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Curitiba
2004
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Dedicado à Krishna, que era músico.
3
Agradecimentos: A Deus, a meu pai
Gilberto e minha mãe Maria, ao meu
irmão Hugo. À Ligia Larysa que me
ajudou muito no início. À turma da pós
que me escolheu como monitor, a Cris
Lemos e Lydio Roberto que aceitaram
me orientar. À Vinyl Club, nas pessoas
de Marco e Jardel.
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Sumário
Introdução_________________________________________________________07
Rock_____________________________________________________________12
Tropicalismo______________________________________________________ 25
Bibliografia_______________________________________________________52
Discografia_______________________________________________________54
5
Resumo
Este trabalho apresenta algumas considerações sobre as relações entre o rock e
a música brasileira sobre o ponto de vista estético, que abrange o período de
1963 à 1973 considerado o mais criativo. Procuramos abordar os artistas mais
conhecidos do grande público e que buscaram uma terceira linguagem, assim
como se deu com a Bossa Nova, que simplificando, uniu o jazz e o samba. Por
outro lado este período foi justamente o que viu nascer a MMPB – Moderna
Música Popular Brasileira – que pouco depois abreviou-se em MPB, um
movimento que na época além de musical era também político. Além disso
havia os interesses de uma indústria fonográfica que na sua maioria não era
nacional. Essas relações geraram uma música brasileira que resistiu a
definições e que ficou conhecida mais pelos seus intérpretes, do que por
características uniformes.
Abstract
This research present some thoughts about the relations between rock’n’roll
and brazilian music about point of view aesthetic, which include the period
between 1963 to 1973 considered the most creative. We tackle the artists who
search a third language, like happen in the Bossa Nova, in short, it mixed
together jazz and samba. On the other hand this period was where it was born
the Modern Brazilian Popular Music which then if changed in Brazilian
Popular Music an activity which in the age besides musical it was also
political. Moreover there were the interests of a records industry which wasn’t
national. This relations produced a brazilian music which resist to definitions
and also became known more through the them artists than trough them
uniforms characteristics.
Key – Words : Brazil – Popular Music, Rock’n’Roll, Brazil – Popular Culture,
Records Industry, Brazil – Political Years of 1960.
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1 INTRODUÇÃO:
1
Existiram algumas tentativas nos anos 1950. Uma delas foi com o compositor Gordurinha, autor de
vários sucessos, entre eles chiclete com banana cujos versos “só ponho bebop (um dos nomes dados aos
primeiros desenvolvimentos do jazz moderno nos anos 1940 – consequentemente seus traços apareceram
no rock) no meu samba quando o Tio Sam tocar no tamborim” ecoaram na voz de Jackson do Pandeiro.
Segundo Tárik de Souza na Revista ShowBizz ano 15 nº 01 de janeiro de 1999 Gordurinha “(...) antecipa
uma fusão abordada sempre com ambigüidade ao longo da chamada Linha Evolutiva da MPB. Desde o
samba boogie-woogie na favela (do paulista Denis Brean, de 1945), o baião bibape do Ceará (Catulo de
Paula/Carlos Garlindo de 1955), até a Bossa Nova influência do jazz (Carlos Lyra, de 1962), questiona-
se a mistura – misturando. Também foi prenunciador de Raul Seixas, no rock ‘Tô doido prá ficar maluco’
(Rodrigues da Silva/Ataíde Pereira)” p. 27.
7
rebeldes eram associados à MPB e o Rock era associado à direita, à Ditadura Militar.
(NAPOLITANO, 2001)
Por outro lado precisa-se dizer que nem tudo era idealismo ou
conservadorismo e que nem todos saíam de camisa aberta contra ou a favor do
sistema, por trás de tudo isso havia a indústria cultural. Essa indústria começou a
aparecer na segunda metade do século XIX e se baseava numa economia de mercado
base do capitalismo que ainda hoje se conhece, COELHO T. (1995; p.10) nos dá
respaldo:
8
massa. Porém conforme COELHO T. (1995; p. 15-16) “ (...) quando se tenta
catalogar os produtos típicos da masscult (cultura de massa) não há facilidades (...)
os admiradores do rock jamais chamariam de masscult uma forma musical que já
teve caráter contestatório.”
Então tem-se a seguinte questão, rock e MPB são cultura de massa? Apesar
do discurso inicial dessas duas estéticas musicais e de seu engajamento político e
social, se não foram cultura de massa desde o início se tornaram pouco depois, e é
simples explicar porquê. O rock’n’roll que em sua essência era um ritmo negro norte
– americano, após alguns anos deixou de representar seu povo e passou a ser
associado a brancos cabeludos, carros, jeans e guitarras elétricas (com raras
exceções) donos de uma rebeldia que para muitos não tinha causa. E as canções de
protesto de Bob Dylan por exemplo, nos anos 60 não resolveu a vida dos proletários
americanos mas resolveu a vida do próprio Dylan.
No Brasil a MPB não foi responsável pela queda do regime militar (apesar
de muitas canções revelarem um teor de descontentamento com a situação política) e
também não chegou a ser trilha sonora de revolução nenhuma. O regime prendeu e
extraditou seus líderes, ou os mais em evidência como Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Geraldo Vandré, Raul Seixas...
Então porquê o rock e a MPB sobreviveram? Porque a indústria fonográfica
retirou no momento oportuno suas características mais contestatórias, nem todos os
consumidores norte – americanos estavam interessados nas formas de expressão
musical dos negros e nem todos os brasileiros queriam derrubar o regime militar.
Estavam mais preocupados com seus próprios problemas, mas queriam consumir,
principalmente aquilo que se caracterizasse como novo2.
Outro aspecto que ajudou na sobrevida destas estéticas musicais foi o fato
delas terem atravessado suas classes sociais de origem. Houve uma valorização de
quem podia comprar esses ‘produtos’ através de constatações literárias, históricas e
naturalmente estéticas, COELHO T. (1995; p. 17) esclarece que:
2
Para obter-se mais informações, num sistema de analogia, sugerimos a leitura do livro Moda e pop
music – Transcendências do Consumo de Tupã Gomes Corrêa, Instituto da Moda/CEM Livros, São
Paulo, 2000.
9
(...) não é possível, hoje, alguém dizer que músicas e letras dos Beatles são mero
refugo estético. (...) deve-se lembrar que freqüentemente, na história, a passagem
de um produto cultural de uma categoria inferior para outra superior é apenas
questão de tempo. É o casso do jazz, que saiu dos bordéis e favelas negras para as
platéias brancas dos teatros municipais da vida.
Não se sabe bem o que é massa. Ora é o povo, excluindo-se a classe dominante.
Ora são todos. Ou é uma entidade digna de exaltação, à qual todos querem
pertencer; ou um conjunto amorfo de indivíduos sem vontade. Pode surgir como
um aglomerado heterogêneo de indivíduos, para alguns autores, ou como entidade
absolutamente homogênea para outros. O resultado é que o termo ‘massa’ acaba
sendo utilizado quase sempre conotativamente quando deveria sê-lo
denotativamente, com um sentido fixado, normalizado.
Seja como for, o fato é que, novamente segundo COELHO T. (1995; p.28),
existem ainda hoje dois posicionamentos em relação a indústria cultural; de um lado
os partidários da linha de pensamento de Adorno e Horkheimer (filósofos da Escola
de Frankfurt que definiram o termo ‘indústria cultural’ na década de 1940) que essa
indústria promoveu a alienação do homem. E os que acreditam que essa indústria é
um primeiro passo para a democratização da cultura – ao disponibilizá-la para a
massa. Porém, o autor alertou para os caminhos que se deve tomar para chegar a
uma eventual conclusão: “um deles consiste em examinar o quê diz ou faz a
indústria cultural. O outro opta por saber, não o que é dito ou feito, mas como é dito
ou feito.”
Entretanto, precisa-se dizer que os produtos da indústria cultural, de
maneira geral visavam o prazer do consumidor, e que os teóricos da Escola de
Frankfurt viam a indústria cultural como indústria da diversão, e a criticavam entre
outras coisas, por proporcionarem um falso prazer. COELHO T. (1995; p.31) afirma
que a política do ‘falso prazer’ interessou aos governos de direita: “ (...) é de direita,
sem dúvida, na medida em que para a direita sempre interessou o controle do prazer
10
em benefício da produtividade capaz de gerar lucros e mais lucros.” Por outro lado,
os críticos são ainda mais exigentes quando se trata do engajamento da TV ou do
rádio e esquecem-se dela com a dita cultura superior, enfim, tudo parece uma
questão de pesos e medidas
De qualquer forma, torna-se inegável a influência do rock na música
popular de boa parte do mundo. Essa comprovação requer um pouco de pesquisa
mas encontrar-se-á rock em Israel ou no Japão. Às vezes pode-se encontrar o rock
com características de alguma parte dos EUA feito, digamos, na Austrália e outras
vezes amalgamado com ritmos locais, como aconteceu no Brasil. Muitos atribuíram
esse fenômeno à globalização. Retornando à COELHO T. (1995; p.48) que diz que:
“o próprio Marx já havia previsto que graças ao desenvolvimento da tecnologia, as
culturas nacionais acabariam por apresentar um número cada vez maior de traços em
comum, a caminho de uma eventual cultura universal.”
É interessante notar que nesta dialética musical do nacional versus
estrangeiro o justo seria que ambos apontassem na direção de uma terceira
linguagem e não no predomínio de uma sobre a outra. No caso da Bossa Nova a
dialética jazz-samba apontou na direção de uma outra linguagem e isto foi um traço
marcante da cultura brasileira, ou seja, uma permeação de elementos de culturas
estrangeiras com elementos da cultura nacional.
No caso da dialética rock - MPB será que apontou-se para uma terceira
linguagem? Ou houve o predomínio de uma sobre a outra? Será que o chamado rock
brasileiro é essa terceira linguagem? Ou é um reflexo de uma cultura colonizada?
Não é fácil responder tais questões sem suscitar polêmicas e discussões acaloradas, e
não se pode esquecer que a música popular foi (e ainda é) um produto que segue a
regras não somente musicais, mas também políticas, econômicas, sociais e até
religiosas.
Este trabalho traçou o caminho de alguns artistas mais conhecidos do
público que se ocuparam nesta tarefa de amalgamar rock e MPB. A metodologia se
fez através de pesquisa bibliográfica sobre a origem do rock e a sua chegada ao
Brasil, posteriormente foi feita uma análise do disco mais representativo da estética
rock mais MPB na carreira dos artistas citados, sempre com base em livros, revistas
ou artigos escritos sobre o disco, acompanhado de uma audição atenta.
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Intrinsecamente a esta análise discorremos sobre a formação da estética MPB que
começou bem depois da chegada do rock no Brasil.
12
2 ROCK
A música é rock around the clock, o filme é The blackboard jungle – Sementes
da violência no Brasil – a banda é Bill Haley and his Comets e o ano é 1955. DAPIEVE
(2000; p.11) afirma que: “O filme (...) dirigido por Richard Brooks (...) trazia o
professor Glenn Ford às voltas com uma turma rebelde numa escola de Nova York.
Aqui e alhures, o entusiasmo com esse confronto que sinalizava a emergência da cultura
jovem ocasionou quebra-quebras nos cinemas (...)”.
Com base nesta afirmação pode-se concordar que o enredo do filme trazia
intrinsecamente algo de realidade, afinal a arte imita a vida em alguns aspectos.
Porém, é apropriado deixarmos de lado os exageros da ficção, porque no máximo
pode-se admitir que havia um mal estar no relacionamento hierárquico educacional em
algumas escolas de determinada área de Nova York, ou em qualquer outra grande
cidade norte americana. Os quebra-quebras nos cinemas “aqui e alhures” demonstra
que, provavelmente o problema não fosse exclusividade deles.
Por outro lado, pensa-se que a autoridade do professor representa em parte,
uma continuação da autoridade dos pais e analisando esta situação hipotética pouco
realista pode-se acreditar que alguns alunos dessas escolas também questionassem a
autoridade de seus pais. FRIEDLANDER (2002; p.47) fala sobre esse questionamento,
vale a pena a longa citação:
Pais, professores e pastores, todos dizendo que o rock’n’roll era ruim para eles. Mas,
deitados na cama encolhidos com seus rádios ou depois da escola na casa dos amigos,
os jovens sabiam que ouvir rock’n’roll os fazia sentir-se bem. Pai e mãe, caso
falassem no assunto de alguma maneira, diziam que as canções com letras de duplo
sentido falando de amor e sexo eram erradas. Entretanto, uma vez que os pais
pareciam envolvidos na atividade sexual que eles proibiam para a sua prole
adolescente, o que diziam parecia ser um típico “faça o que eu digo mas não faça o
que eu faço”. A vida para os adolescentes estava começando a perder sua segura
previsibilidade. A infalibilidade da família e a honra da sociedade estavam em jogo, e
talvez o papai não soubesse tanto assim de tudo.
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Portanto o rock, através da trilha sonora do filme supracitado, via-se envolvido
em violência e contestação logo no começo de carreira e agora FRIEDLANDER
revelou também o envolvimento de questões sexuais, um assunto ainda tabu para os
adolescentes na América dos anos 1950, e para piorar o conceito desse “novo” ritmo ele
possuía influências muito fortes da música negra e a maioria desses alunos rebeldes
eram brancos de classe média.
É notória a questão racial nos EUA, negros e brancos não se entendiam e nos
anos 1950/1960 o conflito era intenso. Um dos líderes pela busca dos direitos civis dos
negros foi o jovem reverendo Martin Luther King Jr. que mais tarde acabou sendo
assassinado.
2.2 AS ORIGENS
Nos anos 50, o rock’n’roll dos primeiros tempos, (também chamado rock
clássico, representado por artistas como Bill Haley, Fats Domino, Chuck Berry etc.) era
formado basicamente por dois estilos musicais, o rhythm’n’blues e o country.
FRIEDLANDER (2002; p.34) disse sobre a formação do rhythm’n’blues: “No final dos
anos 1940, visionários da música negra transformaram os elementos do blues3 do gospel4 e
do jump band jazz5 no estilo conhecido como rhythm’n’blues. Essa fusão tornou-se mais
tarde a base para a primeira era do rock, o rock’n’roll clássico.”
E sobre a formação do country SHUKER (1999; p.81) apud MALONE (1985;
p.1) afirmou que: “O gênero resiste a uma definição exata, e nenhum termo (nem
mesmo country) conseguiu captar sua essência com êxito”.
SHUKER ainda esclareceu que o gênero remontou ao mundo rural (sobretudo
de brancos pobres) do sul dos EUA nos anos 1920. Porém o country que ajudou a
3
Gênero musical maior, o blues exerceu grande influência na música popular norte americana. Suas
origens são o amálgama do gospel com as work songs (canções entoadas ritmicamente durante o trabalho
dos escravos, especialmente nas plantações de algodão do sul dos EUA). Inicialmente parte fundamental
da música negra tradicional, que surgiu no início do século XX nos EUA, abrange diversos subgêneros,
que podem ser localizados histórica e geograficamente.
4
Canções, na maioria vocais, de cunho religioso (protestante) entre os negros norte americanos, que teve
início nos anos 1920, era o estilo negro de interpretar os hinos religiosos dos brancos. Descende dos
spirituals que eram cânticos usados por eles no século XIX, canções também de inspiração religiosa, mas
de temática mundana.
5
O Gênero emergiu no rastro do fim da era das grandes bandas (Big-Bands) no final da Segunda Guerra
Mundial; um estilo animado com um conjunto formado por cinco ou seis instrumentos e um saxofone
proeminente. Um nome importante do jump band jazz foi Louis Jordan e os Timpani Five (ou six).
14
formatar o rock foi o country “moderno” que falava de infidelidade sexual e bebedeiras
(muitas vezes os mesmos temas do rhythm’n’blues) que fazia oposição às canções
melosas e rimadinhas de histórias fantasiosas feitas para brancos “conservadores”. Este
country “moderno” aproximou negros e brancos pobres “degredados”.
(FRIEDLANDER, 2000)
Foram muitos os músicos que aproximaram o rhythm’n’blues do country, tanto
negros quanto brancos, mas talvez por razões raciais, foi o branco Bill Haley o primeiro
a atingir o estrelato com o novo ritmo. FRIEDLANDER (2002; p.52) explica como
Haley chegou a este amálgama:
Chester, na Pensilvânia, tinha uma florescente cena musical. Não somente os Four
Aces e Frankie Avalon vinham desta área, mas Haley também trabalhava nos clubes
da região negra. (Mais adiante o autor cita SHAW (1974, p.139), provavelmente num
depoimento de Haley ao citado) Naquela época nós trabalhávamos em casas noturnas
de brancos e negros e não havia problema nem com os músicos nem com os fregueses.
E eu trabalhei no Pep’s Music Barn onde também tocaram B.B.King, Fats Domino,
Lloyd Price, Ray Charles, Nat King Cole...
Para FRIEDLANDER (2002; p.52), Haley era um visionário e por isso fez um
esforço consciente para integrar suas raízes country com o rhythm’n’blues, Haley num
depoimento à GILLET (1972; p.34) citado em FRIEDLANDER(2002; p.52) sustenta
essa afirmação: “Eu senti que se pudesse pegar, digamos, a música do estilo dixieland e
colocasse uma base rítmica de 2/4, acrescentando uma batida que os ouvintes pudessem
bater palmas, assim como dançar, isto poderia ser o que eles estavam procurando.”
Entretanto o estrelato de Haley com o novo ritmo não foi instantâneo, em 1952
seu grupo chamava-se Bill Haley and The Saddlemen e ainda era conhecido como um
grupo de country. Foi quando Haley escreveu uma canção para outro grupo chamada
rock-a-beating-boogie e descobriu que o DJ Alan Freed a estava usando para abrir seu
programa de rádio em Cleveland. O nome do programa era Moondog Rock’n’roll Party
e a estação era a WJW.
15
2.2.1 Um novo nicho no mercado fonográfico
6
Outro motivo para o preconceito em relação ao rock era também uma conotação sexual em relação ao
siginificado da expressão rock’n’roll. Na gíria dos guetos o termo era próximo do nosso rala e rola.
16
to rock é sinônimo de to swing (balanço) e to roll significa rolar, um pouco no
sentido como um barco que rola (balança). Os jazzmen empregavam desde a muito
tempo este termo para exortar os pianistas do estilo boogie-woogie, cuja maneira de
tocar dá a impressão de um balanço contínuo de navio.
Mais adiante o autor afirma que a expressão já era usada nos anos 30 em disco
e que provavelmente é tão velha quanto o próprio termo jazz. Porém era exclusiva do
meio da música negra (não necessariamente tocada só por negros), no entanto agora nos
anos 1950 a expressão estava na boca do grande público.
FRIEDLANDER (2002; p.37) salienta que, o sucesso das pequenas gravadoras
com o rock’n’roll clássico (a primeira fase do rock) salvou o rádio do que parecia ser o
seu fim inevitável por causa do aparecimento da televisão. Para termos noção do
crescimento das pequenas gravadoras independentes basta dizer, também conforme
FRIEDLANDER (2002; p.52), “que Bill Haley (ainda no selo Essex em 1953), gravou
uma canção intitulada “crazy man crazy”, que vendeu mais de um milhão de cópias e
entrou na lista das 20 mais da Bilboard7 daquele ano.” Só então o grupo atraiu o
interesse das grandes gravadoras. Columbia, RCA e Decca disputaram o artista que
acabou assinando com a última.
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Uma das publicações responsáveis pela divulgação das músicas mais tocadas nos EUA.
8
Forma como são chamadas as grandes gravadoras.
9
Ou jabaculê (payola em inglês). Designa a oferta de favores financeiros, sexuais ou de outra natureza em
troca de promoção e divulgação em rádios e TV’s.
17
Em abril de 1954, o grupo se reuniu no Phythian Temple em Nova York para sua
primeira sessão de gravação na Decca. Raras vezes houve uma primeira sessão tão
boa. Eles gravaram rock around the clock, uma canção escrita por uma dupla de
brancos de meia idade, veteranos da área musical10 (M. Freedman/J. De Knight).
Embora ela tenha vendido consideráveis 75 mil cópias, o disco fracassou em
conseguir um impacto maior.
Nota-se portanto que, com o alinhamento de rock around the clock ao filme
Sementes da Violência, o rock em geral ganha um rótulo do qual não mais se dissociará,
10
Milt Gabler, executivo da Decca e produtor de Haley, sugeriu que parte do sucesso de rock around the
clock devia-se ao fato de que era uma versão de um antigo blues “my daddy rocks me with a steady roll”.
Ele sustenta que as palavras rock’n’roll foram retiradas desta canção. Nota de FRIEDLANDER (2002;
p.53)
11
Paul Friedlander em Rock’n’roll: Uma História Social, diz que o filme é de 1955 (2002; p.53).
18
ou seja, uma música violenta feita por pessoas violentas, além de outros agravantes
como luxúria e descendência negra. Isso causou muita discussão na branca, racista e
conservadora sociedade norte-americana da época, onde os mais afoitos defensores da
moral e dos bons costumes saíram em protestos contra o novo ritmo, proibindo filhos e
jovens mais próximos de se envolverem com algo tão “nocivo”
A verdade é que a inserção da música popular negra na cultura musical
norte americana já estava bastante adiantada, desde o jazz, o blues e o gospel, e se
tornaria eixo central com advento do rock. Porém, o rock acabou sendo vítima de um
processo de marketing negativo das gravadoras e com isso acabou amealhando pessoas
de caráter duvidoso, e também adolescentes brancos, revoltados pelos motivos mais
diversos, que o usavam como forma de afrontar pais e sociedade. Isso só aumentou o
preconceito em relação aos negros, mesmo a música sendo tocada por brancos. No
fundo, o rock era apenas um ritmo alegre e dançante que acabou sendo vendido com
outras conotações que infelizmente subsistem até os dias de hoje.
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3 O ROCK NO BRASIL
3.1 O DESEMBARQUE
12
Paul Friedlander em Rock’n’roll: Uma História Social, na tradução de A. Costa usa “Sementes da
Violência”
13
Famosa cantora nos anos 1950, que interpretava sambas-canções.
14
FRÓES (2000; p.17-18) esclarece que não se tratava de uma versão para o português e sim uma
regravação em inglês: “... Nora Ney, (...) tratou de gravar rock around the clock em seu inglês original em
outubro de 55. A Continental lançou o 78 rpm sob o título ronda das horas, e uma semana depois o disco
já estava em primeiríssimo lugar na parada da Revista do Rádio, na época nosso principal veículo de
comunicação. Pouco depois, Júlio Nagib fez uma versão em português, gravada por Heleninha Silveira na
RCA – Victor.”
15
Fica a pergunta: O sucesso a que TINHORÃO se refere deve ser o da regravação de Nora Ney, mas
como o sucesso de tal regravação pode levar à publicação de sua letra em inglês no número de setembro
da revista Música & Letra, se conforme FRÓES (2000, P.17-18) a gravação se deu em outubro de 1955?
20
lançado no filme “Absolutamente Certo”, de Anselmo Duarte, e levado ao disco pelo
cantor Cauby Peixoto – constituíram como que o prelúdio do aparecimento, em inícios
de 1958, dos primeiros discos da dupla de cantores que iria firmar, de uma vez por
todas, o rock – branco comercial no Brasil: os irmãos interioranos paulistas de
Taubaté, Celly e Tony Campello.
E, finalmente, o autor diz que o sucesso dessa geração abriu caminho para a
consagração nos anos 1960, de uma figura definitiva no Olimpo do rock brasileiro, o
também interiorano Roberto Carlos. Mas antes disso, Sérgio Murilo16 foi coroado Rei
do Rock no Brasil, ao lado de Celly Campello, na Revista do Rock.
Complementando a visão de TINHORÃO, o jornalista FRÓES (2000; p.19)
tem uma justificativa para essa síndrome de versões e regravações de sucessos,
sobretudo americanos, que tomou conta da iniciante cena roqueira por aqui:
16
Sérgio Murilo Moreira Rosa, nascido no Rio de Janeiro a 2 de agosto de 1941, havia sido cantor mirim
e fizera sucesso no rádio, e depois foi também atraído pelo cinema. Foi cantando no programa de Paulo
Gracindo na rádio Nacional do Rio de Janeiro que chamou a atenção da Columbia, sendo então
contratado.
17
Nome pelo qual são chamadas as versões ou regravações ipsis literis.
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3.2 – ROCK VERSUS BOSSA NOVA
“A Bossa Nova, desde o final dos anos 50, quando se tornou mundialmente conhecida
através do filme Orfeu Negro e da propagação por nomes internacionais como dos
norte americanos Stan Getz e Herbie Mann, tinha em seus ícones da zona sul carioca
fervorosos antagonistas do rock’n’roll e seus desdobramentos.”
No entanto, é preciso dizer que boa parte desta rivalidade foi fomentada pela
própria mídia, como acontecia na era do rádio com votações do estilo quem é a melhor
cantora “Emilinha” ou “Marlene”? Mas os fomentadores desse tipo de concurso ou
rivalidade perceberam que, com o rock não era interessante uma separação de
intérpretes, pois poderia criar preconceitos em um ritmo que ainda se afirmava. Por isso
se faria melhor uma separação de estilos. FRÓES (2000, p.23):
Porém, o rock brasileiro estava mudando, pelo menos seus intérpretes, contudo
a turma que vai substituir os irmãos Campello e Sérgio Murilo e integrar a Jovem
Guarda, ainda estava no semi-anonimato, vejamos por onde andava Erasmo Carlos no
início dos anos 1960, segundo FRÓES (2000; p.29):
“Erasmo pertencia a uma turma que se reunia nas proximidades do Bar Divino, na rua
Matoso – Tijuca, zona norte carioca. Desta turma participavam Jorge Ben, Tim Maia,
(...) e tocavam noite adentro, tendo sido algumas vezes detidos em função da
reclamação dos vizinhos. Aquela “serenata de rock” não agradava(...)”
Mas, talvez o que mais tenha marcado o distanciamento dessa nova geração do
rock brasileiro e a Bossa Nova, foi o fator social. O próprio Erasmo Carlos disse a
22
FRÓES (2000; p.29) que gostava do estilo e explica porque não houve maior contato
entre eles:
Muito antes disso, é bom dizer que a gente começou curtindo também Bossa Nova –
além do rock, é claro. A gente se telefonava quando aprendia os novos acordes:
“Bicho, aprendi os acordes de “Desafinado”! “É mesmo?” Aí uma saía correndo p’ro
outro ensinar. Havia um interesse, só que a gente não tinha acesso ao grupo da Bossa
Nova. Nenhum de nós tinha carro e nem conhecia ninguém da zona sul.
Tanto os britânicos como nós, todos somos filhos do rock’n’roll. Quando aconteceu a
ida para São Paulo, todo aquele crescente interesse pelo rock deu em algo nacional –
quando misturamos a turma do Rio com a de São Paulo. Foi surgindo uma turma, eu
me lembro que a gente já levava cinco mil pessoas para um ginásio da periferia antes
mesmo do estouro do Programa. Mas era uma coisa muito popular, a elite estava mais
preocupada em cultivar a Bossa Nova e o jazz. A Jovem Guarda começou
principalmente quando rock around the clock chegou ao Brasil, mas só o programa
nacionalizou o movimento.
18
Expressão utilizada por músicos para designar determinado ritmo ou estilo.
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4 SAMBA ESQUEMA NOVO – JORGE BENJOR19 1963
Para muitos a faceta do jazz que influenciou a Bossa Nova foi o “cool jazz”, a
análise parte do Lp Chega de Saudade lançado por João Gilberto em 1959. Este disco
trouxe uma inovação em nossa música popular, onde percebia-se uma maneira contida
de cantar, sem ornamentos e voz baixa. NAPOLITANO (2001; p.29). Essas
características contrastavam com as grandes vozes que estavam em evidência na época,
como Sílvio Caldas, Francisco Alves e Orlando Silva. De qualquer forma não era tanta
inovação assim, afinal nos anos 30 já existia o sucesso do cantor Mário Reis que
também tinha uma voz pequena.
Apesar de influenciado por João Gilberto, na maneira de cantar e de tocar
violão, utilizando a tão falada “batida diferente”, no primeiro disco Benjor optou mais
pela influência do hot jazz. O hot jazz era um estilo mais agitado, mais “quente” que
utilizava bastante metais e era tocado pelas chamadas big-bands.
Essa influência é notada pela presença do conjunto Meirelles e Os Copa 5. O
próprio Benjor explica essa parceria num depoimento que está no site
www.uol.com.br/benjor/ acessado em 16/09/2003:
Depois ele (o diretor artístico da Philips) chegou e disse: “Nós gostamos e tudo, mas
tem um problema aqui...a diretoria gostou, mas é que o produtor musical não
consegue... ele não sabe o que é isso aqui, não é samba, ele não sabe o que é.” Aí eu
falei “Bom, mas é samba”. Aí, realmente, o pessoal do samba não tinha uma leitura,
não sabiam me acompanhar, do jeito que eu tocava no violão e cantava. Aí, como eu
tinha uns amigos lá, que eram mais para o jazz, entrei em contato com eles, uma banda
que tinha lá no “Beco das Garrafas”, que chamava “Meirelles (e Os) Copa cinco.
Mostrei p’rá eles e eles adoraram, começamos a tocar. Eles fizeram... o pessoal do
samba não teve uma leitura fácil, e eu gravei meu primeiro disco com essa banda de
jazz, e foi legal.
24
que ajudou a formar o rock’n’roll. Por isso, sua música transitou tão bem entre a Bossa
Nova e a Jovem Guarda. Já o cool jazz aproximou a Bossa do blues, isso equivale dizer
que mesmo influenciando-se mutuamente, os estilos são bem distintos.
Na verdade a sonoridade de Benjor inaugurou outra estética em nossa música
popular, então o título do Lp “Samba Esquema Novo20” é uma maneira de rotular algo
que ainda não se conhecia. O colunista do jornal Folha de São Paulo José Geraldo
Couto in NESTROVSKI (2002, p.141) define bem a importância do compositor:
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No segundo Lp de Jorge Ben (Sacundin Ben Samba – 1963) seu produtor, Armando Pittigliani escreveu
um texto na contracapa do disco onde constava o termo MPM (Música Popular Moderna) para definir a
estética de Ben. Contudo com o advento dos Festivais de Música Popular Brasileira (abril de 1965), e a
utilização deste espaço para fazer críticas ao Regime Militar instaurado no país em março de 1964, cria-se
um novo termo MMPB (Moderna Música Popular Brasileira) – porque dava conta da sua modernidade
(leia-se influência da Bossa Nova) e do seu engajamento. Com o tempo o termo perdeu o M de Moderna
(que já estava intrínseco) e ficou MPB. No entanto a música de Jorge Ben não era engajada e ele acabou
deslocado do movimento.
25
politizado. Para estar no programa o cara tinha de ir sério, eu tinha de cantar no
banquinho...
21
História: Questões & Debates, nº 31. Curitiba, Pr: Editora UFPR, 1999.
26
5 TROPICALISMO22
O sucesso desse 1º festival, aliás, foi tão além das expectativas, que o já debilitado
canal 9 pouco pode fazer para impedir que lhe escapasse entre os dedos. A TV
Record, em seu apogeu, logo recrutou Solano Ribeiro (produtor do evento), que levou
em suas malas até o título do certame (motivo pelo qual o primeiro evento realizado
pelo canal 7 já veio com a designação de 2º Festival da Música Popular Brasileira).
Elis Regina, a estrela máxima, foi contratada para comandar um programa que
marcaria época, O Fino da Bossa (...)
22
O movimento Tropicalista é muito mais abrangente do que será abordado neste capítulo, sugerimos a
leitura de “Tropicália, alegoria, alegria” de Celso Favaretto, Ateliê Editorial, 3ª Ed. 2000, SP.
27
conforme sua fama. O programa ia ao ar toda semana às quartas-feiras, voltado para um
público adulto ou intelectualizado.
Já nos festivais também compareciam artistas consagrados, porém, havia uma
competição acirrada com os artistas anônimos que era o eixo do programa. A atração ia
ao ar uma vez por ano, durando aproximadamente um mês. Nem sempre os artistas
consagrados venciam e quando venciam muitas vezes não empolgavam. Ou seja, quem
era novato e se apresentava nos festivais estava lutando por um espaço maior na mídia e
quem já era consagrado estava somente se auto afirmando, afinal os festivais eram
líderes de audiência. Mas não tinham grandes preocupações em vencer pois não
precisavam da vitória, nem mesmo agradar ao público, pois já tinham seu próprio
público.
Por fim a estréia do programa Jovem Guarda23, também na TV Record em
setembro de 1965, encerrou esta delimitação de algumas vertentes da música popular
feita no Brasil. Segundo NAPOLITANO (2001; p.35) “o programa veiculava um tipo
de rock ingênuo, mais próximo das baladas norte-americanas do final dos anos 1950 do
que os Beatles estavam conduzindo na música pop.”. O cantor e compositor Roberto
Carlos (e também apresentador, ao lado de Erasmo Carlos e Wanderléa, do programa)
transformou-se num fenômeno de popularidade.
5.1.1 O Cenário
28
Popular Brasileira da TV Record em 1967, para apresentar Alegria, Alegria ao lado do
conjunto de rock argentino The Beat Boys, estava se inaugurando o que mais tarde se
chamaria Tropicalismo. Mas o que causou frisson no público do festival, composto na
maioria de universitários que criticavam o Regime Militar, foram as guitarras elétricas
dos Beat Boys. Para eles, as guitarras eram uma intromissão da cultura norte-americana
que, tinha na Jovem Guarda um representante ativo, e agora estava invadindo o reduto
da MPB. Por isso houve muitas vaias. No que tange a influência da Jovem Guarda na
composição de Alegria, Alegria o jornalista Carlos CALADO (1996; p.101) diz que:“
(...) muito antes de compor Alegria, Alegria (...) Caetano andava com a cabeça
fervilhando, com preocupações musicais próximas as de Gil. Enquanto este encontrou
nos Beatles (pós Sgt. Pepper’s) um modelo para universalizar mais sua música, Caetano
tinha afinado melhor seus ouvidos para a Jovem Guarda (...)”.
Porém, o que mais impressiona no caso de Alegria, Alegria foi o fato da
introdução da canção ter sido copiada de uma outra canção de uma dupla da Jovem
Guarda, a notícia é de 19 de setembro de 2003 publicada no caderno Ilustrada do Jornal
Folha de São Paulo por Pedro Alexandre Sanches:
O não lançamento: A EMI anda recuperando a obra da dupla de Jovem Guarda Deny
& Dino, mas se esqueceu até o momento do ‘Deny & Dino’ de 1967, que sucedeu a
estréia com ‘Coruja’ (66). A curiosidade maior está na faixa ‘O Ciúme’, de que
Caetano Veloso decalcou (ou ‘sampleou’ em linguagem de hoje) a abertura de
‘Alegria, Alegria’, marchinha pós-moderna que seria marco inaugural do
Tropicalismo.
Polêmicas a parte o fato é que Alegria, Alegria acabou em quarto lugar naquele
festival.
Domingo no Parque de Gilberto Gil, também apresentada no mesmo festival
ao lado do grupo de rock paulista Os Mutantes, foi outra canção que ajudou a moldar o
Tropicalismo. No entanto apesar das semelhanças estéticas com Alegria, Alegria,
Domingo no Parque estava um passo a frente. Enquanto Caetano até certo ponto,
copiava a Jovem Guarda, Gil acompanhava de perto as mudanças que os Beatles
realizavam na música pop. mundial CALADO (1996; p.94-95) fala sobre isso:
29
Naquela época, Gil andava ligado nos Beatles. O compacto com Strawberry Fields
Forever e Penny Lane tinha despertado seu interesse pelo rock dos quatro britânicos.
Gil começou a ouvir os Lp’s anteriores do conjunto (Rubber Soul e Revolver), mas
quando escutou o novo Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band ficou realmente
impressionado. Viu nesse disco um novo caminho, não só para suas canções, mas para
a própria Música Popular Brasileira. Pensou que estava na hora de fazer uma música
que soasse mais universal e Gil sabia que esse som passava necessariamente pelo rock
e pela guitarra elétrica.
Mas duas música era pouco para um disco, e uma terceira canção de Caetano
Veloso que se chamou Tropicália, segundo FAVARETTO (2000; p.64), “a música
inaugural, constituindo a matriz estética do movimento” não eram suficientes para
constituí-lo. Curiosamente nenhuma das três entrou no disco – manifesto Tropicália ou
panis et circensis lançado em agosto de 1968. A participação dos Mutantes e os arranjos
de Rogério Duprat deram ao Lp uma concepção parecida com Sgt. Pepper’s dos Beatles
contudo é uma influência discreta, sem cópia – FAVARETTO (2000; p.83) nos diz qual
é essa influência:
O disco é estruturado, musicalmente, como uma polifonia, ou longa suíte; as faixas
sucedem-se sem interrupção, com a abertura recapitulada no final. Esta concepção é a
30
de Sgt. Pepper’s, dos Beatles. Por sua vez, cada música mantém uma relação dialógica
(conceito de M. Bakhtin) com as demais e é estruturada, letra, música e arranjo, como
montagem de fragmentos (referências musicais, sonoras, literárias, diálogos,
manipulações eletroacústicas etc.)
31
6 SAMBA – ROCK24
6.1 O SOUL25
Já no início dos anos 60, a soul music alcançou as paradas populares, muito
disso graças ao seu discurso pelos direitos civis dos negros e também enaltecendo o
orgulho da raça. Três artistas foram importantes neste início, Ray Charles, James
24
É uma nomenclatura um tanto equivocada, seria mais apropriado chamar o movimento de samba-soul
ou samba-funk. Assim como o rock, o soul é filho do rhythm’n’blues e mais tarde deu origem ao funk;
provavelmente foi esse parentesco tão próximo que confundiu algumas pessoas que chamaram o
movimento de samba-rock. Contudo não é de todo errado, pois rock, soul e funk influenciaram-se
mutuamente. Por outro lado pode ter havido um certo protecionismo do termo e do estilo rock, afinal é ele
que está (ou estava) associado ao revolucionário, ao progressista e por isso ligado a juventude ou ao novo.
25
Sinônimo de autenticidade, sinceridade.
26
As outras fontes eram o gospel e o doo-wop (provavelmente duas sílabas sem sentido balbuciadas por
vocalistas de apoio). As raízes do doo-wop podem ser encontradas no estilo de vocalização emocionada
do gospel combinado com a música bem ritmada do rhythm’n’blues. (FRIEDLANDER; 2002, p.95)
27
Isso não quer dizer que não houvessem cantores do soul brancos, um dos grupos vocais mais famosos
dos anos 1960 os Righteous Brothers eram representantes do chamado blue-eyed soul (o soul de olhos
azuis).
32
Brown e um pouco mais tarde Aretha Franklin. Por essas características sociais
segundo FRIEDLANDER (2002; p. 241) “comercialmente, o soul ficou relegado a uma
categoria de cidadãos de segunda classe”. Apesar disso, a soul music atingiu a América
branca, através da sua juventude que encontrou na música negra um pretexto para burlar
os padrões de separação racial.
Para o sucesso ser maior, a indústria fonográfica acabou tentando agradar
brancos e negros. Para isso retirou do estilo musical o discurso social dos últimos (para
não assustar os brancos) mas manteve o ritmo , para iludir os negros menos
comprometidos com a causa. CORRÊA (2000; p.54) nos dá mais detalhes:
Mas não tardou para que, em função da rápida popularização desse estilo de música, a
própria mídia (aqui alinhada a indústria fonográfica) se encarregasse de vulgarizá-lo
ao máximo, transformando-o por assim dizer, num produto de consumo fácil.
Emissoras de rádio dos quatro cantos daquele país (EUA) passaram a veiculá-lo, de
modo a fazer com que em breve, se tornasse o mais repetido tipo de música. Essa
popularização e conseqüente transformação do soul em produto de consumo, posto
que rapidamente ensejou a comercialização de todo um estilo de roupas usadas pelos
astros da música, fez com que as manifestações mais autênticas da canção americana
se rarefizessem e mudassem os rumos para outros estilos.
Por isso a soul music começou a década de 1970 envolvida pelo funk da
geração seguinte.
6.2 O FUNK
Segundo SHUKER (1999; p.137) “nos anos 1950, o termo funk foi empregado
para descrever uma forma de jazz moderno, que se baseava no swing (balanço) e no
soul.”. Com a retirada do discurso social negro das letras do soul e o desenvolvimento
da parte rítmica do mesmo, nasceu o novo estilo. O site
www.radiocidade1029.hpg.ig.com.br/funk.htm, acessado em 01.11.03 retrata
justamente essa característica: “As letras não precisam ser intelectuais nem
contestatórias, afinal o que importa aqui é o ritmo e a melodia. Se forem letras sobre
casos de amor banais ou sobre o simples ato de dançar, é até melhor (...) porque se
inserem no clima dance que o funk proporciona.”
33
O Jackson Five foi um dos grupos que impulsionaram o funk, que se tornou
grande sucesso em 1968. Era formado por cinco irmãos quase todos adolescentes, o
caçula do grupo, Michael Jackson, se tornou um dos maiores popstars do planeta e um
dos que mais popularizaram o funk no mundo. Outros nomes importantes do funk nos
anos 1970 forma os americanos Earth, Wind & Fire, KC & The Sunshine Band, Chic e
o inglês Kool & The Gang.
Antes de comentar sobre esse fenômeno que houve na MPB preciso-se dizer
algo sobre as diferenças entre rock e soul/funk. Primeiramente a marcação do soul/funk
tem mais peso e sua “levada” é bem mais dançante que o rock, há também uma
valorização dos timbres de baixo e bateria, ou seja, de timbres graves. É justamente essa
valorização de timbres que diferencia os estilos, “enquanto o rock tem a guitarra como
instrumento de destaque, o funk tem o contrabaixo como carro-chefe (...)”.
(www.radiocidade1029.hpg.ig.com.br/funk.htm).
Para melhor ilustrar este tópico alguns nomes que misturaram o samba com o
soul/funk (ou o rock como preferem outros) serão abordados a seguir.
28
Compositores cuja maioria das canções atingem o sucesso.
29
Gravadora de música negra (black music) fundada por Berry Gordy em Detroit (EUA), em 1959.
34
Mais adiante o jornalista descreve a experiência de Tim nos EUA e o seu
contato com a soul music: “ Onze anos antes (1959) Tim fizera um ‘estágio’ nos EUA
(...) eram tempos pré Martin Luther King. Isso no exato momento em que a derivação
do rhythm’n’blues, que seria conhecida como soul music, começava a definir seus
contornos.” (REVISTA BIZZ, ano 08, nº10, out. 1992 p.66)
Em outro momento do texto ele diz que: “o lançamento desse disco (o 1º de
Tim Maia) marcou o ano zero da música black no Brasil” e que “Tim incorporava o
soul dos negros americanos” e consequentemente “sabia exatamente como nivelar a
música brasileira com o que havia de mais legal na época em matéria de soul”.
E para finalizar o autor faz uma análise das nuances das canções detectando
onde começa e onde termina o soul e os ritmos brasileiros:
(...) ele encontrou os elementos que tornariam a música que fazia tão rica e particular,
como ficava comprovado no seu primeiro álbum. Com o paraibano Genival Cassiano
compôs ‘Padre Cícero’, uma irresistível mistura de forró e soul em homenagem ao
preacher (beato) de Juazeiro. Essa feliz experiência genética teve seu ponto alto em
‘Coroné Antônio Bento’ (Luiz Wanderley/João do Vale), onde a atuação vocal
alucinada de Tim fazia a gente acreditar que Memphis ficava em pleno sertão de
pernambuco. Aliás, a participação de Cassiano – o outro grande arquiteto do soul
Brasil – foi fundamental no disco. São dele ‘Você Fingiu’, a sensível ‘Eu amo Você’ e
o hit ‘Primavera’ (as duas últimas em parceria com Sílvio Rochael). p.66
35
Mais adiante nessa mesma entrevista Benjor disse que, ‘esses artistas sempre
gostaram do meu suíngue e fizeram algo paralelo, interessante’ e apontou as
influências jazzísticas como seu grande diferencial.
36
7 ACABOU CHORARE DOS NOVOS BAIANOS 1972
Os Novos Baianos, formado, entre outros, por Moraes Moreira, Pepeu Gomes,
Baby Consuelo ( que depois virou Baby do Brasil), Paulinho Boca de Cantor e Galvão,
foi um grupo de músicos que, influenciados pelo sucesso dos antecessores conterrâneos
surgiu no mundo musical brasileiro com uma personalidade forte. Sonora e visualmente
influenciado pela estética do tropicalismo e do rock sessentista o grupo se tornou
referência para a MPB nos anos 70.
(...)logo depois (Pepeu), tocou num programa de TV de Salvador. Gilberto Gil estava
assistindo TV naquele dia, era o suficiente, foi até a casa do garoto da TV. Queria que
Pepeu Gomes tocasse em sua banda: ‘Eu disse para o Gil, tudo bem! Eu toco com
você, mas com uma condição: Eu quero morar na sua casa!’ Agora Pepeu Gomes
tinha uma casa nova! Gil fez mais, deu um dos seus discos de Jimi Hendrix ao jovem:
‘exatamente naquele dia, eu virei guitarrista. Porque eu fumei, coloquei o disco na
vitrola e não consegui dormir mais por três dias!’ (...) Na seqüência, Pepeu e alguns
amigos fizeram um show chamado ‘O Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio
Universal’. Nascia então um grupo que revolucionaria o conceito de música brasileira,
naquela época a fórmula rock + MPB se chamava ‘Novos Baianos’. Pepeu Gomes
depois de renascer com Hendrix, começou a comprar discos de Pixinguinha, Jacob do
Bandolim, Waldir Azevedo e companhia: ‘Eu ouvi aquilo e percebi que era bom,
então foi como se eu pegasse todas essas influências, colocasse no liqüidificador,
batesse e tomasse. É por isso que hoje eu mudo do rock’n’roll para um frevo numa
mesma música sem ter que mudar de instrumento’(...) p. 19.
37
O álbum ‘Acabou Chorare’ de 1972 acabou se tornando o disco mais
representativo (quatro musicas30) do esforço que o grupo realizou para alinhar a MPB
com a estética de Hendrix. A Revista MTV nº22 de jan/fev de 2003 traz um depoimento
de Moraes Moreira sobre a importância do trabalho, o qual reproduzimos :
Este disco é o maior momento dos Novos Baianos. Foi quando João Gilberto chegou
em nossa vida e fizemos grandes misturas . Tocamos samba somo se toca rock e vice-
versa, era Jimi Hendrix com Bossa Nova. Fizemos uma música universal (...) e este é
realmente um dos melhores discos da Música Popular Brasileira. p.34
30
A saber: Tinindo Trincando, Mistério do Planeta, A Menina Dança e Um Bilhete p’rá Didi.
38
8 CLUBE DA ESQUINA 1972
Apesar de carioca, foi Milton que trouxe para a MPB, na segunda metade dos
anos 60 a música “folclórica” de Minas (estado onde foi criado) e também, um pouco
mais tarde seu gosto pelos Beatles. O prefácio de Caetano Veloso no livro de
BORGES (2002; p.14) Os Sonhos não Envelhecem – Histórias do Clube da Esquina
referenciou o fato:
(...) e não via ali muito além de um desenvolvimento daquilo que Edu Lobo já
vinha fazendo de interessante, ou seja, um desdobramento da Bossa Nova que
abrangia estilizações das formas nordestinas. Claro que, em breve veria que muito
do que nós baianos tínhamos sublinhado – a saber: rock, pop, sobretudo Beatles,
além da América espanhola – também estava incorporado ao repertório de
interesses de Milton.
Por outro lado precisa-se dizer que Milton era dono de uma singular
originalidade, e o próprio BORGES (2002; p.46) diz isso na seguinte passagem:
(...) Bituca31. Os arranjos que criava para músicas alheias eram algo inédito,
profundamente original e estranho, não se pareciam com nada que alguém pudesse
ter ouvido antes. Tinha de tudo ali, Yma Sumac, carro de boi, vento no cafezal,
Miles Davis, Tamba Trio, Nelson Gonçalves, Hino Católico, trilha de faroeste, e
ao mesmo tempo não tinha nada, só Bituca e sua voz retinida de taquara não –
rachada, animal extraterreno enjaulado a força, e no entanto capaz de doçura de
manga, de fruto suculento, original.
31
Apelido de Milton.
39
Milton apareceu para o grande público ao receber o prêmio de melhor
intérprete na finalíssima do I Festival de MPB, realizado pela TV Excelsior em
1965, defendendo Cidade Vazia de Baden Powell, classificada em terceiro lugar.
Quem venceu o Festival foi Elis interpretando Arrastão de Edu Lobo e Vinícius de
Moraes, que logo depois, já em evidencia, gravou de Milton Canção do Sal, que
trazia muito das canções de trabalho (work songs32) das lavadeiras do interior de
Minas.
A faceta dos Beatles que chamou a atenção de Milton foi a fase conhecida
como experimental, que abrange os discos: Rubber Soul (1965), Revolver (1966),
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) e o Álbum Branco (1968). Ela
também pegou de jeito alguns garotos que no futuro iriam compor ao lado de Milton
no Clube da Esquina, BORGES (2002; p. 147-148) dá mais detalhes:
(...) Revolver é um disco muito bom, um barato disse Bituca (...) compramos o
último disco dos Beatles e, mandamos embrulhar para presente. Em Belo
Horizonte, Lô (Borges), Beto (Guedes), Márcio Aquino e Yé – The Beavers –
gostaram muito do presente. Não demorou nem um dia e eles já estavam
incorporando aquelas novas canções ao seu repertório cover. (...) Bituca (...) sabia
ver sinais de musicalidade pura onde eu próprio só via dois irmãos pequenos
brincando de Beatles.
32
Manifestação da música negra no folclore norte-americano. Cantos de trabalho dos escravos que deram
origem ao spiritual, ao blues, e ao gospel, conseqüentemente essas manifestações desembocaram no rock.
A estética de Milton acabou por tomar emprestado os caminhos percorridos pelo rock mas optou pelas
work songs nacionais.
40
jovem compositor também do Clube da Esquina – Fernando Brant, e a canção ainda
se chamava O Vendedor de Sonhos.
No entanto a sorte de Milton mudou durante a realização do II Festival
Internacional da Canção, realizado pela TV Globo em 1967. Quem nos conta os
detalhes é novamente Márcio BORGES ( 2002; p.157):
41
A Tropicália incorporava a Jovem Guarda, em vez de rejeitá-la em nome de uma
modernidade que invocava o movimento de 22, o concretismo dos poetas
paulistas, as rimas do samba convencional, o considerado mal gosto, o kitsch e a
tecnologia moderna (...) O quarteto criativo que formávamos com Bituca e
Fernando permaneceu mais ou menos alheio a essas coisas embora achando muito
natural o uso de guitarras elétricas. (...) portanto, num ou noutro caso, tínhamos
clara consciência de que aquele negócio de tocar guitarra e fazer disso um
escarcéu só tinha algum valor porque vivíamos num país chamado Brasil e numa
ditadura chamada revolução.
33
Ou até mesmo antes, como é o caso das óperas – rock, Tommy do The Who e The Wall do Pink Floyd.
O termo ópera começou a ser usado no século XVII.
42
uma espécie de hino na comunidade de músicos e agregados que orbitavam os três
compositores. Com esta parceria, Lô Borges levou também Beto Guedes e inseriram
no som de Milton suas influências progressivas, calcadas nas experimentações dos
Beatles, que segundo BORGES (2002; p. 222) trouxe ao “som de Bituca uma nova
luminosidade”.
A comunidade de músicos que acompanhava Milton34 permaneceu
inalterada por um bom tempo e logo ganhou nome próprio: Som Imaginário. O
grupo gravou alguns álbuns ( sem Milton) e, apesar das experimentações ou por
causa delas, não obteve repercussão popular.
Algumas músicas de Lô Borges entraram no novo Lp de Milton. Márcio
BORGES (2002; p. 249) diz como isto se deu: “Enquanto isso, no Rio, Bituca
entrava novamente em estúdio para gravar seu segundo disco pela Odeon. Esse
trabalho registrava o repertório do show e incluía também três músicas de Lô:
Alunar, Para Lennon e McCartney e Clube da Esquina35.
Além disso a participação de Zé Rodrix foi marcante, para o autor até
exagerada: “Dentro do estúdio, teve hora que foi preciso quase amarrar Zé Rodrix
para ele não entrar em tudo quanto era faixa, tocando órgão, flauta block tenor,
ocarina, assovio de caça, flauta tenor transversal, percussão, voz, sininhos, tudo.” p.
250.
Provavelmente venha daí a percepção de Zé Rodrix de que, se o pessoal do
Clube da Esquina estava inclinado para o rock progressivo ( e ele também junto ao
Som Imaginário) ele poderia fazer o caminho inverso, algo mais ‘simples’ e ‘direto’.
Quem sabe se não foi a partir daí que criou-se a idéia do rock rural?
34
A saber: Wagner Tiso, Luís Alves, Robertinho Silva, Laudir de Oliveira, Tavito e Zé Rodrix.
35
Incluída no Lp Courage de 1968. No Lp Clube da Esquina de 1972 há a canção Clube da Esquina nº 2,
e no álbum Clube da Esquina 2 de 1978 não há nenhuma canção com este nome.
43
8.5 O DISCO CLUBE DA ESQUINA (1)
36
Na edição em CD, remasterizada em abbey road, lançada em 1995 o disco saiu em edição simples.
37
Gal Costa acabou se antecipando e lançou o primeiro álbum duplo produzido no Brasil (FA – TAL Gal
a Todo Vapor – 1971).
38
Fernando Brant completou em parceria com Bituca: Saídas e Bandeiras, Pelo Amor de Deus e Ao Que
Vai Nascer.
39
Publicação muito popular na época, similar a revista Veja nos dias de hoje.
44
E por fim BORGES (2002; p.257) diz que: “num clima de verdadeira
fraternidade foi concebido e criado o disco duplo que viria a se chamar,
naturalmente, Clube da Esquina.”
Foram muitos os músicos que participaram das gravações, de Belo
Horizonte foram: Rubinho Batera, Wagner Tiso, Toninho Horta, Paulinho Braga,
Márcio Borges, Lô Borges, Beto Guedes (...), Fernando Brant, Tavito, Nelson
Ângelo; e do Rio de Janeiro: Robertinho Silva, Ronaldo Bastos, Luís Alves, Paulo
Moura, Eumir Deodato. Segundo BORGES (2002; p. 267-268) “Bituca tinha a
capacidade especial de ajuntar os iguais, segundo sua história pessoal”.
8.5.1 A repercussão
(...) as primeiras críticas do disco não foram nada boas. Os resenhistas tinham
achado tudo muito pobre e descartável e sem ter o que dizer, e coisas desse tipo.
Um chamou a voz de Lô de ‘chinfrim’, outro escreveu que meu amigo era
compositor de uma música só (referia-se a Travessia) e que determinados versos
meus ‘rolavam como pedras dentro do ouvido’ de tão desagradáveis e malfeitos .
um outro decretou: ‘Milton Nascimento está acabado.’
45
9 ROCK RURAL
46
É interessante notar que esta estética não estava em voga no rock mundial no
início dos anos 1970, como já dissemos a novidade criou celeuma quando Bob Dylan
eletrificou o folk norte-americano em meados dos anos 1960. Porém, havia seguidores
deste estilo que faziam algum sucesso, era o caso do quarteto norte-americano Crosby,
Stills, Nash & Young.
Foi em 1971 que Zé Rodrix conheceu Luís Carlos Sá (...), Guarabyra se juntaria à
dupla alguns meses depois. (...) começaram a bolar um projeto (...) inspirado no grupo
norte-americano Crosby, Stills, Nash & Young. ‘Eu estava cada vez mais querendo
trabalhar com as coisas da minha terra, do interior mesmo.’ diria Guarabyra (...) Com
Presente, Passado e Futuro (1º disco do grupo, 1972) o trio conseguia transformar o
rock em algo mais brasileiro.
Zé Rodrix pode ser considerado a figura central deste movimento que associou
temas rurais brasileiros ao rock. Primeiro porque foi ele quem compôs a canção mais
famosa do movimento, Casa no Campo. Outra vez recorremos as jornalistas Marisa
Adán Gil e Adriana Manfredini (1997; p.7) na publicação já citada para entendermos
como se deu a composição deste sucesso:
47
Foi na época do Som Imaginário (conjunto que Rodrix integrou) que o músico compôs
os famosos versos musicados por Tavito, seu parceiro no grupo. (...) embora a música
seja, até hoje, associada ao trio Sá, Rodrix & Guarabyra, a gravação foi feita apenas
por Rodrix. Em 1971, ele registrou em compacto seu hino à vida alternativa. Nesse
mesmo ano, Elis Regina faria sucesso com a canção40.
Segundo porque Rodrix ajudou a formar o trio Sá, Rodrix & Guarabyra e
terceiro porque ele tocou piano/ocarina e sintetizador no primeiro Lp dos Secos &
Molhados, que com suas 800 mil cópias vendidas acabou legitimando o movimento
com a música ‘O Vira’, maior sucesso do grupo.
40
Foi notória a antipatia de Elis Regina pelas guitarras elétricas e consequentemente pelo rock
em meados dos anos 1960. Organizou e participou de uma passeata contra as guitarras na MPB,
que contou inclusive com a participação de Gilberto Gil que devia alguns favores à ela. A
gravação desta canção pode não se caracterizar uma aproximação da MPB de Elis com o rock
mas pode-se dizer que, ao menos, a cantora ficou menos ortodoxa.
48
10 SECOS & MOLHADOS 1973
41
Termo em italiano que quer dizer: “mas não muito” ou “bem dosado”.
49
tinha sido explorado pelos tropicalistas em Soy loco por ti América (Gil e Capinam)
gravada por Caetano Veloso em 1968 e também pelo Clube da Esquina.
Por outro lado o folk (norte-americano) já tinha sido inserido no rock por Bob
Dylan em meados dos anos 1960 e posteriormente assimilado pelos Beatles. O detalhe
interessante é que esta faceta do Secos & Molhados consolidou um movimento que
ficou conhecido no Brasil como rock rural. Estética esta que foi estudada no capítulo
anterior.
50
11 RAUL SEIXAS KRIG-HÁ-BANDOLO42 1973
Raul não era apenas um cantor de rock, segundo ele mesmo em entrevista ao
jornalista Ayrton Mugnaini Jr. em 198743 ele diz “ (...) não sou um cantor de rock
somente. A gente tem um lado tão latino, tão interiorano, sertanejo”. Mais adiante o
compositor fala sobre suas audições; ‘em 1957 havia o chá-chá-chá, o rock’n’roll,
muito Luiz Gonzaga, (...)’. E com o tempo sua música incorporou o tango, o country, o
bolero, o funk, baladas e etc.
Mas os aspectos que nos interessam na música de Raul são a fusão que ele fez
do rock com o repente, o baião e o candomblé44, sendo esses alguns ritmos ancestrais da
nossa música popular moderna, atualmente vistos em artistas como Nação Zumbi (com
e sem Chico Science), Zeca Baleiro, Mundo Livre S/A....
O repente é um tipo de improviso muito comum no nordeste brasileiro (Raul
era baiano) que utiliza um ‘cantador’ e uma ‘viola nordestina’. O próprio Raul fala
dessa influência no livro Raul Seixas, Biografia de ECHEVERRIA (1999; P.11), “Eram
os anos 50. Meu pai com nossa família viajava por todo o interior da Bahia
inspecionando estações de trens. Eu ouvia muito Luiz Gonzaga e os repentistas da
estrada de ferro (...)”. É bom esclarecer que a música de Raul não utilizava improvisos
mas soava como se fosse, um exemplo é a canção ‘Ouro de Tolo’. Por outro lado a
forma como Raul cantava a maior parte de seu repertório lembra os repentistas por
causa da voz esganiçada, ou seja ele apropriou-se somente da estética do repente e não
da maneira de compor.
Em relação ao baião45 Raul o incorporou a sua maneira de fazer rock porque
achava os ritmos muito parecidos, quem disse isso foi sua mãe Dona Maria Eugênia
também no livro Raul Seixas, Biografia de ECHEVERRIA (1999; p.15); “Naquele
tempo Raulzito tinha um gravador de fitas de rolo e gostava muito de ouvir baião e
42
Krig-Ha é o grito do personagem Tarzan e Bandolo quer dizer, ‘O inimigo está chegando’.
43
Publicada como citação em uma edição especial sobre Raul Seixas da Revista Shopping Music, ano 2,
nº07, NBO – Editora, SP. s/d. p.05.
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Ao lado dos Novos Baianos, Alceu Valença e Zé Ramalho, Raul foi pioneiro na fusão do rock com
ritmos nordestinos.
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Dança e canto nordestino acompanhado por batucada, produzida por bumbos, violas e outros
instrumentos.
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música cubana. Dizia que baião era igual ao ritmo de Elvis Presley. Dizia que Luiz
Gonzaga e Elvis Presley eram muito iguais.”.
Por fim, Raul utilizou o candomblé46, especificamente na música ‘Mosca na
Sopa’. Quem apontou essa influência foi Miguel Rivas, maestro e pianista uruguaio, que
trabalhou com Raul por dezoito anos, participando da gravação de dezoito discos, a
partir de Krig-Ha Bandolo, na Revista do CD nº 06 de setembro de 1991 da Ed. Globo;
“ Na música ‘Mosca na Sopa’, a entrada do arranjo foi inspirada em música de
candomblé (...)” p. 31.
Krig-Ha Bandolo foi escolhido para ilustrar este capítulo porque foi o primeiro
Lp solo de Raul e trazia uma nova face para o rock rural, misturando o ritmo americano
com ritmos do nordeste brasileiro em faixas como ‘Mosca na Sopa’, ‘Rockixe’ e ‘Ouro
de Tolo’.
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Religião afro-brasileira que utiliza muita percussão em seus rituais, vulgarmente conhecida como
macumba.
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12 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Então em 1977 veio o punk rock. Gilberto Gil tentou mesclar a nova tendência
com a MPB com a canção Punk da Periferia, mas ficou constrangedor, a música era boa
porém, a ‘atitude’ punk era muito mais do que aquilo.
O movimento punk teve origem nos dois lados do atlântico, EUA e Inglaterra.
Foi um estilo heterogêneo, que compreendia uma complexa teia de orientações que se
espalhou sobre uma infinidade de artistas via indústria cultural, que assimilou a estética
mas sublimou os confrontos políticos e sociais que estavam explícitos nas atitudes e
canções. A música era frenética, havia palavras de ordem gritadas por vocalistas sem
noções de tom e melodia. A maioria das letras falava do desespero em relação a falta de
perspectiva, que aqueles músicos tinham perante uma sociedade corrupta e em
desintegração, sobretudo na Inglaterra.
Essa música revelava uma atitude de confrontação que refletia graus variados
de ódio justificado, performance técnica, exploração artística do choque de valores
– cabelos de qualquer cor desde que não parecesse natural, colocado em forma de
espetos com vaselina; narizes, orelhas, rostos, lábios e outras extremidades furadas com
vários alfinetes de fralda, correntes e insígnias penduradas; camisas velhas e rasgadas...,
coleiras de couro preto crivadas de tachas prateadas47... – e a intenção de renegar as
instituições oficiais de produção de música. (FRIEDLANDER; 2002 p. 352)
O amálgama subseqüente do punk com outros estilos, ficou conhecido como
new wave e tornou-se um estilo muito popular no início dos anos 80.
O grupo paulista Os Inocentes também tentou misturar os elementos punk e
MPB, isto se deu no Lp Adeus Carne mas o disco não aconteceu. Além disso, o trabalho
só saiu em meados dos anos 80 quando os objetivos da indústria fonográfica nacional já
eram outros.
Depois em 1978 veio a Discotèque, que de rock tinha pouco ou quase nada,
embora o estilo norte-mericano fosse um desmembramento do funk setentista da black
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Descrição de 1977 dos fãs do punk em seu point londrino, The Roxy, feita por Julie Burchill e Tony
Parsons em The Boy Looked at Johnny (FRIEDLANDER; 2002 p. 351)
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music. No Brasil As Frenéticas, pareciam imitar a música que fazia sucesso no exterior
(leia-se EUA e Inglaterra) que era mais fácil do que tentar entender, transformar e
recriar a música popular brasileira. Com o boom do rock nacional nos anos 1980 essa
tendência de imitar o que fazia sucesso no exterior se estabeleceu no mercado musical
que estava inserido na grande mídia brasileira.
Após Raul Seixas poucos músicos conseguiram fazer a mistura rock + MPB e
ser bem sucedido estética e comercialmente, a fórmula se diluiu. O rock ganhou força e
se sobrepôs a MPB que aparecia apenas nas letras em português. Em raras exceções as
posições se invertiam, como foi o caso de Cazuza em carreira solo que misturou
cantoras e compositores nacionais dos anos 50 – Dolores Duran e Lupicínio Rodrigues
à roqueiros americanos dos anos 70 como Janis Joplin e Lou Reed – e também Os
Paralamas do Sucesso que obtinham uma sonoridade mais complexa. O restante era
basicamente rock.
De certa forma foi uma volta ao procedimento da Jovem Guarda, só não eram
na maioria, versões, mas a influência dos grupos estrangeiros em evidência era grande.
Um exemplo foi o grupo Legião Urbana que apesar das boas canções e letras não
conseguiu se descolar da influência do grupo britânico The Smiths, até a performance de
palco de Renato Russo era idêntica a de Morrisey, vocalista do grupo inglês, e isso virou
regra entre as bandas nacionais.
Mas o que interessou para a indústria fonográfica foi o apelo popular que o
rock nacional obteve. A popularidade foi tanta que se tornou possível a realização de
um super festival, o Rock’n’Rio I em 1985, com astros nacionais (a maioria ainda
começando) e internacionais. Mal comparando o festival pode ser considerado o nosso
Woodstock48, com isso o Brasil entrou na rota do showbusiness internacional.
Nos anos 1990, Chico Science e Nação Zumbi junto com o grupo Mundo Livre
S/A encabeçaram o movimento conhecido como manguebeat que vinha do Recife. Ao
contrário da Tropicália, cuja guitarra elétrica era o elemento estranho, neste caso, os
‘meninos’ de Recife estavam muito afinizados com o instrumento e por incrível que
pareça o elemento estranho, pelo menos para quem era de fora do Recife, era o
maracatu, ritmo local.
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Mítico festival de rock realizado na cidade de Monument perto da fazenda Woodstock próxima a Nova
York, que contou com um público em torno de meio milhão de pessoas em 1969.
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Por fim rock e MPB se divorciaram. A última, na virada do milênio, começou
um affair com a música eletrônica (Otto, ex – integrante do Mundo Livre S/A, é um
exemplo) e o primeiro também partiu para novos relacionamentos. O interessante é
saber que os ritmos se conheceram e se influenciaram, provocando um mosaico de cores
e de som, criando nuances intrínsecas. São essas nuances que fazem a beleza da música
popular, o rock, desta forma, se caracteriza como uma dessas nuances dentro do rico
universo da Música Popular Brasileira.
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13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
56
NESTROVSKI, Arthur (org.). Música Popular Brasileira Hoje. São Paulo: Publifolha,
2002.
SHOPPING Music, Revista. Ano 02 Nº 07. São Paulo: NBO – Editora, s/d.
SHOWBIZZ, Revista. Ano 15 Nº 01. São Paulo: Azul, Janeiro 1999.
SHOWBIZZ, Revista. Ano 15 Nº 08. São Paulo: Azul, Agosto 1999.
SHUKER, Roy. Vocabulário de Música Pop. São Paulo: Hedra, 1999.
SOUZA, Tárik de. Nova História da Música Popular Brasileira (Gilberto
Gil)/Fascículo com mini LP. Abril, 1977.
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo:
Editora 34, 1999.
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14 DISCOGRAFIA:
BAIANOS, Novos. Acabou Chorare. Som Livre, 1972 (CD Som Livre)
BEN(JOR), Jorge. Samba Esquema Novo. Philips, 1963 (CD Universal)
GUARABYRA, Sá, Rodrix &. Sá, Rodrix & Guarabyra. EMI, 1973 (CD Sony)
MAIA, Tim. Tim Maia. Polydor, 1970 (CD Polydor)
MOLHADOS, Secos &. Secos & Molhados. Continental, 1973 (CD Continental)
NASCIMENTO, Milton. Clube da Esquina 1. EMI/Odeon, 1972 (CD EMI)
SEIXAS, Raul. Krig-Há, Bandolo!, Philips, 1973 (CD Polygram)
VELOSO, Caetano et alli. Tropicália ou Panis et Circensis. Philips, 1968 (CD
Polygram)
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