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2016v7n14p099
Catarina Rochamonte1
RESUMO
Esse artigo analisa a relação que Bergson estabelece entre a experiência mística e o seu
método da intuição, explorando as consequências do reconhecimento do valor da mística para
a pesquisa filosófica. Para tanto, apresentaremos a tese bergsoniana de que a experiência
mística prolonga a doutrina do élan vital na medida em que desvela o sentido da evolução,
estabelecendo a relação entre criação e amor. Nossa pesquisa se insere no momento atual
de renovação dos estudos sobre a última obra de Bergson As duas fontes da moral e da
religião que, no presente texto, será analisada em sua relação com a outra obra clássica do
autor, A evolução criadora. Dentre a fortuna crítica, apoiamo-nos naqueles comentadores que,
de algum modo, tentaram esclarecer a relação entre esses dois livros, como é o caso de
Frédéric Worms em seu livro Bergson ou os dois sentidos da vida. Esperamos, ao final do
texto, ter deixado no leitor a impressão de que a obra de Bergson apresenta um esquema
conceitual capaz de contribuir para o diálogo entre filosofia e religião e que desse diálogo
advém a possibilidade de progresso da própria metafísica.
RÉSUMÉ
Cet article analyse la relation qui Bergson fait entre l'expérience mystique et sa méthode de
l'intuition, en explorant les conséquences de la reconnaissance de la valeur de la mystique
pour la recherche philosophique. À cette fin, nous allons présenter la théorie de Bergson que
l'expérience mystique étend la doctrine de l'élan vital en ce qu'il révèle le sens de l'évolution,
en établissant la relation entre la création et l'amour. Notre recherche se situe au moment de
1 Doutoranda pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Mestra em Filosofia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
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renouveau des études sur la dernière œuvre de Bergson, Les deux sources de la morale et
de la religion. Ce texte sera analysé dans sa relation avec l'autre œuvre classique de l'auteur,
L'évolution créatrice. Parmi les fortune critique, nous nous soutenons dans ces commentateurs
qui, en quelque sorte, ont essayé de clarifier la relation entre ces deux livres, comme est le
cas de Frédéric Worms à son livre Bergson ou les deux sens de la vie. Nous attendons, à la
fin du texte, avoir laissé dans lecteur l'impression que le travail de Bergson présente un cadre
conceptuel capable de contribuer au dialogue entre la philosophie et la religion et que ce
dialogue est la possibilité de progrès de la metaphysique elle-même.
1 - INTRODUÇÃO
2 “Isto que eu chamo élan vital […] é um princípio de mudança bem mais que de conservação. Mas sobretudo é
um princípio do qual não se obterá jamais uma aproximação se não for por esquemas de ordem psicológica.”
(BERGSON, Bergson a É. Borel. In: L'evolution créatrice, p.603).
3 BERGSON, La pensée et le mouvante. In: Oeuvres, p.1274
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2 - Desenvolvimento
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Na medida em que pretende retomar a experiência, é de se esperar que a
filosofia de Bergson seja atravessada pela crítica de todos os sistemas que,
conscientemente ou não, subordinaram os fatos aos dogmas de suas teses pre-
concebidas. Assim, pode-se dizer que no Ensaio há um desmantelamento do
associacionismo e a sugestão de um retorno à experiência do eu que dura; em Matéria
e Memória há o retorno às patologias cujo estudo conduziram os cientistas da época
a conclusões contrárioas àquilo que a experiência do Ensaio proclamava; em A
evolução criadora deu-se a tentativa de ler a evolução a partir dela mesma e não a
partir das doutrinas pre-existentes como o materialismo, que conduzia à interpretação
mecanicista e o espiritualismo, que conduzia à interpretação finalista. Finalmente, em
As duas fontes da moral e da religião tentou-se perseguir a experiência absoluta dos
místicos sem a capa protetora do dogmatismo religioso, o que possibilitou enxergar
em tal experiência aquilo mesmo que o exame dos dados biológicos havia reclamado:
uma experiẽncia intuitiva, atravessada por uma potência psíquica capaz de exaltar o
indivíduo e fazê-lo acolher em si o potencial evolutivo desperto.
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resultados fariam recair sobre a experiência mística
qualquer coisa de sua própria objetividade. […]
Falávamos outrora dessas “linhas de fato”, cada uma das
quais fornece apenas a direção da verdade por não ir
suficientemente longe: prolongando duas de entre elas
até o ponto onde se cortam, chegaremos contudo à
verdade mesma. O agrimensor mede a distância de um
ponto inacessível visando-o alternadamente de dois
pontos aos quais tem acesso. Consideramos que esse
método de recorte é o único capaz de fazer avançar
definitivamente a matafísica. […] Ora acontece
precisamente que o aprofundamento de uma certa ordem
de problemas, muito diferentes do religioso, nos conduziu
a conclusões que tornaram provável a existência de uma
experiência mística. E por outro lado a experiência
mística, estudada por si mesma, fornece-nos indicações
capazes de se somarem aos ensinamentos obtidos num
domínio completamente distinto8.
Pode-se dizer que, antes de focalizar seu interesse na mística, já havia, na obra
de Bergson, um espaço aberto para a significação dessa experiência. Para além dos
falsos problemas tradicionalmente enfrentados, o que a metafísica carecia era antes de
uma experiência imediata que os dissipasse9. Ultrapassando a teoria e os limites de uma
abordagem externa ao objeto, a experiência mística se apresenta como a vivência
interna de um contato; mais precisamente, contato de um indivíduo com a força criadora
da vida. Essa coincidência com a criação equivaleria nos místicos a um
acompanhamento da força criadora através de uma sobrecarga na potência de agir; ação
essa caracterizada não pelo interesse individual, mas pelo desinteresse de si em favor
da humanidade, ação capaz de levar a solidariedade para além dos limites impostos pela
10 “[...] almas privilegiadas surgiram que sentiram-se aparentadas a todas as outras almas e que, ao
invés de permanecerem nos limites do grupo e de se limitarem à solidariedade estabelecida pela
natureza se dirigiram à humanidade em geral em um elã de amor.”(BERGSON, Le deux sources de
la morale et de la religion,. p.97).
11 “[...]é o critério da abertura , isto é, de uma moral que se dirige à humanidade inteira e se opõe a todo
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2.2 - Elã vital e experiência mística
vida sem afetá-la em profundidade, confirmando-a, decerto, em sua estrutura de conjunto, mas
modificando-a em sua significação mesma e, através dela, o conjunto da filosofia da qual era um
ponto de equilíbrio.” (WORMS, Bergson ou os dois sentidos da vida, p. 290-291).
15 WORMS, Bergson ou os dois sentidos da vida, p. 358.
16 BERGSON, Le deux sources de la morale et de la religion p.273.
17 “Definindo-o pela sua relação com o élan vital, nós admitimos implicitamente que o verdadeiro
uma coincidência parcial com o esforço criador que manifesta a vida” (BERGSON, Le deux sources
de la morale et de la religion, p.233).
20 “[...]pois o amor que o consome não é mais simplesmente o amor de um homem por Deus, é o amor
de Deus por todos os homens. Através de Deus, por Deus, ele ama toda a humanidade com um
divino amor” (BERGSON, op. cit., p.247).
21 BERGSON, Le deux sources de la morale et de la religion, p.248-249.
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A evolução seria vista então como um esforço de liberação que se realiza no
homem, sendo a alegria o sinal de que a energia espiritual que evolui encontrou sua
destinação22. Distinta do prazer, trata-se da alegria presente em toda criação, cujo
apogeu é a ação generosa das almas místicas por onde atravessa sem obstáculos o
Élan vital sob a forma de amor.
22 “Os filósofos que especularam sobre o significado da vida e sobre o destino do homem não
observaram bem que a própria natureza se deu ao trabalho de informar-nos sobre isso: avisa-nos por
meio de um sinal preciso que nossa destinação foi alcançada. Esse sinal é a alegria” (BERGSON, A
consciência e a vida in A energia espiritual, p.22).
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duração do eu: a emoção de amor que vem de Deus. O absoluto apareceria então
para o filósofo irremediavelmente mediado devido à sua participação na mística23.
problemas e de apreensão do absoluto não apenas do eu, mas do mundo, ela descobre também a
necessidade de se apropriar dos conhecimentos que lhe são exteriores. Estes são no Ensaio os
dados da psicologia empírica, em Matéria e memória a psicopatologia, em A evolução criadora […]
os dados da biologia” (FENEUIL, Anthony. De l´immédiatement donné au “detour de l´expérience
mystique”. p.35)
26 Idem, p. 40-41
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recorrer à experiência dos outros e falar de alguns fatos sobre os quais tinha ouvido
falar.27”A essa observação fez eco, mais recentemente, Camille de Belloy:
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trago, nessas páginas, algo de novo, é isto: eu tento
introduzir a mística na filosofia como procedimento de
pesquisa filosófica34”
3 - Considerações finais
34 BERGSON apud WATERLOT, L'ellipse: une difficulté majeure du troisième chapitres de Deux Sources.In:
Lire Bergson, p.188.
35 “Il suffirait de prendre le mysticisme à état pur, dégagé des visions, des allégories, des formules
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