos laxantes, uma variedade de medicamentos também pode contribuir para
a ocorrência de diarreia, como quimioterápicos (ex.: fluoropirimidinas e inibidores
da topoisomerase I), antiácidos, antibióticos e medicamentos que contenham subs-
tâncias como lactose, sorbitol, propileno glicol e polietileno glicol9,10. Antibióticos po-
dem gerar intolerância à lactose de forma temporária e a resolução da diarreia pode
demandar a retirada de derivados do leite da alimentação seguida de reintrodução
gradual após a resolução da diarreia11. Alguns medicamentos podem causar tanto
diarreia como constipação. Esse é o caso dos suplementos de ferro por via oral, AINEs
(especialmente diclofenaco, indometacina e ácido mefenâmico).

226 | Dor e Cuidados Paliativos


Radioterapia da região pélvica ou abdominal também pode causar diarreia, espe-
cialmente entre a segunda e a terceira semana após a irradiação, mas podendo esten-
der-se por mais tempo.
A infecção pelo HIV representa uma causa importante de diarreia no fim da vida e pode
decorrer por disfunção intestinal induzida diretamente por esse vírus, como por germes
oportunistas associados ao estado de imunossupressão (ex.: Cryptosporidium sp)12.
Uma variedade de intervenções cirúrgicas e procedimentos invasivos também pode
levar à ocorrência de diarreia, como acontece em gastrectomias, pancreatectomias, res-
secções ileais, vagotomias, colectomias extensas e bloqueios ou ablações do plexo celíaco.
Tumores colônicos ou retais podem desencadear diarreia por causa da secreção
de muco ou por obstrução intestinal parcial com consequente crescimento excessivo
de populações bacterianas. Adicionalmente, a presença de sangramento gastroin-
testinal pode levar à diarreia na forma de melena. Mais raramente, alguns tumores
específicos também são associados à ocorrência de diarreia, como no caso de tu-
mores carcinoides, vipomas e tumores de ilhotas pancreáticas ou gastrinomas com
síndrome de Zollinger-Ellison.
Hipertireoidismo, ansiedade, excesso de fibras, intolerância à lactose, uso de tem-
peros muito apimentados, verminoses, doença inflamatória intestinal, síndrome do
intestino irritável e colite pseudomembranosa por clostridium difficile também con-
sistem em causas de diarreia que podem estar presentes em pacientes portadores de
outras doenças avançadas e ameaçadoras da vida.
Finalmente, em pacientes acamados é relativamente comum a ocorrência de diar-
reia paradoxal e incontinência diante de um episódio de impactação fecal.

Avaliação
A história clínica deve analisar o aspecto e a frequência dos episódios evacuató-
rios, bem como a duração dos sintomas, sendo consideradas diarreias crônicas aque-
las com duração superior a três semanas. Naturalmente, deve-se realizar revisão de
medicamentos em uso atual e prévio, bem como de tratamentos cirúrgicos, seções de
radioterapia e comorbidades.
O exame físico deve excluir a possibilidade de obstrução intestinal e de impactação
fecal. Em casos de dúvida, a radiografia simples de abdome pode ser bastante útil.
A observação do aspecto das fezes pode indicar a presença de melena e outros diag-
nósticos. Diarreia aquosa e profusa sugere diarreia de origem colônica, enquanto fezes
pálidas, gordurosas e flutuantes sugerem esteatorreia associada a quadros disabsortivos.
Exames complementares podem incluir a pesquisa de leucócitos nas fezes, de
toxina de Clostridium difficile, coprocultura, exame parasitológico, medição de os-
molalidade fecal e concentração de sódio e potássio fecais, bem como a realização
de colonoscopia, de acordo com a situação clínica de cada paciente e seus objetivos
de cuidados.

Tratamento da diarreia
A abordagem geral para o tratamento das diarreias envolve a hidratação dos pa-
cientes, usualmente pela via oral, embora a via venosa ou subcutânea também possa

Sintomas Gastrointestinais em Cuidados Paliativos | 227


ser utilizada se necessário. Adicionalmente, recomenda-se aumentar a ingesta de
alimentos ricos em fibra (ex.: psyllium, farelo de trigo e pectina) e evitar alimentos
fermentativos, como derivados de leite.
Para o tratamento sintomático de diarreia leve ou transitória costuma-se prescre-
ver o uso de subcitrato de bismuto na dose de 120 mg a ser ingerido meia hora antes
das refeições.
Para o tratamento de diarreia persistente, em que etiologias infecciosas tenham
sido afastadas, pode-se utilizar13:
• loperamida, 2 a 4 mg, VO após cada evacuação ou até 6/6h;
• difenoxilato/atropina (2,5 mg/0,025 mg), 1 a 2 comprimidos após cada evacua-
ção ou até 6/6h.
Para diarreia secretiva persistente e grave, como no caso de infecções pelo HIV que
não tenham respondido aos medicamentos citados anteriormente, deve-se considerar
o uso de octreotide, 50 mcg SC a cada 8-12h, que pode ser titulado até 500 mcg 8/8h
ou 10 a 80 mcg/h em infusão venosa ou subcutânea contínua.
O tratamento de esteatorreia usualmente é feito mediante a suplementação de enzi-
mas pancreáticas com as refeições. Diarreias decorrentes da má absorção de bile (ex.:
ressecções do íleo terminal e por radioterapia) são idealmente tratadas com colestira-
mina e medicamentos sequestradores de ácidos biliares.

Referências
1. McHugh ME, Miller-Saultz D. Assessment and management of gastrointestinal symptoms in advan-
ced illness. Prim Care, 2011; 38:225-46.
2. Wood GJ, Shega JW, Lynch B et al. Management of intractable nausea and vomiting in patients
at the end of life: “I was feeling nauseous all of the time . . . nothing was working”. JAMA, 2007;
298:1196-207.
3. Singh P, Yoon SS, Kuo B. Nausea: a review of pathophysiology and therapeutics. Therap Adv Gastro-
enterol, 2016; 9:98-112.
4. Smith HS, Smith EJ, Smith AR. Pathophysiology of nausea and vomiting in palliative medicine. Ann
Palliat Med, 2012; 1:87-93.
5. Smith HS, Smith JM, Seidner P. Opioid-induced nausea and vomiting. Ann Palliat Med, 2012; 1:121-9.
6. Larkin PJ, Sykes NP, Centeno C et al. The management of constipation in palliative care: clinical
practice recommendations. Palliat Med, 2008; 22:796-807.
7. Prichard D, Bharucha A. Management of opioid-induced constipation for people in palliative care.
Int J Palliat Nurs, 2015; 21:272, 4-80.
8. Candy B, Jones L, Larkin PJ et al P. Laxatives for the management of constipation in people recei-
ving palliative care. Cochrane Database Syst Rev, 2015: CD003448.
9. Cherny NI. Evaluation and management of treatment-related diarrhea in patients with advanced
cancer: a review. J Pain Symptom Manage, 2008; 36:413-23.
10. Alderman J. Diarrhea in palliative care. J Palliat Med, 2005; 8:449-50.
11. Noble S, Rawlinson F, Byrne A. Acquired lactose intolerance. J Pain Symptom Manage, 2002;
23:449-50.
12. Elfstrand L, Florén CH. Management of chronic diarrhea in HIV-infected patients: current treat-
ment options, challenges and future directions. HIVAIDS (Auckl), 2010; 2:219-24.
13. Lee KJ. Pharmacologic agents for chronic diarrhea. Intest Res, 2015; 13:306-12.

228 | Dor e Cuidados Paliativos


21
Capítulo

Assistência ao Fim da Vida:


Identificação e Manejo
André Filipe Junqueira dos Santos
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso

Introdução
Praticamente todos os pacientes no processo de fim de vida passam por um padrão
de sintomas e sinais nos dias anteriores à morte. Essa trajetória é frequentemente
referida como “morte ativa” ou “morte iminente”. O reconhecimento imediato dessa
trajetória é fundamental para que os médicos forneçam as intervenções mais adequa-
das para o paciente e sua família.
A trajetória das doenças de fim de vida traz diferentes demandas e desafios para
pacientes, familiares e equipe de saúde. O processo de morte ativa é caracterizado
pelo aumento da prevalência e da intensidade dos sintomas físicos, psicossociais e
espirituais. A abordagem das questões de fim de vida de forma coerente com os valo-
res culturais, religiosos e espirituais do paciente e de sua família é primordial para o
controle dos sintomas desconfortáveis nessa fase.
Preocupações familiares nessa fase são comuns, e os familiares presentes durante o
processo de fim de vida geralmente expressam as seguintes preocupações/perguntas:
• Meu ente querido está com dor? Como saber?
• Ele não vai se alimentar e isso não pode acelerar sua morte?
• O que devemos esperar? Como saber que o tempo é curto?
• Será que eu/nós devemos ficar à beira do leito?
• Nosso ente querido pode ouvir o que estamos dizendo?
• O que fazemos depois da morte de nosso ente querido?

Assistência ao Fim da Vida: Identificação e Manejo | 229


As equipes podem ajudar melhor as famílias estimulando essas perguntas e res-
pondendo-as de forma educada, segura e com respeito às emoções envolvidas1,2.

Definição
Não há um consenso na literatura quanto à definição precisa do que sejam as últi-
mas horas de vida, porém, a identificação da exacerbação de sintomas e o manejo de-
les nesse momento, que exige alteração do planejamento de cuidados, são primordiais.
Para o manejo de cuidados ao paciente em fase final de vida é importante a defi-
nição correta desse momento. A fase de terminalidade deve ser considerada quando
se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde e a possibilidade de
morte próxima parece inevitável e previsível - sendo considerada nos próximos seis
meses de vida. Por sua vez, o conceito de fase final de vida ou processo ativo de morte
é considerado quando os sintomas se exacerbam e começa a emergir um quadro de
morte próxima e irreversível, com sobrevida de horas a dias. Esse quadro também
pode ser conhecido como “últimas quarenta e oito horas” ou “agonia terminal”.
Para a eficácia desse processo, a atuação de uma equipe multidisciplinar é fun-
damental, visto que, além do controle de sintomas físicos, é necessário haver apoio
psicossocial e boa comunicação com o paciente e seus familiares, visando auxiliar a
adaptação do paciente e da família a essa nova realidade.
Os sintomas mais comuns que podem surgir nas últimas semanas de vida e que
se intensificam nos últimos dias são: anorexia, dor, dispneia e delirium e é possível
que tais sintomas não ocorram sequencialmente e que a morte se dê rapidamente.
Por outro lado, caso esses sintomas sejam desenvolvidos em dias, e não em semanas,
torna-se importante excluir causas reversíveis para a deterioração, sendo obrigatório
afastar, entre outras fontes, efeitos adversos a medicamentos.
Cabe ressaltar que muitos desses sintomas podem ser exacerbados por aspectos
que vão além do biológico, e o sofrimento pode ser intensificado por componentes
psicológicos, sociais, espirituais e/ou existenciais perante a iminência da morte3.

Identificação da Terminalidade
Para cuidar dos pacientes moribundos é essencial “diagnosticar o morrer”. No en-
tanto, diagnosticar o quadro de terminalidade é, muitas vezes, um processo complexo.
As trajetórias de inteligência podem fornecer uma estrutura para abordar as expecta-
tivas dos pacientes e familiares sobre o que acontecerá em relação à saúde antecipada.
Distintas trajetórias de doenças foram reconhecidas na literatura médica. Um grande
estudo observacional descreveu trajetórias de doença distintas de fim de vida por fra-
gilidade/demência, câncer e falência de órgãos (Figura 1):
Pesquisas subsequentes lançaram alguma controvérsia sobre a validade desses
achados, particularmente se as internações podem ter um papel mais significativo no
padrão de declínio do que a própria doença específica.
Fragilidade/demência: um padrão de diminuição da deficiência cognitiva e/ou físi-
ca que pode progredir ao longo de vários anos4. Setenta por cento dos pacientes com
demência necessitam de assistência quando apresentam aumento da dependência

230 | Dor e Cuidados Paliativos


para as atividades básicas de vida diária no último ano de vida, o que coloca esses
pacientes em um grupo de maior risco para a necessidade de institucionalização e
síndrome do estresse do cuidador5. Muitos médicos e famílias podem não reconhecer
que a demência por si só é uma doença terminal.

Figura 1 - Trajetória teórica da terminalidade conforme o padrão de doença (adaptado de Lunney3)

Câncer: geralmente apresenta um período relativamente estável de função fí-


sica seguido por um declínio agudo nos últimos meses de vida. Múltiplos estudos
apoiaram essa trajetória, no entanto, o tempo de queda acentuada varia entre 1 e
5 meses antes da morte, dependendo do estudo6-8. Pacientes com câncer também
podem experimentar padrões mais previsíveis de angústia espiritual, com picos no
diagnóstico, recorrência da doença e fase terminal da doença. Como o declínio físico
e o sofrimento psicopedagógico podem ser mais bem antecipados, especialmente
em tumores sólidos, existe maior precisão para o prognóstico e a implementação de
serviços de cuidados paliativos especializados9. Um estudo de pacientes com Medi-
car mostrou que os pacientes com câncer eram mais propensos a utilizar serviços de
cuidados de fim de vida em comparação com outras doenças crônicas em razão da
trajetória mais previsível10.
Doenças crônico-degenerativas: são caracterizadas por uma trajetória mais
errática, com períodos de declínio pontuados, provavelmente correlacionando-se
com exacerbações agudas. Cada exacerbação pode resultar em morte, mas, muitas
vezes, os indivíduos sobrevivem com deterioração gradual da saúde e do estado fun-

Assistência ao Fim da Vida: Identificação e Manejo | 231


cional. O tempo da morte é menos certo do que no câncer. Talvez, como resultado, os
pacientes com insuficiência cardíaca congestiva e doença pulmonar obstrutivo-crô-
nica são mais propensos a morrer no hospital e menos propensos a receber serviços
de cuidados paliativos e a nem entender a provável progressão de sua doença10-12.
Muitas vezes, o prognóstico é mais centrado em metas específicas do paciente em
relação à aceitação ou não de hospitalizações repetidas e ao tratamento de compli-
cações potencialmente reversíveis.
Morte súbita ou declínio repentino: uma mudança abrupta da função física
normal para morte ou incapacidade médica significativa, muitas vezes como resultado
de trauma ou um evento cardiopulmonar/neurológico agudo. Muitas vezes há pouca
ou nenhuma interação prévia com o sistema de saúde nem um padrão reconhecível de
declínio funcional anterior ao evento3,10. Assim, exibições intensas de choque ou raiva
são comuns dos membros da família quando os médicos fornecem más notícias sobre
a gravidade da doença. Os familiares têm maior risco de depressão e luto complicado
à medida que se ajustam à nova realidade médica após o evento13,14.
Na ocorrência de um quadro de morte ativa, manter procedimentos invasivos
pode, com frequência, acabar prejudicando o conforto do paciente. Reconhecer os
principais sinais e sintomas é uma habilidade clínica importante no diagnóstico de
morrer15. A qualidade de vida é melhor quando pacientes com câncer em fase avan-
çada recebem cuidados paliativos de forma precoce, em comparação com consultas
paliativas sob demanda16.

Prognostificação
A decisão de continuar ou suspender o tratamento no momento de morte ati-
va é fortemente influenciada pelo conhecimento do prognóstico pelo paciente17. O
momento apropriado para o início do cuidado paliativo é considerado um ponto
crucial para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos18, sobretudo quando o tra-
tamento específico lhes é agressivo ou mesmo prejudicial. No caso de uma elevada
possibilidade de óbito ser considerada por parte da equipe médica, o uso da questão
surpresa (“Você se surpreenderia se o paciente morresse nos próximos 12 meses?”)
é um indicador de que ele poderia ser elegível para cuidados paliativos19. A questão
surpresa não é um parâmetro definitivo para cuidados paliativos, devendo ser con-
siderada uma ferramenta nos casos em que a equipe de assistência tenha dificuldade
em identificar o processo de terminalidade. Um estudo demonstrou que, através
do uso da questão surpresa, os médicos estimaram corretamente a morte, em um
ano, em 69% dos pacientes, porém, apenas 25% receberam cuidados de fim de vida
e 2,7% tiveram consulta de cuidados paliativos; 60,5% tiveram uma ordem de não
ressuscitação e 43% morreram no hospital20.
Os médicos tendem a ser excessivamente otimistas quando lidam com o prognóstico.
Em um estudo, solicitou-se que 343 médicos fornecessem estimativas de sobrevivência
para 468 doentes terminais no momento da indicação para cuidados de fim de vida.
Apenas 20% das previsões foram precisas (conforme definido em 33% da sobrevivência
real). Em geral, os médicos superestimaram a sobrevida por um fator de 5,3 vezes21.
Todo tipo de médico tende a superestimar, embora os médicos mais experientes têm

232 | Dor e Cuidados Paliativos


menor chance de erro. Previsões imprecisas são dadas para todos os tipos de paciente,
incluindo pacientes com câncer e aqueles com doenças crônicas não malignas. Curiosa-
mente, à medida que a duração da relação do paciente com o médico aumentou, a pre-
cisão prognóstica diminuiu. Em outras palavras, quanto mais um médico conhecesse o
paciente, era menos provável que ele/ela previssem corretamente o prognóstico.
O otimismo indevido pode prejudicar os pacientes de várias maneiras. O estudo
SUPPORT22 demostrou que um grande número de ordens de não ressuscitação (ONR)
são escritas nos últimos dois dias de vida e que o conhecimento do médico sobre a
preferência de ONR do seu paciente é fraco. Além disso, otimismo indevido pode re-
tardar o encaminhamento para cuidados paliativos, e essa abordagem é mais benéfica
quando utilizada por meses, não dias, como geralmente ocorre atualmente. Por fim,
uma superestimação do prognóstico pode levar os pacientes a solicitar cuidados inú-
teis. Aprender o verdadeiro prognóstico de uma doença muito atrasada no curso é
uma tarefa difícil, porém, evita-se uma transição abrupta dos cuidados curativos para
os cuidados paliativos.
Informações prognósticas adequadas são essenciais para a tomada de decisões
compartilhadas sobre o manejo do fim de vida. Um estudo demonstrou que as pessoas
mudam as decisões de cuidados sobre o fim de vida com base na percepção de prog-
nóstico23, com redução da aceitação de manobras de ressuscitação cardiopulmonar de
41% para 22% em idosos informados sobre as chances de sobrevida em um ano após
o procedimento.

Planejamento do Cuidado de Fim de Vida


O planejamento do cuidado de fim de vida é um processo de comunicação entre o
paciente, a família/amigos e a equipe de assistência, com a finalidade de identificar
prospectivamente um cuidador principal, clarificar as preferências de tratamento e
desenvolver metas individualizadas de cuidados perto do fim da vida24. As Diretivas
Antecipadas de Vontade (por exemplo, testamentos de vida, poderes duradouros para
cuidados de saúde por um cuidador específico) são documentos legais com capacida-
des que podem ajudar nesse processo.
Se a equipe de saúde diagnostica que o paciente está na fase de morte ativa, então,
isso deve ser comunicado ao paciente, se for o caso, e aos parentes da maneira mais
empática possível, respeitando-se o quanto pacientes e familiares desejam saber.
Os objetivos desse planejamento são:
• melhorar a educação do paciente e da família sobre sua doença, incluindo prog-
nóstico e prováveis ​​resultados de planos de cuidados alternativos;
• definir as principais prioridades no cuidado de fim de vida e desenvolver um
plano de atendimento que aborde essas questões;
• capacitar a equipe de assistência para atender às preferências e aos valores
do paciente;
• ajudar os pacientes a encontrarem esperança e significado na vida e auxiliar na
busca de uma sensação de paz espiritual;
• fortalecer relacionamentos com seus entes queridos.

Assistência ao Fim da Vida: Identificação e Manejo | 233


O processo de planejamento do cuidado de fim de vida deve ser sensível a con-
textos de doenças, gênero, idade, condição social e cultural. Fornecer oportunidades
para discutir problemas de fim de vida não significa que todos desejarão ou poderão
fazê-lo nesse momento. O planejamento do cuidado de fim de vida é um processo em
evolução que exige uma quantidade variável de tempo para ser eficaz. Os pacientes
muitas vezes precisam de tempo para refletir sobre a informação e como isso afeta
suas vidas25.

Quadro Clínico Observado


Inicialmente, as pessoas tendem a ficar mais tempo restritas ao leito, o interesse ou
a capacidade de beber e comer diminuem e mudanças cognitivas, caracterizadas pelo
aumento do tempo de sono e delirium, estão presentes. Posteriormente, ocorre um
declínio mais acelerado do quadro cognitivo, em que o indivíduo se torna mais lento
para despertar com estímulos, com breves períodos de vigília. Na fase mais avançada,
pode surgir hipersecreção nas vias áreas (“sororoca”), sonolência profunda e um pa-
drão respiratório alterado (períodos de apneia ou respiração irregular).
A capacidade de fazer o diagnóstico de morte ativa com confiança é de grande
importância porque muitas decisões nessa fase são críticas, porém, é difícil para
os médicos diagnosticarem a morte ativa com antecedência. Embora a presen-
ça de sinais tardios sugira fortemente que a morte é iminente, esses sinais são
observados com relativa pouca frequência e apenas nos últimos dias de vida. É
importante ressaltar que sua ausência não pode excluir a possibilidade de que o
paciente morra em breve, porque sua sensibilidade é baixa. Um estudo avaliou
sistematicamente a frequência e o aparecimento de sinais clínicos, dividindo-os
em duas categorias: sinais precoces e tardios. Observados com relativa frequência,
os sinais iniciais incluem diminuição do estado de desempenho, diminuição da
ingestão oral e diminuição do nível de consciência. Por causa de sua baixa espe-
cificidade, esses sinais não podem prever, de forma confiável, a morte iminente
em três dias. Em contraste, sinais tardios surgiram apenas nos últimos dias de
vida em uma proporção menor de pacientes e apresentaram maior frequência para
morte iminente em três dias: ausência de pulso da artéria radial, respiração com
movimento mandibular, respiração de Cheyne-Stokes, diminuição do débito uri-
nário e respiração ruidosa (sororoca)26. Outro estudo observou que a presença de
pontuação na escala PPS ≤ 20% e a queda da dobra nasolabial (que se tornam
menos proeminentes em razão da perda do tônus muscular facial) têm uma corre-
lação de óbito em três dias de 94%27.
Embora a maior parte dos estudos tendam a identificar preditores relacionados
com o quadro de terminalidade de pacientes, alguns pacientes também podem morrer
subitamente28. Em um estudo em que se avaliou a frequência de “morte súbita”, defini-
da como a pontuação de KPS abaixo de 50 ou mais nos últimos sete dias de vida e sem
que uma fase fosse registrada como terminal, o óbito inesperado ocorreu na avaliação
dos médicos e enfermeiros em 10% de todos os óbitos registrados. Preditores inde-
pendentes de “morte súbita” foram câncer de pulmão (odds ratio [OR] 2,64), doença
cardiovascular (OR 1,94), outros cânceres (OR 1,63), sexo masculino (OR 1,23), jovem,

234 | Dor e Cuidados Paliativos


fadiga (OR 1,12) e dispneia (1,07). A morte súbita foi associada a maiores taxas de óbito
em casa (OR 3,2; IC de 95%: 2,9-3,6)29.
Além dessas mudanças fisiológicas, sinais vitais como frequência cardíaca, pres-
são sanguínea, frequência respiratória, saturação de oxigênio e temperatura tam-
bém podem fornecer informação sobre o estado de saúde do paciente30. Um estudo
prospectivo, longitudinal e observacional acompanhou 357 indivíduos admitidos em
unidades de cuidados paliativos com câncer em fase avançada, e 203 (57%) faleceram
na internação hospitalar. Apesar de a pressão arterial e a saturação de oxigênio terem
diminuído nos últimos dias de vida, uma grande proporção deles tinha sinais vitais
normais nessa fase. Os achados não dão suporte ao monitoramento rotineiro dos si-
nais vitais de pacientes que estão morrendo31.
O elemento mais importante no diagnóstico de morte ativa é que os membros
da equipe multiprofissional que estejam cuidando do paciente concordem que ele
provavelmente morrerá. Caso estejam em desacordo, mensagens misturadas e ob-
jetivos difusos de cuidados poderão afetar o plano de cuidado e determinar uma
comunicação confusa15.
As principais recomendações para o contexto de fim de vida são da equipe médica:
• avaliar tratamentos já realizados e funcionalidade prévia do paciente;
• considerar o diagnóstico do paciente visando identificar, prevenir e melhorar
sintomas característicos da evolução de cada doença;
• orientar familiares e equipe quanto aos objetivos dos cuidados prestados nesse
momento, que devem visar ao conforto;
• rever quais são as medicações essenciais para o controle dos sintomas apresentados;
• suspender medicações e procedimentos desproporcionais ao quadro e priorizar
medicações essenciais;
• limitar a verificação de sinais vitais (SSVV) para uma vez por dia, por plantão
ou de acordo com a necessidade de cada paciente;
• evitar a prescrição de hidratação em grandes volumes, prevenindo a hipersecre-
ção de vias aéreas superiores, edema, anasarca e/ou desconforto respiratório;
• prescrever medicações para serem administradas “se necessário”, visando pre-
venir sintomas desagradáveis;
• avaliar a possibilidade de prescrever dieta de conforto ao paciente e, sempre
que necessário, orientar quanto ao jejum;
• analgésicos deverão ser mantidos, bem como antieméticos, ansiolíticos, antip-
sicóticos e anticonvulsivantes. A via de administração desses medicamentos
deve ser discutida em equipe.

Outros profissionais da equipe de saúde, além de médicos e enfermeiros, têm


importância relevante no manejo do quadro de terminalidade, garantindo um pro-
cesso de fim de vida adequado, com sintomas mais controlados, menores intercor-
rências e alívio do sofrimento. É importante considerar que nem sempre é possível
atingir o controle efetivo dos sintomas desagradáveis apresentados pelo paciente,

Assistência ao Fim da Vida: Identificação e Manejo | 235


pois, às vezes, é impossível abordar questões relacionadas com o sofrimento psí-
quico, espiritual e/ou existencial. Além disso, nem todos os pacientes evoluem com
sintomas controlados nas últimas horas, apesar do tratamento otimizado, podendo
apresentar sintomas de difícil manejo e que são desagradáveis principalmente para
os familiares que os presenciam.

Manejo de Sintomas
O manejo de sintomas exacerbados é contexto fundamental para um quadro de
terminalidade com menor sofrimento, suavizando a agonia final, além de evitar trata-
mentos que possam ser considerados fúteis nessa fase. Os sintomas mais indicativos
dessa fase e sua conduta são descritos a seguir.
Anorexia: no processo de morte ativa as atividades metabólicas diminuem, oca-
sionando uma perda de apetite natural. O indivíduo nesse processo pode não ter ne-
nhuma ingesta de alimentos, e a aceitação de líquidos se torna progressivamente mais
difícil. Forçar a alimentação por meio do uso de sondas enterais pode ser considerado
uma medida fútil ou até danosa. A administração de nutrição artificial, tanto enteral
quanto parenteral, está associada a comorbidades e não contribui para o alívio de ne-
nhum sintoma ou reversão do quadro. Hidratar os lábios com gaze molhada ou cubos
de gelo pode trazer mais conforto32.
Dor: uma morte livre de dor é um tema central para pacientes, familiares e a
equipe de assistência ao definir uma “boa morte”33 , e a dor é um sofrimento comum
no morrer34 . Uma revisão identificou apenas dois estudos sobre o tratamento da
dor na morte ativa, que abordaram o uso de morfina e fentanila, mas a interpreta-
ção dos resultados é variável, limitando sua contribuição para evidências. Estudos
de opioides em populações que estão morrendo são desafiadores. É claramente es-
perado um efeito analgésico de opioides, tornando os grupos controlados com pla-
cebo eticamente injustificados. No entanto, problemas de absorção alterada, meta-
bolismo e eliminação de opioides em pacientes que estão morrendo podem afetar a
eficácia do tratamento e os perfis de efeito adverso35,36. Embora a sedação paliativa
possa ser indicada para dor refratária, a dor descontrolada não foi uma indicação
em muitos trabalhos37.
Delirium: o delirium é uma alteração aguda e flutuante no estado mental,
acompanhada de interrupção do ciclo sono/vigília, desatenção e percepções alte-
radas (alucinações/delírios). O delirium pode ser hipoativo ou hiperativo e muitas
vezes multifatorial1. A causa identificável mais comum de delirium no ambiente
hospitalar são os fármacos: anticolinérgicos (p. ex., fármacos antissecretórios,
antieméticos, anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos etc.), os sedativo-hip-
nóticos (p. ex., benzodiazepínicos) e os opioides. Outras causas comuns incluem
distúrbios metabólicos (elevação de sódio ou cálcio, baixa glicose ou oxigênio),
infecções, doenças do SNC ou retirada de droga/álcool. O medicamento de es-
colha para controle do quadro na maioria dos pacientes é um eurocéptico. Um
estudo de revisão encontrou evidências limitadas que apoiam o uso de midazolam
e clorpromazina para agitação terminal38 em dois estudos de sedação paliativa 37.
Nenhum estudo relatou especificamente sobre efeitos adversos nem sobrevida re-

236 | Dor e Cuidados Paliativos


duzida associada ao uso de midazolam para sedação paliativa. Outro trabalho de
revisão concluiu que a sedação paliativa não acelerou a morte, uma preocupação
ética central39.
Dispneia: as causas da dispneia incluem um amplo espectro de graves doenças
pulmonares ou cardíacas, anemia, ansiedade, patologia da parede torácica, dis-
túrbios eletrolíticos ou até mesmo retenção urinária ou constipação. O oxigênio é
frequente, mas não universalmente útil. Existem evidências sobre o uso de mor-
fina e midazolam, especialmente em combinação, para o tratamento da dispneia
em pacientes em morte ativa, e não há evidências que apoiem o uso de fentanil38.
Os efeitos adversos associados ao uso da terapia medicamentosa paliativa para a
dispneia incluem sonolência, náuseas e vômitos com opioides e sonolência com ben-
zodiazepínicos40,41. No entanto, a segurança dos opioides para o alívio da dispneia
foi comprovada em uma revisão sistemática 42, não encontrando comprometimento
da função respiratória. Tratamentos com outros fármacos podem ser utilizados: os
antitussígenos podem ajudar com a tosse; os anticolinérgicos (p. ex., escopolamina)
auxiliarão a reduzir as secreções; os ansiolíticos (p. ex., lorazepam) podem reduzir o
componente de ansiedade da dispneia 43.
Hipersecreção (sororoca): à medida que o nível de consciência diminui no
processo de morte ativa os indivíduos perdem sua capacidade de engolir e mobilizar
secreções orais; com isso, o ar se move sobre as secreções acumuladas e a turbu-
lência resultante produz uma ventilação barulhenta com cada respiração, descrita
como “sororoca” ou “ronco da morte”. Medidas para controlar o quadro incluem
posicionar o paciente de lado ou em posição semiprona para facilitar a drenagem
postural, reduzir a ingestão de líquidos e aumentar os cuidadores e a comunica-
ção com a família, para abordar medos e interpretações errôneas associadas. Os
bloqueadores dos receptores muscarínicos (fármacos anticolinérgicos) são a classe
de medicação mais utilizada para esse sintoma, porem, não foram encontradas evi-
dências que apoiem o uso de anticolinérgicos, visto não serem mais eficazes que
placebo nos estudos. A sororoca é um sintoma com impacto incerto sobre o paciente,
não associado a dificuldade respiratória no paciente, mas difícil de suportar para
familiares e funcionários44-46,47. Na ausência de evidências e com incerteza quanto à
necessidade de seu tratamento, a comunicação reconfortante com os parentes mais
próximos pode ser preferível44,47.
O manejo do quadro de terminalidade requer trabalho integrado da equipe, de for-
ma minuciosa, considerando a racionalidade terapêutica e as singularidades de cada
paciente e sua família. O medo, a tristeza, a saudade, a angústia de familiares e de
membros da equipe não devem ser desconsiderados ou tratados apenas com medica-
mentos. A decisão sobre o local da morte, seja em hospital ou em domicílio, deve ser
feita em conjunto com a família, previamente discutida com a equipe e consideradas
as condições e os recursos de apoio, como estrutura domiciliar, familiar e do cuidador.
O auxílio de um assistente espiritual pode ser importante para o conforto da família,
respeitando os preceitos religiosos, as crenças e a história de vida do paciente48. Ga-
rantir uma boa morte a todos é, portanto, um grande desafio não só para os profissio-
nais de saúde, mas também para a sociedade.

Assistência ao Fim da Vida: Identificação e Manejo | 237


Referências
1. Breitbart W. Alici Y. Agitation and delirium at the end of life: “We couldn’t manage him”. JAMA,
2008; 300:2898-910, E1.
2. Rousseau P. Management of symptoms in the actively dying patient. In: Berger AM, Portenoy RK,
Weissman DE (Ed.). Principles and practice of palliative care and supportive oncology. Philadelphia:
Lippincott, Williams, & Wilkins, 2002. p. 789-98
3. Lunney JR, Lynn J, Foley DJ et al., Patterns of functional decline at the end of life. JAMA, 2003;
289:2387-92.
4. Gill TM, Gahbauer EA, Han L et al. The role of intervening hospital admissions on trajectories of
disability in the last year of life: prospective cohort study of older people. BMJ, 2015; 350:h2361.
5. Steinhauser KE, Arnold RM, Olsen MK et al. Comparing three life-limiting diseases: does diagnosis
matter or is sick, sick? J Pain Symptom Manage, 2011; 42:331- 41.
6. Seow H, Barbera L, Sutradhar R et al. Trajectory of performance status and symptom scores for
patients with cancer during the last six months of life. J Clin Oncol, 2011; 29:1151-8.
7. Tang ST, Liu LN, Lin KC et al. Trajectories of the multidimensional dying experience for terminally
ill cancer patients. J Pain Symptom Manage, 2014; 48:863-74.
8. Teno JM, Weitzen S, Fennell ML et al. Dying trajectory in the last year of life: does cancer trajectory
fit other diseases? J Palliat Med, 2001; 4:457-64.
9. Murray SA, Kendall M, Grant E et al. Patterns of social, psychological, and spiritual decline toward
the end of life in lung cancer and heart failure. J Pain Symptom Manage, 2007; 34:393-402.
10. Lunney JR, Lynn J, Hogan C. Profiles of older medicare decedents. J Am Geriatr Soc, 2002; 50:1108-12.
11. Kendall M, Carduff E, Lloyd A et al. Different experiences and goals in different advanced diseases:
comparing serial interviews with patients with cancer, organ failure, or frailty and their family and
professional carers. J Pain Symptom Manage, 2015; 50:216-24.
12. Kheirbek RE, Alemi F, Citron BA et al. Trajectory of illness for patients with congestive heart failure.
J Palliat Med, 2013; 16:478-84.
13. Burton AM, Haley WE, Small BJ. Bereavement after caregiving or unexpected death: effects on
elderly spouses. Aging Ment Health, 2006; 10:319-26.
14. Kristensen P, Weisaeth L, Heir T. Bereavement and mental health after sudden and violent losses: a
review. Psychiatry, 2012; 75:76-97.
15. Ellershaw J, Ward C. Care of the dying patient: the last hours or days of life. BMJ, 2003; 326:30-4.
16. Vanbutsele G, Pardon K, Van Belle S et al. Effect of early and systematic integration of palliative
care in patients with advanced cancer: a randomised controlled trial. Lancet Oncol, 2018. [no prelo]
17. Parikh RB, Kirch RA, Smith TJ et al. Early specialty palliative care - translating data in oncology
into practice. N Engl J Med, 2013; 369:2347-51.
18. Temel JS, Greer JA, Muzikansky A et al. Early palliative care for patients with metastatic non-small-
-cell lung cancer. N Engl J Med, 2010; 363:733-42.
19. Hamano J, Morita T, Inoue S et al. Surprise questions for survival prediction in patients with advan-
ced cancer: a multicenter prospective cohort study. Oncologist, 2015; 20:839-44.
20. Hudson KE, Wolf SP, Samsa GP et al. The surprise question and identification of palliative care
needs among hospitalized patients with advanced hematologic or solid malignancies. J Palliat Med,
2018. [no prelo]
21. Christakis NA, Lamont EB. Extent and determinants of error in doctors’ prognoses in terminally ill
patients: prospective cohort study. BMJ, 2000; 320:469-72.
22. A controlled trial to improve care for seriously ill hospitalized patients. The study to understand
prognoses and preferences for outcomes and risks of treatments (SUPPORT). The SUPPORT Princi-
pal Investigators. JAMA, 1995; 274:1591-8.
23. Murphy DJ, Burrows D, Santilli S et al. The influence of the probability of survival on patients’
preferences regarding cardiopulmonary resuscitation. N Engl J Med, 1994; 330:545-9.

238 | Dor e Cuidados Paliativos


24. Briggs L. Shifting the focus of advance care planning: using an in-depth interview to build and
strengthen relationships. J Palliat Med, 2004; 7:341-9.
25. Johnston SC, Pfeifer MP, McNutt R. The discussion about advance directives. Patient and physician
opinions regarding when and how it should be conducted. End of Life Study Group. Arch Intern
Med, 1995; 155:1025-30.
26. Hui D, Santos R, Chisholm G et al. Clinical signs of impending death in cancer patients. Oncologist,
2014; 19:681-7.
27. Hui D, Hess K, Santos R et al. A diagnostic model for impending death in cancer patients: prelimi-
nary report. Cancer, 2015; 121:3914-21.
28. Mercadante S, Ferrera P, Casuccio A. unexpected death on an acute palliative care unit. J Pain
Symptom Manage, 2016; 51:e1-2.
29. Ekstrom M, Vergo MT, Ahmadi Z et al. Prevalence of sudden death in palliative care: data from the
Australian Palliative Care Outcomes Collaboration. J Pain Symptom Manage, 2016; 52: 221-7.
30. Vigano A, Bruera E, Jhangri GS et al. Clinical survival predictors in patients with advanced cancer.
Arch Intern Med, 2000; 160:861-8.
31. Bruera S, Chisholm G, Santos R et al. Variations in vital signs in the last days of life in patients with
advanced cancer. J Pain Symptom Manage, 2014; 48:510-7.
32. Adam J. ABC of palliative care. The last 48 hours. BMJ, 1997; 315:1600-3.
33. Meier EA, Gallegos JV, Thomas LP et al. Defining a good death (successful dying): literature review
and a call for research and public dialogue. Am J Geriatr Psychiatry, 2016; 24:261-71.
34. Kehl KA. Kowalkowski JA. A systematic review of the prevalence of signs of impending death and
symptoms in the last 2 weeks of life. Am J Hosp Palliat Care, 2013; 30:601-16.
35. Franken LG, Winter BC, van Esch HJ et al. Pharmacokinetic considerations and recommendations
in palliative care, with focus on morphine, midazolam and haloperidol. Expert Opin Drug Metab
Toxicol, 2016; 12:669-80.
36. Franken LG, Masman AD, Winter BC et al. Pharmacokinetics of morphine, morphine-3-glucu-
ronide and morphine-6-glucuronide in terminally ill adult patients. Clin Pharmacokinet, 2016;
55:697-709.
37. Mercadante S,Intravaia G, Villari P et al. Controlled sedation for refractory symptoms in dying pa-
tients. J Pain Symptom Manage, 2009; 37:771-9.
38. Jansen K, Haugen DF, Pont L et al. Safety and effectiveness of palliative drug treatment in the last
days of life. A systematic literature review. J Pain Symptom Manage, 2018; 55:508-521.e3.
39. Beller EM, van Driel ML, McGregor L et al. Palliative pharmacological sedation for terminally ill
adults. Cochrane Database Syst Rev, 2015; 1:CD010206.
40. Barnes H, McDonald J, Smallwood N et al. Opioids for the palliation of refractory breathless-
ness in adults with advanced disease and terminal illness. Cochrane Database Syst Rev, 2016;
3:CD011008.
41. Simon ST, Higginson IJ, Booth S et al. Benzodiazepines for the relief of breathlessness in advanced
malignant and non-malignant diseases in adults. Cochrane Database Syst Rev, 2016; 10:CD007354.
42. Lopez-Saca JM, Centeno C. Opioids prescription for symptoms relief and the impact on respiratory
function: updated evidence. Curr Opin Support Palliat Care, 2014; 8:383-90.
43. Viola R, Kiteley C, Lloyd NS et al., The management of dyspnea in cancer patients: a systematic
review. Support Care Cancer, 2008; 16:329-37.
44. Ciemins EL, Brant J, Kersten D et al. A qualitative analysis of patient and family perspectives of
palliative care. J Palliat Med, 2015; 18:282-5.
45. Wee B, Coleman P, Hillier S et al. Death rattle: its impact on staff and volunteers in palliative care.
Palliat Med, 2008; 22:173-6.
46. Wee BL, Coleman PG, Hillier R et al. The sound of death rattle I: are relatives distressed by hearing
this sound? Palliat Med, 2006; 20:171-5.

Assistência ao Fim da Vida: Identificação e Manejo | 239


47. Fosse A,Schaufel MA, Ruths S et al. End-of-life expectations and experiences among nursing
home patients and their relatives-a synthesis of qualitative studies. Patient Educ Couns, 2014;
97: 3-9.
48. Américo AFQ. As últimas quarenta e oito horas de vida. In: Carvalho RT, Parsons HÁ (Org.). Manual
de cuidados paliativos ANCP. 2.ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos, 2012. p.
533-43.

240 | Dor e Cuidados Paliativos

Potrebbero piacerti anche