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E RELIGIÕES
Anais do Iº Encontro Nacional do Centro de Estudos em
História Cultural das Religiões (CEHIR)
Organização:
Centro de Estudos em História Cultural das Religiões (CEHIR)
Apoio:
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Programa de Pós-Graduação em História – IFCH/UNICAMP
Laboratório de Estudos da História das Religiões (LEHR) – Universidade
de Pernambuco (UPE)
18 a 20 de abril de 2017
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Histórias, narrativas e religiões
1ª Edição - Copyright© 2017 Editora Prismas
Todos os Direitos Reservados.
CDD 200.981(22.ed)
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Consultores editoriais:
Antonio Nery (UFPR) Nadia Guariza (UNICENTRO)
Artur Cesar Isaia (UFSC) Paulo Barreira (UMESP)
Clélia Peretti (PUCPR) Paulo Nogueira (UMESP)
Edin Sued Abumanssur (PUCSP) Rodrigo Coppe Caldeira (PUCMinas)
Lauri Wirth (UMESP) Rosangela Wosiack Zulian (UEPG)
Leonildo Campos (MacKenzie) Sandra Duarte (UMESP)
Lyndon de Araújo Santos (UFMA) Silas Guerrieiro (PUCSP)
Magali Cunha (Umesp) Sylvio Gil (UFPR)
Marcos Silveira (UFPR)
Diretoria – 2015/2018
Membros Efetivos
Simpósios Temáticos.......................................................................... 29
“Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda Criatura”: Uma análise
da participação dos Neopentecostais na Política Contemporânea do
Brasil................................................................................................ 242
Kaliane Santos Oliveira (UNESP)
Programa do curso
Bibliografia
AGNOLIN, Adone. História das religiões: perspectiva histórico-comparativa. São Paulo:
Paulinas, 2014.
CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: A História entre Certezas e Inquietudes. Porto Ale-
gre: Ed. Universidade/UFRGS, 2005.
__________. Nós e o Islã: uma compatibilidade possível? In. Novos Estudos Cebrap nº67. São
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GINZBURG, Carlo. “’Os pombos abriram os olhos’: conspiração popular na Itália do século
XVII”. In. A Micro-História e outros ensaios. Coleção Memória e Sociedade. Lisboa: Rio de
Janeiro, RJ: DIFEL: Editora Bertrand, 1989.
MASSENZIO, Marcello. A História das Religiões na cultura moderna. São Paulo, HE-
DRA,2005.
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vista de Ciências Humanas. Vol. 11, nº 02. Viçosa: UFV, 2011. Pp.225-234.
TAYLOR, M. C. Critical Terms for Religious Studies. Chicago and London: The University
of Chicago Press, 1998.
Bibliografia
BAUR, John. 2000 anos de cristianismo em África: Uma História da Igreja Aficana. Maputo:
Paulinas, 2014.
BENATTE, Antônio Paulo. A História Cultural das Religiões: Contribuição a um debate his-
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KALU, Ogbu U. African Christianity: from the world wars to decolonization In The Cam-
bridge History of Christianity. Vol. 9 World Christianities c. 1914- c.2000. Cambridge: Hugh
McLeod, 2006.
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Salvador: EDUFBA/Casa das Áfricas, 2011.
Programa do curso
Bibliografia
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lise crítica das categorias e conceitos que embasam o discurso da cultura no Brasil” in MAR-
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DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes,
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PRIORE, Mary. L. Festas e Utopias No Brasil Colonial. 1. ed. São Paulo: Brasiliense,1994.
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SILVA, Augusto Neves. Quem gosta de samba, bom pernambucano não é?. Dissertação
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SOIHET, R. A subversão pelo riso. Estudos sobre o Carnaval Carioca. Da Belle Époque ao
Tempo de Vargas. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998.
Coordenação:
Prof. Dr. Gustavo de Souza Oliveira (UEMG)
Introdução
Ele afirma ainda que sabia que as homilias dos padres, durante
as missas, eram gravadas por agentes de monitoramento da ditadura. É
possível que os freis temessem sofrer represálias do governo e, por isso,
não conversassem sobre política com os jovens.
Considerações Finais
Bibliografia
ALVES, Laci Maria Araújo. Igreja Católica: imaginário, ditadura e movimentos sociais. Cader-
no Espaço Feminino, Uberlândia, v.26, n.2, jul/dez 2013.
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Braga, 2008, p. 45-54.
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SOUZA, Luiz A. G. de. As várias faces da Igreja Católica. Estudos Avançados, São Paulo, v.
18, n. 52, 2004.
Introdução
2 Cf. Reis, João José. Rebelião Escrava no Brasil. São Paulo, Cia das Letras, 2003; Rodrigues,
Nina. Os Africanos no Brasil. Rio de Janeiro, CEN, 1935; Silva, Alberto Costa e. Um Rio
Chamado Atlântico. São Paulo, Nova Fronteira, 2005.
50 Histórias, narrativas e religiões
esse que deve ter-se acelerado bastante após a interrupção do tráfico
transatlântico de escravos, em 1850.
Israel Antônio Soares, nascido escravo na década de 1840, no
Rio de Janeiro, foi uma pessoa invulgar. Aprendeu a ler sozinho, acom-
panhou os debates sobre a Lei do Ventre Livre, comprou a própria car-
ta de alforria, tornou-se uma liderança respeitável na campanha aboli-
cionista e dirigiu por muitos anos a Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. Era um católico convicto.
Filho de uma escrava muçulmana, ele entrou em conflito com a comuni-
dade islâmica carioca quando a mãe morreu, pois fez questão sepultá-la
segundo os rituais da Igreja Católica.
O presente artigo aborda o que é até agora conhecido da his-
tória de Israel e outras informações sobre a comunidade muçulmana
existente, no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX. Na vida
do escravo, depois liberto, se pode ler o ocaso do islã de origem subsaa-
riana no Brasil.
Israel
6 A propósito das imediações onde nasceu Israel, escreveu Brasil Gerson: “Quando da
‘Revolução Urbanística’ de Pereira Passos ainda existiam nos seus quarteirões finais, vizinhos do
Campo de Sant’Ana, bem como nos da de S. Pedro e da Alfândega, várias das casas de venda de
ervas medicinais dos pretos Minas, muitos deles mandingueiros, e que tão numerosos e famosos
haviam sido no Rio Antigo.” Cf. GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. Rio de Janeiro:
Editora Lacerda, 2000, p. 60 (5a edição).
Histórias, narrativas e religiões 53
libertado, com certeza por eu ser preto como ele”. Israel não dava razão ao
padrasto e agradecia a Deus pela sábia decisão que os salvou de “não ter-
mos dezenas de membros da nossa família na escravidão”. Se àquela altura
possuía um padrasto é porque Luiza já não vivia com Rufino. A irmã
mulata indica que havia um terceiro homem na vida de Luiza (ou quar-
to, se incluímos o Antônio), provavelmente moreno claro ou branco.
Em 1900, ela (a irmã) ainda vivia, “cheia de filhos e netos”. Como veremos
adiante, a família dele, no alvorecer do século XX, além de grande, era
multicolorida e hierarquizada segundo valores relacionados à idade e à
sabedoria de seus membros.
Aos 14 anos, Israel mudou para São Cristóvão, onde se tornou
adulto e se deu conta do que era ser escravo: “aí comecei a ser homem e a
compreender que era muito esquerda a posição de escravo”. Disse isso tudo e
mais não disse sobre a labuta do dia a dia. Mas ele não era de fazer cor-
po mole à dificuldade: “Felizmente já sabia alguma coisa, atirei-me a tudo
que me podia ser útil, provoquei simpatias”. Mais adiante, ele dirá: “Não
obstante ser eu escravo, tinha boa vontade para o trabalho”. Israel foi outro
cativo, que, a exemplo de Antônio Mina, viveu um bocado senhor de si.
Ao ponto de, ainda cativo, fundar e dar aulas num curso noturno dirigi-
do a escravos e ex-escravos, criar uma sociedade de dança, a Bela Amante,
ser eleito presidente da Caixa Libertadora José do Patrocínio, dirigir
a Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens
Pretos e juntar algum patrimônio.
Dentre as simpatias que despertou estava a do farmacêutico
Marcelino Inácio de Alvarenga Rosa. “A esse cidadão devo o pouco co-
nhecimento que tenho da vida. Foi com ele que acompanhei toda a questão
do Ventre Livre e era com sofreguidão que lia os discursos de João Mendes,
Pinto de Campos, Pereira Franco, Junqueira e do sublime Rio Branco”. Israel
não conta quando aprendeu a ler, diz apenas que foi no canto de uma
cozinha, em jornais velhos. Mas aos 26, 27 anos, estava lendo o sublime
Rio Branco e acompanhando a luta política pela Abolição. Pelo que se
depreende do relato, o farmacêutico repassava ao escravo artigos e dis-
cursos pró e contra a Abolição e com ele compartilhava a satisfação de
abraçar a causa abolicionista. A amizade de Israel e Marcelino mostra
9 Góes, José Roberto. “Padrões de alforrias no Rio de Janeiro – 1840-1871”. Nas Rotas do
Império. Eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo português. Eds. João Fragoso, Manolo
Florentino, Antônio Carlos Jucá e Adriana Campos. Vitória: Editora da Universidade Federal
do Espírito Santo, EDUFES, 2014.
10 Rio, João do. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2006. P. 27.
58 Histórias, narrativas e religiões
dades do Islã. Al-Baghdádi pregou, ensinou, corrigiu, deu o exemplo,
encomendou a um livreiro vários exemplares do Corão para serem ven-
didos aos fiéis, mas a tarefa era realmente hercúlea. Quando veio o mês
do Ramadã ele observou que os homens não engoliam a saliva, não se
olhavam no espelho, não mantinham relações sexuais, só falavam com
as mulheres após o por do sol, quebravam o jejum e, no final, “se propõem
a passar fome por três dias e não ingerem nada além de alguns copos de ervas
medicinais”.11 E no resto do ano não achavam nada demais incorporar o
álcool à dieta do dia a dia.
Os líderes da comunidade viviam num litígio perpétuo: “Cada
clã de muçulmanos tem um líder que cuida de suas questões e ao qual se refe-
rem como ´alfa´ e, entre alguns, ´imam´. Eles se ocupam do amor pela liderança
e pelo mundo. Entre eles acontecem algumas coisas cuja menção prolongaria
a questão, e no íntimo não gostam uns dos outros. Cada um deles deseja que o
outro seja de seu partido”. E como se não bastasse pastores tão afeitos às
coisas mundanas e à luta por poder, eram, também eles, dados a paga-
nismos e feitiçarias: “Eles possuem uma inclinação plena para a geomancia
e a magia e decoram algumas palavras em siríaco e um palavrório incompre-
ensível”. Não escapou a al-Baghdádi que os que fingiam entender suas
recomendações e emendas o faziam só para o agradar e, possivelmente,
disputar o prestígio do imã de Constantinopla. Al-Baghdádi reconhe-
ceu a derrota: “Esse modo de ser não é possível extirpar”.12
Outro grande obstáculo à disseminação da fé islâmica entre a
população escrava e liberta parece ter sido representado pela má vontade
demonstrada pelas mulheres em relação ao Islã. Assim se pronunciou o
imã a respeito delas: “As mulheres deles não possuem desejo de jejuar. Elas fa-
zem o que querem, assim como as mulheres dos preguiçosos estrangeiros. Quando
vão ao mercado, não se cobrem e praticam alguns atos repreensivos. Uma mu-
lher herda de seu marido a metade [de seus bens] quando ele morre, e a segunda
metade é dividida igualmente entre os filhos e as filhas. E não é possível elimi-
nar esse problema”. De fato, a comunidade muçulmana nada podia fazer
contra as leis brasileiras que regulavam a sucessão de bens. O imã explicou
11 Al bagdadi P. 85
12 Ibdem. P. 87.
Histórias, narrativas e religiões 59
o que era a vontade de Deus nessa matéria, mas esse era um assunto tão
delicado e sensível às mulheres que o al-Baghdádi aconselhou os fiéis a
contemporizar. Afirmou: “Disse: ´Quem estiver satisfeito com essa determi-
nação, está bem. Mas aquele que não concordar, só a ele cabe esse assunto e faz o
que quiser ao imitar a religião estrangeira. Não briguem com eles e mantenham
suas questões em segredo´. E [disse] isso quando vi a rejeição das mulheres àquela
partilha muçulmana e o total e inerente repúdio delas”.13
O imã escreveu que o batismo cristão já desviara muitas nações
do mundo, mas as famílias muçulmanas no Brasil se viam obrigadas a
batizar os filhos no ritual católico. Se as crianças não fossem registradas
no livro da paróquia, depois não era possível provar que haviam nascido
livres ou sido libertadas na pia batismal. Quando morriam, se não eram
encomendados pelos padres e registrados nos livros de óbito, não po-
diam ser sepultados. O imã recomendou que esperassem a ausência do
sacerdote católico para despir e lavar o cadáver como convinha, mas não
encontrou solução para o problema de sepulturas voltadas para Meca.
Não havia como.
Para piorar a situação dos maometanos do Rio, eles viviam no
temor de serem descobertos, estigmatizados e retaliados. Logo dissu-
adiram o imã de vestir o traje habitual, do qual gostava: “Se você usar
seus trajes, nós não poderemos [mais] ir a sua casa, e sua utilidade se esvai,
pois, se os cristãos souberem que você é muçulmano, hão de imaginar o mes-
mo de nós”.14 A rebelião dos malês havia deixado fundas cicatrizes na
história do Brasil, que ainda ardiam nas gerações de africanos e bra-
sileiros que habitavam a Corte, àquela altura do século XIX. Disse o
imã: “Contaram-me que acontecera uma guerra entre eles e os cristãos e que
os negros pretendiam tomar conta da região, mas o triunfo fora dos cristãos.
Compreendeu-se com clareza que na origem dessa rebelião estava um grupo
de muçulmanos das comunidades de negros”. E acrescentou, com grande
exagero e à margem da verdade: “se os cristãos identificam que alguém é
muçulmano, pode ser que o matem, que o exilem ou que o enviem à prisão
perpétua”.15 Isso não era verdade, mas se o imã foi assim informado, sig-
Conclusão
Fontes e Bibliografia
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Universidade de São Paulo, 1980.
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Góes, José Roberto. “Padrões de alforrias no Rio de Janeiro – 1840-1871”. Nas Rotas do Impé-
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Florentino, Antonio Carlos Jucá e Adriana Campos. Vitória: Editora da Universidade Federal
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Lovejoy, Paul E. “Jihad e escravidão: as origens dos escravos muçulmanos da Bahia”. Topoi 1.1
(2000): 11-44.
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Reis, João José, Flávio Gomes e Marcus Carvalho. O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberda-
de no Atlântico negro (c.1822-c.1853). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Rio, João do. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2006.
Silva, Alberto Costa e. Um Rio Chamado Atlântico. São Paulo, Nova Fronteira, 2005.
Introdução
Nestes últimos tempos, não raras vezes sob a pressão dos aconteci-
mentos, aparecem orientações ambíguas e posições discutíveis, que
tornam oportuna a clarificação de aspectos e dimensões importantes
da temática em questão. (CDF, 2002, I)
18 O conceito de “liberdade religiosa” foi reformulado pelo Vaticano II da seguinte maneira:
“Todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos
sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja
forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em
privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, além
68 Histórias, narrativas e religiões
7. Economia voltada para a pessoa e o bem comum.
8. Manutenção da paz.
Todas estas disposições, vale ressaltar, não são vistas pela CDF
como pura intervenção política, segundo a Nota a Igreja não poderia
“formular soluções concretas para questões temporais, mas deve pro-
nunciar juízos morais sobre realidades temporais” (CDF, 2002, II), ou
seja, tais orientações não seriam posturas políticas, mas condições para
que qualquer modelo político funcionasse adequadamente. A história
conturbada do século XX e o avanço da ciência corroborariam esta ne-
cessidade da ética e a falsidade do relativismo na qual a sociedade mo-
derna estaria imersa. A política, por possuir “valores absolutos próprios”,
não poderia, dessa forma, caminhar sozinha, necessitava de valores ex-
trapolíticos que viriam da religião.
Na terceira parte da Nota, “princípios da doutrina católica so-
bre laicidade e pluralismo”, o conceito de “laicidade” é abordado de acor-
do com a doutrina católica, que o definia como “autonomia da esfera
civil e política da religiosa e eclesiástica – mas não da moral (...), signi-
fica a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento
natural que se tem do homem que vive em sociedade” (CDF, 2002, III),
e adiciona que isto “prescinde do ensinamento da Igreja”. Segundo a
Nota, os elementos que deveriam ser defendidos pelos políticos, citados
acima, não eram simplesmente questão de opinião religiosa ou apenas
doutrina católica, mas leis naturais que pautam e estão implícitas em
todos os homens, independentes, portanto, da Igreja. Nesse sentido, po-
demos compreender porque a Igreja não considerava estar exercendo
um poder político, tratava-se exclusivamente de um dever moral, campo
que a Igreja, inclusive, se auto-intitulara infalível19. Caso a religião con-
tinuasse sendo marginalizada, os “fundamentos espirituais e culturais da
civilização” seguiriam ameaçados.
disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa hu-
mana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer. Este direito da pessoa
humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido
que se torne um direito civil”. Dignitatis Humanae, 2.
19 Capítulo IV da Constituição Dogmática Pastor Aeternus (1870): “Com a aprovação do
Sagrado Concílio [Vaticano I], ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que
o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, (...) goza daquela infalibilidade com a qual Cristo
quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral”.
Histórias, narrativas e religiões 69
Na quarta e última parte da Nota, “considerações sobre aspec-
tos particulares”, a CDF censurou as associações e canais de comuni-
cação católicos que não assumiam claramente a moral e os princípios
éticos políticos defendidos pela Igreja. Destacou a necessidade urgente
de “apresentar em termos culturais modernos o fruto da herança espi-
ritual, intelectual e moral do catolicismo” o que, supostamente, evitaria
uma “diáspora cultural dos católicos” (CDF, 2002, IV). Nesta parte per-
cebemos também uma crítica à esquerda política, pois orienta a “recusar
as posições políticas e os comportamentos que se inspiram numa visão
utópica”; preocupado com a violência estatal muito presente ao longo
do século XX, Ratzinger certamente fez questão de condenar qualquer
impulso autoritário e desencorajar os católicos a apoiar possíveis inicia-
tivas desta natureza20. Com a palavra “utópico”, Ratzinger identificava
qualquer corrente ligada ao marxismo, portanto se tratava de uma crítica
quase direta aos partidos de inspiração comuno-socialista. Na conclusão
da Nota a CDF reforça a necessária coerência entre “fé e vida”, consi-
derando que a verdade e a liberdade se interdependem, caso contrário a
sociedade cairia no “libertinismo e individualismo”.
Podemos perceber várias concepções que a Igreja possui da so-
ciedade atual. A primeira, que salta às vistas, é a desconfiança da solidez
das democracias contemporâneas21, as quais não conseguiriam se manter
por si mesmas, precisando de um referencial externo para prosseguirem
sadias. A segunda são as proibições tácitas aos católicos de tomarem de-
terminadas posturas, como a defesa do aborto ou do casamento homoa-
fetivo. A terceira, aparentemente contraditória, de que apesar da religião
ser uma esfera distinta e obrigatoriamente separada da política, ambas
precisam estar relacionadas. Foi, de fato, uma “notável intervenção”, para
retomar a expressão utilizada por Coutrot, que consigo levanta algumas
questões: por que um documento desta natureza veio da CDF, que teo-
ricamente fiscaliza apenas controvérsias teológicas, e não do Pontifício
Conselho para os Leigos, órgão responsável por esse tipo de tema, mas
22 Faremos uma análise mais profunda sobre esse tema em um trabalho posterior.
Histórias, narrativas e religiões 71
O historiador e cientista político boliviano, Jorge Velarde
Rosso, analisou o texto de uma conferência concedida por Ratzinger
em 1984 durante um congresso realizado em Munique23. O artigo de
Velarde, Apuntes en torno al pensamiento político de Joseph Ratzinger, de-
monstrou que as análises de Ratzinger sobre a democracia tinham a
função de justificá-la enquanto sistema legítimo, ou seja, impedir que
os governantes ficassem livres da vontade popular; entretanto, procura-
vam também tratar dos seus limites, concentrados, sobretudo, no ethos
político baseado nas estruturas e não no indivíduo. Velarde apontou que
Ratzinger considerava como tarefa do Estado “mantener la convivencia
humana en orden, ‘es decir, crear un equilibrio entre libertad y bien que
permita a cada hombre llevar una vida humana digna’” (VELARDE,
2012, 206). A função do Estado, ou podemos dizer, o papel da política
seria tão somente manter a ordem, tudo o que ultrapassasse esse limite já
não era função do Estado e não estava mais sob a dinâmica da política,
mas dependeria de outras instâncias. Portanto, Ratzinger se colocava
contra qualquer manifestação de autoritarismo/totalitarismo político,
elementos que atingiram pessoalmente tanto a ele, em sua juventude,
quanto ao Papa Wojtyla atrás da cortina de ferro. Mas a democracia,
embora tivesse esse papel determinante de evitar os excessos de um go-
verno forte, possuía limites, e estes estão contidos no direito natural.
As democracias atuais possuem, como bem sabemos, muitas
falhas que nos causam repulsa. A quantidade vergonhosa de casos de
corrupção, a lentidão na tomada de decisões, a imensa burocracia e ine-
ficiência para solucionar problemas urgentes, etc. Tais problemas, se-
gundo Ratzinger, poderiam dar vazão ao ressurgimento de tendências
autoritárias ou a milenarismos24 prometendo soluções mais rápidas, sem,
contudo, comunicar o preço que cobrarão após ditas resoluções. Esse
perigo estava contido na crença de que as estruturas estatais precisavam
ser perfeitas, e que se haviam problemas, bastava aperfeiçoar as estru-
25 João Paulo II já estava com a saúde muito debilitada em 2002, por isso acreditamos que não
tenha sido uma preocupação direta do Papa, mas do próprio Cardeal Ratzinger.
Histórias, narrativas e religiões 73
sendo assunto prático relativo aos leigos, mas sim uma postura moral
cristã, da qual a CDF, por encargo próprio, deveria se ocupar. Não pode-
mos deixar de citar que em 2002 o Pontifício Conselho para os Leigos
estava exclusivamente preocupado com a imensa carga de trabalho que
a Jornada Mundial da Juventude de Toronto demandava, a CDF tomou
a frente por todas essas razões.
Antes de prosseguirmos para a terceira parte deste artigo é
importante determinar os termos “utopia” e “milenarismo”, preocupa-
ções de Ratzinger expostas na Nota Doutrinal. O historiador e soci-
ólogo chileno, Fernando Mires, em seu artigo intitulado Cristianismo
y Marxismo según Joseph Ratzinger, abordou o tema, e dele podemos
destacar duas passagens fundamentais. A primeira, sobre a questão do
milenarismo diagnosticado no marxismo, próximo ao de Joaquim de
Fiore ou do zelotismo dos tempos neotestamentários, e que teriam re-
sultado na Teologia da Libertação:
A tolerância que, por assim dizer, admite Deus como opinião parti-
cular, mas que lhe rejeita o domínio público, a realidade do mundo e
da nossa vida, não é tolerância, mas hipocrisia. (...) Tanto no Antigo
como no Novo Testamento, o Senhor anuncia o juízo à vinha infiel.
O juízo que Isaías previa realizou-se nas grandes guerras e exílios,
por obra dos Assírios e dos Babilônicos. O juízo anunciado pelo
Senhor Jesus refere-se sobretudo à destruição de Jerusalém no ano
70. Mas a ameaça de juízo diz respeito também a nós, à Igreja na
Europa, à Europa e ao Ocidente em geral. Com este Evangelho,
o Senhor brada também aos nossos ouvidos as palavras que, no
30 “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22: 21).
Histórias, narrativas e religiões 79
Conclusões
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_
doc_20021124_politica_po.html. Acesso: fevereiro/2017.
COUTROT, Aline. Religião e política. In: Por uma História política. Trad.: Dora Rocha. 2°
Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 331-363.
GIORDANI, Mario Curtis. História do Século XX. Aparecida: Ed. Ideias & Letras, 2012.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. Trad.: Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
___________. Tempos Fraturados. Trad.: Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras,
2013.
IBAÑEZ Langlois, José Miguel. Igreja e Política. Trad.: Emérico da Gama. São Paulo: Qua-
drante, 1987.
JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Trad.: Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro:
Imago, 2001.
__________. Os Heróis. Trad.: Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2008.
MIRES, Fernando. Cristianismo y Marxismo según Joseph Ratzinger. Disponível em: http://
www.analitica.com/opinion/opinion-nacional/cristianismo-y-marxismo-segun-josephratzin-
ger-benedicto-xvi/. Acesso: fevereiro/2017.
VARGAS Llosa, Mario. A Civilização do Espetáculo. Trad.: Ivone Benedetti. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2013.
1. Introdução
31 Destacamos que escolhemos atualizar a escrita das fontes documentais apresentadas no
decorrer do texto, mas sem alterar o conteúdo e forma dos textos.
32 O site Alceu Amoroso Lima pela Liberdade (CAALL) disponibiliza online as
correspondências passivas e ativas do referido intelectual, estando entre elas às cartas trocadas
com Helder Pessoa Câmara entre os anos de 1929 a 1980. (Cf.: http://www.alceuamorosolima.
com.br/ ). Estas mesmas cartas foram publicadas pela Editora Reflexão sob a organização de
Maria de Fátima Moraes Agon e colaboração de outros estudiosos do tema. (Cf.: AGON, 2016)
84 Histórias, narrativas e religiões
encontram-se no processo de catalogação e por esse motivo inacessível
no Centro de Documentação Helder Câmara do Instituto Dom Helder
Câmara (CEDOHC IDHeC).
Dessa forma, partindo da análise das fontes citadas ante-
riormente, juntamente com documentos oficiais da ICAR, como as
Encíclicas papais Rerum Novarum (1891) e Quadragesimo Anno (1931),
buscaremos discutir os sentidos, mecanismos e condições em que o pa-
dre Hélder Câmara procurou agir no combate as supostas ameaças co-
munistas sobre os trabalhadores brasileiros.
33 Consideramos intelectuais católicos os homens que dedicaram parte de suas vidas a reflexão
e defesa dos preceitos católicos. No caso específico deste momento histórico a qual analisamos,
parte considerável desses intelectuais católicos acabaram defendendo preceitos mais conservadores
e, muitas vezes em nome da defesa da fé, alinharam-se a grupos de extra-direita, como no caso da
Ação Integralista Brasileira. Sobre os intelectuais católicos ver: MOURA, 2015
Histórias, narrativas e religiões 85
mente e um dos homens de confiança do Cardeal Dom Sebastião Leme
– era também conhecido pelo uso do pseudônimo de Tristão de Ataíde.
Ainda como seminarista, em uma das primeiras cartas enviadas ao seu
famoso correspondente comentou:
34 Seguimos a estratégia do livro organizado por Argon (2016), em que: “As entrelinhas e as
notas marginais foram inseridas no texto em seu devido lugar, entre barras oblíquas opostas
<...>.” (ARGON, 2016, 22)
86 Histórias, narrativas e religiões
<com> o meu “Dr. Farias Brito a Maritain”. Creio que tenho uma
qualidade talvez aproveitável. Acostumei-me, repassando a filosofia
e o dogma com companheiros mais fracos, acostumei-me a baixar, a
traduzir os assuntos difíceis. De outra parte, como o senhor sabe, há
muito venho estudando F. Brito. E estou convencido de que será um
bom meio de introduzir a escolástica a partir do nosso Farias. (Carta
de Helder Câmara a Alceu Amoroso Lima, 1929. Apud ARGON,
2016, 63-65)
35 Esse telégrafo não compõe o livro: Catálogo da Correspondência: entre Alceu Amoroso Lima
e Dom Hélder Câmara (1929-1980). (Cf. ARGON, 2016). No entanto, a mesma pode ser
encontrada no site da CAALL. Cf.: HTTP://www.alceuamorosolima.com.br/
90 Histórias, narrativas e religiões
Cearense do Trabalho (LCT). Além disso, liderança do Ten. Sombra
foi discutida por Hélder em outras cartas e em artigos de periódicos
cearenses dentre de um cenário de incertezas de uma nova Constituinte
e de qual seria o lugar da Igreja Católica dentro dessa nova realidade
política do Brasil, isso depois do golpe de 1930 que colocou Getúlio
Vargas na presidência do país.36 Na biografia Dom Hélder Câmara, o pro-
feta da paz, escrita por Nelson Piletti e Walter Praxedes, comenta que já
em sua criação, a LCT conseguiu 9 mil adeptos e esse número cresceu
em alguns meses para 15 membros. Isso em uma cidade como Fortaleza
com aproximadamente, em 1930, com 117.452 habitantes. (PILETTI,
2008, 87-88)
Somando-se a isso, observam-se tanto no trecho da carta an-
terior, como na mensagem enviada pelos telégrafos, ambas para Alceu
Amoroso Lima, que este intelectual carioca é correntemente apresentado
pelo padre Helder como o chefe dessas mobilizações. Essa estratégia do
referido sacerdote e de seus correligionários, poderia tanto ter um lado de
reconhecimento do trabalho e importância do líder do Centro Dom Vital
e da revista A Ordem, como também o desejo de se criar um efeito de
legitimidade e amplitude de que a LCT e da JOC iriam além do Estado
do Ceará nas empreitadas político-religiosas. No entanto, lembramos ao
leitor, que por não termos acesso as respostas de Alceu Amoroso Lima ao
então padre Hélder, não sabemos como ele recebia essas informações de
esta sendo apresentado como líder dessas empreitadas.
A LCT e a JOC, principalmente por causa da interferência de
Helder Câmara, confundiam-se em suas atividades e postulados doutri-
nários. Como se ver no trecho do seguinte artigo de jornal:
36 Mesmo não sendo o objetivo principal, em nossa dissertação indicamos os impactos do
golpe de 1930 no Nordeste. Cf.: MORAES, 2012.
Histórias, narrativas e religiões 91
lhados pelas areias de Fortaleza, alguns milhares de crianças pobres,
preparando-as para as vanguardas legionárias. (LEGIONÁRIO,
01.05.1933, 7-8)
[...]
Ao Evangelho, falou o revmo. Padre num grandioso sermão
cívico dirigido aos legionários que o ouviram comovidos e de
certo cheios de fé e entusiasmo. O padre Helder Câmara, mis-
sionário do Trabalho, em palavras arrebatadoras, mostrou aos
legionários o significado daquele dia, a grandeza da Legião
e a sua força e coesão, juntamente como o valor do operário
cearense que, honesto e disciplinado, dentro da Legião, na luta
pelos seus direitos contra o capitalismo e contra o comunismo
estava apto para forma a grandeza da Pátria pela vitoria dos
seus ideais!
Disse da satisfação de ser missionário do Trabalho, isto é, pa-
dre do operariado, batina sacerdotal no estudo das questões
sociais, influindo nos meios operários, orientando o operaria-
do no caminho do bem e da verdade, lutando pela Pátria e por
Deus!
As palavras sinceras e fervorosas do jovem sacerdote, missio-
nário do Trabalho, encheram de entusiasmo e alegria os cora-
ções dos legionários que aliaram ao fervor religioso o senti-
mento de civismo. Por Deus e pela Pátria! (LEGIONARIO,
06.05.1933, 2)
Entre os que nos lêem, hoje, está a figura respeitável do chefe supre-
mo da nossa cruzada: - Plínio Salgado!
No Ceará, o Integralismo está organizado e representado pela
Legião Cearense do Trabalho!
Os operários desta província são soldados fieis e disciplinados da
Legião Integralista!
Não vos esqueçais jamais desta verdade!
Velai contra as maquinações que se organizam contra a Legião, por-
que os que a combatem ao Integralismo dão guerra! Aproveitai em
favor do movimento que dirigis, esta força que aqui está aquartelada!
Vede-a como talvez o maior núcleo Integralista do país!
E, saudando-vos, em vossa visita à nossa terra, o fazemos em nome
dessas duas forças irmãs:
Legião e Integralismo. (LEGIONÁRIO, 12.08.1933, 1)
Carta, 18.02.1933
[...]
Graças a N[osso] S[enhor] continuo numa atividade enorme, ago-
ra ainda aumentada pela LEC que é um fato no Ceará. Falo que
só o Sucupira. Está uma beleza! Fala-se em assassinatos por parte
dos comunistas. Há felicidade demais para desgraçados como nós!
Vamos iniciar uma campanha imensa: a OIC – Obra de infiltração
Católica – pela sindicalização católica das pequeninas operárias das
[ininteligível]: lavadeiras engomadeiras, domesticas... Ação anti-co-
munista. (Carta de Helder Câmara a Alceu Amoroso Lima, 1931.
Apud ARGON, 2016, 107)
5. Considerações finais
Referências
Fontes
A FAMÍLIA E O COMUNISMO – notável conferência do P. Helder Camara na Liga de
Defesa Nacional. A Offensiva, Rio de Janeiro, p.12-13, 21. Set. 1936
O Dia do Trabalho e as comemorações da Legião. Legionario, Ceará, p.02, 06. Mai. 1933
O Ideal Legionário despertando a mulher operaria – O padre Helder Câmara à frente do gran-
de movimento de sindicalização. Legionario, Ceará, p.5, 15. Mai. 1933.
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In.: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Ja-
naína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 183-191, 2006.
LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In: RÉMOND, Réne. Por uma história
política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 141- 184, 2003.
MOURA, Carlos André Silva de. História Cruzadas: debates intelectuais no Brasil e em Por-
tugal durante o movimento de Restauração Católica (1910-1942). 2015, 443 p. Tese (Dou-
torado em História), Universidade Estadual de Campinas / Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Campinas, 2015.
PILETTI, Nelson & PRAXEDES. Walter. Dom Hélder Câmara, o profeta da paz. 2. ed. São
Paulo: Editora Contexto, 2008.
SILVA, Giselda Brito. O Recife entre a amizade e a política: a geração tradicionalista de 1930
no perfil parlamentar pernambucano. In.: _________. (org.) História do Recife: entre narra-
tivas do passado e interpretações do presente. Rio de Janeiro: Ed. Luminária, 226-254, 2011
Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar o projeto religioso de-
fendido pelo padre Diogo Antônio Feijó enquanto deputado imperial.
Suas atitudes políticas estavam na contramão dos interesses da Santa
Sé, pois sugeria a organização de uma Igreja Nacional que valorizasse
a liberdade do individuo e colocasse fim ao celibato clerical. Para este
sacerdote, a Igreja necessitava de uma reorganização eclesiástica que
encerrasse com os escândalos gerados por padres amasiados. Em seus
pronunciamentos posicionou-se contrário à centralidade papal, a qual
considerava autoritária. Nossa proposta apresenta as semelhanças exis-
tente entre a Igreja Nacional, proposta por Pe. Feijó, e o Anglicanismo.
Introdução
37 Além de ser eleito para diversos cargos políticos, Pe. Diogo Antônio Feijó foi indicado para
ocupar o Bispado de Mariana, Minas Gerais, no ano 1838. Todavia, o religioso liberal declinou do
convite. Não sabemos ao certo os motivos que o levaram a responder negativamente à nomeação,
mas supomos que ele tinha a consciência de que a Santa Sé teria resistência em confirmá-lo
como epíscopo, pois sua atuação política foi marcada por ataques públicos à ortodoxia católica
e ao poder papal. Cf. SOUSA, Octavio Tarquinio. Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Rio de
Janeiro: José Olympio, 1942. p. 262-271.
Histórias, narrativas e religiões 103
Romualdo Antônio Seixas, Arcebispo da Bahia. No segundo grupo, o
nome mais conhecido é do Pe. Diogo Antônio Feijó. A discussão teve
início com a apresentação do projeto liberal que defendia o casamento
clerical e o fim dos frades e freiras no Brasil. A proposta foi submetida
à Comissão de Negócios Eclesiásticos que publicou parecer contrário,
apesar da opinião favorável do Pe. Feijó. Contrariado, este parlamentar
leu seu voto de forma pública e publicou um folhetim (1827) defenden-
do o fim do celibato (WERNET, 1987, p. 81-82).
Embora Feijó seja o nome mais conhecido entre os padres
liberais, cabe ressaltar que ele não agiu sozinho. Outros deputados
sacerdotes concordavam com sua opinião, a saber: José Bento Leite
Ferreira de Melo, José Custódio Dias e Antônio Maria de Moura.
Nem todos acreditavam que o projeto de abolição do celibato era a
melhor opção, mas a maioria admitia que a Igreja se prejudicava ao
manter aquilo que consideravam uma disciplina eclesiástica. Assim,
seria melhor liberar o casamento para evitar os relacionamentos inde-
vidos (SOUZA, 2010, p. 380-388).
A luta em prol do matrimônio sacerdotal era justificada, por Pe.
Feijó, como o caminho para a regeneração da conduta. No jornal Diário
Fluminense, esse padre afirmou que o celibato era uma medida discipli-
nar que necessitava de alteração para ser condizente com o momento
em que viviam. Em sua concepção, os bispos e o papa não permitiam
mudanças na ortodoxia, pois eram afeitos ao poder absoluto (SOUSA,
1942, p. 86-90).
[...] Eu sou católico romano, mas não sou ultramontano, nem pa-
pista. Creio no dogma e na moral cristã, mas muitos artigos de sua
disciplina necessitam de alteração e reforma [...] ultramontanos e
papistas que obedecem ao Bispo de Roma como a seu senhor [...]
se os papas não se julgassem com direito de impor silêncio por meio
de seus terríveis anátemas [...] se uma espionagem vergonhosa não
fosse um dever de todo o católico romano [...] se não foram estes
obstáculos não se teria perpetuado na Igreja a lei do celibato clerical,
que tantos males tem causadado [...]38.
38 Carta de Diogo Antônio Feijó publicada no jornal Diário Fluminense Apud SOUSA,
Octavio Tarquino. Op. Cit., p. 86.
104 Histórias, narrativas e religiões
Ao se declarar católico e não ultramontano/papista, Pe. Feijó
demonstrou não acreditar em uma única maneira de ser católico, ou me-
lhor, em uma ortodoxia universal. Para ele, o papado nada mais era que
uma tentativa de perpetuar tradições construídas de forma autoritária.
O Pe. Luís Gonçalves dos Santos, “Pe. Perereca”, respondeu à
publicação de Feijó através do folheto Réplica Católica, escrito em 3 de
dezembro de 1827. Afirmou que a Constituição do Império conferiu
poderes políticos à Assembleia Geral e não havia nenhum artigo que
autorizava os deputados modificarem as leis e as disciplinas da Igreja
Católica “e muito menos a abolir aquellas, que não agradarem a qual-
quer Ecclesiastico, a quem ellas sejão incommodas, pezadas [...]”39. Luís
Gonçalves dos Santos insinuou que a participação de eclesiásticos na
luta pelo fim do celibato clerical era fruto da vontade pessoal de religio-
sos que desejavam contrair matrimônio.
O “Pe. Perereca” demonstrou seu descontentamento com a ma-
neira que Feijó se referia ao papa e aos padres que resistiam às ideias
pregadas pelos liberais.
42 Arquivo Secreto do Vaticano (ASV), Cidade do Vaticano, fundo do Arquivo da Nunciatura
no Brasil (ANB), fasc. 10, doc. 4, páginas 9-17, voto aberto de Diogo Antônio Feijó, outubro
de 1827.
43 ASV, Cidade do Vaticano, fundo do ANB, fasc. 10, doc. 4, páginas 9-17, voto aberto de
Diogo Antônio Feijó, outubro de 1827.
Histórias, narrativas e religiões 107
deu que a proibição ao matrimônio era fruto da imposição de Gregório
VII (NEVES, 2011, p. 405-406). Opinião compartilhada por Feijó.
44 ASV, Cidade do Vaticano, fundo do ANB, fasc. 10, doc. 4, páginas 9-17, voto aberto de
Diogo Antônio Feijó, outubro de 1827.
45 ASV, Cidade do Vaticano, fundo do ANB, fasc. 10, doc. 4, páginas 9-17, voto aberto de
Diogo Antônio Feijó, outubro de 1827.
108 Histórias, narrativas e religiões
o “Padre Perereca” não estivesse correto em afirmar que as ideias de Feijó
eram calvinistas, mas é possível percebermos uma aproximação com
princípios anglicanos que fizeram com que o rei inglês Henrique VIII
também lutasse pelo fim do celibato.
A postura de Feijó demonstrou que ele não reconhecia no papa
a autoridade suprema sobre todas as questões eclesiásticas. Sua visão
evidenciava que a vontade do povo era soberana e o parlamento era a
expressão deste poder. Assim, a Assembleia Geral poderia extinguir as
ditas disciplinas que não eram condizentes com a realidade da nação.
Ao contestar o Pe. Feijó, Pe. Luís Gonçalves dos Santos ar-
gumentou que o celibato não tratava apenas de uma disciplina cristã,
de maneira que era uma herança deixada pelos apóstolos e confirmada
pelos Concílios. “Padre Perereca” acreditava que o celibato era originário
dos ensinamentos dos apóstolos, e os discípulos de Cristo, ao seguirem o
seu ministério, eram viúvos, solteiros ou abandonaram suas esposas. Para
reforçar seus argumentos, citou a obra de São Jerônimo, que afirmava ser
o celibato uma doutrina essencial aos clérigos46.
Em 8 de dezembro de 1827, cinco dias após a réplica de Luís
Gonçalves dos Santos, o Bispo do Maranhão e deputado, D. Marcos
Antônio de Sousa, lançou uma carta pastoral aos fiéis e sacerdotes de
sua diocese. Nesse documentou, deixou clara sua postura contrária ao
casamento dos padres.
51 BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão 17 de maio de 1828. Brasília: Câmara dos
Deputados. p. 95. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 21 ago. 2014.
52 BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão 17 de maio de 1828. Brasília: Câmara dos
Deputados. p. 96. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 21 ago. 2014.
53 BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão 17 de maio de 1828. Brasília: Câmara dos
Deputados. p. 96. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 21 ago. 2014.
Histórias, narrativas e religiões 113
No debate parlamentar, foram acrescentados ao projeto que proibia os
frades estrangeiros no Império os seguintes artigos:
54 BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão 11 de junho de 1828. Brasília: Câmara dos
Deputados. p. 89. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 21 ago. 2014.
114 Histórias, narrativas e religiões
autorização de qualquer acto religioso.
Penas – de prisão por tres a nove mezes55.
Conclusão
ABREU, Martha Campos. O Império do Divino: Festas religiosas e cultura popular no Rio
de Janeiro (1830-1900). 1996. Tese (Doutorado) – IFCH, UNICAMP, Campinas, SP, 1996.
NEVES, Guilherme Pereira das. A religião do império e a Igreja. In: GRINBERG, Keila; SAL-
LES, Ricardo. O Brasil imperial 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011. v. 1.
ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado (crítica ao populismo católico). São Paulo:
Kairós, 1979. p. 92.
SOUSA, Octavio Tarquino. Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Rio de Janeiro: José Olympio,
1942.
57 COLOMBO, Maria Alzira. Chrétiens et Sociétes XVI e XX siècle. In: Bulletin de l´equipe
RESEA (Religions, sociétes et Acculturation) UMR 5190 LARHRA. nº 13, 2006. p.123
58 FERRARINI, Irmão Sebastião. Síntese Histórica. In: Instituição Marista. Província
Marista de São Paulo. 1984, p.20.
120 Histórias, narrativas e religiões
Após inúmeras solicitações, o Superior Geral da Congregação
em circular, do ano de 1897 relata a ida dos irmãos ao Brasil, conforme
solicitação de Dom Silvério, bispo de Mariana. O superior geral destaca
na circular: “Tenho a satisfação de vos informar que seis irmãos embar-
cam, em Marselha, dia 25 deste mês, (...) para colocar-se à sua disposi-
ção (...). Espero que eles terão da V. Excia a mais paternal acolhida.”59
Em 1897 chegaram ao Brasil os primeiros maristas, em
Congonhas do Campo (MG), onde assumiram a direção de um
Internato. Logo em seguida, desembarcaram no Rio Grande do Sul
mais irmãos maristas. Paulatinamente, estabeleceram relações amistosas
com a elite local e intelectuais. Ao mesmo tempo em que foram am-
pliando a interlocução com outros membros da Igreja, diversificando
seus empreendimentos também para outros estados do Brasil.
A partir do teor básico, herdado do fundador, a congregação
continua com seu pilar no campo educativo. Depois, empreendem em
outras áreas como hospitais, centros sociais e editoras.
Deste modo, o texto questiona quais foram os estabelecimentos
educativos e em quais estados brasileiros os maristas assumiram ações
educativas e apostólicas. Buscando verificar os modos, pelos quais esses
religiosos mantiveram interlocução com intelectuais e com o Estado,
com vistas a garantir credibilidade em seus investimentos educacionais.
Como fontes de investigação, foram analisados os seguintes
documentos: Síntese Histórica, Vinte anos de Brasil, e as circulares do
superior geral.
O primeiro descreve a constituição da Província Marista, ante-
cedendo a atual organização administrativa da congregação.
Vinte anos de Brasil, apresenta os primeiros anos da presença
dos irmãos maristas em território brasileiro, suas dificuldades, seus pro-
jetos e suas conquistas, nos anos de 1897 até 1917. Num tom de crônicas
informais o documento, de autoria do irmão Adorátor, traz informações
significativas da presença dos irmãos maristas no Brasil. Para o presente
texto utilizaremos a versão traduzida da obra, publicada em 2005.
60 AZZI, Riolando. História da educação católica no Brasil: contribuição dos Irmãos
Maristas. Vol.1. São Paulo: Simar, 1996.
122 Histórias, narrativas e religiões
Os primeiros seis irmãos maristas que iniciaram suas ati-
vidades no Brasil foram: Andrônico, Aloísio, Basílio, Luís Anastácio,
Afonso Estevão e João Alexandre. Suas primeiras impressões, a respeito
do Brasil, podem ser percebidas no trecho da carta do irmão Andrônico,
descrito abaixo:
Considerações Finais
74 VIEIRA, Sofia Lerche; FARIAS, Maria Sabino Isabel. Política Educacional no Brasil:
introdução histórica. Brasília: Liber livro Editora, 2007.
75 BITTENCOURT, Agueda Bernadete. O livro e o selo: editoras católicas no Brasil. In:
Pro- Posições. v. 25, n. 1 (73). p. 117-137. Jan./abr. 2014.
128 Histórias, narrativas e religiões
Algumas elites da época apoiaram os projetos maristas, doando
propriedades e intervindo em questões de ordem política para defesa
dos interesses católicos.
Com a ampliação da Instituição e de suas redes de contatos,
verificada pela fundação de escolas, houve a independência administra-
tiva dessa, que a princípio não gozava de gestão financeira e religiosa.
Formou-se assim, várias províncias ou unidades administrativas no ter-
ritório nacional com investimentos em diversos empreendimentos.
Referências
AZZI, R. História da educação católica no Brasil: contribuição dos Irmãos Maristas. Vol.1.
São Paulo: Simar, 1996.
BITTENCOURT, Agueda Bernadete. O livro e o selo: editoras católicas no Brasil. In: Pro-
Posições. v. 25, n. 1 (73). P. 117-137. Jan./abr. 2014.
COLOMBO, Maria Alzira. Chrétiens et Sociétes XVI e XX siècle. Bulletin de l´equipe RE-
SEA (Religions, sociétes et Acculturation) UMR 5190 LARHRA. nº 13. p.123. 2006.
RODRIGUES, Nadir Bonini. Ação inovadora dos Irmãos Maristas no Sul do Brasil: 1990-
2000. Porto Alegre: Maristas, 2000.
ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado (crítica ao populismo católico) São Paulo:
Kairós, 1991.
VIEIRA, Sofia Lerche; FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Política Educacional no Brasil:
introdução histórica. Brasília: Liber livro Editora, 2007
INSTITUIÇÃO MARISTA. Vinte anos de Brasil. Tradução de Virgílio Josué Balestro. Curi-
tiba: Edição do autor, 2005.
Introdução
1. Um Discurso Contundente
76 Atividade de D. David Picão em Santos. 29 nov. II Exército. 1971. Inf. 677/71. Pront. 1421.
– D. David Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
77 D. David Picão, Histórico. 07 out 1966. RPI 2. BC. Folha n. 1. Pront. 1421. – D. David
Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
136 Histórias, narrativas e religiões
que eu quero é provar que a Igreja não compactua com a estrutura ca-
pitalista e as melhores vozes do cristianismo estão dizendo o mesmo”.78
Apesar da recusa, a proposta permaneceu uma preocupante
provocação, causando inclusive a indignação dos vereadores arenistas
na Câmara Municipal. Naquele mesmo mês, falecia Mal. Humberto
Castelo Branco, primeiro presidente do Regime, o que fez com que o
capelão do exército, Pe. Edmundo Cortez, procurasse o bispo para a re-
alização de uma missa de sétimo dia na catedral da cidade. A solicitação
foi negada e a comunidade católica conservadora, que já se encontrava
ressabiada, ficou furiosa.79
Na comemoração do “Dia do Papa”, realizada no dia 02 de
julho, em evento sediado no auditório do Colégio São José, entre uma
apresentação do coral dos alunos e outra, o bispo falou em defesa de
Paulo VI para um público de seiscentas pessoas, na época, coincidente-
mente, também acusado de subversivo. Em março daquele ano, o pon-
tífice publicou em Roma a “Populorum Progressio”, a mais importante
encíclica social de seu pontificado, uma das mais influentes da história
da Igreja e entre as mais polêmicas também, preocupada com os povos
em desenvolvimento e com a distância entre países ricos e pobres:
78 D. David rejeita convite do MDB. Cidade de Santos. Santos, 14 jul. 1967. p.4.
79 D. David Picão, Histórico. 26 jul. 1967. Infe. n. 12. Departamento de Polícia Federal,
Subdelegacia Regional de Santos. Folha n. 3. Pront. 1421 – D. David Picão. DEOPS/SP.
80 No dia do Papa, bispo pede revolução social. Cidade de Santos. Santos, 03 jun. 1967. p.5.
Histórias, narrativas e religiões 137
cristãos, perseguidos e sacrificados pelos métodos mais diversos, o que
também foi uma alusão ao assédio anticomunista existente: “Será que
conosco não acontecerá a mesma coisa? É provável que sim, pois já tive-
mos algumas amostras mesmo no Brasil. Só que hoje os deuses pagãos
que existiam antigamente estão mudados, como também as feras”.81
Consta ainda em relatório que D. David a defendeu contun-
dentemente em palestra no Salão Nobre da Faculdade Católica de
Direito, no dia 28 de outubro de 1967, para um público aproximado de
duzentas pessoas, que contava com a presença do vice-prefeito, deputa-
dos, vereadores e lideranças estudantis. “Não estamos conclamando os
pobres a lutar contra os ricos, conclamamos os pobres para que procu-
rem sua própria promoção”,82 exprimiu-se. Na ocasião, leu também o
“Manifesto dos Bispos do Terceiro Mundo”, capitaneado pelo arcebispo
de Olinda e Recife e inspirado pela mesma encíclica papal, assinado por
dezessete bispos de diversos países, incluindo o próprio D. David.
Na missa em ação de graças ao aniversário do município, re-
alizada na Catedral pela manhã do dia 26 de janeiro de 1968, uma
assembleia repleta de autoridades civis e militares viu o bispo fazer
cobranças duras, lembrando o episódio da explosão do gasômetro
ocorrida no ano anterior, em que cinco reservatórios com capacidade
de 1.658m³ cada foram simplesmente desintegrados em plena ma-
drugada, criando um caos urbano e social na cidade, aumentando o
número de pedintes e gerando repercussão internacional: “A caridade
não tolera ruas e abrigos carregados de mendigos. A liberdade não to-
lera a escravização do homem pela miséria social”.83 Ouviam o sermão
o comandante da praça, deputados, prefeitos e outras autoridades civis
e militares. Mesmo com todos os sinais intimidantes, D. David não
hesitava na postura e no discurso.
81 Idem.
82 Relatório Reservado 301. 30 out.1967. Folha. n. 2. Pront. n. 1421. - D. David Picão. AESP.
Fundo, DEOPS.
83 Relatório Reservado 041. 26 jan.1968. Folha. n. 1. Pront. n. 1421. - D. David Picão. AESP.
Fundo, DEOPS.
138 Histórias, narrativas e religiões
2. O Ano que Não Terminou
84 Baixado Ato contra passeata. Cidade de Santos. Santos, 06 jul. 1968. 2. Cad. p.2.
85 PICÃO, D. David. Manifesto de D. David. Cidade de Santos. Santos, 10/jul. 1968. 1. Cad. p.3.
Histórias, narrativas e religiões 139
mesmo aspecto. Naquele mesmo ano, a diocese aderiu conforme orien-
tação do “Pacto do Rio de Janeiro”, firmado durante a IX Assembleia
Geral da CNBB em 19 de julho de 1968 ao movimento “Pressão Moral
Libertadora”, assinado por 41 bispos e encabeçado por D. Hélder
Câmara, em razão dos vinte anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Tendo o nome alterado para “Ação, Justiça e Paz”, o objetivo
do movimento era o combate a injustiça por meio da não-violência,
servindo como uma alternativa que contrapunha a opção pela luta ar-
mada. A reunião inaugural foi realizada na noite do dia 03 de outubro
no Colégio São José,86 para um público aproximado de mil pessoas, em
sua maioria jovens oriundos de diversas agremiações estudantis.
Os eventos de 1968, no entanto, deixaram a ditadura acuada,
e, com isso, ela acabou mostrando sua face mais nefasta, com a imple-
mentação do Ato Institucional nº5 em 13 de dezembro daquele ano.
No dia seguinte ao decreto, o muro do palácio episcopal amanheceu
pichado com os dizeres “David = Subversão” e “D. David comuna”. As
Igrejas do Embaré, dos Passos no Boqueirão e da Pompéia também fo-
ram vandalizadas. “Comunas cuidado, chegamos” e “David + Sérvulo =
Comunismo” eram algumas das frases. Lideranças políticas da cidade
foram detidas e arrancadas abruptamente de suas casas em plena ma-
drugada, entre elas três padres operários franceses, que atuavam na Zona
Noroeste. Conduzidos ao 2º BC de São Vicente, permaneceram encar-
cerados preventivamente, sendo interrogados um a um.
A repressão também bateu na porta do Palácio Episcopal du-
rante aquela madrugada, sob a ordem de levar o prelado a força. As
prisões e as pichações foram noticiadas na imprensa, mas a ordem de
detenção do bispo diocesano não. Por intervenção do então comandan-
te da Praça, Gen. Belfort Bethlem, católico devoto e participante do
chamado Cursilhos da Cristandade, D. David não foi levado. Segundo
informação recebida da base aérea, no dia 18 daquele mês, Mons. Ary
Aguiar, vigário geral na época, convocou uma reunião com o clero, reali-
zada no Colégio São José, para falar da situação política no país e sobre
86 Relatório Reservado n. 377. 03 out.1968. Folha. n. 1. Pront. n. 1421. - D. David Picão.
AESP, Fundo, DEOPS.
140 Histórias, narrativas e religiões
os acontecimentos na madrugada do AI-5. Nela, também foi redigido
um ofício destinado ao Comandante da Praça, em agradecimento.87
Em 1969, a cidade seria enquadrada na Lei de Segurança
Nacional, ganhando um prefeito interventor. No âmbito eclesiástico, o
recrudescimento do regime geraria uma postura mais cautelosa do pre-
lado, que seria adotada daquele momento em diante pela maior parte
dos bispos brasileiros. O prelado buscaria manter relações diplomáticas
com os militares, orientando até mesmo, conforme informe de 1971,88
que todas as missas e solenidades envolvendo militares fossem tratadas
por ele pessoalmente. Não esperou talvez que seu passado tornava tal
tentativa pouco viável.
3. A Origem da Perseguição
87 D. David Picão: Histórico Político. 27 dez.1968. DOPS/Santos. Folha. n. 3. Pront. n. 1421.
- D. David Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
88 D. David Picão: Histórico. 02 dez.1971. DOPS/Santos. Folha. n. 7. Pront. n. 1421. - D.
David Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
89 Hoje, o bispo comemora 25 anos de ordenação. A Tribuna. Santos. 10 out 1973, Pront. n.
Histórias, narrativas e religiões 141
A fama de subversivo atravessou as jurisdições eclesiásticas, o
tempo e repercutiu pelo país. É justo nesse momento que os militares as-
cendem ao poder, ao mesmo tempo que o progressismo católico, que flo-
rescia aos poucos na década de 1950, despertava a preocupação das elites.
Cabe frisar que a imagem construída a seu respeito não foi
sempre reconhecida. O bispo nunca se intimidou em dar demonstra-
ções de conservadorismo com relação a temas referentes à moral, por
exemplo. Em 1973, tornou pública sua satisfação com a suspensão de
sessenta dias imposta pela censura ao programa de Flavio Cavalcanti,
da emissora TV Tupi. No telegrama enviado por ele e divulgado pela
CNBB, não só aplaudiu o ato, como solicitou que igual rigor fosse im-
posto à imprensa, ao cinema e ao teatro.90 Para o público atual, que en-
xerga na censura uma prática antidemocrática, tal postura soa estranha,
assim como causa certo estranhamento ao pensarmos que David não foi
exceção, pois alguns dos padres e bispos mais abertos se alinharam junto
aos conservadores, como na ocasião em que juntos se opuseram a Lei nº
6.515/77, responsável por instituir o divórcio no Brasil.
Beneficiado pelo tempo, já que sua obra é a mais recente, Paulo
César Gomes (2014) tece uma crítica oportuna a historiografia que
trata sobre os bispos progressistas no período da Ditadura. Para ele, a
simpatia de autores marxistas pela “Igreja Popular” deturpou algumas
concepções, impedindo, por exemplo, que autores citassem o conser-
vadorismo de tais prelados quanto a questões comportamentais (2014,
p.73). Conservador em determinados aspectos ou não, a imagem a ele
atribuída repercutiu negativamente em uma parcela do clero santista.
Ao menos para a espionagem, tratava-se de um grupo pequeno, porém
influente. Os ditos opositores ativos ao bispo diocesano, ganhavam ad-
jetivos elogiosos:
91 D. David Picão. Inf. 667. Serviço de Informações: DOPS/SP. Folha. n. 13. Pront. n. 1421.
- D. David Picão. DEOPS/SP.
92 Ficha de personalidade Pe. Américo Soares: Ficha de Personalidade do Clero. 03 nov.1971.
PB n. 657/71-D. II Ex. Pront. n. 1421. - D. David Picão. AESP, Fundo DEOPS.
Histórias, narrativas e religiões 143
Ligas Camponesas na cidade de Juquiá, jurisdição da Diocese de Santos
naquela época, supostamente propícia para a organização de eventuais
guerrilhas. Com o auxílio do Frei Henrique Maria de Pirassununga,
orientador do Círculo Operário no Embaré, foi posto em prática a tá-
tica de neutralizar as organizações de trabalhadores, criando vertentes
católicas semelhantes. A contribuição de Pestana no campo e no meio
universitário como diretor da FAFI, fizeram dele um aliado do Regime.
Por essas razões, a repressão acusava D. David de persegui-lo antes mes-
mo de tomar posse:
93 D. David Picão: Histórico. 11 out.1966. Infe. 029. 2.BC. Folha n. 1. Pront. 1421. - D. David
Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
94 D. David Picão: Histórico. 26 jun.1967. Pedido de Busca 260. Departamento de Polícia
Federal, Subdelegacia Regional de Santos. Folha. n. 1. Pront. n. 1421. - D. David Picão. AESP.
Fundo, DEOPS.
144 Histórias, narrativas e religiões
A saída de Pestana da diretoria da FAFI, alertada desde antes
da posse do quarto bispo diocesano ocorre finalmente em 1971, de ma-
neira conturbada. O jornal “Casa Amarela”, editado por alunos do curso
de Direito em seu primeiro número publicado no mês de junho daquele
ano, dedicou uma edição extra inteiramente ao episódio, carregando na
capa a chamada: “Prêmio por excelente trabalho: demissão”. Insatisfeito
com os rumos do bispado santista e hostilizado como traidor pelos co-
legas do clero,95 sua permanência na cidade tornou-se cada dia mais in-
sustentável. Pestana se transfere para Petrópolis/RJ, atuando novamente
no meio universitário a pedido de D. Manoel da Cunha Cintra em fe-
vereiro de 1972. Coincidentemente, é perceptível a redução de conteúdo
produzido sobre o então bispo de Santos logo após a sua saída.
Anos depois, uma inesperada notícia chegou a Santos: Mons.
Manoel Pestana era nomeado bispo, o único santista a vestir o solidéu
até os dias atuais. Seu destino foi a Diocese de Anápolis/GO. Sua orde-
nação se deu na manhã do dia 18 de fevereiro de 1979, na Catedral do
Rosário em Santos, pelas mãos do núncio apostólico, com D. David e o
bispo de Petrópolis como consagrantes.
Referência brasileira de conservadorismo para os católicos
amantes da reta tradição, e de fundamentalismo para os seus oposito-
res, sabe-se que nomeações episcopais possuem vínculo direto com as
preferências políticas de cada núncio apostólico. Em 1979, o núncio era
D. Carmine Rocco, enquanto o prefeito da Congregação dos Bispos
em Roma era D. Sebastiano Baggio, responsável por aprovar os nomes
listados pela nunciatura. Juntos, ao lado do brasileiro D. Lucas Moreira
Neves, enfraqueceram a Igreja progressista América Latina por meio da
nomeação de bispos conservadores, uma marca do pontificado de João
Paulo II, polonês e anticomunista (LÖWY, 2000, p.154). Quis a ironia
que D. Manoel Pestana falecesse em Santos, cidade de onde saiu hostili-
zado ainda padre, dormindo em um simples quarto, hospedado junto às
irmãs da Fraternidade Toca de Assis em 08 de fevereiro de 2011.
95 Mons. Manoel Pestana Filho: Ficha de Personalidade do Clero [Confidencial]. 03 nov.1971.
PB n. 657/71-D. II Ex. Pront. n. 1421. - D. David Picão. AESP. Fundo, DEOPS/SP.
Histórias, narrativas e religiões 145
Considerações Finais
96 GRECCO, Pe. Francisco. D. David Picão: Uma história de amor para com a Igreja. Santos.
Presença Diocesana, Santos, Junho/2009, p.9.
146 Histórias, narrativas e religiões
cretas, tendo sido presidente do Regional Sul 1,97 essa informação se
torna elencável.
A ordem de prisão dada a ele, fato raro contra um bispo, no
entanto, é passível de ser elencado ao lado do sequestro cometido contra
o bispo de Nova Iguaçu D. Adriano Hipólito, em 1976, e a prisão de D.
Aloísio Lorscheider na sede do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
(IBRADES), no Rio de Janeiro, durante ação do DOPS em 1970. A
voz de prisão dada a um bispo em plena madrugada do AI-5 trata-se
de um dos grandes abusos cometidos contra o episcopado brasileiro.
Assim como os documentos disponíveis no DEOPS/SP são capazes de
tirar do ostracismo a relação conflituosa deste religioso com os apara-
tos repressivos, com toda a certeza também o são para propiciar novas
produções, possibilitando até mesmo redirecionamentos interpretativos
sobre os conturbados anos de Ditadura Militar.
Bibliografia
ALVES, Marcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979.
FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia
política. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2001.
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
GOMES, Paulo César. Os bispos católicos e a Ditadura Militar Brasileira: a visão da espio-
nagem. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2014. 198p.
LÖWY, Michael. A Guerra dos Deuses: Religião e política na América Latina. Petrópolis:
Vozes, 2001.
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e Política no Brasil. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989.
MATIAS, Rodrigues. Marcha da Família com Deus pela Liberdade. São Paulo: s/ ed, 1964.
SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social. Uma história da Igreja no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo (2a. ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
97 Na divisão administrativa da CNBB, o Regional Sul equivale ao Estado de São Paulo.
Histórias, narrativas e religiões 147
Documentos
Aplausos de D. David a suspensão de Flavio. Cidade de Santos. Santos, 21 mar. 1973. Pront. n.
1421. - D. David Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
Atividade de D. David Picão em Santos. 29 nov. II Exército. 1971. Inf. 677/71. Pront. 1421. – D.
David Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
Baixado Ato contra passeata. Cidade de Santos. Santos, 06 jul. 1968. 2. Cad. p.2.
D. David Picão. Inf. 667. Serviço de Informações: DOPS/SP. Folha. n. 13. Pront. n. 1421. - D.
David Picão. DEOPS/SP.
D. David Picão: Histórico. 11 out.1966. Infe. 029. 2.BC. Folha n. 1. Pront. 1421. - D. David
Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
D. David Picão: Histórico. 26 jun.1967. Pedido de Busca 260. Departamento de Polícia Federal,
Subdelegacia Regional de Santos. Folha. n. 1. Pront. n. 1421. - D. David Picão. AESP. Fundo,
DEOPS.
D. David Picão, Histórico. 07 out 1966. RPI 2. BC. Folha n. 1. Pront. 1421. – D. David Picão.
AESP. Fundo, DEOPS.
D. David Picão, Histórico. 26 jul. 1967. Infe. n. 12. Departamento de Polícia Federal, Subdele-
gacia Regional de Santos. Folha n. 3. Pront. 1421 – D. David Picão. DEOPS/SP.
D. David rejeita convite do MDB. Cidade de Santos. Santos, 14 jul. 1967. p.4.
GRECCO, Pe. Francisco. D. David Picão: Uma história de amor para com a Igreja. Santos.
Presença Diocesana, Santos, Junho/2009, p.9.
Hoje, o bispo comemora 25 anos de ordenação. A Tribuna. Santos. 10 out 1973, Pront. n. 1421.
- D. David Picão. AESP. Fundo, DEOPS.
No dia do Papa, bispo pede revolução social. Cidade de Santos. Santos, 03 jun. 1967. p.5.
PICÃO, D. David. Manifesto de D. David. Cidade de Santos. Santos, 10/jul. 1968. 1. Cad. p.3.
Relatório Reservado 041. 26 jan.1968. Folha. n. 1. Pront. n. 1421. - D. David Picão. AESP.
Fundo, DEOPS.
Relatório Reservado n. 377. 03 out.1968. Folha. n. 1. Pront. n. 1421. - D. David Picão. AESP,
Fundo, DEOPS.
O pacto entre Estado e Igreja, em curso nos anos 50, teve como
objetivo auxiliar no fortalecimento do novo modelo de governo adotado
que se predispunha a tornar os projetos de industrialização e a ideia de
modernização como o caminho mais sensato a ser tomado. Seguindo o
sistema político anterior, a Igreja continuou participando dos eventos
de celebração política, marcando presença nos encontros públicos para
exibir a continuidade de sua influência e fortalecer as forças mais con-
servadoras durante a redemocratização em 1945.
Se durante o início do século XX o objetivo precípuo da Igreja
no Brasil fundava-se em restaurar a sua influência, em meados do século
tornou-se motivar os cristãos a lutarem contra os “erros da modernidade”.
Segundo Katia Abud (1985), uma das críticas que feitas a estes
trabalhos, que tinham as bandeiras como tema e que vigoraram prin-
cipalmente na primeira metade do século XX, corresponde à falta de
criticidade quanto às ações dos bandeirantes. Outrossim, os cronistas
do século XVIII, como Pedro Taques e Frei Gaspar, participaram de
uma construção da identidade bandeirante em contraponto às imagens
depreciativas apresentada pelos jesuítas. As imperfeições das ações ban-
deirantes não eram questões em evidências nas obras, estava fora do
interesse da intelectualidade paulistana que condutas inadequadas pai-
rassem sobre os símbolos de modernidade.
Segundo Love (1982), propagou-se o sentimento coletivo de he-
rança bandeirante entre os paulistas, esta herança explicaria a pretensa su-
perioridade do estado e legitimaria a postura de liderança de seus nativos:
99 Quando tratamos a ideia de “lugar” de produção estamos nos referindo ao conceito explicado
por Michel de Certeau: um lugar de produção que se articula com problemas políticos, culturais
e socioeconômicos. Que está submetido a imposições, ligado a privilégio. Cf. CERTEAU,
Michel de. A Escrita da História. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
156 Histórias, narrativas e religiões
Desde a década de 20, existiam esforços para unir a população de uma
cidade cada vez mais cosmopolizada empreendidos por parte da classe
dirigente e dos intelectuais paulistas. Para esses fins resgataram-se sím-
bolos que buscavam construir uma memória paulista que dessem conta
de organizar a efervescência de uma cidade em acelerada expansão, ten-
tava-se conciliar os símbolos da tradição paulista (bandeirante, jesuíta,
índio, sertanista) com os novos símbolos da capital em crescimento (in-
dústria, imigrantes, artes).
3. Conclusão
Referências
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ro Santo natural do Brasil. Revista Lusitania Sacra, n. 23, p. 243-262, jan.-jun. 2011.
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lo: Mosteiro das Irmãs Concepcionistas (Recolhimento de N. Senhora da Luz), 1993.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2011.
LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da Cidade de São Paulo: uma cidade entre o passado
e o futuro. São Paulo: Annablume, 2004.
LOVE, Joseph L. A Locomotiva. São Paulo na Federação Brasileira. 1889-1937. Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 1982.
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo. Sociedade e cultura nos fre-
mentes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Introdução
100 Cf. Revista Fórum. Bíblia é a principal fonte que embasa a PEC da Redução da Maioridade
Penal. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/04/biblia-e-a-principal-
fonte-que-embasa-a-pec-da-reducao-da-maioridade-penal/ (acesso em 29-11-2015).
101 O artigo 5, inciso VI da Constituição garante a liberdade de culto, a liberdade de crença e
a liberdade de organização religiosa. Já no artigo 19, inciso I, fica expressa a não participação do
Estado em qualquer forma de culto ou organização religiosa (VIANNA, 2014, p. 8).
Histórias, narrativas e religiões 161
Portugal. Além disso, analisaremos as legislações de ambos os países nos
pontos em que versam sobre a relação entre governo e religiões.
A laicidade à portuguesa
102 O regalismo pode ser definido como corrente ideológica bastante próxima à ideia de
secularização, uma vez que defende a submissão da Igreja ao Estado. De acordo com Cândido
dos Santos, trata-se um “sistema jurídico religioso que preconiza a intervenção do Rei ou do
Estado na vida da Igreja” (SANTOS, 1982, p. 171).
Histórias, narrativas e religiões 167
tamente na Igreja e mantinha o Beneplácito régio – com ele, toda deter-
minação papal deveria ser previamente aprovada pelo Estado português.
De acordo com Jorge Miranda, a Constituição Portuguesa de 1911:
Considerações finais
Referências bibliográficas
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planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm (consultado em 13/04/2017).
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934. Online: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm (consultado em 13/04/2017).
CATROGA, Fernando. Entre deuses e césares. Secularização, laicidade e religião civil: uma
perspectiva histórica. Coimbra: Edições Almedina, 2006.
FRANCO, José Eduardo. Relações entre a Igreja e o Estado em Portugal. Tempos e modos:
casamento divórcio e união de facto. Lisboa: CLEPUL, 2012.
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e o Brasil no contexto moderno-global. In: Revista Brasileira de Sociologia, vol. 03, n.06,
jul-dez, 2015.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Trad. José Marcos Ma-
riani de Macedo; revisão técnica, edição de texto, apresentação, glossário, correspondência vo-
cabular e índice remissivo Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Coordenação:
Prof.ª Dr.ª Margarida Fátima Souza Ribeiro (UMESP)
Prof. Dtrndo. Harley Abrantes Moreira (UPE/UNICAMP)
103 Arrebatado pelo espírito é uma expressão que no meio pentecostal está relacionado a um
momento em que o indivíduo tem uma visão por deslocamento sem sair do lugar.
182 Histórias, narrativas e religiões
doações esporádicas de amigos no exterior. Após sete meses em
Belém, congregando na Igreja Batista, ocorreu um cisma a respeito
da sua mensagem pentecostal. Dezenove pessoas foram excluídas da
Igreja Batista e formaram uma nova igreja, a qual adotou o nome de
“Missão de Fé Apostólica”. (FRESTON, 1994, P.81)
(...) e Frida fez tanto barulho que precisou ser silenciada. Mas, no
seu caso, trata-se do silêncio da história oficial, não dos hinos, arti-
gos, poesias e jornais que compôs e escreveu. (...). Também exerceu,
na prática, atividades eclesiásticas, as quais, se ainda hoje não bem
aceitas, convenhamos que, na década de 1920, seriam menos ainda.
(ALENCAR, 2013, p. 119)
3. Envolvimentos educacionais:
Conclusão
Referências bibliográficas
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gião. São Paulo: Paulus, 1985.
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Editorial, 2013.
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escatologia e práxis política no pentecostalismo brasileiro. Trabalho apresentado no XII Sim-
pósio da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR), 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz
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religioso.
SHEDD, Russell P. Justiça social e a interpretação da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2013.
Introdução
104 The Year’s Work in Medievalism foi criado, em 1979, para a publicação de ensaios
relacionados aos Studies in medievalism, organizado por Leslie Workmam até o ano de 1999,
quando Richard Utz assumiu e editoração do jornal.
198 Histórias, narrativas e religiões
onde nasceu, em Réunion, uma ilha no oceano índico, motivou seu na-
cionalismo de forma complexa.
Em Medievalism and The Contemporaneity of the medieval in
Post colonial Brazil, Nadia Altschul (2015, p. 139-140) analisa sobre
a questão da persistência do “medieval” no Brasil pós-independência,
de um lado pela corrente do Medievalism, e por outro, pela crítica li-
terária, utilizando o texto Os Sertões de Euclides da Cunha, que se-
gundo a autora é um dos textos que se remete a fundação da nação
brasileira. Deste modo, Altschul aponta para um desenvolvimento do
Medievalism brasileiro em zonas mais amplas. No entanto, apesar do
prestigioso trabalho de Nadia Altschul sobre o Medievalism brasileiro e
sua contribuição teórica para seu desenvolvimento no campo de estudos
medievais no Brasil, pesquisas em língua portuguesa, praticamente são
inexploradas e, quando são ilustram-se ao abrigo da crítica literária sob
o tema das reminiscências medievais em poemas, canções e livro sem
as reivindicações teóricas do Medievalism. Isto posto, observo o longo
caminho que medievalistas e pós-colonialistas ou modernistas precisam
percorrer para um crescente desenvolvimento teórico e metodológico do
Medievalism no Brasil em molde da crítica historiográfica, sem excluir, é
claro, a interdisciplinaridade que o Medievalism comunga.
105 Não defendo uma continuação dos ideais cristãos medievais da Igreja Católica com os
ideais do protestantismo, criando, portanto, um anacronismo. Chamo a atenção para o fato
de que se ater somente na ideia da fratura causa, portanto, uma impossibilidade de análise das
apropriações de discursos medievais por parte de líderes religiosos tanto dentro do catolicismo
contemporâneo, como dentro das denominações diversas saídas da reforma.
200 Histórias, narrativas e religiões
de nossas investigações” (2013, p. 6). Assim como Richard Utz destaca
a religião como objeto de estudo integrante do Medievalism numa pro-
jeção internacional, me atrevo a corroborar com o autor pelo esforço de
tornar não somente o Medievalism um campo de estudos conhecido
no Brasil, como também desenvolver pesquisas na área de fenômenos
religiosos e suas recepções do medievo, destacando o papel da religião e
de elementos religiosos de inspiração medieval, sob a tutela da categoria
interpretativa do Medievalism.
O Homem
106 As informações sobre a vida e as obras do líder religioso podem ser acessadas através do
site da IMPD, disponível em: www.impd.org.br/institucional
Histórias, narrativas e religiões 201
de Deus, em Moçambique. É na “África imaginada”107 que Santiago
constrói sua imagem legitimadora que o impulsionou para uma inde-
pendência religiosa, fazendo-o criar a sua própria denominação. Forma-
se, portanto, um questionamento: por que só após a sua estadia, em
Moçambique, Santiago encontra fôlego suficiente para fazer frente ao
seu ex-líder religioso e outras denominações?
É na sua “experiência” religiosa, em Moçambique, ou melhor,
na construção do relato da experiência, que reside o principal fator para
sua chegada ao poder eclesiástico. É em Moçambique que Santiago
construíra uma base bastante sólida para sua legitimação a fim de sacra-
lizar-se como líder religioso legítimo, no Brasil.
A construção da Santidade
107 Utilizo o termo “África imaginada” para que o leitor tenha consciência de que a África que
Valdemiro Santiago acredita conhecer é uma África que não conhece Deus, o continente das
trevas, da pobreza generalizada, da ignorância e que soma um elemento fortemente aterrorizador,
o “muçulmano inimigo e infiel”.
108 Para mais informações sobre a discussão em torno da santidade ver: Cf. VAUCHEZ,
André. A espiritualidade na Idade Média Ocidental (séculos VIII a XIII). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1995; VAUCHEZ, André. Cristianismo: dicionário dos tempos, dos lugares e das
figuras. Trad. Abner Chiquieri. Rio de Janeiro: Forense, 2013; VAUCHEZ, André. O Santo.
In: LE GOFF, Jacques. (Dir.) O homem Medieval, Lisboa: Editorial Presença, 1989; GAJANO,
S. B. “Santidade”. In: LE GOFF, J. & SCHMITT, J.C. (orgs.). Dicionário Temático do Ocidente
Medieval. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; EDUSC, 2002; GAJANO, Sofia Boesch.
Santidade. In LE GOFF, J; TRUONG, N. Uma História do Corpo na Idade Média. Trad. M. F.
Peres. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2006.
202 Histórias, narrativas e religiões
trabalho, aprofundá-las. No entanto, é de suma importância assinalar
que a hagiografia, o instrumento mais significante da legitimação de um
santo não atende apenas a um padrão de escrita ou modelo de santidade.
A hagiografia apesar de delimitar sua função, seus elementos
constitutivos, que indicam uma estrutura própria e seu paradigma de
escrita, ela não se encontra enquadrada em um único e imutável mo-
delo. O problema de se pensar em uma continuidade e em padrões de
modelos nas narrativas de vida de santos, mesmo dentro de um período
histórico, está relacionado à utilização de uma mesma linguagem reli-
giosa em contextos, realidades e temporalidades diferentes, que causam
um falso sentido de continuidade no que tange aos fenômenos religiosos
(VAUCHEZ, 1989, p.211). Para André Vauchez, é necessária a des-
construção da ideia de continuidade, principalmente, “no domínio da
religião, sobretudo quando se trata do catolicismo, que tende a realçar
a constância das crenças fundamentais e do seu quadro institucional
ao longo dos séculos”. É na concepção de que os conceitos religiosos
mudam de sentido, tanto quanto, os conceitos históricos, que se pode
observar a historicidade dos conceitos dentro da comunidade religiosa
nas diferentes temporalidades. Dessa forma, tornar-se santo correspon-
de ao contexto e às demandas de interesse no social e no político, sen-
do possível a apropriação desse fenômeno por outros tempos históricos
pós-medieval.
É através de O grande livramento, entendido, neste trabalho,
como um paradigma hagiográfico, constituído por uma estrutura con-
tínua de afirmação de uma identidade santificada, que sustento que o
fenômeno da santidade estende-se para além da Igreja Católica.
O grande livramento é apresentado como uma obra pessoal, de-
monstrando a ação de Deus através de livramentos. Além disso, explica
o porquê deles. O livro relata as inúmeras vezes que a vida do apóstolo
foi salva pela ação da providência divina. A obra corrobora a tese segun-
do a qual Deus interveio na vida de Valdemiro Santiago para que ele
pudesse testemunhar o seu poder.
Ele começa a narrativa, daquilo que denominou de O grande
livramento, aludindo, por meio de uma epígrafe o livro de Isaías. Trata-
Mas agora, assim diz o Senhor, que te criou, ó Jacó, e que te formou,
ó Israel: não temas, porque eu te remi; chamei-lhe pelo teu nome,
tu és meu. Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando,
pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não
te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque eu sou o Senhor,
teu Deus, o Santo de Israel, o teu salvador... Is 43.1-3 (OLIVEIRA,
2009, p. 17)
Fonte
OLIVEIRA, Valdemiro Santiago de. O grande livramento. 2. Ed. São Paulo: IMPD, 2009.
Bibliografia
AMARAL, Clinio de Oliveira. O culto ao infante santo o projeto político de Avis (1438-
1481). 2008. 374f. Tese (Doutorado em história). Centro de estudos gerais, Universidade Fede-
ral Fluminense, Rio de Janeiro, 2008.
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vol.120, nº 2, 2005.
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WARREN, Michelle R. Creole Medievalism: Colonial France and Joseph Bédier’s Middle
Ages. University of Minnesota Press, 2011.
Introdução
Conceitos e Contextos
A Biografia de Vanorden
Hemisfério Norte:
Hemisfério Sul:
Conclusão
Bibliografia
Obras
ALVES, Rubem. Protestantismo e Repressão. São Paulo: Ática. 1979.
MATOS, Alderi S. O Discurso de E. Vanordem contra a Escravidão no Rio Grande do Sul in:
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gia da Religião: Enfoques Teóricos, Ed. Vozes, Petrópolis, 2003, p.36-66.
SILVA JUNIOR, Aroldo da – “Um olhar sobre as diversas formas de alteridade” in: Antropo-
logia: aproximando-se do “outro” em meio a tensões da subjetividade e cientificidade, Revista
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SOUSA, Octávio Tarquínio de. A Constituição Imperial brasileira in: Tres Golpes de Estado:
História dos fundadores do Império do Brasil, vol. 128, Itatiáia/Edusp, Belo Horizonte-São
Paulo, 1.988, p. 167.
Sites da Internet
109 SIMONTON, Ashbel Green. O Diário de Simonton. São Paulo: Editora Cultura Cristã.
2002. p. 181.
Histórias, narrativas e religiões 229
David Gueiros que chegou a essa conclusão ao fazer uma minuciosa
pesquisa as correspondências trocadas entre os missionários Simonton e
Alexander Lattimer Blakford110.
No dia 5 de novembro de 1864 saiu o primeiro volume do
periódico que sem grandes surpresas, gerou fortes repercussões entre
o Império Brasileiro e a Igreja Católica, até o então a igreja oficial do
estado. Levando em consideração que nesse momento não existia a li-
berdade de culto no Brasil, assim que o periódico surgiu a ordem ultra-
montana reagiu com denúncias e acusações contra esses protestantes em
seus jornais como, por exemplo, o Cruzeiro.
O Cruzeiro do Brasil no dia 06 de novembro de 1864 denunciou
o surgimento de um jornal protestante na Corte111. Uma vez pedindo
para o Vigário Capitular do Rio de Janeiro investigar o caso e a tomada
de providências como Chefe dos Bispados, os ultraconservadores cató-
licos perceberam que o governo não impediu a publicação da Imprensa
Evangélica. Desse modo, os ultramontanos saíram com um editorial
muito conciso sobre a eventualidade, registrando assim nas páginas do
Cruzeiro no volume do 13 de novembro daquele mesmo ano que o jor-
nal evangélico estava inoculando a população com o “veneno mais cor-
rupto”, por meio de suas reuniões e pelas distribuições de “bíblias falsas”
e que agora se encontravam com um jornal, “o mais poderoso meio para
espalhar seu crime”112.
Se por um lado a Imprensa conviveu com uma forte oposi-
ção dos jornais ultramontanos como o Apóstolo e o Cruzeiro, por outro
o Diário do Rio de Janeiro e o Jornal do Commercio saudaram com
simpatia o novo periódico. Outra questão importante é que o jornal
evangélico foi bem recebido entre os círculos liberais e também era lido
por diversos padres católicos que o assinavam. Entre os seus assinantes,
Gueiros registra que existiam um número considerável de pessoas de
119 SANTOS, Edwiges Rosa dos. O Jornal Imprensa Evangélica: diferentes fases no contexto
brasileiro (1864-1994). São Paulo: Editora Mackenzie, 2009. p. 50.
120 Ibidem, p. 51.
Histórias, narrativas e religiões 233
Princeton, assim que desembarcou no Brasil trouxe consigo cartas de
apresentação fornecidas pelo reverendo James Cooley Fletcher. Tais
cartas deveriam ser entregues as pessoas das mais altas classes do impé-
rio. Em um primeiro momento da sua presença no Brasil, Simonton se
dedicou a aprender a língua portuguesa, servindo assim como capelão
voluntário para mecânicos escoceses, ingleses e irlandeses na corte121.
O missionário também se disponibilizou a prestar serviços pas-
torais visando os imigrantes americanos que moravam no Rio de Janeiro.
Para que viesse a desenvolver essas atividades, Robert Wright da firma
Maxwell, Wright & Co, empresários do café, o apresentou para o Consul
estadunidense. A partir deste momento, Robert S. Scott o convidou para
ministrar um culto dentro do consulado americano. Interessante per-
ceber que neste segundo grupo pastoreado por Simonton era formado
por engenheiros e empreiteiros de obras fixados no Rio para concluir as
construções da estrada de ferro ordenada por Dom Pedro II122.
Observando a movimentação de Simonton, podemos ver que
os trabalhos eclesiásticos desenvolvidos pelo ministro lançavam-no di-
retamente entre os agentes sociais no qual a elite política e empresarial
cultivava a expectativa da promoção de um impulso do país para um
determinado nível técnico que traria a modernização para o Brasil.
Mesmo com as articulações políticas e a proteção dos seus con-
tatos pessoais da diplomacia norte americana que o protegia de possíveis
retaliações, David Gueiros mostra que o missionário ainda apresentava
um certo medo das possíveis oposições dos setores mais conservadores
da sociedade. Como possuía bastante contato com o reverendo meto-
dista Robert Reid Kalley, provavelmente Simonton temia o surgimento
de um ataque ultramontano similar ao que aconteceu com o metodista
na Ilha da Madeira.
Na sua leitura sobre a sociedade brasileira, Simonton sempre
se colocou contrário a escravidão no império, levantando uma influente
voz pró-imigração protestante na década de 1850. Em suas cartas, o re-
124 SANTOS, Edwiges Rosa dos. O Jornal Imprensa Evangélica: diferentes fases no contexto
brasileiro (1864-1994). São Paulo: Editora Mackenzie, 2009. p. 70.
125 SANTOS, Edwiges Rosa dos. O Jornal Imprensa Evangélica: diferentes fases no contexto
brasileiro (1864-1994). São Paulo: Editora Mackenzie, 2009. p. 77.
236 Histórias, narrativas e religiões
a ascensão de um novo agente social: a classe de agricultores paulista do
café, portadores de uma mentalidade empresarial e capitalista.
Dentro deste contexto floresceu na década de 1870, a propa-
ganda republicana que aos poucos começou a ganhar mais e mais es-
paço devido a formulação do manifesto republicano que acima de tudo
aglutinou ao seu redor intelectuais, juristas, políticos, militares, maçons
e profissionais liberais ao seu favor. Naturalmente o resultado desses
movimentos políticos foi o aumento da pressão das ideias liberais, posi-
tivistas e anticlericais e anti-escravocratas no jogo imperial.
Olhando para o cenário da sociedade, os missionários busca-
ram uma maneira peculiar de inserir a nova religião no país. Utilizando-
se da ideia de progresso paulatinamente o protestantismo passou a ser
visto como uma religião de pessoas esclarecidas e cultas entre alguns
liberais, enquanto o catolicismo cada vez mais se tornava o “culpado” do
atraso econômico, social e político do país na retórica anticlerical.
O imaginário popular que estava para se formar na mentali-
dade dos simpatizantes a causa protestante foi forjado também pelos
próprios missionários estrangeiros que se esforçavam para reforçar esta
autoimagem nos seus discursos e textos publicados. Como articulavam
um diálogo entre pensamentos liberais previamente difundidos na sua
sociedade de origem com a leitura bíblica, esses homens denunciaram
comportamentos e instituições sociais como a não laicidade do estado, a
ausência dos casamentos civis, as precariedades do sistema educacional
e escravidão no país126.
A consequência direta dessa absorção de valores progressistas
no pensamento missionário presbiteriano foi a reflexão metodológica
das ações missionárias. Assim, nesta recém-conhecida estrutura social,
esses estrangeiros tiveram que investir em práticas que possibilitassem a
fixação da religião protestante e que reforçassem o discurso propagado.
Buscando aproveitar então as lacunas deixadas com o término
do exclusivismo apostólico romano, não só os presbiterianos, como tam-
bém os batistas, metodistas e congregacionais buscaram acentuar suas
129 ROSI, Bruno Golçalves. James Cooley Fletcher, o missionário amigo do Brasil. Almanack.
Gurulhos, n.05, p.62-80, 1° semestre de 2013.p. 67.
130 KIDDER, D. P.; FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros, esboço histórico e descritivo. São
Paulo: Companhia Editora Nacional. 1941, p. 148.
Histórias, narrativas e religiões 239
e relatos de missionários ao redor do mundo. Todavia com o avançar do
tempo, a natureza do conteúdo começou a passar por algumas trans-
formações importantes. Visto isto, com o desenrolar do jogo político e
social e as alternâncias de chefes de Imprensa, textos sobre a liberdade
de culto, casamento civil, política externa e interna passam a compor
com cada vez mais força as páginas do periódico.
Conclusão
Referências
FEITOZA, Pedro Barbosa de Souza. A “Imprensa Evangélica” como estratégia para inserção
do protestantismo no Brasil Imperial. In: Encontro Regional da ANPUH-Rio: Memória e
Patrimônio, 14, 2010, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos. Rio de Janeiro: ANPUH, 2010. Dis-
ponível em: <http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276743612_ARQUI-
VO_AImpren saEvangelica-ANPUH.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2016.
SANTOS, Edwiges Rosa dos. O jornal Imprensa Evangelica: diferentes fases no contexto bra-
sileiro (1864-1892). São Paulo: Editora Mackenzie, 2009.
SIMONTON, Ashbel Green. O Diário de Simonton. São Paulo: Editora Cultura Cristã.
2002.
134 Termo adotado por diversos autores entre eles Pierruci &Brandi (1996)
Histórias, narrativas e religiões 247
sui especificações doutrinárias e comportamentais (Mariano, 1999,37).
Se nos atentarmos as pregações iniciais das igrejas como Assembleia
de Deus e Cristã do Brasil a condenação do enriquecimento pessoal e
a participação em assuntos considerados mundanos se mostravam bem
mais presentes. A riqueza é aceitável apenas no reino dos céus, a par-
ticipação política também se mostrava um assunto destinado aos não
crentes, que não estão a serviço da fé.
O neopentecostalismo modifica esses dogmas, o papel do cris-
tão não se destina somente a orar, jejuar e ler a bíblia, agora se faz ne-
cessário a participação dos homens de Deus em todas as esferas da vida
social, sobretudo da política.
136 http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-
10-anos-aponta-ibge.html acesso> 30/04/2017
Histórias, narrativas e religiões 249
o grande anseio de prosperar. Com plano politico apresentado para con-
correr às eleições, Pr. Everaldo defendia questões como: a vida humana
já entendida no momento da sua concepção, economia livre a partir do
empreendedorismo individual, proteção da vida e da família e parcerias
entre o público e o privado a fim de favorecer a concorrência.
O Pr. Everaldo não venceu as eleições, mas foi visto por mi-
lhares de pessoas espalhas pelo Brasil que muitas vezes não sabiam nem
ao menos suas propostas no âmbito econômico, mas levava em mente
a titulação de pastor, de homem de fé, do homem de Deus na política.
Embora, por meio de uma análise superficial se mostre claro que o apoio
dos evangélicos se deu pela identificação religiosa, não podemos tratar
os fiéis como ingênuos ou menosprezar a sua capacidade de escolher um
candidato que atenda seus reais interesses.
No ano de 2009 o governo federal lançou o Terceiro Programa
Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), instituído pelo decreto
nº7.037 com resoluções e propostas aprovadas em conferências temáti-
cas no ano de 2003. O PNDH-3, consiste em propostas em áreas como
segurança alimentar, educação, saúde, habitação, desigualdade racial, di-
reitos da mulher, juventude, crianças e adolescentes, pessoas com defici-
ência, idosos, meio ambiente etc,o PNDH-3 não possui força como lei,
tem caráter de sugestão.
O Eixo número III137, se mostrou uma verdadeira arma do dia-
bo contra a igreja, analisaremos o exemplo do pastor Silas Malafaia, a
respeito do PNDH-3, em um vídeo no canal do youtube138, o pastor
trata deste eixo como, desconstrução da heterossexualidade e privilégios
para homossexuais, em suas palavras para transformá-los em cidadãos
de primeira classe. Ao final deste vídeo o pastor alerta seus ouvintes
sobre a necessidade de escolher bem os políticos, principalmente depu-
Considerações Finais
Referências
DUARTE, T. Santos. “ A casa dos Ímpios se desfará, mas a tenda dos retos florescerá”: A Par-
ticipação da Frente Parlamentar Evangélica no Legislativo Brasileiro, dissertação de mestrado
em antropologia social PPG- Unb, Brasília,2011.
PIERRUCI, Antônio Flavio & Prandi, Reginaldo. A realidade social das Religiões no Brasil:
Religião, sociedade e Política. São Paulo: Hucited,1996.
140 É importante frisar que movimentos carismáticos existiam desde o século II. Segundo
Leonildo Silveira Campos (2005), essa “recarismatização” já vinha sendo cogitada por um cristão
do século II, que tentava trazer de volta práticas religiosas do cristianismo primitivo: “Há quem
atribua a Montano, um cristão do segundo século, a luta pela recarismatização da cristandade.
Isso porque, segundo Montano, por volta do ano 150, os cristãos já haviam abandonado certos
carismas, por exemplo: “falar em línguas”, “receber revelações divinas” ou esperar pelo poder
da divindade, “sinais”, “curas” e “maravilhas”. Ora, as consequências da pregação de Montano
foram intensas e fortes, pois séculos depois ainda existiam comunidades cristãs com um perfil
semelhante ao de igrejas pentecostais modernas.” (CAMPOS, 2005, p. 103).
Histórias, narrativas e religiões 257
antes da volta de Cristo, mudança impulsionada também pela secula-
rização pela qual passaram as igrejas (na aproximação com a política,
meios de comunicação e bens materiais).
Segundo Ricardo Mariano (2005), o pentecostalismo, ao qual
chamaremos aqui de pentecostalismo contemporâneo teve sua expan-
são em 1906, pela ação do pregador Wiliam Seymour que intermediou
o batismo no Espírito Santo na Rua Azusa, em Los Angeles. O fenô-
meno ganhou notoriedade e foi nomeado como “Avivamento da Rua
Azusa”, fato que chamou a atenção da sociedade e imprensa estadu-
nidenses (CAMPOS, 2005). Naquele dia, foram batizados homens e
mulheres, que se uniam a Seymour para ouvir suas pregações; em clima
de paz, congregavam brancos e negros. Por um tempo viveram em clima
de democracia racial nos Estados Unidos.
141 Mariano (2005) nomeia as três ondas pentecostais mediante a história e o contexto
do pentecostalismo no Brasil: Pentecostalismo clássico (primórdios do século XX),
Deuteropentecostalismo ou segundo pentecostalismo (metade do século XX) e, por fim,
Neopentecostalismo (final do século XX); contudo, até hoje essa nomenclatura não é
unanimidade entre os pesquisadores. Destacamos ainda a classificação de Paulo Donizéti
Siepierski (1997) sobre o pós-pentecostalismo como a melhor nomenclatura a ser utilizada
sobre o que corresponde à terceira onda, levando em conta mudanças de ordem social, política
e escatológica.
262 Histórias, narrativas e religiões
reconhece que, “enquanto as duas primeiras ondas não apresentam
diferenças teológicas significativas entre si, verifica-se justamente o
oposto quando se compara o neopentecostalismo às vertentes pen-
tecostais que o precederam”. Ora, se o neoclássico é o neo porque
não difere significativamente do clássico, por que neopentecostalis-
mo se ele difere sobremaneira do pentecostalismo que o precedeu?
Ademais, tradicionalmente, o prefixo neo tem sido relacionado com
continuidade e não com ruptura É por isso que, em outros lugares,
neopentecostalismo é utilizado para indicar uma renovação caris-
mática ocorrida no seio das denominações protestantes, pois ela não
diferiu significativamente do pentecostalismo anterior. Essa renova-
ção carismática também aconteceu na Igreja Católica, mas ali, como
não havia um pentecostalismo anterior, foi designado simplesmente
renovação carismática (SIEPIERSKI, 2003, p. 77-78).
Conclusão
Referências
BITUN, Ricardo. Igreja Mundial do Poder de Deus: rupturas e continuidades no campo re-
ligioso neopentecostal. São Paulo: PUC-SP, 2007. (Tese de Doutorado em Ciências Sociais.)
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WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva (v. 1). 4 ed.
Brasília: Ed. UnB, 2014.
Coordenação:
Prof.ª Dr.ª Karina Kosicki Bellotti (UFPR)
Prof.ª Dtrnda. Sara Cristina de Souza (UNICAMP)
Introdução
Aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos
pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do pre-
sente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar,
é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou outra
condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo
que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história
a meio-caminho de nós mesmo, quase em retirada, às vezes velada.
(CERTEAU, 2002, p. 31)
Por sua vez, Tuan não realiza uma divisão entre os espaços pú-
blicos e privados, mas sim entre “espaços” e “lugares”. O autor, ao re-
pensar tais conceitos sob a ótica da experiência, não trata tais definições
enquanto estáticas na medida em que são históricas, assim como depen-
dem do referencial cultural estudado.
A intenção do autor não é “escrever um manual sobre a influência
das culturas nas atitudes humanas em relação a espaço e lugar” (TUAN,
1983, p. 06), mas sim pensa-los a partir da experiência. Para Tuan
Imagem 03: Rosemary sendo acolhida por seus convidados. Disponível em:
ROSEMARY’S BABY (O Bebê de Rosemary). Direção de Roman Polanski.
Roteiro de Roman Polanski. USA. Produzido por William Castle e Paramount
Pictures. Dist. Paramount Pictures. 1968, 1 disco (2h 22 min.) DVD
Referências
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dad. Barcelona: Editorial Gedisa, 2000
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 2: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes, 2002
CERTEAU, Michel de. GIARD, Luce. Entremeio. In: CERTEAU, Michel de. A invenção do
cotidiano 2: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes, 200
MAYOL, Pierre. Morar. In: CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 2: morar, cozi-
nhar. Petrópolis: Vozes, 200
Reunião da Prosperidade
Todo mês tem sido uma luta para você conseguir pagar as contas?
As dívidas parecem não ter fim? Com isso o seu casamento foi pre-
judicado e você gostaria de poder fazer muito mais pela sua família,
mas não pode?
Os problemas financeiros fazem parte da vida da maioria da popula-
ção, e o mercado oferece muitas formas para tentar solucionar essas
dificuldades e prosperar. Porém, para se estabelecer financeiramente,
A importância da testemunha
Cada fiel que atinge seu objetivo e pode sacrificar mais e me-
lhor é convidado a testemunhar publicamente ou através da produção
de um vídeo. Os testemunhos são transmitidos pelos canais de TV ou
pelo canal Univer, divulgados no canal Youtube e redes sociais. Assim,
ser uma testemunha do Congresso para o Sucesso é ter atingido um
patamar social sonhado por boa parte da população brasileira: 5 minutos
de fama, enquanto ator representando a própria ficção, a própria história
de transformação; e, mais ainda, pelo fiel iurdiano que se entende, agora,
em sociedade com o maior dos sócios: o próprio Deus.
Diante desse emaranhado de atividades, comprova-se que a
IURD é uma igreja de alto poder administrativo e grande em elaboração
de táticas e estratégias para continuar crescendo no mercado religioso.
Conclusão
Referências
TAVOLARO, Douglas. O Bispo: A história revelada de Edir Macedo. São Paulo: Larousse,
2007.
Introdução
Referências
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co. São Paulo: UNESP, 2004.
LESSA, Vicente Themudo. Anais da 1ª Igreja Presbiteriana de São Paulo. 2ª ed. São Paulo:
Cultura Cristã, 2010.
MATOS, Alderi Souza de. Erasmo Braga, o Protestantismo e a Sociedade Brasileira. São
Paulo: Cultura Cristã, 2008.
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2006.
SANTOS, Edwiges Rosa dos. O Jornal Imprensa Evangélica. São Paulo: Mackenzie, 2009.
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UNB; São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.
Vol.2. p. 188.
__________. Os três tipos puros de dominação legítima IN: COHN, Gabriel (org.). Weber.
Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 2003. p.128-141.
Introdução
isto foi sempre muito leve, porque eu sempre penso que eu faço as
coisas não porque eu sou da Congregação e sim pelos princípios
que aprendi. Eu digo para os meus filhos que independente deles
serem ou não da Congregação, tem princípios que são cristãos e você
tem que manter e é lógico que tem coisas que fazem parte de um
determinado grupo, só que se nós começarmos a refletir e ver aonde
isto nos leva e como eu sou da Educação, você começa ver muito
este prejuízo: a mídia começa a naturalizar as coisas que não devem
ser naturais e talvez isto me ajudou mais a não me aproximar desta
mídia tão aberta, vamos pensar assim. Eu preciso dela para estudar,
eu preciso dela para viver hoje? Mas eu não preciso abrir ela para
um domingo com o Faustão. [...]. Por exemplo: numa novela tem
sempre um esperto, um vilão. Quem é esta pessoa? Para se dar bem
na vida tem que ser assim? Ou então, é normal que eu tenha uma
casa com os filhos, mas que eu tenha um relacionamento a parte. É
natural isto aí? Será que as pessoas são preparadas para isto ou para
pegar nas entrelinhas o que tem em um programa? Por que eu tenho
que trazer para casa um programa que fala de todas as destruições
e mazelas da sociedade? Para isto é só ver: vai lá no Fórum! Pega
dados de verdade. Alguém está ganhando muito dinheiro com isto.
Para ele quanto mais ele falar, melhor é, mas vai ter um público que
324 Histórias, narrativas e religiões
assiste a ele? Então eu penso assim: não é só a questão de ligar ou
desligar, a questão é saber quais são os programas realmente didá-
ticos. Eu tenho observado que os programas que são didáticos eles
passam em horário que não é, não é [não é nobre] Aí você observa
que alguns programas como o TV Cultura, Globo Rural. Que horas
que passam? Na escola, não existe um preocupação em orientar os
alunos quanto a ser crítico da mídia. Se não tem na Escola e não tem
na Igreja, quem vai educar estas crianças? Qualquer mensagem serve
e eu não sei até quando! (Maria Pressuto, CCB de Porecatu. Data da
entrevista: 03/04/2017).
151 Maria Pressuto é pedagoga, com um curso interrompido em ciências sociais na UEL, para
se dedicar aos filhos, retomando seus estudos em Pedagogia e se especializando em Educação
Especial, Educação Infantil, Neuropedagogia, Psicopedagogia e ainda cursando a Especializa-
ção em Psicopedagogia com foco no trabalho das múltiplas inteligências e ainda, uma Pós-gra-
duação em dislexia. Seu marido é Graduado em Processamento de Dados com Especialização
em Estratégias Empresarial e Consultoria. Seus dois filhos também vem seguindo trajetórias
semelhantes, com o mais velho (27) formado em Direito pela PUC de Maringá e o mais novo
(24) concluindo a graduação em Medicina pela UEL.
Histórias, narrativas e religiões 325
desconsiderar a possibilidade proporcionada por um sujeito de pesquisa
com características peculiares como as dela.
152 A dimensão da sala tem como um dos objetivos, receber pessoas próximas, geralmente,
depois dos cultos. Muitas vezes os membros se reúnem para contar suas experiências com o
sagrado, catarem hinos e tocar instrumentos.
Histórias, narrativas e religiões 327
comportamentos. Saímos para conhecer sua chácara, e ele me mostrou
as instalações de sua antiga produção de fumos (segundo ele o comercio
tinha fins medicinais). Conversamos aproximadamente duas horas. Era
já 17h00min, quando ele me chamou para irmos até a casa de seu pai,
que ficava 1 km da sua. Ao chegar lá fomos convidados para sentar na
varanda. Sua mãe pegou várias cadeiras, iniciando conosco outra série de
assuntos. Seu pai estava tomando banho, já se preparando para o “culto”,
mas seu irmão mais velho já estava pronto, dizendo empolgadamente
estar indo buscar o dono da venda para ir ao culto naquela noite. Assim
que seu pai acabou de se arrumar, uniu-se a nós, alimentando o circuito
de diálogos. Mais a frente ele me chamou para conhecer sua casa. Era
mais bem planejada e espaçosa que a de Israel, com uma cozinha sob
medida que havia sido instalada há pouco, mas segundo eles, “precisan-
do de alguns ajustes”. A sala, assim como a de Israel, possuía dimensões
bem maiores que os outros cômodos da casa, espaçosa, com vários locais
para se sentar e sem aparelho de televisão. Depois deste momento, vol-
tamos para a casa de Israel para tomar banho e nos arrumarmos para o
evento. Estávamos pronto para irmos ao “culto”...
Conclusão
Bibliografia
CÔRREA, Manoel Luiz Gonçalves. As Vozes Prementes. Campinas-SP: Ed. Unicamp, 1989.
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doutorado em Teologia apresentada da Faculté Autonome de Theologie Protestante de l’Uni-
versité de Genevè. Genebra: Université de Genevè, 2001.
Introdução
“Mito é a religião do outro” – Joseph Campbell
154 Abordaremos este conceito com mais profundidade ao final deste ensaio.
338 Histórias, narrativas e religiões
amarração teórica e conceitual sobre esta religião, que conduz em seu
seio uma mística crística, que perpassa por caminhos que se pautam
em saberes, crendices e valores populares que se confluem naturalmente
com a condição imaginaria e cultural brasileira.
A expressividade deste repertório cultural religioso é perceptí-
vel quando retomamos os textos que narram quanto ao surgimento da
Umbanda no Brasil, que ao longo deste, mais de um século da história
de sua fundação, espalha pelo país nuances diversos em seus ritos, práti-
cas e símbolos, que no decorrer deste período mantiveram-se vivos em
decorrência da transmissão oral, que irromperam estilos díspares quanto
as formas de Umbanda, a exemplo disso, encontramos habitualmente
nas literaturas uma vasta lista de nomenclaturas para esta religião como
Umbanda Branca, Umbanda Omolokô, Trançada ou Mista, Umbanda
Esotérica, Umbanda de Caboclo, Umbanda Eclética, entre tantas outras
variações, mas que indiscutivelmente abrigam em seu intimo a manifes-
tação do espírito para uma Umbanda: de humildade, amor e caridade.
Conquanto, para fins deste estudo tomaremos como parâmetro a
Umbanda Originária, cognome adotado pelos autores para referenciar
a então intitulada primeira tenda de Umbanda, a Tenda Espírita Nossa
Senhora da Piedade, na qual percebemos uma fidelidade aos ritos que
tradicionalmente foram oralizados, todavia, não nos cabe e ou interessa
fazer distinção entre certo ou errado dos demais ritos provenientes das
outras possibilidades da religião que indubitavelmente manifesta-se
“como um organismo vivo” (CUMINO, 2015, p.33).
B. Pontos Cantados
Referências
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balizado. Tradução Vinicius Sprigio. São Paulo: Hedra, 2013
155 . “Designei com o conceito de técnica aquele conceito que torna os produtos literários
acessíveis a uma análise imediatamente social e, portanto, a uma análise materialista. Ao mesmo
tempo, o conceito de técnica representa o ponto de partida dialético para uma superação do
contraste infecundo entre forma e conteúdo”. (BENJAMIN, 1987, p.122)
156 . Este conceito é de Bertolt Brecht, que acreditava poder “caracterizar a transformação de
formas e instrumentos de produção por uma inteligência progressista e, portanto, interessada
na liberação dos meios de produção, a serviço da luta de classes”. (BENJAMIN, 1987, p.127)
362 Histórias, narrativas e religiões
do leitor um montador potencial e assim o leitor também se torna um
autor” (LEONEL, 2015, p.407).
Entendo os conceitos-imagem como “encaminhamento para a
compreensão”, sem a pretensão essencialista de defini-los de uma vez
por todas, pode-se dizer que eles seguem uma certa ordem e tudo co-
meça com a experiência vivida na relação entre o espectador e esta nova
forma de linguagem.
Referências
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SANTIAGO, Elio Roberto Pinto Filho. Pentecostalismo e cultura brasileira: para uma in-
terpretação do pentecostalismo a partir de usa relação com a cultura. [Tese de Doutorado]
Introdução
Bourdieu nos ensina que “toda seita que alcança êxito tende a tor-
nar-se Igreja, depositária e guardiã de uma ortodoxia, identificada
com as suas hierarquias e seus dogmas” (...) A partir do modelo
“bourdiano”, comparo a Federação Espírita de Umbanda com a hie-
rarquia eclesiástica e Zélio de Moraes com a figura do profeta, isto
é, aquele que pelo exercício legítimo do poder religioso – que no
nosso caso é a manifestação de uma entidade espiritual que se apre-
senta como fundadora da Umbanda – teria condições de competir
no campo religioso com o monopólio doutrinário difundido pela
Umbanda institucionalizada, pondo em risco a legitimidade da nova
religião. (OLIVEIRA, 2007, p.114-115)
157 Diana Brown, por exemplo, afirma que durante suas pesquisas constatou que a história do
médium e de seu guia espiritual não era amplamente conhecida entre os umbandistas.
Histórias, narrativas e religiões 373
José Henrique expressa que não pretende defender a ideia de
que as práticas umbandistas não existissem anteriormente ao que chama
de anunciação da Umbanda através do Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Seu estudo considera que a manifestação do caboclo representa o rom-
pimento entre o que era conhecido por baixo-espiritismo ou macumba,
com o que se chamava de Espiritismo de Umbanda ou Umbanda Pura,
na obra dos intelectuais umbandistas. Para o autor a divisão é clara entre
uma seita resultante de um ritual heterogêneo, praticada pelos segmen-
tos subalternos da sociedade e a nova religião que se apropriou da filo-
sofia kardecista, sendo professada e comandada por elementos da classe
média em ascensão.
Finalmente, assim como Brown, entende que a partir de 1945,
com o fim do Estado Novo, a Umbanda ganhou maior visibilidade na
imprensa, intensificando o processo de legitimação da religião. Além
disso, nesse contexto identifica que, o Movimento Umbandista se po-
lariza. A Umbanda branca, urbana e intelectualizada concorre com a
Umbanda africanizada, localizada nas periferias da cidade.
A pesquisa de André de Oliveira Pinheiro publicado no ano de
2012 também aborda o mito fundador da Umbanda que tem as figuras
de Zélio Fernandino de Moraes e do Caboclo das Sete Encruzilhadas
como protagonistas, utilizando como fonte principal a Revista Espiritual
de Umbanda, de circulação nacional, publicada entre 2003 a 2008, pela
editora Escala em São Paulo. Analisa ainda as diferentes vertentes, pró-
prias do campo umbandista, que divergem quanto à forma de compre-
ender e praticar a religião.
Entre o estudo produzido por Diana Brown em 1985 e o es-
tudo de André de Oliveira passaram-se 27 anos. Podemos observar que
de alguma forma os três, Brown, Motta de Oliveira e Oliveira Pinheiro
analisam o discurso dos umbandistas que atribui à manifestação do
Caboclo das Sete Encruzilhadas, através do médium Zélio de Moraes,
o pioneirismo da Umbanda. No entanto, a análise de André nos aponta
que até os dias atuais o protagonismo de ambos na origem da religião um-
bandista em nenhum momento é questionado (PINHEIRO, 2012, p.241).
Tomando o conceito de tradição inventada de Eric Hobsbawm,
A imprensa
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004. 5ª edi-
ção.
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Metodologia
Mapeamento
Conclusões
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LATOUR, Bruno. Reflexão Sobre o Culto Moderno dos Deuses Fe(i)tiches. Bauru, SP:
Edusc. 2002.
Introdução
160 Nesse período, segundo Lins e Mesquita (2008) “As falas dos personagens ou entrevistados
são tomadas como exemplo ou ilustração de uma tese ou argumento, este, muitas vezes, elaborado
anteriormente à realização do filme, não raramente a partir de teorias sociais que forneciam
explicações tidas como universalmente aplicáveis” (LINS, MESQUITA, 2008. p.21)
404 Histórias, narrativas e religiões
alguma coisa que não interessa ao diretor, e ele tenta negociar o seu
desejo com o do entrevistado. Não se trata pois de “dar voz ao outro”,
nem “dar voz a quem não tem voz” (LINS, 2004, p.107)
161 Partindo da concepção de Mircea Eliade (1992), em O Sagrado e o Profano, o termo refere-
se à manifestação do sagrado, ao momento em que o sagrado se faz presente de alguma forma.
406 Histórias, narrativas e religiões
ção documentária, por exemplo, havia muito ainda a ser feito. (LINS,
MESQUITA, 2008)
Paralelamente ao contexto cinematográfico, temos o sócio-re-
ligioso. Maria Lucia Montes (1998), quando escreve sobre as figuras do
sagrado no quarto volume da coleção História da Vida Privada no Brasil:
contrastes da intimidade contemporânea ressalta que se apresentava “um
rearranjo global do campo religioso no Brasil”. Rearranjo o qual, os efei-
tos oscilavam em incidência entre o mundo público e o mundo privado,
e, apontavam o que a autora chama de “ambivalências da modernidade”
(MONTES, 1998, p.69). Dito isso, Montes (1998), pontua alguns sinais
desse campo em transformação, como por exemplo, a ampliação e diver-
sificação do mercado dos bens de salvação, igrejas com uma conotação
empresarial, a fragilização das instituições religiosas, tanto do ponto de
vista organizacional, quanto doutrinário ou litúrgico; e, principalmen-
te, a participação dos meios de comunicação em massa à serviço da fé.
(MONTES, 1998)
A autora nos faz refletir e nos questionar de que maneira es-
sas transformações incidem sobre o indivíduo e as escolhas morais que
realiza, sobre sua vida doméstica, as práticas da intimidade, e como se
acomoda, nelas, a experiência interior do sagrado que toda religião pres-
supõe? Quais as consequências para a vida social, na redefinição de fron-
teiras entre o público e o privado? (MONTES, 1998, p.70)
É inserida em toda essa complexa configuração contextual, de
ressignificações, rupturas e pluralidade, que é gravado Santo Forte. “Isso
é um filme, lembra o diretor, foi rodado em um determinado dia, se fosse
feito em outras circunstancias o material seria diferente” (COUTINHO
apud LINS, 2004 p.105-106). A partir dessa afirmação, podemos ver a
importância do contexto para a produção da obra. Percebemos certa
preocupação, por parte do diretor, em tentar fazer uma conexão com o
contexto de 1997, por exemplo, no fato de várias pessoas estarem assis-
tindo a missa Campal, realizada pelo Papa João Paulo II, no Aterro do
Flamengo, na televisão; ou então quando o mesmo insere no documen-
tário as datas das filmagens.
Referências
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SANTO forte. Direção: Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: CECIP; RioFilme, 1999. 84min.
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Coordenação:
Prof. Dtrndo. Sérgio Willian de Castro Oliveira Filho (UNICAMP/
Marinha do Brasil)
Introdução
1. Objetivo
2. O Pensamento Libertino
3. O Cárcere
5. Metodologia
6. Conclusão
Bibliografia
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ZWEIG, Stefan. Casanova. Tradução: Aurélio Pinheiro. Rio de Janeiro: Editora Guanabara,
1951.
167 Projeto orientado pela historiadora Dra. Valéria Alves Esteves Lima.
Histórias, narrativas e religiões 431
tramos muitos comentários sobre algumas dimensões do fenômeno re-
ligioso. Selecionamos quatro viajantes para esse estudo. Pela pouco tem-
po para esse estudo, escolhemos pesquisar as obras do viajante Saint-
Hilaire, definindo o recorte histórico de 1816 a 1822.
Sem a pretensão de concluir o assunto, pois essa pesquisa se
encontra em andamento. Vamos refletir a Literatura de viagem e pes-
quisa histórica, a partir de alguns relatos de Saint-Hilaire selecionados
para esse artigo, procuraremos historicizar os mesmos apresentando o
contexto de origem do viajante, bem como, uma breve realidade históri-
ca do momento que permaneceu no Brasil.
168 Após a abertura dos portos, chegaram ao Brasil missionários de várias igrejas protestantes,
o culto se restringia aos amigos, e nas casas, ainda neste contexto eram proibidos publicamente.
Vieram metodistas, presbiterianos e anglicanos, que aproveitaram a liberdade de culto declarada
por D. João VI. Os viajantes missionários mais citados são Kidder, Fletcher e Robert Walsh (cf.
as historiadoras Ilka Boaventura Leite (1996) e Maria Cecília Domezi (2005)).
432 Histórias, narrativas e religiões
História Cultural, pela sua prática interdisciplinar e a preocupação com
a narrativa histórica.
Como método para a interpretação e avaliação dos trechos se-
lecionados, será feito uma análise qualitativa dos relatos produzidos pelo
viajante. Optamos pelo método qualitativo por oferecer um modo de
investigação sobre as várias possibilidades interpretativas das dimen-
sões do fenômeno religioso relatada pelo viajante, bem como pela re-
lação interligada com o objeto de pesquisa que esse método possibilita
(ENGLER, Steven; STAUSBERG, Michael, 2013, p. 65-66).
Procurando fazer uma análise crítica historiográfica, seleciona-
mos as obras que utilizaram da literatura de viagem e, abordaram alguns
aspectos gerais da vida e prática religiosa do brasileiro até a metade
do século XIX. Destacamos dois grupos, um primeiro que utilizou dos
relatos apenas como fonte histórica, entre outras fontes; e um segundo
grupo que de forma analítica, tomou como objeto de pesquisa central os
relatos de viagens.
O primeiro grupo: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de
Holanda, Caio Prado Junior, Robert Slenes, Lilia Moritz Schwarcz,
Márcia Naxara. Neste primeiro grupo de pesquisadores que utilizaram
dos relatos de viajantes como fontes entre outras, fizeram apenas menção
das características e dimensões da religiosidade brasileira oitocentista, e
como não eram seus objetos de estudos, não aprofundaram os mesmos.
O segundo grupo: Gunther Augustin, José Carlos Barreiro,
Karen Macknow Lisboa, Valéria Lima, Ilka Boaventura Leite e Mirian
Leite. Esses tomaram a literatura de viagem como objeto analítico e
especifico de pesquisa. As características dessa abordagem é que, além
de ter optado pelos viajantes como seus objetos de estudos, analisaram:
a vida, a obra, a matriz cultural, intelectual e suas pesquisas cientificas.
Percebemos que esses trabalhos científicos não tiveram como
objeto de pesquisa as dimensões e características do fenômeno religio-
so, talvez, por não possuírem os aspectos metodológicos que possuímos
hoje para analisarem os mesmos e, por isso não aprofundaram a tota-
lidade (GRESCHAT, 2005) apontada nos relatos sobre a religiosidade
brasileira oitocentista, deixando assim uma lacuna neste estudo.
O povo mineiro, que tão belas esperanças davam, deve ser preser-
vado de semelhante desgraça; as paróquias devem ser tiradas dos
vigários, que vivem em estado habitual de concubinato; uma sólida
instrução, baseada nos princípios da religião, deve ser ministrada ao
povo; enfim, devem os homens unir-se bem unidos, qual se proce-
deu na França, para livrar-se os infelizes mineiros da desordem em
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ZAGHENI, Guido. A Idade contemporânea: curso de história da Igreja. Tradução José Maria
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169 “[...] en verdade, Mis santos están bajo Mís cúpulas, y sólo Yo los conosco.” Os textos traduzidos
pelo autor durante o corpo do texto apresentam seus respectivos originais em notas de rodapé.
Histórias, narrativas e religiões 447
Aproximação ao conceito de santidade no
pensamento akbarí170
170 O termo akbarí designa a obra e seguidores de Muhammad ibn Ali ibn Muhammad
Abu Bakr Ibn Arabi ibn at-Ta’i al-Hatimi, místico andaluz que viveu entre 1260 e 1340 E.C.
Nascido em Múrcia, viveu a maior parte de sua juventude em Sevilha, depois migrou para
o Oriente, fixando-se em Damasco, onde faleceu. Devido a sua extensa obra, classificada por
Osman Yahia (1964), recebeu ainda em vida os títulos de Muhiyy al-Din (Vivificador da Fé), Ibn
Aflatun (Filho de Platão) e Shaykh al-Akbar (O mestre maior). Assim, o termo “akbarí” designa
as obras e conceitos do Mestre Maior (Shaykh al-akbar), Ibn ‘Arabi.
171 Utilizamos o termo teósofo como referente a teosofia que, conforme Gersom Scholem
designa: “[...] uma doutrina mística, ou escola de pensamento, que pretende perceber e descrever
os misteriosos modos de atuar da Divindade, talvez acreditando também na possibilidade de
absorver em sua contemplação.” (1972, p. 208).
172 Faz-se importante notar que wali com vogal “a” breve designava o santo, enquanto o wali
com vogal longa “a” designaria o governante.
173 O termo wali, como afirmou Annemarie Schimmel (2001, p. 217), tem sido empregado
entre os xiitas para designar Ali e seus descendentes.
174 Compreendemos a “hagiografia” nos termos definidos por Ronaldo Amaral (2013, p. 56;
76): “Portanto, por tratar-se a hagiografia de uma história sagrada, fundada nas estruturas do
mítico e de seu imaginário, seu teor de “verdade” não deve ser buscado nas circunstâncias e nos
ideários encontrados no lugar daquele que fala, mas no lugar do qual se fala. [...] a hagiografia não
fala de homens, fala de santos, e mesmo o quinhão de testemunho factível que pode haver nela
acerca do homem antes do santo poderá encontrar-se esmaecido, distorcido, recriado”. Assim,
percebemos os relatos de vida e seus distintos elementos como construções do hagiógrafo, na
elaboração de meios legítimos de memória dos santos e, também, meio de compreensão do
contexto de escrita e seus discursos.
448 Histórias, narrativas e religiões
sincera175 da mensagem corânica.
Entre os teósofos de vertente sunita, designados amplamente
pelo termo sufi, e indicados como membros de um ramo do Islã deno-
minado sufismo176, a constituição de um culto aos santos principiou-
-se nos momentos posteriores à fitnah177, com a importância e mode-
lo dos Ahl al-Bayt, a família de Muhammad, e os Ahl al-Suffa, Grupo
do Banco, os Ajudantes (nasr) pobre na comunidade da Umma178 da
Madinah al-Nabi (antiga Yathrib, no Hijaz) (CHODKIEWICZ, 1993,
p. 9-13). No Corão, a santidade se amparara na Sura V, sura da Mesa
Provida, aliya 55, que afirmava: “Vossos aliados são, apenas, Allah e seu
mensageiro e os que crêem: aqueles que cumprem a oração e concedem
az-zakat, enquanto se curvam diante de Allah” (NASR, 2005), seriam
estes os “amigos”, protegidos de Deus, awliya (singular wali), os santos.
Apontou-nos Michel Chodkiewicz (1993) que as primeiras
teorizações sobre o santo islâmico nasceram com a obra de Al-Hakim
Tirmidhi (ca. 905-910 EC), Khatm al-awliya, “O Selo dos Santos”,
continuada por Sulami (ca. 937-1021), em sua obra Tabaqat al-sufiyya,
e Qushayri (ca. 1072), em sua Risala fi ‘ilm al-tasawwuf, Epístola so-
bre o conhecimento do sufismo. Tais obras apresentaram os primei-
ros modelos de hagiografia islâmica, inspiradas algumas, nas vidas de
Muhammad (como a Sirat Rasul Allah, de Ibn Ishaq), sendo Qushayri
175 No islã esotérico, a sinceridade (sidq ou ikhlas) é um dos elementos de comprovação da fé.
Vide: QUSHAYRI, 2007, p. 220-226.
176 Macedo (2008, p. 145), ao apresentar a entrada pensamento esotérico ismaili no Andalus,
aponta a inexistência de um sufismo, com características gerais. A autora se utiliza de uma citação
de Bertels: “Diferentes correntes do sufismo são caracterizadas por uma extrema variedade e um
único Sufismo jamais existiu. Esta é a razão pela qual, ao tentar distinguir os princípios que são
mais ou menos comuns a todas as correntes, inevitavelmente chegamos a um (alto nível) de
abstração que só aproximadamente reflete o real estado das coisas”.
177 A fitnah constitui-se por dois episódios no início da história islâmica em que a liderança
e a forma de governo da futura Umma, estendida pelas consquistas, foi questionada, resultando
em guerra entre os apoiadores dos omíadas e os partidários de Ali. Um dos eventos marcantes
deste conflito ocorreu no 10 de Muharram, quando as tropas de Yazid, governante da linhagem
de Sufyan, futura dinastia omíada, interceptaram um grupo liderado por Hussayn, neto de
Muhammad, em Karbala. Hussayn e seus seguidores lutavam contra a proposta centralizadora
de Yazid. O exército omíada os cercou e martirizou Hussayn. Este evento, a Ashura, aprofundou
a divisão entre Omíadas e os Ahl al-Bayt, criando uma cisão na comunidade islâmica
(ARMSTRONG, 2001).
178 Umma designa a comunidade com base legislativa corânica fundada por Muhammad em
Medina, após a Hégira.
Histórias, narrativas e religiões 449
o primeiro a trazer questionamentos para a compreensão do conceito de
santidade no Islã esotérico. Estes autores elaborariam suas teorizações
no período inicial da organização do Islã como uma religião institucio-
nalizada, em que ainda estava aberta a proposta da ijtihad, ou a livre in-
terpretação da mensagem corânica, que na perspectiva de autores como
Schimmel (2002) e Pereira (2007), comporiam as bases da sociedade
islâmica, sendo por isto percebido por estes teóricos como o momento
do Islã clássico.
Para Annemarie Schimmel (2002, p. 217), o amigo de Deus e
sua amizade seriam descritos deste modo:
179 “Él termino habitualmente traducido por santo, wali, significa “alguién que está bajo una protección
especial, amigo”, es el atributo dado por los shíies a Ali, el wali Allah por excelência. La palabra es, como
sínala Qushayri, a la vez activa y passiva: un wali es alguiéncuyos asuntos son elevados, conducidos
(tuwulliya) por Dios y que practica (tawalla) la adoración y la obediencia.” (p.217).
450 Histórias, narrativas e religiões
profetas e principalmente pelo selo da Lei e o selo da Profecia, o Corão e
Muhammad. Com isto, tornavam-se os críticos do mundo injusto:
180 “El santo es aquél que tomo sobre sí los pecados y las dolores del mundo; la muerte injusta es para
él uno de los médios de realización. Él es el ‘gran auxílio’ y el Consuelo del pueblo. Es una acusación
viviente para el mundo: su existencia es un insulto para los tiranos; su muerte hace temblar a sus
verdugos; su canonización es la victória de la fé, del amor y la esperanza.”
181 Sobre exemplos de ascese entre os místicos sufis andaluzes, os relatos de Ibn ‘Arabi são
bastante exemplificadores, com práticas que se amparariam nas tradições corânicas, como o
choro, a pobreza, a tristeza, entre outras. Vide: M.M. Barcelos. “A ascese islâmica ou o desapego
(az-zuhd) na vida dos sufis andaluzes segundo os relatos de Ibn Arabi de Murcia. Séc. XII” In:
Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v. 5, nº 10, jan-jun. 2016, p. 108-129.
Histórias, narrativas e religiões 451
Mas estes primeiros ascetas eram também parte do mundo e nestas
biografias aparecem como denunciantes das injustiças e da opressão
exercida pelo poder, o que os converteu nessas ocasiões em veículos
do descontentamento popular, aumentando, sem dúvida, seu prestígio
entre a população. Por tudo isso, os ascetas andaluzes mais reputados
eram considerados pelo povo como perfeitos intermediários para ob-
ter a resposta divina a suas orações. Os atos piedosos mais comuns de
todos estes ascetas eram a constante recitação do Corão e, os atos de
devoção e jejum praticados fora dos tempos canônicos estabelecidos.
Eram generosos na esmola e humildes, e em casos mais excepcionais,
praticavam a castidade e o celibato. (PACHECO, 2001: 93, 94 y 95
apud CARMONA ÁVILA, 2012, p. 239, tradução nossa).182
182 “Pero estos primeros ascetas eran también parte del mundo y en estas biografías aparecen cómo
denunciantes de las injusticías y la opresión ejercida por el poder, lo que los convirtió en ocasiones en
vehículos del descontento popular, aumentando, sin duda, su prestigio entre la población. Por todo esto,
los ascetas andalucíes más reputados eran considerados por el pueblo cómo perfectos intermediaros para
obtener respuesta divina a sus plegarías. Los actos piadosos más comunes de todos estos ascetas eran la
constante recitación del Corán y los actos de devoción y ayuno practicados fuera de los tiempos canónicos
establecidos. Eran generosos en la limosna y humildes, y en casos más excepcionales, practicaban la
castidad o el celibato.”
183 Osman Yahia (1964), em seu trabalho de classificação das obras akbaris, aponta que a
Risala Ruh al-Quds foi inciada no Magreb, em meados de 586 A.H., em uma visita a Fátima
de Córdoba, em Marchena, sendo finalizada em Meca, por volta de 600 A.H. e lida diante do
Mestre Maior e de seu grupo, em Alepo, no ano de 617 A.H. Utilizaremos aqui as seguintes
versões: Miguel ASÍN PALACIOS. Vida de Santones Andaluces. La “Epistola de la Santidad”
de Ibn Arabi de Murcia. Valladolid: Editorial Maxtor, 2005; e, IBN ARABI. Los sufíes de
Andalucía. Trad.: D. García Valverde. Málaga: Editorial Sírio, 2007. Esta última tradução foi
452 Histórias, narrativas e religiões
sua estada em Meca, no ano 600 AH (por volta de 1203 EC), o autor
murciano, em resposta às irmandades sufis egípcias, relatou, na terceira
parte da citada obra, hagiografias de seus mestres, com as quais ele in-
tentava responder ao mestre do Cairo que:“[...] pretendía que en tierras
de Occidente no tenía Díos persona alguna que conociese el método o cami-
nho que hacía Él conduce ni que tratase siquiera de averiguar-lo.”(ASÍN
PALACIOS, 2005, p. 21). Após apresentar os grandes mestres e santos
do Islã ocidental, cujos relatos de vida o Mestre Maior depois recolhe na
referida carta, o chefe da irmandade egípcia, disse perplexo: “Quedóse el
hombre atónito ante lo que oía y exclamó: ‘¡No imaginaba yo que en tierras del
Magreb hubiese algo semejante a eso!’” (ASÌN PALACIOS, 2005, p. 22).
Nesta carta, que em sua terceira parte se compreendiam os
relatos de vida e milagres dos mestres e santos andaluzes, o místico
murciano apresentara-nos modelos de santidade, bem como críticas às
formas de busca e caminhada dos sufis orientais, que o faria reafirmar
a autenticidade da experiência esotérica andaluz e magrebina, pois no
Cairo: “Por lo que toca a los sufíes que en estas tierras praticabán el ejercicío
del canto religioso para provocar el éxtasis, realmente toman la religión como
cosa de juego y divertimento” (ASÍN PALACIOS, 2005, p. 23), que se-
riam tempos:
elaborada a partir de tradução inglesa de R.W.J. AUSTIN. Sufis of Andalusia, George Alíen &
Unwin, Londres, 1971.
Histórias, narrativas e religiões 453
zar dos bens, lícitos ou ilícitos, que estas casas possuem; alargam as
bocas de sua mangas e engordam seus corpos. (ASÍN PALACIOS,
2005, p. 19, tradução nossa).184
184 [...] de sufíes sospechosos, que sólo en los bienes de acá abajo encuentran su deleite: en el fondo de
sus corazones tienen al mundo por gran cosa, que no creen haya sobre él nada digno de ser buscado; en
cambio, en sus almas la verdade divina es cosa tan pequeña, que de ella se apresuran a huir; toda su
atención y cuidado ponen en los tapices sobre que hacen la oración, en las fimbrias coloreadas de sus
túnicas, en los hábitos que visten, en los bordones o cayados com que caminan; llevan bien a la vista
las cuentas de sus rosários llenos de adornos, cómo las viejas; son en realidade niños golosos y muchachos
bien nutridos, sin ciencia que de lo ilícito los aparte y sin continencia que de los apetitos mundanos los
aleje; las prácticas externas de la religión enlean a guisa de instrumentos para logara las vanidades de
este mundo; acógense a los cenóbios y rábidas sólo para gozar de los bienes, lícitos o ilícitos, que estas casas
poseen; ensanchan las bocas de sus mangas y engordan sus cuerpos.”
454 Histórias, narrativas e religiões
O sufismo é assim uma prática e um caminho a seguir sob a direção
de um ou vários mestres espirituais. Ele implica práticas específicas, a
purificação da alma, a aquisição das virtudes, o caminho a Deus atra-
vés das estações e estados até a realização de um amor e de um conhe-
cimento de Deus que caracteriza o santo e sua fonte, com a permissão
de Deus e de seu shaykh, um mestre chamado a conduzir, por sua vez,
os homens à Via. (GRILL, 2007, p. 55, tradução nossa).185
185 Le soufisme est d’abord une pratique et une voie à suive sous le direction d’un ou plusieurs maîtres
spirituels. Il implique des pratiques spécifiques, la purification de l’âme, l’aquisition des vertus, le
cheminement vers Dieu à travers les stations et les états jusqu’à la réalisation d’un amour e d’une
connaissance de Dieu qui caractérisent le saint et le font de lui, avec la permission de Dieu et se son
cheikh, un maître appelé á conduire à son tour les hommes sur la Voie.
186 [...] it is already clear that walaya cannot be reduced to a heroicition of the theological and
cardinal virtues such as that which defines the criteria of sainthood for Roman Catholic theologians.”
Histórias, narrativas e religiões 455
A função islâmica do santo estaria designada em duas tradições
(ahadith) que demonstrariam o papel modelar desses agraciados com a
proximidade a Deus: “Entre meus servidores, meus amigos são aqueles
que se lembram de mim” (CHODKIEWICZ, 1993, p. 25), e: “Os san-
tos entre vocês são aqueles que alguém não pode ver sem lembrar de
Allah” (1993, p. 29, tradução nossa). Diante disso percebemos que os
santos seriam aqueles que perderam seu próprio “eu” (1993, p. 32), que
por sua proximidade com Deus, realizavam milagres e prodígios, sendo
continuadores dos profetas e da profecia universal (nubuwwa al-‘am-
ma), ocultando-se para os homens e o mundo. Citando Muslim, um dos
compiladores de hadith, Chodkiewicz afirmou que Muhammad havia
dito “Muitos homens com o cabelos despenteado, cujas posses contam
não mais que duas tâmaras, a quem ninguém quer mirar, podem, se
eles rogarem a Deus, ter suas preces respondidas”187(MUSLIM apud
CHODKIEWICZ, 1993, p. 36, tradução nossa), com isto, tais homens
poderiam realizar milagres (karamat), compreender a louvação dos di-
versos reinos (mineral, vegetal, animal e humano), percebendo como
toda a criação conheceria os segredos divinos.
O santo islâmico, segundo Qushayri (2007), seria aquele per-
sonagem que estava sob a proteção de Deus (mahfuz), o amigo, já que o
palavra que designa santo, wali, teria a conotação de passividade: “[...]
o amigo (wali) é aquele que está completamente engajado na adoração
e obediência a Deus em dimensão tal que seus atos virtuosos seseguem
um atrás do outro sem ser interrompido por nenhum resquício de deso-
bediência.”188(p. 269, tradução nossa). Um hadith qudsi apontava, segun-
do Quhsayri (2007, p. 269):
187 “Many a man with unkempt hair, whose possessions amount to no more than a couple of dates,
whom no one wants to look at, may, if he adjures God, have his prayers answered.”
188 “[...] the friend (wali) is one who is toroughly engaged in worshiping and obeying God to such
an extent that his virtous acts follow one upon the other without being interrupted by any [tinge] of
disobedience.”
456 Histórias, narrativas e religiões
superrogatórios de piedade (nawafil) até que Eu o ame. Nada que
Eu faça deixa-me mais hesitante que ter que medir o espirito de
Meus servo fiel, porque ele teme a morte, enquanto Eu detesto
causar-lhe prejuízo. No entento, não há escapatória [para ele] de
Mim.” (tradução nossa).189
189 “God Most High says: ‘Whoever has caused harm to a friend of mine (wali) has [thereby] declared
war against me. My servant approaches Me by performing te obligations that I have imposed on him.
He draws even nearer to Me by performing supererogatory acts of piety (nawafil) until I love him.
Nothing that I do makes Me more hesitant than having to seize the spirit of My faithful servant,
because he dreads death, while I loathe causing harm to him. However, there is no escape [for him]
from it.’”
Histórias, narrativas e religiões 457
espirito do santo faz-se semelhante ao do Profeta.”, disse Simnani.190
(2002, p. 221, tradução nossa).
190 “El final de la santidade no es más que el comiezo del estado de profeta. Cada profeta lleva en sí
mismo el aspecto de la santidade; el santo o místico puede esforzarse por alcanzar grados de proximidade
cada vez más altos; pero el nível más alto que el santo o místico puede alcanzar es la ascensión espiritual
que corresponde a la ascención que el profeta efectuó en el cuerpo. Así, << en la última etapa de la
santidade, el espirítu del santo se hace semejante al del Profeta >> (N 443), dice Simnani.”
458 Histórias, narrativas e religiões
tamente a esta função, ligada a uma herança profética, encontrariam-se
presentes em todas a gerações, até o fim escatológico, os selos (khatm),
deste modo, a morte de um membro da hierarquia era seguida por sua
substituição em outro membro.
Chodkiewicz (1993) afirmou que no mais alto grau da topo-
logia dos santos (awliya) estavam quatro personagens. Tais personagens
atingiram a estação da proximidade (maqam al-qurba), sendo os mais
elevados de sua época e líderes espirituais da comunidade dos fiéis.
Em alto grau de importância estavam os Afrad – Solitários
(CHODKIEWICZ, 1993, p. 106-107), que contabilizavam três pesso-
as. Eram denominados de al-rukban (aqueles que cavalgam o camelo),
divididos em 2 categorias: os da energia e os da ação, vivenciando a ‘ubu-
da, a servidão perfeita e a total dependência de Deus. Segundo o autor,
foram identificados pelo místico murciano entre os malamiyya (1993, p.
105), aqueles que chamavam sobre si a vergonha, buscando a ocultação,
não angariando para si as glórias do mundo. Estes teriam o poder de
interpretar os sonhos, como o profeta Yusuf ( José).
No mesmo patamar dos solitários, encontrava-se o Pólo
(Qutb), que era considerado o rasul vivo de uma época. Sua posição de
liderança daria a ele responsabilidade sobre toda a criação. Herdeiro de
Muhammad e Idris – profeta identificado com o Enoque biblíco -, seus
títulos de Abd Allah (Servo de Deus) e khalifa (Representante e regente)
permitia-lhe exercer poder sobre a criação.
Logo abaixo do Pólo, como auxiliares, o autor citou a existência
dos Imãs. Os dois Imãs, da direita (Abd al-Rabb – Servo do Senhor)
e da esquerda (Abd al-Malik – Servo do Rei) auxiliavam no governo,
respectivamente, do mundo sensível e do mundo dos espíritos. O Imã
da direita seria o responsável pelo equilíbrio do mundo e, substituiria o
Pólo quando de sua morte. Este Imã era herdeiro do profeta Isa ( Jesus).
Já o Imã da esquerda, vigia do mundo dos espíritos (‘alam al-arwah), era
herdeiro do profeta Elias.
Estes personagens, juntamente com os herdeiros do profeta
Khadir, conformariam os Pilares (Atwad). Como afirmou o Corão, Deus
colocara o mundo sobre pilares, as montanhas, e a Caaba possuía quatro
191 O termo hawariyyun no Corão designa os apóstolos de Jesus: Corão: 3:52; 5: 112; 61:14.
460 Histórias, narrativas e religiões
do Mahdi192, na escatologia muçulmana visto como o governante final
da Umma, estaria, na visão akbarí, relegada aos muçulmanos e à função
de implementação da justiça na Terra. Os selos teriam a função de de-
marcar a justiça espiritual. Conforme a apresentação de Chodkiewicz,
três selos eram importantes: O Selo dos Santos Universal, cuja heran-
ça seria isawi (de Jesus), e que estaria sobre toda a criação; o Selo dos
Santos muhamadiano, cuja herança do Profeta Muhammad o colocaria
no patamar escatológico do fim da santidade islâmica e, o Khtam al-
-Awlad, o Selo das Crianças, cujas pegadas estariam relacionadas a Seth,
este selo apontaria o fim do mundo, já que seriam as últimas crianças
nascidas no planeta, um casal de gêmeos originários da China e, seu
nascimento marcaria os eventos apocalípticos, com o soar da trombeta
de Israfil193 e a vinda do profeta Isa para julgar o mundo.
194 “Taqiya” é um dos conceitos islâmicos com o qual o fiel poderia salvar sua vida interiorizando
as práticas corretas e dissimulando, exteriormente, com as práticas erradas imposta por governantes
ou situações perigosas, ou seja, poderia viver como infiel, sendo interiormente um fiel.
195 Este hombre de Sevilla se encontraba entre las personas de celo, de esfuerzo y de escrúpulos (wara’),
entregado a las obras de adoracíon que practicaba desde la edad de siete años [...] Vivía retirado y
observaba largos períodos de silencío. Sus compañeros decían de él que no les hablaba más que cuando
indispensable. [...] A continuacíon, se retiró a lugares desérticos, buscando la soledad y el aislamento.
196 “Era uno de los abdal,, que anduvo siempre vagando por los montes y lugares desiertos, apartado
del mundo y sin acogerse jamás a lugar alguno habitado, durante cerca de trinta años”
197 “Viviendo en las montañas y a lo largos de las costas, evitó los lugares habitados durante cerca de
trinta años. Tenía una profunda intuicíon, lloraba y rezaba mucho y guardaba silencio perpétuo. [...]
su dominio estatico (wajd) era intenso y sus lágrimas abundantes.”
462 Histórias, narrativas e religiões
Abu Jadun Zakariyya, um dos quatro awtad (pilares) na hierar-
quia dos santos:
198 Kohl designava o produto e maquiagem utilizada nas áreas dos olhos para a proteção dos
raios solares.
199 Era una de las cuatro columnas [awtad] de la jerarquia mística, en atención a las cuales no deja
Dios al mundo de su mano. [...]Le había pedido a Alá que quitara su buena reputación del corazón
de todos. Así, cuando estaba ausente, no le echaban de menos y, cuando estaba presente, nadie pedía su
opinión; cuando llegaba a un lugar, no le daban la bienvenida y en el momento de una conversación, no
le dirigían la palavra y todo el mundo lo ignoraba. [...] este hombre se esforzaba mucho en su trabajo
espiritual. Se dedicaba a comerciar con henná. Tenía siempre los cabellos en desorden y polvorientos y
sus ojos estaban pintados con kohl [...] Cuando hablaba, con frecuencia lo tomaban por loco. Cuando se
sentaba en una reunión, los demás solían marcharse y se se quedaban les molestaba su presencía. A él este
estado de cosas parecía gustarle.
Histórias, narrativas e religiões 463
na tipologia dos santos, ligados ao afrad, o solitário, o mais alto grau de
santidade, possuidor da qurba, proximidade com Deus.
Um dos centros dessa prática malamiyya era a preocupação
com os pobres. Segundo um hadith: “Quien se acuerda de Díos entre los
negligentes es cómo un combatiente en médio de los que huyen, cómo un arból
verde en medio de árboles secos.” (SCHIMMEL, 2002, p. 185). Assim, os
malamiyya, que tinham pelos pobres uma grande afeição, estavam entre
os perfeitos. Outra forma que possibilitava reconhecê-los, para o mestre
murciano, era por sua civilidade, futuwwa (civilidade), sendo pessoas
amistosas e desapegadas.
Podemos citar o caso de Abu Ya’qub Yusuf b. Yajlaf Al-Kumi
al-‘Abassi, que fora discípulo de Abu Madyan, o grande santo magrebino:
200 Era muy dado a las devociones en privado y siempre practicaba la limosna en secreto. Exaltaba
al pobre y rebajaba al rico, atendiendo personalmente las necesidades de los indigentes. (...) Seguía, en
gran medida, la senda de los Malamatiyyah. Con frequencia se le encontraba con el ceño fruncido, pero
cuando veía a un pobre, su cara se ilumunaba de alegría. Le ví, incluso, sostener a uno de ellos sobre sus
rodillas. Se comportaba con frecuencia cómo un siervo con sus discípulos.
201 “Era un hombre de Alá que se dedicaba a la disciplina del alma; prefería vivir retirado y no se
sentaba con nadie. Se ganaba la vida con sus própias manos y sólo cogía de su sueldo lo que necesitaba
para comer, dejando lo demás a los que le empleaban, sin guardar nada para el día seguiente.”
464 Histórias, narrativas e religiões
seu desapego (az-zuhd) exemplificaria a relação intima com a divindade
e a possibilidade de angariar sua posição de representante.
Apontamentos Finais
Referências
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Introdução
202 Essa característica existiria desde a antiguidade. Dessa forma em seus primórdios a China
teria se civilizado através da imitação da Índia, a Coréia a partir da imitação da China e o Japão
a partir da imitação da Coréia (LOWELL, 1888, p. 12).
Histórias, narrativas e religiões 489
Dentro dessa lógica por sua oriental falta de imaginação os
japoneses poderiam imitar o Ocidente, mas não poderiam inovar, pois
segundo Lowell (1888, p. 113) o pensamento científico simplesmente
não entraria na cabeça dos orientais em seu presente estado evolutivo,
para “todo o Extremo Oriente a ciência é uma estranha203” (LOWELL,
1888, p. 111).
Com isso Lowell (1888, p. 226) conclui seu livro com o seguin-
te parágrafo:
203 Segundo Lowell (1888, p. 111) mesmo as invenções chinesas foram feitas como arte não como
ciência, e por isso a China “queimou sua pólvora em fogos de artifício, não em armas de fogo.”
490 Histórias, narrativas e religiões
lucionista deve-se a forte inspiração que Hearn tinha nos trabalhos de
Herbert Spencer, seu grande ídolo intelectual, e um dos grandes refe-
renciais teóricos de seu último livro e; como destaca Celso Castro (2005,
p. 8); um autor que embora não fosse institucionalmente pertencente ao
campo antropológico, também se identificava com a abordagem evolu-
cionista da antropologia.
Outra grande influência na composição dessa obra é o livro
Cidade Antiga de Fustel de Coulanges, obra em que Hearn (1910, p.
111) afirma a seu amigo Chamberlain ter encontrado “curiosos parale-
los entre a antiga família Indo-Ariana, culto doméstico e crenças com
aqueles do Japão”. E que “Em alguns tópicos o paralelo é magnífico”.
O trabalho de Hearn combinando teorias de Spencer e
Coulanges se dá de forma mais específica dentro de uma perspectiva
evolucionista, na qual o autor acreditava que a civilização japonesa es-
taria em um estágio evolutivo semelhante ao das sociedades analisa-
das por Fustel de Coulanges em seu estudo (MURRAY, 2004, p. 245).
Nesse caso o Japão estaria em meio ao processo evolutivo das revoluções
sociais descritas por Coulanges, sendo que um processo social tão seme-
lhante entre populações tão díspares no tempo e no espaço comprovaria
que “a lei da evolução sociológica admite apenas exceções minoritárias”
(HEARN, 1906, p. 67).
Contudo mais do que os paralelos culturais, a obra de Coulanges
influenciou a própria forma de Japan: An Attempt at Interpretation, tan-
to que os nove primeiros capítulos da obra de Hearn tratam quase li-
teralmente dos mesmos temas que os quatorze primeiros capítulos do
trabalho do historiador francês, mais especificamente família, crenças e
culto doméstico. Nos capítulos posteriores os dois livros se diferenciam,
tanto pelas óbvias diferenças nos processos históricos greco-romano e
japonês, quanto pelo próprio recorte temporal, restrito a antiguidade no
caso de Coulanges, e que no trabalho de Hearn abarca desde a antigui-
dade até o início do século XX.
O ponto mais notável desse livro é o fato do autor assumir o
Shinto como elemento central em sua interpretação da cultura japonesa,
escrevendo o seguinte parágrafo:
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204 ““Candida” é uma distinta conquista para a nosso melhor literatura. Sra Wardlaw trouxe
ao mundo cristão sua dívida em escrevê-la. Junto ao rico colorido local, o objetivo principal da
autora é demonstrado ao longo de uma encantadora história de amor, repleta do mais delicado
e refinado sentimento que atravessa o livro como pérolas unidas por um fio de ouro. Um livro
514 Histórias, narrativas e religiões
Quando o romance ‘Candida’ de Mary Hoge Wardlaw foi pu-
blicado nos Estados Unidos em 1902, não houve reprovações ao seu teor
ou constituição enquanto gênero literário advindas de nenhum setor
da sociedade estadunidense a que se destinava a obra. Pelo contrário,
‘Candida’ fazia parte de um estilo de escrita que já se encontrava conso-
lidado no meio editorial protestante do início do século XX.
Conforme a sucinta exposição do livro, publicada no periódico
protestante ‘New York Observer’ (transcrita acima), tal romance era apresen-
tado ao público com um elogio excepcional: “a distinct gain to our best litera-
ture”. Além disso, a bela história de amor escrita por Mary Hoge Wardlaw,
deveria ser, consoante o articulista, “welcome in every Christian home”.
Em um contexto de grande fluxo de missionários que saíam
dos Estados Unidos a fim de propagar as diversas vertentes protestantes
em várias outras nações, bem como de tantos outros que retornavam
ao lar após terem dedicado seus esforços à referida missão; era notável
a existência nos Estados Unidos, a partir da segunda metade do século
XIX, de numerosos meios pelos quais tais sujeitos podiam expressar de
forma escrita suas experiências missionárias.
Entretanto, outras formas de divulgação escrita das atividades
missionárias também merecem destaque neste período, tais como as
obras publicadas por editoras afiliadas a alguma destas igrejas. Dentre
tais editoras, destacamos neste trabalho o The Presbyterian Committee of
Publication, sediado em Richmond, no estado da Virginia.
Este comitê tratava-se da casa de publicações mais importante
da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos desde o século XIX e
ficava estrategicamente localizado na cidade de Richmond que era uma
espécie de “quartel general” dos presbiterianos sulistas, sediando além do
The Presbyterian Committee of Publication, o Union Theological Seminary,
local de onde foram egressos inúmeros ministros e missionários presbi-
terianos.
O Presbyterian Committee of Publication publicava diversos ti-
pos de obras literárias (romances, relatos de missionários, tratados teo-
como “Candida” merece uma leitura atenta e deve encontrar recepção em cada lar cristão.”
(Tradução livre).
Histórias, narrativas e religiões 515
lógicos, livros de história do protestantismo, contos infanto-juvenis, hi-
nários, sermões, relatórios) cujo rol de autores era formado por membros
da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos ou por autores protestantes
reconhecidos e aprovados pela comunidade presbiteriana estadunidense.
A publicação de um romance cujo pano de fundo era o processo
de difusão do protestantismo em uma nação majoritariamente não pro-
testante configurava-o como um escrito especialmente bem visto pelos
membros do Comitê de Publicações de Richmond. Nada melhor que um
romance escrito por uma missionária para servir de edificação espiritual
aos leitores presbiterianos estadunidenses, especialmente às mulheres.
De certa maneira, os líderes protestantes de fins do século XIX
e início do século XX viam as mulheres como público receptor priori-
tário deste tipo de literatura. Assim, os romances protestantes surgiam
como especialmente válidos no cumprimento da função de literatura
edificante às mulheres. Logicamente, tais livros deveriam possuir em
seus enredos um forte teor religioso, com personagens que encarnassem
o ideal feminino de submissão, fidelidade, piedade e zelo doméstico-fa-
miliar, tanto no papel de mãe quanto nos de esposa e filha.
Paradoxalmente, a mesma perspectiva que a uma primeira vista
soaria como claro indício da visão cerceadora da mulher, posta como
submissa ao homem e carente de amparo espiritual, também possibi-
litou a este gênero literário ter como seus principais autores mulheres.
Isto se configurou como um fenômeno extremamente recorrente nos
meios protestantes, na medida em que ia ao encontro de uma premissa
básica sobre a função da mulher em tais círculos, ou seja, às mulheres era
destinado o papel fundamental de instrução doméstica dos filhos e que
poderia ser ampliado para além dos limites do lar através do magistério.
Desta forma, romances edificantes voltados às mulheres e fic-
ções infanto-juvenis que poderiam ensinar questões de fé aos jovens,
iam de encontro a tal concepção, na medida em que estariam de acordo
com a missão destinada à mulher protestante: ser agente de Deus as-
segurando o avanço moral e intelectual do mundo, dando suporte aos
líderes religiosos nessa missão.
Harriet Beecher Stowe’s Uncle Tom’s Cabin, which sold more than 3 mil-
lion copies in the nineteenth century and awoke the nation’s conscience,
achieved popularity by employing a sentimental style deplored by fiction’s
opponents. Yet Stowe shared evangelical assumptions about the correct
relationship among writers, publishers, texts, and readers, namely, that
reading should influence readers through their texts (…) Stowe marked
her novel as a religious work, in a sense inspired by the Holy Spirit;
the text did not belong to her, as an author or as a woman, but to the
Christian community. (BROWN, 2004, 98) 205
205 “A “Cabana do pai Tomás” de Harriet Beecher Stowe vendeu mais de 3 milhões de cópias
no século XIX e despertou a consciência da nação, alcançou popularidade por empregar um
estilo sentimental deplorado pelos oponentes da ficção. Apesar disso, Stowe compartilhava de
pressupostos evangélicos a respeito do modo como deveria se dar a relação entre os escritores,
editores, textos e leitores, isto é, a leitura de seus textos deveria influenciar os leitores (...) Stowe
520 Histórias, narrativas e religiões
Desta maneira, por mais que houvesse um caráter extrema-
mente voltado a uma demanda social, a autora de tal romance via sua
obra como um trabalho de cunho religioso. Cabe ressaltar que Harriet
Stowe alcançou um sucesso editorial extraordinário nos Estados Unidos
do século XIX como uma romancista que aliava religião à ficção, mas
que não foi a única a desenvolver esta prática de escrita.
Logicamente, as raízes da fusão laico-religiosa são provenien-
tes da Europa. Muitos escritores protestantes contavam com influên-
cias de leituras seculares para a consecução de seus escritos, do mesmo
modo que a grande maioria de autores de obras leigas compartilhava de
repertórios culturais das mais variadas vertentes religiosas cristãs e/ou
demonstravam interesse literário por obras de cunho religioso.
Autores considerados como precursores do romance na
Inglaterra, tais como Daniel Defoe e Samuel Richardson, são citados
por Watt como figuras representativas dessa tendência:
apontou seu romance como uma obra religiosa, no sentido de percebê-lo como inspirado pelo
Espírito Santo; o texto não pertencia a ela, como autora ou como uma mulher, mas sim à
comunidade cristã.” (Tradução livre).
Histórias, narrativas e religiões 521
rado e ministrado pelo Reverendo Zedekiah Smith Barstow, intitulado
de ‘The ministers of Christ should not miss the aim’ (BARSTOW, 1829).
O título do sermão já chama atenção por previamente pro-
por uma admoestação, ou seja, dava a entender que alguns Ministros
de Cristo estariam a esquecer seus objetivos principais, daí a necessi-
dade de tal sermão para o pregador. O Rev. Barstow inicia seu sermão
enfatizando a Bíblia como o mais importante livro existente e segue
aconselhando sua audiência a portarem-se como homens honestos e
fervorosos cristãos. Mas, para isto o “Ministro de Cristo” deveria tomar
alguns cuidados, dentre eles o “amor pela literatura” que poderia ser uma
distração danosa:
Another thing (…) has a tendency to divert some ministers from their work
— the love of literature. He that is not driven to farming, to procure a
living, may be in as great danger of missing his aim, while drinking deep
at the fountains of learning. Having procured a valuable library, and cul-
tivating a taste for the pleasures of literature, he may lose sight of his object,
and “run as uncertainly”, while indulging in his favourite pursuits. He may
think, that he cannot do wrong, if he is only in the study; and yet he may be
“missing his aim” in various respects. (BARSTOW, 1829, 11)206
206 “Outra coisa (...) há uma tendência que tem desviado alguns ministros de seu trabalho - o
amor pela literatura. Aquele que não se ocupa com a agricultura, para sua sobrevivência, pode
estar correndo grande perigo de perder seu objetivo, enquanto bebe das profundas fontes do
conhecimento. Tendo adquirido uma valiosa biblioteca, e cultivado o gosto pelos prazeres da
literatura, ele pode perder de vista o seu objetivo, e “andar de modo incerto”, enquanto desfruta
de sua atividade favorita. Ele pode pensar que não está fazendo nada de errado já que está
apenas estudando; mas ainda assim ele pode estar “perdendo seu objetivo” em vários aspectos.”
(Tradução livre).
207 “as futilidades da moda que recebem o nome de “romances religiosos””. (Tradução livre).
522 Histórias, narrativas e religiões
Ao coro do Rev. Barstow contra os “fúteis” romances religiosos
juntar-se-iam as vozes de ministros de outras denominações, como a do
pastor Episcopal Charles Wesley Andrews.
Esse reverendo publicou em 1856 a obra ‘Religious novels: an
argument against their use’. Com um total de 43 páginas divididas em
sete tópicos, o pequeno tratado de Andrews trazia como principal ar-
gumento a impossibilidade do uso de literatura ficcional para fins edifi-
cantes à cristandade.
Em tom de debate com aqueles que denominava de defensores dos
romances religiosos, tal reverendo episcopal afirmava que tanto os romances
seculares, quanto os pretensamente religiosos seriam danosos, constituindo-
-se uma falácia a defesa das ficções religiosas: “The fallacy that “good novels”
will supplant the taste for bad ones, experience has made as palpable as that wine
will cure the thirst for distilled liquors. The demoralization of the Church in this
respect has, in fact, been effected by “good novels.”” (ANDREWS, 1856, 25)208.
O principal argumento da crítica do Rev. Andrews estava no fato
que mesmo enquanto uma ficção, os romances religiosos almejavam passar
uma aura de realidade aos seus leitores, sendo isso um fator deveras preju-
dicial à formação espiritual das crianças e jovens, na medida em que um
cristão deveria ter sua formação moral tendo sempre por base a “verdade”.
Esse realismo inserido nos romances era per si encarado pelos
críticos protestantes como a manifestação do mal, já que não se poderia
ensinar a “verdade” através de uma pretensa mentira. Apesar disso, Charles
Andrews explicita em seu argumento que alguns textos não poderiam
ser confundidos com os romances, tais como as parábolas de Cristo e o
Pilgrim’s Progress de Bunyan209. Tais escritos seriam alegorias que de an-
temão deixavam claro a seus leitores sua desvinculação com a realidade.
208 “É uma falácia afirmar que “bons romances” substituirão o gosto pelos maus, a experiência
tem demonstrado isso ser tão palpável quanto afirmar que o vinho vai curar a sede por bebidas
alcoólicas destiladas. A desmoralização da Igreja a este respeito tem, de fato, sido efetuada por
“bons romances”. (Tradução livre).
209 Pilgrim’s Progress de autoria do pastor batista John Bunyan e publicado pela primeira
vez em 1678, é considerada a obra literária mais valorizada no meio protestante depois da
bíblia. Em 1792 já contava com 160 edições. Entretanto, coadunado ao discurso de Charles
Wesley Andrews, a alegoria de Bunyan distancia-se dos romances setecentistas por possuir uma
dimensão temporal vaga e descrições fragmentárias, além disso, conforme a análise de tal obra
por Watt: “dizer que as personagens são alegóricas equivale a afirmar que sua realidade terrena
não constitui o principal assunto do autor, mas que este espera, através delas, mostrar-nos uma
realidade maior, situada além do tempo e do espaço.” (WATT, 2010, 85).
Histórias, narrativas e religiões 523
Supunha-se que a leitura dos romances, além de potencial-
mente corruptíveis para as mulheres e crianças, eram distrações à real
missão cristã e um dispêndio de tempo e dinheiro dos fieis. Surge aqui
um paradoxo, pois à mulher apregoava-se como parte de sua natureza
a atração pelo pecado, pois se por um lado a leitura de romances era
visto por alguns líderes religiosos como algo danoso, por outro Ian Watt
(2010, 48) afirma que a ascensão do romance na Inglaterra muito se
deveu à influência de comunidades puritanas que viam na ociosidade
feminina um potencial risco à sociedade, de modo que passou a ser in-
centivado que as mulheres ocupassem o tempo ocioso com leituras e
discussões literárias.
Em 1855, outra obra (PHYSICIAN, 1855) contendo severas
críticas às obras de ficções religiosas foi publicada nos Estados Unidos.
Tratava-se de um texto anônimo cujo autor assinava como um médico
(Physician), e no qual alertava que os romances (inclusive os religiosos)
apenas serviam para excitar a imaginação dos leitores, inflamando pai-
xões de modo a ser nocivo ao autocontrole necessário a um bom cristão:
Novels, by contrast, were “not only useless, but positively injurious” because
they tended “wrongly to excite the imagination”. The “inflammation” of
the passions, rather than inducing readers to fulfill their Christian duties,
gave readers a “disrelish for the most ordinary duties of life”. (BROWN,
2004, 97)210
210 Os trechos entre aspas são citações da obra supracitada de autoria anônima (Physician):
‘Confessions and experience of a novel reader’. “Romances, pelo contrário, são “não apenas inúteis,
mas positivamente nocivos” porque eles tendem “erroneamente para excitar a imaginação”.
“Inflamam” as paixões, ao invés de induzir os leitores a cumprir os seus deveres cristãos, gerando
nos leitores uma “aversão para as tarefas habituais da vida.” (Tradução livre).
211 “Indiferente ao encontrar em seu próprio campo tão poderoso e irresponsável concorrente
como a imprensa religiosa ficcional”. (Tradução livre).
524 Histórias, narrativas e religiões
Porém, a partir da segunda metade do século XIX, se iniciou
um processo de acomodação da literatura ficcional aliada a interesses
religiosos. A ideia central era unir instrução e divertimento ao mesmo
tempo em que se cria poder santificar os romances. Uma das romancis-
tas que ganhou grande prestígio no mercado editorial norte-americano
de ficções protestantes (romances e contos infanto-juvenis) após 1850
foi a escritora congregacional Elizabeth Prentis212.
Prentis teve em sua trajetória de escritora trinta e uma publi-
cações e afirmava que seus romances seriam uma espécie de tradução
da doutrina pregada aos fiéis que possuíam menor grau de formação
teológica, fazendo uso de conexões com a vida cotidiana.
Se por um lado, a autoria desse tipo de literatura (romances
protestantes) era majoritariamente de mulheres, por outro a aceitação
de tais publicações no seio das comunidades protestantes passou pelos
discursos masculinos dos líderes religiosos.
Os romances protestantes, bem como as ficções de menor porte
voltadas especialmente ao público infanto-juvenil, tornaram-se, simul-
taneamente, bem vistos por grande parte das lideranças protestantes por
serem usados como instrumentos para o ensino religioso inclusive nas
escolas dominicais, e bem recebidos pelas casas de publicação e editoras
das diversas denominações por terem se constituído numa categoria li-
terária com vasto público leitor.
Coadunada à consolidação dos romances de cunho religioso,
na segunda metade dos oitocentos, o movimento missionário, que pas-
sou a ultrapassar as fronteiras nacionais estadunidenses, possibilitou o
surgimento de novos enredos e tramas aos romances.
Mary Hoge Wardlaw, no prefácio de ‘Candida’, esboça esse
interesse e incessante estímulo da parte de seus compatriotas para a
publicação de um livro que trouxesse ao público suas experiências no
campo missionário:
212 Para mais detalhes sobre a trajetória de Elizabeth Prentis Cf. BROWN, Candy Gunther.
Op. cit. pp. 99-104.
Histórias, narrativas e religiões 525
in close and sympathetic study of Brazilians and their surroundings,
I feel that it may not be presumptuous to portray them as I see them.
(WARDLAW, 1902, 5)213
213 “Por anos me recusei a tentar escrever uma história sobre a vida no Brasil, embora
frequentemente convidada a fazê-lo. Agora, no entanto, depois de vinte anos que passei
estudando atentamente os brasileiros e sua terra, sinto que não seria presunçoso retratá-los
como eu os vejo”. (Tradução livre).
526 Histórias, narrativas e religiões
seus livros terem sido publicados por comitês de publicação não filia-
dos à Igreja Metodista, tais como: o Presbyterian Board of Publication
and Sabbath-School Work, o Presbyterian Committee of Publication e o
American Baptist Publication Society.
Mrs. Wardlaw, por sua vez, não contava com todo o aparato
editorial de que dispunha Miss Barnes, entretanto ela tinha algo que
tornava seu romance diferenciado ante o olhar do público leitor: a ex-
periência como missionária em solo estrangeiro. As duas décadas de
trabalho missionário (1880-1901) no Brasil possibilitaram à autora um
discurso legitimador de seu olhar construído sobre os brasileiros e acerca
do proselitismo destes.
Essa legitimação fazia parte do enquadramento em um con-
texto de adequação aos interesses do público leitor. De modo similar aos
leitores de relatos de viagem, os leitores de escritos cujos autores eram
missionários que abordavam suas experiências no campo buscavam su-
prir seus múltiplos interesses a respeito destes relatos. Tais interesses iam
desde a mera curiosidade pelas peripécias e aventuras dos escritores, até
o aspecto de manual no qual muitos escritos passavam a configurar-se.
Isto é, aos que almejavam seguir os passos dos missionários, o
fidedigno e confiável relato destes, mesmo que em uma obra de ficção
(como o romance), servia como ponto de partida214 da viagem, no qual
de antemão já esboçariam os sucessos e dificuldades da missão em terras
estrangeiras.
E tal interesse é novamente instado em uma breve resenha do
livro de Mrs. Wardlaw publicada no periódico ‘The Missionary’ em 1903:
214 Todorov afirma que o relato de viagem, mais que o fim de uma viagem se configura como
o ponto de partida de tantas outras: “O relato de viagem não é, em si mesmo, o ponto de partida,
e não somente o ponto de chegada, de uma nova viagem? O próprio Colombo não tinha partido
porque havia lido o relato de Marco Polo?” In. TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a
questão do outro. 3 ed. Tradução de Beatriz Perrone Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 17.
Histórias, narrativas e religiões 527
to say that in the book she shows as much familiarity with the people of
Northern Brazil (...). “Candida” is a good story, with a good plan and
well told. (...) The characters are imaginary, but the incidents are real.
(THE MISSIONARY, 1903, 425)215
215 “Através da bondade do nosso Board de Publicações de Richmond nos foi permitido ler a
interessante estória “Candida” de autoria da Sra. Mary Hoge Wardlaw. (...) durante anos, ela se
recusou a escrever uma história de sua vida no Brasil, embora frequentemente fosse instada por
seus amigos a fazê-lo. É um moderado elogio da excelência do trabalho da Sra. Wardlaw dizer
que, no livro, ela demonstra grande familiaridade com o povo do Norte do Brasil (...). “Candida”
é uma boa estória, com um bom plano e bem contada. (...) Os personagens são imaginários, mas
os incidentes são reais”. (Tradução livre).
528 Histórias, narrativas e religiões
De modo similar aos reports, cartas, artigos publicados em peri-
ódicos missionários e descrições dos costumes dos nativos, os romances
de cunho missionário-protestante, como ‘Candida’, inseriam-se em um
contexto de um discurso triunfalista, no qual, apesar das perseguições e
resistências enfrentadas pela missão, o êxito era apresentado como pro-
duto final. Além disso, conforme Singh, estes escritos constituíam “a
body of “knowledge” about the Other. Images of “degradation” and narratives
of “Christian progress”” (SINGH, 2000, 11), direcionados a um público
ansioso por histórias de sucesso.
Pode-se dizer que, o arrivismo do romance no mundo das letras
também demonstrou seu vigor no ambiente protestante estadunidense
dos séculos XIX e XX. Partindo de um contexto de descrédito, paulati-
namente a literatura ficcional religiosa ganhou destaque e relevância nos
comitês e casas publicadoras protestantes nos Estados Unidos.
Referências
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D. F. Randolph, 1856.
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WATT, Ian. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. Tradução de
Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Introdução
o scriptor moderno nasce ao mesmo tempo que o seu texto; não está
de modo algum provido de um ser que precederia ou excederia a sua
escrita, não é de modo algum o sujeito de que o seu livro seria o pre-
dicado; não existe outro tempo para além do da enunciação, e todo
o texto é escrito eternamente aqui e agora. (BARTHES, p.59, 2004)
216 No original: “One widespread characteristic among Pagans is a love of books. Nearly every
Neo Pagan I have met has read much of Ms. Bradley’s fiction”.
Histórias, narrativas e religiões 539
sobre misticismo, magia e ficção científica, o que nos leva a perceber um
público interessado, que a consome esse tipo de produção.
Bradley, como pessoa influente neste meio e produtora de con-
teúdo, interpreta estes desenvolvimentos e os transpassa em suas obras,
retratando nelas características do tempo e do espaço nos quais está
inserida. A partir de Certeau (1982), podemos entender que a litera-
tura de Bradley não pode ser analisada fora da sociedade na qual se
insere, pois isso implicaria a transformação das situações acentuadas.
Dessa forma, se a organização da narrativa é referente a um lugar e a um
tempo, isso se deve, inicialmente, às suas técnicas de produção, uma vez
que cada sociedade se pensa historicamente com os instrumentos que
lhe são próprios.
Juramos num templo, hoje perdido sob o mar, onde o grande Orion
não governará mais. Juramos partilhar da sorte daquele que roubou
o fogo do Céu, para que o homem não vivesse nas trevas. Foi grande
o bem que adveio desse dom do fogo, mas também grande foi o
mal, pois o homem aprendeu a usá-lo indevidamente, com perver-
sidade... e assim, aquele que roubou o fogo, embora seu nome seja
reverenciado em todos os templos por trazer a luz à humanidade,
sobre tormentos para sempre, onde está acorrentado, com um abutre
a roer-lhe eternamente o coração... (BRADLEY, p. 70, 2008)
Considerações finais
Referências
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WILLIS, Roy. Mitologias: deuses, heróis e xamãs nas tradições e lendas de todo o mundo.
(Tradução de Thaís Costa e Luiz Roberto Mendes Gonçalves). São Paulo, Publifolha, 2007.
Metodologia
217 “(...) y leyendo un dia en el capitulo 17 del genesis done el sr. mando circuncidarse
a Abraham nro. pe. sto. especialmente, aquellas palabbras que dicense lanima que fuere
incircunciddada sera borrada del libro de los vivientes diole tal golpe de temor en el con. que
sin mas dilatarlo acudio a la execucion de la diuina inspiracion movio por altisimo y por su
buen angel, y ansi se lebanto e un corredor de la casa donde estaba leyeno, y exando aun la
sacra biblia abierta tomo unas tixeras de bienvotos, gastaos filos, y se fue sobre la barranca del
rio Panuco donde con cobdicia y encendido deseo de ser escrito en el libro de la vida que sin
este sacramento sto. es imposible se sello con el y se corto casi todo el prepucio, de manera que
solo quedo del un poco por cortar (...)”.
550 Histórias, narrativas e religiões
viventium” ou “Livro da Vida”, mencionadas por Luis, não estão em
Gênesis 17:14. Então, o que o levou a fazer esse acréscimo?
Ambas citações em latim, a de Luis e a da Vulgata, contém a
palavra delebitur, que é o futuro passivo do verbo deleo e que significa
“arrasar, destruir ou apagar”. Na vulgata, esse verbo é usado no sentido
de “destruir algo”, isto é, o incircunciso será arrasado do povo de Deus.
No entanto, Luis o empregou no sentido de “apagar algo escrito”. Ele
se referia a ter o nome apagado do Livro da Vida - que ele certamen-
te encontrara em outras passagens do Antigo Testamento. Contudo, se
tomarmos algumas referências explícitas a essa expressão (como Êxodo
32:33 ou salmos 69:28) veremos que nenhuma delas associa o Livro da
Vida à circuncisão. Essa peculiar associação, na verdade, resulta da cons-
trução de um significado próprio para a circuncisão. O Livro da Vida é
o livro onde Deus escreve o nome dos justos e lhes garante a vida. No
entanto, para Luis, não se tratava só de vida terrenal, pois após a cir-
cuncisão ele não temia a morte, ele esperava a vida eterna. Essa recons-
trução mostra que, para ele, a circuncisão faz, pela sua “função” de asse-
gurar a vida eterna, um paralelo com o batismo dos católicos, ou como
ele mesmo dizia, era um “sacramento santo” (LOZADA JUNIOR;
F.SEGOVIA, 2014, p. 129).
Luis se reconhecia como judeu, mas as concepções que cons-
tituíam seu judaísmo eram construídas por conceitos do universo cató-
lico – a circuncisão é apenas um entre muitos exemplos. As operações
poéticas não atuam em um lugar próprio; sua particularidade “é jogar
em um terreno alheio que lhe é imposto tal como o organiza a lei de
uma força estranha”, diz Certeau (CERTEAU, 1998, p.100). É somente
em um lugar estabelecido (no caso, a ortodoxia), que se caracteriza por
diferenciar-se do outro, é que as operações poéticas podem insinuar-se
e construir uma significação diferente para a circuncisão; não mais um
indicio de heresia, mas sim, como dizia Luis, “um santo sacramento” que
garantia a salvação.
Durante sua segunda prisão, Luis encontrou uma maneira
original de se comunicar com suas irmãs; ele costumava escrever e
enviar mensagens escondidas em frutas. Em suas palavras de consola-
“(...) Abraão nosso senhor pai, atou de pés e mãos a seu filho, e o bendito
Isaque, com maravilhosa obediência esperava a facada. Ânimo, ânimo,
carregadas minhas! Então andava o anjo do senhor trazendo o carneiro
que por ele foi oferecido. Não é Sua vontade que morra Isaque, mas sim
dar-lhes o mérito pela tentação, para dar-lhes o prêmio da vida eterna que
esta não é, mas somente de larga morte e tormento (...)” (GONZÁLEZ
OBREGÓN, 1935, p. 517)218.
“(...) havendo chegado ao alto do monte Abraão disse ao seu filho: hás de
saber, filho meu, que o nosso senhor Deus me ha mandado que te ofereça
em sacrifício a Sua divina majestade. Bem-aventurado e feliz tu, pois
como é certa e sem dúvida a morte de todos filhos de Adão, tu morres por
soberano modo oferecido ao Deus Altíssimo, senhor da vida eterna; antes
tenho inveja que vergonha de ti, filho meu, que ao bom senhor vás ofere-
cido (...)” (GONZÁLEZ OBREGÓN, 1935, p.528).219
218 “(…) Abrahan nuestro sancto pe. ato de pies y de manos a su hijo, y el bendito Ysac con
maravillosa obediencia esperaba el golpe del cuchillo, animo animo cargadas mias que entonzes
andaba el angel del señor trayendo el carnero que por el fue ofrezido no es su voluntad no que
muera Ysac sino daros esta merito en la tentación para daros el premio de la eterna vida que esta
no es sino larga muerte y tormento (…)”.
219 “(…) aviendo llegado a lo alto del monte dixole Abraham a su hijo as de saber hijo mio que
el Sr. D. nuestro me a mandado que te offrezca a su divina magestad en sacrificio, bienaventurado
y dichoso tu pues como sea cierto y sin duda el morir en todos los hijos de Adam tu mueres por
soberano modo offrecido al D. altisimo Sr. de la vida eterna antes te tengo embidia que manzilla
hijo mio que a buen Sr. bas offrezido (…)”.
552 Histórias, narrativas e religiões
Ao que responde Isaque:
“Certamente, meu pai, pois o senhor assim manda que se cumpra Sua
vontade que aqui estou obediente” (GONZÁLEZ OBREGÓN, 1935,
p.528).220
220 “(…) por cierto padre mio pues el Sr. ansi lo manda cumplase la voluntad suya que aqui
estoi obediente (…)”.
Histórias, narrativas e religiões 553
Desenvolvimento
221 “(…) les hésitations (...), les doutes, les oscillations, les allers et retours, parfois le
détachement sceptique, mais aussi les interférences, les hybridations et les doubles sincérités”.
Histórias, narrativas e religiões 555
termos, orgulhavam-se por ser cristãos-novos e assim ser de ascendência
hebraica. Assim, o marranismo não se constitui por um corpo doutrinal
definido, mas por um esforço de reafirmar que a Lei de Moisés, a que se-
guiram seus ancestrais, não caducou, e assim honrar uma verdade ances-
tral. Seria uma “Fé da recordação” (“Foi du Souvenir”) (WACHTELL,
2001, p.29).
Para Wachtell, o marranismo é um conjunto de inquietudes, prá-
ticas e crenças, e não uma religião claramente definida (WACHTELL,
2001, p.28), onde ocorrem amalgamações entre as doutrinas católicas
e judaica. Essa explicação nos parece problemática, pois, ela implicita-
mente guarda a ideia de que havia um católico ou judeu “puro”, isto é,
em total conformidade com o catolicismo ou o judaísmo ortodoxo. No
entanto, ao lermos os escritos de Luis, fonte aparentemente não cor-
rompida pelos diálogos monológicos, alguns apontamentos de Wachtell
parecem bastante sensatos. Em suas Memórias, Luis se referia aos cris-
tãos-novos, de um modo geral, como membros da nação hebraica (naci-
ón hebreo), fosse ao falar daqueles que ainda seguiam práticas judaizan-
tes, fosse para criticar os que buscavam sinceramente seguir o catolicis-
mo - os quais ele chamava “herejes de nuestra nación” (GONZÁLEZ
OBREGÓN, 1935, p. 463, 469, 474, 477, 483). O orgulho étnico de
pertencer uma família da “nação hebraica” parece uma incorporação “às
avessas” da lógica ibérica de pureza de sangue. Além disso, vimos, pelo
exemplo do sacrifício de Isaque, que a morte nas mãos da Inquisição (o
martírio) era para Luis uma forma de honrar a fé de seus ancestrais.
Não obstante, um trabalho a partir da redução da escala social,
como é o estudo do caso de um único judaizante, é mais interessan-
te para questionar, e não confirmar, teorizações. Malgrado tenhamos
feito a crítica ao conceito de marranismo, nosso objetivo aqui não é
reformulá-lo. Ao nos debruçar sobre um caso de documentação atípica
buscaremos fazer apontamentos, a partir dos exemplos dados, com in-
tuito de fornecer proposições que estimulem novas teorizações sobre o
“judaísmo” dos cristãos-novos.
Nosso exemplo da leitura de Gênesis 17:14 demonstrou que
as operações poéticas atuavam insinuando inventidades no campo da
222 Tanto a historiografia “essencialista” como aqueles que adotam a noção de marranismo
tendem a definir e catalogar um corpo de crenças exclusivamente judaizante. O volumoso
livro (de título bastante sugestivo) de Giglitz, que cita judaizantes do século XIV até os atuais
de hoje, dos Reinos ibéricos até os americanos, é o exemplo mais concreto dessa tendência
homogeneizante. GIGLITZ, David M. Secrecy and Deceit: the Religion of the Crypto-Jews.
Albuquerque: University of New Mexico Press, 1996.
Histórias, narrativas e religiões 557
de Santiago de Tlatelolco e terminou logo após ele conseguir as esmolas
para livrar-se do seu sambenito; assim elas deviam ser o testemunho
para outros judaizantes dos milagres de Deus na vida de sua família. Em
contrapartida, as cartas estavam associadas a um momento mais som-
brio e angustiante: a espera pela fogueira e a necessidade de consolar
suas irmãs de tal destino. Diante de situações e interlocutores diferentes,
ativaram-se outros e específicos referenciais; os quais influíram para que
Luis, através da produção textual, representasse as construções de sua
identidade judaica.
Conclusão
Referências
Fontes
AGNM, Inquisición. Primer proceso contra Luis de Carvajal. vol. 1487, exp. 2 f.12-232.
AGNM, Inquisición. Segundo proceso contra Luis de Carvajal. vol. 1489, exp.1 f.1-463.
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CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Trad. de Ephraim Ferreira
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GIGLITZ, David M. Secrecy and Deceit: the Religion of the Crypto-Jews. Albuquerque:
University of New Mexico Press, 1996.
GRUNZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. Trad. de Rosa Freire d’Aguilar. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.
Coordenação:
Prof. Dr. Carlos André Silva de Moura (UPE)
Prof.ª Dtrnda. Júlia Rany Campos Uzun (UNICAMP)
1. Introdução
2. Referencial Teórico
2.3. Juventudes
2.4. Religiosidades
3. Considerações finais
Referências
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Sociologia e a História das Juventudes Modernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000.
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SIMMEL, Gerog. Religião - Ensaios, Vol 1/2, Olho D’Água Editora, São Paulo, 2011.
1. Introdução
223 A Escola Dom Bosco definia-se como uma instituição com fins sociais e voltada para
a formação para o trabalho e formação humana de adolescentes e jovens, aproximando-se da
filosofia de São João Bosco, clérigo italiano que se notabilizou, no século XIX, pela criação de
oficinas que procuravam formação profissional para os jovens pertencentes à classe trabalhadora
ou que estavam ameaçados de marginalização social. Uma melhor compreensão da filosofia
educacional da Escola – expressa em um desenho de três círculos entrelaçados com os dizeres
“Ciência, Trabalho e Oração” – são as reflexões educacionais de Padre Carlos, publicadas pela
gráfico-editora da própria Escola (V. bibliografia ao final) (N. da A.)
Histórias, narrativas e religiões 581
Assim, gradativamente, a obra sócio-educacional cresceu e nas
décadas de 1960 e 1970, já contava com ensino médio e cursos técnico-
-profissionais, mantidos com a ajuda financeira de empresas, com quem
mantinha parcerias no sentido de integrar os jovens o mais rapidamen-
te possível no setor produtivo e de serviços. Mas a preocupação não
era apenas de caráter “preventivo” em proporcionar uma profissão aos
jovens evitando sua marginalização futura, mas também proporcionar
uma formação educacional ampla, através das disciplinas do currículo
oficial da educação brasileira e, principalmente uma formação humana
e social. Neste sentido, além das disciplinas regulares, a Escola oferecia
um amplo leque de atividades no campo artístico, científico e cultural,
com o aprendizado de música, montagem de peças teatrais, artes plásti-
cas, artesanato, excursões educativas e organização de feiras de ciências.
Nos cursos técnicos, além dos professores diplomados para li-
cenciatura plena para as disciplinas de formação geral, a Escola contava
com a colaboração de profissionais que já trabalhavam nas empresas
locais ou nos órgãos da administração municipal. Esses profissionais,
além de transmitirem seus conhecimentos e experiências, constituíam
uma espécie de “ponte” que possibilitava os estágios e futuramente, a
contratação dos jovens recém-formados. No final dos anos de 1960, a
Escola teria todos os seus cursos, do Ensino Fundamental ao Médio e
Técnico, reconhecidos legalmente pelo Ministério da Educação e várias
vezes visitada por autoridades educacionais que a colocaram como re-
ferência de educação integral, objetivo perseguido há décadas no Brasil.
Desde então a escola passou a receber alunos de todo o sul de Minas,
posteriormente de outros cantos do país e mesmo do exterior.
3. O projeto interdisciplinar
224 É importante registrar que, apesar de a Escola Profissional Dom Bosco ser uma escola de
orientação católica, ela não faz discriminação com relação às crenças religiosas de seus alunos
e famílias. Embora a maioria dos alunos pertença à religião católica, verifica-se a presença de
alunos de famílias protestantes, espíritas, umbandistas e alunos de pais confessadamente ateus
(N. da A.).
Histórias, narrativas e religiões 583
Na segunda etapa da primeira fase, foram exibidos e discutidos
com os alunos, vídeos educativos de forte impacto, tirados da vida real.
Em todos os vídeos, há sempre uma conexão entre os sujeitos e os en-
contros futuros, muitas vezes, com aqueles que foram por eles ajudados.
Na terceira etapa os alunos foram motivados a transformar em
ações práticas seu aprendizado, de iniciativa individual ou coletiva, vol-
tada para o próprio ambiente escolar como, por exemplo, reconhecer o
valor dos funcionários da escola, muitas vezes sequer notados. Em grupo
os alunos visitavam as diversas seções e oficinas da Escola, salas de aula,
biblioteca, cozinha, portaria, etc., para homenagear os funcionários com
abraços, mensagens de otimismo e agradecimentos. Todas as atividades
foram registradas em vídeo para a formação de um acervo a ser poste-
riormente analisado. Ao mesmo tempo na disciplina de História o con-
teúdo informativo sobre as diversas religiões foi trabalhado e o discurso
analisado na disciplina de língua portuguesa.
A conclusão dos professores envolvidos foi de que, numa pri-
meira etapa, antes do trabalho mais aprofundado no campo da ética e
da cidadania, dever-se-ia iniciar pelo ensinamento dos valores, pois em
uma sociedade com alto nível de violência e risco de desagregação social
eles são extremamente necessários e não poderiam ser negligenciados,
como os demais aspectos da educação ética dos alunos, sobretudo nos
primeiros anos escolares.
Também se buscou, na literatura pedagógica, religiosa e histó-
rica, textos de autores que poderiam fundamentar a metodologia ado-
tada no Projeto, isto é, como desenvolver um trabalho interdisciplinar
como recomendam as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Básica (DCNEB, 2013); aos aspectos da LDB/1996 que
orientam as escolas a desenvolver trabalhos em direção à cidadania em
uma sociedade democrática (SILVA; MACHADO; 1998); estudos so-
bre como chegar às dimensões éticas e de cidadania, iniciando-se por
discutir valores que são criações da inteligência humana ao longo de sua
trajetória histórica e que se expressam no cotidiano, como virtudes, bons
sentimentos e os direitos fundamentais da pessoa humana (MARINA,
2009; SILVA e MACHADO, 1998), autores que buscam entender a
5. Conclusão
FILHO, Clóvis de B. (org.).ÉTICA: Pensar a vida e viver o pensamento. CPFL/ Editora Duet-
to (São Paulo). Volume 1 (Afetos e Consumo); Volume 4 (Direito e Cidadania). 2011.
MARINA, José A. Ética para Náufragos. Editora Guarda-Chuva (Rio de Janeiro), 2009.
NETO, Carlos H. O Meu livro dos Outros: no limiar do novo milênio. Gráfica/Editora da
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SANDEL, Michael J. O que o Dinheiro não Compra: os limites morais do Mercado. Editora
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SIBILIA, Paula. Redes ou Paredes: a escola em tempos de dispersão. Editora Contraponto (Rio
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SILVA, Carmem S.B.; MACHADO, Lourdes M (orgs.). A Nova LDB: trajetória para a cida-
dania? Editora Arte & Ciência (São Paulo), 1998.
Resumo: Este trabalho esta inserido numa pesquisa mais ampla so-
bre a reformulação das identidades sacerdotal e franciscana a partir do
Vaticano II. Para nossa análise, escolhemos o Seminário Seráfico Santa
Maria dos Capuchinhos, que teve suas atividades iniciadas em 1953 e en-
cerradas em 1987, na cidade de Irati, Paraná. A escolha deste Seminário
deu-se por três fatores: em primeiro lugar por que dentre os vários semi-
nários menores dos Capuchinhos no Paraná e Santa Catarina, o Santa
Maria agrega aquilo que chamamos de “ideário formativo” da Igreja e
da Ordem; em segundo lugar, a cronologia do Seminário favorece uma
leitura dos modelos em questão: Tridentino (antes de 1965) e Vaticano
(após 1965) e as tensões geradas nessa transição; em terceiro lugar, a
farta documentação e a inexistência de qualquer tipo de análise do papel
deste Seminário e do atores envolvidos sobre nossa temática. Queremos
entender de que maneira as tensões, advindas dos dois modelos de for-
mação (Trento e Vaticano II) foram vivenciadas e experimentadas no
cotidiano do Seminário a partir dos relatos de vida daqueles que esta-
vam diretamente envolvidos no processo. E mais: quais tensões são pos-
síveis de serem percebidas em suas experiências enquanto alunos e di-
retores da instituição. Estes questionamentos foram surgindo ao longo
da pesquisa e, descobrimos na metodologia da história oral, o caminho
adequado para acessar os “registros da memória” dos sujeitos envolvidos.
225 O ideário de formação integra uma cultura escolar que, de acordo com Julia (2001) agrega
“um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, um
conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos”. Cf. Dominique Julia, A Cultura escolar como objeto histórico. Revista
Brasileira de História da Educação. Campinas, SP: Editora Autores Associados, n. 1, janeiro/
junho, 2001.
226 A expressão “tempo axial” foi cunhada por Karl Jasper. Ricouer o definiu como “momento
axial” um momento pontual que estabelece um parâmetro para o antes, o durante e o depois.
Segundo ele é o “ponto zero do cômputo”. Cf. Paul Ricouer. Tempo e narrativa: tomo III.
Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Papirus, 1997, p. 183.
Histórias, narrativas e religiões 589
experimentadas no cotidiano do Seminário a partir dos relatos de vida
daqueles que estavam diretamente envolvidos no processo. E mais: quais
tensões são possíveis de serem percebidas em suas experiências enquan-
to alunos e diretores da instituição.
Estes questionamentos foram surgindo ao longo da pesquisa e,
descobrimos na metodologia da história oral, o caminho adequado para
acessar os “registros da memória” dos sujeitos envolvidos.
Será importante também esclarecermos alguns termos e con-
ceitos por nós utilizados neste trabalho:
a) A expressão “experiência formativa” adquire um duplo signi-
ficado por conta da especificidade da situação: por um lado trata-se da
formação recebida enquanto estudante no seminário; por outro lado, sig-
nifica também a experiência do interlocutor enquanto responsável pela
formação de outros seminaristas, ou seja, enquanto diretor da instituição.
b) Trabalhamos a partir de dois modelos de formação à vida
sacerdotal e religiosa que a nosso ver, vigoraram no Santa Maria: a) o
proposto pelo Concílio de Trento (1545-1563), que tem sua base no
decreto Cum adolescentium aetas, e que vigorou, teoricamente, até 1965
e; b) aquele derivado dos documentos do Concílio Vaticano II (1962-
1965), especialmente a Optatan Totius e Perfectae Caritatis que se propôs
renovar a formação sacerdotal e religiosa na igreja. Estes dois modelos se
movem em tensão até hoje.
c) Utilizamos o conceito de Identidade mesmo sabendo que ele
é complexo, provocante e não conclusivo. O que há de consenso neste
conceito é que a identidade está em contínuo movimento e, por isso, é
possível falar de “identidades”.
Verena. Histórias dentro da história. In Fontes Históricas. Carla B. Pinsky (org.) São Paulo:
Contexto, 2014, p. 167.
592 Histórias, narrativas e religiões
Não é opor fontes (documentos) à historia oral, mas produzir uma lin-
guagem. A linguagem é a tridimensionalidade da fonte.
A história oral enquanto método mudou a maneira como nós
entendemos as fontes escritas. A medida que nos aprofundamos no
fenômeno histórico a partir da subjetividade do sujeito, como afirma
Alberti (2005), nós começamos a entender a narrativa desde a modu-
lação do vivido, uma percepção do real. Porém, esta percepção do real
é subjetiva, uma interpretação. Isso porque “O esforço para contar o
incontável resulta em narrativas interpretáveis, constructos culturais de
palavras e ideias”(PORTELLI, 2010, p. 108).
Na história oral, portanto, não procuramos um informante.
Somente será historia oral se problematizarmos a fonte oral, situar o
sujeito na história. Nela, nós não trabalhamos na categoria discurso,
porque não basta o discurso, é preciso entender também a construção da
narrativa. A história oral instaura a possibilidade de um registro de ex-
periência. No momento da história oral, da entrevista, duas interpreta-
ções ocorrem: daquele que dá a entrevista e daquele que faz a entrevista,
por isso é sempre uma relação dialogal230.
Na produção que gerou a narrativa de nossos colaboradores, o que
buscávamos, para além da problematização que tínhamos em mente, era
perceber de que forma aquele momento histórico fora vivenciado, experi-
mentado na sua subjetividade. A riqueza dos detalhes, os gestos, a mudança
da expressão ao relembrar um momento, somente nos são proporcionados
pela história oral. Nenhum outro documento pode nos dar este contato tão
próximo com o ocorrido, ainda que mediado pela memória.
Porque que entrei nos Capuchinhos? [...] Minha mãe era muito re-
ligiosa, muito religiosa. O meu pai era muito severo. Porque meu pai
era de origem italiana e preferiu os Capuchinhos que eram italianos, e
os franciscanos eram alemães. Então eu fundamentalmente escolhi os
Capuchinhos não por causa de espiritualidade, mas porque eram italia-
nos [...] meu pai ia lá, falava o dialeto com eles, eles eram simpáticos, o
que não acontecia com os alemães (NELSON BONASSI, 2016).
231 Dom João Francisco Braga, bispo de Curitiba, solicitou junto ao Papa Bento XV (1854-
1922), que enviasse missionários para auxiliar na evangelização, tendo em vista que em 1910
havia 25.000 imigrantes italianos na diocese de Curitiba. Em reposta ao pedido do bispo, na
Carta do ministro geral dos capuchinhos, frei Venâncio de Lisle-em-Rigault, encaminhada ao
provincial de Veneza, Frei Serafim de Údine em 07 de abril de 1919, ele assim se expressa:
“E como a colônia italiana é formada na maior parte de imigrantes pertencentes à região do
Vêneto, gostaria muito que os nossos religiosos destinados à sua Diocese fossem desta mesma
província monástica” (ARQUIVO PROVINCIAL CAPPUCCINOS (FREI VENÂNCIO
DE LISLE-EM-RIGAULT, 1919, p. 1).
594 Histórias, narrativas e religiões
como um lugar estranho, porque havia fortes elementos de identifica-
ção232 que se sobrepunham inclusive ao religioso, como era o sentimento
de italianidade. Este sentimento, aliás, pode ser revelador no número de
alunos com sobrenome de origem italiana nos primeiros registros do
Santa Maria, datados de 1953.
Um dado importante a ser ressaltado do perfil do Nelson e do
Frigo, é que após o término da formação inicial (colegial, clássico, filo-
sofia e teologia), ambos foram enviados novamente ao Seminário Santa
Maria, primeiro para exercer a função de assistente da formação dos
seminaristas, e depois como diretores. Os caminhos que os dois fizeram
são bastante semelhantes, mas não o desenlace.
No caso do Nelson, ele permaneceu na Ordem até outubro de
1976, quando a deixou, casou-se, trabalhou como professor da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) até sua aposentadoria, permanecendo
em Florianópolis. O Luiz Antônio Frigo continuou membro da Ordem,
prosseguiu na área de educação após o encerramento das atividades do
Seminário de Irati, especializou-se em Roma e hoje atua como vigário
paroquial em Florianópolis (Trindade) e responsável pela pastoral univer-
sitária na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Suas experiências formativas enquanto estudantes e diretores
têm muitos pontos de contato, porém percebemos também discordân-
cias. Isso porque refletem modelos em transformação e tensão. Este é o
ponto que queremos aprofundar daqui para frente.
232 Parto do uso comum de identificação descrito por Hall (2014, p. 106). Segundo ele, ela
é construída “a partir do reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que
são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal”. Cf. Hall,
Stuart. Quem precisa de identidade? In: Silva, Tadeu T. Identidade e diferença: a perspectiva
dos estudos culturais. Petrópolis, Vozes, 2014.
Histórias, narrativas e religiões 595
de Assis, de acordo com a historiografia franciscana233, demonstrava-se
avesso à hierarquia de classes234 de seu tempo e nos seus escritos, colo-
ca como única condição para “aqueles que querem abraçar esta vida”235,
que sejam pessoas convertidas. Não vamos nos delongar na análise do
conceito de “conversão” do ponto de vista do movimento franciscano
iniciado no século XIII. Para nós aqui, basta dizer que ela apresenta-se
socialmente relevante, somente quando torna-se movimento a “partir
de campos de solidariedade, quando os núcleos sociais se reconhecem
e atribuem uma missão, dando um direcionamento à sua ação” (SILVA,
2000, p.66).
Oficialmente para a Ordem dos Frades Menores (OFM), o
movimento iniciado por Francisco de Assis, não podia ser enquadrado
nem como clerical nem como laical. De acordo com seus documentos,
quando há referências de membros clérigos e leigos na fraternidade, é
apenas uma constatação existencial
233 Remetemo-nos aqui ao conjunto de textos inseridos na obra: Escritos e biografias de São
Francisco de Assis: crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano. Petrópolis,
Vozes, 2000. São, em grande parte fontes hagiográficas, mas que refletem as tensões internas da
Ordem sobre a interpretação do personagem Francisco e do movimento.
234 Há uma certa divergência com relação à concepção hierárquica da sociedade medieval
entre dois grandes expoentes da historiografia, Le Goff e Huizinga. Enquanto Le Goff (2013, p.
103) aceita bem a divisão tripartida da sociedade em oratores, bellatores e laboratores e propõe que
elas “devem ser postas em relação com os progressos da ideologia monárquica e com a formação
das monarquias nacionais na cristandade pós-carolíngia”, Huizinga (2013, p. 86) afirma esta
divisão pode se muito maior, utilizando-se do conceito de estamento: “em geral, cada grupo,
função, profissão é vista como um estamento, de forma que, ao lado da divisão da sociedade em
três estamentos, também seria possível dividi-la em doze”.
235 Regra Bulada, cap. 2,1. In: Escritos e biografias de São Francisco de Assis: crônicas e
outros testemunhos do primeiro século franciscano. Petrópolis, Vozes, 2000.
596 Histórias, narrativas e religiões
duas questões: a) que Francisco iniciou um movimento acessível a todas
as classes do seu tempo; b) que a identidade clerical da Ordem tor-
nou-se proeminente por conta de uma maior profissionalização de seus
membros e de uma maior inserção na vida eclesiástica por meio dos
sacramentos e da pregação. Ou seja, aquela intuição inicial do fundador,
que os franciscanólogos buscam, ficou comprometida pela absorção da
Ordem na Igreja, principalmente por meio da sua legislação que priori-
zava o trabalho dentro da igreja, portanto, clerical.
Giovanne Merlo, estudioso do movimento franciscano primi-
tivo, afirma que, com a aprovação da Regra de São Francisco pela Igreja
e a passagem da exortação para pregação, favoreceu que sacerdotes aflu-
íssem cada vez em maior número à fraternidade. “A clericalização dos
frades é fenômeno, não exclusivo, que inicia enquanto frei Francisco es-
tava vivo e que terá como resultado a plena sacerdotalização da Ordem
nos anos quarenta do século XIII” (MERLO, 2005, p. 81).
Esta introdução é relevante porque a partir dela percebemos
que o debate sobre a identidade na Ordem Franciscana é tão antigo
quanto sua fundação. O Concilio Vaticano II, ao propor aos religiosos
que voltassem a seu carisma inicial, recoloca a questão no século XX.
Em 1563 o Concílio de Trento (1545-1563), com o decreto
Cum adolescentium aetas, lançou as bases para criação dos seminários
clericais na Igreja e que deveriam ser implantados em todas as dioceses
do mundo. Buscava-se “cultivar” (seminarium) a vocação a partir da ado-
lescência num ambiente controlado, onde tempo e espaço foram sacra-
lizados e a férrea disciplina um condicionante para afastar o jovem dos
perigos do mundo. Este modelo vigorou, teoricamente, até 1965, data
que se encerrou o Concílio Vaticano II (1962-1965) e que promulgou
novas diretrizes para formação sacerdotal e religiosa236.
Na fala de nossos colaboradores, podemos observar estes mo-
delos em constante tensão. No relato do Nelson, que entrou no seminá-
rio em 1952 e foi ordenado sacerdote em 1964, é possível perceber de
que modo a rigidez disciplinar e a ênfase na moral sexual eram trabalha-
das durante a formação
236 Os documentos do Concílio sobre a renovação da formação estão nos decretos Optatan
Totius (Opção pela renovação de toda igreja) e Perfectae Caritatis (Perfeita Caridade) sobre a
renovação da vida religiosa, ambos aprovados em outubro de 1965.
Histórias, narrativas e religiões 597
[...] estava no seminário, e o pregador do retiro [...] Um frade auste-
ro, alto, falava bem (imitando a voz grossa do frade), uma voz grave.
E nós, toda aquela piazadinha reunida no salão, e ele em cima do
palco, armou um caixão, botou 4 velas, sentou na mesa, acendeu as
velas, apagou as luzes. Chegou lá, a noite já era inverno como agora,
batia no caixão ( imitando com a boca o barulho e fazendo o gesto):
quem está ai? Quem que tá? Não responde? Como que foi a tua vida?
e vai e vai e vai. Se sabe que se estiver no inferno, por ter cometido
um pecado mortal, inferno nunca acaba? Você quer ter uma ideia do
que é o inferno? Pense numa pombinha que esta lá no céu. A cada
100 anos ela vem de lá, pega um grãozinho de areia e leva embora.
Vai levar toda a terra embora e o inferno esta ainda no começo. Bom,
como a gente ficava? Acabou a conferência era aquela fila enorme no
confessionário, todo mundo no confessionário porque todo mundo
estava em pecado mortal e o pecado mortal era qualquer bobagen-
zinha. Um pensamento. Masturbação: pecado mortal. Mesmo em
sonho, se tivesse uma masturbação noturna, o confessor perguntava:
você consentiu? Como eu vou consentir? Como vou saber no so-
nho? Pecado mortal, se você morrer vai pro inferno [...] por via das
dúvidas é melhor confessar porque se eu morrer nesta noite eu vou
pro inferno [...]Se a gente deixasse de rezar uma hora, era pecado
mortal. Isso me marcou negativamente. Quando eu fui pro novicia-
do, primeiramente cheguei no quarto, luzinha fraca lá em Barra fria
[Santa Catarina], malemá dá pra ler. De noite dormindo, pesadelo
vendo o demônio em cima da janela que queria me levar. Isso me
prejudicou muito, essa parte foi extremamente negativa, formação
espiritual, embora tenha aspectos bons não é? (Nelson).
237 De acordo com Serbim (1992, p. 99), O documento sobre a formação presbiteral do
Vaticano II, Optatan Totius, “representou uma ruptura com a formação do seminário fechado,
não só pela maior flexibilidade que tencionava na formação, senão também pela voz que deixou
aos bispos, o que representou uma diminuição no poder de Roma sobre os seminários”. Cf.
Serbin, K. Padres, celibato e conflito social.
238 Ainda que no documento conciliar sobre a formação do clero não esteja presente quais
inovações devem ser introduzidas na prática formativa, ele dá algumas pistas, tais como: uma
maior interação com a família, sendo abolido o isolamento, a inserção da psicologia para ajuda e
avaliação dos candidatos, uma relação menos hierárquica e mais “paterna” entre os superiores e
os seminaristas. Cf. Optatan Totius, n.3, p. 02.
Histórias, narrativas e religiões 599
Maria entre 1968 a 1972, foi utilizar-se do futebol como meio de inte-
ração com outros grupos e comunidade local
239 Estes dois fatores foram elencados por Frei Antônio Rodrigues de Lima, diretor do
seminário entre 1963-1967, em entrevista ao “Brasinha”, informativo de circulação interna do
Seminário Santa Maria sob a responsabilidade dos alunos do 3o ano do segundo grau, em 1978.
Segundo ele, estas atualizações foram postas em prática após um curso sobre as novas diretrizes
do Vaticano II em Porto Alegre em 1966, para diretores de seminários. Cf. Brasinha. Entrevista
a frei Antônio Rodrigues de Lima. 1978
600 Histórias, narrativas e religiões
blemas estavam ligados a convivência entre os frades, ocasionadas por
divisões de opinião relacionadas a metodologia rígida ainda em voga no
Seminário apesar das novas orientações. O que estava em jogo nas dis-
cussões em ata era o quanto o Seminário deveria ser um ambiente mais
aberto, “mais fraterno”, e o quanto o modelo disciplinarmente rígido
deveria ser prezado. As opiniões mostraram-se divergentes. Além do
mais, a própria finalidade clerical do Seminário foi colocada em questão.
Frei Alfredo, um dos docentes, expõe isso ao dizer que “devemos formar
os jovens para vida religiosa. Há normas objetivas. Estou fazendo uma
campanha para irmãos entre os seminaristas” (1971, p.02).
O fato é que as distinções que haviam colocado frades clérigos
de um lado e frades leigos de outro tinham sido, teoricamente, extintas
pelo Concílio e pelas novas diretrizes da Ordem240. A aceitação destas
posições, no entanto, foi palco de muitas tensões no ambiente semina-
rístico e entre os frades.
Os frades não sacerdotes eram vistos, segundo o Nelson, como
“frades de segunda categoria”, “empregados dos padres” ou como aqueles
que não tinham condições para o estudo. Ainda que as novas constitui-
ções da Ordem Capuchinha, implantadas em 1968, formulassem que
“todos os frades são iguais” (Const. 1975, n. 74, p. 75) ao tratar da for-
mação, traça uma clara distinção entre clérigos e leigos
240 Havia uma fronteira claramente delimitada entre os candidatos ao sacerdócio e os outros
que seriam irmãos. Entre 1958 e 1967 funcionou, no mesmo prédio do Seminário Santa Maria,
mas em Ala separada, o seminário para freis que não seriam padres, com o nome de “Seminário
São José”. De maneira geral, a indicação para ser irmão ou sacerdote provinha dos superiores
que utilizam alguns critérios: a inaptidão do candidato ao estudo eclesiástico ou quando o jovem
entrava adulto na Ordem. O seminário dos irmãos vigorou de 1955 a 1972.
Histórias, narrativas e religiões 601
mais qualquer menção de formação diferenciada entre os frades. No
lugar disso, se propõe que, em razão da mesma vocação “dê-se a todos os
frades a mesma formação religiosa” (const. 1992 N.30, p 41).
5. Considerações finais
6. Referências
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SERBIN, Kenneth. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja Católica no Brasil.
Trad. Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
241 Utilizamos os dados que abordasse o nosso recorte temporal entre 1910 e 1942. (Cf.
IBGE, 2013).
242 Do início do século XIX até a década de 1950, mais de quatro quintos dos emigrantes
portugueses registrados foram para o Brasil. No entanto, existem diversas variáveis nos números
aqui apresentados. Os cálculos tornam-se relativos devido à quantidade de imigrantes ilegais e
aos registros de saída e de entrada feitos de forma incompleta. (KLEIN, 1993 (2º), p. 235 – 237,
239 - 240.)
606 Histórias, narrativas e religiões
medo proporcionado pela Iª Guerra Mundial, a falta de trigo, os altos
preços dos alimentos, o desenvolvimento econômico em alguns países
do “novo mundo” e a construção da ideia do Brasil como um lugar de
enriquecimento eram os principais motivos para o êxodo (PEREIRA,
2002, p. 16). No período investigado, a imigração portuguesa foi es-
sencialmente masculina, em idade adulta e oriunda da região norte de
Portugal, como Trás-os-Montes, Minho, Douro Litoral, Beira Alta,
Beira Litoral e Estremadura.
No entanto, o processo de emigração não pode ser compre-
endido apenas por questões sociais, econômicas, religiosas ou políticas,
mas também como por uma conjunção de fatores que levou à neces-
sidade da saída de um número considerável de indivíduos para outras
localidades (PEREIRA, 2006, p. 274). Tais questões devem ser analisa-
das como o resultado de um processo histórico que contribuiu para as
mudanças aqui pensadas.
Deve-se perceber que, para alguns indivíduos, o sentido do exílio
teve início antes do desembarque no Brasil. As perseguições políticas, o
isolamento cultural ou o impedimento das suas práticas cotidianas pro-
vocaram um isolamento social, profissional e psicológico, um luto entre o
imaginário e o simbólico, principalmente para os expatriados por questões
políticas ou religiosas (Cf. BERTA, 2007; MONTAÑÉS, 2013).
A língua em comum, os laços históricos, as “facilidades” apre-
sentadas pelos “contratantes” da mão de obra europeia, as redes de co-
municação com outros lusitanos que já tinham se aventurado no sonho
do enriquecimento e o incentivo do governo foram alguns motivos que
contribuíram para a emigração dos portugueses ao Brasil (VITORIO,
2015, p. 209). Os imigrantes eram em sua maioria homens sem escola-
ridade ou formação profissional e que deixaram a família nas províncias
lusitanas. O fato colaborou para que as mulheres assumissem não apenas
as funções domésticas, bem como se dedicassem ao trabalho agrícola
e/ou comércio, à manutenção da propriedade e à subsistência dos seus
dependentes (PASCAL, 2008, p. 285).
A língua portuguesa não foi importante apenas para facilitar
a adaptação dos lusitanos no Brasil. O idioma contribuiu para dimi-
243 Parte da imigração dos religiosos para o Nordeste brasileiro acompanhou as notícias sobre
as dificuldades econômicas da região. As informações sobre a seca e a fome, atraíram diversos
eclesiásticos que tinham a intenção de implementar seus projetos pastorais na localidade.
Mesmo assim, em contraponto as outras capitais nordestinas, as cidades de Recife e Salvador se
caracterizaram com a presença de uma comunidade portuguesa reduzida e elitizada. (MENDES,
2010, p. 158 – 159, 163).
Histórias, narrativas e religiões 609
Dom Sebastião Leme, bispo de Olinda e Recife, foi o principal
articulador dos projetos dos jesuítas na região, mesmo que incialmente
tenha contribuído para a formação de um movimento religioso nacio-
nal. Nas questões educacionais, o eclesiástico não se limitou à implanta-
ção apenas de uma instituição de ensino básico, intencionava organizar
ações para os diversos níveis de formação. O intuito do bispo já tinha
sido apresentado em sua carta pastoral publicada em 1916 (LEME,
1916, p. 102).
Para desempenhar as ações pensadas para o Recife, em 1917
chegaram à cidade treze jesuítas (seis padres, seis irmãos e um escolás-
tico). Com o apoio do bispo, que facilitou a aquisição do espaço para o
início das obras, em 19 de março de 1917, os membros da Companhia
de Jesus inauguraram o Colégio Manuel da Nóbrega, localizado no
Palácio da Soledade, residência oficial do bispado (AZEVEDO, 1986,
p. 115 – 117).
A instituição seguiu o modelo já aplicado pelos religiosos em
outras cidades, com uma educação católica, de formação moral de jovens
meninos e a colaboração com as atividades de recatolização da sociedade
(SOUSA, 2013). Alinhado a um projeto educacional, os jesuítas também
se mantiveram preocupados com o fortalecimento do culto a Fátima.
Ainda que as ideias de construção de um templo dedicado à
“Senhora do Rosário” tenham sido pensadas durante o bispado de Dom
Sebastião Leme, foi na gestão de Dom Miguel de Lima Valverde (1922
– 1951)244 que as atividades foram efetivamente executadas. O padre
Joseph Foulquier ficou à frente do projeto inicial, mas devido a proble-
mas de saúde, cedeu lugar ao padre Domingos Gomes (AZEVEDO,
1986, p. 122).
A construção do templo foi significativa para os jesuítas exi-
lados no Brasil. Desde 1917, Fátima era referência no combate ao an-
ticlericalismo e à cultura laicista, tinha se constituído como o principal
símbolo do processo de recatolização da sociedade em Portugal. Após o
reconhecimento do culto pelo bispo de Leiria em 1930 e o posiciona-
244 Sobre a gestão de Dom Miguel Valverde a frente da Arquidiocese de Olinda e Recife (Cf.
SILVA, 2006).
610 Histórias, narrativas e religiões
mento político das mensagens que lhe foram atribuídas, várias outras lo-
calidades passaram a organizar homenagens que contribuíram para a in-
ternacionalização do culto mariano iniciado em Portugal (AZEVEDO;
CRISTINO, 2007, p. 158 164).
Os projetos para a construção de um templo dedicado à Fátima
na cidade do Recife tiveram início antes do reconhecimento oficial do
culto pela Igreja Católica em Portugal. Desde 1928, o jesuíta Pe. Manuel
Rufino Negreiros foi o principal incentivador da execução de uma obra
em homenagem às aparições marianas na capital pernambucana. Com
a ajuda financeira da comunidade portuguesa, os trabalhos tiveram iní-
cio em 15 de outubro de 1933, com a inauguração em 08 de setembro
de 1935245. A igreja foi erguida no terreno onde também se localizava
o Colégio Manuel da Nóbrega, tornando-se um dos principais locais
de circulação dos intelectuais católicos da cidade (Boletim Mensal da
Archidiocese de Olinda e Recife, 1935; AZEVEDO, 1986, p. 125).
A instituição aqui em análise colaborou com um amplo pro-
jeto de ensino de meninos e meninos, que a organização de escolas
confessionais na primeira metade do século XX, a exemplo do Colégio
São José das Irmãs Dorotéias, o Colégio Nossa Senhora do Carmo e o
Colégio das Filhas de Maria Auxiliadora, na área central da cidade, ou
os Colégios dos Maristas e o Colégio Imaculado Conceição em regiões
mais afastadas do centro. Outras instituições de ensino foram fortaleci-
das, como o Colégio Salesiano de Artes e Ofícios do Sagrado Coração,
que desenvolvia as suas funções desde 1895246.
245 Efetivamente, a obra foi executada nos cinco últimos meses, já que depois do lançamento da
pedra fundamental, os jesuítas enfrentaram problemas para a arrecadação das verbas destinadas
à construção do templo. Parte da historiografia que relata a importância da igreja dedicada à
Fátima na cidade do Recife, como os livros do Pe. Ferdinand Azevedo, destacou que o templo
foi o primeiro construído no mundo, mesmo antes do erguido em Portugal. No entanto, a
instituição no Recife foi a primeira igreja de grandes proporções, já que entre 28 de abril a 15
de julho de 1919 foi construída a Capelinha em Fátima. A atual Basílica do Rosário começou a
ser erguida em 1928, tendo sido consagrada em 07 de outubro de 1953. (FERNANDES, 1944,
p. 106 – 107).
246 Parte dos projetos educacionais foi desenvolvida por missionários que desembarcaram
na cidade, a exemplo dos membros da Companhia de Jesus e dos Salesianos, que mantinham
uma estreita relação com as ações de ensino. Outros grupos se empenharam nestas ações para
colaborar com as atividades de fortalecimento da recristianização (Cf. CASALI, 1995).
Histórias, narrativas e religiões 611
Com o sucesso da missão cultural dos jesuítas no Nordeste
Brasileiro, a crise financeira na Igreja Católica, os rumores da Segunda
Guerra Mundial e as dificuldades para o financiamento do clero, a
Companhia de Jesus passou a enfrentar empecilhos para manter a sua
estrutura internacional. Para diminuir os gastos com os financiamen-
tos, algumas províncias foram declaradas independentes, como a Vice-
província Dependente Setentrional do Brasil, por ser considerada a mais
amadurecida no trabalho missionário. Deste modo, a partir de 08 de de-
zembro de 1938, a instituição passou a atuar com seus próprios recursos
e a organizar o seu corpo administrativo (AZEVEDO, 1986, p. 246.).
A principal crítica à independência da Vice-província do Brasil
foi a possibilidade da instituição não continuar com os projetos que fo-
ram iniciados, em 1911, com o Colégio Antônio Vieira em Salvador.
Em 1938, a Companhia contava com 60 sacerdotes, 40 estudantes e
53 irmãos. No entanto, a falta de experiência de jovens jesuítas para
substituir religiosos que participaram de várias missões era a principal
preocupação de alguns líderes da ordem (AZEVEDO, 2006, p. 33.).
Mesmo com todo o receio, os membros da Companhia de
Jesus que continuaram com os projetos desenvolvidos por seus anteces-
sores foram bem sucedidos nas atividades relacionadas à educação e à
expansão do culto católico. O processo de imigração dos jesuítas contri-
buiu para o fortalecimento do intercâmbio cultural entre os intelectuais
católicos portugueses e brasileiros na primeira metade do século XX.
Mesmo resguardando as suas especificidades, os eclesiásticos desen-
volveram trocas fundamentais para a formação cultural dos dois países,
principalmente nas questões relacionadas à Igreja Católica.
O trabalho da Companhia de Jesus no Nordeste brasileiro con-
tribuiu com a expansão da missão desenvolvida pelos representantes da
ordem em diversos países. No Brasil, as atividades dos eclesiásticos fo-
ram fundamentais para o fortalecimento das tradições católicas e dos
projetos em torno do movimento de recatolização da sociedade e das
instituições. As ações organizadas pelos inacianos foram fundamentais
para o intercâmbio cultural entre os intelectuais luso-brasileiros, con-
tribuindo com parte do sucesso das obras da Província Portuguesa dos
Jesuítas no país.
Archivio Segreto Vaticano (Ciudad del Vaticano). Nunziatura Apostolica del Brasile (1921 – 1925).
Sacra Congregazione Concistoriale. Roma, 6 ouc. 1921. Busta 171, fascicolo 932. Doc. 86.
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JESUITAS%20PORTUGUESES%20EM%20OUTRA%20REPUBLICA.pdf> Acesso, 22
mai. 2014.
247 As transliterações dos nomes japoneses são realizadas segundo o sistema Hepburn e os
nomes próprios seguem a ordem japonesa (sobrenome e nome). Ainda, em termos desse sistema
, chi deve ser pronunciado ti, como na palavra “tia” na pronúncia de São Paulo ou do Rio de
Janeiro, e ji deve ser lido como “dia” na mesma pronúncia. Mácrons indicam vogais prolongadas.
A letra r é sempre uma vibrante simples alveolar, pronunciada como o “r” da palavra cadeira, e gi
ou ge são sempre pronunciados gui ou gue, como em “guia” ou “gueto”, respectivamente.
Histórias, narrativas e religiões 615
tornou-se monge da escola budista Sōtō Zen, mas abandonou o sacer-
dócio em favor de atividades mais suprasectárias. Assim, além de atuar
na formação de um corpo doutrinário para sua própria escola, Seiran
participou também de inúmeros projetos conjuntos com budistas das
mais variadas linhagens (Hoshino, 2012; Tamamuro, 1967; Ikeda,
1976): foi responsável pela criação do primeiro periódico budista do
Japão Moderno em 1875, o Meikyō Shinshi, criou associações políticas de
cunho budista e candidatou-se a deputado nas primeiras eleições ocorri-
das no Japão, em 1890. Teve um importante papel na compilação daquilo
que viria a ser um dos principais documentos litúrgicos da Sōtō Zen, o
Shushōgi, que provocaria uma “Revolução Copernicana” na distinção en-
tre leigos e monges da mesma escola e marcaria profundamente o caráter
do Zen moderno (LOBREGLIO, 2009, p. 88).
Uma de suas inclinações de trabalho foi, mediante a utilização
de diferentes mídias e palestras públicas, promover o budismo àqueles
que ainda não possuíam por ele relação ou interesse. As palestras, cha-
madas enzetsu em japonês, eram, à época, além de importante veículo
de propagação de conhecimento, uma forma de entretenimento, e che-
gavam, em certos casos, a contar com alguns milhares de ouvintes (Cf.
Hoshino, 2012).
A fim de ter suas ideias reconhecidas pelo público-alvo, Seiran
comumente buscava comentar, sob sua ótica religiosa, eventos recentes do
mundo sócio-político japonês. É exatamente essa perspectiva que obser-
vamos em “Sociedade e Religião” (Shakai to shūkyō), o documento ana-
lisado neste artigo. Trata-se da transcrição de um dos inúmeros enzetsu
realizados por Seiran, proferido no verão de 1900, no templo budista
Kinryūji, na província de Tochigi, próxima a Tóquio. Nesse discurso, o
principal assunto é o papel do sistema educacional na formação moral
dos futuros cidadãos. Seiran critica o sistema com base na ideia de que
o este carecia de valores religiosos dentro de seus campos de instrução.
Note-se que moralidade pública era uma questão de extrema impor-
tância para o governo do período Meiji (1868-1912) e os discursos de
Seiran sobre esse assunto vão ao encontro de sua convicção acerca do
budismo como importante elemento ético na construção de uma nação
forte e desenvolvida.
248 Doravante, referir-nos-emos a este texto apenas pelo número das páginas.
618 Histórias, narrativas e religiões
Portanto, sua presença transcendia o espaço dito escolar e alcançava a
comunidade (p. 125-127).
Para Seiran, o grande ponto de discussão é, como assinalado,
o fato de que o sistema educacional adotado no Japão a partir de 1872
teria como modelo aquele encontrado no ocidente, onde escola e tem-
plo são entidades separadas e cada uma se encarrega de uma área de
formação específica. Ciências seriam ministradas na escola, e a educação
moral, baseada na doutrina cristã, nas igrejas, às quais todos compare-
cem aos domingos. Além dessa forma quase ritualística, que faz parte
do modus operandi cotidiano dos cristãos, essa religião estaria também
presente em todas as esferas sociais, sendo que a ausência de crença tor-
nar-se-ia empecilho para a realização de quaisquer tipos de intercâmbio
social. Relações comerciais são impossíveis para aqueles que se declaram
descrentes, fazendo com que essa religião seja quase mandatória e ati-
va diariamente. Essa presença ubíqua seria responsável pelo constante
aperfeiçoamento moral de todos (p. 127-129).
No caso do Japão, apesar da recitação diária do Édito Imperial
sobre a Educação nas escolas, Seiran acreditava ser limitada a eficácia
deste, pois sua execução circunscrever-se-ia apenas ao âmbito escolar,
estando desconectado da sociedade e do seio familiar. Assim, por mais
que os valores e virtudes sejam o objetivo da educação, estes não esta-
riam, em tal contexto, sendo desenvolvidos plenamente (p. 128). Seiran
utiliza, no intuito de justificar tal preocupação, relatos de antigos mi-
nistros da educação, como Inoue Kowashi (1844-1895), no cargo entre
1893 e 1894, e Toyama Masakazu (1848-1900) (p.129), que ocupou a
posição por apenas poucos meses em 1898.
A religião não se fazia presente no espaço escolar, e sequer po-
deria legalmente ocupá-lo. Para Seiran, em virtude da carência de um
veículo ético, o aperfeiçoamento intelectual é até realizado, mas o moral
é abandonado, o que torna o papel dos educadores incompleto. Para
exemplificar, ele utiliza o fato ocorrido em 1899 na sessão ordinária da
Câmara dos Representantes, na qual foi votado o projeto para proibição
do consumo de tabaco por menores de idade, pois este seria prejudi-
cial ao desenvolvimento físico. Para Seiran, o fato de o Estado ter que
3. Conclusão
4. Referências bibliográficas
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251 Marco inferido no livro escrito por Josefina Hellman, tendo como fonte o livro de Tombo
da Paróquia de São Sebastião de Vargem do Cedro (1921-1959).
252 Para texto de balanço teórico do uso do conceito, conferir FARIA FILHO, L. M.;
VIDAL, D. G., PAULILO, A. L. A cultura escolar como categoria de análise e como campo de
investigação na história da educação. Educação e Pesquisa. São Paulo, vol. 30, n. 1, p. 139-159,
jan/abril de 2004. Destrinchando a cultura escolar como categoria de análise na área, os quatro
pesquisadores retomam textos basilares de História da Educação elaborando balanço teórico e
metodológico.
628 Histórias, narrativas e religiões
[...] La cultura escolar, así entendida, estaria constituida por un conjunto
de teorías, ideas, principios, normas, pautas, rituales, inercias, hábitos y
prácticas (formas de hacer y pensar, mentalidades y comportamientos) se-
dimentadas a lo largo del tiempo en forma de tradiciones, regularidades y
reglas de juego no puestas en entredicho, y compartidas por sus actores, em
el seno de las instituciones educativas. [...] Sus rasgos característicos serían
la continuidad y persistencia en el tiempo, su institucionalización y una
relativa autonomía que le permite generar productos específicos como las
disciplinas escolares. La cultura escolar sería, en síntesis, algo que perma-
nece y que dura30 [...] (VIÑAO FRAGO, 2003, p. 59).
rísticas particulares:
253 Sobre a temática, conferir, de mesmo autor, o texto “Culturas escolares y reformas (sobre la
naturaleza histórica de los sistemas e instituiciones educativas”. Revista Teias. Volume 1, número
2. Disponível em http://www.periodicos.proped.pro.br/index.php/revistateias/article/view/40.
Histórias, narrativas e religiões 629
Este artigo se organiza listando dois aspectos nos quais os
trânsitos entre a cultura escolar e a cultura religiosa melhor se fizeram
ver: na estrutura física da instituição e em seu corpo docente. Retoma
então as fontes254, organizadas em série documental, assinalando para
tais trânsitos.
***
254 Este artigo é recorte da dissertação de mestrado “A Escola Isolada Modelo (1937 – 1940)
e a Escola Estadual Mista Desdobrada Vargem do Cedro (1933 – 1944) – culturas escolares e
educação comparada” (Programa de Pós Graduação em Educação – FE/UNICAMP), defendida
em 2015.
255 Conferir: SÃO PAULO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO. Manual de trabalho em
arquivos escolares. São Paulo: CRE Mário Covas, 2004.
630 Histórias, narrativas e religiões
No período do qual este artigo se ocupa, porém, o prédio escolar
era outro. Inicialmente o Colégio Santos Anjos teve sede em uma pequena
casa próxima à Igreja; em 1928 foi inaugurado seu novo prédio, passan-
do a escola a ocupar seu antigo espaço. Esta mesma estrutura física ainda
se encontra erguida em frente à atual Igreja local. Seu nome foi alterado
para “Casa São José” e ali são desempenhadas funções comunitárias –
como catequese e clube do idoso.
Foto 2: Fachada da casa ocupada, na época pesquisada, pela Escola Estadual Mista
Desdobrada de Vargem do Cedro. Julho de 2013
256 Entende-se por “comensal: cada uma daqueles que comem junto” segundo o Mini
Dicionário Aurélio da Língua portuguesa (conferir FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
Mini Aurélio: o mini dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Editora Positivo, 2008). Para
cunhar a categoria de entendimento, João Klug apropriou-se de termo utilizado em estudos
biológicos, esgarçando-os para o entendimento de duas instituições distintas
257 A esse respeito conferir: BOPRÉ, Maria Regina. O Colégio Coração de Jesus na Educação
Catarinense (1898-1988). Florianópolis: Editora Lunardelli, 1989. Nele a autora situa a atuação
das Irmãs da Divina Providência, sobretudo na fundação e atuação junto ao Colégio Coração
de Jesus (Florianópolis, Santa Catarina). Neste movimento entende a vinda de congregações
religiosas como parte de um esforço político de difusão da escolarização formal no estado.
632 Histórias, narrativas e religiões
institucional”; contudo, através da serie documental organizada é possí-
vel assinalar para a presença de elementos da cultura religiosa nas cul-
turas escolares assinaladas. A divisão do prédio não ilustra apenas uma
proximidade física, mas organizacional e de sentidos – ao ser herdado o
prédio, herda-se também uma forma de organizar e conceber o espaço.
***
Considerações finais
Referências:
BOEING, Irmã Serena. Escola Primária Santos Anjos - Vargem do Cedro SC. In: Quero
Misericórdia – História da Congregação das Irmãs Franciscanas de São José. Itapema: 1997.
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VIÑAO FRAGO, Antonio. Las Culturas Escolares. In: Sistemas Educativos, Culturas Esco-
lares y Reformas: Continuidades y Cambios. 2003. Pág. 56 – 66
258 1 Sobre a lei 10.639/03 na íntegra, ver mais informações em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>
Histórias, narrativas e religiões 639
aprendizado [...]. Tomar consciência de que o Brasil é um país mul-
tirracial e pluriétnico, portanto, reconhecer e aceitar que, nesta diver-
sidade, negros e indígenas também desempenham papéis relevantes
se substantivos, são aprendizagens que precisam ser realizadas e que
convergem para a educação das relações étnico-raciais [...]. (LOPES
apud FREITAS; LIMA, 2012, p.78)
259 2 Ver mais em: TINHORÃO, José Ramos. Os Sons dos Negros no Brasil – Cantos, Danças,
Folguedos: Origens. São Paulo, Editora 34, 2008.
644 Histórias, narrativas e religiões
O encontro entre essas personalidades de diversas áreas, como
salienta Vianna (2002), juntava dois grupos: de um lado negros ou mes-
tiços das camadas mais pobres do Rio de Janeiro; de outro, representan-
tes da intelectualidade e da arte erudita, todos de “boas famílias brancas”:
260 3 Ver mais em: DANTAS, Carolina Vianna. A nação entre sambas, cordões e capoeiras nas
primeiras décadas do século XX.
Histórias, narrativas e religiões 647
comum naquele período influenciado por ecos do modernismo2614 pois
se torna a garantia de nossa especificidade e tem o samba como um de
seus expoentes cada vez em maior ascensão popular devido ao carnaval
e à sua propagação no cenário nacional e internacional, assim, esse gê-
nero musical torna-se objeto de estudo de diversos autores que tentam
compreendê-lo e difundi-lo.
Gilberto Freyre consegue estabelecer um aspecto positivo ao
mestiço. A partir de Casa-grande e Senzala, de Sobrados e Mocambos o
brasileiro passou a ser determinado como a conciliação mais ou menos
harmoniosa, mais ou menos conflituosa, de traços indígenas, portugue-
ses e africanos.
Sendo assim, o samba ocupa seu lugar no processo de constru-
ção da dessa identidade nacional tendo como base esse debate acerca da
mestiçagem. O samba vira símbolo nacional dentro desse processo no
qual a mestiçagem brasileira torna-se um processo heterogêneo, valo-
rizar a mestiçagem é uma opção pela “unidade da pátria” unidade essa
buscada pelo estado como instrumento de igualdade social para disse-
minar a cultura autoritária que vai atingir seu auge no período do Estado
Novo2625, onde existe uma busca na formação de uma cultura unificada,
visando desvincular valores do período anterior, República Velha.
261 4 Ver mais em: DANTAS, Carolina Vianna. A nação entre sambas, cordões e capoeiras nas
primeiras décadas do século XX.
262 5 Ver mais em: VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed./
Ed. UFRJ, 2002.
648 Histórias, narrativas e religiões
cana, além de observar como o samba se relaciona com essa questão e de
que forma pode-se desenvolver esse assunto no ambiente escolar.
O samba, em sua crescente no final do século XIX e início
do XX, sofre com perseguições e acaba se instalando no interior dos
terreiros, principalmente de candomblé. Sendo assim, a semelhança na
organização das rodas de samba tanto no aspecto físico quanto nas ca-
racterísticas ligadas à musicalidade, seja devido à sincope das batidas
dos atabaques como dos instrumentos de percussão dos sambistas não é
mera coincidência.
A roda no terreiro tem um sentido de igualdade, mesmo haven-
do hierarquia, é na roda que os orixás concedem o axé. A musicalidade
presente nos terreiros, no momento sagrado da manifestação religiosa,
serve para conduzir o Orixá até seu cavalo, fazendo a ligação do sagrado
com o profano do Orum com Ayé.
A música torna-se primordial dentro dos terreiros, pois vem a
ser uma ferramenta utilizada durante os cultos para invocar os Orixás ao
culto ou às festas, onde esses são os personagens principais chamados ao
xirê, tendo os devotos o intuito de buscar o axé dos cultuados.
Os cultos afro-brasileiros tomam forma, cada um com sua es-
pecificidade devido à região proveniente, mas a música torna-se presen-
te em todos. Em festas, rodas e cultos sempre estão presentes os instru-
mentos atabaques, tambores e posteriormente instrumentos de corda.
Pensar essas religiões de matriz africana e não expor sua musi-
calidade e tentar entender o papel fundamental dela no culto, nas festas
e rodas é primordial para entender a dinâmica por detrás da organização
dos terreiros e seus membros. A música e batuques têm um papel funda-
mental seja no culto, nas festas e de maneira geral dentro dos terreiros,
onde se utiliza a música como ferramenta, seja para cultos com embasa-
mento religioso para, assim, provocar a incorporação, seja no sentido de
complementar o ambiente nos eventos festivos.
O samba e seus personagens, que se inserem no meio dos ter-
reiros, principalmente em um contexto onde são perseguidos, sofrem
influência dessa musicalidade ligada à religiosidade, pois muitos sam-
bistas vão compor músicas que fazem referência direta aos terreiros e a
Iansã cadê Ogum?/ Foi pro mar/ Mas Iansã penteia seus cabelos
macios/ Quando a luz da lua cheia/ Clareia as águas do rio/ Ogum
sonhava/ Com a filha de Nanã/ E pensava que as estrelas/ Eram os
olhos de Iansã// Mas Iãnsã, cadê Ogum?/Foi pro mar// Na terra os
orixás/ O mar se dividia/ Entre um Deus que era de paz/ E outro
que combatia/ Como a luta só termina/ Quando existe um ven-
cedor/ Iansã virou rainha/ Da coroa de Xangô// Mas Iansã, cadê
Ogum?/ Foi pro mar. (A Deusa dos Orixás de Romildo Bastos e
Toninho Nascimento)
4. Conclusão
Referências
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Introdução
Conclusão
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Este texto tem como objetivo situar o Ensino Religioso nos de-
bates do campo da História Cultural, a presente proposta visa analisar,
sob o prisma da análise comparada, as regulamentações estaduais para a
formação, habilitação e admissão dos docentes de Ensino Religioso no
Brasil, no intuito de se pensar as diferentes modalidades/formatos atuais
para o ER no território nacional.
De forma a balizar esta discussão no campo da História
Cultural, utilizamos os conceitos de estratégias e táticas (CERTEAU,
1998) para identificar os grupos que exercem liderança na direção cul-
tural na delimitação do campo e o formato para o Ensino Religioso, por
meio da seleção de seus conteúdos nas legislações estaduais.
A regulação dada pela Lei nº 9.475/97 entrega aos sistemas de
ensino a responsabilidade de orientar a implementação dessa disciplina,
uma vez que foi exarada na Constituição de 1988 como parte integrante
da formação básica do cidadão:
Considerações finais
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Coordenação:
Prof.ª Dr.ª Eliane Moura da Silva (UNICAMP)
I. Introdução
263 Ver: PARÉS, Nicolau. A Formação do Candomblé História e Ritual da nação jeje na Bahia.
São Paulo: Unicamp, 2007. Nagô, anagô ou anagou era um etnômio ou autodenominação de
um grupo de fala iorubá que habitava a região de Egbado, na atual Nigéria, mas que emigrou e
se disseminou por várias partes da atual República do Benim. p. 25.
Histórias, narrativas e religiões 681
identificar como o autor constrói uma narrativa sobre estas religiões e,
qual, a interpretação feita sobre o negro em seus estudos. No segundo,
analisarei o que Édison Carneiro chama de seriedade dos candomblés a
partir de sua obra Candomblés da Bahia e discutirei com base em seu pen-
samento, o lugar da mulher nos candomblés de matriz nagô.
Os conceitos de apropriação e ressignificação norteiam o cam-
po de estudos sobre religiões na historiografia contemporânea. O histo-
riador Michael De Certeau referência no tema - analisa as formalidades
das práticas religiosas na sociedade colonial, e, com base nas categorias
de usos e táticas, em seus estudos sobre o cotidiano, verifica que as apro-
priações e ressignificações das práticas culturais formais podem ser rein-
terpretadas e gerar novos significados na reconstrução de identidades.
Por meio destes conceitos o estudo das sociedades, contemplando uma
análise do cotidiano, abre janelas para refletirmos que a análise do macro
para o micro social, como as formas culturais instituídas são ressignifi-
cadas pela atuação de diferentes indivíduos na transformação da própria
cultura. (DE CERTEAU, 1998, pp. 91-106).
Para observar as vantagens da preocupação com o tema e mes-
mo da adoção do conceito de gênero, é interessante relembrar as con-
quistas da História das Mulheres, assim como as primeiras tentativas de
incorporar os estudos de gênero à disciplina histórica. Para a historia-
dora Carla Pinsky, a noção de gênero tem servido de base para indi-
car a criação cultural das ideias sobre os papéis próprios aos homens e
mulheres. A história cultural possibilita compreender o gênero como
construção cultural, negando o caráter natural, radical, universal atri-
buído aos papéis masculinos e femininos. Esse enfoque abre-se para
os papéis informais visíveis no cotidiano, constituindo-se em mais um
recurso para a reconstrução da experiência de homens e mulheres na
criação de sua própria história. (PINSKY, 2009, pp. 159). Nos estudos
das práticas rituais, Edward Thompson observa, por exemplo, em seu
texto sobre a venda das esposas, que nessa prática cultural ocorriam di-
versas de negociações e conflitos, fato que, ao contrário de não anular,
reforça a participação ativa da mulher na construção histórica do ritual.
(THOMPSON, 1998, p. 323).
264 Estado da Bahia, s/d. “Jovem Feiticeiro”. Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de
Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
Histórias, narrativas e religiões 683
as culturas de origem africana. Nina Rodrigues como é sabido - não
estudou as religiões de matrizes africanas apenas pela ótica da ciência
médica oitocentista. Em seu pensamento há o olhar católico, do “folclo-
rista”, e do ogã, do “historiador”. Ou seja, de um intelectual com múlti-
plas identidades disciplinares. (SERAFIM, 2010, p. 81).
Para o historiador e antropólogo Sérgio Ferretti, estudioso das
religiões de matrizes africanas no Brasil, somente cerca de trinta anos
após o falecimento de Nina Rodrigues, - Arthur Ramos, também mé-
dico, retomou os estudos sobre o negro no Brasil. Arthur Ramos de-
senvolveu seus estudos no contexto em que o pensamento evolucionista
não era mais predominante e se fundamentou na antropologia cultu-
ralista para refletir sobre os fenômenos religiosos. Compreendendo a
complexidade do conceito de sincretismo e considerando que o mesmo
possui diferentes sentidos, Ferretti aponta que Arthur Ramos interpre-
tou o sincretismo como aculturação, sem qualquer forma de resistência.
Ferretti também identificou que o próprio Ramos constatou posterior-
mente, que nem sempre o sincretismo é tão harmonioso. (FERRETTI,
2013, p.47). Édison Carneiro foi integrante do grupo de estudos lidera-
do por Arthur Ramos criador da “escola Nina Rodrigues”.
Édison Carneiro, filho de pais baianos, negro, nasceu no dia
12 de agosto de 1912 em Salvador, Bahia, e faleceu em dezembro de
1972, no Rio de Janeiro. Concluiu o ensino primário e o secundário
em Salvador, bacharelando-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade de Direito do estado. Atuando em diferentes áreas, o pesqui-
sador foi classificado como jornalista, etnógrafo, historiador, folclorista,
dentre outras denominações, que explicam, como salienta a antropóloga
Ana Carolina Nascimento, que produziu um trabalho sobre a trajetória
do estudioso, a dificuldade de categorizá-lo a partir de uma identidade
disciplinar. (NASCIMENTO, 2011, pp. 21-35).
Ao estudar a trajetória intelectual de Édison Carneiro no cam-
po de estudos das relações raciais no Brasil, o antropólogo Luiz Gustavo
Freitas Rossi, observou que a “conversão” de Édison Carneiro ao comu-
nismo durante sua juventude na Academia dos Rebeldes em 1920 na
Bahia - selou o destino de sua produção intelectual e suas tomadas de
266 Diário Oficial. Projeto de Lei do Senado, número. 31 de 1974. Biblioteca Amadeu Amaral do
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Rio de Janeiro.
267 O Negro no Brasil. Trabalhos apresentados ao 2º Congresso Afro-Brasileiro (Bahia). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1940.
268 O Estado da Bahia “Cidade de Salvador”, Édison Carneiro 31 de setembro de 1938 Salvador,
Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
686 Histórias, narrativas e religiões
com destaque, o discurso da supremacia dos candomblés nagôs. Na obra
Religiões Negras, – publicada em 1936, em diversas passagens nota-se
que Édison Carneiro reforça o discurso da superioridade nagô. Pois,
o autor estabeleceu fronteiras rígidas entre as diferentes vertentes re-
ligiosas de matrizes africanas, principalmente entre nagô e banto, sem
considerar os cruzamentos culturais. A polaridade demarcada reproduz
a superioridade da cultura nagô e da inferioridade da cultura banto. Na
mesma obra, a narrativa construída sobre o negro merece destaque, pois
segundo o autor: “elemento ativo do progresso do país, o negro rea-
giu ainda, mansamente, influindo no folclore, na religião, na composi-
ção étnica do Brasil”. (CARNEIRO, 1991, p. 22). Além disso, Édison
Carneiro reafirma a superioridade do rito nagô, porém desconstrói o
discurso em torno da ideia de pureza nos rituais nagôs, apontando que:
“E a prova de sua importância está, principalmente, na absorção das
várias míticas negras, inclusive a mítica dos jejes269, por parte da nagô”.
(CARNEIRO, 1991, p.31).
Na obra Candomblés da Bahia, publicada em 1940, o conceito
de sincretismo é interpretado como assimilação, visto como subterfú-
gio ou estratégia dos crentes contra a repressão policial e, aos poucos, a
assimilação foi adaptada, tornando-se uma segunda natureza dos fiéis.
(CARNEIRO, 2008, p. 51). O conceito de assimilação se aproxima da
ideia de negociação. Se retomarmos aqui o texto de Thompson, “a venda
das esposas”, é possível refletir sobre a relação entre conflito e formação
de identidades socioculturais, já que o autor afirma que a cultura é res-
significada em meio a conflitos e negociações e proporciona a constru-
ção de identidades. (THOMPSON, 2001, p. 64). Na análise da defini-
ção do conceito de sincretismo segundo Édison Carneiro, busco chamar
atenção para o fato de que o autor lançou uma nova luz para explicar o
fenômeno. E aqui retomo o pensamento de Ferretti, pois o autor aponta
que, na evolução dos estudos do sincretismo realizados pelo antropólogo
americano Melville Herskovits, o conceito pensado como aculturação e
harmonia simplesmente, não deu conta de explicar sua complexidade. E
269 Ver: PARÉS, 2007. Os jejes têm sido usualmente identificados, ao menos a partir do século
XIX e, posteriormente, na literatura afro-brasileira, como daomeanos grupos provenientes do
antigo reino Daomé.
Histórias, narrativas e religiões 687
do mesmo termo, derivaram-se as ideias de acomodação e assimilação
como conflito. (FERRETTI, 2013, pp. 95-96). Sendo assim, da amplia-
ção do conceito de sincretismo, que está o posicionamento intelectual
de Édison Carneiro.
Na década de 1980, a historiografia brasileira, embasada nos
estudos culturais, passou a estudar as religiões de matrizes africanas
considerando a história da resistência, pois as religiões de matrizes afri-
canas são consequência de um processo histórico dinâmico, e a diáspora
africana foi marcada por apropriações e ressinificações desta religiosida-
de. Os cultos de matrizes africanas foram vistos como inferiores pelas
elites brasileiras ainda no século XIX e eram subestimados. Reis destaca
que o batuque africano e o candomblé eram apontados como obstáculo
ao processo civilizatório ocidental, no qual, as elites educadas deseja-
vam encaixar o Brasil. Segundo o autor, a formação do que viria a ser
o candomblé está relacionado com a diáspora africana e a história da
resistência dos africanos escravizados. Destaca ainda que a preocupação
das autoridades com relação às religiões negras guardava relação com o
“medo” de que esta prática cultural pudesse se tornar uma organização
subversiva. (REIS, 2008, p. 143).
Os cultos de matrizes africanas no Brasil podem ser definidos
como uma instituição religiosa criada pelos afro-brasileiros na Bahia
desde o início do século XIX, quando, pela primeira vez, foram feitas re-
ferências à expressão, em documentos da polícia. Foram localizados em
certos bairros das cidades baianas, onde contavam com a cumplicidade
de vizinhos, próximos a quilombos urbanos, associados a líderes de re-
beliões, ou podiam estar relacionados a irmandades católicas, formadas
inicialmente por africanos.
270 O Estado da Bahia. Mães de Santo. Édison Carneiro, s/d. Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular. Rio de Janeiro.
690 Histórias, narrativas e religiões
Aninha, Carneiro apontava que as religiões de matrizes africanas era
uma questão a ser resolvida na sociedade brasileira e dizia:
271 O Estado da Bahia, Bahia 25 de janeiro de 1948. “Dona Aninha”. Édison Carneiro.
Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
Histórias, narrativas e religiões 691
Para Édison Carneiro, a mulher conhecida como Yabás é res-
ponsável pela manutenção da ordem no terreiro e, ao assumir a chefia do
candomblé, a filha (sacerdotisa) passa a se chamar mãe, e exerce a auto-
ridade espiritual e moral sobre a casa. Destaca ainda, que os candomblés
eram ofícios femininos272. As mulheres seriam responsáveis pela inicia-
ção de suas filhas e pela relação entre os fiéis e o universo sagrado. A
seriedade dos candomblés nagôs, para o autor, ocorre porque sua gestão
é de competência de mulheres maduras, responsáveis por preservar a
unidade grupal, os laços ancestrais e segundo o autor:
272 O Estado da Bahia. “Mães de Santo”. Édison Carneiro, s/d. Biblioteca Amadeu Amaral do
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
692 Histórias, narrativas e religiões
mulheres – Naninha e Silvana – que os introduziram. Mas, mes-
mo agora, os nomes de mulheres são mais importantes do que os
dos homens, na chefia dos candomblés. As mães dos candomblés
nagôs são, em geral, mulheres velhas, respeitáveis, que cumpriram
todas as suas obrigações como filhas durante várias dezenas de anos.
Nascidas e criadas dentro do ambiente do candomblé, conhecendo
profundamente todos os seus segredos, as mães nagôs possuem uma
consciência de si mesmas que já se tornou um dado primário da
observação. Se insisti nesse particular é porque a grande maioria de
pais não pertence ao número de candomblés nagôs. São os pais não
nagôs, por outro lado, que mais tem concorrido para a desmoraliza-
ção dos candomblés, entregando-se à prática do curandeirismo e à
feitiçaria – por dinheiro. “Nos candomblés não nagôs, a autoridade
do chefe quase sempre se reveste de forma tirânica, que corresponde
à maior frouxidão da hierarquia e da disciplina”273.
273 “Mães de Santo”. Édison Carneiro, s/d. Biblioteca Amadeu Amaral do Centro Nacional de
Folclore e Cultura Popular, Rio de Janeiro.
Histórias, narrativas e religiões 693
das, - é possível pensar que Édison Carneiro, como estudioso das religi-
ões de matrizes africanas, ao retomar e reafirmar o discurso da superio-
ridade nagô a partir da atuação da mulher nesses candomblés, exerceu
uma função importante na construção desta memória reafricanizada e
reinventada nos terreiros como afirmam as autoras, pois esta narrativa é
construída com o apoio dos intelectuais. Todavia, carecemos de investi-
gações mais amplas. As autoras apontam que a matriz nagô foi consa-
grada como “verdadeira” representação da África no Brasil. É importan-
te aqui reiterar que na obra – Religiões Negras Édison Carneiro afirma
a fusão entre as míticas jejes e nagôs, desconstruindo a ideia de pureza.
Em seu discurso, a relação Brasil e África representada no candomblé,
estava sempre presente, e, em junho de 1937, o estudioso expressava sua
“Saudade da África” dizendo:
Considerações finais
Referências
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________. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. São Paulo: Unicamp, 2001.
Introdução
Conclusão
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SCOTT, Joan W. Gênero: Uma Categoria Útil para a Análise Histórica. Traduzido pela SOS:
Corpo e Cidadania. Recife, 1990
Resumo: Nas novas leituras feitas dos rituais da Ashura e das persona-
gens envolvidas na narrativa da Batalha de Karbala (680 E.C.), sobre-
tudo da centralidade do Iman Hussein e de sua irmã Sayyida Zaynab,
existe uma tentativa de resgatar o protagonismo de Zaynab, represen-
tando as demais mulheres presentes no confronto em Karbala, com o
propósito de mobilização social e política, como foi observado primei-
ramente no Irã pré-revolucionário (com o intuito de engajar as massas
contra governo vigente) e no Líbano, entre as décadas de 1970/1980
no contexto da mobilização política das massas xiitas sob a égide de
grupos sociais e políticos como o Amal (Movimento dos Desprovidos)
e o Hezbollah (DEEB, 2005 e 2009; EL-HUSSEINI, 2008; AFARY e
ANDERSON, 2011). Em suas versões anteriores as narrativas que fun-
damentam as práticas realizadas anualmente pelos adeptos do xiismo
do décimo segundo Iman, traziam as figuras femininas como agentes
passivos e vítimas da tragédia, descrevendo as provocações que elas en-
frentaram. Tendo em vista as influências determinantes dos contextos
cultural, nacional e sócio-político em que tal movimento de construção
de gênero através da personagem de Zaynab é desenvolvido, a presente
comunicação oral possui o objetivo de apresentar e discutir de que for-
ma o movimento permitiu uma discussão ampliada acerca do papel da
mulher muçulmana xiita na sociedade em que se insere, utilizando como
referência os processos observados no Irã e no sul do Líbano.
Considerações
Referências
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tures 2 (1):1-18.
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VERGER, Pierre. A contribuição especial das mulheres ao candomblé do Brasil. In: Artigos.
São Paulo: Corrupio, 1992.
Coordenação:
Prof.ª Dr.ª Edianne dos Santos Nobre (UPE)
Prof. Dr. Mário Ribeiro dos Santos (UPE)
Introdução
278 O benzimento consiste em um conjunto de técnicas que se desdobra em uma prática com
viés religioso, a fim de subtrair um mal físico ou psíquico do corpo do indivíduo. Cada benzedor
ou benzedeira possui uma trajetória e manipula elementos rituais específicos visando a eficácia
de sua performance.
Histórias, narrativas e religiões 727
ções se dão de maneira estreitada, sendo comum “darem notícia” da vida
dos moradores: são estabelecidas conexões entre os informantes, que se
conhecem entre si, de maneira a guiar a aprendiz de antropóloga em
direção ao objeto. Minhas reflexões contemplam a observação de uma
chegada, bem como entrevistas e relatos de ocorrências da Folia de Reis
no referido contexto, mobilizando a narrativa dos foliões e dos devotos.
Também me valho de registros audiovisuais angariados e produzidos no
âmbito da comunidade279.
Em uma relação de aproximação com Durkheim (1996),
Halbwachs (1991) trabalha com a noção de memória enquanto fato so-
cial, ou seja, modos de comportamentos exteriores ao indivíduo, pos-
suidores de poder coercitivo pelo qual lhe são impostos. Segundo tal
autor, através dos “quadros sociais”, a memória do indivíduo está rela-
cionada com seus grupos de convívio e de referência: família, religião,
classe social, cultura, entre outros. Sua ênfase se direciona às instituições
formadoras do sujeito, sua proposição é que a vida atual do indivíduo
toma seu curso a partir da memória; algo é lembrado porque, diante
de uma situação específica, a memória vem à tona, espontaneamente.
Os aspectos enaltecidos da memória coletiva são utilizados para pen-
sar a (re)significação dessas práticas e dos símbolos religiosos de que se
vale ao longo do contexto da comunidade e os eventos demográficos,
políticos e econômicos que se dava em segundo plano. O ato da lem-
brança consiste na reconstrução de um passado longínquo: (re)pensar as
experiências passadas com o instrumental que se encontra disponível,
a lembrança é construída a partir das representações atuais da consci-
ência do indivíduo; ao lembrar-se de uma realidade, estará ela alterada
(HALBWACHS, 1991).
Consta muito viva no repertório das gentes católicas a estória
dos Reis Magos que, guiados por uma estrela, colocaram-se em pere-
grinação à Belém, até que, “finalmente, entrando na casa, acharam o
279 FOLIA DE REIS LAGO E MELO, Campestre (MG), 2015, 2016 e 2017
(Vídeos disponíveis em: https://www.youtube.com/user/JaymeLago2010/videos?shelf_
id=0&view=0&sort=dd. Acesso: março/2017).
728 Histórias, narrativas e religiões
menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo
os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra” (Mateus
2:11). O período das jornadas se inicia logo após o Natal, o nascimento
de Jesus, encerrando-se com a chegada, no dia seis de janeiro, quando os
presépios devem ser desmontados; as pastorinhas280 e as folias costumam
se despedir, voltando a aparecer no ano seguinte. Trata-se de uma matriz
simbólica cuja função é dar base para pensar as experiências vivenciadas
em determinado contexto. A relação entre fatos e eventos sociais com
essa matriz, ou seja, com uma “cultura bíblica” (VELHO, 1995), é o que
revela o caráter simbólico da realidade social.
Alinhando-me a Carlos Rodrigues Brandão (1981), que pro-
põe menos uma definição que um modo de explicação, a Folia de Reis
é um espaço simbolicamente estabelecido a partir /de um período de
tempo ritualizado, onde circulam dádivas entre um grupo de caminhan-
tes e os devotos que os recebem em suas casas. O deslocamento entre
diversos contextos produz novos enquadramentos para os objetos, do-
tando elementos tradicionais de novos significados a partir da experiên-
cia individual e coletiva, por meio da inventividade do grupo, ao mesmo
tempo em que possibilita o estabelecimento de uma grande rede de afe-
tividade e envolvimento entre os indivíduos da comunidade.
Ao seguir as pistas contidas nas trajetórias de Bandeiras ou
Estandartes, o presente trabalho visa apontar os diferentes entendimen-
tos e significados produzidos para o objeto nos contextos em que circu-
la, bem como contemplar sua função ritual e modos de uso. Tomar os
objetos – a bandeira ou estandarte – como categoria analítica consiste
em uma tentativa de revelar os critérios classificatórios que sustentam
sua materialidade, já que sua feitura se dá a partir de um fundamento
mesmo, compartilhado dentro de um contexto religioso (ou cultural),
que remete à narrativa bíblica (APPADURAI, 2008). Olhar para a tra-
jetória dos objetos significa trazer à tona seu processo de significação e
constituição enquanto tal; bem como assinalar que a identidade das coi-
280 Bailado folclórico de origem portuguesa, formado em sua maioria por meninas. Representa
um grupo pastoril em visita ao menino Jesus, durante o ciclo natalino.
Histórias, narrativas e religiões 729
sas, de maneira semelhante à das pessoas, é dada relacionalmente com
base em classificações, reclassificações e singularizações em um contexto
(KOPYTOFF, 2008).
Conclusão
Referências
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coisas (org.). –Niterói, RJ: EDUFF, 2008.
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APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas (org.). – Niterói, RJ: EDUFF, 2008.
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Introdução
282 PEDROSO, Frei José Carlos. O.F.M. São Francisco de Assis. Escritos e biografias de
São Francisco de Assis. Crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano. 6ª ed.
Petrópolis. Editora Vozes. 1991, p 181.
Histórias, narrativas e religiões 751
zo pelas coisas antes veneradas e amadas. (PEDROSO, 1991, p. 182).
Daí em diante, parece-nos que o jovem Francisco se deixa levar pelo que
considerou um chamado de Deus em sua vida, desprezando a riqueza
em uma radicalidade até então não expressada. Francisco, a partir de
então, se entrega a uma vida de pobreza e renuncia à tudo que possuía,
incluindo sua casa e família.
Essa renúncia percorre a rotina urbana em que vivia Francisco.
Brevemente expondo, segundo o historiador Jacques Le Goff, a cida-
de medieval, tomada na época por um desenvolvimento demográfico e
econômico, impulsionado em partes pela imigração de camponeses para
os núcleos urbanos, além do desenvolvimento de uma “industrialização”
constituída por três principais núcleos, “a construção, o de tecidos e o curtu-
me” era palco de vanglorias e disputa por poder. (LE GOFF, 2010, p. 23)
A cidade se torna então o local onde se concentra as principais
relações, compras, vendas e demais práticas sociais, incluindo as reli-
giosas, muitas vezes acrescidas de ganância. É nesse cenário que vive o
jovem Francisco.
Em resposta a esse contexto, Francisco, dedica-se a uma vida de
penitência e oração, observada também por seus seguidores. A penitên-
cia, como auxílio na renúncia dos bens terrenos, impulsiona Francisco
em seus novos ideais. Para o homem que se deixa levar pelas paixões,
como era o caso de Francisco, deus concede a reconciliação por meio da
penitência, de modo que sua vida se converta a Deus.283 De fato, pare-
ce-nos que foi esse o caso de Francisco. Não encontrando mais sentido
em tudo que possuía, prefere a pobreza e a penitência como forma de
conversão e nova maneira de viver e se satisfazer.
Quando no início do seu processo de conversão e prática
apostólica, Francisco não encontra nas ordens monásticas a maneira
adequada a seus desejos para exercer aquilo a qual era chamado. Temos
um Francisco que poderia ser considerado herege por suas práticas
de pobreza e miséria completa, por seu desejo de igualdade e tantas
outras práticas um tanto exageradas para o contexto religioso em que
vivia. No entanto, Francisco permaneceu ligado firmemente à Igreja,
284 Barbosa. Gustavo Henrique. Associações religiosas de leigos e sociedade em Minas colonial: Os
membros da Ordem terceira de São Francisco de Mariana (1758-1808), Belo Horizonte, 2010,
p. 21.
Histórias, narrativas e religiões 753
É nesse contexto de renovação da espiritualidade, de possibilidade
de viver a fé em meio às tentações do mundo, por meio do acesso
ao evangelho e de um estilo de vida austero, que a mensagem de
São Francisco de Assis e de suas três ordens religiosas – A Ordem
dos Frades Menores (1209), a Ordem das Pobres Clarissas (1212)
e a Ordem Terceira de São Francisco (1289) – adquire sua funcio-
nalidade. Seu rápido crescimento e sucesso entre religiosos e leigos
se explicam pelo diálogo preciso de seus objetivos e doutrina com a
realidade de seu tempo.285
A Procissão de Cinzas
Fig. 1: Imagem de São Francisco de Assis localizada no altar mor da Capela de São
Francisco de Assis de Ouro Preto. Foto: Milena Frigi Nunes.
287 CAMPOS, Adalgisa Arantes. As Ordens terceiras de São Francisco nas Minas Coloniais:
Cultura artística e procissão de Cinzas”. In: Estudos de História (UNESP). Franca, v. 6, n. 2,
1999, p. 121-134.
288 ALVEZ, Natália Marinho Ferreira. A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco
do Porto: análise de um esquema devocional. In: Os Franciscanos no Mundo Português: Artistas
e obras I. III Seminário Internacional Luso-Brasileiro, Rio de Janeiro, 2008, CEPESE, p. 422.
758 Histórias, narrativas e religiões
Na Procissão de Cinzas saíam originalmente os santos leigos (pe-
nitentes), a padroeira da ordem – N. Sa. da Conceição –, cenas
alusivas à vida do poverello e algumas extraídas do Gênesis, relativas
à criação do homem, à desobediência e à punição de Deus através da
imposição da morte (Gn 3, 19). Eram essas as invocações básicas do
cortejo, com o sentido de mostrar ao devoto a narrativa da criação
e da queda, o martírio e a redenção de Jesus, de suscitar nele uma
reflexão sobre a morte corporal, a vaidade e transitoriedade de tudo
que é mundano (Ec 1, 2, 3)289
289 CAMPOS, Adalgisa Arantes. Semana Santa Na América Portuguesa: Pompa, Ritos e
Iconografia. Belo Horizonte, UFMG, 1999, p. 1202.
290 CAMPOS, Adalgisa Arantes. As Ordens terceiras de São Francisco nas Minas Coloniais:
Histórias, narrativas e religiões 759
Durante os quarenta dias que compreendiam o tempo quares-
mal, os terceiros eram convidados a praticar exercícios espirituais princi-
palmente nas segundas, quartas e sextas feiras. No último dia de cada se-
mana, dedicavam-se a Via-Sacra recordando a Paixão de Cristo. Ainda
compreendia esse tempo o Domingo de Ramos e a Semana Santa, úl-
tima semana da quaresma, que iniciava-se com a celebração da quin-
ta-feira estendendo-se até o Sábado de Aleluia. Todas as celebrações
quaresmais eram marcadas pelo caráter penitente da Ordem e carisma
franciscanos, recordando a morte de Cristo e a morte das vaidades hu-
manas. (CAMPOS, 1999)
No entanto, a forma como se conduzia a Procissão da Penitência
ou Procissão de Cinzas, nos atenta para a ostentação de privilégios e sta-
tus possuídos pelos membros da Ordem. Acerca das questões sociais que
envolviam as irmandades na colônia, podemos considerar que a Ordem
Terceira de São Francisco de Assis, por ocupar lugar privilegiado na so-
ciedade e abrigar membros de maior prestigio social, demonstrava com
a procissão a ideia de superioridade e riqueza, ao passo que o sentido da
mesma deveria convergir para a pobreza e penitencia.
Este fator é apontado por Natália Marinho Ferreira-Alves
(2008, p. 425-426), em estudo da Procissão de Cinzas da Ordem Terceira
de São Francisco do Porto, nas questões que envolvem as representações
da procissão. Elementos ricos, tecidos sofisticados e um certo exagero no
conduzir da cerimônia e no número de elementos constituindo o cor-
tejo, nos aponta para o contrário de pobreza e vida penitente. Os mem-
bros da mesa administrativa da Ordem possuíam lugares específicos e
privilegiados na procissão. Segundo ela é necessário atentar-se ao fato
de que, ser irmão terceiro também significava ter elevado prestigio social
e possuir alguns privilégios comparando-se ao restante da população.
Por fim destacamos que, com todos esses aspectos considera-
dos, a procissão pretendia expor uma das maneiras encontradas pelos
terceiros franciscanos para relacionarem-se com o sagrado e demonstrar
sua fé, legitimando as práticas e a presença da Ordem terceira na capi-
tania mineira.
Cultura artística e procissão de Cinzas”. In: Estudos de História (UNESP). Franca, v. 6, n. 2,
1999, p. 121-134.
760 Histórias, narrativas e religiões
Conclusão
Referências
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VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental: séculos VIII a XIII. Tra-
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291 Significa “ser feito”, iniciado no candomblé por um sacerdote oriundo da Bahia, ou que
tenha se deslocado à Belém com este objetivo (CAMPELO, 2013).
766 Histórias, narrativas e religiões
A história do Candomblé é marcada pela luta e pela resistência
dos negros a um regime escravista e excludente que separou inúmeras
famílias, nações e tribos que mediante a tantos acontecimentos negati-
vos, uniram-se através de um fator comum: a religião. A formação do
sistema afro-religioso demonstra como a religião e seus elementos cul-
turais foram de suma importância para a formação linguística e contri-
buíram para constituir grande parte da cultura brasileira.
Os terreiros e espaços de candomblé são lugares de resignifica-
ção da memória não só da cultura africana que veio ao Brasil, mas sim da
cultura que faz parte do Brasil. A preservação é perceptível na reverência
às divindades e na conservação dos rituais e da língua das denominadas
“nações” onde se divide o Candomblé, sendo os terreiros espaços alta-
mente sagrados onde é possível a comunicação do mundo externo com
o mundo dos orixás (SANT’ANNA, 2006).
Portanto, o terreiro Ilé Asé Iyá Ogunté busca através da tra-
dição, estabelecer e evidenciar o seu espaço sagrado por meio das suas
práticas e dos símbolos que compõe a casa e a caracterizam como espaço
sagrado. Sendo originalmente uma casa de nação ketu, o referente ter-
reiro possui práticas que decorrem de denominações anteriores da sua
representante, a Yalorixá Iyá Ejité e que configuram o espaço a partir
da organização dos seus elementos simbólicos da umbanda juntamente
com o candomblé.
292 De acordo com Gil Filho (2012) o espaço sagrado discutido como conformação simbólica,
parte da discussão da fenomenologia de Ernst Cassirer sobre a construção da realidade através
da cultura e da significação simbólica onde a religião faz parte do processo de pensamento
humano como uma forma de dar sentido e significado à realidade humana. Portanto, a vivência
não é constituída apenas a partir de fatos, mas também a partir de significados atribuídos à
ela. Logo, segundo o autor, o espaço sagrado é construído a partir das experiências e vivências
que estruturam a dimensão da esfera religiosa que irão configurar o espaço sagrado através das
formas simbólicas.
770 Histórias, narrativas e religiões
estrutura o espaço sagrado atribuindo-lhe símbolos e significados que
compõe e configuram como território religioso delimitando a presença
de cada elemento sagrado presente no terreiro. Os espaços improvisa-
dos para a prática dos cultos são dotados de elementos simbólicos que
reforçavam a identidade das pessoas dentro do território por meio dos
geossímbolos293 (SOUZA, 2010). É possível analisar no espaço do tem-
plo Ilé Asé Iyá Ogunté a importância da simbologia e seus significados
que caracterizam e demarcam o território religioso de acordo com os
sentidos das práticas simbólicas executadas (CORRÊA, 2012).
293 “Um geossímbolo pode ser definido como um lugar, um itinerário, uma extensão que, por
razões religiosas, políticas ou culturais, aos olhos de certas pessoas e grupos étnicos assume uma
dimensão simbólica que os fortalece em sua identidade” (BONNEMAISON apud SOUZA,
2010, p. 77).
Histórias, narrativas e religiões 771
mundo ocidental. Mas foi influenciada por concepções de origem
indígena, de lugares situados “no fundo”, ou abaixo da superfície
terrestre, e provavelmente também por concepções de entidades de
origem africana, como os orixás, seres que não se confundem com os
espíritos dos mortos (MAUÉS, 2005, p. 262).
Nós temos a festa da dona Jandira e dos caboclos durante o ano todo
ela tem a festa dela. Durante o ano todo é uma das maiores festas
nossa. Aí ela vem e os caboclos todos vem dos filhos, dos convida-
dos. Até os convidados hoje na nossa casa já se comportam do mes-
mo jeito porque ela foi e acabou colocando todo mundo né, nesse
processo aí. Aí se paramentam se enfeitam, nisso, enquanto isso, as
equedes, as yabassés estão preparando porque são feito sacrifícios no
dia da festa dela. É no dia que é feito os sacrifícios pra eles todos, á
todos os caboclos, eles comem exatamente no dia da festa dela. Por
exemplo no Candomblé você corta vinte e quatro horas antes. Na
festa do Caboclo não, é no dia da festa deles. No dia da festa deles é
o dia que é o sacrifício pra eles. Então durante as equedes, as yabas-
ses que são as cozinheiras dos orixás estarem preparando toda essa
comida que vai ser devolvida pra eles. Tem partes do animais que
voltam para os assentamentos e a carne propriamente dita é usada
na festa. Quando elas estão fazendo o inxé, que nós chamamos de
inxé, que são aquelas partes que vão voltar para o caboclo, o caboclo
Quando Iyá Ejité fala “aí ela vem e os caboclos”, são as ma-
nifestações nos integrantes que caracterizam a chegada das entidades
incluindo a Dona Jandira recebida pela Iyá Ejité. Essa manifestação,
também caracterizada como hierofania, exemplifica uma conexão entre
o indivíduo com o mundo sagrado onde na perspectiva de Gil Filho
(2012) a realidade religiosa é construída a partir do sentir que a expressa
por meio das narrativas, representações ou performances rituais, como
é o caso da festa da cabocla citada. Portanto, para o autor, são as expe-
riências e as relações que irão configurar o espaço sagrado através do
simbolismo. A religião faz parte desse universo de significados sendo
integrada ao processo de pensamento humano e uma forma de dar sen-
tido às coisas e a vida, portanto, “nesse sentido as buscas se dão em como
o homem instaura os significados das suas experiências” (GIL FILHO,
p. 43), ou seja, é o sujeito que produz as configurações simbólicas no
espaço que seria resultado de diferentes experiências religiosas reunidas
através do homem religioso, o fiel. É a partir desse sujeito que se con-
figuram as dimensões do espaço não se tratando apenas de um espaço
localizável, mas pode ser configurado a partir de dimensões não-mate-
riais que constroem e solidificam as relações enfatizando o sentido e da
realidade religiosa.
LUCA, Taissa Tavernard de. Revisitando o tambor das flores: a Federação Espírita e Umban-
dista dos cultos afro-brasileiros do Estado do Pará como guardiã de uma tradição. 2003.
__________. O sagrado e sua dimensão espacial. CASTRO, IE; GOMES, PC; CORRÊA,
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gráfico sobre as apropriações de animais no Ilé asé Iyá Ogunté–um templo de candomblé na
Amazônia. 2014.
294 A palavra Hallel é de origem aramaica e significa cântico de louvor a Deus, uma música
que celebra a Vida. Os salmos bíblicos fazem referência à exaltação dos cantos e da música
através dos sons de instrumentos musicais e da dança. O Salmo 135 (136) era especialmente
recitado na Páscoa. O Salmo 150 é um convite a para que todos os instrumentos musicais e
todos os seres vivos louvem à Deus. Nos dias atuais, em lugar de cítaras, harpas, liras e trombetas,
ouvimos guitarras, baterias, teclados, percussão, baixos, microfones, vozes e efeitos especiais, com
qualidade para que o anúncio de Jesus Cristo chegue às pessoas, de qualquer idade, nível social,
etnia ou credo, possibilitando que todas encontrem seu espaço. Esse trecho e no site oficial do
evento. Disponível em: http://www.hallelmaringa.com.br/about/historia/. Acesso em:18 de
mar. de 2016.
Histórias, narrativas e religiões 781
PB e Fortaleza- CE295. O evento ainda apresenta algumas edições em
outros países, como: Chile, Peru, Paraguai, Colômbia, México, EUA296,
entre outros.
O nome do evento nos leva a considerar a realização do Hallel
como um dia festivo, com muita música, dança, palestras, missas, aberto
a toda comunidade, “o Hallel é uma festa que envolverá todas as pessoas
de todas as faixas etárias das mais variadas formas” (O DIÁRIO DO
NORTE DO PARANÁ, 1995, p.4).
Um projeto de pesquisa não diz aquilo apenas como aquilo vai ser
pesquisado. Uma teoria que fundamenta uma hipótese de pesquisa
delimita até o que vai ser visto, ou seja, até aquilo que, dentro de um
todo de relações sociais, econômicas e politicas, vai ser intencionali-
zado pelo pesquisador, vai ser objeto de sua própria atenção, de sua
maneira de observa. (BRANDÃO, 2007, p. 12).
Agora, cada vez mais, nos damos conta de que mais vale considerar
a sincronia ou a sinergia das forças que agem n a vida social. Isso
posto, redescobrimos que o indivíduo não pode existir isolado, mas
que ele está ligado, pela cultura, pela comunicação, pelo lazer, e pela
moda, a uma comunidade, que pode não ter as mesmas qualida-
des da idade média, mas que nem por isso deixa de ser comunidade
(MAFFESOLI, 1998, p.114).
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Reflexões sobre como fazer trabalho de campo. Sociedade e
Cultura: Revista de pesquisas e debates e ciências sociais. UFG, Goiás, v. 10, n. 1, p. 11-27
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