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In folio 1, nº1, 2011, pp.

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A REPRESENTAÇÃO DE OPRESSÃO E PODER NAS FÁBULAS I, 15 E I 17 DE


FEDRO
Renan Moreira Junqueira
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RESUMO
Fedro, um liberto do princeps Augusto, inicia, nos tempos de Tibério, sua carreira de escritor com uma
coletânea de fábulas esópicas, nas quais poderá expressar de forma velada seu ponto de vista, o dos
oprimidos, a respeito de acontecimentos da sociedade romana, assim como revelar as relações sociais de
poder localizadas no seu tempo.
O presente trabalho tem como objetivo analisar as fábulas quinze e dezessete do primeiro livro das
Fabulae de Fedro, desvendando, a partir da relação entre poder e discurso, de que forma a opressão se
manifesta.
PALAVRAS-CHAVE: fábula, Fedro, poder, opressão.
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O substantivo latino fabula, -ae deriva-se do verbo fari, que significa “falar,
dizer”. Na antiguidade clássica, como gênero literário, a fábula tem a função de narrar
ou descrever comportamentos humanos, de forma velada, com a intenção de educar e
entreter seus leitores.
No século VI a.C., na Grécia, houve uma grande quantidade de fábulas
atribuídas a Esopo. Séculos depois, Fedro, um ex-escravo, encontra este gênero humilde
ainda não explorado em Roma, que reflete sua condição. Assim, acompanhando os
passos do sábio grego, produz fábulas semelhantes.
Estas pequenas narrativas, que carregam uma espécie de sabedoria popular, têm
como característica a presença não só de homens, mas também de animais, objetos e
divindades com características e costumes humanos.
A utilização de um discurso mais próximo do coloquial e de uma sintaxe mais
simples está relacionada à intenção de Fedro de ser entendido por seu público, em geral
o povo. As simplificações nas descrições, quando ocorrem, têm a finalidade de ressaltar
determinados traços da personalidade dos personagens. Em vez de se preocupar em
descrever as cores das rãs, opta por representá-las como miseras; a ovelha, como
patiens iniuriae.
É possível observar que estas pequenas histórias, que sempre possuem um
ensinamento moral, informam aos mais humildes o abuso dos mais poderosos, desta
forma os alertando de que suas condições de mais fracos são imutáveis.
Este abuso ou poder, nas fábulas de Fedro, pode ser definido como um tipo de
relação existente entre indivíduos ou entre grupos. Neste contexto, o que Van Dijk
(2008) denomina poder social emerge na interação entre uma entidade (opressor) sobre

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outra (oprimida). Assim, aquela possui poder sobre esta, que passa a ter sua liberdade
limitada, surgindo, com isso, uma forma de controle.
Para manter este controle sobre o dominado, o dominador necessitará de alguns
elementos para legitimar seu poder. Logo, este possuirá status, autoridade, riqueza,
conhecimento, habilidades, privilégios ou simplesmente pertencer ao grupo dominante.

Na fábula I, 15, Fedro revela que transformações ocorrem na vida dos mais
pobres quando há uma mudança de um governante ou um opressor:
I, 15. Asinus ad Senem Pastorem

In principatu commutando saepius


nil praeter dominum ciues mutant pauperes.
Id esse uerum, parua haec fabella indicat.
Asellum in prato timidus pascebat senex.
Is hostium clamore subito territus 5
suadebat asino fugere, ne possent capi.
At ille lentus: “quaeso, num binas mihi
Clitellas impositurum uictorem putas?”
Senex negauit. “Ergo, quid refert mea
cui seruiam, clitellas dum portem unicas?” 10

O asno ao velho pastor

Muitas vezes, ao mudar inteiramente um governo, os cidadãos pobres nada


mudam além do soberano. Esta pequena fábula mostra que isto é verdadeiro.
Um tímido velho apascentava um burrinho num prado. Ele, espantado com a
gritaria súbita dos inimigos, aconselhava ao asno fugir, para que não
pudessem ser capturados. Por outro lado, ele, calmo: “por favor, acaso tu
julgas que o vencedor colocará sobre mim duas albardas?” O velho negou.
“Portanto, o que importa a mim a quem eu sirva desde que eu carregue únicas
albardas?”

Já no título desta narrativa, provavelmente posterior, pode-se notar a presença


dos personagens que serão o centro da história:

Asinus ad Senem Pastorem

Como foi mencionado anteriormente, os personagens, nas fábulas de Fedro, são


descritos minimamente, já que, em muitos casos, as características destes já são de
conhecimento popular, mesmo que não representem fielmente a realidade.
Inicialmente, há a figura do asinus, asno ou burro. Desde a cultura antiga, este
animal é símbolo da servidão, visto que sua utilidade era a de carregar artefatos de
grande peso em longas viagens.

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Além deste personagem, encontra-se no título um pastor, indivíduo que leva os


animais ao pasto. Estes trabalhadores do campo, desde a antiguidade, executavam
árduos serviços braçais. Apesar de livres, permaneciam nas camadas mais baixas da
sociedade romana. Desta forma, nota-se que ser pastor não é garantia de prestígio, muito
menos de poder. Outro elemento que desqualifica este personagem é o adjetivo
relacionado a ele, senex. Apesar de velhice indicar, muitas vezes, conhecimento, neste
contexto, como será visto, tal qualificador indicará fraqueza, ou seja, perda de poder. O
mesmo acontece, por exemplo, com o leão que se vê sem poder na fábula Leo senex,
aper, taurus et asinus.
A partir da sintaxe do título da fábula I, 15, sabe-se que a narrativa irá tratar de
um diálogo entres estes personagens, no qual o primeiro dirigirá palavras ao segundo.

In principatu commutando saepius


nil praeter dominum ciues mutant pauperes.

Nos dois primeiros versos, há a presença do promitio, quando a moral precede à


narrativa. Desta forma, juntamente com o título, são adiantados ao leitor elementos da
história, como o assunto a ser tratado.
O jogo de palavras com os vocábulos cognatos commutando / mutant ressalta a
condição daqueles desprovidos de poder na sociedade romana: os ciues. No entanto, não
se trata de qualquer tipo de cidadão, mas os pauperes.
Ainda sobre o jogo de palavras referido, cabe ressaltar que a utilização da forma
nominal commutando não indica uma pequena mudança no governo, mas sim uma
modificação total, que é explicitada no verso 2.
A respeito do verbo mutant, nota-se que este se encontra no presente do
indicativo com um valor atemporal, usado, comumente em grandes máximas, em
verdades universais. Assim, tal emprego reforça o caráter perene desta afirmação.
O vocábulo principatu é derivado de princeps, desta forma, um tipo de poder
governado, geralmente, por um princeps, ou seja, imperador. Desta forma, esta fábula,
apesar de se referir a animais, faz referência a relação de poder estabelecida entre o
princeps e seus cidadãos pobres.
O autor, em vez de utilizar o advérbio de negação non, optou pelo vocábulo nil,
forma sincopada de nihil. Portanto, não só afirma que não há mudança de forma geral,
mas ressalta que exatamente nada muda.

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Id esse uerum, parua haec fabella indicat.

O terceiro verso, iniciado pelo anafórico id, retoma a promitio dos versos
anteriores, indicando que sua história tem como finalidade fundamentar a sua máxima.
O termo parua fabella, diminutivo do vocábulo fabula precedido pelo adjetivo parua,
ressalta não somente a extensão deste texto, como a natureza deste gênero, considerado
menor. Além disso, é um sinal de modéstia de Fedro.

Asellum in prato timidus pascebat senex.

Neste trecho, a partir do uso do pretérito imperfeito pascebat, é apresentada a


descrição da cena que será narrada. Outros elementos, como os substantivos, terão a
função de delinear os personagens, assim como definir o lugar onde se passam os
acontecimentos.
Todas as informações deste verso são significativas para criar uma expectativa
do que ocorrerá adiante. A localidade in prato indica que os personagens estão numa
planície, aberta, onde não há um tipo de proteção para quem lá permanece. O vocábulo
asellum indica que não se tratava de um animal forte e robusto, mas sim um pequeno
asno.
O pastor, como já se comentou, é um sujeito velho, ou seja, não possui mais o
vigor da juventude. Não bastasse isso, este é qualificado como timidus, alguém que
carece de coragem. Senex e timidus são utilizados, portanto, para formar para o público
a imagem de fraqueza deste personagem. Ainda assim, apesar de fraco, este homem
exerce poder sobre o animal, visto que o controla, alimentando-o.

Is hostium clamore subito territus


suadebat asino fugere, ne possent capi.

Até então, havia uma situação de harmonia inicial. No entanto, uma


característica fundamental dos textos narrativos é a presença de elementos que rompam
com este estado de normalidade. Desta forma, subitamente, surgem acontecimentos que
modificarão o rumo da cena inicial: clamore subito hostium.
Diante deste evento repentino, o adjetivo territus evidencia o estado de espírito
do pastor que, outrora apascentava calmamente seu animal. No entanto, tal vocábulo
não caracteriza alguém como assustado, no sentido de lhe causar imobilidade, mas o
inverso, de pôr um indivíduo em fuga por causa do medo.

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Pondo-se a escapar, o velho se mostra preocupado com o animal, agora referido


como asinus, em vez de asellum, já que aconselhava o bicho a fugir também, para que
ambos não fossem capturados.
Nesta situação de perigo, fica claro que o homem deixou de exercer poder sobre
o burro, visto que ele não lhe dá uma ordem, mas apenas o aconselha. Portanto, há uma
situação de mudança na relação de poder entre estes dois personagens.

At ille lentus: “quaeso, num binas mihi


Clitellas impositurum uictorem putas?”

A conjunção at reforça a posição contrária do outro personagem. Desta forma,


enquanto o pastor se encontrava territus diante de tal situação de perigo, o asno,
diferente do que ele esperava, se mostrava indiferente. Esta antítese territus x lentus
reforça a diferença de comportamento dos dois perante a situação de mudança.
Perante a agitação do velho, o burro, refletindo sobre sua condição, questiona
seu senhor. Nota-se que o inimigo agora é referido como uictorem, demonstrando que
houve uma vitória sem luta, pois o velho diante dos inimigos não teve outra atitude a
não ser fugir, já que não possuía meios físicos nem recursos para um embate.
Por meio de sua pergunta, o animal tem o interesse de saber se sua situação de
servidão seria intensificada com o novo dono.

Senex negauit. “Ergo, quid refert mea


cui seruiam, clitellas dum portem unicas?”

Diante da resposta negativa do pastor, o asno o questiona novamente. No


entanto, desta vez, faz uso de uma pergunta retórica, da qual não busca uma resposta,
mas, deseja expor a conclusão a qual chegou.
Tanto neste trecho, como no anterior, o elemento que representa a servidão são
as clitellas, uma espécie de sela para armazenar cargas. Sabendo de sua condição, o
animal tem interesse em saber se a mudança de dono significa um agravamento de sua
situação. Com isso, anteriormente, averiguou a quantidade de albardas que levaria caso
fosse capturado pelo novo dono. Assim, descobriu, segundo as palavras de seu dono,
que nada mudaria.
Esta resposta está de acordo com o estado de espírito do burro, que, diante desta
situação de aparente perigo, havendo o risco de ser pego por inimigos, não se espanta

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como seu dono. Tal diferença de comportamento evidencia as diferentes condições dos
dois personagens.
Para o pastor, ser capturado significaria uma modificação de estado, pois os
inimigos certamente exerceriam algum tipo de poder sobre ele, visto que o velho não
possuía meios para enfrentá-los. Desta forma, tendo de se sujeitar ao controle deles,
assim, tendo sua liberdade reduzida.
Diferentemente, para o asno, ser capturado pelos inimigos, desde que seja
obrigado a carregar a mesma carga, não modifica seu estado, pois seria um servo de
uma maneira ou de outra. Assim, de acordo com a moral, a mudança de quem domina
não traz mudanças para quem é dominado. A alteração de dono não implica uma
modificação das condições de servidão do animal, mas apenas uma manutenção do
poder sobre ele, já que continuaria sendo controlado, tendo suas liberdades limitadas.
Esta narrativa, portanto, apresenta ao leitor o ponto de vista das classes mais
baixas da sociedade romana, sobretudo a dos escravos, no que diz respeito às mudanças
ocorridas nas altas esferas. A mudança de um imperador nada modificaria suas vidas
simples, visto que a relação de poder estabelecida não seria modificada: os opressores
continuariam dominando os oprimidos. Brenot (1924, p.11) contextualiza esta fábula:

Cette fable, qui appartient au livre II, a une intention politique bien marquee.
Rome, quand Phèdre écrivit sa fable, avait change de maître plusierus fois en
peu d’années. Séjan, favori tout-puissant de Tibère, avait été disgracié et
massacré en 31; Tibère était mort en 37; son successeur Caligula avait été
assassiné en 41, et remplacé par Claude.

Na fábula I, 17, Fedro, além de mostrar as consequências de se mentir, revela o


abuso de poder por parte dos mais fortes:
I, 17. Ouis, canis et lupus

Solent mendaces luere poenas malefici.


Calumniator ab oue cum peteret canis
quem commendasse panem ei se contenderet,
lupus citatus testis non unum modo
deberi dixit, uerum adfirmavit decem. 5
Ouis damnata falso testimonio
quod non debebat soluit. Post paucos dies
Bidens iacentem in fouea conspexit lupum:
“Haec” inquit “merces fraudis a superis datur.”

A ovelha, o cão e o lobo

Os mentirosos costumam sofrer castigos do crime. Como um cão caluniador


pedisse da ovelha um pão que ele afirmasse lhe ter confiado, o lobo,
convocado como testemunha, disse que não apenas um único era devido; na

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verdade, afirmou que eram dez. A ovelha, condenada pelo falso testemunho,
pagou o que não devia. Após poucos dias, a vítima avistou o lobo num fosso.
Ela diz: é dada pelas divindades celestiais a punição da fraude.

Assim como foi visto no texto anterior, na fábula I, 17, os personagens


principais já são anunciados no título. No caso, três animais que apresentam
características humanas:

Ouis, canis et lupus

De acordo com a tradição popular, estes animais representam uma série de


valores amplamente conhecidos. O nome destes no título já cria certa expectativa no
leitor, de acordo com seu conhecimento de mundo.
O primeiro, ouis, é a retratação da simplicidade e da fragilidade. É um animal
que não exerce nenhum tipo de poder sobre outros, mas é dominado e controlado não só
por seu pastor, que o guia em rebanho, mas também pelos lobos e outros animais mais
fortes que o ameaçam.
Em seguida, há o canis, que exprime o valor de fidelidade quando domesticado.
Entretanto, outras qualidades lhe são atribuídas, como a avidez por alimentos. Este
animal, diferentemente do anterior, é sinônimo de força e poder sobre os mais fracos.
Por último, há um personagem, lupus, amplamente conhecido como sinônimo de
poder sobre os mais fracos, geralmente os indefesos cordeiros. Na tradição popular, há
uma série de fábulas e pensamentos que demonstram esta relação de dominação
daqueles sobre estas criaturas oprimidas. Como se vê na história de O lobo e o cordeiro,
também de Fedro, este poder do opressor acarreta uma série de injustiças sobre o mais
fraco.

Solent mendaces luere poenas malefici.

De maneira igual à fábula anterior, observa-se a presença do promitio. Este


trecho, apesar de estar relacionado diretamente ao assunto a ser contado, não está
inserido na narrativa.
O tempo verbal aqui também é o presente do indicativo exprimindo um valor
atemporal, presente nas grandes máximas. Com isso, o fabulista pretende revelar uma
verdade absoluta. Entretanto, ele não foi categórico em sua afirmação, pois usa o verbo
solent, indicando que o anunciado se trata de algo comum, mas não certo de acontecer.

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Calumniator ab oue cum peteret canis


quem commendasse panem ei se contenderet,

Neste trecho, há a descrição da cena inicial, em que dois personagens são


apresentados numa situação de litígio. O local, diferentemente do que ocorre no texto
anterior, não é revelado pelo autor, visto que tal informação seria irrelevante para o
andamento da história. Um elemento não mencionado em ambas as fábulas é o tempo.
Isto se deve ao caráter atemporal destas narrativas, cujo grande interesse se encontra na
moral, assim, indicar a época se torna sem importância. Além disso, omitindo tal
informação é uma forma de descontextualizar tais acontecimentos com a realidade.
Um dos animais, o cão, é qualificado por meio do adjetivo calumniator, que na
linguagem jurídica seria quem comete o crime de calúnia. Desta forma, o autor já
incrimina este personagem, indicando que o carneiro seria a vítima, o que está de acordo
com a imagem construída deste frágil animal.
Um detalhe a ser comentado é o fato de a acusação dizer respeito a um roubo de
pão. Pode-se fazer uma leitura de que uma ovelha não roubaria este tipo de alimento
pelo simples fato dela só se alimentar de plantas, diferentemente do que ocorre com os
cães, que, em ambientes domésticos, foram acostumados a comer restos de comidas
humanas.
Portanto, sabendo da natureza destes animais, não só biológica, mas em relação
a seu comportamento pacífico, estaria claro de se tratar de uma farsa do caluniador. No
entanto, o mais forte parece ter mais voz.

lupus citatus testis non unum modo


deberi dixit, uerum adfirmavit decem.

A partir deste trecho, é possível notar a presença do terceiro personagem desta


narrativa, lupus, que é qualificado a partir do aposto citatus testis, sendo, assim,
convocado para defender a vítima deste caso, o cão.
Desta forma, há uma inversão forjada por parte dos personagens mais poderosos,
o cão e o lobo, de quem seria o réu e de quem estaria sofrendo algum tipo de prejuízo.
Portanto, percebe-se que há uma aliança entre os dois, visto que a testemunha não tem a
intenção de contribuir com a justiça, mas de causar mais injustiça ao mais fraco.
O lobo, não satisfeito em apenas concordar com as falsas palavras de seu sócio,
decide causar mais prejuízos ao ser oprimido, mesmo que isso não lhe traga nenhum
tipo de benefício.

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Ouis damnata falso testimonio


quod non debebat soluit. Post paucos dies

Nestes versos, é mostrada ao leitor a sentença do juiz, a ovelha é dannata, ou


seja, sofre uma espécie de dano por causa do testemunho do lobo qualificado como
falso. Assim, percebe-se que a condução deste julgamento estava comprometida com os
interesses dos mais poderosos.
A diferença de poder entre os participantes deste processo jurídico pode ser
observada pela diferença de legitimidade entre eles. Os seres mais poderosos possuem
uma série de mecanismos para legitimarem um poder, desta forma, se revestem de uma
autoridade que lhes dá direito à palavra. Com isso, segundo o trecho até então analisado,
o único personagem sem fala é a ovelha, o ser oprimido.
Desta forma, desprovida de legitimidade e, por conseqüência, sem voz, a única
atitude restante para o réu, a verdadeira vítima, seria pagar a falsa dívida cobrada pelos
opressores. Assim, quod non debebat soluit.
Até o presente momento, pôde-se observar que a estrutura desta cena é
semelhante à de um tribunal, onde há entidades que cometeram algum tipo de infração,
no caso, a ovelha; outras que foram prejudicadas, por isso pedem o que lhes é de direito,
e, além disso, têm a função de se defender, o cão; por último, há o lobo, que dá o
testemunho em favor da defesa e, também, profere a sentença contra o réu, neste caso,
culpado.
Portanto, os dominadores não só têm o direito à palavra, como organizam todo o
discurso, lhe dando o caráter de um discurso jurídico, com todos os seus mecanismos.
Desta forma, exercem um controle sobre o outro elemento dominado, que, dentro desta
estrutura, deve obedecer aos procedimentos.

Bidens iacentem in fouea conspexit lupum:


“Haec” inquit “merces fraudis a superis datur.”

No fim do verso 7, há um enjambement, pois existe uma quebra da linearidade.


Assim, a expressão “Post paucos dies”, que indica uma passagem de tempo, apesar de
fixada anteriormente, sintaticamente está relacionada com estes dois últimos da fábula.
A ovelha, que era o réu do julgamento, passa a ser referida como bidens, o que
seria o inverso, pois tal vocábulo significa “ovelha de dois anos, própria para o

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sacrifício”, ou seja, a vítima. No entanto, neste momento que se segue, há uma inversão
dos valores, visto que o lobo se encontra em situação desprivilegiada, no fosso.
Neste novo contexto, este personagem não exerce poder sobre a vítima. Esta,
neste momento, possui sua liberdade, enquanto que o outro se encontra preso. Portanto,
não mais oprimida e controlada pelo animal infame, a ovelha tem direito à fala.
Por fim, esta profere palavras que estão de acordo com a moral vista no começo
da fábula. No entanto, apesar de estar em situação favorável em relação ao outro, o que
fica claro é que tal punição sobre o mais forte não viria dos mais fracos, mas de
entidades superiores aos poderosos: as divindades. Deste modo, apesar de se ver a
queda do lobo, esta fábula não afirma que há mudanças nas relações de poder entre
opressores e oprimidos. No máximo, cabe ao mais fraco, esperar que o mais forte seja
punido pelos deuses.
Esta fábula, portanto, mostra ao leitor que os mentirosos geralmente são
castigados. Além disso, denuncia um abuso de poder por parte dos mais poderosos da
sociedade, que comentem injustiças sobre os mais fracos. O indivíduo oprimido, por
não possuir instrumentos para atacar ou se defender, tais como habilidade ou força, e
por não ter direito à palavra, é obrigado a aceitar a acusação injusta.
Comentadores afirmam que esta narrativa faz referência a alguns fatos ocorridos
no império de Tibério, dos quais, o próprio Fedro afirma ter sido vítima, já que “foi
condenado num processo em que Sejano fez de acusador, de testemunha e de juiz (...) o
pérfido ministro de Tibério manobrava testemunhas de acusação e juízos de
condenação.” (CITRONI, 2006, p. 703.) Assim como o lobo fraudulento caiu no fosso,
Sejano foi condenado e executado por conspirar contra o imperador.
A partir da leitura das duas fábulas, observa-se de que forma a relação de poder
entre os mais fortes e os mais fracos é caracterizada por Fedro.
Na primeira, a mudança dos soberanos nada modifica a vida dos mais humildes.
O asno se mostra indiferente diante dos conselhos do velho pastor. Este é o ensinamento
de Fedro nesta narrativa, já que, nesta sociedade escravista e autoritária, só cabe ao
escravo e ao pobre cidadão serem submissos àqueles acima deles.
A partir da interação dos personagens, seja por meio de comportamentos, seja
por meio da fala, as relações de poder são explicitadas. Num primeiro momento, quando
o pastor apascentava o asno, aquele controlava as ações deste. A partir do momento em
que os inimigos se aproximam, a relação de dominação entre estes dois é rompida e,
com isso, o primeiro passa a não controlar as ações do bicho.

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Na segunda fábula, o mais humilde se submete às injustiças que lhe são


impostas, aceitando esta situação de controle, sem uma tentativa de reação. Por não
possuir poder nem mecanismos para fazer justiça, só lhe restam a paciência e a fé.
Na relação entre discurso e poder estabelecida nesta fábula, observa-se que os
poderosos utilizam de recursos para legitimar seu poder, como a autoridade, status,
privilégio e o fato de pertencerem a grupos, no caso, espécies mais fortes no reino
animal. Por isso, então, estes possuem o direito à fala e o controle sobre o discurso.
Com isso, oprimem e limitam a liberdade do mais frágil.
Portanto, Fedro, com a experiência de quem conhece a escravidão, não incita os
mais humildes a buscarem uma mudança em suas condições de subalternos. Revelando
as duras leis das relações de força da sociedade romana de seu tempo, apenas os orienta
como proceder. O escravo deve ser paciente, prudente e aceitar sua condição. Nunca
deve cobiçar aquilo que não é seu. Deste modo, suas narrativas têm a função de
denunciar o determinismo que é imposto aos mais humildes.
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ABSTRACT: Phaedrus, a freedman of princeps Augustus, begins, in the times of Tiberus, his writing
career with a collection of Aesopic fables, in which he can express in veiled form his point of view, the
one of the oppressed people, about the events of Roman society, as well as revealing the social relations
of power located in his time.
This paper aims to analyze the fables fifteen and seventeen from the first book of the Phaedrus Fabulae,
revealing, from the relationship between power and discourse, how oppression manifests itself.
KEYWORDS: fable, Phaedrus, power, oppression.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAYET, Jean. La Littérature Latine. Paris: Armand Colin, 1965.

BIGNONE, E. Historia de la Literatura Latina. Buenos Aires: Losada, 1952.

CITRONI, M. et alii. Literatura de Roma Antiga. Trad. Port. Lisboa: Fundação


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1924.

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2006.

VAN DIJK, T. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2008.

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