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23.11.

05 - EL SALVADOR

Carta a Ignacio Ellacuría

Jon Sobrino *

Adital - Extra pauperes nulla salus


Fora dos pobres não há salvação

Querido Ellacu:

De salvação e pecado antes falávamos muito na teologia, e víamos a realidade a partir de


ambas coisas. Agora, no entanto, já não se fala, pois parece que na sociedade civil não há
lugar para tais conceitos. Porém, a realidade clama por uma salvação que a limpe do
pecado.

Em nossos dias, o pecado abunda de maneira espetacular: a depredação do terceiro mundo,


a privação da dignidade de seus povos; a violência que gera a morte, apesar de que agora
ela acontece a partir de porta-aviões que estão longe, e com leis comerciais que condenam à
fome -e como resposta desesperada, seres humanos que se imolam e matam a outros; e a
mentira, o encobrimento e o silêncio: os meios não nos dizem a verdade sobre o que é
este planeta e o que somos nós. Não faltam pecados, porém há um grande déficit de exame
de consciência e da antiga "confissão de boca": que não será feita pelos governos, pelo
mundo político, pelos banqueiros, pelos exércitos...

Tampouco se fala muito de salvação. Na sociedade do bem-estar, não está na moda falar de
salvação da alma, e nem do corpo. É porque não faz falta: o bem viver é o interesse central
dessas sociedades, e se congratulam por haver alcançado um alto grau de boa vida e de
estar bem encaminhadas a viver cada vez melhor.

Evidentemente, Ellacu, entre nós, as coisas não são assim. Não estamos em uma sociedade
de bem-estar, mas em uma sociedade de mal viver das maiorias. E quando nos oferecem o
bem viver, não se preocupam se isso traz mais justiça, mais verdade, mais humanidade, se
vai trazer uma liberdade menos egocêntrica, uma luz mais luminosa, e uma maior bondade
-perdoem-nos a palavra- para ser mais humanos. Pois bem, nesse contexto te escrevo esta
carta: extra pauperes nulla salus, fora dos pobres não há salvação. Bem sabes que o nulla
salus surgiu no âmbito da discussão teológica, porém agora o utilizamos para iluminar a
realidade.

Durante séculos, se dizia extra ecclesiam nulla salus, fora da Igreja não há salvação, e com
isso se expressava a alegria de haver encontrado a salvação em Jesus Cristo, que se faz
presente entre nós através da Igreja. Porém, refletia também um excesso de triunfalismo
eclesial. Hoje, já não se dizem essas coisas, e depois do Concílio Vaticano II avançamos
positivamente. Segundo seus passos, Edward Schillebeeckx escreveu belamente: extra
mundum nulla salus, fora do mundo não há salvação, com o qual queria dizer que o
mundo e a história, a criação de Deus, é o lugar no qual Deus leva a cabo sua obra salvífica
em e através das mediações humanas. A idéia é, ao mesmo tempo, religiosa e histórica; fala
da ação salvadora de Deus e diz aonde e como aparece essa salvação que nos torna seres
humanos, filhas e filhos de Deus.

Porém, demos um passo mais. Como em muitas outras coisas, Medellín e a teologia da
libertação, tão viva em suas instituições como enterrada, muitas vezes com endenciosidades
por aqueles nunca quiseram entendê-la ou porque, entendendo-a, viram-se sacudidos por
ela, concretizou o fundamental de nossa fé a partir dos pobres. Falou do privilégio
hermenêutico dos pobres para a teologia: os pobres ajudam a interpretar textos e tradições
da fé. E um bispo, com toda paz, a partir dos pobres, reformulou o grande Irineu: "Glória
Dei vivens pauper", "A Glória de Deus é que o pobre vive", sem retórica, mas
aprofundando o Mistério de Deus. O bispo foi Monsenhor Romero.

Também no tema da salvação demos um passo a mais e dizemos: extra pauperes nulla
salus, fora dos pobres não há salvação. Creio que li isso por primeira vez nos escritos de
González Faus, e depois em nosso amigo comum Javier Vitória, falando precisamente sobre
o legado da teologia da libertação.

Que eu recorde, Ellacu, tu não usaste essa fórmula, porém tiveste a mesma intuição e a
desenvolveste com originalidade. E não somente relacionaste os pobres com o "lugar" de
salvação (um ubi categorial, como diria Aristóteles), mas com o "conteúdo" da salvação
(um quid substancial). Com profundidade e audácia, e com uma originalidade difícil de
encontrar em outras teologias, recordaste uma verdade cristã central: do servo sofredor
de Javé, de Cristo crucificado provém a salvação. E também a redenção, isto é, a
erradicação do mal no mundo.

O mais original foi historicizar essas grandes verdades, que são repetidas ortodoxa e
liturgicamente, porém que raras vezes são colocadas em relação à história. Disseste que dos
pobres vem a luz para conhecer a verdade e superar a mentira, o que explicaste em duas
conhecidas metáforas: o terceiro mundo como espelho invertido no qual o primeiro mundo
pode ver sua verdade, e como as fezes que aparecem na coproanálise do primeiro mundo.

Disseste também, de maneira desafiante, que dos pobres e das vítimas nasce a esperança,
não o medo que abunda no primeiro mundo, e a força para a conversão, a difícil mudança
do coração de pedra em coração de carne, tão necessária ao ver com quanta dificuldade o
mundo de abundância renuncia a seu luxo insultante e continua encenando, sem
envergonhar-se, a parábola do rico e do pobre Lázaro. E assim, outros bens fundamentais
que estão mais presentes no mundo da pobreza do que no da riqueza: alegria, criatividade,
luta, paciência, arte, cultura, esperança e não somente como elementos isolados, mas como
"uma civilização da solidariedade" que é o "reverso do mundo dos ricos", a que se refere
José Comblin.

Também dos pobres provêm outros bens; formas de vida social e comunitária; formas de
economia popular, e, em muitas culturas, um comportamento ecológico que cuida e sara a
natureza muito melhor do que o ocidente. Porém, em conjunto, penso que os bens dos
pobres apontam sobretudo para a humanização da humanidade, o qual é tudo, menos
tautologia. Essa é sua colaboração à salvação.
Nos últimos dez anos, propuseste essas idéias em forma de tese, por certo sem encontrar
muito eco: a civilização da pobreza é a que pode superar e redimir a civilização da riqueza.
Vias no mundo dos pobres o espírito para humanizar, ou, pelo menos, um potencial e uma
reserva de espírito maior do que na civilização da riqueza. Hoje, vendo a apoteose
propagandística da globalização, te agradeço novamente.

A ideía de que a salvação vem de baixo e de que fora dos pobres não a encontraremos para
poder viver como seres humanos continua dando voltas em minha cabeça. Nesses últimos
dias, ao celebrar os 40 anos da Universidad Centroamericana (UCA), repassei textos
escritos por ti sobre "a inspiração cristã de uma universidade" e me encantou ver que já em
teus primeiros anos pensavas na salvação que vem de baixo. Em 1979, em um texto sobre
As funções fundamentais da Universidade e sua operativização, dizias que "o testemunho
mais explícito da inspiração cristã da UCA é se está a serviço do povo e se nesse serviço se
deixa orientar pelo povo oprimido".

O primeiro, que a universidade deve colocar-se a serviço dos pobres e desenvolver modelos
econômicos, sociais e culturais para que as maiorias possam viver com dignidade, não era
uma novidade. Era fazer a opção pelos pobres, tão ortodoxa naqueles tempos. O Ocidente
não a fez e nem se vislumbra quando o fará.

Porém, sendo tudo isso verdade, me impacta mais a segunda parte de tua frase: "temos que
deixar-nos orientar pelo povo oprimido". Supõe que esse povo pode indicar o caminho que
uma universidade e que a sociedade devem percorrer. O mesmo havias dito -de forma mais
contundente- em 1975, quando a UCA completou 10 anos de fundação: "O cristianismo vê
nos mais necessitados, de uma ou de outra forma, os redentores da história". São grandes
palavras. Os de baixo, os pobres, os oprimidos e as vítimas trazem redenção e salvação.
Fora deles dificilmente se encontrarão raízes para uma salvação compreendida de forma
cristã como vida e fraternidade de filhas e filhos de Deus.

O que acabamos de dizer é claramente contracultural no occidente globalizado. Para que


este possa entender de que estamos falando tem que despertar de um sonho dogmático:
"dos pobres não pode vir salvação", para o qual, como nos avisava Kant, não devemos ser
eternamente "menores de idade", mas devemos ter "a audácia de pensar de outra maneira".
E, se do filósofo Kant passamos ao teólogo Paulo, temos que superar a hybris -arrogância,
de que "o real somos nós"-, o que está acima na história, na sociedade da abundância.

E para que não nos acusem de ingenuidade, façamos três breves reflexões. A primeira é
que no abaixo da história, no mundo de pobres e vítimas, também está atuando o mysterium
iniquitatis. Os horrores dos Grandes Lagos, os dez homicídios diários que acontecem em El
Salvador, o machismo opressor... estão aí. Só que, pensamos, os males desse mundo, pelas
carências incríveis, pelo desespero que pode se apoderar dos pobres, pelo bombardeio a que
estão submetidos para que abandonem seus valores e assumam os valores muito mais
questionáveis do Norte e seus antivalores, nos parecem "menos maus" do que os males da
sociedade de abundancia. E, como escrevemos, nele está presente, muitas vezes de maneira
exímia, o mysterium salutis. Esse mundo é o lugar da "santidade primordial", que, com
dificuldade, aparece no mundo de abundância.
Por outro lado, também do mundo de cima pode vir salvação; porém, tem que passar por
sanação e redenção, para o qual tem que se abaixar, mesmo que analogamente, ao abaixo da
história, sem esquecer qual é o analogatum princeps desse abaixo e não cair na
manipulação que costuma ser feita dos "pobres de espírito" do texto de Mateus, como se
todos pudessem ser pobres, sem deixar de ser ricos. Não se pode estar abaixo sem algum
tipo de abaixamento real e sem partilhar realmente a pobreza. Porém, isso pode
ocorrer analogamente. Pode haver inserção fática e acompanhada no mundo dos
pobres, trabalho inequívoco em seu favor, aceitação de riscos por defendê-los, sofrer seu
destino de perseguição e morte, participar em seus gozos e esperanças. Essas são coisas
reais, não intencionais. Dessa forma o mundo de cima pode trazer salvação.

E, por último, deve-se entender bem a finalidade de tudo o que foi dito. Dizer que os pobres
trazem salvação não significa que os pobres existem para isso, para prestar um serviço a
mais aos ricos. Evidentemente, não. A verdade é que , se nos deixamos salvar por eles, com
maior decisão viveremos e nos desdobraremos para salvá-los. Como diz teu grande amigo
Pedro Trigo, quando experimentamos a misericórdia dos pobres mais decididamente
usaremos de misericórdia para com eles. Então, faremos da compaixão e da justiça,
como diz J. B. Metz, o eixo central do cristianismo. Faremos melhor aquilo no qual tanto
insistias: "baixar da cruz os povos crucificados". E viveremos em verdadeira solidariedade:
dando-nos uns aos outros e recebendo uns de outros. Isso, sim, é família humana e a
superação de uma espécie animal racional.

Não sei o que o leitor pensará dessas linhas. Quiçá pareçam-lhe exageradas. Não me
parecem, porém, em qualquer caso, muito teríamos que exagerar para aproximar-nos, ou até
para superarmos a incrível avalanche que vem para cima de nós todos os dias e de todas as
partes: de cima -da acumulação da riqueza, quanto mais melhor;do poder, quanto mais,
melhor; da prosperidade, quanto mais, melhor; do êxito, quanto mais melhor- vem a
salvação.

Ellacu, não sei o que dirias hoje, em tempos de globalização e de pós-modernidade sobre
salvação, sobre civilização da riqueza e da pobreza. De minha parte, gostaria de terminar
com uma convicção e um desejo que expressei há muitos meses em uma conferência sobre
como vias a realidade, o pecado e a salvação. Terminei com estas palavras:

"Mataram a Ellacuría porque ele enfrentou a civilização da riqueza. Não o deixemos morrer
porque defendeu uma civilização da pobreza".

Jon Sobrino

21 de novembro de 2005

* Teólogo

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