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As filosofias políticas dos séculos XIX e XX tiveram como base de suas concepções
sobre o homem e a sociedade o fundamento materialista. O materialismo se caracteriza pelo
fato de compreender a realidade apenas pela sua causa material. Os materialistas defendem
que a realidade histórica, temporal e existencial somente ela é verdadeira, real e possível de
conhecer, também apenas ela pode ser transformada (cf. MARITAIN, 1945). Dessa forma,
“reconhecendo somente o que pertence ao mundo da matéria, sendo surdas para as realidades
do espírito, só discernem no homem a sombra da personalidade verdadeira, a individualidade
material” (MARITAIN, 1962, p. 96). Consequentemente, o materialismo considera apenas a
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Jacques Maritain (1882-1973) filósofo francês. Estudou a fundo a filosofia de Tomás de Aquino. Ele e sua
esposa converteram-se ao catolicismo. Foi Professor nas Universidades de Toronto (Canadá), Columbia,
Princeton e Chicago e embaixador da França junto ao Vaticano. Fez conferências no Brasil a convite de seu
grande amigo e seguidor Alceu de Amoroso Lima – o Tristão de Ataíde. Foi importante inspirador e um dos
redatores da “Declaração Universal de Direitos Humanos” (1948), da ONU. Suas mais de 60 obras abrangem um
vasto leque temático: filosofia do conhecimento, política, metafísica, moral, educação, direitos humanos,
fundamentos da democracia, arte e reflexões de ordem espiritual. (BIOGRAFIA. Disponível em:
<http://maritain.org.br/biografia/>. Acesso em: 05 jun. 2018.)
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Poder, conforme nos explica Jacques Maritain, “é a força por meio da qual podemos obrigar os outros a nos
obedecerem” (MARITAIN, 1966, p. 125).
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matéria, o princípio que constitui a realidade visível - os corpos - como real e causa da
realidade. Com isso, nega a realidade transcendente3 e considera o homem como o indivíduo
apenas material, na sua imanência4. Essa corrente de pensamento influenciou os seguintes
regimes políticos: o liberalismo5, o comunismo6 e o totalitarismo7. Todos estes influenciaram
a Europa por meio de suas concepções políticas no século XX.
Ao analisar tais concepções políticas o autor percebe suas falhas e males e, por isso,
põe-se a criticá-los, especialmente por seu caráter materialista que influenciará outros
aspectos desses regimes. Inicia sua análise pelo liberalismo.
O liberalismo considera o homem em sua individualidade material, apesar de muitas
vezes se aparentar como regime que aceita o transcendente, é indiferente ao mesmo, agindo
como se a realidade espiritual não existisse. O Estado não é uma comunidade onde o
indivíduo atua, porque transfere totalmente sua liberdade e vontade para obedecer ao Estado.
Ao começarem a viver em comum, cada um dos indivíduos cede um pouco da sua liberdade e
vontade em benefício da sociedade, transferindo a liberdade e vontade para o Estado para que
cuide e garanta a vida, a paz, a ordem na sociedade e o desenvolvimento de seus integrantes.
Este acordo ocorre com o pacto social assumido por todos. Com isso, o indivíduo não assume
a responsabilidade diante da sociedade, pois sendo o Estado responsável pelo bem comum e a
força motriz da sociedade, fica a seu encargo tomar as decisões referentes ao bem da
sociedade. [De qual Estado estava se falando?] Também o Estado liberal dá grande
importância para as liberdades individuais e seu desenvolvimento e garante tudo, logo o
indivíduo procura se importar com o bem estar na sua individualidade (cf. MARITAIN,
1962). Dessa forma, muitos componentes da sociedade se rebelam contra o todo social já que
cada parte da sociedade está fechada no seu individualismo importando-se apenas com seus
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Transcendência é o “estado ou condição do princípio divino, do ser além de tudo, de toda experiência humana
(enquanto experiência de coisas) ou do próprio ser” (ABBAGNANO, 2014, p. 970), a realidade espiritual.
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Imanência é a “negação de qualquer realidade fora do Eu (sujeito)” (ABBAGNANO, 2014, p. 540) e da
realidade material.
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Segundo Bobbio (2000), o liberalismo é a defesa do Estado limitado contra o Estado absolutista. A exigência
permanente expressa pelo liberalismo clássico é a luta contra os abusos de poder e a defesa dos direitos de
Liberdade. Garantia dos direitos e controle dos poderes são característicos do Estado Liberal. A liberdade
defendida pelo liberalismo é a liberdade como não-impedimento: liberal é aquele que persegue o fim de ampliar
cada vez mais a esfera das ações não-impedidas. O Princípio fundamental do liberalismo é a concepção
historicista da verdade, o comportamento crítico contra o comportamento dogmático.
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Segundo Bobbio (2000), o comunismo é a transformação radical de uma sociedade considerada opressiva e
injusta em um sociedade totalmente diferente, livre e justa. (...) Leva em consideração o homem como genus e
não como indivíduo. O ideal comunista de emancipação humana é um ideal universalista, antitético ao ideal
nacionalista do fascismo e ao ideal racista do nazismo.
O termo comunismo será de acordo com o pensamento de Maritain, que se refere a Marx e a União Soviética.
Mas o comunismo é o termo final de teoria de Marx, após a sociedade capitalista passar para a sociedade
socialista, no controle dos meios de produção e da ditadura do proletariado, para alcançar a uma sociedade
igualitária e sem classes, que é a sociedade comunista (cf. ABBAGNANO, 2014).
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Para a definição de totalitarismo, usaremos a definição de Hannah Arendt, “o Totalitarismo é uma forma de
domínio radicalmente nova porque não se limita a destruir as capacidades políticas do homem, isolando o em
relação à vida pública, como faziam as velhas tiranias e os velhos despotismos, mas tende a destruir os próprios
grupos e instituições que formam o tecido das relações privadas do homem, tornando-o estranho assim ao mundo
e privando-o até de seu próprio eu. Neste sentido, o fim do Totalitarismo é a transformação da natureza humana,
a conversão dos homens em ‘feixes de recíproca reação’, e tal fim é perseguido mediante uma combinação,
especificamente totalitária, de ideologia e de terror. A ideologia totalitária pretende explicar com certeza
absoluta e de maneira total o curso da história.”(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 1248)
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interesses e não com o bem comum de todos, encontrando como solução ao individualismo o
seu contrário.
O comunismo, apesar de parcialmente acusar a desumanização da pessoa no
liberalismo, considera a mesma pessoa apenas na sua imanência, negando toda realidade de
transcendência no homem. Mostra-se contrário ao individualismo e favorável ao coletivismo,
pois se o homem é um ser histórico que age e transforma a história, diante disso ele busca se
encaminhar rumo à transformação da sociedade. Para isso necessita da união dos homens para
esse objetivo. Demonstrando assim sua consideração pelo coletivismo e o desprezo pelo
individualismo. Outro ponto crucial na crítica ao comunismo é que “o Estado político será
abolido, em compensação a sociedade como comunidade econômica8 [...] subordinará a si
toda a vida das pessoas” (MARITAIN, 1962, p. 98). Nesse sentido, observa-se que, no
comunismo, a sociedade está relacionada à comunidade econômica nos seus mais diversos
aspectos da vida social que visa o bem comum de toda comunidade. O bem comum almejado
é substancialmente humano (cf. MARITAIN, 1962). A administração cuida das coisas
produzidas, esta é a obra principal da sociedade. Mas como Marx afirmou, o homem é seu
trabalho9. Logo, quem cuida do trabalho controla toda atividade do homem, seja de ordem
material ou moral, visando o bem econômico do todo da sociedade e não o desenvolvimento
das pessoas individualmente. Ou seja, esta uniformização deixa de lado o princípio da
diferença que também é constituinte da identidade.
O totalitarismo se caracteriza por ser uma resposta contrária ao liberalismo, indo
contra o individualismo, e ao comunismo, já que não tem em vista a prevalência de uma
sociedade igualitária, mas o domínio de um/alguns sobre todos. Age em nome da dignidade e
soberania do Estado ou do povo ou da raça, e julga o homem como um ser apenas social, um
todo social “composto duma multidão de individualidades materiais, não verdadeiras pessoas”
(MARITAIN, 1962, p. 99). Pois o homem vive, existe e é formado pelo Estado, sendo o
homem aquilo que o governante considera verdadeiro, já que o governante é a única pessoa
capaz de participar e conduzir a vida política (cf. MARITAIN, 1962). O governante conduz
materiais individuais, um rebanho sem consciência de si e desorientado e que precisa de
alguém para lhe dizer o caminho e manifestar o que ele é. Com isso, controlando todo
desenvolvimento do homem, seduzindo-o com grandeza, poder e prestígio, com a exaltação
de si. Com isso, incita as paixões do homem, e leva-o para a guerra e a destruição de si e do
país, como se constata com a Segunda Guerra Mundial (cf. MARITAIN, 1962).
Outra falha das concepções materialistas, conforme a indicação de Maritain, está na
racionalização da vida política. Podemos pensar a política de forma técnica ou moral.
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A comunidade econômica, conforme nos explica Jacques Maritain, é a responsável pela administração dos bens
produzidos pelas pessoas. Pois no comunismo não existe o Estado como no capitalismo, já que é uma realidade
burguesa, existe é a administração, coordenação dos bens produzidos, já que tudo é voltado para o bem da
comunidade comunista.
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Conforme nos explica Jacques Maritain, “a profunda intuição que teve Marx das condições de heteronomia ou
de alienação a que chegou no mundo capitalista a força-trabalho, e da desumanização de que são nele
simultaneamente feridos possuidor e proletário, esta intuição acreditamos, é o grande lampejo de verdade que
atravessa toda sua obra (Marx), ele contudo a conceituou imediatamente em uma metafísica monista
antropocêntrica, na qual trabalho hipostasiado se torna a essência mesma do homem, e na qual, recuperando sua
essência pela transformação da sociedade, o homem é convidado a revestir os atributos que a ‘ilusão' religiosa
conferia a Deus” (MARITAIN, 1945, p. 46).
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pessoa humana, que é o fundamento da sociedade e da ordem política. Por esse fato,
iniciaremos tratando sobre a pessoa humana.
A pessoa humana10 é um animal de alma intelectiva, composto de matéria e forma,
corpo e alma, individualidade e personalidade. Possui a capacidade de inteligir e escolher,
além de domínio sobre si mesmo (cf. AQUINO, 2018) e capacidade de transcendência - nisto
consiste a marca de Deus, a imagem de Deus na pessoa, demonstrando sua dignidade. Para
entendermos a pessoa humana, segundo Maritain, dois conceitos são fundamentais:
individualidade e personalidade. Estes são frutos dos conceitos corpo e alma, matéria e
forma11.
A individualidade tem origem na realidade material. A matéria, segundo Maritain, é o
princípio que individua os homens, dando a existência de maneira física. Diante disso, tende a
multiplicidade indefinida e por isso somos diferentes fisicamente uns dos outros. O homem
enquanto material “é um animal e um indivíduo” (MARITAIN, 1947, p. 11). O homem sendo
um indivíduo, para Maritain, é conduzido pela inteligência e pelo domínio de si, que não
pertencem à realidade material, demonstrando que sua existência está além da realidade física,
possuindo uma existência muito mais elevada: a realidade espiritual (cf. MARITAIN, 1947).
A personalidade advém da realidade espiritual, que é a alma12. A alma “constitui com
a matéria que informa uma única substância, simultaneamente carnal e espiritual”
(MARITAIN, 1962, p. 37-38), constituindo um todo e existindo de maneira independente por
causa da existência de sua alma que ultrapassa o tempo e a morte (cf. MARITAIN, 1947).
Também torna-nos capazes de amar e conhecer, assim nossa vida espiritual e nossas
capacidades [?], isto nos torna semelhantes a Deus. Por sua existência transcender a
materialidade, devido à sua alma, a pessoa possui dignidade, pois nada no universo pode ter
mais valor do que a pessoa, visto que está em íntima relação com o Deus no qual encontra a
felicidade, seu fim último (cf. MARITAIN, 1947).
A pessoa é um todo, porém não é fechado e sim aberto (cf. MARITAIN, 1947). Por
isso, para nosso filósofo, naturalmente ela busca se relacionar com o outro e ter uma vida
social, com todo seu ser. A sociedade permitirá a pessoa viver, desenvolver-se, atender suas
necessidades existências e morais, e se realizar para alcançar a felicidade, o fim último da
pessoa. Ou seja, a pessoa se torna pessoa na relação com o outro, tanto com o Outro quanto o
outro em sociedade. Como Aristóteles13 demonstrou, o homem é um animal sociável e é um
animal político, pois participa das atividades da comunidade e serve na vida comum da
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Maritain na sua elucidação sobre a pessoa humana, toma como fundamento da constituição da pessoa humana
a filosofia de Tomás de Aquino. Por isso, neste trabalho seguiremos o pensamento autor, inclusive na articulação
conceitual com Tomás de Aquino.
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Maritain toma os conceitos de matéria e forma, como base para explicar os conceitos de individualidade e
personalidade para explicar a pessoa humana. Seguindo a tradição metafísica tomista que tinha como
fundamento para explicar a natureza dos corpos, a teoria do hilemorfismo. O hilemorfismo é a teoria segundo a
qual a realidade resulta da união de dois princípios distintos e complementares, matéria e forma, que são origem
das propriedades quantitativas (é um acidente caracterizado pela divisibilidade interna) e qualitativas (é o
acidente que afeta a substância dando determinações sensíveis).
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“A alma intelectiva, portanto, é a forma absoluta” (AQUINO, 2018).
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Maritain na sua elucidação sobre a sociedade, toma como fundamento ao tratar sobre a sociedade a filosofia
de Tomás de Aquino e de Aristóteles. Por isso, neste trabalho seguiremos o pensamento autor, inclusive na
articulação conceitual com Tomás de Aquino e Aristóteles.
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sociedade, especialmente na política. Por isso, o homem deve viver em sociedade (cf.
MARITAIN, 1947).
A pessoa participando da sociedade [?], segundo Maritain, “um todo de todos”
(MARITAIN, 1947, p. 16) por que a sociedade é um todo, composta de uma multidão de
pessoas humanas, que possuem liberdade e domínio de si, por isso formando uma sociedade
de pessoas. Cada pessoa, que é um todo em si, constitui o todo da sociedade, sem deixar de
ser pessoa individual (cf. MARITAIN, 1962). Essa sociedade tem como fim o bem comum
das pessoas humanas.
O fim da sociedade é bem comum da comunidade. Consiste na busca do bem em si e
por si que atenda às necessidades físicas e espirituais da natureza humana. Não como uma
reunião de bens comuns individuais ou o bem de um todo que abandona as partes, mas o bem
comum sem deixar de lado a individualidade de cada pessoa e o bem comum de toda
sociedade, das partes e do todo (cf. MARITAIN, 1962). Esse bem abrange todas as coisas
mais profundas dos seres humanos, envolvendo a reunião de bens de serviços públicos, de
interesse da nação, da consciência e sabedoria cívica e moral do povo. Não compreendendo
esse bem como vantagens, mas como bem em si de uma retidão que seja moral e eticamente
boa (cf. MARITAIN, 1962).