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BERNARDO DE CLARAVAL

Biografia sintética

Ir. Celso Ugolini M.∙. M.∙.


A.R.L.S. Bernardo de Claraval - 602
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São Bernardo de Claraval (1090*- 1153†)
Ciclicamente a Providência faz surgir homens providenciais que marcam todo o
seu século, como São Bernardo, o “Doutor Melífluo”, cantor da Virgem, grande
pregador de cruzadas, extirpador de cismas e heresias, pacificador exímio, um
dos maiores místicos da Igreja e “Mentor dos Cavaleiros Templários”.

PRÓLOGO:

A última biografia crítica de São Bernardo é do século


passado. O fato de ninguém ter realizado uma nova biografia
científica de São Bernardo, mostra como é difícil este trabalho.

Isso nos dá uma idéia da grandeza do personagem e da


amplitude da sua ação: tudo isso parece desencorajar os autores
a realizarem este trabalho. Dispomos, hoje, de uma notável
edição crítica das suas obras, personagem chave dos estudos
bernardinos contemporâneos.

Bernardo viveu uma época muito conturbada na Igreja.


Muitas vezes precisou deixar a reclusão contemplativa do
mosteiro para envolver-se em questões que agitavam a
sociedade. Foi pregador, místico, escritor, fundador de mosteiros, abade, conselheiro de papas, reis,
bispos e também polemista político e tenaz pacificador. Nada conseguia abater ou afetar sua fé,
imprimindo sua marca na história da espiritualidade católica romana.

Durante sua vida monástica demonstrava grande fé em Deus, serviu à igreja católica
apoiando as autoridades eclesiásticas acima das pretensões dos monarcas. Em função disto
favoreceu a criação de ordens militares e religiosas. Uma das mais famosas foi a ordem dos
cavaleiros templários.

BIOGRAFIA BÁSICA:

Fruto exemplar e típico da sociedade feudal do seu tempo, ligado a uma vasta florescência
de alianças familiares, Bernardo soube fazer de tudo isso a base da sua ação, seja no momento da
sua entrada em Cîteaux, como em seguida. Uma formação tradicional e puramente literária
permitiu-lhe conquistar, logo cedo, uma grande pureza de estilo e, sobretudo, um excelente
conhecimento da Igreja.

Bernardo nasceu na última década do século XI, no ano 1090 em Fontaine-les-Dijon (perto
de Dijon), na Borgonha, França. Era o terceiro dos sete filhos do cavaleiro Tescelin Sorrel e de
sua esposa Aleth de Montbard que, além de oferecê-lo a Deus, como fazia com toda sua prole,
consagrou-o ao serviço da Igreja.

A sua família era cristã, rica, poderosa e nobre. A ciência do mundo, Bernardo a aprendeu
com os pais; e a dos santos, com os padres da igreja de Châtillon-sur-Seine (Châtillon). Desde

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tenra idade, demonstrou uma inteligência viva, aguçada e penetrante. Tímido, tornou-se um jovem
de boa aparência, educado, culto, piedoso e de caráter reto. Mas chamava a atenção pela sabedoria,
prudência, profunda modéstia e poderoso poder de persuasão com uma conversa atraente, cheia de
encanto e elegância de dicção.

Quando sua mãe morreu, seus irmãos quiseram seguir a carreira militar, enquanto ele
preferiu a vida religiosa, ouvindo o chamado de Deus. Na ocasião, todos os familiares foram
contra, principalmente seu pai. Porém, com uma determinação poucas vezes vista, além de
convencê-los, trouxe consigo: o pai, os irmãos, primos e vários amigos.

Com tantas qualidades naturais e uma posição social invejável, ao crescer poderia ter-se
facilmente desviado para o mundanismo. Mas Bernardo provou que a alta condição social, se
vivida com fé, pode até ajudar na prática da virtude. Seu temperamento, inclinado à meditação,
abriu-se à ação da graça, que o levava a escolher sempre a virtude ao prazer, as coisas de Deus às
do mundo.

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Povoou a Abadia de Cister (Citeaux):

No ano de 1098, São Roberto (Roberto de Molesme) fundou uma “abadia beneditina” num
vale chamado Cister (Citeaux), criando um ramo reformado da famosa abadia de Cluny, já então
em decadência, por haverem abandonado as regras de Bento de Núrsia (São Bento). A severidade
de sua regra foi afastando os candidatos, enquanto seus monges antigos iam morrendo. Santo
Estevão Harding (Stefhen Harding), monge erudito de primeira
ordem que traduziu e revisou a Bíblia, pedindo ajuda a rabinos que
o ajudassem a entender o hebraico do antigo testamento, sucessor
de São Roberto, pensava em fechar definitivamente as portas da
abadia, quando um dia, trinta nobres cavaleiros apareceram pedindo
para entrar na Ordem. Era Bernardo de Fontaines-les-Dujon (futuro
Bernardo de Clairvaux) com irmãos, um tio e amigos, a quem ele
havia convencido a acompanhá-lo, no ano de 1112. Mais tarde
seriam seguidos pelo irmão mais novo e o próprio pai. Este sangue
novo e a presença deste jovem carismático rejuvenesceram a ordem
cisterciense (da Abadia de Cister – Citeaux).

São Bernardo de Claraval O abade Santo Estevão Harding acolheu com alegria este
grupo e soube discernir a riqueza da personalidade de Bernardo e
nele confiar, ainda que, sob muitos aspectos, descobriu-se entre eles uma notável diferença de
temperamento.

Santo Estevão Harding via maravilhado aquele jovem com maturidade e prudência de
ancião. E apenas dois anos depois de sua entrada em Cister, envia-o como superior de um grupo de
monges para fundar uma nova abadia. Bernardo tinha apenas 25 anos de idade (ano de 1115), e aí
passa toda a sua vida como abade, renunciando a qualquer outra dignidade eclesial.

A nova abadia ficava num lugar inculto e agreste, sendo


por isso chamado de Vale do absinto recebido de Hughe de Payns
- Conde de Champagne -, uma grande extensão de terras, a
sessenta e cinco quilômetros a leste de Troyes. Deu-lhe o nome de
Vale de Clairvaux (Vale da Luz ou Vale Claro - Iluminado), onde
construiu uma abadia - a abadia de Clairvaux (Claraval), em
conjunto com doze outros monges. Nesta época já era conhecido
por Bernardo de Clairvaux. Como citado por Dom David
Knowles – historiador beneditino – Bernardo de Clairvaux
pertencia a uma pequena categoria de grandes homens do mais
alto grau, cujos dons e oportunidades foram exatamente
harmonizados. Como líder, escritor, pregador e santo, seu
magnetismo pessoal e sua força espiritual eram importantes e
irresistíveis.

Pintura de Bernardo de Claraval, representado em A Short History of Monks and Monasteries de Alfred
Wesley Wishart, 1900.

Numa primeira abordagem desta diferença, podemos notar que enquanto para Estevão a
estética está mais sobre a ordem do visível, das artes plásticas (como demonstram os manuscritos
com iluminuras que datam do seu abaciado), para Bernardo a estética é mais aquela do ouvido e da
voz, aquela da música, e essencialmente, a escuta da Palavra de Deus (Verbo de Deus) que se
dirige ao monge, ao qual não é permitido distrair-se.

Bernardo constrói sobre os ideais e sobre os fundamentos essenciais dados por Estevão:
fidelidade à Regra, simplicidade, pobreza e, sobretudo, a caridade.
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Seguindo o seu exemplo, de modo especial no que diz respeito à pobreza, os cistercienses
estabeleceram-se em “desertos”, onde realizam um duro trabalho manual que é suficiente para o
seu sustento e permite também ir ao encontro dos necessitados.

Conhecem um despojamento que os aproxima daquele de Jesus Cristo e dos apóstolos.


Rejeitam o sistema social da época, renunciam aos dízimos e feudos que vêm daqueles que têm
autoridade feudal e, do mesmo modo, não aceitam os “benefícios” que poderiam ser propostos
pelos homens da Igreja.

Com a idéia da igualdade, no mosteiro, não se faz mais caso da origem social dos monges;
todos vivem do mesmo modo. No que diz respeito ao abade, inclusive ao abade de Cîteaux,
encontram-se todos no mesmo nível.

A simplicidade de vida aparece nos hábitos, nas construções realizadas com linhas
geométricas “limpas”, estilo despojado, sem decorações. A espiritualidade não está dirigida a uma
elite, mas a seres humanos de carne, permeados profundamente do desejo de converter-se.

Este quadro estaria incompleto se não se fizesse menção do culto à Virgem das Dores e da
Ternura, pronta para socorrer as mais diversas angústias, como para suscitar o respeito da mulher,
numa sociedade bastante violenta.

A pobreza da abadia nos seus inícios era espantosa: não


tinham para comer senão ervas silvestres; mal se vestiam,
sofrendo todas as intempéries. Essa era a riqueza desses
verdadeiros heróis, que tudo tinham abandonado por Cristo.

Bernardo atingira um grau supereminente de amor de


Deus e de união com a vontade divina, mas faltava-lhe ainda
compreender bem a fraqueza humana de seus subordinados.
Tinha escrúpulos de dirigi-los pela palavra, crendo que Deus
lhes falaria no íntimo da alma muito melhor do que ele. Estava
nessa tentação, quando um dia apareceu-lhe um “Menino” todo
envolto numa luz divina. Com grande autoridade, este lhe
ordenou que dissesse tudo quanto lhe viesse ao pensamento, porque seria o próprio Espírito Santo
que falaria por sua boca. Ao mesmo tempo Bernardo recebeu uma graça especial de compreender
as fraquezas dos outros e de se acomodar ao espírito de cada um, para ajudá-los a vencer suas
misérias.

O modo como Bernardo atraía vocações para Claraval era milagroso. Era tão intenso o dom
de persuasão que possuía esse homem cheio do amor de Deus, que, ao pregar, as mulheres
seguravam os maridos e as mães escondiam os filhos, por medo de que o seguissem. Por exemplo,
caso todo um grupo de nobres, que por curiosidade quiseram um dia conhecê-lo, ao ouvi-lo
ficavam inebriados e definitivamente atraídos aos seus ideais. Atuava como se fosse um poderoso
ímã para atrair almas a Deus.

Homens vinham de todos os rincões da Europa para Clairvaux e eram enviados de novo
por todo o continente, para difundir a palavra D’Ele. Por quarenta anos, Citeaux-Clairvaux foi o
centro espiritual da Europa; e dentre outros, São Bernardo teve entre seus ex-monges e ex-
discipulos, o papa, o arcebispo de York e muitos cardeais e bispos.

Em 1118 Clairvaux funda a sua primeira casa-filha e durante trinta anos o ritmo das
fundações é de dois mosteiros por ano, através de toda cristandade ocidental, com exceção da
Europa Central.
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A atração mais estrondosa foi a de Henrique de França, irmão do Rei Luís VII. Esse
Príncipe foi a Claraval tratar de um importante assunto com São Bernardo. Quando ia sair, pediu
para ver todos os monges, a fim de se recomendar às suas orações. Bernardo disse-lhe que logo
experimentaria a eficácia dessas orações. No mesmo dia Henrique sentiu-se tão tocado pela graça
que, esquecendo-se de que era então o sucessor da coroa quis ficar em Claraval. Mais tarde foi
Bispo de Beauvais, e depois Arcebispo de Reims.

Com isso Claraval cresceu tanto, que habitualmente seu número era de 600 a 700 monges.
Apesar disso, cada um mantinha isolamento interior e silêncio, como se estivesse só. Jamais um
monge estava inativo, tendo sempre algum trabalho manual para fazer, se não estivesse em oração
no coro ou em sua cela.

Com o tempo e o número crescente de vocações, Bernardo pôde fundar 160 casas de sua
Ordem, não só na França, mas também em outros países da Europa. À sua morte, em 1153, a
Ordem de Cîteaux conta com 345 mosteiros, dos quais 167 são filiações de Clairvaux, fundações
ou mosteiros que pedem para serem incorporados à Ordem.

Fundaria mais tarde, um convento em Jully, próximo a Molesme, para uma comunidade de
freiras, entre elas sua irmã caçula, Humbeline.

A contribuição de Bernardo dentro da ordem foi de tão grande magnitude que ele passou a
ser considerado o seu segundo fundador.

Bernardo queria santos em sua milícia. Por isso dizia amiúde a seus noviços: “Se
desejardes viver nesta casa, é necessário deixar fora os corpos que trazeis do mundo; porque só as
almas são admitidas nestes lugares, e a carne não serve para nada”.

Extirpador de cisma:

O ano de 1130 é uma data chave para a vida de Bernardo: até


agora tinha se consagrado somente à vida da sua comunidade e da sua
Ordem, agora entra de modo ativo e decisivo na vida da Igreja, ajudando
a resolver situações de crise que deriva da dúplice eleição de Inocêncio II
e de Anacleto II, situação que provoca um cisma que durou oito anos e
que foi ocasião das primeiras viagens de Bernardo à Itália.

A missão pública de São Bernardo quase não teve similar na


História. Foi ele, por exemplo, chamado para combater o cisma do
antipapa Anacleto II (*). Percorreu então a Europa, conquistando reis e
reinos para a justa causa. Foi a alma dos Concílios de Latrão, de Troyes e
de Reims, convocados pelo Papa para tratar dos negócios da Igreja.
Opôs-se ao Imperador alemão Lotário II que, aproveitando-se do cisma, queria receber as
investiduras das igrejas. Bernardo não só o fez disso desistir, mas também o convenceu a
reconhecer o Papa verdadeiro.

Bernardo tentou — juntamente com São Norberto — chamar à razão e ganhar as bênçãos
do antipapa. Mas em vão: este foi renitente e recusou-se a ouvir qualquer argumento.

A pregação de São Bernardo era em geral acompanhada por grande número de milagres.
Livrava possessos do demônio, restituía a visão a cegos, movimentos aos paralíticos, voz aos
mudos, audição aos surdos. O cardeal d’Albano, preso a fortes febres, foi curado bebendo a água
que foi passada em um prato onde comera o Santo.

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Ele praticamente não podia andar sem ser seguido por uma multidão de doentes e de sãos
que nele queriam tocar. Precisava falar à multidão de uma janela, para proteger-se.

Estava na Itália quando a morte repentina do antipapa Anacleto fez cessar o cisma, que
durara sete anos. Elegeram um sucessor, mas Bernardo o convenceu da iliceidade dessa eleição, do
risco de sua eterna salvação, e o levou arrependido aos pés do verdadeiro Papa. Com isso terminou
o cisma.

Por toda parte o santo era olhado como “o pai dos fiéis, a Coluna da Igreja, o apoio da
Santa Sé, o Anjo tutelar do povo de Deus”.

Franqueza apostólica com poderosos:

Além da questão do cisma, não houve ponto importante na Igreja, naquela época, em que
Bernardo não tivesse intervindo. Esse intrépido batalhador como árbitro de todas as disputas de seu
tempo. Assim, reconciliou o Conde da Champagne com o Rei Luís VII, que queria assenhorear-se
de suas terras, evitando uma guerra fratricida.

Tendo o Rei da França Luís VII, expulsado de suas dioceses o Arcebispo de Tours e o
Bispo de Paris, Bernardo repreendeu-o vigorosamente por cartas, ameaçando-o com o Juízo de
Deus. Nem a liberdade apostólica com que Bernardo falou ao Rei, nem o cumprimento de uma de
suas previsões — a morte do primogênito desse príncipe — levaram-no a censurar o Santo.

Aniquilador de heresias e pregador da II Cruzada:

Em 1140 intervém contra os erros de Abelardo .

Bernardo foi o protetor da fé contra as heresias de Pedro Abelardo e Arnaldo de Bréscia,


que queriam renovar os antigos erros de Ario, Nestório e Pelágio. Combateu também os erros de
Gilberto de la Porée, Bispo de Poitiers.

Mas a principal heresia que o santo combateu foi a de um monge apóstata, Henrique, que
no Languedoc movia guerra cruel à Igreja, atacando os Sacramentos e os sacerdotes fiéis.

Em 1145 percorre o Languedoc para pôr fim aos erros hereges. Em 1147, o Papa Eugênio
III, que tinha sido abade cisterciense de Tre Fontane (Roma), dá-lhe a missão de pregar a II
Cruzada. O que ele fez com a força de sua eloqüência e o poder de milagres. Conta seu secretário
que na Alemanha ele curou, num só dia, nove cegos, dez surdos ou mudos, dez mancos ou
paralíticos. Em Mayence, a multidão que o rodeou foi tão grande, que o Rei Conrado foi obrigado
a tomá-lo em seus braços para tirá-lo ileso da igreja. Em 1150, sob a insistência de Suger, abade de
S. Denis, tenta, em vão, convencer Eugênio III de retomar a
Cruzada.

Na primavera de 1153 inicia uma última viagem na


Lorena, retorna a Clairvaux, onde recebe a notícia da morte de
Eugênio.

Cantor da Virgem:

A devoção de Bernardo para com Nosso Senhor Jesus


Cristo e a Virgem Maria eram incomparáveis. Certo dia,
quando entrava na catedral de Spira, na Alemanha, em meio ao
Clero e povo, ele ajoelhou-se por três vezes, dizendo na
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primeira: “Ó clemente!”; na segunda: “Ó piedosa!”; e na terceira: “Ó doce Virgem Maria!”. A
Igreja acrescentou depois estas invocações ao final da Salve Rainha.

Cumpre notar que é de São Bernardo uma das mais lindas orações dirigidas a Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro que reproduzimos a seguir:

"Ó Piíssima Virgem Maria, jamais se ouviu dizer que algum daqueles que a vós tem
recorrido e implorado a vossa assistência foste por vós abandonado. Animado eu com igual
confiança, Ó Virgem das virgens, a vós como mãe recorro, e gemendo debaixo dos meus
pecados, me prostro a vossos pés. Não desprezeis as minhas súplicas, Ó mãe do Verbo
encarnado, mas ouvi-as favoravelmente, e dignai-vos a atender-me. Amem”.

Enfim, muitíssima coisa mais poder-se-ia dizer deste Santo excepcional. Estando para
morrer, seus filhos espirituais faziam violência aos Céus para segurá-lo na Terra. Ele lamentou-se
docemente: “Por que desejais reter aqui um homem tão miserável? Usai de misericórdia para
comigo, eu vos peço, e deixai-me ir para Deus”. O que ocorreu no dia 20 de agosto de 1153.

Sua obra mais conhecida foi Adversus Abaelardum. Nela combateu as teorias do teólogo e
filósofo Pedro Abelardo, por não aceitar as interpretações racionalistas que, segundo Bernardo,
desvirtuavam a fé exigida pelos mistérios de Deus.

Em 1163 o seu culto é introduzido em Clairvaux. Foi canonizado em 1174 pelo papa
Alexandre III com o nome de São Bernardo. Em 1830 recebeu o título de doutor da Igreja Católica.

Obras Consultadas:

— Abadia.org.br com acréscimos do site Ésquilo.com e CatolicaNet.

— Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo
X, pp. 50 e ss.

— Frei Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo III, pp.
388 e ss.

— Edelvives, El Santo de cada día, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1948, tomo IV, pp. 511 e
ss.

— Pe. José Leite, S.J., Santos de cada dia, Editorial A.O., Braga, 1987, vol. II, pp. 557 e ss

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São Bernardo e Portugal
Há lendas que associam São Bernardo e Portugal. Diz-se, por exemplo, que o próprio
Bernardo teria vindo a Portugal, por altura da introdução da Ordem Cisterciense no país (Mosteiro
de São João de Tarouca, 1142), e até que teria estado na abadia de Alcobaça, um dos maiores
cultos cistercienses de toda a Europa (a abadia alcobacense foi sagrada no ano da morte de
Bernardo).

Borgonhês como o Conde D. Henrique correspondeu-se com Dom Afonso Henriques, rei
que favoreceu largamente o incremento da Ordem de Cister em Portugal. O professor Agostinho da
Silva sugere mesmo «que a fundação de Portugal é ato inteiro da potência mística e de ação de São
Bernardo, o de Claraval».
Figura enigmática, Bernardo, na sua faceta política, luta sem rodeios contra as heterodoxias
e heresias da época, no entanto, tem um papel determinante na oficialização e incremento da
Ordem dos Templários: escreve Em Louvor da Nova Milícia (De laude novae militae) e considera
que «apenas os Templários estão destinados à guerra santa».
Místico da contemplação, do amor divino entre a Alma-Esposa e o Deus-Esposo, considera
o conhecimento de Deus e de si mesmo como a via necessária para o êxtase, para a “unitas
spiritus”: «Meu Deus, fazei com que eu vos conheça e que eu me conheça. (“…) É do céu que nos
chega esse conselho: conhece-te a ti mesmo, óh homem.»
Estudos recentes dão como certo que São Bernardo esteja associado à independência de
Portugal - parece ter sido por sua mediação (ou pelo menos, por mediação da sua abadia) que o
Papa enviou um legado à Península Ibérica, o qual reconheceu, senão a independência nacional,
pelo menos o título de Dux ** a Afonso Henriques e a submissão do novo país à Santa Sé, pelo
pagamento de quatro onças de ouro anuais.

**Obs: Com as reformas de Diocleciano, as províncias foram agrupadas em dioceses


administradas por um Vicarius. Cada um destes era assistido por um dux, o qual era
hierarquicamente superior aos duces das províncias. O dux responsável pela diocese estava, por sua
vez, sujeito à autoridade do Magister militum de uma prefeitura pretória - uma das quatro grandes
regiões administrativas em que se dividiu o Império Romano. A palavra latina dux deu origem ao
termo duque, em português, e seus correspondentes em outras línguas (duc, em francês; duke, em
inglês; duca, duce e doge, em italiano, etc).
E. VACANDARD, Vie de Saint Bernard, 2 volumes, Paris, 1895. Para uma orientação bilbiográfica sobre s. Bernardo, cf. P. ZERBI, Bernardo di Chiaravalle,
in, Biblioteca Sanctorum, III, Roma, 1963, col. 31-37. Para uma apresentação geral da vida e da obra de S. Bernardo, pode-se consultar: J LECLERCQ, San
Bernardo e lo Spirito cistercense, Turim, 1976; J. LECLERCQ, Opere di San Bernardo, aos cuidados de Ferruccio Gastaldelli, Milão, 1984 volume I,
Introdução geral, pp. XI-LXI

J. LECLERCQ et H. ROCHAIS, Sancti Bernardi Opera 9 volumi, Roma 1957-1977

9
SERMÃO SOBRE O CONHECIMENTO
E A IGNORÂNCIA
(Sermão 36 sobre o Cântico dos Cânticos)

Bernardo de Claraval

(trad. Jean Lauand)

O CONHECIMENTO DAS LETRAS É BOM PARA A INSTRUÇÃO, MAS O


CONHECIMENTO DA PRÓPRIA FRAQUEZA É MAIS ÚTIL PARA A SALVAÇÃO [31].

I
Aqui estou para cumprir o que vos prometi; aqui estou para satisfazer vosso desejo; aqui estou,
também, obrigado pela dívida que tenho para com Deus, a Quem sirvo.

Como vedes, três são as razões que me impelem a pregar: o compromisso assumido, o amor
fraterno e o temor a Deus.

Se me abstivesse de falar, pela minha boca condenar-me-ia. Mas o que acontece se eu falar?
Também neste caso, corro o mesmo risco, o de ser condenado pela minha própria boca: por pregar
e não praticar o que prego. Ajudai-me, pois, com vossas orações, para que eu possa sempre falar o
que é necessário e, com minha conduta, praticar o que prego.

Tinha vos anunciado o tema do sermão de hoje: a ignorância, ou melhor, as ignorâncias, porque,
como lembrais, há duas ignorâncias: a de nós próprios e a de Deus. E vos aconselhava a evitar uma
e outra, pois ambas são perdição.

Hoje, procuraremos esclarecer melhor esse assunto. Antes, porém, discutiremos se toda ignorância
é condenável. Parece-me que não, pois nem toda ignorância produz perdição: há muitas e mesmo
inúmeras coisas que se podem ignorar sem problema algum para a salvação.

Se alguém, por exemplo, desconhece artes mecânicas, como a carpintaria, a arte de edificação e
outras que são exercidas para a utilidade da vida neste mundo, acaso tal ignorância constitui
obstáculo para a salvação?

Também são muitos são os que se salvaram e agradaram a Deus pela sua conduta e com seus atos
sem as artes liberais (e, certamente, são úteis e moralmente bons esses estudos). Quantos não
enumera a Epístola aos Hebreus (cap. XI), que se tornaram agradáveis a Deus não com erudição,
"mas com consciência pura e fé sincera" (I Tim 1,5) ( [32] ). E agradaram a Deus com os méritos
de sua vida e não com os de seu saber. Cristo não foi buscar Pedro, André, os filhos de Zebedeu e
todos os outros discípulos, entre filósofos; nem em escola de retórica e, no entanto, valeu-se deles
para realizar a salvação na terra.

Não é porque fossem mais sábios do que todos os homens - como diz de si mesmo o Eclesiastes (1,
16) -, mas, por causa de sua fé e de sua benignidade, o Senhor os salvou e fez deles santos e
mestres. Pois os Apóstolos mostraram ao mundo o caminho da vida, não com sublimidade de
discurso, nem com palavras eloqüentes de sabedoria humana, mas pelo modo como aprouve a
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Deus: pela estultícia de sua pregação, aprouve a Deus salvar os que crêem, porquanto o mundo
com sua sabedoria não O conheceu (I Cor 2, 1; 1, 17-21).

II
Posso estar dando a impressão de querer lançar em descrédito o saber, de repreender os doutos, de
proibir o estudo das letras. Longe de mim, tal atitude! Conheço muito bem o inestimável serviço
que os homens doutos têm prestado à Igreja: seja refutando os adversários dela, seja na instrução
dos simples.

Com efeito, o que li na Sagrada Escritura foi: "Como rejeitaste o saber, também Eu te rejeitarei,
para que não exerças Meu sacerdócio" (Os 4, 6). E mais: "Os doutos resplandecerão com o brilho
do firmamento, e os que tiverem ensinado a muitos a justiça, brilharão como estrelas em perpétuo
resplendor" (Dn 12, 3).

Mas, por outro lado, li também: "O saber incha" (I Cor 8, 1) ( [33] ).

E, finalmente: "No acúmulo de saber, acumula-se a dor" (Ecl 1, 18).

Vede que há saberes e saberes: há um saber que produz o inchaço e há um saber que contrista.
Quero que sejais capazes de distinguir qual deles é útil e necessário para a salvação: o que incha ou
o que dói? E não duvido que prefiras o que aflige ao que incha, porque, se a saúde pela inchação é
aparentada, pela aflição é procurada ( [34] ).

Ora, quem procura, acaba encontrando, pois "quem pede, recebe" (Lc 11,10). E é certo que Aquele
que cura os que têm o coração contrito abomina o inchaço dos orgulhosos, pois a Sabedoria diz:
"Deus resiste aos soberbos e dá Sua graça aos humildes" (Tg 4,6) ( [35] ). E o Apóstolo diz:
"Exorto-vos, em virtude do ministério que pela graça me foi dado, a não pretender saber mais do
que convém, mas saber com sobriedade" (Rom 12,3).

O Apóstolo não proíbe saber, mas sim saber mais do que convém. E o que é saber com sobriedade?
É cuidar de aplicar-se prioritariamente ao que mais interessa saber, pois o tempo é breve ( [36] ).
Ora, ainda que todo saber, desde que submetido à verdade, seja bom, tu, que buscas com temor e
tremor ( [37] ) a salvação e a buscas apressadamente, dada a brevidade do tempo, deves aplicar-te a
saber, antes e acima de tudo, o que conduz mais diretamente à salvação.

Acaso não dizem os médicos do corpo que parte da medicina é precisamente determinar a ordem
dos alimentos: qual deve ser ingerido antes, qual depois e o modo de os ingerir? Ora, mesmo sendo
bons os alimentos que Deus criou, tu os tornas nocivos se não observas o modo e a ordem ao
ingeri-los. Aplica, pois, aos saberes, o que dissemos dos alimentos.

III
Mas o melhor é encaminhar-vos ao Mestre. Não é nossa esta sentença, mas dEle; ou antes, é nossa
porque a aprendemos dAquele que é a Verdade. E diz: "Se alguém pensa que sabe alguma coisa,
ainda não sabe como deveria saber" (ICor 8,2).

Vede como não é aprovado o saber muitas coisas se se ignora o modo de saber. Vede como o fruto
e a utilidade do saber consiste no modo de saber.
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Mas o que é este modo de saber? O que, senão saber segundo a ordem, o amor e o fim devidos?

Segundo a ordem, isto é, priorizando o que é mais necessário para a salvação; segundo o amor
([38] ), isto é, voltando-nos mais ardentemente para o que mais nos impele a amar; segundo o fim:
não por vaidade ou curiosidade ou objetivos semelhantes, mas somente pela tua própria edificação
e pela de teu próximo.

Há quem busque o saber por si mesmo, conhecer por conhecer: é uma indigna curiosidade.

Há quem busque o saber só para poder exibir-se: é uma indigna vaidade. Estes não escapam à
mordaz sátira que diz: "Teu saber nada é, se não há outro que saiba que sabes" (Persius, Satyra 1,
27).

Há quem busque o saber para vendê-lo por dinheiro ou por honras: é um indigno tráfico.

Mas há quem busque o saber para edificar, e isto é amor. E há quem busque o saber para se
edificar, e isto é prudência.

IV
De todos estes que buscam o conhecimento, só os dois últimos não incorrem em abuso do saber, já
que o buscam para praticar o bem. Deles é que fala o salmo: "O saber é bom para quem o põe em
prática" (Sl 111, 10). Os demais devem ouvir a Escritura: "Quem conhece o bem e não o pratica,
comete pecado" (Tg 4, 17).

É como se, numa comparação, disséssemos: tomar alimento e não digeri-lo faz mal. Um alimento
indigesto, mal cozinhado, produz maus humores e, em vez de nutrir o corpo, corrompe-o. Assim
também pode dar-se o caso de o estômago da alma, que é a memória, ingerir muitos conhecimentos
que não foram cozinhados pelo fogo do amor e nem passaram para ser elaborados pelo aparelho
digestivo da alma (no caso, os atos e costumes), a fim de que a alma se torne boa pelo bom
conhecimento (o que pode ser atestado pela vida e pelos costumes). E acaso um tal saber indigesto
não deve ser considerado pecado, tal como um alimento que se transforma em humores maus e
nocivos? E os maus humores do corpo não equivalem aos maus costumes da alma? E não virá a
sofrer de inchaços e cólicas de consciência quem conhece o bem e não o pratica?

Acaso não se lhe aplicará a sentença de morte e condenação, toda vez que lhe vier à mente a
palavra de Deus: "O servo, que conhece a vontade de seu senhor e não a pratica, torna-se digno de
muitos açoites" (Lc 12,47) ?

E não será em nome desta alma, o pranto do profeta (Jer 4,19): "Doem-me as entranhas, doem-me
as entranhas"? Gemidos geminados ( [39] ) que - salvo outra interpretação - apontam para o que
dizíamos: o profeta fala de si mesmo, pois estava pleno de saber, inflamado de amor e, desejando
intensamente transmitir esse saber, não encontrou quem se interessasse por ouvir e teve de arcar
sozinho com o peso de um saber que não pôde comunicar. Chorou, pois, o zeloso doutor da Igreja,
tanto por aqueles que menosprezam a busca do saber que dirige o bem viver, como pelos que,
embora sabendo, no entanto, vivem mal. E, por isso, o profeta repete seu lamento.

V
Compreendes agora quão verdadeira é a sentença do Apóstolo: "O saber incha"? Por isso, convém
que a alma antes se conheça a si mesma, coisa que é requerida pela ordem e pela utilidade.
12
Pela ordem, porque, para nós, o primeiro conhecimento deve ser o do que somos; pela utilidade,
porque tal conhecimento não incha, mas humilha e serve de fundação para a edificação. Pois o
edifício espiritual que não tem seu fundamento na humildade, não se agüenta em pé.

E para aprender a humildade, a alma não encontra nada mais convincente do que descobrir-se a si
mesma na verdade. Deve-se, portanto, evitar a dissimulação, o auto-engano doloso, deve o homem
encarar-se de frente, evitando fugir de si mesmo.

Pois, defrontando-se a alma com a límpida luz da verdade, encontrar-se-á muito diferente do que
julgava ser e, suspirando em sua miséria - uma miséria que já não pode esconder porque é
verdadeira e manifesta -, clamará com o salmista ao Senhor: "Em Tua verdade me humilhaste" (Sl
119, 75). Como não se humilhará neste verdadeiro conhecimento de si, ao dar-se conta da carga de
seus pecados, sob o peso deste corpo mortal, ao ver-se imersa em preocupações terrenas, infectada
pelos desejos carnais, cega, curvada, fraca, envolta em mil pavores, angustiada ante mil
dificuldades, sufocada ante mil dúvidas, indigente de mil necessidades, inclinada ao vício,
impotente para as virtudes?

Onde está agora o olhar arrogante? Onde, a cabeça orgulhosamente erguida? Não será ela ainda
mais arremessada em sua desolação, trespassada por espinhos? (Sl 32, 4). Que ela - diz o salmista -
derrame lágrimas, que chore e gema, que se volte para o Senhor e clame em sua humildade: "Cura,
Senhor, minha alma, pois pequei contra Ti" (Sl 41,5).

Se ela se voltar para o Senhor, encontrará consolo, pois Ele é o Pai das misericórdias e o Deus de
toda consolação.

VI
Eu, quando olho para mim mesmo, fico imerso em amargura; logo, porém, que alço a vista para o
auxílio da misericórdia divina, suaviza-se meu amargor com a alegria da visão de Deus e Lhe digo:
"Minha alma está conturbada interiormente, por isso me lembro de Ti" (Sl 42,7).

Basta um pouco de conhecimento de Deus para experimentar que Ele é piedoso e solícito, pois, na
verdade, Ele é um Deus de bondade e misericórdia, que perdoa a maldade (Joel 2,13); Sua natureza
é a bondade e é próprio dEle perdoar e ter misericórdia sempre.

Deus se dá a conhecer nesta experiência e desta maneira salutar, a partir do momento em que o
homem se reconheça indigente e clame ao Senhor; e Ele o ouvirá e dir-lhe-á: "Eu te libertarei e tu
Me glorificarás" (Sl 50,15).

Assim, o conhecimento próprio é um passo para o conhecimento de Deus. Vê-lO-ás em Sua


imagem, que em ti se forma, na medida em que tu, desarmado pela humildade, com confiança, irás
refletindo a glória do Senhor e, levado pelo Espírito de Deus, de claridade em claridade, irás te
transformando nessa imagem.

VII
Reparai, pois, como ambos conhecimentos são necessários para a salvação, de tal modo que não
pode faltar nenhum dos dois. Pois, se desconheces a ti mesmo, não terás temor de Deus em ti, nem
humildade. Por acaso pensas que podes alcançar a salvação sem temor de Deus e sem humildade?

(Neste momento, o auditório murmura: "Não, não!").


13
Fizestes bem de indicar-me o "não" absoluto de vosso juízo, ou antes, que não estais desprovidos
de juízo... Nem vale a pena continuar falando sobre o óbvio.

Mas, prestai atenção a um outro ponto...

Ou será melhor parar, por causa dos que já estão pestanejando? Eu pretendia, em um só sermão,
dar conta do que tinha prometido: falar da dupla ignorância, e fá-lo-ia se não me parecesse que este
discurso já está demasiadamente longo para os que o acham cansativo. E vejo alguns bocejando e
outros dormitando. E não é de admirar, pois a longuíssima vigília de oração que tivemos hoje os
desculpa.

O que direi, porém, daqueles que dormem agora, mas dormiram também enquanto rezávamos os
ofícios? Não quero, porém, levar isto adiante e envergonhá-los, baste ter mencionado o fato...
Penso que de hoje em diante cuidarão de estar atentos, advertidos que foram pela nossa correção.

Com esta esperança e em atenção a eles, em vez de continuar, partamos, suspendendo por
clemência o discurso, e dêmos-lhe fim, embora não tenha atingido seu fim. Eles, por sua vez, tendo
sido objeto de nossa compreensão, associem-se a nós em glorificar o Esposo da Igreja, Nosso
Senhor Jesus Cristo, que está acima de todas as coisas, Deus bendito pelos séculos. Amém.

NOTAS:

( [31] ) A palavra latina salus significa tanto saúde como salvação; acumulação semântica
especialmente incômoda para o tradutor, pois Bernardo freqüentemente compara a saúde da vida
presente à salvação eterna...

( [32] ) Migne erradamente anota Hbr 11.

( [33] ) Scientia inflat diz o Apóstolo. Ao longo de todo o texto, estamos traduzindo a palavra
scientia por saber, pois nosso termo ciência, mais do que um conhecimento pessoal, indica o saber
objetivo: o das diversas ciências. E Bernardo fala do saber (scientia) como algo subjetivo, o saber
de cada um. Traduzimos inflat por incha, que também dá a idéia do vazio da vaidade e, além disso,
ajusta-se à comparação que Bernardo estabelecerá entre o inchaço do saber e o inchaço do corpo.

( [34] ) Procuramos manter algo da rima e do ritmo destas últimas palavras: Bernardo, como
Agostinho, destaca momentos importantes do sermão, marcando-os com jogos de palavras, no
caso: ...sanitatem, quam tumor simulat, dolor postulat.

( [35] ) E também I Pe 5, 5 e Pr 3, 34.

( [36] ) Tempus enim breve est é ICor 7,29.

( [37] ) Esta expressão "temor e tremor" aparece em IICor 7,15 e Fil 2,12.

( [38] ) Studio, no original. Como se sabe, a palavra latina studium significa também diligência,
amor que move a agir.

( [39] ) Bernardo interpreta alegoricamente (!) a repetição do lamento do profeta e marca esta
passagem por mais um jogo de palavras: ingeminatio geminum.

14
Carta de Bernardo a Roberto, seu sobrinho, que mudou da
ordem cisterciense para a cluniacense [1].
São Bernardo de Claraval
Trad.: Prof. Dr. Ricardo da Costa

In: RILEY-SMITH, Jonathan (ed.). The Oxford Illustrated History of the Crusades. Oxford, 1995, p. 245.

1. Diletíssimo filho Roberto, esperei até o limite do possível, confiando que talvez a piedade de
Deus se dignasse a visitar tua alma por si e a minha por ti, isto é, que Ele infundisse em ti a
saudável compunção e em mim a grande alegria de tua salvação. Mas já que até agora me senti
frustrado em minha expectativa, não posso encobrir mais a minha dor, nem reprimir a minha
ansiedade, nem dissimular a minha tristeza. Por isso, mesmo contra toda a ordenação jurídica,
minha ferida me induz a chamar àquele que me feriu e, desprezadamente, requerer àquele que me
desprezou, humilhando-me para satisfazer a injúria de meu injuriante e rogando a quem devia me
rogar.

Claro que a dor excessiva não delibera nem se ruboriza, não consulta a razão, não teme o dano da
própria dignidade, não se atém à lei, não aquiesce com o juízo; ignora o modo e a ordem, pois,
antes de tudo, busca uma solução para o sofrimento ou o gozo do que falta. Tu poderás replicar-
me: “Eu não feri ninguém e a ninguém desprezei. Pelo contrário: eu fui o ferido e desprezado de
mil maneiras; limitei-me a fugir de meu malfeitor. A quem eu injuriei fugindo das injúrias? Não é
melhor distanciar-se do perseguidor que viver agüentando-o? Não é preferível fugir daquele que te
fere que feri-lo?”

Estou de acordo. Não pretendo discutir, mas dirimir a discussão. Fugir da perseguição não é culpa
do fugitivo, mas do perseguidor. Não o contradigo. Omito os fatos, não discuto as culpas, não
retrato as causas, não recordo as injúrias. Isso só serve para instigar as discórdias, não para mitigá-
las. Somente quero falar o que mais me afeta. Sofro muito porque não te tenho ao meu lado, não te
vejo, pois vivo sem ti e, para mim, morrer por ti é viver, e viver sem ti é morrer. Não me pergunto
por que fostes; o que me dói é que não voltes. Não denuncio as causas de tua partida, mas a dilação
de teu regresso. Vem e façamos as pazes; volta e satisfaça meus desejos. Vem, insisto, volta que eu
cantarei com gozo: “Fora morto e reviveu; fora perdido e encontrado”.

2. É certo que a culpa de sua partida foi minha. Fui muito austero com um delicado adolescente,
tratei com dureza desumana a um jovem. De fato, essa era a causa de teus murmúrios contra mim,
que eu recordo, quando ainda vivia conosco. E por essa mesma razão, segundo soube, não cessas
de desprestigiar-me. Não te culpo. Eu poderia desculpar-me e explicar-te que era necessário coagir
as paixões de tua adolescência lasciva, e conduzir a difícil idade desde seu começo com uma
disciplina dura e áspera, como diz a Escritura: “Dá a vara a teu filho que o livrará da morte”, e em
outro lugar, “O Senhor castiga aos que ama e açoita os filhos que reconhece como seus”, e este
outro, “São preferíveis os golpes do amigo que os beijos do inimigo”.

Mas, como disse, vamos reconhecer que a culpa de tua partida seja minha; não nos detenhamos em
discutir quem perpetrou o delito, porque assim atrasaríamos a emenda. Apesar disso, se não
perdoas o arrependido, se não és indulgente com o confesso, a culpa começaria a recair sobre ti.
Posso ter ultrapassado os limites contigo em algumas coisas, mas certamente não por má vontade.
E se suspeitas que no futuro eu me portaria contigo da mesma maneira, deves saber que eu não sou
o que era, porque tu tampouco serás o que fostes. Tu mudaste, e também me encontrarás

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transformado. Podes estar seguro que aquele mestre que temias será para ti um companheiro que te
abraça.

Seja por que fostes embora por minha culpa, como tu acreditas e eu o reconheço, ou por tua
fragilidade, como muitos pensam, embora eu não tenha dito pessoalmente, enfim, seja por minha
causa ou tua, como creio, se agora resistes a voltar, tu serás o único indesculpável. Queres libertar-
te de toda a culpa? Volta. Se tu a reconheces como tua, te perdôo; perdoa-me tu também, porque
reconheço a minha. Do contrário, ou és demasiado indulgente contigo, porque reconheces a culpa e
a encobres, ou demasiado cruel comigo, porque me negas o perdão quando te apresento minhas
desculpas.

3. Mas se recusas a voltar, busca outra desculpa com a qual possas lisonjear falsamente tua
consciência, pois daqui em diante não tens mais porque temer minhas rigorosas exigências.
Tampouco te aterrorizarás pensando que em teu regresso serei terrível contigo, porque tu ainda
estás ausente e eu tenho meu coração totalmente abatido, e minhas entranhas traspassadas de dor.
Mostro-te minha humildade, te prometo meu amor e ainda me temes? Vem intrépido para onde te
chama a humildade e te arrasta a caridade. Aproxima-te seguro, tranqüilizado com estas garantias;
se fugiste do intransigente, retorna ao manso; que te arraste a ternura daquele cuja severidade te
desterrou. Veja, filho, como desejo dirigir-te, não com um espírito que te escravize e te leve outra
vez ao temor, mas para fazer-te filho e então poderás clamar seguro: Abba, Pater. A causa dessa
minha dor tão intensa não me induz a ameaçar-te, mas a acariciar-te; a suplicar-te, não a espantar-
te.

Talvez outro tentasse de outra maneira. Não é verdade que te teria jogado na cara tua culpa para te
aterrorizar? Não teria te acusado pelo descumprimento de teus votos para abrir-te um juízo? Não te
acusaria de desobediência, não te tacharia de apostasia porque trocaste a túnica pela peliça, os
legumes por outras comidas mais suculentas e a pobreza pelas riquezas? Mas eu conheço teu modo
de ser, mais propenso a se curvar diante do amor que a deixar levar-se pela coação do temor. Além
disso, que necessidade há de incitar por duas vezes ao condescendente, atemorizar o vacilante,
envergonhar com rancor o confuso, cuja mestra é sua razão, cuja própria consciência é seu castigo,
cuja vergonha instintiva é a lei de sua disciplina?

Alguém poderia estranhar que um jovem envergonhado, simples e indeciso tenha se atrevido a
enfrentar o amor de seus irmãos, a autoridade de seu mestre, as disposições de sua Regra, até
romper com seus votos e desertar de seu mosteiro. Mas também deveria estranhar o fato de Davi
trair sua santidade, a sabedoria de Salomão se deixar enganar e a força de Sansão ser vencida. E
aquele que pôde expulsar da pátria da felicidade a nosso primeiro pai, seduzido pelo engano, não
será capaz de conduzir furtivamente a um adolescente para um lugar horrível e uma solitária
vastidão? Tenhamos em conta também que a ele não seduziu a beleza como aos velhos da
Babilônia, nem o amor ao dinheiro como a Giezi, nem a ambição da honra como a Juliano, o
Apóstata. Não, quem o enganou foi a santidade, quem o seduziu foi a religião, quem fez que se
perdesse foi a autoridade dos maiores. E de que modo?

4. O primeiro superior o enviou a um prior relevante, com uma aparente vestimenta de ovelha, mas
em realidade um lobo rapace. Enganados foram os pastores, acreditando que era uma ovelha. Que
dor! Deixaram a sós o lobo e o cordeiro. E este não fugiu, porque também acreditou que era uma
ovelha. E o que mais? Ele o atrai para si, o acaricia, o lisonjeia e, pregando-lhe um novo
evangelho, o recomenda à embriaguez e condena sua sobriedade, fazendo-o ver que a pobreza
voluntária é uma vida miserável, e que são loucuras o jejum, as vigílias, o silêncio e o trabalho
manual.

Por sua vez, qualifica como contemplação a ociosidade e considera uma discrição a voracidade, o
charlatanismo, a curiosidade e todas as demais destemperanças. E lhe sugere: desde quando Deus
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se deleita com nossos sofrimentos? Onde a Escritura prescreve que alguém mate a si mesmo? Que
tipo de religião é essa que ordena cavar a terra, cortar os bosques e carregar esterco? Por acaso a
Verdade não diz “Quero misericórdia, não sacrifícios”?, “Não quero a morte do pecador, mas que
ele se converta e viva?”, “Beatos são os misericordiosos, porque eles alcançarão a misericórdia”?
Para que Deus criou os alimentos se não é lícito comê-los? Para que nos deu o corpo se não
podemos alimentá-lo? E o que é mau para si mesmo, com quem será bom? Além disso, aquele que
é tacanho consigo, com quem será generoso? Ninguém, em são juízo, odiou seu próprio corpo.

5. Semelhantes alegações seduzem este jovem desgraçadamente crédulo. Ele segue seu sedutor e
assim o levam a Cluny. Tonsura-se, barbeia-se e se lava. Trocam seu hábito rústico, velho e
sórdido e lhe dão outro precioso, novo e limpo; assim ele entra no convento. Com quanta honra,
com quanto triunfo e com quanta reverência ele é recebido! Designam-lhe um lugar superior ao de
todos os seus coletâneos e, como um soldado vitorioso que volta da batalha, o malvado se glorifica
de sua ambição. Elevam-no ao cume, em um lugar privilegiado: é um adolescente, mas antecede a
muitos anciãos. Toda a comunidade o acolhe, o elogia e o felicita. Todos, vitoriosos, se alegram ao
dividirem o espólio. Oh, bom Jesus! Quantos disparates para fazer perder uma pobre alma! Qual
coração, por mais robusto que fosse, não amoleceria? Quem não se desorientaria, por mais
espiritual que fosse seu interior? Quem seria capaz de recorrer à sua consciência diante de
semelhantes turbações? Quem teria valor para reconhecer a verdade e se manter na humildade
entre tanta pompa?

6. Além disso, intercedem por ele em Roma. Urgem à autoridade apostólica e, para que o papa
concorde, alegam que foi oferecido ao mosteiro ainda criança. Não houve quem desmentisse,
porque não se esperou a impugnação, e assim o juízo foi parcial, com manifesto atropelo dos
ausentes. A injustiça tornou-se justa, as vítimas perderam a causa e o réu foi absolvido sem
qualquer satisfação. A sentença, exclusivamente absoluta, foi firmada por um privilégio cruel que,
uma vez obtido, confirmou aquele que flutuava em seu mal, aconselhado a uma mudança de
estabilidade, dissipando toda vacilação. O conteúdo dos documentos, a sentença do juízo, a
determinação de toda a causa decide que aqueles que o levaram podem retê-lo, os que ficaram sem
ele devem se calar e, em conseqüência, se perderá uma alma pela qual Cristo morreu simplesmente
porque essa é a vontade dos cluniacenses. Troca-se uma profissão por outra, promete-se o que não
se vai cumprir, contrai-se um compromisso que não será observado e, rompendo o primeiro pacto,
comete-se uma prevaricação com o segundo, porque o pecado germina mais pecados.

7. Virá sim, virá o dia em que se julgarão novamente os juízos injustos e se anularão os juramentos
ilícitos por aquele que faz justiça aos pacientes, Ele, que sentenciará de acordo com o direito em
favor dos pobres, e acusará com retidão em defesa dos mansos da terra. Certamente virá o que o
Salmo ameaça por meio do Profeta, dizendo: “Quando chegar o tempo, julgarei retamente”. Que
fará com os juízos injustos Aquele que julgará até o mais justo? Virá, insisto, virá o dia do Juízo,
em que pesarão mais os corações puros que as palavras sagazes, mais as consciências retas que as
bolsas cheias, porque então as palavras não enganarão o Juiz, nem Lhe dobrarão os subornos.

Senhor Jesus, apelo ao Teu tribunal, reservo-me ao Teu juízo, a Ti encomendo minha causa,
Senhor Deus dos exércitos, Tu, que julgas retamente, que sonda as entranhas e o coração. Tu não
podes enganar-Te, nem permites que Te enganem. Tu sabes quem busca o Teu e quem afana o que
é Teu. Tu conheces minha contínua e entranhável solicitude com ele em todas as suas constantes
provas, quantas vezes chamei a Tua bondade gemendo por ele, como me abrasava, me atormentava
e me afligia diante de cada um de seus tropeços, inquietudes e sofrimentos. Agora eu temo que
tudo tenha sido inútil, pois sei que, por experiência, tratando-se de um adolescente apaixonado e
insolente por si mesmo, seus sentidos e seu espírito são prejudicados por essas concessões da
comodidade e essas seduções da glória. Por isso, meu Juiz, Senhor Jesus, que emane de Ti a
sentença, e que Teus olhos mirem a retidão.

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8. Olhem e julguem o que deve prevalecer: a vontade do pai sobre o filho ou o capricho do filho,
sobretudo uma vez que o filho está comprometido com algo superior. Veja também teu servo e
legislador, nosso Bento, que está mais concorde com sua Regra: o que fizeram com o filho sem ele
saber, ou o que depois ele fez com consciência e em seu são juízo, quando teve idade suficiente
para decidir por si próprio, embora, obviamente, aquilo tenha sido uma promessa, não uma
oblação. Porque nem seus pais formaram a petição prescrita pela Regra, nem envolveram suas
mãos com os mantéis do altar, com a mesma petição, para oferecê-lo dessa maneira diante das
testemunhas.

Também se referem às terras que, segundo eles, entregaram com ele em seu favor. Mas se
receberam as terras, porque não o retiveram com elas? Ou será que estimaram mais as terras que a
sua alma? Se ele estava oferecido ao mosteiro, o que buscava no século? Por que deixavam à
exposição do diabo o educado por Deus? Por que apareceu a ovelha de Cristo exposta à dentada do
lobo? Porque tu és testemunha, Roberto, que chegaste a Cister não procedente de Cluny, mas do
século. Buscaste, pediste, chamaste, mas, por tua tenra idade e, apesar de tuas resistências, tua
entrada foi indeferida por dois anos. Tiveste paciência para esperar esse tempo e, sem qualquer
calúnia, rogando muito e com muitas lágrimas, se se recordas, no fim pedistes a misericórdia tão
esperada, e conseguiste o ingresso que havia tanto sonhado. Depois, tu foste colocado à prova da
paciência durante um ano, conforme a Regra, e passaste com perseverança e submissão.
Terminado o ano, professaste livremente e, deixando tua roupa secular, vestiste pela primeira vez o
hábito religioso.

9. Ah, criança insensata! Quem te fascinou para que descumprisse os votos que teus lábios
pronunciaram? Por acaso não será a tua boca que te salvará ou te condenará? Por que te preocupas
com o voto de teus pais e te esquece do teu? Serás julgado pelo compromisso deles ou pelo teu?
Pedirão contas dos votos de teus lábios, não do deles. Por que podes te agradar em vão com o
indulto apostólico se tua consciência está atada pela sentença divina? Aquele que deixa o arado e
segue olhando para trás não serve para o reino de Deus. Ou será o que te dizem “bem, bem, te
mostrarão que isso não é olhar para trás”?.

Filhinho meu, se os pervertidos tentam te enganar, não concordes. Não creias em qualquer espírito.
Que sejam muitos os que te saúdam, mas mestre, um entre mil. Evite as ocasiões, despreze a
lisonja, feche os ouvidos à adulação, interroga a ti mesmo, porque tu te conheces melhor que
qualquer outro. Vigia teu coração, interrogue tua intenção, consulte a verdade. Que tua consciência
responda por que fugistes, por que abandonastes tua
ordem, os irmãos, o lugar e a mim, que sou teu
chegado na carne e muito mais no espírito. Se o
fizestes para viver mais austeramente, com maior
integridade e perfeição, podes estar seguro que não
olhastes para trás; glorifica-te melhor com o apóstolo,
dizendo: “Esquecendo o que fica para trás e lançando-
me ao que está na frente, corro ao prêmio da glória”.
Mas se é o contrário, não sejas soberbo e anda com
cuidado, porque, me permita dizer, todo o supérfluo
que te concedas em comer e em vestir, na conversa
desnecessária ou, se comportando como um folgazão
licencioso e curioso, equivale a olhar para trás,
prevaricar e apostatar da promessa que cumpristes
vivendo conosco.

Um monge cisterciense trabalhando no campo (séc. XIII, Biblioteca Municipal de Dijon)

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10. E digo isso, filho meu, não para te confundir, mas para te chamar a atenção, como a um filho
amadíssimo, pois mesmo que tenhas muitos pedagogos em Cristo, não tens muitos pais. E se tu me
permites, eu te engendrei para a religião com a minha
palavra e com o meu exemplo. Alimentei-te depois com
leite, eras ainda uma criança e não podias tomar outra
coisa. E se houvesses esperado para crescer, eu também
teria te dado pão. Ah, quão prematura e intempestivamente
desmamaste! Temo que tudo o que fomentei com as
blandícias, reanimei com as exortações, consolidei com as
orações, esteja a ponto de esvaecer, de se extinguir, de
desaparecer, e que talvez eu deva deplorar tanta desgraça,
não pelo acaso de um esforço inútil, mas pelo desastre
infeliz de um filho que se condenou. Ou será que te agrada
que agora se orgulhe de ti alguém que não fez
absolutamente nada por ti? A mim me ocorre o mesmo que
àquela meretriz, cujo filho sua companheira tomou às
escondidas, quando esta asfixiou o seu, nos tempos de
Salomão. A ti também me arrancaram de meu seio e de
minhas entranhas. Gemo porque te arrebataram de mim, e furiosamente exijo o que me arrancaram.
Não posso adormecer minhas entranhas: quando separam uma parte não pequena das mesmas, é
impossível que a outra não se contorça. 1. Mas que vantagem ou necessidade tua o moveu até
nossos amigos para urdir isso contra nós? Suas mãos estão cheias de sangue, sua espada me
traspassa o coração, seus dentes são lanças e flechas, sua língua é uma espada afiada. Contra mim é
que deveriam ter arremetido, se alguma vez eu lhes ofendi e não sou consciente. Mas
curiosamente, aplicaram comigo a Lei de Talião, pois nunca fui capaz de ofendê-los tanto como
agora me fizeram sofrer. Se eu digo a verdade, não é que me tenham arrancado um osso de meus
ossos ou uma carne de minha carne, é que me roubaram o gozo de meu coração, o fruto de meu
espírito, a coroa de minha esperança e, segundo creio, a metade de minha alma. E para que? Talvez
compadecidos de ti, eles tenham se indignado que um cego conduzisse outro cego, e te colocaram
sob sua direção para que não perecesses depois de mim. Que caridade funesta! Que amizade cruel!
Amaram tanto a tua salvação que dificultaram a minha! Não podiam salvar a ti a não ser que eu o
perdesse? Melhor seria se eu morresse para que tu vivesses. Mas não. E o que assegura mais a
salvação, a bela veste e uma comida opulenta ou a alimentação sóbria e a veste moderada?
Santificam-se as peliças finas e de qualidade, os tecidos sutis e preciosos, as luvas grandes e os
capuzes largos, as capas de pele e as estamenhas suaves, e o que faço eu que não te sigo? Não.
Tudo isso serve de alívio para os efeminados, mas não são armas de combatentes. Os que vestem
trajes delicados estão nas cortes dos reis. O vinho e seus derivados, o mosto e a vida fácil servem
ao corpo, não ao espírito. Os condimentos não engordam a alma, mas o corpo. Pois muitos irmãos
nossos serviram muito tempo a Deus no Egito sem comer peixe. A pimenta, o gengibre, o
cominho, a sálvia e muitas outras especiarias para salsas agradam ao paladar, mas excitam a libido.
Tu me garantes com isso a segurança? Podes passar assim a adolescência com tranqüilidade? Basta
àquele que vive com prudência e sobriedade o sal, pois seu único condimento é a fome. Quando se
buscam outras satisfações, se necessitam muitas outras combinações de não sei que tipos de sucos
estranhos para satisfazer o paladar, provocar a gula e excitar o apetite. 12. Mas tu dirás: que pode
fazer aquele que não resiste mais? Certo. Bem sei que tu és delicado e que, uma vez acostumado
com essas coisas, não és capaz de suportar outras mais duras. Mas e se pudesses conseguir suportá-
las? Pergunta-me como? Decida-te, levanta-te, evita o ócio, esforça-te, move-te, ocupa tuas mãos,
faz algo, e logo sentirás que o único que te apetece é matar a fome, não adular o paladar. Isso
porque o exercício devolve o sabor a muitas coisas perdidas pela inércia. Depois de trabalhar, tu
tomarás com vontade muitos alimentos que rechaças em tua ociosidade. Porque a desocupação
engendra o desgosto, o trabalho a fome, e a fome, misteriosamente, torna doce o que o
aborrecimento faz insípido. Os legumes, os feijões, as pastas de farinha, o pão de cevada com água
enfadam o indolente, mas são as delícias do trabalhador. Talvez já tenhas desacostumado a vestir-

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te a túnica e te aborreças tanto com o frio do inverno quanto o calor do verão. Mas não lestes “A
neve cairá para aquele que teme o orvalho”? Te espantam as vigílias, os jejuns e o trabalho manual,
mas para aquele que medita nas chamas eternas, isso é muito leve. Além disso, a lembrança das
trevas exteriores faz com que a solidão não nos horrorize. Se pensas no juízo futuro das palavras
ociosas, o silêncio não te desagradará em demasia. Se levas diante dos olhos do coração o pranto
eterno e aquele ranger de dentes, dará no mesmo dormir sobre uma esteira ou num colchão. Se, em
plena noite, como prescreve a Regra, salmodias com toda a vigilância, o leito terá que ser muito
duro para que não durmas impassível. Se trabalhas manualmente durante o dia quando tua
profissão te exige, muito acre será a comida para não comê-la com gosto.

13. Portanto, levanta-te, Soldado de Cristo, levanta-te, sacode a poeira, volta à batalha da qual
fugistes, para lutar com maior brio depois de tua fuga, e teu triunfo será mais glorioso, porque
Cristo tem muitos soldados que começaram a lutar com intrepidez, perseveraram e venceram, mas
poucos desertores arrependidos se arrojaram de novo ao perigo que se esquivaram. Poucos foram
os que puseram em fuga aos inimigos de quem fugiram. E como todo o extraordinário é precioso,
me alegra que tu possas ser um desses que, quanto mais excepcionais, mais são gloriosos.

Se, por outro lado, és muito tímido, porque temes quando não deves e não temes quando mais
precisa fazê-lo? Por acaso pensas que te livrastes do poder dos inimigos porque fugistes da
batalha? Pois saibas que o adversário te persegue mais alegremente se foges que se lhe fazes frente,
ataca com mais audácia pelas costas, mas oferece menos resistência quando é enfrentado. Tu
lanças as armas e dormes tranqüilo pela manhã precisamente na hora em que Cristo ressuscitou, e
ignoras que desarmado perdes valor e és menos temível para os inimigos?

Uma multidão armada ronda tua casa e tu dormes? Já escalam os muros, derrubam a cerca,
irrompem pelo postigo. Se te surpreendem só, tu crês que estás mais seguro só que acompanhado,
desnudo no leito que armado no campo? Deixa a preguiça de lado, empunha as armas e retorna a
teus companheiros a quem abandonastes em tua fuga. Assim, o mesmo temor que te separou deles
voltará a te unir. Por que recusas o peso e o incômodo das armas, afetado combatente? Quando
ameaças o adversário e voam as flechas, não te pesa o escudo, nem sentes a loriga e o elmo. Tudo é
difícil àquele que passa subitamente da sombra para o Sol, da ociosidade ao trabalho, mas quando
começa a se soltar e lentamente se acomoda ao novo, o hábito elimina a dificuldade, e se torna fácil
o que antes parecia impossível. Os mais fortes soldados, ao escutarem as trombetas, também
costumam tremer diante do combate. Mas quando se inicia a batalha, aumenta seu valor com a
esperança de vencer e o temor de serem derrotados.

Por que temes tu, protegido que estás pela unanimidade de teus irmãos armados, se os anjos
caminham junto a ti, e se Cristo vai à frente como um duque guerreiro, dizendo aos seus para se
animarem a vencer “Ânimo, que Eu venci o mundo”?, e “Se Cristo está em nosso lado, quem
poderá estar contra?” Tu podes lutar seguro quando estás certo da vitória. Que segurança lutar por
Cristo e com Cristo! Nem ferido, nem derrubado, nem pisoteado, nem morto mil vezes, se fosse
possível, tu deixarias de vencer: basta não fugir. A única coisa que pode fazer perder a vitória é a
fuga. Fugindo, podes perdê-la, morrendo, não. Beato será se morreres lutando, porque os mortos te
coroarão. Mas, ai de ti, se, declinando a batalha, perderes a vitória e a coroa. Filho, diletíssimo, que
tu evites aquele que no juízo fará recair sobre ti uma condenação mais grave, devido a esta carta
minha, se, ao final, tu veres que não aproveitastes nada.

Notas

[1] Tradução a partir da edição bilíngüe (latim-espanhol) Obras completas de San Bernardo VII - Cartas. Madrid: Biblioteca
de Autores Cristianos, MCMXC, p. 02-59.

20
Ao papa Eugênio, Da Consideração (1149-1152) [1]

Uma das imagens mais antigas de São Bernardo, de um manuscrito inglês do século XII.

Prefácio:

Irrompe em meu interior, beatíssimo papa


Eugênio [2], um desejo incontido de ditar algo
que te edifique, te deleite, te console. Mas vacilo
entre fazê-lo ou não, pois duvido que possa sair
de mim uma exortação livre e ao mesmo tempo
moderada, já que me encontro como que envolto
em uma luta entre duas forças contrárias:
impulsionado pelo meu amor e contido pela tua
majestade. Esta me inibe, aquela me urge.

Mas intervêm tua dignidade e tu não me ordenas


simplesmente, mas te rebaixas para pedir-me
quando deverias ordenar-me. Como meus
pudores poderão ainda resistir, se tua própria
majestade é tão deferente comigo? Não me coage o fato de ter ascendido à cátedra pontifícia,
pois ainda que avance com grandes asas ao vento, não te faltará meu afeto. Pois o amor
desconhece o domínio [3] e reconhece o filho, mesmo sob a tiara; o amor é submisso por
natureza, obedece espontaneamente, concorda desinteressadamente, respeita
generosamente.

Mas nem todos são assim, nem todos. Muitos se deixam levar pela cobiça ou pelo temor.
Esses são os móveis que aparentemente te louvam, mas em seus corações lateja a maldade.
Adulam-te com tuas blandícias, mas te abandonam na necessidade. E a caridade, essa nunca
desaparecerá.

Eu, para te dizer a verdade, estou liberado dos meus ofícios maternais contigo, mas eles não
me privaram o afeto, pois há muito te carrego em minhas vísceras, já que não é tão fácil me
arrancarem um afeto tão íntimo. Tu podes ascender aos céus ou descer aos abismos, que
nunca se separarás de mim: seguir-te-ei onde quer que vás. Amei o que era pobre em seu
espírito; amarei o que é pai dos pobres e dos ricos. Conheci-te bem, e sei que não deixou de
ser pobre no espírito, embora te tenham feito pai dos pobres. Confio que em ti se tenha
realizado essa mudança, não à tua custa. Tua promoção não conseguiu mudar tua condição
anterior, mas somente sobrepor-se a ela. Assim, te admoestarei não como um mestre, mas
como uma mãe, como quem ama. Talvez pareça loucura, mas será somente para aquele que
não ama, nem sente a força do amor.

Livro I – Minhas condolências por tuas imensas ocupações.

I.1. Por onde principio? Decido-me fazê-lo por tuas ocupações, pois são elas que
maximamente me movem a condoer-me contigo. Digo condoer-me no caso de a ti também te
doerem. Se não é assim, te diria que me doem, pois não posso falar de condolência quando o
outro não sente a mesma dor. Portanto, se te doem, me condôo, se não, sinto maior pena
ainda, porque um membro insensibilizado dificilmente poderá se recuperar, já que não há
enfermidade mais perigosa que aquela que não se sente enfermo. Mas não sei se me ocorre
suspeitar isso de ti.

21
Bem sei com que gosto até bem pouco tempo tu saboreavas as delícias de tua doce quietude.
Não podes prescindir tão rapidamente delas; é impossível que não lamentes tua tão recente
perda. Uma ferida recente dói muitíssimo, e não é possível que tenha criado um calo tão
rápido, nem te creio capaz de ter ficado insensível em tão pouco tempo. Pelo contrário, se não
dissimulas, te sobram razões para sofrer justificadamente as fadigas que o cotidiano te
reserva. Não me engano se te digo que te arrancaram violentamente dos braços de tua
querida Raquel [4 ], e que necessariamente tens que renovar essa dor quantas vezes tiver que
suportá-la.

E quando te acontece isso? Sempre que tentas algo inutilmente sem poder terminar. Quantos
esforços sem sucesso! Quantas dores de parto sem parir! Quantos afãs frustrados! Quantas
coisas tu tens de abandonar, mal iniciadas! Quantos planos caem por terra depois de
concebidos! “Chegaram os filhos até o colo do útero”, disse o profeta [5 ], “e não há força
suficiente para fazê-los nascer”. Já não o experimentastes? Ninguém sabe melhor que tu.
Tuas faculdades mentais deveriam ter-se debilitado, ou deverias ser como a novilha de
Efraim, que trilhava com gosto [6 ], se é que te acomodastes à tua situação sem qualquer
preocupação. Desejo-te sinceramente a paz, mas não uma paz que nasça de teu
conformismo. Seria muito alarmante para mim que tu gozasses dessa paz. Estranhar-te-ias
chegar a esse extremo? Asseguro-te que é possível; ordinariamente a força do costume leva à
despreocupação.

Os perigos das ocupações excessivas

II.2. Não confie demasiadamente no desgosto que agora sentes. Não há nada tão arraigado
no ânimo que não perca sua força com a negligência e o tempo. A calosidade termina
encobrindo uma velha ferida já esquecida. Por isso, o insanável é o insensível, a dor mais
aguda e contínua cede de intensidade e, mesmo que os remédios não a amorteçam, ela cede
por si, desaparece com as medicinas, ou adormece por sua própria agudeza. Há algo que a
assiduidade não mude? A rotina nos relaxa, pois nada resiste à contínua repetição. Quantos,
devido à inércia do hábito, conseguiram encontrar doçura no que antes parecia amargo?

Assim confessava o justo, que lamentava: “O que minha alma se negava a tocar, veio a ser o
alimento em minha enfermidade”. [7 ] No princípio, algumas coisas podem parecer
insuportáveis, mas com o passar do tempo, se te acostumas a elas, não as julgarás tão
pesadas; pouco depois, já te serão suportáveis; em seguida, não as notarás e, no fim,
terminarão deleitáveis. Assim, paulatinamente, se chega à dureza do coração e, dela, à
aversão. Dessa maneira, como te dizia, a dor mais grave e contínua extinguir-se-á,
recobrando-se a saúde ou tornando-se insensível.

II.3. Em outras palavras, isso é o que sempre temi de ti e o temo agora: que por ter diferido o
remédio ao não poder suportar mais a dor, chegues a te abandonar irrevogável e
desesperadamente ao perigo. Tenho medo, te confesso, que, em meio às tuas ocupações, que
são tantas, por não poder esperar que nunca cheguem ao fim, tu acabes por endurecer a ti
mesmo e, lentamente, percas a sensibilidade por uma dor tão justificada e saudável.

É muito prudente que pelo menos um tempo tu te subtraias das ocupações. Faça qualquer
coisa, menos permitir que te arrastem e te levem para onde não queiras. Queres saber para
onde? Para a dureza do coração – e não me perguntes o que é essa dureza de coração: se já
não estremecestes, é porque já chegastes nela. Coração duro é aquele que não se espanta
mais consigo mesmo, porque nem o adverte. Quem me interroga? Interroga o faraó. [8 ]
Nunca um coração duro se salvou, a não ser que Deus, em Sua misericórdia, como disse o
profeta, o converta em um coração de carne.

E quando é duro um coração? Quando não se rompe pela compunção, nem se abranda com a
compaixão, nem se comove na oração; não cede ante as ameaças, nem se encrespa com os
flagelos; é ingrato com os bens que recebe, desconfiado com os conselhos, cruel nos
julgamentos, cínico diante do indecoroso, impávido ante os perigos, desumano com os
homens, e temerário com o divino; dá as costas a tudo, o presente não lhe importa, não teme

22
o futuro. É de coração duro o homem que, do passado, só recorda as injúrias que lhe fizeram;
não se aproveita do presente e, do futuro, só imagina a maquinação da vingança. Em outras
palavras: é de coração duro aquele que nem teme a Deus, nem respeita o homem.

Essas malditas ocupações podem te levar até esse extremo se, tal como iniciastes,
continuarem absorvendo-te totalmente sem reservar-te nada para ti mesmo. Perdes o tempo
e, se me permites ser para ti outro Jetro [9], te diria que te consomes em um trabalho
estulto, com ocupações que são aflição para o espírito, enervamento da mente e perda da
graça. O fruto de tantos afãs não se reduzirá a teias de aranha?

A infinitude e a indignidade de tuas ocupações

III.4. O que é estar desde a manhã até a véspera [10] presidindo litígios e escutando
litigantes? Que cada dia lhe baste sua malícia! [11] Mas não te restam nem as noites livres.
Apenas descansastes um pouco para que teu pobre corpo logo se recupere, e já tens que te
levantar de novo para acudir a juízos. Um dia passa a outro seus pleitos e a noite traz à noite
sua maldade. [12] Assim te falta tempo para respirar a bondade ou mesclar o trabalho com o
descanso, e menos ainda um intervalo de ócio, mesmo que seja curto. Sei que tu também o
deploras, mas inutilmente, se não fazes todo o possível para remediá-lo. Quisera que pelo
menos o lamentasses, para que tão absorvente ocupação não te endureça. “Os feri e não
sentiram dor”, diz Deus. [13] Que tu não sejas como eles! Identifique bem o que diz o justo e
suas afeições: “Que forças me restam para resistir? Que destino eu espero para ter paciência?
Sou tão resistente como a pedra? Por acaso minha carne é de bronze?” [14]

A paciência é uma magna virtude. Mas, neste caso, eu não gostaria que tu a tivesses. Há
ocasiões em que é preferível saber impacientar-se. Não creio que aproves a paciência que
Paulo se referia: “Com gosto suportai os insensatos, vós que sois sensatos”. [15 ] Se não me
equivoco, há aqui uma claríssima ironia, não louvor, mas uma repreensão mordaz da
mansuetude de alguns que, entregando-se aos pseudo-apóstolos e seduzidos por eles,
toleram com falsa paciência que lhes arrastem a seus estranhos e depravados dogmas. Por
isso acrescenta: “Suportais que vos escravizem”. [16]

A boa paciência não consiste em consentir que te degradem até a escravidão, quando podes
manter-te livre. Eu não gostaria que dissimulasses essa servidão que dia-a-dia te está
oprimindo. Não sentir a própria e contínua vexação é um sintoma de um coração que se
encontra embotado. “Os açoites te servirão de lição”, diz a Escritura [17], o que é verdade,
mas somente se não são excessivos. Quando o são, nada ensinam, porque provocam
repugnância. [18] Quando o ímpio chega ao fundo do mal, tudo despreza. [19 ] Desperta e fica
alerta: que te horrorize o jugo que te cai por cima e te oprime com sua odiosa escravidão.
[20]

Por acaso crês que, por servir a todos e não a um só, não és escravo? Não existe mais torpe
nem mais grave servidão que a escravidão dos judeus, pois aonde vão eles a levam consigo, e
em todas as partes ofendem seus senhores. Confessa também tu, por favor: onde te sentes
livre? Onde te vês seguro? Onde és tu mesmo? Por todas as partes a confusão te segue, o
tumulto te invade e o jugo de tua escravidão te oprime. [21]

IV.5. Não me respondas agora com as palavras do Apóstolo, que diz: “Sendo eu livre de
todos, a todos me escravizei” [22], pois não podes aplicá-las a ti mesmo. Ele não servia aos
homens como escravo para conseguir torpes aquisições. [23] Por acaso confluíam a ele de
toda a orbe os ambiciosos, os avaros, os simoníacos, os sacrílegos, os concubinários, os
incestuosos e outros monstros do gênero humano para conseguir ou conservar mediante sua
autoridade apostólica honras eclesiásticas?

Fez-se servo de todo aquele homem cuja vida era Cristo, e para quem morrer era um lucro.
[24] Assim, ele queria ganhar muitos para Cristo, mas não pretendia amontoar tesouros com
sua avareza. Portanto, não podes tomar como modelo de tua servil conduta a Paulo pela

23
sagacidade de seu zelo, nem por sua caridade tão livre quanto generosa. Seria muito mais
digno para teu apostolado, mais saudável para a tua consciência, e mais frutuoso para a
Igreja de Deus, se escutasse o mesmo Paulo quando diz: “Haveis sido resgatado por um
preço muito elevado; não vos façais agora escravos dos homens”. [25 ]

Pode haver algo mais servil ou indigno de um sumo pontífice que morrer por esses negócios e
pessoas, e nem digo a cada dia, mas a toda hora? Assim, qual tempo nos resta para orar?
Quantas horas reservamos para doutrinar os povos? [26] Como edificamos a Igreja? [27] O
quanto meditamos a Lei? [28] É justo que trates diariamente no palácio as leis de Justiniano e
não as do Senhor? Vejas tu. A Lei do Senhor é imaculada e converte as almas. [29] Essas
outras não são propriamente leis, mas pleitos e cavilações que subvertem o juízo. [30] E tu,
pastor e bispo das almas, com qual mente podeis tolerar que a lei seja sufocada pelo bulício
dos litígios?

Estou certo que os escrúpulos te mordem por tanta perversidade. Até imagino que mais de
uma vez serás obrigado a clamar ao Senhor, como o profeta: “Os iníquos me narraram suas
fabulações, e não seguem a tua lei”. [31] E vens agora a atreve-te a dizer-me que gozas de
liberdade sob deformante volume de tantos iniludíveis inconvenientes que não podes evitar.
Porque se podes e não queres, estarias muito mais escravizado, por ser servo de uma
vontade tão perversa como a tua. Ou será que não é escravo aquele dominado pela
iniqüidade? É o maior de todos, mesmo que seja para ti uma indignidade maior ser dominado
por outro homem que ser escravo de um vício. E o que é que mais importa: ser escravo por
tua vontade ou forçosamente? A escravidão coagida é miserável, mas ainda mais miserável é
a escravidão desejada. E tu me perguntas: “O que posso fazer?”. [32] Abster-te dessas
ocupações. Tu responderás que é impossível, que mais fácil seria renunciar à posse da
catedral. Isso seria o mais acertado se eu te exortasse a romper com elas, não a interrompê-
las. [33 ]

Uma exortação bastante meticulosa

V.6. Escuta minha repreensão e meus conselhos. Se tu dedicas toda a tua vida e todo o teu
saber às ações e não reservas nada à consideração, poderia eu felicitar-te? É por isso que não
te felicito. [34] E ninguém que tenha escutado o que Salomão disse – “Aquele que modera
sua atividade se tornará sábio” [35] – pode fazê-lo, pois até as mesmas ocupações sairão
ganhando se forem acompanhadas por um tempo dedicado à consideração.

E se tens a ilusão de ser tudo para todos, imitando aquele que se fez tudo para todos [36 ],
louvo tua humanidade, se é plena. Mas como pode ser plena se te excluis dela? Tu és homem.
[37] Assim, para que tua humanidade seja plena e integral, seu seio, que abarca a todos os
homens, também deve acolher-te. Do contrário, de que serve – conforme a palavra do Senhor
– ganhar a todos se te perdes a ti mesmo? [38 ] Então, já que todos te possuem, seja um dos
que dispõem de ti.

Por que tens de ser o único que não se beneficia de teu próprio ofício? Até quando tu serás
um alento fugaz que não retorna? [39] Quando darás audiência a ti mesmo entre tantos a
quem acolhes? Tu deves a sábios e néscios [40 ] e só rechaças a ti? O estulto e o sábio [41], o
escravo e o liberto [42], o rico e o pobre [43], o homem e a mulher [44], o velho e o jovem
[45], o clérigo e o laico, o justo e o ímpio [46], todos dispõem de ti igualmente, todos bebem
em teu coração como uma fonte pública, e só tu ficas com sede? Se é maldito aquele que
dilapida sua herança, que será daquele que fica sem ele próprio? Rega as ruas com teu
manancial [47], para que bebam nele homens, jumentos e animais [48], sem sequer excluir
os camelos do criado de Abraão [49 ], mas que tu também bebas com eles do caudal de tua
fonte. [50] E não a dividas com estranhos. [51 ] Ou será que tu és um estranho?

Para quem não és um estranho se o és para ti mesmo? Para quem é bom aquele que é cruel
consigo mesmo? [52] Não te digo para que sejas sempre, nem te digo para que sejas pouco,

24
mas pelo menos alguma vez que tu te voltes para ti mesmo. Mesmo que sejais como os
demais, ou depois dos demais, sirva-te a ti mesmo. Qual indulgência é maior? Digo isso mais
por exigência da indulgência [53 ] que da justiça, e acredito que sou mais indulgente contigo
que o próprio Apóstolo. “É mais que conveniente” [54], tu dirás. Mas isso não me preocupa; o
que mais dá se assim convém? Confio que tu não te conformarás com a minha meticulosa
exortação, mas a superarás. Melhor seria que tua generosidade superasse a minha audácia.
Eu prefiro equivocar-me por timidez diante de tua majestade que por temeridade, e creio que
é preferível admoestar o sábio, como o fiz, conforme o que está escrito: “ofereça ocasião ao
sábio e serás ainda mais sábio”. [55 ]

O que parece perfeito

VI.7. Além disso, ouça o que o Apóstolo pensa a respeito: “Não há entre vós sábios alguém
para poder julgar irmão e irmão?”. [56] E conclui: “Digo isso para ignonímia vossa. [57 ] Nos
pleitos, tomai por juízes a essa gente que na Igreja é desprezada”. [58 ] Portanto, segundo o
Apóstolo, usurpas indignamente para ti, Apostólico, um ofício vil, grau dos mais desprezíveis.
E por isso, um bispo, instruindo a outro bispo, lhe dizia: “Ninguém que milita por Deus trata
de negócios seculares”. [59] Mas eu sou mais condescendente contigo [60]; não te exijo
tanto, unicamente o que na realidade está ao teu alcance.

Creio que, nesses tempos, os homens que litigam pelos bens materiais e que pedem justiça,
não tolerariam que tu respondesses com uma reação parecida à do Senhor: “Oh, homem,
quem me constituiu juiz entre vós?” [61] O que julgariam imediatamente de ti? Diriam: “Fala
como se fosse um rústico e um imperito, ignorante que se esquece do que é o primado;
desonra a suma e excelsa Sede, e detrata a dignidade apostólica.” Sim, o diriam, mas jamais
poderiam demonstrar que algum apóstolo se havia constituído em juiz dos homens,
especializado em pleitos sobre fronteiras ou divisão de heranças.

O que li é que os apóstolos compareceram para serem julgados [62], mas nunca pude
comprovar que se sentaram para atuar como juízes. [63 ] Isso eles farão um dia, que ainda
não chegou. Ou por acaso o servo não se rebaixa em sua dignidade quando tenta ser maior
que seu senhor? [64 ] Ou o discípulo, se deseja ser superior ao seu mestre? Ou mesmo o filho,
se deseja transgredir os termos que lhe impuseram seus pais? [65] Quem me constituiu juiz?
[66] Isso o disse Ele, Senhor e Mestre. [67] E pode agora sentir-se ofendido o servo ou o
discípulo que não se erige em juiz universal?

Tampouco creio que possua um bom critério quem pensa que é indigno dos apóstolos e de
seus sucessores carecer de competência para serem juízes em todo tipo de causas, quando
somente receberam poder para as mais transcendentais. Por que não podem depreciar os
juízos sobre míseras posses terrenas humanas aqueles que um dia julgarão os próprios anjos
celestes? [68 ] Tu tens jurisdição sobre os crimes, não sobre as possessões; tu recebeste as
chaves do reino dos céus [69 ] para excluir os prevaricadores, não aos possuidores de terras,
para que saibais – afirma – que o Filho do Homem tem poder na terra para perdoar os
pecados. [70]

Qual poder e dignidade te parece maior: perdoar os pecados [71] ou dividir as terras? Não há
comparação. Já há juízes para esses assuntos ínfimos e terrenos, os reis e príncipes
terrestres. Por que invades competências alheias? Como te atreves a colocar tua foice no trigo
que não é teu? Não é porque tu sejas indigno, mas porque és indigno de ingerir-te em causas
semelhantes, quando deves ocupar-te de realidades superiores. E se alguma vez assim o
requerer um caso especial, convém que ouças não a mim, mas ao Apóstolo: “Se vós julgareis
o mundo, sereis indigno das mínimas causas?”. [72 ]

VII.8. Mas uma coisa é cair acidentalmente nessas causas urgentes quando lhe premiam com
razões, outra é entregar-se totalmente a elas, como se tratassem dos assuntos mais
importantes e que requeressem toda a nossa dedicação. Eu deveria recordar-te muitas outras
razões, se expusesse todos os argumentos mais convincentes com os conselhos mais retos e
25
sinceros. Mas para que? Correm os dias maus [73 ] e, nesse ínterim, eu já o admoestei para
que não te dês todo à ação, mas reserves algo de ti para a consideração, de teu coração e de
teu tempo. E te digo isso pensando mais na necessidade que na eqüidade, embora não seja
contra a eqüidade ceder ao que é necessário.

Da necessidade da consideração

Se é lícito fazer para si o que cremos mais conveniente, sempre e maximamente se deve
preferir a piedade como um valor máximo [74], porque ela é útil para tudo. Assim
irrefragavelmente mostra nossa razão. Perguntais-me o que é a piedade? Entregar-se à
consideração. Talvez repliques que aqui discordo de quem define a piedade como o culto que
se tributa a Deus. [75 ] Não rechaço essa posição. Se considerares bem, meu sentido, em
parte, coincide com essa expressão verbal. Porque o mais pertinente ao culto de Deus é
aquilo que nos pede o Salmo: “Cessai de trabalhar e vejais que eu sou Deus.” [76] E por
acaso não é nisso que precisamente consiste a consideração?

Além disso, será que há algo mais útil para tudo, que saber antecipar-se benignamente à
própria ação, ordenando de antemão o que se deve fazer mediante uma eficaz previsão? [77 ]
Isso é necessário. Do contrário, coisas que poderiam ter sido previstas e premeditadas com
vantajosa antecipação, são levadas a cabo com muito risco por serem feitas com precipitação.
E eu não duvido que isso tenha ocorrido com freqüência contigo; recordais, caso negativo, os
processos dos pleitos, os assuntos mais importantes e as decisões mais comprometidas.

O que primeiro purifica a consideração é sua própria fonte, isto é, a mente, da qual se origina.
Além disso, ela rege os afetos, dirige os atos, corrige os excessos, modera a conduta, ordena
e torna honesta a vida, além de dar ciência do conhecimento humano e dos mistérios divinos.

É a consideração quem põe ordem no que está confuso, concilia o incompatível, reúne o
disperso, penetra no secreto, encontra a verdade, examina a similitude de verdade e explora
o fingimento dissimulado. A consideração prevê o que deve ser feito, e reflete sobre o que foi
feito. Assim, não fica na mente nenhum resíduo de incorreção, nem nada que deva ser
corrigido. Pela consideração se pressente a adversidade na prosperidade, tal como dita a
prudência, e, graças à fortaleza, quase não são sentidos os infortúnios.

VIII.9. Deveis também observar a suavíssima harmonia, a conexão que existe entre as
virtudes e sua mútua interdependência. Agora mesmo acabas de contemplar a prudência
como mãe da fortaleza. E o que não nasce da prudência será uma ousadia da temeridade, não
um impulso da fortaleza. É também a prudência quem, fazendo-se de mediadora entre a
voluptuosidade e a necessidade, as arbitra dentro de seus próprios limites, porque determina
e proporciona o que basta para satisfazer à necessidade, e corta todo o excesso ao deleite.
Assim, nasce uma terceira virtude, que chamamos temperança.

E é precisamente a consideração quem nos permite descobrir a destemperança, tanto se nos


empenhamos em nos privarmos do necessário, quanto se nos indulgenciamos com a
superfluidade. Pois a temperança não consiste unicamente em nos abstermos do supérfluo,
mas também em admitirmos o necessário. O Apóstolo, além de secundar essa idéia, é seu
próprio autor, quando sentencia a não andarmos solícitos para que a carne cumpra seus
desejos. Ao pedir-nos para que “não andemos solícitos pela carne” [78], nos proíbe apetecer o
supérfluo, e, ao acrescentar, “ao cumprir seus desejos”, não exclui o necessário. Por isso,
penso que não será absurdo definir a temperança como a virtude que não fica aquém nem
além da necessidade, conforme o filósofo: sem excessos. [79]

VIII.10. Passando para a virtude da justiça, uma das quatro cardeais, sabemos que antes de
formar-se nela a mente, ela já foi previamente possuída pela consideração. Porque é
necessário que primeiro se reúna em si para extrair de seu interior essa norma da justiça que
consiste em não fazer ao outro o que não se deseja para si [80 ], e não negar aos demais o
que um quer que lhe dêem. Sobre estes dois pólos gira toda a virtude da justiça. Mas ela
nunca vai só.
26
A conveniência das quatro virtudes:

Examina agora comigo a bela conexão e coerência da justiça com a temperança, e o que
ambas têm com as outras duas virtudes superiores já mencionadas, a prudência e a fortaleza.
Porque se a justiça é não fazer aos demais aquilo que não gostaríamos que nos fizessem, sua
perfeição culmina no que nos diz o Senhor: “Tudo o que quereis que os outros fizessem por
vós, fazei vós por eles”. [81] Mas não praticaremos nem um nem o outro se a própria
vontade, onde se forja sua forma, não se dispor a rechaçar o supérfluo e a separá-lo do
necessário com verdadeiro escrúpulo. Essa disposição é precisamente o que é específico da
temperança. Inclusive a própria justiça, caso não queira deixar de ser justa, deverá ser
regulada pela moderação dessa virtude. “Não exageres tua honradez”, diz o sábio [82 ], para
indicar-nos que nunca devemos dar por bom o sentido do justo se ele não for moderado pelo
freio da temperança. Nem a própria sabedoria desdenha este controle, pois não diz Paulo com
o saber que Deus lhe deu “Não saber de si mais elevadamente do que convém saber, mas um
saber com sobriedade”? [83]

Pelo contrário, a temperança igualmente necessita da justiça. O Senhor nos ensina isso no
Evangelho, ao condenar a temperança dos que só jejuavam para ostentar diante das gentes
seu jejum. [84 ] Observavam temperança no comer, mas não eram justos em sua alma,
porque não tentavam ser prazerosos a Deus, mas aos homens [85].

E como possuir essa virtude ou a outra sem a fortaleza? Necessita-se de fortaleza, mas não
de uma medíocre, para pretender coibir e rechaçar rigidamente a si mesmo, sem ficar aquém
ou além, e assim coibir sua angústia interna, para que a vontade se mantenha no preciso
termo médio, puro, só, constante, no próprio centro precisamente circunscrito. Não é nisso
que consiste a fortaleza?

VIII.11. Diga-me, se podes, qual dessas três potentíssimas virtudes marcarias como esse
termo médio. Não crês que é tão singular das três que parece ser exclusivo de cada uma? Não
dirias que nesse termo médio, e nada mais, consiste toda a virtude? Mas então não haveria
multiplicidade de virtudes, pois todas seriam uma. Mas não. O que ocorre é que não pode dar-
se uma virtude que careça desse termo médio, que é o íntimo dinamismo e a medula de
todas. Para ela todas revertem tão estreitamente que é como se parecessem uma singular
virtude. Não porque a compartam repartindo-a, mas porque cada uma, prescindindo das
demais, a possui inteiramente.

Darei um exemplo: não é a moderação o que é mais típico da justiça? Se algo escapa de seu
controle, ela seria incapaz de atribuir a cada um tudo o que lhe corresponde, tal como o exige
sua própria natureza. E, por sua vez, não se chama assim a temperança por não admitir o
imoderado? O mesmo ocorre com a fortaleza. E é precisamente a propriedade dessa virtude
salvar a temperança dos vícios que lhe assaltam por todas as partes para sufocá-la,
defendendo-a com todas as suas forças até fortificá-la, como estável fundamento do bem e
assento de todas as virtudes. Portanto, justiça, fortaleza e temperança têm esse meio justo.

Mas nem por isso elas carecem de diferenças: a justiça tem afeto, a fortaleza eficácia, a
temperança modera a posse. Resta demonstrar como a prudência não se exclui dessa
comunhão. Ela é a primeira que descobre e reconhece esse justo meio, durante tanto tempo
proposto por negligência da alma, recluso no mais recôndito pela inveja dos vícios, e
encoberto pelas trevas do esquecimento. Por isso, te advirto que são pouquíssimos os que
descobrem a prudência, pois poucos a possuem.

Portanto, a justiça busca o justo meio. A prudência o encontra, a fortaleza o defende, e a


temperança o possui. Mas não era meu propósito tratar das virtudes. Se nisso me estendi, foi
para exortar-te a te entregar à consideração, pois assim nos beneficiaremos com essas coisas,
além de outras semelhantes. Pois não perderia a vida aquele que nunca se ocupasse desse
santo ofício, tão religioso quanto benéfico?

27
A malícia de nossos dias:

IX.12. Que sucederia se repentinamente te rendesses totalmente a essa filosofia? Teus


predecessores não o fizeram. Para muitos lhe seria uma moléstia; seria como se,
subitamente, te desviasses dos vestígios de teus pais e insultasses sua recordação.
Aplicariam-te aquele vulgar provérbio: “Faz o que ninguém faz e todos te mirarão”, como se
cobiçasses a admiração dos outros. Naturalmente não poderias subitamente corrigir todos os
erros, nem moderar todos os excessos. Contudo, com o tempo [86 ] e a sabedoria que Deus te
concedeu [87], conseguirás paulatinamente, se buscares as oportunidades. Sempre te será
factível tirar partido de um mal alheio.

Se tomarmos o exemplo dos bons, não os mais recentes, encontraremos sumos exemplos de
pontífices romanos que foram capazes de descobrir espaço para o ócio santo, embora
estivessem imersos nos assuntos mais delicados. Era iminente o assédio da urbe, e a espada
dos bárbaros caía sobre o pescoço de seus habitantes quando o beato papa Gregório não
interrompeu seu ócio para redigir seus sábios comentários. [88 ] E foi justamente nessa
obscura circunstância, como se deduz do Prefácio, que ele diligente e elegantemente redigiu a
última parte de seu tratado sobre Ezequiel.

X.13. De acordo. É certo que outras formas de vida fincaram raízes, e os tempos e os homens
mudaram radicalmente. Não que novos perigos nos ameacem, pois já são uma realidade
presente. A fraude, o engano e a violência se apoderaram da terra. Multiplicam-se os
caluniadores, rareiam os defensores, e por todas as partes os poderosos oprimem os pobres.
Não podemos desentender-nos com os oprimidos, nem negar-lhes o juízo da injúria
pacientemente sofrida. [89] Mas como é possível fazer-lhes justiça se não se tramitam as
causas e não se ouvem as partes litigantes?

Os advogados

Sim, as causas devem tramitar, mas como é devido, pois é execrável como os litígios são
freqüentemente conduzidos, e nem digo dos fóruns eclesiais, e sim dos civis. Pasmo como
teus religiosos ouvidos podem escutar as pugnas verbais e as disputas dos advogados, que
mais servem para subverter a verdade que para descobri-la. [90 ]

Corrige a depravação, corta a língua vã e fecha os lábios dolosos [91], porque apuram sua
eloqüência para servir ao engano [92 ], dissertar contra a justiça, e usar a erudição em favor
da falsidade. São sábios em fazer o mal e eloqüentes em impugnar a verdade; instruem a
quem deveria instruir-lhes, e não se baseiam na evidência, mas em suas invenções; caluniam
o inocente, destroem a simplicidade da verdade, e obstruem o caminho da justiça.

Nada pode manifestar tão facilmente a verdade como uma narrativa breve e clara. Eu quero
que tu te habitues a decidir com brevidade e diligência todas as causas que devem ser vistas
por ti, que não precisam ser todas. E finda toda dilação fraudulenta e venal. Conduz tu
pessoalmente as causas das viúvas [93], do pobre e do insolvente. Muitas outras tu poderias
passar para outros, e outras, não deves sequer considerá-las dignas de audiência. Pois para
que perder tempo em escutar pessoas cujos pecados já se conhecem antes do juízo?

Os ambiciosos:

Tamanho é o despudor de alguns, que conduzem aos tribunais suas ânsias de ambição, e
manifestam seus pleitos com todas as luzes. Ousam apelar à consciência pública, quando
bastava a sua própria para confundirem seus juízos. Não houve quem humilhasse suas frontes
altivas [94] e, por isso, se multiplicaram, e se fizeram ainda mais soberbos. O que não sei é
como estes homens de consciência corrompida não temem ser descobertos pelos que são tão
depravados como eles. É que onde todos fedem, ninguém percebe seu fedor. Por exemplo:
28
sente algum rubor o avaro diante do avaro, o imundo diante do imundo, o luxurioso diante do
luxurioso? A Igreja está cheia de ambiciosos. Por isso, tu não podes nem mais horrorizar-te
com as intrigas e os apetites dos ambiciosos, pois estás como em uma espelunca de ladrões
[95], onde se contempla os espólios dos viajantes.

XI.14. Se és discípulo de Cristo, deveria consumir-te em zelo, e levantar-te com toda a tua
autoridade contra semelhante impudência e peste geral. Contempla o mestre e escuta-o: “Se
alguém quer servir-me, siga-me”. [96 ]

Ele não predispôs Seus ouvidos para escutá-los, mas fez um flagelo para golpeá-los; não
deixou pronunciarem discursos, nem os admitiu; não se sentou no tribunal [97 ], mas os
puniu. E não ocultou o motivo: converteram a casa de oração em uma de negociação. [98 ]
Faz tu semelhante. [99] Que enrubesçam esses negociantes se for possível; caso contrário,
que te temam, pois tu também tens o flagelo. Que temam os numerários, e que, ao invés de
confiarem no dinheiro, que percam sua confiança; que escondam seu dinheiro de tua vista,
cientes que preferes tirá-lo que recebê-lo.

Caso obres assim, com constância e dedicação, terás muitos lucros [100], conseguirás que
vivam de ofícios mais honestos, e muitos não se atreverão a conceber negócios semelhantes.

Acrescento que tu ainda poderás dispor melhor desses tempos de férias que te aconselho.
Encontrarás muitos momentos livres [101 ] para dedicá-los à consideração, se fores capaz de
não conceder audiências para certos pleitos, remeter outros a outras pessoas, e resolver os
que tu julgas dignos de tua intervenção com um informe breve, fiel, e apropriado à causa.

Sobre essa consideração penso extender-me mais, embora o faça em outro livro, para já
concluir esse e não te resultar duplamente pesado por sua excessiva extensão e pela aspereza
de meu estilo.

Notas Bibliográficas:

[1] Tradução a partir da edição bilíngüe (latim-espanhol) Obras completas de San Bernardo II. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, MCMXCIV, p. 52-185. Em latim, consideratio é a ação de observar, refletir; considerare, o agir com reflexão;
consideratus, ser prudente, atento, circunspecto, ter bom senso.

[2] Eugênio III, papa (1145-1153), foi discípulo de Bernardo de Claraval. Pier Bernardo Pignatelli nasceu em Montemagno,
próximo a Pisa, de rica e nobre família cristã. Em 1135 ingressou na Ordem de Cister e, mais tarde, designado para abrir um
mosteiro em Farfa (diocese de Viterbo). Como papa, enfrentou a difícil situação política italiana, em parte provocada por
Arnaldo de Bréscia (c. 1105-1155), conhecido opositor papal. Após tomar conhecimento da queda de Edessa (1145), Eugênio
III escreveu uma carta a Luís VII da França, convidando-o a tomar a cruz. Na Dieta de Speyer (1146), o imperador Conrado
III, além de muitos nobres, também foi convencido à peregrinação armada. Eugênio III governou a Igreja somente oito anos
e cinco meses, e foi beatificado em 1872.

[3] Bernardo faz uma alusão aqui ao senhorio, centro territorial do poder feudal.

[4] Gn 29, 6ss.

[5] 4Reis (Vulgata), 19, 3.

[6] Os 10, 11.

[7] Jó 6, 7.

[8] Ex 7, 13.

[9] Ex 18, 18. Trata-se do sogro de Moisés.

[10] Isto é, seis da tarde.

[11] Mt 6, 34.

[12] Sl 19 (18), 3.

[13] Jr 5, 3.

[14] Jo 6, 11-12.

[15] 2Cor 11, 19.

29
[16] 2Cor 11, 20.

[17] Is 28, 19.

[18] Sl 118, 130.

[19] Pr 18, 3

[20] Gl 5, 1.

[21] Gl 5, 1.

[22] 1Cor 9, 19.

[23] Tt 1, 7.

[24] Fl 1, 21.

[25] 1Cor 7, 23 (“Alguém pagou alto preço pelo vosso resgate; não vos torneis escravos dos homens”).

[26] Lc 20, 1.

[27] 1Cor 14, 4.

[28] Sl 1, 2

[29] Sl 18, 8.

[30] Jo 34, 5.

[31] Sl 118, 85.

[32] At 9, 6.

[33] “Eugênio é exortado a não suportar que o escravizem. O papa deve resistir à maldade destas estultas ocupações através
do clamor sincero a Deus. Bernardo o impele a reagir, pois a força do costume leva à despreocupação, e conseqüentemente à
dureza de coração, ao pecado. Deve-se querer rechaçar o mal, fazê-lo retroceder, opondo-lhe tenazmente força contrária. Em
ambiente tão nefasto, destaca-se a exortação de Bernardo à resistência. Nesse cenário, compreendemos o significado para o
abade de Claraval do livre-arbítrio: ser coagido pela iniqüidade é menos miserável do que deixar-se dominar por ela. O
permitir pressupõe escolha. E, mais do que isso, escolha consciente. Isso porque a decisão da vontade deve ser precedida de
uma reflexão sobre se algo deve ser feito ou não, na ponderação dos motivos; a decisão final procede de um ato livre da
vontade. Assim, o livre-arbítrio não é meramente autodeterminação, mas também auto-julgamento.”, SEPULCRI, Nayhara, e
COSTA, Ricardo da. “Querer o bem para nós é próprio de Deus. Querer o mal só depende de nosso querer. Não querer o bem
é totalmente diabólico: São Bernardo de Claraval (1090-1153) e o mal na Idade Média”. In: Anais do II Simpósio
Internacional de Teologia e Ciências da Religião (ISSN 1981-285x - cd-rom), Belo Horizonte, ISTA/PUC Minas, 2007.

[34] 1Cor 11, 22.

[35] Ecl 38, 25.

[36] 1Cor 9, 22.

[37] Jo 10, 33.

[38] Mt 16, 26.

[39] Sl 77, 39.

[40] Rm 1, 14.

[41] Ecl 6, 8.

[42] Ef 6, 8.

[43] Pr 22, 2.

[44] Gn 1, 27.

[45] Ier 31, 13.

[46] Gn 18, 25.

[47] Pr 5, 16.

[48] Ion 3, 7.

[49] Gn 24, 14.

[50] Pr 5, 15.

30
[51] Pr 5, 17.

[52] Ecl 14, 5.

[53] 1Cor 7, 6.

[54] Rm 12, 3.

[55] Pr 9, 9.

[56] 1Cor 6, 5.

[57] 1Cor 6, 5.

[58] 1Cor 6, 4.

[59] 2Tm 2, 4.

[60] 1Cor 7, 28.

[61] Lc 12, 14.

[62] At 5, 27.

[63] Mt 19, 28.

[64] Jo 13, 16.

[65] Prov 22, 28.

[66] Lc 12, 14.

[67] Jo 13, 14.

[68] 1Cor 6, 3.

[69] Mt 16, 19.

[70] Mt 9, 6.

[71] Mt 9, 6.

[72] 1Cor 6, 2.

[73] Ef 5, 16.

[74] 1Tm 4, 8.

[75] Jo 28, 28.

[76] Sl 45, 11 (“Traqüilizai-vos e reconhecei: Eu sou Deus, mais alto que os povos, mais alto que a terra!”).

[77] 1Tm 4, 8 (“A pouco serve o exercício corporal, ao passo que a piedade é proveitosa a tudo, pois contém a promessa da
vida presente e futura”).

[78] Rm 13, 14.

[79] ARISTÓTELES, Retórica, II, 12, 1389b. Nessa passagem, Aristóteles trata do caráter do jovem, e diz: “Em tudo pecam
por excesso, e violência, contrariamente à máxima de Quílon: tudo fazem em excesso; amam em excesso, odeiam em
excesso e em tudo o resto são excessivos; acham que sabem tudo e são obstinados (isto é a causa do seu excesso em
tudo)”. O Estagirita cita Quílon (ou Quilão), o Lacedemônio, lendário personagem da história grega, um dos Sete Sábios,
talvez vivido no século VI a.C. A máxima “nada em demasia”, atribuída a Quílon, segundo a tradição, figurava no Santuário
de Delfos. Naturalmente Bernardo a cita como um bom exemplo de Aristóteles (chamado por ele e por todos os medievais de
“O Filósofo”) a respeito da virtude da temperança.

Outro aspecto interessante dessa citação de Bernardo é o fato de a Retórica de Aristóteles só ter sido traduzida no ocidente
medieval no século XIII: por Bartolomeu de Messina (da corte de Manfredo da Sicília), Guilherme de Moerbeke (1215-1286),
arcebispo de Corinto e membro da ordem dos pregadores, e Herman, o Alemão (1266-1272), tradutor da Escola de Toledo, o
que significa que muito provavelmente Bernardo fez sua citação a partir da leitura de outro autor que, por sua vez, citou a
passagem de Aristóteles (talvez Cícero).

[80] Mt 7, 12.

[81] Mt 7, 12.

[82] Ecl 7, 17.

[83] Rm 12, 3 (“Eu peço a cada um de vós que não tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que convém, mas uma
justa estima, ditada pela sabedoria, de acordo com a medida da fé que Deus dispensou a cada um.”).

[84] Mt 6, 16.

31
[85] Gl 1, 10.

[86] “No momento que eu tiver decidido, eu próprio vou julgar com retidão.”, Sl 74, 3.

[87] 2Pet 3, 15.

[88] Ecl 38, 25.

[89] Sl 102, 6; 145, 7.

[90] 1Tm 6, 4.

[91] Sl 11, 4.

[92] Jr 9, 5; Is 59, 3.

[93] Is 1, 23; Jr 5, 28.

[94] Hebr 7, 23.

[95] “Então Jesus entrou no Templo e expulsou todos os vendedores e compradores que lá estavam. Virou as mesas dos
cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: ‘Está escrito: Minha casa será chamada casa de oração. Vós,
porém, fazeis dela um covil de ladrões!’”, Mt 21, 12-13.

[96] Jo 12, 26.

[97] Is 16, 5.

[98] Mt 21, 13.

[99] Lc 10, 37.

[100] 1Cor 9, 19.

[101] Ef 5, 16; Col 4, 5.

E. VACANDARD, Vie de Saint Bernard, 2 volumes, Paris, 1895. Para uma orientação bilbiográfica sobre s. Bernardo, cf. P.
ZERBI, Bernardo di Chiaravalle, in, Biblioteca Sanctorum, III, Roma, 1963, col. 31-37. Para uma apresentação geral da vida e
da obra de S. Bernardo, pode-se consultar: J LECLERCQ, San Bernardo e lo Spirito cistercense, Turim, 1976; J. LECLERCQ,
Opere di San Bernardo, aos cuidados de Ferruccio Gastaldelli, Milão, 1984 volume I, Introdução geral, pp. XI-LXI

J. LECLERCQ et H. ROCHAIS, Sancti Bernardi Opera 9 volumi, Roma 1957-1977

O mosteiro das Tre Fontane tornou-se cisterciense em 1140. Bernardo dedicará ao Papa Eugênio III o Tratado De
Consideratione.

(Traduzido do original em italiano: "Ordie Cistercense - Nono Centenario dalla Fondazione, 1098-1998 por D. Abade Edmilson
Amador Caetano, O. Cist.)

32
“Querer o bem para nós é próprio de Deus. Querer o mal só
depende de nosso querer. Não querer o bem é totalmente
diabólico”: São Bernardo de Claraval e o mal na Idade
Média.
Ricardo da Costa

O homem de Deus (Bernardo) perguntou (ao diabo):


“Você não quer voltar para a glória?”, e o diabo
gargalhando respondeu: “Tarde demais!”. Então o
homem de Deus orou e o demônio saiu da mulher, mas
quando ele se afastou o diabo novamente a invadiu. O
marido dela correu à procura de Bernardo e contou o
acontecido. Ele mandou que fosse atado ao pescoço
dela um pedaço de papel com as palavras: “Demônio,
em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo ordeno que
não ouse ter contato com essa mulher daqui em
diante”. Assim foi feito, e a partir daí ele não se
aproximou dela (JACOPO DE VARAZZE, Legenda
Áurea,115).

São Bernardo (Heures d'Étienne Chevalier, c.1452-1460,


iluminura de Jean Fouquet [c.1415-c.1480], Musée Condé,
Chantilly, R.-G. Ojeda, RMN). Nessa iluminura do séc. XV, na
parte superior Bernardo fala aos monges (e alguns parecem não
dar muita importância às suas palavras, conforme indica a posição
de seus braços); na parte inferior, já em sua cela, Bernardo é
acossado pelo diabo (que ameaçadoramente o chama com um
dedo da mão direita) e se defende com a mão direita sobre a
Bíblia e a esquerda apontando para ela.

O conhecimento do bem e do mal

Por que, irmãos, esse arrogante baixa para rondar o homem? Olhem as voltas que o ímpio também dá dentro de si. Seus
olhos se levantam para o sublime, e observam com curiosidade o mais ínfimo, mas tudo isso é para se empinar ainda mais,
para se pavonear ainda mais. Desprezando o humilde, ele se crê mais elevado, como está escrito: “A soberba do ímpio
oprime o pobre” (Sl 11, 9). Como o anjo mau perversamente emula os anjos bons, que também sobem e baixam! Ele sobe
com o afã de jactância, e baixa com o ódio da maldade. Sua ascensão é uma mentira, seu descenso uma crueldade (...) E se
os espíritos malignos baixam para rodear-nos, os anjos bons também descem para ajudar-nos e guardar-nos em todos os
nossos caminhos (BERNARDO DE CLARAVAL, Sobre o Salmo 90, Sermão 12, 2).

O mal está associado ao sofrimento – físico ou moral. Assim, o homem vive a dualidade do
sofrer e do agir. Na Idade Média o sofrer o mal e o erro (ação) estavam fortemente
associados. Para os medievais, o pecado estabeleceu a dinâmica das relações externas (com a
sociedade, com Deus, etc.) e internas (entre a alma e o corpo). A instituição de práticas
rituais, a vida e o entendimento de mundo do homem medieval giravam em torno do pecado
(CASAGRANDE e VECCHIO, 2002: 337).

O problema do mal na teologia cristã centralizou-se na tensão entre um bem-transcendente,


de um Deus revelado, e um mal, avatar humano de uma criação boa, revelado no pecado
original.

Na filosofia cristã, o mal se identifica com o não-ser, diante do ser, que é o bem. De acordo
com Santo Agostinho (354-430), “uma natureza jamais é um mal e esta palavra não mais
designa que uma privação de bem”. (A Cidade de Deus, XI, 22). O mal não advém de Deus
nem de Sua obra, pois a seguir de cada obra sua, a Escritura Sagrada repete: “E Deus viu que
era bom” (Gn. 1, 4-10-12-18-21-25-30).

Ainda sobre a concepção metafísica do mal, ele é uma dualidade do ser, como uma dissensão
ou ainda um conflito entre dois princípios (ABBAGNANO, 2000: 638-639). No entanto, não nos
ateremos ao dualismo. Pontuamos apenas sua influência, sentida pela igreja cristã, que se
33
esforçou por se distinguir, firmada na essencial idéia de que o princípio do mal não foi criado
por Deus e é totalmente independente Dele.

Na Alta Idade Média, a Igreja ocidental foi afetada pelo dualismo na esfera da sensibilidade
popular. As atribulações da época agravaram nas consciências o papel do Diabo, onipresente
e comandante de um exército de demônios que habitavam entre os homens. O mundo
(terrestre e cósmico) de então era concebido como o palco de um estrondoso confronto entre
Deus e Satanás, no qual estava em jogo a própria salvação da humanidade. Para os teólogos,
a ação do Maligno se daria apenas com o consentimento de Deus, e também como punição
pelo pecado original. No entanto, muitos cristãos não atentaram a tais minúcias, pois as
admoestações dos clérigos muitas vezes não encontraram eco nas sensibilidades coletivas.

Para os cristãos, o Diabo encarnava tudo que a consciência não podia reconhecer como
emanado dela própria (e nem de Deus), tudo que ela julgava negativo, hostil, e que deveria
ser rejeitado, expulso. Atribuía-se a Satanás um inimigo exterior ao homem: a maldade
(BASCHET, 2002: 328).

O nascimento do Diabo se deu com a queda dos anjos (Is 14, 12-15). Tal acontecimento
marcou o início do mal no universo. Desse modo, os demônios foram criados bons e
tornaram-se maus por vontade, não por natureza (A Cidade de Deus, XI, 17). No cristianismo,
a escolha é, portanto, um ponto fulcral, como disse Santo Agostinho (354-430):

De fato, o pecado é mal voluntário. De nenhum modo haveria pecado se não fosse voluntário. [...] Enfim, se o mal não fosse
obra da vontade, absolutamente ninguém deveria ser repreendido ou admoestado [...]. Logo, à vontade deve ser atribuído o
fato de se cometer pecado. [...] Julgou Deus que assim seriam melhores os seus servidores – se livremente o servissem.
Coisa impossível de se conseguir mediante serviço forçado e não livre (SANTO AGOSTINHO, 2002: 50-51).

Para Agostinho a alma é dotada de livre-arbítrio, cabendo ao homem escolher, segundo sua
vontade e julgamento, o que deve ou não praticar.

De acordo com o texto bíblico, o mal se tornou presente na vida do homem no momento em
que ele comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal, e seus olhos se abriram (Gn 3,
7). Tal conhecimento era um privilégio de Deus e foi usurpado pelo pecado. No entanto, não
se trata da onisciência (que o homem decaído não possui), tampouco do discernimento moral,
que o homem inocente já possuía – pois Deus não poderia recusá-lo à sua criatura racional, e
sim à capacidade de decidir por si mesmo o que é bem e o que é mal, principalmente à
reivindicação de autonomia moral através da qual o homem nega ser criatura.

Assim, o primeiro pecado foi uma afronta à soberania de Deus, rebelião expressa na
transgressão de um preceito estabelecido pelo Criador e representado sob a imagem do fruto
proibido.

34
São Bernardo de Claraval :

amor, diligência e combate


A última tentação é o demônio meridiano, que costuma assediar especialmente os perfeitos, isto é, aqueles que, como
pessoas virtuosas, superaram tudo: volúpias, favores, honras. Que armas restam ao tentador para lutar contra ele? É certo
que chegará sorrateiramente, porque não se atreve a fazê-lo abertamente. E como tem suficiente experiência que o mal
horroriza se é descoberto, dissimula-o, para suplantar o bem pelo mal. Mas os que podem dizer com o Apóstolo “Não
ignoramos suas astúcias” (2Cor 2, 11), quanto mais avançam, mais se preocupam em prevenir-se contra esse artifício
(BERNARDO DE CLARAVAL, Sermão 33, VI.13).

São Bernardo (c. 1500), de Jörg Breu der Ältere (c.1475-1537) (Zwettl/
Autriche, Photographie Siebenberg-Verlag). Nesse quadro do pintor
renascentista alemão, São Bernardo cura uma mulher endemoniada.

O abade de Claraval destacou-se no século XII


como uma persuasiva voz que guerreou contra os
inimigos da fé cristã. Ele tinha amor ao trabalhar para
Deus, e isso o destacou em seu tempo. Místico, Bernardo
foi um grande mestre da introspecção e um atento
perscrutador dos segredos ocultos no coração do homem,
de suas paixões, bem como de suas potencialidades
divinas e diabólicas (BOEHNER e GILSON, 1985: 284).
Sua obra está fundamentada especialmente em Agostinho
e nos padres gregos. Seus escritos testemunham sua
generosidade e diligência, tão particulares e ao mesmo
tempo tão pertinentes ao serviço de Deus.

Bernardo escreveu exortações e ensinamentos ao mundo. Dirigiu-se a reis, papas,


bispos, abades, monges, teólogos, nobres e amigos. Escreveu também aos pósteros. Para
isso, ele foi assessorado por uma equipe de secretários que classificava, copiava e difundia
suas cartas (DUBY, 1990: 6). Ao compor, o abade de Cister seguiu o procedimento estilístico
da literatura de então, praticando a tão recomendada emendatio. Suas palavras,
cuidadosamente escolhidas, nunca são vãs. Como fios muitíssimo bem entrelaçados, elas
fazem parte de um todo harmonioso.

Bernardo foi um erudito da literatura monástica. Sua profunda reflexão sobre a


revelação cristã o distingue dos teólogos de seu século, pois as Escrituras lhe são fonte de
águas vivas, às quais constantemente recorre (PASCUAL, 1993: 135).

Bem disposto, atendia generosamente às mais diversas questões: discernir vocações


monásticas, orientar vidas cristãs, aconselhar e corrigir bispos e abades, intervir pela paz
social, política e religiosa, ditar suas obras doutrinais, etc. (ARANGUREN, 1994: 5).

A essência que o levava a redigir está bem definida em uma carta ao bispo Eustáquio
(a quem Inocêncio II depôs em 1135): “Talvez outro interprete de maneira diferente; eu,
movido pela autêntica caridade, decidi fazer o que posso, e advertir a um homem tão nobre
com essas linhas a respeito de tua salvação, despertá-lo do sonho, fazer voltá-lo a seu
coração e estimulá-lo à graça” (Carta 185, 1).

Por isso, o mal não lhe é um tema recorrente. Em sua vasta obra, identificamos
somente cinco extratos de textos que mencionam o assunto: dois Sermões, duas Cartas e
uma Sentença, que intitula nosso trabalho.

35
O mal reside no coração: Sobre o Cantar dos Cantares, Sermão 32

A palavra sermão designa um discurso religioso no qual se explica a palavra de Deus.


Nele, estimula-se a prática da virtude através de admoestações que tocam a sensibilidade dos
ouvintes. Nos tempos medievais, destinava-se menos a transmitir novos ensinamentos do que
a rememorar as verdades já conhecidas. Os fragmentos de sermões que apresentaremos têm
seu fundamento nas Sagradas Escrituras e trazem considerações para alimentar a alma e a
conduta moral dos fiéis.

Em uma passagem de seu Sermão 32, Bernardo afirma não desejar saber de onde vem
o mal: o importante é saber que ele existe, e que não consintamos com ele. O abade defende-
se com Mateus (26, 41), os Salmos (18, 13), e roga que seja absolvido daquilo lhe foi
ocultado, pois assim não poderá dar o que não recebeu (1Cor 15, 3).

Ele não quer saber. Sabe que o mal reside no coração, mas não nasce do coração. Está
convicto que existe nele, mas não tem a mesma certeza em atribuir uma coisa ao coração e
outra àquele que lhe é hostil (BERNARDO DE CLARAVAL, 1987: 473).

A questão da origem do mal na visão bernardiana tem tamanha importância que não
se deve falar dele, escrever sobre ele, dizer dele. Deve-se estar atento ao mal, pois o que
realmente importa é saber que ele existe. E é muito importante que o crente lute com suas
verdadeiras armas: a vigília e a oração (“Velemos e oremos”). Só assim o homem não se
achará em falta por não discernir os próprios erros.

Satanás e a inspiração à prática do mal: Sermão 71

Para os medievais, o mal materializa-se na figura do diabo. A importância do Maligno


pareceu fortalecer-se ao longo da Idade Média, especialmente a partir do ano mil (BASCHET,
2002: 319).

Nesse riquíssimo extrato textual há, simultaneamente, a influência maligna de


Satanás, que leva o homem à iniqüidade, e a compreensão de Bernardo sobre a escolha de
resistir ao Diabo e seguir os caminhos de Deus:

Sob o jugo do faraó se trabalha o barro, obras dissolutas e sórdidas. Ele administra a palha, que são as cogitações frívolas. A
palha arde e logo é consumida. O mesmo ocorre com as más cogitações inspiradas pelo diabo: acendem rapidamente em
nossa mente com o consentimento de uma carne fraca.

Mas se resistimos com virilidade, com a ajuda divina elas se extinguem. Com a palha acesa era cozido o barro, que se
convertia em ladrilho; as cogitações depravadas, que são barro, se aquecem com a palha do deleite, cozinham em ato, e se
solidificam em consuetudinária, que é sólida.
(SÃO BERNARDO DE CLARAVAL, 1988: 387).

O faraó tipifica o adversário das almas. O barro personifica as obras humanas, que
pouco valem. O Diabo é o administrador da palha, assim como faraó o era no Egito. A palha
alude aos desejos frívolos que rapidamente passam pelas nossas mentes, com o nosso
consentimento.

Os maus pensamentos são alimentados pelo prazer em tê-los e, ao consumarem-se


através do ato pecaminoso, cristalizam-se no hábito, na prática constante. Assim, devido à
inércia do hábito, encontra-se “doçura no que dantes era amargo”, e passa-se a não querer o
bem.

O mal e o livre-arbítrio: Da Consideração

Dentre as mais de 500 cartas do abade cisterciense que nos chegaram, nesse trabalho,
destacamos duas que nos permitem compreender o mal sob o olhar de Bernardo: Da
Consideração, ao Papa Eugênio, e a Carta 231, aos bispos de Óstia, Frascati e Palestina, em
defesa do abade de Lagny.

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Na Idade Média, as cartas eram textos redigidos segundo a preceptiva epistolar da
época – a ars dictaminis, como denominavam os medievais. As normas de escrita
estabeleciam como deveria ser a saudação, o exortium, a disposição e a conclusão da carta.
Assim, a prosa não era livre. Ela deveria reproduzir certos ritmos vocálicos (cursus).

Compostas para brilhar em reuniões literárias ou como exemplos de bela escrita para
estudantes iniciantes nas artes liberais (COSTA, 2006), as cartas expressavam opiniões
pessoais dirigidas não apenas para o receptor, mas para todos, pois o autor possuía a
consciência de que seriam lidas em voz alta e circulariam livremente em ambientes diversos,
e que poderiam inclusive serem publicadas.

Em 1125, o próprio Bernardo ponderou sobre o alcance e difusão de seus escritos:


“Embora tenha me dirigido especialmente a ti, não escrevi esta carta tão extensa por ti, mas
por aqueles que dela necessitarão, segundo os planos de Deus” (7, 20) (BERNARDO DE
CLARAVAL, 1990: 121).

Bernardo redigiu a carta intitulada Da Consideração talvez motivado pelo malogro da


segunda cruzada (1147-1149) da qual foi seu principal pregador, apoiado pelo papa Eugênio
III e pelo rei francês Luís VII (COSTA, 2006b). O abade comenta, no prefácio da carta, que o
próprio pontífice lhe pedira um escrito para sua meditação.

Eugênio fora discípulo de Bernardo em Cister. Da consideração rememora em tom


cordial os deveres do papa, convidando-o a um exame de consciência sobre suas
responsabilidades. Com sua notável habilidade retórica, o abade propõe que o primeiro a ser
objeto de consideração do papa seja sua própria pessoa (GARCIA-VILLOSLADA, 2003: 438).

As fadigas cotidianas envolviam o papa. Contra elas Bernardo escreve:

Estou seguro que os escrúpulos te mordem por tanta perversidade. Inclusive imagino que mais de uma vez tu serás obrigado
a clamar ao Senhor como o profeta: ‘Os iníquos narraram-me suas conversas, mas não seguem Tua lei’. E tu vens agora e te
atreves a dizer-me que gozas da liberdade sob tão graves inconvenientes que não podes evitar! Porque se tu podes e não
desejas, estarias muito mais escravizado por tua tão perversa vontade. Ou por acaso não és um escravo aquele dominado
pela iniqüidade?

Isso é o máximo, mesmo que tua forte indignidade julgue o homem tíbio como uma vítima dominada. De que importa tua
vontade servil se tu próprio te convidas? A escravidão coagida é miserável, e ainda mais miserável a desejada. ‘Que posso
fazer?’, me perguntas. Abster-te dessas ocupações. Tu me responderás: impossível; mais fácil seria renunciar à cátedra. Isso
seria o mais acertado a fazer, se eu te exortasse a romper com elas, não a interrompê-las.
(SÃO BERNARDO DE CLARAVAL, 1994, p. 63).

Desde Gregório VII (1073-1085), os principais papas eram advogados. A corte


pontifícia tornara-se uma organização notadamente jurídica. Os pontífices de então, inclusive
o próprio Eugênio, viviam imersos em questões legais (JOHNSON, 2001: 245).

Rodeado por advogados e litigantes, o papa perdia-se em meio a tais ocupações


seculares, faltando lhe tempo para “respirar a bondade”, para mesclar trabalho e descanso.
Bernardo define tal ambiente perverso: nele, os iníquos (advogados) narram suas fabulações,
não seguindo a lei de Deus – a verdade (COSTA, 2006b).

Eugênio é exortado a não suportar que o escravizem. O papa deve resistir à maldade
destas estultas ocupações através do clamor sincero a Deus. Bernardo o impele a reagir, pois
a força do costume leva à despreocupação, e conseqüentemente à dureza de coração, ao
pecado. Deve-se querer rechaçar o mal, fazê-lo retroceder, opondo-lhe tenazmente força
contrária.

Em ambiente tão nefasto, destaca-se a exortação de Bernardo à resistência. Nesse


cenário, compreendemos o significado para o abade de Claraval do livre-arbítrio: ser coagido
pela iniqüidade é menos miserável do que deixar-se dominar por ela. O permitir pressupõe
escolha. E, mais do que isso, escolha consciente. Isso porque a decisão da vontade deve ser
precedida de uma reflexão sobre se algo deve ser feito ou não, na ponderação dos motivos; a

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decisão final procede de um ato livre da vontade. Assim, o livre-arbítrio não é meramente
autodeterminação, mas também auto-julgamento.

O mal e a Sabedoria

Bernardo colore seus textos de analogias, como num sagrado mosaico, a exemplo do
fragmento abaixo:

A língua fala da abundância do coração (Mt 12, 34) , e a verdade, quando sente uma forte dor intrínseca (Gn 6, 6) , é incapaz
de calar, taciturnamente se impacienta, e irrompe a qualquer momento.

Por pouco, eu dei um mau passo (Sl 72, 2) , e minhas pisadas quase resvalaram ao compreender que o mal (malitia), por
uma horrorosa contradição, freqüentemente vence a sabedoria (Sb 7, 30). Cresce o poder dos ímpios, se debilita o zelo pela
justiça e não se encontra quem queira ou quem possa fazer o bem (Sl 13,1).

Os soberbos se fartam de iniqüidade (Sl, 118, 51) e ninguém ousa dizer-lhes uma palavra. Se ao menos a inocência estivesse
segura e a justiça pudesse se defender!”.
(SÃO BERNARDO DE CLARAVAL, 1990: 727).

Este segundo extrato epistolar refere-se à defesa de Bernardo em favor do abade de


Lagny aos bispos de Óstia, Frascati e Palestrina. Nesse texto, Bernardo insurge-se contra as
acusações imputadas ao abade. Inicialmente, de maneira gradativa, exorta os bispos a
atentarem para o que têm falado, pois isso denuncia a maldade oculta em seus corações. O
mau desígnio do coração dos bispos levou Bernardo a levantar-se em favor do abade. Diante
da maldade dos homens, o próprio Deus também se afligiu, arrependendo-se de tê-los criado.

Bernardo constatou uma assombrosa contradição: a Bíblia relata o triunfo da


Sabedoria, enquanto sua experiência pessoal mostrou-lhe o triunfo do mal. O abade de
Claraval fundamentou tal preceito em sua experiência contemplativa. Ao perceber que,
espantosamente, a maldade era exaltada, seus pés por pouco não deslizaram. A injustiça
poderia sobrepor-se, pois o desvelo pela justiça esmaecia e todos se calavam diante do mal.

Conclusão

Em Bernardo encontra-se a essência do pensamento medieval sobre o problema do


mal: é necessário, através da vontade, resistir a ele, não importando de onde venha. Em sua
obra, Bernardo elaborou uma “psicologia da vontade”, fundamentada no livre-arbítrio, numa
vontade incompatível ao constrangimento, que consiste no poder de consentir ou dissentir – a
liberdade – e em um arbítrio que envolve conhecimento e julgamento (BOEHNER e GILSON,
1985: 286).

Assim, finalizamos este pequeno trabalho sobre um dos mais brilhantes espíritos dos
tempos medievais com suas próprias palavras acerca da viva relação de arbítrio entre homem
e Deus, nesses séculos tão envolvidos pelas ligações entre o terreno e o espiritual:

Ora, Deus e o homem subsistem em si mesmos e distanciam-se por suas próprias vontades e substâncias; a nosso ver, eles
se mantém unidos um ao outro de maneira inteiramente diversa, a saber, não pela confusão das substâncias, mas pela
harmonia das vontades”.
(Cantar dos Cantares, Sermão 71, 8-10)

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Consideração (c. 1149-1152) e O Livro das Maravilhas (1288-1289)". Palestra proferida no I Congresso Internacional de Estudos
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