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ANO

ANO edição
dez
DEZ
XXIV 94 2016
ANO XXIV - Dezembro 2016 - Nº 94

interior da
sinagoga signora,
Izmir, Turquia

Conselho de Administração Diretoria


Joseph Yacoub Safra Vicky Safra
Vicky Safra Clairy Dayan
Clairy Dayan Fortuna Barbara Djmal
Fortuna Barbara Djmal João Inácio Puga
Esther Safra Dayan Dionysios Emmanuil Inglesis
Hiromiti Mizusaki
Carta ao leitor
No calendário judaico, há duas festas instituídas por espiritualidade, mas seus mandamentos e tradições
nossos Sábios: Chanucá e Purim. Os eventos que também refletem a materialidade. Já Purim é uma festa
celebramos em Chanucá ocorreram em uma época em cujos mandamentos aparentam ser de cunho materialista,
que o judaísmo estava ameaçado. Isto é, a guerra dos mas, na realidade, contêm um fundo de espiritualidade.
sírio-gregos não era contra os judeus como povo, mas Isso nos ensina que tanto o corpo como a alma são
sim, contra a Torá – a religião judaica e suas leis, valores sagrados e devem ser muito bem preservados. A Torá
e ideais. A história de Purim, por outro lado, trata de revela que a alma, o sopro Divino, é o que dá vida ao
um homem maligno que visou a exterminar todos os corpo, mas que sem um organismo vivo e saudável lhe
judeus. A guerra de Haman não era contra o judaísmo, é praticamente impossível desempenhar sua missão
e sim, contra o Povo Judeu. Assim, a primeira celebra a neste mundo. A Cabalá ensina que o ser humano é um
continuidade espiritual da nação judaica ao passo que a microcosmo de todo o universo. Quando ele mantém
segunda comemora sua sobrevivência física. paz e harmonia entre corpo e alma – quando estes se
encontram em equilíbrio e agem em conjunto
Essa diferença se reflete em seus respectivos – unem-se os Céus e a Terra.
mandamentos. Chanucá é a festa das luzes: durante oito
noites, acendemos azeite de oliva ou velas. No judaísmo, Neste ano deixaram este mundo dois homens que
o azeite representa a sabedoria; a vela simboliza a alma; marcaram a história de nosso povo. Lutaram, de forma
e a luz é a metáfora mais comum utilizada para se referir diferente, para garantir um futuro melhor para todos
à Torá e à espiritualidade. O mandamento de acender nós, judeus. O Rav Joseph Haim Sitruk zt”l, Rabino
as velas dessa festa celebra o triunfo da Torá e da alma. Chefe da França durante duas décadas, liderou os judeus
Por outro lado, os mandamentos de Purim simbolizam da França e do mundo de língua francesa em direção à
a materialidade: faz-se uma refeição festiva; espiritualidade, para que a luz da Torá brilhasse cada vez
enviam-se alimentos já prontos para consumo aos mais forte. Como outros grandes líderes espirituais do
amigos; e doa-se dinheiro para que os necessitados Povo Judeu, o Grão Rabino Sitruk personificou o tema
também possam alegrar-se nessa data. Já que esta festa das luzes de Chanucá. Dizia que nós, judeus, “temos
celebra a sobrevivência física do nosso povo, uma herança fabulosa, mas infelizmente muitos de nós
observam-se os seus mandamentos por meio de não a conhecemos”. Portanto, cada judeu tem o dever
elementos físicos, necessários para a sobrevivência. de receber e transmitir o judaísmo – algo que  ele fez
durante toda a sua vida.  Já Shimon Peres z”l, foi um
Aparentemente, o tema central de Chanucá é a alma e o grande estadista que, seguindo o exemplo de Mordechai
de Purim, o corpo. Contudo, uma reflexão mais profunda e Esther, utilizou seus talentos e sua grande habilidade
nos leva a concluir que Chanucá também celebra a política para garantir a segurança e o futuro do Estado
materialidade e que os mandamentos de Purim também de Israel e do Povo Judeu. Peres, um dos pais do Estado
possuem um fundo espiritual. Com efeito, o azeite de Israel, dedicou a vida para assegurar que nenhum
utilizado para acender as luzes da Chanuquiá representa inimigo pudesse novamente ameaçar a sobrevivência
a sabedoria, mas também constitui um alimento rico e de nosso povo – para que nós, judeus, pudéssemos ter,
saboroso. No que concerne a Purim, inegavelmente se após 2.000 anos de exílio e sofrimentos indescritíveis,
trata de um dia em que se alimenta o corpo, mas a festa um Estado Judeu – forte e seguro.
é antecedida por um jejum: o Jejum de Esther. Ademais,
um dos quatro mandamentos dessa festa é ouvir a leitura
da Meguilá, um dos livros do Tanach.

Torna-se evidente, portanto, que no judaísmo, o espiritual


e o material estão entrelaçados. Chanucá enfatiza a
ÍNDICE

20 28

35 42

49 64
03 carta ao leitor 28 história
Um evento glorioso
por zevi ghivelder

06 NOSSAS grandes festas


As luzes de Chanucá
35 prêmio nobel
Uma lenda:
O dia 10 de Tevet A vida de Bob Dylan

20
personalidade 42 escola beit yaacov
O Grão Rabino Vivenciando na prática os
Josef Haim Sitruk, zt”l valores de Chessed e Tzedaká

4
REVISTA MORASHÁ i 94

06

52
46
exposição 52
Israel
Um Êxodo Judaico Shimon Peres:
para uma nova terra Um grande estadista


por JOSEPH BERGER

64
comunidades
Turquia: há um futuro
49 destaque para os judeus?
Os primeiros sinais

da era Donald Trump
por JAIME SPITZCOVSKY 75 cartas

5 DEZEMBRO 2016
nossas grandes festas

6
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As Luzes de Chanucá

Aproximadamente há 2.100 anos, a Terra de Israel estava ocupada


pelo império sírio-grego, governado por Antioco. Homem do
mal, ele emitiu uma série de decretos com o propósito de forçar
o Povo Judeu a abandonar o judaísmo e a adotar a ideologia
e os rituais helenistas. Dentre seus esforços para extirpar o
judaísmo, ele declarou ilegal o estudo da Torá e o cumprimento
de vários de seus principais mandamentos. Ademais, os sírio-
gregos profanaram o Tempo Sagrado de Jerusalém com seus
ídolos.

E
m resposta à opressão e aos decretos O principal mandamento de Chanucá é o acendimento
nefastos de Antioco, e percebendo que o da Chanuquiá – uma Menorá de oito braços. Este ano,
futuro do judaísmo estava em jogo, um começamos a acendê-la no sábado à noite, após o
número pequeno de judeus, os Macabeus, término do Shabat, na noite de 24 de dezembro de 2016.
em gritante inferioridade numérica,
ergueram contra as forças de ocupação sírio-gregas A Chanuquiá
na Terra de Israel. Ainda que fossem minoria – e de
terem o apoio de apenas 10% da população judaica, que Os elementos básicos de uma Chanuquiá são oito
já estava se helenizando – os Macabeus derrotaram o suportes para azeite ou velas. Adicionalmente,
poderoso exército sírio-grego, expulsando-os de nossa deve haver outro suporte para o Shamash – a vela
terra. Quando reconquistaram o Templo Sagrado, “auxiliar”. Muitos têm o costume de usar velas de cera
em 25 do mês hebraico de Kislev, foram acender a de abelha para o Shamash. Este fica um pouco acima ou
Menorá do Templo – o candelabro de sete braços –, abaixo do que as demais velas ou suportes para o azeite:
mas se depararam com o azeite de oliva ritualmente é importante distingui-lo dos demais, senão poderia
puro propositalmente contaminado pelos sírio- parecer que a Chanuquiá tivesse nove braços.
gregos. Encontraram, no entanto, um único frasco
que havia escapado aos invasores. Continha apenas o Uma vez acesas as velas de Chanucá, não se
azeite suficiente para acender a Menorá durante um deve apagar o Shamash. São duas as razões para tal.
único dia – e levaria oito dias para produzir azeite Primeiro, o Shamash deve estar pronto para servir,
ritualmente puro. Os Macabeus acenderam a Menorá fazendo jus a seu nome: no caso de uma vela ou pavio se
com aquele pouquinho que, milagrosamente, durou apagar, pode ser aceso novamente com o “auxiliar”. Outra
oito dias – o tempo suficiente para a produção de novo razão para deixarmos o Shamash aceso é a proibição de
azeite ritualmente puro. Para divulgar e celebrar esses usar as luzes de Chanucá para qualquer outro propósito
milagres – o da vitória e o do azeite – nossos Sábios além de cumprir o mandamento de acender a Chanuquiá.
estabeleceram a festividade de oito dias de Chanucá. Assim sendo, se alguém necessita de uma fonte de

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nossas grandes festas

luz, por alguma razão, pode usar o ou uma mesa pequena perto do vão seja o costume seguido, na noite
Shamash, mas não uma das luzes da da porta onde está a Mezuzá. Dessa de 6a feira, todas as comunidades
Chanuquiá. forma, quando as pessoas passam acendem as velas de Chanucá antes
pelo vão da porta, estão rodeados do sol se pôr e, no sábado à noite,
Estas podem ser alimentadas por por dois mandamentos – a Mezuzá após o cair da noite, pois é proibido
azeite ou pelas chamas de velas. Mas de um lado e a Chanuquiá de outro. acender fogo durante o Shabat.
como o milagre de Chanucá envolveu Outra opção é colocá-la no peitoral Portanto, ao entardecer da 6a feira
o azeite de oliva – o suprimento de uma janela de frente para a rua. acendemos a Chanuquiá logo antes
de azeite para um dia que durou Essa opção é preferível se as luzes de acender as velas do Shabat. Estas
oito dias – é preferível acender a de Chanucá puderem ser vistas pelo últimas tradicionalmente são acesas
Chanuquiá com azeite em vez de público passante. 18 minutos antes do sol se pôr.
velas. Deve-se dar preferência ao Na 6ª feira, devemos usar azeite
azeite de oliva como combustível As luzes de Chanucá são acesas suficiente ou velas suficientemente
e ao pavio de algodão porque estes noite após noite nesta festividade grandes para que as luzes de
produzem uma chama bem perfeita. de oito dias. Acendemos uma luz na Chanucá fiquem acesas durante
primeira noite, duas na segunda e meia hora após o cair da noite –
É importante notar que não se assim por diante. Na oitava e última cerca de 1 ½ horas após a entrada
devem usar Chanuquiot elétricas. noite, acendemos todas as oito do Shabat. Uma vez iniciado o
Elas podem ser colocadas em locais luzes. Shabat, não podemos reacender
públicos para divulgar os milagres chamas apagadas nem mover de
de Chanucá – mas não para cumprir Há diferentes costumes também lugar a Chanuquiá; tampouco
o mandamento. Para isso, devemos acerca do horário exato para preparar as velas para serem acesas
acender as luzes da Chanuquiá com o acendimento. A maioria das sábado à noite. Isso somente poderá
chamas reais, produzidas pela cera comunidades o faz ao cair da noite ser feito ao término do Shabat.
ou o azeite – como as chamas da – cerca de meia hora após o pôr- Sábado à noite, as luzes de Chanucá
Menorá do Templo Sagrado de do-sol. Outras o fazem logo após o são acesas após a realização da
Jerusalém. pôr-do-sol. Em qualquer dos casos, Havdalá.
as luzes de Chanucá devem arder
O acender das luzes de Chanucá é durante um mínimo de 30 minutos Deve-se acender a Chanuquiá tão
um mandamento que cabe tanto a após o cair da noite. Qualquer que logo seja permitido, porque maior
homens quanto a mulheres. mérito tem aquele que se apressa
em cumprir os mandamentos
Algumas comunidades têm o Divinos. Portanto, somente se deve
costume de que o chefe da casa postergar o acendimento das luzes
acenda a Chanuquiá enquanto todos enquanto se espera pela chegada
os demais ouvem com atenção dos familiares que desejam estar
as bênçãos e respondem “Amén”. presentes nesse momento tão
Em outras comunidades, todos importante. Se alguém perdeu o
os integrantes da casa, inclusive horário adequado do acendimento
as crianças, acendem sua própria da Chanuquiá – por exemplo,
Chanuquiá. Qualquer que seja o por ter chegado muito tarde em
costume, é importante que todos os casa – essa pessoa pode cumprir
judeus, de todas as idades, estejam o mandamento desde que ainda
presentes e envolvidos quando o haja gente na rua ou se outro
mandamento de acender as luzes de membro da família estiver acordado
Chanucá é cumprido. para acompanhá-lo. Caso as ruas
estiverem vazias e ninguém estiver
Há, também, diferentes tradições acordado, ele poderá acender as
sobre o local do lar em que se coloca velas, mas sem dizer as bênçãos que
a Chanuquiá. Alguns a colocam em são recitadas antes de cumprir esse
uma entrada central, em uma cadeira mandamento.

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Após acender a Chanuquiá, é


costume cantar canções tradicionais
da festividade, como HaNerot
Halalu e Maoz Tsur, devendo-se
ficar em volta do candelabro durante
meia hora, pelo menos. Uma das
razões para tal é para assegurar que
as luzes ardam, no mínimo, pelo
tempo de meia hora. Às 6as feiras,
quando as pessoas se preparam
para ir à sinagoga ou para receber
o Shabat, não é necessário sentar-
se 30 minutos ao redor das luzes
da Chanuquiá. Há uma tradição
de que as mulheres não devem
realizar tarefas domésticas enquanto
a Chanuquiá estiver acesa. Desta
forma, estão honrando as corajosas
mulheres judias que ajudaram
a assegurar a vitória militar dos
Macabeus.

Em Chanucá, é tradição comer


alimentos ricos em azeite, como os
deliciosos sufganiot (sonhos) e os
latkes (panquecas de batata fritas),
celebrando também dessa forma o
milagre do azeite.

Vimos um resumo das leis de


Chanucá. Como dissemos, diferentes
comunidades guardam diferentes
tradições. Para maiores informações cometidas contra o Povo Judeu para acender a Menorá durante
ou em caso de dúvidas, deve-se pelo exército sírio-grego e por um único dia. Seriam necessários
consultar com um rabino ou uma sua campanha para coagir nosso oito dias para produzir azeite
autoridade competente em Halachá, povo a renunciar ao judaísmo e a ritualmente puro. Os judeus foram
a Lei Judaica. se assimilar e abraçar as crenças em frente e acenderam a Menorá
helenísticas, seus ideais e sua cultura. com o que tinham. Mas uma
Celebrando o milagre ocorrência sobrenatural mudou
O segundo milagre foi o do azeite. o jogo: o azeite milagrosamente
O mandamento fundamental de O acendimento da Menorá com durou o tempo necessário para
Chanucá é o acendimento das velas, azeite de oliva ritualmente puro a produção de novo azeite
ou, o que é ainda melhor, do azeite era um componente importante do ritualmente puro.
de oliva. Esse mandamento recorda serviço diário no Beit HaMikdash O fenômeno sobrenatural do
os dois milagres que celebramos – o Templo Sagrado de Jerusalém. suprimento de um dia ter queimado
durante essa festividade. O primeiro Após libertá-lo das mãos do exército durante oito dias não foi apenas
foi o triunfo dos Macabeus sobre invasor, os Macabeus encontraram um milagre, mas também um sinal
os sírio-gregos – superpotência um único frasco de óleo ritualmente Divino de que os Macabeus deviam
militar à época, que ocupava a Terra puro, que escapara à profanação sua vitória militar à Providência
de Israel. A revolta dos Macabeus proposital pelos sírio-gregos. O Divina. Haviam lutado brava
foi uma resposta às atrocidades frasco continha o azeite suficiente e valentemente, mas não fosse

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nossas grandes festas

Entre todas as pela Mão Divina, eles não teriam tenham, de uma forma ou de
triunfado. Eram um grupo pequeno outra, deixado passar um recipiente
festividades de nosso de homens que se levantaram contra de azeite ritualmente puro e o
calendário, talvez os gigantes militares da época. fenômeno sobrenatural de que essa
Tivesse tudo corrido de acordo com quantidade de azeite tivesse ardido
Chanucá seja a mais as leis da natureza, teria sido uma oito dias – exatamente o número de
conhecida e apreciada derrota fragorosa: as possibilidades dias necessários para a produção de
pelos não judeus. A de terem vencido eram tão remotas novo azeite ritualmente puro.
quanto o suprimento de um dia Entre todas as festividades de
Chanuquiá em locais de azeite ter durado oito dias – nosso calendário, talvez Chanucá
públicos é acesa por praticamente impossível, não fosse a seja a mais conhecida e apreciada
Ajuda Divina. pelos não judeus. A Chanuquiá em
muitos governantes locais públicos é acesa por muitos
e líderes políticos, A festa de Chanucá, de oito dias, governantes e líderes políticos,
celebra milagres porque tudo nessa inclusive aqui no Brasil. É acesa
inclusive aqui no festividade é milagroso: a vitória na Casa Branca e até no Kremlin.
Brasil. militar, o fato de que os sírio-gregos
O motivo para isso é que a
mensagem de Chanucá é atemporal
e universal – aplica-se a todos os
seres humanos, independentemente
de religião, nacionalidade e etnia.
Os temas da festa ressoam no
coração de todas as pessoas boas e
decentes e a Festa das Luzes nos
ensina que os milagres acontecem.
Chanucá nos faz recordar, ano
após ano, que, cedo ou tarde, a luz
impera sobre a escuridão e, no fim,
a bondade acaba triunfando sobre a
maldade.

A Chanuquiá e a Menorá

Como vimos acima, acendemos


as luzes de Chanucá para celebrar
o milagre do azeite usado para
acender a Menorá do Templo
Sagrado. Há, no entanto, claras
diferenças entre a Chanuquiá – a
Menorá de Chanucá – e a Menorá
do Templo Sagrado, além do
fato de que uma tem oito braços
e a outra tinha sete. Uma das
diferenças é que o número de luzes
acesas na Menorá do Templo era
constante. Diariamente, todos os
sete braços eram acesos. Já em
Chanucá, acendemos uma luz na
primeira noite, duas na segunda
noite e assim por diante.

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Na oitava e última noite, acendemos


todas as oito luzes festivas.

Outra diferença é o fato de que


no Templo Sagrado, a Menorá era
acesa durante o dia – ao passo que,
excetuando-se a tarde de
6a feira devido ao Shabat, as luzes
de Chanucá são acesas quando cai
a noite e a escuridão. Ademais,
a Menorá ficava acesa dentro do
Templo Sagrado, enquanto que a
Chanuquiá deve ficar, idealmente,
próxima a uma janela, para que
suas luzes possam ser vistas pelo
público de fora, divulgando assim os
milagres que celebramos durante a
festividade.

Há ainda outra diferença, bem


acentuada, entre o acendimento da
Menorá e da Chanuquiá. A Menorá,
construída por Moshé, simboliza a gregos, que profanaram o segundo azeite ritualmente puro para acender
independência e a autossuficiência Templo Sagrado de Jerusalém. O a Menorá simbolizou a falta de
do Povo Judeu. No deserto, fomos Povo Judeu sofria terrível opressão, espiritualidade dos judeus à época.
liderados pelo maior líder judeu e seu exército era pequeno e muitos
profeta de todos os tempos, e todas judeus se estavam assimilando. Essas Chanucá e a
as necessidades materiais da nação limitações físicas e dificuldades necessidade de luz
estavam providas: o maná que caía refletiam o frágil estado espiritual da adicional
dos Céus e o poço de Miriam que nação judaica. Isso explica porque
lhes fornecia água em abundância. apenas 10% do Povo Judeu apoiou Em tempos de abundância material
Foram anos de abundância espiritual a revolta dos Macabeus. A falta de e espiritual, quando reina a paz e
para o Povo Judeu, pois quando o ser a prosperidade, o Povo Judeu não
humano está livre de preocupações, é compelido a executar atos de
ele pode melhor dedicar-se aos extremo auto sacrifício. Quando
assuntos Divinos. Quando o maná tudo corre bem, não há necessidade
caía dos Céus, havia mais tempo urgente de luz adicional: falando
e tranquilidade para se dedicar a por metáforas, pode-se acender o
estudar a Palavra de D’us. Quando mesmo número de luzes a cada dia
há paz e prosperidade, as pessoas e não é necessário fazer grandes
geralmente têm mais tempo para se esforços para iluminar o mundo
dedicar a cumprir os mandamentos que nos cerca. Mas quando reinam
da Torá. a escuridão e a opressão, como na
época em que os Macabeus tiveram
Diferentemente da Menorá de que ir à guerra, não basta que as
sete braços, a Chanuquiá nos faz pessoas vivam dentro de sua
lembrar incidentes que foram zona de conforto. Em tais
milagrosos, mas que ocorreram circunstâncias, é necessário muito
em tempos difíceis para o Povo auto sacrifício para aumentar a
Judeu. A Terra de Israel estava luz do mundo. Essa é uma das
sob o domínio dos tirânicos sírio- principais mensagens das luzes de

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nossas grandes festas

nobre não se deve permitir ser


intimidado. Pelo contrário. Os
desafios devem incitá-lo à ação.
Como os Macabeus, que foram a
uma guerra que parecia invencível,
e, assim como nossos antepassados,
que insistiram em acender a
Menorá com o azeite sagrado que
só bastaria para um dia, nós nunca
devemos recuar nem desistir de
nada, especialmente quando a luta
for por uma causa digna.

O ser humano que assim age, que


está disposto a se sacrificar em
benefício dos demais e que quer
aperfeiçoar-se, e que não se satisfaz
com as conquistas passadas, esse ser
humano pode contar com a ajuda
de D’us para ser vitorioso e bem
sucedido. D’us o ajudará como Ele
ajudou aos Macabeus. Em outras
palavras, quando vivermos uma vida
sobrenatural e não permitirmos
que o mundo natural nos dite
como devemos viver, D’us fará
milagres para nós. Viver uma vida
sobrenatural significa produzir luz
adicional para que a mesma possa
vencer a escuridão e vencer todas as
formas do mal.

Chanucá. Elas nos ensinam que não era constante, a Chanuquiá nos Todos os seres humanos que
é suficiente que um judeu ilumine ensina que em épocas de desafios produzem luz estão transformando
sua casa – ou seja, seu domínio espirituais, não é suficiente gerar o mundo: eles estão ajudando a
privado. a mesma quantidade de luz como frui-lo por completo – até o dia
no passado. Cada dia que passa, em que o mundo todo será de luz.
Apesar do grande esforço precisamos constantemente Quando isso acontecer, o azeite de
envolvido, cada ser humano avançar em tudo o que se refere oliva ritualmente puro será levado
consciencioso precisa se empenhar à espiritualidade, santidade e para acender a Menorá do terceiro
em iluminar o mundo. Diferente bondade. Nunca devemos nos Templo Sagrado de Jerusalém –
da Menorá, que era acesa de dia e dar por satisfeitos com nossas que será eterno e que, com a ajuda
no interior do Templo Sagrado, nós conquistas, não importa quão de D’us, será construído muito em
acendemos a Chanuquiá quando a sensacionais sejam. Pelo contrário, breve, em nossos dias. Amén, ken
noite cai, e a colocamos onde suas sempre devemos nos esforçar para yehi ratsón.
luzes possam ficar visíveis àqueles conquistar mais, gerando assim mais
que passem pela rua. Isso nos luz para o mundo.
ensina que a luz é especialmente
necessária quando está escuro do As luzes de Chanucá também nos Bibliografia
lado de fora. Diferentemente da ensinam que em tempos de grande Rabi Menachem Mendel Schneerson –
Menorá, cujo número de luzes escuridão espiritual, um ser humano Likutei Sichot, volume 1, pg. 89

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acendendo a Chanuquiá
Todas as noites, antes de acender as velas Costuma-se colocar a Chanuquiá sobre
pronunciam-se as seguintes bênçãos: uma mesa no lado esquerdo da porta
de entrada, em frente à mezuzá, ou na
janela que dá para a via pública.
Os seguintes horários são referentes
apenas a São Paulo.
A cada noite, após recitar as bênçãos,
acendem-se as velas da Chanuquiá 1ª noite
25 de Kislev
com o shamash, que é colocado na Sábado,
Chanuquiá de modo a ficar mais 24 de dezembro,
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu alto do que as demais chamas. Após a partir de 20:32 horas,
Mêlech haolam, asher kideshánu após a Havdalá
acender as velas, recita-se em seguida
bemitsvotav, vetsivánu lehadlic ner
Hanerot halálu: 2ª noite
Chanucá. 26 de Kislev
Domingo,
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei 25 de dezembro,
a partir de
do Universo, que nos santificaste com 20:25 horas
Teus mandamentos, e nos ordenaste
acender a vela de Chanucá. 3ª noite
27 de Kislev
Segunda-feira,
26 de dezembro,
a partir de
20:25 horas

4ª noite
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu Hanerot halálu ánu madlikim, 28 de Kislev
Mêlech haolam, sheassá nissim Terça-feira,
al hanissim veal hapurkan, veal 27 de dezembro,
laavotênu, bayamim hahêm, haguevurot veal hateshuot, veal a partir de
bazeman hazê. haniflaot, sheassita laavotênu, 20:26 horas
bayamim hahêm, bazeman hazê, al
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei yedê cohanêcha hakedoshim. Vechol 5ª noite
29 de Kislev
do Universo, que fizeste milagres para shemonat yemê Chanucá, hanerot Quarta-feira,
nossos antepassados, naqueles dias, halálu côdesh hem, veen lánu reshut 28 de dezembro,
lehishtamesh bahem êla lir’otan a partir de
nesta época. 20:26 horas
bilvad, kedê lehodot lishmêcha,
Apenas na primeira noite, al nissêcha, veal nifleotêcha, veal 6ª noite
depois de recitar as duas yeshuotêcha. 30 de Kislev
bênçãos, recita-se o Quinta-feira,
shehecheyánu: 29 de dezembro,
Acendemos estas luzes em virtude a partir de
dos milagres, redenções, bravuras, 20:26 horas
salvações, feitos maravilhosos e
auxílios que realizaste para nossos 7ª noite
1 de Tevet
antepassados, naqueles dias, nesta Sexta-feira
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu época, por intermédio de Teus 30 de dezembro, às
sagrados sacerdotes. Durante todos os 19:38 horas, antes de
Mêlech haolam, shehecheyánu acender as velas de
vekiyemánu vehiguiyánu lazeman oito dias de Chanucá, estas luzes são Shabat
hazê. sagradas, não nos sendo permitido 8ª noite
fazer qualquer uso delas, apenas mirá- 2 de Tevet
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei las, a fim de que possamos agradecer Sábado,
31 de dezembro,
do Universo, que nos deste vida, nos e louvar Teu grande nome, por Teus a partir de 20:35 horas,
mantiveste e nos fizeste chegar até a milagres, Teus feitos maravilhosos e após a Havdalá
presente época. Tuas salvações.

13 DEZEMBRO 2016
nossas grandes festas

O Dia 10 de Tevet

O dia 10 do mês hebraico de Tevet é um dia de jejum e de


luto nacional para o Povo Judeu, pois marca o início do sítio
a Jerusalém pelos exércitos de Nabucodonozor, no ano de
425 A.E.C, e a subsequente destruição do Primeiro Templo
Sagrado. Essa data é considerada o início da dispersão de
nosso povo e de todas as provações e tragédias que se
seguiram.

O
10o dia do mês hebraico de Tevet é um dos inclusive seus líderes, caçoavam dos profetas,
quatro jejuns de menor importância no acusando-os de “falsas profecias de um destino cruel”
ano judaico. Dizemos um jejum de menor e alegando que eles tinham o hábito de desmoralizar o
importância, comparando-o a Yom Kipur e povo. Chegaram, mesmo, a assassinar um dos profetas.
Tisha b’Av, dias em que jejuamos durante
24 horas ou mais, e por se tratar de um jejum em que nos Até que, em 10 de Tevet do ano de 3336 (425
abstemos de ingerir alimentos e bebidas apenas desde um a.E.C.) os exércitos do imperador Nabucodonozor,
pouco antes do nascer do sol até o anoitecer. da Babilônia, sitiaram Jerusalém. D’us retardou a
destruição para dar aos judeus a oportunidade de se
Além do jejum, o dia 10 de Tevet é guardado como arrependerem. Enviou o profeta Jeremias para reprovar
um dia de luto e arrependimento. Nas rezas matinais, e advertir o Povo Judeu, mas em vez de ouvir seu
incluem-se as Selichot - preces de penitência. Em tempos chamado, eles o aprisionaram. Assim, 30 meses depois,
recentes, essa data passou a ser o dia em que se diz Kadish no 9o dia do mês hebraico de Tamuz de 3338, os
em memória das vítimas do Holocausto, muitos dos quais exércitos babilônicos romperam os muros de Jerusalém
têm seu dia de martírio desconhecido. Este ano, o dia 10 e, em Tishá b’Av, o nono dia do mês de Menachem Av,
de Tevet cairá no dia 8 de janeiro de 2017. destruíram o Templo Sagrado de Jerusalém e exilaram
o Povo Judeu.
Por que jejuamos em 10 de Tevet?
De certa forma, o jejum de 10 de Tevet é
Essa data marca o início da queda de Jerusalém e o extremamente duro, pois, diferentemente dos demais
subsequente exílio do Povo Judeu. Durante muitos anos, jejuns de menor importância, é cumprido mesmo
à época do primeiro Tempo Sagrado de Jerusalém, D’us quando cai em uma sexta-feira. Geralmente, é proibido
enviava Seus profetas para alertar o Povo Judeu que jejuar nas sextas-feiras porque isso interferiria com os
se não melhorassem seu comportamento, Jerusalém e preparativos para o Shabat e não é adequado entrar
o Templo Sagrado seriam destruídos. Muitos judeus, em um dia sagrado sentindo-se faminto. Por esse

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REVISTA MORASHÁ i 94

reconstrução da cidade de david, no início do período do primeiro templo, com base nas eScavações em shiló

motivo, quando os demais jejuns apesar da construção do segundo (246 a.E.C.) eles produziram 72
menores caem na sexta-feira, eles Templo Sagrado, a nação nunca traduções idênticas! Foi um feito
são antecipados para a quinta-feira. se recuperou, de fato, da queda do milagroso, particularmente porque
No entanto, o jejum de 10 de Tevet, primeiro Reino de Israel. O sítio a havia 13 pontos onde os tradutores
como dissemos, deve ser cumprido Jerusalém ocorrido em 10 de Tevet divergiram intencionalmente da
mesmo em Erev Shabat, a véspera de foi, portanto, a origem de todas as tradução literal, para evitar que a
Shabat. Há uma opinião que defende calamidades na História Judaica. Torá fosse mal interpretada por
que se essa data caísse no Shabat, E foi aí que começaram a dispersão não judeus ao ler a tradução. Todos
jejuar-se-ia nesse dia. Isso comprova de nosso povo e todas as provações os 72 sábios traduziram essas 13
a dureza desse dia de jejum, pois e atribulações e tragédias que se passagens da mesmíssima maneira!
mesmo o de Tishá b’Av – que dura seguiram. Apesar desse grande milagre, nossos
uma noite e um dia inteiros - nunca Sábios viram essa tradução da Torá
é realizado no Shabat. Quando Essa data é também o dia da como um dos dias mais trágicos na
acontece de cair no Shabat, o jejum é recordação de dois eventos trágicos História Judaica. Chegaram, mesmo,
adiado para o dia seguinte. que ocorreram nos dias que a compará-lo com o dia em que os
antecederam o 10 de Tevet. judeus fizeram o Bezerro de Ouro.
O jejum do dia 10 de Tevet é tão O primeiro deles ocorreu em
severo pelo fato de ser visto como 8 desse mês e foi a tradução da Aparentemente, a tradução da Torá
o início da cadeia de eventos Torá para o grego. Ptolomeu, o não deveria ser considerada um
que culminaram com a queda imperador egípcio-grego que estava evento negativo. O próprio Moshé
de Jerusalém e a destruição do no poder, reuniu 72 sábios da traduziu a Torá para 70 idiomas.
Templo Sagrado, e o subsequente Torá, isolando-os em 72 aposentos No entanto, diferentemente dessa
exílio do Povo Judeu. Apesar do separados e lhes ordenando que tradução e das traduções de nossos
seu retorno à Terra de Israel após traduzissem a Torá para o grego. No textos sagrados feitas ao longo dos
os 70 anos de exílio na Babilônia e 8º dia de Tevet do ano 3515 tempos, especialmente em anos

15 DEZEMBRO 2016
nossas grandes festas

Homem verdadeiramente
incorruptível, Ezra era também um
ser de grande compaixão, profunda
visão, carisma e erudição quase
sem paralelo. Pode-se dizer que
Ezra HaSofer é o responsável pela
sobrevivência do judaísmo até nossos
dias. Por esse motivo, marcamos o
dia de seu falecimento como um dia
muito triste no calendário judaico.

Como jejuar nos três dias – 8, 9 e 10


de Tevet – seria fora de propósito, os
eventos tristes dos outros dois dias
são incluídos no jejum do dia 10.
Isso condiz com a política rabínica
de reunir as comemorações tristes
aos dias já consagrados ao jejum para
evitar povoar o calendário judaico
com tantos dias de recordações
trágicas. Aliás, essa é a razão pela
qual a celebração que homenageia a
destruição das comunidades judaicas
de Worms, Speyers e Mainz pelos
Cruzados, em 1096, é marcada pelo
recentes, a tradução ordenada O segundo evento trágico que jejum de Tishá b’Av, ainda que essas
pelo imperador egípcio-grego não antecedeu o dia 10 de Tevet foi o destruições tenham ocorrido em
era uma empreitada sagrada nem falecimento de Ezra HaSofer, Ezra, outros meses do nosso calendário.
Divina, mas um projeto humano o Escriba, que morreu no dia 9 desse
motivado por uma intenção mês, do ano de 3448 (313 a.E.C.) – A política de minimização do
maldosa. Portanto, era como um 1000 anos após a entrega da Torá no número de dias de celebração de
bezerro de ouro – um receptáculo Monte Sinai. Nossos Sábios ensinam eventos tristes se tornou prática
definido pelo homem para a que se D’us não nos tivesse dado aceita em toda a História Judaica, até
Verdade Divina. a Torá por intermédio de Moshé, o Holocausto. Como a Shoá não teve
O propósito do imperador ao Ele o teria feito através de Ezra. paralelo na história do Povo Judeu
ordenar a tradução não era Este conduziu o retorno do Povo na Diáspora, como a enormidade
disseminar o estudo da Palavra de Judeu à Terra de Israel após o Exílio da tragédia supera todas as demais,
D’us, mas permitir uma distorção da Babilônia. Ele supervisionou a o Estado de Israel designou uma
do significado original da Torá. construção do Segundo Templo, data especial apenas para o Dia
E, de fato, a tradução grega da fortaleceu o cumprimento das leis da Recordação do Holocausto. Os
Torá ajudou os judeus helenistas a do Shabat e ajudou a pôr fim à onda rabinos, contudo, também atribuem
introduzir a cultura grega na vida de casamentos mistos que dizimava a recordação do Holocausto ao
judaica e a modificar o judaísmo o Povo Judeu à época. Como chefe dia 10 de Tevet. Esse dia, como
de modo a adaptá-lo aos valores da Grande Assembleia de Sábios e mencionamos acima, é quando
gregos e seu estilo de vida. O uso Profetas, a Anshei Knesset HaGuedolá, recitamos o Kadish por aqueles
do idioma grego para traduzir a Ezra compilou os 24 livros do Tanach que foram mortos no Holocausto,
Torá teve amplas ramificações na (Torá, Profetas e Escritos – Torá, mas cuja data de falecimento é
sociedade judaica: minou alguns Neviim e Ketuvim) e, ao instituir desconhecida. Assim, nessa data, não
dos esforços dos rabinos no uma série de práticas judaicas, apenas recordamos nossos 7 milhões
combate ao fascínio que os gregos assegurou a continuação do judaísmo de mártires; também jejuamos e
exerciam sobre os judeus. autêntico entre o Povo Judeu. choramos por eles.

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Um dia de
arrependimento

Há um antigo costume de se
proferir palavras inspiradoras
que despertem a alma para o
arrependimento nos dias de jejum,
como o 10 de Tevet.

Há vários temas sobre os quais


nós, judeus, devemos refletir nesse
dia. Primeiro, devemos ter em
mente que quando o imperador da
Babilônia e suas tropas tomaram
Jerusalém, nenhum judeu podia
entrar na cidade ou deixá-la. Todos
os seus habitantes foram forçados
a viver em comunidade. O Talmud
ensina que: “D’us envia a cura antes
da doença”. O sítio à Jerusalém foi
um exemplo desse ensinamento
talmúdico: D’us deu aos judeus da
cidade a oportunidade de se unirem.
Se assim o tivessem feito, teriam
saído vitoriosos sobre o exército
babilônico. Mas os judeus não se O jejum de 10 de Tevet, nosso povo. Por esta razão, o jejum
uniram e o resultado foi destruição de 10 de Tevet é tão especialmente
e exílio. bem como os de 17 de severo, que não pode ser adiado
Tamuz e 9 de Av, nos nem antecipado nem mesmo
O exílio que se seguiu à queda do quando cai na véspera do Shabat.
recordam que quando
primeiro Templo Sagrado durou
apenas 70 anos, mas a História os exércitos inimigos Desde a queda do segundo
Judaica nunca mais foi a mesma. quiseram destruir o Templo, vivemos no exílio já há
Um segundo Templo foi construído, quase dois milênios. O Talmud
mas era desprovido dos inúmeros Reino de Israel, eles nos ensina que a principal causa
milagres que ocorreram no atacaram Jerusalém. desse exílio foi o ódio entre os
primeiro. Os judeus retornaram à judeus. Quando há harmonia e
Terra de Israel liderados por Ezra, unidade entre nós, judeus, somos
o Escriba, mas eles nunca mais invencíveis. Não precisamos voltar
desfrutaram do mesmo grau de atrás, às histórias do Tanach para
independência que tinham antes. o corroborar. A história de Israel
A queda do primeiro Templo demonstra que quando o Povo
Sagrado foi, portanto, o início de Judeu está unido, o Estado e suas
nosso atual exílio, que durou cerca forças armadas são imbatíveis.
de 2000 anos. Mas, quando há, e que D’us não
o permita, ressentimento e ódio
E o início da queda do primeiro entre nós, o resultado é derrota e
Templo ocorreu em 10 de Tevet. exílio. O sítio de Jerusalém no dia
Isso foi a origem de todos os 10 de Tevet deu ao Povo Judeu
problemas e tragédias que se a oportunidade de remediar a
seguiram ao longo da história de causa do exílio antes que tivesse

17 DEZEMBRO 2016
nossas grandes festas

começado. Infelizmente, o povo Quer em Israel ou na Diáspora, nós A defesa de Jerusalém


não se apercebeu nem se utilizou enquanto povo devemos esforçar-
da cura antes e nem mesmo depois nos para admitir que apesar de Há outra questão sobre a qual
da doença se ter instalado... nossas diferenças religiosas ou devemos refletir no dia 10 de Tevet
políticas, o que nos une é muito – o nosso vínculo com a cidade
Assim como ocorreu da primeira maior do que o que nos separa. sagrada de Jerusalém. Essa cidade
vez, todos os anos o dia 10 de Tevet Não importa quão grande a foi, é e será para sempre a Capital do
é um dia auspicioso para que todos distância política ou religiosa entre Povo Judeu. Jerusalém não é apenas
os judeus se empenhem em curar a nós; é muito, mas muito melhor a capital política do Estado de Israel
causa primária de nosso exílio. Isso viver em paz com nossos irmãos – é também a capital espiritual de
se faz criando harmonia e paz entre judeus do que enfrentar a derrota, o nossa nação. O jejum de 10 de Tevet,
nós e nossos irmãos, o Povo Judeu. exílio e a destruição. bem como os de 17 de Tamuz e 9
de Av, nos recordam que quando os
exércitos inimigos quiseram destruir
o Reino de Israel, eles atacaram
Jerusalém. Perceberam que se a
Cidade Santa caísse, o Povo Judeu
cairia. Jerusalém é o coração da Terra
de Israel. Um Reino de Israel sem
Jerusalém é como um organismo
humano sem coração. Portanto,
precisamos reconhecer Jerusalém
pelo que a cidade é. Devemos
promovê-la e protegê-la. Jerusalém
é o centro espiritual do mundo e a
chave de sua redenção.

Hoje, os inimigos do nosso povo,


como os antigos babilônios e

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romanos, atacam nossa nação indo Netanyahu, criticou-a duramente os judeus e cristãos de fé, no mundo
atrás de Jerusalém. Seu desejo chamando-a de “absurdo”: “Dizer todo. É também um ataque contra a
supremo é extirpar os judeus da que Israel não tem vínculos com História, a verdade e a decência.
única Pátria Judaica para que o Monte do Templo e o Muro
novamente estejamos indefesos, Ocidental é como dizer que a China O dia 10 de Tevet, que marca o sítio
como estivemos durante 2000 anos, não tem vínculos com a Grande a Jerusalém, deve inspirar todos os
quando não tínhamos país nem Muralha ou que o Egito não tem judeus a fortalecer seus laços com
exército. Sua estratégia para executar vínculos com as Pirâmides. Com essa a Cidade Sagrada e com a Terra
esse plano nefasto é tentar criar decisão absurda, a UNESCO perdeu de Israel. E o fazemos estudando e
uma cisão entre o Povo Judeu e sua a pouca legitimidade que lhe restava”. ensinando o Judaísmo, a História
cidade, Jerusalém. Judaica, o passado e o presente de
Quem perpetra uma negação tão nossa Pátria e nossa Capital. Nós
Em outubro deste ano, uma grosseira da História – a ideia de que o fazemos defendendo a verdade
proposta de Resolução aprovada se contarmos uma mentira muitas e combatendo as falsidades,
pela UNESCO, organismo das vezes ela se tornará verdade – segue defendendo nosso direito à Terra
Nações Unidas encarregado da os passos de Goebbels, Stalin e de Israel e aos Lugares Santos de
preservação da cultura e história, Hitler – inimigos dos judeus e da todas as cidades. Acima de tudo,
negou os vínculos do judaísmo a humanidade. Esses ataques contra fortalecemos Israel e Jerusalém
Jerusalém e seus lugares santos. Jerusalém não apenas negam a quando promovemos a paz e a
Essa Resolução não apenas zombou História Judaica, mas também a unidade entre nós, judeus, onde quer
da história – fato irônico já que História do Cristianismo. Negar a que estejamos, seja em Israel ou na
a UNESCO é a encarregada de conexão indissolúvel do Povo Judeu Diáspora.
preservar a história –, mas o que com Jerusalém é declarar não só
talvez seja bem pior: trata-se de uma que o Tanach, mas também a Bíblia
campanha vil dirigida ao coração da Cristã, são falsidades. A Resolução
Bibliografia
nação judaica. A Resolução recebeu da UNESCO e atitudes semelhantes
10 Tevet - Jerusalem Under Siege
ríspidas censuras por parte de Israel das Nações Unidas e de certos países - www.chabad.org
e dos Estados Unidos. O Primeiro é um ataque contra o Judaísmo e The Tenth of Tevet - Rabbi Berel Wein
Ministro de Israel, Binyamin contra o Cristianismo – contra todos - www.aish.com

19 DEZEMBRO 2016
PERSONALIDADE

O GRÃO RABINO
Joseph Haim SitruK, ZT’L

No dia 25 de setembro deste ano de 2016, aos 72 anos,


Rav Joseph Haim Sitruk zt”l, Rabino Chefe da França durante
duas décadas, deixou este mundo. Homem de reflexão e ação,
dedicou a vida a servir nosso povo, lutando para a difusão
do judaísmo e para que as especificidades do judaísmo fossem
respeitadas pela sociedade maior: “Exijo o direito de praticar
a religião judaica no seio da República Francesa!”

E
legante e extremamente carismático, o Seus pensamentos e ensinamentos, suas aulas gravadas
Rabino Chefe Sitruk ztl 1 encantava os em fitas cassetes, circularam durante anos entre judeus
que o ouviam, conseguindo encontrar as que viviam na França e os francoparlantes espalhados
palavras certas para cada situação e para cada pelo mundo. “Sou um caminhante”, costumava dizer,
pessoa. Exímio orador, seu senso de humor “um homem na estrada, na tensão entre dois mundos tão
servia de contraponto ao seu imenso conhecimento e diferentes. Do universo laico que era o meu, no início do
à sua ortodoxia religiosa. As anedotas que pontuavam caminho, passei para o da prática religiosa”. E revelou a
cada um de seus discursos, seus cursos da Torá e as longa caminhada que o jovem judeu tunisino laico fez
entrevistas eram ferramentas que ele utilizava para para chegar ao cargo de Rabino Chefe da França no
capturar a atenção do público e melhor transmitir sua livro Chemin Faisant, Entretiens avec Claude Askolovitch et
mensagem. Ele queria que tanto judeus como não judeus Bertrand Dicale Broché (Ao longo do caminho, conversa
apreendessem a “herança fabulosa e pouco conhecida dos com Claude Askolovitch e Bertrand Dicale Broché).
judeus”. Acreditava que “cada judeu tem uma obrigação:
receber e transmitir nossa herança espiritual” . Os primeiros anos

Em 2001, aos 57 anos, sofreu um devastador Acidente “Jo” Sitruk nasceu em 16 de outubro de 1944 na cidade
Vascular Cerebral (AVC). Sua fé, sua força espiritual de Túnis, capital da República da Tunísia, na África do
e sua perseverança permitiram que se recuperasse. Norte.
Autodenominando-se um “sobrevivente da oração”,
voltou a lutar para a divulgação do judaísmo, contra a Tanto ele como seus 4 irmãos – dois meninos e duas
aculturação e a assimilação dos judeus franceses. meninas, tiveram uma infância feliz. Sua mãe, uma
típica mãe judia tunisina era uma mulher otimista,
cheia de vitalidade. Quando o pai a conheceu ela era
1
Zecher Tzadik Livrachá - Que a memória de um Tzadik seja uma
bênção. Expressão usada após a menção do nome de um tzadik professora de ginástica, algo inusitado na época. O pai
falecido. era um advogado de renome, “um judeu temente a D’us,

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REVISTA MORASHÁ i 94

rabino joseph sitruk na grande sinagoga de paris, 2008

grande admirador da França e um as festas. E sua avó paterna, mais pai do futuro Rabino Chefe será
excelente orador”. Homem de vasta religiosa, lhe “ensinou que D’us é forçado a recomeçar do zero na
cultura, falava um francês perfeito parte da vida, e podemos falar com França.
e era apaixonado pela História. Ele”. Esse ensinamento, escreve
Ele ensinara aos filhos que deviam Rav Sitruk, “marcou meu espírito A vida em Nice
procurar fazer tudo da melhor forma para sempre”.
possível. Os Sitruk se estabelecem em Nice.
Em 1958, dois anos após a Tunísia Assim como outros tunisinos,
Seus pais não eram judeus ter conseguido sua independência possuíam cidadania francesa.
praticantes, em casa falava-se apenas da França, a família Sitruk decide É nessa cidade que a vida do jovem
o francês e mandaram os filhos deixar o país. Com o fim do Jo Sitruk mudaria, pois, como ele
estudar no Lycée Carnot, o liceu domínio francês, iniciado em 1881, mesmo revela, “lá conheci minha
francês. Mas, revelou Rav Sitruk e o crescimento do nacionalismo esposa, minha religião e minha
em Chemin Faisant, que os pais “nos tunisino, alastram-se os distúrbios comunidade”.
transmitiram uma forte conexão contra os judeus. Há temores
com o judaísmo. A religião nos entre a população judaica sobre Em fevereiro de 1959, entra na
foi transmitida como um ponto seu futuro no país, pois, disfarçada organização dos escoteiros judeus,
de referência, uma parte essencial sob o manto de uma convivência os Éclaireurs Israélites de France.
de nossa vida, incontornável e pacífica, sempre existira uma Na época, ele era um “jovem
necessária de nossa identidade (...). latente intolerância em relação aos interessado no futebol e que tinha
Éramos judeus franceses da Tunísia, judeus. paixão por carros”. Suas atividades
franceses e judeus, sem que isso fosse no grupo de escoteiros o ajudaram
algum problema ou nos trouxesse Antes de partir, Rav Sitruk celebra a consolidar sua identidade
qualquer contradição”. Na sexta- apressadamente seu Bar Mitzvá. judaica, pois, em suas palavras,
feira, faziam o Kidush, respeitavam Não podendo levar seus bens, o “descobri uma nova dimensão de

21 DEZEMBRO 2016
PERSONALIDADE

meu judaísmo, que não tinha nada O Grão Rabino de Nice, Saül engenharia só poderia estudar Torá
de religioso. Era minha identidade Naouri, que percebera suas duas horas por dia. E isso não daria
como judeu. A reflexão veio apenas habilidades de liderança e seu para nada...
mais tarde”. interesse no judaísmo, sugere-lhe
estudar no Séminaire Israélite de Ele então decide ir para Paris e
Em pouco tempo ele se sobressai. France, dirigido então por seu sogro, estudar no Séminaire Israélite.
Um líder nato, carismático, realizava o rabino Henri Schilli. Mas, Jo Comunica ao pai que não seguiria
as tarefas rapidamente e com Sitruk estava-se preparando para a carreira de engenheiro, mas sim
eficiência, pois acreditava que a entrar na Universidade e se tornar o Rabinato, e, para sua surpresa,
pessoa não podia descansar “até engenheiro. não encontrou oposição. O pai lhe
que o que está bom esteja melhor, diz: “O que fizeres, tens que fazê-lo
e o que está melhor, esteja melhor Nada acontece por acaso e seu bem feito. Isto é o essencial”. Foi
ainda”. Essa crença irá guiá-lo caminho será traçado quando, após naquele momento que Rav Sitruk
durante toda a vida. Foi nomeado passar no extremamente difícil fez a si mesmo uma promessa, que
“chef de patrouille” (chefe de patrulha exame de admissão para o Institut iria nortear o resto de sua vida: fazer
dos escoteiros) e para ocupar esse National des Sciences Appliquées, o possível e o impossível, com todos
posto decide ser imprescindível não consegue ser aprovado no exame os meios que estavam a seu alcance,
aprender a ler e escrever o hebraico. de Baccalauréat, prova realizada ao para propagar a mensagem do
final do Ensino Médio, da primeira Judaísmo.
A vida de Jo Sitruk deu uma vez, sendo aprovado só na segunda
reviravolta quando ele conheceu e tentativa. Paris
se apaixonou por uma jovem que
também frequentava os Éclaireurs Na época, em suas palavras, Em outubro de 1964 Rav Sitruk
Israélites, Danielle Azoulay. Ela seria “Estava apaixonado pela Torá e o chega a Paris e entra para o
sua esposa e mãe de seus 9 filhos, a Talmud... A vontade de aprender Séminaire Israélite de France.
companheira fiel que o apoiaria e me consumia e eu sabia que se Único no gênero, o instituto não
incentivaria suas escolhas e que o tratava do investimento de toda era uma ieshivá, tampouco uma
ajudou a superar os momentos mais uma vida...”. Se ele fosse cursar universidade, mas uma espécie de
difíceis de sua vida. Com Danielle, síntese das duas. “As aulas eram,
que vinha de um lar mais religioso, evidentemente, dedicadas na maioria
Jo Sitruk deu os primeiros passos aos assuntos judaicos, e eram de
que o levariam a ocupar o posto de altíssimo nível tanto no plano do
Rabino Chefe da França. Judaísmo quanto universitário.
Estudavamos o Talmud, Torá e
“Ela própria me ensinou o alfabeto Filosofia Judaica, mas tínhamos,
hebraico, e a ler o hebraico e a também, cursos de francês, filosofia,
descobrir a beleza dos textos das pedagogia”.
orações”. Em casa, passou a rezar
secretamente. “Tinha receio que No primeiro ano, estando as
minha família fosse rir de mim”. instalações do Seminário em
“Juntos, frequentamos os cursos reforma, Rav Sitruk ficou alojado
dados nos movimentos juvenis pelo na École d’Orsay Gilbert Bloch.
Rabino Saül Naouri”. Esses cursos Criada após a guerra por intelectuais
lhe deram suas primeiras noções judeus, era uma escola para alunos
sobre filosofia e história judaica. de nível universitário, que não
dominavam o hebraico. As aulas
Apaixonou-se pelo estudo da Torá eram principalmente sobre filosofia e
e, aos 17 anos, escreve dirigindo-se a pensamento judaico. Decidido a
D’us: “Ajuda-me a ser digno de Ti. aprender tudo o que pudesse, o jovem
Gostaria de me elevar... Ajuda-me a foto de 6/11/1998. mostra o
rabino chefe deixando o palácio
Sitruk ia de manhã para o seminário
agir segundo a Tua Vontade...”.  presidencial dos eliseus, em paris e à noite assistia as aulas em Orsay.

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REVISTA MORASHÁ i 94

Continuou a atuar nos Escoteiros,


pois assim que a liderança nacional
soube que ele estava em Paris, foi
encarregado de treinar líderes em
nível nacional.

Em dezembro de 1965 ele se casa


com Danielle. Para se sustentar,
ele passa a dar aulas de preparação
de meninos para o Bar Mitzvá e
Danielle, que abandonara sua carreira
de concertista, dava aulas de piano.
Dois dos filhos nasceram durante o
período que ficou em Paris.

Na época, a comunidade judaica


parisiense estava se reestruturando.
A 2ª Guerra deixara duras marcas
e precisavam integrar um grande
número de judeus do Norte da
África. Ademais, “Havia certa
reserva em relação à prática religiosa;
o judaísmo “consistorial” (pregado
pelo Consistoire – a Confederação
Judaica da França) era, em princípio, onde ele é encarregado de cuidar dia de estudos que cai no dia 7 do
ortodoxo, mas era uma ortodoxia da juventude. Logo a seguir se mês de Adar, dia do aniversário
aberta, “à la française”. torna assistente do Grão Rabino de nascimento e morte de Moshé
da cidade, Max Warchawski. Rabeinu.
Formado, em março de 1969, Rav Rav Sitruk, um rabino sefaradi,
Sitruk aceita o posto de rabino iria trabalhar em meio a uma No ano seguinte à sua chegada, o
em Estrasburgo. Mas pede à importante comunidade asquenazi. Rabino Sitruk e sua esposa passam
comunidade permissão de estudar por uma tragédia pessoal: seu filho,
por alguns meses em Israel. Nessa cidade ele vai aprender, que nascera com uma malformação
na prática, qual o trabalho de no coração, morre depois de alguns
Rav Sitruk e sua família vão para um rabino. “Em Paris, aprendi a meses. “Depois de ter vivido essa
Israel. Foi em Bnei Brak que ele teoria... Em Estrasburgo, estava, dolorosa experiência, eu compreendo
descobriu o mundo das ieshivot como se diz, ‘em campo’ ”. Rav melhor as pessoas. A dor nos afasta e
lituanas. Ele passa a estudar na Sitruk acreditava que “se os homens eu acredito que a melhor maneira de
ieshivá Cheerit Yossef, em Be’er ocupados não têm a oportunidade se aproximar dos que sofrem é tendo
Ya’akov, a uns 30 km de Bnei Brak. de se aproximar da beleza dos empatia, dividindo a dor com eles”.
A ieshivá é dirigida por Rav Nissim Textos Sagrados, de se aproximar
Toledano, que se torna seu mestre. sozinhos da Torá, então cabe a mim Foi também em Estrasburgo que
Lá o futuro Rabino Chefe da França me tornar um dos mensageiros o Rabino Sitruk testemunhou o
vive em uma atmosfera de estudo que permitirão que a Torá chegue ódio antissemita. Ele tinha ido
24h por dia. até eles. Esta crença será minha assistir, com um grupo de jovens
bússola”. da comunidade, a uma partida de
Estrasburgo futebol. Um dos jogadores, judeu,
Em Estrasburgo o rabino prova perdeu um pênalti e, de repente,
O Rabino Sitruk e sua família ser um formidável catalisador da Rav Sitruk viu “duzentas, trezentas
voltam à França em abril de 1970 juventude judaica. Ademais, ele pessoas que berravam de todos os
e se estabelecem em Estrasburgo, institui o Yom Ha-Limud, um lados, “morte aos judeus”, “judeus

23 DEZEMBRO 2016
PERSONALIDADE

– e continuo tendo – a vontade de


desenvolver o estudo, a educação e a
proximidade com a Torá”.

Sua primeira eleição ocorreu


num contexto histórico específico.
Os judeus do Norte da África, que
haviam revitalizado numericamente
e espiritualmente a comunidade
judaica na França, sentiam-se
afastados dos grandes cargos
comunitários de tomada de decisão.

Surgem preocupações, em alguns


meios comunitários, com a
ortodoxia do Rabino Jo Sitruk. É o
presidente do Consistório à época,
Jean Paul Elkann, judeu secular,
nos fornos” e outras barbaridades Durante os 13 anos que ficou quem responderá a esses temores:
e ninguém no estádio conseguia em Marselha, Rav Sitruk e sua “Tendo o contexto religioso da
fazê-las se calar. “E ali, de repente, equipe do Rabinato restruturam a França  evoluído, o Rabino Chefe
eu entendi o que se esconde na comunidade e a elevaram aos pontos deve seguir uma ortodoxia absoluta.
sombra, agachado como um animal mais altos da espiritualidade e de Ele deve ser ortodoxo mas aberto
que, de um instante para outro, atividades comunitárias. Foram aos demais, sem ter uma atitude
pode ressuscitar – é o ódio ao judeu, abertas novas sinagogas e escolas de exclusão dos judeus seculares...
vítima expiatória que permite às judaicas. Cursos foram criados, Era necessário dar aos judeus da
vezes cristalizarem-se sobre ela todas ampliando o estudo da Torá. França outras razões, além do Caso
as frustrações ou os erros”... Criaram-se inúmeras atividades Dreyfus, da lembrança da Shoá ou da
para os jovens. “Na sinagoga, uns defesa de Israel, para serem judeus
Grão Rabino de 20 fieis vinham em Erev Shabat, no presente”.
Marselha apenas o dobro no sábado pela
manhã. Quando eu os deixei, eram Rav Sitruk era a escolha certa. Ele
Em 1975, os líderes comunitários praticamente 400”... vinha da vida laica. Apesar de ter
de Marselha queriam contratar um se tornado um rabino ortodoxo era
rabino jovem, ativo, que pudesse Na década de 1980, a reputação do ainda ligado às “trivialidades” da vida
dar um novo ânimo à comunidade. Rabino Jo Sitruk já se espalhara por secular – uma descoberta científica,
Convidaram Rav Sitruk que decide toda a França, e a escolha de seu o futebol, os automóveis. Ele não
assumir o desafio, contanto que nome para Rabino Chefe do país tinha nada para “assustar” os judeus
levasse consigo outros dois rabinos não surpreendeu. mais afastados – ele os seduzia,
jovens. simplesmente.
Rabino Chefe
Era uma Kehilá desestruturada da França Ao examinar seu papel de Rabino
e nenhum rabino queria ir para Chefe, Sitruk escreveu: “Tornar-
lá. Entre outros, a comunidade Em 1987, Rav Sitruk é eleito para o me uma personagem pública
de Marselha precisava acomodar cargo de Rabino Chefe. Foi reeleito com tudo o que isso implica de
judeus do Norte da África. Lembra por outros dois mandatos de 7 anos impessoal. Reconheço que esse é o
o Rabino: “Era preciso começar cada. Ele afirmava que sua ambição lado mais ingrato do papel de Grão
do zero, reunir todos os judeus da era “rejudaizar os judeus”. Ele lembra Rabino da França, e é contrário a
comunidade. A população judaica em Chemin Faisant que o “programa meu temperamento de homem de
tinha-se multiplicado por doze. Foi que expus ao me candidatar, em consenso”. Durante seu mandato,
uma verdadeira epopeia”... maio de 1987, não mudou.Tinha ele manteve um contato ainda mais

24
REVISTA MORASHÁ i 94

direto com os judeus da França.


“Esforço-me de visitar o maior
número possível de comunidades,
de participar de eventos
familiares, de ensinar o Talmud
e o pensamento judaico. Em
uma palavra, de continuar sendo
simplesmente um rabino”.

Representante oficial dos judeus


da França, ele manteve boas
relações com autoridades francesas
e com os governantes do país, de
modo a solucionar as necessidades
da comunidade judaico-francesa.
Eram principalmente estreitas
com joseph safra na sinagoga beit yaacov - veiga filho
com os presidentes François
Mitterrand e Jacques Chirac,
sendo amigo pessoal de Valéry decide dar uma palestra, todas as pela televisão de Quebec e podiam
Giscard d’Estaing. Recebeu das segundas-feiras, à noite. Mais de ser assistidas no YouTube.
mãos de Mitterand a comenda da 1.500 pessoas compareciam. Essas
Legião de Honra, em dezembro palestras e outros cursos eram O Rabino Chefe era incansável.
de 1992. Em 2007, foi elevado ao gravados em fitas cassetes. Há mais Deslocava-se a todos os lugares na
grau de Comendador da Legião de 150 temas gravados e 300 mil França e até mesmo no exterior para
da Honra. cópias foram distribuídas em todas transmitir sua mensagem. Veio ao
as comunidades judaicas de língua Brasil nos dias 7, 8 e 9 de março
Suas relações com a Igreja francesa. E nos últimos anos, eram de 1995. E também 18 e 19 de
Católica na França também gravadas em vídeo e transmitidas novembro de 1996.
foram boas. Autoridades
francesas seculares e religiosas lhe Dois anos após sua posse organizou
agradeceram por sua atuação no um dia dedicado à Torá, o Yom
ato de arrependimento realizado Hatorá, em Le Bourget no Parque
em Darcy, em 1997, quando Floral de Paris, ao qual convidou
os bispos franceses leram uma toda a comunidade para um tipo
declaração de arrependimento e de “quermesse de fé”. Era uma das
pedido de desculpas por terem primeiras vezes que a comunidade
permanecido em silêncio durante judaica francesa saía da discrição
o Holocausto. auto-imposta que a caracterizava,
após a 2ª Guerra, para assumir
Durante seu mandato, procurou abertamente seu judaísmo.
aproximar e unir os judeus da Contrariamente às expectativas
França. Seu principal objetivo pessimistas dos líderes comunitários,
sempre foi levar o judaísmo aos 35 mil pessoas compareceram ao
judeus. “Somos os fiadores da evento. Foi o primeiro de vários Yom
mensagem da Torá”. HaTorá que se seguiriam nos anos
seguintes, com igual sucesso.
Quando assumiu o primeiro
mandato como Rabino Chefe, A juventude logo se sentiu cativada
a grande Sinagoga de la Victoire por esse rabino ortodoxo, um líder
era praticamente deserta. Ele carismático que fala sua língua,
lhe dará um novo élan quando entende seus problemas e não hesita

25 DEZEMBRO 2016
PERSONALIDADE

o presidente Jacques Chirac, à esq., condecora o rabino chefe da frança com a medalha de comandante da legião de
honra, no palácio dos eliseus, em 16/03/2007

em pontuar seu ensinamento com cultural e religiosa das diferentes judeus inspiraram os ideais dos
humor. São eles que vão alavancar o comunidades”. Ele queria que a direitos humanos da Revolução
judaísmo francês. sociedade francesa reconhecesse Francesa. A religião judaica respeita
e respeitasse as especificidades o secularismo, que representa um
Em poucos anos Sitruk havia do judaísmo, que fosse permitido grande progresso para a sociedade”.
realmente revolucionado o aos judeus respeitar seus feriados
judaísmo da França. Ele não era religiosos. Conseguiu que nas escolas Um sobrevivente
contra os judeus seculares, mas não fossem marcados exames no da oração
pedia que fossem respeitados os Shabat e nas festas religiosas. Com
judeus praticantes. Para ele, “o isto, permitiu que um número O Grão Rabino não se poupou,
secularismo não é outra coisa senão muito grande de estudantes judeus indo de um canto a outro para dar
o reconhecimento da liberdade respeitassem a Lei Judaica e suas palestras, cursos, procurando resolver
tradições. os problemas comunitários; era
incansável. E essa atividade intensa
O Grão Rabino Sitruk amava teria um preço doloroso.
Eretz Israel e nunca se dissociava
do Estado de Israel. Sobre as Em dezembro de 2001, com
acusações de dupla lealdade, ele 57 anos, enquanto estava celebrando
considerava que os judeus franceses em Sarcelles o casamento da filha de
“não tinham nenhum problema sua secretária, sofreu um Acidente
na questão França e Israel. Eles os Vascular Cerebal (AVC) muito
amam como a um pai e uma mãe, grave. A hemorragia cerebral foi
como dois amores muito diferentes muito séria e o estado de saúde de
e não contraditórios, desejando Sitruk era gravíssimo. Os médicos
ainda que esses dois países se amem alertaram a família de que ele tinha
muito...”. Ele não cansava de repetir apenas 1% de chance de sobreviver à
que na França “a comunidade judia primeira noite após o ataque.
é perfeitamente integrada; vive
na França há mais de 2 mil anos, O Grão Rabino conta em sua obra
antes da época galo-romana. Os Rien ne vaut la vie (Nada vale mais

26
REVISTA MORASHÁ i 94

do que a vida) que “não é o homem


quem cura, mas D’us. O homem é
apenas Seu emissário. E, sem prestar
mais atenção às recomendações
dos médicos, minha esposa deu
a palavra de ordem: orar”. Ela
toma a iniciativa e pede a toda a
comunidade para rezar pela vida e
saúde de Yossef ‘Haïm’ ben Emma
Sim’ha. Segundo a tradição judaica,
é permitido modificar o nome de
uma pessoa para afastar uma doença
grave. Foi, portanto, adicionado
o nome Haim, que significa
“vida” ao seu. Relata ainda o Grão
Rabino que o grande cabalista Rav
Kadouri pediu, contrariamente ao
procedimento comum, que o novo
prenome antecedesse o antigo, para
na cerimônia de 40 anos da fundação do movimento beit chabad-lubavitch de
que o novo nome – Yossef Haim – paris. fev. 2008
significasse “que acrescenta vida”.
aos Cristãos”: “Para nós, ser judeu, Desde o anúncio de seu
Depois de 26 dias Rav Sitruk é crer em D’us, amar o homem e falecimento, as reações se
acorda. Pouco a pouco, volta a respeitar a Terra de Israel. Esconder multiplicaram. Com seu prematuro
si. Claro que estava fisicamente qualquer um destes aspectos é desaparecimento, a comunidade
muito fraco, mas recupera a fala, diminuir a mensagem judaica”. Face judaica da França perdeu sua
todas suas faculdades mentais, e ao ressurgimento do antissemitismo figura de proa. Raramente um
credita esse milagre às milhares na França, o Rabino Sitruk multiplica desaparecimento teria suscitado
de orações recitadas em prol de seus apelos à Aliá. tanta emoção. “É como se tivéssemos
sua cura. Definindo-se como um perdido um pai, um amigo, um
“sobrevivente da oração”, ele inicia Nos últimos anos, ele lutou confidente”.
uma segunda vida. O Grão Rabino bravamente contra a doença que
da França volta às suas funções, mas afetou seu rosto. O ex-chefe de Estado francês,
não é mais o mesmo homem. “Sem Nicolas Sarkozy, escreveu:
dúvida adquiri um sentido mais “Com a morte do Grão Rabino
agudo deste dom Divino que é a da França, Joseph Haim Sitruk,
vida...”. a República perde uma grande
figura, que marcou duradouramente
Em 2008, Joseph Haim Sitruk deixou o judaísmo francês”. Milhares de
o cargo de Rabino Chefe, após perder pessoas se reuniram em redor da
uma eleição muito disputada para sinagoga Bet Halevi em Jerusalém
Gilles Bernheim. para prestar sua última homenagem
e despedidas àquele que foi seu
Ele volta a se dedicar ainda verdadeiro pastor espiritual,
mais ao estudo, ao ensino e às encaminhando ao seio da Torá
orações. Aproxima-se, agora, milhares e milhares de judeus.
consideravelmente, da comunidade Que D’us possa consolar sua esposa,
francoparlante de Israel e passa Rabanit Danielle Sitruk, seus filhos,
mais tempo nesse país. Manteve-se e toda a sua grande família, os
sempre fiel ao que afirmou em 1998 judeus da França. E, que sua alma
no programa de entrevistas “Face descanse em paz. Amén.

27 DEZEMBRO 2016
HISTÓRIA

um evento glorioso
POR Zevi Ghivelder

O ano de 2017 assinalará o 120o aniversário da realização


do Primeiro Congresso Sionista Mundial, ocorrido a partir do
dia 25 de agosto de 1897 na cidade de Basileia, Suíça. Este evento,
um dos mais impactantes na vida judaica em todos os tempos,
deveu-se à visão, talento, audácia e perseverança de um jovem,
então com 37 anos, húngaro de nascimento e vienense de
formação, chamado Theodor Herzl.

S
e ele não tivesse morrido tão moço, de tal natureza e a partir da qual a vida judaica perderia
em 1904, apenas sete anos depois do estabilidade em toda a diáspora. Os adversários do
formidável êxito do Congresso, seria viável sionismo consideravam o nascente movimento uma
que viesse a presenciar em Tel Aviv, aos 88 utopia e uma loucura. Dois dias depois de desembarcar
anos de idade, a concretização de seu ideal: na Basileia, Herzl fez a seguinte anotação em seu
o renascimento da pátria judaica em sua terra ancestral. Diário, que tinha começado a escrever em Paris, dois
anos antes.
A pequena cidade de Ischl é uma estância mineral e
turística localizada no distrito de Gmuden, na Áustria. Basileia, 27 de agosto.
Ali Theodor pretendia repousar por algum tempo e Dias de Congresso! Quando aqui cheguei, anteontem,
ganhar forças para comandar o Congresso Sionista fui direto para o escritório que a prefeitura da cidade
que teria início dentro de poucos dias. Entretanto, em colocou à nossa disposição. Era a loja vazia de um
vez de descansar, aborreceu-se por causa das cartas que alfaiate e mandei cobrir o letreiro na porta para
havia trocado com sua mulher, Julie, que se recusava evitar possíveis piadas de mau gosto. Fui comer no
a acompanhá-lo na viagem à Suíça. Ela dizia que restaurante Braunschweig onde a comida é bem ruim.
se havia casado com um rapaz elegante e mundano, Os trens trazem delegados vindos de todas as partes,
escritor e intelectual, e não com o líder de uma salpicados de carvão por causa de suas longas jornadas,
causa étnica cujo desfecho nem ele mesmo conhecia. a maioria com boas intenções, poucos com más.
Sentindo-se profundamente solitário, Theodor Herzl
embarcou num trem rumo à Basileia. Durante a Em seguida, Herzl foi inspecionar o local reservado
viagem com certeza lembrou-se dos violentos ataques para o Congresso. As pessoas que o haviam precedido,
sofridos por parte dos antissionistas e que inclusive encarregados dos preparativos do Congresso, tinham
se avolumaram quando foi anunciada a realização do reservado um salão localizado num primeiro andar, em
Primeiro Congresso. Diziam que jamais, em dois mil cima de uma cervejaria, transformado em academia
anos, os judeus se haviam reunido numa assembleia de ginástica. Herzl ficou furioso. No seu entender, um

28
REVISTA MORASHÁ i 94

Theodor Herzl abre o 2o Congresso Sionista, na Basileia, 1898

evento da magnitude que pretendia, Aos poucos, os delegados capricho, mas assim mesmo houve
tinha, antes de tudo, que se destacar começaram a desembarcar na uma correria em busca das lojas
pela imponência. estação de trem da Basileia, muitos de aluguel de roupas na cidade
cobertos por fagulhas de carvão, para a alegria dos comerciantes
Assim, conseguiu alugar o belo salão porque aquele ainda era o tempo locais. Nas vésperas da abertura
principal do Cassino Municipal da das marias-fumaças e eles tinham do Congresso, as ruas estreitas da
Basileia. Ancorado em seu senso viajado com as janelas abertas da Basileia continham uma ruidosa e
performático, apaixonado que era segunda-classe. Os mais abastados inusitada paisagem humana: jovens
pelo teatro, mandou forrar o chão usufruíam do conforto das cabines estudantes de Kiev, Estocolmo,
com um tapete verde e erguer um fechadas. Eram 208 delegados, Montpellier, Berlim, Viena e muitas
elevado, coberto por um feltro da a maioria homens, vindos de 16 outras localidades; rabinos sisudos
mesma cor, no qual seria colocada países. Eles ficaram surpresos dedicados aos estudos bíblicos
a mesa principal do conclave. Seu com a primeira recomendação de e talmúdicos com seus trajes
companheiro de jornada desde os Herzl: todos deveriam comparecer característicos; judeus seculares
primórdios do movimento sionista, às sessões com traje escuro, de vestidos de acordo com a última
David Wolfsohn, ponderou-lhe que preferência fraque, camisa e moda ocidental; ricos homens
na entrada do recinto deveria haver gravata branca, de negócios
uma bandeira. Sugeriu um ponto de preferência do da Romênia
de partida: “Algo semelhante aos tipo borboleta, e da Hungria;
nossos talitim (xales de oração) com tudo coroado por professores
fundo branco e listras na cor azul às uma cartola. Claro universitários de
quais poderemos acrescentar uma que a maioria dos Heidelberg e de
Estrela de David”. Assim nasceu o delegados não
esboço da futura bandeira do estado tinha recursos CONVITE PARA O
PRIMEIRO congresso
judaico. para tanto SIONISTA.

29 DEZEmbro 2016
HISTÓRIA

Sofia; editores de jornais em iídiche um consagrado estadista. Seguindo


de Varsóvia, Cracóvia e Odessa; o mesmo modo de agir, qualquer
médicos, advogados e engenheiros delegado que quisesse falar-lhe
ao lado de pequenos lojistas do pessoalmente deveria agendar uma
leste europeu; um grupo seleto de audiência com hora marcada. Certa
advogados vienenses e dezenas de tarde, Herzl recebeu um grupo
jornalistas de publicações judaicas de rabinos que saíram radiantes e
do mundo inteiro que faziam do sorridentes da dita audiência. Um
sionismo uma devoção sagrada. de seus auxiliares ficou surpreso
Dentre todos avultava a figura do com aquela cena inesperada e
filósofo Max Nordau, com sua vasta indagou a um dos rabinos: “O que
cabeleira grisalha, o único judeu de aconteceu? Ele por acaso prometeu
verdadeira fama internacional. que de hoje em diante só vai comer
casher e que vai respeitar o Shabat?”
Em meio àquele caleidoscópio O rabino respondeu: “Nada disso,
humano, Theodor Herzl era o muito pelo contrário. Se ele nos
único que tinha um claro objetivo tivesse dito que, de súbito, se havia
traçado em sua mente. Com o tornado um judeu observante,
maior empenho e boa vontade, nós temeríamos que ele poderia
os delegados discutiam e se querer se apresentar e se impor
impregnavam de ideias. Herzl como um Messias”. Mas, tais
focava exclusivamente o poder. momentos de descontração eram
Ele estava convencido de que tudo raros. Herzl fazia questão de adotar
dependia dele e que ele deveria desde a manhã até a noite um
assumir a responsabilidade por comportamento solene.
tudo. Antes ainda do início dos
trabalhos do Congresso, entrou em A verdade é que ele estava
contato com as autoridades suíças, preocupado com o impacto que o
perante as quais compareceu com Congresso poderia causar junto aos
postura impecável, como se fosse judeus religiosos porque o sionismo
era, até então, um movimento de
caráter estritamente secular. Foi
no sentido de demonstrar sua
abrangência de comprometimento
que decidiu comparecer à sinagoga
da Basileia, no sábado pela
manhã, véspera da abertura dos
trabalhos do Congresso. Durante
o serviço foi chamado para recitar
um trecho da Torá. (Depois
confidenciou a um amigo que ficou
mais nervoso do que por ocasião
de todos os discursos que havia
pronunciado na vida). Contudo,
saiu-se bem, sem cometer um só
erro. No mesmo dia, esclareceu
aos delegados que os fraques e
cartolas só seriam obrigatórios no
primeiro dia. Depois poderiam
comparecer com ternos escuros.
cassino na basileia, sede dos 1OS congressos sionistas Max Nordau ficou uma fera.

30
REVISTA MORASHÁ i 94

Disse que não aceitava aquilo de para interrompê-lo quando Lippe


jeito nenhum porque se tratava de começou a recitar em hebraico a
uma das “mentiras da civilização” prece do Shehecheianu: “Bendito
contra as quais ele sempre se Sejas Tu, Ad’nai, Rei do Universo,
insurgira. Mas, depois de discutir que nos deste vida, nos mantiveste e
com Herzl, acabou concordando nos fizeste chegar até este dia”. Um
em vestir o controvertido fraque. frêmito de emoção inundou todo o
Isto porque Herzl o convenceu salão. Em seguida, Lippe pegou o
com o seguinte argumento: “Eu martelo presidencial e o estendeu
tenho esse Congresso desenhado na direção de Herzl, que havia sido
na minha cabeça assim como um eleito presidente do Congresso por
empresário de teatro antecipa um aclamação, dizendo: “Tudo o que
espetáculo. Quero tudo muito precisamos, é de uma pátria”.
solene e muito formal, não por Os delegados o aplaudiram de
causa da importância que o mundo pé e ficaram batendo palmas por Max Nordau
exterior possa nos dar, mas para que incríveis quinze minutos, impedindo
os delegados deem importância a si que Herzl, ao centro da mesa e de
mesmos”. posse do martelo, pudesse iniciar
seu discurso. Finalmente, conseguiu
Era enorme a expectativa na manhã falar: “Nós estamos aqui colocando
de domingo, dia 25 de agosto. a pedra fundamental de uma O antissemitismo
O salão estava arrumado conforme construção que no futuro há de
as instruções de Herzl: ao fundo, abrigar a nação judaica. É uma tarefa primeiro causou aos
sobre uma plataforma, a mesa da tão grandiosa que a ela não devemos judeus do nosso
presidência; do lado direito, mesas nos referir com termos comuns. Nos
para as estenógrafas; do lado dias de hoje, com tantos progressos
tempo uma impressão
esquerdo, mesas para a imprensa. em tantos respeitos, constatamos que de espanto. O espanto
A curiosidade na cidade era tão continuamos assolados pelo velho deu lugar à dor e ao
grande que centenas de cidadãos ódio. O antissemitismo primeiro
suíços superlotaram o salão do causou aos judeus do nosso tempo ressentimento.
Cassino Municipal, obrigando
a colocação de cadeiras extras.
Faziam questão de assistir a um
acontecimento que lhes era tão
bizarro quanto inusitado: um
pomposo congresso só de judeus.

O século 19 jamais havia


presenciado algo parecido.
Os trabalhos foram abertos pelo
Dr. Karl Lippe, da Romênia,
veterano líder do movimento
Hovevei Sion (Amantes de Sion),
que havia sido criado antes
ainda que Herzl tivesse escrito
O Estado Judeu e dado início ao
movimento sionista. Ele falou por
trinta minutos, contrariando o
regulamento que destinava apenas
dez minutos a cada orador. Herzl Nahum Sokolow com os participantes do Primeiro Congresso Sionista Mundial
ficou irritado e estava pronto em Eretz Israel, na Herschel Farbsteins House, Jerusalém, 1938

31 DEZEmbro 2016
HISTÓRIA

uma impressão de espanto. disputando uma simultânea


O espanto deu lugar à dor e ao de xadrez com 32 oponentes”.
ressentimento. Talvez os nossos Antes ainda que as comissões
inimigos nem saibam de que forma concluíssem suas tarefas, Max
tão profunda feriram as nossas Nordau foi incumbido de redigir
sensibilidades. Desde tempos um documento que se tornou
imemoriais o mundo tem sido conhecido como o Programa
mal informado a nosso respeito. da Basileia. Alguns delegados
O antissemitismo sempre nos julgavam que o referido texto
fortaleceu. O sionismo é o retorno deveria ser assertivo e até mesmo
ao judaísmo, antes mesmo do nosso formular algumas exigências junto
retorno à pátria judaica”. às grandes potências da época.
Em seguida, a palavra coube a Max Outros preferiam uma declaração
Nordau. “Aqueles que nos odeiam, mais diplomática e envolvente.
não nos vêm na condição de seres Nordau optou pela segunda
humanos. Nos odeiam porque têm corrente, circunscrevendo-se a
ódio aos judeus. Os países que um tom moderado. Num dos
emanciparam os judeus acabaram parágrafos, por exemplo, escreveu:
se arrependendo e voltaram às “O objetivo do sionismo é criar um
Com o Kaiser Guilherme
velhas práticas. A única exceção é a lar para o povo judeu na Palestina,
Inglaterra, onde os postulados em assegurado pela lei pública”. De
papel se tornaram efetivos na vida propósito não havia escrito Lar
real. Mas, quantos judeus vivem na meu lugar na mesa presidencial. Nacional porque a Palestina
Inglaterra? Se amanhã milhares de Mandei cartões postais do pertencia ao império turco e
judeus do leste europeu emigrarem Congresso para meus pais, minha seu Sultão poderia interpretar o
para a Inglaterra, não tenho dúvida mulher, e para cada um de meus sionismo como um movimento
de que esta se comportará como a filhos, Pauline, Hans e Trude. subversivo. Houve quem
França e a Alemanha se comportam Talvez essa tenha sido a minha mencionasse que, em vez de lei
hoje em dia”. Quando concluiu, única infantilidade desde que o pública, o mais correto seria fixar
Herzl o abraçou e disse em latim, na movimento teve início, há dois o conceito de lei internacional.
maior sofisticação: “Momentum aere anos. Herzl contra-argumentou
perenius, um monumento mais sólido dizendo que a expressão lei
do que o bronze!” No dia seguinte, No segundo dia dos trabalhos, internacional poderia dar ao Sultão
tornou a escrever em seu Diário. Herzl preocupou-se em dividir a impressão de que o sionismo
os delegados em diferentes visava ao desmembramento
Basileia, 30 de agosto comissões que tratariam dos do império otomano. Ao que
temas mais diversificados. Seguia, Nordau acrescentou: “Os judeus
Não preciso contar a história de assim, os procedimentos que que lerem nosso Programa vão
ontem. Já está sendo escrita por tinha acompanhado durante entender muito bem o que
outros. Eu estava calmo e anotei os bastante tempo no parlamento estamos dizendo”. Os relatórios
mínimos pormenores ocorridos ontem. da França quando ali atuara apresentados pelas comissões
Agora tenho que interromper para como correspondente do jornal surpreenderam Herzl por suas
comparecer a uma sessão durante a austríaco Neue Freie Presse. visões realistas e factíveis. Os
qual não anotarei os detalhes até que (Ficou muito desgostoso pelo delegados haviam concordado
embarque no trem que me conduzirá fato de a Presse não ter enviado que deveria haver um fluxo de
de volta. Max Nordau está de um jornalista para fazer a trabalhadores agrícolas e de
mau humor porque na conferência cobertura do Primeiro Congresso trabalhadores de um modo geral
preliminar não foi eleito presidente. Sionista Mundial). Minucioso para a Palestina; que o movimento
Mas, aos poucos, consegui animá- como sempre, acompanhou de sionista deveria estender-se em
lo. Fiquei mobilizado quando fui perto os trabalhos de todas as forma de organizações formais no
aclamado para a presidência e ocupei comissões: “Parecia que eu estava maior número possível de países e

32
REVISTA MORASHÁ i 94

sempre respeitando as leis de cada Tal como Herzl pretendia, as obstáculo no seu caminho”. De
um deles; que houvesse grande grandes potências não ficaram qualquer maneira, e a despeito das
empenho para incutir nos judeus indiferentes ao Primeiro Congresso animosidades, uma simples conta
de todo o mundo consciência e Sionista Mundial. A legação da revela o insondável dom profético de
sentimento de caráter nacionais; Áustria em Berna mandou um Theodor Herzl: o que ele anotou no
que os mais diferentes governos relatório para Viena dizendo que Diário em 1897 tornou-se realidade
do mundo reconhecessem os a intenção de ser criado um estado em 1947, ou seja, exatamente 50
objetivos do sionismo. (Para judaico na Palestina tinha como anos depois do que escrevera no seu
Herzl este era um ponto origem a ação de um grupo de Diário e guardara para si mesmo.
fundamental porque somente socialistas radicais da Alemanha.
através dele poderia continuar O cônsul da França na Basileia No dia 29 de novembro daquele
atuando em nível diplomático mandou para Paris uma mensagem ano, a Assembleia Geral das Nações
conforme já vinha fazendo no irônica segundo a qual os judeus Unidas aprovou o plano de partilha
decorrer dos últimos dois anos, tinham enlouquecido com a da antiga Palestina, dando origem à
ou seja, desde a publicação de seu perspectiva de recriar o reino de criação do Estado de Israel.
livro, O Estado Judeu, que tinha Sion e acrescentou: “Claro que A par disso, é necessário destacar
incendiado as massas judaicas). não vão conseguir o que imaginam que a inigualável trajetória pública
porque o sionismo não passa de uma de Theodor Herzl teve a duração de
Encerrado o Primeiro Congresso, invenção des juifs du journalisme”. apenas nove anos, desde a publicação
Theodor Herzl embarcou rumo A legação alemã em Berna foi de O Estado Judeu até sua morte
a Viena e ali escreveu um texto a que deu maior importância precoce, aos 44 anos de idade. Em
extraordinário em seu Diário. e produziu para Berlim o mais termos da ação de um estadista,
longo relatório sobre o Congresso. mesmo sem ter tido um estado, esse
Viena, 3 de setembro. Quando o recebeu, o Kaiser escreveu tempo corresponde a um ínfimo
na margem da página: “Estou grão no curso da história. Para citar
Na Basileia e no percurso para inteiramente de acordo com que somente um exemplo recente, a
casa, eu estava muito exausto esses judeuzinhos sigam para a carreira política de Shimon Peres,
para fazer anotações embora elas Palestina. Quanto antes forem, outro admirável judeu, se estendeu
sejam mais necessárias do que melhor. Não colocarei qualquer por 70 anos.
nunca e porque outras pessoas
decerto já fizeram registros de que
o nosso movimento ingressou na
corrente da história. Se eu tiver
que resumir em uma palavra -
da qual eu vou me restringir de
pronunciá-la em público - é a
seguinte: na Basileia eu fundei o
Estado Judeu. Se eu disser isso hoje
em voz alta, serei alvo de uma
gargalhada universal. Talvez
em cinco anos, e certamente em
cinquenta, o mundo inteiro
tomará conhecimento disso. Porque
a fundação de um estado depende
da vontade do povo de ter um
estado. Na Basileia, portanto,
eu gradualmente me empenhei
para que as pessoas absorvessem a
vontade de ter um estado e fiz com
que sentissem que estavam numa Theodor Herzl a bordo do Imperator Nikolaus II com Max Bodenheimer,
assembleia nacional. Moritz Schnirer e David Wolfssohn (esq. para dir.)

33 DEZEmbro 2016
HISTÓRIA

De tudo que li, pesquisei e refleti


PENSAMENTOS DE HERZL
sobre este Primeiro Congresso, há
duas passagens que me tocam de
forma muito intensa. A primeira
foi quando Herzl caminhou entre
os assentos dos delegados, rumo
à mesa da presidência, e ouviu-
se uma voz forte que ecoou no
salão: “Temos um rei!”. A segunda
tem como foco o encerramento
do Congresso. Herzl assumiu a
palavra e pediu desculpas por algum
deslize que pudesse ter cometido
no decorrer do andamento dos
trabalhos, acrescentando: “De
qualquer forma, alcançamos algo
muito importante”. Em seguida os
delegados lhe dedicaram um voto
de louvor e Herzl proclamou: “Está
encerrado o Primeiro Congresso
Sionista Mundial!”. Mas mal foi
possível ouvir sua voz porque
suas palavras foram sufocadas
por estrondosos aplausos. O que
aconteceu em seguida, o prestigiado
jornal austríaco Die Welt admitiu
que era impossível descrever com
simples palavras. Durante longo
tempo os homens se beijavam e se
abraçavam enquanto as mulheres
agitavam lenços brancos. Algumas
pessoas começaram a cantar e
outras a dançar em cima das mesas,
até que todos exclamaram em
uníssono: “No ano que vem em
Jerusalém!”

Bibliografia
Elon, Amos, Herzl, editora Holt,
Rinehart e Winston, EUA, 1975.
Chouraki, Andre, A Man Alone,
The Life of Theodor Herzl,
editora Ketter Books, Israel, 1970.
Herzl, Theodor, The Complete Diaries vol.
2, editoras Herzl Press e Thomas Yoseloff,
Reino Unido, 1960.

ZEVI GHIVELDER é escritor E JORNALISTA

34
PRÊMIO NOBEL

Uma lenda:
A vida de Bob Dylan

Cantor e compositor e pioneiro da canção de protesto,


Dylan é um dos maiores nomes da música do século 20.
Aclamado sobretudo pelo lirismo de suas letras, tornou-se,
este ano, o primeiro músico a ganhar o Prêmio Nobel de
Literatura. Suas letras e músicas são atemporais.

B
ob Dylan, uma das figuras mais influentes A secretária-geral da instituição, Sara Danius, declarou
na história do rock and roll, é o maior que Dylan foi escolhido “por criar novas expressões
roqueiro judeu de todos os tempos. Com seu poéticas dentro da grande tradição da música
folk-rock de letras inspiradas e sua voz rouca, americana”. A nota biográfica do prêmio afirma que
ele foi o ícone musical de movimentos de “Dylan gravou um grande número de álbuns de
contestação dos anos 1960, e da luta contra segregação música que giram em torno de temas como a condição
racial. O artista compõe músicas e letras há mais de 50 humana, religião, política e amor”. A Academia citou
anos. Ele é o autor de mais de 500 canções gravadas ainda que “Dylan tem o status de ícone” e que “sua
por mais de 2 mil artistas e se apresentou praticamente influência na música contemporânea é profunda”. “Ele
em todo o mundo. Algumas se tornaram “imortais”, é provavelmente o maior poeta vivo”, declarou Per
como “Blowin’ in the wind”, “Mr. tambourine man” e Walter, membro da instituição.
“Like a rolling stone”. O maior mistério das criações
de Dylan é como, década após década, cada uma delas Infância e juventude
se adapta a um novo contexto. Hoje, aos 75 anos, tanto
ele como suas músicas, ainda atraem o interesse das Robert Allen Zimmerman, que adotaria o nome
novas gerações artístico de Bob Dylan, nasceu em Duluth, Minnesota,
em 24 de maio de 1941. É o mais velho dos dois filhos
Fechado e enigmático, Dylan tem sido simultaneamente de Abram (Abe) e Beatrice (Beatty) Zimmerman.
glorificado e vilipendiado pela mídia, mas todos O segundo filho, David, só nasceria em 1946.
reconhecem que ele é um gênio musical, um poeta. Ele
é o único artista a ganhar, além do Prêmio Nobel de O pai de Bob, era um homem reservado, tranquilo,
Literatura, os principais prêmios do mundo das artes. mas autoritário. Ele era filho de imigrantes do leste
A opção de escolherem um músico, e não um escritor, europeu, que deixaram Odessa para refazer a vida
parece ser incomum por parte da Academia Sueca, mas nos Estados Unidos, em Duluth, após os terríveis
há vários anos o nome de Dylan vinha sendo cogitado. pogroms que, em 1905, se abateram sobre as

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PRÊMIO NOBEL

comunidades judaicas que viviam no posteriormente, se tornaram fonte de a vez de Bob, ele bateu o pé para
Império Russo. A mãe, uma mulher inspiração para várias das letras de chamar atenção: “Se todos nesta
quieta, mas muito amorosa, fazia suas canções. sala ficarem em silêncio, vou cantar
parte de uma proeminente família para minha avó”. A apresentação
judaica de Minnesota. Com cinco anos, Bob começa foi um sucesso. Pouco tempo
a frequentar a escola primária depois, Abe Zimmerman foi vítima
Abe e Beatty se casaram em 1934, Nettleton. Foi nessa época que da poliomielite. Sua recuperação
muito jovens e com poucos recursos. durante uma festa familiar o futuro foi difícil e longa, obrigando-o a
Por isso esperaram seis anos para músico cantou pela primeira vez permanecer seis meses em casa. Isso
ter o primeiro filho, Robert Allen. em público. As crianças presentes causou sua demissão do cargo que
Na circuncisão, o menino recebeu haviam sido encorajadas pelos ocupava na Standard Oil. “Meu pai
o nome hebraico de Shabtai Zisel adultos a dar um show. Quando foi nunca mais voltou a andar como
ben Avraham. Bob, como passou antes e teve muitas dores durante
a ser chamado, era um bebê lindo. toda a vida”, revelou Dylan numa
Os Zimmerman, família judaica entrevista.
de classe média, faziam parte da
pequena, mas coesa, comunidade Com o chefe da família
judaica de Duluth. Seguiam a desempregado e o dinheiro curto,
religião, frequentavam a sinagoga os Zimmerman mudaram-se para
e, em casa, eram respeitadas as leis Hibbing, também em Minnesota,
alimentares da Cashrut. Desde a onde vivia a família de Beatty. Lá
infância, Bob e o irmão receberam viviam também dois irmãos de Abe
uma educação judaica e um que haviam montado uma empresa,
profundo código de ética. Dylan Micka Electric Supply, da qual ele se
estudou a Torá e os salmos, que, Abe e Beatty Zimmerman, 1939 tornou sócio. A empresa prosperou

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REVISTA MORASHÁ i 94

e os Zimmermann voltaram a ter Era um rabino ortodoxo idoso e apenas três semestres. Enquanto
uma vida confortável. Abe e Beatty todos os dias Dylan o encontrava cursava a faculdade, tocava numa
passaram a participar ativamente após a escola para estudar. Em maio cafeteria a poucas quadras do
na vida da comunidade judaica: o de 1954, Bob subiu à Torá pela campus universitário, sob o nome
pai como presidente da B’nai B’rith primeira vez. com o qual viria a se tornar famoso:
local; a mãe como presidente do Bob Dylan.
grupo Hadassa. Como em outros Nas férias de verão daquele ano, os
lugares dos Estados Unidos, lá havia pais o mandaram para Camp Herz, Nessa mesma época, apaixona-se
um latente antissemitismo. Entre uma colônia de férias sionista- pelo nascente movimento folk, um
outros, os judeus não podiam ser religiosa em Webster, Wisconsin. gênero musical que combinava
sócios do Country Club local. E, não Inicialmente ele relutou em ir, mas elementos de música folclórica e
há dúvidas de que seu judaísmo era sua mãe estava decidida. “Ela queria rock. Em 1985, em uma entrevista,
um fator que o separava dos demais. que ele conhecesse jovens judeus, e, Dylan diz que se sentiu atraído
quem sabe, alguma menina”, afirmou pela música folk por ser “mais séria,
O artista cresceu em um lar estável e Howard Rutman, um dos amigos (.....) transmitia mais desespero,
harmonioso. A relação de Bob com que Bob fez na colônia. mais tristeza, sentimentos mais
sua mãe era mais estreita e calorosa profundos”.
do que com o pai. Ele tinha 10 Dylan dedicava grande parte de seu
anos quando escreveu um poema tempo à música, sua forma preferida Os anos 1960
para o Dia das Mães falando de seu de expressão. Ele era um jovem
amor por ela. Escreveu que esperava quieto, mas quando cantava e tocava A década de 1960,
que ela “jamais envelhecesse e que transformava-se em alguém muito os Anos Rebeldes, marcaram a
sem seu amor ele estaria morto e diferente, totalmente extrovertido. História do mundo ocidental.
enterrado...”. Durante o ensino médio, organizou Foi um período de mudanças
várias bandas. sociais e de comportamento,
Apesar do bom relacionamento que uma época de engajamento. Nos
tinha com os pais, Bob fugiu de casa Em setembro de 1959, mudou-se EUA o período foi marcados
sete vezes entre os 10 e 17 anos. Era para Minneapolis, para estudar na por protestos contra a Guerra
seu lado rebelde e sua vontade de ter Universidade de Minnesota. Apesar do Vietnã, de debates sobre a
experiências novas o que o impeliam de ser um jovem brilhante, cursou Guerra Fria e o poderio nuclear,
a deixar sua casa e ir perambulando e de demonstrações a favor dos
até ser encontrado e trazido de volta. direitos civis e do fim da segregação
racial. Milhares de pessoas,
Os pais de Dylan compraram um principalmente jovens, saíram às
piano quando ele tinha 10 anos e ruas demandando mudanças.
uma prima foi chamada para dar
aulas para os dois irmãos. Bob, Em janeiro de 1961, pegando
impaciente e frustrado com as carona, Dylan foi para Nova York.
aulas, dispensou a ajuda da prima, Queria se encontrar com seu ídolo,
afirmando: “Eu vou tocar piano o compositor Woody Guthrie,
da minha maneira”. Mesmo não então hospitalizado com a Doença
sabendo ler música, começou a de Huntington.
aprender por conta própria.
A guitarra acústica e a harmônica Uma vez estabelecido no
vieram a seguir. Greenwich Village, ele passa a
tocar em casas de shows e cafés
A comunidade judaica local era e, no final daquele ano, já tinha
pequena e não tinha rabino. Quando um contrato de gravação com a
chegou a hora de Dylan estudar para Columbia Records. Seu primeiro
o Bar Mitzvá, seus pais trouxeram disco, lançado em março de 1962,
um de Nova York para prepará-lo. não fez sucesso. Nada indicava que

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PRÊMIO NOBEL

a gravadora acabara de contratar A popularidade do cantor ia


aquele que se tornaria o mais crescendo, assim como os números
famoso compositor e letrista da de apresentações que ele dava.
América. Bob Dylan tornara-se a voz de
sua geração. Ele participava de
Naquele mesmo ano, em agosto protestos e manifestações, entre as
de 1962, ele mudou seu nome quais a Marcha pelos Direitos Civis,
legalmente para Bob Dylan. As liderada por Martin Luther King,
razões para esta mudança não são no verão de 1963.
claras, pois mudam constantemente
quando recontadas, fazendo parte O álbum “The Times They Are
do imaginário que o cantor criara a-Changin”, lançado em janeiro
para si mesmo de 1964, trazia uma mescla de
canções de protesto com outras de
O seu segundo disco – The temas pessoais. A música que deu
Freewheelin’, lançado em 1963 nome ao álbum, “Times They Are
– foi um sucesso. Todas as canções a-Changin”, tornou-se uma das
eram de sua autoria, entre elas canções de protesto mais populares
“Masters of War”, uma crítica à da história.
corrida armamentista, à Guerra do
Vietnã, e “Hard Rain’s a-Gonna Em 1965 ele se casou secretamente
Fall”, uma metáfora da crise dos movimentos pelos direitos civis com a modelo judia Sara Lownds,
mísseis em Cuba e da ameaça de e dos protestos contra a Guerra nascida Shirley Martin Noznisky.
uma guerra nuclear, e “Blowin’ in do Vietnã, mas sua letra pode ser A união é geralmente citada como
the Wind”. A música é uma aplicada a qualquer tema relacionado sendo a inspiração de muitas das
sequência de perguntas sobre a paz à liberdade. “Blowin’ in the Wind”, canções que ele criou entre os anos
e a liberdade, cujas respostas que tornou Dylan mundialmente 1960 e 1970. Tiveram quatro filhos –
estão sendo levadas pelo vento famoso, figura no 14º lugar da lista Jesse, Anna, Samuel e Jakob. O casal
(blowing in the wind). Esta canção das “500 Maiores Músicas de todos se divorciou em 1977.
se tornaria um dos maiores os Tempos” da revista da revista
sucessos do séc. 20, um ícone dos Rolling Stones. Apesar do sucesso, Dylan estava
descontente, inquieto e cada vez
mais pessimista sobre a eficácia
das canções de protesto. Ele deu a
primeira surpreendente reviravolta
em 1965, no Newport Folk Festival.
Ele subiu ao palco, ligou seu violão
a um amplificador elétrico e colocou
uma banda de rock completa no palco.

A transformação de ícone do folk


em artista de rock rendeu os
melhores álbuns da carreira de
Dylan. São dessa fase “Bringing
it all Back Home”, “Highway 61
Revisited”, “Blonde on Blonde” e a
famosíssima “Like a Rolling Stone”.
Na lista da revista Rolling Stones
das “500 Maiores Músicas de Todos
com joan Baez durante a “marcha a Washington por emprego e liberdade”,
os Tempos”, esta última está em
28 de agosto de 1963 1º lugar. As letras de suas canções

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REVISTA MORASHÁ i 94

eram analisadas, debatidas e citadas, estava entre os que acreditavam que Foi diagnosticado com uma grave
algo inusitado no mundo das Carter havia ter sido injustamente infecção no coração. Como resultado
músicas pop. condenado por três assassinatos, em do seu estado de saúde, cancelou
Paterson, Nova Jersey. (Carter foi uma turnê na Europa. No entanto,
Anos difíceis e o libertado em 1985, após a defesa recuperou-se por completo e pôde
renascimento criativo provar que não podia ter cometido o apresentar-se perante o Papa João
crime). Paulo II na Conferência Mundial da
Em 1966 Dylan sofreu um acidente Eucaristia, em Bolonha, na Itália.
de motocicleta que interrompeu sua De um modo geral, porém, a década
carreira por quase dois anos. Foi de 1970 foram anos difíceis, que Nos últimos anos ele tem se
morar com a esposa e os filhos de culminaram numa certa estagnação apresentado reservado e, querendo
Woodstock, no estado de Nova York. criativa a partir do fim da década e manter sua privacidade, ele se
Dylan ficou sete anos afastado dos em sua conversão ao cristianismo. esforça ao máximo para que as
palcos, mas não deixou de gravar e pessoas saibam muito pouco sobre o
lançar discos. Em retrospectiva, também a década seu verdadeiro “eu” e faz o impossível
de 1980 não foi fácil. Em 1985, para evitar ser fotografado, exceto
Voltou a fazer uma turnê em janeiro Dylan casou-se novamente, com quando faz seus shows.
de 1974. Na época, seu casamento Carolyn Dennis, uma cantora de
já estava no fim. A separação do backup e, em 1986, nasce seu quinto Em função da sua carreira, Bob
casal rendeu um dos melhores discos filho. Eles se divorciaram seis anos Dylan passa dez meses por ano
da carreira de Dylan, “Blood on the depois. viajando e apenas um com seus
Tracks”, lançado no final daquele filhos e netos em Malibu, em sua
ano. O disco tinha sido citado como Para o 30º aniversário do fazenda com vista para o Oceano
sendo a narrativa da desintegração lançamento do primeiro álbum Pacífico. Desde que comprou o
de seu casamento. De acordo com de músicas de Dylan, em outubro local, na década de 1970, comprou
o filho, Jakob Dylan, as letras das de 1992, a gravadora Columbia inúmeras casas que rodeavam sua
músicas do álbum são “meus pais organizou um show no Madison propriedade.
conversando”. Ele revela ainda que, Square Garden, em Nova York.
em uma entrevista, o pai teria dito: Milhares de pessoas compareceram Retorno ao judaísmo e
“Falhamos como marido e mulher, ao evento, que reuniu mais de 30 sua ligação com Israel
mas não como mãe e pai; não”. artistas famosos.
Dylan sempre fez de tudo para que
Ele retornou ao gênero de músicas Para muitos fãs e críticos, o marasmo se soubesse o menos possível sobre
de protesto em 1975, quando artístico só acabou mesmo com quem ele era de verdade. Ao longo
tomou as dores do boxeador Rubin “Time Out of Mind”, lançado em dos anos, no entanto, o homem por
“Hurricane” Carter, e compôs a 1997, considerado um dos melhores trás da lenda começou a aparecer
canção “Hurricane”, considerada discos de Dylan. Em maio de 1998 e se tornou gradativamente claro
um de seus grandes sucessos. Dylan Dylan chegou bem perto da morte. não apenas que ele tinha profundas

1 2 3

1. Bob e Sara brincando com o filho, Jesse 2. Bob e o filho Jesse, 1968 3. Bob e a filha Ana, 1969

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PRÊMIO NOBEL

raízes judaicas, mas que jamais todos os seus males. Dylan descreve
se distanciara muito delas, como Israel como tendo sido injustamente
inicialmente dera a parecer. estereotipado de bully, valentão,
um intimidador, por rechaçar os
Sua conversão ao cristianismo não constantes ataques de seus vizinhos.
durou muito e, na década de 1980, Ele fala sobre a habilidade do
ele retornou às suas raízes judaicas. Estado judeu de sobreviver, sobre
Decidiu realizar o bar mitzvá de seu nosso exílio, o sofrimento do Povo
primogênito, Jesse, em Jerusalém, Judeu e as críticas injustas feitas
no Kotel. Dylan visitou o Rebe de a Israel: “criticado e condenado
Lubavitch inúmeras vezes e passou simplesmente por estar vivo”...
a estudar com rabinos do Chabad.
Seus vínculos com o movimento Dylan mantém fortes vínculos com
Chabad se fortaleceram ao longo de Israel. Visitou o país várias vezes
décadas e, ele participa de serviços nas décadas de 1960 e 1970. E fez
religiosos, nas Grandes Festas, em três grandes shows em 1987, 1993
sinagogas do movimento. e 2011. O movimento Boycott,
Divestment and Sanctions (BDS)
Sua aparição na campanha de Bob Dylan no Kotel, setembro de 1983
pressionou-o inutilmente para que
arrecadação de fundos do Chabad, cancelasse seu show. É a ele que
em 1989, (e também em 1991) não os israelenses devem agradecer
foi seu primeiro apoio público ao tradicionalmente dão aos seus pela primeira apresentação dos
movimento. Dylan, acompanhou filhos nas sextas-feiras à noite e Rolling Stones, em 2014. Segundo o
o cantor e compositor Harry nas festividades. A letra da música guitarrista da banda, Ronnie Wood,
Dean Stanton e seu genro Peter começa com um verso extraído da foi Dylan quem lhes deu a ideia de
Himmelman na execução de Bênção dos Sacerdotes (Bênção dos fazer o show.
“Hava Nagila”. O músico Peter Cohanim): “Possa D’us abençoá-lo
Himmelman é um judeu ortodoxo e protegê-lo sempre”: “May God’s Uma carreira de
que não se apresenta no Shabat e bless and keep you always; May sucessos
que tem profunda ligação espiritual your wishes all come true; May you
com o Lubavitcher Rebe. always do for others, and let others Dylan passou por várias fases, desde
do for you”… Há também uma o início de sua carreira como músico
Dylan tem sido visto rezar com referência direta à história do sonho do folk até o renascimento criativo,
seu tefilin no Kotel, em Jerusalém, e, de Jacob, “May you build a ladder to no fim dos anos 1990. Em mais de
durante suas turnês pelos Estados the stars and climb on every rung, meio século, ele compôs músicas
Unidos, em várias sinagogas e may you stay forever young”... de quase todos os gêneros possíveis
ieshivot ortodoxas. – exceto a música clássica. Dylan
Em 1983, Dylan lançou uma se reinventa antes que os críticos
Algumas das letras das canções canção sobre Israel e o Povo Judeu, consigam categorizá-lo em algum
de Dylan se originam de sua “Neighborhood Bully”, sem dúvida tipo de gênero musical. Quanto mais
rica tradição judaica e nos dão alguma uma das canções de rock ele muda, mais define sua identidade.
uma ideia de seu judaísmo, mais do mais a favor dos judeus que já foi “Não há nada tão estável quanto a
que qualquer de suas declarações. gravada. A música foi lançada um mudança”, costuma afirmar.
Algumas contêm mesmo referências ano depois da primeira Guerra do
bíblicas. As palavras de “Highway Líbano, em 1982. Não é uma de suas É incontestável sua criatividade e
61 Revisited” falam diretamente melhores músicas, mas suas palavras sua facilidade de se expressar em
do sacrifício de Itzhak. Já a canção apaixonadas são uma resposta aos verso e na música. Dylan reformulou
“Forever Young” foi escrita por críticos tanto de Israel quanto do o conceito do que é uma grande
Dylan para seu filho mais jovem, Povo Judeu. A canção é toda ela um canção, reinventou o gênero cantor-
Jacob. Trata-se de uma adaptação comentário sútil sobre a forma como compositor forçando o mundo a
da bênção que os pais judeus o mundo responsabiliza Israel por aceitar a fusão dessas duas funções,

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REVISTA MORASHÁ i 94

cantor e compositor, mesmo que


o cantor em questão tivesse o
tipo de voz que nem sempre era
considerada bonita.

Ao mudar seu interesse de um


gênero para outro, ele conseguiu
influenciar e modificar cada um dos
gêneros que tocou. É dele o crédito
de expandir a narrativa na música
popular. Foi além dos temas rapaz-
conquista-moça e cantou sobre
política, figuras históricas, eventos
atuais questões sociais e filosofia.
Juntamente com James Brown, ele é
considerado o mais influente músico
americano que o rock’n’ roll já
produziu. Alguém que nas palavras
de Bruce Springsteen “mudou, para
grandes apresentações: bob dylan, no concerto pelos 30 anos de carreira no
sempre, a face do rock’n’roll”. madison square garden

Ao longo de seus mais de 50 anos Nesse ano de 2016 se tornou o No decorrer de sua vida Bob pode
de carreira, Dylan recebeu inúmeros primeiro músico a ganhar o Nobel parecer ao público como tendo
prêmios e láureas. Além de 10 de Literatura desde que foi criado, sido egocêntrico – especialmente
Grammy’s, em 1991 recebeu um em 1901. A Academia Sueca durante os primeiros anos quando
Grammy por toda sua contribuição explicou que, ao lhe conceder chovia adulação e dinheiro – mas
à música “Lifetime Achievement a láurea, o júri considerou a na realidade ele manteve muitos
Award”, além de um Oscar e um amplitude e profundidade de todo dos valores que seu pai lhe ensinou.
Globo de Ouro, em 2001. o seu trabalho como compositor. Ele é, em muitos aspectos, uma
Em 1975, foi nomeado pela revista O prêmio é uma celebração à toda a pessoa de princípios morais:
Rolling Stone o “Artista do Ano” sua carreira. dificilmente usa uma linguagem
e, em 1989, foi incluído no Hall imprópria, sempre foi próximo de
da Fama do Rock and Roll. Em seus pais e leal com seus amigos.
1990 recebeu a Ordem das Artes
e das Letras do Ministério das De trovador folk dos bares do
Relações Exteriores da França. Em Greenwich Village, em Nova York,
dezembro de 1997 tornou-se o no início dos anos 1960, até a
primeiro músico de rock a receber superestrela condecorada, Robert
o Prêmio Kennedy em reconhecido Allen Zimmerman sempre seguiu o
a sua contribuição de toda a vida ao próprio caminho musical, rebelde e
mundo das artes. O prêmio lhe foi imprevisível.
entregue pelo então presidente Bill
Clinton na Casa Branca.
Bibliografia
Em 2008, foi premiado com Charles River Editors, American Legends:
a Citação Especial do Prêmio The Life of Bob Dylan, 2014 - kindle edition
Pullitzer. Em novembro de McDouga, Dennis, Bob Dylan: The Biography,
2012, Dylan recebeu a Medalha 2014 kindle edition
Presidencial da Liberdade outorgada Beck, Tony, Understanding Bob Dylan:
pelo presidente americano Barack Making Sense of the Songs That Changed
Obama (na foto, ao lado). Modern Music, 2016 - kindle edition

41 DEZEMBRO 2016
EXPOSIÇÃO

Um Êxodo Judaico
para uma Nova Terra
POR JOSEPH BERGER

Se é que se pode dizer que um evento de tal magnitude teve um


lado positivo, a Inquisição o teve para os judeus da Espanha
e Portugal: o fato de empurrá-los para as Américas, onde, de
modo geral, encontraram tolerância e oportunidades que
lhes tinham sido negadas na Europa.

A
história dos judeus refugiados estabelecidos De Carvajal era um converso, forçado a adotar o
no Novo Mundo é o foco de uma Catolicismo, mas suspeito de prática clandestina dos
exposição inaugurada em 28 de outubro de rituais judaicos. Durante seu julgamento, foi pressionado
2016 na New-York Historical Society. a denunciar 120 judeus que secretamente seguiam sua
Com manuscritos raros, Bíblias, livros de fé, até mesmo seus parentes. A seguir, foi queimado na
oração, pinturas, mapas e objetos do culto, a mostra fogueira.
“Os Primeiros Judeus Americanos: Liberdade e Cultura
no Novo Mundo” registra como os judeus, expulsos “Eles o dobraram”, diz Debra Schmidt Bach, uma das
da Espanha e de Portugal após serem expelidos, em curadoras da exposição.
séculos anteriores, da Inglaterra e França, fundaram
comunidades prósperas em Nova York, Filadélfia, O livrinho de Luís de Carvajal desapareceu
Charleston, Newport e, ainda mais cedo, nas ilhas do misteriosamente do Arquivo Nacional do México na
Caribe e na América do Sul. Nos Estados Unidos, eles, década de 1930. No entanto, há pouco tempo, Leonard
como seus compatriotas americanos, foram atirados L. Milberg, um empresário americano, dono de uma
nas correntes históricas, encontrando-se nos dois lados importante coleção de Judaica, tomou conhecimento
durante a Revolução Americana, o movimento para de que a tal maravilha estava à venda na casa de leilões
abolir a escravidão e a Guerra Civil. E sua aceitação foi, Swann Auction Galleries, em Manhattan, e conseguiu
por vezes, efêmera ou ilusória. fazer com que fosse devolvido ao México. No momento,
está emprestado para a exposição.
O objeto mais impressionante da exposição é um livro
de oração e de memórias muito gasto, de 180 páginas, A exposição apresenta documentos que narram
de 10 cm x 7,5 cm, totalmente manuscrito por Luís de excentricidades dos primeiros assentamentos judaicos:
Carvajal, o Jovem, no México Colonial, em 1595, até um édito expulsando os judeus das colônias americanas
onde a Inquisição havia estendido suas sinistras garras de da França; um documento rabínico atestando a Casherut
tortura e execução. de alimentos enviados a Barbados; um serviço do século

46
REVISTA MORASHÁ i 94

1 2

1. jacob franks circa 1740: marido de abigail franks, um dos mais ricos mercadores de seu tempo na cidade de nova york.
2. bil’hah abigail levy franks, circa 1740: esposa de jacob franks

18 para a circuncisão de escravos, Holandesas disse a Stuyvesant que


obrigatória pela Bíblia, e uma lista business era business e os judeus
de oficiantes de circuncisão em deveriam lá permanecer desde que
Curaçao e no Suriname; e uma pudessem contribuir para o bem-
pesquisa de um missionário cristão estar comercial do posto avançado.
especulando se os Índios americanos
eram as Tribos Perdidas de Israel. Aqueles judeus fundaram a primeira
Há duas pinturas nostálgicas congregação da América do Norte,
de cenas caribenhas feitas por Shearith Israel – Remanescentes
Camille Pissarro, pintor francês de Israel – e construíram uma
impressionista nascido em St. sinagoga em 1730 onde é hoje a
Thomas de mãe judia. Setenta e South William Street, em Lower
dois dentre os 170 itens expostos Manhattan. A congregação segue
pertencem à coleção do Sr. Milberg. atuante no Central Park West, para
onde se mudou em 1897.
Apesar de a colônia holandesa
de Nova Amsterdã, hoje Nova A Congregação Shearith Israel
York, se ter tornado um refúgio emprestou à exposição um rolo de
importante, sua aceitação de judeus Torá queimada, resgatado de um
foi limitada. O cruel governador do incêndio provocado pelos soldados
posto avançado, Peter Stuyvesant, britânicos, em 1776, e um par de
recuou quando 23 refugiados do rimonim ricamente trabalhados em
Brasil, governado por portugueses, prata – ornamentos com pequenos uriah phillips levy, circa 1815.
chegaram em 1654. Mas a sinos para a Torá – criação do primeiro judeu a obter a patente de
comodoro na marinha americana.
Companhia das Índias Ocidentais conceituado prateiro Myer Myers. lutou na guerra de 1812

47 DEZEMBRO 2016
EXPOSIÇÃO

A Sra. Rosengarten foi curadora


dessa exposição em Princeton.
“Não surgiu de nossa imaginação,
mas brotou em nosso solo nativo”,
disse.

Os judeus fizeram importantes


contribuições às ciências e cultura
no século 19, bem como a outros
campos; mas, como ensina a
exposição, “apesar do ostensivo
Rimonim em prata E portraits da família Levy-Franks, da exposição “Os primeiros comprometimento da nação com a
judeus americanos”,na New-York Historical Society. (Mark Kauzlarich, para o
The New York Times) tolerância religiosa, os estereótipos
dos judeus persistiam na cena
americana. “Uma galeria tem um
Há também uma ketubá – um abolicionista como tendo libertado retrato e a espada e bainha do
contrato de casamento – ilustrado quatro escravos em 1817. Comodoro Uriah Phillips Levy,
com uma noiva e um noivo sob a herói naval da Guerra de of 1812,
chupá, o pálio nupcial. Há, também, partes da exposição e quadros pintados por Solomon
dedicadas às comunidades judaicas Nunes Carvalho, que acompanhou
Abigaill Levy Franks, destacada na Filadélfia; Nova Orleans; John C. Frémont, o explorador, em
senhora da Nova York àquela Charleston, S.C.; e Newport, R.I. uma expedição cross-country”.
época, é saudada com um portrait. A mostra não traz a famosa carta de
Suas cartas, segundo informa o George Washington à congregação Inevitavelmente, segundo Louise
texto dos murais, transmitem seu de Newport expressando a Mirrer, presidente da New-York
descontentamento com o casamento esperança de que todos “sentem- Historical Society, a história dos
de sua filha com um cristão, Oliver se em segurança sob sua videira judeus do Novo Mundo tem
Delancey. Interessante notar que e sua figueira”. Mas exibe cartas ressonância para os imigrantes,
o rapaz era descendente da família de congregação em Newport e refugiados e minorias, atualmente.
que deu nome à Delancey Street – Savannah, Ga., agradecendo ao novo “As sementes foram plantadas, há
a rua que mais tarde se tornaria a Presidente por ser tão hospitaleiro. muito tempo, em um lugar onde
espinha dorsal da parte judaica do cada um pudesse praticar sua
Lower East Side. Alexander Hamilton, o celebrado religião, livremente”, disse a Sra.
fundador da atual Broadway, também Mirrer, explicando por que o Novo
Como outros colonos, os judeus aparece. A exposição conta que sua Mundo atraiu europeus – como os
tinham sentimentos ambivalentes mãe tinha esposado um judeu e que, puritanos – em busca de liberdade
acerca do fim do domínio britânico. por isso, ele era fluente em hebraico religiosa.
Haym Salomon, imigrante polonês, e tinha vínculos profissionais muito
ajudou a financiar a Revolução. próximos com judeus. Mas, às vezes, houve anomalias,
Mas Abraham Gomez e outros Mirrer continuou: “Na exposição,
15 judeus estavam entre os 932 Vários documentos comprovam que vemos o tipo de fervor religioso que
signatários da lealdade ao Rei foi na Congregação Kahal Kadosh promove um tipo de violência contra
George III. Beth Elohim, em Charleston, que certos grupos”.
a versão americana do Judaísmo
Outros documentos relatam a Reformista teve suas raízes, em
difícil disputa sobre a escravidão. 1824, através de jovens dissidentes
Livros de contabilidade registram que “queriam modernizar o judaísmo POR JOSEPH BERGER é Escritor de vários
livros e editor do New York Times
a compra de cinco escravos por para que não morresse”, disse Dale
Matthias Lopez em 1787, ao passo Rosengarten, diretora do Centro
que Jacob Levy Jr. é mencionado Sulista de Cultura Judaica no O artigo traduzido por Lilia Wachsmann
foi publicado no The New York Times
em documentos de uma sociedade College of Charleston. em 27 de outubro de 2016

48
DESTAQUE

Os primeiros sinais
da era Donald Trump
POR jaime spitzcovsky

A vitória do republicano Donald Trump na eleição


presidencial de novembro, após a mais corrosiva
campanha da história recente dos EUA, gerou polêmicas
e reações diversas na comunidade judaica
norte-americana e no governo de Israel.

O
ministro da Educação, Naftali Bennett, que o governo Trump abandonará a política de criticar
comemorou o resultado, e o primeiro- a construção de assentamentos judaicos em territórios
ministro Binyamin Netanyahu reagiu de conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em
forma mais discreta, embora suas posições 1967.
políticas se aproximem mais de Trump,
em comparação, e Netanyahu, por telefone, tenha Outros ministros e deputados de partidos direitistas,
parabenizado Trump pela vitória já na quarta-feira, dia como o Likud, também demonstraram otimismo em
seguinte à votação, descrevendo-o como “um verdadeiro relação a Trump, na expectativa, por exemplo, da ruptura
amigo de Israel”. O republicano, na troca de gentilezas, do acordo nuclear com o Irã, um dos pilares da política
convidou o premiê para um encontro “na primeira externa de Barack Obama, e do reconhecimento formal
oportunidade”. de Jerusalém como capital israelense, já que a embaixada
norte-americana se localiza em Tel Aviv.
Durante a campanha, Netanyahu sinalizou uma
estratégia de equilíbrio entre os dois candidatos, apesar Trump falou sobre a questão de Jerusalém no encontro
de sua conhecida simpatia pelos republicanos e das com Netanyahu, em setembro. Repetiu promessa já
tensões vividas no relacionamento com o presidente feita por outros candidatos, democratas ou republicanos,
Barack Obama. Em Nova York, em setembro, para a como George W. Bush. Ao longo da campanha, rica
abertura anual da Assembleia Geral da ONU, Netanyahu em ataques pessoais entre os candidatos, foram escassos
se reuniu com Trump e Hillary, num esforço para os debates substanciais sobre política externa, o que
preservar equidistância entre os adversários na corrida resultou, no caso de Donald Trump, numa bússola pouco
eleitoral. definida sobre suas posições a respeito de temas ligados a
Israel e ao Oriente Médio.
Após a vitória republicana, Naftali Bennett, líder do
partido governista Casa Judaica, opinou: “A era do Naftali Bennett, de acordo com o “The New York
Estado palestino terminou”. O ministro israelense avalia Times”, admitiu que as posições de Trump não estão

49 DEZEMBRO 2016
DESTAQUE

desmantelar o pacto com Teerã seria


sua “prioridade número um”.

O megaempresário, em outras
ocasiões, apontou para o combate
ao Estado Islâmico como tarefa
urgente e prioritária, sugerindo
a aproximação com o presidente
Vladimir Putin como fórmula
para aumentar a pressão sobre o
grupo terrorista, por meio de ações
militares conjuntas em solo sírio.
Trump também insistiu, durante
Donald Trump, Mike Pence e suas respectivas famílias durante coletiva à
a campanha, na importância
imprensa em 16/07/2016, n. york de promover uma melhoria
nas deterioradas relações entre
totalmente claras, mas observou: campanha, o slogan “America Washington e Moscou.
“Primeiro, devemos dizer o que First”, que sinalizaria uma política
desejamos”. A reação do ministro mais isolacionista e empenhada O desafio de decifrar os rumos
da Educação, no entanto, se apoiou em diminuir o envolvimento de do governo Trump recorre, entre
em declarações do advogado Jason Washington em temas da agenda outras ferramentas, a mapear as
Greenblatt, um dos principais internacional. pessoas com mais acesso e eventual
dirigentes da campanha republicana. influência sobre o futuro presidente.
Segundo Greenblatt, Trump não Nos embates com Hillary Clinton, A filha Ivanka desempenhou um
considera os assentamentos “um Donald Trump descreveu o papel de destaque na reta final
obstáculo à paz”. entendimento nuclear com o Irã, da disputa, como importante
assinado também por países como conselheira nos rumos da campanha.
As reações mais cautelosas de Rússia, China, Alemanha, França e A ex-modelo se converteu ao
Netanyahu, em comparação com as Reino Unido, como um “desastre” judaísmo, segue o rito ortodoxo e é
de Bennet, se devem provavelmente e o “pior acordo jamais negociado”. casada com o judeu Jared Kushner.
à espera de posições mais claras O republicano afirmou, em março,
de Trump sobre os rumos da num discurso ao AIPAC, que Trump costuma falar com orgulho
política norte-americana para o de seus “netos judeus”. Entre os
Oriente Médio, já que, ao longo da mais próximos assessores do futuro
campanha, o candidato republicano presidente, estão, além de Jason
ziguezagueou. Greenblatt, o advogado David
Friedman, cuja família cultiva
Em fevereiro, Trump defendeu laços históricos com o Partido
assumir uma postura “neutra” no Republicano. Em 1984, seus
conflito israelo-palestino, para, familiares receberam Ronald Reagan
segundo ele, obter confiança para uma refeição de Shabat.
dos dois lados envolvidos numa No entanto, a comunidade judaica
eventual negociação. Dias depois norte-americana apresenta uma
da vitória nas urnas em novembro, tradição de alinhamento com o
num resultado que desafiou a Partido Democrata, historicamente
maioria esmagadora das previsões, apoiado em minorias étnicas e
o republicano declarou ao The religiosas, como negros, hispânicos,
Wall Street Journal que gostaria de católicos e judeus.
alcançar um acordo de paz entre
israelenses e palestinos, embora Segundo cálculos iniciais,
tenha sustentado, ao longo da Hillary Clinton amealhou 71% do

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REVISTA MORASHÁ i 94

Presidente Barack Obama cumprimenta o presidente eleito, Donald Trump, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington,
no dia 10 de novembro (Foto: Reuters/Kevin Lamarque)

voto judaico, índice próximo Branca Stephen Bannon. A Liga Morton Klein, presidente da
à média histórica. Trump Antidifamação (ADL) condenou Organização Sionista dos EUA
conquistou o apoio dos setores a indicação, apontando o Breitbart, (ZOA), saiu em defesa de Bannon:
mais conservadores e religiosos da site criado por Bannon, como espaço “Uma vez que a plataforma do
comunidade judaica norte-americana, frequentado por “nacionalistas presidente-eleito é a mais fortemente
que rejeitam posições democratas brancos e racistas”. pró-Israel jamais vista, seria um
em temas sociais ou na política em antissemita indicado para implementar
relação a Israel. tal plataforma”? Para Klein, Bannon
corresponde a “um amigo de Israel e
A derrota de Hillary, portanto, não a um antissemita”.
gerou uma onda de preocupação
em partes da comunidade judaica, A era Trump, em seus primeiros
preocupadas com o fato de forças passos, alimenta controvérsias
antissemitas apoiarem a candidatura e deixa várias perguntas no ar.
Trump, ainda que o candidato Os próximos meses e anos,
republicano tenha rejeitado o certamente, se encarregarão de
apoio de grupos extremistas, jogar mais luzes sobre os rumos que
que defendem, por exemplo, “a nortearão o novo governo da maior
supremacia branca” nos Estados potência política, econômica e militar
Unidos. do planeta.

No início da montagem de
sua equipe de governo, Trump O Primeiro Ministro Binyamin Netanyahu
alimentou polêmica ao nomear com o ainda candidato republicano, JAIME SPITZCOVSKY foi editor
Donald Trump, em NY, em 25/9/2016 internacional e correspondente da
como estrategista-chefe da Casa (Kobi Gideon/GPO) folha de s. paulo em moscou e em pequim

51 DEZEMBRO 2016
ISRAEL

shimon peres:
um grande estadista

Shimon Peres poderia traçar sua própria história em paralelo à


de seu país, o Estado de Israel, ao qual dedicou sua vida e alma.
Lutou incansavelmente para fortalecer a segurança militar dO
PAÍS e, com o mesmo ardor, para trazer a paz sempre que esta lhe
parecia factível. “Quando éramos atacados, eu fui um falcão.
Quando poderíamos fazer a paz, me tornei uma pomba”.

S
himon Peres, falecido em 28 de setembro Ao longo de sua vida, serviu seu país de todas as
de 2016 aos 93 anos, foi um maiores formas: foi kibutznik, líder juvenil, parlamentar e
estadistas mundiais. Sua morte marca ocupou vários ministérios: Defesa, Transportes,
o fim de uma era. Ele foi o último dos Comunicações, Absorção de Imigrantes,
fundadores do Estado de Israel – homens Informação, Relações Exteriores e do Tesouro, além
que, apesar de ideias políticas diferentes, acreditaram de ter ocupado o cargo de Primeiro Ministro e
no sonho de ter uma Pátria Judaica e dedicaram a Presidente.
vida para que nós, judeus, após 2000 anos de exilio e
sofrimentos indescritíveis, pudéssemos ter um Estado Sua trajetória de homem público foi impressionante.
Judeu forte e seguro. Vivenciou momentos de triunfo e admiração
mundial e outros de grandes perdas e fracassos.
Quem era Shimon Peres? Sem dúvida, um homem Foi cercado por fervorosos admiradores e adversários
de mente brilhante, intrigante, complexo. Dominava ferrenhos; foi igualmente amado e odiado.
com maestria o hebraico, porém ainda o falava com Chegou, mesmo, a conquistar o relutante afeto
sotaque polonês; era o especialista na defesa de Israel, de muitos de seus próprios concidadãos – que
comprou armamentos secretamente sem nunca ter chegaram a odiá-lo por suas etéreas promessas
usado um uniforme; era um dos idealizadores da de um novo Oriente Médio, que rapidamente se
política dos assentamentos israelenses na Margem afogaram em sangue.
Ocidental, o idealizador do programa nuclear de
Israel e o homem que negociou os Acordos de Oslo. Shimon Peres era, acima de tudo, um otimista, um
Era um exímio intelectual sem ter tido educação humanista, um judeu de corpo e alma. Ele acreditava
formal; um político medíocre que se tornou um que “a singularidade real do Povo Judeu é a base
grande estadista; um poeta tímido, romântico, que moral, a preferência pela moralidade”. Sua teimosa
se tornou um orador carismático, que arrebatava as busca pela paz bem ilustra seu idealismo e sua visão
plateias. e amor pelo Estado de Israel e por nosso povo.

52
REVISTA MORASHÁ i 94

Sua vida Yeshivá Volozhin. Cada dia ele


ensinava ao neto algumas linhas do
Shimon Peres (nascido Szymon Talmud. “Ele era um rabino, mas
Persky) nasceu em 15 de agosto também lia Tolstoi e Dostoievsky
de 1923 (no dia 20 de Av), na e sempre me dizia que eu também
pequena cidade polonesa de devia lê-los. Ele me ensinou que a
Vieniava (atualmente Vishniev, maior riqueza de um homem é seu
na Bielorrússia). Era o filho mais conhecimento, seu saber.”
velho de Yitzhak Getzel e Sarah
Persky. Seu irmão, Gershon (Gigi), Apesar dos pais serem seculares,
era dois anos mais novo. Shimon Shimon era religioso: usava kipá,
cresceu em Vishniev, um shtetl onde era casher e shomer Shabat, isto é,
viviam cerca de 1.500 judeus. “Tinha guardava as leis do Shabat. Certa
apenas uma rua, casas de madeira vez seu pai comprou o primeiro
sem eletricidade, duas sinagogas e O JOVEM SHIMON PERES NA POLÔNIA
rádio da cidade e o ligou no Shabat,
uma escola de orientação sionista”. “Chocado, eu o quebrei”, contava
Shimon costumava dizer: “Em minha uma mente excepcional; para eles a Shimon. “Quando era menino,
casa falava-se três línguas: iídiche, testa saliente de Shimon era sinal estava convencido da existência
hebraico e russo. Durante as duas de grande inteligência. As duas de D’us, temia Sua ira, sentia Sua
guerras mundiais o lugar no qual pessoas que mais o influenciaram enorme e invisível Presença. Eu
nasci estava sob domínio polonês, foram seu avô materno e sua mãe. rezava com incansável entusiasmo.
mas antes era parte da Bielorrússia”. O avô, Rabi Zvi Meltzer, possuía Os primeiros livros que li foram
uma oficina de fabricação de botas. os Textos Sagrados. A Santidade,
Desde seus primeiros anos de vida Ele era um homem profundamente o Divino e não histórias infantis
seus pais perceberam que ele possuía religioso que estudara na famosa preenchiam meu coração”...

53 DEZEMBRO 2016
ISRAEL

Ele não veria mais o avô. Durante a


cerimônia pelo Dia de Recordação
do Holocausto, no Yad Vashem, em
2012, o Presidente Shimon Peres
contou: “Metade dos habitantes da
cidade vieram para Israel. A outra
metade pereceu… Em 30 de agosto
de 1942 o dia amanheceu escuro
em minha cidade natal... Todos os
judeus foram levados pelos nazistas
para a sinagoga de madeira da cidade
e queimados vivos. O Rabino Zvi
Meltzer, meu avô, …foi consumido
pelo fogo com seu talit sobre a
cabeça. Foi o último dia judaico em
Vieshniev”.
SHIMON PERES E SONIA COM SEUS TRÊS FILHOS. NOVEMBRO DE 1958
Foi longa a viagem de Shimon e
sua família para a então Palestina.
O pai de Shimon, apesar de ser o sionismo de corpo e alma. Um Foram de trem até Istambul onde
descendente de uma dinastia dia, um judeu vindo da Terra de embarcaram em um navio e, dias
rabínica, era um homem secular, Israel visitou Vishniev. Shimon e depois, atracaram em Yaffo. Ele
bem apessoado e elegante. Abrira sua família estavam entre os que se imediatamente se apaixonou por
seu próprio negócio de comércio reuniram para ouvi-lo contar sobre aquela terra. Os Persky alugaram
de madeira e fornecia trigo para o a terra distante. O relato que ele fez um pequeno apartamento em Tel
Exército polonês. Sua mãe, Sara, era sobre os feitos heroicos dos pioneiros Aviv, mas enfrentavam dificuldades
uma mulher inteligente que nutria judeus deixaram todos os presentes financeiras. Shimon e Gigi foram
profundo amor pelo filho. Trabalhava com um sentimento de orgulho. viver por algum tempo com os tios
como voluntária na biblioteca em Rehovot e passaram o verão
pública e transmitiu a Shimon sua Os primeiros familiares a deixar patrulhando sua nova pátria. No
paixão pela leitura. Ela trazia livros Vishniev para a então Palestina outono retornaram a Tel Aviv, e
para casa para o filho ler, despertando foram suas três tias com as ficaram fascinados com a cidade,
nele uma sede pela leitura. respectivas famílias. Em 1932, os cinemas, teatros, praias, cafés e
quando ele tinha 9 anos, foi a vez pessoas elegantes. Para Shimon, “Tel
Shimon estudava na escola Tarbut, de seu pai. Ao partir para a Terra Aviv era mais chique do que Paris”.
de orientação sionista, onde aprendia de Israel, Getzel Persky prometeu
hebraico junto com o iídiche. aos filhos e à esposa que, em poucos Ele começou a cursar a 6ª série da
Ele era um excelente aluno, sério, meses, mandaria buscá-los. Os meses Escola Balfour, mas, no ano seguinte,
raramente brincava com outras transformaram-se em três longos os professores o transferiram para
crianças, preferindo ficar em casa e anos. a 8ª série. Seus colegas diziam que
ler. A poesia tornou-se sua grande ele “era extremante inteligente. E,
paixão. “Quando descobri a poesia, A vida em Israel quando falava, todos escutavam”.
pensei que havia encontrado o meu Shimon escrevia para o jornal da
destino”. Foi somente em 1935 que as escola – ensaios, debates e histórias
autoridades britânicas concederam a humorísticas. E, em segredo,
Vishniev era um shtetl com uma Getzel os documentos de imigração, continuou a escrever poemas, nos
vibrante comunidade sionista e o que permitiriam à sua família entrar quais revelava um traço triste e
sonho de emigrar para a Terra de no país. Ao despedir-se de seu avô, solitário de sua alma jovem.
Israel incendiava o espírito dos mais Zvi Meltzer lhe fez uma única
jovens. Na época, o fervor religioso recomendação: “Seja um judeu, para O ano de 1936 foi decisivo na
de Shimon diminuíra e ele abraçou todo o sempre!”. História Judaica. Na Europa, os

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REVISTA MORASHÁ i 94

nazistas já no poder na Alemanha,


haviam tomado a região da Renânia.
E, na então Palestina, iniciava-se
a chamada “Revolta Árabe” – uma
revolta armada contra o domínio
colonial britânico e a imigração
judaica. Na época, conforme o
compromisso assumido com a
Declaração Balfour, a Grã-Bretanha
estava auxiliando o estabelecimento
dos judeus na região. No ano de
1935, uns 65 mil judeus haviam
emigrado para a Terra de Israel.

Os confrontos tiveram início em


15 de abril, quando árabes
assassinaram dois judeus. Shimon Peres E Ezer Weizman, COM O REI DO NEPAL, 1958
A Haganá, organização judaica
de autodefesa, retaliou, matando
dois árabes. Alguns dias depois, Aos 15 anos, deixa a escola e vai para chocaram a comunidade e Shimon
um grupo de árabes massacrou a Aldeia Juvenil Ben-Shemen, uma ficou profundamente abalado com a
16 judeus nas ruas de Yaffo. No escola agrícola onde ficou por dois morte de seus amigos.
dia 25 foi criado, em Nablus, por anos e meio. “Meu objetivo na vida é
iniciativa de Hajj Amin al-Huseini, servir meu povo”, escreveu ao chegar. Foi também em Ben-Shemen que
o mufti de Jerusalém, o “Comitê Ele amava a vida em Ben-Shemen, Peres encontrou o grande amor
Árabe Supremo”, que assumiu o trabalhava a terra, levantava-se de sua vida, Sonia Gelman. Cheia
controle da revolta. A violência antes do sol nascer para ordenhar as de vida e grande idealista, Sonia
escalou, árabes armados passaram vacas e, à noite, lia avidamente – os emigrara com a família para a então
a emboscar os judeus nas estradas. clássicos, literatura hebraica, poesia, Palestina aos três anos de idade.
Qualquer viagem de Tel Aviv a ensaios políticos. E, continuava
Yaffo tornara-se uma aventura a escrever – poemas românticos, Shimon, um ativo membro
arriscada. artigos ideológicos... do Movimento Trabalhista,
considerava a Juventude Trabalhista
Desde adolescente o sangue político Na época já era um líder. Um dia, o seu lar ideológico embora não
já corria nas veias de Peres. Ele era os ingleses foram até Ben-Shemen compartilhasse a admiração de seus
um dos seguidores de David Ben à procura de armas para confiscá- companheiros pela então União
Gurion e apoiava o Movimento las. Os alunos, liderados por Peres, Soviética. Tinha profunda ojeriza
Trabalhista e a Histadrut, a sentaram-se no chão sobre a por Stalin.
organização sindical criada pelos entrada do depósito onde estavam
partidos trabalhistas. Filiou-se escondidas as armas, fingindo No ano de 1939, a Grã Bretanha
ao Hanoar Haoved (“Juventude estar estudando, e elas não foram voltou as costas ao Sionismo,
Operária”), o movimento juvenil descobertas. publicando um documento
socialista da Histadrut. limitando o estabelecimento de
Como os demais jovens, integrou- judeus na então Palestina.
No outono de 1937, Shimon Peres se às fileiras da Haganá e passava O chamado Livro Branco parecia ser
obteve uma bolsa de estudos para inúmeras noites nos postos de uma sentença de morte para o sonho
a Geula Commerce High School, vigilância ao redor de Ben-Shemen. sionista, mas os judeus decidiram
uma instituição elitista e de renome. Em 16 de janeiro de 1939, os árabes lutar contra a política britânica de
Mas não estava interessado em emboscaram três jovens que estavam todas as formas possíveis. Mas, com
trabalhar no mundo dos negócios; de vigília. Dois foram mortos e a eclosão da 2ª Guerra Mundial,
queria trabalhar num kibutz. um terceiro, ferido. Os assassinatos com os nazistas ameaçando a

55 DEZEMBRO 2016
ISRAEL

sobrevivência dos judeus da Europa, expedição composta de membros da não estava presente. Durante a
tanto Ben Gurion quanto Yitzhak Juventude Trabalhista para explorar Guerra ele fora capturado pelos
Tabenkin, um dos fundadores do a região. O intuito era chegar a Eilat. alemães, várias vezes, mas conseguiu
Movimento Kibutziano, uniram-se Durante a viagem, Shimon mapeou escapar, retornando a Israel no
para pedir aos judeus do Ishuv que o terreno e passou a calcular quanto final da 2ª Guerra. Shimon e Sonia
se alistassem nas forças britânicas poderia ser cultivado e quanto de tiveram três filhos e permaneceram
para lutar contra os alemães. Foi água poderia ser armazenada por casados por 66 anos.
quando Ben Gurion cunha seu represamento. Ele estava convencido
famoso slogan: “Nós devemos ajudar de que nós, judeus, poderíamos fazer A Guerra da
os britânicos em sua guerra contra o Neguev florescer, novamente. Independência
Hitler como se não houvesse o
Livro Branco, e devemos resistir ao Durante a viagem, cruzou com Em 1945, Shimon tornou-se líder
Livro Branco como se não houvesse um pássaro enorme, uma ave mais da Juventude Trabalhista. Foi então
guerra!”. perigosa até do que as águias. Era liberado de suas tarefas no Kibutz
um abutre, em hebraico, Peres. Alumot para que pudesse dedicar-se
O apelo de Ben Gurion provocou
uma tremenda resposta. Mais de
35 mil judeus alistaram-se
no exército britânico. Outros,
principalmente os simpatizantes de
Tabenkin, preferiram integrar-se à
Haganá, o exército não oficial do
Ishuv e às suas forças de combate, o
Palmach.

A 2ª Guerra teve um impacto direto


na família Persky. O pai de Shimon
fechou seu negócio e, apesar de ter
mais de 40 anos, voluntariou-se no
exército britânico e foi enviado à
Europa. Gigi filiou-se ao Palmach.
Sonia, futura esposa de Shimon,
também se voluntariou, atuando
como enfermeira e motorista nas
forças britânicas. Até sua mãe Shimon Peres com David Ben Gurion e Moshe Dayan, década de 1960
empregou-se numa fábrica do
exército inglês. Seus melhores
amigos, seu pai, seu irmão e a mulher Shimon gostou do nome da ave. a suas funções no movimento. Em
que amava se alistaram, apenas O deserto lhe havia presenteado com dezembro de 1946 foi escolhido
ele ficou de fora. Já era uma das o que ele acabaria adotando como por Ben Gurion para ser um dos
lideranças nacionais da Juventude seu nome hebraico. delegados ao Congresso Sionista, na
Trabalhista e estava totalmente Basileia. O outro jovem era Moshé
absorvido em suas atividades em Na primavera de 1945, Sonia Dayan. Na Basileia eles iniciaram
Ben-Shemen. Ele sabia que ao Gelman deu baixa do exército uma aliança política que duraria
término da Guerra seria de suma britânico e filiou-se ao Kibutz 30 anos.
importância para o Povo Judeu ter Alumot, ao norte do mar da
mais assentamentos judaicos no país. Galiléia, do qual Shimon foi um O Ishuv estava dividido entre
dos fundadores. Ela e Shimon se aceitar ou não a Partilha da então
Sentia-se fortemente atraído pelo casaram em 1º de maio de 1945. Palestina, proposta pelas Nações
Neguev, o deserto ao sul do país. A festa de casamento foi realizada Unidas. Muitos entre os delegados
Em janeiro de 1945, organizou uma em Ben-Shemen. O pai de Shimon que participavam do Congresso

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REVISTA MORASHÁ i 94

argumentavam que o país oferecido estava escrito 150 metralhadoras, Shimon estava
aos judeus era ínfimo e sequer 600 ou 700 rifles e disse: “Estamos
incluía alguma parte de Jerusalém. indo para a guerra, mas não temos trabalhando contra
Ben Gurion, pragmático, era armas. Precisamos delas. É a o relógio quando,
favorável, mas percebera que eram coisa mais importante. Faça isso
grandes as chances da proposta ser
em novembro de 1947,
acontecer”. O que tornava Shimon
rejeitada. Impulsivamente retirou- uma escolha perfeita para qualquer as Nações Unidas
se do plenário do Congresso, função que lhe era repentinamente votaram a Partilha
afirmando que “os delegados não atribuída era sua capacidade de se
percebiam para onde sopravam os focar em um assunto e estudá-lo da Palestina em dois
ventos da História”. Peres e outros com profundidade até se tornar um estados – um árabe e
jovens foram atrás dele. Ben Gurion expert.
perguntou a Peres: “Você vem um judeu.
comigo?” Ele respondeu: “Vou, se Ele passou a trabalhar sem parar.
voltar ao plenário para ver o que O “Sr. Segurança”, como era
acontece. Se ganharmos, ficamos. chamado, encontrara mais uma
Se perdermos, vamos todos juntos”. paixão, provavelmente a maior de
Após uma tumultuada sessão, todas: a construção do poderio
por pequena maioria, os judeus militar de Israel. Ele entrou de
aceitaram a Partilha. cabeça no mundo de missões
secretas, passou a enviar mensagens
No início de maio de 1947, os judeus codificadas e telegramas à Europa e
já sabiam que teriam que enfrentar à América, para conseguir comprar
os exércitos árabes. Joseph Izraeli, rifles, morteiros, aviões, navios de
o vice-comandante da Haganá, guerra, armas e munições. Foi nesse
convocou Peres para trabalhar no período que mudou oficialmente
QG da organização, em Tel Aviv. seu nome para “Shimon Peres”.

Peres tinha apenas 24 anos e não Quando Teddy Kollek, chefe da


poderia ter imaginado que os meses delegação de aquisição de armas da
seguintes revolucionariam sua vida Haganá, nos Estados Unidos, foi a
e o introduziriam no universo da Israel, queixou-se a Ben Gurion da
segurança nacional. Inicialmente desorganização da sede americana, e
ele era responsável por recursos exigiu que alguém competente fosse
humanos e pela pequena indústria escolhido para “ajeitar as coisas”. Shimon Peres, Diretor-Geral do
secreta de armas. Israel estava Escolheram Peres ainda que ele não ministério da defesa, 1963

prestes a lutar uma guerra por sua falasse inglês e nunca tivesse estado
sobrevivência, mas não possuía na América. Ben Gurion sabia que As atividades de Peres estavam
armas e tampouco munições. ele daria conta. canalizadas para um único objetivo:
Segundo um despacho que um comprar armas e enviá-las ao recém-
general enviou a Ben Gurion, Shimon estava trabalhando contra criado exército de Israel. Era uma
recusando o posto de comando o relógio quando, em novembro de tarefa dificílima porque os Estados
que lhe havia sido oferecido, as 1947, as Nações Unidas votaram Unidos, a Inglaterra e, depois, a
forças de Israel possuíam um total a Partilha da Palestina em dois Rússia impuseram um embargo de
de seis milhões de balas; para cada estados – um árabe e um judeu. armas ao jovem país. Os israelenses
dia do conflito teria que se utilizar O Estado de Israel foi criado em utilizaram toda a sua criatividade
um milhão. Ou seja, Israel tinha 14 de maio de 1948. Os árabes da para conseguir os armamentos –
munição para seis dias... região e as nações vizinhas árabes, forjaram identidades, utilizaram
que haviam rejeitado a resolução passaportes falsos de países da
Ben Gurion chamou Peres, da ONU, imediatamente atacaram América do Sul e da África. Ao
entregou-lhe um papel no qual Israel. final, conseguiram comprar uma

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ISRAEL

quantidade enorme de armas, a Peres originou-se do fato de Rabin Defesa. Viajava constantemente
maior parte eram armamentos da 2ª jamais tê-lo perdoado por não ter ao exterior para conduzir delicadas
Guerra. Peres integrou a missão que servido o exército naqueles tempos negociações militares para adquirir
negociou a compra de armamentos terríveis. todo tipo de armamento. Sua
na Checoslováquia, cruciais para reputação era de negociador astuto,
a vitória de Israel. Os arsenais Missão nos EUA eficaz e realista. Seu papel foi
adquiridos eram enviados em navios primordial para armar as Forças de
sem registro e aviões sem qualquer Em 1950, Shimon Peres foi Defesa de Israel com armamento
identificação. enviado aos EUA como adido moderno.
militar. Aprendeu inglês em três
Aos 26 anos, ele foi indicado meses, fez cursos avançados em Em poucos anos transformou
assistente do Secretário de Defesa filosofia e economia na Faculdade o Ministério da Defesa em um
para assuntos da Marinha, e tornou- de Pesquisas Sociais de Nova York, verdadeiro “império” econômico,
se assessor de Ben Gurion e por ele na New York University e, em industrial e científico. Desenvolveu
protegido. Trabalhava diretamente Harvard, fez um curso avançado a indústria de armamento nacional,
com ele nos problemas do sobre Administração. fundou a indústria aeronáutica.
Neguev, cujo reflorescer era sonho Seu trabalho permitiu que o país
compartilhado por ambos. Mas, seu principal objetivo equipasse seus aviões e tanques com
continuava sendo a compra de peças “Made in Israel”, fator decisivo
A Guerra de Independência de armas em grande escala e dos aviões para o fortalecimento militar de
Israel foi o grande feito e maior erro que o exército de Israel necessitava. Israel.
de Shimon. As atividades de Peres Seu trabalho implicava em assumir
foram cruciais para os esforços de sérios riscos, pois Washington ainda Uma de suas grandes vitórias
guerra; sem armas Israel não poderia impunha duras restrições à venda aconteceu em 1955. Peres tinha
ter ganhado a Guerra, no entanto, ao de armas a Israel. Sendo assim, ele e conseguido criar uma sólida rede
não se alistar Shimon cometeu um sua equipe viram-se forçados a usar de relações com a França, o que lhe
dos maiores erros de sua vida. Talvez de todos os métodos – legais ou permitiu fechar uma aliança militar
não se tenha alistado por estar não perante a lei americana – para franco-israelense. Israel passou a
convicto de que lidava com questões consegui-los. Muitos dos aviões ter acesso ao moderno estoque
de vital importância para a existência conseguidos foram comprados em de armamentos franceses.
de Israel. Mas, enquanto os soldados partes e secretamente montados em O acordo resultou na compra
arriscavam a vida, Shimon era uma pequena fábrica em Burbank, de US$ 1 bilhão em armas da
um civil, e nenhum deles jamais Califórnia. França, sem as quais teria sido
conseguiu perdoá-lo. Naqueles difícil para Israel vencer as guerras
dias fatídicos, quando o Estado Em muitas ocasiões, Peres falava em 1956 e 1967. Suas boas relações
lutava por sua sobrevivência, eles de seu sonho aos membros de com os franceses foram, também,
acreditavam que todo cidadão apto sua equipe, que o consideravam fundamentais nos encontros
deveria vestir um uniforme e lutar. delirante. “Virá o dia”, costumava secretos que culminaram na aliança
dizer, “em que Israel não dependerá entre Israel, França e Inglaterra na
Depois da Guerra de Independência, mais de aviões velhos restaurados, Guerra de Suez, contra o Egito, em
a nova geração de líderes israelenses comprados em outros países, mas 1956.
emergiu das fileiras das Forças de terá seus próprios aviões modernos,
Defesa de Israel (FDI): Yigael idealizados e fabricados em Israel”. Seu pragmatismo em relação ao
Yadin, Yigal Allon, Moshe Dayan, que era melhor para o Estado de
Yitzhak Rabin, Chaim Herzog, Construindo o Israel o levou a uma aproximação
Ezer Weizman, Ariel Sharon e poderio de Israel com a Alemanha Ocidental antes
tantos outros. Shimon Peres não mesmo do relacionamento se
fazia parte desse grupo; seu erro Em 1952 Peres retornou a Israel. tornar oficial. Dessa forma, pôde
tornou-se um obstáculo para suas Aos 29 anos, foi indicado por Ben fechar importantes acordos que
aspirações políticas. A animosidade Gurion para ocupar um cargo permitiram que Israel recebesse
de Yitzhak Rabin em relação a importante no Ministério da aviões, helicópteros e tanques.

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1. Com o Comte. da Marinha, Gen. de Brigada Shlomo Harel, 1967 2. Min. Defesa Ezer Weizmann Tel Aviv, 1977 3. P.M. Peres
ladeado pelos Pref. de Bethlehem Elias Freij e de Jerusalém Teddy Kollek, Bethlehem, 1984 4. P.M. Peres cumprimenta
xeques beduínos, Beersheva, 1985 5. Com Y. Rabin, 1986. 6. P.M. cumprimenta N. Sharansky, Prisioneiro de Zion recém
libertado, Aeroporto Ben-Gurion Airport, 1986

O apogeu de seu trabalho de porque ele é suficientemente claro tomadas, mas sua vida política foi
segurança foi a criação do para servir como força dissuasora turbulenta. Uma das personalidades
programa nuclear israelense, um para nossos inimigos, e ambíguo o mais amadas do mundo político
arsenal que nunca foi oficialmente bastante para não despertar a fúria israelense, concorreu a cinco
reconhecido. Na época, muitos do mundo. E deu autoconfiança pleitos sem jamais vencer. Atuou
o chamaram de “aventureiro a Israel. Todos perceberam que a como ministro em 12 governos
irresponsável”. “A ideia e sua opção de nos destruir já passou, no diferentes e foi duas vezes Primeiro
implementação despertaram a ira mundo”. Ministro. O período mais longo
de muitos contra mim”, contava em que atuou como tal foram
Peres. “Havia quem alegasse que Os esforços de Peres e a contínua dois anos na época em que fez
nada daquilo se concretizaria ajuda miliar dos EUA ajudaram uma aliança com seu oponente
(...) que a ideia era impossível a transformar o Estado Judeu na político, o Likud. Peres foi o único
de ser posta em pratica, e alguns nação mais poderosa do Oriente israelense a ocupar o cargo de
profetizavam que se nós sequer Médio. A força militar israelense é Primeiro Ministro e, também, o de
tentássemos ir na direção que uma das mais respeitadas e temidas Presidente.
eu sugeria, o mundo inteiro se da região.
voltaria contra nós, e Dimona Foi eleito pela primeira vez para
faria desabar contra Israel uma Vida política o Knesset em 1950 pelo Partido
terrível guerra. Mas, o reator Mapai e indicado Vice-Ministro
deu uma nova dimensão a Israel. Peres entrou na vida política em da Defesa. Saiu do Mapai em 1965,
Trata-se da maior compensação 1959 e atuou no Knesset por juntamente com Ben Gurion, que
pelo pequeno tamanho do país. praticamente 50 anos – de 1959 o indicou para secretário geral do
Nesse caso, a tecnologia constitui até 2007, ano em que foi eleito o 9º seu novo partido, o Rafi. Em 1968,
a compensação pelo território, pela Presidente de Israel. Sempre esteve Rafi e Mapai se uniram, criando o
geografia. E, tudo bem, se o reator no centro da ação, onde as decisões Partido Trabalhista e Peres tornou-
é sempre misterioso e ambíguo, sobre o futuro do Estado eram se Vice-Secretário Geral.

59 DEZEMBRO 2016
ISRAEL

que Israel podia, e devia, enviar um


comando aéreo até Uganda e que
seria viável um resgate dos reféns dos
terroristas que haviam sequestrado o
avião da Air France.

Em 1977 ele perdeu para Rabin as


primárias partidárias. Nessa época já
começavam a surgir sinais de
mudanças em suas posições
diplomáticas em direção à
reconciliação com o mundo árabe.
Em 1980 ele finalmente derrotou
Rabin nas eleições partidárias, mas
perdeu o pleito de 1981 para o Likud.

As eleições seguintes foram


realizadas em 1984, logo após a
eclosão da Guerra do Líbano e uma
grave crise econômica. Shimon levou
peres assina os acordos de oslo na casa branca, em Washington, observado
por Rabin, Clinton e Arafat seu partido à vitória no Knesset
pela primeira e última vez. Mas
Foi ministro em diferentes Pastas no o Partido Trabalhista não obteve
governo de Golda Meir, incluindo maioria expressiva e Peres foi
o de Absorção de Imigrantes, obrigado a formar um governo de
Transportes e Comunicações. coalisão nacional e alternar o cargo
de primeiro-ministro com Yitzhak
Peres concorreu para a liderança Shamir.
do Partido Trabalhista em 1974,
perdendo para Yitzhak Rabin. Peres tinha 61 anos, e passou a fazer
Quando este foi eleito Primeiro da busca pela paz seu principal
Ministro, ele indicou Peres “com o objetivo como Primeiro Ministro.
coração pesado”, como ele mesmo Foi um período difícil, pois
disse, para o Ministério da Defesa. enfrentou grandes desafios internos,
entre os quais, a hiperinflação.
Os desafios que Peres enfrentou Retirou as forças israelenses do
à frente do Ministério da Defesa Líbano e, durante sua administração,
foram muitos, inclusive o de reerguer trouxe os judeus etíopes para Israel.
as FDI depois da Guerra de Yom
Kipur, em 1973. Ele modernizou o Depois da alternância na função
arsenal militar, equipou o exército de Primeiro Ministro, em 1986,
com mísseis, tanques e jatos de Peres foi Ministro das Relações
combate, alguns feitos pela própria Exteriores do governo Shamir. Em
indústria do país. Porém, grande 1987, a Primeira Intifada eclodiu e,
parte de suas realizações ainda em 1988, o Likud venceu as eleições
permanecem secretas. Em 1976, ele e foi formado um novo governo
era Ministro da Defesa no governo de coalizão no qual Shamir foi o
de Rabin quando Israel realizou a Primeiro Ministro e, Peres, Ministro
Operação Entebbe. Hoje se sabe das Finanças. Os trabalhistas
que o grande mérito coube a ele, peres, à esq. com rabin, à dir., na retornam ao poder em 1992 sob a
ocasião do sequestro do avião air
pois desde o início Peres acreditou france em entebbe liderança de Rabin que indicou Peres

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REVISTA MORASHÁ i 94

como Chanceler. O relacionamento


entre Rabin e Peres mudara ao longo
dos anos, tendo os dois aprendido
a trabalhar juntos e a depender
totalmente um do outro.

Acordos de Oslo e
assassinato de Rabin

Peres nunca acreditou que Israel


tinha uma “dívida histórica” com
os palestinos. Ele acreditava que
a paz deveria ser algo pragmático,
uma opção. Em uma entrevista,
disse: “Israel pagou com sangue. Eu
acredito que nós sofremos muito.
(...) Eu pessoalmente paguei um
alto preço, porque defendia as
negociações com os palestinos e
eles nos aterrorizaram. No início,
fernando henrique cardoso encontra shimon peres em jerusalem, 2014
os árabes queriam riscar-nos do
mapa, tentaram fazer isso através da
guerra. Fomos atacados sete vezes. fez. Negociações secretas com a Depois de Oslo, Peres costumava
Eles estavam corretos em sua análise, OLP levaram à assinatura de um traçar uma conexão entre segurança
mas errados em sua compreensão. acordo entre Peres e Mahmoud e paz. “Dimona sedimentou o
Eram numericamente superiores. Abbas, em 1993, em Oslo. caminho para Oslo. Uma vez me
Nós estávamos em número menor O intuito dos acordos era resolver o perguntaram como eu gostaria
e sozinhos, não tínhamos ainda conflito pela terra entre a Jordânia e de descrever minha biografia e eu
um Estado e estávamos em guerra. o Mar Mediterrâneo. disse: ‘De Dimona a Oslo’. Uma
Então, de seu ponto de vista, eles nação ataca a outra por duas razões
estavam corretos em tentar nos Rabin sequer queria ir a – o desejo de destruir o outro país
destruir. Mas acontece que eles Washington. “Já que Rabin não e a capacidade de fazê-lo. Como
perderam todas as sete guerras, queria ir, Arafat disse que se nós não podemos mudar o desejo,
apesar de todos os seus cálculos, Rabin não fosse, ele também não precisamos convencer o outro
pois há elementos que não podem iria. Rabin não gostava de Arafat de que ele não pode fazer isso.
ser calculados, mas são decisivos: e não queria falar com ele”. Portanto, Dimona puxou o tapete
o espírito humano e o sacrifício A famosa cerimônia realizada na sob os pés daqueles que pensaram
humano”. Casa Branca em setembro daquele que poderiam destruir Israel”.
ano contou com a participação
Ele ainda dizia: “Acredito que há de Rabin, Arafat, Clinton, Peres Juntos, Peres e Rabin deram início
duas coisas na vida que não podem e Abbas. “Como vocês sabem”, ao processo de Oslo e juntos
ser alcançadas a menos que você contava Peres, “quando estávamos tornaram-se alvo de fortes críticas
feche um pouco os olhos: o amor em Washington, Clinton e ameaças de morte por parte de
e a paz. Se você ficar sempre de praticamente forçou Rabin a radicais israelenses. Durante dois
olhos abertos jamais se apaixonará. apertar a mão de Arafat. E quando anos Peres trabalhou arduamente
Se você abrir seus olhos nunca fará o fez virou-se para mim e disse: para manter a imperfeita paz.
a paz. Porque todos nós somos ‘Agora é sua vez’, porque ele já Mas, a fúria dos israelenses diante
incompletos, não somos perfeitos”. passara pela agonia”. Em 1994, do constante terrorismo árabe, a
Peres, Rabin e Arafat receberam violência e números de mortos,
Segundo Peres, Rabin não queria o Prêmio Nobel da Paz pelos levou a uma série de manifestações
conversar com Arafat, então ele o Acordos de Oslo. contra o governo de Rabin e Peres.

61 DEZEMBRO 2016
ISRAEL

1 2 3

4 5 5

1. Peres e Rabin com seus Prêmios Nobel, Oslo, 1994 2. Peres cumprimenta Rei Hussein da Jordânia, funeral de Yitzhak
Rabin, Mt. Herzl, Jerusalém 3. Com o ex-Secretário de Estado Henry Kissinger, 2012 4. Pres. Shimon Peres e Vladimir
Putin em sua visita oficial a Moscou, 2012 5. Com o Papa Francisco, 2013 6. Pres. Barack Obama, esq., plantando uma
árvore na residência do Pres. de Israel, Jerusalém, 2013

Em 1995, Yigal Amir assassinou Derrota eleitoral


Rabin em uma manifestação em
prol da paz. Peres, outro alvo Em 1996 Peres enfrentou um
de Amir, estava a alguns metros oponente mais jovem, Binyamin
de distância. Peres foi indicado Netanyahu, e perdeu as eleições pela
Primeiro Ministro. Pela segunda vez estreita margem de 1%. Depois da
em sua vida era Primeiro Ministro e derrota, fundou o Centro Peres para
também Ministro da Defesa. a Paz. O pleito de 1999 foi vencido
pelo líder do Partido Trabalhista,
Israel entrou em um dos períodos Ehud Barak, e Peres foi indicado
mais difíceis de sua história, para o Ministério da Cooperação
incluindo uma série de ataques Regional. Mas em 2000, sofreu mais
terroristas perpetrados pelo Hamas, uma derrota ao perder a eleição
que mataram centenas de israelenses. presidencial no Knesset para Moshe
Peres perdeu o apoio politico quando Katsav.
sucessivos ataques a bomba mataram
dezenas de cidadãos em Tel Aviv e Quando Ariel Sharon derrotou
em Jerusalém. A promessa de Oslo Barak, em 2001, Peres fez com que
foi destruída em meio aos ataques o Partido Trabalhista participasse do
suicidas palestinos. A Segunda governo. Israel vivia dias dramáticos,
Intifada tinha começado. pois a Segunda Intifada estava no
auge. No final de 2002, quando os
Peres, no entanto, insistia em trabalhistas deixaram a coalisão,
argumentar que negociações eram o Peres renunciou ao cargo.
o primeiro ministro com a esposa,
único caminho para se conseguir a Os trabalhistas também perderam
sonia, 1984 segurança definitiva de Israel. a eleição de 2003 e, mais uma vez,

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REVISTA MORASHÁ i 94

Peres levou o partido ao governo Era um grande homem do


de Sharon para apoiar a retirada mundo. Ele pertencia a uma
da Faixa de Gaza. Mas, em 2005, geração que emergiu da escravidão
quando Amir Peretz derrotou Peres para a liberdade, que lançou
nas primárias e, tirou o partido raízes em nossa Pátria ancestral, e
do governo, a reação de Peres foi empunhou a Espada de David para
imediata, deixando definitivamente defendê-la”.
o partido.
As palavras do presidente Barack
Na eleição seguinte ele concorreu Obama não foram menos
com o Partido Kadima, que tinha tocantes: “O último da geração dos
sido criado por Sharon, e foi fundadores agora se foi. Em sua
indicado Vice-Primeiro Ministro e Bill Clinton, presidente dos Estados vida, Shimon realizou feitos que
Ministro para o Desenvolvimento Unidos, despede-se de Shimon Peres equivalem à vida de mil homens.
do Neguev, Galileia e Economia Mas ele entendeu que é melhor
Regional na gestão de Ehud Olmert. seu discurso em Yad Vashem, ele foi viver até o final dos dias na Terra
muito firme ao declarar: “Viemos com saudades não do passado,
Peres foi eleito 9º Presidente de aqui para dizer que somos um povo mas dos sonhos que ainda não
Israel em 2007 e permaneceu no pacífico que pode defender-se. se realizaram – um Estado de
cargo até 2014. Dentro do sistema Podemos e iremos fazê-lo”. Tinha Israel seguro e em uma paz justa e
parlamentar israelense, a presidência plena consciência de quão arraigado duradoura com seus vizinhos”. O
é uma função principalmente é o ódio dos árabes contra Israel e ex-presidente Bill Clinton disse
cerimonial. Rapidamente, alcançou o quão difícil seria conseguir a paz. que Peres “... viveu 93 anos em um
status de estadista mundial. Durante “Nós as vencemos, todas as guerras estado de constante admiração
esse período, ele e sua equipe se de Israel”, costumava dizer. “Mas sobre o inacreditável potencial que
tornaram uma “marca” internacional não vencemos a maior das vitórias todos nós temos de superar nossas
e convidado imprescindível em a que aspirávamos: a libertação da feridas, nossos ressentimentos,
importantes conferências e eventos necessidade de ter que vencer as nossos temores de fazer o melhor
ao redor do globo. Internamente, vitórias”. hoje e reivindicar a promessa do
ele jamais foi tão popular quanto amanhã”.
durante os sete anos em que esteve Shimon Peres nunca viu seu sonho
na presidência, obtendo mais de 80% de paz realizado. No entanto, aos 93 “Eu sou filho de uma geração que
de aprovação. anos, jamais parou de trabalhar pelo perdeu um mundo e construiu
seu povo e nunca deixou de sonhar outro”, Peres escreveu. E, nós, o
A perda de um gigante por um futuro melhor. Foi amado povo judeu, somos eternamente
por judeus e não judeus, e o mundo gratos ao mundo que ele, entre
No dia 13 de setembro de 2016 lamentou profundamente sua morte, outros gigantes de nossa nação,
Shimon Peres sofreu um infarto, a perda de um grande homem. Um ajudou a construir.
vindo a falecer duas semanas depois, homem que se tornou um símbolo
no dia 28. Deixou três filhos – Tzvia de paz e esperança.
Walden, Yoni Peres, e Chemi, além
de netos e bisnetos. Peres escreveu Líderes de todo o mundo foram ao Bibliografia
11 livros, ganhou inúmeros prêmios, Monte Herzl, o cemitério nacional Samuel, David, President: Shimon Peres:
além do Nobel da Paz. de Israel, para dar seu último adeus a The Kindle Singles Interview, 2013
Shimon Peres. Netanyahu, Primeiro Bar-Zohar, Shimon Peres: The Biography
Tendo sobrevivido a todos os Ministro de Israel, proferiu um Ziv, Guy, Why Hawks Become Doves:
políticos de sua geração, ele foi discurso emocionado: “Shimon viveu Shimon Peres and Foreign Policy Change in
Israel, 2014- kindle edition
um dos mais importantes líderes uma vida cheia de propósito. Ele
do mundo. Não era “ingênuo”, em alçou a alturas incríveis. Arrebatou Yardena, Schwartz, Exclusive: Shimon
Peres on Peace, War and Israel’s Future 15
relação à paz com os árabes, como a tantos com sua visão e esperança. de fevereiro de 2016 (TIME Interviews
tantos os acusam. Em 2012, durante Era um grande homem de Israel. Shimon Peres)

63 DEZEMBRO 2016
COMUNIDADES

TURQUIA: há um futuro
para os judeus?

A comunidade judaica da Turquia é uma das poucas ainda


presentes em um país de maioria muçulmana. Desde a criação
da República, na década de 1920, até hoje, o país tem passado
por inúmeras mudanças que afetaram a vida dos judeus. A
hostilidade e discriminação já existentes nas primeiras décadas
da nação turca atingiram novos patamares com a subida ao
poder do Partido Islâmico que governa atualmente a Turquia.

A
pesar de a comunidade judaica mostrar E o quadro que se vê atualmente sob o atual presidente,
certo dinamismo, os cientistas políticos Recep Tayyip Erdogan, islamista convicto, não difere
têm dúvidas quanto à sua continuidade na do que já existia, apesar do reatamento das relações
Turquia a longo prazo. Desde a fundação diplomáticas com Israel, em junho de 2016.
da República turca, o número de judeus que
vivem no país tem minguado, e o êxodo continua. Não A criação da República Turca
há dados exatos sobre quantos lá vivem, atualmente, pois,
desde 1965, o censo excluiu a pergunta sobre a religião Sempre houve judeus vivendo, interruptamente, na
do cidadão e, dependendo da fonte, os números diferem, região onde fica a República da Turquia desde o século
mas estima-se que, em 2005, havia quase 20 mil judeus 4º a.E.C., principalmente na Península da Anatólia.
no país e, atualmente, o número tenha caído para 17 mil. No entanto, a grande imigração judaica ocorreu no
final do século 15 e 16 com a chegada de judeus e
É bem verdade que os judeus que vivem na Turquia conversos ibéricos à região, na época parte do Império
enfrentaram menos problemas do que outras Otomano. Em fins do século 19, a população judaica
comunidades em países islâmicos, mas apesar da que vivia na atual Turquia era numerosa e próspera.
liberdade religiosa, da concessão dos direitos civis e da Em um relatório, a Alliance Israélite Universelle afirma
participação na vida econômica, não se pode falar em que “são poucos os países, mesmo os mais esclarecidos
aceitação dos judeus enquanto tal na sociedade turca; e civilizados, onde os judeus desfrutem a igualdade que
pelo contrário. Desde seu estabelecimento no país, eles têm na Turquia”.
são alvo de discriminação, assimilação forçada e pogroms.
A Turquia como país com a configuração atual surgiu
A partir do final da década de 1940, o sentimento após o término da 1a Guerra Mundial. O debilitado
anti-israelense e o antissemitismo permeiam a sociedade Império Otomano aliara-se à Tríplice Aliança
turca, e os judeus têm sido alvo da crescente retórica (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália), que acabou
hostil dos setores islâmicos e ultranacionalistas. sendo derrotada pela França e Grã-Bretanha.

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Istambul, vista da Torre Galata, Turquia

No final da Guerra, o Império foi Em outubro de 1923, Mustafa A Turquia passa a ser governada por
desmembrado, ficando o território Kemal proclama a República da um sistema político unipartidário
turco dividido entre os vencedores. Turquia, tornando-se seu presidente. e, nas três décadas seguintes, o
Convoca também a Grande poder está nas mãos do “Partido
Em de maio de 1919, a ocupação Assembleia Nacional (GAN) que Republicano do Povo” (CHP),
de Istambul por tropas britânicas, agiria como Poder Legislativo. fundado e encabeçado por Atatürk.
francesas e italianas, e de
Esmirna pelos gregos foi o O objetivo de Atatürk era criar
estopim para o início da Guerra uma nação homogênea e secular
de Independência Turca. Durante sobre as ruínas do multiétnico
o conflito, oficiais liderados pelo Império Otomano. A Constituição
general Mustafa Kemal, mais de 1924, em teoria, não fazia
conhecido como Atatürk (Pai dos distinção entre os muçulmanos e
Turcos), enfrentaram e venceram não muçulmanos, no entanto, Kemal
as tropas gregas, britânicas e almejava a “turquização” de toda a
francesas. população. E consequentemente
todas as minorias veem-se forçadas
Em julho de 1923, as partes a se integrar, adotando a cultura
envolvidas assinaram o Tratado e idioma turcos. As principais
de Lausanne que reconhecia o minorias que viviam na época em
governo dos nacionalistas turcos território turco eram: um número
e definia as fronteiras da nova reduzido de armênios, pois mais
nação. O novo Estado turco, de um milhão e meio haviam sido
com Ancara como capital, irá dizimados pelo governo otomano;
ocupar a península da Anatólia. MUSTAFA KEMAL, “PAI DOS TURCOS” os gregos cristãos, a maioria vivendo

65 DEZEmbro 2016
COMUNIDADES

em Istambul, pois os que viviam programa do governo turco, em


em outras regiões tinham sido 1925 essas minorias abriram mão
transferidos para a Grécia, e, em da proteção de suas singularidades,
contrapartida, os muçulmanos que imbuídas nesse Tratado.
viviam na Grécia tinham ido para a
Turquia; e os judeus que, de acordo O xenofobismo teve sérias
com o primeiro censo, realizado em consequências para os não-
1927, eram 80 mil pessoas, e estavam muçulmanos, pois resultou em
basicamente concentrados em uma série de leis, principalmente
Istambul, Izmir e Edirne. na área econômica, que faziam
uma distinção entre os verdadeiros
As reformas rumo à “turcos”, ou seja, muçulmanos de
secularização etnia turca, e os não-muçulmanos.
De acordo com essas leis apenas
Ao assumir a presidência, Kemal “turcos étnicos” podiam exercer
deu início à ocidentalização da cHacham Bashi Haïm Nahum inúmeras funções econômicas e
Turquia. Nos anos que se seguiram Rabino Chefe da Turquia, 1909 uma série de profissões. A lista é
e até sua morte, em 1938, implantou imensa, mas para se ter uma ideia,
um programa de reformas que legais que os homens, inclusive o apenas os “turcos étnicos” podiam
transformaram a sociedade turca. de voto. O novo regime estimulou trabalhar em instituições públicas,
Pretendia secularizar uma sociedade o uso de roupas ocidentais, e, bancos, correio, hotéis, e assim por
que, durante séculos tinha-se em 1934, foi decretada a Lei do diante. E, apenas os “turcos” podiam
pautado pelas leis da shari’a1. Vestuário, que proibiu o uso de véus ser médicos, dentistas, parteiras,
Queria fazer da Turquia um Estado e turbantes em instituições públicas. vendedores ambulantes, fabricantes
moderno, democrático e laico. de roupas...
As reformas instituídas traduzem a De suma importância foram
ideologia “kemalista” que servirá de também as reformas na área de A vida judaica
base para a estruturação da nação. educação. A escola primária tornou-
se gratuita e obrigatória, e ficou sob Foi substancial o impacto na
Não há dúvida de que a principal a responsabilidade direta do Estado, vida judaica, em decorrência
reforma empreendida por Atatürk acabando, assim, com o domínio dessas reformas. Os judeus logo
foi a separação entre o Estado e o islâmico. Foi também adotado o perceberam que a igualdade de
Islã, que deixou de ser a religião do alfabeto turco, de grafia latina. juri de direitos não lhes garantia a
Estado. O turco tornou-se a língua igualdade de facto dos mesmos na
oficial das preces nas mesquitas. As expectativas das várias minorias esfera social e pública. A maioria
Foram abolidas as cortes islâmicas e de total integração, porém, não se muçulmana continuava a considerá-
criado um código jurídico baseado realizaram. Tanto os kemalistas, los “não turcos”, dhimmis2, cidadãos
nos códices europeus. Adotou-se o como o povo em geral eram de 2ª classe, pessoas que não
calendário gregoriano, o domingo e xenofóbicos, e consideravam “mereciam” os mesmos privilégios
não a sexta-feira se tornando o dia “suspeitas” as minorias e todos os que os turcos étnicos. Eles eram
do descanso. Tornou-se obrigatório não-muçulmanos. A pressão por constantemente “lembrados” de
adotar um sobrenome de família, uma “turquização” – como “prova” sua classificação de “convidados”,
proibiu-se a poligamia e as mulheres de lealdade à Turquia, era intensa. cabendo-lhes, portanto, demonstrar
passaram a ter os mesmos direitos sua gratidão mediante sua
Não faltaram críticas no âmbito turquização.
internacional ao programa de
1
A shari’a é o corpo da lei religiosa islâmica turquização, pois violava disposições Numa demonstração de
tanto em relação à justiça civil e criminal, do Tratado de Lausanne, que “patriotismo”, os judeus
quanto em relação à conduta individual. garantia os direitos dos não- abdicaram de seus direitos como
2
Um não-muçulmano que vivia num muçulmanos. Para colocar um ponto minoria, e muitos renunciaram
Estado Islâmico final na discussão da validade do à sua nacionalidade estrangeira.

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A Sinagoga Asquenazi, Istambul, 2015

Historiadores acreditam que se judeus foram assediados em público, uma geração não teria fácil acesso
os judeus não foram abertamente multados ou presos por utilizar o à instrução religiosa, enquanto era
forçados, eles foram “induzidos” a ladino ou francês – com total apoio grande a pressão pela turquização.
tomar essa atitude. do governo.
Contudo, apesar de todas essas
Como vimos, como outras minorias Em aderência às reformas mudanças, a integração dos judeus
os judeus foram proibidos de exercer kemalistas, a comunidade judaica na sociedade maior continuava
inúmeras profissões, muitas das teve que fechar organizações limitada. Eles permaneceram
quais haviam exercido sob domínio religiosas e beneficentes. As escolas separados, mantendo low profile, de
otomano. Em 1934, 24% dos judeus judaicas deixaram de ensinar certa forma interiorizando o rótulo
trabalhavam no comércio, 20% na hebraico e religião, enquanto de “convidados” que lhe havia sido
indústria e 45% em atividades que que, como dissemos, tornava-se imposto. Mesmo assim, por causa de
não necessitavam qualificação e obrigatório o ensino do idioma seu sucesso econômico, a burguesia
apenas 4% na administração pública turco, da história e geografia do judaica enfrentava quase que
e no setor de serviços. país – por um professor “turco”. diariamente um ressentimento que
A proibição de ensinar a religião nas beirava o antissemitismo.
A secularização da República escolas foi um sério golpe, colocando
acelerou a secularização dos judeus, em questão a manutenção de um A imprensa emergia como um
iniciada meio século antes. Estes sistema educacional separado. Em importante fator no fomento aos
últimos foram obrigados a adotar 1929 havia em Istambul 10 escolas sentimentos antijudaicos. Nas
sobrenomes turcos, e a utilizar o judaicas, com cerca de 2.500 alunos, primeiras décadas proliferavam
idioma turco sempre que estivessem mas, após a 2a Guerra, eram raras as publicações antissemitas com
em público e, pasmem, até nas as que ainda funcionavam. Eram caricaturas de judeus retratados
sinagogas! Em 1928, a campanha escassas as perspectivas de uma vida como gananciosos, parasitas,
cujo slogan era “Cidadão, fale turco!” judaica plena para a maior parte traidores desleais e mal-agradecidos,
espalhou-se pelo país. Centenas de da população judaica, pois toda que deviam ser expulsos do país.

67 DEZEmbro 2016
COMUNIDADES

e restabelecer no local a presença


turca implantando-se bases militares.
Tanto políticos quanto militares
não queriam não-muçulmanos
nessa área. A estratégia utilizada
para forçá-los a abandonar o local
consistia em incentivar ataques
e campanhas de intimidação.
Não calcularam que, uma vez
desencadeado, seria difícil conter
o antissemitismo da população e
tampouco imaginaram a explosão de
ódio de grande escala que, de fato,
ocorreu.

Tragédia dos
refugiados judeus
durante o Holocausto

A Turquia se manteve neutra


durante a 2ª Guerra. Apesar de
os judeus turcos não correrem os
perigos enfrentados por seus irmãos
em outros países, foi um período
de grandes dificuldades para a
comunidade.

Na década de 1930 o país instituiu


uma política de imigração seletiva,
admitindo apenas refugiados
Bimá da Sinagoga Bikur Cholim, Izmir, Turquia judeus altamente qualificados.
Por volta de 300 médicos,
cientistas e artistas judeus foram
Os pogroms na Trácia espancados, atacados e mulheres convidados para lá se estabelecer.
judias estupradas disseminaram o Entre eles estavam as mais
Em 1934, durante os últimos pânico entre os judeus da Trácia. brilhantes mentes da Europa,
dias de junho e primeiros de Mais de 15 mil abandonaram suas que se tornaram instrumentais no
julho foram registrados ataques casas e fugiram para Istambul. empenho turco de melhorar
violentos contra os judeus nas seu sistema educacional e
cidades de Edirne, Çanakkale e De acordo com os documentos infraestrutura econômica.
Kirklarel, localizadas na Trácia atualmente disponíveis, os Em 1934, havia 82 judeus alemães
turca, onde viviam por volta ataques ocorreram por uma dando aulas na Universidade de
de 20 mil judeus. A violência série de motivos. Havia por Istambul.
teve início com um boicote aos parte dos muçulmanos um forte
mercadores. Em 24 de junho, o ressentimento em relação aos Em contrapartida, foi severa a
bairro judaico de Çanakkale foi judeus da região que não falavam política adotada em relação aos
atacado e muçulmanos atacaram o turco e uma inveja de seus outros milhares de judeus que
lojas e residências de judeus. No comerciantes que dominavam a procuravam asilo. Em 1938 foi
dia 3 de julho, foram atacados economia. Havia ainda o interesse proibida a entrada a todos aqueles
os de Kirklarel e, em seguida, os do governo e das forças armadas de sem passaporte ou documentos
de Edirne. As notícias de judeus militarizar o Estreito do Bósforo de cidadania. Em seguida foi

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REVISTA MORASHÁ i 94

promulgado um decreto para O incidente mais famoso foi o


impedir a entrada na Turquia do Struma. O navio, com 769
de “Judeus cujos direitos foram judeus a bordo, tentou aportar
limitados em seus países”. Em 1941, em Istambul, em 15 de dezembro
a outorga de visto de residente de 1941. As autoridades recusaram-
ou turista a judeus perseguidos se a autorizar o desembarque
foi proibida por lei, sendo apenas sem a garantia da Grã-Bretanha
permitida a concessão de vistos de que os passageiros poderiam
de trânsito àqueles que tinham prosseguir viagem. O impasse
visto de entrada a outros países. durou 70 dias, durante os quais
Assim, 13.240 judeus usaram a os refugiados sobreviveram graças
Turquia como caminho para a à mobilização da comunidade
então Palestina, enquanto outros judaica local. Em 23 de fevereiro,
3.234 conseguiram se estabelecer na os turcos rebocaram o Struma até
Turquia. Ernst Eduard Hirsch, refugiado alto-mar. No dia seguinte, a casa
judeu alemão que influenciou
consideravelmente o sistema jurídico
de máquinas explodiu e o navio
As leis turcas permitiam a volta à turco afundou. Somente uma pessoa
Turquia aos judeus com cidadania sobreviveu. Após o incidente, o
turca que viviam em países Após a partida do navio, o então Primeiro Ministro Refik
ocupados pela Alemanha, desde jornal semi-oficial Ulus escreveu: Saydam declarou:
que tivessem documentos válidos. “Finalmente se foram os judeus que “A Turquia não pode se tornar a
Em muitos casos, a situação dos perambulavam por aqui”. casa daqueles que não são aceitos
que não possuíam papeis em por ninguém”.
ordem dependia da boa vontade O segundo navio foi o Salvador que
dos cônsules turcos. Eles podiam chegou em 6 de dezembro de 1940. Variam os dados sobre o número de
reconhecê-los como cidadãos do A bordo havia 327 judeus. Mais uma judeus salvos pela Turquia durante
país, salvando-os da deportação, vez as autoridades não permitiram a Shoá. De acordo com Stanford
ou não. Alguns deles, como o desembarque. No dia 12 os turcos Shaw foram 100 mil; o renomado
Necdet Kent, Namık, Kemal forçaram o navio a seguir para alto- historiador Rifat Bali estima em
Yolga, Selahattin Ülkümen e mar apesar da forte tempestade. 15 mil e Tuvia Friling, um
Behiç Erkin, fizeram de tudo para O navio afundou e 204 pessoas se especialista israelense nos Balcãs e
salvar a vida do maior número afogaram, entre elas 70 crianças. Oriente Médio, em 20 mil.
possível de judeus, e seus nomes
constam entre os Justos das Nações,
em Jerusalém.

A lei de refugiados foi cumprida


ao pé da letra, mesmo em situações
extremas, como foi o caso dos
refugiados a bordo de três navios
que atracaram nos portos da
Turquia. O SS Parita, com 850
refugiados, atracou no dia 8 de
agosto de 1939, na costa de Izmir.
As autoridades não permitiram o
desembarque e, após uma semana
sem água ou alimento, o capitão foi
forçado a seguir viagem. Algumas
revistas turcas ridicularizaram os
refugiados judeus que procuravam às primeiras horas da manhã, em tel aviv, o ss parita, com 700 refugiados judeus
refúgio pelo mundo afora. a bordo, aporta diante do hotel ritz, 22/08/1939 (AP Photo)

69 DEZEmbro 2016
COMUNIDADES

Os turcos não- Apenas quatro meses após 2ª Guerra – especialmente após a


muçulmanos na a dissolução dos batalhões, independência de Israel, entre 1948
2ª guerra os não-muçulmanos seriam e 1949.
novamente alvo de mais um
A Turquia, apesar de neutra e de decreto discriminatório. Em 11 de Em 1945 havia 76 mil judeus na
cooperar com um ou outro país novembro de 1942, é promulgada Turquia, em 1955, 45.995, número
beligerante, mantinha fortes relações a Lei sobre Imposto de Renda. que continuou a diminuir na década
com a Alemanha – econômicas e Em princípio, a nova lei seguinte, chegando a 38.267 em
militares. Em Istambul, existia desde foi promulgada como uma 1965.
1933 um núcleo do partido nazista oportunidade para o governo sanear
que era tolerado pelo governo turco, suas finanças. Cresce o Movimento
e muitos turcos simpatizavam com o Islâmico
nazismo. A lei3 dividia os contribuintes em
quatro grupos: os muçulmanos, os No pós-guerra a Turquia entrou
O terreno era fértil para o não-muçulmanos, os estrangeiros, num período de transição política
crescimento do antissemitismo. e os dönmes3 . Os impostos para os de um regime unipartidário para
Na mídia apareciam cada vez mais não-muçulmanos eram quatro vezes o multipartidarismo. Em 1946,
artigos que apontavam as minorias, superiores aos dos muçulmanos. formou-se o Partido Democrático,
principalmente os judeus, como Estima-se que, na média per capita, que assumiu o poder em 1950.
“responsáveis” pelos problemas os muçulmanos eram taxados em
da Turquia. As caricaturas 5% de suas rendas anuais, os gregos Mais uma vez, havia motivos
estereotipadas de judeus eram em 156%, os judeus em 179% e para as minorias não muçulmanas
comuns. os armênios em 232%. Para piorar acreditarem que a igualdade
a situação, os não-muçulmanos prometida na Constituição de
Nesse clima, o governo adotou tinham que pagar a totalidade dos 1924 poderia tornar-se realidade,
uma política discriminatória em impostos em 15 dias, em dinheiro, garantindo-lhes o mesmo
relação aos não-muçulmanos. caso contrário seriam enviados a tratamento dos muçulmanos. Mas
Após a eclosão da guerra, foram campos de trabalhos forçados na as esperanças foram frustradas
mobilizadas 20 classes de Anatólia Oriental. Estima-se que e a situação, principalmente da
reservistas, entre 18 e 45 anos. 1.400 acabaram sendo deportados população judaica, tornou-se
Judeus e outros não-muçulmanos para Askale. Em 1943, o governo mais difícil. A volta ao islamismo
foram separados dos demais e libertou os que enviara a essa tornara-se uma forte tendência
enviados aos Batalhões de Trabalho. localidade e, em março do ano política que iria determinar as
Eles não receberam armas nem seguinte, o Imposto de Renda foi futuras décadas.
uniformes e eram insultados por suspenso e as dívidas, perdoadas.
soldados “turcos” que os chamavam Até o CHP, partido de ideologia
de “soldados infiéis”. Os “soldados” A lei de taxação foi um grande kemalista, defensor da secularização
dos batalhões foram despachados golpe para a burguesia não- que até então governara o país,
para vários locais da Anatólia, muçulmana. Os tributos arruinaram teve que adotar uma atitude
obrigados a trabalhar em condições a vida e as finanças de muitas mais moderada sobre as questões
sub-humanas na construção de famílias. Historiadores acreditam religiosas. Com a subida ao poder
bases aéreas, túneis e rodovias. que a lei tenha sido criada para do Partido Democrático, foram
Muitos morreram. Os batalhões só enfraquecer a posição econômica abolidas muitas das proibições
foram dispensados em julho das minorias e criar uma burguesia em relação ao Islã que vigoravam
de 1942. verdadeiramente turca. desde as primeiras décadas da
A legislação discriminatória República. Gradativamente o
empobreceu a comunidade Islã reconquistava seu lugar na
3
Dönme: Grupo de cripto-judeus no judaica deixando-a desorientada sociedade turca. Essa tendência não
Império Otomano, no século 17, cujos e desconfiada. Os acontecimentos secularista e pró-islâmica acabou
membros são publicamente muçulmanos,
mas secretamente seguem praticando o prepararam o caminho para a abrindo espaço ao islamismo
judaísmo. ampla emigração ocorrida após a político.

70
REVISTA MORASHÁ i 94

O Movimento Islâmico
e os judeus turcos

O crescimento constante do
movimento islâmico turco que
acompanhou a transição do país à
democracia multipartidária trouxe
consigo uma crescente
onda antissemita. Na última
década isso vinha aparecendo
constantemente na imprensa
ultranacionalista e islâmica,
tornando-se gradualmente um
princípio que caracterizava ambas as
ideologias.

Durante as primeiras décadas da


República o antissemitismo era
desencadeado pela “resistência” dos
judeus à turquização e à sua posição Rolos da Torá, Sinagoga Signora, Izmir, Turquia
socioeconômica. A partir de 1948,
um novo elemento é adicionado
e vai predominando: a existência
e fortalecimento do Estado de
“O antissemitismo atinge novos patamares
Israel. Os turcos, sentindo-se
humilhados pelas sucessivas derrotas na Turquia: ameaças contra judeus turcos,
dos exércitos árabes, passaram a manifestações de admiração a Hitler...”, Segundo
alimentar um ódio contra Israel e
a comunidade judaica identificada um despacho oficial do MEMRI (Instituto de
como sinônimo de Israel. Pesquisa de Mídia do Oriente Médio), 2014
A retórica negativa sobre Israel e o
sionismo e a crença de uma suposta
conspiração judaica mundial para foi vítima de um ataque suicida
enfraquecer e dominar a Turquia e o executado por palestinos ligados à
Islã permeiam toda a sociedade turca organização terrorista de Abu Nidal.
- não apenas a direita, mas também Sete judeus ficaram feridos, e 22 dos
os esquerdistas e círculos kemalistas. que tinham ido para as orações do
Esse tipo de crença explica, Shabat foram mortos.
entre outros, porque nenhuma
instituição judaica internacional tem Na década de 1990 há um
autorização para abrir escritórios ou crescimento do antiamericanismo
atuar no país. Essa nova vertente do e antiisraelismo. Novas teorias
antissemitismo tem-se intensificado de conspiração passam a circular,
paralelamente ao crescimento do apontando para os americanos
radicalismo islâmico. judeus ou israelenses como os
principais arquitetos da primeira
Com o aumento da virulência Guerra do Golfo (agosto de 1990
antissemita, cresciam os ataques a fevereiro de 1991) que, segundo
físicos aos judeus. Em 6 de setembro rimonin em prata.
essa teoria, teria sido realizada para
de 1986, a Sinagoga Neve Shalom sinagoga italiana de karakôy beneficiar o Estado Judeu.

71 DEZEmbro 2016
COMUNIDADES

As várias teorias de supostas mídia turca questionou a posição


conspirações judias contra da comunidade judaica local,
muçulmanos conseguiram maior “perguntando de que lado estavam”.
credibilidade com a publicação do O Rabinato Chefe emitiu um
livro de Soner Yalçın’s Efendi, em comunicado afirmando que a
2004, e Efendi II, em 2006. Mais de comunidade estava profundamente
150 mil cópias foram vendidas. angustiada. Dizia o comunicado:
Os livros contém divagações “Às primeiras informações de que
obsessivas e sem nexo sobre a havia mortos e feridos, aumentou
suposta influência judaica no país. nosso pesar”. A imprensa turca
As obras, caluniosas e fantasiosas, exigiu que o único jornal judaico
disseminaram entre a população do país, o Salon, publicasse uma
o discurso antissemita radical, declaração oficial da comunidade.
até então limitado aos círculos Mas, nenhuma outra declaração foi
ultranacionalistas islâmicos. Nesse feita, além da difundida através do
clima político qualquer pessoa Rabinato Chefe.
que se atreva a fazer comentários
favoráveis a Israel é considerada Ainda que a Turquia seja marcada
saul kapeluto, importante membro da
traidor ou alguém que vendeu a alma comunidade de Istambul, na brit milá por acentuadas diferenças ideológicas,
ao “Estado sionista”. Portanto, é de seu neto o antagonismo a Israel e ao sionismo,
compreensível que os judeus turcos percebidos como a “origem de todos
prefiram não dar declarações, e de Libertação de Gaza, organizada os males”, é uma das poucas questões
manter silêncio. pelo Movimento Gaza Livre e a em que islamistas, nacionalistas,
Fundação de Direitos Humanos, liberais, esquerdistas e kemalistas
O ano de 2003 foi marcado por atos Liberdade e Ajuda Humanitária estão de acordo.
de violência que não deixam dúvida da Turquia. O objetivo era romper
em relação à hostilidade vigente o bloqueio à Faixa de Gaza, Diante da onda de antissemitismo
no país contra os judeus, apesar imposto por Israel para impedir o disseminada pela mídia turca depois
do discurso oficial de tolerância contrabando de armas para o Hamas do incidente com o Mavi Marmara,
e igualdade. Além do assassinato através de suposta ajuda humanitária. a imprensa internacional publicou
do dentista Yasef Yahya – cujo As autoridades israelenses exortaram uma série de artigos sobre o medo
perpetrador confessou tê-lo matado o governo turco a não autorizar dos judeus de serem vítima de
só por ser judeu – foram realizados a partida da flotilha, alertando ataques físicos contra indivíduos e
atentados a bomba em duas das que não permitiriam, em hipótese instituições comunitárias.
principais sinagogas de Istambul. alguma, sua entrada em águas sob
No dia 15 de novembro, um Shabat, seu controle. O regime de Ancara Essa reação internacional
carros-bomba explodiram em frente desconsiderou o aviso, apoiando obrigou o governo a declarar
à Sinagoga Neve Shalom, no distrito totalmente a iniciativa. que os extremistas islâmicos que
de Galata, e da Beth Israel, no bairro protestavam contra Israel deveriam
de Osmanbey. As explosões mataram No dia 31 de maio de 2010, quando fazer uma diferença entre o governo
pelo menos 20 pessoas e deixaram a flotilha tentava romper o bloqueio, e o povo de Israel, e entre os judeus
cerca de 300 feridos. Os dois atos as Forças de Defesa de Israel (FDI), turcos e o Estado de Israel.
foram cometidos pelos grupos conforme alertado, interceptaram o
Islamistas turcos, simpatizantes da Mavi Marmara, o maior navio do Para a comunidade judaica turca, no
Al-Qaeda. grupo. O saldo da operação foi a entanto, ficou claro, mais uma vez,
morte de oito cidadãos turcos e um que para a opinião pública e a mídia
Mavi Marmara americano-turco. turca, um bom judeu é um judeu
antissionista, que tem uma atitude
Um dos momentos mais difíceis Pela primeira vez, turcos foram crítica em relação ao sionismo e a
na história dos judeus turcos foi o mortos num confronto com as Israel. Enquanto que um mau judeu
incidente com a chamada Flotilha FDI, e, como era de se esperar, a é o judeu sionista.

72
REVISTA MORASHÁ i 94

Ou seja, é impossível para os incentivar a juventude a manter a assistência humanitária à região.


judeus da Turquia serem aceitos, cultura e as tradições judaicas. Em A Turquia, por sua vez, se
a menos que adotem a retórica de Ulus, moderno distrito de Istambul, compromete a não permitir “ações
“bons judeus”. Contudo, a adoção funciona uma escola judaica terroristas contra Israel a partir de
dessa retórica é um problema, pois particular de nível médio que oferece seu território”.
o sionismo e a ligação com Israel 12 anos de ensino em inglês, além
são os principais temas ensinados das matérias hebraicas. Os sentimentos anti-Israel, no
à juventude judaica turca como entanto, são fortes. Em 2013,
forma de ajudá-los a preservar sua Turquia e Israel Erdogan ficou em segundo lugar
identidade judaica. numa pesquisa do Centro Simon
Apesar da retórica antissionista, Wiesenthal de classificação de
Segundo uma pesquisa feita pela Liga até maio de 2010 as relações personalidades antissemitas. Em
Anti-Difamação em julho de 2013, diplomáticas entre Israel e a Turquia 12 de janeiro de 2015 o Presidente
69% dos turcos têm sentimentos eram relativamente tranquilas. O teve um cordial encontro em Ancara
antissemitas que aumentaram ainda intercâmbio comercial entre os dois com Mahmoud Abbas, negacionista
mais desde 2014. São comuns países somava milhões de dólares, do Holocausto e glorificador do
os cartazes em locais públicos e incluindo a cooperação em diversas terrorismo. Antes disso, em 27 de
restaurantes com os dizeres: “Não é áreas, além do fluxo de turismo, dezembro de 2014, o dirigente do
permitida a entrada de cães e judeus” principalmente partindo de Israel. Hamas, Khaled Mashaal, discursou
e ataques com ovos contra aqueles perante o congresso do Partido da
que se dirigem à sinagoga. Apesar da Após o incidente com o Mavi Justiça e do Desenvolvimento no
condenação de tais atitudes por parte Marmara, as relações entraram em poder, enquanto a multidão gritava
do governo e da afirmação de que os colapso, até junho de 2016, quando slogans do tipo “Morte a Israel”!
judeus do país “são nossos cidadãos”, foi anunciada a normalização das
pouco se fez para impedir a repetição relações diplomáticas, visando uma Um despacho oficial do MEMRI
desses atos. eventual cooperação para explorar (Instituto de Pesquisa de Mídia
reservas de gás natural no Mar do Oriente Médio), em novembro
Ainda que sem chamar muita Mediterrâneo. Israel afirma que o de 2014, dizia: “O antissemitismo
atenção, a comunidade mantém uma acordo com Ancara não anulará o atinge novos patamares na Turquia:
estrutura que permite a manutenção bloqueio naval à Faixa de Gaza, mas ameaças contra judeus turcos,
da cultura judaica. Em 2001 foi criará oportunidades adicionais de manifestações de admiração a Hitler,
inaugurado o Museu de Judeus
Turcos. Em 2003 foi instituído o
Dia Europeu da Cultura Judaica, em
Istambul. Desde 2005 vem sendo
realizado um festival de cultura
judaica intitulado Limmud, palavra
hebraica para o termo aprendizado.
Em 2006, aconteceu pela primeira
vez o Karakare Film Days, visando
celebrar o Holocausto através do
cinema.

No mesmo ano, foi inaugurado


o Centro de Pesquisa da Cultura
Sefaradi Turco-Otomana cuja
missão é preservar a herança cultural
sefaradita e a língua ladina, com a
apresentação de grupos musicais.
Realizam, também, várias atividades Após o atentado de 1986 a Sinagoga Neve Shalom foi restaurada. Autoridades
em diferentes instituições para turcas estiveram presentes na cerimônia de reabertura em 20 de maio de 1987.

73 DEZEmbro 2016
COMUNIDADES

seu amor por Israel em público e


que ignorem comentários maliciosos
sobre o Estado Judeu ou sobre a
própria comunidade.

A recente tentativa de golpe (julho


de 2016) liderada por alguns
militares contra o governo islamista
de Erdogan e a rápida e violenta
resposta das autoridades em reprimi-
la, apoiada pela população que saiu
às ruas para se manifestar contra
a queda do presidente, sinalizam
que, por enquanto, nada vai mudar
na Turquia, a não ser para uma
radicalização islâmica maior,
com um regime cada vez mais
fachada da Sinagoga de Edirne, Atualmente abandonada
centralizado no presidente Erdogan,
que hoje conta com o total apoio dos
setores islâmicos e nacionalistas.
exortações para que os judeus sejam
enviados a campos de concentração, Para a situação dos judeus na Turquia
os judeus deveriam pagar um tributo mudar o país teria que passar por
especial etc. ”. uma profunda mudança cultural,
Ainda de acordo com o despacho, afastando-se do nacionalismo
ao mesmo tempo em que Erdogan islâmico que permeia todos os
negava, em seu discurso de 22 de segmentos sociais e assumir um
setembro de 2014, no Conselho caminho mais liberal. Não há nada
de Relações Exteriores, que ele ou que indique que esta será a opção
seu governo fossem antissemitas, turca, nos próximos anos. Mesmo
membros de seu partido estavam com a reaproximação com o Estado
tuitando elogios a Hitler. de Israel e o reatamento das relações
diplomáticas entre os dois países,
Conforme destaca o MEMRI em junho de 2016. Eitan Naeh,
Interior da Sinagoga de Edirne
é óbvio que no atual governo o primeiro embaixador de Israel na
antissemitismo na Turquia está Turquia desde 2010, chegou no dia
atingindo novos patamares. comunidade, além de alertas 1º de dezembro a Ancara, selando a
A situação é tão delicada que muitas frequentes de terrorismo emitidos normalização das relações bilaterais
vezes as sinagogas ficam fechadas por Israel. Ademais, membros da após anos de crise.
para evitar eventuais tragédias. comunidade foram instruídos a
A Sinagoga Neve Shalom não abre não dar entrevistas para a mídia,
mais para o Shabat, a segurança foi pois qualquer palavra pode ser mal Bibliografia
reforçada e, atualmente, funciona interpretada e ter sérias repercussões.
Prof. Bali, Rifat,The Slow Disappearance of
como museu. O único autorizado a falar em nome Turkey’s Jewish Community, publicado em
da comunidade é seu presidente, 6 de janeiro de 2011 no site :The Jerusalem
Segundo a liderança judaica, as Ishak Ibrahimzadeh. Para entender Center for Public Affairs http://jcpa.org/
ameaças maiores vêm da própria ainda mais o contexto basta dizer Prof.Bali, Rifat “Model Citizens of the State:
The Jews of Turkey during the Multi-Party
população turca, constantemente que pais recomendam a seus filhos Period, 2013 -kindle edition
bombardeada com um discurso que não usem Estrelas de David,
Brink-Danan, Marcy Jewish Life in Twenty-
de ódio. Mensagens ameaçadoras kipá, e outros símbolos judaicos de First-Century Turkey: The Other Side of
são enviadas a membros da forma ostensiva, que não falem de Tolerance, 2011- kindle edition

74
REVISTA MORASHÁ i 93

Queremos parabenizar a direção da revista Morashá


pela publicação do artigo maravilhoso (ano XXIII,
edição 93, setembro 2016): Meu irmão Jonathan “Operação
trovão” – Entebe, escrito por Zevi Ghivelder. Ao lermos
o artigo ficamos emocionados. A descrição minuciosa
do resgate dos reféns no Aeroporto de Entebe nos faz
sentir, em toda sua plenitude, a grandiosidade da nossa
“Tzava” – Exército de Defesa de Israel.
Enea Wainstok
Raanana – ISRAEL

À Equipe da Morashá, meus votos Conheci a Morashá através da minha Mais uma vez meus agradecimentos
de feliz 5777 e que a revista continue irmã, a psicóloga Clara Benarroch, que pela edição que chegou para Rosh
sua relevante mitzvá de informar, busca aprender e colocar em prática Hashaná. “Julgamento em Nuremberg”
instruir, entreter e, sem dúvida, os ensinamentos judaicos. Com ela é uma leitura muito importante para as
enriquecer de conhecimentos a aprendi a gostar das informações novas gerações, especialmente perante
comunidade judaica brasileira. variadas e dos ensinamentos da as ondas de Holocaust Deniers que temos
As celebrações no Grande Templo nossa cultura e sua importância. que enfrentar. Quarenta anos desde o
Israelita do Rio de Janeiro deste Gostaria de destacar na edição 93, de resgate em Entebe... Dia 4 de Julho,
ano foram especialmente bonitas, setembro de 2016, o artigo “Os Três estávamos em Jerusalém, no Doar
com grande afluência, sobretudo T (Tefilá, Tzedacá e Teshuvá)”, que
(correio) comprando selos para mandar
no Kol Nidrei e Yom Kipur, quando muito me sensibilizou, em especial
cartas aos amigos e descobrimos
inauguramos a nova fase de nossa uma das passagens que fala sobre o
que estavam vendendo lindos selos
iluminação externa e interna, real propósito da oração com uma
projeto que denominamos “Or linguagem simples, profunda e tocante. comemorativos do 200º aniversário da
Hayehudim” - Luzes do Judaísmo. Parabéns aos editores. E que venham Independência dos Estados Unidos.
Como é nossa tradição, a liturgia é mais artigos com temas expressivos que Também compramos a linda coleção de
centro-europeia asquenazita, com possam marcar significativamente não selos dos vitrais de Chagall. De repente
chazan e coro vindos de Buenos Aires. só a minha vida, como a de outros. ouvimos um tiroteio e começamos a
Shaná Tová Chatima Tová! perguntar o que acontecia. Não foi
Cleise Helena Benarroch
Belém - Pa
tiroteio - foram foguetes pela alegria
Ruy Flaks Schneider
Presidente do Grande Templo da chegada dos reféns de Uganda!
Israelita do Rio de Janeiro
Leio a Morashá na Biblioteca Todos nós, estranhos, estávamos nos
Rio de Janeiro - RJ
Municipal de Atibaia (SP), cidade onde abraçando. Verão de 1976, os primeiros
moro, e gostaria de agradecer o envio dias de nossa primeira estadia de
Morashá, através de suas matérias
de judaísmo autêntico, proporciona da publicação compartilhando, assim, verão em Jerusalém, onde voltamos
aos judeus de todo o Brasil o uma revista de qualidade com assuntos anualmente, e participamos em um
enriquecimento dos conhecimentos culturais interessantes. programa maravilhoso chamado TOVS
sobre nossa religião e história. (Teachers on Volunteer Service).
Odete Regina Gomes
Sempre aguardo ansiosamente a São Paulo - SP Gladys Udewitz
próxima edição por saber que estará Nova York - EUA
repleta de conteúdos interessantes. O período de Yamim Noraim me faz
Tenho uma tia de mais de 90 anos pensar, imaginar e associar esta época Agradecemos a doação das revistas
que diz que seu principal lazer é ler a à forma de um triângulo. A base é Morashá e informamos que já fazem
revista!Obrigado por chegar até nós, de um apoio para nossos pensamentos, parte do acervo desta Biblioteca, o que
Recife! Parabéns pela edição de número reflexões, esperanças, crença e fé. complementa e auxilia nas pesquisas e
93, que destacou as magníficas histórias O topo são as sábias decisões que virão para o lazer da comunidade.
de Elie Wiesel e Jonathan Nethanyahu. nos iluminar. Shaná Tová Umetuká. Sônia Regina Pinho Maia Novais
Bibliot. Mun. “Dr. Clóvis Julião Arroyo”
Marcelo Azoubel Esthel Feldman
Monte Azul Paulista - SP
Recife - PE Por e-mail

75 DEZEMBRO 2016
Agradecemos seu apoio
ao Instituto Morashá de Cultura

Banco Safra S/A

Cyrela Brazil Realty

CSN – Cia. Siderúrgica Nacional

Família Moritz

Raquel Btesh Safdié e família


Agradecemos seu apoio
ao Instituto Morashá de Cultura

Banco Daycoval S/A

Banco Fibra S/A

Família Ruhman

Fundação Arymax

Helio Seibel e Sidney Angulo


Agradecemos seu apoio
ao Instituto Morashá de Cultura

BRR Adm. Crédito

Construtora Elias Victor Nigri LTDA.

Raphy Indústria Têxtil Ltda.


Agradecemos seu apoio
ao Instituto Morashá de Cultura

Etilux Ind. e Com. Ltda.

Grupo Têxtil Rosset

IPL Incorporadora Paulista

Master Blindagens
Agradecemos seu apoio
ao Instituto Morashá de Cultura

Banco Rendimento S/A

Betapack Ind. e Com. de Plásticos Ltda.

Candide Indústria e Comércio Ltda.

Helbor Empreendimentos S.A.

Induvel Ind. de Veludos Ltda.

Sibilla e David Assine


Agradecemos seu apoio
ao Instituto Morashá de Cultura

Adina, Elie Sakkal e Família


Aleatory
CONCESSIONÁRIAS GRAND BRASIL
Drastosa S/A
Grupo Elgin
Kalimo Têxtil Ltda.
Lina e Jaky Diwan
Nara e Nelson Pacheco Sirotsky
sab gR0UP
Union National S/A
Zaraplast S/A
Agradecemos seu apoio
ao Instituto Morashá de Cultura

Adar Indústria e Comércio Ltda


Altaplast Embalagens/Altacoppo Descartáveis
BBZ Adm. de Condomínios
Conthey Indústria e Comércio Ltda.
Edfort
Esser Empreendimentos
Ezconet
Família Friedheim
Família Kignel
Fitas Elásticas Estrela Ltda.
Focus Têxtil
Fort Solutions C. Imp. Exp.
Heddy e Isaac Dayan
HOPE DO NORDESTE
Importação e Comércio Visitex Ltda.
Ind. Têxtil Sueco
Isaac Sidi
Jacqueline e Albert Kayeri
Joseph Nasser e família
Agradecemos seu apoio
ao Instituto Morashá de Cultura

Kondor Invest
Linda e Victor Chayo
M.D.F. - Tecidos e Confecções
Marcos Memram e Família
Mario Arthur Adler
Mash Indústria e Comércio Ltda.
Presentes Mickey
Moas Ind. Com. Imp. Exp.
Paula e Berty Tawil
RAICHER LEILÕES – SAMI RAICHER LEILOEIRO OFICIAL
Rendatex / Camesa / Vanity
Ricaelle
Samy E Ricky Arq. e Interiores
SOCIPAR INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS
Ruy Flaks Schneider e Família
Toyland Comercial e Dist. Ltda.
Vrasalon Indústria e Comércio Ltda.
You Inc Incorporadora e Participações S/A

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