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AURORA ano V número 8 - AGOSTO DE 2011 ISSN: 1982-8004 www.marilia.unesp.

br/aurora

CIDADE, ESPAÇO URBANO E SUA DINÂMICAi.

GERUZA SILVA DE OLIVEIRAii

Resumo: O objetivo deste texto é apresentar num recorte específico, como os feirantes do
Mercado Abertoiii que, inseridos no processo de informalidade, desenvolvem suas atividades no
Centro de Goiânia, criando formas de interação, ou contatos interpessoais, no espaço público.
Especificamente, abordar-se-à, aqui, a dinâmica do espaço urbano, marcada pela subjetividade
que confere uma modalidade de desordem organizada ao contexto do Mercado Aberto. A intenção
é a de perceber como os feirantes se vêem, e também como são vistos pelos os lojistas, fiscais
internos e moradores das adjacências do Mercado Aberto, a partir de uma pesquisa feita no
mestrado entre os anos de 2003 e 2005.
Palavras-chave: espaço, cidade, informalidade, práticas.

1. Considerações iniciais heterogêneo de objetos, ações humanas,


De acordo com Frúgoli Jr. (1995), formas, funções, usos e modos.
em seu estudo sobre as cidades modernas, a Considerada, pelo autor, o movimento, a
paisagem urbana das grandes cidades vida, reflete o homem e sua história, o locus
apresenta um cenário marcado pelas do capital, do trabalho, da técnica, ao
multidões em movimento pelas ruas. Os mesmo tempo em que é espaço do cidadão,
espaços públicos, ruas, calçadas e galerias, de suas idéias, emoções, lutas e contradições,
foram, segundo o autor, alvo de onde as relações sociais se produzem e
intervenções urbanas que visavam priorizar reproduzem de forma ampla. Certeau (1997)
o fluxo das pessoas. Entretanto, com o afirma, em outros termos, que, numa cidade,
crescimento e desenvolvimento das cidades, o cotidiano se define como (o) opressão diária
grupos sociais surgem, imprimindo funções da existência, no presente. O autor ressalta
diferenciadas às áreas públicas, as práticas que estão numa esfera própria do
ressignificando-as. Essas áreas passam a cotidiano, mostrando os bastidores do
servir para moradia, local de trabalho, poder, revelando procedimentos mínimos,
espaço de lazer ou outro tipo de atividade. infinitesimais, que não foram privilegiados
pela história, mas que, nem por isso, deixam
Machado (1980) apresenta a cidade de exercer uma atividade inumerável entre as
como sendo uma base material, onde se malhas das tecnologias instituídas.
travam relações e ações sociais, um espaço
resultante de múltiplas e heterogêneas A cidade projetada, com seus
relações sociais. Assim verifica-se na cidade prédios, ruas, avenidas e praças, é
uma duplicidade de intervenções continuamente transformada pelos seus
simultâneas: quer seja através de sucessivos usuários – grupos sociais que ocupam os
planejamentos urbanos, quer pela ocupação espaços públicos. A interferência dos
ininterrupta de seus espaços pelos grupos usuários dessa geografia urbana escrevem
sociais. um texto não-verbal sobre a cidade (FERRARA,
1988). Esse texto desdobra-se nos caracteres
Nessa mesma perspectiva, Peixoto que acompanham as andanças, táticas e
(apud CAVALCANTI, 2001. p. 136) afirma estratégias dos usuários e revela, também, as
que a cidade revela-se como conjunto

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manifestações cotidianas por eles criadas, de 2. Desenvolvimento


acordo com suas necessidades.
Do confronto entre aquilo que 2.1. O feirante do Mercado
Certeau (1994) chama de usuários da cidade Aberto
e os projetistas dela, surgem duas ações no A maioria dos feirantes entrevistados
espaço, denominadas estratégias e táticas. O são de Goiânia. Outros são de Aparecida de
autor caracteriza como estratégia Goiânia, Itapuranga, Itaberaí e Nerópolis, e
de Estados como o Piauí, a Bahia, o
Maranhão, o Ceará e o Tocantins. Todos
O cálculo ou manipulação das relações
cadastrados pela SEDEM em Goiânia–
de força, um esforço racional que
determina um entorno, um lugar para a
Secretaria de Desenvolvimento Econômico
prática do poder ou vontade. As Municipal - e contemplados pelo Projeto
estratégias produzem alguns efeitos: Mercado Aberto – Avenida Paranaíbav.
vitória do espaço sobre o tempo; Dentre eles, é interessante observar que nem
parcelamento do espaço, permitindo todos os que ocupam o espaço do Mercado
uma prática panóptica que transforma Aberto exerciam, anteriormente, a atividade
os outros em objetos observáveis,
mensuráveis, controláveis; poder do de vendedor ambulante em outros locais da
saber, capaz de transformar a história cidade, como se pode observar a partir de
em espaços legíveis. (CERTEAU. 1994, questionários aplicados durante a pesquisa.
p. 99) As informações obtidas permitiram
observar a diversidade de locais de trabalho
dos feirantes do Mercado Aberto. Em sua
As táticas são movimentos maioria, atuava nos trabalhos formais, como
desenvolvidos dentro do campo do inimigo, comércio, restaurantes, bancas, academias,
do opositor, que golpeiam as estratégias e supermercados, panificadoras; e também
modificam o espaço, para utilizar uma como motoristas de ônibus, de empresa, e
linguagem própria do militarismo. Enquanto em trabalhos que propiciam maior
as estratégias se organizam a partir de um autonomia, tais como os de motorista de
postulado do poder, as táticas são a ausência táxi, motorista particular e serviçal
de poder. A cidade é, portanto, feita de doméstico. Essas práticas diversificadas
desordens táticas, que expressam sua foram substituíram-se pelo trabalho em um
complexidade frágil e lhe permitem, apesar espaço aparentemente homogêneo,
da mudança contínua, manter-se íntegra. centralizado, marcado pela proximidade das
A cidade é composta de uma relações que os feirantes estabelecem entre si
pluralidade de ações táticas, diluídas em próprios; entre eles (trabalhadores) e os
práticas cotidianas; em ações simples, tais moradores da região, proprietários, comércio
como caminhar, cozinhar, habitar, falar, local e usuários, isto é, consumidores em
circular, trabalhar. Atividades que tornam a geral.
cidade o lugar por excelência da diversidade, Ao se encontrarem no Mercado
do improvável e do impreciso. Essas práticas Aberto, para o exercício de suas atividades
são microbianasiv e plurais, e longe de poder informais, os feirantes adaptam-se à nova
ser controladas ou eliminadas pela realidade que lhes impõe um desempenho
administração panóptica, esforçam-se por particular, marcado por comportamentos
uma proliferação ilegitimada, desenvolvida singulares e, muitas vezes, homogêneos.
de forma inusitada sob as redes da vigilância, Modos simples, repassados de feirante para
combinada segundo táticas ilegíveis, mas feirante, como uma rede de sinais e códigos
estáveis a ponto de constituírem regulações comuns, a qual se torna, ao longo do tempo,
cotidianas. uma teia de novos relacionamentos que dá

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uma configuração especial ao lugar que ela considera precárias, sem as garantias
estabelecido para a prática de seu trabalho. do trabalho formal.
Produz-se, nesse contexto, uma Os feirantes também são vistos
cultura representada pelo trabalho coletivo, a como pessoas que estão na informalidade
qual se reflete na forma como os feirantes se pelo fato de não terem adquirido os
vestem, na linguagem desenvolvida por eles, requisitos profissionais exigidos pelo atual
no modo de conquistar o consumidor, na mercado de trabalho. Segundo outra
constante tentativa de transgredir as regras moradora, são esforçados, porém, não qualificados,
do espaço – agora planejado –, e na inserção o que coincide, realmente, com o relato dos
no processo de informalidade (sem garantias feirantes, pois muitos deles afirmam que sua
trabalhistas e vínculos empregatícios), bem condição de trabalhadores informais deve-se
como, na visão dos outros, que dedicam ao ao fato de não saberem fazer outra coisa; e
comércio formal, nas proximidades do também por terem se acostumado com o serviço
Mercado Aberto, fiscais da prefeitura e que o pai e a mãe faziam; ou ainda por resistirem
moradores da região. aos estudos e por não terem se dedicado a um
Na opinião de lojistas, ressalta-se a curso profissionalizante qualquer.
questão da sobrevivência, ou seja, para o Entretanto, essas afirmações não constituem
lojista os feirantes são aqueles que têm a única realidade, pois parte considerável dos
vontade de trabalhar e auferir alguma renda. feirantes é originária de outros
São, também, pessoas que atendem mal, estabelecimentos formais de trabalho, dos
comportamento expressado pelo jeito quais saíram por vários motivos: falência da
grosso, estúpido, muitas vezes, de tratar o empresa, salário baixo, desentendimento nas
consumidor. Um lojista afirmou que nem relações profissionais e outros.
todos os feirantes, mas alguns deles, com os As apreciações da fiscalização interna do
quais já teve contato, “não preocupa em vender, Mercado Aberto, de acordo com a Secretaria
parece, não atende, não dá atenção, fica conversando, de Fiscalização Urbana (SEFUR), revelam as
não têm ânimo para vender”. situações em que se encontram alguns
Percebe-se que esta opinião coincide feirantes, por extrapolarem os critérios que
com o desempenho dos feirantes, pois é regem a concessão de espaço nesse local.
notável a atitude de desânimo que Muitos dos feirantes que ali estão não
demonstram no trabalho, desânimo precisam do trabalho, pois possuem bancas
resultante da insatisfação com a atividade e lojas comerciais em outros lugares. Alguns
informal. Sem garantia de renda, sem a deles são empregados formais. Setenta por
seguridade proporcionada pelo trabalho cento são pessoas que precisam trabalhar, o resto são
formal, sem o relativo conforto próprio de oportunistas, diz um fiscal, na presença de
instalações adequadas ao exercício da outros colegas, que concordam com sua
profissão, sua indignação é justa. Um deles opinião.
afirma, sobre o local, que é sujo demais, não
tem lonas suficientes para proteger-se das chuvas e do
sol e às vezes ficar dentro do Mercado é muito 2.2. Feirantes do Mercado
quente. Aberto e a Desordem
Os moradores situados em torno do Organizada: a transgressão
Mercado Aberto acreditam que os feirantes
lá estão para ganhar dinheiro, para fazer
do espaço urbano.
alguma coisa que lhes dê retorno material,
econômico. De acordo com uma moradora Os espaços podem ser transgredidos.
da Rua 72, Centro, o feirante “tá ganhando o Segundo Pimentel (2001), existe uma
pão de cada dia”. Para esta pessoa, o feirante é capacidade criativa dos usuários que
modifica os espaços e faz deles algo que
alguém que precisa ganhar dinheiro para
sobreviver, mesmo que seja em atividades transcende a idealização primeira. Por
exemplo, uma marquise, que transmite uma
escala de valores culturais, éticos, estéticos,

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econômicos e sociais de quem a projetou – Gerais e Setoriais da Política Urbana,


arquitetos, urbanistas –, transforma-se em atendendo aos objetivos do programa de
local de trabalho para um vendedor, abrigo redefinição de uso das áreas públicas
para o sono e/ou casa para um morador destinadas à utilização adequada pela
definitivo das ruas. população e do projeto de dinamização de
A instituição de uma desordem pólos de desenvolvimento regional.
organizada (BATAILLE, apud Os vendedores ambulantes, que
PERLONGHER, 1995, p. 97), ensejada pela ocupavam as principais avenidas do Centro
transgressão, marca o desencadeamento de da cidade, foram transferidos para o
uma nova codificação. A transgressão é uma Mercado Aberto e chamados, a partir de
forma de inversão da lei oficial, ou seja, ela então, de feirantes. Quando questionados
produz uma nova lei que, a princípio, se sobre a participação no projeto, a maioriavi
manifesta pela violação ao ser ressignificada respondeu que não participou do plano de
em códigos de interação entre as dimensões elaboração e construção desse espaço.
que participam, por exemplo, de um espaço Alguns, porque não sabiam; outros, porque
geográfico, adquirindo conteúdos não foram convidados a opinar; outros,
normativos capazes de mediar as práticas e ainda, pelo fato de que não eram vendedores
interações sociais nesse espaço (BATAILLE, ambulantes à época do projeto e os demais
apud PERLONGHER, 1995, p. 97), por motivo de desentendimentos com o
Assim é que feirantes do Mercado SINCATEI.
Aberto desenvolvem ações, práticas, códigos Nesse novo espaço, agora definido
e imagens singulares na cidade – como local de consumo e trabalho, os
constituindo ou criando o improvável na vendedores imprimem suas especificidades,
ordem programada – atividades seus modos de participação na vida da
consubstanciadas em estratégias e táticas. Em cidade, desenvolvendo práticas microbianas
tal contexto, instaura-se o confronto entre e plurais que estão longe de ser controladas
usuários e projetistas da cidade (CERTEAU, ou eliminadas por algum poder. Essas
1994), ou seja, entre os feirantes e os práticas constituem-se em uma proliferação
gestores de Goiânia. ilegitimada, desenvolvida de forma inusitada,
As práticas cotidianas dos feirantes, sob a observação das redes da vigilância,
bem como as dos vendedores ambulantes de combinando táticas ilegíveis, mas estáveis, a
Goiânia, confrontam-se com os poderes tal ponto que instauram regulações
instituídos por órgãos de gestão pública. cotidianas.
Esses, para garantir a ordem nos espaços da Os ambulantes localizados nos
cidade, utilizam-se de instrumentos de principais pontos da cidade, de acordo com
repressão – multas, apreensão de produtos, a pesquisa realizada, apoderam-se desses
violência física – no exercício da fiscalização espaços, considerados, na maior parte, áreas
e controle das ações empreendidas pelos públicas, cuja apropriação é proibida,
ambulantes. segundo o Código de Posturas do
O Mercado Aberto constituiu-se Município. De acordo com o parágrafo
num projeto implantado sob a único do artigo 127, deste código, acrescido
responsabilidade de um Conselho Gestor, da Lei Complementar n.º 059 de 1° de
formado por representantes da Associação dezembro de 1997, atualizada até 10 de
dos Moradores do Centro de Goiânia, da outubro de 2002: “É vedada a instalação de
Associação dos Comerciantes da Avenida bancas comerciais, de qualquer natureza, em
Paranaíba, da Associação Centro Vivo, da passeios públicos fronteiriços a
Secretaria Municipal de Desenvolvimento estabelecimentos de ensino público e
Econômico e da Secretaria Municipal de particulares, repartições públicas, hospitais,
Cultura. Esse espaço foi criado de acordo maternidade e centros de saúde, situados no
com o Plano Diretor Integrado de Goiânia, Município de Goiânia”.
que assegura o cumprimento das Diretrizes

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Como se pode deduzir do exposto Essa fiscalização tornou-se parte


acima, Goiânia, como outras cidades, possui integrante do cotidiano dos feirantes do
leis que resguardam e controlam o uso do Mercado Aberto, com a missão de controlar
espaço público. A partir delas, gestores e e enquadrar a ação dos
administradores buscam garantir a trabalhadores/feirantes nos limites desse
funcionalidade pública desses locais, espaço. Quando questionados sobre o
preservando não só os direitos dos cidadãos, sistema de controle a que são submetidos,
como também a arquitetura e a paisagem tecem avaliações que variam da aceitação
urbanas. quase absoluta até a sua negação.
Essas prescrições foram observadas Entre alguns feirantes, o trabalho
internamente no Mercado Aberto durante a dos fiscais internos é observado como algo
pesquisa feita, no qual os feirantes têm bom, certo, necessário. Sentem a
determinada a sua localização em área e necessidade de algo que existia, sem muita
canteiro limitados. No entanto, essa eficácia, quando estavam na Avenida Goiás e
normatização não os impede de ultrapassar outros pontos centrais de Goiânia, e que,
o seu espaço particular e circular por outros, agora, lhes possa conferir segurança no
na tentativa de dar maior visibilidade à âmbito do Mercado. Muitos feirantes temem
mercadoria que põem à venda. Há que se a presença de estranhos que possam vender
referir, também, às formas de resistência ao mercadorias sem pagar taxas. Receiam
comando de fiscalização, o qual sob também a possível ocorrência de furtos e
regulamentação da Secretaria Municipal de roubos, por isso apegam-se ao controle
Desenvolvimento Econômico (SEDEM), exercido pela fiscalização.
que supervisiona as atividades do local, Porém, outros feirantes, revelam
disponibilizava cinco (5) supervisores uma aversão a esse poder que os submete
durante todo o período de funcionamento internamente (já que, na forma do Mercado
do Mercado Aberto. Estes realizavam Aberto, são mais presos, uma vez que a
chamadas diárias no local, com dois fiscais fiscalização atrapalha, porque controla, limita
por turno. Fiscais da Secretaria de suas operações de venda, restringindo-as ao
Fiscalização Urbana (SEFUR) atuavam local de suas bancas, impedindo-os de
também nas ruas de Goiânia, com a transitar livremente para a negociação de
finalidade de controlar ou inibir o seus produtos), quando dizem que não
surgimento de novos pontos de comércio sabem para que serve a fiscalização, dizem-
ambulante. Os agentes fiscais atuantes no no com o sentido de que não estão
Mercado Aberto, tinham a incumbência de acostumados com essa supervisão cotidiana.
Eles trazem na memória os momentos em
que eram submetidos a processos de
cumprir determinações quando violência por parte dos fiscais,
solicitados pela SEDEM para verificar superintendentes e policiais. Naqueles
irregularidades. Não permitir a venda de momentos, os ambulantes tinham que fugir
ambulantes no interior do Mercado;
e, quando pegos, suas mercadorias eram
combater o uso indevido de bancas de
terceiros; orientar os comerciantes a não
confiscadas.
exporem mercadorias no meio dos Os usuários, definidos por Certeau
corredores; fazer cumprir o Decreto n.º (1994) como os componentes de um grupo
1.427, de15 de maio de 2003, que que realiza a alteração das regras do espaço
determina o funcionamento do Mercado opressor, em face do enquadramento amplo
Aberto, no que se refere ao início, de que é vítima, desenvolve a astúcia no
funcionamento e encerramento das relacionamento com os sistemas técnicos de
atividades do Mercado Aberto. (Fiscal repressão, criando golpes e “driblando” as
do Mercado Aberto, 2004) injunções e imposições. Os feirantes do
Mercado Aberto não só têm o desejo de
burlar as normas que lhes são impostas,

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como também as burlam, de fato. Um O discurso predominante dos órgãos


feirante, ao ser indagado se existe alguma gestores construiu-se no sentido de
norma do Mercado Aberto que ele não transformar os ambulantes em feirantes.
gostaria de cumprir, respondeu: “Todas não Estes, atualmente, somam mil e trezentos e
são cumpridas”. noventa feirantes no interior do Mercado
Verifica-se, dessa forma, que a Aberto, para onde 185 deles vieram
opinião dos feirantes é contrária às normas transferidos da Avenida Anhangüera.
regulatórias no contexto do Mercado Oitenta ambulantes foram transferidos para
Aberto. A triagem (assinatura diária do o projeto de extensão do Mercado Aberto,
ponto); a proibição de deixar as bancas sob a na Praça Felicíssimo dos Santos, atrás do
responsabilidade de outros que não os Edifício Parthenon Center, no Centro de
familiares; a obrigação de chegar nos Goiânia. São, evidentemente, subordinados a
horários designados para o funcionamento e um regulamento próprio. De acordo com o
o limite estabelecido para a quantidade de Decreto n.º 2.834, de 30 de julho de
mercadorias negociáveis, são condições 2001(em anexo), obedecem às normas
intoleráveis para os feirantes. Essas normas, aplicadas às feiras livres e especiais.
segundo eles, não deveriam existir. Ou Observa-se que, quando transferidos,
então, deveriam existir de outra maneira: submetem-se às normas e regras de controle
muitos acham que a triagem poderia ser criadas pelos gestores públicos. Essas
realizada uma vez por semana e o horário de normas, ao mesmo tempo em que
venda deveria ser estabelecido pelo próprio controlam as atividades dessa categoria,
trabalhador. Alguns feirantes afirmam que o buscam garantir o caráter público das ruas,
Mercado Aberto não possui normas. Essa idéia avenidas, praças e calçadas.
é expressa por muitos como forma de Como num jogo que, ao desenrolar-
denunciar o cumprimento das normas, por se, permite várias estratégias, diversas
parte de alguns trabalhadores, e o maneiras de jogar e desfazer o jogo do
descumprimento por parte de outros. outro, o grupo se utiliza do espaço já posto,
A figura do homem ordinário, da linguagem estabelecida, da estética
referida por Certeau (1994), como uma normatizada, do texto, do modelo, dos
personagem disseminada, que se constitui olhos, do discurso, dos procedimentos, das
em plena consciência, uma parte no todo do regras já estabelecidas, para criar formas de
espaço urbano, e que se revela nesse todo resistência. No cotidiano dos feirantes do
como parte singular, própria, através de Mercado Aberto, como no dos vendedores
táticas-estratégias, táticas-astúcias e golpes, ambulantes que ocupam outros espaços, a
se desvia do todo já ordenado. O texto do invenção de formas de resistência é uma
autor auxilia no entendimento da prática constante. Nessa trama, lances de esperteza,
cotidiana do feirante que, mesmo fiscalizado golpes estratégicos e regras vão surgindo de
para cumprir as normas do Mercado Aberto, acordo com as ocasiões vivenciadas, através
participa de uma dinâmica própria de das quais são criadas maneiras imprevisíveis
atividade informal, dialogando com toda a de proceder.
cidade, de forma diferenciada, resistindo às Nesse sentido, os feirantes do
pressões durante os movimentos Mercado Aberto inventam modos
reivindicatórios. Nessa perspectiva, pôde-se diferenciados de vender seus produtos,
verificar que a transferência dos ambulantes anunciam suas mercadorias da maneira e no
para o Mercado Aberto, o seu tom que melhor lhes convém. Nas
enquadramento na categoria de feirantes, abordagem dos consumidores, utilizam-se de
impediram-nos de exercer atividades propaganda verbal (gritando ou
próprias, singulares, contrárias às normas simplesmente falando), no sentido de
estabelecidas, proibitivas da liberdade que conquistá-los ou seduzi-los para a venda.
gostariam de ter caminhando e trabalhando Segundo depoimento de um feirante, o
cidade afora.

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trabalhador dessa categoria deve “expressar o ambiente em que vive, onde o prazer, o
que vende”. desejo e o sonho se misturam e debatem, e
Modelos de operações são onde os sentidos da existência humana não
desenvolvidos entre os feirantes, se deixam aniquilar, mas, pelo contrário, se
propiciando, além da troca de produtos, o insurgem. É assim que se chega à exaltação
encontro inusitado de pessoas estranhas, do sujeito frente à “racionalidade técnica”.
amigos e colegas. Nesse contexto, diferentes As possibilidades de superação do
idéias, pensamentos e valores culturais, dualismo entre objetividade e subjetividade,
intercambiam-se nos horários fixados, de na sociedade, são evidentes quando Lefebvre
segunda a sexta, das 9 às 18 h e aos sábados, (1968) as investiga na sua totalidade,
das 8 às 13 horas. retornando à dialética que pensa a prática e o
Considera-se, de acordo com pontos modo de pensar, situação em que o sujeito é
de vista respeitáveis, que a sociedade parte, dono da sua obra, da história em que
constitui uma produção humana que não está inserido, insurgindo-se e ao mesmo
deixa de ser, ainda, objetiva em sua tempo transgredindo o concebido. Nesse
materialidade. Compreende-se, desse modo, sentido,
o espaço urbano em sua materialidade e em
sua essencialidade, quando se pensa na sua (...) a cidade é obra, a ser associada mais
estrutura e no que o produz e reproduz, ou com a obra de arte do que com o
seja, nas ações dos indivíduos. A teoria da simples produto material. Se há uma
estruturação de Giddens (1989) reforça essa produção da cidade, e das relações
sociais na cidade, é uma produção e
idéia, ao referir-se à estrutura feita e refeita
reprodução de seres humanos por seres
em virtude das ações – ações imbuídas de humanos, mais do que uma produção de
poder, que estão na origem da capacidade objetos. A cidade tem uma história; ela é
dos agentes de realizá-las – pelas quais a obra de uma história, isto é, de pessoas
revificam-se e adquirem forças. Desta forma, e de grupos bem determinados que
a estrutura é concebida como uma realizam essa obra nas condições
propriedade dos sistemas sociais, contida em históricas.(LEFEBVRE, 2001, p. 46)
práticas reproduzidas no tempo e no espaço.
O conjunto das ações diferenciadas Goiânia pode ser pensada à luz
no corpo social, dentre elas as ações dos dessas reflexões, ou seja, é uma cidade cujo
vendedores ambulantes e feirantes, constitui sentido ultrapassa o dos objetos concretos,
o processo de interação social que recheia o instalados na espacialidade urbana, como o
espaço urbano de Goiânia e lhe dá conteúdo Mercado Aberto, por exemplo, para atingir
– ações imprevisíveis, não premeditadas, as condições de uma cidade de relações
mas que configuram novas formas de sociais e de interações constantes entre os
utilização e apropriação da cidade. O vivido, homens. A dinâmica apresentada do
presenciado no espaço urbano, é cotidiano dos vendedores ambulantes –
considerado por Lefevre (1968) como parte especificamente os do Mercado Aberto de
integrante do concebido na sociedade. É o Goiânia – insere-se nessa filosofia, já que
espaço das representações sociais, dos esses trabalhadores criam seu próprio
simbolismos complexos, da arte. Conjuntos espaço, caracterizando-o de acordo com o
representacionais que se misturam ao espaço seu modo de ser e seus sonhos, basta,
da ciência, da técnica, do planejamento observa-los nas particularidades que os
territorial, do tecno-urbanismo, constituindo diferenciam e caracterizam como grupo de
o espaço da ordem, do progresso, da luz e ambulantes/feirantes,
da razão. Conhecer a produção do espaço
É no vivido que se tem a urbano é observar uma cidade planejada e
possibilidade de superação do concebido por vivida, um espaço programado e praticado, é
meio da ação revolucionária do homem e da visualizar uma topografia pela ótica de tudo
faculdade de emancipação que o motiva, no o que constitui sua produção, entendendo-a
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como práticas espaciais produzidas, como mudanças nas relações socioeconômicas e


imagens e discursos que irão representá-lo – político-administrativas daquela época.
espaço entendido como uma proliferação de A implantação do Projeto Mercado
manipulações variadas e imprevisíveis, no Aberto, nesse espaço, religa-se à proposta do
interior de uma imensa malha de restrições e ano de 1933, preservando aspectos da do
de incertezas socioeconômicas, no qual plano original de Goiânia. Com a saída de
ocorre o imbrincamento de subjetividade e Attílio Correia Lima, o responsável
objetividade. subseqüente pelo plano foi o engenheiro
A cidade e seus habitantes dialogam Armando Godoy, em1935. Este introduziu
com a desordem a olho nu: pessoas com inovações no plano de Attílio Correia Lima.
afazeres diversos, furtos são praticados, Dentre elas, o projeto para o Setor Sul, que
compras e negócios fechados – como previa a construção de uma nova praça, a
também com uma normatização diferente da Praça do Cruzeiro, em contraponto com a
planejada. Esta só se verifica quando se Praça Cívica, com avenidas convergentes,
ingressa nas minuciocidades urbanas, nos em forma de asterisco, e quadras orgânicas
elementos que garantem o desenvolvimento acomodadas à topografia, com amplos
das interações sociais – uma normatização espaços livres para áreas de lazer, liberando-
baseada na criatividade. se as tradicionais ruas para o sistema viário e
A disposição dos produtos, a criação realizando modificações do Plano anterior.
de códigos e símbolos são exemplos de uma Com o Decreto-Lei n.º 9-A, de 31 de
ordem que é garantida pela imprevisibilidade julho de 1938, os Coimbras Bueno, que já
das ações humanas. É o que se pode trabalhavam na parte técnica dos Projetos de
verificar quando se observam as estratégias construção de Goiânia, oficializaram o Plano
utilizadas pelos feirantes na exposição de Diretor da cidade, sob cujas diretrizes
seus produtos. Eles se utilizam de criaram – aproveitando parte dos projetos de
manequins sólidos, prateleiras, grades de Attílio Correa Lima – outros espaços
ferro, araras (suporte de ferro), cabides, urbanos, como o Jardim do Mortos, o
produtos empilhados e pendurados e telas, Hipódromo, a Vila Hípica, a Zona dos
numa combinação multicolorida para Esportes, o Bosque dos Buritis, o Parque
facilitar o manuseio e a visibilidade das Capim Puba, o Jardim Zoológico, a Zona
mercadorias no pequeno espaço existente Universitária, a Avenida-parque da represa
para comercializá-las. A banca constitui o do Jaó, o Iate Clube e o Jardim Botânico. Os
locus de interação entre feirante e cliente, Coimbras Bueno orientaram, ainda, o
bem como uma forma de dialogar com o governo para tomar as medidas necessárias
próprio MercadoAberto – representando na implantação do Plano Integral de
uma atividade informal nesse espaço, Goiânia.
emprestando, dessa forma, conteúdo Em 1967, foi contratada a firma
expressivo e vivo às relações humanas. Serete S/A, associada a Jorge Wilhein
Goiânia, espaço urbano e palco desta Arquitetos Associados, para a elaboração do
pesquisa, ao longo de sua história submeteu- Plano de Desenvolvimento Integrado de
se a um cortejo de planos de ação, voltados Goiânia, o PDIG-1, aprovado pela Lei nº
para o ordenamento e reordenamento de sua 4.523, de 31 de dezembro de 1971. Em
materialidade e vivência, projetos que 1969, foi criada a Superintendência de
interferiram na espacialidade e no cotidiano Planejamento, entidade autárquica, para
de todos aqueles que nela se encontram. A desenvolver o planejamento e normalizar
cidade foi concebida para sediar a nova institucionalmente este primeiro PDIG, já
capital do Estado, pois a antiga, a cidade de em fase final de elaboração, o qual visou ao
Goiás, já não atendia às demandas desenvolvimento urbanístico de Goiânia,
econômicas e políticas de grupos que priorizando as regiões situadas a sudoeste da
cresciam economicamente e exigiam capital e criou diretrizes básicas e
abrangentes que objetivavam estimular o

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desenvolvimento socioeconômico e Compreende-se, então, que os


administrativo do município, tendo ainda, planos de ação impostos à cidade
entre suas determinações, o projeto de confrontam com a imprevisibilidade do
modernizar, ampliar e normatizar todos os comportamento das pessoas que nela
segmentos ligados à vida pública da cidade. vivem. Ao se depararem com situações
Em 8 de outubro de 1975, foi refratárias ao controle, os gestores da coisa
oficializado o Plano de Jaime Lerner, que pública desenvolvem outras ações
estabeleceu a estrutura viária mediante a destinadas a reordenar a cidade a seu modo
implantação do Sistema Integrado de e ao modo de todos os que com eles
Transporte de Massa de Goiânia, medida concordam. Tem-se, de um lado, as
destinada a conter os limites da cidade, em práticas não-aceitas e imprevistas de alguns
razão dos deslocamentos realizados grupos e, de outro, a necessidade de
diariamente. A Lei nº 5.735, 1980, oficializou mostrar que há, na cidade, controle e
o Plano Diretor Lubomir Ficinsky Dunin organização dos seus espaços.
que, em meio a várias medidas, contemplava A pesquisa mostrou que, além de
o zoneamento do solo urbano, definido local de trabalho e de lazer (lazer para o
pelas áreas urbanas e de expansão urbana, e público, em geral), o Mercado Aberto rege-
dispunha sobre o conjunto habitacional de se por normas internas, entre as quais, as
natureza social. que determinam aos trabalhadores chegar e
Todos esses planos de ações sair no horário correto, não vender
auxiliaram no desenvolvimento da produtos nos corredores do recinto, não
ordenação dos espaços públicos de Goiânia, possuir duas bancas no mesmo local ou em
que, atualmente, é regida pelo PDIG, em locais diferentes e assinar o ponto de
vigor desde 1992. A cidade foi submetida a chamada. È também espaço de conflito
outras intervenções. Porém, esses exemplos entre os feirantes, entre estes e os
demonstram que há uma reiteração responsáveis pela fiscalização interna, bem
constante de planos para a cidade, os quais como, entre o SINCATEI e a SEDEM,
interferem na vivência urbana e na prática órgão responsável pela supervisão da
cotidiana de todos os habitantes. informalidade em Goiânia.
Numa perspectiva macro, o Mercado Esse conflito demonstra que a
Aberto, construído em abril de 2003, atende estrutura física do Mercado é precária; que
a três eixos fundamentais do Plano de a desatenção, por parte dos gestores do
Governo: inclusão social e universalização projeto, no que respeita ao conforto e
da cidadania; construção de uma gestão irregularidades praticadas no interior do
pública democrática e popular e mercado, acaba prejudicando-o; que o não
requalificação da cidade e, por último, o cumprimento das normas estabelecidas,
desenvolvimento econômico e urbano de atribuído aos fiscais, superintendentes,
Goiânia. Além desses, há quatro pontos policiais e funcionários da SEDEM, ao
prioritários no planejamento para o lugar: permitirem que algumas pessoas adquiram
deve ser local de animação do Centro da o ponto da banca sem uma seleção
cidade, após as atividades comerciais dos rigorosa, e que outras pessoas, não-
ambulantes – área de lazer e de cadastradas no Mercado, vendam ali os
apresentações artísticas e culturais. A sua seus produtos, desmoralizam o ambiente;
construção justifica os objetivos traçados que alguns feirantes e não-feirantes possam
pelos órgãos gestores, dentre os quais, entrar e sair do local, quando bem
salienta-se a criação de condições de entendem, é prática que denigre a imagem
trabalho diferenciadas para os vendedores do Mercado Aberto..
ambulantes; o resgate da paisagem urbana; a O Mercado Aberto interage com a
devolução dos passeios públicos aos sociedade e com a cidade. Aqueles que
pedestres e a resolução dos conflitos entre circulam pelas suas imediações e a
comércio formal e informal. população que freqüenta o Centro da

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cidade consideram-no a partir de duas documentos e utensílios pessoais); em sua


perspectivas: a primeira, associada a uma linguagem, através de frases, tais como: chega
política que se propõe a limpar a bagunça e aí freguesa, vamos, compra, maninho, enfim, gírias
desorganização causadas pelos ambulantes; e a que adotam como marcas coletivas e
segunda, que considera a construção do pessoais e marketing para as transações
mercado “como uma das formas de comerciais. Utilizam-se a voz, manequins
proporcionar um espaço de trabalho que sólidos, prateleiras, grades de ferro, arara –
possibilite maior conforto para a realização suporte de ferro - cabides, produtos
de suas atividades”. empilhados, pendurados e telas,
Ainda que inseridos em um processo que transgredindo as normas do Mercado.
não lhes proporciona garantias trabalhistas, Ao revelar-se como palco e cenário
os feirantes do Mercado Aberto orientam e das interações e intervenções sociais, a
dão sentido às suas ações através da busca cidade de Goiânia apresenta,
pela sobrevivência. O excedente derivado simultaneamente, como a sociologia urbana
dessa atividade, segundo eles, “é lucro”. clássica consagrou, um conjunto de
Porém, essa realidade não é uniforme para equipamentos programados e previsíveis,
todos os feirantes do Mercado Aberto. bem como novas materialidades resultantes
Existem aqueles que, embora constituam da prática social desenvolvida no cotidiano.
minoria, possuem mais de uma banca; os Dessa forma, Goiânia demonstra ser
que dirigem pequeno comércio formal; uma cidade submetida a processos
alguns trabalham em serviços formais, e contraditórios que se entrelaçam – desde o
vêem nessa atividade uma forma de planejamento original – em seus projetos
aumentar a renda familiar. Dessa prática, subseqüentes, gerando a imprevisibilidade, a
surgem novas formas de sociabilidade – mudança, o conflito, enfim, os vários
maneiras gregárias próprias da vida em processos de interações sociais próprios
sociedade –, criando interações sociais. da “desordem organizada”. Conforme já
Os feirantes do Mercado Aberto, se disse anteriormente, essa é uma idéia que
antes ambulantes das áreas do Centro e confronta a ordem elaborada dos planos,
centrais de Goiânia, desenvolviam a prática cujo objetivo é organizar os espaços urbanos
de fugir sempre da fiscalização, a que da cidade, concedendo-lhes uma ordem
chamavam rapa. A partir dessa ação espacial, definindo-os de acordo com suas
desenvolveram estratégias e táticas para funções. Acredita-se que os feirantes do
escapar da fiscalização, como, por exemplo, Mercado Aberto produzem uma ordem que,
códigos expressos por gritos, apitos, palmas, aos olhos dos gestores, faz parte de uma
olhares, todos sincronizados, de forma que desordem.
todos os ambulantes eram avisados ao A cidade, como bem diz ARANTES
mesmo tempo. Ao serem transferidos para o (2000), seja ao vivo ou nas cores das
Mercado Aberto, um local fixo de trabalho instituições de comunicação e do mercado,
informal, os feirantes criam outras práticas continua sendo locus e objeto de importantes
desmembradas em táticas, estratégias, golpes e disputas na incessante estruturação prática e
lances, que os qualificam como simbólica da cidadania.
feirantes/ambulantes. Assim, interagem com
a sociedade de forma geral, através do
trabalho e do espaço no qual estão inseridos Referências Bibliográficas:
– trabalho informal e Mercado Aberto.
Entre os feirantes, observa-se a ARANTES, Antônio A. Paisagens
produção de uma cultura coletiva, verificada Paulistanas. Transformações do Espaço
em seu modo de vestir, (especialmente em Público. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.
acessórios, como a pochete, por exemplo,
utilizada pela maioria – trata-se de uma bolsa ARANTES, Otília. all. A cidade do
que se prende à cintura, na qual guardam pensamento único. Desmanchando
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América. São Paulo, 2001.

i
Texto referente à discussão teórica e prática
produzida a partir da pesquisa concebida pelo
Programa de Pós-Graduação em Sociologia pela
Universidade Federal de Goiás, e produção da
dissertação de mestrado defendida e aprovada em
2005.
ii
Mestre e doutoranda em Sociologia.
geruzacs@yahoo.com.br. Lattes.
cnpq.br/7868377618598058. Professora titular no
Ensino Superior e ensino fundamental e médio.
iii
Analisou-se os feirantes a partir de uma pesquisa
durante o mestrado, entre 2003 e 2005 realizada no
Mercado Aberto situado na Avenida Paranaíba, no
Centro de Goiânia. Ressalte-se que o grupo
escolhido, os feirantes do Mercado Aberto, em
Goiânia, eram chamados de vendedores
ambulantes.
iv
São microbianas no sentido de que se manifestam
de diversas maneiras, para formar uma totalidade
local. São as práticas do ambulante, do comerciante
formal, da prostituta, do morador e de todos os que
usam e participam da cidade e nela interagem, com
sua forma de ser e agir.
v
O Mercado Aberto continua na Avenida
Paranaíba. Sua estrutura foi alterada após o ano de
2005– foi inserida uma grande lona branca por todo
o Mercado Aberto acima das barracas azuis
listradas previstas pela planta inicial - devido ao
calor intenso internamente e às águas das chuvas
que molhavam as barracas dos feirantes.
vi
Dos quarenta feirantes aos quais se perguntou se
tinham participado da elaboração e construção do
Mercado Aberto, dez responderam positivamente.

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