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gem polissémnica, a Virgem pode desempenhar papel mais amplo do que um texto formal. Se os autores “criollos” ou “chapettones” aculto da Virgem sobrepds-se a0s di rérios, E sua imagem que atrai as multidées até hoje sonetos ou discursos. Numa sociedade quase grafa, como a colo- nial mexicana, esta imagem foi poderosissima, wera Indiana” de puros elogios & beleza da figura guadalupana, & ero, faz no século XVIII um estudo sobre a "Imagen stra Sesora de Guadalupe”. Neste estudo, em vez de depo idéncia Tonantzin- Guadalupe, Padre Cle erdadero gar en que el ge ar su execrable crueldad;y que fuera consageado aM tra Madre piadostsima, el mesina lugar que los supe mexicanos hablan dedicado a su madre tm Ernesto dela Torre & ANDA, Ramiro Navarzo de. Testimonios cos gualpana, cits p. 585 190 | igreas, ragose pintrat Copitulo 6 . CATEQUESE E REPRESENTACAO: AVALIAGAO DE UM PROCESSO. Nunca Osve os catequizadas de Andrade A compreensao da extensa problematica que atingiu a evangelizagao da América Ibérica constituiu-se em rico elemento para conclusdes sobre o cardter da Catequese e da Representagio. Poderiamos dizer que, basicamente, os problemas se dividem em trés tipos': — Problemas em relagao aos indios; —Problemas internos do clero; — Problemas entre clero a autoridades civis. s indios foram retratacos pelos cronistas como “déceis”, aptos a evangelizacao, naturalmente inclinados a fé e profundamente devotados aos religiosos*. Para as crOnicas, os dissabores so ' Todo autor, ao falar em problemas na Conquista Espiritual da Améri- «a, parte de um pressuposto basicamente cristior a conquista deveria ser feita harmonicamente, 0s indios deveriam aceité-la e os espanhdis deveriam compartilhar dos ideais evangélicos; camo isto no ocorre, ha “problemas”. Nao queremos constatar apenas isto, mas inferie v4 ras questdes sobre Representacio a partir desta problemética, o que ficard mais claro a partir do item Il frei Mendieta: ible subjeccion y respecto que a los para el aprovechamiento de su . Fray Geronimo de. Historia eel 24d. México: Porria, 1980, p. 230. Ou, no Brasil, o mesmo pre- ccesso: “P6s-se o padre em ordem ¢, feitos os catecismos, batizo\ todos, recebendo eles aquele sacramento com muita devogao e CCtequese e Represenagi:salacio de um processo. | epiteliais, e a obra catequética-um projeto pessoal das ordens e do rei,considerado vitorioso. Porém,a relagao dos religiosos com os indios nem sempre foi de perfeita harmonia. Os mesmos indios que atendiam com tanto zelo 0s apelos missionarios, eram castigados corporalmente quando faltavam a missa dominical. Em 6 de juno de 1565, Frei Pedro de Ayala escreve a Filipe I, reclamando contra a suspensao destes cas- tigos corporais?. Os franciscanos tinham cérceres privados em Tlatelolco, para castigo dos indios. Foram acusados de abuso fi- nanceiro sobre o trabalho indfgena, enriquecendo a Ordem com a justificativa da catequese* ‘Aos abusos e violéncias, os indios reagem com outros atos de violéncia. Os frades Bernardo Cossin, Pablo de Acevedo, Juan de Herrera e Juan Tapia foram mortos ao Norte da Nova Espanha. Em Puebla, em 1559, os indios invadiram a noite 0 convento dos dominicanos, roubando tudo e quebrando os dentes do prior André de Moquer’ Nova Galicia inteira rebelou-se em 1541, ¢ estes indios revol- tados mataram Frei Martin de Jesus. Nesta rebeliao os indios mos- traram a importancia da cena: profanaram a cruz, fizeram sactifi- ‘mas, que de certo para a gente de fora era cousa de muita edificasao, por ver to humildes e mansos, aqueles que havia menos de quatro ‘anos viram tio encarnigados em comer carne humana que no sonha- vam nem pensavam outra cousa”. P* Antonio Blasquez, em carta 20 padre-geral, a 10 desetembro de 1559. In: NAVARRO, Azpilcueta. Car las jesuiticas 2 — Cartas avulsas. Belo Horizonte-Sio Paul Edusp, 1988, p. 253. Diz igualmente Torquemada: "Cosa mara fue el fervor ¥ diligencia con que los indios de esta Nueva Espafia, despues que les fue predicada la palabra de Dios, procuraron edificar fen todos Sus pueblos e iglesias [..". TORQUEMADA, Fray Juan de. ‘Monarquia indiana. México: Unam, 1975, p. 30. CERICARD, Robert. La conquista es . 392. GIBSON, Charles. The Aztecs Under Spanish Rule. Standford: Standford University Press, 1964, p. 127 e ss. Ainda segundo o mesmo Gibson, este aumento de atritos entre indios e religiosos deve-se a trés fatores bsicos: reconciliagio do clero com outras classes, aceitagao das “enco- mendas” e decadéncia do poder dos caciques e conseqiiente perda do controle pela igreja sobre a masa indigena. Op. cit, p. 112. § CE RICARD, Robert. Op. cit, p. 373. 192 | Catequese ¢ Representarie:avalgio de um processo cios e dancas pagiis e parodiaram a missa utilizando uma “tor héstia. A curiosa inversao da catequese prosseguiu coma volta ligamia e a obrigagao de peniténcia para os indios que tinham sido cristianizados". Padre André de Olmos, o zeloso missiondrio, reclama que, pass dos vinte anos de pregacao do evangelho na sua comarca, 0s indios permaneciam idélatras, com maus costumes e o proprio cacique de Matlatén permanece politeista, bébado e com dezoito concubinas!” Os religiosos, além dos problemas com os indios, tém freqiientes ‘os entre si. Para citar apenas um exemplo, podemos analisar a de Frei AntGnio de Ciudad Real. Este religioso foi secretario da visita de Frei Alonso Ponce & Nova Espanha. Frei Alonso encon- trou numerosas resisténcias a sua inspecao, sendo o livro um ema- ranhado de intrigas, subomos, imoralidades e até atentados a vida do visitador! Igualmente os religiosos das ordens mendicantes s4o acusados com freqiiéncia de enriquecimento ilicito. As dentincias so tama- nhas, que ha correspondéncia papal a respeito. Em 12 de agosto de 1562, 0 Papa Pio IV publica um breve, proibindo aos religiosos que voltassem a Espanha com riquezas. O papa afirma textualmente que “Nés, portanto, pensando que os ditos religiosos devem ir a estas regides com o objetivo de exercer um ministério nao mercan- tile sim espiritual [...’°, O problema dos padres e do dinheiro pa- rece ter permanecido, pois alguns anos depois encontramos uma constituigéo do Papa Gregério XIII condenando os que usavam 0 * Idem. Ibidem, p. 388, idem, p. 394-5. A passagem é tdo mais notével quando levamos em ‘ndo interessava a nenhum religioso informar dos problemas {ndios, pois implicava revelar fracassos na atividade que os 3s exerciam. Somente assim entendemos nao haver um nime- +0 muito maior de revelagSes sobre 0s atritos religiosos-indios, pois estas revelagdes forneceriam material de critica aos leigos e seculares que pretendiam limitar a agao das ordens, REAL, Antonio de Ciudad. Tralado curiaso y docto de las grandezas de la ‘Nueoa Espatia, México: Unam, 1976, 2 vol. * In: SUESS, Paulo (org). A conguista es Vozes, 1992, p. 2 -xcomunga os praticantes deste enriqueci ‘mento, acusando os frades pela freqilente distribuicao de riquezas en- tre parentes e amigos na Espanha CCatequase e Representagic: alagio de um processo._ | 193 abito franciscano no Méxic seculares® O poder ea col cronistas. Gonzalo de Cervantes con: le 0s conventos esto tio disseminados de tal forma pela Nova Espanha e os religiosos adquirem tantas fazendas e casas, que “la mitad de esta Nueva Espajia esté hoy en poder de frailes y teatinos”™ ‘Mas nao apenas indios insubmissos ou religiosos dissidentes e ctipidos agitam a vida religiosa da Nova Espanha. Também a acéo dos bispos contra os religiosos foram freqiientes, especialmente a partir do uitimo quartel do sécwlo XVI. Depois das largas conces- s6es do inicio da obra missionéria, tanto 0 episcopado como a Co- roa procuraram tomar o controle. D, Alonso de Monteifar, religioso, escreve muitas cartas recla- mando do poder dos religiosos. © Ordindrio denuncia que as or- dens consideram como suas as aldeias de indios, nao permitindo nem a visita do Ordinario nem das outras ordens. Denuncia 0 se- gundo antistite mexicano, que as ordens pretendiam, de fato, “que nao houvesse bispos mas que cada guardido ou prior se encarre- gasse de seu guardianato ou priorato [..]”. Mas é sob D. Pedro Moya de Contreras que este problema cresce. © terceiro arcebispo mexicano é secular, e, mais do que seus antecessores, antagoniza com as Ordens. A primeira causa de anta- gonismos é o dizimo, pois as ordens no querem que 0s indios pa- guem dizimos aos bispos. é 0s religiosos acusam os bispos de avare- za, e de colocarem obstaculos a administracéo dos sacramentos aos indios, como na carta dos provinciais religiosos ao Rei Filipe IP ere voltavam a peninsula como igiosos so denunciados por varios ® In: RICARD, Robert. Op. cit, p. 352 "CERVANTES, Gonzalo Gémez de. Li Espaiia, México: Porrda, 1944, p. 184. Esta obra, escrit da do século XVI, realiza uma confusio comum no XVI confusio en- tre jesuitas e teatinos. in: SUESS, Paulo (org). A » p- 873. » In: SUESS, Paulo, Op. cit, p co inicial da catequese os religiosos tinham se apossado do privilégio episcopal da Crisma. Ti: randoo privilégio de ordenar, todos os outros tinham sido encampados 194 | Catequere © Representario:walagio de um proceso D. Pedro de Moya y Contreras chega a pedir que o rei envie religiosos para uma reforma nos mosteiros da Nova Espanha redu- zindo os clérigos insubmissos". Centenas de cartas, clérigos indoe vindo & Corte para dentincias reeiprocas, intrigas varias: este 6 0 quadro da correspondéncia indiana, Estava em jogo o dominio re- ligioso da Nova Espanha eo monopélio sobre os indios. uw Todos os fendmenos, destacados nos capitulos anteriores deste trabalho, sto essencialmente catequéticos: foram criados e utiliza dos para um fim de conquista espiritual. Agora, enfocaremos a ‘catequese propriamente dita: 0 alcance, as aulas e os catecismos. Em primeiro lugar, ¢ impressionante o relato da velocidade e do ntimero de elementos convertidos. Pedro de Gante, 0 primeiro catequista do vale do México, fala em 14,000 batizados por dia. Motolinfa, integrante do grupos dos “doze” identifica cinco milhées de batizados em doze anos, entre 1524 e 1536". ‘Torquemada, mais modesto, fala de um milhao de batizados entre 1524 e 1539. Porém, a maior evidéncia do “taylorismo” batismal da conquista é revelado pelo proprio Torquemada: a todos os indios que se batizavam num dia os frades colocavam o nome de Juan,e, as mulheres, Maria; a todos os do dia seguinte chamavam Pedro € Catarina’, Nao é apenas uma falta de imaginacao onomastica que se evidencia aqui: é 0 proprio carter massificante da administra- In: SUESS, Paulo. Op. cit, p. 950 e 951. 0 pedido levamos em conta que os religiosos que Espanha pertenciam, quase todas, a ordens rei Espanka. "8 Ambos sto citados por RICARD, Robert. La cor 0: FCE, 1986, p. 175. Os dados dos cronistas religiosos, es- rente em correspondéncia oficial com a Coroa, so sempre di vidosos, poisa eles interessava ampliara magnitude numérica da Con quista. Porém, considerando 0 carater densamente povoado do do México, o nero nio deve estar muito abaixo do id Gante e Mototi “© TORQUEMADA, Fray Juande. Mc p.237. io mais notével 1am para a Nova reformadas na Carequese e Representagio:walagio de um procesto | do batismal e, por conseqiiéncia, da superficialidade da catequese de introducao ao Cristianismo. © caso do Brasil nao oferece tantas descrigdes numéricas, mas devemos considerar que quase todos os indios do litoral estao re duzidos em 1596”, apesar do largo pélago muimero de missioné- rios/ntimero de indios, e das distancias geogréficas assombrosas, da costa brasilica. ‘Apesar da eterna relatividade do niimero no XVI, Anchieta in- forma varias vezes, um grande mimero de indios aldeados e con- vertidos. Os ntimeros so altissimos em comparacao com o reduzi- dontimero de catequistas". Eclaro que tao grande massa de convertidos nao implicava lon- ga catequese ou nem sequer um rito sacramental completo. A acu- sagdo constante, de batismo por aspersdo (hissopo), sempre rechagada pelos franciscanos, parece ter tido fundamento. O Papa Paulo Ill mais de uma vez advertiu aos missionarios que nao omi- tissem nenhuma parte da ceriménia, chegando a especificar a bén- ao da 4gua batismal, catecismo e exorcismo de cada indio, por a, touca batismal e vela em dois ou trés; por 0 éleo do crisma no alto da cabeca e 0 dleo dos catectimenos “sobre 0 coragéo do homem adulto e dos meninos e meninas, nas mulheres adultas, por na parte que a decéncia aconselhar ‘Nocaso do México, o catecismo mais utilizado foi elaborado por eae ipsenees eee teaitciem eT was Ideiamentos”, mages, fragmen Edusp, 1988, p. 360, 361, 385 e 386, ' PAULO Ill, “Altitudo Divini Cons SUESS, Paulo. A com: spiritual da América Espanola. Petrépotis: Vozes, 1992, p.271. Somente (8 casos de emergéncia podiam dispensar estes ritos completes, 196 | Catequese e Representacio:aaliagio de um procesto um grupo de dominicanos liderados por Pedro de Cérdoba®. A obra, ao ser adaptada para o México, teve varios acréscimos sobre idolatria e questées de angelologia. A parte inicial expe perguntas sobre o Credo, explicando detidamente cada ponto bésico da f6 catélica. Surgem, para nossa surpresa, artigos de tomismo confuso. Aosabermos que Deus é Pai, aprendemos naDoctrina que “asi como el hombre es una naturaleza y esta naturaleza esti en muchas personas, y en mi yen cada uno de vesoteos y en todos los hombres, y asf muchas personas son una naturaleza, y asimismo la naturaleza de la piedra esta en muchas piedras, y todas ellas tienen una naturaleza que se Hama piedra, y asi de todas las otras cosas se puede decir”™ Certamente, ao invocar tradigbes teolégicas da Baixa [dade Mé- dia, até mesmo ressuscitando parte da “Querela dos Universais”, 0 autor tinha uma pretensdo de efeito catequético, porém, duvidoso. Apesar da cultura indigena do México ser extremamente desen- volvida em varios pontos, nao trabalhou com esta conceituasao européia-tomista-aristotélica. A Doctrina utiliza dois caminhos de exemplificagao: ou abstrai de forma vasta como no exemplo anterior, ou toma a questdo concreta. No caso dos sacramentos, a Doctrina diz. que “y asi como los céntaros y jarras son instrumen- tos y vasijas con que traemos el agua, y ia bebemos y echamos en nuestros est6magos, y nos quita y mata la sed, asf también los ® CORDOBA, Fr. Pedro de OP. Doctrina ors ules. Salamanca: Ed. San Esteban, 1987. O organizador da e Miguel Angel Medina OP A obra teve duas ed 1588), tendo sido originalmente compostoe utlizado em Si a Espafola entre 1510 e 1521 O auto fasceu provavelmente em 1482 echegou a Ainérica em 1310, Foi nota. vel pregador e escrtor, sendo seus sermesfamosos pelo Caribe his pinico. Ocupou também cargo de inquisidor-geraldas Indias. Consta de uma intoclugso, uma Explicagio Dogmatica, una Expl. 0 Moral, Catequeses Mistagapicas e Orasées. * CORDOBA, Fray Pedro de. Doctrin cristina para instruccn dea nds. Salamanca: Eitorial San Fstebal, 1967, p. 208, Segundo a escola tomist, corzesiofeita por Frei Miguel Medina, seria exatamente: “9 homem participa da natureza, nfo ¢ uma natureza, pois ncresgota a natureze humana’. Este exemplo nio aparece mais na edigio de 1348, onde se prefere airmar 0 mistéio indevassivel sem exempifcar, CCatequese e Representagio:walagio de um processo. | 17 sacramentos son céntaros 0 jarros 0 vasijas espirituales con que se echa y se pone la virtud y fuerza de la pasién de Cristo en nues- tras almas”®. Assim, exposta por meio de exemplo concreto, 0 catecismo produzia determinada compreensio do conceito caté- lico de sacramento: a idéia de um remédio para a sede concreta. Porém, o mais interessante: até este momento, estes diferentes conceitos estavam sencto expostos em espanhol. Além das dificul- dades inerentes aos conceitos como vimos, acrescenta-se a difi- culdade vocabular e de tradugdo. O catequista deveria ter dupla habilidade: traducao cultural no sentido mais amplo e tradugio lingitistica ‘A parte bilingiie do catecismo comeca no final. Ha um abecedario € uma ementério das principais oragées cristas em Apés as oragdes hé a famosa formula de perguntas e respostas, contendo o essencial da fé: “Eres cristiano? Si, cristiano soy por la gracia de Dios. Cémo 0 por qué eres cristiano? Porque creo en nuestro Seftor Jesucristo. Y también porque soy bautizado con el agua de Dios, que es el bautismo”®. E facil imaginar que esta {6r- mula “breve” e mais prética tinha tendéncia maior em ser utiliza- da, ndo apenas pela facilidade da lingua mas também pelo aspecto pragmitico. __ Uma das obras catequéticas mais famosas do Brasil do século XVI é da autoria do Padre Anchieta, o Dislogo da Fé". Esta obra bilingiie, tupi e portugués, trata dos rudimentos da fé crist’, po- rém, com diferencas em relacdo a obra de Frei Pedro de Cérdoba. As preocupacGes de Anchieta parecem menos escolasticas do que seu similar mexicano. Comega ensinando definig6es sobre o ser cris- a0, 0 batismo e Cristo. Porém, sua exatidao teolégica logo penetra it, p.99. it, p. 287 e 288, Trata-se da edigao de 1548. fa de Anchieta no chegou a ci XVL Porém, além de trechos te supor que, sendo a maior figura de missionério apés a morte de Nobrega, bem como sen« vincial e conhecedor profundo de toda a Comp: manuscrito autégrafo revele a forma e 0 pensamento da catequese jesustica no Brasil. 198 | Catequese © Represemacio: alagSo de um processo em conceituacao estranha ao universo indigena: “De que sorte 6 ) verdadeiro Deus? Sendo Filho [verdadeiro e tinico] de Deus Padte. De que sorte é verdadeito homem? Sendo filho da Virgem Santissima. Nao tem corpo enquanto Deus? Nao tem corpo, nem principio, nem tem mae [enquanto Deus verdadeiro]?. Nao tem pai, enquanto homem [verdadeiro]? Nao tem pai; somente concebido de sua Mie Santissima, sem obra de vardo’ Imaginemos agora as populacdes tupis que ouviam tais afirma- ges na sua lingua. Os cristaos tém um Deus que é Cristo. Este Deu 6 Filho de um outro Deus, que também é Deus como Ele. Porém, este Cristo é Filho de uma mulher, como homem tem corpo, mas como Deus nao tem. Como Deus nao foi criado, como homem é {iho de uma Virgem. A isto acrescenta-se a estranha partenogénese crista: tudo isto feito sem assisténcia de um marido. E facil supor que poderiamos identificar problemas de compreensio entre catequistas e catectimenos. Os problemas vao encontrando multiplicagéo. A importancia do gesto aparece na longa explicacio sobre o sinal-da-cruz. Parece nio haver problema quando se trata de explicar que devemos fazer este sinal antes de cada obra e depois de acabé-la, que devemos recorrer Apersignagao antes de dormir, ao acordar, ao sair de casa e ao comer. Voltamos a trabathar com uma idéia européia: a transcendéncia. Anchieta explica que nao fazemos reveréncia ao madeio da cruz, mas a seu significado (Paixao e Morte de Jesus), e que nao estamos honrando a pedra ou pau ou barro de que sio feitas as imagens, mas “lembrando-nos de que so imagens suas que os represen- tam”. Ora: 0s povos indigenas da area do Brasil desconheceram 0 uso efetivo de imagens de barro ou madeira. F facil supor que de- veriam desconhecer 0 conceito ocidental de transcendéncia e re- presentagio que uma imagem crista deveria evocar. batismo, sacramento basico, merece 38 questdes, com per- guntas e respostas. Explica-se a ceriménia, os objetivos, define-se © Limbo come um lugar “muito escuro” e as palavras cerimo- niais”. Nenhum outro sacramento tem tratamento tdo extenso. % ANCHIETA, José de. D * Idem. Ibidem, p. 123, Pa ogo da fé cit, p. 19 e 1200 samente, expressando um conceito ainda mais estranho aos i (Catequese © Represenagio: aallasio de um processo | 199 Como vimos na Gi tas destacaram-se pela meditacao das cenas evangélicas, pa larmente a Paixao de Jesus. O catecismo de Anchieta é minucioso a este respeito. Flabora sete questdes para definir a Paix, quarenta questées sobre as cenas no Horto de Getsemani, onze perguntas sobre 0 encontro Jesus-Anés, vinte e oito sobre Caifés, catorze so- bre Pilatos-Herodes, vintv ¢ trés sobre o acoitamento ¢ coroagio de espinhos, e, enfim, quarenta e cinco sobre a crucifixao e morte de Jesus. Como elaboracao teolégica, estas meditacées levariam o catectimeno a uma postura semelhante a do proprio jesuita que, antes dos votos permanentes, fazia os Exercicios e meditava com particular atencio sobre a Paixao de Cristo. Da mesma forma, as reflexdes pausadas sobre as oracdes do Pai- Nosso, frase a frase, traduzem um habito inaciano. A rigor, tudo colaboraria para uma catequese efetivamente de adesio pessoal e profunda. Feitas porém na forma de perguntas e respostas fica mais evidente imaginar que a reflexao existencial e a imaginacéo dao lugar a recitacéo emsi. A explicacéo dos mandamentos segue uma linha simples de exposicéo dos que incorrem no pecado relativo a cada mandamento®, Além deste “Didlogo”, Anchieta também concebeu outras obras catequéticas como a Doutrina Crista. Esta obra, também nao im- pressa no século XVI, teve larga utilizagéo em forma manuscrita. A Doutrina comeca pelo fim: uma instrucio “in extremis”, ou seja, para utilizacio do padre com o indio moribundo. Esta profissao de f€ inclui uma declaragao sobre os atributos basicos de Deus. Por fim, fala-se do carter indispensvel do batismo e da necessidade de arrependimento dos pecados. A cada afirmacao o moribundo devia responder sim ou ndo, ou outras respostas faceis. E légico dios, Anchieta mantém a palavea fade tea em tap dlzendor “se oro} ito Santo tera pupé ei" Op. ct p13. * Qsexto mandamentoencerra uma determina vsSo de sexuaidade © explicar que significa “nao fomicar, Anchieta apenas fla dos homens que tém cdpula com mulher ou desjam ou falar sobre copes Tas todo sentido aevual tivo desiocado paras homer A nial ou a exstencia do deseo feminino nao état, » ANCHIETA, Joseph de. Dor ist@. Sfo Paulo: Loyola, 1993, formula, Assim, 0 ik Tupa Tuba, Tafra, 200 | Catequese e Representagio:aliagio de um processo entender, is”, deveria sera mais sim- ples possivel. Porém, o que muda para o catecismo prolongado, que vem apés esta instrucao, é que nao varia a forma, apenas a quantidade de perguntas e respostas. Logo apés, encontramos uma lista das oragdes basicas do Catolicismo. Nestas oragées, o texto tupi mantém varias palavras em portugués: Santa Cruz, Espirito Santo, Amém, Jesus, Reino, tentacéo, Ave-Maria, graca, Santa Ma- ria, Assim, tomamos maior consciéncia da dificuldade de compre- ensao de um indio diante de uma questo como: Venha a nés 0 Vosso Reino. Ora, 05 indios nao conhecem o significado de Reino Politico, e, por conseqiiéncia, obviamente, néo conhecem a idéia de tum Reino de Deus, que nao corresponde exatamente & expressio Reino Politico, Nao sao apenas as palavras. A traducio literal do Credo em tupi traz ligeiras modificagdes em relacao aos originais europeus. Vejamos: 4) Credo tupi anchietano: Arobidr Tupa Tuba opakatd mbaé tetirua mofidnga etkattibae, ybaka, yby abé mofiangéra. Arobiar|esu Cristo abé. Tayra ojepébae asé jara, Espirito Santo imonangape ingamo ofiemofiéngbaepuéra aébae oar Maria Virgem sui. Péntio Pilétomorubixabamo sekéreme serekémemuabyramo sek6u, ybyré joasdba resé imojapyramo sekéu, ijukapyramo, itymimbyramo. Oguejyb yby apytéripe ara fiemomosapyra pupé, omandbae puéra sui sekobéjebyri. Ojeupir ybakype; Tupa Tuba. Opakatii mbaé tetirua mofdnga efkatibae, ekatudba koty séni. Aé sui tii omanébaepuérapab-e cikobébae rekémofangane. Arobiar Espiri- to Santo. Arobidr Santa Igreja Catélica. Arobiér Santos rek6katii femojadjadka, Arobidr tek6 angaipaba resé moroupé Tupa Ayrs. Arobiar asé rekobéjebyraguama Arobiar tekobé opabaerémeyma ‘Amém, Jesus! ) Tradugio literal do Credo tupi: "Creio em Deus Pai, de todas, as coisas poderoso em criat, criador do céu e da terra. Creio em Jesus Cristo também, um sé seu Filho, Nosso Senhor, por obra do Espirito Santo concebido crianga outrora, ele mesmo nasceu da Vir- gem Maria, Péncio Pilatos sendo governador, foi maltratado num travessio de lenho foi pregado, morto e sepultado. Desceu ao pro- fundo da terra e ao raiar 0 terceito dia, dentre os mortos tornou a viver. Subiu ao céu; de Deus Pai, de todas as coisas poderoso em criar, esta sentado & mao direita. Daf vird a todos os mortos de ou- troraa vivos para julgé-los. Creio no Espirito Santo. Creio na Santa Igreja Catélica. Creio na grande repartigao das boas obras dos San- CCatequese e Representaglo:2aiagio de um processo | 201 tos. Creio que aos pecados da gente Deus perdoa, Creio quea gente voltara a vida. Creio na vida que ndo acabara. Amém, Jesus™ Compare-se agora com um dos credos oficiais: ¢) Creio em Deus Pai Todo-Poceroso, Criador do céu e da terrae ‘em Jesus Cristo Seu tinico Filho Nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espirito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Péncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu & manséo do mortos, “ressuscitou a0 3° dia” (entre mortos) e subiti aos céus onde esta sentado & direita de Deus Pai Todo-Poderoso donde ha de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espirito Santo, na Santa Igreja Catélica, na Comunhao dos Santos, na Remissdo dos Pecados, 1a Ressurreico da Carne, na Vida tena, Amém”. Assim tomamos o Credo para evidenciar a dificuldade da trans- posicio e da traducdo cultural e lingiifstica. Os jesuitas, porém, s80 (0s que mais se esforcam na fundacio de uma nova ordem, a ordem, cristé, Buscam palavras, compdem catecismos, gramaticas, didlo- {20s e fazem pecas bilingties. Trata-se de um esforco integrador, nao segregador ‘Nenhuma dificuldade parece grande demais nesta integragio. » Nao importa substituir o delicado conceito de “comunhao dos san- tos” por “grande reparticio das boas obras dos santos” (que de resto encerra o mesmo sentido teolégico); nao importa introduzir a exética palavra Espirito Santo na oragao tupi, palavra que os indi- os tinham imensa dificuldade em pronunciar, como veremos: é tudo parte de um vasto projeto unificador. Certamente a figura de uma pomba era mais palatavel do que uma Terceira Pessoa incorpérea. Ha aqui uma diferenca fundamental para com a catequese franciscana. Os 1m catequizar em espanol, evi- taram contatos indios-colonizadores, evitaram um imbricamento maior da diversidade cultural espanhola com a diversidade cultu- ral indigena. Trata-se aqui de esforgo segregacionista. Todo 0 resto da “Doutrina” segue a exposigio sistemética dos principios basicos do Cristianismo. As metaforas sao abundantes e parecem evidenciar a descrenca de Anchieta na capacidade abs- trativa do indio. Sobre o efeito vivificante espiritual do batismo, ‘Anchieta compara a agio purificadora da agua: “Assim como esta ® Idem. Ibidem, p. 141 € 142. 202 | Catequese © Repressntagio: valiagio de um processo va 0 corpo da gente, assim essa: Deus la sema gente ver"® México. Para a colénia portuguesa, ha uma descricao do jesuita Pero Rodrigues. Os meninos entoam quando encontram um padre: “Bento € louvado seja 0 Santissimo nome de Jesus”. As meninas, por seu turno, dizem: “E da Santissima Virgem Maria, Madre sua, para sempre Amém’”. No final da tarde “se torna a tanger 0 ue acode a gente que se acha pela aldeia ensina a doutrina com a outra parte do Dilogo, que contém a de- claracéo dos sacramentos. Finalmente, & boca da noite saem os meninos em procissao, da porta da igreja até a cruz, cantando algu- mas oracdes e encomendando as almas do fogo do purgatério”®. Ibidem, vol. 1, p. 201. Da mesma forma: “Como o sal daqui nao deixa apodrecer a carne, assim este: Deus nao deixa apodrecer a gente, tiran- 3 todlos os pecados”. Ibidem, p. 203, Revelando habito curioso (dar agua a0s indios apés a comunhio), Anchieta também explica que no se deve cuspir ou enfiar a mo na garganta para fazer passat a héstia. Ibidem, p. : f 20 conereto chamada D. ime dois) ha esta preocupacao, si ‘exemplo,o Inferno eo Limbo e o Purgatorio no centro da 45 e46 do vol, 2). Da mesma forma, por fim, recomendando a tum penitente que acaba de confessar seus pecade ‘modelo: “Como um urubu sobre coisas podres, revoluteané rando-se (com elas): tu sendo gaivota, com a ponta de teus cihos, ob- servando, sorrindo e espreguigando-te falsamente, vagarosa as procu- ‘em teu revolutear, chegas (enfirn)” (vol. 2, p. 11). da escola ha doutrina geala toda gen- tee acaba-se com Salve cantada pelos meninos eas Ave-Maris.De- Pois uma hora, de noite, se ange sino eos meninos tem culdado de Ensinarema dostrina a Seus pais e mais ethos evelhas, os quals 80 sn fanlas vezes ira igrejee€ grande consolagSo ouvir por todas louvarse Nosto Senfor dar-se gi me de Jesus ings e santos tm mista e pregagao na sua lingua e de &inuo ha tanta gente que nao cabena igre, posto que € grande; ali se toma conta dos que faltam ou dos que se aucentan e les fazern Sua estagio: 0 meirinho, que é um seu Principal dees, prega sempre a0 CCatoquese e Representagio: wallagio de um processo | 203 Observa-se 0 uso do “Dislogo” analisado e das repeticées de formulas, bem como a permanente énfase no cardter cénico das procissdes e jaculatérias. Como jé ocorrera no México, a catequese busca primordialmente as criancas, formando a futura geracao de ersdo de adultos parecem ter in- clinado os padres aos menores" ‘A mais curiosa descricao, plena de significados pertence a uma carta de Anchieta e atinge um caso especifico de pregaco, um in- dio chamado Piririgoa Obyg, velho ¢ que Anchieta acreditava ter passado dos cento e trinta anos. Anchieta e outros jesuitas tinham ido & aldeia de Sao Vicente e intentaram catequizar 0 anciao. Ape- sar de sua grande idade, 0 indio ouvia a exposi¢do dos padres com grande atencao. A disposicao do vetusto indio foi, para Anchieta, superior a qualquer outro indio que ele tenha conhecido™. Deram- Ihe a primeira ligéo, que havia um s6 Deus Todo-Poderoso e que ctiou a todas as coisas. O indio responde que “criasse os manti- mentos para a sustentagao de todos, mas que pensava que os tro- voes eram este Deus; porém, agora que sabia haver outro Deus verdadeiro sobre todas as cousas, que a ele rogaria chamando-o Deus Pai e Deus Filho; por que dos nomes da Santa Trindade estes dois somente pOde tomar; pela razao de que se podem dizer em sua lingua; mas o Espirito Santo, para o qual nunca achamos vocé- bulo proprio, nem circunléquio, ainda que o nao saiba nomear, sa- bia-o contudo crer como nos Ihe diziamos”™. sas de madrugada a seu modo”. NOBREGA, -as 1 — Cartas do Brasil. Belo Horizonte-Sio ia-Edusp, 1988, p. 179. A carta 6 a0s padres e irmios de Portugal, em 1559. » “Logo o dia da Visitagio se batizaram trinta e tantos; 20 domingo, dali a oito dias, se batizaram vinte e tantos, que sio por todos 144; todos estes eram meninos de escola ja bem doutrinados, porque da outra Carta do Padre Antdnio NAVARRO, Agpilcueta e ions 2 — Cartas avulsas. Belo Horizonte-Sio Paulo: ia-Edusp, 1988, p. 227. > Joseph de Anchieta na carta de Sto Vicente de 1563, in: Cartas jesuiticas 3 —Informagdes,fragmentos histricase sermdes. Belo Horizonte Sio Pau- ia-Edusp, 1988, p. 199 ess. ® Ibidem, p. 200. 204 | Catequose e Representrlo:nalario de um processo Durante nova visita, 0 indio repete toda a ligéo aprendida, di- zendo que passara a noite repetindo estas coisas. Quando os jesu tas falaram de Maria, mae ¢ virgem, muito se espantou o centen: vio silvicola. Por fim, diante do complicado nome de Jesus Cristo, pediu aos netos que ouvissem para que repetissem a ele depo' evitando 0 esquecimento. Emocionou-se com a hipdtese que este Jesus voltaria e que “queimaria todas as coisas”. Levado solene- ‘mente a um batismo, ele declarou numa cadeira no meio da Igre) que estivera toda a noite pensando na ira de Deus que vinha quei mar o mundo e destruir todas as coisas. Disse saber que as almas dos seus antepassados estavam no inferno mas ele queria que a sua se salvasse. Entio sobreveio 0 elemento mais curioso. Depois do batismo, tendo recebido a noticia de que tinha nascido de novo, ficou parado no meio da igreja. Os padres mandavam que saisse, mas ele perguntou “— Para onde? parece que pensou que nao ha- via mais de tomar da Igreja, mas que dali subiria a0 Céu, e tendo voltado sua casa comecou a chorar, e seus filhos e netos com ele”™. Anchieta descreve com viva emosao que o indio morreu pouco tem- po depois, com a alegria de uma crianga, como se Deus 0 tivesse segurado até este momento sublime. Pensemos inicialmente no caréter excepcional desta catequese: foi mais pessoal e mais atenta do que a catequese de uma aldeia tradicional. © proprio Anchieta também acrescenta o interesse ex- traordindrio do indio, que fazia perguntas. Logo, deduzimos que 0s outros catectimenos normalmente nao o faziam. Piririgo’ Obyg repete principios monotefstas, antes melhor, monolatricos. Nao te- mos certeza em que grau absorveu estas “verdades”. Talvez por 1ndo ter percebido, Anchieta transcreve uma fala perigosa do indio: porém agora sabia haver outro Deus verdadeiro sobre todas as coi- sas. Ora, outro implica que ainda existe um, em relacéo ao qual ha outro. Lida em seu sentido linear, a frase parece indicar que o indio incorporou um Deus supremo, o Deus cristéo, sem que tenha aber- to mao da crenga sobre a existéncia de outros. Repete assim, na agreste Séo Vicente quinhentista, a etapa monolétrica que 0 povo judeu apresentava no inicio da revelacdo: ha varios deuses, mas s6 um deve ser adorado. ® Ibidem, p.201 CCatequese © Representacio:wallagio de um processo | 205 Trata-se de um édia, como declara 0 proprio cronista-catequista. Porém, pelas dificuldades natural segue repetir Espirito Santo e tem medo de esquecer o nome de Jesus. Ora, sem acrescentar o Espirito Santo a Trindade, 0 indio ccria uma diarquia: Pai e Filho, estranha ao Catolicismo. Imagine ‘mos, por exemplo, o mais banal e significativo dos gestos cris tdos!.a persignacao. O indio dizia em nome do Pai, do Filho e.. Teria sempre o indio consciéncia de que estava omitindo uma pa- lavra ou acabaria incorporando a idéia de que eram mesmo dois deuses em um? ‘A cena do batismo é a mais reveladora. Depois de passar doutrinagio, o indio esperava um gesto inusitado de Deus: lev ‘20 Céu dali mesmo. Por certo, ouvira amitide durante a catequese {que os batizados que se mantivessem sem pecados, iriam ao céu. Ninguém talvez tenha dito quando, e ele, logicamente, supds 0 momento imediato, Ou, também é licito supor, 0 anciao tomou t das as explicagées anchietanas no seu sentido fatico, e a idéia da elevagao da alma assomou-lhe como assuncao do corpo. Sendo este hhomem melhor catequizado do que a média, ficamos com a imagi- nagdo solta para supor uma média mais distante ainda da doutrina oficial da Igreja Catdlica Voltemos ao México. Frei Mendieta descreve um processo com varias semethangas. As criancas foram o alvo primordial, segundo o cronista da Historia Eclesi ®. Também na colénia es- panhola os religiosos comesavam ensinando as oracbes basicas, le- vando as criangas a repeticio constante. Uma das passagens mais interessantes de toda narrativa catequética na América esté em Mendieta, sobre o ensino do Pater Noster. Diz o franciscano que os padres diziam frase a frase e os meninos repetiam. Os catectimenos iam colocando pedras ou gros de milho no chéo, para poderem contar cada palavra dita pelos padres. Depois, "sefalando con el dedo, comenzaban por | piedra primera & decir Pater Noster, y luego reli 4 la segunda, y prosegufanlas hasta el cabo, y daban con mucha faci Fray Geronimo de. F: 1980, p. 245. 206 | Carequese e Representagio: wallagio de um processo has vueltas hasta que se les quedase toda oracion en la Porém, 0 modo mais original de aprender nfo era este. Os pa dres procuravam palavras que tivessem um som semelhantena gua indigenae pintavam, “porque ellos no tenian otra letras sino la pintura, y as{ se entendian por caracteres”®. Citando exemplos, 0 autor nos diz que Pater assemelha-se ao som de Pantli, uma espécie de bandeirinha com que contavam o ntimero 20. Para o Noster, empregava-se a palavra Nochtfli, uma fruta que os espanhis cha- mavam tuna (uma cactécea semelhante ao figo-da-india). Assim, a0 ensinar o Pai-Nosso, os padres pintavam a bandeirinha do ni- mero 20 e apés desenhavam uma tuna. Os indios, por associagdo fonética, pronunciavam Pater Noster. O fascinante sistema mne- motécnico vai adiante. Os indios, nao confiando em sua memoria Para a confissio, desenhavam com seus caracteres os pecados co- metidos.Tanto cuidado levanh Frei Mendieta a dizer que o “cuida: do y curiosidad que se ha tenido en esta Nueva Espafaen la doctrina y ensefiamiento de los naturales indios para su cristiandad, no se ha tenido con otra gente del mundo, como 4 la verdad lo habian menester”® Porém, antes de concluir elementos sobre este método descrito por Mendieta, vejamos outra caracteristica da catequese franciscana no México: 0 uso de figuras.Descrito pelos cronistas e pelos ilustra- dores, 0 uso de figuras foi uma pratica absolutamente corrente no ‘México quinhentista. Mas a questdo das pinturas ndo se encerra na constatagdo {cono-catequética. Na verdade, a sng no apenas, colaboraram paraa percepcao dos elementos basicos do Cristianis- mo. As imagens fizeram este Cristianismo incorrer numa determi- nada estrutura perceptiva (Os pregadores utilizaram uma outra forma de pintura além de quadros e afrescos: so 0s lencos. Pedagos de tecido eram pintados com cenas religiosas ¢ utilizados largamente nos sermées ou nas, aulas de catequese. Hé largo aporte documental para esta afirma- sfo. Mendieta diz que quando “el predicador queria predicar de ® MENDIETA, Fray Geréni » Idem. Ibidem, ® Ibidem, p. 247. wo de. Op. cit, p. 246. + Catequese e Representagio: aaliagio de um processo | 207 208 los mandamientos, colgaban el lienzo de los mandamientos junto a i, dun lado, de manera que con una vara de las que traen los alguaciles pudiese ir seRalando de la parte que queria”®. Est formagao de Mendieta é corroborada por ilustracdes de Valadés (cf. Figura 6 do Anexo) onde vemos um frade pregando com figu- rasilustrativas, talvez lencos, talvez pequenos quadros.Acadanova explicagéo, o pregador ou um ajudante iam apontando a figura correspondente®, - : Note-se:ndose trata apenas de ilustrar um exposicio catequética. {As imagens eram a propria mensagem catequética. Em outras pa~ Javras: o pensamento indigena apreendew o mundo cristao por meio de imagens e cenas. Incorporou-se um Cristianismo imagético & ercepcao indigena. eTamemos um exemplo: os indios aprendiam os mandamentos pormeio dos lencos. Cada lenco, naturalmente, exprimia uma cena specifica. Podemos imaginar que para o quarto mandamento, 05 frades pintassem uma familia feliz, ou um filho obedi até Isaac obedecendo aAbraao. Assim, para o indio, “honrar pai mae estava indelevelmente associado a uma cena qualquer. Da m¢ ma forma, independentemente da imagem havia wm elemen- Jstico concreto, e este era a idéia dos catectimenos sobre o levantar falso testemunho” ou “nao pecar contra a casti- dade” ou “guardar domingos e dias santificados”. Esta percep- gio grafica, indutora de uma associacéo valorativa crista, tanto mais forte deveria ser quanto mais estranho ao universo indigena fosse o conceito apresentado. Assim, voltamos a insistir: a ima- gem nao é uma ilustragdo da fé, é a propria percepgao indigena da f6°. Para maior clareza das conclusdes, associemos todos os elemen- “ MENDIETA, Fray Gesinimg de. Méico: Portia, 1980, mesma Ciscano, usavanse lengos para os artigos de fer. Tb © Da mesma forma, na Figura 3, CriagSo do Mundo (no alt, 34 { teansmtda através de uma figura. Também Frei Pedro de Gant en Sina através de figuras (no ato, 8 eequerda} Obviamente nio ha uma percepsto"correta” ou to, Apenas vamos consttar que a percepefo da nova rel teas massas de indo, fol essenialmente feta por image .or do Cristianis- » da par- |) Catequese © Repretentagie:aaliagio de um processo tos, Primeiramente temos uma Igreja com problemas internos e onde nem todos os elementos eram reprodugées perfeitas do Serafico Sio Francisco. Apés, lembramos uma catequese sobre um grande ntimero de pessoas, numa rea vastissima e num curtissimo espa- 0 de tempo, levantando vivas suspeitas sobre a profundidade desta catequese. A estes dados acrescentamos o modelo dos catecismos, ou com questdes teolégicas exdticas aos indios, ou com esquema de perguntas e respostas voltados exclusivamente a repeticao mnemotécnica. O somatério de tudo, no caso do México, passa ain- da por uma imagética que molda uma estrutura de percepgio re- ligiosa através das referidas imagens. Assim, podemos notar que a catequese sobre 5 indios foi essencialmente cénica. Preocupa- dos com a répida conquista espiritual formal dos indios, os ca- tequista do Brasil e do México insistiram na acao soteriolégica da Igreja O que queremos dizer com énfase na aco soteriolégica? Para ‘um cat6lico do XVI todos os adultos que morressem sem o batismo estavam condenados ao Inferno, as criangas ao Limbo. O deménio era dono absoluto da América, como varios textos teatrais mexica- rose brasileitos insistem em lembrar. Batizé-los rapidamente era a solucio mais eficiente para impedir este permanente “genocidio > dealmas”. ato de batizar, assim, foi central nesta catequese, insisténcia dos cronistas em ntimeros batismais astronémicos, pois esta era a maior acdo da Igreja Ora, apés uma acio soteriolégica, dever-se-ia seguir uma agio mistagégica: um aprofundamento nos mistérios e no carter de al- teracio existencial, na postura biografica de cada indio. Porém, isto ndo ocorreu como regra para a massa de indios, ou porque nao havia condicées (falta de catequistas para esta massa, dificuldades dos indios em incorporarem estes principios, etc.), ou porque ndo era esta a intencio. fo queremos dizer que a agdo salvacionista foi exclusiva. Par- ( ticularmente no Brasil ou na agdo franciscana sobre elementos da nobreza no México, havia uma efetiva preocupasao mistagégica. No México, a familia de Fernando de Alva Ixtlixochitl é um exem- plo destas excegdes. A formacéo de Fernando de Alva inclui todos 0s processos existenciais e mistagégicos do Cristianismo. Da mes- ma forma, no Peru, a crdnica de Filipe Guamén Poma de Ayala evidencia um membro da aristocracia indigena que dominava 0 cédigo cristo como poucos cristdos seriam capazes de fazé-lo na (Catequese e Representario: aalagio de um processo | 209 Europa". Fernando e Filipe so capazes de uma ponte lingiiistica e cultural entre as diversidades que se encontravam acima da m dia. Criticam elementos da vi no Pere no México com destreza, sabendo discernir entre a esséncia teol6gica do Cristia- nismo e diversas vivénci icas deste mesmo Cristianismo. Poma de Ayala, em particular, é capaz de criticar algumas ordens religigsas sem atacar a Igreja como um todo, evidéncia de quem ja distingue partes dentro de um todo. Porém, estes casos realcam o cardter excepcional do qual se vestiram, Nao era possivel colocar milhares ou milhdes em escol com aulas constantes e de efetiva assimilacto do c6digo cristao. A catequese permanente que S40 Carlos Borromeui pregava em Mi lio j& era de dificil execucao na peninsula it vastiddes americanas. A Igreja, entdo, ligou-se aos aspectos exte~ riores, obrigando os indios & missa e a recitagao de estruturas for- mais. Dai a permanéncia constante de aspectos existenciais “pa- gos”, como a poligamia ‘Aabsoluta maioria dos indios viveu a agdo soteriol6gi sada pelas dificuldades de ordem material (inexisténcia de qua- dros humanos para uma agao diferente) e talvez.condicionada até pela escatologia franciscana no caso do México: para um mundo que deveria terminar logo implicava tornar todos batizados e néo formar tedlogos. Os padres reclamam com freqiéncia, especialmente no final do século XVI, que os indios parecem esquecer tudo o que aprende- ram com tanto esforco. Vimos 0 caso das ditas estatuas de "Coa- ticue” e do dito “calendario mexicano”. Vimos a reclamagéo do Padre André de Olmos: 0s indios pareciam nao se lembrar de vinte anos de catequese. Tomemos outro exemplo: Andrés Mixcéatl, um dos “homens deuses” da hist6ria colonial mexicana. No seu depoimento & Inquisigo analisado por Gruzinski, ele afirma: “que es cri aque lo baptiz6 un fralle em Texcoco que no sabe su nombre, éque habra cinco afios que fué bautizado; ofa la doctrina cristiana de siete en siete dias, em Texcoco, de los religiosos de la orden de San Acronica de Poma de Ayala teve varias publicagdes. Tomamos como icagio mexicana: El p 210 | Carequese ¢ Representacto:aaigio de um processo isco, y de los discipulos suyos, muchachos que alli tienen, los, cuales les predicaban y decfan que dexasen sus idolos e idolatrias y ritos y creyesen en Dios [...”®. Trata-se de um indio, como a anélise de Gruzinski demonstra em varios sentidos, acima da média. Po- rém, poucos anos depois da conversio, nic lembra o nome do presbitero que o batizou, Dealguma forma, para este indio, obatis- mondo chega a ser uma cerimdnia marcante. Seu depoimento pros- segue dizendo que ouvia (0 verbo se repete em todos os depoimen- tos) a doutrina crista. Ouvir implica elemento mais passivo do que ative e, este habito hebdomadario, é realizado preferencialmente com os discfpulos dos franciscanos, Apesar de o hébito insistir exatamente na erradicacgo da idolatria e na crenga em um tinico Deus, é este Andrés que vai, exatamente, passar-se por uma divin- dade pré-hispanica e comegar a formar um grupo que acreditava na sua personificagao divina Note-se que nao é fenémeno totalmente alheio ao indio seu aprendizado na catequese. Na verdade ele incorpora elementos ctistéos ao seu curioso grupo: assume um tom catequético clara- mente cristao, realiza um rito de comunhao com um elemento cha- mado “nanacatl”, realiza milagres e chegou a elaborar uma ver- séoblasfema do “credo” catélico. Andrés ouviu a catequese, sele- cionou varios elementos, mas, definitivamente, nao se tornou 0 cristao que os franciscanos desejavam. Porém, interagiu de algu- ma forma, pois reelaborou parte do que os franciscanos tinham ensinado. Gruzinski incorre numa estrutura afirmativa curiosa ao analisar foi processado pela Inquisicdo porque se fazia passar por vem e associado a Teacatlipoca. Pratica lho, toma alucindgenos e exerce aces ses, entre eles Telpochth “ Observe-se as Figuras 4 eS dos Anexos. Nestas ilustragbes, a aco vaédo frade: mios retéricas, boca em destaque, pose proeminente. Os {ndios tom leitura passiva na ilustragao. Ouvem, colocam as armas no r0 do circulo, aproximant-se como criangas, admiram-se, Catequese e Represenagio: nallagio de um processo | aun cial” e & falta de incursées sistematicas dos religiosos na serra de Puebla”. Na verdade, nao acreditamos que nenhuma outra catequese possivel no XVI teria alterado o sucesso de Andrés com seus ouvintes indios. Pelo contrério, numa regido que cultuasse ain- da os deuses pré-hispanicos, a pregacao do homem-deus, talvez, no teria tanto sucesso. ‘Também as experiéncias de aldeamentos jesuiticos no Brasil es- tavam num processo de esgotamento no final do século XVI. A al- deia do Rio Vermelho, fundada em 1556, foi rapidamente abando- nada pelos indios. A aldeia de Sio Sebastiao foi abandonada em 1557. Igual destino tém as aldeias de Sao Lourenco, Sao Paulo, Sao Joao, Santiago, Santo Anténio Bom, Santo André de Anhembi, Itaparica, Sao Miguel de Taperagué e varias outras®. Por toda a ‘América os padres reclamam da inconstancia dos indios. Corrigi- imos estas reclamagdes: nao é que a massa indigena nao lembras ‘se ou estivesse atacada de estranha teima catequética; na verdade no aprendiam. Os padres esperaram atitudes existenciais deriva- das de uma catequese formal. A submissao dos corpos nunca im- plicou uma adesao das almas, recitagao nao implicava adesao, de- Clinagdes do Decélogo raramente transformaram-se em atitudes coerentes com o Decdlogo. Mas, no outro extremo, talvez seja esta a maior virtude da catequese catélica na América. Ao ligar-se, conforme a expresso de Gibson, aos aspectos abertos e formais do Cristianismo, permi- © GRUZINSKL, Serge. Opt, p71 4 In; HOORNAERT, Eduardo. (etal). Histria da I Petropolis: Vozes,p. 1500 autor analisaofato e colocaa proximidade dos nicleos colonials como causa deste de nto, Nobroga conten inde Hoorn elamandoquer-Joma Gent tr bbém se faz pouco, porque a maior parte dees, que eram fregues tas duas igs, fagitam, a causa dist foi tomarenvihes 08 Crista0s a8 terras em que tm seus mantimentos, e, por todas a8 maneiras que podem, os langam da terra, usando de todss a manbas etiranias que sem, dizendo-lhes que os hbo de matar, coma vier esta gente quese Expera_e esta 6a comm prética de maus Cristios, que com ees tra tam, ee todos os seus eaeravos;ecuidam que s Geitar daquie fazer ral pelo grande édio que todos Ihe Carta para o provincial de Portugal em 1557, in: NOBREGA, Mano da. Cartas jesiticas 1 ~ Carls do Brasil. Belo Horizonte Sio Paulo: Itatiaia-Eausp, 1985, p. 172 no Brasil. 34d. 212 | Catequese © Representasto:valagio de um processo tiv a sobrevivencia dos indios e de parte da sua cultura”. Levar em conta esta perspectiva mudaria intimeros enfoques sobre a catequese na América Ibérica ‘Tome-se, por exemplo, 0 fendmeno das “santidadies” que identi- ficamos no capitulo relativo & Inquisic4o. Os autores que trabalha- ram 0 fendmeno e as conclusées que arrolamos naquela parte enfocam basicamente o mesmo: reagéo ao dominio portugués, in- versio do catolicismo, etc. Ha outro elemento fundamental a con- siderar. As santidades nao sao apenas uma reacéo ao que estava sendo feito, mas 0 que estava deixando de ser feito: a ligagio do indio com o sagrado. As ceriménias religiosas e a catequese, nos moldes como estavam acontecendo, tinham jogado as massas in genas num vacuo religioso. O que significa exatamente este vacuo? As antigas ceriménias indigenas e suas crengas, especialmente as do grupo tupi-guarani, tinham muito significado para a vida dos grupos silvicolas. Estas ceriménias tinham significado confir- mado pela sua ancestralidade ‘Tudo isto fica mais claro quando consideramos as priticas indige- nas em relacao ao tratamento de doengas. Os feiticeiros procediam a sopros rituais, fumigamentos e sugavam a moléstia. Havia ainda escarificagées e tabus alimentares®, Obviamente que nem esta "tera- pia” indigena, nem qualquer terapia européia do século XVI, tinham muita eficécia, Porém, os fndios tinham uma quantidade bem menor de doencas antes da chegada dos brancos. A chegada dos brancos e da catequese trouxe doencas novas e epidémicas como a variola. A In general, the Indians did not abandon their p iandards of Christian behavior whether encouraged by precept, or : tundertable the ba of saints was received by Indian not as an intermediar od and man, but as a pantheon of anthropomorfic deities, of the crucifixion was accepted, but with an exaggerated 1 forthe details ofan act of sacrifice. The Christian Cod was ed, but not as an exclusive or omnipotent deity. leaven and ;phasis on concrete properties and tributes.” GIBSON, Charles. The Az fornia: Sandford University Press, 1964, p. 100. ® Tudo conforme METRAUX, Alfred. A religto dos tupinamibis. 2° ed ‘io Paulo: Companhia Editora Nacional-Edusp, 1973, p. 80 e ss, ‘Catequese e Representa: avalagio de um processo. | 23 prética de batizar um moribunde acrescentava aesta coincidéncia a idéia, explorada pelas santidades, cle que o batismo trazia a morte, coeuninente quand dae dramatics epidemies dazed de 5D" (ra, os padres no curavam de fato e, ainda por cima, seus ritos propiciavam a morte. compreensio das quest6es teolbgicas do ca- tecismo era baixa ou nula. Em outras palavras: a Igreja conseguira diminisir ou eliminar a influéncia dos pajés e as crengas passadas, ‘mas ndo colocara, efetivamente, uma pratica eficiente no lugar da combatida. A ruptura epistemolégica provocada pela presenga eu- ropéia no Brasil é também a producio de um vazio. (Os indios no podiam mais comer care humana nas suas ceri- ménias, 0s pajés foram banidos®, o cauim combatido, a poligamia punida e as praticas médicas substituidas em grande parte. No lu- gar de tudo isto, missas em latim, padres que batizam com pala- ‘ras estranhas pessoas que morrem logo em seguida. Isto ajuda 4 compreender a énfase no mundo pueril que a catequese teve em toda a América Ibérica. As criancas estavam menos ligadas as tradicées culturais, sentiam a ruptura de forma mais branda, assimilavam com mais facilidade as oragoes, sentiam menos fala das “chupagees” dopa, das interpretacoes oncas dos ritos de cauim e antropofagia. As criancas eram muito mais a “fetta om branes”, principio que ootimista Nobregatinha aed tado valido a todos os indios no dealbar da catequese. Ha, como vimos na parte teatral, um vivo esforgo de compreen- so e Conquista afetiva mesmo do indio. Porém, nem de longe este mundo de Representagdes tinha condicdo de substituir, altura, 0 significado das crengas tupi-guaranis de antanho. ‘De muitas formas entao, poderiamos dizer que o resultado da catequese crista também foi um paradoxo: introduzir uma verda- * Conforme VAINEAS, Rona (or) Amrit m enpodcon eit Jorge Zakir, 1982p. 1.“ ingcesia na Santa sum alsa nen om assis do nee cP Jao pol carb, No ede surpreende, ahs, quea Sant co t rsa0 do batismo cat o: a corres oes convcgio que mes fa no dos pads mata" doo ato de que surgcamcomassantida- im especie deargupajs Eats valorizaio do pai realmente ua rage oo esvaziamnento provocado pel catequese LA | Catequese e Representario:aaligio de um processo deira idolatria entre os indios. Por idolatria entendemos aqui a adoracio de idolos inertes, ou seja, oculto cristéo a estétuase fig ras de santos, que nada diziam ao indio, rompeu a cadeia de signi- ficantes que a religido antiga tinha. Podemos suport também, em cardter puramente especulativo, que a cadeia de significantes cria da pela introducao do Cristianismo era alheia a0 proprio Cristi nismo; produziu efeitos e ilagdes que dificilmente compreendert ‘mos, Fica sempre sem resposta a questao: o que via um indio quan- do contemplava uma estatua de S40 Miguel vestido de centuriao romano a subjugar com espada flamejante um Dite rebelado? ‘Tomando como referéncia de Catolicismo a santidade, testada ‘canonicamente por longos processos de investigacio juridica, ne- nhum indio tornou-se santono século XVI. No Brasil nada que nem sequer ao longe se aproximasse da possibilidade de um “servo de Deus”, de um “beato” ou de um santo canonizado. No México, nem o visiondrio Juan Diego da Virgem de Guadalupe néo teve a mesma sorte de Margarida Maria Alacoque no XVII; Bernadete no século XIX ou de Jacinto no XX. Todos estes visionérios elevados 0s altares nao tinham nenhum conhecimento teolégico, suas vi- s6es incluem questées estranhas e tinham origem em grupos so- ciais de baixa extracao. Por que os indios nao tiveram este privilé- gio no XVI? A.questdo fica ainda mais curiosa quando nos lembramos que 08 periodos iniciais de catequese e conquista sempre foram uubérrimos em martires e santos. Assim, Francisco Xavier na Chi- na, assim Roque Gonzélez no Rio Grande do Sul, assim Cecilia no Império Romano. Os meninos cristdos mortos em Tlaxcala pelos Pais idélatras nao constituem 0 tipico caso de santo “confessor e mirtir”? Sem dtivida que sim, mas a Igreja “levou mais de 450 anos refletindo a ortodoxia do caso”. Nao é tao estranho este fend- meno se considerarmos que houve restrigdes a prépria ordenacao ) de indios, resirigées por fim consagrada na legislacao. A Igrej que tanto esforcou-se pela conversio do indio desconfiava de sua capacidade clerical, pois nunca rebelou-se significativamente con- tra estas medidas. Ora, se o indio nao serve para rezar a missa no altar, como servird para estar acima dele na figura de um santo? © Hi excesdes que mereceriam andlise. Juan Diego, o visionario de Catequese « Representaie: alate de um processo | 218 Acatequese laboriosa e const com este aparente paradoxo. : Porém, aprofundando a questaohistérica que nunca é tao linear, os paradoxos aumentam. A longo prazo, a catequese favoreceu a manutencdo do mundo indigena. As geragdes que Anchieta e Martin de Valéncia educaram viveram uma ruptura maior, Porém, 0 pr6- prio carater superficial da catequese e a manutensio do acervo lingiiistico indigena colaborariam para esta manutencio. Neste sentido, temos de observar outro fenémeno sobre a catequese, Os indios foram obrigados a integrar uma nova erdem, a ordem cristae ibérica, em que seriam explorados, mas seriam elementos integrantes da nova ordem, Existe nisto uma diferensa enorme em relagdo a postura anglo-saxénica na América, onde os {indios iam afastando-se da onda colonizadora, jé que tal onda era excludente da presenga indigena. por seh easements elturlprvocado pla catequee, (8 missionétios catdlicos na América acabaram, por vezes, refor sando caracteristicas da sociedade indfgena, como a vida comunal As festas, os cultos, a construcdo de igrejas, as irmandades; varios elementos trazidos pelos missionérios reforcavam o caréter comunal dos indios* weza, conviveu beato. Estas excesses confirmam 0 qui de santos indios c ante”. Veja-se, por exemplo, Hoornaert: "A evangelizagio, que na realidade significou doutrina- (que perten " va)”. HOORNAERT, Eduard (etal). Histriada grea no Bras. 3 "ed Petrépolis:Vozes, 1983, . 131. Apesar de nfo endossarmos deforma automata a observasio deste autor, deveros reconhecer que, espe Ghee no Seas chogu cull actos send mi je no México, Par os habtantes do Brasil nfo apenas a reli tra um fendmeno novo, mas 0 Estado, a escavidao,o dither, 28 246 | Cataquese e Represenagio: nalagio de um processo Esta conclusto implica concordar com Oswald de Andrade no século XX, que nos seus manifestos afirmava “Nunca fomos catequizados”? E delicada a conclusao a este Tespeito, Fomos catequizados, aAmérica tornou-se crista de varias formas, Tornou. Se ctisté em varias toponimias, em ceriménias, em préticas még cas novas ou recondicionadas do passado pré-cristao, cristi em a. terjeigdes e até na cena politica. Quando Andrade faz sua afirma, so bombéstica na provinciana S4o Paulo, ele esta trabalhancio com m elemento esiranho ao mundo pré-hispanico: a necessidace de inovar e negar o que veio antes. As afirmacoes de Andrade reve. Jamo substrate cristao de seu pensamento, nao hé nada de “tupi or not tupi no nosso literato modemista seduzido por Paris e pelas ‘ardas. Porém, tem razio Oswald sobre nao ter sido efetiva. mente transformada a América num espaco cristo. O que seria este espaco cristo? Os jesuitas do Brasil como vimos, responderi- am que um espaco vivido a imagem e sémelhanca dos jesuitas. Os franciscanos, talvez respondessem tendo como modelo o Serafice Pai Francisco ou o préprio Cristo. Onde ocorreu esta transformacio radical? Onde as populagdes aderiram a0 Cristianismo, vivendo na integra os preceitos evangé- licos ou 0 decalogo? Obviamente em lugar nenhurn, nem na Fuso. pa, nem na América. Esta conclusio seria simplesmente Gbvin se nao tivéssemos tido a preocupagio de responder como a América conseguiu ser cristianizada sem terse tomado crista. Este processo nio é idéntico a0 europeu, nem seus resultados sA0 os mesinos Ambos usaram a Representacao, mas ela atuou sobre culturas com " dleeupu sedis ating patina léncias milita- 3 Comuns a Brasil e México) eas violéncias microbianas (comune a Brasil e México). 8 curioso lembraz, sem transform, ‘menos & penetracdo européia do que as deste padrao, como a ¥ 08 indios araucanos do IPgotOV associa a velocidace da conquista& questio da escia,o que bre uma peropectiva interessante para esta eflexdo, ainda que exSgine 20 escope deste trabalho, Carequese ¢ Represencasio: valagho de um processo | 217 DIB] Catequese e Representa: Porém, nao sendo, per 7 do, sob 0 amplo manto plistico e retérico da Represen- 'o amplo que ndo produza interacbes e reagbes, mas fica tudo. maior da forma histérica que o Catolicismo assumiu lente foi Ter-se revestido de um universalismo que escasse- iguagens. A multiplicagao de simbolos, imagens, a polissemia téo ampla que possibili cia de indimeros significantes de tradigoes lingiiisticas distintas em seu seio. Podia o indio ir & missa sem ter s também, 0 0 foran A Contra-Reforma é um momento de diminuigao da tolerancia io havia mais os carnavais de loucos encabesados por Iérigos da Idade Média. Mas nao esquecamos que ela tam- jo seu ventre todos os rigoristas que, como cétaros ¢ jansenistas, pretendiam uma Igreja purificada de elementos quendo ia com o Evangelho. Este modelo purista nunca foi seguido pela ortodoxia catética O discurso e algunas praticas exemplares seriam puristas, mas a Igteja desistiu do intento de converter-se em nau exigua de esco- Ihidos como queriam os valdenses, mas preferiu ser imensa arca de Noé, conduzindo dentro de si o imaginério variegacto de uma via- gem para a terra prometida. ‘Acatequese seria, nao exclusivamente na América mas com par- ticular forga aqui, um elemento de conquista de Representacéo: massas nas igrejas, procissées suntuosas, candidates catélicos aos cargos, discursos probos e teatros pios. Esta prética apenas seria garantida nas areas onde o dominio politico existiu com 0 avango tico, nem esta cena coletiva teria sido possivel®! * Penso no caso da india, da China e do Japao. Na primeira, os esforgos | de catequese ses. Mesmo assim, quando Goa retornou a0 dominio iduy, menos de 0 de um processo fancionavam nas cidades dominadas pelos portugue- |“ No século XIX e no XX al, atento e cartesiano, ficaria estarrecida ao perceber o estado dee mas” naaAmérica, a préticas como as vociferantes misses capuchinhas ou a difusio dos Exerciciosinacianos pars leigos, © eslorgo de incendiar os coragdes com a fé “verdadeita’ 2 remane teria 0 mesmo resultado do XVI: pequena parte das elites tocadas pelas labaredas e massas esquilidas vagamente ilamin tr a chama bruxuleante. O nas uma cosm: ada por um clero mais adas por r titudinarismo da Igreja nao é ape- ‘sdo, é estratégia de sobrevivencia ez por cento da fopulagio era catdlica numa cidade que tinha cem ; , depois de 451 a catequese separada di lt interesse dos chineses pelos reldgios e lunctas iam. No japto a igreja erst f : tada por todos os pes 0 ainda esta por fazer, Cutequese ¢ Representacio: aalagfo de um processo | 219

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