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Salvador
2014
MARCUS VINÍCIUS CONCEIÇÃO PEREIRA
Salvador
2014
MARCUS VINÍCIUS CONCEIÇÃO PEREIRA
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Prof. Dr. João Antônio de Santana Neto
Universidade do Estado da Bahia
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Profª Drª rosa Helena Blanco Machado
Universidade do Estado da Bahia
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Prof. Dr. Igor Rossoni
Universidade Federal da Bahia
Agradeço ao meu orientador, o Professor Dr. João Antônio de Santana Neto, que
me proporcionou novos aprendizados, dando-me auxílio, apoio e incentivo para trilhar
caminhos desconhecidos, encorajando-me a enfrentar os grandes desafios de formular essa
dissertação. A leitura crítica e debates contribuíram para que adquirisse um contorno
definitivo. Minha dívida para com ele é eterna e incontestável.
À Professora Drª Rosa Helena Blanco Machado e ao Professor Dr. Igor Rossoni,
pelos comentários e sugestões no exame de qualificação.
Aos meus amigos, os professores doutores em Linguística pela Universidade
Federal da Bahia, docentes da Universidade do Estado da Bahia, André Gaspari Madureira e
Erivelton Nonato, pela amizade fiel, verdadeira e devotada com a qual se dedicaram a
motivar-me ao retorno da vida acadêmica e ao desenvolvimento desta dissertação.
À inestimável orientação pessoal e profissional do amigo e professor Pedro Barroso
Sobrinho pela grande contribuição prestada à minha formação de vida e retorno à vida
acadêmica.
Aos amigos Reinaldo Miranda por seus elogios e correções e Patrícia Rodrigues
Sampaio por sua preocupação, carinho e atenção acadêmica desde a minha aprovação no
mestrado.
A todos os professores e funcionários do PPGEL.
É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais
sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos
afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que
perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos
felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes
poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam
como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém
que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o
ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um
machado para o mar congelado que há dentro de nós.
Franz Kafka.
RESUMO
Nessa dissertação, procurou-se fazer uma análise interpretativa sobre o discurso da prisão
durante o período do Estado Novo inscrito no romance Memórias do Cárcere de Graciliano
Ramos. Primeiro, buscou-se fazer a reconstituição das origens e filiações biográficas, pessoais
e artísticas de Graciliano Ramos relacionando-as ao estudo do desenvolvimento histórico das
condições de produção e dos elementos formadores da memória discursiva presentes na
linguagem literária do romance e constituição histórica do Estado Novo. Entende-se que a
prisão no Estado Novo exerceu o controle panóptico do corpo e do sujeito através de uma
vigilância hierárquica. A análise da prisão estadonovista, valeu-se, principalmente, dos
postulados de Louis Althusser acerca da Teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado, além da
teorização genealógica e arqueológica sobre o discurso e a prisão, de Michel Foucault,
elemento teórico basilar para a compreensão das relações do poder opressor e das
manifestações ideológicas do cárcere na Era Vargas. Por último, buscou-se entender o modo
discursivo específico do trabalho de tradução autobiográfica presente no romance por
intermédio dos estudos da Análise do Discurso. A prisão, portanto, discursivamente não pode
ser apenas vista como elemento material de clausura institucional. Destaca-se nesse estudo, a
importância simbólica estabelecida pela ditadura estadonovista ao escolher um dos mais
destacados intelectuais de seu tempo silenciando-o e vitimando-o à época. Desse modo,
mostra-se que o discurso produzido pelo narrador em Memórias do Cárcere, longe de ser
despretensioso e neutro, contém um elemento denunciador ao público leitor das práticas
torpes realizadas, a partir da década de 1930, durante o período da ditadura Vargas.
Palavras chave: Discurso. Prisão. Estado Novo. Poder. Ideologia. Memória e vigilância.
ABSTRACT
In this thesis, we tried to make an interpretative analysis of the discourse of prison during the
Estado Novo enrolled in the novel Memórias do Cárcere by Graciliano Ramos. First, we tried
to make the reconstruction of the biographical, personal and artistic origins and affiliations of
Graciliano Ramos, relating them to the study of the historical development of the production
conditions and the constitutive features of the discursive memory in the literary language of
the novel and the historical constitution of the NewState. It is understood that during the
NewState, the prison exercised panoptic control of the body and the subject, through a
hierarchical supervision. The analysis of the prison during the New State, thanks, mainly, the
postulates of Louis Althusser on the Theory of Ideological State Apparatus, besides Michel
Foucault's archaeological and genealogical theorizing about the speech and the arrest,
fundamental theoretical element for the understanding of the relations between the oppressive
power and ideological manifestations of the imprisonment in Vargas Era. Finally, we sought
to understand how specific discursive translation work in this autobiographical novel through
the studies of discourse analysis. The arrest, therefore discursively just can not be seen as a
material element of institutional confinement. Stands out in this study, the symbolic
importance established by the dictatorship in the Vargas Era when choosing one of the
leading intellectuals of his time silencing him and victimizing him at the time. Thus, it is
shown that the speech produced by the narrator in Memórias do Cárcere, far from being
neutral and unassuming, gives up to the readers a denunciatory element of the vile practices
carried out from the 1930s during the Vargas dictatorship.
Keywords: Discourse. Prison. Estado Novo. Power. Ideology. Memory and vigilance.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 09
5 CONCLUSÃO 96
REFERÊNCIAS 102
9
1 INTRODUÇÃO
Por isso, elegeu-se como objeto de estudo os arquivos discursivos sobre a prisão no
Estado Novo, em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, na tentativa de depreender e
analisar, no depoimento-discursivo, as estratégias discursivas que manifestam as ideologias e
as relações de poder a partir da década de 1930, no período da ditadura Vargas. Algumas
motivações conduziram à escolha do tema, como, por exemplo, a suposição de que o romance
Memórias do Cárcere representa uma espécie de arquivo vivo de diversas representações,
imaginários, panoramas e acervos das estratégias ditatoriais getulistas no período do Estado
Novo.
Dessa forma, foram suscitados os principais questionamentos, delineantes do percurso
investigativo, a saber: a prisão em Memórias do Cárcere funciona como instrumento de
opressão ideológica do Estado Novo, que pretende punir o sujeito enunciado (Graciliano
Ramos) por expor o depoimento discursivo. O sujeito enunciador (narrador-autor) denuncia as
estratégias de manutenção do poder opressor por meio do acionamento da memória narrativo-
discursiva. O presente estudo se justifica, portanto, pela necessidade de estabelecer discursos
limite situados em divisa onde a obra literária se encontra demarcada: os anos de totalitarismo
político do Estado Novo. Por sua vez, o depoimento narrativo-discursivo do autor serve como
archeion (arquivo registro) sócio-histórico-político de observação e reflexão sobre a
utilização dos instrumentos dos aparelhos ideológicos do Estado e sobre a forma de
perpetuação no poder.
O corpus da pesquisa se constitui do romance Memórias do Cárcere, escrito por
Graciliano Ramos, extraídos dos dois exemplares publicados no ano de 1953, das referências
da crítica especializada, além de consultas bibliográficas e entrevistas em periódicos da época.
Assim, o trabalho foi idealizado tomando como parâmetro o discurso visto como fenômeno
capaz de revelar ideologias materializadas por meio do conjunto de práticas estabelecidas por
instituições repressivas a partir da força bruta, conformações de representações, relações
imaginárias dos indivíduos com respectivas condições reais de existência e os aparelhos
ideológicos de Estado presentes no período getulista.
Quanto à estruturação monográfica interna, busca-se atender às expectativas teórico-
metodológicas pontuadas para os objetivos estabelecidos, bem como à linha de investigação
científica adotada no momento da concepção temática do estudo. Em decorrência, a
dissertação divide-se em três seções. A primeira, intitulada Graciliano Ramos: memórias,
cárcere e Estado Novo, dedica-se às origens e filiações biográficas, pessoais e artísticas de
Graciliano Ramos; ao estudo do desenvolvimento histórico das condições de produção e dos
elementos formadores da memória discursiva presente na linguagem literária do romance e à
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1
A política denominada de “café com leite” foi um arranjo político que vigorou no período da Primeira
República. Constituída pelas oligarquias de São Paulo e Minas Gerais e o governo central no sentido de
controlar o processo sucessório, para que somente políticos desses dois estados fossem eleitos à presidência de
modo alternado. O surgimento do nome "café com leite" batiza o acordo que seria uma das referências à
economia de São Paulo e Minas, grandes produtores, respectivamente, de café e leite. Com a quebra da Bolsa
de Nova York, em 1929, o preço do café brasileiro caiu drasticamente, o que levou os cafeicultores paulistas a
terem uma crise de superprodução. Esta fragilidade econômica de São Paulo foi decisiva para que Minas
Gerais se unisse ao Rio Grande do Sul e à Paraíba, formando a chamada Aliança Liberal, a qual resultou na
eleição do gaúcho Getúlio Vargas à presidência encerrando o ciclo da política café com leite.
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em questão. O Plano Cohen – estopim do golpe getulista de 1937 – imprimiu essa estratégia
no seio da sociedade brasileira, instaurando a ideia do anticomunismo (iminente ameaça
judaico-comunista) e o ódio à linhagem judaica no país favorecendo as primeiras cogitações
ideológicas estadonovistas.
O Estado Novo estabeleceu maior racionalidade administrativa além de disseminar
ideologia através de propaganda extensiva à sociedade brasileira. A centralização do poder
administrativo e político, aliada à criação de cargos públicos em diversos níveis da
administração, vincularam de forma subordinada os estados ao poder central do governo
estadonovista. A matriz intervencionista do Estado Novo configura-se no grande aparato
estatal de base tecnocrática, autônoma e não clientelista. No entanto, a estrutura moldada no
getulismo atendeu em grande parte aos interesses e conveniências político-partidárias do
Estado Novo. A propaganda e a censura no varguismo transformaram-se nas principais armas
ideológicas de controle durante a ditadura estadonovista, o objetivo principal era o de
persuadir e controlar um imenso contingente do proletariado; a propaganda e a censura
estadonovista estabeleceram o procedimento focado em dois polos distintos: a educação
massificada e o civismo dirigista.
A educação proporcionada pelo governo estimulava principalmente o culto ao corpo
em exibições oficiais em quadras de futebol. Nesse período, imenso contingente de escolas
brasileiras sofreu intenso processo de nacionalização curricular, monitoração e intervenção
cultural.
O civismo promovia campanhas de cunho educativo com intuito de “erradicar”
influências perniciosas advindas de terras estrangeiras. Nesse sentido, o propagandismo
varguista criou uma série de campanhas em prol de causas defendidas pelo governo: Dia da
raça, Dia da pátria, Dia da juventude, Semana da independência e Dia do trabalho. A máquina
de propaganda do Estado Novo produziu uma extensa iconografia mítica e louvatória em
torno da imagem de Getúlio Vargas. A construção ideológica de uma iconografia de uma
liderança marcada por uma monumentalidade associada à agenda oficial de inaugurações de
Getúlio pretendia edificar um lugar na imagem pública do país de um presidente com valor
histórico de paternalidade dos desfavorecidos, uma espécie de defensor dos humildes, que
trazia uma preocupação subliminar: conter a acentuada insatisfação dos proletários,
imigrantes e abastados numa sociedade capitalista tardia e industrial nascente. A construção
da imagem de chefe de Estado, “pai nacional” que protegia os humildes e que possuía o poder
de transformar os anseios e desejos do povo em interesses da nação.
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rendia homenagens ao regime nas colaborações à revista, Graciliano Ramos estabeleceu uma
condução ética e isolada do discurso oficial produzido por grande parte dos colaboradores.
A existência da censura Varguista constitui-se para o escritor como experiência
decisiva para a instauração de um direcionamento autobiográfico pautado por um discurso de
teor avaliativo sobre as relações e transformações do poder promovidas pelo Estado Novo.
Desse modo, o sistema opressor da Era Vargas elaborou e instituiu o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), órgão responsável por realizar a inspeção do conteúdo de todos
os veículos da imprensa: jornais, revistas e radiofusão. Segundo Garcia Júnior (1982), a
Agência Nacional exerceu o controle de quase 60% das produções dos noticiários, os censores
limavam constantemente as matérias de grande parte dos jornalistas na imprensa escrita e
falada e o governo estipulava dura e intensa política de concessões de rádio pelo país.
Do ponto de vista do propagandismo getulista, a faceta marcadamente ideológica e,
portanto, manipulatória encontra-se na elaboração de um discurso que visou legitimar e criar
um ambiente de acentuado teor protetivo em relação às normas e regulamentações trabalhistas
para a classe trabalhadora brasileira. O incremento pelo Estado de apelos patrióticos no
sentindo de estabelecer um “espírito de conciliação” em torno das questões que envolvessem
a dignidade dos trabalhadores levaram ao poder central varguista o aprimoramento de uma
política intervencionista projetada na figura de Vargas como um negociador habilidoso que
refreava todos os tipos de antagonismos de classe, revoltas sindicais e lutas do operariado.
Dessa maneira, o Estado Novo elabora e cria a Justiça do Trabalho e a Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT), que estipulam um nível de qualificação profissional e utilizam-se
do discurso, nomenclatura e imagem do “trabalhador” como forma de estabelecer uma
possível sensação ideológica de conforto e proximidade entre trabalhadores e patrões,
associada à imagem iconográfica de “pai protetor” de Getúlio Vargas.
O patrimonialismo exerceu forte presença no projeto audacioso da ditadura Vargas; à
mercê da divulgação de inaugurações suntuosas de empresas e órgãos públicos, a população
contemplava fascinada o dinâmico desempenho de seu líder e o esforço carismático em
estabelecer a tão prometida igualdade e justiça social aos pobres: as inaugurações da
Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Vale do Rio Doce, Estrada de Ferro Central
do Brasil, Companhia Hidrelétrica Vale do Rio Doce, entre outras realizações patrimoniais
concretizadas. A visão patrimonialista estadonovista não se restringiu apenas a edificações e
criações de empresas estatais.
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O estilo de governar de Getulio imprimia uma conduta que buscava não gerar nenhum
desafeto político. Lira Neto, a propósito, descreve de forma habilidosa as salomônicas
soluções administrativas getulistas:
O clima era de orgia cívica, conforme definiria Chatô, nas páginas de o Jornal.
Entretanto, muitos devem ter ficado intrigados quando o sujeito baixinho, de cara
raspada, aparência frágil e bochechas rosadas como as de um bebê se adiantou, com
um calhamaço de páginas datilografadas na mão. Alguns talvez se perguntassem:
então aquele era Getúlio Dornelles Vargas, o colosso dos Pampas, o grande líder que
prometia redimir o país dos males do autoritarismo, da corrupção e da falcatrua
política? Aquele, o mais mirradinho do palanque? Um homem, segundo a descrição
da Folha da Manhã, “tão pequenino, tão rechonchudo”? Pela primeira vez, muitos
puderam constatar que Getúlio, apelidado de “Meia Garrafa” pela mordacidade do
Deputado Azevedo Lima, não correspondia mesmo ao estereótipo do sujeito audaz,
corpulento, de vasta bigodeira, montado na sela de um corcel empinado, o que
desmentia a figura típica eternizada em prosa e verso pela literatura regional do Rio
Grande do Sul. O gaúcho que puderam conhecer melhor naquele cinzento fim de
tarde carioca mais parecia um anãozinho de jardim, um homenzinho um tanto
quanto barrigudo, sem maiores atrativos, fisicamente incapaz de fazer frente à
altanaria do emplumado Washington Luís e seu cavanhaque inglês (LIRA NETO,
2012, p.393).
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O Palácio do Catete foi construído pelo Barão de Nova Friburgo em 1860 e passou, já nos primeiros anos da
República (1894), a abrigar a sede do poder executivo, tendo sido palco dos principais acontecimentos da
nossa história republicana até a transferência da capital federal para Brasília, em 1960, quando foi
transformado em Museu da República. Além das características materiais que privilegiam o Palácio do Catete
como um marco concreto da memória histórica do país, outros fatores contribuem para a sua constituição em
um lugar de memória indissociavelmente ligado à imagem de Getulio Vargas. Em primeiro lugar, Vargas foi o
governante que por maior período contínuo de tempo ocupou o Catete - de 1930 a 1945 - e o único que a ele
retornou, como quem volta à própria casa, para aí permanecer pelo resto da vida, de 1951 a 1954. Em segundo
lugar, Vargas não deixou o Palácio por término do mandato presidencial, mas morto, sob circunstâncias
dramáticas, que produziram intensa comoção popular e marcaram o fim de uma fase extremamente conturbada
da vida política nacional. Em terceiro lugar, longe de ensejar o término do mito de Vargas, cuidadosamente
construído durante o Estado Novo - período de 1937 a 1945, durante o qual o Congresso esteve fechado e
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Getúlio exerceu ditatorialmente o governo do país -, o suicídio veio a revigorá-lo e conferir-lhe, pelas
frequentes rememorações do episódio, um grau de permanência que o faz chegar até aos dias de hoje. Segundo
Lira Neto (2012) ao tomar posse no palácio do Catete Getúlio exprime seu desejo de conduzir o governo nos
princípios e ditames da doutrina fascista de Benito Mussolini o que o apelidou de Mussolini dos Pampas.
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textuais que, de um acontecimento a outro, articulam os temas e operam o ciclo de uma nova
repetição discursiva. Neste âmbito, entende-se que o itinerário biográfico e a produção
literária discursivo-narrativa do autor aproxima-se a um trajeto temático que pode ser
analisado ao longo de um eixo cronológico de produção de imagens textuais representativas
sobre a metáfora do aprisionamento interior em suas obras, em especial, o acontecimento
discursivo sobre o encarceramento do autor no período do Estado Novo.
Compreende-se assim, que este itinerário temático pode ser categorizado como uma
espécie de arquivo por abrigar em si um contingente de horizontes temáticos que pode
favorecer a inteligibilidade de um momento histórico. De início, constata-se nesse percurso
temático o tema da descrição discursiva em forma de relatos articulados com viés
ficcionalmente histórico parece apresentar-se em descrições configuracionais no interior do
discurso da rede de enunciados da formação discursiva do autor. Além disso, considera-se que
a tematização da prisão de maneira metaforizada percorre constantemente a elaboração
simbólica narrativa do escritor.
A produção de argumentos com traço discursivo de originalidade pode ser
compreendido pela Análise do Discurso como um procedimento de historização do discurso
de acordo com os trabalhos de trajetória temática de Wahnich (1997) que considera a
materialidade sintática como uma tradução da materialidade discursiva. O modelo de
produção textual do relatório apresenta-se como uma estratégia discursiva do autor que
possibilita a visualização do seu trajeto temático como gestor público a frente da Prefeitura de
Palmeira dos Índios, gestão, marcada por grande celeuma em alguns setores da sociedade. A
figura discursiva deste ator social nos relatórios sobre a maneira de administrar a prefeitura é
configurado por um administrador honesto, austero e culto. O prefeito-escritor determinou a
limpeza de ruas e logradouros públicos, a retirada de animais sem rumo; estabeleceu medidas
sanitárias duras, paralelamente à política de multas e impostos que desagradou uma parcela
dos poderosos da cidade.
Nesse sentido, a modalidade de produção textual do relatório confere um modelo de
leitura do arquivo revelador do espírito de intervenção de um ator social em uma época
histórica particular. Esta disposição (espírito) é demarcada na linguagem em diversos
momentos da sua produção literária e ao longo do corpus da obra Memórias do Cárcere. Os
relatórios tratam com minúcia sobre a lisura financeira das contas municipais e seu balanço
patrimonial que eram acompanhados diária e pessoalmente por Graciliano Ramos. Os atos,
eventos e a prestação de contas no Diário Oficial do município da sua gestão eram transcritos
em relatórios preciosos que se consagraram historicamente e despertaram a atenção do mundo
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literário e político até hoje registrados nos principais jornais no país da época: Jornal de
Alagoas, O semeador, Correio da Pedra, Jornal do Brasil e A esquerda.
O pesquisador Dênis Moraes (2012) remete ainda, seguindo estudo de fontes
biográficas, à pertinência e conduta ética evidenciada na escrita dos relatórios de Graciliano,
conforme os fragmentos:
Favoreci a agricultura livrando-a dos bichos criados à toa; ataquei as patifarias dos
pequeninos senhores feudais, exploradores da canalha; suprimi, nas questões rurais,
a presença de certos intermediários, que estragavam tudo; facilitei o transporte;
estimulei as relações entre o produtor e o consumidor. Estabeleci feiras em cinco
aldeias: 1:156$750 foram-se em reparos nas ruas de Palmeira de Fora. Canafístula
era um chiqueiro. Encontrei lá o ano passado mais de cem porcos misturados com
gente. Nunca vi tanto porco. Desapareceram. E a povoação está quase limpa. Tem
mercado semanal, estrada de rodagem e uma escola. (MORAES, 2012, p.70)
E ainda:
Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração
miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um
nariz enorme, uma boca enorme, uma boca enorme, dedos enormes. Se Madalena
me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio. Fecho os olhos,
agito a cabeça para repelir a visão que me exibe essas deformidades monstruosas.
(RAMOS, 1970, p. 248)
páginas) e estabelece os principais locais de encarceramento dos presos na trama: Rio Grande
do Norte, Alagoas, Colônia Correcional, Pavilhão dos Primários e Sala da Capela.
Finalmente, em julho de 1947, o editor José Olympio estabelece o pagamento adiantado de
mil cruzeiros mensais, em julho do mesmo ano, e pelo prazo de três anos consecutivos, na
expectativa da entrega de três capítulos por mês confeccionados por Graciliano Ramos.
Memórias do Cárcere consome seis anos árduos de intenso trabalho por parte do nobre
escritor. O rol de personagens e as duras lembranças na prisão transformam o trabalho de
composição do autor em uma penosa labuta de rememoração das passagens marcantes do
encarceramento político.
Segundo Moraes (2012), o romance seguiu o cronograma definido e foi dividido em
quatro volumes: o primeiro iniciado em 25 de janeiro de 1946 e finalizado em 28 de maio de
1947; o segundo volume inicia-se em 29 de maio de 1947, findando a 12 de setembro de
1948; o terceiro volume é composto entre 15 de setembro de 1948 e 6 de abril de 1950; e o
quarto e último volume da obra é iniciado em 6 de abril de 1950 e paralisado definitivamente
em 1º de setembro de 1951 sem a conclusão definitiva.
O biógrafo Ricardo Ramos (2011) ilustra com precisa propriedade a recepção do livro
no meio intelectual e o contexto sociopolítico presente no momento da publicação da obra:
por um extenso diário íntimo construído a partir da experiência do cárcere romanceada pelo
autor. A ficção histórica desempenha uma função de médium entre o ato de interpretação de si
diante do acontecimento histórico – o regime ditatorial do Estado Novo e sua própria
identidade face ao drama pessoal experienciado: o encarceramento político no Presídio da Ilha
Grande. A ficcionalidade histórica efetiva-se na operação transgressora de transformar o
evento da prisão política do escritor em um episódio literário com atores sociais do momento
histórico getulista presentes neste acontecimento histórico transformados em personagens da
narrativa do romance. Entretanto, a noção de narrativa histórica abrange um discurso que
penetra profundamente no âmago do fenômeno da consciência-experiência, horizonte este que
é delimitado por um sujeito marcado pela verossimilhança e dependente do discurso histórico.
A ficção histórico-narrativa de Memórias do Cárcere propicia o entendimento sobre
articulação entre as narrativas históricas do período getulista e da produção ficcional deste
período, ou seja, a forma de lidar com os processos de ficcionalização da história e da
historização da ficção.
A concepção de ficção histórica compreende conceitos que interligam diversos
campos de aplicação sobre as formas autobiográficas de escrita como os registros ficcionais e
a narrativa de cunho histórico. Os horizontes da história e ficção estabelecem uma simbiose
entre as narrativas e a experiência pessoal do sujeito. Hayden White (2001), ao estudar as
narrativas históricas como artefatos da construção literária, diz:
É a narrativa que confere papéis aos personagens da nossa vida, que define posições
e valores entre eles; é a narrativa que constrói, entre circunstâncias, os
acontecimentos, as ações, as relações de causa, de meio, de finalidade; que polariza
as linhas de nossos enredos entre um começo e um fim e os leva para a sua
conclusão; que transforma a relação de sucessão dos acontecimentos em
encadeamentos finalizados; que compõe uma totalidade significante, na qual cada
evento encontra o seu lugar; segundo sua contribuição na realização da história
contada. (DÉLORY-MONGERGER, 2008, p. 37)
O fato de a identidade individual, na escrita como na vida, passar pela narrativa não
significa de modo algum que ela seja uma ficção. Ao me colocar por escrito, apenas
prolongo aquele trabalho de criação de “identidade narrativa”, como diz Paul
Ricoeur, em que consiste qualquer vida. É claro que, ao tentar me ver melhor,
continuo me criando, passo a limpo os rascunhos de minha identidade, e esse
movimento vai provisoriamente, estilizá-los ou simplificá-los. Mas não brinco de me
inventar. Ao seguir as vias da narrativa, ao contrário, sou fiel a minha verdade: todos
os homens que andam na rua são homens-narrativas, é por isso que conseguem parar
em pé. Se a identidade é um imaginário, a autobiografia que corresponde a este
imaginário está do lado da verdade.
O estabelecimento dos corpos docilizados pela teoria de Michel Foucault faz parte de
amplo estudo sobre as tecnologias modernas de poder político desenvolvidas na modernidade.
Uma segunda abordagem da teoria a ser enfatizada nessa dissertação liga-se
predominantemente à noção dos recursos para o bom adestramentro sinalizados por Foucault
em Vigiar e punir. Segundo o autor, o exercício da disciplina configura-se quando os
aparelhos disciplinares desenvolvem vigilância hierárquica que se fundamenta no
“encastramento”. O encastramento pertence a uma arquitetura que não é mais construída
apenas para ver e ser vista como o Fausto dos palácios – ou ainda, a construção do espaço
exterior traçada na geometria das fortalezas imperiais. Essa nova tecnologia do biopoder
controla o mundo interior humano de maneira articulada e detalhista. Esta instituição
disciplinar seria um verdadeiro microscópio do comportamento humano, um aparelho de
observação, controle e contínua vigilância. O aparelho disciplinador consubstanciaria todas as
formas de controle coercivo e repressor, um olhar disciplinar que abarcaria as funções
meramente administrativas, as práticas da polícia e todo o rol de práticas de verificação e
domínio. Dadas as interpretações sobre o sistema moderno de encarceramento referido pelo
autor pode-se compreender que nenhum ato é destituído de manipulação e controle
ideológico-hieráquico o que faz remeter à série de encastramentos-encarceramentos ao qual
foi submetido Graciliano Ramos, primeiramente, metido num quartel e transferido ao porão
de um navio (Manaus), depois, em companhia de criminosos comuns, encaminhado ao
Pavilhão dos Primários, na Casa de Correção até a Colônia correcional na Ilha Grande e,
finalmente, ao presídio carioca da Detenção.
Foucault, portanto, estabelece uma matriz teórica de compreensão dos elementos
historicamente ideológicos que colaboram com uma maior lucidez investigativa sobre o tema
fulcral que é perseguido no presente estudo: a função ideológica exercida pela prisão no
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Estado Novo na produção do arquivo íntimo, histórico e institucional produzido pelo escritor
Graciliano Ramos, ou seja, o romance autobiográfico Memórias do Cárcere.
É sabido também que o filósofo demarcou de forma precisa em A Arqueologia do
Saber (2012) e A Ordem do Discurso (2011) as principais regras de formação discursiva
presentes na constituição e construção de discursos ideológico-históricos. Este conjunto de
reflexões acerca do funcionamento e das regras das formações discursivas em contextos
ideologicamente históricos representa influente fonte técnica de análise do corpus em estudo,
pois Focault considera que a formação discursiva pode ser encontrada em unidades
tradicionais rotuladas de teorias, ideologias e ciências, que designariam na realidade um
conjunto de enunciados pertencentes a amplo sistema de regras determinados por um processo
de construção histórica. Esta noção mostra-se fundamental na análise do presente corpus em
estudo, por se tratar de um objeto que interpenetra noções da memória discursivo-histórica, de
recortes autobiográficos e arquivismo institucional sobre o período da ditadura Vargas.
Assim, na concepção foucaultiana, o discurso é constituído por uma formatividade de
saberes articulada paralelamente a práticas não discursivas. Esta noção de discurso penetra
profundamente na ideia de uma “jogatina estratégica” associada aos binômios ação/reação,
indagação/resolução, de submissão-defesa e principalmente de enfretamento. Nestes termos, o
discurso é entendido como procedimento de saber e poder no qual a legitimação do que é dito
é conferida e avalizada por direito atribuído a uma instituição historicamente construída. É no
delinear desta teorização que Foucault aborda a temática da não homogeneidade dos discursos
quando analisa em A arqueologia do saber (2012) uma série de obras literárias. A análise
arqueológica é de toda esclarecedora para a presente pesquisa principalmente quando
pressupõe o aclaramento sobre a produção de um discurso gerador de poder e a implicação do
seu funcionamento no interior do próprio discurso, tomada por Foucault (2013, p. 30-31):
A obra não pode ser considerada como unidade imediata, nem como unidade certa,
nem como unidade homogenea. Finalmente, eis a última precaução para colocar fora
de circuito as continuidades irrefletidas pelas quais se organizam, de antemão, os
discursos que se pretende analisar: renunciar a dois temas que estão ligados um a
outro e que se opõem. Um quer que jamais seja possível assinalar, na ordem do
discurso, a irrupção de um acontecimento verdadeiro; que além de qualquer começo
aparentemente há sempre uma origem secreta – tão secreta e tão originária que dela
jamais poderemos nos reapoderar inteiramente. Desta forma, seríamos fatalmente
reconduzidos, através da ingenuidade das cronologias, a um ponto indefinidamente
recuado, jamais presente em qualquer história; ele mesmo não passaria de seu
próprio vazio; e, a partir dele, todos os começos jamais poderiam deixar de ser
recomeço ou ocultação (na verdade, em um único e mesmo gesto, isto e aquilo). A
esse tema se liga um outro, segundo o qual todo o discurso manifesto repousaria
secretamente sobre um já dito; e que este já dito não seria simplesmente uma frase já
pronunciada, um texto já escrito, mas um “jamais-dito”, um discurso sem corpo,
40
uma voz tão silenciosa quanto um sopro, uma escrita que não é senão o vazio de seu
próprio rastro. Supõe-se, assim, que tudo que o discurso formula já se encontra
articulado nesse meio silêncio que lhe é prévio, que continua a correr
obstinadamente sob ele, mas que ele recobre e faz calar. O discurso manifesto não
passaria, afinal de contas, da presença repressiva do que ele diz; e esse não dito seria
um vazio minado, do interior, tudo que se diz. O primeiro motivo condena a análise
histórica do discurso a ser busca e repetição de uma origem que escapa a toda
determinação histórica; o outro a destina a ser interpretação ou escuta de um já-dito
que seria, ao mesmo tempo, um não dito. É preciso renunciar a todos esses temas
que tem por função garantir a infinita continuidade do discurso e sua secreta
presença no jogo de uma ausência sempre reconduzida. É preciso estar pronto para
acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos, nessa
pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser
repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores traços,
escondido bem longe de todos os olhares, na poeira dos livros. Não é preciso
remeter o discurso à longínqua presença da origem; é preciso tratá-lo no jogo de sua
instância.
Além disso, o filósofo francês apresenta a noção de arquivo, elemento teórico de suma
importância para o desenvolvimento da presente dissertação. Foucault (2013) afirma que o
arquivo deve estabelecer não a representação do somatório textual e documental de
determinadas instituições e nem o traço distintivo identitário de uma nação. O arquivo é
considerado pelo epistemólogo como fonte de jogos de relações que fundamentam o sentido
da discursividade; não surge de forma despretensiosa e sim mediante um processo de
irregularidades, específico e multifacetado:
O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento
dos enunciados como acontecimentos singulares. Mas o arquivo é, também, o que
faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinitivamente em uma massa
amorfa, não se inscrevam tão pouco, em uma linearidade sem ruptura e não
desapareçam ao simples acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em
figuras distintas, se componham umas as outras segundo relações múltiplas, se
mantenham ou se esfumem segundo regularidades específicas; ele é o que faz com
que não recuem no mesmo ritmo que o tempo, mas que as que brilham muito forte
como estrelas próximas venham até nós, na verdade de muito longe, quando outras
contemporâneas já estão extremamente pálidas. (FOUCAULT, 2013, p.30-1)
É claro que a própria tentativa de eliminar as contradições da base material por meio
da manipulação estrutural é contraditória. Entretanto, embora seja ilusório esperar a
superação dos antagonismos materiais básicos da sociedade utilizando-se tais
42
medidas, ainda que a eclosão das contradições mais agudas possa ser postergada
com sucesso por algum tempo, seria absurdo minimizar a eficácia prática da
manipulação do Estado para criar um consenso em relação às crenças ideológicas.
Quanto a este aspecto, a configuração da política e da ideologia no pós-guerra é uma
solução qualitativamente mais avançada, do ponto de vista do capital, do que a
utopia administrativa de Taylor e seus derivados mais ou menos diretos. A
intervenção eficaz do Estado na administração de “disfunções” e conflitos
potencialmente devastadores é uma dimensão prática inegável da realidade social
contemporânea, suficientemente eloquente por si mesma. Dentro deste quadro, as
ideologias de consenso, política e institucionalmente sustentadas, têm um peso de
poder e um poder de persuasão muito maiores do que qualquer apelo do direito – em
nome da ciência ou de qualquer outra coisa – a que os indivíduos particulares e os
grupos sociais “revolucionem sua atitude mental” para que haja uma “cooperação
fraterna”, apelo este que, deixado por sua própria conta, está fadado a permanecer
confinado ao plano do mero pensamento veleitário. (MÉSZÁROS, 2004, p.145)
No Brasil do século XX, o Estado Novo atuou na sociedade brasileira a partir do que
Althusser denominou de “duplo funcionamento”, ou seja, a atuação ideológica e política
estadonovista se concretizou em primeiro plano no nível da repressão com uma vasta gama de
coações físicas violentas e, no segundo, através da construção de instituições representativas
dos aparelhos ideológicos do Estado getulista. Além disso, a intensa mudança das relações de
produção no país a partir da década de 1930 exigiu que a estrutura jurídico-política e
ideológica fosse completamente refeita na intenção de abrigar todas as transformações de uma
elite predominantemente latifundiária para uma nova elite urbana industrial. Este novo
paradigma estabelece alteração na formação social do modo de produção deste período
histórico. Com efeito, a implantação do modelo ideológico instaura uma alteração na
perspectiva das condições políticas e da reprodução das relações de produção no início do
século no país.
Os elementos teóricos althusserianos compõem excelente método de investigação das
relações de poder, das lutas internas de classe e da unidade entre os diferentes aparelhos
repressivos e ideológicos presentes em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. O
filósofo marxista reitera a posição sobre a função da ideologia e os aparelhos repressivos e de
Estado:
Segundo Jean Davalon (1999), a memória social deve ser encarada como um
acontecimento ou saber registrado que saiu da indiferença e que se libertou do domínio da
insignificância. Para ele, o fato da lembrança de um acontecimento não significa que o
acontecimento faça parte do jogo da memória social. O acontecimento lembrado deve
encontrar a sua vivacidade e ser, sobretudo, reconstruído a partir de dados e de noções
comuns aos diferentes membros da comunidade social.
Evidencia-se nesta dissertação também a noção de arquivo de Derrida (2001), segundo
o qual o nascimento do arquivo seria um resultado da oposição continua entre a pulsão de
destruição e conservação. O arquivo assumiria uma ampla gama de extratos de outros
arquivos que superpostos imprimiria um “envelopamento” de outros arquivos. A escolha do
manancial teórico descrito neste subitem advém da necessidade de estabelecer uma cadeia de
coerência entre o conjunto de manifestações históricas, políticas, institucionais e arquivo-
discursivas presentes em Memórias do Cárcere e a afinidade com o instrumental bibliográfico
selecionado para a análise da obra. Acredita-se que as teorias escolhidas contemplam de
maneira profunda, apropriada e categórica a complexidade de relações instituídas pelo Estado
Novo no romance de Graciliano Ramos.
46
Vargas buscou uniformizar todos os tipos de arquivos, relatos e registros que se opusessem ao
poder ditatorial estadonovista. O romance Memórias do Cárcere funciona como instrumento
memorial, documental e histórico que, de forma prudente e silenciosa, denuncia a
manipulação institucional coletiva da sociedade brasileira a partir da década de 1930 e a
necessidade da libertação deste estado de servidão coletiva. Desse modo, a memória
estruturada pelo esquecimento na história aproxima-se do discurso documental, retomando o
passado, tornando-se memória institucionalizada, como situa Orlandi (2012, p. 172):
Chamarei de arquivo não a totalidade de textos que foram conservados por uma
civilização, nem o conjunto de traços que puderam ser salvos de seu desastre, mas o
jogo das regras que, em uma cultura, determinam o aparecimento e o
desaparecimento de enunciados, sua permanência e seu aparecimento, sua existência
paradoxal de acontecimentos e coisas. Analisar os fatos de discurso no elemento
geral do arquivo é considerá-los não absolutamente como documentos (de uma
significância escondida ou de uma regra de construção), mas como monumentos.
Faltam-nos muitas coisas, e o pior é que não nos esforçamos para obtê-las.
Esperamos que nos venham de fora: do céu, da Rússia, dos Estados Unidos ou da
Itália. Milagres. Quem reduzirá o aluguel das casas e elevará o câmbio? O governo,
provavelmente. Não podemos viver sem tabus: eleições, por exemplo, o voto
secreto. O essencial é que o país tenha um homem, ou antes um super-homem, um
herói. Enquanto ele não chega, contentamo-nos imaginando alguns. Os que estão
perto diminuem e os que estão longe aumentam, o que parece um disparate, mas não
é.
3
A Colônia Correcional de Dois Rios (CCDR) localizada na Vila de Dois Rios em Ilha Grande, faz parte de um
arquipélago de 187 ilhas e ilhotas, localizada na Baia da Ilha Grande, costa oeste do Estado do Rio de Janeiro,
região também conhecida como Costa Verde (vide anexo 1: localização geográfica. E Anexo 2: planta da
penitenciária). Pertencente juridicamente ao município de Angra dos Reis como 3º Distrito municipal, com
sede na Vila do Abraão. Inaugurada em 1894, a Colônia Correcional de Dois Rios (CCDR) foi a primeira
instituição carcerária de Ilha Grande tornou-se famosa por ter abrigado em suas celas escritores (presos
políticos ilustres) como Orígenes Lessa e Graciliano Ramos.
53
Lembro-me que muitas vezes fui chamado, altas horas da noite, para socorrer presos
dentro daqueles covis. Quando regressava à minha casa, apesar de tomar banho e
mudar de roupa, eu continuava sentindo por muito tempo aquele odor nauseante
característico, em minhas narinas. Aqueles homens já se haviam habituado e nada
mais sentiam, nem mesmo sono. (SARDINHA, 1969, p. 67)
Um caso típico é o do tenente Frank. Esteve preso no “Pedro I”. Uma noite, atirou-
se ao mar, para escapar a nado. Tentativa absurda, quase infantil. É apanhado e
transferido para Ilha Grande. Dias depois, foge de novo. Mas não consegue sair da
Ilha enorme e bem patrulhada. Espalhado o alarme, saem soldados em todas as
direções. Passa uma noite e um dia no mato, sem comer, observando as patrulhas
que o procuraram. Ao anoitecer, desce, para alcançar uma canoa, na praia deserta. É
quando surge da sombra o inspetor Chagas: Boa noite, tenente. Ele ainda tenta
refugar, mas vê a inutilidade da coisa: Você é a minha asa negra, seu Chagas...
(LESSA, 1933, p.166-167)
Nas décadas de 1930 e 1940, o interior da fábrica foi ainda alvo dos olhares de
médicos e engenheiros, que se juntaram aos empresários no projeto de fazer avançar
a industrialização como maneira de atingir o crescimento econômico e a
modernização do país. Na visão que se consolidava, esse espaço deveria ser
orientado pela racionalidade e pela ciência, que seriam capazes de aumentar a
55
obediência. A disciplina hierárquica dissocia o poder do corpo o faz ser uma aptidão, uma
capacidade, que é aumentada e invertida por outro lado da energia, uma potência que poderia
resultar disso e faz dela uma relação de sujeição estrita. A coerção disciplinar produz no corpo
o elo coercitivo entre a aptidão ampliada e a dominação acentuada advindas da exploração
econômica da força e do produto do trabalho.
O corpo simbólico do intelectual Graciliano Ramos é encarcerado no biofascismo do
poder autoritário do Estado Novo instaurado no exercício de poder/conhecimento no Presídio
da Ilha Grande. Em Memórias do Cárcere, a punição atribuída ao autor produz uma imagem
litero-discursiva que expõe as regras de funcionamento de um sistema jurídico-político
bestializado, brutal e coercitivo. O tratamento carcerário conferido ao escritor no Presídio da
Ilha Grande faz parte de um processo de repartição, desumanização e modelagem punitiva do
corpo dos encarcerados pela convivência carcerária diária ilustrada em um trecho do
consagrado romance:
Entramos num salão estreito e escuro. Pendiam lâmpadas do teto de baixo, vidros
fuscos, fios incandecentes, a espalhar uma luzinha frouxa e curta; a alguns metros
dela os objetos mergulhavam na sombra. Distingui duas alas de mesas compridas;
eram duas, se não me engano, ladeadas por bancos. [...] as mesas se formavam de
tábuas soltas em cima de cavaletes. O ar estava nauseabundo e empestado, havia
certamente nas proximidades um bicho morto a decompor-se. [...] Sacudi o torpor,
abri os olhos, abri os olhos, vi um prato junto a mim (RAMOS, 1953, p.53).
E ainda:
Na perspectiva de Hannah Arendt (2010), o poder só pode ser exercido onde a palavra
e o ato não se divorciam. Segundo Arendt, as palavras não são vazias e os atos não são brutais
quando não são empregadas para velar intenções, mas para o desvelar das realidades,
possibilitando que os atos não devam ser usados para violar e destruir, mas para estabelecer
relações e criar novas realidades. Pode-se afirmar que a postura discursiva de Graciliano
Ramos em Memórias do Cárcere assume um posicionamento de irrupção com o biopoder e a
57
Brasil. Sendo assim, o código histórico fabricado pelo getulismo, a partir da década de 1930,
conduziu a população a uma regulação e controle dos grupos sociais com comportamentos
adequados a normas de conduta e padrões morais a serviço do getulismo. Ao tentar interpretar
o episódio discursivo (encarceramento), Graciliano Ramos transforma-se em foco de
resistência subjetiva silenciosa da opressão getulista. O biógrafo Lira Neto (2013), em
pesquisa sobre o período do governo provisório à ditadura do Estado Novo, descreve
precisamente o acontecimento histórico:
intelectuais fazem parte desse sistema de poder, a ideia de que eles são agentes da
“consciência” e do discurso também faz parte desse sistema. O papel do intelectual
não é mais o de se colocar “um pouco na frente ou um pouco de lado” para dizer a
muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente
onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da
“verdade”, da “consciência”, do discurso (FOCAULT, 1979, p. 70-71).
Ao longo dos seis meses seguintes, em meio a uma onda incontrolável de histeria e
clamor popular anticomunista, a polícia política faria um total de 7.056 prisões,
conforme as estatísticas oficiais apresentadas com orgulho pelo próprio Filinto
Muller. Como muitos suspeitos foram presos sem a devida formalização da queixa-
crime, os números verdadeiros por certo atingiram índices muitos maiores. Homens
com passagens pela [polícia] eram preventivamente de novo trancafiados, como se
fossem presos políticos, embora nem ao menos soubessem porque estavam sendo
detidos. “Assim agi a fim de evitar que estes elementos perniciosos fossem
aproveitados como instrumentos no momento da confusão, ou se valessem da
confusão para aumentar suas atividades criminosas invadindo lares, assaltando e
depredando”, justificou Muller. Nesse clima generalizado de caça às bruxas, as
denúncias de maus-tratos contra prisioneiros eram constantes. No Rio de Janeiro, o
caso mais brutal de que se tinha notícia era o de Ernest Ewert, colocado em uma
espécie de jaula, no socavão debaixo de uma escada, de onde não podia sair um
único instante a não ser para ser interrogado – e torturado. Ewert foi vítima
sistemática de choques elétricos na cabeça, no pênis, no ânus, além de sofrer
queimaduras com pontas de cigarro e charuto por todo o corpo. Dormia no chão,
onde era obrigado a comer em meio aos próprios excrementos. Não podia tomar
banho e jamais lhe permitiriam trocar de roupa. Sua esposa, Elise, foi arrastada pelos
cabelos até a sala de interrogatório, onde chegou a ser estuprada repetidas vezes na
frente do marido. Um era obrigado a assistir às mortificações do outro (NETO,
2013, p. 258).
A vigilância hierarquizada, contínua e funcional não é, sem duvida, uma das grandes
“invenções” técnicas do século XVIII, mas sua insidiosa extensão deve sua
importância às novas mecânicas de poder, que traz consigo. O poder disciplinar,
graças a ela, torna-se um sistema “integrado”, ligado do interior à economia e aos
fins do dispositivo onde é exercido. Organiza-se assim como poder múltiplo,
automático e anônimo; pois, se é verdade que a vigilância repousa sobre indivíduos,
seu funcionamento é de uma rede de relações de alto a baixo, mas também até um
certo ponto de baixo para cima e lateralmente; essa rede “sustenta” o conjunto, e o
perpassa de efeitos de poder que se apóiam uns sobre os outros: fiscais
perpetuamente fiscalizados. O poder na vigilância hierarquizada das disciplinas não
se detém como uma coisa, não se transfere como uma propriedade; funciona como
uma máquina. E se é verdade que sua organização piramidal lhe dá um “chefe”, é o
aparelho inteiro que produz “poder” e distribui os indivíduos nesse campo
permanente e contínuo. O que permite ao poder disciplinar ser absolutamente
indiscreto, pois está em toda a parte e sempre alerta, pois em princípio não deixa
nenhuma parte às escuras e controla continuamente os mesmos que estão
encarregados de controlar; e absolutamente “discreto”, pois funciona
permanentemente e em grande parte em silêncio. A disciplina faz “funcionar” um
poder relacional que se auto-sustenta por seus próprios mecanismos e substitui o
brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados. Graças às
técnicas de vigilância, a “física” do poder, o domínio sobre o corpo se efetuam
segundo as leis da ótica e de mecânica, segundo um jogo de espaços, de linhas, de
telas, de feixes, de graus, e sem recurso, pelo menos em princípio, ao excesso, à
força, à violência. Poder que é em aparência ainda menos “corporal” por ser mais
sabiamente “físico” (FOCAULT, 2007, p. 148).
63
Enquanto isso, escolas e bibliotecas eram inundadas com folhetos e cartilhas verde-
amarelas, em que sobressaíam as mensagens ufanistas. Biografias edulcoradas do
presidente da República, a maioria destinada ao público infantojuvenil, eram
produzidas em série. Concursos para a escolha de cartazes cívicos também se
tornaram rotineiros. Apenas nos dois primeiros anos do Estado Novo, entre 1937 e
1939, o serviço de divulgação do governo imprimiria e distribuiria 90 mil retratos,
cartões-postais e pôsteres de Getúlio, além de um total de 45 livros doutrinários,
com tiragens que variam de 10 mil a 75 mil exemplares cada. [...] A Revista Tico-
Tico, pioneira na publicação de histórias em quadrinhos no Brasil, realizou uma
promoção entre seus pequenos leitores, convidando-os a resumir, em uma única
frase, suas opiniões sobre o presidente da República. O ganhador foi o menino
carioca Joppert da Costa, que enviou a seguinte definição: “Getúlio Vargas é o
despertador do gigante”. O segundo lugar ficou com o garoto pernambucano Carlos
Alberto Carneiro Leão, autor da frase: “O nosso querido presidente é o novo Papai
Noel das crianças do Brasil”. Um dos finalistas, o mineirinho R. B. de Oliveira,
recebeu menção honrosa ao comparar o chefe de Estado a um famoso herói dos
gibis: “Para mim, Getúlio é maior que o Tarzan das florestas” (NETO, 2013, p.326-
327).
O aparato policial e a estrutura penitenciária no país foram das áreas que mais
sofreram o impacto das reestruturações e reformas gestadas pelo governo varguista com o
intuído de atender ao projeto de Estado no modelo fascista preconizado por Vargas. Com a
formulação iniciada em 10 de janeiro de 1933, o Decreto 24.531 é reinterado em 2 de julho de
1934, autorizando Getúlio Vargas a interferir de forma livre e soberana na hierarquia policial,
nomeando sem maiores justificativas o chefe da polícia. Além disso, o decreto promove
alterações na forma de instituir os inquéritos, na prestação de serviços relevantes à polícia, nas
punições aos policiais da Polícia Civil ao inspecionar os serviços de outros policiais, o porte
de arma e a concessão de passaportes.
O Decreto determina a reforma do serviço policial do Distrito Federal extinguindo a 4ª
Delegacia auxiliar criando a Delegacia Especial de Segurança Política e Nacional (DESPS). O
DESPS torna-se um aparelho de controle e repressão policial com maior autonomia
interventiva por apresentar um alto grau de liberdade administrativa ao chefe de polícia na
atuação sociopolítica do Brasil. Esse exercício funcional quase ilimitado do chefe de polícia
nomeado por Vargas é descrito por Myriam Sepúlveda dos Santos (2009) em pesquisa sobre o
serviço policial e as prisões no país no regime getulista:
A Colônia Correcional de Dois Rios (CCDR) foi criada em 1894, localizada no Estado
do Rio de Janeiro, no município de Angra dos Reis, na localidade de Ilha Grande,
inicialmente com o intuito de reabilitar pequenos infratores acusados de vadiagem: capoeiras,
negros, alforriados, imigrantes e pobres em sua maioria. Com a tomada do poder pelo Estado
Novo a partir da década de 1930, a CCDR passa a receber sentenciados por crimes comuns e
presos políticos. A Colônia Correcional encarcera um grande número de simpatizantes e
participantes do Partido Comunista Brasileiro, aumentando de forma considerável o
contingente do presídio até o final da década de 1940. O isolamento estratégico da CCDR, a
distância da cidade, a impossibilidade de comunicação, a proibição de visitações e a fama dos
castigos severos construíram uma imagem de ilha maldita ou caldeirão infernal por conta das
práticas de vigilância austeras.
A prisão como aparelho de Estado sempre esteve associada a uma instituição
legiferante de caráter agressivo e brutal. O sistema carcerário do Estado Novo integrava o
presídio de Fernando de Noronha, O Lazaredo da Ilha Grande, anos depois Complexo Penal
Candido Mendes, o presídio do Distrito Federal e as colônias agrícolas do Distrito Federal.
Essa intima ligação entre aparelho de Estado, elite dirigente e luta de classes é descrita por
Althusser (1986, p. 106):
Com efeito, o Estado e seus aparelhos, só tem sentido do ponto de vista da luta de
classes, enquanto aparelho da luta de classes mantenedor da opressão de classe e das
condições da exploração e sua reprodução. Não há luta de classes sem classes
antagônicas. UEM diz luta de classes da classe dominante diz resistência, revolta e
luta de classe da classe dominada. Por isso os AIE não são a realização da ideologia
69
Certamente se haviam habituado a olhar trastes como nós, espalhados no chão, eram
tipos importantes, não nos enxergavam, naturalmente. Carregados de embrulhos,
redes, malas e sobretudos, gente do sul e do norte, pobres-diabos, não valíamos
nada, éramos lixo. Não nos distiguiam. Acostumados ao lixo, andavam cegas,
podiam pisar-nos (RAMOS, 1953, p.36).
por atividades humanas. No entanto, as coisas que devem uma existência exclusiva aos
homens condicionam os seus produtores humanos. Em suma, o depoimento discursivo do
autor deflagra o estado de coisas em que se encontra a sociedade, o homem e a elite dirigente
da época.
O TSN, por sua vez, condenou os principais implicados no levantes de 1935. Pedro
Ernesto foi sentenciado a três anos e quatro meses de prisão. Antonio Maciel
Bonfim e Honório de Freitas Guimarães, dirigentes do PCB, pegaram quatro anos e
quatro meses, a mesma punição conferida ao argentino Rodolfo Ghioldi. Agildo
Barata recebeu condenação de dez anos. Ernest Ewert, de treze anos e quatro meses.
Luís Carlos Prestes ficou com a pena mais alta de todas: dezesseis anos e oito meses
de cadeia (LIRA NETO, 2013, p.267).
completa submissão do TSN aos interesses do governo de Getúlio Vargas aponta para o
entendimento histórico de que o tribunal serviu apenas de uma imaginativa peça teatral
burlesca, como enfatiza Silva (2013, p.1-2):
E nesse estado de guerra, para reprimir, para julgar os responsáveis pelo movimento
comunista de 1935, se criou um tribunal caricato e odioso, um tribunal de crise de
memória, chamado Tribunal de Segurança Nacional, para o julgamento dos crimes
políticos praticados antes de sua existência. Era um tribunal misto com um juiz de
direito, dois militares, do Exército e da Marinha, um advogado, um auditor de
guerra: eram cinco membros que tinha esse tribunal, na sua origem. […] Esse
Tribunal de Segurança Nacional realmente é uma marcha na história de nosso País,
porque era tudo, menos um tribunal. Era um ajuntamento destinado a aplicar sanções
a quem se opusesse aos detentores do poder de então. E de ato em ato, de supressão
da liberdade, o governo de então instalou uma ditadura que se chamou Estado Novo,
no ano de 1937. Fechou o Congresso, suprimiu as garantias individuais, manietou o
Supremo Tribunal Federal porque suprimiu o habeas corpus para os presos
políticos.
Eu nem preciso examinar o processo, pois este caso é notório. O réu não esconde
seus crimes. Atentou contra as nossas instituições, conspirou, usou bombas e
combateu as forças legais – todo mundo sabe. [...] Além disso, devemos reconhecer,
temos diante de nós um irresponsável. É um infeliz, um pobre-diabo, ruína física.
Pela cara vemos perfeitamente: um imbecil, um idiota. Sem dúvida obedeceu às
instruções dos agentes de Moscou. Assim, venerandos juízes, não venho pedir
justiça, que este individuo é um canalha – todo o mundo sabe. Espero clemência, e
baseio-me nas tradições misericordiosas da nossa cultura ocidental. Uma pena
suave, meritíssimos juízes, aí uns trinta anos [...] (RAMOS, 2008, p. 649-650).
Agora me distanciava das familiaridades indiscretas: já não seria obrigado a conter a língua
para não me perceberem nas palavras o avesso das intenções. O barulho dos tamancos nos
chegava surdo. Não era só a posição do quarto que originava relativo sossego. Também as
ideias políticas de Adolfo Barbosa influíam nisso: discrepantes, punham de quarentena o
moço pálido, feio e prognato; raro um sujeito vacinado, livre do contágio, se decidia a
entrar naquela espécie de Lazareto, na verdade próspero, cheio de superfluidades, até
cadeiras e uma escandalosa mesinha redonda. Provavelmente esse luxo vinha de gorjetas
liberalizadas para amortecer a vigilância. Os objetos miúdos e caros eram trazidos pelo avô
de Adolfo, um velho Senador pernambucano, respeitável em demasia. Na segregação e no
conforto, o meu novo conpanheiro esfalfava-se em leituras, rabiscava notas; em seguida
precisava discutir a matéria: desviava a cama e, protegido pelo guarda-vento, agachava-se
nos travesseiros, alcançava o buraco da parede e caía num largo debate [...]. À noite
jogávamos poker, surdos à voz da liberdade. Agora os sambas, o hino do Brasileiro Pobre,
as notícias resumidas por Malta abafavam-se a distancia; só havia clareza nas canções da
vizinha da sala 4. A linguagem gutural de Elisa Berger e Olga Prestes adoçava-se nas
estrofes da Bandeira Vermelha (RAMOS, 2001, p.354).
Afinal íamos ser transferidos para o sul. Que lugar nos destinavam? Rio de Janeiro, Bahia,
São Paulo? Ou qualquer cidadezinha do interior? Quando lhes desse na veneta, mandar-
nos-iam fazer meia-volta, desembarcar-nos-iam no Amazonas, obrigar-nos-iam à
convivência com jacarés. Nenhuma lógica nessas reviravoltas, nenhum senso. Arranha-céus
ou seringueiras e tartarugas. Estúpido. Nada nos chamam aqui ou acolá. [...]. Para que
servíamos? Saltar da cama pela manhà, escovar os dentes, pentear os cabelos, ouvir dois
minutos, em pé, o interrogatório do comandante, dar respostas adequadas; em seguida
papaguear meia hora com o excelente capitão Lobo, contrariá-lo (RAMOS, 2001, p.116).
Por outro lado, a formação e constituição de uma forma sujeito histórica é efetivada
por um conjunto simbólico ditado por uma ideologia atinente e interpelativa ao sujeito
esmagando-o até individualizá-lo. Deve-se considerar que o surgimento e a ascensão do
Estado Novo no Brasil possui relação direta com o declínio de uma elite oligárquica agrícola
em detrimento de uma recém nascida sociedade capitalista industrial. Este novo Estado é uma
confluência dos interesses jurídicos e políticos da nova elite dirigente brasileira. A conjuntura
no país dessas relações de forças capitalismo-industrialização-sociedade produz um sistema
regido por um Estado de base materialista que organiza seus diversos processos de
individualização dos seus sujeitos simbólicos de forma hierarquizada em seu aparato jurídico-
político-estatal.
Pode-se compreender que a forma sujeito do Estado Novo pertence ao imaginário de
um mundo capitalista nascente, produtora de uma materialidade constituída de discurso base
centrado em amplo processo de dominação. A dinâmica de atuação da forma sujeito histórica
do Estado Novo interpela a forma sujeito do locutor do romance, pretendendo individualiza-
lo, tentando estabelecer um nivelamento identitário com a formação discursiva getulista e a
forma sujeito histórica estadonovista.
A tentativa de inscrição do sujeito histórico/sujeito inconsciente na formação
discursiva getulista, com intuito de estabelecer uma identificação, estabelece um movimento
de rompimento e inaceitação da forma sujeito inscrita no romance Memórias do Cárcere. A
tentativa de cingir o sujeito histórico da narrativa discursiva o Estado Novo através do cárcere
do escritor-locutor incita o nascedouro de um posicionamento do sujeito do romance: o
sujeito de resistência.
Neste contexto de oposições e não-identificações com a forma sujeito estadonovista, o
sujeito de resistência, revela-se como denuciante das rachaduras e imperfeições ideológicas
do Estado getulista. Em consonância com a complexidade das formações ideológicas
promotoras da onipotência dos sujeitos e dos sentidos preceitua Orlandi:
Não se descobriam sinais de crimes, mas pelo jeito eles deviam existir em qualquer
parte; conservar-me-ia longe do mundo até que aparecessem. Essa reles inocência
provisória de nenhum modo me satisfazia. No pavilhão achava-me inútil, olhado
com indiferença, talvez com algum desprezo. Recusara-me a fazer uma conferência,
lançara no coletivo propostas chocas facilmente arruinadas por Desidério; e ausente
da massa, declarando-me artesão, incapaz de entusiasmos e amigo do
internacionalismo, sentia fervilharem suspeitas em redor. Já um fanático me havia
chamado trotskista. A ordem pública julgava-me inofensivo, tanto que nem me
afligia com perguntas, mas não revelava o intuito de mandar-me embora. Não a
censurei por isso. Comparando-me a outros, a Manuel Leal, ao beato José Inácio,
admiti que para mim havia até certa benignidade. Não iria lamentar-me, por ser de
índole avesso a queixas e por enxergar no caso uma relativa justiça. Inimigos em
chusma atacavam a sociedade, éramos cupim no edifício burguês e aplicavam-nos
inseticida (RAMOS, 2001, p.289).
A literatura carcerária sempre foi tema recorrente entre grandes autores da literatura
universal. A prisão como mecanismo de silenciamento de escritores, pensadores e intelectuais
em regimes políticos ditatoriais foi um dos principais instrumentos de subjugação das
concepções filosóficas, políticas e morais de diversos intelectuais.
A associação da produção literária de um dado escritor, encarceramento e a
intervenção de um poder antidemocrático convergem em estratégias e formações discursivas e
ideológicas que concretizam formas de dominação-oposição aos discursos que se
contrapuseram a afrontar posições político-ideológicas institucionalizadas. Um dos exemplos
mais notórios da literatura contemporânea encontra-se delineado no romance de Franz Kafka
– O processo:
Naquele dia a comida veio muito ruim, de aspecto mais desagradável que o
ordinário. No caixão, ao pé da grade, empilhavam-se os pratos – e o alimento se
comprimia formando uma pasta onde se misturavam carne, peixe, arroz e batatas
esmagadas. Entramos na fila, passo a passo nos avizinhamos dos faxinas ocupados
na distribuição, recebemos a boia enjoativa e a sobremesa: uma laranja murcha, uma
banana preta, meio podre. Afastei-me, pegando a louça imunda, a sentir nos dedos
grãos machucados e gordura, subi os degraus de ferro. Lá em cima iria repetir-se a
dificuldade comum nas refeições. À falta de mesa ou cadeira, forrávamos a cama
com jornais guardados para as tochas com que se queimavam os percevejos.
Evitávamos assim o contato da coisa repugnante com as cobertas. Mas a imprensa
ali era clandestina, só tinha livre curso à noite, nos resumos badalados pela Rádio
Libertadora. Minguava o papel – e depois da queima dos insetos, procedíamos como
bichos, segurando a comida, num embaraço horrível (RAMOS, 2001, p. 277).
motivação para a ação em sociedade por possuir em prática um reflexo social inerente
propício a justificação das ações. O poder simplificador e esquemático da ideologia nos
códigos sociais a torna elemento de expressão retórica, racionalizadora, operatória em bojo e
precipuamente intransigente, inerte com relação às tentativas de mudança, desconstrução e
recorte da sua estrutura basilar:
Mas como a ideologia consegue preservar seu dinamismo? Um terceiro traço se faz
necessário: toda ideologia é simplificadora e esquemática. Ela é uma grelha, um
código, para se dar uma visão de conjunto, não somente do grupo, mas da história e,
em última instância, do mundo. Esse caráter "codificado" da ideologia é inerente à
sua função justificadora. Sua capacidade de transformação só é preservada com a
condição de que as ideias que veiculam tornem- se opiniões, de que o pensamento
perca rigor para aumentar sua eficácia, como se apenas a ideologia pudesse
mediatizar não somente a memória, dos atos fundadores, mas os próprios sistemas
de pensamento. É dessa forma que tudo pode tornar-se ideológico: ética, religião,
filosofia. "Essa mutação de um sistema de pensamento ern sistema de crença", diz
Ellul, é o fenômeno ideológico. A idealização da imagem que um grupo faz de si
mesmo é apenas um corolário dessa esquematização. De fato, é através de uma
imagem idealizada que um grupo se representa sua própria existência; e é essa
imagem que, por contra reação, reforça o código interpretativo (RICOUER, 1996, p.
69).
Nesse processo, o controle disciplinar constitui a crença dada por um grupo formado
que se representa e que se faz representar por meio de uma decidida representação ideológico-
politica, determinando os limites da existência de atos que podem ser validados como
criminosos lesivos ao Estado e como deve ser a correta punição aos culpados. Nessa direção,
a função de dominação da prisão getulista exerce papel de domínio daquilo que deve ser dito
ou não no espaço interdiscursivo da formação discursiva estadonovista. Trata-se, portanto, de
produzir um apagamento a partir da dominação dos discursos contrários ao regime getulista
tornando os seus opositores em deliquentes do discurso.
A função deformadora da ideologia encontra representação no cárcere getulista
quando se autodetermina a reeducar os indivíduos e reexaminar as suas condutas. Pode se
dizer que a função-sujeito exercida pelo autor utiliza o silenciamento transformando-o em
linguagem literária metafórica para esculpir uma realidade histórica dissimulada por uma
comunidade político ditatorial.
88
Entende-se, dessa maneira, que a função deformadora da prisão não atinge o sujeito-
autor, pois ao assumir um posicionamento desidentificado com a formação discursiva do
getulismo, o autor não é afetado pelos processos de deformarção e distorção ideológica
comumente produzidas aos encarcerados de Ilha Grande. Percebe-se, desse modo, uma
interpretação transdiscursiva das imagens simbólicas reunidas no romance Memórias do
Cárcere projetadas pela função autor do sujeito Graciliano Ramos. A transdiscursividade
apresentada pela função autor examina detidamente as implicaturas dos diversos discursos
que atravessam e constituem a formação discursiva estadonovista.
Em síntese, o trabalho discursivo da função autor em observar e denunciar a
funcionalidade do cárcere getulista reside em reconstruir os referenciais das imagens possíveis
pertencentes ao interdiscurso estadonovista dentro de uma formação discursiva avessa a
formação discursiva getulista. Nesse âmbito, o trabalho de discursivo do autor pauta-se na
busca pela compreensão das regras formadoras do domínio de um poder de estado embasado
na dissimulação do uso do poder de forma brutal como forma de legitimadora que evitasse
grandes perigos aos interesses econômico-políticos da nação.
Todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si. Para tanto,
não é necessário que o locutor faça seu auto-retrato, detalhe suas qualidades nem
mesmo que fale explicitamente de si. Seu estilo, suas competências lingüísticas e
enciclopédicas, suas crenças implícitas são suficientes para construir uma
representação de sua pessoa.
se corrige para explicitar a si próprio o que disse, para aprofundar “o que pensa” e
formulá-lo mais adequadamente, pode-se dizer que esta zona n º 2, que e a dos
processos de enunciação, se caracteriza por um funcionamento do tipo pré-
consciente/consciente. Por oposição, o esquecimento n º 1, cuja a zona é inacessível
ao sujeito, precisamente por esta razão aparece como constitutivo da subjetividade
da língua na língua (PÊCHEUX, 2010, p. 176-177).
Uma noite ouviram gritos desesperados. Que eram? Donde viam? Não tínhamos o
menor indício. [...] À força de repetições, chegávamos a admiti-las, pelo menos
como possíveis à natureza humana, contingente e vária, capaz de tudo, até que
viessem negá-las, enviar-nos à sociedade razoável, acomodada, sóbria, ignorante
daqueles horríveis desvios. Cá fora passamos involuntariamente a raspadeira neles.
Houve um momento em que nos vieram narrá-los, comentá-los, ou são produtos de
fantasia desvairada, vestígios de sonho? Vacilamos em transmiti-los: não nos darão
crédito, e isto nos deixará perplexos (RAMOS, 2001, p. 308).
5 CONCLUSÃO
Nesse trabalho, buscou-se apreciar como objeto analítico a narrativa discursiva sobre o
evento político e ideológico da prisão no Estado Novo a partir do romance Memórias do
Cárcere, em virtude disso elencou-se os princípios teóricos e metodológicos da Análise do
Discurso, Ciências Humanas e da linguística. No primeiro momento de análise, procurou-se
compreender as concepções de Estado-nação desenvolvidas na Europa que favorecem a
elaboração do regime ditatorial denominado de Estado Novo no Brasil e em seguida as
condições de produção que legitimaram a ditadura estadonovista no país.
Por tratar-se de um corpus pertencente ao discurso literário, analisou-se em princípio
dados e referências histórico bibliográficas do autor da obra estudada: o escritor Graciliano
Ramos. Dessa forma, utilizou-se o aparato teórico sobre as concepções de Estado Nação e
regimes totalitários de Hanah Arent, o trabalho de análise histórica sobre A Era Vargas de
Lira Neto, as fontes e estudo biográfico de Dênis de Moraes e Ricardo Ramos sobre o autor
Graciliano Ramos. No aspecto procedimental teórico metodológico elegeu-se para analisar os
elementos constitutivos do cárcere getulista a teoria a teoria genealógica foucaultiana sobre a
prisão inscrita na obra Vigiar e punir.
Faz-se necessário pontuar que as questões teóricas e metodológicas utilizadas na
presente pesquisa sobre o objeto de análise escolhido consideram a construção da narrativa
discursiva como uma representação de imagens no discurso de uma posição marcadamente
ideológica de um sujeito histórico traduzido pela função autor assumida na locução discursiva
do escritor. Considera-se a narrativa sobre a prisão no Estado Novo como um construto
institucionalizado particular de uma realidade social específica reproduzida por uma formação
ideológica discursiva de dominação.
Este horizonte define-se pelo modelo de linguagem e discurso cravado no corpus
analisado. A apropriação de um modo de existência reflete-se diretamente na forma dialogal
do sujeito com a sociedade e a sua inserção na realidade de mundo vivida. Em face disso,
compreende-se a prisão getulista como um fenômeno complexo e heterogêneo atravessado
por ideologias de dominação, imagens simbólicas violentas e funções disciplinares coativas.
Nessa perpectiva, entende-se que o objeto de estudo analisado possui uma confluência
de diversos componentes teóricos discursivos do campo da Análise do Discurso que são
presentes no romance, sendo manejados de forma constante pelo locutor do discurso (autor) e
o interlocutor (Estado Novo).
97
processo discursivo de formulação do que é dito pelo locutor da narrativa durante o seu
percurso temático na obra.
O presente estudo procurou identificar, nos trechos da narrativa, recortes de instâncias
discursivas, nos quais a construção de paráfrases pelo locutor acentua ou anula posições de
aceitação ou oposição ao regime opressor vigente. Não se trata aqui de desprezar a existência
do esquecimento nº 1, embora esse modelo de realidade discursiva ilusória esteja presente no
discurso da narrativa. Todavia, o esquecimento nº 2 constitui-se como modelo mais próximo
de representação da realidade construída pelo sujeito histórico verificado na presente pesquisa
sobre a prisão estadonovista na narrativa do locutor.
Entende-se que a função autor é produto da ruptura do sujeito histórico com a
formação discursiva da forma sujeito getulista. O acionamento da função autor no discurso
narrativo ocorre devido à presença de uma falha ideológica da instituição jurídico-política do
Estado-Novo. A base de construção do posicionamento do sujeito discursivo Graciliano
Ramos em sua função autor é constituída por uma atitude de enfrentamento ao saber-poder do
Estado Novo.
A não aderência do sujeito histórico presente na narrativa do romance é consequência
direta de uma contraidentificação da voz discursiva narrativa do locutor com a forma sujeito
representada pela prisão getulista inscrita no interdiscurso da ideologia Vargas. O bom
intelectual ético e o intelectual mau subversivo reproduzem apenas uma disposição de
distanciamento ou encaixe com a forma sujeito da ideologia do Estado Novo. Tal perspectiva
vincula de vez a narrativa discursiva como um objeto de linguagem contradiscursivo
autônomo dentro de um sistema ideológico ditatorial onde o sujeito histórico opera uma
autonomia simbólica particularizada por sua habilidade em manejar o tear literário simbólico-
discursivo.
O exame desse sujeito histórico no discurso protagoniza na narrativa uma
representação que o locutor tem de si mesmo na interação do discurso. Nessa mesma linha, a
autoimagem criada favorece a composição do locutor da narrativa na composição de um
autorretrato de um sujeito histórico combativo e resistente aos ditames ideológicos do
getulismo. Constata-se que em todas as formulações e estratégias discursivas pertencentes ao
discurso narrativo do locutor o da interação discursiva locutor (sujeito histórico) e interlocutor
(Estado Novo) é a que mais produz efeito de sentido polissêmico na narrativa sobre a prisão
getulista.
Diante desta constatação, destaca-se a ideia da presença de uma multimodalidade na
maneira de narrar e produzir um discurso contraideológico na narrativa discursivo-histórica de
100
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