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quase póstumas
de Machado
de Assis
qollless
FTD
Copyright O Álvaro Cardoso Gotnes, 2014
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Bibliografia
ISBN 978-85-322-9284-1
14-00934
Apresentação • 11
caderno de memórias
TJIII • 15
Ao leitor • 18
IV Ganhei um secretário'
Capítulo • 76
Por favor, senhor diretor,
lavre o parecer . 81
Diálogo com um leitor curioso • 84
Capítulov O crente e o descrente 94
• 112
capítuloVI Uma noite de autógrafos • 114
Infância e juventude • 119
Fotocronologia da vida
e da obra de Machado de Assis • 218
Bibliografia • 233
O grande Machado r
nosso igual
6
nos convida a ver o mundo, tão familiar,como algo
estranho.E não é estranho que nosso Realismo li-
terário comece, justamente, por um romance conta-
do a partir da perspectivado além-túmulo? MemÓrias
póstuntas de Brás Cubas (1881) é a prova de que, se a
literatura de qualquer tempo quiser permanecer fiel à
sua capacidade de invenção, ela não pode abandonar
a ousadia:dela colhemos os melhores frutos de uma
fantasia crítica.
Pois as Menlórias quase pÓstumas de Macllado de
Assis,a despeito de sua aparente simplicidade,é obra
de ousadia. Alvaro Cardoso Gomes nos conduz a um
Machado de Assis outonal; ele está no auge de sua
carreira e quase no fim da vida. Mesmo assim,não
é um Machado impaciente para com aquelesque o
acompanham. Muito pelo contrário. Quando a histó-
ria que vocês estão prestes a ler começa, encontramos
Machado revisando trechos importantes de Dom Cas-
illtlrro(1899) em companhia de Carolina,sua esposa,
de quem ele recebe repelões de consciênciae estilo.
Uma relação afetuosa,de imensa cumplicidadeentre
marido e esposa, marca essas Memóriasquasepóstumas
do início ao fim. Carola —tal como Machado costuma
7
chamar a esposa —acompanha nosso herói-escritor
enquanto viva e ainda lhe sobrevive, após sua
morte
na saudade.No início do livro, ambos vão ao morro
do Livramento, berço —por assim dizer —do próprio
Machado, onde encontram o jovem Hermenegildo,
que servirá de secretário e nova companhia ao escri-
tor. E Hermenegildo quem lê, passa a limpo e prefa-
cia essasmemórias de Machado.Ao mesmo tempo,
Hermenegildo é também leitor curioso, uma espécie
de jovem Machado, que se dedica a desvendar o sen-
tido dos textos lidos. Hermenegildo foi Machado —e
somos nós. Além dele, também farão companhiaao
velho autor Joana e Raimundo, nos serviços da casa,
e o padre Siqueira, nas partidas de xadrez.Temos,en-
tão, um cenário íntimo completo. Porém, ninguém
duvide de que Carola seja mesmo a presença mais
fundamental em cena.
Essas Memórias quasepóstumas não evitam o tema
do preconceito nem as dificuldades de se lidar com
os colegas de profissão. Detalhes biográficos de Ma-
chado de Assis são intercalados com grande sutileza a
trechos de sua própria ficção, fazendo homem e obra
compareceremsem receio nem monumentalização.
8
Hermenegildo discute com Machado suas opiniões
sobre a leitura dos contos e dos romances do autor,
ao mesmo tempo em que também se familiariza com
outros escritores do século XIX. Alvaro Cardoso Go-
mes, inventor de Hermenegildo, casa com grande as-
túcia fragmentos dos textos do próprio Machado com
a recriação de episódios importantes da vida do autor.
Vemos, por exemplo, instantâneos da formação
do escritor em sua projeção no jovem Hermenegildo,
o dificil noivado com Carolina, os rituais de contato
e socialização com outros escritores, além dos grandes
temas da ficção machadiana, tais como a vaidade e as
determinações de várias ordens, que, supostamente,
explicariam o comportamento humano. E, ao lon-
go do livro, Carola cobra do marido uma visão mais
atenta à mulher e uma perspectiva menos cáustica da
condição humana.
O resultado é uma história na qual o grande Ma-
chado de Assis se humaniza imensamente. Ele convive
com seus acompanhantes e com as próprias memórias
sem exigir deles nenhuma "chave"; ele tem prazer nas
conversascom Hermenegildo e nas partidas de xa-
drez com o padre Siqueira sem, tampouco, perder a
9
Nach.•Ao Aaotn
11
Apresentação
11
ila
(Ic Icv;ı
Maç cjii a (Icfij)iüııjiı car;ltcv,
(Ic (s por Ilına gaııçl;lvclora
C Machaçlo
ji(i
LİZ (la vida para tornar Itıclhor ainçl;ı
cıc tcııjpcro cxUrana ıı;ırra-
'
lıvj clıcga a Scr corrosivo,
por cxu'liiplo, pöslıı„
A4('1116rias
nj(1Sde İhlâs C CIII *CII coııto ' 'Ç) Alicnista”,
(Qııcıji Icınbr;ı da beni-hıınıorada frasc de
14r;1sÇiııl»a«,ao (Icfinir o G'i scvı caso amoroso
conı a anjantc: "Marccla anıoıı-ıjıc durantc
zc c onzc contos dc rû•is”.Mas tanıbûm
possİvcl ver cnj Maçlıado tom ıncnos âcido no
cıııc rcvcla a perda da İnocöııcia dc jovcns,
coıııo açontccc nos contos "Uns braços” c "Missa
do galoş', c ıııcsnjo no romancc Dom Casmurro.Mas,
tant() ınıııı caso coıjıo outro, Maclıado visa a fa-
zer ıınıa crİtica h ganância dos homcns, a um mundo
12
açao
13
MezOrias quase póstumas de Machado de Assis
14
Um caderno de
memórias
15
Era um caderno pautado, desses co-
muns, usados nas escolas.
- Meu caro, registrei nele as
nhas memórias. Como bem sabe, meu
cursivol não é dos melhores e piorou
mais nos últimos tempos. Temo que não
me entendam... —abriu um sorriso triste
e completou:- Quantoa você,já está
mais que habituado a decifrar meus
hieróglifos...
Fez uma pequena pausa e prosse-
guiu:
—0 favor que lhe peço é que passeà
limpo minhas anotações. Sobre a escriva-
ninha do escritório, encontrará outroca-
derno destes, ainda sem uso, que poderá
levar consigo.
—0 Sr. Machado tem alguma pressa?
Algum prazo?
—Não sei se me cabe agorater al-
guma pressa ou prazos. Portanto,nãose
com
preocupe com isso. Redija devagar,
1Letramanuscrita. seu capricho usual.
16
Umcaderno de morn6ria:g
17
Ao leitor
18
personagem do meu romance AleniÓriaspóstutnas de
BrásCubas.Digo "em parte", porque ambos contamos
nossahistória começando pelo fim, mas Brás Cubas, ao
fazer isso,estava morto, e eu, ainda que muito comba-
lido, estou vivo. Desse modo, narrando sua vida depois
de falecer,meu personagem acabou se tornando um
"defunto autor", e eu, de minha parte, acabarei por Ilie
tornar um "autor quasedefunto", coisa mais ou menos
comum, em se tratando de literatura.
Devo confessar também que resolvi compor essa
história do modo mais prazeroso possível,escrevendo
só quando me apetecesse,sem ao menos pensar num
enredo ou numa possível ordem dos capítulos,deixan-
do que os acontecimentosviessemdo fundo da me-
mória e se impusessema mim quando e como bem
entendessem.Sendo assim,não se surpreenda quem se
19
Capítulo I
duas
vidas
caro leitor, que já deve
ter lido Ji/cntóriaspÓstumas
de Brás Cubas, corn certe-
za se recordará do prirneiro capítulo:
21
Onze amigos! Verdade é que
O não hou-
ve cartas nem anúncios.
Acresce que
o chovia - peneirava - uma
chuvinha
miúda, triste e constante, tão
cons-
tante e tão triste, que levou
da-
queles fiéis da última hora a
interca-
lar esta engenhosa ideia no
discurso
que proferiu à beira de minha
cova:
"Vós, que o conhecestes, meus
se-
nhores, vós podeis dizer comigo
que
a natureza parece estar chorando a
'O
perda irreparável de dos mais be-
10s caracteres que têm honrado a
manidade. Este ar sombrio, estas go-
tas do céu, aquelas nuvens escuras que
cobrem o azul como um crepe funéreo,
tudo isso é a dor crua e má que lhe rói
à natureza as mais íntimas entranhas;
Undiscevered country:
em inglês, país desco- ilustre finado" .
nhecido, inexplorado; é Bom e fiel amigo! Não, não me ar-
um eufemismo para a das vinte apólices que lhe
rependo
morte. Hamlet é per-
sonagem da tragédia deixei. E foi assim que cheguei à
do mesmo nome, da cláusula dos meus dias; foi assim que
autoria do dramaturgo me encaminhei para o undiscovered
inglês William Shakes- nelll
country de Hamlet 3, sem as ânsias
peare (1564-1616), au- nas pau-
tor tambémde Ron:eu as dúvidas do moço príncipe,
se retira
eJulieta, Macbeth,entre sado e trôpego, como quem
outras obras. espetáculo. Tarde e aborre-
tarde do
22
Saldo de dua:gvidas
23
Memórias quase póstumas de Machado de Assis
24
De maneira diversa de Brás Cubas, quando
morrer, de modo muito provável,com meus 69
anos, não diria que estesseria-n"rijos¯ e me-
nos "prósperos".
Cornojí disse, ando bem doente, e o maco- ao
me desenganar,deu-me um prazo de cinco ou seis
meses de vida, para que vá desta para a meLhorou
para a pior, dependendo do ponto de vista.
Quanto à prosperidade,ela será muito rela:i-
va- Morrerei remediado, sem fortuna. Ao contrá-
rio de meu personagem,se não deixarei dinheiro
aos herdeiros, deixarei, porém, o legado de meus
escritos, o que não é coisa de pouca monta.Tam-
bém diferente do solteirão Brás Cubas, que era re-
fratário ao casamento,fui muito bem casadocom
Carolina.
E, quando morrer, quase com certeza. serei
acompanhadoaté o cemitério nio pr apenas onze
pessoas,como ele, mas por um grande numero de
amigos,alguns parentes e admiradores.Segundo
nhas determinações,enterrar-me-ão no jazigo per-
pétuo 1359,no cemitério São João Batista,onde já
repousa Carolina.
25
pp
7 Medicamento que, ao
calor, amolece e adere
à pele. ocupado
Senão quando, estando eu
8Andarilho. invenção,
em preparar e apurar a minha
26
recebi emcheio golpe do
logo, e aio tratei, Tinhao
to no cérebro; trazia eomiqo
fixa dos doidos e doe Via-mo,
ao longe, ascender do chão dag
e renontar ao comoumaáguia
tal, e nãoé diante do tao exeoloo
petáculo que u.'homem podo sentir a dor
que o punge. Nooutro dia egtava pior;
tratei-no enfim, nag incomplotamon•
te, gea sétodo, nemcuidado, nempor-
gietência; tal toi a origemdo mal que
ae trouxe à eternidade. Sabem já que
morri sexta-feira, dia aziago, e
creio haver provado que foi a minha in•
vençáo que ne matou.
27
Machado de Assis
Memórias quase póstumas de
28
nem, como tu, traz esse
rosto indiferente, como o
sepulcro. E por que Pandora?
— Porque levo na ninha o
bolsa os bens e os males ,
e o maior de todos, a
esperança, consolação dos
ho-
nens. Trenes?
— Sim; o teu olhar fascina-me.
— creio; eu não sou somente
a vida; sou também
a norte, e til estás prestes a
devolver-ne o gue te
enprestei. Grande lascivo, espera-te
a voluptuosi-
dade do nada .
Quando esta palavra ecoou, cono trovão, 2a-
guele inenso vale, afigurou-se-me gue era o último
son gue chegava a meus ouvidos; sentir a
decomposição súbita de min mesmo. Então, encarei-a
con olhos súplices, e pedi mais alguns anos .
— Pobre minuto! exclamou. Para que queres tu
mais alguns instantes de vida? Para devorar e se-
res devorado depois? Não estás farto do espetáculo
e da luta? Conheces de sobejo tudo o gue eu te de-
parei menos torpe ou menos aflitivo: o alvor do
dia, a melancolia da tarde, a quietação da noite,
Os aspectos da terra, o sono, enfim, o maior bene-
fício das ninhas mãos. Que mais queres tu, sublime
idiota?
Viver somente, não te peço mais nada. Quem me
pôs no coração este amor da vida, senão tu? e, se
eu amo a vida, por que te hás de golpear a ti mesma,
matando-me ?
29
- Porque já não preciso de ti.
importa ao tempo o minuto que
passa
mas o minuto gue vem. O minuto
gue ven
é forte, jucundo", supõe trazer
en
a eternidade, e traz a morte, e
ce como o outro, nas 0 tempo
subsis-
te. Egoísmo, dizes tu? Sim,
egoísno
não tenho outra lei. Egoísmo,
conse:-
vação. A onça mata o novilho porque
o
raciocínio da onça é que ela deve
ver, e se o novilho é tenro, tanto
ne-
lhor: eis o estatuto universal .
Sobe
e Olha 12
30
Saldo de duas vidas
31
Mornado 'Io AaaJn
32
Mas chega de delongas vamos à história. E dou
início a ela com uma cena que muito me apraz lembrar.
Nela, estava ainda bem de saúde, fazendo o que mais
aprecio,que é escrever.E junto a mim encontrava-se
Carolina, pronta a me assistirquando dela precisase.
33
Eu vestia uma mupa leve por conta do intenso
calor. As cigarras cantavalli enl coro, naquele sába-
s: do. Joana, a nossa cozinheira, costutnava dizer que
"cimrra cantando é sinal de chuva chegando". Seria
bom que chovesse,que urna canícula assilllnão
fazia bem aos nervos. Para nneu alívio, unna prinla-
vera, debruçada sobre urna das janelas, dava sonibra,
refrescando o escritório. Deixei a janela e voltei a
me sentar diante da mesa, sobre a qual as folhas de
papel manuscritas e a pena mergulhada na tinta me
aguardavam.
Estava inspirado naquele dia e escrevia com ra-
pidez. Meu romance prometia, os personagens ga-
nhando um perfil definido, e os fatos do enredo se
concatenando com solidez. Assim, escrevi até me
doer a mão. Parei para descansar um pouco, tirei os
óculos e limpei as lentes com um lenço. Repondo-
34
Tudo curIogJdades
ao Catoohouver porém, no qual
náo no ou ensinou, on
como Éo
contarei no Olitrocapítulo. dl-
roi somente alguns diaa
pargoadors
do como agregado, fui ver a mi-
nha amiqa; oram dez horas da manhã.
D. Fortunata, que otgeava no quintal,
nem esporou quo ou lhe perguntasse
polafilha.
- Fat3tána sala penteando o cabe-
lot disse-mo; vá devagarzinho para lhe
pregar um susto.
Fui devaqar, mas ou o pé ou o es-
polho traiu-me. Este pode ger que não
fosse; era um espelhinho do pataca"
(perdoai a barateza), comprado a um
mascate italiano, moldura tosca, ar-
golinha de latão, pendente da pare-
det entre as duas janelas. Se não foi
ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade
é que, apenas entrei na gala, pente,
cabelos, toda ela voou pelos ares, e
só lhe ouvi esta pergunta:
- Há alguma coisa?
- Não há nada, respondi; vim ver
você antes que o Padre Cabral chegue P' Moeda de pouco valor.
para a lição. Como passou a noite?
35
thJIÇ;?
tala?
logo de
alto e por um
ria, primeiro 'dor go
36
00
37
gozo aos bem-aventura-
Há de dobrar o
soma dos tormon-
dos do céu conhecer a
padecido no infor-
tos que já terão
no os seus inimigos; assim também a
quantidade das delícias que terão
zado no céu os seus desafetos aumen-
tará as dores aos condenados do in-
o,
ferno. Este outro suplício escapou ao
divino Dantet7;nas eu não estou aqui
para e:nendarpoetas. Estou para con-
tar que, ao cabo de um tempo não mar-
cado, agarrei-me definitivamente aos
cabelos de Capitu, nas então con as
nãos, e disse-lhe — para dizer alguma
coisa - que era capaz de os pentear,
se quisesse.
- Você?
- Eu mesmo.
- Vai embaraçar-me o cabelo todo,
isso sim.
--Se embaraçar, você desembaraça
l)ante Alighieri (1265- depois .
1321), poeta Italiano,
autor de A divina co- - Vamos ver.
média.
8
Ca Ido
39
de Agaio
•mórias quase póstumas de Machado
40
---E você acha então (IVIC
I)élll tenho esses olhos dc cigana oblí-
qua e csqesolhos de res-
«aca que tentaria l)) para o
41
Por um lado, quem o diz é
Carola.
não se diz no texto que
e, por outro,
Pias
são desse modo. Quem é assim
mulheres
todasas
pouco teirnosa, Carolina in-
uni
Corno era
sistiu: de que, em Menióriaspóstumas
Lembra-me
coisa engraçada, mas bastante provo_
uma
você disse
sobre uma mulher...
cativa,
Qual coisa?
Marcela amou Brás Cubas durante .
—Que
ela hesitou,como que tentando se lembrar da pas-
sagem.
"quinze meses e onze contos de réis"
completei.
—Está aí! As mulheres, em seus romances, ora
são fingidas,ora interesseiras. Não é o que também
acontece com a mulher do Palha, a Sofia, que seduz
o pobre do Quincas Borba com seus lindos
olhos,
braçose colo, só para explorá-lo?
Balancei a cabeça, e ela tornou a cair
na risada:
---Não dê importância, não,
Quincas, estoua
mangarcontigo.
v i 'lao
43
quase póstumas do Machado do
,uemórias
45
Capitulo IT-
O filho da
1 av ade ir a
fly.
Igum tempo se passou depois da cena des-
crita anteriormente. Dom Castnurro fora
publicado e ganhara a estima dos críticos
e dos leitores. E minha vida corria com a placidez de
costume. Fazia meu trabalho no Ministério com o
escrúpulo de sempre, lia muito, escrevia para jornais
e revistas,reunia-me com os amigos. Pois, um dia, es-
tando entretido com a releitura de Hamlet,ouvi toca-
rem a sineta da entrada. Uma vez, duas vezes. Por que
o Raimundo ou a Joana não atendiam à porta? Ao
terceiro toque, lembrei-me de que eles haviam ido
comprar verduras e legumes numa chácara das pro-
ximidades. E Carolina não estava em casa.Tinha ido
visitar a amiga, dona Constança. Cabia a mim deixar
a leitura e ver quem era.
Ao portão, deparei-me com um rapazinho que
trazia uma grande trouxa na cabeça. Era mulato e
bem franzino. Como conseguia carregar tanto peso
com um fisico daquele?
—Pois não?
—A roupa lavada, senhor... —respondeu, num fio
de voz.
—Ah,sim, por favor, traga-a aqui para dentro.
47
Ele acotnpanhou-lne e, chegando à sala,
depositar, com dificuldade,
os nósculos para
quanto era e fui pegar
no chão. Perguntei-lhe
nheiro no quarto. Quando voltei, dei com ele
tado sobre a trouxa. Ao ver-me, assustou-see f:.
logo de pé. Reparei que parecia extenuado.
estivesseno limite de suas forças. Quiçá estivesse
fome. Fiz-lhe um sinal com a mão e disse:
—Venhacomigo até a cozinha.
Pedi que sentasse,fui ao armário e peguei
travessacom uma broa de fubá e um litro de le,.
Depositei tudo à sua frente, mas o rapazinhonio
atreveu a tocar no alimento.
—Ande, não faça cerimónia.
Como ainda hesitasse, eu mesmo cortei um
daço de broa e voltei a dizer:
—Coma, meu pequeno.
Começou a comer, a princípio, devagar,depo:s.
com voracidade. Cortei outro pedaço, que logodesa-
pareceu em sua boca. Quando pareceu saciado, ainda
49
Memórias quase póstumas de Machado de Assis
50
Volta e meia, era assombrado
pela visão daquele corpo franzino,
daqueles olhos fundos. Via-me no
rapazinho: de família pobre, nascera
também naquele morro, onde vivera
numa chácara, e meu pai era pintor
de paredes. O que nos diferenciava
era que eu tivera momentos felizes
na infincia, graças à proteção da mi-
nha madrinha, Dona Maria José de
Mendonça Barros023, de quem éra-
mos agregados24. E meu pai, ao con-
trário do padrasto de Hermenegildo,
sempre fora trabalhador e não tenho
a lembrança de ele ter tocado a mão
em minha mãe ou em mim. Viúva do Bngade:ro
Bento Barroso Peretra,
Era por isso tudo que havia me que tinha «Ido senador
condoído da sorte do menino. do Impérto, por duas
vezes foi Ministro da
Mas a história daquele rapazi- Guerra e, unu
nistro da Ntarinha-
nho que, sem que eu esperasse,cru-
24Pessoaque vi'tr com
zava-secom a minha, haveria de ter uma família,sem ter
outros desdobramentos que relatarei grau de parentesco com
ela.
adiante.
51
Incidente coraHermenegildo
52
O filho da lavadeira
53
as de Machado de Assis
quase
rias
54
P,velha casa
55
o a chácara, por meio de
seisjanelas
grade de ferro, abertas de d
um só
Todo o lado oposto estava lad
forradod
estantes, carregadas de livros. Esses
na maior parte, antigos, e eram
havia muitos
infólios25;também livros de
história d
política, de teologia, alguns
de letras
filosofia,não raro em latim e e
italian026
Foi o que me ficou dela.
Não me
z: lembro de adornos no teto ou
naspa-
redes, muito menos de retratos
de ante-
passados. Recordá-la faz-me
retornar ao
passado.Posso ver a criança que eu
era,
descalça e sem camisa, brincando
por
f 2" Diz-se do formato
entre as árvores, caçando passarinhosou
que tem a folha de im- tentando pegar lagartixas.
pressãode um hvro ape-
i. nas dobrada em duas. Mas me lembra de que, acimade
2' Este parágrafo é re- tudo, o que mais me agradavamesmo
produção quase Integral era enfiar-me entre os livros e ver,com
de trechos dos capítulos
I e II de Relíquias da casa curiosidade, o que continham. Ainda
trlha, In: Obra completa,
Machado dcAssis, vol. II. 'l
hoje, sinto no ar aquele cheiro de pó e
g'Rio de Janeiro: Nova velharia da biblioteca da casa em que
: Aguilar, 1994, p. 2, 5-6.
passei a infincia.
56
O filho da lavadeira
A2ica doente
57
póstumas de Machado de Assis
gmórias guase
58
Anica contou, então, que o Fortunato não só batia
no Hermenegildo, como também não o deixava mais
ir à capela de São José, onde costumava ajudar o padre
Sarnento com a missa-Alegava,sem motivo, que pre-
cisas.a dele em casa.
O Menegildo vinha aprendendo tanta coisa
com o padre... Estavainté começando a ler língua de
missa,nhá Carolina. Sempre aparecia em casa com um
livro.E o desgraçadodo meu homem dizendo que ler
não enchia barriga de ninguém e que queria o Mene-
gfldo ajudando ele.
Deu um suspirofundo.
E o pior é que começou a bater nele à toa, à
toa.Diz que o Menegildo é vagabundo,que não quer
trabalhar.Mas o Menegildo é menino trabalhador.
O que ele não pode é com coisa pesada,de tão fra-
quinho que está.
Deu outro suspiro e pôs-se a falar do finado mari-
do, que, segundo ela, era originário dos Açores.
Ele, sim, era homem trabalhador, não deixava
faltarnada em casa.E tinha um grande amor pelo Me-
negildo.Ah, por que Deus tinha de levar ele! E, agora,
estouvendo que eu mesma vou faltar...
59
—Não diga uma coisa dessas, Anica
cortou
Carolina. —Vocêvai ficar boa...
—Sei, não, nhá Carolina. Sinto uma gastura
aqui
—ela passavaa mão pelo ventre. —Parece inté
que
estou pegando fogo por dentro.
Olhou com intensidade para nós e continuou:
—Por isso,se eu for mesmo pro hospital,
queria
pedir pra nhá Carolina cuidar do Menegildo.Se ele
ficar aqui em casa com o Fortunato, esse homemé
capaz de fazer alguma maldade pro menino.
—Pode ficar descansada —disse Carolina —que
cuidaremos dele.Você indo para o hospital,ficamos
com o Hermenegildo em casa.
"Como é que ela podia prometer uma coisada-
quelas?", pensei. Nem lugar tínhamos. Sem contar
que andava com muito trabalho e não queriaficar
quebrando a cabeça com aquele tipo de problema.
Foi o que lhe disse quando voltamos.
—E qual é o problema? Lugar arranja-se.Quan-
to a seu trabalho, não custaria nada você dar uma
parada.
não
—Acha que é coisa assim tão simples?Você
devia ter-se comprometido com isso —contestei.
60
O Ei lho da lavadeiro
61
ao:nôriaoquase pOatumas de Machado de
Os Car01a
Blá-blá-blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá,
blá-blá-blá-blá-blá-blá.
Essa não entendi, eu...
Blá-blá-blá! Blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá-blá-
-blá, blá-blá, blá-blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá!
Blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá-blá-blá, blá-
-blá-blá, blá-blá-blá-blá-blá-blá-
-blá, blá-blá-blá-blá-blá.
62
Eu não disse isso! Eu...
Blá-blá-blá-blá-blá-blá-blá !
—Carola! Você está sendo injusta!
—Blá-blá-blá?!Blá-blá-blá-blá-blá,blá-blá, blá-
-blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá-blá-
-blá-blá, blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá-blá,
blá-blá-blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá, blá-
-blá-blá, blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá-
-blá-blá... Blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá-
-blá-blá-blá, blá-blá-blá-blá, blá-blá-
-blá-blá-blá, blá-blá, blá-blá-blá-blá-
-blá, blá-blá-blá-blá, blá-blá-blá!
Assim costumavam ser os arrufos de Carola.Ti-
vesse eu razão ou não, ela sempre tinha razão. Mas,
para minha sorte, pouco duravam. Não demorava
muito, vinha ela até minha mesa com uma chávena de
chá. Sem dizer nada, punha o braço em meu ombro,
e eu, para o bem de nossa relação, procurava esquecer
tudo.
63
111
Capítulo
Um ajudante
muito especial
s fatos relativos ao Hermenegildo aca-
baram se complicando, porque a Anica,
poucas semanas depois de ingressar na
Santa Casa de Misericórdia, veio a falecer. E assim,
atendendo ao chamado de Carolina,o menino apa-
receu, um dia, em casa,com uma trouxinha conten-
do seus pertences. E o problema de sua acomodação
logo se nos ofereceu. Onde arrumar um lugar para
ele? Não havia como hospedá-lo em casa,já que não
tínhamos quartos disponíveis.Mas a Joana letnbrou-
-se de que a irmã solteira, que vivia num bairro
próximo, podia oferecer abrigo a ele. Essa questão
resolvida,cabia agora decidir que trabalho poderia
ele fazer para nós, a troco de alimentação e algum
dinheiro. Como a casa era pequena, e o jardim e
o quintal, exíguos, o Raimundo e a Joana dispensa-
ram qualquer ajuda.
Como sempre, foi a Carolina quem soube como
resolver a questão:
—Ora, Quincas, ele pode muito bem cuidar da
biblioteca. Assim, lhe damos comida, alguns tostÕes
e uma obrigação que o mantenha ocupado e longe
do padrasto.
65
Da biblioteca? --- disse,
assu.stado
posta, que talvez viesse a perturbar com
o meu
O que ele poderia fazer por lá?
---Arrumar e espanejar os livros.
Ao
do Raimundo, 0 Hermenegildo, pelo
visto,sabe
66
E assim,na manhã do dia seguinte,
lá veio o Hermenegildo. Tomado o café
na cozinha, apresentou-se à porta do cs-
critório,com um pano e um espanador,
murmurando de cabeça baixa:
-- Bom dia, Sr. Machado. Com sua
licença.
E ficaria ali, parado, se eu não o
convidassea entrar:
—Entre, Hermenegildo, pode co-
meçar com aquela estante lá ao fundo.
Voltava eu a escrever. De fato, era ele
a mais discreta das criaturas, porque, nas
horas que se passaram,não ouvi ruído
daspenasdo espanadorou do pano to-
candoos livros.Contudo, num determi-
nado instante, ele interrompeu-me:
2' Arthur Schopenhauer
a—Desculpe, Sr. Machado...
(1788-1860), filósofo
Levantei a cabeça. alemão, autor de O
mundo como vontade e
Encontrei este livro do... —e ele representação,cuja obra
leu com certa dificuldade —...Schope- caracteriza-se pelo pes-
simismo. Exerceu gran-
nhauer28entre os livros do Shakespeare. de influênciaem Ma-
chado de Assis.
Qual o lugar certo dele?
67
ias quase póstumas de Machado do
'mói'
Aza ia
69
Mas a assistência de Hermenegildo
longo do tempo, não se restringiu
só a arrumar os livros ou a
alcançaros
volumes que eu lhe solicitasse.
Logo
logo, ele me prestaria um tipo de
balho que seria de muita valia.
70
Utna tarde, (le novo sozinho
etn casa Carolina tinha ido
co, o I lerinenegildo fora atc o (Icspacljar
71
quase póstumas de Machado de Asais
.Óm6rxas
72
O bruxo do Coz:ne velho
73
critório, dizendo que 0 vizinho
desejava
liiigo. Era a respeito das minhas falar
árvores que
rubavam folhas sobre 0 seu telhado. d
Mandeidizer
que o Sr.Teles podia pedir a ele,
Raimundo
podasse. Mas, para nneu desconforto,
pouco depois
74
ajudante espec2.a1
75
IV
Capitulo
Ganlxeiun
secret. Ariot.
os últimos tempos, uma doença dos olhos
vinha me incomodando além da conta, de
maneira que ler se tornava muito dificil. E
textos,
tudo se agravava quando tinha que revisar meus
pois, além dos problemas da vista, minha grafia se tor-
nava cada vez pior. Eram garranchos que eu mal podia
entender e que não ousava enviar para o Ministério ou
para os editores. Nos bons tempos, era Carolina, com
a paciência de sempre, quem me passava tudo a limpo,
mas,agora, com os males dela, não tinha coragem de
lhe pedir uma coisa dessas.Foi, então, que tive a ideia
de testar o Hermenegildo. Trepado numa escada, ele
arrumava os tomos de uma enciclopédia nas alturas de
uma estante.
—Hermenegildo, venha cá um instante.
Ele desceu, limpando as mãos no pano de espanar:
Pois não, Sr. Machado.
—Como é o seu cursivo?
—O meu cursivo? perguntou, coçando a cabeça.
—Sim, a sua letra —respondi, com impaciência, já
que tinha que enviar ao Ministério um documento
ainda naquela tarde.
Acredito que não seja ruim, Sr. Machado.
77
o
Então, escreva alguma
disse, estendendo-lhe um coisaaí
pedaçod
papel e ulna pena, para
a, avaliaro
seu
Ele pensou uni pouco
e redi
Peguei a folha de papel e vi giu.
que ele
via escrito versos de "Navio
negreiro"
de Castro Alves 31:
78
Ganh22 secrerá:io:
79
de Machado de Assis
'Memórias quase póstumas
80
Tarnbéna disse que gostara jnais
da poesia de Castro Alves do que da dc
Olavo Bilac 32
E posso saber o porquê?
Não que a poesia do Sr. Bilac não
seja bonita, mas, às vezes, ele Ine parece tão
frio cotnparado com o Sr. Caqtro Alves...
Um dia, Inanifestou vontade de ler
livros meus.
Ah, os meus livros. Quais?
Ah, podia ser Páginas recolhidase
também Dom Casrnurro.
Fiz um gesto com a mão, abarcando
as estantes:
Sirva-se, esteja à vontade. E faça
bom proveito!
81
atividadesconl o liláxltno dc zelo. Fora
indicado
servir ao Estado e fazia isso conn o liláxill)o
de
e escrúpulos. O dificil nneslno era suportar
os im
nos, aquelas pessoas que acreditavam
saber maisdo
eu e que tinham a grosseriade querer
Lembra-me de que, quando ainda estava
lotado na
cretaria da Agricultura, onde começara
como primero
oficial e chegara, depois, a diretor, apareceu-me
ali
cidadão para falar sobre um processo,que
dependia
uma informação minha para seguir adiante.
Era um su-
jeito com um bigode em pontas, muito bem-vestido
e
que falava com afetação, exagerando nos "Vossas
Exce-
lências". Chegou, inclusive,a dizer que viera recomen-
dado por um fulano qualquer, não me recordoseum
deputado ou um senador, entregando-nne um carüo
visita que deixei sobre a mesa, seni olhar. Um pedan
t4
em suma. Mas, como não nne cabia julgá-lo e, sim,a
processo, recebi-o com a mesma atenção que dedicaria
a qualquer pessoa que lá viesse.
Começou com muitos preâmbulos e rapapés, o
suficiente para me aborrecer. Com toda paciêncu,
ajeitei-me na cadeira e preparei-me para ouvirmus
uma indigesta digressão. Contestando o despachoque
82
Ganhei un secretário!
83
Ganhei um secretário!
83
Diálogo com leitor curioso
Quando o Hermenegildo
devolveumeus
percebi que tivera 0 capricho de livros
encapá-los
—Muito obrigado, Sr.
Machado disse,colocan-
do-os na estante. —Gostei demais
de lê-los.
—Ah, então, já os leu?!
Sim, já os li. Cheguei até a
reler os contos
Páginas recolhidas. de
E de qual mais gostou?
—Na verdade, gostei de todos —dissecom
entu-
siasmo —,mas, se o Sr. Machado quiser saberde
qual
gostei mesmo, foi "Missa do galo".
"Missa do galo"? E posso saberpor quê?
Ele refletiu por um instante.
Ah, apreciei o modo como o senhorcontaa
história. Deixa muita coisa para a gente pensar.
Reparando no modo desenvolto como elese
referia a meus contos, não pude deixarde lheper-
guntar:
—Quantos anos você tem, Hermenegildo?
Machado.
—Acabei de completar 16, Sr.
84
0)
85
Acho que ele desenvolveu
Xio por ela calou-se por pequena
instante,
s: cabeça: —Não, não diria uma paixão,
mas uma
oculta de amor... espécie
O que o leva a pensar assim?
- Alguns detalhes sobre o modo
como 0
gueira a vê. st.N
—Uns detalhes, pois sim. Mas
que detalhes
esses?
-—O senhor me dá licença de
pegar o
Balancei a cabeça positivamente.
Ele foi até
estante e apanhou o exemplarde Páginas
recolhik;
Sentou-se na ponta da cadeira e, abrindo
o
curou até localizar o conto.
—Ah! Cá está —e abriu um sorriso.
Leu o seguinte trecho:
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa" e {aza
jus ao título, tão facilmente suportavaos
cimentos do marido. Em verdade, era
moderado, sem extremos, nem grandes lágri:.as,
dava
grandes risos. NO capítulo de que trato,
maometana; aceitaria um harém, com as
na).
salvas. Deus me perdoe, se a julgo
O próprio rosto era -
era atenuado e passivo.
nem feio. Era o que chana:.os
nem bonito
simpática. Não dizia 2a 1
una pessoa
perdoava tudo. Não sabia
de ninguém,
até que não soubesse
odiar; pode ser
33
amar.
87
141mpátl.
litiila, t I
( as p.ágina«,localizou otitro
(tecli0 (lite leu, colijo se eti não o co-
tlhecesse:
90
Ganhei
91
póotuman de Machadode Ano
.OriaB quaoo
92
de propósito, ocultara sob um véu de subentendidos.
Mas é evidente que não disse isso a ele. Preferi deixá-
-Io discorrer à vontade sobre os indícios que Bentinho
vai colhendo ao longo da vida e davam conta de uma
atração mútua entre Capitu e Escobar.
Hermenegildo balançou a cabeça e disse num
toni baixo, corno se fosse para si mesmo:
---Então, é por isso que ele, com o passar dos anos,
deixa de ser o ingénuo Bentinho para se transformar
no descrente Casmurro...
Consrrsamos ainda mais um pouco, até que o relógio
desseonze horas.Como movido por uma mola,ele levan-
tou-se, pedindo mil desculpaspor me desviardo trabalho.
—Ora, o que é que tem, Hermenegildo?Estava
mesmo aborrecido emendar o processo do Ministério
—
D
-—disse, dando um sorriso. Muito melhor conversar
com você do que ficar lendo esta papelada toda.
Estava sendo sincero: aquelas horas de conversação
agrada-
haviam, de fato, sido muito prazerosas.Não só me
também
va passaro tempo tratando de meus livros,como
literatura.
descobrir no rapazinho tanto interesse pela
lembrança
Era como se ele despertasse em mim a
do jovem que eu também fora um dia.
93
V
Capítulo
O crente
e o descrente
e vez ent quando, Carolina surpreendia-
e ta à capela de Santo Eustáquio, a al-
gumas quadras de casa, para asqstir à rnissa.
Não a sabia carola, Carohna ----disse-lhe, dia,
hutnon
Não sou camla retorquiu, parecendo ofendida.
Etnboranio seja ctcnte de fato,por ape-
rezar um pouco. E o padrc Squctra, diferente dos
padrs, que tanto o aborrvcclli@
é uni hotnelil
digno Faz da Vidaum sacerdócio. E depois é culto, tent
vastorcpcrtóno dc leitura.
dia. Sando da capela, tmuxc-rne ela exctn-
piar de pástwmasdc Brás Cubas para que o
96
O crente e o descrente
97
Aaase de Machadode
98
tnotivo central de toda sua
consistano
é? Tanto é assim que aparece
bra,nio Alcnróriaspistil-
ostensivo em
dc Inodo
13rásCubas e cm Quintas Berl',l, e
dc
111as
livros. De acordo
disfarçadaem outros
os tnais fortes sobre-
conl ela, sonnente
enquan-
vivem.A eles cabetn as batatas,
to aos vencidos, os mais fracos, «ó resta
a morte pela forne.
Balançou a cabeça e observou:
Creio ver nessa filosofia ecos da
teoria da seleção natural das espécies de
Darwin 40
----O senhor acha isso rnestno?
perguntei por perguntar, porque sabra
que ele estava certo.
Pois não e ----olhou-lne espan-
tado. ---E só ler conl atenção o que o
doido do Quincas Borba expõe para
ver como tenho razão,ao Ine retQrtra
esse sábio britânico.
Fez outra pausa, após a qual me
disse:
O -- conno não
de toda
a
que se fala da filosofia do
cd
podia fazer o obséquio de pegar o livro
paraque
localizá-la?
-- Onde deseja procurá-la? El)) 11/1ffnórias
cn
póstu.
mas, Quincas Borba ou ena an)bos?
Ele refletiu pouco e disse:
—Elli Quincas Borba. Está rnais sucinta e melhor
exemplificada.
Levantei-me, fui à estante, apanhei meu exemplar
de Quintas Borba e passei-o a ele que, num instante,
encontrou o que buscava.
—O senhor se incomodaria se a lesse em voz alta?
Disse que não, e ele, limpando a garganta, tirando
um incómodo pigarro, pôs-se a ler:
100
O crente e o descrente
101
Motu")I i t MACh." IO in
102
- Bem, irás entendendo aos pou-
cos a minha filosofia; no dia em que a
houveres penetrado inteiramente, ah!
nesse dia terás o maior prazer da vida,
porque não há vinho que embriague cono
a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o
remate das coisas; e eu, que o formu-
lei, sou o maior homem do mundo. Olha,
vês como o meu bom Quincas Borba está
olhando para mim? Não ele, é Humani-
tas...
- Mas que Humanitas é esse?
- Humanitas é o princípio. Há nas
coisas todas certa substância recôn-
dita e idêntica, urn princípio único,
universal, eterno, comum, indivisível
e indestrutível - ou, para usar a lin-
guagem do grande Camões 42:
103
da sob:e-
O ca:-áte:
co:.servador
razoo de batatas
e
batatas apenas chegaa para
ass=n adguire fozças
e à 0a t: a 7 e: tente, Onde
2as, se as d'.:astribos di-
104
O crente e o descrente
105
Me:nOrhao do do Aso 10
107
— Não que a cor da pele desrnereça
alguém
Contudo, nurn meio enl que os negros,
Illulatose
pardos são, via de regra, desprezadose ténn
a vida
nnuito dura, o senhor, apesar de tudo isso,superou
os muitos obstáculos que se lhe ofereceram.Hoje,
além de ocupar uma posição de destaqueno Minis-
tério, casou-se com tuna senhora das ruaisdistintas
e se constitui num dos Inaiores,se não for o maior,
escritor vivo do Brasil!
E perguntou-me, usando de um tom triunfal:
—Então, de onde vem esse pessimismo, essa vi-
são atroz do mundo e dos homens? Essa ideia de um
determinismo que tira a liberdade, o livre-arbítrio do
ser humano?
Pausou,para completar com uma afirmação:
—O seu caso, em particular, desmente a regra
geral, a menos que...
A menos quê?
A menos que o senhor, no fundo, acredite na
força da Providência,como eu mesmo acredito. Acre-
dite que o homem, ainda que vivendo em meio à mi-
séria de um mundo cruel, não está desamparado,que
há quem vele por nós.
O crente e o descrente
109
quase cóstE.as de Machado de Ass•s
110
desejam"45,e o Ineu desejo era não crer
em nada, ou, quando nnuito, na supre-
maciado espírito sobre a matéria.
Mas antes que dissesse isso, Caro-
lina veio em meu socorro, convidando
o padre para o chá. Não é que, conl
a perspicácia de sempre, ela adivinha-
ra que a conversação vinha me per-
turbando? Por vezes, o padre Siqueira,
por força de suas convicções, tornava-
-se, para tneu gosto, um tanto incon-
veniente.
Pois, bem haja quem tenha, no
Oriente, inventado o chá, e que os in-
glesestenham difundido o gosto da be-
bida pelo mundo. Uma simples cháve-
na fazia que o bom padre se esquecesse 45Em latim, "Fere liben-
tcr homines id quod volunt
daquela conversa e se deliciasse com a credunt", Júlio César
(100 a.c.-44 a. C.), po-
bebida, acompanhada de sequilhos.
lítico e escritor romano,
Tanto foi assim que, depois desse autor de A guerragálica,
In: BARELLI, Ettore;
intervalo, ainda disputamos mais uma PENNACCHIETTI,
partida de xadrez. Mas em silêncio, Sérgio, Dicionário das
citações,p. 697.
como o jogo requeria. Levei a melhor,
111
e o padre, naquela tarde, saiu
deri0tad()
duas vezes: no jogo e na
tentativadc
querer converter-lne.
As artimanhas de um padre
112
O crente e o descrente
113
Capítulo VT
Umanoite de
autógrafos
o
arolina veio lennbrar-rne de
que, à noite, tínhamos que
ir ao lançarnento de Os scr-
tões,de Euclides da Cunha47.E não é
que me esquecera? Apesar de ele ser
meu amigo e de ter em minha mesa o
convite. Não fosse Carolina...
—Aque horas que é, Carola?
As oito, na Garnier 48. Só espe-
Euclides Rodrigues
ro que não se prolongue muito. Você, da Cunha (1866-1909)
quando vai a esses lançamentos, de- foi escrttor. sociólogo,
jornalista, ht<toriador.
mora-se a conversar com os amigos... geógratl) e engenhetro.
E, como sabe, ando cansada. I' Livraria B. L. Garnier
e Editora,localizadano
—Temossaído tão pouco de casa, Rio de Janetro, na Rua
ultimamente. E tão raro vê-los. do estesv etn
atividadeentre os anos
—Vocêos vê quando vai à Aca- de 1844e 1934
presidente era Baptiste
demia a—disse ela, saindo. ---Estou a Loui< Garnier. Nota-
reclamar de sua possível demora por- bthzou-se por publicar
de escritores que
que, a falar a verdade, preferia ficar se tornaram famosos,
como ,Machadode As-
em casa. sis.Tanibétn eta, na épo-
Talvez eu preferisse tanlbétn. ca, ponto de encontro
de
Nos últimos tempos, cansava-lne com
115
00
cri
116
que o pobre rapaz não tinha roupas
adequadas,levou-o a unia loja, ali no
bairro mesmo, e comprou-lhe rou-
pas e sapatos.Ao deixarjnos a casa,
ela apontou para o rapaz, cheio dc
vergonha no fat049novo, c dissc conl
um sorriso:
Reparou, Quincas, cojno o
Hermenegildo está elegante?
A livraria já estava cheia quando
chegamos, e foi um custo passar por
entre a gente, ainda mais que tinha
que cumprimentar um, cumprimen-
tar outro. Havia funcionários dos mi-
nistérios, deputados e senadores, mili-
tares,jornalistas, pessoas da sociedade,
já que Euclides da Cunha era muito
bem relacionado. Em meio à multi-
dão, fui reconhecendo pessoas do ofi-
cio: lá estavamo jovem e promissor
Lima Barreto e o dramaturgo Artur Roupa, vestimenta.
Azevedo confabulando. Troquei duas
117
palavras conl o José Veríssiillo
wAfonso I dc e dei
L Batrcto (ISSl- , por
1922).autor de. entre quenl tinha grande estinna.Encontrei
outras obras.
Quarc• tanibétll os da escola parna-
Artur Nabantino
de AzcvcJo siana, representados por Olavo Bilac
(I 190,8) drarna-
e Raunundo Correia e, lilais além, o
tun:n. poeta. connsta e
jortulbt.i. autor, entre Coelho Neto, conl queni Ine entreti-
outras obras, da rcça A
José vc ve,
de Matos A todos fiz questão de apresen-
da tar Hermenegildo, que seguia, muito
s;lctnr.Slatto CANhtane
dc Alc (1872-1 enfiado, Junto a nlim. Parecia ma-
FATltnr, filho de JC
ravilhado corn os livros, com toda
Alcncar. foi grandc
go dc hado dc aquela gente e, sobretudo, com os
Brás
Guanuràcs Bilac escritores de carne e osso que teve a
S), pocta, autor, oportunidade de conhecer.
entre outras obras.
poema "Vl.; Lac —Aqueleé mesmo o Olavo Bilac?
Raimundo da Mota
de Azevedo Correta O autor de Via Láctea? perguntava,
(1859-1911),pcrta, au- incrédulo.
tor de e
Snf«va.tsHennquc Naquela noite, quando voltamos
x:tntano Coelho Neto
(1804- i 934). connsta e para casa, em sua face estava estampa-
romanctsta, autor de da a maior felicidade.Junto ao peito,
Rapsodj.tj e REI nekW.
trazia um exemplar de Os sertões,com
O
4-1
de
de 1702.
1902
Infância e juventude
119
o Isso fez-nae lenabrar de sentimen-
tos semelhantes que experinaentara
ao conhecer a Livraria Paula Brito,lá
pelos idos de 1855. O estabelecimen-
120
Uma noite de autógrafos
121
Me:nórias quase póstumas de Machado de Assis
de Azeved052, e ele, o
Franciscode
Paula Brito 53, ao ver entretido
com o livro recém-saído, disse:
Pelo que vejo, o jovem gosta
Inesmo de leitura...
Não disse nada, apenas fiz que
52 Manuel António
sini com a cabeça. Estava tão assustado
Álvares de Azevedo
(1831-1852) foi escri- com aquele homem dirigindo-mea
tor romântico,poeta e
prosador,autor de Lira palavra que, se tentasse falar, com toda
dos vinte anos e Noite na
a certeza iria começar a gaguejar.Jul-
taverna.
Francisco de Paula
gava que ele tivesse vindo me chamar
Brito (1809-1861) era a atenção por ficar lendo o livro sem
mulato,foi um edi-
tor, jornalista, escritor, pagar.
poeta, dramaturgo, tra- —E o que você faz, além de gostar
dutor e letrista carioca.
Além de ser dono de de ler?
tipografias e de uma li-
vraria,fundou a Socie- Envergonhado, confessei-lhe que
dade Petalógica, que vendia balas.
teve corno membro o
então jovem escritor Uma atividade tão digna quan-
e seu amigo Machado
de Assis.Foi editor da to outra qualquer —observou, para de-
revista Alarmota'lumi- pois completar: Mas gosta mesmo é
nensc,na qual Macha—
do publicou muitos de de ler, não é? Sempre o vejo aqui a
seus poemas.
mexer nos livros.
122
Uln dia, ele propôs trabalhar
em suatipografia,o que me deixou ra-
o
diante.E a minha felicidade aunncntou
ainda mais quando publiquei minha
prirneira poesia. Contava, então, com
15 anos:
À ILMA. SRA. D. P. J. A.
123
o
Logo após, publiquei outra
nas páginas
/lll/llinense. Não demorou Inuito, da
tornei-meum
assíduo frequentador das páginas desse
periódico,
o
que Ine deixava crente de que, dia,eu seriames-
125
Memórias quase póstumas de Machado de Assis
126
emprego ennjornal, o de revisor do Correiontcrcan-
til. Passeia colaborar tatnl)élll na revista O espelhoe,
enl 1860, a pertencer à vedação do Diário do Rio dc
Janeiro.
Masjatnais pude me esquecer de Incu primeiro
poema publicado.Tenho, guardado conn Inuito cari-
nho, um recorte já amarelecido do Periódicodospo-
brcs,onde apareceralll estampados meus versos.
Creia, caro leitor, que, quando o corro com os
olhos, ainda sinto Inuita emoção. E como se estivesse
impressauma parte de minha juventude neles.
127
Capítulo V11
De médico
e de louco, ..
arolina, que tinha iclo, ntnna
manhã, às conjpras, chegou
em casaconl um ar que lhe
conheçomuito bem e que denunciava
uma grande novi-
o querer Ilie contar
dade.Estava eu à varanda, a ler a Gazeta
quando ela pôs a bolsa e os
de notícias,
embrulhos sobre a mesinha de centro
e disse:
—Não sabe, então, da nova?
Nova?A única que soube hoje
acabeide lê-la aqui no jornal ---disse,
apontando para a página que tinha dian-
te dos olhos. Morreu o Dostoiévski 57
—O Dostoiévski! —exclamou ela,
consternada.—De que foi que ele morreu?
—Parece que de uma hemorragia
pulmonar associada a enfisema e ataque
epiléptico. Flódor Nirkhaxlovtch
Ao me referir à última moléstia, Dostoiévski (1821-
1881 romancista russo.
não pude deixar de me arrepiar todo, autor de, entre outras
porque também eu sofria do mesmo obras, Crime castigoe
Karamazov.
Os
mal.
— Pobre homem.
Tinha tanta
miração ad-
por ele! Que forte
impressão
me causaram Os ir/llãos
Karamazov
e
Recordação da casa dos iliortos.
Estão entre
os melhores livros que li... —Carolina
Q)
fez urna pausa e, depois, continuou:-
Mas era outra a nova que tinha paralhe
contar...
Fitou-me de olhos bem abertos,
quase sem respirar, como costumava
fazer nessas ocasiões. Afinal, qual era a
novidade? Na certa, algum mexerico,
ouvido de passagem ou em conversa
com uma amiga numa das lojas.
—E então, Carola, o que tem para
me contar? perguntei com impaciên-
cia, porque me apetecia voltar à leitura
do jornal.
Pois não é que o comendador
58 Primeiro hospício i Tavaresinternou o filho no hospício
criado no Brasil, no Dom Pedro e ela se pôs a fa-
Rio de Janeiro,em
1852, para tratamento lar em desabaladacarreira:—Quem me
de doentes mentais.
deu esta triste nova foi a Constança,a
130
Do louco,
131
O que se diz por aí é
que seen-
graçou conl tlina escrava da
família.
Ulna negrinha de 15 anos, que
agora
está grávida dele. Mas o que deixouo
cornendador e farnília enlouquecidosé
que ele diz que deseja casar-secoma
memna.
E tnestno urn leviano ponderei,
não porque se enarnorasse de uma ne-
gra, mas, sitn, porque quisesse casar com
urna escrava.
Leviano ou não disse Caroli-
na, algo indignada —,por que interná-
-Io num hospício?O Torquato é tudo,
menos um lunático.
Talvez a faniília agisse melhor
No romance MC. enviando-o à Europa...
matias P'stumas de
Cubas,quando o —Como fez o pai de Brás Cubas,
Brás Cubas se apatxona quando ele ficou enrabichado por
pela amante Atarvela c
começa a gastar uma aquela Marcela59, não é? tornou Ca-
fortuna com ela, o pai
à força.à Eu- rolina, com malícia.
topa. para que ele ---Algo assim —disse,caindo na ri-
afaste de sua paixão.
sada.
132
o
Pois o comendador tentou fa-
zer o mesmo,e sabe o que aconteceu?
O Torquato ameaçou matar-se, e foi a
muito custo que conseguiram tirar-lhe
a arma da mão. O resultado: acabou
trancafiadono Pedro II.
Carolina foi para dentro, deixan-
do-me com meu jornal. Contudo, não
consegui mais me concentrar na lei-
tura, só pensando na desdita do pobre
moço. Internado num hospício porque
se apaixonara por uma escrava. Onde se
viu uma coisa dessas?Doido de paixão,
mas seria doidice bastante a ponto de
merecer ser internado?
E aquilo me ficou na cabeça,tan-
to que, à noite, mal dormi, só pensando
00Do catalão orat,de-
no caso.No outro dia, enquanto toma- rivado do castelhano
orate,e este ligado ao
va meu café, pensei que aquela notícia lat. ditra,"ar em movi-
podia redundar num conto. Pus mãos mento, vtraçào", sigm-
ficando doidos maluco.
à obra e comecei a escrever algo, a que Daí "casa de orates".
dei o título provisório de "A casa de que significa "casa de
doidos"
orates60", Como de costume, primeiro
133
que tudo, escrevi um
'd do conto,
O de um esboço dos personagens,
coisa em 0
toda a manhã. que
Eis a síntese da história que
acabei por
um respeitado médico da vila de imagina:
Itaguaí,de non)e
mão Bacamarte, casado com uma viúva, Si
a) D. Evarista
Costa e Mascarenhas, entendendo que da
os loucosvi
viam à solta pelas ruas _
da cidade, sem ter quem
cuidasse
deles, propõe à câmara dos vereadores a criação
de um
hospício de que ele próprio deverá tomar conta.
Esta-
belecido num casarão,construído especialmentepara
este fim, que passa a ser chamado de "A CasaVerde"
devido à cor de suasjanelas, Simão Bacamarte não só
recolhe os loucos, como também começa a estudare
catalogar os tipos de demência. Na sequência,imagi-
nei que o doutor começa a recolher na casanão só os
doidos de fato, como também pessoas que apresentem
algum sinal de monomania. Acaba,assim,por encer-
rar no hospício seu auxiliar,a própria mulher —por
achar que ela tem a mania de comprar roupas novas
—e pessoas gradas da vila. Depois, encarcerará aquelas
pessoasque não têm monomania alguma,ou que, de
seu ponto de vista,possuem outra forma de loucura.
134
,
De médico e de IO'„'CO.
135
Memórias 96.3 t
Acabando dc cv rever o
gargalhada.
---Pândego por quê?
136
inteligentes. Se além dessas pren-
e
únicas dignas da preocupação do
das
D. Evarista era mal composta
um sábio,
longe de lastimá-lo, agra-
de feições,
porquanto não corria
decia-o a Deus,
de preterir os interesses da
o risco
ciência na contemplação exclusiva,
consorte .61
miúda e vulgar da
137
01
O
E Carolina leu-llle, a
seguir
trechos: uns
de Estadodo Remo
durante o reinado de
D. José 1 (1750-1777), —Também comentou ela, sem dei-
deu início a váriasre- xar de rir com semelhantes ideias e pa-
formas administrativas,
económicas e sociais lavreado,só merecia mesmo figurar num
no Brasil de sua época.
hospício. O que seria aconselhável para
osASSIS, op. cit.. p. 37
muitos dos políticos que temos por aí...
138
t)"módico do louco,
139
gue se achassem nas
condições
agora
140
Comecei a bater palmas e disse:
Muito bem! Como sempre, você
se revela unxa leitora das mais argutas,
querida Carola. Em todo caso, queria
saberse,de fato, gostou do conto, apesar
dajocosidade que lhe imputa.
—Está claro que gostei! Quero crer
apenasque você acentua aqui a ironia
presente em AlenióriaspÓstumas.Conti-
nua a ver o homem como um joguete
de forças que não pode controlar. So-
mente que, agora, carregando nas tin-
tas,utilizando-seda fórmula do ridcndo
castigatmores68, como se estivessea rir
da sociedade que só vive das aparências.
Calou-se um instante e, depois,
perguntou-me com aquele ar matreiro
que lhe conheço muito bem:
Meu caro Quincas, acredita mes-
----
mo que somos todos doidos?
—"Demédico e louco, todos temos
um pouco" não é o que diz o ditado latim: rindo. cas-
ugam-se os costumes.
popular? respondi, dando uma risada.
141
Q)
142
De médico e de louco.
As virtudes de Carola
143
Ministério, Carolina lendo
e vez em
quando, recebíatnos visitas; de noodo
invariável,eram
as Inesmas pessoas: o barão Siliith e Vasconcelos,
a
posa e suas filhas; Illinha sobrinha Sara, casada
como
capitão Bonificio da Costa; dona Fanny de Araújo.
144
minha obra, à exceção de Esaú eJacó,
a
conhecer por inteiro,
que não chegou a
sua publicação, veio
pois,na época de
falecer. Ainda também me auxiliava,
a ca
70Plural de memorabilis,
Alna ninha gentil, que te partiste
latim,e que significa
Tão cedo desta vida, descontente, "coisas que são dignas
Repousa lá no Céu eternamente de serem lembradas".
E viva eu cá na terra sempre triste. CAMÕES, "5" (so-
netos). In: MOISÉS,
Massaud. A literatura
E, pois, com muitas saudades, que portuguesa através dos
me recordo daqueles momentos de textos. 13. ed. São Pau-
Io: Cultrix, 1983, p. 71.
grande felicidade conjugal.
145
Crendices
146
De médico e de
147
A cartomante
148
amigose conhecidos, e mesmo de notícias que leio nos
jornais.
E como é que o senhor transformaisso num
conto, num romance?
Que pergunta! Embora soubesse como fazer con-
tos e romances,nunca tinha me passado pela cabeça
pensarno fabrico deles.
—Vamosfazer o seguinte disse,voltando a pensar
maisum pouco: —Vocêfala-me um título, e eu, se pos-
sível,tento lhe rastreara origem e mostrar como um
caso resultou nesse conto.
Ele semicerrou os olhos, pôs a mão no queixo e
começou a murmurar:
Um título... um título... —e perguntou: Pode
ser qualquer um, não é, Sr. Machado?
Sim...
Demorou-se para se decidir, até que disse:
-- Está bem. O que o senhor me diz de "A carto-
mante"?
Tentei me recordar de quando e por que escrevera
aqueleconto que publicara no livro Váriashistórias.Fora há
pouco mais de seis anos... Com mais uns instantes de re-
flexão,lembrei-me do motivo que me levaraa escrevê-lo:
149
O Em primeiro lugar,
veio-me a ideia
um conto que tratasse de urna de escrever
cartonlante,
época, vinha pensando bastante porque,na
sobre a
superstição,a
alvorecer,a humanidade tem a
'0 tentaçãode adivinhar
o futuro, procurando lê-lo no
movimento dos astros
ou nas entranhas das aves,consultando
feiticeiros,adi-
vinhos, oráculos ou mesmo santos e
divindades.Algu-
mas coincidências levaram os crédulos a
creremque,
de fato, podiam contar com essesexpedientes,
tendo
assim bons augúrios para as guerras, os negócios,
os
amores... Mas o futuro é apenas uma suposiçãoou,
se quiser, um produto da imaginação.O que há, de
fato, na linha do tempo, é o eterno presenteque se
desenrola diante de nós... Mesmo assim,as pessoastêm
o costume de se fiar em forças ocultas, temendo pelo
que lhes possa acontecer no futuro...
Contei-lhe, então, da conversa que ouvira entre a
Joana e o Raimundo. Fiz uma pausa,tomei mais um
gole de chá e prossegui:
—Numa outra ocasião, a Joana apareceu-me di-
zendo que alguém lhe botara um mau-olhado. Ou seja:
uma pessoa, que não gostava dela, fizera uma espécie de
150
De médico e de louco...
151
Menor 1 as pós r tistias
do Machado
de
152
pior que a primeira e mais
por uma escada ainda
uma salinha, mal alumiada
escura.Em cima, havia
para o telhado dos fundos.
por uma janela, que dava
trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza,
Velhos
do meu ponto de vista, antes aumentava que
que,
cartomante
destruía o prestígio para os crédulos. A
do lado
fez-me sentar diante da mesa e sentou-se
que
oposto,com as costas para a janela, de maneira
meu rosto.
a pouca luz de fora batia em cheio no
Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas com-
pridas e gastas. Enquanto as baralhava, rapidamente,
olhavapara mim, por baixo dos olhos. Era uma mu-
lher de 40 anos, italiana, morena e magra, com gran-
des olhos sonsos e agudos.Voltou três cartas sobre a
mesa e disse:
primeiro o que é que o traz aqui."
"—Vejamos
Fixei os olhos nela, que, fingindo ler as cartas,
tornou a falar:
"—O senhor trabalha com...?"
"—Livros ..."—disse, evasivo, quando, talvez, fosse
preferívelnão ter dito nada.
"—Livros? O senhor os vende? É livreiro?"—ela
voltou a consultar as cartas.
153
o Aproveitei que errasse sobre
fui adiante,já que 0 peixe
a iqca.
comecei
"—Sim, 111asos negócios não Ine
vão bem.M
sócio..." eu
Ah!"—o rosto da mulher iluminou-se,
" e ela
apressou-sea dizer:
vem enganando
Exato. E eu queria saber o que vão ser de
meus negócios, se devo confiar nele..."
—Embaralhou as cartas e disse:
—Não se preocupe. Seu sócio irá cair em si,
arrependido de..."
Mas há uma mulher no meio..." fazendo
cara de coitado, interrompi-a, para pôr um pouco
mais de sal na história.
"—Uma mulher?" disse, com surpresa, mas logo
se corrigiu. Sim, sim, é o que as cartas dizem. Há
uma mulher entre os dois. E o senhor a ama..."
---Fiz que sim com a cabeça.
As cartas dizem-me..." ---abriu um sorriso e
continuou,dizem-me que seu sócio se arrepen-
derá do malfeito e que a mulher voltará a seus braços".
154
De médico e de louco...
155
Memórias quase póstumas de Machado de Aca i3
156
o
6
---Como você pode ver, de início,
Camilo não é um homem crédulo. Mui- o
157
o geral, todas as cartomantes,é
movida
.c: pelo dinheiro. E ninguém, em sã
cons-
C)
ciência, pagará por um mau vaticínio.
Tornei a consultar o conto e li ou-
tra passagem:
158
De médico e de louco. , ,
159
VIII
Capítulo
Cartas de amor
exendo enl alguns papéis, encontrei
as cartas que excrcveraa Carolina, urn
pouco antes de nos casarrnos.Copio o
nhas tnetnóriaq:
de POUCO COP77GG.P7Ze
era ?
7¯enSe não dens Consc-zndeSoU) />7GS
Se
te não Conde;nada é porve Va/;aã pena
conda.r.R m;n/7Cz passada do ct0hGÇcZO
reSzzme-•Seeme?do;s CGP/dZZ/o<5:
una nac
CorreSpon4do) ozd)-o, Correspond;clo. pp;
me;to, nada tenho gue d;Zer) do não
megae;xo) eu o CR
me acuses por 860; há Se
não Sem
de ob-;gou--nqe,Com os SeaS
Qzp'Zczde
ConSe//706, Q de6Se
7G—/oCom doh, P7CzS
Sem hemohSo.
66 dado.
hl pergunta natura/ é est ica:taca/ des—
des do;s5 CGP/dU/06 era o dc? cu,GOSã.l
o O gue 'de é fZZe
o 7001' o Segundo.
CZZ?CzdO
nem o 0 Segando Se pcZ--
Fedem nada Com o de/-ce;ro e ctgpída/o
161
do 7>7eZ7
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pelo deu SeXo. pehdenCe5 ao
pertenc nztmeho de mu/hehe5 fZZe
e pen--
eu? h//é/>7
Sãh. Como de não rzzzzv-;a
76 Anne- Louise-Ger- 06350, tens papa zp•zp dodefue
maine Necker, baro— 05 heã/Çã ,07ãR.5••
507Che5de.
nesa de Staél-Holstein
(1766-1817),mais co-
d"zeh â a/ma
nhecida como Mada— e ã/>7CZ)
me de Staêl, foi roman—
cista e ensaísta francesa,
e5dd unta a/zpa"e de Com—
autora dos romances
Pheende e de dcZZ7'éZ>7
Dclphine e Corinne e
C
de 7QZZe,'---de
de um estudo sobre a 7e/;Z é deCehdo
literatura, fundamental
para a introdução do
eu acedo—acoz? cz/ey;zz,e
Romantismo. Cerdo de
eSde Q3hQd4'e/ e.'7CQh30...
.62
O/ha,
da
nho
t eõe;o de
/Ao;a;nda d ne/;z ?
pe/Q f/oh me
163
Memórias quase póstumas de Machado de Assis
164
o
165
Para eu amar-te devias
o
Outra ser e não como
eras.
Tuas frívolas quimeras,
Teu vão amor de ti mesma,
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eramben fracos liames
Para que a alna enamorada
Meconseguissem prender;
Fora:nbaldados tentanes,
Saiu contra ti o azar,
E emborapouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro... Vãs quimeras!
Fara eu amar-te devias
80
dütra ser e não cono eras. • •
166
Cartas de amor
167
Memórias quase póstumas de Machado de Assis
A difícil corte
168
nio se Inostravatn nada cordiais comigo, Nos raros
encontros que tivera corn eles, tratararn-lne com res- o
peito, 111ascorn :nuita reserva. Desconfiava do Ilioti-
vo, mas esperei que Carolina o dissesse.Ela começou
com umas explicações, sem chegar ao ponto, o que
me obrigou a forçá-la a revzlar a razão de não poder-
mos nos encontrar amiúde e às claras, con10 era meu
desejo:
---Ande, Carolina, diga-tne. Por que não querern
eles que se encontre cotnigo?
Ela abaixou a cabeça e disse:
Está bem, contar. Mas sinto tanta vergo-
nha... —cheia de aflição, parou de falar, mas logo con-
tinuou:—Meus irmãos nio se conformam em que eu
seja cortejada por um mulato.
Procurei manter a calma, embora estivessefer-
vendo por dentro.
—O Faustino também pensa assim?
—Não, pelo amor de Deus! O Faustino é o que
mais me incentiva. Seria incapaz de uma coisa dessas.
Você sabe da estima que ele tem por você.
Ainda cheio de raiva,não pude deixar de dizer:
—E você?
169
Levantou a cabeça. Os olhos dela,que
erarntão
serenos, fuzilararn-lne:
Machado! Que conceito faz de mim?!Por
queni rue tonia? Sabe tnuito bem o apreço que tenho
por você. Que a cor de sua pele pouco me importa.
Valern-me Inuito naais o seu talento, a sua inteligência
e a sua sensibilidade.
Cheio de vergonha, peguei suas mãos e beijei-as:
Perdoe-me, Carolina, fui injusto. Não sabe
como uma coisa dessas,partindo de quem partiu,me
magoa.
—Tanto sei redarguiu ela que, apesar das res-
trições deles,estou firmemente decididaa continuar
I
consigo. Isso, se você ainda me quiser...
Carolina! Claro que a quero!
Assim foi nosso primeiro arrufo, provocado pela
estupidez dos irmãos dela. E, apesar disso, ou talvez
I por causa disso, passamos a nos encontrar com mais
assiduidade,embora longe deles. Quando não podía-
mos nos ver, escrevíamos cartas apaixonadas.
Afinal, vencidas as resistências dos irrnãos Novais,
a 12 de novembro de 1869,data que jamais me esque-
ço, casamo-nos.
170
Cartas de amor
e Mefistófeles
Fausto
com
Fausto,um sábio desencantado
quando tentado por Mefistófe-
a vida,
83 acabou por fazer um pacto selado
les ,
sangue, em que o demónio prome-
com
que lhe concederia o poder de fazer
teu
caso desse
tudo o que quisesse em vida,
dia, a exem-
suaalma em troca. Pois um
plo do lendário personagem, também
vivia experiência de ser tentado a ven-
der a minha alma, em troca de um bem
muitoprecioso.Somente que meu pacto
83 Fausto é um sábio
foi feito com um Mefistófeles de batina. que, atormentado pelos
O fato: no meio da tarde, apareceu- fracassos em vida, deixa-
-se tentar pelo diabo
-me em casa o padre Siqueira para a Mefistófeles, que, em
nossapartida de xadrez. Estranhei por- troca de sua alma, pro-
mete lhe concedero
que fazia tempo que não comparecia, máximo de felicidade.
São personagensde um
alegandocompromissos.Vinha ele com drama famoso, o Fausto,
um ar matreiro,e logo suspeitei que de- da autoria de Johann
Wolfgang von Goethe
veria estar tramando algo. Tive certeza (1749-1832), escritor
dissoquando, arrumadas as peças no ta- romântico alemão, tam-
bém autor de Werther.
buleiro,disse,com um ar triunfal:
171
Memórias quase póstumas de Machado
de Assis
Hoje, não
há cie
0
senhor
vencer.
Dei de onabros,
como se
Io pouco Ilie inaportasse, aqui-
e conacntei
com malícia:
Como pode saber,
padre Si-
queira? Andou consultando os
orá-
culos?
Não, não consultei os oráculos
e, sim, a Steinitz 84!
Ah, Steinitz... rebati,pensando
no enxadristaque havia sido campeão
do mundo.
Então, vinha ele mesmo prepara-
do para me enfrentar! Acontecia que,
84Wilhelm Steinitz nos últimos tempos, o padre só co-
(1836-1900) foi joga-
dor de xadrez e primei- nhecia derrotas. De vez em quando,
ro campeãodo mundo
nesse esporte. Nasceu
com muito esforço de sua parte e um
no antigo Império Aus- pouco de relaxamento meu, conse-
tríaco, na atual Repú-
blicaTcheca. No fim da guia uma vitória. Agora, entendia por
vida, ficou louco, che- que havia desaparecido por uns tem-
gando a acreditar que
poderia derrotar Deus pos... Devia estar estudando o cam-
numa partida.
- peão de xadrez, e seu ar de triunfo
172
dava-lnea certeza de que «e preparara conjo nunca
para o enlbate!
Tiranios a sorte, e a ele couberajn as brancas. An-
tes de coineçar, porérn, lançou-rnc um desafio:
Que tal se apostásscrnosalguma coisa, Sr. Ma-
chado?
Espantei-me conl o tom com que ele me propu-
nha algo assim tão esdrúxulo, já que nunca havíamos
feito isso antes.
Um sacerdote apostando, padre Siqueira? —
perguntei com ironia.
Sorriu meio sem jeito, mas foi adiante:
---E que o que vou propor para apostar vale mui-
to a pena. Tanto para mim, quanto para si.
—E o que o senhor quer me propor de aposta?
Posso já saber?
Hesitou um pouco:
—Desejava que apostasse a sua alma,senhor Ma-
chado.
—A minha alma?! —desatei a rir.
—Sim, a sua alma —disse-me, sério. -- Caso eu o
vença nesta partida que jogaremos agora, o senhor me
dará a sua alma.
173
Memórias quase póstumas de Machado
de Assia
174
Siclucira devia ter eqttl-
(0 p,icljc dc «e
o Ntcililtz, a ponto
«lado
175
Memórias quase póstumas de Machado do
Assis
O SENHOR
viste Fausto?
MEFISTÓFELES
O Doutor?
O SENHOR
sim, o meu servo.
MEFISTÓFELES
Servo teu? guapo servo! o rei dos parvos •
Seu coamere beber são do outro mundo.
pasce-se no fervor da cachimónia,
que o traz há muito aéreo; em suma, é doido,
e ele próprio o suspeita. Ambiciona
cá do céu as estrelas mais formosas,
da terra gozos máximos . Nem perto
nen longe, vê, nem sonha, em que se farte.
O SENHOR
Por enquanto, anda à toa; em breves dias
lhe darei claridade. O fazendeiro
antevê, no abrolhar, a flor e o fruto.
MEFISTÓFELES
Quer Vossa Majestade uma apostinha?
Verá se também este se não perde,
uma vez que me deixe encaminhá-lo.
177
O SENHOR
Deixo, enquanto for vivo.
é natural o errar.
MEFISTÓFELES
Muitoobrigado.
86' 'Pasce-se": o rnesnoo co 'os vivos
Pois ta:nbé71é que 7-2
que "nutre-se, alimenta-
com defuntos embirro; o ze;alo
-se", "cachnnônia": ato
de pensar;"murganho". é tentar caras rechonchudas, fre2cas•
rato pequeno;"in actcr- sou como o gato: de murganho zorto
num": para setnpre. "Há não faço caso; o meu
de se regalar corn terra,
é correr e arpoar aos gue ze foge:.
como a tia serpente
ou seja, ele irá se arrastar
na terra como a serpen- O SENHOR
te. O fato de ele usar a o
Como queiras. Permito—te
palavra"tia" serve para
sugerir um parentesco Se lograres caçá-lo desbatiza-o,
do demónio conl essa e inferna-o muito embora. Mas, corrido
espécie de animal pe- fiques tu in se confessas
çonhento, O fragmento possa,
que o bom, dado que errar às vezes
provém da seguinte edi-
a nossa.
00: GOE THE,J0hann nunca nos sai da estrada, a zeta,
Wolfgang von. Fausto,
tradução de AntÓnio
Feliciano de Castilho, MEFISTÓFELES
versão para e1300k,p..39- Bom. Não lhe há de tardar o desengano,
41 (do PDF). Disponí- certo
Ganhei tão certo a aposta, cozo é
vel ern: <http://www.
ebooksbrasjl.org/ado chamar-me eu Mefistófeles. Se eu vingo
beebooklfaustogoethe. na emprega, a palma do triunfo é
pdf>Acesso em: 2.8dcz. Há de se regalar de terra,
2013.
como a tia serpente. »
178
Cartas de amor
179
Capítulo I Z
A teoria do
tij olinho
O
181
transfornn-se ena "senhor alferes".
Com
isso, ganha a admiração de parentese
amigos, e a inveja dos despeitados. Enfim
pode-se dizer que acaba ele por ter duas
o
almas, a natural, mais simples, e a artifi-
cial, que provoca a admiração de todos.
Sua face iluminou-se, e ele disse:
—Ah, é então por isso que o perso-
nagemJacobina diz, mais adiante, que "o
alfereseliminou o homem"?
Para se certificar do que dissera,Her-
menegildo pegou Papéisavulsosna estante,
abriu-o e localizou a passagem do conto:
182
A teoria do tijolinho
183
i an qnaoe do Machado(Io
185
- Antes assim fosse.
- Coisa pior?
Ouçam-me. Na manhã seguinte
achei-me 36.
Os velhacos, seduzidos por outros, ou
de movimen-
to próprio, tinham resolvido fugir
durante a noi-
te; e assim fizeram. Achei-me só, sem
mais ninguém,
entre quatro paredes, diante do terreiro
desertoe
da roça abandonada. Nenhum fôlego humano.
Corri a
casa toda, a senzala, tudo, nada, ninguém, um
mole-
quinho que fosse. Galos e galinhas tão somente,
par de mulas, que filosofavam a vida, sacudindo as
moscas, e três bois. Os mesmos cães foram levados pe-
10s escravos. Nenhum ente humano. Parece-lhes que
isto era melhor do que ter morrido? era pior. Não
por medo; juro-lhes que não tinha medo; era um pou-
co atrevidinho, tanto que não senti nada, duran-
te as primeiras horas. Fiquei triste por causa do
dano causado à tia Marcolina; fiquei também um pouco
perplexo, não sabendo se devia ir ter com ela, para
lhe dar a triste notícia, ou ficar tomando conta da
casa. Adotei o segundo alvitre, para não desa:npa-
rar a casa, e porque, se a minha prima enferma estava
mal, eu ia somente aumentar a dor da mãe, sem remé-
dio nenhum; finalmente, esperei que o irmão do tio Pe-
çanha voltasse naquele dia ou no outro, visto que tinha
saído havia já trinta e seis horas. Mas a manhã passou
sem vestígio dele; e à tarde comecei a sentir uma sen-
sação como de pessoa que houvesse perdido toda a açã0
nervosa, e não tivesse consciência da ação muscular.
186
do tio Peçanha não voltou
o irmão
no out.ro, toda aquela
dia,
tomou proporçóes
semana.Minha solidão
Nunca 0$ dias foram mais
enor11Ñ$.
o sol abrasou a terra com
pridos, nunca
obstinação mais cansativa.
187
Mortióña13 póottjrnas do Machadode
188
Portanto,é de crer que algumaspessoaspor aí,
vez de serenn elas Ilieslllas, estão sernpre a viver
conformeo que a alma exterior determina.
De acordo, e a coisa torna-se mais grave ainda,
quandoa alma exterior, que é artificial, sufoca de vez
a interior...
Foi então que me veio à cabeça a novíssimateo-
ria.E resolvi explaná-la, pela primeira vez, ao Herme-
negildo,jáque estávamostratando de um conto que
tanto tinha a ver com ela:
Em realidade, meu caro, podemos pensar a res-
peito dessas pessoas que a elas se aplica a "teoria do
tijolinho"
"Teoria do tijolinho"?! —retrucou ele, espanta-
do. Nunca ouvi falar de tal teoria.
Não ouviu falar,porque acabei de formulá-la.
Consta do seguinte: peguemos, como exemplo, um su-
jeito humilde, de muita urbanidade, que se dá muito
bem com os colegas de trabalho.Um dia, por acaso,
cai-lhe ao colo uma promoção ou uma fortuna. De
pronto, muda do vinho para a água: passaa ignorar
os antigos amigos, trata os que lhe são subordinados
com arrogância. A Soberba torna-se sua nova alma.
189
Em stilna: algumas pessoas, ao subireill sobre
um sim-
bólico "tijolinho", se tornam outras, sentindo-se
supe-
riores às demais.
E concluí:
-—Este é, pois, o princípio de minha nova teoria.
E o senhor conhece muitas pessoasa quemse
aplique tal teoria, Sr. Machado?
Refleti, passando enl revista toda a gente que co-
nhecia e poderia servir de exemplo à Illinha teoria.Foi
então que me lembrei de uma, que a ela se aplicava,
como a mão à luva.
Sim, é claro, e poderia me referir a uma em
particular.Vamos à pessoa em questão.
O Hermenegildo acomodou-se melhor na cadei-
ra, e eu, puxando pela memória, comecei a contar.
A teoria do tijolinho II
190
A teoria do tijolinho
continuei. — O
Ele mesnno
apesar de muito rico, não se
holnenl,
Pensavaque o dinheiro pú-
emenda.
era público, em seu sentido nrais
blico
lhe dissesseque o co-
rasteiro.Mas e se
Inendadornem sempre foi o que cos-
ttllnaostentar? Que, há coisa de alguns
anos,era pobre?
O Hermenegildo fez uma cara de
total incredulidade.
—O comendador que mora na-
quelabela mansão nas Laranjeiras? Que
andapela cidade num luxuoso landau91?
Não acredito que tenha sido pobre.
—Pois foi bem pobre. Era verdu-
reiro,morava numa tapera, que ficava
numa chácara, onde plantava alfaces,
couves,tomates e pimentões. Saía, pela
manhãbem cedo, de tamancas e chapéu
de palha furado, puxando uma carro-
Cinhae vinha-nos vender as hortaliças. 91Antiga carruagem
puxada por dois cava-
Na época, quando tirava um dedo de 10se cuja capota podia
ser arriada.
prosacom ele, sorria com humildade,
191
Me:n6rias quase pós tunas de Machado de Asais
193
se. A liii:n, que costurnava lhe
deixar
alguns tostões corno gorjeta,
deu de
ignorar-tne, talvez porque lhe conhe-
cesse bern o passado de miséria. E só
veio curnprirnentar-lne numa recep-
o
a. çâo, em hornenagelll ao barão Smith
de Vasconcelos94, ao descobrir que eu
era urn escritor conhecido.Ao ouvir
alguém cornentando meu livro Crisá-
lidas, entrou na roda e, com o maior
despudor, disse: "Apraz-me saber que
Vossa Excelência compôs tão magní-
tico livro! Li-lho com poderosíssima
atenção! Louvo-lhe a forma opulenta
e soberba dos versos, a cintilação ex-
celentíssima dos ouropéis, a finíssima
ourivesaria etc., etc., etc.".
Dei uma risada,imitado pelo Her-
José Snuth de Vas- menegildo, e prossegui:
concelos, barão de Vas-
concelos (1817-1903), Não bastasse isso, naquele evento,
nobre português radi-
cado no Brasil e amigo
percebi que ele ficava muito atento ao
de Machado de Assis e que algumas pessoas diziam, para, de-
Carolina.
pois, sair repetindo as frases que ouvira.
194
A teoria do tijolinho
196
o
197
O relógio bateu as
Cinco.Mas
lii,nçada! Tinha que revisar que
lilais um
aborrecido processo. Fiz então
sinalpara
o Herrnenegildo:
Bem, tneu caro. Parece-me que
foi
muito frutífera a nos«a conversa.Apren-
deu à perfeição o que seria a Teoria do
tijolinho. Agora, toca trabalharmos.A
mini, falta-tne estudar um documento
do Nlinistério; quanto a você, senão me
engano, cabe-lhe iirnpar a estantejunto à
Janela, não é rnesrno?
198
A teoria do tijolinho
199
Memórias do Machado do Aso ic:
200
preciso definir esta institui-
fioé
moço, aceita e con-
iniciadapor
por moços, a
?letada
natilralmente anbiciosa. 0
alnanova,
desejoé conservar, no meio da fede-
201
e (xcto que tanibéln dos den)ais
rnetnbros que a Acadellita ti.io «ó procurasse prescr-
\ar os Itnportantes nornes da prosa, da poesia,da
crítica literána e do teatro brasileiro,conjo tmnbétn,
segundo o que Incu discurso,conqervasqe
'no tnejo da federação política, a unidade literária"
do pais. Etn outras palaxxas.n.io desejava que a ABL se
transtortnassc apenas local em que seti<pares tro-
clog:os entre para cultuar a própria vaidade.
Mas netn todos pensavam aqsirn.Corno já des-
confiava, hava os que dcscjava:n entrar na Acadernia
tão só para lustrar o ego. Nluitos tnedíocres passarmna
lutar para figurar entre os tnetnbros da associação,conl
adulações, cartas de rccotnendação de literatos e po-
líucos. Houve até os que, tnorbidamcntc, aguardavam
que um dos metnbros da ABL morresse para que, as-
sunnndo uma das cadeiras, tivessem a graça de ganhar
a ' 'iruortalidade". Tudo em vão, porque os escolhidos
deviam ser lembrados, de acordo com nosso estatuto,
pela qualidade da obra, pelos serviços prestados à cul-
tura e, por extensão, ao país.
E aí que entra o nosso comendador Natalino.
Não satisfeitoda comenda comprada em Roma, nem
202
A teoria
do
ti)olinho
204
o
207
Mas não conseguiu
ir além
primeiras páginas. das
Para agravar
ainda
mais o seu mal, um farmacêutico
que
costumava manipular nossas
receitas
enviou-lhe o remédio errado.
Em vez
de sal-amargo, mandou sal de
azedas104
que ela ingeriu sem perceber o
enga-
no. O veneno não a matou, masveio
a precipitar os danos num organismo
já tão combalido. Começou, então,a
depauperar-se a olhos vistos.
Como eu estavamesmo de licença,
fomos para Friburgo, onde o clima nos
fazia muito bem. Ficamos um mês por
lá. Esquecia-me de mim, só tinha olhos
para ela. Enquanto Carolina repousava,
Sal-amargo: sulfato sentado numa cadeira, lia-lhe poemas
de magnésio;o sulfato
de magnésiooral em- e romances. De vez em quando, pedia-
prega-se como laxante. -me que ficassejunto dela.Sentava-me
Sal de azedas: ácido
oxálico, que causa ir- a seu lado na cama, Carolina segurava-
ritaçâo severa e, se ab-
sorvido pelo organis-
-me a mão e dizia:
mo, pode causar danos —Quincas, o que será de você sem
nos rins.
mim? Queria tanto ir-me depois...
208
No pé do
face e, segurando as
\ áu*Àva-lhe lágrimas,
210
se tenho nos olhos malferidos
Queeu,
de vida formulados ,
pensamentos
pensamentos idos e vividos .
211
Mas, honrando a Ilic'lllória de Carolina,
não po-
dia me entregar definitivanjentc à Il)inha dor.
Tinha
que viver e viver benn, pois sabia que, conl isso,
ela
se sentiria feliz. Para tanto, procurei dedicar-tnc
com
afinco à rotina do trabalho. No Ministério, como fora
nonneado para a Comissão Fiscal e Adininistrativadas
Obras do Cais do Porto, de certo nnodo,recuperei o
entusiasmo de antes pela tarefa burocrática. Foi uma
forma de superar o abatimento e as preocupações com
as minhas moléstias, agravadas pelas crises de epilepsia
que se tornavam cada vez mais frequentes.
Voltei também a escrever, enviando crónicas e
contos para os jornais. E, para a minha alegria,des-
cobri que me viera a inspiração para mais uma obra,
um romance de caráter memorialista.Dei-lhe o título
de Memorialde Aires.Era uma espécie de acerto de
contas com minha própria vida. Como eu me via no
personagem que ia construindo aos poucos! Aires,o
Conselheiro, tinha traços que eram bem meus, como
se pode ver no fragmento abaixo:
212
Ao pé do leito derradeiro
213
Memórias quase póstumas de Machado de Ase 13
BARBOSA,
lhe prestou a última homenagem.
Adeus a Machado de Registro aqui algumas das belas pa-
Assis. Disponível em:
<www.casaruibar lavras do poeta:
bosa.gov.br/dados/
DOC/artigos/rui
barbosa/FCRB_Rui sua zz/>7VaSo de ame
Barbosa_Adeus_a e me/ã.zx20/;a.
' Machado _de_ Assis. da sua repart;a/a enfre
pdf>. Acesso em:
Jan. 20
o Meã/e a Poona, não Se /he CZZ/>7—
Sem ,ezzdezae Sent 7Ce/ 107
214
o
215
Mas o Sr. Machado, fazendo um débil sinal,
murmurou:
Aproxime-se, Hermenegildo.
Obedeci-lhe. Chegando ao pé do leito,
ajoelhei-
-me, apertei sua mão e a beijei. Tanta era minha
emoção
que comecei a chorar. Foi quando o Sr. Alberto
Carneiro
de Mendonça se aproximou. Os olhos cheios de tristeza,
perguntou-lhe:
Como está se sentindo hoje, querido amigo?
Muito mal... respondeu o Sr. Machado,acrescen-
tando com muita franqueza: —Vou morrer...
Mas o que é isso? Você há de melhorar,tenho cer-
teza...
—Qual —dizia, apontando para a sala, onde as pessoas
conversavam. —Escute... Não reconhece esse zum-zum?
0 Sr. Machado cerrou os olhos e murmurou:
—É de velório...
Logo em seguida, chegou o padre Siqueira com seu
breviário. Inclinando-se, perguntou bem baixinho ao Sr.
Machado:
—Meu caro, não acha que chegou a hora de reconci-
liar-se com Deus?
Com muita dificuldade, numa voz rouca, o Sr. Macha-
do ciciou apenas isso:
216
Ao pé do leito derradeiro
217
Fotocronologia da
e da obra de
vida
Machado de Assis
Machado de Assisem
foto tirada em estúdio.
218
Fotocronoloqia da vida o da obra do Machado de Alasis
219
Machado de Assis
quase póstu.mas de
Me:nór.as
QtT.DA
AS MULHERES
221
guase póstumas de Machado de Assis
CIIR\SALIDAS
g.cs.oo ot
Ordem da
Placada Itnperial
1829 para
Rosa,criada enl
perpetuara memória do
segundocasamentode dom
PedroI, com dona Amélia
de Leuchtenberg.
Alegoria à Lei
do Ventre Livre.
Machado de Assis e
alguns personagens
do romance
Ressurreição,em
ilustração publicada
na Semana ilustrada.
224
de seternbro a 3 de novembro, publica, em O Globo,
Pe 06
-
A /llão e a Illva,editado no mesnoo ano.
o romance
terceiro volume de versos, Allicricanas.
Pilblicaseu
1875
partir dejulho deste ano até abril de 1878, escreve em todos
1876—A
os números da revista Ilustraçãobrasileira.De 6 de agosto a I I
de setenlbro,publica no Globoo romance Helena,editado no
Iliesmo ano. Em 7 de dezembro, é promovido a chefe de seção
da Secretaria de Agricultura.
grande aniigo José de Alencar.
1877-eMorre seu
1878-- De 1.0de janeiro a 2 de março, publica, em O Cruzeiro,
o romance laiá Garcia,editado no mesmo ano. A 27 de
dezenlbro,entra em licença e segue, doente dos olhos e
dos intestinos, para Friburgo, onde fica até março de 1879.
Durante o período, começa a escrever MeniÓrias pdstuntasde
Brás Cubas.
TATA GARCIA
MACHADO DE ASSIS
ra St •
••OOO
225
Machadodo Assis
a cour
226
Anala
BRAZ CUBAS
Folhade rosto do
rornance Afonórías
póstumasde Brás Cubas,
consideradomarco
micialdo Realismo no
Brasil.
e Tu, só
1881 -- Publica em volume Memórias pÓstumasde 13rásCubas
tu, puro amor...Escreve com assiduidade na Gazeta de Notícias,
redigindo as crónicas intituladas "A semana".
1882-- Publica o livro de contos Papéisavulsos.A 5 de janeiro, entra
em licença de três meses para tratar-se em Nova Friburgo.
1884—Publica Históriassem data e muda-se, com Carolina, para a
Rua Cosme Velho, 18, onde viverá até morrer. Antes, haviam
morado nas ruas dos Andradas, Santa Luzia, da Lapa, das
Laranjeirase do Catctc.
227
Cotuctnoras•.io da asstnatura do decreto da
Aboll€io no l).wo ltnpertal do Rio de Janeiro.
228
Fotocronologia da vida e da obra de Machado de
Assis
229
Feiha de tosto do tontance IX'") Casmurre
pela Garnier etn t 899.
da
1-101nenaoe111
HOMENAGEMDE FON-FON A MACHADODE ASSIS
IVIachado de Assis,
publicada na edição
de 3 de outubro de
1 quatro dias após
a Inorte do escritor.
231
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(t-antasta dranúttca). 1861.
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Poesia
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Disponivel em:
/cgilua-exe/sys;stam
237
Meu ami o
Escritor
ISBN 978-85-322-9284-1
(0
co
FTD 9 788532 292841
A coleção Meu amigo escritortem como
objetivo principal aproximar os jovens estudantes
dos grandes escritores da Literatura Portuguesa e
Brasileira. Propõe uma aproxhnação ficcionalcom
o autor e o contexto em que estavainserido.
As ficções, amparadas na realidade e numa
sólida bibliografia de apoio, trazem informações
sobre a formação e a carreira dos escritores,
as obras produzidas por eles, os diferentes
momentos históricos, as escolas literárias e seus
respectivos gêneros.
Alvaro Cardoso Gomes
Coordenador da
Coleção Aleu Alliigo Escritor