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Esquizomúsica
FOLHA DE APROVAÇÃO
Dedicatória,
Aos colegas pela companhia inestimável ao longo de tantos dias de estrada e pelos
Sumário
Introdução 05
Convocação 05
Saúde Mental 08
Deleuze e Guattari 13
O molar 15
Referências Bibliográficas 46
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Introdução
“Devir nunca é imitar. Quando Hitchcock faz o pássaro, ele não
reproduz nenhum grito de pássaro, ele produz um som
eletrônico como um campo de intensidades ou uma onda de
vibrações, uma variação contínua, como uma terrível
ameaça que sentimos em nós mesmos.”
Convocação
Foi lá pelos anos oitenta quando cheguei ao Brasil que Chico me encantou
com esta música. Fiquei durante dias aprendendo as suas composições, decifrando
aqueles acordes enigmáticos, encantado por aquele universo magnético de ritmos e
harmonias, palavras e fluxos. Chico me falava, já naqueles primeiros dias em solo
brasileiro da constante migração de todas as coisas. Nada está estático, tudo está
em constante devir, queiramos ou não, tudo morre e se atualiza numa velocidade
estonteante. O ser “vira” outra coisa, num interminável e irresistível movimento de
transformação. Precisamos muitas vezes, nessa tormenta, parar, olhar em volta,
observar a correnteza, precisamos entender, no meio das conchas, das folhas e das
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Que fome é essa que nos povoa, que fome é essa que inunda o psicótico,
que o faz transbordar de angústias, de fantasmas e de rituais. Que fome é essa que
nos leva a parar de comer, parar de rir, estancar o olhar e que ao final, congela o ser
na repetição. O sentido se esgota, as frestas se fecham e as possibilidades infinitas
se reduzem, capturados os devires em calabouços escuros.
É disto que tentaremos falar, do [inevitável?], daquilo que arrasta os seres até
o mar que aflora por vezes na psicose ou em outros territórios nosológicos da saúde
mental. O lugar do “jejum”, aquilo que carrega os sonhos, que desmancha
horizontes e que nos faz virar peixes, ou flores, que nos faz engolir algas até nos
tornarmos ostras numa praia qualquer. A psicose não é diferente, não é “outra
realidade”. O psicótico “pede desculpas” por não ter fome. “Me desculpe”...repete
sem interrupção. Pede desculpas por não achar graça em nada, por não desejar o
que você deseja, por incomodar você sendo o que ele é, por não estar inserido em
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Saúde Mental
A produção da utopia ativa.
mente humana se mostra quase ilimitada, e encontra sempre novos leitos onde
acomodar velhas práticas. Podemos considerar que a loucura, num sentido amplo, é
útil de várias maneiras ao capitalismo global unificado, razão pela qual nem ela nem
os mecanismos que a sustentam serão eliminados ou substituídos por outros tão
cedo. Avanços que realmente atendam a singularidade dos portadores de sofrimento
mental somente serão conquistados pelo enfrentamento deste suposto "real"
instituído, e pela posta em cena de práticas e políticas que atravessem as camadas
sedimentadas desse poder cristalizado e devolvam a esses indivíduos e a suas
famílias uma legítima esperança de reinserção social.
Deleuze e Guattari.
O Molar.
Crônica de um dia*
vem a tarde
Chico Buarque
Discurso delirante, discurso mutilado, das minorias, o psicótico, daquele que está
sob censura, que perdeu o sentido, do marginal, discurso que é pautado por
intuições, por percepções de "algo a mais", algo que está além da pauta oficial.
Deleuze procura não a idéia justa, mas a justa idéia para solucionar cada problema.
Chico Buarque
Talvez Chico se refere àquilo que está aprisionado em nós. A angústia de Artaud é
aflição medonha aqui. O devir aleijado, o ser torturado em cada órgão chega a
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Declamo...
EB - Paciente
O mundo bizarro é esse aqui. Será que não conseguimos ver?. “EB” assiste a
tudo e sabe de muitas coisas secretas. Há um saber sim. Este saber é sussurrado
baixinho porque não existe interesse de ensinar nem o de impor para ninguém,
práticas comuns entre pessoas educadas. Este saber serpenteia entre os silêncios
e junto com eles trama uma visão única do mundo.
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Chico Buarque
Este sonho estranho, esta roda viva, por vezes um pesadelo, noutras um
paraíso-precipício, viajando na velocidade estonteante do trem bala estamos no
meio de um algo, o melhor, no “entre” o nascimento e a morte nos movendo, às
vezes na velocidade do tempo cronológico , outras num tempo mágico ou místico.
Um minuto, um ano, uma vida. Para EB não há princípio nem fim nem relógio.
Quando compra um relógio barato e pára de funcionar continua a usá-lo naquele
horário em que parou por meses a fio. É isso que ele sabe, é apenas uma roda. Na
roda não há começo, tudo é começo e tudo é final, cada ponto é singular e
necessário.
"EB” não consegue escrever, mas "dita" os seus poemas, geralmente num
único fluxo e sem correções posteriores. Não é uma tentativa, é uma pincelada.
Poemas instantâneos. O que importa é a conexão com algo em um determinado
momento. Caçador de palavras, ele as pesca com carinho, medita, se abstrai e goza
quando acha a frase justa que já desce pronta para o papel. “EB” faz poemas como
os músicos fazem música. Ele “toca” poemas, faz concertos ao ar livre ou num bar
tomando seu café. O momento é tudo... o depois interessa pouco. Pode escrever
dez poemas seguidos e passar dois meses sem nem lembrar que existe a poesia.
Mas ele se vê como devir poeta. É um estatuto que está presente e declarado nele.
Acompanhar o processo de criação de uma outra pessoa é sempre muito
instigante. No “estar” psicótico de EB o silêncio é uma catedral. É um mar que se
estende por todos os momentos da sua vida. A vida é feita de silêncio, para que
interromper? parece perguntar. A face séria, o olhar fixo e concentrado, um certo
desdém pelo mundo que o rodeia, como se não precisasse de nada e fossemos nós
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No fluxo da criação dos seus poemas, se deixa levar sem nenhuma noção de
responsabilidade pré-fixada mas pleno de entusiasmo quando vem a "inspiração".
Não faz poesia por qualquer motivo específico. Não quer dizer nada a ninguém.
Dizer alguma coisa propositalmente, segundo ele não seria poesia.
Captura e fuga
“Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura,
numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas”. (Deleuze e Guatari. Mil platôs
vol.II).
Deleuze propõe o ser como diferença. O real é entendido como formado por uma
multiplicidade de planos. O homem deleuzeano não é pólo de referência nem está
imerso no dualismo clássico. A diferença é assim alçada a uma categoria
ontológica. Ao mesmo tempo que exaltamos o poeta morto o poeta vivo é
insuportável. Ele é portador da potência que rompe o campo codificado. O artista
desafia os axiomas, reativa fluxos, desnuda territórios inusitados, quanto mais
insólitos maior o poeta e o homem.
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uma verdadeira teia energética e inúmeras sub partículas onde acontece a dança
microscópica na matéria. O entre aponta para um novo modo de entender o
funcionamento nas relações, no mundo dos corpos e na esfera da mente e dos
sentimentos. O espaço Matemático de Riemman implica a constituição de
pequenos fragmentos em cujas imediações podem efetuar-se conexões de infinitas
maneiras. É a partir do intercâmbio que as coisas movimentam.
Ao entrar na vida particular de um psicótico nos tornamos um intercessor. Sem
esse movimento/envolvimento não se processam os movimentos necessários ao
desenrolar da vida. A partir da relação fabricamos mais e mais intercessores.
Plantas, animais, parquinhos, o café, a caneta, a chuva, outros livros, as pessoas na
rua cheia, o barulho. Tudo remete ao movimento caótico da cidade e é ali que
mergulhamos na busca das palavras, dos sons, dos sentimentos pelas coisas e
pelas pessoas. Como Deleuze diz, “Se não temos intercessores devemos fabricá-
los”. Precisamos do “outro” para fabular. Surpeendermo-nos uns aos outros em
“...flagrante delito de fabular”. F.Guattari. Afortunadamente, não é difícil flagrar um
psicótico fabulando o que nos leva ao encontro imediato do discurso minoritário. De
novo citando Deleuze em Mil Platôs, “somos os falsários dos nossos pacientes, dos
nossos amigos, dos nossos amados. Cada um compreende a seu modo o que o
outro propõe”.
Basta um dia
Esquizodrama
“As obras primas são escritas num tipo de língua estrangeira”. Proust
Devir pássaro...
consegue ficar alheia a informação que a perpassa e lhe obriga a tomar um certo
tipo de configuração em forma de cristais.
Mas estes buracos negros são uma ameaça para a sociedade e deverão ser
controlados. A sua produção será observada cuidadosamente até onde é possível se
controlar uma entidade deste tipo. Porque ela é essencialmente escorregadia e
penetrante como um gás.
O Deleuze menciona que o ritornelo do pintor é como que o avesso daquele do
músico, um negativo da música. Um, vai do soma ao gérmen, e o outro, do gérmen
ao soma. O pintor é como um negativo da música.
O músico/esquizo, não sabe que é um ser deslocando-se a grande velocidade no
desconhecido. Mas não tarda em descobrir que algo a mais acontece neste âmbito.
O músico verdadeiro traz dentro de si o esquizoema do mergulhador, do equilibrista,
do espeleólogo. Ele não pode ficar em terra sólida. Tem que se atirar no trapézio,
sem rede, até acelerar a intensidade e produzir o acontecimento.
Segundo Deleuze, todo músico procedeu sempre assim: “traçou a sua diagonal,
mesmo que frágil, fora dos pontos, fora das coordenadas e das ligações localizáveis,
para fazer flutuar um bloco sonoro numa linha liberada, criada, e soltar no espaço
esse bloco móvel e mutante, uma hecceidade”. Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs.
Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. IV (p.80)
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Henry James dizia, é preciso "começar longe, tão longe quanto possível". Sim,
isto a esquizomúsica pode fazer. Pode se afastar tanto de qualquer referência, com
as texturas infinitas da música eletrônica ou com a batida de um tambor africano.
Sintetizadores e controladores fazem a devastação dos territórios conhecidos. Já
não podemos definir. É um som de bambu metálico. Uma corda de violino com
ressonâncias de folhas de pitangueira. Metais fundidos nos sons da floresta
amazônica, asas de borboleta batendo em campanários de vidro. De onde vem isso
tudo? De que fronteira? A tecnologia faz o que sabe, mas não sabe o que faz,
porque acaba produzindo novos mundos em um comportamento verdadeiramente
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esquizo de cientistas, que não tem idéia do que produziram, para bem ou para mal.
“Não se trata mais de impor uma forma a uma matéria, mas de elaborar um
material cada vez mais rico, cada vez mais consistente, apto a partir daí, a captar
forças cada vez mais intensas”. (Deleuze). Neste âmbito a linguagem sonora deixa
para atrás os convencionalismos. Para cada instrumento sinfônico, mil novos sons
sem nome para destruir qualquer vestígio de racionalidade, qualquer domínio da
história sobre a vida soberana e daí a volta a terra, ao pó, a água, ao vento.
Varése estava afiado em suas considerações. As coisas foram muito mais longe
do que ele imaginava. Hoje a luz faz música, o movimento do corpo cria partituras no
espaço/tempo. Tudo se tornou acessível em excesso, para o bem ou para o mal. A
maneira de novos objetos de consumo, os sintetizadores futuristas de Varése hoje
são objetos de consumo de adolescentes. Da virtualidade, agora inserida no real, a
possibilidade concreta de dramatizar sonoramente, esquizoanalisar através de
vibrações sonoras, de esquizodramatizar pelas pulsações de vibrações, agora
totalmente nas mãos dos esquizodramatistas_músicos, esquizosonodramatistas
estas ferramentas, ondas do som, como pincéis de luz, na produção de ilimitados
mundos possíveis. Parafraseando Deleuze, O escritor está à espreita, o filósofo está
à espreita.....e o músico também.
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O que durava em média dez minutos para as duplas foi três horas para mim. Meu
lugar foi num canto da sala espaçosa onde fiquei durante todo aquele tempo,
invisível dentro do possível a não ser pelas emanações sonoras que dali envolviam
o ambiente num volume consideravelmente alto.
O uso de um sintetizador, de sequenciadores, de filtros controladores, seguiu
uma diretriz básica. Criar as mais estranhas atmosferas possíveis para interagir com
a experiência de cada dupla. E com cada dupla ia se alterando segundo a
característica do devir individual, sendo a música por sua vez influenciada pelas
reações da dupla.
Desta forma, a esquizomúsica transcorreu num continuo/mutante/caótico/
melódico/harmônico/rítmico devir durante três horas rarificando cada molécula da
sala. Como diria Virginia Wolf, saturando os átomos. Saturando de linhas de fuga.
Começando de tão longe como possível, e envolvendo os participantes com uma
vigorosa massa sonora, o sintetizador oferece uma ferramenta inusitada e potente
que desconstrói a linguagem convencional da música, e intensifica os rizomas e
traça a sua própria, original e dramática cartografia.
buscar por todos os meios e todos os meios podem ser válidos. Cada um sabe
onde aperta o sapato.
Mas, por maiores que sejam as nossas “obras completas”, sempre serão
profundamente incompletas. Este “cosmos” que é mencionado fugazmente e
raramente por Deleuze, esta palavra difícil de achar nos seus textos resulta
intrigante. Sim, desfazer o rosto, talvez seja o caminho, libertar-se dos
automatismos, dançar às avessas, transmutarmo-nos, lançarmo-nos ao
desconhecido, nus e virgens de todos os conhecimentos, recomeçando de longe, de
tão longe como possível, isto é ficar de frente para esse cosmos a sós sem
respostas pré fabricadas acompanhados de poucas, pouquíssimas certezas! E
sabendo que loucos ou não, pelo menos estamos caminhando para a vida
dançando ao som de uma canção.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
15. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs Vol 1. Rio de Janeiro: Ed. 34,
199l.
16. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs Vol 2. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1995.
17. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs Vol 3. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1996.
18. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs Vol 4. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1997.
20. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. O Anti-Édipo. Lisboa: Ed Assíro & Alvim,
1972.