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Esquizomúsica

Intensificando novos territórios existenciais


através da música, do som e da poesia
no contexto da saúde mental.

Carlos Luis Conzi Bermúdez

Monografia apresentada no Curso de Especialização


em Análise Institucional, Esquizoanálise e Esquizodrama

Belo Horizonte, 2009


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FOLHA DE APROVAÇÃO

AUTOR: _____________ Carlos Luis Conzi Bermúdez______________________________

Curso de Pós-Graduação Lato Sensu (Especialização)

Trabalho de Conclusão de Curso sob forma de __Monografia__, apresentada como requisito

para obtenção do certificado de conclusão da Especialização em;

Curso de Pós-Graduação Lato Sensu (Especialização), Análise Institucional,


Esquizoanálise e Esquizodrama: Clínica de Grupos, Organizações e Redes Sociais.

____________________________________________________ Professor Orientador

__________ Margarette Amorim___________________________ Coordenador do Curso

_________Gregorio F. Baremblitt__________________________ Coordenador da Fundação


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Dedicatória,

Ao professor Gregório F. Baremblitt por sua valentia e amor ao conhecimento,

Aos professores por sua dedicação e sinceridade na tarefa do compartilhar...

A Margarette pela sua presença constante e firme na condução do barco


caosmótico...

Aos colegas pela companhia inestimável ao longo de tantos dias de estrada e pelos

acontecimentos que soubemos compartilhar com alegria e poesia...

Carlos Luis Conzi Bermúdez


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Sumário

Introdução 05

Convocação 05

Saúde Mental 08

Deleuze e Guattari 13

O molar 15

Esquizoanálise: um rizóma que não começa nem conclui 16

Psicose - A outra Margem 19

Rizoma: riacho sem início nem fim 24

Esquizodrama: Gregório F. Baremblitt 28

Esquizodrama e música: Esquizomúsica 31

Gênese de uma Klínica de Esquizomúsica. 40

Referências Bibliográficas 46
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Introdução
“Devir nunca é imitar. Quando Hitchcock faz o pássaro, ele não
reproduz nenhum grito de pássaro, ele produz um som
eletrônico como um campo de intensidades ou uma onda de
vibrações, uma variação contínua, como uma terrível
ameaça que sentimos em nós mesmos.”

Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs. Capitalismo e


Esquizofrenia. Vol. IV - Editora 34

A di-versidade. A diferença, a divergência do saber oficial. O verso diverso. o reverso


do real, a urgência do insólito no engendramento do novo paradigma estético. A
loucura como linha de fuga, o saber silenciado que volta se manifestar singular
através da arte na sua inter-loucução com a cultura, re-inventando novos modos de
subjetivação. A música, a vídeo-imagem, a palavra poética solta na rua, a arte como
devir que devolve ao “louco”, ao diferente, a minoria, o direito de expressar a sua
diferença.

Convocação

Apresento-me aqui e convoco alguns dos meus companheiros de viagem.


Muitos outros virão a nosso encontro, porque uma voz chama outra voz.
Deixo a porta propositalmente aberta para quem quiser entrar. O convite está
feito. Aos citados poderiam se somar muito mais, universos próximos, outros
aparentemente distantes. Mas para não tornar esta tentativa de escrita, tão
ampla como a vida, e solitária como uma noite escura, pecorreremos estas
inusitadas paragens do conhecimento na companhia de alguns distinguidos
acompanhantes, vindos de diferentes lugares e épocas, cada um deles,
umuniverso próprio repleto de conexões, diversidades e singularidades.
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O escritor Franz Kafka, o músico Chico Buarque, o esquizodramatista e


Psiquiatra, Gregório Baremblitt, o teatrólogo Antonin Artaud, e naturalmente Deleuze
e Guattari.
Nossa caminhada com estes gigantes é de longa data. Mesmo eles não
sabendo, foram muitas noites mal dormidas na companhia deles. Dos muitos
acordes derramados pela imaginação do Chico, as indagações sem fim de “A
Construção” de Franz Kafka, ou do seu, “Artísta da Fome”. Entendemos a
possibilidade de criar “novos territórios existenciais” pela dramatização como
processo de atualização do virtual ser uma via potente de acesso a novos
patamares de consciência. Convocar estas almas magníficas para um diálogo é um
privilégio, um prazer, um desafio, mas principalmente a possibilidade de provocar
mais uma vez o novo, o devir de vida, o devir semente, gérmem, e flor, um frescor
poético-musical-quântico-dramático-revolucionário.

“...E foram ficando marcadas, ouvindo risadas,


sentindo arrepios
olhando pro rio tão cheio de lua
e que continua correndo pro mar

e foram correnteza abaixo rolando no leito,


engolindo água
boiando com as algas, arrastando folhas,
carregando flores a se desmanchar

E foram virando peixes, virando conchas,


virando seixos virando areia, prateada areia
com lua cheia e a beira do mar”

Chico Buarque, “Mar e Lua”

Foi lá pelos anos oitenta quando cheguei ao Brasil que Chico me encantou
com esta música. Fiquei durante dias aprendendo as suas composições, decifrando
aqueles acordes enigmáticos, encantado por aquele universo magnético de ritmos e
harmonias, palavras e fluxos. Chico me falava, já naqueles primeiros dias em solo
brasileiro da constante migração de todas as coisas. Nada está estático, tudo está
em constante devir, queiramos ou não, tudo morre e se atualiza numa velocidade
estonteante. O ser “vira” outra coisa, num interminável e irresistível movimento de
transformação. Precisamos muitas vezes, nessa tormenta, parar, olhar em volta,
observar a correnteza, precisamos entender, no meio das conchas, das folhas e das
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algas, mesmo estando às vezes no meio do brilho fulgurante da areia prateada,


parar e nos perguntar, onde estamos indo?

“ ––– Porque eu ––– disse o jejuador, levantando um pouco a


cabecinha e falando dentro da orelha do inspector com os
lábios em ponta, como se fosse um beijo para que nada se
perdesse, ––– Porque eu não pude encontrar o alimento que
me agrada. E eu o tivesse encontrado, pode acreditar, não
teria feito nenhum alarde e me teria empaturrado como você e
todo o mundo”

Franz Kafka, O Artista da Fome.

Que fome é essa que nos povoa, que fome é essa que inunda o psicótico,
que o faz transbordar de angústias, de fantasmas e de rituais. Que fome é essa que
nos leva a parar de comer, parar de rir, estancar o olhar e que ao final, congela o ser
na repetição. O sentido se esgota, as frestas se fecham e as possibilidades infinitas
se reduzem, capturados os devires em calabouços escuros.

Eu sempre quis que vocês admirassem o meu jejum ––– disse


o artista da fome. ––– Nós admiramos ––– retrucou o inspector
––– Porque haveriam de admirar? ––– disse o jejuador.
––– Bem, então não admiramos ––– disse o inspector –––
Porque não devemos admirar? ––– Porque eu precisso jejuar,
não posso evitá-lo –– disse o artísta da fome.

Franz Kafka - O Artista da Fome

É disto que tentaremos falar, do [inevitável?], daquilo que arrasta os seres até
o mar que aflora por vezes na psicose ou em outros territórios nosológicos da saúde
mental. O lugar do “jejum”, aquilo que carrega os sonhos, que desmancha
horizontes e que nos faz virar peixes, ou flores, que nos faz engolir algas até nos
tornarmos ostras numa praia qualquer. A psicose não é diferente, não é “outra
realidade”. O psicótico “pede desculpas” por não ter fome. “Me desculpe”...repete
sem interrupção. Pede desculpas por não achar graça em nada, por não desejar o
que você deseja, por incomodar você sendo o que ele é, por não estar inserido em
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nenhuma superfície de consumo/consumação. Estou com o meu paciente “EB”. Não


está feliz nem triste, fuma seu cigarro enquanto jejua do resto do mundo.

Saúde Mental
A produção da utopia ativa.

“...Hay um mal contra o qual el ópio é soberano


y este mal se llama angústia, em su forma
mental médica, psicológica o farmacêutica
como ustedes quieram.
La angústia hace a los locos.
La angústia hace a los suicidas.
La angústia hace a los condenados.
La angústia que la medicina no conoce.
La angústia que vuestro doctor no entiende.
La angústia que quita la vida.
la angústia que corta el cordón umbilical
de la vida. “

Antonin Artaud Carta al señor legislador de la ley


sobre estupefacientes.

Mesmo cinquenta anos após o início da reforma psiquiátrica iniciada na Itália


por Franco Baságlia e seus colaboradores, continuamos a olhar para o mundo das
instituições de saúde mental com a mesma desconfiança e temor. O olhar cúmplice
e alienado que a sociedade tem desses estabelecimentos não difere muito dos
descritos cinco ou mais décadas atrás. Os poucos hospitais especializados que
recebem pacientes em condição de sofrimento mental ainda amarram, trancam,
imobilizam, se bem que com meios mais eficientes e sistemas de ocultação
aperfeiçoados. A linguagem técnica e os graus de refinamento das modernas
especalizações impedem de forma mais drástica, que o cidadão comum em
condições normais possa sequer se aproximar de um entendimento básico dos
“métodos” usados para tratar de doentes mentais. Muitas vezes lhe basta aos
familiares saber, imaginar ou acreditar que tais métodos funcionan, no sentido de
estabilizar e acalmar os sintomas. Não havendo, aparentemente, qualquer violência
à vista, se estabelece um contrato, muito pouco transparente, que aparenta atender
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a todas as partes. Deste contrato inicial, decorrem geralmente, repetidas internações


ao longo dos anos que se sucedem ininterruptamente dentro da precária rede de
atendimento psiquiátrico/hospitalar. A parte ignorada é naturalmente a do paciente
internado que no decorrer deste processo perde a sua voz e muitos dos seus
direitos de cidadania. É ele o último a opinar. Sua opinião é irrelevante e sobre ele
se passam a exercer impunemente todo tipo de violências. Portas trancadas e fortes
enfermeiros lembrando seguranças, descaracterizam mais ainda o que deveria ser
um lugar de acolhimento e continuam a dar a tônica de tais estabelecimentos. O
paciente que ali chega terá o seu diagnóstico feito da maneira mais superficial
possível e receberá uma medicação padronizada para sedação. A história do
indivíduo não entra em questão. A padronização dos procedimentos e a falta de
recursos humanos nas enfermarias levam a desumanização destes locais que
praticamente em nada se parecem com instituições de saúde. Fica bastante claro
que o objetivo do hospital não é o cuidado, o acolhimento terapêutico, mas dar
apenas continuidade a um círculo sem fim onde se dá no paciente e na família o
fenômeno da “desesperança apreendida”. Na hora da visita se acotovelam parentes
e amigos à espera do lado de fora das portas trancadas a chave. Ao se abrirem as
“celas modernas” encontramos os doentes então espalhados nos quartos e
corredores. Fora esses momentos de “vida social” na hora das visitas, longas horas
de enclausuramento se sucedem. Contenção química, grades, solidão, às vezes
uma pequena televisão em um canto parece querer disfarçar sem sucesso a falta de
recursos humanos e médicos. Sem cores, as paredes se estendem monótonas, os
corredores sem saída “protegem” não se sabe a quem, se ao paciente de si mesmo
ou a sociedade lá fora que quer ver o elemento “desviado” isolado da população
sadia.

“...Uma ilha congelada na história...uma ilha que a


sociedade colocou fora dela...nela os dias se sucedem
indistintos, idênticos e vazios...”

“A instituição negada” Franco Baságlia.

Nesta ilha poucos se aventuram. Somente os parentes mais próximos, os técnicos e


os especialistas transitam nestes labirintos Kafkianos. Diferente do cancer, que
expõe e explora as suas intimidades publicamente usando amplas faixas de
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propaganda e apelando frequentemente a solidaridade humana. É entendido, na


maior parte do tempo, como um drama que pode acometer qualquer família sem
distinção de classe social. O cancer é exposto, televisionado e mobiliza a luz do dia
diversos setores da sociedade. Fortes sentimentos unem as pessoas em
campanhas, casas de apoio, doações em grande escala, voluntários se mobilizam,
ONGs, deputados estaduais, federais e ministros da saúde são vistos repetidas
vezes abraçando esta cruzada.
Na construção de grandes hospitais com as mais modernas tecnologias para
conter o “grande mal”. São gastos anualmente milhões de reais. Parece injusto aos
olhos da sociedade que alguém em pleno uso da razão e das suas faculdades
psíquicas seja atacado por uma doença tão cruel. Mentes sãs em corpos adoecidos
causam grande transtorno na sensível opinião pública. Quando a razão adoeçe,
quando treme o alicerce da psique, quando a loucura desponta, não verificamos
reações semelhantes. Porém é frequente ver como tentamos esconder a doença por
todos os meios, sendo o hospital o lugar privilegiado para ocultar o “drama familiar“
que desponta.
Por sua vez, os hospitais psiquiátricos continuam a navegar num névoa espessa e
obscura de pobreza material e humana que amendronta, afugenta e desmoraliza a
sociedade. Sujeira, abandono, solidão, falta de profissionais devidamente
preparados para lidar com situações diferenciadas, escasso apoio do estado e da
sociedade em geral. As velhas determinações de isolar o “louco” de colocá-lo longe
não dão lugar nem margem para enxergar a singularidade nem a intensidade da
violência que circunda aos portadores de sofrimento mental. O problema ainda
segue a lógica da ocultação. A angústia a que Artaud se refere é incômoda demais
para ficar exposta. Dói ao refletir, o eco da nossa própria angústia engavetada. A
angústia que ferve como lava vulcânica por baixo da pele espera momento para
entrar em erupção. Os fantasmas assombram o imaginário e o louco é o
embaixador a lembrar do outro lado. O outro lado que espreita o homem na corda
bamba da sua existência.
O apoio silencioso ou a omissão das autoridades e da própria sociedade na
perpetuação de práticas desumanas, muitas vezes já condenadas pela própria
medicina, tornam mais grotesco o quadro contemporâneo da reforma psiquiátrica
que ora avança um passo aqui e retrocede outro mais acolá, sempre sob a ameaça
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de forças reacionárias que tentam reeditar o hospício como meio de controle


preferencial do poder totalitário.

“Durante muitos anos o doente mental foi ––– e ainda é


––– aquele a quem se pode oprimir brutalmente: um
cidadão privado dos seus direitos. É aquele a quem se
pode privar de sua liberdade pessoal, de seus
pertences, de suas relações humanas, durante um
tempo indeterminado ––– e quase desanimado diz: “
Que é que eu fiz de mal?”

A instituição negada” Franco Baságlia

Quando pensamos na nossa sociedade moderna, rodeados das mais sofisticadas


tecnologias, satélites que possibilitam uma rede mundial de comunicações, a
internet, o mundo digital, a nano-tecnologia capaz de colocar um robô na corrente
sanguínea, a produção de um espermatozóide a partir de células tronco, amiúde
esquecemos que tudo isso se cristaliza nas diversas superfícies de registro controle,
e que a potência destrutiva que observamos hoje em dia apesar dos avanços em
todas as áreas do conhecimento é um desdobramento da captura eficiente das
máquinas abstratas. A produção científica nunca foi neutra. Em cada época ela pode
gerar potências criativas ou grandes intensidades de destruição.

` “A máquina abstrata pode se transformar em máquina


de morte ou de destruição, tornar-se máquina de
estado que captura a da guerra e toma a guerra por
objeto, induzindo o dispositivo a perder toda a sua
capacidade de metamorfose. Em nosso entender, é no
seio do imprevisível e multipolar combinatória de
caos, caosmos, cosmos de produção, reprodução e
antiprodução que as máquinas abstratas se montam, e
seu valor criativo ou letal se decide. “

“Introdução a Esquizoanálise” Gregório Baremblitt

Este parágrafo elucida em parte porque o benefício das grandes descobertas e os


espantosos avanços tecnológicos que hoje presenciamos, pouco alteram a relação
de bem estar das sociedades modernas assim como o conceito que as mesmas
sustentam sobre a loucura como experiência limíte. A loucura continua temida,
misitificada, incompreendida e principalmente continua a ser usada como forma de
exclusão e modelagem repressiva, o território onde a diferença, a falha, o erro, o
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desatino são a razão do confinamento e da condenação a viver em perpétua solidão


existencial.

“O novo psiquiatra social, o psicoteraeêuta, o


assistente social, o psicólogo da indústria, o sociólogo
de empresa (para citar só alguns), são os novos
administradores da violência no poder, na medida em
que atenuando os provocados pelas instituições
l i m i t a n - s e a c o n s e n t i r, c o m a s u a a ç ã o t é c n i c a
aparentemente reparadora e não violenta que se
perpetue a violência global. Sua tarefa que é definida
como terapêutico orientadora, é adaptar os indivíduos à
aceitação de sua condição de objetos de violência”.

“A instituição negada” Franco Baságlia

Violência consentida, refinada através de pesquisas de ponta, legitimada pelas


várias instâncias do poder. Mas, a espada de Demócles paira sobre as nossas
cabeças, atingindo principalmente aqueles que não podem pagar por tratamentos
particulares ou não estão associados a convênios. De maneira que o ajustamento
das peças sociais, dos participantes do grande jogo da economia mundial e
lubrificado pela ameaça constante da repressão/internação. Por trás das normas de
conduta há um limite que não pode ser ultrapassado, para além desta linha
concreta, a violência aguarda o indivíduo infrator de maneira mais sofisticada e
eficiente e transvestida de modernidade aparente. Enquadrar ajustar, adaptar,
orientar, organizar, são todas atividades normativas que carregam uma punição
concreta e legitimada pela sociedade, caso falharmos na dinâmica prefixada do que
se considera comportamento adequado e ajustado.

"O perfeccionismo técnico especializado consegue com que o


rejeitado aceite a sua inferioridade social com a mesma
eficiência com que antes impunha, de maneira menos
insidiosa e refinada, o conceito da diversidade biológica, que
sancionava por outra via a inferioridade moral e social o
diferente.

"A instituição negada"F. Basaglia p.l02

O corpo cheio do mundo contemporâneo, absorve todo o saber, todas as tecnologias


se renovando nas suas camadas superficiais mas sem mudar seus pressupostos
básicos. A instituição total se veste com novas roupagens para atender as
exigências mínimas da suposta “humanização” da saúde mental. A maleabilidade da
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mente humana se mostra quase ilimitada, e encontra sempre novos leitos onde
acomodar velhas práticas. Podemos considerar que a loucura, num sentido amplo, é
útil de várias maneiras ao capitalismo global unificado, razão pela qual nem ela nem
os mecanismos que a sustentam serão eliminados ou substituídos por outros tão
cedo. Avanços que realmente atendam a singularidade dos portadores de sofrimento
mental somente serão conquistados pelo enfrentamento deste suposto "real"
instituído, e pela posta em cena de práticas e políticas que atravessem as camadas
sedimentadas desse poder cristalizado e devolvam a esses indivíduos e a suas
famílias uma legítima esperança de reinserção social.

Deleuze e Guattari.

O mundo contemporâneo assiste entre o assombro de alguns e a indiferença


da maioria uma torrente tempestuosa de novidades a cada segundo. O tempo
parece correr mais rapidamente. As descobertas explodem em todas as direções e
simultaneamente. A física puxa a caravana das descobertas com novas e instigantes
teorias, mas a biologia não fica para trás. O uso de células tronco, transplantes
mirabolantes, cirurgias impressionantes e aparelhos para exames clínicos que
custam milhões de dólares são alguns dos novos mitos que povoam nossa
modernidade. O surgimento de novas formas de relacionamento com as máquinas
que não estão mais “lá fora” somente, no ambiente de trabalho, mas dentro do
próprio corpo, criando um novo corpo cyborg.
O mundo parece estar sempre à espera da teoria definitiva. Einstein procurou
com afinco a teoria unificada da física que desse conta de explicar todos os
fenômenos observáveis, não só na superfície do nosso planeta mas no universo
todo. Porém, a velocidade que a ciência imprime atualmente, ao ritmo das
descobertas é tal, que não é mais possível se prender a nenhuma teoria por muito
tempo. A sociedade moderna vê a cada dia que passa o contínuo desmoronar de
todas as certezas. A ciência, por sua vez, se restringe cada vez mais a um papel
voltado para a busca de resultados aplicados e aumento do conforto e dos bens de
consumo. Os sub-produtos das pesquisas que são absorvidos pela superfície de
consumo/consumação se tornaram mais importantes que o conhecimento de
qualquer verdade relativa a vida em si. Ao serviço das grandes corporações, as
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descobertas científicas são muitas vezes financiadas pelos próprios grupos


econômicos multinacionais. Comprometido desde o inicio, o conhecimento, tem
desde a sua gênese pai e mãe e obedecem a interesses coorporativos. O custo de
um laboratório de ponta em qualquer área inviabiliza a figura romântica do cientista
solitário e idealista.
As produções teóricas de fim do século XX e inicio do século XXI se propõem
dar conta, em alguma medida, deste turbilhão de mudanças aparentes, reais ou
imaginárias. Assim constantemente novas práticas, novos saberes, muitos a espera
de uma teoria que os explique, se delineam no horizonte misturando com antigas
mitologias, superstições e cosmologias que se reeditam tentando dar conta dos
vácuos deixados por uma ciência que se posicionou nas últimas décadas ao se
colocar como única proprietária e produtora de todos os saberes. Neste contexto
complexo e multifacetado, as figuras de Deleuze e Guatarri surgem proeminentes. A
esquizoanálise, uma das maneiras como passa a ser denominada a obra destes
dois autores se propõe navegar nos vários domínios do saber. No mundo super
estruturado molarmente a Esquizoanálise se define, também como um invento para
provocar invenções, pura performance para afetar e ser afetado.
Esquizoanálise ou a Pragmática Universal, não é escola, linha, corrente ou qualquer
outro colegiado instituído. É máquina. Máquina de guerra cujo funcionamento
destina-se a própria invenção. O método precisa dialogar com o devir, com a
diferença, com o virtual, com o novo, com os acontecimentos e na interface do real
com a realteridade. Isto é, no emaranhado das situações caosmóticas, no virtual, no
acontecimento. O império monolítico do molar vê-se assim ameaçado por uma
máquina de guerra que o enfrenta infiltrando-se pelas frestas, criando dispositivos,
máquinas de inventar o novo. Deleuze coloca seu ecletismo, seu nomadismo em
seu olhar atento, aberto e erudito sobre as artes, a filosofia e a ciência de maneira a
subverter os métodos convencionais de investigação. A compreensão do real
instituído se transforma, despe-se da realidade quadriculada em novas formas de
compreensão. Guatttari adere ao inusitado, ao impossível se afastando de
estatísticas e valores numéricos. Não se interessa pelas formas do instituído, do
poder, do status quo.
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O Molar.

O mundo ordenado e quadriculado das entidades molares não deixa


paradoxalmente de revelar pelas suas frestas realidades divergentes. O homem
tentou durante toda a sua estadia na terra controlar a natureza. Com todo empenho
e engenhosidade enfrentou, com suas reduzidas forças físicas, ameaças e
calamidades. Parecia correto aumentar o controle sob um mundo que lhe resultava
hostil, de dimensões ignoradas e que aparentava por aqueles tempos idos, ter
recursos naturais ilimitados. A ciência avançou nem sempre utilizando meios
eticamente corretos. A medicina é uma das que visivelmente deu passos gigantes. A
peste, que matou dois terços de Europa, já não mata mais, mesmo que isto esteja
começando a mudar novamente. O avanço da medicina, a “descoberta dos vírus”, a
invenção da vacina, o avanço das técnicas cirúrgicas, o uso de drogas e anestésicos
elevaram a figura do médico a categoria de um Deus.
O domínio da natureza inclui o próprio homem, que deverá ser controlado nos
seus meios de produção, nas suas horas de lazer, nos momentos de saúde e no
desequilíbrio da doença. A ordenação do mundo molar se dá de forma logarítmica a
passos acelerados. A criação e posterior modelagem do desejo pelas modernas
tecnologias de marketing, não deixam lugar a dúvidas sobre o rumo da
“modernidade”. O Marketing aponta o que precisamos saibamos disso ou não. Nem
interessa se esta necessidade é real ou inventada. Na verdade, raramente estas
neo-ciências se preocupam com as necessidades reais. Trata-se muito mais de
processo de produção de desejo orientado por interesses corporativos e
econômicos. São os profetas do consumo material. Necessidades reais ou não,
são desenhadas e gravadas a ferro e fogo no inconsciente. A propaganda, prima
pobre do marketing, faz o trabalho braçal introjetando nas correntes do desejo
coletivo, com o uso de uma indução nada sutil, as “tendências” entre as quais
milhões de pessoas poderão “escolher”. Televisão, aparelhos celulares, internet,
redes sem fio, multicanais, rádios virtuais e tradicionais, além de jornais e centenas
de revistas tem como único alvo a produção de certas variedades dentro de um
limite, de objetos atrativos, necessidades geralmente fictícias e ambientalmente
perversas. Sanidade é definida por este viés como a capacidade de resposta
automática aos estímulos da propaganda. O homem moderno não pode ofender aos
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economistas, nem as grandes redes interligadas de consumo sob o risco de ser


considerado um terrorista. A crise econômica mundial que explodiu em 2008, com a
quebra de importantes bancos, levantou um questionamento profundo sobre as
bases de sustentação do consumo e do crédito ilimitado baseado em especulação
financeira. As famosas bolhas de dinheiro virtual. Bolhas que vão e vem, que
aparecem e desaparecem da noite para o dia. No entanto, apesar das evidências,
economistas do mundo inteiro continuam a defender as leis do mercado, que
concentram cada vez mais os capitais através de fusões de empresas. O que
significa mais escravos a cada dia e poucos senhores com poderes nunca antes
vistos.
O universo quadriculado gira e se repete validado pela lógica científica e tenta
cancelar as linhas de fuga do novo, da transgressão e da diferença. Quando toda a
estrutura decai, como está acontecendo atualmente a nível global, quando a falha
aparece muito evidente, quando os economistas gaguejam em massa, quando os
pilares que servem de apoio a lógica do progresso ilimitado baseado na produção de
um mundo descartável e no consumo ilimitado de bens supérfluos, mesmo quando
esse modelo se mostra ambientalmente inviável, planetariamente poluente e
autodestrutivo, o corpo cheio não admite a emergência do novo. Tenta por todos os
meios de recapear, de tamponar, remodelar o velho sistema que exclui pelo menos
dois terços da humanidade de uma vida material e emocional minimamente digna.

Esquizoanalise: um rizoma que não começa nem conclui...

Deleuze e Guattari postulam o ser como devir. Como a repetição incessante


infinita e não totalizável da diferença. A essência das diferenças consiste em puras
intensidades. O devir devém como multiplicidade. As diferenças/intensidades se
manifestam como singularidades.

Crônica de um dia*

“Como nada vem a esperança


bizarra e com fome, vai se acordando
como alguém, vem renovando como o nada

Exatamente pulando por ai


vem a tarde com a fome
tem estrofe, vem como um grão
vem a fome, triste e solitária
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vem a tarde

Essa bobagem é física


é patológica, é terrível
mas termina, como ninguém...”
Autor: EB - Paciente

Complexidades, intensidades, sentidos/acontecimentos. Não há causas nem


efeitos, apenas intensidades que não obedecem a lei nenhuma. Assim as superfícies
imanentes de produção , de registro controle e de consumo consumação, funcionam
pelo intermédio das máquinas desejantes, como singularidades intensivas sobre o
corpo sem órgãos que é o marco zero de intensidades. Neste corpo sem órgãos é
que se dá o processo puro de produção. Na superfície de controle se distribuem as
entidades já identificadas e classificadas em causas e efeitos. Aqui predomina a
produção e a antiprodução. Finalmente na superfície de consumação é que se
consomem as potências das individualizações de toda índole.

“Esta cristalización sorda y multiforme del pensamiento,


que escoge en un momento dado su forma.
Hay una cristalización inmediata y directa del yo
en el centro de todas las formas posibles,
de todos los modos del pensamiento.

y ahora, señor Doctor, que ya está usted bien


al tanto de lo que en mí puede ser alcanzado
(y curado por las drogas), del punto de litigio
de mi vida, espero Que sabrá darme la cantidad
de líquidos sutiles, de agentes especiosos, de
morfina mental, capaces de elevar mi abatimiento,
de equilibrar lo que cae, de reunir lo que está separado,
de recomponer lo que está destruido.
Mi pensamiento le saluda.

Anonin Artaud - Escritos de un louco

É dessa cristalização do eu que Artaud fala, desse congelamento do eu que


fica assim desconectado do devir que Ihe é inerente ao próprio ser. O ser do devir
fica assim catalogado, rotulado, serializado. Para tornar possíveis os processos de
industrialização, o homem se metamorfoseia em máquina, passa a se repetir num
eco produzido pela sociedade que o rodeia. Para entrar na engrenagem tem que
estancar todas as formas possíveis de variedade. Reduzir a uma, que servirá de
recipiente para os líquidos sutis, para a morfina mental. O ser cai, coagulado como
gelo. O ser cai no momento em que é identificado nos limites estreitos das
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nosologias vigentes. O ser se torna de singular, patológico, de ser que devém se


torna “paciente” numa forma "cristalizada e sórdida". Pacientemente o ser se entrega
a um destino trágico traçado pelos outros. Espero que saibam o que é melhor para
mim, para me elevar e me recompor. O valor supremo na Gnoseologia da ética e da
estética de Deleuze é no entanto, a invenção. O uso da intuição como ferramenta se
torna proposta metodológica. A consideração do acaso, das ilhas de diferença, o
exercício dos pensares sem fundamento, sem sistemática, sem meta-categorias.
Deleuze trabalha com conjuntos difusos e pensares inexatos.

“...O que será que será


que vive nas idéias desses amantes
que cantam os poetas mais delirantes
que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos, dos desvalidos
Em todos os sentidos, será que será
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não tem sentido nem nunca terá
O que não tem juízo...”

Chico Buarque

Discurso delirante, discurso mutilado, das minorias, o psicótico, daquele que está
sob censura, que perdeu o sentido, do marginal, discurso que é pautado por
intuições, por percepções de "algo a mais", algo que está além da pauta oficial.
Deleuze procura não a idéia justa, mas a justa idéia para solucionar cada problema.

“...O que será que me dá, que me queima por dentro,


será que me dá que todos os meus orgãos estão a
clamar, e uma aflição medonha me faz implorar
o que não tem vergonha, nem nunca terá
o que não tem governo, nem nunca terá
o que não tem juízo...”

Chico Buarque

Talvez Chico se refere àquilo que está aprisionado em nós. A angústia de Artaud é
aflição medonha aqui. O devir aleijado, o ser torturado em cada órgão chega a
19

implorar. Deleuze e Guattari se referem ao pensamento esquizofrênico para ilustrar


o que seja a superfície de produção. Não no sentido de enfermidade mas no sentido
de produção caótica. A psicose produz o inesperado, se deleita no caos e assim
mantém um vínculo estreito com a superfície de produção. A experiência do delírio
remete ao corpo sem órgãos e por isso possibilita a emergência de singularidades
radicais tão afastadas as vezes da "realidade social”." O que não tem
descanso...nem nunca terá ..." É esse movimento perpétuo que a instituição tenta
interromper, a falta de vergonha, esse clamor, a falta de limite. Aquilo que desacata a
ordem que nem dez mandamentos vão conciliar. Tem algo que sabemos, não tem
remédio nem nunca terá, que podemos tentar aliviar, mas a nós retorna sempre
como um enigma. Não tem ünguento que possa aliviar, não tem receita. É algo que
brota à flor da pele, e que a maquinária repressiva tende a esconder, destituir,
desqualificar, destruir. Deleuze propõe um bricoleur como método, a aventura, a
viagem que aceita a ilha da novidade, da diferença e da singularidade. A aceitação
daquilo que não tem medida, nem nunca terá.

Psicose, a outra margem ...


Acompanhamento terapêutico, uma maneira de estar presente ...

Escrevendo sem escrever,


atuando sem representar
tateando, experimentações hesitantes
outras comunicações, locomotivas nômades
redesenhando a perversão,
a expropriação, a clausura e o silêncio.

Declamo...

“Quanto tempo ... as coisas naturalmente acontecem,


como um porre de cigarro, com vinho tinto amargo
declamo meu céu
As coisas, naturalmente, sempre acabam como o ar,
neste instante o bizarro se torna claro,
com urna roupa mal vestida de um papai noel
Dai, declamo meu ser
como o nada e dou risada.
acabo dentro de mim
numa noite mal dormida
porque não acordo deste sonho estranho?”
Novembro 2008 BeIo Horizonte
Autor: EB - Paciente
20

O psicótico caminha no mundo e se liga a ele por fios tênues. Subjetividade


errante, corpo desmembrado e temeroso, corpo vazado, doído. O beijo dói, o
contato com o mundo lhe suja as faces, é preciso se lavar com muita água e sabão
para melhorar. O abraço adoece o corpo já debilitado. É necessário ir para o hospital
fazer uma transfusão de sangue, recuperar o vigor e ficar esperto para nunca mais
cair nessa do "abraço vampiro". "L" se esforça para conduzir seu corpo pela rua, o
carregar vacilante num percurso zig-zagueante. A rua é cheia de obstáculos
invisíveis, as coisas não são as coisas nomeadas. Às vezes os nomes somem como
as palavras, os pensamentos são coisas “particulares”, não há o que explicar. A rua
é outra, e muitas vezes ameaça, o melhor é ficar em casa, no sofá por horas, um
cigarro na mão, do que ter contato com essa confusão lá fora. Muitas vezes tem
que voltar e refazer o percurso várias vezes. Muitas vezes voltar atrás e pedir
desculpas por tudo, por falar, por olhar, por ter atravessado a rua de maneira errada.
O olhar sobre o mundo é de profunda desconfiança, de estranheza, como algo
insólito e nebuloso, um oceano sem limites, um caldo confuso, um algo
absurdamente grande e desnecessário, para que tanta coisa? pergunta "L", para
que isso tudo?

“Até amanhã ....


naturalmente,
com as coisas bizarras
novamente estamos longe,
amanhã vou cair no chão,
roda pião meu trem bala
de agora e de amanhã
sem princípio nem fim
estou aqui no meu alpendre
até amanhã...”

EB - Paciente

O mundo bizarro é esse aqui. Será que não conseguimos ver?. “EB” assiste a
tudo e sabe de muitas coisas secretas. Há um saber sim. Este saber é sussurrado
baixinho porque não existe interesse de ensinar nem o de impor para ninguém,
práticas comuns entre pessoas educadas. Este saber serpenteia entre os silêncios
e junto com eles trama uma visão única do mundo.
21

“Roda mundo roda gigante


roda moinho roda pião
o mundo rodou num instante
nas voltas do meu coração”

Chico Buarque

Este sonho estranho, esta roda viva, por vezes um pesadelo, noutras um
paraíso-precipício, viajando na velocidade estonteante do trem bala estamos no
meio de um algo, o melhor, no “entre” o nascimento e a morte nos movendo, às
vezes na velocidade do tempo cronológico , outras num tempo mágico ou místico.
Um minuto, um ano, uma vida. Para EB não há princípio nem fim nem relógio.
Quando compra um relógio barato e pára de funcionar continua a usá-lo naquele
horário em que parou por meses a fio. É isso que ele sabe, é apenas uma roda. Na
roda não há começo, tudo é começo e tudo é final, cada ponto é singular e
necessário.

“Mas se pensarmos isso que chamamos loucura",


"enfermidade", "psicose" como maneira de ser, temos
que reconhecer-Ihe uma singularidade absoluta, uma
singularidade radical”

G.Baremblitt [-A rua como espaço cllnico", Comentários p.81]

"EB” não consegue escrever, mas "dita" os seus poemas, geralmente num
único fluxo e sem correções posteriores. Não é uma tentativa, é uma pincelada.
Poemas instantâneos. O que importa é a conexão com algo em um determinado
momento. Caçador de palavras, ele as pesca com carinho, medita, se abstrai e goza
quando acha a frase justa que já desce pronta para o papel. “EB” faz poemas como
os músicos fazem música. Ele “toca” poemas, faz concertos ao ar livre ou num bar
tomando seu café. O momento é tudo... o depois interessa pouco. Pode escrever
dez poemas seguidos e passar dois meses sem nem lembrar que existe a poesia.
Mas ele se vê como devir poeta. É um estatuto que está presente e declarado nele.
Acompanhar o processo de criação de uma outra pessoa é sempre muito
instigante. No “estar” psicótico de EB o silêncio é uma catedral. É um mar que se
estende por todos os momentos da sua vida. A vida é feita de silêncio, para que
interromper? parece perguntar. A face séria, o olhar fixo e concentrado, um certo
desdém pelo mundo que o rodeia, como se não precisasse de nada e fossemos nós
22

que precisassemos dele [o que é provavelmente bem próximo da realidade]. Essa


bizarrice recorrente na visão poética de EB é aquela que nos empenhamos em
ocultar e que é por ele largamente denunciada. Esse mundo sem sentido, esse
mundo que não vale a pena. Sair? Sair para onde? para que? O mundo é uma
queda, um constante rodar até cair, cada vez mais e mais rápido, hoje e sempre ...
mas amanhã ... teremos o encontro novamente, outros sentidos talvez, dois corpos
que se encontram, novos olhares inquietos, café nos bares e quem sabe mais
poesia. EB produz seu próprio mundo. Quando estamos juntos o seu modo de
produzir é preponderante. Empresto meu corpo, meu tempo, me entrego e participo
da gestação desse seu mundo único e do mundo que se cria no "entre" nossas
vivências e dizeres.
Tudo o que é de valioso para as pessoas “normais” nada significa para EB.
Roupa nova, televisão, cinema, mulheres, descobertas científicas, consumo,
trabalho, tudo é estranho ao universo singular que me permite visitar quando
estamos juntos. Atualmente não sou mais um estranho mas um convidado a
contemplar de camarote o seu universo exclusivo.

"O desafio do acompanhante terapêutico ou de quem seja,


consiste então, em participar da produção deste mundo,
fazendo de maneira com que ele seja compatível com o
mundo que é produzido, consagrado e implantado por certas
maneiras de ser triunfantes. Maneiras de ser que tem
conseguido produzir um mundo no qual o mundo do chamado
paciente não tem lugar.·
G.Baremblitt - “ A rua como Espaço Clínico” - Comentários p.61)

No mundo dos vencedores, como mencionará Baremblitt no mesmo texto, as


normas são rigorosas. A poesia para ter valor terá de ser vendida. Ser simplesmente
feita, porque sim, é uma atividade vagabunda. Aliás o que é hoje dois poetas? A
produção tem que ter rótulo, entrar no circuito mercadológico, se transformar em
dinheiro/mercadoria para recomeçar o circuito sentido/valor. “EB” produz versos, di-
versos, diversidades maravilhosas e estonteantes e ri despretensiosamente quando
acha as palavras numa combinação que lhe acende a emoção.
23

“Sem mágica nem rima


vai sonhando o ar
e o mar, sempre a cantar...”

No fluxo da criação dos seus poemas, se deixa levar sem nenhuma noção de
responsabilidade pré-fixada mas pleno de entusiasmo quando vem a "inspiração".
Não faz poesia por qualquer motivo específico. Não quer dizer nada a ninguém.
Dizer alguma coisa propositalmente, segundo ele não seria poesia.

“Falar poesia é viajar


nas coisas que não existem
fluir no universo como Deus
não é o que você pensa... !!!
é música!”

No desencadear dos processos autodestrutivos o enfrentamento com o molar,


com o contexto da produção dominante é fator culminante. EB não quer saber do
mundo. Nem de estética ou de teorias literárias. Nem ler jornais, ou assistir esportes,
no entanto tem algo a dizer, algo que estava calado à espera de um taquígrafo.
Assim surgiu a nossa máquina de produzir poesia a dois. Enquanto EB dança a sua
coreografia no ar, repetindo várias vezes as palavras para se fazer entender, eu por
minha vez me limito a caçar os fonemas no espaço e fixá-Ios no papel. Fala
enrolada e rápida, vou ao encontro de cada palavra sem saber o que vem depois,
como um catador de pipas desesperado quando a linha se parte. Com um sorriso
no rosto, ele me pede confiança e para não desanimar quando as coisas não fazem
sentido me diz "tudo vai dar certo...no final. . .", ele diz com a certeza de que
conhece seu ofício. EB trabalha com bricolagem espontaneamente e não precisa
colocar nomes às coisas, ou se utilizar de técnicas, porque no íntimo ele sabe como
funciona o processo esquizo de produção. Ele brinca e não se sente doente em
absoluto, não se sente enfermo de nada [pelo menos hoje]. Somente “não está afim
de algo mais", desse algo mais que nunca fica claro o que é. O professor Baremblitt
se refere num dos seus textos a um outro caso. O paciente ia assim dizendo de
maneira muito clara,
24

“...este é o momento em que exponho o método para


construirmos o mundo , um mundo único e irrepetível, numa
produção imprevisível que consiste em aceitar o nom sense,
desconstruir o mundo de sentidos, para poder, livremente,
associar tudo o que não tem a ver'.” Equipe de
Acompanhantes Terapêuticos do Hospital dia A Casa. A rua
como espaço clínico. Editora Escuta.

Invenção radical, derrubada do instituído, angústia do desmoronamento, para a


produção de um mundo novo. A re-invenção poética da linguagem. Sem regras pré
estabelecidas o poeta renasce, se recria em cada novo encontro. EB o artista que
reinventa a linguagem e me permite "acompanhar" sua aventura.

Captura e fuga

“O poder, vem sinônimo


Demonstrando o momento
quanto pavor para ver !!
vem ouvindo, a busca do momento
demonstra e domina, do mesmo lado
vem a ambição, o cigarro mal apagado em fogo
na reação sonora, morre o amor”
*EB, 2009

Rizoma: um riacho sem início nem fim...

“O escritor é uma sombra” Deleuze

“Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura,
numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas”. (Deleuze e Guatari. Mil platôs
vol.II).
Deleuze propõe o ser como diferença. O real é entendido como formado por uma
multiplicidade de planos. O homem deleuzeano não é pólo de referência nem está
imerso no dualismo clássico. A diferença é assim alçada a uma categoria
ontológica. Ao mesmo tempo que exaltamos o poeta morto o poeta vivo é
insuportável. Ele é portador da potência que rompe o campo codificado. O artista
desafia os axiomas, reativa fluxos, desnuda territórios inusitados, quanto mais
insólitos maior o poeta e o homem.
25

“Por acaso estamos aqui


com a preguiça no corpo
sem certezas a não ser
um gosto de cigarro amargo
meio tinto, uma fumaça desgarrada
um cheiro de carvão no ar
por acaso...”

EB. Belo Horizonte 2009

Obviamente não é somente o artista que mergulha na desterritorialização. O


próprio sistema capitalista, paradoxalmente, hoje se desenvolve pelo cruzamento
dos mais variados fluxos descodificados. Como Baremblitt menciona, os povos
antigos não desconheciam o estado apenas o evitavam por todos os meios, existia
pavor da possibilidade deste monstro se constituir. Já previam a catástrofe do poder
centralizado e autocrático. O campo social é vasto em demasia para ser codificado
mesmo assim não se medem esforços para fazê-lo. O poder afunila e se concentra
com muita eficiência de forma acelerada.
O conceito de rizoma nos leva a compreender como ocorrem as rupturas, as
frestas neste monolito. Em Odisséia do Espaço 2001 de Stanlik Kubrick aparece o
mais famoso dos monolitos. O futuro seria esta perfeita, simétrica, sintética,
impenetrável forma geométrica que concentraria um saber total, o corpo cheio da
civilização do futuro. Sem fendas, sem possibilidades de circulação, impenetrável
uma antítese do rizoma. O rizoma pode ser quebrado em qualquer linha de
cruzamento e em cada ruptura se ligar a múltiplas linhas de fuga. Apesar de estar
organizado sobre um certo quadriculado ele não pára de interceptar linhas que
remetem umas às outras. Quando “EB” escreve, ele certamente desterritorializa o
mundo. É irônico pensar que ele não sabe quando faz isto. No ato de escrever sem
nenhuma segunda intenção o texto permanece profundamente desterritorializado
mesmo após pronto. Escrever, fazer música, são algumas das maneiras de lidar
com multiplicidades em ação. Pierre Boulez dizia sobre a proliferação musical, "uma
música que flutua, na qual a própria escrita traz para o instrumentista uma
impossibilidade de preservar uma coincidência com um tempo ritmado". É
impossível funcionar rizomaticamente e evitar a proliferação. Qualquer entrada é
uma entrada possível assim como as saídas. É a questão do entre. O que acontece
neste “entre” ? Na física, “entre” as partículas atômicas há muito mais que vazio. Há
26

uma verdadeira teia energética e inúmeras sub partículas onde acontece a dança
microscópica na matéria. O entre aponta para um novo modo de entender o
funcionamento nas relações, no mundo dos corpos e na esfera da mente e dos
sentimentos. O espaço Matemático de Riemman implica a constituição de
pequenos fragmentos em cujas imediações podem efetuar-se conexões de infinitas
maneiras. É a partir do intercâmbio que as coisas movimentam.
Ao entrar na vida particular de um psicótico nos tornamos um intercessor. Sem
esse movimento/envolvimento não se processam os movimentos necessários ao
desenrolar da vida. A partir da relação fabricamos mais e mais intercessores.
Plantas, animais, parquinhos, o café, a caneta, a chuva, outros livros, as pessoas na
rua cheia, o barulho. Tudo remete ao movimento caótico da cidade e é ali que
mergulhamos na busca das palavras, dos sons, dos sentimentos pelas coisas e
pelas pessoas. Como Deleuze diz, “Se não temos intercessores devemos fabricá-
los”. Precisamos do “outro” para fabular. Surpeendermo-nos uns aos outros em
“...flagrante delito de fabular”. F.Guattari. Afortunadamente, não é difícil flagrar um
psicótico fabulando o que nos leva ao encontro imediato do discurso minoritário. De
novo citando Deleuze em Mil Platôs, “somos os falsários dos nossos pacientes, dos
nossos amigos, dos nossos amados. Cada um compreende a seu modo o que o
outro propõe”.

Basta um dia

“Pra mim basta um dia, não mais que um dia


Um meio dia, me dá só um dia
E eu faço desatar, a minha fantasia
Só um belo dia
Pois se jura, se esconjura
Se ama e se tortura
se tritura, se atura e se cura
A dor na orgia da luz do dia
É só o que eu pedia
Um dia para aplacar
Minha agonia, Toda a sangria
Todo o veneno, de um pequeno dia
Só um santo dia
Pois se beija, se maltrata se come e se mata
Se arremata, se acata e se trata
A dor na orgia da luz do dia
É só o que eu pedia, viu
Um dia para aplacar minha agonia
Toda a sangria todo o veneno
De um Pequeno dia”

Chico Buarque - 1975


27

Deleuze numa outra passagem do mesmo livro coloca de maneira curiosa e


interessante que as forças repressivas não impedem ninguém de se expressar. Pelo
contrário nos forçam a nos expressar. O direito ao silêncio é um direito praticamente
extinto socialmente. Como desatar a fantasia na balbúrdia das cidades. Na orgia do
dia, toda a sangria se desata porque somos forçados a ler o que não queremos,
escutar o rosário das notícias, e a infinidade de sons que nos invadem sem pedir
licença. Todo o veneno de um pequeno dia se acata. Há poucas maneiras de se
fechar os ouvidos. Um pequeno dia onde amamos e torturamos e onde, sabendo ou
não, buscamos realizar nossa fantasia e aplacar assim a máquina repressora que
nos tritura. Como nos espantar que o psicótico ouça vozes. Que se sinta invadido,
atravessado por fantasmas que ignoram seus limites corporais e psíquicos.

“Como beber desta bebida amarga


Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta....”
Chico Buarque

Dito de maneira muito elegante por Deleuze, há uma “inflação de proposições


sem nenhum interesse”. Para o psicótico o interesse e a necessidade estão acima
da verdade. Mas são justamente todas estas impossibilidades que cercam o ser
humano que o impulsionam para a criação. Como podemos constatar facilmente, a
época da ditadura militar deixou um rastro de produção cultural significativa. A
potência do falso deflagrou inúmeros processos. Evidentemente aprender pela dor
não é muito agradável. De todas maneiras, não é tão diferente nos dias de hoje,
quando a repressão continua a se manifestar de forma mais sutil, mas com certeza
muito eficiente. Produzir “existência” continua sendo um desafio e todas as formas
de linhas de fuga na ciência, na arte e na filosofia estão a procura de novas formas
de responder as agonias produzidas pelos aparelhos repressivos do estado e as
formas mascaradas de poder das grandes corporações e banqueiros.
Produzir existência, as dobras das diferentes regiões, ordens e espaços. Os
pliegues são a própria manifestação da diferença. O pliegue não é universal mas um
fator diferencial. De todas as maneiras, por mais que se tente, um dia não basta a
não ser para uma fantasia ou duas. Saímos da sociedade disciplinar para entrar na
28

sociedade de controle. Da escola, o quartel e a fábrica que sucediam em etapas


mais ou menos definidas, agora é o controle total, contínuo e ilimitado.
”Não estamos mais encerrando as pessoas mas endividando-as”. Deleuze. Os
pobres são em número grande demais para ir para cadeia. Mas é possível
acorrentá-los pelas dívidas. Pessoas e estados, não faz diferença, todos devem.
Em alguns países de América Latina já se nasce devendo algo em torno de mil
dólares per capita, em outros já pararam de contar.

Esquizodrama

O esquizodrama, assim dito, é um fazer iniciado pelo Professor G.F Baremblitt,


iniciado em Buenos Aires. Atualmente, a Fundação Gregório F. Baremblitt, de Belo
Horizonte, de Uberaba em Minas Gerais e do Rio de Janeiro, continuam a produzir
vasto saber relacionado a esta nova maneira de compreender o mundo. Baseado
nas propostas ético-política de Gilles Deleuze e Felix Guattari, que desenvolveram
a chamada teoria Esquizoanalítica, G.F. Baremblitt não se deteve na simples leitura
do que veio pronto ou nas posições já conquistadas na área da Psiquiatria e da
Psicanálise. A partir destes vasto campo conceitual avançou se aventurando em
novas direções, contribuindo com novos campos de conhecimento e ação. As
funções que encontramos na teoria de Deleuze e Guattari se denominam, no
esquizodrama, esquizoemas. Todas as faculdades humanas estão envolvidas neste
processo. Neste sentido, não somente a inteligência, mas a intuição e a
sensibilidade são convocadas para atuar no âmbito esquizodramático. As máquinas
concretas, também chamadas de dispositivos, servem de meios para as faculdades,
antes citadas, operarem. Assim o esquizodrama se baseia amplamente na
esquizoanálise, também chamada de pragmática universal. Destina-se a produção
de sentidos, devires e ao deflagrar constante de eventos insólitos e desconhecidos.
Assim o pai do esquizodrama não levanta o estandarte de nenhum método ou
técnica. Os esquizoemas são reinventados no devir dos próprios acontecimentos.
Invenção contínua, propõe uma realteridade caótica baseada em produções
desejantes que emergem ao acaso. A realteridade se virtualiza e se atualiza. O
método por assim dizer é na realidade uma invenção contínua/produtiva desejante.
Já o esquizodrama segundo o G.F.Baremblitt consiste em:
29

“...en una serie de recursos que llamamos Klinicas


(proveniente de Klinamen, Desvío Creativo, y no de clinos,
participación pasiva en posición horizontal en los
procedimientos médicos o terapéuticos en general). Nuestras
klinicas esquizodramáticas están destinadas a propiciar el
devenir (encuentro entre cuerpos que generan nuevas
corporeidades) y el acontecer ( produción de nuevos
incorporales-sentidos). Estas dos creaciones de los nuevos
cuerpos y los nuevos sentidos . coexisten en presuposición
recíproca y constituyen un evento, inventivo , deseante,
revolucionario, que es a la vez pedagógico, político
revolucionario, subjetivo, sexual, industrial, artístico etc.

A Klínica esquizodramática pressupõe a dissolução do eu e das identidades


concretas dos seus participantes. Precisamos sair dos papéis que desempenhamos
socialmente. Despirmos das definições que nos encaixotam em nichos de concreto.
A razão é posta em segundo plano junto com as imagens que carregamos de nós
mesmos. Primeiro desmontamos para o instituído em nós mesmos, as palavras, as
certezas, os territórios, as lembranças, as sensações. Os rituais que nos definem e
os mitos que se desenrolam como pano de fundo de nossas vidas são revistos
através de diversos processos que visam a dissolução do ego dominador. A partir
desta demolição surge o sujeito múltiplo, o singular inédito com seus devires
próprios e suas máquinas concretas de guerra. Não se procura através destes
processos a volta a qualquer tipo de interpretação freudiana do devir.

“No obstante queremos que quede clarísimo que el Esquizodrama


no es propiedad intelectual de nadie, que su aprendizaje puede
hacerse de infinitas maneras y aún por cuenta propia, y que la
relación de los esquizodramatistas con nosotros y entre si, aspira a
ser un vínculo de amigos, colaboradores y compañeros de militancia
y no implica ningún tipo de evaluación, consagración ni submisión a
supuestas autoridades en la materia.
G.F.Baremblitt - El método de la dramatização

Entendendo que o esquizodrama não está limitado a se desenvolver num


cenário predeterminado, o devir esquizodramático se configura, segundo as
condições, sempre únicas que acompanham os agentes do experimento. O
acontecimento é, antes de mais nada, resultado de intensidades, velocidades e
dispositivos montados para produzir a desterritorialização do registro/controle. Como
30

ferramenta clínica o esquizodrama torna-se um dispositivo revolucionário na medida


em que abre espaço para as diferenças e a multiplicidade. Enquanto os saberes
instituídos reproduzem o paradigma estético/político/ideológico, o esquizodrama se
abre para a virtualidade dos processos esquizóides. Caixa de ferramentas, usa a
invenção radical e a colagem para produzir linhas de fuga que levam ao novo/
inventivo e poeticamente transformador.

Para existir basta abandonar-se ao ser, mas


para viver é preciso ser alguém e para ser
alguém é preciso ter um OSSO, é preciso
não ter medo de mostrar o osso e
arriscar- se a perder a carne.

Antonin Artaud - O cocô. Escritos de Um Louco.

Trabalhando as “idéias ambíguas” como menciona G. F. Baremblitt em seu artigo,


“Arte e Loucura”, ele coloca a fuga como um operador privilegiado nos processos
esquizoanalíticos. Fuga/Guerrilla. Son aquellos registros que escapam a superfície/
control. Aqui os elementos em fuga, fugitivos da rede molar, criam as possibilidades
de infinitas obras. O inventivo reaparece em inúmeros planos de realteridade e
produção desejante.

El arte se alimenta de locura para


hacerse nuevo absoluto y la locura
del arte como “más allá de la finis
terapia” (finis terra) para tornarse
una individuación por hacceidad,
una subjetivacion- acontecimiento-
devenir.
Gregório F. Baremblitt. Arte e Loucura
31

Esquizodrama e música: Esquizomúsica

A partir da liberdade que a própria esquizoanálise nos confere, e o esquizodrama


reafirma em cada uma das suas manifestações teóricas e práticas, penso na
esquizomúsica como mais uma máquina desejante e subversiva de inventividade
que vem fazer sua modesta contribuição, por enquanto, muito mais no campo
teórico do que vivencial.
A música é uma multiplicidade em ação. Ela subverte seus próprios códigos e faz
disso um saber próprio, criando seus movimentos, suas sinuosidades e rupturas. A
música prolifera e faz proliferar, pulsa e faz repensar os territórios conhecidos.
Transporta ao mesmo tempo que produz novas realidade desconstrói outras. É
proliferação de ritmo melodia e harmonia que se atravessam reciprocamente em
multiplicação infinita.
A variação que explode em diferenças, arvorece rizomáticamente. A variação
contínua se opõe a linearidade e acaba levando ao rizoma do qual tudo faz parte. A
música assim vista e entendida compreende tudo, silêncios, texturas sonoras,
cortes, imagens e superfícies que funcionam como dobras em direção da
desterritorialização.
A música também pode ser entendida como catalizador de novas inventividades,
de novos acontecimentos que se desprendem das dobras em movimento coníinuo.
Esquizomúsica é aplicação que se desenvolve como uma outra clínica de possíveis.
A sua potência inventiva é explícita em cada instante no qual ela atravessa os
corpos, demolindo e esvaziando, preenchendo e refazendo os limites auto-impostos.
A Esquizomúsica se inspira assim na Esquizoanálise Deleuze & Guattari e no
esquizodrama de Gregório F. Baremblitt procurando trabalhar dentro destas
correntes que lhe deram a luz.
Dispositivo desviante, o som e a música, em todas as suas formas, desde a onda
sonora difusa que se confunde e difunde nos conceitos da física, até as formas em
que estas potências sonoras se transformam em melodias, harmonias e ritmos
dirigidos ao ouvinte que se dispõe a navegar neste “platô” sonoro.
A música, primeiro frequência bruta e desordenada, ruído virginal, em si mesma,
32

como fenômeno físico/sonoro, oferece infinitas possibilidades de desconstrução e


construção de novos corpos. Corpos físicos, mentais, emocionais, sociais, artísticos,
filosóficos. Na sua potência sutil a onda sonora não conhece barreiras.
Assim como o esquizodrama, a música também funciona como ferramenta de
raspagem. “tarefas negativas” e “tarefas positivas” são abordadas de maneira
diferente. As negativas passam, basicamente, por demolir, questionar,
“raspar” (como dizem os autores, Deleuze e Guattari), “...as entidades da Superfície
de Registro Controle, ou seja, problematizar a maior quantidade de “identidades”
possível das “entidades” fundadas nas Sínteses disjuntivas exclusas, quer dizer, as
que fundamentam o Ser e o Ter, sob as características do estável, do exclusivo e o
excludente...”Deleuze e Guattari.
Se trata de abrir o uno e o múltiplo, desarmar as segmentariedades duales,
lineares, centralizadas e concêntricas, hierarquizadas, etc, para permitir a
proliferação das multiplicidades substantivas, com suas linhas abstratas e de fuga,
quer dizer o fluxo das diversidades, a partir do qual cada elemento difere de si
mesmo.
A música propõe ser mais uma ferramenta de aplicação clínica dentro de um
caráter revolucionário, onde a potência inventiva encontra todas as possibilidades de
desdobramentos. Cada instante é único e singular e atravessa o ser cristalizado
levando-o para planos desconhecidos. Música/pássaro, música como corrente
elétrica, música feita de todos os materiais que a terra oferece, música madeira,
música água, música metal, música cristal, música ar, música fogo.
A música se propõe ser uma ferramenta que testemunhe a produção pessoal,
catalisadora incessante de novas produções, apenas uma das infinitas linhas que se
podem inventar sobre o particular.
Todos nós conhecemos bem a potência e a intensidade a que pode chegar a
música. Não podemos conceber um mundo sem ela. Funciona como um óleo que
circula entre as múltiplas camadas sociais. Nunca um mundo de silêncio pareceu tão
distante da sociedade. A realidade do mundo moderno é predominantemente
sonora. O som se propaga, invade, penetra cada poro sem pedir licença atingindo-
nos a todo momento, principalmente nas grandes cidades. Nos mais modernos
programas de computador a música vem em grandes “bancos sonoros”. Estes
bancos sonoros incluem também, além dos tradicionais instrumentos de cordas, de
33

sopros e percussivos, novas sonoridades na categoria de “samplers”. Sons de


máquinas industriais, ruídos de engrenagens, apitos, motores e uma infinidade de
outros sons estão agora disponíveis na categoria de “instrumentos musicais”. Mais
além, som de outras dimensões que não nos atrevemos a nomear, sons sem nome
ou quando muito batizados com os nomes mais estranhos como “colisão de
elétrons”, “Planetarium”, “velocidade de escape” e muitos outros, uma infinidade de
novos “instrumentos musicais”. Sons que se inspiram nos elementos naturais, mas
que são na realidade totalmente artificiais. Instrumentos nunca antes imaginados,
que podem modificar a consciência atuando como intercessores eletrônicos. Por si
só, estes dispositivos são alternativos, desviantes e originais. Pela sua natureza
original e nada convencional são próprios para processos de desconstrução do ego
através do processo esquizoanalítico.
Assim como o Esquizodrama toma toda e qualquer manobra, própria das
diversas clínicas existentes, e a reformula de acordo com seus valores e conceitos
ético-teóricos, a música é por sua própria natureza, totalmente maleável, permitindo
intervenções das mais variadas em intensidade, conteúdos e objetivos.
Segundo Baremblitt, as Klínicas podem também ser chamadas de dispositivos.
Dispositivo Kafka, Proust. Acrescentaria alguns possíveis dispositivos de extrema
potência; “Hermeto Paschoal”, onde todos os caminhos se encontram, onde todas
as notas se amam e se entrelaçam em composições momentâneas e improváveis, o
dipositivo do demiurgo, do mago. “Sponglhe”, um sítio totalmente eletrônico onde
tudo é artificial, uma nova forma de vida cibernética que pode mostrar-nos um outro
universo onde a velha música clássica parece pertencer a época dos dinossauros.
Dispositivo “Piazzola”, o oceano, emoção derramada, a melancolia de viver no sul,
abaixo do equador, escancara as portas de tudo que dói, e a nostalgia do que
perdemos ou nunca tivemos. Estes dispositivos designam agenciamentos ou
montagens que por sua vez designam essências particulares sobre as quais
podemos trabalhar. Hermeto, um dispositivo de inventividade pura, de música e
magia, fluxo permanente, torrente de idéias, os caminhos do improviso, dispositivo
para criação de novos mundos. Conviver com Hermeto, hermetar, é se transformar
no criador de um novo universo sonoro, hermetmundi uma nova epistemologia em
cada semente plantada. Singularidade e diferença como novo paradigma.
Proliferação de linhas de fuga e fluxo de diversidades.
34

“As obras primas são escritas num tipo de língua estrangeira”. Proust

Não é certamente a diferença do barulho e do som que permite


definir a música, nem mesmo distinguir os pássaros músicos e os
pássaros não-músicos, mas sim o trabalho do ritornelo: será que ele
permanece territorial e territorializante, ou é arrastado num bloco
móvel que traça uma transversal através de todas as coordenadas —
e todos os intermediários entre os dois? A música é precisamente a
aventura de um ritornelo: a maneira pela qual a música vira de novo
ritornelo (em nossa cabeça, na cabeça de Swann, nos dispositivos
pseudo-rastreadores da tevê e do rádio, um grande músico como
prefixo musical, ou a musiquinha); a maneira pela qual ela se
apropria do ritornelo, torna-o cada vez mais sóbrio, algumas notas,
para levá-lo numa linha criadora com isso enriquecida, da qual não
se vê nem a origem, nem o fim...

Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs. Capitalismo e


Esquizofrenia. Vol. IV

Devir pássaro...

“Foi Pierre Boulez quem primeiro desenvolveu um


conjunto de oposições simples e de diferenças complexas, mas
também de correlações recíprocas não simétricas, entre espaço liso
e espaço estriado”. (Gilles Deleuze e Felix Guattar, Mil Platôs.
Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. V - Editora 34)

Os músicos sempre se aventuraram em terras que nunca ninguém ousou. Gilles


Deleuze e Felix Guattari enunciam, “Devir nunca é imitar. Quando Hitchcock faz o
pássaro, ele não reproduz nenhum grito de pássaro, ele produz um som eletrônico
como um campo de intensidades ou uma onda de vibrações, uma variação contínua,
como uma terrível ameaça que sentimos em nós mesmos”. Gilles Deleuze e Felix
Guattari, Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV (p.95).

“Uma criança cantarola para arregimentar em si as forças do


trabalho escolar a ser feito. Uma dona de casa cantarola, ou liga
o rádio, ao mesmo tempo que erige as forças anti-caos de seus
afazeres. Os aparelhos de rádio ou de tevê são como um muro
sonoro para cada lar, e marcam territórios (o vizinho protesta
quando está muito alto). Para obras sublimes como a fundação
de uma cidade, ou a fabricação de um Golem, traça-se um
círculo, mas sobretudo anda-se em torno do círculo, como numa
roda de criança, e combina-se consoantes e vogais ritmadas
que correspondem às forças interiores da criação como às
35

partes diferenciadas de um organismo. Um erro de velocidade,


de ritmo ou de harmonia seria catastrófico, pois destruiria o
criador e a criação, trazendo de volta as forças do caos.”
Gilles Deleuze e Felix Guattar, Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV
(p.97)

O som permeia todas esquinas do mundo contemporâneo. Ipods, celulares


musicais, a música está embalada em todos os formatos imagináveis. Todos desde
os mais pobres podem ter acesso eletrônico imediato a ela. A sociedade do século
vinte um funciona a cabo. Estar “cabeado” é estar vivo, e através dos cabos: música
para o dia e a noite.
A música vem-se sedimentando em camadas, uma sobre a outra ao longo dos
séculos, como a capacidade que lhe é inerente de mover-se acompanhando com as
forças do caos, sempre fazendo a sua leitura particular da realidade ou criando a
sua realidade própria. Os círculos se abrem e se fecham, e a música acompanha
todos os movimentos. Nos lança para fora ou para as camadas mais interiores. Não
há região que ela não habite, nem estado que não afete com as suas emanações.
As suas linhas de fuga se expandem ao passado e ao futuro, e desconhecem
praticamente estas categorias espaço/temporal. A música dilui os contornos, por si
só quando autêntica e demonstra grande poder desterritorializante. O improviso vai
ao encontro das coisas, as abraça e se confunde com elas. Como se não bastasse a
mais moderna teoria da física chama-se, teoria das cordas. Segundo ela, tudo no
Universo se origina do som.

“Do caos nascem os Meios e os Ritmos”, afirma Deleuze.

“Cada meio é vibratório, isto é, um bloco de


espaço-tempo constituído pela repetição periódica do
componente”. Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs.
Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV (p.99)

Para Deleuze o caos não é o contrário do ritmo, é antes o meio de todos os


meios. O ritmo emerge de um lugar recôndito para manifestar a sua potência
vibratória, que atravessa os corpos, as células e faz a água do nosso corpo tomar
formas de cristais variados. Tal o poder da onda sonora e mais ainda da música.
Formações que refletem as diferentes emoções, a água do nosso corpo não
36

consegue ficar alheia a informação que a perpassa e lhe obriga a tomar um certo
tipo de configuração em forma de cristais.

“Há território a partir do momento em que há


expressividade do ritmo”. Gilles Deleuze e Felix Guattari,
Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV (p.101)

O ritmo inicialmente cria territórios onde havia somente imensidão, ruído e


silêncio. Qualquer batida delimita um território. Quanto mais a “música” dos homens.
A arte chama, atrai a emergência desses devires, faz os homens se moverem em
novas direções. A música não produz seu efeito, senão cercando e dissolvendo ao
mesmo tempo. Se deixa levar e conduz, constrói cenários de beleza, de horror,
dispositivos sublimes ou máquinas de destruição. “Podemos chamar de arte esse
devir, essa emergência? O território seria o efeito da arte”.Gilles Deleuze e Felix Guattari,
Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV (p.103)

“Parece que o som, ao se desterritorializar, afina-se cada


vez mais, especifica-se e torna-se autônomo, enquanto
que a cor cola mais, não necessariamente ao objeto, mas
à territorialidade. Quando ela se desterritorializa, ela
tende a dissolver-se, a deixar-se pilotar por outros
componentes”. Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs.
Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV (p.139)

Êxtase, hipnose, deslumbramento, pavor, iluminação, somos arrastados pelo som


que nos golpeia ou nos acaricia com as suas moléculas invisíveis. Que limitados os
sentidos. Queremos morrer, queremos amar, somos sacudidos em todas as
direções. Cíimos em abismos que não terminam. Verdadeiros buracos negros que
nos sugam contra a nossa vontade. Ou então flutuamos em devires animais de
pássaros e insetos e queremos apenas arrastar nossas asas pelo vento. Ritornelos
sonoros nos conectam a um Phylum maquínico de potencia muito superior ao da
pintura. O músico não se acomoda fácil entre os poderes estabelecidos. Ele fura os
olhos. Somente quer se apropriar dos ouvidos do povo, para depois entrar em cada
veia, e não discrimina entre os mais desvalidos culturalmente ou os aristocratas das
classes sociais mais altas.
37

Mas estes buracos negros são uma ameaça para a sociedade e deverão ser
controlados. A sua produção será observada cuidadosamente até onde é possível se
controlar uma entidade deste tipo. Porque ela é essencialmente escorregadia e
penetrante como um gás.
O Deleuze menciona que o ritornelo do pintor é como que o avesso daquele do
músico, um negativo da música. Um, vai do soma ao gérmen, e o outro, do gérmen
ao soma. O pintor é como um negativo da música.
O músico/esquizo, não sabe que é um ser deslocando-se a grande velocidade no
desconhecido. Mas não tarda em descobrir que algo a mais acontece neste âmbito.
O músico verdadeiro traz dentro de si o esquizoema do mergulhador, do equilibrista,
do espeleólogo. Ele não pode ficar em terra sólida. Tem que se atirar no trapézio,
sem rede, até acelerar a intensidade e produzir o acontecimento.

“...Não só aumentar a velocidade das trocas e reações


naquilo que o rodeia, mas assegurar interações indiretas
entre elementos desprovidos de afinidade dita natural, e
através disso formar massas organizadas”. Gilles
Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs. Capitalismo e
Esquizofrenia. Vol. IV (p.140)

Velocidades e lentidões se alternam para criar texturas e formas. A proliferação


sonora, harmônica e rítmica se dá nas microproliferações lineares. O som se
extingue, na abolição sonora, na involução das estruturas, ou se desprende de todas
as amarras apalpando o desconhecido.

O músico pode dizer por excelência: "Odeio a memória,


odeio a lembrança", e isso porque ele afirma a potência
do devir”. Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs.
Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV (p.80)

Segundo Deleuze, todo músico procedeu sempre assim: “traçou a sua diagonal,
mesmo que frágil, fora dos pontos, fora das coordenadas e das ligações localizáveis,
para fazer flutuar um bloco sonoro numa linha liberada, criada, e soltar no espaço
esse bloco móvel e mutante, uma hecceidade”. Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs.
Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV (p.80)
38

Há um "atraso" da pintura em relação à música, como o constatava Klee. Hoje a


pintura se desvanece em futilidades. O pintor facilmente entra no rol dos
decoradores e das obras por encomenda. Combinar quadros com sofás e tapetes
virou mais lucrativo e a maioria dos pintores não importa com isso. Ao passo que o
músico parece se encantar com seu próprio poder até esquecer a miséria que o
rodeia. Muitas pessoas consomem pintura, porque ela se colocou no mesmo nível
dos eletrodomésticos e outras futilidades. Ela não causa "medo". Mesmo nas suas
relações com o capitalismo, a pintura se confunde com o interesse da sociedade
dominante.
E neste sentido também, a obra musical ou literária tem uma arquitetura: "saturar
o átomo", dizia Virgínia Woolf. Sim, saturar o átomo de informações que o levem a
uma mudança de órbita. Um novo patamar energético. E isto é possível graças a
potência interna da música, que antes foi ruído, e posteriormente se organizou em
onda/frequência. A música dilacera ou seda, como possibilidade indescritível, ela
avança invisível para tocar na constituição mais sutil dos seres. Passa por suas
membranas e sacode as suas entranhas.

“No dilaceramento de um tambor e de uma trombeta longa,


estranha, os seis homens que estavam deitados tombados no
rés-do-chão, brotaram um a um como girassóis, não sóis porém
solos que giram, lótus d'água, e a cada um que brota
corresponde, cada vez mais sombria e refreada a batida do
tambor até que de repente chega a galope, a toda velocidade o
último sol, o primeiro homem,o cavalo negro com um homem
nu, absolutamente nu e virgem em cima”.
Antonin Artaud. Escritos de um louco

Henry James dizia, é preciso "começar longe, tão longe quanto possível". Sim,
isto a esquizomúsica pode fazer. Pode se afastar tanto de qualquer referência, com
as texturas infinitas da música eletrônica ou com a batida de um tambor africano.
Sintetizadores e controladores fazem a devastação dos territórios conhecidos. Já
não podemos definir. É um som de bambu metálico. Uma corda de violino com
ressonâncias de folhas de pitangueira. Metais fundidos nos sons da floresta
amazônica, asas de borboleta batendo em campanários de vidro. De onde vem isso
tudo? De que fronteira? A tecnologia faz o que sabe, mas não sabe o que faz,
porque acaba produzindo novos mundos em um comportamento verdadeiramente
39

esquizo de cientistas, que não tem idéia do que produziram, para bem ou para mal.
“Não se trata mais de impor uma forma a uma matéria, mas de elaborar um
material cada vez mais rico, cada vez mais consistente, apto a partir daí, a captar
forças cada vez mais intensas”. (Deleuze). Neste âmbito a linguagem sonora deixa
para atrás os convencionalismos. Para cada instrumento sinfônico, mil novos sons
sem nome para destruir qualquer vestígio de racionalidade, qualquer domínio da
história sobre a vida soberana e daí a volta a terra, ao pó, a água, ao vento.

Exemplar seria o procedimento de Varèse, na alvorada


desta era: uma máquina musical de consistência, uma
máquina de sons (não para reproduzir os sons), que
moleculariza e atomiza, ioniza a matéria sonora, e capta
uma energia de Cosmo. Se essa máquina deve ter um
agenciamento, será o sintetizador. Reunindo os módulos,
os elementos de fonte e de tratamento, os osciladores,
geradores e transformadores, acomodando os
microintervalos, ele torna audível o próprio processo
sonoro, a produção desse processo, e nos coloca em
relação com outros elementos ainda, que ultrapassam a
matéria sonora. Ele une os disparates no material, e
transpõe os parâmetros de uma fórmula para outra. O
sintetizador, com sua operação de consistência, tomou o
lugar do fundamento no julgamento sintético a priori: a
síntese aqui é do molecular e do cósmico, do material e
da força, não mais da forma e da matéria, do Grund e do
território. A filosofia, não mais como juízo sintético, mas
como sintetizador de pensamentos, para levar o
pensamento a viajar, torná-lo móvel, fazer dele uma força
do Cosmo (do mesmo modo se leva o som a viajar...).
(Deleuze e Guattari - Mil Platôs- Vol IV. P.134)

Varése estava afiado em suas considerações. As coisas foram muito mais longe
do que ele imaginava. Hoje a luz faz música, o movimento do corpo cria partituras no
espaço/tempo. Tudo se tornou acessível em excesso, para o bem ou para o mal. A
maneira de novos objetos de consumo, os sintetizadores futuristas de Varése hoje
são objetos de consumo de adolescentes. Da virtualidade, agora inserida no real, a
possibilidade concreta de dramatizar sonoramente, esquizoanalisar através de
vibrações sonoras, de esquizodramatizar pelas pulsações de vibrações, agora
totalmente nas mãos dos esquizodramatistas_músicos, esquizosonodramatistas
estas ferramentas, ondas do som, como pincéis de luz, na produção de ilimitados
mundos possíveis. Parafraseando Deleuze, O escritor está à espreita, o filósofo está
à espreita.....e o músico também.
40

KLINICA de ESQUIZODRAMA: PERSONA.


Gênese de uma Klínica de esquizomúsica.

Durante um dos muitos encontros para a prática do equizodrama, um em


particular foi importante como experimentação do limiar onde o esquizodrama e a
música se encontram, dispositivo esquizóide, traçando novas diagonais entre os
corpos e o som. Diagonais de tensão, rarificação, estranheza, de virtualidade,
mesmo que frágeis, circulam fora dos pontos, fora das coordenadas e das ligações
localizáveis. Fiz uso do que Deleuze chama blocos mutantes de Som. Pareceu-me
correto apropriar-me deste conceito, porque primeiro vivi a experiência e depois,
muito depois, li o texto de Deleuze, e assim as duas coisas se encontraram muito
amigavelmente. Depois da leitura pensei que eles davam uma boa descrição do uso
que fiz das massas sonoras naquele momento. Estes blocos por sua vez, não ficam
apenas em estado sólido, mas às vezes se assemelham a gases, cujas condições
de pressão e temperatura, sendo constantemente mudadas, não deixam de reagir e
fazer reagir, para voltar sob outras condições a seu estado sólido original depois de
penetrado e impregnado em corpos menos sutis. . A Klínica transcorreu da seguinte
maneira:
Pela manhã o grupo se dividiu em duplas. O salão acarpetado ficou em uma semi
penumbra com as cortinas fechadas. As duplas foram entrando e sentando-se à
mesa. Na mesa estava disposto um espelho de tipo bem particular que permite ver o
seu próprio rosto, como também o rosto de quem está do outro lado ao mesmo
tempo o que causa um estranho fenômeno de fusões, metamorfoses e sínteses. Por
estar o salão escuro, os participantes se auxiliaram de pequenas lanternas para
iluminar as faces na penumbra. Cada dupla levou por volta de cinco a dez minutos
para atingir um clímax. O objetivo era experimentar o máximo de estranheza, de
novo e insólito. Este tempo geralmente foi suficiente para chegar em algum tipo de
mutação dos rostos e exclamar Eureka!, o que é isso? Achamos!. Sou eu e não sou
ao mesmo tempo; me reconheço na estranheza de um ser andrógino por vezes, ora
monstruoso ou cômico que se situa “entre” nós dois. É um novo “ser” ou como se
preferir chamá-lo. “Ele” somente existirá por alguns segundos no mundo físico, e por
muito mais tempo na psique e na memória.
41

O que durava em média dez minutos para as duplas foi três horas para mim. Meu
lugar foi num canto da sala espaçosa onde fiquei durante todo aquele tempo,
invisível dentro do possível a não ser pelas emanações sonoras que dali envolviam
o ambiente num volume consideravelmente alto.
O uso de um sintetizador, de sequenciadores, de filtros controladores, seguiu
uma diretriz básica. Criar as mais estranhas atmosferas possíveis para interagir com
a experiência de cada dupla. E com cada dupla ia se alterando segundo a
característica do devir individual, sendo a música por sua vez influenciada pelas
reações da dupla.
Desta forma, a esquizomúsica transcorreu num continuo/mutante/caótico/
melódico/harmônico/rítmico devir durante três horas rarificando cada molécula da
sala. Como diria Virginia Wolf, saturando os átomos. Saturando de linhas de fuga.
Começando de tão longe como possível, e envolvendo os participantes com uma
vigorosa massa sonora, o sintetizador oferece uma ferramenta inusitada e potente
que desconstrói a linguagem convencional da música, e intensifica os rizomas e
traça a sua própria, original e dramática cartografia.

“A música nunca deixou de fazer passar suas linhas de fuga, como


outras tantas "multiplicidades de transformação", mesmo revertendo
seus próprios códigos, os que a estruturam ou a arborificam; por isto
a forma musical, até em suas rupturas e proliferações, é comparável
à erva daninha, um rizoma” Deleuze e Guattari-Mil Platôs Vol. 1
(p.20)

Dispositivo maquínico rizomático por excelência, música se manifesta de forma


irreconhecível e avança por territórios inexplorados. Vai criando um traçado no ar
que corporifica uma diferença radical. À medida que a música emerge é logo
esquecida. Porque o novo só pode nascer do esquecimento. A essência do
improviso é nunca estar preso ao que passou. É algo assim como uma amnésia em
movimento. A memória dura por alguns segundos e se apaga no oceano da
virtualidade, para dar lugar a uma nova nota, um ruído, um grito, um acorde, devires
esquizo.

Esquizodramatização (G. Baremblitt) é o nome que


damos às concreções das máquinas concretas por meio
dos atos-ações protagonizados pela transversalidade, a
heterogênese e o maquinismo, atuando, conjunta e
42

imanentemente, para produzir a transmutação de uma


ou várias entidades ou circunscrições identitárias e
identificáveis...em outras, que apenas evocam as
primeiras ou que as metamorfoseiam e inovam por
completo. Dito de outra maneira: a conjunção do
paradigma: caos, caosmos, cosmos, e seus atos-ações
processuais de transversalidade, heterogênese,
maquinismo concretizam-se dramaticamente como
novos cenários, personagens, coreografias, cenografias,
scripts de literatura menor etc.

A possibilidade de um dispositivo que tenha a capacidade de produzir


transmutação, onde as instâncias caos, caosmos, cosmo estão claramente
presentes, nos leva a considerar impreterivelmente a música, como máquina
concreta. E não há restrições nem limites para as possibilidades de materiais a
serem utilizados. Se a nossa caixa de ferramentas pode ser tão heterogênea, a
música chama a atenção pela sua capacidade de despertar profundos processos de
subjetivação desejantes e mutantes. As subjetivações não são realizações de
possíveis apenas, como as vezes é colocado por Guattari, mas atualizações do
virtual. A música aliada a tecnociência se soma a literatura, ao teatro, a arquitetura,
ao cinema onde os mitos também tem lugar na produção da subjetividade. O louco,
o esquizo, o psicótico, o delirante, propocionam as bases para a teoria
esquizoanalítica.

Se quiserem, podem meter-me numa camisa de força


mas não existe coisa mais inútil que um órgão.
terão libertado dos seus automatismos e devolvido sua
verdadeira liberdade.
Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas como no delírio
dos bailes populares e esse avesso será seu verdadeiro lugar.
Antonin Artaud. Escritos de um Louco

À partir destes cacos da humanidade, destas montagens fragmentárias, o


esquizodrama de G.F Baremblitt e a esquizoanálise de Deleuze e Guattari criam as
suas realteridades esquizoanalíticas. Incendiar a potência adormecida, a produção
de singularidades, de acontecimentos e de revoluções moleculares.
43

Desfazer o rosto não é uma coisa à toa. Corre-se aí o risco da


loucura: é por acaso que o esquizo perde ao mesmo tempo o
sentido do rosto, de seu próprio rosto e do dos outros, o
sentido da paisagem, o sentido d a l i n g u a g e m e d e s u a s
significações dominantes? Gilles Deleuze e Felix Guattari. Mil
Platôs - Vol.III - Capitalismo e Esquizofrenia. (p.51).

Como disse Deleuze na continuação do parágrafo anterior, não é simples


desfazer um rostoo. Esta é a linha no horizonte da esquizoanálise, do esquizodrama
e da esquizomúsica. Vale a pena? No momento digo a mim mesmo que tudo é
válido quando feito com intensidade, sinceridade e desejo de melhorar o mundo.
Como toda produção de saber e de desejo terá que passar pelo crivo do tempo para
ser avaliada. Somos jovens na história dos homens, e muito mais na história das
estrelas. O universo apenas pode ser medido por cálculos matemáticos teóricos.
Mas observá-lo com estes corpos, ainda é um sonho distante por não dizer
impossível. Nosso pequeno corpo de carne e sangue treme só de pensar nesta
imensidão. E há além deste universo, outros universos e, no avesso deles todos,
um mundo de anti matéria.

Mas a arte nunca é um fim, é apenas um instrumento para traçar as


linhas de vida, isto é, todos esses devires reais, que não se produzem
simplesmente na arte, todas essas fugas ativas, que não consistem
em fugir na arte, em se refugiar na arte, essas desterritorializações
positivas, que não irão se reterritorializar na arte, mas que irão,
sobretudo, arrastá-la consigo para as regiões do a-significante, do
a-subjetivo e do sem-rosto. Gilles Deleuze e Felix Guattari. Mil Platôs
Vol.III - Capitalismo e Esquizofrenia. (p.50).

Deleuze nos aconselha a conhecer os nossos buracos negros e os nossos muros


brancos. Correr o risco, mesmo que a loucura nos espreite de perto. Sem esquecer
que a loucura é incerta, talvez provável, mas a morte é certeira. O que há enfim, por
trás desse rosto que tentamos desmonta?. No final do volume quatro de Mil Platôs,
os autores se referem a sua obra como a tentativa de elaborar um material que
capte a miríade de forças que existem neste mundo. E mais, fazer dessa tentativa
uma força do “Cosmos”. Força do cosmos? Sim, assim é declarado por eles. Uma
força junto com as outras todas forças: quânticas, correntes solares,
44

eletromagnéticas, culturais, telúricas, atômicas, intelectuais de uma lista sem fim, de


tudo o que está no mundo natural ao alcance dos nossos sentidos e de tudo aquilo
que os nossos limitadíssimos sentidos, nem aparelhos mais avançados podem
captar. Incluiremos todas aquelas coisas que se situam fora da ilha que a ciência
delimita como território seguro dentro da racionalidade dominante dos últimos dos
séculos. Ciência que mesmo depois de ter criado as ferramentas que devastaram o
planeta é tida como o oráculo de Delfos da modernidade. Semelhante aos antigos,
hoje deliramos com a vidência dos cientistas modernos que vagam com seus olhos
pelo espaço, através dos seus telescópios alucinados, deslumbrados com tamanha
imensidade. Sempre a descobrir uma nova medida para o universo. Sim, como a
sacerdotisa grega delirava em Delfos por causa dos gases que emanavam da
superfície terrestre, assim somos hoje novamente dentro dos grandes aceleradores
de partículas. Queremos chocar as partículas para ver o que acontece. Como um
menino pequeno que desmonta o rádio do pai às escondidas. No momento podemos
não ver um nome melhor para “o que não tem medida, nem nunca terá” a não ser
“cosmos”. Uma grandeza de proporções magníficas seja no micro como no macro,
se impõe como inconcebível e apenas fica sob um certo controle, porque ainda
carregamos nossos rostos repletos de certezas, teorias, de tentativas e erros que
fazem de nós o que somos atualmente, uma civilização falida. Não estamos
apegados aos rostos sem razão. É preciso não ter medo de mostrar o osso e
arriscar- se a perder a carne. No entanto, a nossa resposta é criar novas teorias,
teoria das cordas, teoria do big band, da evolução e uma das mais honestas de
todas, o princípio de incerteza de Heinsenberg que ao final também exige de nós,
paradoxalmente, um ato de fé porque é uma teoria que não pode ser provada por
meios científicos. Perder a carne, perder o rosto vai na contramão de todas as
teorias. Mostrar o osso, está além da nossa condição humana de filósofos e
teóricos, de cientistas e artistas. Somos aqueles que inventamos nosso mundo e
precisamos suportar a nossa produção de loucura que hoje supera em muito a
produção da paz.
Para cada verso, muitas dores, para cada vacina, muitos gritos de agonia, para
cada homem que agoniza, uma máquina de destruição que quer nos abafar e
esconder a dor humana com palavras vazias . Para cada corpo, o infinito
desconhecido que lateja em forma de som por detras da finitude humana. Há que
45

buscar por todos os meios e todos os meios podem ser válidos. Cada um sabe
onde aperta o sapato.
Mas, por maiores que sejam as nossas “obras completas”, sempre serão
profundamente incompletas. Este “cosmos” que é mencionado fugazmente e
raramente por Deleuze, esta palavra difícil de achar nos seus textos resulta
intrigante. Sim, desfazer o rosto, talvez seja o caminho, libertar-se dos
automatismos, dançar às avessas, transmutarmo-nos, lançarmo-nos ao
desconhecido, nus e virgens de todos os conhecimentos, recomeçando de longe, de
tão longe como possível, isto é ficar de frente para esse cosmos a sós sem
respostas pré fabricadas acompanhados de poucas, pouquíssimas certezas! E
sabendo que loucos ou não, pelo menos estamos caminhando para a vida
dançando ao som de uma canção.
46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Esquizodrama. Belo Horizonte: Fundação Gregório Baremblitt/Instituto Felix
Guattari, 2000. 8f. Mimeografado

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Introduccion a la Teoria y las Tecnicas). Belo Horizonte: Fundação Gregório
Baremblitt/Instituto Felix Guattari, 2003. 26f. Mimeografado.

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47

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16. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs Vol 2. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1995.

17. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs Vol 3. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1996.

18. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs Vol 4. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1997.

19. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix.


Mil Platôs Vol 5. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.

20. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. O Anti-Édipo. Lisboa: Ed Assíro & Alvim,
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21. DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.

22. DELEUZE, Gilles e PARNET, Claire. Diálogos. Valencia: Artes Gráficas


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23. GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo:


Editora 34, 1992.

24. GUATTARI, Félix e Suely Rolnik. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de


Janeiro. Petrópolis: Vozes, 2007.

25. KAFKA, Franz. O artista da Fome / A Construção. Companhia das Letras


2004

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