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Planejamento Tributário
e o “Propósito Negociai”
Coordenação:
Luís Eduardo Schoueri
Organização:
Rodrigo de Freitas
Urna Teoria do Tributo
Ives Gandra da Silva Martins
Incentivos Fiscais Internacionais:
concorrência fiscal, mobilidade
financeira c crise do Estado
André Elali
A Extrafiscalidade e a Concretização
do Princípio da Redução das
Desigualdades Regionais
Luiz Alberto Gurgei de Faria
Princípios e Limites da
Tributação - Volumes 1 e 2
Coordenação:
Roberto Ferraz
Obrigação Tributária - Fato Gerador e Tipo
Fernando Aurélio Zilveti
Processo Tributário Administrativo
e Judicial - 2“ edição
José Eduardo Soares de Melo
Teoria do Sistema Jurídico
Cristiano Carvalho
Direito Tributário Empresarial
José Eduardo Soares de Melo
Teoria da Norma Tributária - 5" edição
Paulo de Barros Carvalho
Das Fontes às Normas
Riccardo Guastini
Prefácio:
Heleno Taveira Tôrres
Direito Tributário, Societário
e a Reforma da Lei das S/A
Inovações da Lei 11.638 - Volumes 1 e II
Coordenação:
Sergio André Rocha
Processo Administrativo Tributário
Estudos cm Homenagem ao Professor
Aurélio Pitanga Seixas Filho
Coordenação:
Sergio André Rocha
Direito 'IVibutário e o Novo Código Civil
Coordenação:
Betina Treiger Grupenmacher
Hugo de Brito Machado
D ireito T r ibu tário
Q u a r t ie r l a t in
“A Q ua rtier L atin teve o mérito de dar início a uma nova
fase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando a
frieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas.
Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmeras
Editoras seguiram seu modelo.”
I ves G andra d a S ilva M artins
ISBN 85-7674-531-3
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente
por sistemas gráficos, microíilmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação
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de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
S u m á r io
1) T e o r ia G eral, 27
I n t e r p r e t a ç ã o d o s T r a ta d o s c o n t r a a D u p la T r ib u ta ç ã o I n t e r n a c i o n a l
E s tu d o em H o m e n a g e m a H u g o d e B r it o M a c h a d o , 393
I g o r M a u l e r S a n tia g o
1. Métodos de interpretação das convenções contra a dupla
tributação internacional.......................................................................... 395
2. O problema das qualificações................................................................. 402
2.1. Apresentação e definições.............................................................. 402
2.2. Primeiras considerações acerca do art. 3, alínea 2,
dos Modelos da O C D E ................................................................. 408
2.3. A interpretação do art. 3, alínea 2,do M odelo/IRC................... 413
2.4. Interpretação dinâmica dasconvenções tributárias..................... 420
Bibliografia.................................................................................................... 423
4) T r ib u t a ç ã o n a L e g is l a ç ã o , 425
C o m p en sa ção e M u l t a Is o la d a : O A r t ig o 18 d a L e i n ° 10.833/03,497
G a b r ie l L a c e rd a T r o ia n e lli
1. Introdução................................................................................................. 499
2. O Artigo 18 da Lei n° 10.833/03 ....................................................... 499
3. As Alterações Trazidas pela Lei n° 11.051/04 ................................... 501
4. A Redação dada pela Lei n° 11.196/05............................................... 505
5. A Redação Dada pela Lei n° 11.488/07.............................................. 506
6. A Redação Dada pela Medida Provisória n° 472/09 ......................... 511
C o m pen sação d o C r é d it o -P r êm io d e IP I e R estrições
I n tr o d u zid a s pela L ei 11.051/04, 513
G abriel L acerda T roianelli
1. Introdução................................................................................................ 515
2. A gênese do artigo 74 da Lei n° 9.430/96 e o
âmbito da sua aplicação.......................................................................... 516
3. As regras de aproveitamento próprias do crédito-prêmio
de IPI: o Decreto n° 64.833/69........................................................... 518
4. O artigo 74 da Lei n° 9.430/96 não revogou o
Decreto n° 64.833/69 ........................................................................... 520
5. O artigo 74 da Lei n° 9.430/96 não se aplica à
compensação do crédito-prêmio de IP I............................................. 521
6. A interpretação do artigo 74 da Lein° 9.430/96................................ 526
7. Conclusão.................................................................................................. 535
A pr oveitam ento d e P rejuízos a lém d o s 30% na
E xtinção d e I n c o rpo ra d a , 537
I ves G andra da S ilva M artins
8) R e s p o n s a b il id a d e T r ib u t á r ia , 945
A lgum as C o n sid era çõ es J uríd icas sobre a R espo n sa b ilid a d e S o lid á ria
T ributária e os “G rupos E c o n ô m ic o s ”, 947
F ern ando R ebelo A nd ra d e
T eren c e T ren n epo h l
I. Introdução.................................................................................................. 949
II. A disciplina da responsabilidade tributária no Código Tributário
Nacional e na legislação ordinária: ne4cessidade de sua interpretação
e aplicação conjunta e harmônica, em obediência ao
art. 146, III, “b”,da Constituição Federal de 1998 ........................... 949
III .A responsabilidade solidária das empresas integrantes de
grupo econômico e a correta interpretação do art. 30, IX,
da Lei n° 8.212/91 em harmonia com a “Disposição
Geral” veiculada pelo art. 128 do CódigoTributário Nacional........ 953
IV. Conclusões....................................................................................... 960
Um M estr e d o D ir e it o T r ib u t á r io
D im as M a c ed o
Mestre em Direito eprofessor da Faculdade de Direito da UFC
1) Teoria Geral
Particularidades
Manifestadas pela
Disciplina Jurídica
Fundamental da
Tributação no Brasil
“Quem vivência a relação tributária sabe muito bem que ela, embora
teoricamente seja uma relação jurídica, na prática é hoje muito mais
uma relação de poder, na medida em que os direitos fundamentais
do contribuinte são pública e flagrantemente desrespeitados pelas
autoridades fazendárias”
HUGO DE BRITO MACHADO1
1 . T raços b á s ic o s d o s is t em a t r ib u t á r io b r a s il e ir o
1 Responsabilidade pessoal do agente público por danos ao contribuinte. In: Dimensão jurídica
do tributo - Estudos em homenagem ao Professor Dejalma de Campos. São Paulo: Meio
Jurídico, 2003, p. 313.
3 2 - P a r t ic u la r id a d e s M a n ifest a d a s p e la D isc ip lin a J u r íd ic a F u n d a m en t a l ...
2 Sistema constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966, p. 38.
3 Isenções tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969, p. 21.
4 A regra matriz do IC M . Tese de livre docência. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica,
1981, p. 12.
C a r l o s C ésar S o u s a C in t r a - 3 3
13 Acordamos com LUCIA VALLE FIGUEREDO , que conceitua regime jurídico como sendo "o
complexo de normas e princípios disciplinadores de determinado instituto". Estudos de Direito
Tributário. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 40.
14 imposto de renda: perfil constitucional e temas específicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 25.
3 6 - P a r t ic u la r id a d e s M a n ifesta d a s p e la D isc iplin a J u r íd ic a F u n d a m en t a l ..
15 Sistema constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966, p. 21.
16 No dizer de RO Q UE AN TONIO CARRAZZA: "Poder Tributário tinha a Assembléia Nacional
Constituinte, que era soberana. Ela realmente, tudo podia, inclusive em matéria tributária"
(grifos do autor). Curso de direito constitucional tributário, 12a ed. São Paulo: Malheiros,
1999, p. 327.
17 Declara PAULO DE BARROS CARVALHO que "os princípios são normas, com todas as impli
cações que esta proposição apodítica venha a suscitar". Sobre os princípios constitucionais
tributários. Revista de Direito Tributário, n° 55. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 149.
18 JOSÉ SO U TO M AIO R BO RGES afirma que "a repartição do poder tributário caracteriza o
princípio da competência tributária". O referido autor, com escora nas lições de HENSEL,
define competência tributária como sendo "a faculdade de exercer o poder tributário, do
ponto de vista material, sobre um setor determinado". Isenções tributárias. São Paulo: Suges
tões Literárias, 1969, p. 26.
19 Segundo LO U RIVAL VILANO VA, "é uma conquista do Estado de Direito, do Estado Consti
tucional em sentido estrito ( Verfassungsstaat), a fixação dos direitos reputados fundamentais
do indivíduo, e a enumeração das garantias para tornar efetivos tais direitos, quer em face
dos particulares, quer em face do Estado mesmo". Proteção jurisdicional dos direitos numa
sociedade em desenvolvimento. In: Anais da IV Conferência Nacional da Ordem dos Advo
gados do Brasil, p. 139.
20 Curso de direito constitucional tributário, 12a ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 327.
21 Observa KO N RA D HESSE: "Puesto que Ia Constitución establece los presupuestos de Ia
creación, vigência, y ejecución de Ias normas dei resto dei ordenamiento jurídico, determinando
su contenido, se convierte en un elemento de unidad dei ordenamiento jurídico de Ia comunidad
en su conjunto, en el senso dei cual viene a impedir tanto el aislamiento dei Derecho
constitucional de otras parcelas dei Derecho como la existencia aislada de esas parcelas dei
Derecho entre ellas mismas." Escritos de derecho constitucional (selección). Madrid: Centro de
Estúdios Constitucionales, 1983, p. 17.
C a r l o s C ésa r S o u s a C in t r a - 3 7
22 Em RUY BARBOSA NOGUEIRA lê-se que "o poder tributário é uma das expressões de manifes
tação do poder de império do Estado, da sua força ou potestade para exigir tributos, mas, no
Estado constitucional moderno, esse poder não é livre ou arbitrário, só pode atuar por meio do
Direito, dentro do campo e limitações deste". Curso de direito tributário, 10a ed. São Paulo:
Saraiva, 1990, p. 45.
23 M ARCELLO CAETANO adverte: "Aquele que detém um poder jurídico não pode exercê-lo
senão dentro dos limites fixados pela norma jurídica e para os fins nela determinados. Quem
na relação jurídica está adstrito ao cumprimento do dever não tem de fazer senão o que nele
estiver contido de acordo com a norma que o rege." Manual de ciência política e direito
constitucional, 6a ed. Coimbra: Almedina, 1992, t. I, p. 39.
24 ISS - atividade-meio e atividade-fim. Revista Dialética de Direito Tributário, n° 5. São Paulo:
Dialética, 1996, p. 74.
3 8 - P a r t ic u la r id a d e s M a n ifesta d a s p e la D is c ip lin a J u r íd ic a F u n d a m en t a l ..
28 Imposto sobre a renda: requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: Forense,
2003, p. 207-8.
4 0 - P a r t ic u la r id a d e s M a n ifest a d a s pela D isc iplin a J u r íd ic a F u n d a m en t a l .,
tal como delineado pelo constituinte originário - não podem restar em ne
nhum instante comprometidos por atuação do poder constituinte derivado31.
Contrario sensu, haverá o sufrágio de uma nova forma de Estado estrutu
rado em um diferente sistema de composição de forças, interesses e objetivos.
Nas palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO:
“Se aprouver ao legislador, investido do chamado poder constituinte
derivado, promover modificações no esquema discriminativo nas
competências, somente outros limites constitucionais poderão ser
levantados e, mesmo assim, dentro do binômio ‘federação e autono
mia dos municípios’.”32
A conclusão a que se chegou vai ao encontro da lição de ROQUE
ANTONIO CARRAZZA, quando este autor admoesta que “enquanto a
atual Constituição estiver irradiando efeitos, é terminantemente proibida
proposta de emenda constitucional que, ainda que por via transversa, colime
suprimir ou modificar nossa Federação”33.
Contudo, adverte-se que esta particular visão não encontra guarida no
Poder Judiciário brasileiro. Comprova-se essa realidade pragmática pela posi
ção assumida pelo Supremo Tribunal Federal, que ao decidir sobre a ADIn
n° 939-DF não ofereceu nenhuma oposição a determinadas inovações trazi
das pela EC n° 03/93, a saber:
a) supressão da competência tributária dos Estados-membros e
Distrito Federal quanto ao adicional do imposto de renda (art.
155, inciso II, redação original); e
b) retirada da possibilidade de os Municípios cobrarem o imposto
sobre venda a varejo de combustíveis líquidos e gasoso, exceto
óleo diesel (art. 156, inciso III, redação original).
2 . Regime j u r íd ic o - c o n s t it u c io n a l t r ib u t á r io in t r o d u z id o
PELA CF/88: COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS E PRINCÍPIOS
Segundo elucidamos, no Brasil é noção corrente que o assunto “tributa
ção” é essencialmente constitucional34. A respeito disso, SACHA CALMON
NAVARRO COÊLHO, bradando que a atual Carta Magna foi inundada
com princípios e regras referentes ao direito tributário, assinala:
“Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais extensa e
minuciosa em tema de tributação. Este cariz, tão nosso, nos conduz a
três importantes conclusões:
Primus - os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enrai
zados na Constituição de onde se projetam altaneiros sobre as ordens
jurídicas parciais da União, dos Estados e dos Municípios;
Secundus - o Direito Tributário posto na constituição deve, antes de
tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito,
porquanto é o texto fundante da ordemjurídico-tributária;
Tertius - as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo
em vista as diversidades constitucionais.”35
Cravada tal premissa, enfatizamos que o conceito de competência tribu
tária está atrelado às prerrogativas de que são dotadas as pessoas políticas de
produzirem regras sobre tributos, sendo que esses preceitos que atribuem tais
faculdades se enquadram como típicas normas de estrutura.
PAULO D E BARROS CARVALHO, com quem nos pomos de acor
do, adverte que aquele assunto é eminentemente constitucional, sendo que
“uma vez cristalizada a limitação ao poder legiferante, pelo seu agente (o cons
tituinte), a matéria se dá por pronta e acabada, carecendo de sentido sua rea
bertura em nível infraconstitucional”36.
Porque atinge diretamente os conceitos de liberdade e patrimônio, bens
jurídicos estes cuja proteção tem representado ao longo dos tempos a própria
razão de existência da Constituição, é mais que explicável que a ação estatal
40 "O exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídi
cos positivados no texto constitucional que, de modo explícito ou im plícito, institui em
favor dos contribuintes decisivas lim itações a competência estatal para impor e exigir,
coativam ente, as diversas espécies tributarias existentes. Os princípios constitucionais
tributários, assim, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contri
buintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos parti
culares pelo ordenamento estatal, desde que existem para impor limitações ao poder de
tributar do estado, esses postulados tem por destinatário exclusivo o poder estatal, que se
submete a imperatividade de suas restrições." AD I n° 712-MC/DF, Relator Ministro CELSO
DE M ELLO , DJ 19/02/1993, p. 02032.
41 Sobre o assunto, G ER A LD O ATALIBA assinalava: "Tais princípios, por isso que princípios,
requerem integral adesão do legislador, do administrador e do aplicador - inclusive o judicial
- às suas exigências. E repugnam e invalidam toda e qualquer norma ou ato que se não
conforme inteiramente ao seu conteúdo, sentido e alcance, assim mediatos, como imediatos,
assim diretos, como indiretos." Empréstimos públicos e seu regime jurídico, p. 34.
42 "A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes
do texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo instrumento
de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo
em matéria tributária." AD I 1296-MC/PE, Relator Ministro CELSO DE M ELLO , DJ 10/08/
1995, p. 23 55 4.
43 "A igualdade tributária, aliás, inscreve-se, expressamente, na Constituição e constitui um
princípio constitucional tributário geral, porque aplicável a todos os tributos: C .F., art.
150, II. Decorre ele, sem dúvida, do princípio isonômico inerente ao regime democrático
e à república: art. 5o, caput, e inc. I". Excerto do Voto do M inistro C A R LO S M ÁRIO
VELLO SO , no RE n° 153.711-0/MG, Relator para o Acórdão Ministro M OREIRA ALVES, DJ
05/09/1997, p. 4 1 8 9 2 .
C a r l o s C és a r S o u s a C in t r a - 4 5
44 "Abrindo o debate, registre-se que o princípio da isonomia implica, no campo tributário, que
se busque alcançar a justiça tributária. Esta, a seu turno, realiza-se através do princípio da
capacidade contributiva, aplicável, no constitucionalismo tributário brasileiro, aos impos
tos, conforme se verifica da leitura do §1° do art. 145 da Constituição Federal." Trecho do
voto do Relator no RE n° 234.105/SP, Relator Ministro CARLOS MÁRIO VELLO SO , DJ 31/03/
2000, p. 00061.
45 "O princípio da irretroatividade da lei tributária deve ser visto e interpretado, desse modo,
como garantia constitucional instituída em favor dos sujeitos passivos da atividade estatal no
campo da tributação. Trata-se, na realidade, à semelhança dos demais postulados inscritos no
art. 150 da Carta Política, de princípio que - por traduzir limitação ao poder de tributar - é tão-
somente oponível pelo contribuinte à ação do Estado." ADI n° 712-MC/DF, Relator Ministro
CELSO DE M ELLO, DJ 19/02/1993, p. 02032.
46 "Somente por via de lei, no sentido formal, publicada no exercício financeiro anterior, é
permitido aumentar tributo, como tal havendo de ser considerada a iniciativa de modificar a
base de cálculo do IPTU , por meio de aplicação de tabelas genéricas de valorização de
imóveis, relativamente a cada logradouro, que torna o tributo mais oneroso. Caso em que as
novas regras determinantes da majoração da base de cálculo não poderiam ser aplicadas no
mesmo exercício em que foram publicadas, sem ofensa ao princípio da anterioridade." RE n°
234.605/RJ, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, DJ 01/12/2000, p. 00098.
47 "A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a
interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no
campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou
dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga
tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional
lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação,
por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da
carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte considera
do o montante de sua riqueza (renda e capital) - para suportar e sofrer a incidência de todos
os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que
os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau
de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de
razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo
Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre
que o efeito cumulativo - resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela
mesma entidade estatal - afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os
rendimentos do contribuinte." AD C n° 8-MC/DF, Relator Ministro CELSO DE MELLO, DJ 04/
04/2003, p. 00038.
48 "A Emenda Constitucional n° 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir
o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispo
sitivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e V I", da Constituição,
porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não
outros): 1 . - 0 princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5.,
par. 2 ., art. 60, par. 4 ., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da
imunidade tributaria recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros)
e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso l,e art, 150, VI, "a", da C.F.)". ADI n° 939/
DF, Relator Ministro SIDNEY SANCHES, DJ 18/03/1994, p. 005165.
49 "Primeiro de tudo, deixo expresso o meu entendimento no sentido de que o pedágio, objeto
da causa, é espécie tributária, constitui-se numa taxa. O fato de ter sido o pedágio tratado no
sistema Tributário Nacional exatamente nas limitações ao poder de tributar - CF, art. 150, V -
é significativo. Ora, incluído numa ressalva a uma limitação à tributação, se fosse preço, a
ressalva não teria sentido". Trecho do voto do Relator no RE n° 181.475/RS, Relator Ministro
CARLOS MÁRIO VELLOSO , DJ 02/06/1999, p. 00028.
4 6 - P a r t ic u la r id a d e s M an ifest a d a s p e la D is c ip u n a J u r íd ic a F u n d a m en t a l ...
3 . S in t o m a t o l o g ia d o v ig en t e sistem a t r ib u t á r io n a c io n a l
50 "À primeira visão, contraria a lei básica o estabelecimento de pautas de valores diferenciados
para operações intermunicipais e interestaduais, majorando-se estas em mais de 1.000%". ADI
n° 349-MC/, Relator Ministro M ARCO AURÉLIO , DJ 26/10/90, p. 11976.
51 , Curso de direito tributário, 12a ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 27.
52 SACHA CALM ON NAVARRO C O ÊLH O declara que "se por um lado o poder de tributar
apresenta-se vital para o Estado, beneficiário da potestade, por outro a sua disciplinação e
contenção são essenciais à sociedade c ivil ou, em noutras palavras, à comunidade dos
contribuintes". Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 37.
53 Adotamos a lição de CELSO A N TÔ N IO BANDEIRA DE M ELLO, que define interesse públi
co como "interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente
têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato
de o serem " (grifos do autor). Curso de direito administrativo, 12a ed. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 59.
C a r l o s C ésa r S o u s a C in t r a - 4 7
54 Direitos Fundamentais do Contribuinte. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Direitos
Fundamentais do Contribuinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, Centro de Extensão Universi
tária, 2000, p. 88.
55 Diz OSCAR DIAS CORRÊA que "é unânime a afirmação de que a babel tributária brasileira é
hoje dos mais graves desestímulos ao desenvolvimento nacional. Sabem-no Governo (incluí
dos os três poderes) contribuintes e povo". Sobre a dimensão jurídica do tributo. In: Dimensão
jurídica do tributo - Estudos em homenagem ao Professor Dejalma de Campos. São Paulo: Meio
Jurídico, 2003, p. 510.
56 ALFREDO AU G U STO BECKER, com sua criativa linguagem metafórica, explanava que "sempre
que a juridicidade do Direito Tributário é desvirtuada, ele veste-se de andrajos jurídicos e
4 8 - P a r t ic u la r id a d e s M a n ifest a d a s pela D isc ip lin a J u r íd ic a F u n d a m en t a l .,
como Cinderela - envolta num halo de mistério e superstição - foge ao Palácio da justiça,
quando a Despesa ultrapassa a Receita, na meia-noite dos orçamentos deficitários". Teoria geral
do direito tributário, 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 16.
57 Bnsayos sobre metodologia y técnica jurídica en el derecho financieiro y tributário. Barcelona:
Marcial Pons, 1998, p. 29,
58 A LFRED O A U G U S T O BECKER denunciava que "a tributação irracional dos últimos anos
conduziu os contribuintes (em especial os assalariados) a tal estado que, hoje, só lhes resta a
tanga". Carnaval tributário, 2a ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 15.
C a r l o s C é s a r S o u s a C in t r a - 4 9
P a l a v r a s in ic ia is
1. C o n s id e r a ç õ e s h is t ó r ic a s : o r ig e m e e v o l u ç ã o
3 D'AURIA, Francisco. Ciência das Finanças: teoria e prática. São Pauio: CEN, 1947.
4 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 2a ed. São Paulo: Melhoramentos, p. 19.
5 Direito Tributário Romano. São Paulo: RT. 1978, p. 7.
5 8 - O T r ib u t o
cujo estudo não mais se faz estaticamente, mas vinculado aos seus antece
dentes e conseqüentes6.
Por último, entramos em outro momento da história em que se sobrepõe
o interesse social no sentido da utilização do tributo também para fins extra-
fiscais, isto é, para influir na solução de questões sociais, econômicas e até
políticas, o que vem perdurando até os dias presentes.
Vê-se, assim, que o conceito de tributo teve profundas variações, poden
do se afirmar que o seu sentido moderno não corresponde ao que primitiva
mente lhe era atribuído.
2. C o n c e it o s
6 GRECO, Marco Aurélio. Dinâmica da Tributação e Procedimento. São Paulo: RT, 1979, p. 64.
7 Tributação e Mudança Social. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 22.
8 SANTO TOMÁS DE AQ UIN O admitia a tributação em caso de escassez das rendas patrimoniais
dos príncipes e conselhos, para constituição de um tesouro ou fundos necessários nas grandes
crises. A p ud PAGLIANINI, Mauro Fernandes. Direito Financeiro e Finanças Aplicadas. São
Paulo: ed. Julex, 1993, p. 46.
9 A pud GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. O Tributo. São Paulo: Max Limonad, 1983, p. 21.
6 0 - O T r ib u t o
10 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Primeiro Volume. Rio de
Janeiro: Forense, 1995, p. 349.
11 idem autor, obra e página antes citados.
12 A p ud YLVES, ob. cit. p. 21.
C a r l o s R o b e r t o d e M ir a n d a G o m e s - 61
13 Cfr. GIANNINI. II Rapporto Giuridico d'lmposta. Apud YLVES, ob. cit. p. 35.
14 Princípios de Ciência de Ias Finanzas. Buenos Aires: Depalma, 1959, p. 152-153, apud YLVES,
idem, p. 36.
15 A natureza Social do tributo. Rio de janeiro: Forense, 1978, p. 1.
6 2 - O T r ib u t o
ro), mas não só em dinheiro, como veremos no parágrafo seguinte. Além disso
c uma obrigação compulsória, isto é, obrigatoriamente exigida em razão do
I ’oder Fiscal por ser um instrumento jurídico indispensável ao custeio da ati
vidade estatal;
* em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir - querendo parecer, à
primeira vista, tratar-se de redundância a alusão à moeda, mas não o é quando
completa: ou cujo valor nela se possa exprimir, porquanto entendemos como
FANUCCHI16, a possibilidade de pagamento, também, in natura, como no
passado acontecia com os minérios e hoje em títulos da dívida pública, duplica
tas e até com bens imóveis, a teor do que cuidam o Decreto-lei n° 1.184, de 12
de agosto de 1971 e Decreto-lei n° 1.766, de 28 de janeiro de 1980, que
admitem a liquidação de tributos federais vencidos através da dação de imóveis
em pagamento, na forma especificada em lei, induzindo ao pensamento de
idêntica possibilidade no pagamento in labore, quando seja possível admitir o
pagamento através da realização de obras já programadas ou em prestação de
serviços, nas condições estipuladas pelo Poder Público, através de lei específica.
Esse nosso entendimento foi questionado pelos examinadores Denise
Lucena e Hugo de Brito Machado, pedindo mais detalhes sobre a possibili
dade de tributo in natura e in labore, o que então atendemos, apontando a
opinião de doutrinadores pátrios respeitáveis, a teor de CELSO RIBEIRO
BASTOS ( Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 5a ed. São Paulo:
Saraiva, p. 139) ao comentar o art. 3o do CTN, dizendo: “... esta, contudo, abre
brecha para certos bens —aí incluído o trabalho humano”. Em igual sentido opina
PAULO DE BARROS CARVALHO, em seu Curso de Direito Tributário.
17a ed. São Paulo: Saraiva, p. 25, afirmando o exagero da ampliação do termo,
dando ensancha a albergar até o trabalho humano, que ganharia a possibilida
de jurídica de formar o substrato de relação de natureza fiscal. Ainda registra
mos o opinar do consagrado e saudoso ALFREDO AUGUSTO BECKER,
na sua clássica obra muitas vezes invocada nesta dissertação, p. 562, que não
nega a natureza tributária às prestações in natura ou in labore a favor do Esta
do: “... nos tempos modernos há um recrudescimento dos tributos in natura e in
labore, por ocasião de crises sócio-econômicas de âmbito nacional ou internacional
16 FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro, v.l. São Paulo: Resenha Tributária/
MEC, 1975, p. 52.
6 4 - O T r ib u t o
via mais usual, como também acontece nas situações de extinção do crédito
tributário, na forma regulada por lei específica, nesta parte em plena concor
dância com o Professor HUGO, consoante o Capítulo II do seu Curso invo
cado várias vezes naquele nosso trabalho.
* que não constitua sanção de ato ilícito - caracterizando que o tributo
não é pena e sim uma obrigação surgida em decorrência da prática de um fato
jurídico (lícito) tributável, embora, se possa admitir a cobrança de prestação
pecuniária, compulsória, quando um fato ilícito alcança resultado positivo em
favor de quem o pratica, como acontece com algumas contravenções penais -
jogo do bicho, por exemplo, que leva à aquisição de riqueza ou à prática de
crime, como a remuneração com o exercício ilegal da profissão.
Nesta parte do conceito legal do tributo, o examinador HUGO DE
BRITO M ACHADO sugeriu fosse explicada a distinção entre hipótese de
incidência e fato gerador, assunto que ele desenvolve, como poucos, com sim
plicidade e clareza no seu Curso, 10a ed. p. 39-40.
E reconhecida a dicotomia da expressão (parte agora analisada do concei
to) no plano jurídico, com efeitos idênticos, mas com natureza antagônica, haja
vista os dois momentos em que se apresenta - inicialmente, ainda na fase abs
trata da hipótese de incidência, calcada numa relação econômica e prevista na
descrição normativa da situação de fato. Neste instante não é admissível a pre
sença do ilícito, pois existe prévia ciência de um fato lícito no enunciado essen
cial da lei. Do contrário estaria sendo instituída uma sanção e não um tributo.
Todavia, em um segundo momento, na fase de concretização da hipótese (ocor
rência do fato gerador) e conseqüente lançamento (quando a obrigação tributá
ria recebe qualificação e quantificação e se transforma em crédito tributário)
pode o fato alcançar uma circunstancial ilicitude a compor a obrigação, o que
até então era desconhecida e, por isso, irrelevante sob o visor tributário.
Várias são as formas como a doutrina exemplifica essa questão, tendo em
conta a previsão do fato gerador, por exemplo, do ISS —Decreto-lei 406/68,
arts. 8o ao 10, que é a prestação de serviços sem vínculo empregatício, quando
são estes prestados por pessoa que foi afastada da sua atividade profissional,
circunstância em que o tributo é devido mesmo assim, posto que ocorreu o
fato gerador, não interessado na relação jurídico-tributária a natureza ou ob
jeto do ato, se de maneira lícita ou não, válido ou inválido na sua relação
jurídica comum. (Ver a respeito o estudo do Professor BECKER, p. 548 a
6 6 - O T r ib u t o
3. C o n clu sõ es
18 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 5a ed. São Paulo:
Malheiros, p. 143-144.
C a r l o s R o b e r t o de M ir a n d a G o m e s - 6 7
R e f e r ê n c ia s
Cristiano de Carvalho
Mestre e Doutor em Direito Tributáriopela PUC/SP. Pós-Doutor em Direito e
Economia pela U.C. Berkeley. Professor nos cursos do IBET, PUC/COGEAE
IDP, UFRGS e Escola da Magistratura do Tribunal Federal da 4a Região.
Advogado no RS e em SP.
C r is t ia n o d e C a r v a l h o - 71
In tro du ção
1 The Economic Approach to Human Behaviour. The University of Chicago Press, 2001, p. 5.
2 Daí a interdisciplinaridade da Economia, o que permite aplicações na Psicologia, na Sociolo
gia e também no Direito.
7 2 - P r in c íp io s e C o n s e q ü ê n c ia s
O que pretendo, com este breve artigo, é, ao invés de trazer uma solução
propriamente dita, dar início a um debate. Entendo que as análises de exter-
nalidades, de trade offs, custos de oportunidade, dentre outras categorias eco
nômicas, devem ser levadas em conta pelos operadores do direito, principalmente
pelos juizes, que fecham o sistema jurídico através de suas decisões.
1. A n á l is e E c o n ô m ic a do D ir e it o e E s c o l h a R a c io n a l
Para que uma escolha seja racional, do ponto de vista econômico, é ne
cessário que ela contenha as seguintes características: 1) seja completa, o que
significa que o indivíduo deve ser capaz de elencar a sua preferência em face
de suas alternativas. Por exemplo, deve ser capaz de dizer que prefere A a B;
2) seja transitiva, isto é, se o indivíduo é capaz de perceber que se prefere A a
B, e B a C, então necessariamente prefere A a C : ( A > B > C ^ A > C).
C r is t ia n o d e C a r v a lh o - 7 3
1 .2 . L e v a n d o a s c o n s e q ü ê n c ia s a sério
Uso não rival significa que o fato de um fruir do bem não impede que o
outro possa fruir também. Exemplificando, o fato de eu tomar sol na praia
não impede que outros possam fazê-lo da mesma forma, ou seja, o meu uso
do sol não reduz o uso dos outros (logo, o bem não é escasso).
Não-exclusividade significa que não há como excluir terceiros do uso do
mesmo bem, ou então o custo para possibilitar essa exclusão é tão alto que
nenhuma empresa privada desejará produzi-lo7. Se respiro o ar à minha volta,
não posso impedir que outros também respirem. O contrário, por óbvio, ocor
re nos bens privados, onde o proprietário tem condições de impedir o uso de
seu bem por outras pessoas.
A externalidade positiva, ao contrário do que o senso-comum possa pen
sar, também acarreta problemas, pois não gera incentivos para que aquele bem
possa ser produzido ou explorado de forma eficiente.
Exemplificando, temos a situação na qual determinada rua residencial
vem sofrendo constantes roubos e assaltos. Os moradores resolvem se reunir
para, em conjunto, contratar uma empresa de segurança privada. Um deles,
que sofreu mais assaltos, consulta uma empresa de segurança e informa aos
vizinhos o custo que sairá para cada um da contratação do serviço. Os vizi
nhos desistem da contratação por achar que o serviço é caro demais. Contudo,
o morador vítima de assalto contrata os serviços e coloca o segurança apenas
em frente à sua residência.
A presença do segurança acaba inibindo as atividades criminosas em toda
a rua. Apesar de apenas um dos moradores estar arcando com o custo, todos os
demais se beneficiam. São, portanto, free-riders. Nessa situação específica, a ne
cessidade impôs ao morador que arcasse com todos os custos, mas em diversas
outras situações em que não ocorresse tal necessidade, também não haveria in
centivos para que se criasse um bem ou serviço que agregasse free-riders ao seu
uso8. É por isso que, nesses casos, esses bens públicos devem ser implementados
7 Cf. COOTER, Robert D.; UELLEN, Thomas. Law and Economics, Addison Wesley, 2a ed., p. 40.
8 É por isso que em diversas situações existem monopólios necessários, conferidos e protegidos
pelo Estado. É o caso das patentes e dos direitos autorais, Como ideias se disseminam rapida
mente, a criação de algo por alguém poderia agregar free-riders, uma vez que, ao contrário de
uma propriedade tangível, que pode ser guardada fisicamente pelo seu proprietário (seja um
bem-móvel, seja um bem imóvel), não se pode guardar uma ideia no cofre. No que ela é
disseminada, pode vir a ser explorada por outros. A chamada propriedade intelectual serve
como mecanismo de preservação de incentivos para a criatividade e produção de ideias, de
forma a evitar que invenções e criações intelectuais tornem-se bens públicos.
7 6 - P r in c íp io s e C o n s e q ü ê n c ia s
2. A p l ic a ç õ e s n o D ir e it o : a q u e s t ã o d o s p r in c íp io s
2 . 1 . V a lo r es , esc o lh a s e r en ú n cia s
Cabe dizer que, não obstante algumas propostas teóricas tais como a
Teoria dos Sistemas erigirem modelos nos quais o sistema social é subdivi
dido em subsistemas, tais como o jurídico, o científico, o religioso, o merca
do, etc., o fato é que isso nada mais é do que uma ficção heurística9. O
sujeito pode ser cientista, operador do direito ou investidor na bolsa, ou
todas as opções conjuntas, e, ainda assim, raciocinará da mesma forma: atra
vés da escolha racional e da análise custo/benefício. E reagirá aos incentivos
como qualquer outro indivíduo.
Quando transpomos a questão da escolha individual para o Direito, per
cebemos que o aplicador das normas nada mais faz que efetuar uma escolha
racional. É evidente que o seu leque de escolhas está delimitado pelo próprio
Sistema Jurídico: o juiz deve julgar de acordo com a lei; o fiscal tem que agir
dentro dos limites legais; os contratantes não podem contratar fora dos dita
mes do Código Civil. Ainda assim, o aplicador/operador do direito não é um
autômato, mas sim um ser racional, que escolhe, seja entre aplicar uma ou
outra norma, seja entre aplicar ou não aplicar nada, ou seja até mesmo em
cumprir ou violar as normas a que ele também está sujeito10.
2 .2 . O QUE sã o " p r in c íp io s ", a f in a l ?
13 Por amor ao critério aristotélico de definição, qual seja, gênero próximo e diferença específica,
tanto os princípios quanto as regras têm como gênero próximo a norma jurídica, sendo esta,
portanto, o elemento universal do sistema jurídico.
8 0 - P r in c íp io s e C o n s e q ü ê n c ia s
14 Alguns podem argumentar, dependendo da sua opinião, que ou o veículo nunca teve
liberdade de expressão, ou a apresentadora nunca teve direito à privacidade, naquele caso
concreto, Isso em nada muda o argumento econômico acima exposto. Quem decidirá será o
julgador que excluirá o uso de tal direito (existisse ele a priori ou não) de um ou de outro, e
o trade o ff permanece.
C r is t ia n o d e C a r v a l h o - 81
uma “carta branca” para que a imprensa possa invadir a privacidade de qual
quer um, pois o custo para tanto é baixo.
Uma observação é importante para evitar equívocos e mal-entendidos.
Avaliação de conseqüências não configura uma espécie de inversão de valores,
mas tão somente tem a capacidade de tornar as decisões jurídicas mais eficien
tes. Se o que o juiz pretende é punir o veículo de comunicação, deve fazê-lo
de forma que o efeito de barreira (deterrence) de fato ocorra15. Se condená-lo a
pagar uma baixa quantia a título de indenização, essa condenação será vista
como um preço baixo para tais ações por parte do infrator, que terá, portanto,
um incentivo para continuar cometendo-as. Em outras palavras, para se reali
zar a justiça no caso concreto, as conseqüências devem consideradas.
C o n clu sã o
15 No Brasil as condenações por dano moral são relativamente baixas, o que gera poucas barreiras
ao cometimento de novas infrações. Se o infrator condenado considera baixa a condenação e
para ele tem mais utilidade continuar cometendo-a (afinal, ele é um agente racional), o mero
pagamento de danos morais não impedirá reincidências. Logo, se a intenção é impedir a
ocorrência de danos morais, a regra contida na decisão do juiz não tem eficiência.
r
Princípio da Legalidade
Tributária
Edvaldo Brito
Doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo —USP e
Livre-Docente em sua Faculdade de Direito. Mestre em Direito Econômico
pela Universidade Federal da Bahia-UFBA., de onde é Professor Emérito e
leciona no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito.
Professor Emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie —São Paulo.
E Vice-Prefeito de Salvador-Bahia
E d v a l d o B r it o - 8 5
1 . P resta çõ es p e c u n iá r ia s c o m p u l s ó r ia s
1 Cf. BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14a ed., rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 1984.
8 6 - P r in c íp io d a L e g a l id a d e T r ib u t á r ia
2 . P r in c íp io s c o n s t it u c io n a is
tem normas jurídicas que são princípios e outras que não o são, porque, em
natureza, não há diferença. Há, porém, quanto à função. Aquelas normas,
que o são, recebem da ordem jurídica uma função de atuar no sistema jurídi
co como “cabeça de capítulo”, por isso são geradoras de premissas condicio-
nantes da validez e da eficácia das demais normas.
A ordem jurídica, no plano das prestações pecuniárias compulsórias
devidas pelo administrado, atribuiu a certos critérios - como visto - a fun
ção de atuar no sistema jurídico tributário como instrumentos de controle
do poder de tributar, em razão de que, nos termos lógico-linguísticos, o
tributo é uma prestação em dinheiro devida por um particular a uma cor
poração de direito público titular de soberania (daí o caráter compulsório
do cumprimento desta prestação) a qual corporação opera, por esse modo, a
transferência de patrimônio desse particular para a sociedade, a fim de atender
as necessidades públicas, obedecendo a um núcleo legal consistente em cri
térios que garantem o particular contra possíveis iniqüidades quando do
exercício dessa soberania.
A Constituição jurídica - considerando-se que há, também, a Consti
tuição essência3- é o repositório desses critérios, valendo lembrar que, entre
nós, desde a primeira, a de 1824, o núcleo formado por eles - o Estatuto do
Contribuinte - vem evoluindo, na medida em que se venha impondo maior
proteção ao patrimônio do particular, quando dessa transferência.
O exposto explica porque o rol dos princípios tributários é maior do que
o das contribuições uma vez que nessas, por natureza, não há essa transferên
cia e sim uma redistribuição compulsória do patrimônio do particular, em
seu próprio benefício; por isso elas são, stricto sensu, sinalagmáticas, ainda que
se possa encontrar sinalagma em tributos como as taxas.
A conclusão é a de que há no sistema constitucional das prestações
pecuniárias compulsórias, devidas pelo administrado, duas espécies de rol de
princípios constitucionais formando os dois supra falados subsistemas, tendo
razão M ICHELI4ao advertir que “não é possível reduzir o elemento descritivo
da noção jurídica de tributo à coatividade da prestação, visto que, de um lado,
3 Cf. BRITO, Edvaldo. Limites da revisão constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1993.
4 Cf. M ICHELLI, Gian Antonio. Curso de direito tributário. Tradução de Marco Aurélio Greco e
Pedro Luciano Marrey Jr. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 65.
8 8 - P r in c íp io d a L e g a l id a d e T r ib u t á r ia
3 . P r in c íp io d a l e g a l id a d e t r ib u t á r ia
5Cf. Introduction générale a l'etude du droit. Fàris: Librairie du Recueil Sirey, 1947, p. 197 segs.
6 Cf. art. 1, V e seu parágrafo único, combinado com os §§1° e 2°, II, do seu art. 58.
E d v a l d o B r it o - 8 9
legalidade é importante ter presente o significado das palavras lei e criar”7, por
isso, ele pode concluir que “medidas provisórias já não podem instituir nem
aumentar impostos”, apesar da ressalva que faz quanto a possíveis espécies
excluídas dessa proibição8. Consequentemente, a medida provisória, ainda
que tenha, de modo circunstancial, força de lei, contudo, por natureza, lei
não é e, por isso, não pode ser instrumento da legalidade tributária, tanto
mais quanto a Constituição atribui funções peculiares a cada espécie de lei,
nessa matéria, como se esclarece a seguir:
A lei constitucional - já se viu supra - cabe veicular os princípios tribu
tários; à lei complementar a Constituição incumbiu de estabelecer as normas
gerais apaziguadoras de possíveis divergências próprias da convivência federa
tiva de diversas fontes normativas, com o objetivo de dirimir conflitos de com
petência, regular as limitações ao poder de tributar e editar, especificamente,
aquelas sobre definição de tributos e de suas espécies; sobre os fatos geradores,
as bases de cálculo e os contribuintes dos impostos constantes da discrimina
ção constitucional de rendas; sobre a obrigação tributária e seus consectários
(crédito tributário, lançamento, prescrição e decadência tributários); sobre o
tratamento adequado a ser dado, tributariamente, à cooperativa, à microem-
presa e à empresa de pequeno porte.
O tratamento jurídico tributário diferenciado é, nestes termos, de
terminação do poder constituinte, ao plasmar a Constituição jurídica bra
sileira de 1988, no comando que dirigiu às entidades federadas, como
componente da competência tributária (cf. art. 179). O legislador infra
constitucional que, somente, tem função9e não poder, ou seja, apenas,
está legitimado para editar emenda a essa Constituição, exorbitou, por
tanto, de sua mera competência reformadora do texto da Constituição
jurídica, quando, pela Emenda Constitucional n° 42 de 19 de dezembro
de 2003, acrescentou a alínea “d” do inciso III e o parágrafo único do art.
146 e o art. 146-A, dispondo sobre matéria que termina por ofender a
forma federativa de Estado, sobretudo porque a lei complementar a que se
refere compromete a autonomia de cada ente federado criando limitação
7 Cf. M ACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30a ed. rev., atual, e amp. São Paulo:
Malheiros Editores, 2009, p. 34.
8 Cf. autor e ob. cits. na nota de rodapé n° 7, p. 84.
9 Cf. BRITO, Edvaldo. ob. cit. na nota de rodapé n° 3.
9 0 - P r in c íp io d a L e g a u d a d e T r ib u t á r ia
4 . P r in c íp io d a l e g a l id a d e t r ib u t á r ia n a C o n s t it u iç ã o
I0 Poder Tributário é potestade, por isso, não se confunde com poder de tributar que é a medida
da competência tributária outorgada por esse Poder Tributário.
II Cf. ADIN 1/91, rel. Des. LUIZ PEDREIRA.
E d v a l d o B r it o - 91
12 Cf. BRITO, Edvaldo. Empréstimo compulsório. In. CAMPOS, Dejalma de (coord.). Congresso
Nacional de Estudos Tributários, 7. O sistema tributário na nova Constituição do Brasil. São
Paulo: Academia Brasileira de Direito Tributário/Resenha Tributária, 1988, p .187-220.
9 2 - P r in c íp io d a L e g a l id a d e T r ib u t á r ia
dental do negócio, que não o onera por inexistir atribuição patrimonial, mesmo
quando é imposto, pelo disponente, como uma condição.
A irretroatividade é requisito fundamental da lei tributária; basta lem
brar que a sua formulação constitucional, nos termos em que se encontra, é
específica da relação jurídica tributária, porque, enquanto para a lei em geral
é suficiente que a lei nova não alcance fatos ocorridos antes de sua eficácia, a
lei tributária nova é inaplicável aos fatos geradores de obrigação tributária
ocorridos antes de sua vigência, bem assim, inaplicável aos efeitos futuros des
ses fatos, os quais efeitos são objeto de ultratividade, pois, a eles se aplica a lei
do tempo dos fatos geradores desses efeitos. Há uma ressuscitação da lei anciã.
A irretroatividade, além dessa especificidade referente à ultratividade, tam
bém, abre espaço para a retroatividade benigna, nos casos expressamente,
arrolados pelo Código Tributário Nacional.
A eficácia da lei complementar - objeto de análise, nas linhas supra -
está disciplinada na Constituição de modo a que essa integrante do princí
pio da legalidade tributária consista no instrumento sem o qual nenhum
tributo e nenhuma contribuição (cf. art. 149) podem ser instituídos, senão
após a edição da lei complementar que estabelecer normas gerais sobre os
elementos constitutivos de sua lei orgânica. Logo, o titular da competência
tributária não pode editar essa lei orgânica do tributo antes de a lei comple
mentar emitir as normas gerais.
A incompatibilidade de medida provisória em matéria tributária está
demonstrada nas linhas atrás, nas quais se examinou a diferença entre lei e
medida provisória e quando se analisa a necessidade de respeito aos princípios
da anualidade e da anterioridade que, em si, são incompatíveis com norma de
vigência, eficácia e validade esporádicas, como o é a da medida provisória.
5 . P r in c íp io d a l e g a l id a d e t r ib u t á r ia n o C ó d ig o
T r ib u t á r io N a c io n a l
1. In tro dução
Como ponto inicial, deve ser dito que este texto fundamenta-se, princi
palmente, em formas de visualização do sistema jurídico baseadas em evolu
ções e acoplamentos entre a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann1e o
construtivismo lógico-semântico de Barros Carvalho2, evolução de Vilanova3
unindo problemas estudados pela Lógica Jurídica e Teoria da Linguagem4.
Com este conjunto de premissas busca-se retirar o foco da análise econô
mica da elisão para uma análise estrutural dos mecanismos sintáticos envolvi
dos na elisão, além de uma análise sistêmica da elisão.
Para que esta forma de abordagem metodológica seja seguida, uma pre
missa chave é determinar que o direito é linguagem/comunicação estruturada,
do que a lingüística, Teoria dos Sistemas, semiótica e lógica são ferramentas
utilizadas exaustivamente.
Obviamente, para a visualização do objeto em questão, que seja, as normas
antielisivas5, com sua classificação em geral e específicas, tende-se a multiangu-
larmente determinar-se focos distintos de visão com o fim de, modificando a
posição do observador, criar-se mais proposições sobre o tema6.
O objetivo deste trabalho é o de delimitar os contornos do termo elisão,
enquanto termo de Teoria Geral do Direito, posteriormente partindo para o
que constituiria, formalmente, esta ideia.
Segue-se com a inserção deste estudo no campo do direito tributário
pela ideia de elisão fiscal enquanto estrutura componente do ordenamento
1 LUHM ANN, Niklas. Law as a social system. Oxford: Oxford University Press, 2004.
2 CARVALHO , Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 2 “ ed. São Paulo:
Noeses, 2008.
3 VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema no direito positivo. São Paulo: Noeses, 2006.
4 Rara mais sobre este sistema de referência: VITA, Jonathan Barros. Tributação do câmbio. São
Paulo: Quartier Latin, 2008.
5 Recorda-se que nomenclatura de elusão tributária não será utilizada por um critério pragmáti
co, pois a expressão elisão fiscal é mais aceita no direito brasileiro, apesar de que as críticas do
professor Taveira Torres (In: TÔRRES, Heleno Taveira. Autonomia privada e simulação no direito
tributário. São Paulo: RT, 2003) e outros à expressão possuem fundamento, porém não poden
do concordar-se com a ideia da diferenciação entre economia de tributos lícita (elisão) ou
ilícita (elusão), pois inexiste critério de diferenciação entre as duas, como será visto.
6 Este sistema de referência a respeito das normas antielisivas foi inicialmente publicado em:
VITA, Jonathan Barros. The general and specific anti-avoidance tax rule. In: MARINO, Giuseppe
(org.). Temi scelti dui diritto tributário. L'elusione fiscale. Milão: Egea, 2008, tendo sido sofistica
do e adaptado para os fins de uma análise do direito brasileiro, especialmente com a inversão
da nomenclatura na terceira faixa de classificação.
9 8 - T e o r ia G er a l das N o r m a s A n tielisiv a s
2 . E l is ã o e u n id a d e d o d ir e it o
Como ponto inicial deste tópico, deve ser dito que as visões clássicas
sobre a elisão serão apenas mencionadas, pois o escopo deste trabalho é apre
sentar uma visão estrutural da elisão que parte deste conceito como sendo
contido na Teoria Geral do Direito e não no direito tributário, tão somente.
Lembra-se que a linguagem contida nos textos de direito positivo é ple
na de imperfeições e, portanto, no processo de recombinação para a formação
de proposições/normas jurídicas, a interpretação é fundamental enquanto ten
tativa de retirar imprecisão, vaguidade e ambigüidade desses textos/enuncia-
dos jurídicos.
A noção clássica sobre as regras e condutas contidas nas normas antieli
sivas fiscais, a exemplo, é de caráter teleológico, a partir de uma pseudointer-
pretação econômica do direito, em que se busca a economia de tributos como
fator de evidenciação da elisividade ou não de um dado procedimento realiza
do pelo contribuinte na gestão dos negócios de sua empresa.
Portanto, ser indesejável pelo direito não é uma forma possível de deli
mitação de uma categoria jurídica, pois os valores estão no interpretante, mas
não no direito enquanto sistema autorreferencial e autopoiético, lembrando
que o código lícito/ilícito é distinto dos códigos bom/mau ou ético/não ético
da moral e ética, respectivamente.
O sistema jurídico é comunicação, que cria realidade a partir de suas
próprias estruturas, normas, programas jurídicos, não importando o que o
sistema social possui de expectativas cognitivas, mas voltado para a satisfação
J o n a t h a n B a r r o s V it a - 9 9
das expectativas normativas, tão somente, que não possuem um cunho socio-
lógico/axiológico, no sistema de referência adotado.
Logo, buscar procurar no sistema jurídico estes valores ou, ainda, este
aspecto de ser um comportamento não desejável, não é visualizar o sistema
jurídico autorreferente, mas é visualizar a partir de outro prisma, o da sociolo
gia ou política do direito.
Estas não aceitas formas de aproximação com a elisão fiscal tendem a tratá-
-la como problemas de interpretação de certos eventos, mas não de uma maneira
estrutural, em qUe o elemento central de estudos é a elisão como forma de
(re)determinação dos critérios de ingresso na classe dos fatos que realiza a mediação
entre dois sistemas de referência/ramos, didaticamente autônomos do direito,
distintos a partir de uma primária qualificação por um deles.
Complementando, a tendência natural de se ver as atividades elisivas
como defeitos do sistema ou atividades não éticas do sujeito participante do
sistema (contribuinte) são extremamente problemáticas, pois o conceito de
norma é idêntico para os usuários do sistema, mas as normas construídas,
denotativamente, são diferentes para cada um deles.
Ter-se-ia algo aproximado com a clássica distinção entre intérpretes au
tênticos e não autênticos, nestes casos, respectivamente, a administração pú
blica e os contribuintes, em que não havendo critérios claros, ter-se-ia como
prevalente a atividade de lançamento do fisco em substituição àquela realiza
da pelo contribuinte.
Retomando, a elisão deve ser considerada como um termo de teoria geral
do direito e não, somente, de direito tributário, por tal motivo a classificação
fractal a ser apresentada é útil e logicamente construída.
Lembra-se que, dentro desta visualização, há uma clara contraposição,
pontualizada e normatizada, entre a unidade do direito e a ideia de autopoiesis.
Esta normatização da unidade do direito aludida, no direito tributário
brasileiro, é propalada pelo artigo 110 do CTN7, que trata da impossibilida
de de que o direito tributário defina conceitos que primariamente são defini
7 Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constitui
ção Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou
dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
100 - T e o r ia G e r a l das N o r m a s A n tielisiv a s
dos pelo direito privado (e, também, considera-se que o mesmo ocorre com o
direito público).
Este artigo 110, que estabelece a unidade do direito é antagonizado/
excepcionado pela estrutura antípoda contida no dispositivo do artigo 116
parágrafo único8do CTN, que trata da chamada elisão fiscal9.
Logo, a elisão fiscal é forma de quebra da unidade do direito, estabeleci
da por regra de idêntica hierarquia aquela que estabelece esta unidade (ainda
que seja pressuposta sistemicamente).
Dentro deste contexto de unidade do direito, nota-se, novamente, que a
divisão do direito em vários sistemas jurídicos é rechaçada, lembrando que a
divisão entre ramos do direito é, meramente, didática.
Ainda, não se pode olvidar que estes sistemas de referência didática/
ramos do direito devem, sempre, comunicar-se, perfazendo a harmonização
do sistema pela interação (no plano da coordenação e subordinação por meio
da competência de produção normativa) entre normas e a diferença de crité
rios adotados para que uma irritação seja ou não percebida por normas que
aparentemente tratam do mesmo evento, mas não do mesmo fato jurídico.
Prosseguindo, analisando a segunda parte da assertiva sobre a autopoiesis
do sistema, lembra-se que a elisão é tomada enquanto uma referência auto-
poiética, em que o sistema dialoga com ele mesmo no plano das estruturas,
observando outras estruturas.
A definição e conceito são temas fundamentais neste contexto elisivo, já
que pode se categorizar em conceitos fundantes e fundados e definições fun-
dantes e fundadas, dando um caráter hierárquico a partir dos agrupamentos
semânticos do direito, quais sejam, os ramos didaticamente autônomos.
8 Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes
os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias
materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente cons
tituída, nos termos de direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza
dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem
estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp n° 104, de 10.1.2001)
9 Toma-se como premissa básica que este artigo perfaz uma norma geral antielisiva para o direito
tributário, a despeito da doutrina em contrário.
J o n a t h a n B a r r o s V ita - 101
Aqui, logo, pode ser dito que o direito positivo pode multifacetar um
dado de sua própria realidade, ou seja, a partir de um dado objeto dinâmi
co10, cada ramo do direito qualifica de uma dada maneira, transformando
em fatos diversos.
Obviamente, com estes atos de qualificação e requalificação há a preser
vação de uma espécie de hierarquia material, em que (re)produz-se um fato
jurídico qualificando uma irritação de maneira prevalente, generativa de ine
ficácia técnico sintática sobre quaisquer outras qualificações.
Em outras palavras, no sistema do direito existem meros conflitos de
qualificações internas, dentro de uma perspectiva espacialmente delimitada,
como em um terremoto, em que a irritação percebida pelo sistema jurídico
(epicentro) se propaga como uma onda de choque, que vai se abrandando à
medida que se afasta do epicentro, gerando uma fragilidade inata naquela
qualificação mais distante deste.
Obviamente a irritação é captada por uma estrutura que está na periferia
do sistema, no caso, o contrato ou ato cível, o direito tributário não verifica
esta irritação externa, mas a interna produzida a partir desta versão em lingua
gem, sendo uma observação de segundo nível, lembrando que as normas tri
butárias estão mais próximas do centro do que da periferia do sistema, não
absorvendo a supracitada irritação, mas, tão somente, a irritação interna pro
duzida pela norma cível, que será confrontada com a irritação originária para
os efeitos da norma antielisiva.
Logo, para os fins de observação da operação da norma antielisiva, sob
uma perspectiva sistêmica, a onda de choque é impedida pela norma antieli
siva em sua propagação normal, pois a nova norma produzida (re)posiciona-se
em relação a sua posição originalmente pressuposta.
Esta capacidade de reposicionamento revela uma forma de atuação cons
ciente desta regra, denotando uma alta capacidade de reflexão, ou seja, sendo
um elemento de (re)avaliação da propagação da onda de choque, atua como
estrutura estabilizadora do sistema, atuando no processo de evolução do siste
ma jurídico.
4. As NORMAS a n t ie l is iv a s : c l a s s if ic a ç ã o
Conforme já pôde ser visto, uma nova abordagem foi produzida sobre o
assunto elisão fiscal, na qual, estruturalmente, não se inclui a intenção do
agente de economia de tributos para qualificar uma determinada conduta de
elisiva ou não.
Neste campo normalmente estudado, a qualificação negativa para o
sistema econômico de uma atividade de planejamento tributário, a cha
mada economia lícita de tributos por meio de um labor humano não faz o
menor sentido, pois inexiste um critério de comparação entre a carga fiscal
16 Rara um exemplo do uso desta nomenclatura no direito italiano: DAM M ACCO, Salvatore. II
Bilancio civilistico e fiscale: esame analítico voce per voce. Milão: Giuffrè, 2006.
108 - TEORIA GERAL DAS NORMAS ANTIELISIVAS
produzida pelos atos do sujeito em exame e uma carga fiscal teórica, nor
mal ou parâmetro.
Da mesma forma, inexistem critérios de comparabilidade e equalização
entre as situações de contribuintes diversos, o que inviabiliza esta visualização
da carga tributária como elemento de competitividade entre dois sujeitos dis
tintos ou como processo de generalização congruente de expectativas através
de uma homogeneização da carga tributária de um grupo de sujeitos.
Ainda, deixa-se clara a crítica à ideia da chamada economia lícita de
tributos17, que possui o problema de que toda a atividade de interpretação
jurídica no direito tributário pressupõe uma tentativa teórica de redução da
carga tributável.
É dizer, há, sempre, a tentativa de otimização de procedimentos operacio
nais de uma dada empresa, sendo que nenhum sujeito conscientemente produz
a maior ineficiência econômica em suas operações por conta de uma ineficiência
na alocação da mínima carga tributária possível aplicável licitamente.
Neste sentido, assim como em Xavier18, a redução da carga tributária é,
sempre, um dos objetivos empresariais lícitos, pois esta carga produz um au
mento de preços e perda de competitividade da empresa, mitigando o seu
papel fundamental de geração de novas riquezas.
Da mesma forma, a definição da elisão fiscal através da doutrina dos
negócios jurídicos indiretos, abuso de formas ou dos negócios jurídicos atípi
cos não geram critérios seguros, pois inexistem critérios juridicamente objeti
vos para esta qualificação19.
Neste ponto, deve ser dito que a expressão negócios jurídicos atípicos
perfaz uma contradição em termos, pois se os negócios são jurídicos, necessa
riamente, são típicos e o fato de escolher uma determinada forma da cadeia
negociai para positivação de um evento não pode ser considerada ilícita.
17 Esta economia lícita de tributos é chamada, em Taveira Tôrres, com base na doutrina especial
mente italiana e espanhola, de elisão tributária. In: TÔ RRES, Heleno Taveira. Autonomia
privada e simulação no direito tributário. São Paulo: RT, 2003.
18 Xavier utiliza a chamada forma geral das normas antielisivas e as chamadas regras Tayior made
como constantes. In: XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva.
São Paulo: Dialética, 2001.
19 Para uma investigação profunda sobre estas clássicas doutrinas, especialmente na interação
entre direito tributário e direito privado: TÔRRES, Heleno Taveira. Autonomia privada e simu
lação no direito tributário. São Paulo: RT, 2003.
J o n a t h a n B a r r o s V it a - 1 0 9
20 Lembra-se que esta irritação, também pode ser interna, se se tratar do conseqüente da relação
cível gerando a obrigação tributária, do que seria uma forma de observação (no sentido
luhmaniano) de 2o nível interna ao sistema jurídico, ou seja, uma estrutura observando outra
estrutura comunicativa operando.
110 - T EORIA G ERAL DAS N o RMAS ANTIELISIVAS
21 Em mesmo sentido: CARVALHO, Cristiano. Ficções no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008.
22 Em sentido contrário com relação às ficções e presunções absolutas como não passíveis de uso
para tributação: FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. 2a ed. São Paulo:
Quartier Latin, 2005.
J o n a t h a n B a r r o s V it a - 1 1 1
23 Aqui e nos pontos seguintes utiliza-se fato cível como sinônimo do: fato cível contido no
antecedente da norma concreta; ou a relação individualizada contida no conseqüente da
norma cível entendida como fato jurídico para o antecedente da RMIT, como denotado em
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo: Saraiva, 1989.
1 1 2 - T e o r ia G e r a l das N o r m a s A n tie lisiv a s
24 Lembrando que esta noção não é adotada neste trabalho pelo seu elevado grau de subjetividade.
25 Neste trabalho houve uma inversão da nomenclatura adotada para o terceiro elo da classifica
ção das normas antielisivas. In: VITA, Jonathan Barros. The general and specific anti-avoidance
tax rule. In: MARINO, Giuseppe (org.). Temi scelti dui diritto tributário. Ueíusione fiscale. Milão:
Egea, 2008.
J o n a t h a n B a r r o s V it a - 1 1 3
regra específica para a primeira classificação e regra geral para a segunda clas
sificação apresentada26.
Prosseguindo, a distinção no terceiro nível classificatório entre as normas
gerais e específicas se dá através da determinação do modal das condutas do
conseqüente e dos sujeitos envolvidos, contidos nas normas antielisivas espe
cíficas gerais ou específicas.
A norma tributária antielisiva específica geral possui como sujeitos en
volvidos o aplicador da norma (fisco ou contribuinte) e a sociedade, por sua
vez, a norma específica possui como sujeitos envolvidos o fisco e a sociedade.
Exemplificando os dois casos: para a norma geral, o contribuinte (ou o
fisco) deve, obrigatoriamente, produzir um fato jurídico tributário diferenciado
do fato cível, sem utilizar o critério de aferição elucidado; no caso da norma
específica, tem-se a circunstância de o fisco, a partir de um dado fato concreto,
no imposto sobre a renda, investigar se aquele evento se subsume aos critérios de
válidas razões econômicas.
Interessante é que nas normas gerais há a criação de presunções absolutas
ou ficções legais para a aplicação no direito tributário, enquanto nas normas
específicas tais presunções são relativas, pois dependem daquele aludido crité
rio de validação específico.
Prosseguindo, dentro do contexto apresentado da diferenciação entre a
norma tributária antielisiva específica geral e específica uma série de efeitos
diferenciados entre as duas podem ser aduzidos, em especial a possibilidade,
existente no ordenamento nacional e no ordenamento internacional de não
efetivação da elisão no campo individual e concreto, especialmente, nas nor
mas tributárias antielisivas específicas.
Neste sentido, alguns pontos estruturais podem ser elucidados para deter
minar quais as diferenças no campo de aplicação das duas normas, especialmen
te, com o uso de argumentos derivantes da Lógica Jurídica, especialmente na
forma do processo de integração do ordenamento e análise pragmática da siste
mática procedimental destas normas.
26 Não se irá, aqui, discutir sobre a natureza de norma antielisiva geral desta regra, já que,
conforme dito anteriormente, pelas definições dadas neste artigo, em especial no que trata da
contraposição entre o artigo 110 do CTN com esta regra, ficou clara a esta posição.
114 - T e o ria G e r a l das N o rm a s A n tie lis iv a s
do D ir e it o : t e o r ia d a t r a d u ç ã o e c r it é r io s d e
c o m p a r a b il id a d e e n t r e sis t em a s j u r íd ic o s
27 Este sistema de referência foi inicialmente elucidado em: FLUSSER, Vilém. Para uma teoria da
tradução. In: Revista brasileira de filosofia. São Paulo: Instituto brasileiro de filosofia, 1969,
jan.-mar. Vol. 19, fase. 63, p. 16-22.
28 FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. 3a ed. São Paulo: Annablume, 2007.
1 1 6 - T e o r ia G e r a l das N o r m a s A n tielisiv a s
delle quali avente sede legale in uno degli Stati o nei territori a regime fiscale privilegiato, individuati
ai sensi dell'articolo 167, comma 4, dei testo unico delle imposte sui redditi, di cui al decreto dei
Presidente delia Repubblica 22 dicembre 1986, n° 917, aventi ad oggetto il pagamento di
somme a titolo di dausola penale, multa, caparra confirmatoria o penitenziale.
4. Uavviso di accertamento è emanato, a pena di nullità, previa richiesta al contríbuente anche
p er lettera raccomandata, di chiarimenti da inviare per iscritto entro 60 giorni dalla data di
ricezione delia richiesta nella quale devono essere indicati i motivi per cui si reputano applicabili
i commi 1 e 2.
5. Fermo restando quanto disposto dall'articolo 42, Pavviso d'accertam ento deve essere
specificamente motivato, a pena di nullità, in relazione alie giustificazioni fornite dal contríbuente
e le imposte o le maggiori imposte devono essere calcolate tenendo conto di quanto previsto al
comma 2.
6. Le imposte o le maggiori imposte accertate in applicazione delle disposizioni di cui al comma 2
sono iscritte a ruolo, secondo i criteri di cui alPart. 68 dei D.Lgs. 31 dicembre 1992, n° 546,
concernente il pagamento dei tributi e delle sanzioni pecuniarie in pendenza di giudizio, unitamente
ai relativi interessi, dopo Ia sentenza delia commissione tributaria provinciale.
7. I soggetti diversi da quelli cui sono applicate le disposizioni dei commi precedenti possono
rich ied ere il rim borso delle im poste pagate a seguito dei com portam enti d iscon osciuti
dall'amministrazione finanziaria; a tal fine detti soggetti possono proporre, entro un anno dal
giorno in cui l'accertam ento è divenuto definitivo o è stato definito mediante adesione o
conciliazione giudiziale, istanza di rimborso airamministrazione, che provvede nei limiti dell'imposta
e degli interessi effettivamente riscossi a seguito di tali procedure.
8. Le norme tributarie che, alio scopo di contrastare comportamenti elusivi, limitano deduzioni,
detrazioni, crediti d'imposta o altre posizioni soggettive altrimenti ammesse dall'ordinamento
tributário, possono essere disapplicate qualora il contribuente dimostri che nella particolare
fattispecie tali effetti elusivi non potevano verificarsi. A tal fine il contribuente deve presentare
istanza al direttore regionale delle entrate competente per territorio, descrivendo compiutamente
l'operazione e indicando le disposizioni normative di cui chiede Ia disapplicazione. Con decreto
dei Ministro delle finanze da emanare ai sensi dell'articolo 17, comma 3, delia legge 23 agosto
1988 n° 400, sono disciplinate le modalità per l'applicazione dei presente comma.
J o n a t h a n B a r r o s V it a - 1 1 9
6 . P l a n e ja m e n t o t r i b u t á r i o e e l is ã o f is c a l
entre o fato jurídico cível sem passar pelo teste de (re)validação contido na
norma antielisiva.
7. E l is ã o e e v a s ã o f is c a is : o p r o b l e m a d a i l ic it u d e
Antes de mais nada, deve ser dito que a diferenciação entre a elisão e
evasão30tributárias não será realizada pelos clássicos métodos de determinação
temporal ou da tentativa de se encontrarem os limites materiais da elisão fren
te a sua classe disjunta, evasão, sob o ponto de vista econômico, como tenta o
direito italiano, criminalizando, a partir do montante sonegado a ilicitude
criminal de uma conduta fiscal.
Tratando do problema da ilicitude como forma de distinção entre evasão
e elisão, algumas considerações devem ser produzidas, pois caráter de ilicitude
do código é parcial na elisão e na evasão é total.
Logo, a afirmação clássica de que a evasão é ilícita e a elisão é lícita é
apenas parcialmente verdadeira, devendo-se elucidar o ponto de observação
no sistema jurídico, ou seja, a estrutura (no caso entendida como norma ou
núcleo semântico (sistema parcial ou didaticamente autônomo do direito))
que está realizando esta observação para elucidar estas afirmações.
E dizer, o ilícito da norma que trata da elisão tributária é, apenas, autorre-
ferente, enquanto o da evasão fiscal é auto e heterorreferente, ou seja, a evasão
tributária trabalha com a ilicitude de um fato tributário no código do direito
tributário e, também, no elemento primário de percepção, perfazendo um du
plo ilícito, enquanto a elisão pressupõe a licitude para o direito civil e a ilicitude
para o direito tributário da programação originária.
A elisão fiscal trata da ilicitude de um fato apropriado de outro ramo
didaticamente autônomo do direito, funcionando como o já tão elucidado
filtro entre direito civil e suas conseqüências no direito tributário, sendo, por
tando um lícito primário (civil) e um ilícito secundário (tributário).
30 Reitera-se que nomenclatura de elusão tributária não será utilizada por um critério pragmático, já
que elisão no sistema de referência adotado é reconhecida como situação em que se aplicam as
regras antielisivas e seria definido identicamente a elusão para o professor Taveira Torres, op. c/t.
Entretanto, a elisão no sentido de economia lícita de tributos não está de acordo com as
premissas postas neste trabalho, como já elucidado em momentos anteriores, pois a busca pela
menor carga tributária é um processo lícito, inexistindo, ainda, uma carga tributária teórica e a
outra aplicada, o que impede, sob este ângulo a comparação de cargas tributárias como critério
de diferenciação entre conceitos.
124 - T e o ria G e r a l das N o rm a s A n tie lis iv a s
| ,o<ro, as
normas antielisivas e antievasivas não são distintas no que trata
da ilicitude para o direito tributário, pois a tradução de ambas é considerada
como ilícita sem a aplicação de normas que realizem tal intermediação.
E dizer, as normas antievasivas tratam de que uma aplicação primária
ilícita gera uma aplicação secundária ilícita de maneira necessária, enquanto as
normas antielisivas utilizam como processo a necessidade de passagem pelo
filtro antielisivo para determinar esta adequação entre a norma tributária e o
sistema tributário que se distingue do sistema civil.
Obviamente, a evasão fiscal trata de problemas em que existe uma con
duta que foi positivada de forma ilícita, originalmente, ou seja, o fato positi
vado que impulsionou a norma tributária foi construído a partir de um ilícito.
Exemplo do ilícito primário evasivo é dado pelo não preenchimento de
certos deveres instrumentais como a versão em linguagem do fato jurídico
tributário/lançamento, mas esta assertiva não infirma a ideia de que existem
dois códigos na cadeia comunicativa da elisão, passando do código lícito do
direito civil (com a manutenção desta comunicação no sistema de direito ci
vil) para o código ilícito no direito tributário.
Portanto, a despeito das proposições produzidas anteriormente, é sim
ples verificar a ilegalidade das condutas evasivas, já que toda a cadeia é conta
minada pela evasão, ou seja, há um encadeamento de condutas ilícitas que
tem como fim evasão, não pagamento ilícito de tributos.
Abre-se um parêntese sobre a figura típica penal utilizada para a defini
ção de evasão, de acordo com a lei 4.729, que estabelece que a evasão seria
uma forma qualificada de sonegação fiscal, em que uma série de atos são
praticados com o fim de não pagamento de tributos.
Obviamente tal definição opera-se para os fins estritos de persecução
penal, entretanto, há a necessidade de que os atos praticados para viabilizar
este não pagamento tributário sejam ilícitos, o que valida a tese do duplo
ilícito adotada neste trabalho, recordando que há uma excludente de ilicitude
que determina que o mero não pagamento de tributos não perfaz a figura
penal da evasão.
Prosseguindo, algumas notas são produzidas sobre a segunda distinção
clássica entre evasão e elisão tributárias, a distinção temporal entre elas, pois é
tomado com premissa que ambas podem ocorrer tanto antes como depois do
evento tributário.
J o n a t h a n B a r r o s V ita - 1 2 5
31 Art. 167 - É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido
for na substância e na forma.
32 Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes.
33 Art. 166 - É nulo o negócio jurídico quando:
VI - tiver por objeto fraudar lei imperativa.
1 2 6 - TEORIA G ERAL DAS NORMAS ANTIELISIVAS
8. C o n clu sõ es
O estudo dos princípios jurídicos vem passando nos últimos anos por
profundas mudanças devidas aos novos aportes teóricos de autores como
Robert Alexy e Ronald Dworkin, além de decisões de cortes constitucionais
europeias, em especial da Alemanha.
Relevante instituto dessa nova perspectiva é a ponderação. Seu uso é cada
vez mais difundido. Vem se tornando comum ouvir que não existem direitos
absolutos, já que todos poderiam ceder diante de uma proporcionalidade com
outros de igual relevância. Contudo, é preciso que o uso da ponderação guarde
correlação lógica com o modelo teórico de que é fruto, a fim de evitar um sincre-
tismo metodológico pernicioso para a eficácia de disposições mais relevantes do
sistema jurídico.
Conquanto no D ireito Tributário essa mudança de paradigm a
principiológico ainda não possua a mesma ênfase de outros ramos, é importante
expor como pode se dar nele o uso da ponderação. Assim, exporemos quais as
mais relevantes conseqüências de uma distinção entre regras e princípios, bem
como se dá o enquadramento dos clássicos princípios tributários da tradição
brasileira nessa nova classificação. Em seguida, trataremos sobre os modos de
ponderação existentes nesse novo modelo, para, então, expor quais são as
espécies possíveis de serem operadas no Direito Tributário e o controle que
pode ser feito sobre tal ponderação.
Certamente o tema é instigante e complexo, daí porque nossa pretensão
não é exauri-lo, mas apenas apresentar seus contornos fundamentais e lançar
luzes sobre os pontos que reputamos mais relevantes.
1. Os PRINCÍPIOS c o n s t it u c io n a is t r ib u t á r io s
A nova perspectiva jurídica que compreende uma distinção entre regras
e princípios já é bastante conhecida na doutrina1e indica que princípios são
mandados de otimização a serem observados e cumpridos na medida do que
for fática e juridicamente possível, enquanto as regras trazem juízos definiti
vos, mediante a descrição de uma hipótese fática e atribuição de uma conse-
1 Cfr. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Malheiros, 2008. SILVA, V irílio Afonso. Direitos Fundamentais: Conteúdo essencial,
restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da
Definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5a ed. São Paulo: Malheiros, 2006. BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9a ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
1 3 2 - A P o n d e r a ç ã o d e P r in c íp io s n o D ir eit o T r ib u t á r io
2 SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: Conteúdo essencial, restrições e eficácia. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 57.
J u r a c i M o u r ã o L o p e s F il h o - 1 3 3
Texto
+
Contexto
(concretização)
3 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25a ed. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 42.
4 M ACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 14a ed. São Paulo: Malheiros, 1998,
p. 29/35.
J u r a c i M o u r ã o L o p es F il h o - 1 3 5
5 SILVA, Luiz Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção.
In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Número 1, janeiro/junho de 2003.
1 3 6 - A P o n d e r a ç ã o d e P r in c íp io s n o D ir e it o T r ib u t A r io
2 . AS MODALIDADES DE PONDERAÇÃO
Texto 1 Texto 2
+ +
Contexto 1 Contexto 1
Norma A Norma B
(concretização) (concretização)
regra' •+ regra//
(choque)
(ponderação ad hoc)
I0 ÁVILA, Humberto. A teoria dos princípios e o Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito
Tributário. n° 125, fevereiro de 2006, p. 33/49.
II ADI 2.551-M-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-03, DJ de 20-4-06
J u r a c i M o u r ã o L o p es F il h o - 1 4 1
tão diante de si e que não foram levados em conta pelo legislador ao reali
zar a ponderação abstrata inserida na lei. Em tais situações, ele pode dei
xar de aplicar a lei àquele caso concreto para fazer prevalecer uma solução
específica gerada em função de uma nova ponderação, desta vez fruto do
caso concreto.
Deve ser advertido, porém, que aqueles “princípios constitucionais tri
butários” (no sentido de normas nucleares do Sistema Tributário Nacional)
que têm estrutura de regras não podem entrar nessa ponderação legislativa ou
judicial pelas razões já expostas. Legalidade, vedação de confisco, anteriorida
de, competência, entre outros, não podem ser ponderados, embora a definição
de seus alcances demande a categorização (definitional balancing).
A legalidade desempenha papel fundamental no sistema tributário, es
pecialmente porque veiculada por regra. Uma ponderação substitutiva feita
pelo intérprete/aplicador jamais poderá ensejar aumento e instituição de tri
buto, sendo tal proibição inviável de ser ponderada. Assim, embora seja válida
uma ponderação ad hoc direta dos princípios constitucionais para controle da
legalidade da regra legislativa, ela jamais poderá substituir o papel do legisla
dor reservado pela legalidade.
São nesses termos gerais que deve ser compreendida a ponderação ad hoc
no Direito Tributário.
Por sua vez, a ponderação delineadora tem ampla aplicação da definição
dos fatos tributáveis trazidos pela Constituição Federal. Com efeito, definir o
que seja renda, circulação de mercadoria ou propriedade territorial urbana,
por exemplo, envolve uma análise ponderativa de vários princípios não só tri
butários, como também de outros domínios constitucionais, como da Ordem
Econômica. Essa atividade demanda consideração de questões não só de di
reito, mas também de fato, autorizando a incorporação do aspecto econômico
dos mesmos.
Isso evidencia que a análise econômica do Direito Tributário, em alguma
medida, não é uma postura ideológica de como enfrentar a interpretação dos
institutos jurídicos, mas uma conseqüência inexorável do modo de ser do
próprio Direito Tributário.
Ao se ter em mente o papel da ponderação delineadora na determinação
do alcance desses termos, evita-se a ilusão de acreditar que os fatos tributáveis
trazidos pela Constituição como limites impositivos do Fisco e critério para
J u r a c i M o u r ã o L o p e s F il h o - 1 4 3
4 . C o n clu sã o
1. I n t r o d u ç ã o
2 . U t il id a d e d o t e m a
3 . M o d e l o d e E s t a d o - e s t u d o h is t ó r ic o pa r a se
COMPREENDER A ATUALIDADE
3 BONAVIDES, Raulo. Teoria do Estado. São Raulo: Malheiros. 4a ed. p. 19. A palavra Estado, nesse
contexto, é usada em sentido evidentemente amplo, e não em seu sentido estrito, tal como hoje
delineado, sendo certo que este último originou-se sobretudo ao final da Idade Média. Sobre o
uso da expressão no sentido lato, confira-se: MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constitui
ção. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 19. Para o exame de sua origem no sentido mais estrito,
a partir de elementos surgidos nos séculos XII e XIII: BERCOVICI, Gilberto. Soberania e constitui
ção: para uma crítica do constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 50.
Ra q u e l C a v a lc a n ti R am o s M a c h a d o - 1 5 1
pulverizado entre os senhores feudais, sendo na outra parte detido pela Igreja
Católica. Com o passar do tempo, esse domínio foi gradativamente assumido
pelos reis, dentro dos recém-surgidos Estados nacionais. Desse modo, como o
concebemos atualmente, em sua estrutura organizacional, o Estado é fruto,
sobretudo, de movimentos havidos no século XVI4, quando surgiu a necessi
dade de se encontrar um feixe de poderes que ofertasse segurança para o de
senvolvimento de atividades comerciais.
Inicialmente, como o que importava era a concentração de poder para per
mitir uma unidade nacional e segurança, a figura do governante reuniu em si todo
o feixe de competência. Assim, a princípio, configurou-se sob o regime absolutis-
ta. Depois, porém, por conta da própria lógica do poder, detido na mão de um só
governante ou grupo, a prática de abusos tornou-se mais evidente. Ao mesmo
tempo, já tendo o Estado consolidado suas fronteiras e trazido certa segurança
para o comércio, a sociedade passa a clamar por respeito a liberdades individuais.
Assim é que ao impor limites ao poder do Estado, este se transforma em Estado
Constitucionals, que, por sua vez, já passa também por considerável evolução.
Como se percebe, o que se tem alterado ao longo da História, gerando
uma classificação distinta do modelo de Estado, é exatamente o conjunto de
poderes ou competências e deveres que este possui.
Em relação ao Estado Constitucional, considerando sua interferência na
Ordem Econômica e seu papel na concretização de direitos assegurados pelo
Ordenamento Jurídico, pode-se afirmar que, na sociedade ocidental, três são os
modelos marcantes de Estado: a) o Estado Liberal; b) o Estado do Bem-estar
social e o Estado Subsidiário.
O Estado liberal, fruto da aversão ao poder absoluto, tinha por papel principal
intervir o mínimo possível na vida dos particulares, a fim de garantir a liberdade
4 Paulo Bonavides anota que "a expressão 'Estado' foi, segundo a versão mais aceita, criada por
Maquiavel, que a introduziu nas primeiras linhas de sua célebre obra intitulada O Príncipe.
Mas seu uso só ficou consagrado muito tempo depois, porquanto faltava o dado estabilizados
e legitimidade do conceito que unicamente a face jurídica lhe havia de ministrar para associá-
lo, em definitivo, à instituição nascente, ou seja, o Estado, definido já em seus elementos
constitutivos e positivado num sistema de organização permanente e duradoura/' (BONAVIDES,
Paulo. Teoria do Estado. 4a ed. São Paulo: Malheiros, p. 23)
5 "Verifica-se, portanto, que a premissa capital do Estado Moderno é a conversão do Estado
absoluto em Estado constitucional; o poder já não é de pessoas, mas de leis. São leis, e não
personalidades, que governam o ordenamento social e político. A legalidade é a máximo de
valor supremo e traduz com toda energia no texto dos Códigos e das Constituições." (Teoria do
Estado. 4a ed. São Paulo: Malheiros. p. 29)
1 5 2 - A l g u m a s Q u e s t õ e s R e la c io n a d a s à T r ib u t a ç ã o n o E s t a d o C o n t em p o r â n e o
individual. Preponderou por longa data até que sua hegemonia passou a ser
contestada diante da percepção de que as desigualdades naturais e sociais fazem
com que alguns homens sejam reféns de outros homens e de sua própria sorte.
A própria História faz com que algumas pessoas nasçam já em condições de
desigualdade que lhes impossibilita sequer desenvolver liberdades concretamente.
No caso do modelo capitalista de economia, que levou à criação do Estado
liberal, a desigualdade decorria, sobretudo, do acúmulo de riqueza por parte dos
que detinham os meios de produção, retirando de trabalhadores não só excessivas
horas de vida, em trabalho mal remunerado, mas a própria liberdade para escolher
negociar condições de emprego, e ainda a dignidade e o acesso a serviços de
saúde e de educação que possibilitasse o desenvolvimento de suas potencialidades.
A não intervenção do Estado6, portanto, levou a que a liberdade excessiva do
homem gerasse um cenário de dominação por parte de poucos em relação a uma
grande classe de assalariados. Com o tempo, as deficiências do modelo capitalista
e a não regulamentação do mercado pelo Estado levaram a que os próprios
agentes de mercado passassem a atuar de forma desleal, prejudicando o
desenvolvimento da economia com base em talentos reais. Assim foi que as
revoltas das classes trabalhadoras e a quebra da bolsa de Nova York, em 1929,
ensejaram um repensar do Estado liberal nas sociedades capitalistas, ao ensejar a
criação do modelo de Bem-estar social, tendo por base a doutrina econômica de
John Keynes.
O Estado do Bem-estar social se caracteriza, por sua vez, pela interferên
cia do Estado na economia, seja para regular, de alguma forma, os agentes de
Não se confunde com o Estado liberal, porque à época deste não havia
organizações sociais e instituições estatais para o controle da atuação do
mercado. Além disso, a ideia é desenvolver, na sociedade, a consciência de
que ela tem um papel a desempenhar. Os agentes da sociedade devem com
portar-se como seres mais evoluídos, conscientes de que, a par de um con
junto de direitos, têm responsabilidades, decorrentes do laço de solidariedade.
Por outro lado, o Estado também tem o dever de solidariedade, e, mesmo
interferindo menos na sociedade, sua política não deve ser desregrada, mas
realizada com o propósito de atender aos anseios mais caros da sociedade.
Como observa Thomas Fleiner-Gester:
Responsabilidade e solidariedade significam, além disso, que as auto
ridades públicas devem exercer suas atribuições de uma forma plena
mente responsável e solidária. Nesse contexto, os funcionários públi
cos não podem abusar do seu poder, nem passar a sua preocupação de
fazer carreira à frente das suas responsabilidades em relação aos inte
resses dos cidadãos. (...) Se os funcionários públicos não estão dispos
tos a aprender, se não desejam se informar e informar a população, a
relação de parceria, indispensável entre o Estado e sociedade, não
poderájamais se concretizar.10
O Estado subsidiário, portanto, seria parcialmente liberal, com uma teóri
ca carga ética mais elevada, na medida em que não aceita qualquer conduta dos
particulares, mas espera deles uma colaboração na consecução dos fins almeja
dos pela sociedade.
No Brasil, afirma-se que o Estado social é o modelo, de certa forma,
previsto na Constituição.
Em verdade, porém, no Brasil, nunca preponderou uma forma definida de
Estado. Antes de se passar para um modelo mais definido, por insuficiências
administrativas e de desenvolvimento, ou mesmo por falha no diálogo com a
sociedade, o Brasil não chegou a concretizar todas as características do modelo
anterior. Realmente, ao contrário do que ocorreu em países como Suécia, Noruega,
Dinamarca, a assistência prestada pelo Estado por meio de serviços públicos
essenciais não teve a qualidade e a eficiência suficiente para afastar a grande
desigualdade social, existindo muitas pessoas em faixa de pobreza tal que as
impossibilita de exercer sua liberdade com dignidade. Por outro lado, não se
pode afirmar que no Brasil não haja a realização de prestações sociais por parte
do Estado. O sistema público de saúde e educação, apesar de não ser eficiente,
existe. Mais precisamente no caso da saúde, inclusive, por intermédio de demandas
judiciais, o Estado tem entregado serviços variados e com maior qualidade. E foi
nesse cenário de Estado do Bem-Estar não implementado que o Brasil iniciou
seu processo de entrada no modelo subsidiário, por meio de alterações
constitucionais que trouxeram a reforma da Administração (Emenda
Constitucional n° 19 e 32), a reforma da Previdência (Emendas Constitucionais
n° 20, 41 e 47).
Como observa Ricardo Lobo Torres11:
O Estado Democrático de Direito vai se afirmando, cada vez mais,
como Estado Subsidiário. No Brasil, essa característica fica muito dara a
partir das reformas constitucionais da década de 90. O Estado
Subsidiário reflete um novo relacionamento entre Estado e Sociedade,
no qual a Sociedade tem a primazia na solução de seus problemas, só
devendo recorrer ao Estado de forma subsidiária.12
Essa era mesmo uma tendência mundial, até que, em 2008, sobreveio
uma nova crise econômica global, que teve como carro-chefe o abalo do crédi
to, com a negociação de subprimes, empréstimos de alto risco a pessoas que não
ofereciam tanta garantia de adimplemento aos bancos. A constante elevação
da taxa de juros e a recessão no mercado como um todo levaram ao não paga
mento de inúmeros empréstimos dessa natureza. É certo que a crise é com
plexa, mas sobretudo dois são os fatores que a ocasionaram: a) a falta de um
disciplinamento mais severo quanto à negociação do crédito por instituições
financeiras; b) uma política fiscal irresponsável por parte do governo america
no, em período de elevados custos com guerras desencadeadas a partir de 11
. de setembro13.
11 Usando ainda outra terminologia, Ricardo Lobo Torres refere-se a Estado de Segurança, "que
supera o Estado Liberal e o Estado Social, pelo novo ajuste entre poderes do Estado, pela nova
relação entre saber e dinheiro e pelos princípios do discurso e da democracia." (O direito ao
mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 59)
12 TORRES, Ricardo Lobo. Liberdade, consentimento e princípios de legitimação do Direito
Tributário. In: Revista Internacional de Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, Vol 5. jan/
jun. 2006, p. 227.
13 Como observa Paul Krugman, Nobel de Economia, ao analisar a relação entre os cortes de
impostos e a guerra, no período pré-crise, "uma análise lúcida da situação concluiria que Bush
1 5 6 - A l g u m a s Q u e s t õ e s R e la c io n a d a s à T r ib u t a ç â o n o E s t a d o C o n te m p o r â n e o
estava comprometido com essa postura e que seus objetivos era bastante radicais - como
acabou se tornando evidente. Como Dan Altman assinalou em The N ew York Times, se
considerarmos como um todo as propostas de redução de impostos apresentadas pelo gover
no, elas satisfazem plenamente a antiga meta da direita radical: o fim de todos os impostos
sobre o rendimento do capital, abrindo caminho para um sistema em que somente o rendimen
to proveniente do trabalho é taxado, aquele que não é resultado de trabalho fica isento."
(KRUGMAN, Paul. A desintegração americana: EUA perdem o rumo no século XXI. São Paulo:
Record, 2006. p. 45)
Ra q u e l C a v a l c a n t i R a m o s M a c h a d o - 1 5 7
4 . R e p e r c u s s õ e s p r á t ic a s n o D ir e it o T r ib u t á r io
14 Vale recordar que, como observa Dworkin, " taxes are the principal mechanism through wich
government plays this distributive role. It collects money in taxes at progressive rates so that the
rich pay a higher percentage o f their income or wealth than the poor, and it uses the money it
collects to íinance a variety o f programs that provide unemployment and retirement benefits,
heath care, aid to children in poverty, food supplements, subsidized housing, and other benefits."
Is democracy possible here? (principies for a new political debate). Princeton University Press:
Princeton, 2006. p. 92.
158 - A lg u m a s Q u e stõ e s R e la c io n a d a s à T rib u ta ç ã o n o E sta d o C o n te m p o rân e o
15 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25a ed. São Raulo: Malheiros, 2004, p. 46.
16 SCH O UERI, Luís Eduardo. Tributação e Indução econômica: os efeitos econômicos de um
tributo como critério de sua constitucionalidade. In: FERRAZ, Roberto Catalano Botelho.
Princípios e Limites da Tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 145.
17 Op. cit., p. 148.
18 A propósito dessa relação epistemológica, Jane Reis pondera: "Como então manter a teoria do direito
acorrentada a um estatuo epistemológico que já não se sustenta mesmo em relação às disciplinas
para as quais foi forjado? A dogmática jurídica, que historicamente sempre buscou importar das
ciências naturais seus modelos metodológicos, também sofre o influxo da crise de paradigmas"
(,interpretação ConstitucionaJ e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar. 2006, p. 30).
19 "Cabe ao Estado, portanto, assumir um papel de agente de normalização das relações econô
micas, promovendo, dentre outras coisas: 1) o controle da carga tributária; b) o controle dos
Ra q u e l C a v a l c a n t i R a m o s M a c h a d o - 1 5 9
21 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 16a ed. atual, por Dejalma de
Campos. Rio de janeiro: Forense, 2008, p. 269.
R a q u e l C a v a lc a n t i R am o s M a c h a d o - 161
devendo haver tributação mais intensa sobre o patrimônio e a renda, por meio
de tributos com alíquotas progressivas.
Além disso, a tributação indireta deve ser transparente, sendo imperioso
abolir o discurso contraditório em tomo dela utilizado pelo Poder Público no
País, o que aliás viola não apenas a transparência mas o princípio do legislador
coerente. Exemplificando, o tributo indireto, quando ao poder público interes
sa (v.g., quando há inadimplência do consumidor final), é considerado como
uma dívida do vendedor, pouco importando se há ou não transferência do en
cargo ao consumidor final. Mas, quando se trata da restituição do indébito, o
discurso é modificado para dizer-se que o pagamento é “na verdade” feito pelo
consumidor final, servindo isso de justificativa para a denegação da restituição
ao vendedor que eventualmente efetuou um recolhimento indevido.
Transparência também pode ser obtida com a regulamentação do disposto
no art. ISO, § 5o, da CF/88, segundo o qual “[a] lei determinará medidas para
que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre
mercadorias e serviços”. Com essa regulamentação, poderia ser afastada certa
anestesia que há em torno da tributação indireta, que, não obstante excessiva,
não é objeto de contestação mais intensa nem por empresários, que acreditam
sempre repassá-la aos consumidores, e nem por estes, consumidores, que não
têm ideia do que está embutido no preço dos produtos que adquirem.
Como registra Hugo de Brito Machado,
[ajspecto de grande relevância no que diz respeito aos direitos funda
mentais do contribuinte, em especial aos direitos inerentes àjustiça, é o
da transparência na relação tributária, hoje praticamente inexistente.
Realmente, hoje a maioria das pessoas não sabe que suporta o ônus dos
denominados impostos indiretos, que incidem sobre o consumo.22
Essa transparência é indispensável não só para que se possa aferir a vali
dade ou a invalidade de normas atualmente em vigor, mas especialmente para
que possa haver um debate sincero entre o poder público e a sociedade em
torno da elaboração de leis tributárias, ou seja, no plano do traçado das políti
cas públicas. O acompanhamento da votação de normas, cuja adequação o
povo se sente apto a avaliar, gera inibição nos representantes políticos, como é
23 Como observa Hugo de Brito Machado, o problema da carga tributária brasileira não é apenas
o seu percentual elevado, mas o fato de que "o Estado é perdulário. Gasta muito, e ao fazê-lo
privilegia uns poucos, em detrimento da maioria, pois não investe nos serviços públicos
essenciais dos quais esta carece, tais como educação, segurança e saúde". M ACHADO, Hugo
de Brito. Curso de Direito Tributário. 25a ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 46. Ainda sobre
gastos públicos desnecessários e injustificados, confira-se, do mesmo autor: M ACH AD O ,
Hugo de Brito. Carga tributária e gasto público: propaganda e terceirização, interesse público.
Curitiba: Notadez, ano VIII, n° 38, p. 177-186, 2006, p. 179.
Ra q u e l C a v a l c a n t i R a m o s M a c h a d o - 1 6 3
5 . C o n clu sã o
B i b l io g r a f ia
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 16a ed. atual, por Dejalma de
Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
BERCOVICI, Gilberto. Soberania e constituição', para uma crítica do constitucionalismo. São
Paulo: Quartier Latin, 2008.
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4a ed. São Paulo: Malheiros.
DWORKIN, Ronald. Is democracypossible here? (principies for a new political debate). Princeton
University Press: Princeton, 2006.
ELALI, André. Um exame da desigualdade da tributação em face dos princípios da Ordem
Econômica. In: FERRAZ, Roberto Catalano Botelho. Princípios e Limites da Tributação 2.
São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 225-249.
FLEINER-GERSTER.Thomas. Teoria Geral do Estado. Tradução deMarlene Holzhausen. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
KRUGMAN, Paul. A desintegração americana'. EUA perdem o rumo no século XXI. São Paulo:
Record, 2006.
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25a ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
______ . Carga tributária e gasto público: propaganda e terceirização. In: Interessepúblico. Curi
tiba: Notadez, ano VIII, n° 38, p. 177-186,2006.
______ . Direitosfundamentais do contribuinte e a efetividade dajurisdição. São Paulo: Atlas, 2009.
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras. São Paulo: Nova Cultural, 2002.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Tributação e Indução econômica: os efeitos econômicos de um
tributo como critério de sua constitucionalidade. In: FERRAZ, Roberto Catalano Botelho.
Princípios e Limites da Tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 162-163.
TORRES, Ricardo Lobo. Liberdade, consentimento e princípios de legitimação do Direito
Tributário. In: Revista Internacional de Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey. Vòl 5. jan/
jun. 2006. p. 223-244.
______ . O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
Evolução Histórica da
Teoria Hermenêutica: Do
Formalismo do Século
XVIII ao Pós-Positivismo
Foi para mim uma grande honra receber o convite para participar desta
obra em homenagem ao Professor Hugo de Brito Machado, sem nenhum
exagero, uma das instituições do nosso Direito Tributário.
O Curso de Direito Tributário do Professor Hugo de Brito vem sendo a
porta de entrada dos estudantes de Direito para o Direito Tributário há déca
das. Sua bibliografia extensa inclui, entre outros títulos, os indispensáveis Co
mentários ao Código Tributário Nacional, além dos clássicos Mandado de
Segurança em Direito Tributário e Os Princípios Jurídicos da Tributação na
Constituição de 1988.
A abrangência da obra do Professor é verificada em trabalhos como o
livro Uma Introdução ao Estudo do Direito, que justifica homenageá-lo com
o presente estudo sobre hermenêutica, o qual tem importantes interseções
com o Direito Tributário contemporâneo.
Todos que já assistiram às aulas, palestras e exposições do Professor Hugo
de Brito Machado, sem dúvida alguma sentiram a força do entusiasmo com que
defende suas ideias e que combate medidas que possam enfraquecer os direitos
conquistados pelos contribuintes após anos de evolução do Direito Tributário.
Saudamos o ilustre professor e o agradecemos, com esta humilde contri
buição, por tudo que fez pelo Direito Tributário brasileiro.
In tr o d u çã o
1 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3a ed. Tradução de José Lamego. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 19; G U ER R A FILH O , W illis Santiago. Teoria da
Ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 31.
2 BOBBIO, Norberto. O Positivismo jurídico: Lições de Filosofia do Direito. Tradução de Márcio
Pugliesi; Edson Bini; Carlos E. Rodrigues. São Paulo: ícone, 1995. p. 53. Ver, ainda: RADBRUCH,
Gustav. Filosofia do Direito. 6a ed. Tradução de L. Cabral de Moncada. Coimbra: Armênio
Amado, 1997. p. 64 e 65; KAUFMANN, Arthur. Filosofia dei Derecho. Tradução de Luis Villar
Borda. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1999. p. 70; ADEODATO, João Maurí
cio. Positividade e Conceito de Direito, in: Ética e Retórica: Para uma Teoria da Dogmática
Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 20 e 21; ROBLES, Gregorio. Introducción a Ia teoria dei
derecho. 6a ed. Barcelona: Debate, 2003. p. 137; CO ELH O , L. Fernando. Lógica jurídica e
Interpretação das Leis. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 233-234.
3 Cf. ATIENZA, Manuel. El Sentido dei Derecho. 2a ed. Barcelona: Ariel, 2003. p. 232; FERRAZ
JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 3a ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 76.
4 Cf. HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica Européia: Síntese de um M ilênio. Mem
Martins: Europa-America, 2003. p. 270.
5 Cf. SAVIGNY, Friedrich Karl von. Sistema dei Derecho Romano Actual. 2a ed. Tradução de
Jacinto Mesía; Manuel Poley. Madrid: Editorial de Góngora, [s/d], t. I. p. 66 e 67. Ver também:
RECASENS SICHES, Luis. Tratado General de Filosofia dei Derecho. 14a ed. México: Editorial
Porrúa, 1999. p. 441; OLIVEIRA ASCENÇÃO, José de. Introdução à Ciência do Direito. 3a ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 163; DEL V ECCH IO , Giorgio. Filosofia dei Derecho. 9a ed.
Barcelona: Bosch, 1997. p. 120 e 121.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 6 9
compreensão das regras de direito, de forma que “o legislador cria a regra isolada
a partir da idéia que ele formou do instituto jurídico como um todo”6.
É evidente que esses traços de aproximação não significam que o histo-
ricismo se confunda com a jurisprudência dos conceitos. De fato, consideran
do a gênese consuetudinária dos institutos jurídicos de Savigny, jamais se
poderia ver os mesmos como conceitos. Como bem ponderam Jean-Cassien
Biller e Aglaé Maryioli, “o enfoque histórico redundou em um trabalho de
genealogia de conceitos que não é mais histórica, é lógica”7.
Outro importante legado de Savigny foi sua teoria da interpretação.
Com efeito, destacava o mestre alemão a indispensabilidade da interpre
tação como forma de interação entre o intérprete e o texto, ressaltando que a
interpretação “é indispensável para toda aplicação da lei à vida real”, de forma
que esta “não está restrita, como crêem alguns, ao caso acidental de obscurida
de da lei”8.
Para Savigny, a interpretação seria “a reconstrução do pensamento conti
do na lei”, podendo a mesma ser decomposta em partes constitutivas, as quais
corresponderiam aos seus quatro elementos (note-se que Savigny fala em
elementos e não em métodos): gramatical, lógico, histórico e sistemático9.
Estes seriam os elementos constitutivos de todo e qualquer processo inter-
pretativo, não se podendo escolher um deles em detrimento dos demais, sendo
o exame de todos os elementos indispensável para a interpretação da lei10.
11 Cf. ALCHO URRÓ N , Carlos E. Introducción a Ia Metodologia de Ias Ciências Jurídicas y Sociales.
Buenos Aires: Editorial Astrea, 2002. p. 90.
12 Cf. HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura Jurídica Européia-, Síntese de um Milênio, 2003, p.
274; AN D RAD E, José Maria Arruda de. Interpretação da Norma Tributária. São Paulo: MP
Editora, 2006. p. 47.
13 Mencionando a relação entre a escola histórica e a jurisprudência dos conceitos, ver: DEL
V E C C H IO , Ciorgio. Filosofia dei D erecho, 1997, p. 121; LARENZ, Karl. M etodologia da
Ciência do Direito, 1997, p. 19; ATIENZA, Manuel. El Sentido dei Derecho, 2003, p. 233;
FERN ÁN DEZ-LARGO , Antonio Osuna. La Hermenêutica Jurídica de Hans-Georg Gadamer.
Valladolíd: Secretariado de Publicaciones, 1992. p. 20.
14 Cf. FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, 2001, p. 77; LARENZ, Karl.
Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 23; HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura Jurídica
Européia: Síntese de um Milênio, 2003, p. 274. /
15 Sobre a teoria conceitualista de Ihering, ver: HART, H. L. A. Jhering's Heaven of Concepts. In:
Essays in Jurisprudence and Philosophy. New York: Oxford University Press, 2001. p. 265-277.
16 Sobre o tema, ver: KAUFM ANN, Arthur. A problemática da filosofia do direito ao longo da
história. In: KAUFM ANN, Arthur; ACEDER, W. (Ufrgs.). Introdução à Filosofia do Direito e à
Teoria do Direito Contemporâneas. Tradução de Marcos Keel. Lisboa: Fundação Calouste
Culbenkian, 2002. p. 168.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 7 1
lógicos, o jurista extrairia do sistema sempre a regra adequada para regular uma
situação. Pode aparentemente essa regra faltar e existir uma lacuna; mas no
fundo toda a regra estará ao menos implícita no sistema”21.
Aspecto interessante do formalismo alemão do Século XIX é que o mes
mo desenvolveu-se antes que a Alemanha tivesse concretizado sua codifica
ção, o que somente viria a acontecer com a edição do Código Civil Alemão
que entrou em vigor no ano de 1900.
Como se sabe, o próprio Savigny era um opositor da ideia da codificação
na Alemanha, o que deu azo à célebre contenda com Anton Justus Friedrich
Thibaut (1772-1840), defensor do esforço codificante22.
Tal fato já denuncia um traço diferencial entre a jurisprudência dos con
ceitos alemães e a escola da exegese francesa, a ser examinada a seguir. Embora
tratem-se de duas escolas formalistas, o formalismo alemão forjou-se com
base na consciência histórica e na lógica conceituai, enquanto o formalismo
exegético francês tinha como ponto de partida um monumento jurídico-po-
sitivo: o Código Civil Napoleônico de 1804.
1 . 3 . A ESCOLA DA EXEGESE E O FORMALISMO JURÍDICO FRANCÊS DO
SÉCULO XIX
21 OLIVEIRA ASCENÇÃO, José de. Introdução à Ciência do Direito, 2005, p. 458. Também nesse
sentido: HECK, Philipp. El Problema de la Creación dei Derecho. Tradução de Manuel Entenza.
Granada: Comares, 1999. p. 35; FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito,
2001, p. 79. Os principais traços da jurisprudência dos conceitos encontram-se bem sintetiza
dos nas seguintes palavras de Maria Margarida Lacombe Camargo: "A atividade científica
consistia em estabelecer conceitos bem definidos, que pudessem garantir segurança às rela
ções jurídicas, uma vez diminuída a ambigüidade e a vaguedade dos termos legais. E foi por
meio da elaboração de conceitos gerais, posicionados na parte superior da figura de uma
pirâmide, capazes de conter e dar origem a outros conceitos de menor alcance numa união
total, perfeita e acabada, que o direito alcançou seu maior grau de abstração e autonomia
como campo de conhecimento. Esse alto grau de racionalidade deu origem ao 'dogma da
subsunção' que irá se impor no século seguinte. O direito era tido como fruto de um desdobra
mento lógico-dedutivo entre premissas capazes de gerar por si sós uma conclusão que servisse
de juízo concreto para cada decisão. [...]" (CAM ARGO, Maria Margarida Lacombe. Hermenêutica
Jurídica e Argumentação'. Uma Contribuição ao Estudo do Direito. 2a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001. p. 87).
22 Sobre o movimento pela codificação de Thibaut e sua contenda com Savigny, ver: BOBBIO,
Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito, 1995, p. 53-62.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 7 3
23 Nas palavras de Maria Helena D iniz, "a escola da exegese reuniu a quase-totalidade dos
juristas franceses [...] durante a época da codificação do direito civil francês e o tempo que se
sucedeu à promulgação do célebre Código de Napoleão" (DINIZ, Maria Helena. Compêndio
de Introdução à Ciência do Direito. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 47).
24 Sobre o tema, ver: CAM ARGO, Maria Margarida Lacombe. Hermenêutica Jurídica e Argumenta
ção: Uma Contribuição ao Estudo do Direito, 2001, p. 87; HESPANHA, Antônio Manuel.
Cultura Jurídica Européia: Síntese de um Milênio, 2003, p. 268-269; SALDANHA, Nelson. Da
Teologia à Metodologia: Secularização e crise do pensamento jurídico. 2a ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2005. p. 77; RECASÉNS SICHES, Luis. Panorama dei Pensamiento Jurídico en el Siglo
XX. México: Porrua, 1963. t. I. p. 31.
25 Cf. AFTALIÓ N , Enrique R.; O LA N O , Fernando G arcia; VILA N O V A , José. Introducción al
Derecho. 7a ed. Buenos Aires: La Ley, [196-]. p. 804; COELHO , L. Fernando, Lógica Jurídica e
Interpretação das Leis, 1981, p. 226.
26 GARCÍA MÁYNEZ, Eduardo. Introducción al Estúdio dei Derecho. 53a ed. México: Editorial
Porrúa, 2002. p. 334. Ver, ainda: WARAT, Luiz Alberto. Introdução Ceral ao Direito. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. v. I. p. 69-70; BERGEL, Jean-Louis. Teoria Geral do
Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 325.
27 GÉNY, François. M étodo de Interpretación y Fuentes en Derecho Privado Positivo. 2 a ed.
Madrid: Editorial Reus, 1925. p. 23. Nesse sentido, ver também: BONNECASE, Julien. Science
du Droit et Romantisme. Paris: Librarie du Recueil Sirey, 1928. p. 9-13.
28 Como observa Chaím Perelman, "o artigo 4 do Código de Napoleão, ao proclamar que o juiz
não pode recusar-se a julgar sob pretexto do silêncio, da obscuridade ou da insuficiência da
1 7 4 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n ê u t ic a
lei, obriga-o a tratar o sistema de direito como completo, sem lacunas, como coerente, sem
antinomias e como claro, sem ambigüidades que dêem azo a interpretações diversas. Somente
diante de um sistema assim é que o papel do juiz seria conforme à missão que lhe cabe, a de
determinar os fatos do processo e daí extrair as conseqüências jurídicas que se impõem, sem
colaborar ele próprio na elaboração da lei. Foi nesta perspectiva que os juristas da escola da
exegese se empenharam em seu trabalho, procurando limitar o papel do juiz ao estabelecimen
to dos fatos e à sua subsunção sob os termos da lei" (PERELMAN, Chaím . Lógica Jurídica.
Tradução de Vergínia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 34-35).
29 BO BBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito, 1995, p. 84-89.
30 Cf. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19a ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 417-418.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 7 5
2 . M o v im e n t o s d e c o n t e s t a ç ã o a o f o r m a l is m o
2 .1 . F r a n ç o is G én y e a liv r e in v e s t ig a ç ã o c ie n t íf ic a
44 GÉNY, François. Método de Interpretación y Fuerttes en Derecho Privado Positivo, 1925, p. 520.
45 CAM ARGO, Maria Margarida Lacombe. Hermenêutica Jurídica e Argumentação: Uma Contri
buição ao Estudo do Direito, 2001, p. 71.
46 GÉNY, François. Op. cit., p. 524.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 7 9
53 Em textual: "Depois de muitas voltas chegamos ao final à forma superior de emprego da força
para os fins humanos, a organização social da coação; em uma palavra: o Estado. Poderíamos
facilitar a tarefa apoderando-nos imediatamente da idéia de a coação social realizada pelo
Estado. Mas necessitávamos demonstrar que o direito não pode realizar sua missão enquanto
não repouse sobre o Estado. Unicamente no Estado encontra o direito a condição de sua
existência: a supremacia sobre a força. Somente no interior do Estado alcança o direito este fim.
No exterior, no conflito entre os Estados, a força ante o mesmo se levanta como inimiga tão
poderosa como antes de sua aparição histórica nas relações de indivíduo a indivíduo. Nesta
região a questão do direito se converte de fato em uma questão de superioridade de forças"
(IHERING, Rudolf von. El Fin en el Derecho, 2005, p. 194 e 195).
54 IHERING, Rudolf von. El Fin en el Derecho, 2005, p. 274.
55 RECASÉNS SICHES, Luis. Panorama dei Pensamiento Jurídico en el Siglo XX, 1963, p. 271.
56 HECK, Philipp. El Problema de Ia Creación dei Derecho, 1999, p. 21.
57 Idem, p. 52.
S e rg io A n d ré R o c h a - 181
A expressão movimento para o direito livre foi cunhada por Eugen Ehrlich
(1867-1922), embora para Larenz essa linha teórica tenha em Oskar Büllow
seu precursor63.
Assim como os demais movimentos de crítica ao formalismo, o movi
mento para o direito livre volta-se contra a aplicação silogistico-mecânica do
direito. Ainda segundo Larenz, “contra uma aplicação puramente esquemáti-
ca do preceito da lei à situação da vida, acentua Ehrlich a importância de uma
livre investigação do Direito’. Com o que não procura uma jurisprudência
segundo a apreciação discricionária do juiz chamado a dar a decisão, mas uma
jurisprudência que arranque a tradição jurídica e aspire ao ‘Direito justo’, no
sentido de Stammler”64.
Assim como na livre investigação científica de Gény, o movimento para o
direito livre buscava solucionar o problema das lacunas jurídicas. Todavia, havia
uma importante distinção entre o que seria uma lacuna para as duas escolas.
Com efeito, para os juristas do movimento para o direito livre haveria
uma lacuna não só nos casos em que determinada situação fática houvesse se
quedado fora do regramento legislativo, estando-se igualmente diante de uma
lacuna nas situações em que a lei não dispusesse claramente qual seria a solu
ção apropriada a um dado caso65. Nesses casos, caberia ao julgador buscar, fora
do direito positivo, a solução do caso concreto.
quando não contenha, de todo em todo, uma regulamentação aplicável ao caso, mas já aí
onde não resolve o caso de forma expressa e inequívoca (hard case no sentido de H .L.A. Hart).
E naturalmente que isto é o que acontece quase sempre, pelos menos em todos os casos
discutíveis" (KAUFMANN, Arthur. A problemática da filosofia do direito ao longo da história,
2002, p. 175). Nesse mesmo sentido: HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura Jurídica Européia-,
Síntese de um Milênio, 2003, p. 289; KLUG, Uirich. Lógica Jurídica. Tradução de J.C. Gardella.
Bogotá: Themis, 2004. p. 11-12.
66 FERRAZ JÚN IO R, Tércio Sampaio. Por que ler Kelsen, hoje. In: CO ELHO , Fábio Ulhoa. Para
Entender Kelsen. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. XIII.
67 Assim leciona Karl Larenz, para quem "foi Hans Kelsen quem, com admirável energia e
improbo rigor de pensamento, se desempenhou de semelhante missão. A sua 'teoria pura do
Direito' constitui a mais grandiosa tentativa de fundamentação da ciência do Direito como
ciência - mantendo-se embora sob o império do conceito positivista desta última e sofrendo
das respectivas limitações - que o nosso século veio até hoje a conhecer" (LARENZ, Karl.
M etodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 92).
1 8 4 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n ê u t ic a
68 KELSEN, Hans. Teoria Pura do D ireito. 6a ed. Tradução de João Baptista Machado. Coimbra:
Armênio Amado, 1984. p. 17.
69 Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 1984, p. 100-102.
70 Cf. KELSEN, Hans. O Problem a da Ju stiça . Tradução de João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. p. 65.
71 Ver: HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura Ju ríd ica E u ro p éia : Síntesede umMilênio, 2003,
p. 310.
72 KELSEN, Hans. Teoria Pura d o D ireito, 1984, p. 463.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 8 5
legal sequer seria uma atividade jurídica, mas sim uma atividade de política
do direito75.
Portanto, não sendo a eleição de uma entre as normas constantes no
texto legal uma atividade jurídica, pode a mesma muito bem ser guiada por
critérios metajurídicos, como a moral e a justiça.
Em assim sendo, jamais seria possível determinar se a norma eleita seria
efetivamente a “correta”, já que pautada tal escolha por elementos estranhos
ao direito. Como aduz Kelsen, “do ponto de vista do Direito positivo, nada se
pode dizer sobe a sua validade e verificabilidade. Deste ponto de vista, todas
as determinações desta espécie apenas podem ser caracterizadas negativamen
te: são determinações que não resultam do próprio Direito positivo”76.
3 .2 . O p o sit iv is m o ju r íd ic o de H erbert L. A . H art
75 Segundo sua lição: "A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam
nos quadros do Direito a aplicar, a 'correta', não é sequer - segundo o próprio pressuposto de
que se parte - uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema
de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito. A tarefa que consiste em obter,
a partir da lei, a única sentença justa (certa) ou o único ato administrativo correto é, no
essencial, idêntica à tarefa de quem se proponha, nos quadros da Constituição, criar as únicas
leis justas (certas). Assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair
as únicas leis corretas, tão-pouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas
sentenças corretas" (KELSEN, Hans, Teoria Pura d o Direito, 1984, p. 469).
76 KELSEN, Hans. Teoria Pura do D ireito, 1984, p. 470.
77 HART, H. L. A. The C oncept o f Law. 2nd. ed. New York: Oxford University Press, 1997. p. 128.
Sobre a textura aberta da linguagem, ver: STRUCHINER, Noel. Direito e Linguagem : Uma Análise
da Textura Aberta da Linguagem e sua Aplicação ao Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 8 7
90 CAM ARGO, Maria Margarida Lacombe. H erm enêutica Jurídica e Argumentação-, Uma Contri
buição ao Estudo do Direito, 2001, p. 32.
91 Cf. NEVES, A. Castanheira. M etodologia Jurídica: Problemas Fundamentais. Coimbra: Coimbra
Editora, 1993. p. 28.
92 GÉNY, François. M é to d o d e Interpretación y Fuentes em D erech o Privado Positivo. Madrid:
Editorial Réus, 1925. p. 26.
93 Cf. MÜLLER, Friedrich. M étod os de Trabalho do D ireito Constitucional. 3a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005. p. 27-30.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 9 1
94 Sobre o tema, ver: STREC K, Lenio Luiz. O Efeito Vinculante das Súmulas e o Mito da
Efetividade: Uma Crítica Hermenêutica. In: Crítica à D og m á tica : Dos Bancos Acadêmicos à
Prática dos Tribun ais. Porto Alegre: Instituto de Herm enêutica Ju ríd ica, 20 05 . p. 92;
ST R EC K , Lenio Lu iz. A herm enêutica filo só fica e as possibilidades de superação do
positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In: STRECK, Lenio Luiz; RO CH A , Leonel Severo
(org.). C o n stituição , Sistem as S o cia is e H erm en êu tica . Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2005. p. 167.
95 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e D iscurso so bre a Interpretação/Aplicação d o D ireito. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 90 e 91.
1 9 2 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n êu t ic a
96 MAXIMILIANO, Carlos. Herm enêutica e A p licação do Direito. 18a ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999. p. 9. A ideia de que a interpretação consiste em uma atividade voltada para a descoberta
do "verdadeiro" sentido de um texto legal encontra-se presente nos trabalhos de estudiosos da
teoria geral do direito e nos compêndios gerais dos diversos "ramos" jurídicos, como em:
MÁYNEZ, Eduardo Garcia. Introducción ai Estúdio d e i D erech o , 2002, p. 327; COIN G, Helmut.
Elem entos Fundam entais da Filosofia d o Direito, 2002, p. 326; GUSM ÃO, Paulo Dourado de.
Introdução ao Estudo do Direito. 26a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 219; DINIZ, Maria
Helena, Com pêndio d e Introdução à Ciência do D ireito, 1993, p. 381; LOPES, Miguel Maria de
Serpa. Curso de D ireito Civil. 7a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989. v. I. p. 114; RODRIGUES,
Silvio. Direito Civil. 20a ed. São Paulo: Saraiva, 1989. v. I. p. 24; ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema
de D ireito Civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977. p. 157; BEVILAQUA, Clovis. Teoria G eral do
D ireito Civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975. p. 45; JESUS, Damásio E. de. D ireito Penal. 19a
ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. I. p. 27; MIRABETE, Julio Fabrini. M anual de Direito Penal. São
Paulo: Atlas, 1998. v. I. p. 51; DANTAS, Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Cons
titucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1995. p. 83.
97 Para Maria Margarida Lacombe Camargo, "Gadamer legitima a pré-compreensão na tradição
como processo histórico que o intérprete experimenta. A autoridade da tradição, no entanto,
não tira a liberdade do intérprete, uma vez que passe a ser racionalmente conhecida, pois, a
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 9 3
partir do momento que formamos uma consciência metódica da compreensão, somos capazes
de controlá-la. Mas a compreensão não consiste em uma busca do passado feita por uma razão
independente, como procedia o romantismo histórico, considera Gadamer. Consiste, outrossim,
na determinação universal do estar aí, isto é, na futuridade do estar aí, feita por uma razão
comprometida historicamente. O estar a í faz parte de um processo histórico enquanto experiência
humana da qual participamos" (Herm enêutica Jurídica e Argum entação: Uma Contribuição ao
Estudo do Direito, 2001, p. 57 e 58).
98 Verdade e M étod o I: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 374.
99 /c/em, p. 360.
100 Ver: BITTAR, Eduardo C. B. Hans-Georg Gadamer: a experiência hermenêutica e a experiência
jurídica. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu; RODRIGUEZ, José Rodrigo. H erm enêutica Plural.
São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 184 e 185; HESSE, Konrad. Elem entos d e D ireito Consti
tu cion al da R ep ú b lica Federal da Alem anha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 61 e 62.
101 O p . cit., p. 385.
1 9 4 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n êu t ic a
Por outro lado, o fato de que somos guiados por pré-conceitos, dados
pela tradição, não significa que nunca tenhamos qualquer controle sobre os
mesmos ou, melhor dizendo, que não devamos questioná-los. Assim, como
observa Gadamer:
[...] Aquele que quer compreender não pode se entregar de antemão
ao arbítrio de suas próprias opiniões prévias, ignorando a opinião do
texto da maneira mais obstinada e conseqüente possível - até que
este acabe por não poder ser ignorado e derrube a suposta compreen
são. Em princípio, quem quer compreender um texto deve estar dis
posto a deixar que este lhe diga alguma coisa. Por isso, uma consciên
cia formada hermenêuticamente deve, desde o princípio, mostrar-se
receptiva à alteridade do texto. Mas essa receptividade não pressu
põe nem uma “neutralidade” com relação à coisa nem tampouco um
anulamento de si mesma; implica antes uma destacada apropriação
das opiniões prévias e preconceitos pessoais. O que importa é dar-se
conta dos próprios pressupostos, a fim de que o próprio texto possa
apresentar-se em sua alteridade, podendo assim confrontar sua ver
dade com as opiniões prévias pessoais.102
Ponto dos mais importantes presentes na passagem acima consiste, portan
to, na necessidade de o intérprete não se fechar em suas opiniões prévias,
abrindo-se para a alteridade do texto. Nesse ponto, parte Gadamer da dialé
tica platônica para sustentar a primazia hermenêutica da pergunta. Citando
uma vez mais suas lições:
Nós perguntamos pela estrutura lógica da abertura que caracteriza a
consciência hermenêutica, e é bom que não esqueçamos a importância
do conceito ò&pergunta na análise da situação hermenêutica. Ê claro
que toda experiência pressupõe a estrutura da pergunta. Não se fazem
experiências sem a atividade do perguntar. O conhecimento de que
algo é assim, e não como acreditávamos inicialmente, pressupõe evi
dentemente a passagem pela pergunta para saber se a coisa é assim ou
assado. Do ponto de vista lógico, a abertura que está na essência da
experiência é essa abertura do “assim ou assado”. Ela tem a estrutura
da pergunta. E assim como a negatividade dialética da experiência
consumada, onde temos plena consciência de nossa finitude e limita
1 06 BLEICHER, Josef. H erm enêutica Contem porânea. Tradução de Maria Georgina Segurado. Lis
boa: Edições 70, [s/d], p. 161.
107 Cf. PALMER, Richard. H erm eneutics, 1969, p. 205.
108 GADAM ER, Hans-Georg. Homem e Linguagem, in: Verdade e M é to d o II. 2a ed. Petrópolis:
Vozes, 2004. p. 182. Ver, também: GADAMER, Hans-Georg. La Diversidade de Ias Lenguas y
Ia Comprensión dei Mundo. In: A rte y Verdad d e Ia Palabra. Tradução de José Francisco Zuniga
Garcia. Barcelona: Paidós, 1998. p. 119.
109 Como leciona Lenio Streck: "Dizendo de outro modo: estamos mergulhados em um mundo que
somente aparece (como mundo) na e pela linguagem. Algo só é algo se podemos dizer que é algo.
Esse poder-dizer é lingüisticamente mediato, porque nossa capacidade de agir e de dizer-o-mundo
é limitado e capitaneado pela linguagem. Como diz Heidegger, todo o processo de compreensão
do ser é limitado por uma história do ser que limita a compreensão. Gadamer, assim, eleva a
linguagem ao mais alto patamar, em uma ontologia hermenêutica, entendendo, a partir disto, que é
a linguagem que determina a com preensão e o próprio objeto hermenêutico. O existir já é um ato de
compreender e um interpretar" (Hermenêutica Jurídica (em) Crise, 2003, p. 200).
110 Verdade e M étod o /: Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 503.
S e r g io A n d r é R o c h a - 1 9 7
111 Ver: STRECK, Lenio Luiz. H erm enêutica Jurídica (em ) Crise, 2003, p. 203.
112 PALMER, Richard. H erm en eutics, 1969, p. 215.
11 3 Essa distinção entre interpretação e aplicação ainda encontra-se presente na doutrina. Nesse
sentido, ver: MAXIMILIANO, Carlos. Herm enêutica e A plicação do Direito, 1999, p. 6-8; FRANÇA,
Limongi. H erm enêutica Jurídica. 7a ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 35 e 36; PEREIRA, Caio
Mário da Silva. Instituições d e Direito Civil. 11a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. v. I. p. 134;
FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. 4a ed. Coimbra: Armênio Amado, 1987.
p. 185; ASCENSÃO, José de Oliveira. Introdução à Ciência do Direito, 2005, p. 591; MÁYNEZ,
Eduardo Garcia. Introducción al Estúdio dei D erecho, 2002, p. 319; COING, Helmut, Elementos
Fundamentais da Filosofia do Direito, 2002, p. 340 e 341; DINIZ, Maria Helena. Com pêndio de
Introdução à Ciência do Direito, 1993, p. 374; LOPES, Miguel Maria de Serpa, 1989, p. 111;
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 1989, p. 24; PECES-BARBA, Gregório; FERNÁNDEZ, Eusébio;
1 9 8 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n ê u t ic a
ASÍS, Rafael. C u rso d e Teoria d e i D e re c h o . 2 a ed. M adrid: M arcial Pons, 2000. p. 232;
AM ATUCCI, Andrea. La Interpretación de Ia Ley Tributaria. In: AM ATUCCI, Andrea (org.).
Tratado d e D e re c h o Tributário. Bogotá: Themis, 2001. p. 579-580; CARVALHO , Paulo de
Barros. Curso de D ireito Tributário. 15a ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 88-90.
114 Cf. GADAMER, Hans-Georg. Cadam er in Conversation, 2001, p. 37; GADAMER, Hans-Georg.
Verdade e M étod o i. Traços de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 407.
115 GADAM ER, Hans-Georg. O p rob lem a da c o n sciê n c ia h istó rica , 1998, p. 57. Ver também:
GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica clássica e hermenêutica filosófica. In: Verdade e M é
todo II. 2a ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 131.
116 BLEICHER, Josef. H erm enêutica Contem porânea, [s/d], p. 170.
117 Nas palavras de Eros Grau: "Interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. O
intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso dado; a
interpretação do direito consiste em concreta r a lei em cada caso , isto é, na sua aplicação.
S e rg io A n d ré R o c h a - 199
Assim, existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos aqui diante de dois
momentos distintos, porém frente a uma só operação. Interpretação e aplicação consubstanciam
um processo unitário, se superpõem" (Ensaio e D iscurso so bre a Interpretação/Aplicação do
D ireito, 2002, p. 76). Ver também: STRECK, Lenio Luiz. O Efeito Vinculante das Súmulas e o
M ito da Efetividade: Uma Crítica Hermenêutica, 2005, p. 162; TORRES, Ricardo Lobo. Normas
d e Interpretação e Integração d o D ireito, 2006, p. 61.
118 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e H erm enêutica: Uma Nova Crítica do Direito. 2a
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 32.
119 LARENZ, Karl. La Filosofia Contem porânea de i D erech o y d e i Estado. Tradução de E. Galán
Gutiérrez; A. Truyol Serra. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1942. p. 98.
120 RADBRUCH, Gustav. Filosofia d o Direito, 1997, p. 45.
121 Idem , p. 45.
2 0 0 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n ê u t ic a
6. O p ó s -p o s it iv is m o
125 RAWLS, John. A Theory o f Justice. Cambridge: Harvard University Press, 2001. p. 6 e 7.
126 RAWLS, John. A Theory o f Ju stice, 2001, p.397-405.
127 Idem , 102-160,
128 Idem , p. 53.
129 Cf. BARRO SO , Luís Roberto; BARCELLO S, Ana Paula de. O começo da história. A nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís
Roberto (org.). A N ova Interp retaçã o C onstitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e
Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 336.
2 0 2 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n êu t ic a
130 CAM ARGO, Maria Margarida Lacombe. H erm enêutica ju rídica e Argum entação: Uma Contri
buição ao Estudo do Direito, 2001, p. 141.
131 Interessante a observação de Albert Calsamiglia, quando aponta que a obra de Ronald Dworkin
seria o primeiro grande ataque à Escola Analítica de Austin, depurada no positivismo light de
Herbert Hart (CALSAM IGLIA, Albert. ^Por que es Importante Dworkin? Doxa. Cuadernos de
Filosofia d e i D erech o , Alicante, n° 2, 1985, p. 159-161).
132 DW ORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1999. p. 22.
133 ALEXY, Robert. Teoria d e los D erech o s Fundam entales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 86.
134 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 70.
S e r g io A n d r é R o c h a - 2 0 3
135 DW ORKIN, Ronald. Law's Em pire. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
136 CALSAM IGLIA, Albert. Postpositivism o, 1998, p. 212.
1 37 MacCORMICK, Neil. Argum entação /urídica e Teoria do Direito. Tradução de Waldéa Barcellos.
São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 201.
138 MacCORMICK, Neil. Argum entação lurídica e Teoria do Direito, 2006, p. 209.
139 Conforme salienta Paulo Bonavides, "a tópica tem que ser com preendida portanto no
quadro das conseqüências advindas da reação ao positivismo jurídico clássico e no clim a de
2 0 4 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H er m e n êu t ic a
141 HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura Ju ríd ica Europ éia: Síntese de um M ilênio, 2003, p.
3 3 8-339.
142 OLIVEIRA ASCENÇÃO, José de. Introdução à Ciência d o D ireito, 2005, p. 464.
143 PERELMAN, Chaím. Lógica ju rídica , 2000, p. 120.
144 VIEHW EG, Theodor. Tópica e ju rispru d ên cia , 1979, p. 38.
145 VIEHW EG, Theodor. Tópica e Jurisprudência, 1979, p. 35. Sobre anecessidade de abertura e
flexibilidade dos topoi, vale a pena destacar outra passagem de Viehweg, onde afirma que "os
topoi e os catálogos de topoi oferecem um auxílio muito apreciável. Porém, o domínio do
problema exige flexibilidade e capacidade de alargamento" (VIEH W EG, Theodor. Tópica e
Ju rispru dên cia, 1979, p. 41).
2 0 6 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n êu t ic a
146 VIEHW EG, Theodor. Algunas Consideraciones acerca dei Razonamiento Jurídico. In: Tópica y
Filosofia d e i D erech o . Tradução de Jorge M. Sena. Barcelona: Gedisa, 1997. p. 127.
147 VIEHW EG, Theodor. Tópica e Jurisprudência, 1979, p. 34.
148 M ENDONÇA. Paulo Roberto Soares de. A Tópica e o Suprem o Tribunal Federal. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 100.
149 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Tópica e argum entação ju ríd ica , 2004, p. 159.
150 G A R C ÍA AM ADO , Juan Antonio. T ó p ica , D e re c h o y M é to d o ju ríd ic o , 1987, p. 174. Ver,
ainda: CRISTÓVAM , J osé Sérgio da Silva. C olisões entre P rincípios Constitucionais. Curitiba:
Juruá: 2006. p. 129.
S e r g io A n d r é R o c h a - 2 0 7
7 . S ín t e s e c o n c l u s iv a
160 PERELMAN, Cháím. Lógica Jurídica, 2000, p. 115. Em outra passagem, afirma Perelman que
"em nítida oposição aos métodos da lógica formal, vimos que toda argumentação deve partir
de teses que têm a adesão daqueles a que se quer persuadir ou convencer. Negligenciando esta
condição, o orador, aquele que apresenta uma argumentação, arrisca-se a cometer uma petição
de princípio" (PERELMAN, Chaím. Lógica Jurídica, 2000, p. 158). Ver: GARCÍA AM ADO, Juan
Antonio. Tópica, D erech o y M étodo Jurídico, 1987, p. 174; CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva.
Colisões entre Princípios Constitucionais, 2006, p. 129; CRETTON, Ricardo A ziz. O s Princípios
da Proporcionalidade e da Razoabilidade e sua A plicação no D ireito Tributário. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001. p. 38.
161 Cf. CALSAM IGLIA, Albert. Postpositivism o, 1998, p. 215.
162 ALEXY, Robert. Teoria da A rg u m e n ta çã o : A Teoria do Discurso Racional como Teoria da
Justificação Jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.
163 G ÜN TH ER, Klaus. Teoria da Argum entação no D ireito e na M oral: Justificação e Aplicação.
Tradução de Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004.
164 PERELMAN, Chaím; O LBRECH TS-TYTECA, Lucie. Tratado da A rg u m en ta çã o . Tradução de
Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
165 TO U LM IN , Stephen. Os U sos d o A rg u m en to . Tradução de Reinaldo Guarany. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
210 - E v o lu ç ã o H is t ó r ic a d a T e o ria H erm en êu tica
1 68 GUASTINI, Ricardo. D as Fontes às N orm as. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin,
2005. p. 35. Ver, também: GUASTINI, Ricardo. Teoria e Dogmatica delle Fonti. Milano: Giuffrè,
1998. p. 17; GRAU, Eros Roberto. Ensaio so bre a Interpretação/Aplicação d o Direito, 2002, p.
30; GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3a ed. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 153.
169 DW ORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously, 1999, p. 279-290.
1 70 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e C onsenso : Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 183-195.
1 71 Nesse mesmo sentido, negando a possibilidade de se alcançar uma única resposta correta ao
cabo da interpretação jurídica, ver: AARN IO , Aulis. Sobre Ia Ambigüedad Semântica en Ia
Interpretación Jurídica. Doxa. Cuadernos d e Filosofia dei D erecho, Alicante, n° 4, 1987, p. 109-
117; AARN IO , Aulis. La Tesis de Ia Única Respuesta Correcta y el Principio Regulativo dei
Razonamiento Jurídico. Doxa. Cuadernos de Filosofia dei D erecho, Alicante, n° 8, 1990, p. 23-
38; BARRAGÁN, Julia. La Respuesta Correcta Única y Ia Justificación de Ia Decisión Jurídica.
Doxa. C uadernos d e Filosofia de i D erech o , Alicante, n° 8, 1990, p. 64-74; FARALLI, Carla. A
Filosofia Contemporânea do Direito: Temas e Desafios. Tradução de Candice Premaor Gullo. São
Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 46-47; KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 1984, p. 100-102;
FREITAS, Juarez. A Melhor Interpretação Constitucional versus a Única Resposta Correta. Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n° 2, jul.-dez. 2003, p. 313.
1 72 MacCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e Teoria do Direito, 2006, p. 321. Ver também: GRAU,
Eros Roberto. Ensaio e D iscurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, p. 100-102.
173 GRECO, Marco Aurélio. Planejam ento Fiscal. São Paulo: Dialética, 2004. p. 377.
1 74 Ver: CARVALHO, Paulo de Barros. Proposta de Modelo Interpretativo para o Direito Tributário.
Revista de D ireito Tributário, São Paulo, n° 70, 1995, p. 41-42; GRAU, Eros Roberto. A Ordem
Econ ôm ica na Constituição de 1988. 11a ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 163.
2 1 2 - E v o l u ç ã o H is t ó r ic a d a T e o r ia H e r m e n êu t ic a
175 Sobre a função criativa da interpretação, ver: BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade
de Expressão e Direitos da Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucional
adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA,
Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (org.). Os Princípios da Constituição d e 1988. 2a ed.
Rio de janeiro: Lumen juris, 2006. p. 258-259; RECASÉNS SICHES, Luis. Nueva Filosofia de la
Interpretacion d e i D e re c h o . México: Editorial Porrua, 1980. p. 211-213; COSSIO, Carlos. El
D erecho em el D erecho Judicial. Las Lagunas dei D erecho. La Valoración Judicial. Buenos Aires:
Librería El Foro, 2002. p. 121-122; TORRES, Ricardo Lobo. N orm as d e Interpretação e Integração
do Direito Tributário, 2006, p. 45; LATORRE, Angel. Introdução ao Direito, 2002, p. 109-111;
GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2002, p. 73-75; STRECK,
Lenio Luiz. H erm enêutica Jurídica e(m ) crise: uma exploração hermenêutica da constituição do
direito, 2003, p. 91-92; SCHROTH, Ulrich. Hermenêutica Filosófica e Jurídica. In: KAUFMANN,
A.; HASSMER, N. (org.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 383-384; GADAMER, Hans-Georg. Verdade e
M étodo: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, 2003, p. 432-433; LARENZ, Karl.
M etodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 283-284; ROSS, Alf. Direito e Justiça, 2000, p. 139;
RADBRUCH, Gustav. Filosofia d o Direito, 1997, p. 230-231; TÔRRES, Heleno Taveira. Interpre
tação e Integração das Normas Tributárias - Reflexões e Críticas. In: TORRES, Heleno Taveira
(coord.). Tratado de Direito Constitucional Tributário: Estudos em Homenagem a Paulo de Barros
Carvalho. São Fàulo: Saraiva, 2005. p. 112; CARDOZO, Benjamin N. The Nature o f the Judicial
Process. New Haven: Yale University Press, 1991. p. 112-115; ABRAHAM, Marcus. O Planeja
mento Tributário e o Direito Privado, 2007, 118-119.
176 GRAU, Eros Roberto. Ensaio so b re a Interpretação/Aplicação do D ireito, 2002, p. 72-73.
1 77 Marco Aurélio Greco destaca a dificuldade de interpretar o direito com base no instrumental
da lógica binária, em longa passagem a seguir transcrita: "Esta dificuldade enfrentada pela
doutrina tem sua origem na premissa de que seria possível reconduzir toda realidade sempre
a duas categorias opostas e, por conseqüência, a interpretação deveria orientar-se no sentido
de identificar a qual delas pertenceria o objeto. Esta idéia de interpretar a realidade, inclu
sive jurídica, a partir de categorias opostas (lícito/ilícito; direito interno/internacional; vigên-
cia/não-vigência; tributo/não-tributo, etc.) retrata um modelo de compreensão do mundo
apoiado numa lógica bivalente que, em última análise, encontra sua origem no princípio da
n ã o -co n tradição formulado p o r Aristóteles. Admitida a idéia de uma lógica bivalente é,
então, possível criar uma tabela de verdade das afirmações feitas sobre a realidade. De fato,
se algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo, determinada conduta, se for lícita, não será
ao mesmo tempo ilícita, e assim por diante.
Ocorre que esta visão bivalente está passando por uma profunda revisão. Todo modelo teórico
de compreensão da realidade implica uma simplificação do objeto para fins de permitir seu
exame, a partir de elementos que constituiriam seu núcleo essencial. Esta lógica bivalente (sim/
não; certo/errado; 0/1 etc.) está se demonstrando insuficiente ou inadequada para explicar a
S e r g io A n d r é R o c h a - 2 1 3
segunda dimensão implica que a justificação deve se sustentar sobre algum valor
suficientemente importante que a decisão venha proteger182.
Cresce, nessa assentada, a importância dos valores e dos princípios, os
quais aparecem como instrumentos de justificação de decisões, até mesmo
para que em um determinado caso concreto opte-se pela interpretação menos
óbvia de acordo com a literalidade de um texto em detrimento da interpreta
ção literal mais óbvia.
A atividade hermenêutica, portanto, se desenvolve nos marcos do plura
lismo metodológico183, não havendo fórmulas que garantam a correção na
interpretação de textos normativos184. Nessa perspectiva, os elementos de in
terpretação devem ser vistos como pontos de partida, tópicos a serem utiliza
dos no processo hermenêutico185.
Ora, vê-se portanto que o problema hermenêutico atual, como pontua
do acima, é de argumentação, participação e justificação. Diante da plurali
dade de decisões possíveis muitas vezes presentes, a legitimidade da norma
individual e concreta criada diante de dado caso dependerá exatamente do seu
processo de criação.
Daí a grande relevância dos órgãos de aplicação do direito, responsáveis
pela criação das normas individuais e concretas, principalmente, em um siste
ma de jurisdição una como o brasileiro186, do Poder Judiciário, em cujo âmbi
to as atividades de argumentação, participação e justificação se realizam.
Nesta assentada se reafirma a impossibilidade de separação dos momen
tos de interpretação e aplicação do direito.
De fato, toda interpretação é já aplicação, já que realizada no intérprete
tendo em vista o texto normativo e os fatos da questão sob apreço, o que
ressalta a importância dos órgãos de aplicação no processo hermenêutico.
182 DW ORKIN, Ronald. Justice in R obes. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 15.
1 83 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. N orm as d e Interpretação e Integração d o Direito Tributário, 2006,
p. 153-154; CO ELHO , L. Fernando. Lógica ju rídica e Interpretação das Leis, 1981, p. 203-204;
ABRAHAM, Marcus. O Planejamento Tributário e o D ireito Privado, 2007, 124-125.
184 Ver: AFTALIÓ N , Enrique R.; O LA N O , Fernando Garcia; V ILAN O VA, José. In tro d u cció n al
D erech o , [196-], p. 453.
1 85 Como destaca Recaséns Siches, "o verdadeiro núcleo da função judicial não se radica, nem
remotamente, o silogismo que se possa formular, mas sim consiste na eleição de premissas, por
parte do juiz. Uma vez eleitas as premissas, a mecânica silogística funcionará com toda facilida
de" (RECASÉNS SICHES, Luis. N ueva Filosofia de Ia Interpretacion dei D erecho, 1980, p. 237).
1 86 Sobre a jurisdição una pátria, ver: ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscah Controle
Administrativo do Lançamento Tributário. 3a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 120.
2) Tributação na
Constituição Federal e
no Código Tributário
Nacional
Algumas Ponderações
acerca da Desconsideração
do Direito à Fruição da
Imunidade Tributária por
Parte das Entidades
Educacionais sem Fins
Lucrativos
André Elali
ProfessorAdjunto de Direito Tributário no Departamento de Direito Público da
UFRN. Mestre em Direito Econômicopela Universidade Mackenzie e Doutor em
Direito Públicopela UFPE, com Estágio e Pesquisa no Departamento de Direito
Tributário do Instituto Max-Planck, em Munique, Alemanha. Advogado.
Evandro Zaranza
Professor de Direito Tributário na FARN. Especialista em Direito Tributário
pelo IBE T e Mestre em Direito Constitucionalpela UFRN. Advogado.
A n d r é E la li & E v a n d r o Z a r a n z a - 2 1 9
I. O b jeto d o estu d o
1 Cf. FRANÇA, Vladim ir da Rocha. Estrutura e Motivação do Ato Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 76.
2 2 0 - A l g u m a s P o n d e r a ç õ e s a c e r c a d a D e s c o n s id e r a ç ã o d o D ir eit o à F r u iç ã o .
a primeira diz respeito à exposição das razões de fato e de direito que enseja
ram a edição do ato, a segunda “é um meio que permite a recondução do
conteúdo do ato a um parâmetro jurídico que o torne compatível com as
demais normas do sistema do direito positivo. Noutro giro: confere ao ato um
laço de validade com o ordenamento jurídico”2.
Destarte, a motivação não é qualquer exposição ilógica e sem coerência.
De fato, como aduz Rocha, “faz-se necessário que haja a exposição de elemen
tos que sejam idôneos para justificar sua expedição. Noutras palavras, que a
motivação seja suficiente”3.
Como aduz Odete Medauar, “se o ato administrativo contém defeitos,
desatendendo aos preceitos do ordenamento, é nulo, em princípio”4. E o lan
çamento tributário segue essa mesma regra, pois se trata de ato administrativo
que constitui o crédito tributário, resultante de um procedimento adminis-
trativo-tributário próprio do poder de tributar.
O lançamento, pois, se trata, no dizer de Lúcia Vale Figueiredo, de “ato
constitutivo formal, resultante de procedimento administrativo, que, decla
rando quantum debeatur, habilita a Administração a poder exigir a importân
cia devida”5, submetendo-se ao mesmo regime jurídico de qualquer ato
administrativo, por óbvio.
Sendo assim, evidencia-se a necessidade de submissão do lançamento ao
princípio da motivação, posto que o ato de constituir o crédito tributário deve
se fundamentar em uma exposição lógica e clara da interpretação-aplicação
do direito pelo Estado.
Isso quer dizer que a motivação não é a mera referência a algum disposi
tivo normativo ou parecer. Como anotam Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari,
“O princípio da motivação determina que a autoridade administra
tiva deve apresentar as razões que a levaram a tomar uma decisão.
‘Motivar’ significa explicitar os elementos que ensejaram o convenci
mento da autoridade, indicando os fatos e os fundamentos jurídicos
que foram considerados. Sem a explicação dos motivos torna-se extre
2 Cf. FRANÇA, Vladim ir da Rocha. Estrutura e Motivação do Ato Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 92.
3 Idem, ibidem, p. 129.
4 Cf. M EDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, p. 153.
5 Cf. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo, p. 174.
A n d r é E la li & E v a n d r o Z a r a n z a - 2 2 1
6 Cf. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Princípios do Processo Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 58 e ss.
2 2 2 - A lg u m a s P o n d e r a ç õ e s a c e r c a d a D e s c o n s id e r a ç ã o d o D ir eit o à F r u iç ã o .
Data do Julgamento
_____
05/12/2008_____________________________________________________________________________________________
Data da Publicação/Fonte
Ementa______________________________________________________________________________________________
"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CARGO PÚBLICO. HABILITAÇÃO LEGAL. FALTA. EXONERAÇÃO EX
OFFICIO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. MÁ-FÉ. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. ART. 54 DA LEI N°
9.784/99. I - O prazo decadencial para a Administração anular atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis aos administrados decai em cinco anos, contados de 172/1999, data da entrada em vigor
da Lei n° 9.784/99. Contudo, o decurso do tempo não é o único elemento a ser analisado para verificação
da decadência administrativa. Embora esta se imponha como óbice à autotutela tanto nos atos nulos
quanto nos anuláveis, a má-fé do beneficiário afasta sua incidência. II - Na hipótese dos autos, a
impetrante foi contratada em 15/6/1985 e retornou ao serviço público por meio de portaria concessiva de
anistia de 24/11/1994. Muito posteriormente, em 20/8/2007, teve contra si instaurado processo
administrativo disciplinar, que culminou na sua exoneração ex officio em 24/1/2008. III - Incumbiria à
Administração Pública expor, no ato decisório, as razões de fato e de direito que fundamentariam a não-
aplicação do art. 54 da Lei n° 9.784/99, analisando especificamente a existência de má-fé da impetrante. A
falta de motivação, neste ponto, acarreta a nulidade do ato de exoneração. Segurança concedida para
reconhecer a nulidade da Portaria 8/2008 por vício de motivação, determinando-se a reintegração da
impetrante no cargo em que retornou por anistia."
A ndré E la li & Ev a n d r o Z aran za - 223
Processo____________________________________________________________________________________________
RMS 19439 /M A
RECURSO O RD IN Á R IO EM M AN D AD O DE SEGURAN ÇA
2005/0009447-5_______________________________________________________________________________________
Relator(a)___________________________________________________________________________________________
Ministro A R N A LD O ESTEVES LIM A (1128)_________________________________________________________
Órgão Julgador____________________________________________________________________________________
T 5 - Q U IN TA TU RM A________________________________________________________________________________
Data do Julgamento
14/11/2006
Data da Publicação/Fonte_______________________________________________________________________
DJ 04/12/2006 p. 338
Ementa______________________________________________________________________________________________
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. REMOÇÃO EX OFEICIO. MOTIVAÇÃO.
AUSÊNCIA. NULIDADE DO ATO. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. É nulo o ato que determina a
remoção ex officio de servidor público sem a devida motivação. Precedentes. 2. Recurso ordinário provido.
Acórdão_____________________________________________________________________________________________
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da
QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dippe LauritaVaz votaram
com o Sr. Ministro Relator.
7 Cf. BA N D EIRA DE M ELLO , Celso Antônio. C u rso d e D ire ito A d m in istra tiv o . São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 24 6. No m esm o diapasão, infere-se a lição de Odete Medauar e de
Hely Lopes Meirelles. Veja-se: M EDAUAR, Odete. P rocessu alidade no D ireito A d m inistrati
vo. São Paulo: RT, 1993; M EIRELLES, Hely Lopes. D ire ito A d m in istra tiv o B ra sileiro . São
Paulo: M alheiros, 1999.
224 - A lg u m a s Po n d era ç õ es acerca d a D e s c o n s id e r a ç ã o d o D ir e it o à F r u iç ã o .
8 Cf. MARINS, James. Processo Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 177-178.
9 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Notas sobre a Prova no Processo Administrativo Tributário.
In: Direito Tributário - Homenagem a Alcides Jorge Costa, p. 859-860.
10 Cf. HOFFMAN, Suzy Gomes. Teoria da Prova no Direito Tributário, p. 127.
A ndré E la li & E v a n d r o Z aran za - 225
11 Cf. TOMÉ, Fabiana Del Padre. Teoria da Prova no Direito Tributário Brasileiro, p. 623.
226 - A lg u m a s Po n d era ç õ es acerca da D e s c o n s id e r a ç ã o d o D ir e it o à F r u i ç ã o ...
IV. Q u e s t õ e s r e la t iv a s à im u n id a d e d a t r i b u t a ç ã o -
APLICABILIDADE, ABRANGÊNCIA E ORIENTAÇÃO
JURISPRUDENCIAL - AS ENTIDADES DE EDUCAÇÃO IMUNES
COM O COMPLEMENTARES AO PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO
- O SEU CORRETO TRATAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO
12 Prova e Aplicação do Direito Tributário. In: Direito Tributário - Homenagem a Paulo de Barros
Carvalho. SCHO UERI, Luís Eduardo (coord.), p. 621.
A ndré E la li & E v a n d r o Z aranza - 227
13 Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade, Isenção e Não-incidência. In: C urso de Iniciação
em D ireito Tributário. BARRETO, Aires F; BOTTALLO, Eduardo Domingos (coord.). São Paulo:
Dialética, 2004, p. 95.
14 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. O s D ireitos H um anos e a Tributação - Im unidades e Isonom ia. Rio
de Janeiro: Renovar, 1995. p. 231.
228 - A lg u m a s Po n d era ç õ es acerca da D e s c o n s id e r a ç ã o d o D ir e it o à F r u iç ã o .
15 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V. III. 3a ed.
Rio de janeiro: Renovar, 2004, p. 265-267.
A n d r é E la li & E v a n d r o Z a r a n z a - 2 2 9
16 Cf. VAZ, Carlos. A Imunidade das Instituições de Educação sem Fins Lucrativos. In: Revista de
Direito da UFF, 2000, p. 213 e ss.
17 Idem, ibidem.
230 - A lg u m a s Po n d era ç õ es acerca da D e s c o n s id e r a ç ã o d o D ir e it o A F r u iç ã o .
V I . P r e s u n ç ã o de ir r e g u l a r id a d e s versu s ô n u s da
PROVA DO LANÇAMENTO
20 Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 224.
232 - A lg u m a s P o n d era ç õ es acerca d a D e s c o n s id e r a ç ã o d o D ir e it o à F r u i ç ã o ..,
V I I . C o n clu sõ es
O uso de entidades imunes para desvio de sua finalidade não pode ser
entendido como regra geral, mas sim exceção, devendo, inclusive, ser objeto de
procedimento criminal, até porque sé está, eventualmente, diante de prática
concorrencial desleal no mercado, o que é ainda mais nocivo ao sistema.
Anotações sobre o Sistema
Tributário Brasileiro
1 . C o n s i d e r a ç õ e s I n ic ia is
É com muita honra que aceitei o convite dos organizadores desta obra em
homenagem ao grande tributarista Professor Doutor Hugo de Brito Machado.
Tive o privilégio de ter sido aluna do homenageado e professora de um dos
organizadores, o jovem e brilhante Professor Doutor Hugo de Brito Machado
Segundo, que é um exemplo admirável de amor filial que acompanho em mui
tos dos seus passos. Talvez o jovem Professor Hugo Segundo não se recorde,
neste momento, quando circulei o nome em sua prova e escrevi: Vocêfazjus ao
seu nome! Esta afirmação traduz a minha admiração ao homenageado.
O Professor Hugo de Brito Machado é o grande responsável por despertar
em seus alunos a paixão pelo estudo do Direito Tributário e desenvolver o espírito
crítico em relação ao próprio Direito. Sem dúvida, considero-me privilegiada por
participar, desde 1988, quando ainda aluna nos bancos da Faculdade de Direito
da Universidade Federal do Ceará, dos mais instigantes debates realizados pelo
Professor Hugo de Brito em tomo do Direito Tributário Brasileiro.
Com ele aprendi que as mais importantes lições têm que ser claras e ex
postas de forma simples, para que todo e qualquer cidadão possa compreender.
Para compor esta obra apresento o presente artigo, esclarecendo, desde logo,
que se trata de um texto explicativo, objetivando apresentar o modelo tributário
brasileiro aos participantes do Curso Virtual de Direito Tributário Internacional
promovido pelo CIAT - Centro Interamericano de Direito Tributário.
2 . F e d e r a l is m o f is c a l b r a s il e i r o
6 André Elali faz uma crítica bem fundamentada sobre o assunto: "Não que a centralização total
seja um caminho sem volta, mas uma menor descentralização é que deve estruturar as relações
no Brasil, adequando-se à realidade concreta, e não permanecendo numa utopia de autonomias.
Autonomias que, como visto, não existem materialmente de forma ampla e na grande maioria
dos entes, mas apenas formalmente. Isso em função da necessidade de redução dos problemas
que um federalismo fiscal como o brasileiro tem causado, como, por exemplo, o caótico
sistema jurídico tributário em sua amplitude de normas, a constante invasão de competências,
a concessão incentivos como forma de atração de investimentos ("guerra fiscal") e desnaturações
de institutos e entidades de Direito. De outra sorte, o fenômeno impositivo brasileiro tem
constituído um dos maiores óbices do crescimento econômico sustentável, por onerar, de
forma absurda, a produção e circulação de produtos e serviços. Deveria, ao contrário, seguindo
modelos mais desenvolvidos, priorizar as exações sobre a renda e o capital. (O federalismo
fiscal brasileiro e o sistema tributário nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 88).
2 4 2 - A n o t a ç õ es s o b r e o S is t e m a T r ib u t á r io B r a s ile ir o
7 "O Brasil é um dos países que carrega o peso de ser o país mais injusto do mundo, aquele em
que a distribuição de renda é pior. A injustiça não decorre da pobreza - o Brasil é a 11a
economia do mundo, em termos de produção bruta - , mas de sua péssima distribuição. A
injustiça decorre do contraste entre os mais ricos e os mais pobres, entre o pólo de riqueza -
similar ao de países de Primeiro Mundo - e o pólo de pobreza, similar ao dos países mais
pobres do mundo" (SADER, Emir. Perspectivas. Coleção: Os porquês da desordem mundial. Rio
de Janeiro: Record, 2005, p. 129).
D en ise L u c en a C a v a l c a n t e - 2 4 3
8 Com propriedade, assim esclarece José Osvaldo Casás: "El sector ju ríd ico en el que nos
desenvolveremos, conforme a las mejores tradiciones de la doctrina latina de la tributación -
americana y europea - encuentra su mas correcta caracterización cuando se alude a él como
"D erech o constitucional tributário", y no com o "D erecho tributário constitucional". ( ...)
Dentro dei vasto espectro que conforma el "Derecho constitucional tributário" se vislumbran
claramente dos secciones; una elaborada a partir de la parte dogmática de las constituciones
en los Estados de Derecho o "Derecho constitucional de la Hbertad", que corporiza todo un
sistema de derechos y garantias dei ciudadano que actúa como limite y cauce al ejercicio de la
potestad tributaria normativa d ei Estado ( ...) ." (D erechos y garantias constitucionales dei
contribuyente. Buenos Aires: Ad Hoc, 2002, p. 119).
9 SPISSO, Rodolfo R. Derecho constitucional tributário. 2a ed. Buenos Aires: Depalma, 2000, p. 3.
2 4 4 - A n o t a ç õ es s o b r e o S is te m a T r ib u t á r io B r a s ileir o
3 . Sistem a T r ib u t á r io B r a s ile ir o n a C o n s t i t u iç ã o
de 1 9 8 8
10 ÁVILA, Humberto. Sistem a constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 110.
11 "O sistema tributário nacional é o conjunto de normas positivas e princípios que, tendo como
ápice a Constituição Federal, regula os direitos e deveres tributários tanto dos contribuintes
quanto do Poder Público. O dever de pagar tributos é tão fundamental quanto os direitos assim
denominados na CF (saúde, educação, moradia, liberdade), pois a arrecadação é o antecedente
lógica da despesa, meio público de efetivação do direitos fundamentais." (WEISS, Fernando
Lemme. Princípios tributários e financeiros. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 140).
12 C o n stitu ción y P o lítica . 3a ed. Biblioteca Peruana de Derecho Constitucional n° 2. Lima.
2007, p. 107.
D en ise L u c e n a C a v a l c a n t e - 2 4 5
13 "A Constituição de 1988 [brasileira] é uma das mais progressivas do mundo, embora o seu
caráter detalhista possa fazê-la conter elementos materialmente espúrios. Contudo, é um marco
na construção constitucional, e especialmente preocupada com a cidadania, por isso mere
cendo o cognome de Constituição Cidadã." (CUNHA, Paulo Ferreira da. D ireito constitucional
geral. Lisboa: Guid Juris, 2006, p. 225).
14 No Brasil, as leis podem ser complementares ou ordinárias. A regra geral é lei ordinária, sendo
a lei complementar a exceção, portanto, quando necessária, dependendo da matéria, o cons
tituinte determina expressamente. De forma clara expõe José Afonso da Silva: "Quanto a estas
últimas [lei complementar] nada mais carece dizer senão que só diferenciam do procedimento
de formação das leis ordinárias na exigência do voto da maioria absoluta das Casas, para sua
aprovação (art. 69), sendo, pois, formadas por procedimento ordinário com quorum especial."
(Curso de direito constitucional po sitivo. 32a ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 531).
2 4 6 - A n o t a ç õ es so b re o S istem a T r ib u t á r io B r a s ile ir o
IMPOSTOS
/ 1 ^
UNIÃO FEDERAL ESTADOS E MUNICÍPIOS
DISTRITO FEDERAL
IR - IP I- II- IE - IT R
ICMS - IPVA - ITCMD ISS - IPTU - ITBI
IO F - IG F
1S "As competências privativas antes referidas implicam, de um lado, numa afirmação do poder
fiscal de seu titular; e de outro, porém, implicam numa negação deste mesmo poder. De fato,
com base em sua soberania o Estado tudo poderia fazer. A Constituição, entretanto, limita esse
poder à medida que o partilha entre as ordens parciais de governo que compõem a Federação.
Tal é feito através de atribuição de campos econômicos determinados a cada um. Assim, tem
0 legislador competente a possibilidade de instituir o imposto dentro dos lindes de seu campo.
Se, entretanto, extravasá-lo de qualquer forma ou captar manifestação de riqueza diversa da
que lhe foi atribuída, haverá inconstitucionalidade por invasão de competência. Daí a impor
tância de investigar se os fatos de exteriorização escolhidos pela lei tributária estão compreen
didos no campo reservado à competência da entidade tributante ou ainda se os critérios de
determinação de tributo não o desnaturam." (SO UZA, Hamilton Dias de. A competência
tributária e seu exercício: a racionalidade como limitação ao poder de tributar. In: FERRAZ,
Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 260).
16 Art. 154. A União poderá instituir:
1 - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam
não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados
nesta Constituição;
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou
não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as
causas de sua criação.
17 Para esclarecer as siglas utilizadas, transcreve-se o texto da Constituição que assim dispõe:
DOS IMPOSTOS DA UNIÃO
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros [II];
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados [IE];
III - renda e proventos de qualquer natureza [IR];
IV - produtos industrializados [IPI];
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários [IOF];
VI - propriedade territorial rural [ITR];
D en ise L u c e n a C a v a lc a n te - 2 4 7
19 Ives Gandra da Silva Martins comenta com propriedade: "Os vinte anos da 7a Constituição
Brasileira demonstram que o regime jurídico por ela instituído propiciou uma estabilidade
institucional jamais alcançada, sob as Constituições anteriores. (...). Em outras palavras: o regime
democrático funcionou perfeitamente, o que, a meu ver se deveu ao fato de a Constituição de
1988 ter conformado um equilíbrio de Poderes, desconhecido, por exemplo, de nossos vizinhos
(Venezuela, Equador e Bolívia), cujas Constituições, mais recentes do que a nossa, não foram
capazes de instituir. Com efeito, nestes países, as Constituições privilegiam apenas o Poder
Executivo - são quase ditaduras - tornando os outros 2 Poderes (Legislativo e Judiciário) vicários
e subordinados ao Executivo. Talvez tenha sido o grande mérito da Lei Suprema de 1988, que,
nada obstante as 62 emendas (56 no processo ordinário e 6 no revisional) e os 1.600 projetos
de emenda em trânsito no Congresso, mantém a estabilidade democrática, graças a estabilidade
das instituições. Neste particular, a efetividade da Constituição é inequívoca. No campo tribu
tário, todavia, permanecem indiscutíveis impasses, que têm levado a sucessivas modificações."
(Efetividade da Constituição em matéria tributária. In: Revista Brasileira de D ireito Tributário e
Finanças Públicas. São Paulo: Magister e CEU. Vol. 12, jan./fev. 2009, p. 23).
20 Sobre a questão da desordem mundial, sugere-se a leitura: SADER, Emir. Perspectivas. Coleção:
O s po rq uês da desordem m undial. Rio de Janeiro: Record, 2005.
21 "Conforme ensinou Jean Boulanger, os princípios são um indispensável elemento de fecundação
da ordem jurídica positiva. Eles contêm, em estado de virtual (à 1'état de virtualitê), um grande
número de soluções exigidas pela realidade. Uma vez afirmados e aplicados pela Jurisprudência,
os princípios constituem o material graças ao qual a doutrina pode edificar com confiança as
construções jurídicas. E conclui aquele autor francês: 'Le constructions juridiques ont les príncipes
po u r armature’ . A concepção do Direito como um sistema normativo alicerçado em princípios
requer uma visão de ordem jurídica diferente daquela construída no passado. Aceitar o fato de
que a ordem jurídico-positiva é articulada em torno de princípios, que conferem sistematicidade
D enise L u c e n a C a v a l c a n t e - 2 4 9
orgânica ao real funcionamento do Direito, tem como conseqüência uma profunda alteração
na forma de pensar e de se aplicar o Direito." (PONTES, Helenilson Cunha. O p rin cípio da
prop orcion a lid ade e o D ireito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000, p. 28).
22 Curso de D ireito Tributário. 30a ed. São Paulo: Malheiros, p. 274.
23 DAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR (Constituição Federa!):
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,
proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
lil - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver
instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais
ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo
Poder Público.
2 5 0 - A n o t a ç õ es s o b r e o S is t e m a T r ib u t á r io B r a s ile ir o
5 . R efo rm a t r ib u t á r ia n o B r a sil
6. C o n s id e r a ç õ e s fin a is
nico; enfim, atos concretos e diretos que facilitem cada vez mais a rotina
fiscal do cidadão-contribuinte.
O importante, neste contexto contemporâneo, é fazer com que a Justiça
Fiscal, princípio fundamental que é, esteja cada vez mais adequada à realida
de brasileira28.
7 . B ib l io g r a f ia
28 Como bem afirma Klaus Tipke: "La Justicia se garantiza primordialmente mediante Ia igualdad
ante Ia ley, en el Derecho tributário mediante Ia igualdad en el reparto de Ia carga tributaria.
Quien desee comprobar si se respeta o se lesiona el principio de Ia de igualdad necesita un
término de comparación adecuado a Ia realidad. Este se obtiene a partir de los principios
adecuados a Ia realidad en los que idealmente debe fundarse el Derecho positivo. Quien
desee encontrar el principio adecuado a Ia realidad debe estar familiarizado con dicha realidad."
(TIPKE, Klaus. Moral tributaria dei Estado y de los contribuyentes. Traducción de Pedro M.
Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002, p. 30).
D enise L u c en a C a v a l c a n t e - 2 5 5
SOUZA, Hamilton Dias de. A competência tributária e seu exercício: a racionalidade como
limitação ao poder de tributar. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tribu
tação. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
SPISSO, Rodolfo. Derecho constitucional tributário. 2a ed. Buenos Aires: Depalma, 2000.
TIPKE, Klaus. Moral tributaria dei Estado y de los contribuyentes. Traducción de Pedro M. Herrera
Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002.
WEISS, Fernando Lemme. Princípios tributários efinanceiros. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
A Imunidade Religiosa e
as Lojas Maçônicas
Eduardo Sabbag
Advogado; Doutorando em Direito Tributário na PUC/SP; Mestre em Direito
Público e Evolução Socialpela UNESA/RJ; Professor de Direito Tributário e de
Língua Portuguesa na Rede de Ensino LFG; Coordenador e Professor do Curso
depós-graduação, em Direito Tributário na Rede de Ensino LFG.
E d u a rd o Sabbag - 2 5 9
1. In tro d u ção
1 SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
27 7-297.
2 6 0 - A I m u n id a d e R e l ig io s a e a s L o ja s M a ç ô n ic a s
oficial”. O fato de sermos um Estado laico não significa que deixamos de ser
“teístas”. O Preâmbulo do texto constitucional indica que entre nós subsiste
a crença na existência de Deus e em Sua ação providencial no Universo.
No Brasil republicano, a religião de Estado, que até então permanecia,
cedeu passo a um Estado “de religiões”, ou seja, a um Estado não confessional,
à semelhança da maioria dos países espalhados pelo mundo.
No plano do Direito Comparado2, impende registrar que os países ten
dem a proteger e a estimular a fé dos cidadãos, afastando a tributação das
igrejas e, de modo reflexo, incentivando sua proliferação.
Nos Estados Unidos, há desoneração por meio de legislação ordinária, na
forma de isenção, haja vista não se ter desenvolvido por lá a teoria das imuni-
dades; na Alemanha, as entidades religiosas são consideradas “corporações de
direito público” (Constituição, art. 140), entretanto subsiste o “imposto ecle
siástico” (Kirchensteuer), todavia o Estado subvenciona as igrejas; no Uruguai
(Constituição/1996, art. 5o), há regra desonerativa para todos os impostos; no
Chile (Constituição/1981, art. 19, §6°), os templos ficam livres de toda classe
de contribuições.
Voltando ao Brasil Pós-Império, sabe-se que no período que mediou
a proclamação da República e a Carta Magna de 1937, a intributabilida-
de das religiões se deu por meio de legislação ordinária e, somente com o
advento da Constituição Federal de 1946, a não incidência ganhou a esta
tura constitucional3.
E nesse contexto que exsurge a atual norma imunitória, constante do art.
150, VI, b, CF, no bojo da laicidade, cujo teor prevê a desoneração de impos
tos dos templos de qualquer culto.
Vale destacar, em tempo, que o elemento teleológico que justifica a nor
ma em comento atrela-se à liberdade religiosa (art. 5o, VI ao VIII, CF) e à
postura de “neutralidade ou não identificação do Estado com qualquer religião”
(art. 19, I, CF)4.
I0 V. SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. A Imunidade Religiosa. In: ROCHA, Valdir de
Oliveira (coord.) RD D T, n° 4, janeiro de 1996, p. 61.
II Como defensores dessa concepção, aproximam-se José Eduardo Soares de Melo, Marco Auré
lio Greco, Celso Ribeiro Bastos, entre outros. A ratificar a citação dos doutrinadores, vide
CAMPOS, Flávio. Imunidade Tributária na Prestação de Serviços por Templos de Qualquer
Culto. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Revista Dialética de Direito Tributário, n° 54,
março de 2000, p. 44-53 (p. 50).
12 V. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 27a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 533.
E d u a r d o Sabbag - 2 6 3
6. C o n clu sã o
I. D elim it a ç ã o d o T ema
II. R em e m o r a n d o C o n c e it o s B á sic o s
2. Como referi acima, este trabalho deve ser entendido como uma atua
lização do que escrevi anteriormente na obra acima referida. Portanto, não me
deterei nas noções básicas acerca do que é um precatório ou sobre as normas a
ele já aplicáveis na Constituição brasileira. Apenas relembrarei o seguinte:
“Precatório é uma ordem de pagar quantia certa decorrente de deci
são judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública. O mon
tante de precatórios se constitui em dívida consolidada do Poder Pú
blico correspondente.
(...)
Originalmente o sistema de precatórios da Constituição de 1988 foi
inscrito no artigo 1002, que manteve o sistema anteriormente existente
1 ROCHA, Valdir Oliveira (org.). Grandes Questões Atuais de Direito Tributário, 13° vol. São
Paulo: Dialética, 2009, p. 102 a 116.
2 Redação atual, pós-EC 62: "Art. 100: Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federai,
Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente
272 - O Uso de P r e c a tó r io s p a ra P ag am e n to de T r ib u t o s ap ós a E C 6 2
na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida
a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos
para este fim. § 1o Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de
salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e
indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de
sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais
débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2° deste artigo. § 2o Os débitos de natureza alimentícia
cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou
sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre
todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto
no § 3o deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago
na ordem cronológica de apresentação do precatório. § 3o O disposto no caput deste artigo
relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em
leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial
transitada em julgado. § 4o Para os fins do disposto no § 3o, poderão ser fixados, por leis próprias,
valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas,
sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. § 5o É
obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao
pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios
judiciários apresentados até 1o de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte,
quando terão seus valores atualizados monetariamente. § 6o As dotações orçamentárias e os
créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do
Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requeri
mento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou
de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o seqüestro da
quantia respectiva. § 7o O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo,
retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatórios incorrerá em crime de responsabilidade
' responderá, também, perante o Conselho Nacional de Justiça. § 8o É vedada a expedição de
precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, reparti
ção ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe
o § 3o deste artigo. § 9o No momento da expedição dos precatórios, independentemente de
regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos
débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original
pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aque
les cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.§10. Antes
da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em
até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que
preencham as condições estabelecidas no § 9o, para os fins nele previstos. §11. É facultada ao
credor, conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora, a entrega de créditos em
precatórios para compra de imóveis públicos do respectivo ente federado. § 12. A partir da
promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua
expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice
oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora,
incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança,
ficando excluída a incidência de juros compensatórios. § 13. O credor poderá ceder, total ou
parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do
devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2° e 3o. § 14. A cessão de precatórios
somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao tribunal de
origem e à entidade devedora. § 15. Sem prejuízo do disposto neste artigo, lei complementar a esta
Constituição Federal poderá estabelecer regime especial para pagamento de crédito de precatórios
de Estados, Distrito Federal e Municípios, dispondo sobre vinculações à receita corrente líquida e
forma e prazo de liquidação. § 16. A seu critério exclusivo e na forma de lei, a União poderá
assumir débitos, oriundos de precatórios, de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-
os diretamente."
F ern a n d o Fa c u r y S ca ff - 2 7 3
sentação, que deve ocorrer até o dia 30 de junho de cada ano e ser pago
até o final do exercício seguinte, atualizado monetariamente. Foi
estabelecida a proibição de indicação de casos ou de pessoas nas dota
ções orçamentárias. O orçamento público é o grande garantidor do pa
gamento dos valores envolvidos. A requisição do dinheiro (daí o nome
de precatório requisitório) é feita pelo Presidente do Tribunal onde o
processo transitou em julgado e o pagamento também é determinado
pela mesma Corte. Se a ordem de preferência no pagamento dos
precatórios foi violada, o Presidente do Tribunal, a requerimento do
credor, pode determinar o seqüestro da quantia necessária à satisfação
do débito.3
(...)
Créditos de natureza alimentícia são: salários, vencimentos, proventos,
pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indeni
zações por morte ou invalidez fundadas na responsabilidade civil, e
também os honorários advocatícios. Este tipo de créditos possui prefe
rência e deve ser pago com precedência em face dos demais.
(...)
Posteriormente, através da Emenda Constitucional 30, de 13 de
setembro de 2000, foi instituído outro parcelamento compulsório,
tendo sido também criada a possibilidade de uso dos precatórios
não pagos para a quitação de tributos através da inclusão do §2° ao
art. 78 no ADCT.
(...)
Este artigo estabeleceu que os precatórios pendentes em 13/12/2000
e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de
1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acres
cido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no pra
zo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. Observe-se
que foram expressamente afastados os que se referiam ao
parcelamento anterior, do art. 33 do ADCT e os de natureza alimen
tícia, dentre outros.”4
III. Q u a is as n o v id a d e s t r a z id a s pela EC 6 2 so b re o
PAGAMENTO DE TRIBUTOS COM PRECATÓRIOS?
5 fndice usado para correção dos créditos fiscais federais e de algumas outras unidades da Federação.
F er n a n d o Fa c u r y S ca ff - 2 7 7
6 Parênteses apostos.
278 - O Uso de P r e c a t ó r io s para Pa g a m en to d e T r ib u t o s a p ó s a EC 62
7 Esta ideia foi exposta oralmente pelo Prof. Hugo de Brito Machado no Seminário acima
referido, promovido pela Editora Dialética, em setembro de 2009, durante a apresentação de
meu trabalho publicado no volume Grandes Questões Atuais de Direito Tributário - 13° vol.
Valdir Oliveira Rocha (org.). São Paulo: Dialética, 2009, p. 102 a 116. Agradeço ao mestre
Hugo a ideia e a tomo de empréstimo, indicando a fonte da sabedoria. O breve detalhamento
da ideia aqui exposto, com os risco inerentes ao mesmo, não é de sua responsabilidade.
F er n a n d o Fa c u r y S ca ff - 2 7 9
em algumas unidades da Federação. Por qual motivo a União (até aqui) con
segue cumprir suas obrigações anuais com precatórios e alguns Estados não?
Mais ainda: porque alguns Estados e Municípios conseguem fazê-lo e outros
não? Trata-se de uma questão de má-gestão e de aproveitamento escuso dos
recursos públicos para finalidades que deslustram a obediência republicana às
decisões judiciais.
Uma vez que são agentes políticos a fazê-lo, nada melhor do que apenar
sua conduta com a pena de inelegibilidade.
b) Com referência à parte transitória do Texto Constitucional
10. O novo calote público propriamente dito, e que gerou várias ADIns
contra a EC 62, foi estabelecido nesta parte do texto constitucional, compos
ta pela adição do art. 97 ao ADCT e outros artigos que não foram inseridos
no corpo da Carta, mas constam isolados na referida Emenda. Comecemos a
análise por estes artigos isolados.
b .l) Os artigos isolados da EC 62 e a injustiça com os precatórios
alimentícios e os do art. 33 do A DCT
11. A EC 62 é composta, ao todo, por 7 artigos.
O artigo Io traz as alterações na parte permanente da Constituição, es
pecificamente no art. 100 da mesma. Foi comentado acima no que tange à
parte fiscal.
O artigo 2o acresce o art. 97 ao ADCT e será comentado adiante.
O artigo 3o traz uma regra de eficácia jurídica, estabelecendo que a im
plantação do regime criado pelo art. 97 do ADCT deverá ocorrer até 90 dias
após a publicação da EC 62.
O artigo 4o estabelece uma hipótese de opção entre o regime permanen
te - previsto no art. 100 - e o “regime especial” criado pelo art. 97, mas que
pode ser alterado por lei complementar.
O artigo 7o estabelece a vigência da EC 62: “na data de sua publicação”.
Os dois artigos que trazem implicações fiscais são o 5o e o 6o.
12. Estabelece o art. 5o: “Ficam convalidadas todas as cessões de precató
rios efetuadas antes da promulgação desta Emenda Constitucional, indepen
dentemente da concordância da entidade devedora”.
Este é um aspecto muito importante para as operações fiscais anteriores
à EC 62, pois havia várias dúvidas no âmbito judicial sobre a possibilidade de
280 - O Uso de P r e c a t ó r io s para Pa g a m en to d e T r ib u t o s a p ó s a EC 62
8 Parênteses aposto.
F ern a n d o Fa c u r y Sca ff - 281
9 Outra observação efetuada por Hugo de Brito Machado na exposição acima referida.
282 - O Uso de P r e c a t ó r io s para Pa g a m en to d e T r ib u t o s a p ó s a EC 62
11 OPV - Obrigações de Pequeno Valor é outra nomenclatura para RPV - Requisições de Peque
no Valor.
284 - O Uso de P r e c a t ó r io s para Pa g a m en to de T r ib u t o s a p ó s a EC 62
12 Art. 30, §7° Os precatórios judiciais não pagos durante a execução do orçamento em que
houverem sido incluídos integram a dívida consolidada, para fins de aplicação dos limites.
13 A pesquisa que apresentou a divisão efetuada nos Relatórios de Gestão Fiscal entre precatórios
antes e depois da LFR foi apresentada pelo mestrando César Augusto Seijas de Andrade, em
sala de aula, em seminário ocorrido no segundo semestre de 2009, na Faculdade de Direito da
USP, com foco no Estado de São Paulo. Parece-me curiosa a aplicação de efeitos futuros para
a referida norma e a divisão dos débitos a partir de sua consolidação, em especial pela
finalidade que se busca com a mesma, porém este não é o local adequado para analisar este
aspecto normativo.
F ern a n d o Fa c u r y S ca ff - 2 8 5
18 Art. 97: Até que seja editada a lei complementar de que trata o § 15 do art. 100 da Constituição
Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, na data de publicação desta
288 - O Uso de P r e c a t ó r io s para Pag a m en to d e T r ib u t o s a p ó s a EC 62
cada precatório, bem como o saldo dos acordos judiciais e extrajudiciais. § 16. A partir da
promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, até o
efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de
remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão
juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança,
ficando excluída a incidência de juros compensatórios. § 17. O valor que exceder o limite
previsto no § 2o do art. 100 da Constituição Federal será pago, durante a vigência do regime
especial, na forma prevista nos §§ 6o e 7° ou nos incisos I, II e III do § 8o deste artigo, devendo
os valores dispendidos para o atendimento do disposto no § 2o do art. 100 da Constituição
Federal serem computados para efeito do § 6o deste artigo. §18. Durante a vigência do regime
especial a que se refere este artigo, gozarão também da preferência a que se refere o § 6o os
titulares originais de precatórios que tenham completado 60 (sessenta) anos de idade até a data
da promulgação desta Emenda Constitucional."
F er n a n d o Fa c u r y S caff - 2 9 1
21. Os aspectos fiscais atinentes à matéria ficam por conta de três normas.
O art. 97, §10°, II, prevê sanções para a hipótese de não liberação tem
pestiva dos recursos pelos entes públicos devedores, seja através da fórmula de
parcelamento em 15 anos, seja pela fórmula de pagamento percentual sobre a
receita corrente líquida. As sanções são:
a) Seqüestro da quantia por ordem do Presidente do Tribunal ex
pedidor dos precatórios, até o limite do valor não liberado;
b) Ou, alternativamente, por ordem do Presidente do Tribunal re
querido, em favor dos credores, “direito líquido e certo, autoapli-
cável e independente de regulamentação” de compensar
automaticamente débitos lançados pelos entes públicos devedores.
1. E havendo saldo em favor do credor, o valor terá automaticamen
te poder liberatório do pagamento de tributos do ente federativo
devedor, até onde se compensarem.
Cabe observar que a opção pelo seqüestro ou compensação é do Presi
dente do Tribunal, e que a primeira parte da hipótese de compensação repete
aquilo que foi inserido no art. 100 da Constituição, que é a compensação
compulsória prévia à expedição do precatório. Uma vez que o artigo ora sob
comento trata do estoque de precatórios, ou seja, precatórios já expedidos e
não pagos, esta hipótese visa equacionar as duas situações, estabelecendo com
pensação compulsória também nesta hipótese, sejam os créditos públicos tri
butários ou não - tal como determinado no art. 100, § 9o, CE
O poder liberatório para pagamento de tributos através de “compensa
ção livre” só com os recursos que sobejarem da “compensação compulsória”.
22. Outra norma que trata de aspectos tributários é o art. 97, § 9o, II,
ADCT, que dispõe sobre a habilitação de precatórios para venda através do
sistema de leilões.
Prevê a mesma “compensação compulsória” a critério do Poder Executi
vo acima descrita, limitada, contudo, até “a data de expedição do precatório”,
ressalvados aqueles que estejam com sua exigibilidade suspensa ou que já
tenham sido objeto do abatimento previsto pelo art. 100, §9°, na parte per
manente da Constituição.
Observa-se que há coerência neste procedimento, pois segue o mesmo
parâmetro estabelecido pelo art. 100, que regra a parte permanente da Carta
F er n a n d o Fa c u r y S caff - 2 9 3
IV . C o n c l u s õ e s
I. C o n t r ib u iç õ e s - P ressu po sto s
II. PIS - C O F I N S
1. O per a çõ es in t er n a s
I I I . Im p o st o s - C a r a c t e r ís t ic a s
Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação
independentemente de qualquer atividade estatal específica relativa ao con
tribuinte (art. 16 do CTN). Este conceito guarda plena consonância com as
diretrizes constitucionais, que apenas indicam as materialidades relativas às
competências dos Poderes Públicos (arts. 153, 155 e 156).
O fato imponível não se refere a um comportamento das pessoas jurí
dicas de direito público interno; ao contrário, prende-se a um fato, ato,
situação inerente a um particular, indicados de sua capacidade contributiva
(art. 145, § I o, da CF). O Estado não oferece qualquer utilidade, comodi
dade ou serviço fruível (direto ou mediante relação indireta), não havendo
vinculação entre o pressuposto de fato previsto na norma instituidora do
imposto e a atuação estatal.
Implicitamente, “a Constituição determina que a lei coloque na hipó
tese de incidência dos impostos fatos regidos pelo Direito Privado, isto é, da
esfera pessoal dos contribuintes, e, portanto, desvinculados da ação do Esta
do (esta sim, regida pelo Direito Público). Realmente, o Texto Magno, nos
mencionados arts. 153, 155 e 156, autoriza o legislador ordinário a adotar,
como hipótese de incidência de impostos, o fato de alguém: a) importar
produtos; b) exportar produtos; c) auferir rendimentos; d) praticar opera
ções de crédito; e) ser proprietário de imóvel rural; f) praticar operação
mercantil; g) ser proprietário de veículo automotor; h) ser proprietário de
imóvel urbano; i) prestar, em caráter negociai, serviços de qualquer nature
J o s é E d u a r d o S o a r e s d e M elo - 3 0 5
IV. IC M S
1. O per a çõ es in t er n a s
V. IPI
1. O per a çõ es in tern a s
VII. N ão C u m u l a t iv id a d e
1. F u n d a m en t o s
I. C o n s id e r a ç õ e s in t r o d u t ó r ia s
humana concreta do modo como lhe aprouver. Porém, ela de regra - não
exclusivamente -, disciplina obrigações tributárias e seus desdobramentos.
Os incentivos fiscais e as isenções tributárias, não se referem a condutas
proibidas, nem obrigatórias. Porque são elas normas-estímulo, contrapõem-se
às sanções penais tributárias, instituídas em normas repressivas da conduta in
desejável. Normas-estímulo são normas autorizativas de condutas incentivadas.
II. C r it é r io l e g is l a t iv o d e in t e r p r e t a ç ã o l it e r a l : c o m o e
p o r q u e ele s u r g iu
IV . C o n c lu s õ e s su m á ria s so b re o C T N , a r t . 1 1 1 , II
Ia) O dispositivo não prescreve que as isenções somente devem ser in
terpretadas literalmente. É ponto de partida. Não ponto terminal de exegese.
E confunde o primeiro estágio com o terminal da interpretação.
326 - In te rp re ta ç ã o da Ise n ç ã o n o C ó d ic o T r ib u t á r io N a c io n a l (CTN)
7 Segundo evidencia EROS ROBERTO GRAU, interpretar e aplicar o direito é a mesma operação.
"Interpretar é, assim, dar concreção (= concretizar) ao direito. Neste sentido, a interpretação (=
interpretação/aplicação) opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter
geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção na
vida" (Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 28).
8 Corrobora-se, mais uma vez, o autor, quando ele afirma que o intérprete não cria, literalmente,
o direito, no sentido de fabricá-lo, mas sim no sentido de reproduzi-lo, uma vez que "ela já se
encontra, potencialmente, no invólucro do texto normativo". (GRAU, Eros Roberto. Obra cit.
p. 22).
9 A ideia de interpretar conduz à ideia de compreensão, como tradicionalmente tem-se conceituado
esta palavra, o que leva ao entendimento de que somente seria necessário interpretar os textos
normativos quando estes não fossem suficientemente claros. Todavia, tal afirmação é impossível
em vista da corriqueira vaguidade e ambigüidade das expressões jurídicas, motivo pelo qual vem
tal concepção passando, ainda com muita resistência, por um processo de transformação (GRAU,
Eros Roberto. Obra cit. p. 15).
10 Ainda segundo EROS ROBERTO GRAU, "o que em verdade se interpreta são os textos normativos;
da interpretação dos textos resultam as normas. Texto e norma não se identificam. A norma é
interpretação do texto normativo". (Obra cit. p. 17).
M a r ia A les s a n d r a B r a s ile ir o d e O l iv e ir a - 3 3 3
11 O mencionado doutrinador ensina, ainda, que "o intérprete procede à interpretação dos textos
normativos e, concomitantemente, dos fatos, de sorte que o modo sob o qual os acontecimen
tos que compõem o caso se apresentam vai também pesar de maneira determinante na produ
ção da(s) norma(s) aplicável (veis) ao caso". (Obra cit. p. 16).
12 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 5a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 390.
13 A respeito da importância dos princípios constitucionais na atividade interpretadora, escreve
LUIS ROBERTO BARROSO: "(...) Ao intérprete constitucional caberá visualizá-los em cada caso
e seguir-lhes as prescrições. A generalidade, abstração e capacidade de expansão dos princípios
permite ao intérprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a
solução mais justa, superadora do summum jus, summa injuria, Mas são esses mesmos princípios
que funcionam como limites interpretativos máximos, neutralizando o subjetivismo voluntarista
dos sentimentos pessoais e das conveniências políticas, reduzindo a discricionariedade do
aplicador da norma e impondo-lhe o dever de motivar seu convencimento". (interpretação e
aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São
Paulo: Saraiva, 1996, p. 150).
14 Obra cit. p. 34.
3 3 4 - A P r o t e ç ã o a o s D ireito s d o C o n t r ib u in t e e a A d e q u a d a I n t e r p r et a ç ã o .
15 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3a ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 503.
16 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 16a ed. rev., atual e
ampl. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 511.
M a r ia A le s s a n d r a B r a s ile ir o de O liv e ir a - 3 3 5
19 Para NORBERTO BO BBIO, sistema é "uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os
quais existe uma certa ordem. Para que se possa falar de uma ordem, é necessário que os entes
que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num
relacionamento de coerência entre si" (Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria
Celeste C. J. Santos. 8a ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1996, p. 71).
20 Para a teoria kelseniana, o ordenamento jurídico é um sistema dinâmico, ou seja, aquele em
relação ao qual as normas que o compõem derivam umas das outras simplesmente por meio de
"sucessivas delegações de poder", sem levar em consideração seu conteúdo. O que determina
ria pertencer uma norma ao sistema jurídico não é o seu aspecto material, mas seu aspecto
formal. Contrapondo-se a essa teoria, NORBERTO BO BBIO sustenta que "se é assim, parece
difícil falar apropriadamente do ordenamento jurídico como de um sistema, isto é, chamar
'sistema' ao sistema de tipo dinâmico com a mesma propriedade com que se fala em geral de
sistema como totalidade ordenada, em particular de um sistema estático. Que ordem pode
haver entre normas de um ordenamento jurídico, se o critério de enquadramento é puramente
formal, isto é, referente não à conduta que elas regulam, mas unicamente à maneira com que
foram postas? (...) Ora, atendo-se à definição de sistema dinâmico como o sistema no qual o
critério do enquadramento das normas é puramente formal, deve-se concluir que num sistema
dinâmico duas normas em oposição são perfeitamente legítimas. E de fato, para julgar a
oposição de duas normas é necessário examinar o seu conteúdo; não basta referir-se à autori
dade da qual emanaram. Mas um ordenamento que admita no seu seio entes em oposição
entre si pode ainda chamar-se 'sistema'?" (Obra cit. p. 73/74).
21 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2a ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros,
1998, p. 25.
22 Com leciona GERMANA DE OLIVEIRA MORAES, "no Direito, parece ser mais evidente do que
na compreensão dos fenômenos quotidianos, que seus limites são traçados pela linguagem,
ou, em outros termos, pela leitura dada pelo intérprete e aplicador da norma jurídica, no
momento da sua concretização, acerca dos fatos e processos sociais e dos valores aceitos em
determinado tempo e em determinado lugar" (Controle jurisdicional da administração pública.
São Paulo: Dialética, 1999, p. 55).
M a r ia A les s a n d r a B r a s ile ir o d e O liv e ir a - 3 3 7
23 Teoria geral do direito tributário. 3a ed. São Raulo: Lejus, 1998, p. 119.
24 "As características de imprecisão e de contextualidade do significado das palavras, presentes
na linguagem comum, projetam-se na linguagem jurídica e geram dificuldades no processo de
interpretação e de aplicação dessas normas" (MORAES, Germana de Oliveira. Obra cit. p. 56).
25 NEVES, Marcelo. Obra cit. p. 364-365.
3 3 8 - A P r o t e ç ã o a o s D ireito s d o C o n t r ib u in t e e a A d e q u a d a I n t e r p r e t a ç ã o .
26 Obra cit. p. 33
M a r ia A l e s s a n d r a B r a s ile ir o d e O l iv e ir a - 3 3 9
produção normativa estatal, não se podendo mais entender a fiscalidade como sinônimo de
neutralidade. Na tentativa de concreção dessa justiça social, aspectos caracterizadores da
extrafiscalidade poderão, concomitantemente, existir, mesmo de forma secundária, naquele
momento, à função fiscal" (OLIVEIRA, Maria Alessandra Brasileiro de. A extrafiscalidade como
instrumento de realização de justiça. Revista do Instituto Cearense de Estudos Tributários. Ano
2, jan./jul. Fortaleza: 2001, p. 256/257).
34 R O Q U E A N TÔ N IO C A R RA ZZA chama atenção para fato de que "convém, neste ponto,
afastarmos, de uma vez por todas, a superadíssima idéia de que o interesse fazendário
(meramente arrecadatório) eqüivale ao interesse público. Em boa verdade científica, o interes
se fazendário não se confunde nem muito menos sobrepaira o interesse p ú b lico . Antes,
subordina-se ao interesse p ú b lico e, por isso, só poderá prevalecer quando em perfeita
sintonia com ele" (Curso de direito constitucional tributário. 16a ed. rev., atual e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2001, p. 408).
M a r ia A les s a n d r a B r a s ile ir o d e O l iv e ir a - 3 4 3
4 . O P o d e r J u d ic iá rio e as G a r a n t ia s C o n s titu c io n a is
d o C o n trib u in te
40 CAPELLLETTI, Mauro, juizes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro O liveira. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993/1999, p. 17.
41 "Na maioria das vezes, o Poder Judiciário, despercebido que é um poder autônomo, colocado
no mesmo plano do Legislativo e do Executivo, prefere, como diz Cappelletti, uma atitude
agnóstica: espécie de irônico gosto de pôr em evidência a imperfeição das leis e de fazer recair
todas as culpas sobre a inércia do legislador e do administrador. Tal comportamento atenta
contra o princípio da economia processual na sua faceta de eficiência da administração,
porquanto 'não correspondem já aos deveres constitucionais da ordem judicial, na qual, para
se dar conta da Constituição e das metas que ele assinala, não tem que passar pelos trâmites do
legislador" (CAPPELLETTI, 1974, p. 568.)" (PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3a
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 27).
42 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 22.
3 4 6 - A P r o t e ç ã o a o s D ir eit o s d o C o n t r ib u in t e e a A d e q u a d a I n t e r p r et a ç ã o .
43 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19a ed. Rio de Janeiro: Malheiros,
2001, p. 107.
44 Segundo Renato Alessi, o interesse público primário diz respeito ao Estado, ao bem geral,
enquanto que o interesse público secundário corresponde ao interesse da Administração
Pública, ou seja, ao modo como os governantes veem o interesse público. Desse modo, nem
sempre o interesse público primário coincide com o secundário.
45 Surge aqui, diga-se de passagem, tema de total relevância, que é o da motivação na prática dos
atos desempenhados no exercício de função pública, cuja compreensão e observância ainda
mostra-se bastante mitigada. Mas como viabilizar o controle jurisdicional e imputar responsa
bilidades sem que se possa conhecer os motivos que conduziram à prática do ato? O assunto
é palpitante, mas o aprofundamento do tema foge ao objetivo desse trabalho.
46 O que não se pode pretender é excluir-se o ente público da relação jurídica processual, em face
da denunciação da lide.
M a r ia A le s s a n d r a B r a s ile ir o de O liv e ir a - 347
50 A supremacia constitucional como garantia do contribuinte. In: Revista Dialética n° 68. São
Paulo: Dialética, 2001, p. 57.
Estudos sobre a História
do Artigo 135 do CTN em
Homenagem ao Professor
Hugo de Brito Machado
1 A referência é até novembro de 2005, ocasião em que foi redigido este texto e alude ao
segundo volume de seu Comentários ao Código Tributário Nacional: artigos 96 a 138, confec
cionada pela editora Atlas em fins de 2004 e posta à venda em 2005.
2 M ACHADO, 2004: 584.
3 Código Tributário Nacional - CTN: lei n° 5.172 de 25 de outubro de 1966.
3 5 2 - E s t u d o s s o b r e a H is t ó r ia d o A r t ig o 135 do CTN.
texto se aclare com um simples passar de olhos. Veja-se que ser responsável
por obrigações tributárias resultantes de atos praticados com infração de lei,
significa, primeiramente, praticar um ato adjetivado como sendo ato com
infração de lei e, posteriormente, ver, por causa deste tal ato, aparecer uma
obrigação tributária.
Não entendemos como em vão esse nosso esforço em falar obviedades.
Devemos lembrar que o não pagamento de tributo também é infração de lei,
posto que a obrigação tributária é, por lei, determinada. A questão é perceber
que a infração de lei, correspondente ao não pagamento de tributo, é posterior
à obrigação e a letra do artigo 135 do CTN fala em infração anterior. Confi
ramos novamente: Diz o artigo que se algumas pessoas cometerem determi
nados atos, qualificados como sendo atos praticados com infração de lei e, a
partir deles, surgir uma obrigação tributária, haverá, então, a responsabiliza
ção das citadas pessoas. A ordem temporal fica clara: primeiramente, o ato
com infração de lei; em segundo, a obrigação tributária.
No caso de infração de lei por não pagamento de tributo temos outra
seqüência. Primeiramente, a obrigação tributária, em segundo, o não paga
mento e a conseqüente infração de lei.
Por isso essa simplória explicação da literalidade do artigo 135, princi
palmente de seu caput, como ponto de partida à nossa pretensão. Da mesma
forma, entendemos que devem proceder os que defendem que o citado artigo
abriga a hipótese de não pagamento de tributo: obrigam-se a partir do texto
da lei e, ao trazerem suas colocações, ainda que lastreadas na Teoria Geral do
Direito, como foram as nossas, para então concluir sobre o porquê de o referi
do texto ser acatado ou desprezado ou, ainda, sobre o que seriam as tais infra
ções de lei que teriam o condão de deflagrar uma obrigação tributária.
Cabe-nos, agora, retornarmos a algumas das mais relevantes explicações
de H UGO DE BRITO M ACHADO sobre o tema. O insigne professor
teoriza que “se o tributo (direto ou indireto) não é pago pela pessoa jurídica,
que não dispõe de recursos, ou os utiliza para outros fins lícitos (e. g., paga
mento de folha de salários), tem-se uma dívida da sociedade, não paga pela
sociedade. Entretanto, se esse mesmo tributo (direto ou indireto) não é pago
porque desfalcado o patrimônio da pessoa jurídica pelos que a dirigem, que
dolosamente não recolhem o tributo e do valor respectivo se apropriam, em
infração da lei societária, tem-se nítida a incidência da norma contida no
N ic o l a u A . H a d d a d N e t o - 3 5 3
artigo 135, III, do CTN. Neste último caso, ressalte-se, não foi da pessoa
jurídica o ato que infringiu a lei, não pagando o tributo, mas do seu diretor ou
gerente, enquanto pessoa natural”4.
De fato, muito relevantes são suas lições, que indicam harmonia com
intensa pesquisa realizada, por ocasião da elaboração de nossa dissertação de
mestrado, realizada em 2005s. E porque HUGO DE BRITO não reconhece
a mera substituição tributária no tema, afirma que “constitui elemento essen
cial para a existência da responsabilidade dos terceiros mencionados no art.
135 a ocorrência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, con
trato social ou estatutos, sendo evidente a necessidade de prova, em cada caso,
dessa ocorrência sem a qual não se pode atribuir a responsabilidade àquelas
pessoas”6. Chegamos à mesma conclusão por outros fundamentos, os quais
vemos como também apropriados à mencionada necessidade de prova. É que
verificamos a real existência da pessoalidade, porque, como diz MARÇAL
JUSTEN FILHO, a hipótese do artigo 135 retrata relação pessoal e direta
das pessoas ali referidas com o fato gerador7. Também verificamos que à asser
tiva de BRITO M ACHADO, que dá relevo à prova, deve cingir-se ao ato de
lançamento, o que, se inexistir, impede a inclusão dos sócios e dos administra
dores no polo passivo da ação de execução fiscal.
Por outro lado, muitas vozes da doutrina se levantam contra o reconhe
cimento do caráter pessoal da responsabilidade apresentada no artigo. E nossa
pesquisa percebeu como hipótese aceitável desse não reconhecimento da pes
soalidade em comento a açougada de assertivas que faz acerca dos ilícitos e de
sua relação com o crédito tributário. Como sabemos, o crédito resulta da obri
gação, e esta, de um fato, que ordinariamente é lícito, porque previsto em lei,
mas pode corresponder a ilícito.
A pesquisa que realizamos nos permite inferir que os esforços de cons
trução teórica sobre o artigo 135 do CTN foram potencializados pela dificul
dade de correlacionar os ilícitos à obrigação tributária. HUGO D E BRITO
4 M A C H A D O , 2000: 590.
5 HADDAD NETO, Nicolau Abrahão. A responsabilidade tributária dos sócios e dos administra
dores da sociedade limitada: uma análise à luz da teoria da pessoa jurídica. São Paulo, 2005.
Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) - U niversidade Presbiteriana
Mackenzie, 2005. Orientador: Alcides Jorge Costa. Bibliografia: p. 282-304.
6 M A C H A D O , 2000: 600.
7 JUSTEN FILH O , 1986: 316.
354 - E s tu d o s so b re a H is t ó r ia d o A r t i g o 135 do C T N .
8 M AC H AD O , 2004: 402.
9 LUIS EDUARDO SCHO UERI, emimportante estudosobre asnormas tributárias indutoras, ao
qual remetemos o leitor para o devido aprofundamento, assevera que "sendo a norma tributária
indutora um desincentivo, então deve ela conformar-se à exigência de que seja oferecida ao
contribuinte a possibilidade de deixar de adotar o comportamento agravado". (2002: 72)
10 M AC H AD O , 2004: 593.
11 Expressão bíblica, atinente às lições de Jesus deNazaré (Mateus, VII, 7-11).
N ic o l a u A . H a d d a d N e t o - 3 5 5
12 Os dados do decisum foram obtidos por intenso trabalho de pesquisa, capitaneado pelo Sr.
Márcio Antônio Ribeiro, Chefe Substituto da Seção de Arquivo do Supremo Tribunal Federal,
a quem desejamos homenagear pela presteza e colaboração demonstradas para com aquele
trabalho acadêmico.
13 REIS, Clovis. In: "A expansão e consolidação dos investimentos publicitários (1930-1960) - O
rádio e a publicidade radiofônica viveram o seu período dourado entre as décadas de 1930 e
19 6 0 ", pesquisado no endereço eletrô n ico : <http://w w w .sulradio.com .br/destaques/
destaque_9523.asp>, acessado em 24/11/2005, às 12h 19min.
3 5 6 - E s t u d o s s o b r e a H is t ó r ia d o A r t ig o 1 3 5 d o C T N .
17 Vide Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1998, p.
1.498; e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2.443.
360 - E s t u d o s s o b re a H i s t ó r i a d o A r t i g o 135 do CTN .
18 "Art. 121. Os diretores não são pessoalmente responsáveis pelas obrigações que contraírem em
nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão.
§ 1o Respondem, porém, civilmente, pelos prejuízos que causarem, quando procederem:
N ic o l a u A. H addad N eto - 361
ponto pacífico é que em todos esses países procura-se alcançar uma forma de
preenchimento do hiato existente entre as sociedades em nome coletivo -
com responsabilidade ilimitada dos sócios - e as sociedades anônimas, nas
quais os sócios só respondem pela integralidade de suas contribuições, repre
sentadas em ações. Dessa referida busca adveio a sociedade de responsabilida
de limitada20. Portanto, nenhum óbice em apropriar as referências de
RUBENS GOMES D E SOUZA, feitas as sociedades anônimas, às socieda
des limitadas, objeto de nosso trabalho.
2o) Verificamos como evidente a conotação protetiva à pessoa jurídica
que determina o cotejo dos artigos. O professor ALCIDES JORGE COSTA
nos permitiu chegar ao case que influenciou os dispositivos. Ao que tudo
indica, RUBENS GOMES D E SOUZA não contemplara o caso no ante
projeto de forma específica na chamada responsabilidade de terceiros, uma
vez que no § 2o do artigo 291 de seu anteprojeto apresentava disposição
semelhante21. Contudo, as discussões da comissão, muito provavelmente pela
repercussão do caso “Sydney Ross”, resolveram apresentar clara proteção à pessoa
jurídica. Asseverou-se, pois, no artigo 171 do Projeto, que nos casos de exces
so de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, em que tais
infrações decorram direta e exclusivamente de dolo específico do mandatário,
preposto ou empregado contra o mandante, preponente ou empregador, a
responsabilidade será exclusiva do mandatário, preposto ou empregado. En
xergamos claramente o caráter protetivo demonstrado.
O artigo 135, por sua vez, mantém a mesma índole. O texto de seu
caput reflete as mesmas preocupações demonstradas nos dispositivos retro
mencionados. Note-se que estabelece uma responsabilidade pessoal, ou seja,
exclusiva, a agentes que pratiquem atos com excesso de poderes ou infração
de lei, contrato social ou estatutos, atos esses que deflagrem uma obrigação
tributária que, se não fosse a existência do já apontado dolo, deveria ser das
pessoas a que estivessem ligados tais agentes. Muito relevante é a considera
ção dos passos que influíram na criação do dispositivo. Importante porque
dirime questões várias, como a que pertine à responsabilidade subsidiária.
Clarifica-se, assim, por tudo o que foi pesquisado, que o artigo 135 não traz
hipótese de responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica ou das demais
pessoas por ele protegidas.
Tocando nas demais pessoas protegidas pelo artigo, quando faz menção
ao artigo 134 do CTN, podemos concluir que o código ampliou a referida
assistência, o que, obviamente, não repele a já existente à sociedade comercial.
A manutenção das expressões “infração de contrato social” ou “infração de
estatutos” torna esta essa questão indiscutível. Entendemos, ainda, que a lim-
pidez de tais expressões faz desnecessário maior aprofundamento, o mesmo
valendo no que tange à expressão excesso de poderes. Claro está, ainda mais
com a regência do Código Civil de 2002, que o contrato social pode e deve
estatuir a atividade e os poderes dos sócios e administradores, que, em se afas
tando das disposições contratuais, entram no campo de ação do tipo do artigo
135. Maiores detalhamentos sobre tais expressões podem ser obtidos nos co
mentários que H UG O DE BRITO M ACHADO alinha sobre elas em: Co
mentários ao Código Tributário Nacional, Artigos 96 a 138, vol. II. São Paulo:
Ed. Atlas, 2004. O que, isto sim, é dos aspectos mais discutidos no referido
artigo é a expressão infração de lei, cuja análise, nos termos aqui compassados,
acreditamos possa também trazer esclarecimentos, como veremos em seguida.
Sobre o caráter protetivo verificado, resta-nos asseverar que o vemos como
que adequado ao sistema jurídico pátrio, que tem na personalidade jurídica
da pessoa jurídica um ícone de caráter geral, necessário para a certeza das
relações. A respeito dessa harmonia com o sistema jurídico traremos mais
especificidades adiante, ao pincelarmos alguns aspectos constitucionais rele
vantes para a constatação do alcance do artigo 135 do CTN, principalmente
no que tange à proteção à sociedade comercial.
364 - E s tu d o s so b re a H is t ó r ia d o A r t i g o 135 d o CTN...
até porque, como bem notou MARÇAL JUSTEN FILH O 26, é esse sócio
que tem relação pessoal e direta com o fato gerador, adequando-se à definição
de contribuinte do código27.
E vamos mais longe. Entendemos que, ainda que a receita obtida com a
prática ilegal tenha sido destinada à clínica, porquanto disfarçada em ativida
de regular de curetagem, as obrigações tributárias decorrentes da aludida re
ceita devem ser todas atribuídas ao sócio que praticou os abortamentos e os
omitiu. Evidentemente, essa posição traz implicações.
A primeira delas diz respeito à verificação da ocorrência do fato gerador.
Em nosso exemplo, o fato gerador era desconhecido da sociedade. Se, outros-
sim, ela viesse a ser fiscalizada e o fiscal observasse indícios da ocorrência do
abortamento, acreditamos que seria dele, fiscal, o dever de realizar o lança
mento para apontar como sujeito passivo tributário o sócio aborteiro e excluir
cabalmente a pessoa jurídica da obrigação tributária, como aplicação do artigo
135 do CTN. Neste caso, todos os consectários deste lançamento deveriam
ser observados. A receita obtida com os abortamentos deve ser excluída da
sociedade, com os reflexos dessa exclusão sendo verificados em relação a todos
os tributos que tivessem considerado como fato gerador a receita indevida
mente atribuída à pessoa jurídica.
Também estaríamos diante de uma das situações contempladas no arti
go 165 do Código Tributário Nacional, que dispõe sobre hipóteses de repeti
ção de indébito por parte do sujeito passivo. Assim se apresenta o dispositivo:
“Art. 165.0 sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio
protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modali
dade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4o do artigo 162,
nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior
que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza
ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
38 F a ze n d a , 1 9 5 4 : 2 7 5 e 2 7 6 .
N ic o l a u a . H a d d a d N e t o - 3 7 3
B ib lio g r a fia
ALEMANHA. Leis, decretos etc. Novo Código tributário alemão: com índices sistemático e analí
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Execução fiscal contra o responsável tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1978.
As Espécies Tributárias e a
Classificação dos Tributos
Roberto Ferraz
Advogado e Consultor em Curitiba
Mestre em Direito Público pela UFPR
Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP
Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
R o b e r t o F erra z - 3 7 9
1. C o lo ca çã o do pro blem a
1 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29a ed. São Paulo: Malheiros, p. 62 e ss.
2 Por ocasião do julgamento do RESP 273.674/RS o Superior Tribunal de Justiça assentou que:
"TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO PARA CATEGORIAS PROFISSIONAIS - NATUREZA JURÍDICA.
3 8 0 - As E sp é cie sT rib u tá ria s e a C la s s if ic a ç ã o d o s T rib u t o s
2 . A s ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
que analisados sob aspectos diferentes), posso ter tributos que são impostos (sob
o ponto de vista da classificação segundo a hipótese de incidência) e, ao mesmo
tempo, (sob outro ponto de vista, consistente na diferente forma de atribuição de
competência legislativa, não mediante indicação da hipótese de incidência, mas da
finalidade a ser atendida) são contribuições.
A chamada contribuição social sobre o lucro, por exemplo, é - quanto à
natureza jurídica específica, verificada pelo critério diferencial da natureza da
hipótese de incidência -, um típico imposto (e sobre a renda), por não estar
vinculada a uma prestação estatal específica relativa ao contribuinte.
Analisada sob outro critério distintivo - o da norma de competência
impositiva de que faz parte essencial a vinculação do produto da arrecada
ção -, identifica-se na mesma exação uma típica contribuição social, por
estar configurada de acordo com os pressupostos de imposição do art. 195,
que a diferenciam (parcialmente) do regime do imposto sobre a renda, colo-
cando-a, por exemplo, sob o regime o § 6o daquele artigo e afastando-a,
portanto, do de anterioridade.
Além disso, caracterizada a exigência tributária apenas como imposto,
não poderia ela ter o produto da arrecadação vinculada a órgão, fundo ou
despesa, como prevê o art. 167, inciso IV, da Constituição. E somente de sua
caracterização também como contribuição social que essa afetação da arreca
dação é não apenas permitida, mas exigida pela Constituição.
2.4. Portanto, a necessária vinculação do produto da arrecadação, confi-
guradora principal (ao lado de outras características) da regra de competência
tributária constitucionalmente estabelecida, não caracteriza espécie (nem gê
nero) distinta, dentro da tradicional classificação dos tributos, mas defme ou
tro critério de classificação, não assimilável àquela.
Em termos mais diretos, o bem identificado “método de validação fina-
lística”, indicado por Marco Aurélio Greco8(utilizado pela Constituição para
8 Contribuições..., ob. cit., p. 144 (item 6.2.3), onde se lê: "Uma vez que a Constituição adota
dois critérios para atribuir competências, e estando as contribuições submetidas a um critério
de validação diferente do aplicável aos impostos, disso resulta que a contribuição não pode
ser reconduzida a impostos ou taxas. Contribuição é categoria distinta dos tributos cujas leis
instituidoras estão validadas condicionalmente".
Cfr. ainda GRECO, Marco Aurélio. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. X, p. 27: "(...) podemos
identificar dois tipos de competência consagrados pela nossa Constituição Federal. Esses tipos
- uma vez que toda norma de competência é norma que serve de fundamento de validade da
norma que for editada nos termos previstos pela norma de competência - referem-se às técnicas
3 8 4 - A s E s p é c ie s T r ib u t á r ia s e a C l a s s if ic a ç ã o d o s T r ib u t o s
de validação que o Constituinte, ao editar as normas da Carta Magna escolheu para permitir a
edição de normas inferiores que comporão os vários dados a partir dos quais o cientista do
direito irá formular suas proposições".
"Nesse sentido, duas são as técnicas de validação hipoteticamente utilizáveis".
"Em primeiro lugar, a norma superior que outorga uma competência pode dar validade à norma
inferior desde que descreva certos fatos abstratamente indicados pela norma superior. Por
outro lado, a norma superior pode imunizar a inferior à impugnação (validá-la), não mais se a
norma inferior atende aos pressupostos indicados na norma superior, mas, isto sim, se uma
finalidade vier a ser atingida".
"Em outras palavras, a norma superior de competência poderá prever que as inferiores são
válidas desde que ocorram certos fatos (validação condicional) ou então desde que a finalida
de seja aquela consagrada (validação finalfstica)".
Cfr., também ATALIBA, Geraldo. In: H ipótese de Incidência Tributária, 5a ed., São Paulo:
Malheiros, 1992, p. 170, in verbis:
"Ao assim dispor - não indicando qual a materialidade das hipóteses de incidência das demais
contribuições - a Constituição veio dar uma disciplina sui generis à matéria, deixando ao
legislador ordinário liberdade no estabelecê-la. Não está ele preso, como nos demais casos de
tributos, a fatos determinados. Essa liberdade, evidentemente, é relativa, porque os parâmetros
constitucionais gerais deverão ser respeitados em qualquer hipótese".
9 CARRAZZA, Roque Antonio. In: Curso de Direito Constitucional Tributário, 18a ed. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 514: "Estamos, portanto, em que estas 'contribuições' são verdadeiros
tributos (embora qualificados pela finalidade que devem alcançar). Podem, pois, revestir a
natureza jurídica de imposto ou taxa, conforme as hipóteses de incidência e bases de cálculo
que tiverem".
10 CARVALHO , Paulo de Barros. In: Curso de Direito Tributário. 17a ed. São Paulo: Saraiva,
2005, p. 35: "O interesse científico dessa classificação está no seu ponto de partida: o exame
das unidades normativas, visualizadas na conjugação do suposto (hipótese de incidência),
e da base de cálculo (que está na conseqüência da norma), mantendo plena harmonia com
a diretriz constitucional que consagra a tipologia tributária no direito brasileiro. Convém
aduzir, entretanto, que a acolhemos com a seguinte latitude: os tributos podem ser vincula
dos a uma atuação do Estado - taxas e contribuições de melhoria - e não vinculados -
impostos. As outras contribuições, por revestirem ora o caráter de tributos vinculados, ora o
de impostos, não constituem categoria à parte, pelo que hão de subsumir-se numa das
espécies enumeradas".
11 FOLLONI, André Parmo. In: Tributação sobre o Comércio Exterior. São Paulo: Dialética, 2005,
p. 36 e ss. destacando-se: "Sob o ângulo da norma tributária (a relação jurídico-tributária e a
hipótese de incidência à qual é imputada) rigorosamente não há nenhuma diferença entre as
contribuições que existem no direito positivo brasileiro e os impostos. Não havendo diferença
a apontar, impossível outorgar natureza jurídica diversa. Serão, sob esse primeiro ponto de
vista, tributos com idêntica natureza jurídica. Tratemos primeiramente da hipótese e, em
seguida, do conseqüente normativo" (cit. p. 37-8).
R o b e r t o F erra z - 3 8 5
12 Roque Antonio Carrazza, em seu Curso..., ob. cit. p. 514, faz interessante observação de que, em
seu entender, revisando entendimento anterior, "as contribuições do art. 149 da CF não podem,
nem mesmo em tese, revestir a natureza de contribuição de melhoria, já que, pelas finalidades
que devem alcançar não se coadunam com a regra-matriz deste tributo (valorização imobiliária
causada por obra pública)". Nesse ponto discorda-se, pois se vislumbra a possibilidade de que
se configure intervenção no domínio econômico apoiada em contribuição de melhoria, isto é,
vinculada a obra pública que valorize imóvel. A esse respeito: Tributação Ambientalmente
Orientada e espécies tributárias no Brasil, in: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito Tributário
Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 333-353, especialmente item 5.4 e ss.
3 8 6 - A s E spéc ies T r ib u t á r ia s e a C la s s if ic a ç ã o d o s T r ib u t o s
13 M ACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29a ed. São Paulo: Malheiros, p. 65-6.
14 Vejam-se SOUSA, Rubens Comes de; ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros. Co
mentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: RT, 1975; e também COSTA, Alcides
Jorge. O Conceito de Tributo, Imposto e Taxa. RT 344/20.
R o b er to F erraz - 3 8 7
3.2. Verifica-se uma vez mais que pode haver um grande número de
classificações diferentes de tributo, todas elas corretas, conforme se ado
tem diferentes definições de tributo ou ainda diferentes notas distintivas
de suas espécies.
Naturalmente essas variantes ocorrerão conforme o aspecto que se pre
tende estudar ou destacar do tributo. Daí que Hugo de Brito Machado des
taque que: “Do ponto de vista da Ciência das Finanças podem ser feitas diversas
classificações para os tributos”ls.
Os tributos, além de poderem ser definidos eles mesmos de acordo com
variados aspectos (da Ciência das Finanças, do Direito Financeiro, do Direito
Administrativo, do Direito Tributário, da Economia, etc.) podem ser classifica
dos de acordo com muito variadas notas distintivas, conforme sejam, por exem
plo: de competência federal, estadual ou municipal; reais ou pessoais;
prevalentemente fiscais ou extrafiscais; sobre a renda, o patrimônio, o consumo,
etc. Haverá tantas categorias quantos forem os aspectos que se pretenda estudar.
5. C o n clu sã o
1 . M é t o d o s d e in t e r p r e t a ç ã o d a s c o n v e n ç õ e s c o n t r a a
DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
estes últimos, não referindo, entre outros, o princípio do efeito útil, segundo o
qual o tratado não contém disposições inúteis, e a regra contra proferentem,
que determina a interpretação contra a parte que a sugeriu ou redigiu de
qualquer disposição convencional obscura ou ambígua5.
De todo modo, deixam claro que o ponto de partida da interpretação é o
texto do tratado (acrescido de “avenças complementares, ainda que não escritas”6,
contemporâneas ou subsequentes à sua celebração —art. 31, alíneas 2 e 3) e que o
objetivo final do processo é a elucidação de seu conteúdo normativo, e não da
suposta vontade recôndita das partes7. Isso não exclui, na linha do art. 32, a per-
quirição subjetiva e a histórica (trabalhos preparatórios, v.g.), úteis para confirmar
a conclusão obtida com base no contexto ou para esclarecê-lo, nas circunstâncias
excepcionais de este ser obscuro ou conduzir a resultado absurdo.
VOGEL e PROKISCH8ressaltam que a CVDT não distingue para
fins de interpretação entre tratados-leis (que editam regras jurídicas válidas
pro futuro) e tratados-con tratos (que instrumentalizam operações jurídicas),
não predicando sequer para estes últimos a exegese voluntarista aplicável aos
contratos de Direito Privado9. Segundo os Autores, o afastamento desse mé
todo é tanto mais aconselhável para as convenções contra a dupla tributação
internacional (que incluem entre os tratados-contratos10) quanto se recorda
que não criam direitos e deveres só para os Estados-partes, mas também para
os particulares, assemelhando-se às leis, e que são cada vez mais modelados
segundo as prescrições da OCDE ou da ONU, o que lhes retira em grande
medida o caráter de ajustes recíprocos negociados caso a caso.
5 Essas regras são também referidas por MELLO (1994, vol. 1, p. 216). Para DIHN, DAILLIER e
PELLET, a regra do efeito útil está referida de forma implícita na menção do art. 31(1) da CVDT
ao objeto e ao fim do tratado.
6 A expressão é de REZEK (1984, p. 454).
7 Nessa linha, REZEK (1984, p. 454) e VO GEL e PROKISCH (1993, p. 73). DIHN, DAILLIER e
PELLET (1999, p. 237-238), apesar de fixarem como objetivo da interpretação a averiguação
da vontade das partes, sustentam que esta vem expressa no contexto do tratado, ressaltando,
ademais, que os trabalhos preparatórios têm pouco valor probante, por serem "caóticos" e em
regra "confidenciais". Em sentido contrário parece ir MELLO (1994, vol. 1, p. 215), ao afirmar
que o fim da interpretação é "verificar qual a verdadeira intenção dos contratantes".
8 1993, p. 67-68.
9 Até porque, acrescentamos, a distinção "vem padecendo de uma incessante perda deprestí
gio", devida, entre outras razões, pela inexistência de tratados contratuais em forma pura, dado
o caráter normativo de toda avença (REZEK, 2002, p. 28-29).
10 A nosso ver sem razão, dado o evidente caráter normativo destas. XAVIER (2002, p. 125) e
G O D Ó I (2002, p. 1004), apesar de negarem importância à distinção para fins de sua suprema
cia sobre a lei interna, também as classificam como tratados-leis. Na mesma linha vai a
I g o r M a u l e r S a n t ia g o - 3 9 7
jurisprudência do STJ, que daí retira a sua não submissão ao art. 98 do CTN (1a Turma, REsp.
n° 37.065/PR, Rel. Min. DEM ÓCRITO REINALDO, DJ 21.02.94), como também fez o Min.
CORDEIRO CERRA no RE n° 80.004/SE (Pleno, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQ UERQ UE, maio
ria, DJ 29.12.77, p. 9.433).
11 1951, p. 77-78 e 81.
12 A noção é também referida por REZEK (1994, p. 455), cuidando dos tratados em geral e
fazendo menção às cláusulas que importem limitação à soberania ou submissão a juízo arbitrai
ou permanente. Também MELLO (1994, vol. 1, p. 216) a menciona.
13 1993, p. 72.
14 1951, p. 13-14 e 17.
15 2001, p. 646.
3 9 8 - I n ter p r et a ç ã o d o s T ra ta d o s c o n t r a a D u p l a T r ib u t a ç ã o I n ter n a c io n a l
18 2002, p. 160.
19 "12. (...) The context is determined in particular by the intentíon o f the Contracting States when
signing the Convention as well as the meaning given to the term in question in the legislation of
the other Contracting State (an implicit reference to the principie o f reciprocity on wich the
Convention is based)." (2003, p. 76)
20 O que conduz a uma exegese voluntarista, sendo - aqui, sim, a nosso aviso - aplicável a crítica
de VO G EL e PROKISCH referida acima no texto.
21 Interessante notar que ospróprios Comentários não se arrogam esse status.No item 29 da sua
introdução, registra aO CDE que“although the Commentariesarenot designed to be annexed
in any manner to the conventions signed by Member countries, which unlike the M odel are
legally binding international Instruments, they can nevertheíess be o f great assistance in the
application and interpretation o f the conventions and, in particular, in the settlement o f any
disputes" (2003, p. 14-15).
22 1993, p. 609-610.
23 2002, p. 102.
4 0 0 - I n ter p r et a ç ã o d o s T ratad o s c o n t r a a D u p l a T r ib u t a ç ã o I n t er n a c io n a l
alínea 3, letra a). A proposta esbarra nas mesmas censuras expressas por VOGEL
quanto à versão coetânea à assinatura do tratado, aqui agravadas pelo fato de
que os novos Comentários, obviamente, sequer poderiam ter sido levados em
conta pelo Legislativo ao tempo do referendo.
GOUTHIÈRE30informa que a retroatividade em exame é rejeitada pelo
Conseil dE tat francês.
VOGEL31tampouco a aplaude, defendendo que o novo texto seja aco
lhido apenas como manifestação de opinião do Comitê Fiscal da OCDE, sem
qualquer efeito vinculante em relação aos tratados anteriores.
A retroação de novos Comentários, quando não devidos a alterações
substanciais no texto do dispositivo a que se referem, é recomendada pela
OCD E nos §§ 35 e 36 da Introdução aos Comentários, sob a justificativa
de que “they reflect the consensus o f the OECD Member countries as to theproper
interpretation o f existingprovisions and their application to specific situations”32.
Fica por definir o que seja uma alteração substantiva.
Ressalvando as cautelas que se deve ter na matéria, admitem ainda VOGEL
e PROKISCH a existência de um contexto entre diferentes tratados tributários,
mesmo que celebrados com países diferentes33.
Defendem, por fim, que as autoridades administrativas ou judiciais de
um Estado-parte levem em consideração as decisões tomadas pelos fiscos ou
tribunais do outro, só se afastando delas com apoio em fundamentação explí
cita e convincente. Referem exemplos dessa prática por parte de cortes neoze
landesas, canadenses e da Suprema Corte americana34.
Na forma da CVDT, devem ser levados em conta, juntamente com o
contexto, os acordos interpretativos celebrados entre os Estados-partes ao ter
mo de um procedimento amigável, nos termos do art. 25, alíneas 1, 2 e 3 (Ia
frase), do Modelo da OCDE/IRC35.
30 2001, p. 153.
31 2003, p. 968-970.
32 2003, p. 16.
33 1993, p. 70. G O U TH IÈR E (2001, p. 152) também alude a uma "m éthode comparative",
consistente na comparação de diferentes convenções com vistas ao esclarecimento de estipu-
lações obscuras. No mesmo sentido, ainda, TÔRRES (2001, p. 653).
34 1993, p. 63-64.
35 "Article 25. Mutual agreement procedure.
1. Where a person considers that the actions o f one or both o f the Contracting States result or
4 0 2 - I n ter p r et a ç ã o d o s T ra ta d o s c o n t r a a D u p l a T r ib u t a ç ã o I n ter n a c io n a l
2.1 . A pr esen ta ç ã o e d e f in iç õ e s
will result for him in taxation not in accordance with the provisions o f this Convention, he may,
irrespective o f the remedies provided by the domestic law o f those States, present his case to the
com petert authority o f the Contracting State o f which he is a residert or, if his case comes under
paragraph 1 o f Article 24 [non-discrimination], to that o f the Contracting State o f which he is a
national. The case must be presented within three years from the first notification o f the action
resulting in taxation not in accordance with the provisions o f the Convention.
2. The competent authority shall endeavour, if the objection appears to it to be justified and if
it is not itself able to arrive at a satisfactory soiution, to resolve the case by mutual agreement
with the competent authority o f the other Contracting State, with a view to the avoidance o f
taxation which is not in accordance with the Convention. Any agreement reached shall be
implemented notwithstanding any time limits in the domestic law o f the Contracting States.
3. The competent authorities o f the Contracting States shall endeavour to resolve by mutual
agreement any difficulties or doubts arising as to the interpretation or application ofthe Convention.
They may also consult together for the elimination o f double taxation in cases not provided for
in the Convention.
4. The com petent authorities o f the Contracting States may communicate with each other
directly, including through a joint commission consisting o f themselves or their representatives,
for the purpose o f reaching an agreement in the sense o f the preceeding paragraphs."
36 1984, p. 446-448. O Autor exige o referendo congressual, todavia, para a nem sempre
facilmente distinguível alteração do tratado - caso de alteração é, v.g., o previsto no art. 25,
alínea 3, 2a frase, dos Modelos da OCDE.
I g o r M a u l e r S a n t ia g o - 4 0 3
37 2001, p. 648.
38 "Article 4. Resident.
1. For the purposes o f this Convention, the term 'resident o f a Contracting State' means any
person who, under the laws o f that State, is liable to tax therein by reason o f his domicile,
residence, place o f management or any other críterion o f a similar nature, and aiso includes that
State and any political subdivision or local authority thereof. The term, however, does not
include any person who is liable to tax in that State in respect only o f income from sources in that
State or capital situated therein."
"Article 4. Domicile fiscal.
1. A u sens de Ia p resen te con ven tion , l'expression 'personne d om iciliée dans un État
contractant'désigne toute personne dont Ia succession ou Ia donation est, en vertu de Ia
législation de cet État. soumise à 1'impôt dans ce État en raison de son domicile, de sa résidence,
de son siège de direction ou de tout autre critère de nature analogue. Toutefois, cette expression
ne comprend pas les personnes dont Ia succession ou Ia donation n'est soumise à l'impôt dans
cet État que pour les biens qui y sont situés."
39 "Article 10, paragraph 3. The term 'dividends' as used inthis Article means income from shares,
'jouissance' shares or 'juissance' rights, mining shares, founder's shares or other rights, not being
debt-claims, participating in profits, as well as income from other corporate rights which is
subjected to the same taxation treatment as income from shares by the laws o f the State o f which
the companv makine the distribution is a resident."
40 2001, p. 644.
41 "Article 3, paragraph 2. As regards the application o f theConvention at any time by a Contracting
State, any term not defined therein shall, unless the context otherwise requires, have the meaning
that it has at that tim e u n d er the la w o f that State fo r the p u rp o se s o f the taxes
4 0 4 - I n ter p r et a ç ã o d o s T ra ta d o s c o n t r a a D u p l a T r ib u t a ç ã o I n t er n a c io n a l
to which the Convention applies, any meaning under the applicable tax laws o f that State
prevailing over a meaning given to the term under other laws o f that State."
"Article 3, alinéa 2. Pour l'application de la Convention par un État contractant, toute expression
qui n'y est pas définie a le sens que lui attribue le droit de cet Etat concernant les impôts
auxquels s'applique la Convention, à moins que le contexte n'exige une interprétation différente."
(OCDE/SD)
42 1993, p. 75.
43 Como fazem ambos os Modelos da O CDE quanto a estabelecimento permanente (art. 5 do
Modelo/IRC e art. 6 do Modelo/SD) e faz o Modelo/IRC relativamente a juros (art. 11, alínea 3),
royalties (art. 12, alínea 2) e diversas outras expressões.
Exemplo de combinação das técnicas de reenvio integrativo e definição autônoma é o art. 6,
alínea 2, do Modelo/IRC, segundo o qual:
"Article 6, paragraph 2. The term 'immovable p rop erty' shall have the meaning which it has
under the law o fth e Contracting State in which the property in question is situated. The term
shall in any case include property accessory to immovable property, livestock and equipment
used in agriculture and forestry, rights to which the provisions o f general law respecting
landed property apply, usufruct o f immovable p roperty and rights to variable or fixed payments
as consideration for the working of, or the right to work, mineral deposits, sources and other
natural resources; ships, boats and aircraft shall not be regarded as immovable property"
44 A informação é de VO G EL (1997, p. 209).
45 A assertiva é enunciada também por TÔRRES (2001, p. 647-648), que, entretanto, não a leva
ao extremo, admitindo a existência de expressões "cujo conteúdo é captável sem a necessida
de de qualquer reenvio".
I g o r M a u l e r S a n t ia g o - 4 0 5
46 Descrito em detalhe por W ARD (In: AVERY JONES, SINCLAIR, VAN RAAD, VO GEL e WARD,
1986, p. 77-78).
47 O art. 14, que previa tal categoria de rendimento, foi suprimido do Modelo/IRC, tendo em vista
as dificuldades interpretativas que ocasionava. Entretanto, disposições nele baseadas encon-
tram-se em diversas convenções ainda em vigor, como aquela que vincula o Brasil e a Alema
nha, referendada pelo Decreto Legislativo n° 72/75 e promulgada pelo Decreto n° 76.988/76.
É ver a sua redação:
"Artigo 14. Profissões Independentes.
1. Os rendimentos que um residente de um Estado Contratante obtenha pelo exercício de uma
profissão liberal ou de outras atividades independentes de caráter análogo só são tributáveis
nesse Estado, a não ser que o pagamento desses serviços e atividades caiba a um estabeleci
mento permanente situado no outro Estado Contratante ou a uma sociedade residente desse
outro Estado. Nesse caso, esses rendimentos são tributáveis nesse outro Estado.
2. A expressão 'profissão liberal' abrange, em especial, as atividades independentes de caráter
científico, técnico, literário, artístico, educativo e pedagógico, bem como as atividades inde
pendentes de médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, dentistas e contadores."
48 "Art. 12, paragraph 1. Royalties arising in a Contracting State and beneficiaily owned by a
resident of the other Contracting State shall be taxable only in that other State."
49 "Art. 17, paragraph 1. Notwithstanding the provisions of Articles 7 and 15, income derived by
a resident of a Contracting State as an entertainer, such as a theatre, motion picture, radio or
television artist, or a musician, or as a sportsman, from his personal activities as such exercised
in the other Contracting State, may be taxed in that other State."
4 0 6 - I n t e r p r e t a ç ã o d o s T r a t á d o s c o n t r a a D u p l a T r ib u t a ç a o I n t er n a c io n a l
54 É conferir o art. 3, alínea 1, letra c, do Modelo/IRC: "the term company means any body
corporate nr any entitv that is treated as a body corporate for tax ptirposes".
55 A menos que o caso não seja de reenvio integrativo puro, mas de miscigenação desta técnica
com a da definição autônoma, como no caso referido em nota precedente.
56 1997, p. 52. No mesmo sentido,BORRÁS RODRÍGUEZ (1979, p. 68).
57 1997, p. 52-53.
58 Postura que também seguimos.
59 No mesmo sentido, com base nas lições de VO GEL, vai SCHOUERI, (2002, p. 132-133).
4 0 8 - I n ter p r et a ç ã o d o s T ra t a d o s c o n t r a a D u p l a T r ib u t a ç ã o I n te r n a c io n a l
60 O Autor dá como exemplo a renda de um espólio, que nos EUA são atribuídos a este, ao passo
que na Alemanha pertencem aos herdeiros.
61 Ver parágrafos 32.3 a 32.5 dos comentários aos arts. 23 A e 23 B (2003, p. 240-241).
62 2002, p. 166. E embora discordemos da sua afirmação de que a qualificação no Direito
Tributário Internacional é idêntica à do Direito Internacional Privado.
63 As convenções ratificadas foram, na verdade, 24. Com a cisão da Tchecoslováquia em 1993,
porém, tanto a República Tcheca quanto a República Eslovaca sucederam o país no tratado
que mantinham com o Brasil desde 1991.
Ig o r M a u l e r S a n t ia g o - 4 0 9
mento amigável para a solução dos conflitos dela decorrentes64- embora seja
claro que tal mecanismo pode, nos demais casos, ser adotado com base em sua
previsão genérica, constante das disposições especiais do tratado (o já referido
art. 25 do Modelo/IRC).
Cuidando especificamente do dispositivo em tela, registra KOCH65que
constitui a causa maior de divergências na interpretação dos tratados.
VOGEL e PROKISCH66, reproduzindo a opinião do relator norue
guês para o Congresso da IFA de 1993, questionam se o dispositivo não cria
mais problemas do que resolve.
VOGEL, em sua obra principal, depois de afirmar que a O CD E acei
ta as interpretações divergentes que dele decorrem como inevitáveis67, chega
a declarar incrível que não tenha sido suprimido nas recentes revisões do
M odelo/IRC68.
O comando —inaugurado no Tratado Estados Unidos-Reino Unido de
1945, disseminado sobretudo pela prática convencional britânica e incluído
no Modelo da OCDE/IRC desde a sua primeira versão, de 196369- tem, é
certo, também a sua serventia.
BAUMGARTNER70, em 1951, afirmava que a remissão à lexfori era a
única alternativa que sobrava para o juiz diante de termos não definidos no
tratado e nos trabalhos preparatórios, se aquele quisesse manter-se nos lindes
da interpretação, sem resvalar na integração.
64 É ver o art. 3, alínea 2, do Tratado Brasil-Argentina, referendado pelo Decreto Legislativo n° 74/
81 e promulgado pelo Decreto n° 87.976/82:
"Art. 3, alínea 2. Para a aplicação da presente Convenção por um Estado Contratante, qualquer
expressão que não se encontre de outro modo definida terá o significado que lhe é atribuído
pela legislação desse Estado Contratante relativa aos impostos que são objeto da presente
Convenção, a não ser que o contexto imponha interpretação diferente. Caso os sentidos
resultantes sejam opostos ou antagônicos, as autoridades competentes dos Estados Contratan
tes estabelecerão, de comum acordo, a interpretação a ser dada."
Redação praticamente idêntica tem o art. 3, alínea 2, do Tratado Brasil-Equador, aprovado pelo
Decreto Legislativo n° 4/86 e promulgado pelo Decreto n° 75.717/88.
65 1981, p. 56.
66 1993, p. 77.
67 1997, p. 42.
68 1997, p. 209.
69 A resenha está em VO G EL (1997, p. 169). Afirma ainda o Autor (1997, p. 209) que ao tempo
da introdução do dispositivo, todos os tratados celebrados pelos EUA e pelo Reino Unido
baseavam-se no sistema do crédito, o que impedia que ele acarretasse dupla não tributação.
70 1951, p. 79-80.
4 1 0 - I n ter p r et a ç ã o d o s T ra ta d o s c o n t r a a D u p w T r ib u t a ç ã o I n ter n a c io n a l
71 1993, p. 77.
72 1993, p. 608.
73 O chamado princípio do efeito negativo dos tratados tributários, corolário do princípio da
legalidade da tributação (XAVIER, 2002, p. 138).
74 "Art. 21. Other income.
1. items o f income o f a resident o f a Contracting State, wherever arising, not deait with in the
foregoing Articles o f this Convention shall be taxed only in that State.
2. The provisions o f paragraph 1 shall not apply to income, other than income from immovable
property as defined in paragraph 2 o f Article 6, if the recipient o f such income, being a resident
o f a Contracting State, carries on business in the other Contracting State though a permanent
Ig o r M a u l e r S a n t ia g o - 4 1 1
establishment situated therein and the right or property in respect o f which the income is paid is
effectiveiy connected with such permanent establishment. In such case the provisions o f Article
7 shall apply."
75 Ambas as restrições são expressas por XAVIER (2002, p, 159-160) e TÔRRES (2001, p. 644 e
655-656), para quem, ademais, a remissão se faz apenas à lei reguladora dos tributos discipli
nados pela convenção, e não ao direito interno (ou sequer ao Direito Tributário) como um
todo. A ressalva não encontra mais apoio na redação do dispositivo, que, desde a alteração
sofrida em 1995, faz menção ao direito doméstico como um todo, apenas dando primazia para
as leis fiscais. Nesse sentido, o parágrafo 13.1 dos comentários da O CDE ao art. 3. Quanto à
primeira restrição, ver ainda VO GEL e PROKISCH (1993, p. 79-80). Em relação à segunda, a
visão de V O G EL é mais moderada, como se verá mais à frente no texto.
4 1 2 - I n ter p r et a ç ã o d o s T r a ta d o s c o n t r a a D u p l a T rib u ta ç Ao I n t er n a c io n a l
não resolve nada (visto que, se numa mesma situação os dois Estados tivessem
de aplicar o tratado, e cada um atendesse às leis do outro, o conflito se insta
laria da mesma maneira, com a diferença única de que com sinais invertidos)
e ofende a letra do art. 3, alínea 2, do Modelo/IRC, que determina que cada
país observe a sua própria lei.
O problema não é solucionado por VOGEL, ao incluir no contexto as
disposições aplicáveis de ambos os sistemas tributários76. E isso porque, ou elas
são coincidentes, e a referência ao contexto para evitar o recurso à lei interna é
inútil, ou são díspares, não formando um contexto harmônico e, assim, não
impedindo o reenvio.
De um modo geral, sustenta VOGEL77que, à falta de definição de um
termo no tratado, a remissão à lei interna só pode ser afastada quando o contexto
o exija, e não quando tão só o permita. Desse modo, a definição obtida com
arrimo na lei doméstica não cederia ante uma interpretação apenas razoável
decorrente do contexto, só o fazendo quando esta última se fundasse em razões
especialmente fortes. Em suma, nega o Autor que o dispositivo imponha um
dever de exaustão das possibilidades exegéticas da convenção antes do recurso
à lei local.
Não podemos concordar com a tese, por entendermos que o contexto de
um tratado exige, sempre que esta seja possível, leitura que o prestigie, não
nos parecendo coerente admitir que dê preferência à interpretação que con
trarie os fins por ele expressos e que lhe negue força vinculante, pondo-o em
desvantagem ante estipulações em contrário de leis locais.
Esse também o parecer de VAN RAAD78e de AVERY JONES79, o
qual dá o exemplo da definição de artistas e esportistas, para efeito do art. 17
do Modelo/IRC. Na sua visão, sendo certo que os Comentários discutem
amplamente o significado desses termos, dando-lhes acepção particular (para
incluir artistas de palco, mas excluir diretores de cinema, por exemplo80), fica
excluída pelo contexto (no qual inclui os Comentários) a aplicação da lei
76 1997, p. 215.
77 1997, p. 213-214.
78 In: AVERY JONES, SINCLAIR, VAN RAAD, VO G EL e WARD (1986, p. 80).
79 2001, p. 221.
80 O que, a bem dizer, decorre da letra do tratado, que usa a palavra inglesa artiste, em vez da mais
abrangente artist.
I g o r M a u le r S a n t ia g o - 413
interna, qualquer que seja o seu conteúdo. Nesse sentido, ainda, decisão da
Corte Fiscal alemã mencionada por SCHOUERI81, na qual ficou dito que “o
recurso ao direito interno somente será permitido e obrigatório quando for
impossível uma interpretação a partir do próprio acordo”.
2 .3 . A INTERPRETAÇÃO DO ART. 3 , ALÍNEA 2 , DO M O DELO /IRC
Há mais de vinte anos, uma corrente de juristas vem se esforçando para
dar ao dispositivo uma exegese que vá além da sua mera literalidade, de modo
a evitar que a remissão do intérprete, em todo e qualquer caso, ao seu direito
local, solapasse a eficácia das convenções tributárias.
O objetivo é definir que Estado - e principalmente a partir de que crité-
rios: os seus próprios ou os do outro contratante - pode enquadrar as situações
da vida nas diversas disposições convencionais que remetem à lei local (reenvio
integrativo ou interpretativo).
A reação contra a interpretação literal do dispositivo em exame partiu de
AVERY JONES e seu International Tax Group9,2. A viga-mestra de sua teoria
é um particular conceito de aplicação (lembre-se que é ao Estado que aplica
o tratado que se reconhece o direito de, sendo o caso, interpretar as definições
convencionais à luz de sua lei local). Para o Autor83, aplicar uma norma signi
fica pô-la em contato com os fatos, colocá-la em prática.
A seu juízo84, no que tange à qualificação dos rendimentos, a não ser no
caso dos serviços civis previstos no art. 19 do Modelo/IRC8S, é sempre o Es
81 1995, p. 38.
82 A informação está em V O G EL (2003, p. 972). Nestetrabalho,seguiremos as exposições do
pensamento do Autor constantes de European Taxation e dos CDFI LXXVIIIa, ambos de 1993.
Para diferenciá-los, referiremos o primeiro pelo ano e mês de sua publicação.
83 1993 (august), p, 254. No relatório do CDFI (1993, p. 609), AVERY JONES dá conceito ainda
mais restritivo de aplicação, dizendo que "significa que um Estado está fazendo algo em razão
do tratado que não faria com base na sua lei interna". A se adotar esta acepção, nem o Estado
da fonte aplicaria o tratado, quando este lhe atribuísse poder para tributar livremente o
rendimento (i.e., sem redução de alíquota pela submissão a um teto).
84 Para este parágrafo e o próximo: 1993, p. 608.
85 Conforme referido por VO GEL e PROKISCH (1993, p. 78).Veja-se aletra do dispositivo:
"Article 19. Government Service.
1. a) Salaries, wages and other similar remuneration, other than a pension, paid by a Contracting
State or a political subdivision or a local authority thereof to an individual in respect o f services
rendered to that State or subdivision or authority shall be taxqble only in that State,
b) Hnwever. such salaries. waees and other similar remuneration shall be taxable only in the other
Contracting State if the services are rendered in that State and the individual is a resident o f that
State w ho:
4 í 4 - I\ . ERPRETAÇÃO DOS TRATADOS CONTRA A ÜUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
tado da fonte quem aplica o tratado, razão por que somente este pode, sendo
o caso, invocar a sua lei doméstica.
Ao Estado da residência, para os fins da alínea 1 do art. 23 A ou B do
Modelo/IRC86, cabe no máximo aferir se o primeiro tinha mesmo - na forma
da convenção e de sua própria (do Estado da fonte) lei interna - poder para
tributar o rendimento, tal como ali qualificado. Ao fazê-lo, sempre na visão
do Autor, não aplica o tratado, mas somente o lê, para verificar se a outra parte
o aplicou de forma correta. Se a conclusão for positiva, fica obrigado a conce
der a atenuação, ainda que, com base em sua lei interna, devesse enquadrar o
rendimento em categoria intributável na origem.
Um exemplo clareia o horizonte: uma empresa residente no Estado A
(que considera as partnerships fiscalmente opacas87) vende os direitos que de
tém sobre uma partnership estabelecida no Estado B (que as considera trans
parentes). O Estado B trata a operação como venda dos ativos da partnership
93 1993, p. 77.
94 AVERY JONES, SINCLAIR, VAN RAAD, VO GEL e W ARD (1986, p. 78).
95 1993, p. 259-293. Ver, em especial, p.279-286.
96 DÉRY e W ARD (1993, p. 281-282),
Ig o r M a u ler S a n tia g o - 4 1 7
(/) any individual possessing the nationality or citizenship o f that Contracting State; and
(ii) any legal person, partnership or association deriving its status as such from the laws in force
in that Contracting State."
1 07 A resposta à questão será relevante para enquadrarem-se ou não os ganhos atribuíveis a este
escritório como lucros de um estabelecimento permanente, tributáveis no Estado da fonte.
Ig o r M a u ler S a n t ia g o - 4 2 1
mos em que essa é a solução que se impõe mesmo para os tratados que não contêm
a locução adverbial de tempo, como aqueles que seguem o Modelo/SD e todos,
menos dois108, dos firmados pelo Brasil em matéria de impostos sobre a renda e o
capital. E isso não só porque essa é a atitude que melhor compatibiliza o tratado
com o direito interno109, aliás especialmente dinâmico nessa matéria; que mais
prestigia a interpretação sistemática do próprio Modelo/IRC, que, no art. 2, alí
nea 4, impõe aos Estados trocarem informações a respeito da evolução de suas
legislações tributárias110; ou que se impõe para os dispositivos que requerem o
reenvio integrativo111, mas também porque nos parece que, se a intenção fosse
congelar as definições veiculadas pelas leis locais quando das negociações, muito
mais lógico e eficiente seria transcrevê-las no texto do tratado.
A primazia dada, para efeito de aplicação do art. 23 do Modelo/IRC, à
qualificação feita, com base em suas próprias leis, pelo Estado da fonte, põe em
situação de fragilidade o Estado da residência, na hipótese de aquele, com vistas a
aumentar às expensas deste a sua arrecadação, decidir alargar as definições internas
das categorias convencionais que pode tributar (com ou sem exclusividade), des
truindo o equilíbrio estabelecido no momento da negociação do tratado. A esta
conduta, que não se confunde com o treaty override (já que não se trata de contra
riar o texto do tratado, mas apenas de manipular as leis cuja aplicação ele mesmo
requer), tem-se dado o nome de treaty dodging ou treaty circumvention112-m .
1 08 As exceções são os tratados celebrados com Portugal - aprovado pelo Decreto Legislativo n°
188/2001 e promulgado pelo Decreto n° 4.012/2001 - e com o Chile, aprovado pelo Decreto
Legislativo n° 331/2003 e promulgado pelo Decreto n° 4.852/2003. Confira-se o dispositivo
relevante do Tratado Brasil-Portugal:
"Art. 3, alínea 2. No que se refere à aplicação da Convenção, num dado momento, por um
Estado Contratante, qualquer termo ou expressão que nela não se encontre definido terá, a não
ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse
momento pela legislação desse Estado que regula os impostos a que a Convenção se aplica,
prevalecendo a interpretação resultante desta legislação fiscal, na definição dos respectivos
efeitos tributários, sobre a que decorra de outra legislação deste Estado."
Sem embargo de pequenas diferenças redacionais, o tratado com o C hile contém norma
essencialmente igual.
109 Como realça XAVIER (2002, p. 162).
110 Como aponta TÔRRES (2001, p. 659). VO GEL e PROKISCH (1993, p. 64)informam que o art.
2(2) da US Treasury M odel Convention determina que os Estados-partes informem um ao outro
as modificações relevantes feitas em suas leis tributárias, bem como todo material relativo à
aplicação do tratado, como instruções internas, consultas e decisões judiciais.
111 Como lembra, sem usar essa terminologia, VO GEL (1997, p. 64).
112 Ver VO GEL (1997, p. 65-67); AVERY JONES (1993, p. 609-610); SINCLAIR (In:AVERY JONES,
SINCLAIR, VAN RAAD, VO GEL e WARD, 1986, p. 85); DÉRY e W ARD (1993, p. 285).
113 A noção é incorporada aos Comentários da O C D E ao Modelo/IRC, como se verifica no
seguinte parágrafo, referente ao art. 3, alínea 2:
4 2 2 - In te r p r e ta ç ã o d o s T ratado s c o n tr a a D u pla T r ib u t a ç ã o I n t e r n a c io n a l
"13. Consequently, the wording o f paragraph 2 provides a satisfactory balance between, on the
one hand, the need to ensure the permanency o f commitments entered into by States when
signing a convention (since a State should not be allow ed to make a convention partiallv
inoperative bv amendins afterwards in its domestic law the scope o f terms not defined in the
Convention ) and, on the other hand, the need to be able to apply the Convention in a
convenient and practical way over time (the need to refer to outdated concepts should be
avoided)." (2003, p. 76).
114 "Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno como justificativa para o
inadimplemento de um tratado."
115 CVDT, art. 60, alínea 3, letras a e b.
11 6 CVDT, art. 62, alínea 1, caput e letras a e b.
Ig o r M a u ler S a n t ia g o - 4 2 3
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4) Tributação
Legislação
A Prestação do Serviço
como Fato Gerador
das Contribuições
Previdenciárias
O Artigo 43, § 2o da Lei 8.212/
91 como Lei Interpretativa
1. In tro dução
1 Cf. o excelente apanhado histórico da expressão fato gerador em SCHOUERI, Luís Eduardo "Fato
gerador da obrigação tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito Tributário - Home
nagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003, vol. I, p. 125- 173.
4 3 0 - A P r es t a ç ã o d o S e r v iç o c o m o F a t o G e r a d o r d as C o n t r ib u iç õ e s .
3 Cf., dentre outros, BIN, Roberto; PITRUZZELLA, Giovanni. Dirítto Pubblico. 5a ed. Torino: C.
Giappichelli, 2007, p. 252; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamen
tos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 47; COSTA, Adriano Soares da. Teoria
da Incidência da Norma Jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 1-10, passim; GRAU, Eros
Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 17, 69-72; JORI, Mario; P1NTORE, Anna. Manuale di Teoria Cenerali dei Dirítto. 2a ed.
Torino: G . Giappichelli, 1995, p. 240.
4 3 2 - A P r es t a ç ã o d o S e r v iç o c o m o F a t o G e r a d o r da s C o n t r ib u iç õ e s .
gerador do tributo. Não é o crédito contábil que faz nascer a obrigação tribu
tária previdenciária-, o mero registro contábil ou o mero preenchimento da
obrigação acessória (GFIP), não tem tal aptidão, mormente porque ele pode
ser fraudado. O crédito em questão é de natureza jurídica.
Se o raciocínio da escrituração/declaração fosse procedente, os tributos
nasceriam da DCTF, da GFIP etc., o que seria um absurdo. Obrigações aces
sórias ou meros deveres de contabilizar na folha de pagamento não são fatos
geradores da obrigação tributária principal.
Assim é que Fábio Zambitte Ibrahim, ao falar em remunerações devidas
ou creditadas, frisa que as empresas não poderão deixar de pagar as contribui
ções previdenciárias alegando que não remuneraram os seus empregados. Ele
também entende que o fato gerador é a prestação do serviço onerosa (que gera
a remuneração), concluindo: “O que interessa é o crédito jurídico, não o efe
tivo pagamento”4. A doutrina é categórica quando, endossando a tese do cré
dito jurídico, aduz que não se faz necessária a declaração formal (contábil) de
sua existência, basta que o trabalhador tenha direito à remuneração5.
Quando a Constituição Federal e a Lei 8.212/91 se utilizam da expressão
“creditadas”, elas se referem à remuneração devida (daí a redundância do termo
na Lei de Custeio, meramente declaratório), pois, com a prestação do serviço,
surge a obrigação do devedor e, em conseqüência, o direito do credor à remune
ração. Crédito é um direito que se tem em face do devedor; não significa que o
credor tenha que receber o dinheiro (pagamento), tendo o crédito saldado ou
extinto. Para esse caso, o vocábulo legal adequado é “pagos”, o que pressupõe
4 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 9a ed. Niterói: Impetus, 2007, p. 193.
5 MARTINEZ, Wladimir Novaes. O Salário-de-Contribuição na Lei Básica da Previdência Social.
São Paulo: LTr, 1993, p. 110-111; IBRAHIM, Fábio Zambitte. O fato gerador da contribuição
previdenciária patronal incidente sobre remunerações pagas, devidas ou creditadas e seu
prazo de reco lh im en to, R D D T 64/64; IB R A H IM , Fábio Zam bitte. C u rso de D ireito
Previdenciário, 9a ed., p. 253; SILVA, Alexandre de Azevedo. O fato gerador da contribuição
previdenciária e seus desdobramentos no âmbito da execução na Justiça do Trabalho,
Revista do TRT 10* Região 12/78; KONKEL JUN IO R, Nicolau. Contribuições Sociais: doutrina
e jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 169, 206 e 233; VELLO SO , Andrei
Pitten. In: VELLOSO , Andrei Pitten; ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUN IO R, José
Paulo. Comentários à Lei do Custeio da Seguridade Social. Porto Alegre: Livraria do Advoga
do, 2005, p. 111; JO RGE, Társis Nametala Sarlo. O Custeio da Seguridade Social. 2a ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 63; LEITÃO, André Studart. In: BALERA, Wagner (coord.).
Previdência Social Comentada: Lei 8.212/91 e Lei 8.213/91. São Paulo: Quartier Latin, 2008,
p. 28 5; D IA S, Eduardo Rocha; M A C ÊD O , José Leandro Monteiro de. Curso de Direito
Previdenciário. São Paulo: Método, 2008, p. 444; O LIVEIRA, Lamartino França de. Direito
Previdenciário. 2 a ed. São Paulo: RT, 2006, p. 66-67.
E d u a r d o F o r t u n a t o B im - 4 3 3
ro, mas apenas o recebimento do devido pelo trabalhador. E se esse não qui
sesse receber, tampouco se poderia falar de fato gerador, vez que não houve
pagamento, exceto mediante consignação em pagamento ao devedor.
A segunda situação absurda afrontaria os mais elementares princípios de
direito tributário. Com efeito, se fosse assim, caso o tomador de serviço nunca
pagasse os seus prestadores de serviço ele jamais seria devedor de contribui
ções previdenciárias. Assim, a exação tributária estaria dependente única e
exclusivamente da vontade do contribuinte, o que seria um absurdo.
O Superior Tribunal de Justiça, pelo voto da lavra do Ministro José
Delgado, percebeu o absurdo dessa tese no REsp 221.362/RS9, ao endossar o
entendimento de que se a tese do pagamento fosse correta, “deixaria de existir
um recolhimento mensal à Previdência, pois os empregados poderiam ser pagos
(formalização através da folha de pagamento) ou creditados trimestral, semestral
ou anualmente. Somente com esse argumento vê-se o absurdo da tese
invocada”. Segundo o TRT da 15a Região, a tese do pagamento “beneficiaria
o empregador que não cumpre suas obrigações legais e incentivaria ainda mais
o descumprimento da legislação trabalhista”10.
Tal exegese deixaria o contribuinte se beneficiar da sua própria torpeza,
tanto em relação ao crédito tributário quanto à proteção do trabalhador, por
que ele poderia não pagar o trabalhador apenas para não recolher o tributo,
uma vez que o fato gerador não teria ocorrido. Seria um prêmio ao emprega
dor inadimplente, causando inclusive prejuízos aos direitos trabalhistas lato
sensu, permitindo, desse modo, a manipulação da data de nascimento das con
tribuições previdenciárias ao seu bel prazer.
Se nem mesmo nos casos de parcelamento e de denúncia espontânea
existe a dispensa de juros moratórios, mais absurda se afigura a situação da sua
dispensa nos casos de inadimplemento da remuneração relativa à prestação
dos serviços11.
9 STJ, 1a T., V .U ., REsp 221.362/RS, rel. Min. José Delgado, j. em 09/11/1999, DJU 17/12/
1999, p. 332.
10 TR T da 15a Região, 6a Turma (11a Câmara), AP 00990-1996-005-1S-86-2 (008858/2005-
PATR), rel. Des. Fany Fajerstein, j. em 22/02/2005, DJ 11/03/2005.
11 "CON TRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. JUROS E MULTA MORATÓRIA. FATO GERADOR. CONS
TITUIÇÃO EM MORA. O fato gerador das contribuições previdenciárias ocorre com a presta
ção de serviços (art. 30, I, 'b', da Lei 8.212/91), razão pela qual a constituição em mora nasce
no momento em que se torna devida a remuneração pela prestação dos serviços, ainda que não
E d u a r d o F o r t u n a t o B im - 4 3 5
pagos os salários ou demais consectários legais, pois a sua exigibilidade ocorre a partir do
momento em que deveriam ter sido pagos à época, e não após a sentença trabalhista, em
execução. Entendimento contrário implicará benefício ao empregador inadimplente, pois haverá
dispensa judicial dos juros e da multa moratória, que nem sequer ocorre nos casos de parcelamento
ou denúncia espontânea." (TRT da 12a Região, 2a T., AP 01459-2007-038-12-01-5, rel. Juíza
Sandra Mareia Wambier, j. em 15/04/2009, D O E 08/05/2009 - grifou-se)
12 M ACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional (arts. 96 a 138). São
Paulo: Atlas, 2004, vol. II, p. 441.
4 3 6 - A P r e s t a ç ã o d o S e r v iç o c o m o F a t o G e r a d o r d a s C o n t r ib u iç õ e s ..,
13 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARl, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 8a
ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 223-224 - destacou-se.
14 STJ, 1a T., v.u., REsp 501.918/SC, rel. Min. Luiz Fux, j. em 21/08/2003, DJU 15/09/2003, p.
254 - grifos nossos. No mesmo sentido, cf. STJ, 1a T., v.u., REsp 419.667/RS, rel. Min. Luiz Fux,
j. em 11/02/2003, DJU 10/03/2003, p. 97; STJ, 1a T., v.u., REsp 478.465/SC, rel. Min. José
Delgado, j. em 25/03/2003, DJU 12/05/2003, p. 226.
E d u a r d o F o r t u n a t o B im - 4 3 7
15 STJ, 1a T., v.u., REsp 221.362/RS, rel. Min. José Delgado, j. em 09/11/1999, DJU 17/12/1999,
p. 332.
16 STJ, 2a T., v.u ., REsp 502.650/SC, rel. Min. Eliana Calmon, j. em 16/12/2003, D JU 25/02/
2004, p. 149. No mesmo sentido, cf.: REsp 381.367/RS, REsp 685.698/RS, REsp 686,728/SC,
REsp 72 5.119/SC, REsp 384.372/RS.
17 UCKM AR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. 2a ed. Tradução de
Marco Aurélio Greco. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 67.
18 RO CHA, Cármen Lúcia Antunes. O Princípio Constitucional da Igualdade. Belo Horizonte:
Jurídicos Lê, 1990, p. 39.
4 3 8 - A P r e s t a ç ã o d o S e r v iç o c o m o F a t o G e r a d o r d a s C o n t r ib u iç õ e s .
19 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 6a ed. São Paulo:
LTr, 2008, tomo I, p. 509.
E d u a r d o F o r t u n a t o Bim - 441
no qual está inserido o dispositivo legal, fala sobre recolhimento, não sobre
fato gerador ou criação da obrigação tributária.
Observe-se que a possibilidade de recolher até o dia 20 do mês seguinte ao
da competência mostra que passada tal data (dia 20 da competência) há mora.
A Lei não se refere a qualquer tipo de dia 20, mas ao dia 20posterior ao da competên
cia. Mês seguinte ao da competência significa “mês imediatamente posterior ao
da prestação do trabalho”20. Se a sentença vem depois da competência, há inegá
vel mora desde a competência na qual houve a prestação do serviço.
O artigo 276 do Decreto, ao citar o dia dois do mês seguinte ao da
liquidação da sentença, não pretendeu (e nem poderia, sob pena de atentado
ao princípio da legalidade) alterar o fato gerador das contribuições previden
ciárias que ocorre com a prestação do serviço, mas apenas colocar um termo
para o devedor quitar a sua dívida - que hoje é o dia 20, por força legal (Lei
8.212/91, art. 30, I, b). Como não existiria competência na sentença traba
lhista de liquidação - o crédito já estaria vencido -, o Decreto estipulou um
prazo a partir dela, evitando-se a insegurança para o devedor, mas não impon
do uma moratória ou anistia.
Sabe-se que o prazo para recolher o tributo pode ser regulado por outro
veículo que não a lei21, mas apenas no que concerne ao dia do mês - pode
escolher qualquer um sem desvirtuar a mensalidade do aspecto temporal do
fato gerador das contribuições previdenciárias. Não pode o veículo infralegal
postergar ad infinitum o cumprimento da obrigação tributária ou deixá-lo ao
sabor das circunstâncias (v.g., propositura da ação perante a Justiça do Traba
lho), especialmente da vontade do contribuinte, como quer a exegese do artigo
276 do Decreto 3.048/99, que reconhece o pagamento, mesmo que seja diferi
do com o parcelamento, como o fato gerador das contribuições previdenciárias.
Nicolau Konkel Junior - antes de defender que é irrelevante para a inci
dência da contribuição o efetivo pagamento da remuneração - confirma a
mensalidade, independentemente do pagamento, aduzindo que a previsão do
20 STUDART, André. In: BALERA, Wagner (coord.). Previdência Social Comentada: Lei 8.212/91
e Lei 8.213/91, 2008, p. 161.
21 Exemplificadamente, cf.: STF, Pleno, RE 154.273, rel. Min. limar Calvão, j. em 21/06/1995,
D/U 14/06/1996, p. 21.077; STF, Pleno, RE 172.394, rel. p/ ac. Min. limar Galvão, j. em 21/
06/1995, RTJ 176/2/894; STF, Pleno, RE 140.669/PE, rel. Min. limar Galvão, j. em 02/12/
1998, RT) 178/1/361; ST], 2 a T., v.u., AR no AR no REsp 846.744/RS, rel. Min. Humberto
Martins, j. em 18/12/2008, D/e 13/02/2009.
E d u a r d o F o r t u n a t o B im - 4 4 3
gais (art. 114, VIII). Acréscimos legais que decorrem das contribuições pre
vistas no dispositivo. A Constituição frisou os acréscimos legais porque natu
ralmente eles preexistem à sentença trabalhista, consagrando o regime de
competência-, se eles somente surgissem com ela, a previsão seria desnecessária,
resolvendo-se a questão com a regra de que o acessório segue o principal.
Mesmo com a inserção na Lei 8.212/91 do § 3o no artigo 432S, tal
quadro não se altera, por várias razões.
Primeiro porque ele preceitua que as contribuições são apuradas com
referência ao período da prestação de serviços. Em segundo lugar, como se isso
não bastasse, ainda há a expressa referência aos acréscimos moratórios relativos
às competências abrangidas, evidenciando o regime de competência. A refe
rência às competências abrangidas veda a tese de que o fato gerador seria
somente o pagamento porque implicaria na exclusão dos acréscimos morató
rios relativos às competências abrangidas, já que o acréscimo moratório so
mente incide de uma só vez, após a intimação da sentença de liquidação.
Não se pode fazer exegese dos dispositivos infraconstitucionais para al
terar o alcance da Constituição. A interpretação deve ser da Constituição para
a legislação infraconstitucional. Não se pode usar o artigo 276 do Decreto
3.048/99 ou o § 3o do artigo 43 da Lei 8.212/91 para desvirtuar o conceito
de crédito previsto na Constituição, reduzindo-o ao de pagamento. O alcance
da norma constitucional não deve ser alterado somente porque as contribui
ções estão sendo cobradas na Justiça do Trabalho. O fato gerador das contri
buições previdenciárias é o mesmo, abrangendo não somente as verbas pagas,
mas também as creditadas.
Pretender que o fato gerador das contribuições previdenciárias na Jus
tiça do Trabalho seja apenas o pagamento, é reduzir o alcance da norma
constitucional (art. 195, I) sem nenhum motivo para tanto, fazendo tábula
rasa da expressão creditados. Como se isso não fosse suficiente, a própria
27 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, 5a ed. São Paulo: Sarai
va, 2003, p. 71. Cunhador dessa expressão, José Carlos Barbosa Moreira, estigmatizando a
equivocidade desta postura hermenêutica, aduziu: "Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se
um véu sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a despeito destas, a disciplina
da matéria, afinal das contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. E um tipo de
interpretação a que não ficaria mal chamar 'retrospectiva': o olhar do intérprete dirige-se
antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da
realidade que uma sombra fantasmagórica." (O Poder Judiciário e a efetividade da nova
Constituição. RF 304/152).
E d u a r d o F o r t u n a t o Bim - 449
6 . O a r t i g o 4 3 , § 2 o d a Lei 8.212/91 c o m o n o rm a
MERAMENTE INTERPRETATIVA
29 STF, Pleno, v.u., ADI-MC 605/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. em 23/10/1991, RT) 145/463. A
previsão da anômala competência para expedir leis interpretativas já vinha prevista na Constitui
ção do Império (art. 15, VIII), sendo reconhecida pelo Código Tributário Nacional (art. 106, I).
30 STF, Pleno, v.u., HC 89.976/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, j. em 26/03/2009, DJe 24/09/2009
("Considero não haver aplicação retroativa da regra contida no art. 44, caput, da Lei n° 11.343/
06, ao presente caso, eis que o sistema jurídico anterior ao seu advento já não permitia a
substituição da pena corporal por pena restritiva de direito em relação aos crimes hediondos
e a eles equiparados").
31 "A configuração da interpretação autêntica impõe que o ato interpretativo emane da mesma
fonte de produção normativa e ostente o mesmo grau de validade e de eficácia jurídica da regra
de direito positivo interpretada." (voto do Min. Celso de Mello na ADi-MC 605)
E d u a r d o F o r t u n a t o B im - 4 5 1
de interpretar algo. Deve haver justa causa para a lei interpretativa. Esta
deve consistir na insegurança decorrente da divergência no âmbito de sua
aplicação, com posicionamentos divergentes, sem pacificação em sua aplica
ção. Hugo de Brito Machado parece abonar a justa causa como divergência
interpretativa sobre o alcance da lei ao doutrinar:
“E razoável, portanto, admitir que o legislador, uma vez instaurada a
divergência a respeito da interpretação de uma lei, possa editar uma lei
nova com o objetivo de esclarecer o sentido e o alcance da lei anterior,
aplicando-se o entendimento consagrado na lei nova para a solução dos
casos ocorridos desde o início da vigência da lei interpretada. Com isso
se evitariam os longos e penosos processos judiciários, que se arrastam
por muitos e muitos anos, envolvendo inclusive ações rescisórias, com os
quais as partes buscam tratamento isonômico.”32
É exatamente o caso do nascimento das contribuições previdenciárias
aqui retratado, com o conseqüente termo inicial para juros e multa. O STJ
decide de uma maneira, a maioria da Justiça do Trabalho de outra (mesmo
após as Leis 9.528/97 e 9.878/99), justificando a excepcional intervenção do
legislador a esse título. “Só é lei interpretativa aquela que adota um dos signi
ficados possíveis da lei interpretada. Em especial, significado que tenha sido
enunciado em manifestações jurisprudenciais reiteradas, em contraposição a
outras manifestações que atribuam significado diverso para a mesma lei”33.
O fato de a legislação (Lei 11.941/09, art. 26) não ser expressamente
interpretativa não constitui óbice para o reconhecimento da lei interpretativa.
Interpretativa é aquele diploma que não inova. Se inova, não será interpreta
tiva ainda que expressamente diga que o é.
Segundo Hugo de Brito Machado, se a lei se limita a esclarecer o sentido
da anterior, “não é necessário dizer expressamente que apenas está interpre
tando a lei anterior. Sendo possível encontrar na lei anterior regra jurídica
contida na lei nova, que apenas se expressa de forma mais clara, tem-se uma
lei interpretativa”34. Por isso o STF, no H C 89.976/RJ35, entendeu que não
7 . P o s s ib il id a d e d e a p l ic a ç ã o a n a l ó g ic a d a d o u t r in a
DO JUDICIAL DEFERENCE (CHEVRON DOCTRINE): PARECER
2 .9 5 2 / 0 3 / M P A S e in s t r u ç õ e s n o rm a tiv a s d a
(IN IN S S / D C 100/03,
A d m in is t r a ç ã o T r ib u t á r ia
SR P 0 3 / 0 5 E, ATUALMENTE, RFB 971/09)
36 ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. Uma nota sobre el interés general como concepto jurídico
indeterminado. Revista do Tribunal Regional Federal da 4 a Região 25/31, nota 10 - tradução livre.
37 SCALIA, Antonin. Judicial deference to administrative interpretations of law. Duke Law Journal,
vol. 1989, n° 3, Twentieth Annual Administrative Law Issue, p. 511 e 515.
E d u a r d o F o r t u n a t o B im - 4 5 3
ciárias, o que foi super aclarado (lei interpretativa) em 1997 e 1999 - pela
inserção do termo “devidas” - e novamente reforçado em 2008 - com a
inserção do § 2o do artigo 43 da Lei 8.212/91.
Poder-se-ia argumentar que o fato de existirem leis interpretativas seria
claro sinal de que haveria dubiedade, mas o que ocorre está bem longe disso.
Trãta-se de mero desrespeito ao teor legal/constitucional. Por isso, defende-se
que a aplicação da doutrina Chevron ocorre por analogia, não de forma direta.
O segundo passo (step two) da doutrina Chevron seria a razoabilidade da
regulamentação legal38. Frise-se que, com talvez uma exceção (A T& T Corp.
v. lowa Utilities Board), a Suprema Corte nunca invalidou uma construção do
Executivo com base no segundo passo39. Admitindo-se, ad argumentadum
tantum, que haveria lacuna, vamos ver como a Administração Pública vem
tratando da matéria.
A matéria atinente ao fato gerador das contribuições restou elucidada no
Parecer 2.952, da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência e Assis
tência Social (DOU 17, de 23/01/2003, p. 38-39), aprovado pelo Ministro
de Estado, com a seguinte ementa:
“SEGURIDADE SOCIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DA
EMPRESA E CONTRIBUIÇÃO DO EMPREGADO. FATO
GERADOR. OCORRÊNCIA COM A EFETIVA PRESTAÇÃO
DO SERVIÇO. O fato gerador da contribuição previdenciária da em
presa incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos e contri
buição do empregado sobrevêm com a efetiva prestação do serviço, quan
do surge para a empresa o dever de remunerar o trabalhador. Inteligência
dos artigos 22, inciso 1,28 e 30, da Lei n° 8.212, de 24 dejulho de 1991.”
Admitindo-se, por analogia, a ambigüidade na lei, ela teria sido resol
vida pelo próprio órgão estatal destinado a tutelar a previdência social, ou
seja, o Ministério da Previdência Social, que é o órgão técnico extremamen
te especializado para tais questões, mormente quando se pronuncia por suas
ramificações técnicas, no caso a Consultoria Jurídica, gerando a aplicação da
doutrina do judicial deference ou Chevron.
38 SCALIA, Antonin. Judicial deference to administrative interpretations of law. Duke Law Journal,
vol. 1989, n° 3, Twentieth Annual Admihistrative Law Issue, p. 512.
39 Segundo M AGILL, M. Elizabeth. In: DUFF, John F.; HERZ, Michael (eds.). A Cuide to Judicial
and Political Review o f Federal Agencies. Chicago: American Bar Association, 2005, p. 86.
454 - A P re s ta ç ã o d o S e rv iç o c o m o F a to G e r a d o r das C o n trib u iç õ e s ..
40 "Art. 48. Fica mantida, enquanto não modificados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil,
a vigência dos convênios celebrados e dos atos normativos e administrativos editados: I - pela
456 - A P re s ta ç ã o d o S e rv iç o co m o F a to G e r a d o r das C o n trib u iç õ e s .
8 . C o r o l á r i o d o n a s c im e n t o d a s c o n t r i b u i ç õ e s
PREVIDENCIÁRIAS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO: JUROS E
MULTA A PARTIR DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO
devem ser aplicados os juros a partir de tal data porque o termo inicial dos
juros é o atraso.
Mas qual juros? Certamente o previsto na legislação tributária (Lei 8.212/
91, art. 3544), a Selic4S. Se não bastasse a legislação tributária nesse sentido, a
Consolidação das Leis do Trabalho (art. 879, § 4o) também é categórica: “A
atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios esta
belecidos na legislação previdenciária”.
Não se afinaria com a ordem jurídica considerar como fato gerador a
prestação de serviços e aplicar os juros Selic somente depois da intimação da
sentença trabalhista de liquidação (ou do seu trânsito) ou da data do cumpri
mento do acordo. O argumento de que não se pode computar juros Selic de
um débito tributário que não existia ou não era de conhecimento do contri
buinte peca pelas mesmas razões da tese do pagamento, sendo apenas uma
maneira de escamotear a sua adoção.
O juro tributário é ex re, ou seja, automático, não depende de interpela
ção (CTN, art. 161), motivo pelo qual ele não depende da intimação de ne
nhuma sentença, ainda que trabalhista. Por isso não procede o argumento de
que não se pode confundir a data de constituição da obrigação com data de
configuração em mora.
Os juros trabalhistas nada têm a ver com os tributários previdenciários.
A própria diferença de natureza entre ambos os créditos desautoriza a aplica
ção dos juros trabalhistas. Há distinção entre o pagamento de remuneração
pelo serviço prestado e o das contribuições sociais, ou seja: existem duas rela
ções jurídicas distintas com destinos - e juros - autônomos. O caso trabalhis
ta é ilustrativo. O salário pode ser pago até o quinto dia útil do mês (CLT, art.
459, § I o), as contribuições devem ser pagas até o dia vinte de cada mês. O
salário decorre do acordo de vontade das partes, a contribuição previdenciária,
da lei. Um é devido ao empregado, o outro é devido à União. Um pode ser
46 TST, 6a T., v.u., RR 115/2007-147-15-00.9, rel. Min. Maurício Codinho Delgado, j. em 05/08/
2009, DEJT 14/08/2009.
460 - A P re s ta ç ã o d o S e rv iç o c o m o F a to G e r a d o r das C o n trib u iç õ e s .
lhador. Em outras palavras, seria um valor a ser perseguido pelo sistema que os
créditos tributários fossem inferiores aos trabalhistas.
Ocorre que não existe norma em nosso ordenamento proibindo o crédi
to tributário de ser maior do que o devido ao trabalhador, ainda que arrecada
do na Justiça do Trabalho. Não há nenhum valor que prestigie tal entendimento.
Além do crédito do trabalhador se submeter a regime jurídico distinto
do tributário, pagar menos juros tem um lado perverso para o próprio traba
lhador, comprometendo a tutela de seus direitos sociais. Ainda mais quando o
pagamento somente pode ser “relevado” na Justiça do Trabalho, tendo como
efeito deletério o abuso do Judiciário para pagar menos tributo e a inadim
plência da prestação dos serviços prestados; caso contrário não haveria recla
mação trabalhista e nem como relevar esse crédito tributário.
Richard Posner expõe que o pragmatismo “é interessado nos ‘fatos’ e
também deseja estar bem informado sobre a operação, propriedades e prová
veis efeitos de cursos alternativos de ação”47. O entendimento de que o fato
gerador somente ocorre na intimação da sentença de liquidação prejudica o
trabalhador porque estimula o empregador ou tomador do serviço a não re-
gistrá-lo ou pagá-lo.
Para que pagar o tributo hoje, se amanhã, caso o contribuinte seja proces
sado na Justiça do Trabalho, ele pode pagá-lo com juros bem menores, uma vez
que o termo inicial seria a intimação da sentença de liquidação? Mais, para que
pagar o tributo se mesmo condenado ele poderá fazer acordo discriminando
apenas verbas indenizatórias, além da garantia mínima de pagar menos juros?
O argumento de que a aplicação dos juros poderia levar o crédito tribu
tário a valor maior do que o trabalhista é completamente desarrazoado. Não
guarda vinculação alguma com a proteção ao trabalhador e a educação fiscal;
apenas estimula a inadimplência tributária e o desrespeito às regras trabalhis
tas48. Ademais, pragmaticamente falando, viu-se que esse entendimento tam
bém prejudica o trabalhador.
47 POSNER, Richard A. Overcoming Law. 3a ed. Cambridge: Harvard University Press, 1996, p. 5 -
tradução livre.
48 Já que usualmente a inadimplência tributária tem que vir acoplada à trabalhista para realmente
valer a pena pagar na Justiça do Trabalho menos verbas trabalhistas, juros e, até mesmo,
contribuições previdenciárias, eis que o acordo pode prever diversas verbas indenizatórias sem
que essas sejam proporcionais ao pedido na inicial.
E d u a r d o F o r t u n a t o B im - 4 6 1
10. C o n clu sã o
Embora o STF já tenha dito que a questão do fato gerador das contri
buições seja matéria infraconstitucional, vez que enfrentaria somente a inter
pretação de regras legais49, tal na verdade não ocorre.
O que está em jogo não se limita apenas a dispositivos infraconstitucio-
nais. Embora o fato gerador seja previsto em lei para poder fazer nascer o
tributo, seus limites são constitucionais, sendo que a exegese emprestada pela
majoritária jurisprudência trabalhista nada tinha de infraconstitucional no
sentido puro do termo. O que ela fazia era escamotear o seu verdadeiro argu
mento, que era o constitucional: só deveria existir contribuições previdenciá
rias sobre o pagamento, que ela entendia como sinônimo de intimação da
sentença de liquidação (ciência do título executivo judicial).
Havia a declaração branca (ou não declarada) de inconstitucionalidade, o
que se evidenciou com três posicionamentos que começaram a surgir para
continuar sustentando a tese do fato gerador pagamento.
O primeiro simplesmente julga inconstitucional o aditamento do artigo
43, § 2o, da Lei de Custeio, porque se afasta da tese do pagamento, que teria
estatura constitucional. O segundo, mantendo a tradição de escamotear o argu
mento constitucional, é o de que o § 3o do artigo 43 da Lei 8.212/91 mantém
a tese do fato gerador no pagamento, embora haja norma específica em sentido
contrário no parágrafo anterior. O terceiro é o de que a fato gerador é a prestação
de serviços, mas os juros Selic somente são aplicados depois da intimação da
sentença de liquidação; até ela se aplicam os juros trabalhistas.
A partir do momento no qual os magistrados do trabalho começam a
afastar a aplicação do § 2o do artigo 43 da Lei 8.212/91, sob o fundamento
da sua inconstitucionalidade, revelou-se a verdadeira exegese praticada: a de
que o fato gerador estaria delimitado na Constituição e se restringiria apenas
ao pagamento.
Como reforço argumentativo à tese do nascimento das contribuições pre
videnciárias no pagamento, sustenta-se também que a tese da prestação de ser
viço poderia levar à inusitada situação de que o crédito tributário seja maior do
que o trabalhista. Tese que não se baseia em nenhuma norma ou valor de nosso
ordenamento, eis que não existe nada que diga que o crédito tributário não
1 . In t r o d u ç ã o
1 Nesse mesmo sentido, vide o sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). Disponível em:
<https://www.receita.fazenda.gov.br/Aplicacoes/ATRJO/Simulador/SimlRPFAnual2009.htm>.
468 - A P ro g re ssiv id a d e n o Im posto de R e n d a Pessoa Física
2 . F u n d a m e n t o s d a t é c n ic a d a p r o g r e s s i v id a d e
2 Cf. SO USA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. 2a ed. Rio de Janeiro:
Editora Financeiras, 1954. p. 171: "Progressão simples é aquela em que cada alíquota maior se
aplica por inteiro a toda matéria tributária. Progressão graduada é aquela em que cada alíquota
maior calcula-se apenas sobre a parcela do valor compreendida entre um limite inferior e outro
superior, de modo que é preciso aplicar tantas alíquotas quantas sejam as parcelas de valor e
depois somar todos esses resultados parciais para obter o imposto total a pagar".
E d u a r d o Jo sé P a iv a B o r b a - 469
3 Cf. SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
4 Para mais detalhes: Cf. CONTI, José Maurício. Princípios Tributários da Capacidade Contributiva
e da Progressividade. São Paulo: Dialética, 1996. p. 31 e 32; Cf. LIV IN G STO N , Michael.
Progressividade e Solidarietà: uma perspectiva norte-americana. In: GRECO, Marco Aurélio et.
ail. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005. p. 190.
5 Cf. UCKM AR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. 2a ed. rev. e atual.
São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 92.
6 Cf. MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O Mito da Propriedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005,
p. 189: "Mas há uma conclusão muito importante a se tirar das lições dos economistas sobre
a distinção entre meios e fins. Se eles nos dizem que alíquotas mais baixas associadas a uma
renda mínima universal seriam, mesmo do ponto de vista de uma teoria de justiça fortemente
igualitária, melhores do que uma gradação progressiva de alíquotas coroadas por uma alíquota
bastante alta na faixa de renda mais elevada, isso não nos dá absolutamente nenhum motivo
para deixar de lado as alíquotas altas sem introduzir um programa de renda mínima universal
[...] Costuma-se afirmar [...] que as conclusões dos estudos de otimização tributária influenci
aram a tendência de redução das alíquotas na década de 1980. Essa tendência não se vincula
à atribuição de um papel mais importante às transferências de dinheiro vivo, muito pelo
contrário. Ninguém que se preocupe com o bem-estar, nem mesmo os utilitaristas, pode
encarar as desigualdades que tem crescido nos Estados Unidos nos últimos vinte anos como
uma melhora do ponto de vista de justiça. É possível que, em suas conseqüências práticas de
curto prazo, o interesse dos economistas pelos efeitos comportamentais da tributação tenha
feito mais mal do que bem à causa da justiça social".
470 - A P ro g re ssiv id a d e n o Im posto de R e n d a Pessoa Física
indivíduos após o pagamento dos tributos, ou, nas suas palavras, “mejorar, con
ocasión dei pago de los tributos y a través de los mismos, la redistribución de la
renta y la riqueza, objetivo explicitamente buscado por la Constitución”10.
Na Alemanha, K laus Tipke11entende que embora a capacidade contri
butiva exija uma base de cálculo adequada, não nos permite deduzir dela
diretamente a alíquota progressiva. Contudo, também salienta que em todos
os países marcados pelas preocupações de índole de justiça social, sua admis
sibilidade se justifica através do princípio do Estado Social. No mesmo racio
cínio anterior, KARL L arenz preleciona que a justiça distributiva, ao requerer
o postulado da proporcionalidade, exigiria retirar de todos uma mesma quan
tidade de renda, ou seja, da capacidade contributiva de cada devedor, através
de alíquotas iguais. Contudo, esta seria uma verdade incompleta, pois, com
efeito, “afectaría de modo desigual y seria mucho más duro para quien tuviera
unas rentas más muy próximas al mínimo vital que para el que obtiene rentas
más elevadas”12. Desta forma, com base no princípio do equilíbrio social, ou
de nivelamento social, conclui que o legislador tem o dever de fixar alíquotas
progressivas, favorecendo a igualdade de oportunidades.
Na França, o jurista PiERRE B eltram e defende a progressividade também
com fundamento no princípio da capacidade contributiva, vinculando-a, ainda,
à noção de mínimo existencial: “Así, hasta un cierto umbral de renta
considerado como mínimo vital, la utilidad social de aquélla es máxima y, por
consiguiente, la capacidad contributiva sobre esa fracción de renta es nula.
Pero la medida que la renta crece, su utilidad social disminuye, si bien la
capacidad contributiva dei sujeto aumenta bajo la influencia simultânea dei
incremento de renta y de la correlativa disminución de la utilidad social de
dicha renta. Es, pues, razonable, para lograr que el impuesto se ajuste a la
capacidad contributiva de cada sujeto, instaurar la progresividad -
especialmente dei impuesto sobre la renta”13.
I0 Cf. G O N Z Á LEZ , Eusebio; G O N Z Á LEZ , Tereza. D erecho Tributário - I. Salam anca: Plaza
Universitaria Ediciones, 2005. p. 65 e 66.
II Cf. TIPKE, Klaus. Fundamentos de Justiça Fiscal. In: TIPKE, Klaus; YAM ASHITA, Douglas.
Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
p. 35.
12 Cf. LARENZ, Karl. D erecho Justo: fundamentos de ética jurídica. Madrid: Editorial Civitas,
1993. p. 141.
13 Cf. BELTRAME, Pierre. Introducción a la Fiscalidad en Francia. Barcelona: Ateliê, 2004. p.
255 a 257.
472 - A P ro g re ssiv id a d e n o Im posto de R e n d a Pessoa Física
14 Cf. C ARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17a ed. rev.,
amp. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 75 e 76; Cf. LACO M BE, Américo
Masset. P rin cípios C on stitucion ais Tributários. São Paulo: M alheiros, 1997. p 28; Cf.
ATALIBA, Geraldo. IPTU - Progressividade. Revista de Direito Tributário (5 6 ). São Paulo:
M alheiros, 1991. p. 80.
15 Cf. ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva. São
Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 122, 123 e 185: "A igualdade material é, assim, identificada
com a justiça social, uma causa nobre, porém comprovadamente pouco realizável".
16 Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário: de acordo com a Emenda Constitucio
nal n° 42, de 19.12.03. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 379 e 380.
17 Cf. OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito Tributário: capacidade contributiva, conteú
do, eficácia do princípio. Rio de Janeiro: Renovar, 1988. p 59.
E d u a r d o J o s é P a iv a B o r b a - 4 7 3
19 Cf. BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Atualizado por Misabel
Abreu Machado Derzi. 11a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 523 a 525.
20 Cf. LIVINGSTON, op. c/t. (nota 4), p. 192.
21 Cf. G O D O I, Marciano Seabra de. Justiça, Igualdade e DireitoTributário. São Paulo: Dialética,
1999. p. 219.
22 Cf. BALEEIRO, op. c/t. (nota 19), p. 753.
23 Cf. FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada.1a ed. 3a tir. SãoPaulo: Malheiros,
2000. p. 283: "Este fenômeno pôs em cheque a eficiência governamental no sistema de preços
e nos mecanismos de formadores dos custos de mão-de-obra e levou ao prevalecimento da
visão da agenda contemporânea pelas instituições financeiras internacionais, pelos conglome
rados transnacionais'e pelos organismos multilaterais, impondo temas recorrentes como
desregulamentação dos mercados, estabilização e unificação monetária, cortes drásticos de
gastos públicos, flexibilização das leis trabalhistas, privatização dos monopólios estatais e
deslegalização [...] Neste contexto, portanto, em cujo âmbito setores, cidades, regiões e
nações correm permanentemente o risco de perder do dia para a noite sua base econômica por
causa tanto das possibilidades de deslocamento imediato dos ativos financeiros para onde
podem obter maiores lucros quanto da flexibilidade que as empresas possuem para sediar suas
E d u a r d o Jo sé P a iv a B o r b a - 475
empresas produtivas nos locais que julgarem mais adequadas, em termos de custos de insumos,
valor da mão-de-obra e concessão de incentivos, subsídios e créditos favorecidos, o 'direito
social' carece de condições de efetividade [...] Como depende necessariamente do monopólio
da titularidade legislativa do Estado-nação soberano para sua conversão em obrigações legal
mente definidas e em exigibilidades formais quer para agentes privados quer para as diversas
instâncias do próprio setor público, e como as forças impessoais do mercado se afirmam sobre
as jurisdições territoriais, envolvendo-as com sua normatividade policêntrica em escala mun
dial, em princípio o 'direito social' revela-se implausível".
24 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, Vol. II;
Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 294 e 314.
476 - A P ro g re ssiv id a d e n o Im posto de R e n d a P essoa Física
25 Cf. HAYEK, Friedrich. Reexaminado a Taxação Progressiva. In: FERRAZ, Roberto et. aII. Princípios
e Limites da Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 742.
26 Cf. TORRES, op. cit. (nota 24), p. 348: "[a] redistribuição de rendas é de natureza orçamentária.
Leva em conta simultaneamente as vertentes da receita e da despesa, ao fito de transferir renda
dos mais ricos para os pobres e miseráveis [...] O princípio da distribuição de rendas afeta a
vertente da receita e da imposição tributária. Não se preocupa com as transferências, mas com
a tributação de acordo com a capacidade contributiva e com a justa mensuração, a fim de
evitar a concentração de rendas. A incidência progressiva dos impostos, por exemplo, pode
fazer o rico menos rico, mas não conduzirá necessariamente ao enriquecimento do pobre".
E d u a r d o Jo sé P a iv a B o r b a - 477
3 . N o ç ã o ju ríd ic a de renda
27 Cf. COSTA, Alcides Jorge. Capacidade Contributiva. Revista de Direito Tributário (55). São
Paulo: RT, 1991. p. 301.
28 Cf. PEDREIRA, José Luiz Bulhões, imposto de Renda. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1969. p.
2.4: "A noção de renda no direito fiscal e nas finanças públicas não é questão pacífica, e as
diferenças de opinião documentam a dificuldade de precisá-la. Várias foram as definições
propostas por economistas e contadores, partindo de pontos de vistas muitas vêzes bastante
divergentes. E a compreensão de renda no direito fiscal varia de um sistema jurídico para
outro, sofrendo as influências dos conceitos econômicos e contábeis, mas refletindo tam
bém considerações de justiça tributária, de exeqüibilidade pratica na administração do
impôsto e de política econômica". No mesmo sentido: Cf. TILBERY, Henry. Arts. 43 a 45. In:
M ARTINS, Ives Gandra da Silva et. aII. Comentários ao Código Tributário Nacional. São
Paulo: Saraiva, 1998. p. 285: "Na verdade, os doutrinadores em diversos países e em vários
momentos da história, apenas procuraram desenvolver as bases teóricas adequadas para
fundamentar aquela sistemática da tributação de renda que melhor se ajuste ao regime
vigente, às condições sócio-econômícas, aos postulados da justiça fiscal e às necessidades
de arrecadação". Cf. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. 2a ed.
Rio de Janeiro: Editora Financeiras, 1954. p. 197: "[...] a natureza específica de um tributo
é definida pelo seu fato gerador. Nessas condições, para definir o impôsto sôbre a renda,
seria preciso começar definindo o conceito de renda. Entretanto este é um conceito econô
m ico e não jurídico, e mesmo sob aquele aspecto os economistas não estão de acordo,
podendo-se dizer que o conceito econôm ico de renda ainda não está doutrinariamente
fixado e permanece no terreno das questões abertas".
478 - A P ro g re ssiv id a d e n o Im posto de R e n d a P essoa Física
29 Cf. NABAIS, José Casalta. Dever Fundamental de Pagar Impostos: contributo para a compreen
são constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1998. p. 513 a 520:
"Desde logo, deduz-se dum tal princípio a exigência dum conceito amplo de rendimento, que
abranja não apenas o rendimento em sentido estrito ou rendimento-produto, o acréscimo
patrimonial obtido durante um dado período a título de participação na actividade produtora,
mas antes o chamado rendimento-acréscimo [...], identificado com o acréscimo patrimonial
(líquido) proveniente ou não da actividade produtora e caracterizado ou não pela nota da
periodicidade. O que, contudo, não significa que o conceito de rendimento tenha de integrar
todo e qualquer aumento de valor aquisitivo, o que levaria a incluir nele desde logo os
rendimentos em espécie - sejam os rendimentos em natura [...], sejam os chamados rendimen
tos imputados ou virtuais [...], passando pela totalidade das mais-valias (incluindo portanto
também as não-realizadas), até à generalidade das aquisições a título gratuito (doações,
heranças e legados), das prestações sociais (aos indivíduos e às famílias), das subvenções (às
empresas), etc. E que, o princípio da capacidade contributiva tem de harmonizar-se com outros
princípios e exigências constitucionais, como: o princípio da praticabilidade a afastar do
conceito de rendimento os rendimentos em natura, a generalidade dos rendimentos imputados
e das mais-valias não realizadas, por se tratar de rendimentos não cognoscíveis do Fisco ou de
valor difícil, ou mesmo impossível, de apurar; o princípio do estado social a permitir excluir do
rendimento, as transferências ou prestações sociais; e o princípio da liberdade do legislador na
adopção da política ou políticas econômicas a justificar que nem todas as mais-valias realiza
das sejam tributadas, ou que algumas destas sejam tributadas de forma atenuada, ou ainda que
as subvenções sejam excluídas do rendimento tributável das empresas. Isto, para além de as
aquisições a título gratuito por toda a parte serem tradicionalmente objecto duma tributação
especial em sede, de resto, do imposto sobre o patrimônio (do transmitente ou do adquirente)".
E d u a r d o J o s é P a iv a B o r b a - 4 7 9
30 Cf. NABAIS, op. cit. (nota 29), p. 513 a 520. No mesmo sentido, vide: Cf. LAN G, Joachim.
Tributación Familiar, in: Hacienda Pública Espahola (94). Madrid: IEF, 1979. p. 410: "[...] los
critérios de capacidad fiscal se dividen en dos aspectos básicos, el de la capacidad fiscal
objetiva e ei de la subjetiva"; Cf. HERRERA MOLINA, Pedro Manuel, Capacidad Econômica y
Sistema Fiscal: análisis dei ordenamiento espahol a la luz dei Derecho alemán. Madrid: Marcial
Pons, 1999. p. 113 e 114.
480 - A P r o g r e s s iv id a d e n o Im p o s to de R e n d a P e s s o a F ís ic a
31 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 2005. p. 25, 65 e 299.
32 Cf. TORRES, op. cit. (nota 24), p. 168: "O imposto de renda não incide sobre as quantias
necessárias à subsistência dos dependentes, dedutíveis da base de cálculo".
E d u a r d o Jo s é P a iv a B o r b a - 481
35 Com maiores detalhes, vide as tabelas feitas pelo jurista: Cf. BARRETO, Paulo Ayres. Imposto
sobre a Renda e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 2001. p. 95 e 96.
E d u a r d o J o s é P a iv a B o r b a - 4 8 3
36 Cf. MARÍN-BARNUEVO FABO, Diego. La Protección dei Mínimo Existencial en el Âmbito dei
I.R.P.F. Madrid: Colex, 1996. p. 39, 56 e 57.
37 Cf. SCHOUERI, op. cit. (nota 31), p. 299. A ideia central, aliás defendida por muitos juristas,
consiste na variação crescente do benefício em função da renda: uma pessoa com renda bruta
4 8 4 - A P r o g r e s s iv id a d e n o Im p o s t o d e R e n d a P esso a F ísica
Com efeito, merece elogios a questão suscitada, pois, como salienta, faz-se
necessário justificar porque o incentivo fiscal foi ou será desigualmente distribuí
do. Contudo, convém tecer alguns comentários que julgamos pertinentes, mesmo
que restringindo o debate a um dos temas já tratados - a necessidade de proteção
do montante da riqueza do contribuinte indispensável para o acesso a determina
dos bens e serviços entendidos como decorrentes do núcleo de observância cogen-
te do princípio da dignidade humana, ou, quiçá, de princípios da ordem econômica
que maximizam a eficácia dos direitos sociais na sua região periférica, qualificados
como objetivos públicos opcionais por dependerem de recursos orçamentários.
De imediato, estamos de acordo que, quando se estabelece um método
de apuração do imposto sobre a renda com deduções e abatimentos qualitati
vamente variados e quantitativamente ilimitados, termina-se por favorecer
aquele indivíduo que tem rendimento com valor significativo, principalmen
te por permitir o resultado zero ou negativo. Entretando, isto não significa
que devemos adotar uma posição radicalmente contra estes elementos negati
vos da base de cálculo. Em primeiro lugar, porque o imposto sobre a renda e
proventos de qualquer natureza requer, por força dos princípios constitucio
nais da capacidade contributiva e da dignidade humana, como antes pugna
do, o reconhecimento obrigatório de certos dispêndios. Desta feita, descabe
qualquer comentário contrário ao seu reconhecimento legal, por decorrerem
da repartição de competências tributárias e da imunidade implícita do míni
mo existencial. Em segundo lugar, porque o patrimônio do indivíduo pobre
somente estará livre da tributação quando a apuração da base de cálculo sofrer
os efeitos das despesas consideradas vitais, inclusive para a família, quer atra
vés de abatimentos individualmente considerados, ou por meio da tabela pro
gressiva. Em terceiro lugar, porque a legislação fiscal que preveja poucos
abatimentos, máxime os obrigatórios em função da dignidade humana, ou os
facultativos com base em princípios ligados a direitos sociais, ainda que limi
tados quantitativamente, pode adequar as alíquotas progressivas de modo a
anular o efeito regressivo causado pela maior diminuição da base de cálculo
dos contribuintes mais abastados. Em quarto lugar, porque é possível reduzir
de R$ 3.000,00 por mês, quando realiza uma despesa de saúde de R$ 1.000,00, reduz o
pagamento do imposto em R$ 275,00 (uma vez que esta pessoa paga o imposto à alíquota de
27,5%) enquanto que uma pessoa que ganha R$ 2.000,00 brutos por mês e realiza a mesma
despesa com saúde teria uma redução de apenas R$ 150,00 no pagamento do imposto, visto
que paga à alíquota de 15% - considerando a tabela progressiva vigente até 31/12/2008.
E d u a r d o J o s é P a iv a B o r b a - 485
38 Cf. BALEEIRO, op. cit. (nota 19), p, 754: "A progressividade nos tributos é a única que permite
a personalização dos impostos, como determina expressamente o art. 145, § 1o, da Constitui
ção de 1988. É que na medida em que o legislador considera as necessidades pessoais dos
contribuintes, passa também a conceder reduções e isenções. Tais renúncias de receitas,
ocorrentes em favor do princípio da igualdade, têm de ser compensadas por meio da
progressividade a fim de que o montante da arrecadação a mantenha no mesmo nível".
39 Cf. ZILVETTI, op. cit. (nota 15), p. 202: "No imposto de renda da pessoa física, quando se fala
em permitir a dedução de despesas com a manutenção da pessoa e da família, constantemente
levantam-se críticas quanto a tal faculdade, sob o argumento falacioso de que a dedução
beneficia os ricos, uma vez que seu efeito maior se dá quanto mais alta for a renda. Esse
raciocínio não é aceitável, pois a simples progressão pode gerar um efeito inverso para a justiça
486 - A P ro g re ssiv id a d e n o Im posto de R e n d a P e sso a F(sica
fiscal, de modo que é preciso analisá-la com critério, levando em conta a necessidade de
redução da carga fiscal daqueles que necessitem, elegendo formas de tributação que proteja,
a renda da família"; Cf. CARRAZZA, op. cit. (nota 14), p. 308.
40 Cf. MARÍN-BARNUEVO FABO, op. cit. (nota 36), p. 39, 56 e 57.
41 Cf. HERRERA M OLINA, op. cit. (nota 30), p. 124.
E d u a r d o J o s é P a iv a B o r b a - 4 8 7
1 N otícias STF. Plenário aprova três novas Súmulas Vinculantes. D isponível em: <http://
www .stf.jus.br>. Acesso em :03.12.2009.
2 Notícias STF. Site traz os verbetes das 24 Súmulas Vinculantes aprovadas até agora pelo STF.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 09.12.2009.
4 9 2 - B r ev es C o m e n t á r io s s o b r e a A p r o v a ç ã o d a P S V ..
6 JESUS, Damásio. Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas. São Pàuio: Saraiva, 1999.
Nota do autor, IX e XI.
494 - B re ve s C o m e n tá rio s so b re a A p ro v a ç ã o d a PSV..
7 GOMES, Luiz Fiávio. Direito penal: parte geral, vol.1: introdução. 3a ed. rev., atual, e ampl. São
Paulo: RT: LFC - Rede de Ensino Luiz Flávio Comes, 2006. p. 100-101. Há versão mais
atualizada da obra: Direito Penal: parte geral. São Paulo: RT, 2007. v. 2, p. 307.
F e r n a n d o A n t ô n io C . A lv es d e S o u z a - 4 9 5
R e f e r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s
GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, vol. 1: introdução. 3a ed. rev., atual, e ampl. São
Paulo: RT: LFG - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, 2006.
8 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3a ed. Lisboa: Veja, 1998. p. 28.
9 GOMES, Mariângela Gomes de Magalhães. Direito penal e interpretação jurisprudencial: do
princípio da legalidade às súmulas vinculantes. São Paulo: Atlas, 2008. p. 3.
4 9 6 - B r ev es C o m e n t á r io s s o b r e a A p r o v a ç ã o d a P S V ..
1. I n t r o d u ç ã o
2. O A r t ig o 18 da L ei n ° 1 0 . 8 3 3 / 0 3
Outro ponto que merece atenção muito embora nem a Doutrina nem a
Jurisprudência tenham até o momento suscitado a questão, é a discutível pos
sibilidade, naquele primeiro momento que se seguiu à introdução do § 4o do
artigo 18 da Lei n° 10.833/03, da imposição da multa isolada quando a
compensação fosse considerada não declarada sem que se comprovasse a ocor
rência de dolo por parte do contribuinte.
Isto porque se o § 4o do artigo 18 da Lei n° 10.833/03, com a redação
dada pela Lei n° 11.051/04, determinava que a multa “prevista no caput” se
aplicava também quando a compensação fosse considerada não declarada, es
tendendo, assim, a multa aplicável às não homologações de compensação
{caput) aos casos de compensação não declarada, conclui-se que a multa pre
vista no § 4o do artigo 18 da Lei n° 10.833/03, com a redação dada pela Lei
n° 11.051/04, somente poderia ser imposta nos casos em que, considerada
não declarada a compensação, fosse comprovado o comportamento doloso por
parte do contribuinte.
Em outras palavras, se o caput do artigo 18 previa a imposição de multa
isolada para a hipótese X (não homologação) quando ocorresse Z (conduta
dolosa), é certo que o § 4o, ao estender a aplicabilidade da multa do caput para
a hipótese Y (compensação não declarada), só pode ser aplicado também na
presença de Z (conduta dolosa), não sendo lógico que se suponha que tam
bém pudesse se aplicar na ausência de Z.
O que se demonstra também pelo fato de que, no período considerado,
a multa imposta só poderia se dar nos percentuais então previstos no § 2o do
artigo 18, de 150% ou 225%, cabíveis somente em razão de conduta dolosa.
4 . A R e d a ç ã o d a d a pela Lei n ° 1 1 . 1 9 6 / 0 5
5 . A R e d a ç ã o D a d a pela Lei n° 1 1 .4 8 8 / 0 7
“(...) o que se quer, o que se deseja, o que se tem em vista, quando se faz
alguma coisa.
É ofim desejado, o objetivopensado, ou o resultado querido. É afinali
dade que se tem em mente, quando se pratica o ato ou se executa
qualquer coisa.”4
O intuito a que se refere o legislador da Lei n° 4.502/64 é o dolo, a
vontade que tem o agente de realizar a conduta ilícita. Compreende o dolo
dois elementos: um elemento cognitivo (conhecimento do fato que constitui
a ação típica - fraude, no caso) e um elemento volitivo (vontade de realizá-la).
Por tal motivo é que o dolo não pode ser presumido, ele deve ser cabal
mente comprovado por quem o alega. Daí porque o artigo 44 da Lei n° 9.430/
96 determina que seja evidente o intuito de fraudar. Evidente é o que “não
oferece dúvida; que se compreende prontamente, dispensando demonstração;
claro, manifesto, patente”5. Se qualquer elemento do fato oferecer dúvida
quanto à conduta recriminada, o fato tipificado torna-se apenas possível, dei
xando de ser patente, manifesto, evidente. E essa evidência, por óbvio, tem
que ser inequivocamente demonstrada por quem alega: a fiscalização.
Os Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda compuseram
vasta jurisprudência sobre o assunto ao decidir sobre a aplicação da multa de
150%, como demonstram as seguintes ementas:
“Multa Qualificada de 150% - Lei 9430/96, Art. 44, II —Necessida
de de Comprovação do Dolo - A hipótese prevista no art. 44, II, da
Lei 9430/96, deve ser interpretada restritivamente, e aplicada so
mente nos casos de evidente intuito fraude em que tenha sido
tipificada a ação em um dos institutos dos artigos 71 a 73 da Lei
4502/94, e desde que tenha ficado demonstrado pela fiscalização
que o contribuinte agiu dolosamente.”6
“Recurso Ex Ojficio - IRPJ - Multa Qualificada - Justificativa para
Aplicação - Evidente Intuito de Fraude - O lançamento da multa
qualificada de 150% deve ser minuciosamente justificada e comprova
4 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico, vol. II, 8a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 511.
5 HOLAN DA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2a ed. 36a
reimp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. 736.
6 Acórdão CSRF/01 -05.435, proferido pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Primeiro
Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda em 21 de março de 2006.
5 1 0 - C o m p e n s a ç ã o e M u lta Is o l a d a
6. A R ed ação D a d a pela M e d id a P r o v is ó r ia n ° 4 7 2 / 0 9
1. In tro d u ção
II - em que o crédito:
a) seja de terceiros;
b) refira-se a ‘crédito-prêmio’instituído pelo art. Io do Decreto-Lei n°
491, de 5 de março de 1969;
c) refira-se a título público;
d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado; ou
e) não se refira a tributos e contribuições administrados pela Secretaria
da Receita Federal - SRF.
(.••)”
Dada a grande quantidade de exportadores contemplados por decisões
judiciais - liminares ou definitivas e muitas, inclusive, transitadas em julga
do - que lhes asseguram a possibilidade da compensação do crédito-prêmio
516 - C o m p e n sação d o C r é d ito - P rê m io de IP I e R e s triç õ e s .
2. A g ê n e s e d o a r t ig o 74 da L ei N ° 9 . 4 3 0 / 9 6 E O
ÂM BITO DA SUA APLICAÇÃO
4. O a r t ig o 74 da L ei n ° 9 . 4 3 0 / 9 6 n ã o r e v o g o u o
D e c r e t o im° 6 4 . 8 3 3 / 6 9
3 Acórdão n° 202-12.467.
4 FERRAZ JUN IO R, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2a ed. São Paulo: Atlas,
1994, p. 202.
5 FERRAZ JUNIOR. Op. cit. p. 210.
G a b rie l L a c e rd a T r o ia n e lli - 521
-regra lex posterioris generalis non derrogatpriori specialí', ou seja, a regra geral
posterior não revoga regra especial que lhe anteceda.
Aplicada essa regra ao caso ora examinado, há que se concluir que a
norma geral que dispõe sobre a compensação de créditos tributários não tem,
evidentemente, o condão de revogar norma especial sobre a utilização do cré
dito-prêmio, na qual a compensação é apenas um dos quatro modos possíveis
de utilização.
5. O a r t ig o 74 da L e i n ° 9 . 4 3 0 / 9 6 n ã o se a p l ic a à
co m pen sação do c r é d i t o - p r ê m io de IPI
Outra questão é saber se o artigo 74 da Lei n° 9.430/96 teria derrogado
ou revogado parcialmente a regra própria da utilização do crédito-prêmio de
IPI apenas no que se refere à sua compensação.
Para tanto, é necessário sabermos se a compensação do crédito-prêmio
de IPI segue um regime jurídico próprio, para ele específico, ou em nada
difere das compensações tributárias genericamente consideradas. De acordo
com o artigo I o do Decreto-lei n° 491/69:
“Art IoAs empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufatu
rados gozarão a título estímulo fiscal, créditos tributários sobre suas ven
das para o exterior, como ressarcimento de tributos pagos internamente.
§ Io Os créditos tributários acima mencionados serão deduzidos do
valor do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre as
operações no mercado interno.
§ 2o Feita a dedução, e havendo excedente de crédito, poderá o mesmo
ser compensado no pagamento de outros impostos federais, ou aprovei
tado nas formas indicadas por regulamento.”
Vemos, no § 2o do artigo acima transcrito, dois aspectos extremamente
relevantes para nosso tema.
Primeiramente, a norma estabelece que a compensação com outros tri
butos federais é condicionada à prévia utilização do crédito-prêmio no paga
mento do IPI devido, incidente sobre as operações no mercado interno, sendo,
portanto, a compensação subsidiária à utilização no pagamento do IPI. So
mente depois de pago o IPI é que, em havendo excedente de crédito-prêmio,
poderá este ser usado na compensação dos demais tributos federais.
522 - C o m p e n sação d o C r é d ito - P rê m io de IP I e R e s triç õ e s .
7 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 34.
G a b r ie l L a c e r d a T r o ia n e lli - 5 2 9
Como se vê, temos aí um caso em que, sendo inviável, por força das
normas gerais do artigo 74 da Lei n° 9.430/96, que o contribuinte efetue a
compensação mediante declaração de compensação, possa ele, por força de
legislação específica, lançar mão de outro mecanismo de compensação, no
caso, o PCC.
Ora, se mesmo vedada a utilização da declaração de compensação no caso
de compensação de crédito de terceiro pode o contribuinte, quando legitima
do a efetuar tal compensação, usar outro mecanismo para compensar créditos
de terceiro, há que se concluir que, da mesma forma, muito embora o expor
tador não possa compensar o crédito-prêmio via declaração de compensação,
poderá ele, também, lançar mão de outros meios (no caso, PCs e PCCs) para
efetuar a compensação do crédito com tributos federais devidos, de acordo
com a legislação específica sobre o crédito-prêmio de IPI.
Há que se concluir, portanto, que as regras do artigo 74 da Lei n° 9.430/96
não se aplicam à compensação do crédito-prêmio de IPI.
Interpretemos, a seguir, o artigo 74, § 12, II, “b” da Lei n° 9.430/96 em
conjunto com a legislação do crédito-prêmio de IPI.
Como vimos anteriormente, a norma geral não revoga a norma espe
cial anterior.
Partindo-se desta premissa, é certo que a norma geral prevista no artigo 74
da Lei n° 9.430/96 em nada afetou as normas especiais sobre crédito-prêmio
de IPI, que outorgam ao exportador o direito de, uma vez pago o IPI devido,
compensar o crédito-prêmio com outros tributos federais.
Assim sendo, a vedação de que se utilize a declaração de compensação
para compensar crédito-prêmio de IPI, contida no § 12 do artigo 74 da Lei
n° 9.430/96, não tem o condão de impedir que o exportador utilize outros
meios de compensação que não lhe seja legalmente vedado, o que ocorre, por
exemplo, com os PCs e os PCCs.
Procedamos, agora, à interpretação do artigo 74, § 12, II, “b” da Lei n°
9.430/96 à luz da Constituição Federal.
Se o exportador até hoje precisa ir a juízo para assegurar o seu direito ao
crédito-prêmio de IPI, e, mesmo assim, passa por uma verdadeira via crucis
para fazer o seu direito valer perante a administração tributária, isso se deve
unicamente ao fato de que o crédito-prêmio de IPI, ao ser revogado por por
taria ministerial o foi em desobediência ao princípio da legalidade. E, ilegiti
532 - C o m p e n sação d o C r é d ito - P rê m io de IP I e R e s triç õ e s .
8 CO ELHO , Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 92.
9 SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional. Construindo uma Nova Dogmática Jurídica.
Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 133. O trecho transcrito entre aspas é de BARRO SO , Luís
Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 176.
G a b r ie l L a c e r d a T r o ia n e lli - 5 3 3
7. C o n clu sã o
Em face de todo o exposto e interpretado o artigo 74, § 12, II, “b” da Lei
n° 9.430/96 à luz do resto do próprio artigo, das regras específicas sobre o
crédito-prêmio de IPI, da Constituição Federal e de decisão judicial que ampa
re o direito do exportador à compensação do crédito-prêmio, nossa conclusão é
no sentido de que o artigo 74 da Lei n° 9.430/96 não se aplica à compensação
do crédito-prêmio de IPI, o que faz com que as restrições à compensação pre
vistas nesse artigo não sejam, igualmente, aplicáveis ao crédito-prêmio de IPI.
Poderá o exportador, portanto, continuar a utilizar o crédito-prêmio de IPI na
forma estabelecida pelo Decreto n° 64.833/69, ou, então, na forma da decisão
judicial que tenha sido proferida a seu favor, cujos efeitos não foram suprimidos
de forma alguma pela alteração legislativa promovida pela Lei n° 11.051/04.
10 Recurso Especial n° 675.353, julgado pela Primeira Turma e relatado pelo Ministro José
Delgado. Ementa publicada no DJ de 12 de dezembro de 2004.
11 Agravo Regimental no Recurso Especial n° 465.677, julgado pela Segunda Turma e relatado
pela Ministra Eliana Calmon. Ementa publicada no DJ de 25 de agosto de 2003.
I
Aproveitamento de
Prejuízos além dos 30% na
Extinção de Incorporada
1 Reza o artigo 227, § 3o da Lei n° 6.404/76: "Art. 227 A incorporação é a operação pela qual uma
ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos direitos e obrigações
A letra 'a', portanto, diz que a lei complementar cuidará: da definição dos tributos e suas
espécies, mas em relação aos impostos, além da definição, faz menção à necessidade de
previsão dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. À evidência, dever-
se-ia falar em 'tributo' e não 'tributos', posto que o tributo é gênero do qual pendem as cinco
espécies tributárias hospedadas pelo sistema.
Por entender que tal definição é estruturalmente uma norma geral, considero que também a
definição dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes das demais espécies
tributárias deve ser veiculada por lei complementar. O advérbio 'especialmente' não exclui,
antes inclui, por sua natureza e não por sua indicação, tais aspectos como reguláveis apenas
por lei complementar também em relação às demais espécies". O sistema tributário na Constitui
ção. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 140-1.
I0 O Ministro Moreira Alves esclarece o que seja a explicitação por lei de conceitos implícitos da
lei suprema: "E, a meu ver, está absolutamente correto. Porque não é possível se admitir que
uma lei complementar, ainda que a Constituição diga que ela pode regular limitações à
competência tributária, possa aumentar restrições a_essa competência. Ela pode é regulamen
tar. - Se é que há o que regulamentar, em matéria de imunidade, no sentido de ampliá-la ou
reduzi-la. Porque isso decorre estritamente da Constituição. Quando se diz, por exemplo,
'para atender às suas finalidades essenciais', não é a lei que vai dizer quais são as finalidades
essenciais. Quem vai dizer quais são as finalidades essenciais é a interpretação da própria
Constituição. Porque Constituição não se interpreta por lei infraconstitucional, mas a lei
infraconstitucional é que se interpreta pela Constituição" (grifos meus). MARTINS, Ives Gandra
(coord.). Pesquisas Tributárias - Nova Série n° 5, Processo Administrativo Tributário. 2a ed. São
Paulo: co-Ed. CEU/Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 31-2.
II Escrevi: "Em direito tributário, como, de resto, na grande maioria das hipóteses em que a lei
complementar é exigida pela Constituição, tal veículo legislativo é explicitador da Carta
Magna. Não inova, porque senão seria inconstitucional, mas complementa, esclarecendo,
tornando clara a intenção do constituinte, assim como o produto de seu trabalho, que é o
princípio plasmado no Texto Supremo.
É, portanto, a lei complementar norma de integração entre os princípios gerais da Constituição
e os comandos de aplicação da legislação ordinária, razão pela qual, na hierarquia das leis,
5 4 4 - A p r o v e it a m en t o d e P r e ju íz o s a lé m d o s 3 0 % n a E x t in ç ã o d e I n c o r p o r a d a
posta-se acima destes e abaixo daqueles. Nada obstante alguns autores entendam que tenha
campo próprio de atuação - no que têm razão tal esfera própria de atuação não pode, à
evidência, nivelar-se àquela outra pertinente à legislação ordinária. A lei complementar é
superior à lei ordinária, servindo de teto naquilo que é de sua particular área mandamental".
Comentários à Constituição do Brasil. 6o vol., tomo I. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 79-80.
12 José Luiz Bulhões Pedreira, ao distinguir "fluxo" de "acréscimo", identifica o "acréscimo"
como "acumulação" (visão estática) e a "entrada" (visão dinâmica). Representam, pois, sob o
aspecto temporal, isto é, no momento de sua ocorrência, um acréscimo, vocábulo inclusive
utilizado pelo legislador complementar para definir o suporte fático do imposto sobre a
renda e proventos de qualquer natureza. Assim, se expressa o eminente jurista: "O sentido
vulgar da renda é o produto do capital ou trabalho, e o termo é usado como sinônimo de
lucros, juros, aluguéis, proventos ou receitas. A expressão "proventos" é empregada como
sinônimo de pensão, crédito, provento ou lucro. No seu sentido vulgar, tanto a expressão
"renda" quanto a "proventos" im plica a idéia de fluxo, alguma coisa que entra, que é
recebida". (Imposto de Renda. APEC, p. 2 a 21).
Iv es G a n d r a d a S il v a M a r t in s - 5 4 5
13 O Simpósio Nacional citado teve como fulcro o Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 1 1 - 0
fato gerador do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Coordenação de Ives
Gandra Martins e escrito por Antonio Carlos Garcia de Souza, Antonio Manoel Gonçalez,
Carlos da Rocha Guimarães, Gilberto de Ulhôa Canto, Gustavo Miguez de Mello, Hugo de
Brito Machado, lan de Porto Alegre Muniz, Ives Gandra da Silva Martins, José Eduardo Soares
de Melo, Luciano da Silva Amaro, Ricardo Mariz de Oliveira, Wagner Balera, Waldir Silveira
Mello e Ylves José de Miranda Guimarães. Co-ed. Resenha Tributária/CEU, 1986.
14 Escrevi: "Por essa razão, explicita o legislador complementar que a renda e os proventos
implicam, necessariamente, uma aquisição. A aquisição correspondente a algo que se acres
centa, que aumenta a patrimonialidade anterior, embora outros fatores possam diminuí-las. Por
isto, o aumento, como sinônimo de fluxo, lhe é pertinente.
Por outro lado, o legislador complementar aclara que tipo de aquisição seria de fato imponível
do tributo questionado, ou seja, aquele das disponibilidades econôm icas e jurídicas. O
discurso corresponde, por decorrência, a uma limitação. Não a qualquer tipo de aquisição,
mas apenas àquele correspondente à ostentação de disponibilidade econômica ou jurídica
refere-se o comando intermediário.
Os intérpretes têm, algumas vezes, tido dificuldades em esclarecer o que seria disponibilidade
jurídica, mormente ao se levar em consideração que o simples fato de uma disponibilidade
econômica ter tratamento legal, tal tratamento a transforma também em disponibilidade jurídica.
Temos nos insurgido contra a impropriedade redacional, a partir da concepção de que não há
objeto ajurídico no Direito. E distinguir, no Direito, situações a partir da adjetivação 'jurídica'
é tornar o gênero, espécie.
No caso, todavia, passando por cima da impropriedade, a matéria tem campo próprio de
explicitação, a partir do disposto nos arts. 113, 114, 116 e 117 do C TN ". (grifos meus).
MARTINS, Ives Gandra (coord.). Caderno de Pesquisas Tributárias vol. 11 - O fato gerador do
IR e proventos de qualquer natureza. São Paulo: co-ed. Ed. Resenha Tributária e Centro de
Extensão Universitária, 1986, p. 266/267.
546 - A p ro ve ita m e n to de P re ju ízo s além d o s 3 0 % n a E x tin ç ã o de In c o r p o ra d a
Para efeitos deste estudo o que cumpre realçar é que o “acréscimo patri
monial” é que constitui fato gerador do I.R.
Por outro lado, o artigo 44 do CTN, nitidamente, define a base de cál
culo para três situações referentes à aquisição de disponibilidade ou acrésci
mo patrimonial.
A primeira é o montante real. Só o que estiver definido em lei como
AQUISIÇÃO REAL D E DISPONIBILIDADE pode, na primeira hipó
tese, ser incidido pelo imposto sobre a renda15.
Em outras palavras, a diferença entre o custo da aquisição de dispo
nibilidade e o gasto para esta aquisição é que constitui O ACRÉSCIM O
PATRIM ONIAL TRIBUTÁVEL, não podendo, ainda por lógica aca-
ciana, uma não “aquisição de disponibilidade” ser tributada, como se aqui
sição fosse.
Não sem razão, a respeito deste aspecto, a Ministra Eliana Calmon declarou:
"limitada a dedução deprejuízos ao exercício de 1995, não existia empeci
lho de que os 70% restantes fossem abatidos nos anos seguintes, até o
seu limite total, sendo integral a dedução.
A prática do abatimento total dosprejuízos afasta o sustentado antago
nismo da lei limitadora com o CTN, porque permaneceu incólume o
conceito de renda, com o reconhecimento doprejuízo, cuja dedução ape
nas restou diferida. (...)
Como visto no início deste voto, não houve subversão alguma,porque não
olvidou oprejuízo, mas apenasfoi ele disciplinado de talforma que tor
nou-se escalonado”. (grifos meus) (RESP 993.975).
16 O Conselheiro Mário Junqueira Franco Jrv com meridiana nitidez, esclarece, em voto vencedor
proferido na 8a Câmara do 1o Conselho de Contribuintes (Acórdão N° 108-06.682): "A
expressão 'sem retirar do contribuinte o direito de compensar' reforça o meu entendimento de
que, em casos de descontinuidade da empresa, na declaração de encerramento cabe integral
compensação dos prejuízos acumulados, sendo inaplicável a trava.
Todo o interesse protegido foi somente regular o fluxo de caixa do Governo, sem extirpar do
contribuinte o direito à compensação de prejuízos. Qualquer hipótese na qual o efeito seja
eliminar a compensação não estará abrangida pelo campo de incidência da norma de limitação.
É matéria de pura interpretação de lei.
'Ex positis', conheço do recurso, para no mérito dar-lhe integral provimento.
É como voto; Senhor Presidente.
Sala das Sessões - DF, em 20 de setembro de 2001."
17 Exposição de Motivos da MP 998/95, reeditando as MPs n°s. 947/95 e 972/95, convertida na
Lei n° 9.065/95 e publicada no Diário Oficial do Congresso Nacional de 14/06/1995.
5 4 8 - A p r o v e it a m e n t o d e P r e ju íz o s a lé m d o s 3 0 % n a E x t in ç ã o d e I n c o r p o r a d a
20 Maurício Dantas Bezerra esclarece: "Assim, mediante uma interpretação sistemática e teleológica
de toda a disciplina analisada, consta-se claramente que a limitação à compensação prevista
no art. 15 da Lei n° 9.065/95 não alcança a última apuração de resultado por parte da
sociedade a ser incorporada, isto porque:
a) o intuito da norma é, nitidamente, diferir e escalonar o aproveitamento dos estoques de
prejuízos fiscais, de forma a assegurar um fluxo de arrecadação mínimo e não impedi-lo;
b) a norma limitadora e as decisões, proferidas pelo STJ e pelo Conselho de Contribuintes
possuem como premissa básica na sua fundamentação a continuidade das empresas; e
c) por estar expressamente vedada a possibilidade da sucessora (sociedade incorporadora)
compensar o saldo de prejuízos fiscais que anteriormente pertencia à sociedade incorporada,
qualquer limitação ao aproveitamento deste estoque por parte desta em sua última declaração
representará, ind ubitavelm ente, tribu tação de seu patrim ônio e não da renda". Da
inaplicabilidade da limitação à compensação de Prejuízos Fiscais nos casos de Incorporação,
Fusão e Cisão de Sociedades. Revista Dialética de Direito Tributário n° 96, p. 57.
21 Leia-se, neste sentido, o acórdão:
"A C Ó R D Ã O 107-09.243
1o Conselho de Contribuintes - 7a Câmara
1o Conselho de Contribuintes / 7a Câmara / ACÓ RD ÃO 107-09.243 em 05.12.2007
IRPJ - Ex.: 1999
IRPJ - COM PENSAÇÃO DE PREJUÍZO - LIMITE DE 30% - EMPRESA IN CORPO RADA - À
empresa extinta por incorporação não se aplica o limite de 30% do lucro líquido na compen
sação do prejuízo fiscal. (Acórdão CSRF/01-05.100, em Sessão de 19 de outubro de 2004,
publicado no D O U de 28/02/2002).
Decisão: Por unanimidade de votos, DAR provimento ao recurso.
Marcos Vinicius Neder de Lima - Presidente.
Publicado no DO U em: 27.02.2008
550 - A p ro ve ita m e n to de P re ju ízo s além d o s 3 0 % n a E x tin ç ã o de In c o r p o ra d a
25 Lembro trecho do voto impecável do Conselheiro Mário Junqueira Franco Jr., já atrás mencio
nado: "Procuremos portanto o elemento histórico da finalidade da norma impositiva da 'trava'.
E para isso não podemos deixar de vislumbrar as lições do saudoso amigo e ex-conselheiro
Edson Vianna de Brito, verdadeiro autor da norma, quando ainda ocupava, com incontestável
brilhantismo, posição relevante nos quadros da Receita Federal. Edson assim discorreu sobre
a norma de limitação, em seu livro Imposto de Renda. São Paulo: Frase Editora, 1995, p. 161
e segs.: 'Este dispositivo estabelece uma base de cálculo mínima, para efeito da determinação
do imposto de renda devido, através da fixação de um limite máximo de redução - por
compensação de prejuízos fiscais - do lucro tributável apurado em cada ano-calendário. Em
outras palavras, as pessoas jurídicas que detenham estoque de prejuízos fiscais apurados em
anos anteriores passam a sujeitar-se a um imposto de renda mínimo, uma vez que o lucro
tributável só poderá ser reduzido em no máximo trinta por cento.
Note-se, preliminarmente, que em nenhum momento, o texto legal cerceou o direito do
contribuinte de compensar os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994 com o
Ives G a n d r a d a S ilv a M a r t in s - 553
lucro real obtido a partir de 1o de janeiro de 1995. Pelo contrário, ao fixar um limite máximo
para compensação em cada ano-calendário, o dispositivo legal, em seu parágrafo único,
faculta a compensação da parcela que seria compensável se não houvesse a limitação com o
lucro real de anos calendário subseqüentes" (Ac. N° 108-06.682).
26 O Conselheiro José Henrique Longo fundamenta, com clareza, seu voto ao dizer: "Esse
raciocínio já está pacificado neste Conselho de Contribuintes. A norma (Lei 9065/95, art. 15),
ao impor a 'trava' na compensação, não pretendeu tolher o direito do contribuinte de não
recolher IRPJ sobre a recuperação do capital, correspondente ao lucro após prejuízo. Preten
deu sim uma arrecadação mínima, se apurado lucro líquido, com a limitação de utilização do
prejuízo acumulado. Em contrapartida, extinguiu o prazo de aproveitamento do prejuízo (de
4 anos), para que o contribuinte pudesse compensar integralmente seu saldo de prejuízo
fiscal, ainda que em muitos anos.
Desse modo, e considerando que à empresa incorporadora é vedado o aproveitamento do
saldo de prejuízo fiscal da empresa incorporada (Decreto-lei 2341/87, arts. 32 e 33), deixa de
existir a premissa de inexistência de limitação de aproveitamento do prejuízo com os lucros
futuros, o que compromete a legitimidade da trava do prejuízo." (Processo 10980.011045/99-
90, A c. N° CSRF/01-05.100)
27 A integração analógica é proibida por força do § 1o do artigo 108 do CTN, assim redigido: "Art.
108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação
tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia;
(...)
§ 1o O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei."
5 5 4 - A p r o v e it a m en t o d e P r e ju íz o s a lé m d o s 3 0 % n a E x t in ç ã o d e I n c o r p o r a d a
28 Yonne Dolácio de Oliveira lembra que: "Na criação e alteração dos tributos, o Legislativo dos
entes de governo, por força da norma constitucional que lhes outorga a competência impositiva
(e que é norma de organização da atribuição de poderes), recebe o poder para traçar na lei de
incidência, o fato-tipo legal, a que vai ligar, como conseqüência ou estatuição, o tributo. Tal
atribuição assegura ao legislador ordinário, com exclusividade, a opção para a escolha dos
fatos tributáveis, o poder de proceder à qualificação tipológica, isto é, a seleção de tais fatos
de acordo com os fins por ele objetivados para defini-los na hipótese de incidência. Também,
com exclusividade, toca-lhe o poder de determinar o "quantum" do tributo (base de cálculo e
alíquota) e o sujeito passivo.
Essa competência atribuída pela Constituição, por exigência desta, quando exercida deve
observar a norma geral do art. 97 do C.T.N ., isto é, o legislador ordinário deve proceder à
definição exaustiva dos elementos do fato-tipo legal ou hipótese de incidência, do sujeito
passivo, e dos elementos da quantificação do tributo - a base de cálculo e a alíquota.
Visto esse poder do legislador ordinário de proceder a uma qualificação tipológica ou tipificação
normática que transpõe para a hipótese de incidência da norma, cumpre anotar seus limites
previstos na Constituição e leis complementares, entre elas o C.T.N. Naturalmente o legisla
dor deve observar os marcos da atribuição rígida das competências aos entes de governo; e,
ainda que o tributo se inclua no âmbito da sua competência, deve observar as normas gerais
de organização, da Constituição e das leis complementares que, em encadeamento sistemáti
co, definem em maior grau de abstração na escala conceituai, os limites circundantes da
atuação normativa do legislador ordinário" (grifos meus). MARTINS, Ives Gandra (coord.).
Caderno de Pesquisas Tributárias n° 6. São Paulo: co-edição CEEU/ed. Resenha Tributária,
1991, p. 503-504.
Iv e s G a n d r a d a S il v a M a r t in s - 5 5 5
1. In tro dução
5 Seguindo a linha de ensinamentos de Ives Gandra da Silva Martins, podem ser citados princí
pios os mais diversos, dentre os quais o da igualdade, da desigualdade seletiva, da inter-
relação espacial, da imposição equitativa, da tríplice função integrativa. In: Teoria da imposi
ção Tributária, p. 59 e seguintes.
6 Nesse sentido, SCHOUERI, Luis Eduardo. Op. c/f., p. 2.
7 Luis Eduardo Schoueri cita em seu livro Normas tributárias indutoras e intervenção econômica
(p. 41-42) diversas denominações utilizadas, tais como Washington Peluso Albino de Souza
referindo-se a "atuação do Estado Empresário", ou Eros Graus com a expressão "intervenção no
Domínio Econômico", nas situações em que o Estado assume o controle dos meios de produ
ção, atuando em regime de monopólio.
8 Pode-se citar como exemplo de norma constitucional exemplificativa dessa atuação o art. 174
da Constituição Federal que dispõe Como agente normativo e regulador da atividade econômi
ca, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
9 Cf. SCHOUERI, Luis Eduardo. Op. c it, p. 68.
I0 De acordo com ensinamentos de J. Albano Santos em sua obra Teoria Fiscal (p. 152), dois são
os procedimentos, meios de o Estado se financiar: "1) pelo exercício de uma actividade
econômica e, de um modo geral, pela gestão do seu patrimônio, sem fazer uso dos poderes que
detém enquanto ente soberano, actuando, pois em circunstâncias análogas às de qualquer
agentes econômico privado; 2) pelo uso do seu poder de império sobre pessoas e bens,
prerrogativa de que, no plano nacional, é titular exclusivo e lhe permite coagir todos quantos
se encontram sob sua jurisdição a ceder-lhe determinados valores".
II MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da imposição tributária, p. 382.
12 SCHOUERI, Luis Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica, p. 43.
Lia n a C a r la n P a d ilh a - 561
2. O Papel H is t ó r ic o d o s T r ib u t o s
13 P. 26.
14 SANTOS, J. Albano. Op. cit. p. 24-108.
15 O mesmo autor afirma que já no Império Romano verificava-se a existência de impostos indiretos
relativos á circulação de bens (portorium), imposto sobre transações (centesima rerum venalium),
impostos sobre o consumo do sal, dentre outros (SANTOS, J. Albano. Op. cit. p. 53-56).
16 SANTOS, J. Albano. Op. cit. p. 26.
17 Ensina o autor luso J. Albano Santos que "importa, contudo, não perder de vista que o alcance
do imposto, enquanto fonte de recursos para o Estado, era diferente da que tem nos tempos
actuais (...)" (Teoria Fiscal, p. 28). Por óbvio que existem diferenças decorrentes da evolução da
cobrança e da função dos tributos, mas em sua função primordial, os tributos visam essencial
mente arrecadar, ser fonte de recurso para o Estado.
562 - A R e d u ç ã o de A líq u o t a s d o IPI n o C o n t e x t o d a C ris e .
Econômica2S, ensina que as normas tributárias, por seu critério finalístico, po
dem ser consideradas primárias ou secundárias, na conceituação de Siegbert
Morscher, quando tenham como objetivos, respectivamente, arrecadar e al
gum outro diverso do primeiro; ou podem ser ainda utilizados com fins de
política econômico-social, estando o legislador quando da edição da norma
imiscuído do desejo de influir na ordem econômica26.
A despeito das referidas teorias, Luis Eduardo Schoueri adota uma visão
diferenciada, que se distancia da questão fiscal-extrafiscal, afeiçoando-se com
a Unha de Klaus Vògel. A doutrina deste dispõe que as normas tributárias,
além da função de arrecadar, presente em toda norma que verse sobre impos
tos, possuiriam outras três funções, as quais poderiam coexistir, simultanea
mente ou não, em todas as normas: i) função de distribuir a carga tributária
(justiça distributiva); ii) função indutora; e iii) função simplificadora.
Ao valer-se de normas tributárias para regular, de forma indutora e/ou
diretiva27, a economia, o legislador ordena que o sujeito passivo da relação
tributária adote certo comportamento28.
É através, pois, de normas indutoras ou diretivas que o Estado poderá
regular os agentes econômicos no sentido de estimular ou desestimular, atra
vés de incentivos/desincentivos, para que atuem no sentido proposto pelo le
gislador, de forma que, não adotando o comportamento, ensejar-se-á a aplicação
de conseqüências imputadas pelo ordenamento29.
3 . IPI: T r ib u t o E x t r a f is c a l e F u n ç ã o I n d u t o r a
25 P. 17.
26 SCHOUERI, Eduardo. Normas Tributárias indutoras e Intervenção Econômica, p. 17.
27 Cf. ELALI, André de Souza Dantas, que cita emsua Tese deDoutoradoapresentada perante a
Universidade Federal de Pernambuco: "Em outros dizeres, entender-se-á a regulação econômi
ca como qualquer medida estatal de intervenção que tenha por objetivo a direção e/ou a
indução, por parte do Estado, visando-se à correção de falhas do sistema, com base no que
determina, principalmente, a Constituição." (Concorrência Fiscal Internacional: A Concessão
de Incentivos Fiscais, Integração Econôm ica, Desenvolvim ento e Degradação Estatal.
Pernambuco: Universidade Federal de Pernambuco, 2008, p. 36)
28 SCHO UERI, Luis Eduardo. Op, c i t p. 31.
29 Idem, ibidem, p. 43.
5 6 4 - A R e d u ç ã o d e A l íq u o t a s d o IP I n o C o n t e x t o d a C r is e .
4 . R e d u ç ã o de A líq u o t a s d o IPI: In t e r v e n ç ã o E s t a t a l
F re n te à C rise E c o n ô m ic a 2 0 0 8 - 2 0 0 9
TIPI deveriam ser isentos da cobrança de IPI, mas de fato são apenas dispen
sados do pagamento através do regime de alíquota zero, excluindo-se tais
produtos temporariamente do ônus do IPI, sem os isentar51.
Tal manobra torna-se possível, pois, nos termos do art. 153, §1° da Car
ta Magna, é cabível à União proceder à modificação da alíquota do IPI por
meio de decreto (e não lei em sentido formal, constituindo-se exceção à lega
lidade tributária) nos limites estabelecidos em lei. E, em conformidade com o
art. 64 do RIPI, “quando se tornar necessário atingir os objetivos da política
econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialida-
de do produto, ou, ainda, para corrigir distorções, poderão as alíquotas ser
reduzidas até zero ou majoradas até trinta unidades percentuais”52.
De forma que, não havendo submissão do IPI aos princípios da legalida
de e anterioridade por força do art. 153, §1° da Constituição, e permitindo a
lei que se estabeleça alíquotas-zero, possível que sejam modificadas as alíquo
tas por meio de decreto (e não por lei, em sentido formal)53e tenham limite
mínimo 0%.
Em função do dinamismo decorrente das regras especiais aplicáveis ao IPI,
tal exação foi utilizada como uma das medidas de combate à crise do governo
federal, por meio da desoneração tributária de alguns setores da economia.
A utilização do IPI em sua característica extrafiscal, como instrumento
de intervenção na economia, não é algo inédito. Diversos Decretos foram edi
tados pelo Poder Executivo federal, ao longo dos anos, alterando as alíquotas
do IPI, constantes das Tabelas de Incidência do referido imposto. Mas a im
plementação constitucional do IPI como exceção à anterioridade, a partir da
Emenda Constitucional n° 42/0354, reforçou o seu uso como meio de atuação
do Estado na economia.
Referente ao assunto da extrafiscalidade, aponta a doutrina que as nor
mas constitucionais de cunho extrafiscal distinguem-se em normas que vi
60 ZH U, Haibin. The importance o f property markets for monetary policy and financial stability, p. 1.
61 ZH U , Haibin. Op. cit., p. 1.
62 G O N ÇALEZ, Ramiro. Que Crise é Essa? Manual Prático para Entender a Crise e Dicas para
Enfrentá-la, p. 18-19.
63 Idem, ibidem, p. 19.
64 C f. denominação utilizada por Pascal Lamy em G lobal financial crisis, Doha and least-
developed countries.
574 - A R ed ução de A l íq u o t a s d o IPI no C o n texto da C r is e .
5. C o n clu sã o
R e f e r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24a ed., rev. amp. e
atual, até a Emenda Constitucional n° 56/2007. São Paulo: Ed. Malheiros, 2008.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso deDireito Tributário. 2 1a ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2009.
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trumento de Regulação Econômica na Busca da Redução das Desigualdades Regionais. São
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O Conceito de
"Destinatário" para Fins
de Incidência do
ICMS-Importação
I. I n t r o d u ç ã o
II. O IC M S - I m p o r t a ç ã o
3 STF, Súmula n° 577, DJ 03.01.77: "Na importação de mercadorias do exterior, o fato gerador
do imposto de circulação de mercadorias ocorre no momento de sua entrada no estabeleci
mento do importador."
Luís E duardo Sch o u eri - 585
4 "Tributário. Exportação de café em grão. ICMS. Base de cálculo. Quota de contribuição do IBC.
DL 406/68, art. 2, par. 8. Convênio ICM 66/88, art. 11, editado sob invocação do art. 34, par.
8., do ADCT. Princípio da imunidade tributária recíproca. A competência delegada aos Estados,
no art. 34, par. 8, do ADCT, para fixação, por convênio, de normas destinadas a regular
provisoriamente o ICMS, limita-se pela existência de lacunas na legislação. Se a base de calculo
em referência já se achava disciplinada pelo art. 2, par. 8, do DL 406/68, recepcionado pela nova
carta com o caráter de lei complementar, até então exibido (art. 34, par. 5, do ADCT), não havia
lugar para a nova definição que lhe deu o Convênio ICM 66/88 (art. 11), verificando-se, no
ponto indicado, uItrapassagem do linde cravado pela norma transitória e conseqüente invasão
do princípio constitucional da legalidade tributária. Acertado entendimento do acórdão impug
nado, suficiente para respaldar sua conclusão, dispensando-se, por isso, o exame da tese da
imunidade tributária, sem prejuízo do registro de sua absoluta impertinência, já que não se esta
diante de exigência fiscal dirigida a qualquer dos entes de direito público beneficiários dessa
lim itação ao poder de tributar. N ão-conhecim ento do recurso, com declaração da
inconstitucionalidade do art. 11 do Convênio ICM 66/88, de 14 de dezembro de 1988." (STF,
RE n° 149.922/SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro limar Galvão, DJ 29.04.94, p. 9.733)
5 "Esse dispositivo foi objeto de acesa polêmica em razão da interpretação quanto ao aspecto
temporal dessa hipótese de incidência do ICMS. De um lado, os contribuintes defendiam a
aplicação do art. 1o, II, do Dec.-lei 406/1968 e da Súm. 577 do STF, que somente admitiam a
incidência do imposto na entrada da mercadoria no estabelecimento do importador. Os
Estados, por sua vez, entendiam que o imposto era devido por ocasião do desembaraço
aduaneiro, ainda antes do recebimento da mercadoria no estabelecimento do importador." Cf.
PEREIRA, João Luís de Souza. ICMS na importação e na exportação: questões atuais. In: Revista
Tributária e de Finanças Públicas, ano 11, n° 53, 2003, p. 49.
Lufs E duardo S c h o u er i - 587
para escolher entre a entrada física e a entrada jurídica, uma ou outra sendo
suficiente para atender a exigência constitucional.
A Lei Complementar n° 87/96 dirimiu a questão, disciplinando em seu
art. 12, inciso IX, que se considera ocorrido o fato jurídico tributário no
momento do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do
exterior. Legitimou-se, portanto, a cobrança do ICMS como condição necessária
à realização do desembaraço aduaneiro. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal
declarou que a Súmula n° 577 não é aplicável às importações de mercadorias
realizadas após o advento da Constituição Federal de 19886.
11.2. A REGRA MATRIZ DO IC M S-lM PO R TA Ç Ã O SEGUNDO A LEI
C o m plem en ta r n ° 87/96
8 Por não ser o foco do presente artigo, não se reproduzem os dispositivos referentes a isenções
ou reduções de base de cálculo, relevantes para a melhor compreensão da regra matriz.
Luís E duardo S c h o u er i - 589
Do que se viu acima, verifica-se que quando se editou a Lei Kandir havia
questionamento acerca do aspecto temporal do ICMS-Importação: se seria
necessária a entrada física no estabelecimento importador, ou não. A Lei Kan
dir tratou de fixar aquele aspecto temporal, elegendo o desembaraço aduanei
ro como momento adequado para a incidência.
Afinal, o texto constitucional de 1988 não era claro com relação à entra
da física. Ao contrário, a modificação em relação ao texto constitucional ante
rior sugere que o constituinte não via na “entrada no estabelecimento” a
importância que fora dada pela doutrina e jurisprudência na ordem anterior.
590 - O C o n c e it o d e "D e s t in a t á r io " p a r a F in s de I n c id ê n c ia do IC M S - Im p o r ta ç ã o
Relevante, no texto anterior, era apenas que houvesse uma “entrada” e que se
conhecesse o “destinatário”.
O desembaraço aduaneiro é o momento a partir do qual se considera
ocorrida a entrada do bem no território nacional.
A relevância do desembaraço aduaneiro se evidencia quando se considera
o imposto de importação: este incide quando da entrada do produto importa
do no território nacional, sendo o desembaraço aduaneiro o critério temporal
escolhido pelo legislador para que se considere tal ingresso9. Embora houvesse
quem pretendesse encontrar no ingresso físico no território o critério consti
tucionalmente exigido para que se desse aquela entrada, a jurisprudência pa
cificou-se no sentido de que é com o desembaraço aduaneiro que se dá o fato
jurídico tributário, sendo irrelevante o momento da entrada física no territó
rio nacional10.
Acertada é a jurisprudência. Não se poderia conceber fosse o ingresso
físico suficiente para que se desse a importação de bens; se assim se con
cluísse, então entender-se-ia que a cada vez que um avião cargueiro atra
vessasse o território nacional em direção a um país vizinho, haveria
importação de bens, sujeita à tributação. O exemplo é absurdo, mas revela
a necessidade de que se reconheça que a importação a que se refere o
constituinte para que se dê o imposto de importação há de ser algo além
da mera entrada física no território nacional. Importa que o produto passe
a integrar a economia nacional. Exige-se que, juridicamente, aquele bem,
fisicamente ingressado noutro instante, passe a ser parte dos bens disponí
veis no mercado brasileiro. Esse momento, de natureza jurídica, é o do
desembaraço aduaneiro. Com esse procedimento, a mercadoria importada
passa a integrar a economia nacional.
9 De fato, consoante estabelece o caput do art. 1o do Decreto-Lei nD 37/66, "o Imposto sobre a
Importação incide sobre mercadoria estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no
Território Nacional."
10 "IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. FATO GERADOR. MERCADORIA DESPACHADA PARA CONSU
MO. CÓ D IGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, ART. 19. DECRETO-LEI 37/66 (COMPATIBILIZAÇÃO)
- Inexistência de contradição ou antinomia entre a norma genérica do art. 19 do CTN e a norma
específica do art. 23 do DL 37/66, posto que a caracterização de um necessário momento
naquela não previsto, e o condicionamento de indeclináveis providências de ordem fiscal, não
a desfiguram nem contraditam, porém, a complementam para tornar precisa, no espaço, no
tempo e na circunstância, a ocorrência do fato gerador. Recurso extraordinário conhecido mas
não provido." (STF, RE n° 91.337/SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Cordeiro Guerra, DJ
20.02.81, v. 1200-02, p. 621)
Luís E d u a r d o S c h o u e r i - 591
Quando se examina a Lei Kandir, vê-se que igual raciocínio pode ser
estendido ao ICMS-Importação: o legislador complementar entendeu que,
já com o desembaraço aduaneiro, o bem importado passa a integrar o estabe
lecimento importador.
É certo que, fisicamente, o desembaraço não implica entrada da merca
doria no estabelecimento; juridicamente, entretanto, com o desembaraço o
bem já faz parte do patrimônio do importador e é imputado ao estabeleci
mento que efetua a importação.
Eis um ponto que não deve passar despercebido: enquanto na lingua
gem coloquial a expressão “estabelecimento” se vincula a um local físico, im
plicando, daí, que a entrada somente poderia se dar por um movimento físico,
a expressão “estabelecimento” representa, juridicamente, uma universalidade à
disposição do comerciante.
O art. 1.142 do Código Civil prioriza esse aspecto, ao conceituar estabe
lecimento como “todo complexo de bens organizado, para exercício da em
presa, por empresário, ou por sociedade empresária”. Segue, nesse diapasão, a
tradição do sistema brasileiro. Já J.X. Carvalho de Mendonça se referia ao
estabelecimento comercial como universalidade de fato, que encontra em sua
destinação a sua unidade11. No Código Civil, a universalidade é reconhecida
juridicamente, já que seu art. 1.143 admite que seja o estabelecimento “obje
to unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos,
que sejam compatíveis com a sua natureza”.
Desta forma, a entrada no estabelecimento já não se dá, apenas, como
um fenômeno físico, mas também pode ser vista como fato jurídico, reputado
perfeito com o desembaraço. Afinal, com o desembaraço aduaneiro, o bem é
nacionalizado e imputado ao estabelecimento importador. É assim que se
justifica o raciocínio do legislador complementar, ao eleger o desembaraço
como critério temporal para a exigência do ICMS-Importação.
A tal raciocínio, poder-se-ia opor o argumento de que conquanto a le
gislação comercial admita um conceito amplo de estabelecimento, a legislação
tributária adota conceito mais restrito. A própria Lei Kandir, aliás, refere-se a
um “local” ao definir estabelecimento, no § 3o do art. 11:
11 Cf. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, v. V, livro III, 1a parte, 3a ed. Rio de janeiro: Freitas
Bastos, 1938, p. 19.
592 - O C o n c e it o de " D e s tin a t á rio " para Fin s de In cid ê n cia d o IC M S -Im p o rta ç ã o
“Art 11.
(...)
p r e v is t o na C o n s t it u iç ã o
12 Cf. ICMS na importação em face da Constituição Federal e da Lei Complementar. In: Revista
Dialética de Direito Tributário, n° 15, 1996, p. 53.
594 - O C o n c e it o de " D e s t in a tá rio " para Fin s de In c id ê n cia d o IC M S -Im p o rta ç ã o
13 Cf. O LiVEIRA, Júlio M. de; GOMES, Victor. ICMS devido na Importação - Fundap - Competên
cia Ativa. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n° 35, 1998, p. 109.
14 Cf. op. cit. (nota 7), p. 228.
5 9 6 - O C o n c e it o d e " D e s t in a t á r io " p a r a F ins d e I n c id ê n c ia d o IC M S - I m p o r t a ç ã o
EN T R A D A F ÍS IC A
16 "Nos termos desse entendimento, o que realmente importa para a identificação do sujeito ativo
na situação em questão é o local em que se encontra estabelecido o efetivo responsável
jurídico pela operação realizada, sendo irrelevante o fato de o desembaraço aduaneiro da
mercadoria importada ter ocorrido em outro Estado, bem como o de a mercadoria ter sido
remetida diretamente para empresa que a adquiriu da importadora e sediada no Estado em que
ocorreu o desembaraço ou em terceiro ente federativo." Cf. COSTA, Rafael Santiago. ICMS/
Importação: entendimento do STF acerca da legitimidade ativa. In: Revista Dialética de Direito
Tributário, n° 133, 2006, p. 91-92.
17 "EMENTA: O ICMS incidente na importação de mercadoria é devido ao Estado onde estiver
localizado o destinatário jurídico do bem, isto é, o estabelecimento importador: precedente
(RE 299.079, Carlos Britto, Inf/STF 354)" (STF, RE n° 396.859 AgR/RJ, Primeira Turma, Relator
Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 10.12.04, p. 36)
5 9 8 - O C o n c e it o d e " D e s t in a t á r io " para F ins d e I n c id ê n c ia d o IC M S - I m p o r t a ç ã o
De fato, conforme reproduzido acima, o art. 155, § 2o, inciso IX, alínea
“a”, dispõe que o ICMS incidirá “sobre a entrada de bem ou mercadoria impor
tados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte
habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o
serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o
domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço
Ora, a Constituição Federal é clara ao estabelecer que o ICMS é devido
ao Estado onde estiver localizado o estabelecimento do destinatário da merca
doria, em nenhum momento determinando que o imposto deve ser recolhido
ao Estado em que se localiza o estabelecimento onde ocorrer a entrada física
do produto. E, como se apontou, na economia moderna cada vez menos o
estabelecimento do destinatário e o estabelecimento em que ocorre a entrada
física da mercadoria irão coincidir.
Estaria a Lei Complementar n° 87/96, desta forma, em dissonância com
o texto constitucional?
Para demonstrar a conformidade do art. 11, inciso I, alínea “d”, da Lei
Complementar n° 87/96 com o quanto disposto no art. 155, § 2o, inciso
IX, alínea “a”, da Constituição Federal, far-se-á uma breve digressão a res
peito do papel da lei complementar em matéria tributária, sobretudo com
relação ao ICMS.
É o art. 146 da Constituição que determina as funções da lei comple
mentar na seara tributária, verbis:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária,
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;
após o desembaraço aduaneiro." Cf. FUNARO, Hugo. ICMS - a questão da entrada física da
mercadoria ou bem no estabelecimento importador. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n°
108, 2004, p. 95.
6 0 0 - O C o n c e it o d e " D e s t in a t á r io " pa r a F ins d e I n c id ê n c ia d o IC M S - I m p o r t a ç ã o
(•••)”
Por sua vez, o art. 155, § 2o, inciso XII, da Constituição Federal explici
ta o papel da lei complementar especificamente no que tange ao ICMS:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir im
postos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre presta
ções de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior;
(...)
§ 2o O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)
d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento
responsável, o local das operações relativas à circulação de mercado
rias e das prestações de serviços;
(.••)”
Em suma, a partir da leitura conjunta dos dois artigos, pode-se dizer que
em matéria de ICMS, a lei complementar deverá cumprir, dentre outros, os
seguintes papéis:
(i) dirimir conflitos de competência;
(ii) definir “fato gerador”, base de cálculo e contribuintes;
(iii) fixar, para efeito de cobrança do imposto e definição do estabele
cimento responsável, o local das operações relativas à circulação
de mercadorias e às prestações de serviços.
Cabe aqui perguntar: quais são os limites que devem ser observados pelo
legislador complementar no desempenho das funções que lhe foram atribuí
das pela Constituição Federal? Poderá o legislador complementar, em matéria
de ICMS, dispor como quiser sobre “fatos geradores”, base de cálculo, confli
tos de competência ou definição do local das operações?
Lu(s E duardo S ch o u er i - 601
II I. C o n c l u s ã o
C o n s id e r a ç õ e s I n ic ia is
(2) Art. 103-A da CF, que instituiu a Súmula Vinculante, nos seguin
tes termos:
“Art. 103-A - O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício, ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que,
a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante
em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração
Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma
estabelecida em lei.”
O b jetivos da S ú m u la V in c u la n te
“§ 1°, do art. 103-A: A Súmula terá por objetivo a validade, a inter
pretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja
controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a admi
nistração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica.”
Tal como colocado no § I o do art. 103-A da CF, a Súmula terá por
objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas,
sobre as quais haja controvérsia entre órgãos judiciários ou entre esses e a
Administração Pública que resulte insegurança jurídica e multiplicação de
processos sobre questão idêntica.
Requisitos para a Súmula Vinculante
a) deve haver controvérsia atual entre órgãos do Judiciário ou entre esses
e a Administração Pública;
b) essa controvérsia deve resultar insegurança jurídica e relevante multi
plicação de processos sobre questão idêntica;
c) o STF deve proferir reiteradas decisões sobre a matéria constitucio
nal (o que revela a própria natureza constitucional da controvérsia), pois é a
seu respeito que o STF deverá se manifestar;
d) necessidade de aprovação de pelo menos dois terços dos membros
do Tribunal.
O âmbito material para a criação de Súmulas vinculantes será a valida
de, a eficácia e a interpretação das normas.
M a rile n e T a la r ic o M a r t in s R o d rig u e s - 609
A provação, R e v is ã o ou C a n c ela m en to de S ú m u la
“§ 2°, do art. 103-A: Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei,
a aprovação, revisão ou cancelamento de Súmula poderá ser provocada
por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.”
A aprovação, revisão ou cancelamento de Súmula poderá ser provoca
da por aqueles que podem propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade
(art. 103 da CF).
Quem pode pedir a Edição de Súmula Vinculante?
O rol dos legitimados consta do art. 103 da CF:
- o Presidente da República;
- a mesa do Senado Federal;
6 1 0 - D ir e it o T r ib u t á r io e S ú m u l a V in c u l a n t e
D a R e c la m a ç ã o a o STF
C r ít ic a s à S úmula V in c u la n t e
A Súmula Vinculante tem sido objeto de grandes debates com argu
mentos favoráveis e contrários à sua adoção:
Argumentos Favoráveis:
a) a Súmula Vinculante torna a justiça mais ágil;
b) é injustificável a repetição de demandas sobre teses jurídicas idênticas,
já pacificadas na Corte Superior;
M a r il e n e T a l a r ic o M a r t in s R o d r ig u e s - 6 1 1
C o m e n t á r io s
diência preliminar (CPC, art. 331, § 3o) são reformadas para pior, por
que de expediente obrigatório acabou por se transformar em mera fa
culdade dos juizes, graças à infeliz alteração provocada pela Lei 10.444,
de 07.05.2002.”(A Onda Reformista do Direito Positivo e suas Impli
cações com o Princípio da Segurança Jurídica. Revista Autônoma de
Direito Privado, n° 2, p. 227'. Ed. Juruá, jan./março de 2007).
Tanto é assim que, para dar efetividade à uniformidade das decisões
judiciais em nome da segurança jurídica, existem, na legislação infraconsti
tucional, diversos dispositivos destinados a evitar a proliferação de discus
sões judiciais de matérias sobre as quais já haja entendimento pacífico do
Supremo Tribunal Federal.
O art. 557 do CPC, ao dispor sobre os processos nos tribunais, consagra
a inadmissibilidade de recursos que contrariem jurisprudência consolidada
do STF, do STJ ou do próprio Tribunal ad quem.
‘Art. 557 - O relator negará seguimento a recurso manifestamente
inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou
jurisprudência dominante do respectivo tribunal ou do Supremo Tri
bunal Federal ou de Tribunal Superior.” (não destacado no original)
O art. 475 do CPC, com a nova redação da Lei 10.352/01, ao estabele
cer que a sentença está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo
efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal, prevê, entretanto, exceção a
essa regra, no seu § 3o, ao dispor:
“§ 3o —Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sen
tença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo
Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do Tribunal Supe
rior competente.”
Como se vê, o ordenamento positivo está, todo ele, voltado a prestigiar a
uniformidade da jurisprudência, principalmente quando emana do intérprete
máximo da Constituição Federal, o que autoriza não apenas a celeridade na pres
tação jurisdicional, mas também o tratamento isonômico e de segurança jurídica.
C o n clu sõ es
S ú m u la s V in c u la n t e s em M a t é r ia T ributária
S ú m u la V in c u l a n t e 8
S ú m u l a V in c u l a n t e 21
1 O art. 62, § 3o, da Lei Federal n° 8.666/1993, apresenta o seguinte enunciado: "Art. 62. (...) § 3o
Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber: I -
aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e
aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado" (grifos
acrescidos). Registre-se que o art. 2o, parágrafo único, da Lei Federal n° 8.666/1993 determina a
definição de contrato que deve ser empregada na interpretação desse texto normativo.
2 Nesse sentido, consultar: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo,
13a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2005, p. 151-153; Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
D ireito administrativo, 22a ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2009, p. 251-258; FRANÇA, Vladimir
da Rocha. Conceito de contrato administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo:
Malheiros Editores, n° 41/2003, p, 116-122; GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo, 14a
ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 705-706; e JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de
licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialéctica, 2004, p. 519-520.
3 Como assevera Maria Sylvia Zanella Di Pietro: "Quando a Administração celebra contratos
administrativos, as cláusulas exorbitantes existem implicitamente, ainda que não expressamen
te previstas; elas são indispensáveis para assegurar a posição de supremacia do Poder Público
sobre o contratado e a prevalência do interesse público sobre o particular. Quando a Adminis
tração celebra contratos de direito privado, normalmente ela não necessita dessa supremacia e
a sua posição pode nivelar-se à do particular; excepcionalmente, algumas cláusulas exorbitantes
podem constar, mas elas não resultam implicitamente do contrato; elas têm que ser expressa
mente previstas, com base em lei que derrogue o direito comum. Por exemplo, quando a lei
permite o comodato de bem público, pode estabelecer para a Administração a faculdade de
exigi-lo de volta por motivo de interesse público" (op. cit., p. 257; grifos no original).
4 Vide art. 22, I e XXVII, da Constituição Federal.
5 Vide art. 1o, caput, e art. 55, ambos da Lei Federal n° 8.245/1991.
6 2 2 - N o tas s o b r e a D e c a d ê n c ia d a I n v a l id a ç ã o d e C o n t r a t o ...
c o n t r a t o s a d m in istr a tiv o s a o c o n t r a t o d e l o c a ç ã o de
6 Vide art. 2°, §§ 2o e 3o, da Lei de introdução ao Código C ivil (Decreto-lei n° 4.657, de
4.9.1942). Vide art. 79 da Lei Federal n° 8.245/1991. Vide art. 2.036 do Código Civil de 2002
(Lei Federal n° 10.406, de 10.1.2002).
7 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários..., cit., p. 519. Vide art. 5o, caput, e XXII, da Consti
tuição Federal. Vide art. 1.228, caput, do Código Civil de 2002.
8 Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 152.
9 O art. 2o da Lei Federal n° 8.666/1993 tem a seguinte redação: "Art. 2° As obras, serviços,
inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Adminis
tração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licita
ção, ressalvadas as hipóteses previstas nesta lei" (grifos acrescidos).
10 O art. 24, X, da Lei Federal n° 8.666/1993 tem a seguinte redação: "Art. 24. É dispensável a
licitação: (...) X - para compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades
precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua
escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia"
(grifos acrescidos).
11 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2004, v.
1, p. 632-635. Vide art. 5o, XXXV, da Constituição Federal. Vide art. 168 do Código Civil de 2002.
12 O art. 49 da Lei Federal n° 8.666/1993 tem a seguinte redação: "Art. 49. A autoridade
competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões
V la d im ir d a R o c h a F r a n ç a - 6 2 3
3 . I n a d m is s ib il id a d e d a a r g u iç ã o , em j u íz o , d a n u l id a d e
17 Vide art. 49, art. 55, II, art. 57 e art. 58, todos da Lei Orgânica do Município.
18 Como já asseveramos em outra oportunidade: "Deve ser observado que a invalidação judicial e a
invalidação administrativa são competências estatais diversas. A invalidação judicial do ato admi
nistrativo é uma via quase que exclusiva do administrado. Somente se justificaria o recurso da
Administração ao Poder Judiciário para se retirar um ato administrativo do sistema do direito
positivo quando: este provimento não foi expedido por ela, ou o ordenamento jurídico não lhe
outorgue alternativa que não seja a via judicial [referíamo-nos ao ato administrativo municipal
fundado em lei inconstitucional]. Ora, se a Administração tem um instrumento mais célere para
retirar um ato seu que se encontra eivado de invalidade, o que justificaria a opção por um caminho
reconhecidamente mais moroso e incerto? Basta que a Administração realize a invalidação admi
nistrativa segundo os ditames do devido processo legal e conforme os princípios do regime
jurídico-administrativo" (FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura..., cit., p. 151; grifos no original).
19 Em situação similar, assim decidiu o Tribunalde Justiça de São Paulo (TJSP): "Ementa:Locação
de imóveis. Embargos à execução de título extrajudicial. Fazenda Pública que alega nulidade
do contrato de locação gerador da obrigação executada. Suposta nulidade apurada em proce
dimento administrativo que não observou os arts. 5o, LIV, da CF, e 49, § 3o, da Lei 8.666/93.
Inadmissibilidade. Regularidade formal do título. Reconhecimento. Recursos oficial e volun
tário improvidos" (TJSP, Apelação com Revisão n° 969.440-0/0, 34a Câmara de Direito Priva
do, Relator Des. Nestor Duarte, Revisor Des. Rosa Maria de Andrade Nery, julgado em
3 0 .3 .2 0 0 9 , registrado em 1 4 .5 .2 0 0 9 , disp o nível em : <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg /
getArquivo.do?cdAcordao=3607248)>.
20 Vide art. 5° LIV, da Constituição Federal.
21 Vide art. 5°, LV, da Constituição Federal.
22 Vide art. 49,§ 3o, da Lei Federal n° 8.666/1993.Como adverteMarçal Justen Filho, nem mesmo
a natureza do vício de validade tem o condão de excluí-las da invalidação administrativa de
contrato público: "Nem mesmo os argumentos da notoriedade do vício ou da configuração do
fato incontroverso podem ser utilizados para afastar o respeito ao devido processo legal. Ressalte-
se, aliás, que o devido processo legal abrange os diversos aspectos pertinentes à questão. Assim,
cabe facultar ao particular o direito de ser ouvido sobre os efeitos de eventual invalidação. O ato
pode ser absolutamente nulo e até se poderia imaginar que nenhum argumento poderia ser
trazido à baila pelo particular quanto a isso. Mas daí não se infere a ausência de controvérsia
sobre a indenização ou extensão dos efeitos da invalidação" (Comentários..., cit., p. 512).
V la d im ir d a R o c h a F r a n ç a - 625
23 Nesse sentido, consultar: M ELLO, Celso Antônio Bandeira de, o p . c it., p. 477-478 e 1044-
1045; FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura..., c it., p. 145-155; e ZANCANER, Weida, op.
c/f., p. 76-98.
24 Vide art. 4o da Lei de Introdução ao Código Civil.
25 O art. 1o do Decreto Federal n° 20.910/1932 tem a seguinte redação: "Art. 1o As dívidas
passivas da União, dos Estados e dos M u nicípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação
contra a Fazenda federal, estadual ou m unicipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5
(cin co ) anos, contados da data do ato ou do fato do qual se originarem" (grifos acrescidos).
26 O art. 21 da Lei Federal n° 4.717/1965 tem a seguinte redação: "Art. 21. A ação prevista nesta
Lei prescreve em 5 (cinco) anos".
27 Sobre a matéria, consultar: FRANÇA, Vladim ir da Rocha. E stru tu ra..., c it., p. 152; e LEITE,
Fábio Barbalho. Rediscutindo a estabilização, pelo decurso temporal, dos atos administrativos
supostamente viciados. Revista de D ireito A dm inistrativo, v. 231, p. 93-115, Rio de janeiro:
Renovar, janeiro-março/2003.
6 2 6 - N o ta s s o b r e a D e c a d ê n c ia d a I n v a l id a ç ã o d e C o n t r a t o .
4. D is c ip l in a d a p r e s c r iç ã o d a c o b r a n ç a d o s a l u g u é is
28 O art. 955 e o art. 960, ambos do Código Civil de 1916 (Lei Federal n° 3.071, de 1.1.1916)
apresentam redação similar.
29 O art. 3o do Decreto Federal n° 20.910/1932 tem a seguinte redação: "Art. 3o Quando o
pagamento se dividir por dias, meses ou anos a prescrição atingirá progressivamente as presta
ções, à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto".
30 A Súmula n° 443 do STF tem a seguinte redação: "A prescrição de prestações anteriores ao
período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o
V la d im ir d a R o c h a F r a n ç a - 6 2 7
próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta". A Súmula n° 85 do STJ
tem a seguinte redação: "Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública
figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição
atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação",
31 A reclamação administrativa é instrumento mediante o qual o administrado defende direito ou
interesse diante de ato ou fato da Administração, observado o devido processo legal adminis
trativo. No âmbito do Município, encontra-se disciplinada pelo Decreto Federal n° 20.910/
1932, naquilo que não afrontar a legislação municipal.
32 Como bem leciona Celso Antônio Bandeira de Mello: "Se a Administração não se pronuncia
quando deve fazê-lo, seja porque foi provocada por administrado que postula interesse
próprio, seja porque um órgão tem de pronunciar-se para fins de controle de ato de outro
órgão, está-se perante o silêncio administrativo" (op. c/t., p. 407).
33 Sobre a matéria, consultar: MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. c/t., p. 409.
34 O art. 4° do Decreto Federal n° 20.910/1932 tem a seguinte redação: "Art. 4o N ão corre a
p rescriçã o durante a demora que, no estudo, no reconhecimento ou no pagamento da divida,
considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-
la. Parágrafo Único. A su sp en sã o da p re sc riçã o , n este ca so , verificar-se-á p ela entrada do
requerim ento do titular do direito ou do cred or nos livros ou proto co los das repartições públicas,
com designação do dia, m ês e ano" (grifos acrescidos).
35 Como, por exemplo, no seguinte acórdão: "1. PRESCRIÇÃO - SILENCIO DO RÉU DENUNCIAN
TE - DEFESA DO DENUNCIADO - EFEITOS. A defesa do denunciado aproveita ao denunciante.
Dai a ausência de preclusão pelo fato de o primeiro não haver veiculado, como matéria de
defesa, a prescrição - artigos 74 e 75 do Código de Processo Civil. 2. PRESCRIÇÃO - DIVIDA
DO ESTADO. Não há o curso da prescrição durante a apuração e estudo da dívida, na repartição
competente, provocados via requerimento do credor - artigo 4. do Decreto 20.910, de 6 de
janeiro de 1932. 3. PERDAS E DANOS - ATO DO ESTADO. O Estado e responsável pelas perdas
e danos sofridos pelo particular, em razão do retardamento indevido da satisfação de valores
contratados - artigos 159 e 1.056 do Código C ivil. 4. JUROS DA M ORA - A iliquidez da
6 2 8 - N o tas s o b r e a D e c a d ê n c ia d a I n v a l id a ç ã o d e C o n t r a t o ..
obrigação atrai, como termo inicial da incidência dos juros da mora, a data da citação - artigo
1.536, par. 2 ., do Código C ivil. 5. CO RREÇÃO M ONETÁRIA - Lei 6.899/81 - CLÁUSU LA
CONTRATUAL ANTERIOR - EFEITOS. A existência de ajuste entre as partes, formalizado em data
anterior a edição da Lei n° 6.899/81, dispondo acerca do fator próprio a ser utilizado na correção
dos valores devidos, afasta a incidência da citada lei. 6. HO N ORÁRIO S ADVOCATICIOS -
FIXAÇÃO - FAZENDA PÚBLICA. Na fixação dos honorários advocatícios, observa-se o princípio
segundo o qual a parte compelida a vir a juízo defender direito próprio não deve, caso vencedo
ra, sofrer diminuição patrimonial. Envolvendo o processo demandas diversas, consideradas as
pessoas acionadas e denunciação a lide, com participação da Fazenda Pública, abre-se campo
propício à fixação dos honorários de forma equânime - par. 4 do artigo 20 do Código de
Processo C ivil. 7. DEN UN CIAÇÃO DA LIDE - RESPONSABILIDADE DO DEN UN CIAD O . E
definida nos moldes do que ajustado ou previsto em lei. A demanda decorrente da denunciação
e limitada, no campo objetivo, pela real responsabilidade do denunciado" (STF, Ação Cível
Originária n° 381 /RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12.6.1991, publicado
no DJ de 9.8.1991). No mesmo sentido, consultar: STF, Recurso Extraordinário n° 113.900/SP,
1a Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 16.8.1988, publicado no DJ de 30.11.1990;
STF, Recurso Extraordinário n° 115.033/MG, julgado em 5.2.1988, publicado no DJ de 11.3.1988.
36 Como, por exemplo, no seguinte acórdão: "ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. DEMORA NA
APRECIAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO. DO PRAZO PRESCRICIONAL.
CLÁU SU LA C O N TRATUAL. SÚM ULAS 5 E 7/STJ. 1. - A simples interpretação de cláusula
contratual e o reexame de provas não enseja recurso especial, por encontrar óbice nos enunciados
das Súmulas 5 e 7/STJ. 2. "Prescreve em cinco anos todo e qualquer direito contra a Fazenda,
contado o prazo da data do ato ou fato que lhe tenha dado origem. - Não corre, porém, a
prescrição enquanto a demora na apreciação de reclamação administrativa se deve à própria
administração." (REsp-13.794, Rel. Ministro Hélio Mosimann, DJ de 31 .8 .9 2.). 3. Recurso
Especial conhecido em parte e, nessa, não provido" (STJ, Recurso Especial n° 988.758/MA, 2a
Turma, Rel. Juiz Federal convocado Carlos Fernando Mathias, julgado em 3.6.2008, publicado
no DJe de 19.8.2008). No mesmo sentido, consultar: STJ, Agravo Regimental no Recurso
Especial n° 1,022.505/PR, 5a Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16.12.2008, publicado
no DJe de 9.2.2009); e STJ, Agravo Regimental no Agravo n° 1.052.414/SE, 5a Turma, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28.8.2008, publicado no DJe de 22.9.2008.
37 Sobre a matéria, consultar: M ELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. c/t., p. 65-69.
V la d im ir d a R o c h a F r a n ç a - 6 2 9
42 Vide art. 369 do Código Civil de 2002. Sobre a matéria, consultar: COM ES, Orlando. Obriga
ções, 8a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 156-161; PEREIRA, Caio M ário da Silva.
Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações, 20a ed., atualização de Luiz Roldão
Freitas Comes. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 2, p. 254-270; LOPES, Miguel Maria de Serpa.
Curso de direito civil: obrigações em geral, 5a ed., atualização de José Serpa Santa Maria, Rio de
Janeiro: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1989, v. 2, p. 240-256; e TEPED IN O , Gustavo;
BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado con
forme da Constituição,da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, v. 1, p. 673-687.
43 O art. 170 do Código Tributário Nacional tem a seguinte redação: "Art. 170. A lei pode, nas
condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à
autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líqui
dos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. Parágrafo
único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste
artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a
correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da
compensação e a do vencimento".
44 O art. 1 7-A, caput, do Código Tributário M unicipal tem a seguinte redação: "Art. 1 7-A.
Fica a Administração Municipal autorizada a proceder à compensação de créditos tributá
rios ou não tributários vencidos, com créditos líquidos e certos do sujeito passivo contra
a Fazenda M unicipal".
V la d im ir d a R o c h a F r a n ç a - 6 31
Natal”4S. Ainda se observa nesse texto normativo que a competência para deferir
a compensação pertence à Secretaria Municipal de Tributação46.
Para o deferimento do pedido de compensação do locador privado, a
legislação municipal exige apenas:
(i) que o crédito tributário que se deseja compensar esteja vencido; e,
(ii) que o crédito do contribuinte seja líquido e certo.
Não se reconhece à Administração Tributária espaço para o emprego de
critérios de conveniência e oportunidade no julgamento dos pedidos de com
pensação fundados no art. 17-A do Código Tributário Municipal. Caso seja
demonstrado pelo contribuinte que ele preenche os requisitos legais, a autori
dade administrativa competente tem o dever jurídico de deferir a compensa
ção que lhe foi solicitada. Trata-se, sem dúvida, de competência vinculada47.
Por conseguinte, o locador privado tem direito subjetivo à compensação
dos créditos tributários municipais que estão sendo executados com os débi
tos gerados pelo inadimplemento contratual da Administração Municipal
no caso concreto.
Com amparo nessa premissa, chega-se facilmente à conclusão de que o
locador privado tem plena legitimidade para obter tutela jurisdicional para
a compensação pretendida, sem a necessidade do esgotamento da via ad
ministrativa, como lhe faculta o art. 5o, XXXV, da Constituição Federal48.
45 Vide art. 17-A, § 1o, IV, do Código Tributário Municipal. Não incide no caso concreto o inciso
II do mesmo dispositivo legal, que se refere ao "crédito licitado", haja vista o negócio jurídico
sob exame ter sido celebrado por meio de dispensa de licitação.
46 Vide art. 17-A, § 6o, do Código Tributário Municipal.
47 Nesse sentido, leciona Misabel Abreu Machado Derzi: "A compensação é sempre autorizada por
lei, inexistindo margem de arbítrio ou discricionariedade à Administração Fazendária. Se conce
dida em lei genérica, independe de despacho individual autorizativo. Se porém tiver caráter
individual, o despacho concessivo, comprovado o preenchimento das condições e requisitos,
deve aplicar a norma legal, uniforme e isonomicamente. O indeferimento somente se legitima em
ato administrativo fundamentado, nunca em decorrência de arbítrio (querer qualquer não justi
ficado na lei)" (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, 11a ed., atualização de Misabel
Abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 901). Ao tratarmos da figura do
ato administrativo vinculado, asseveramos em outra oportunidade: "Nos atos vinculados, o
juízo de oportunidade já foi analisado e definido pelo legislador, e, por conseguinte, inexistindo
espaço para uma avaliação subjetiva de conveniência e oportunidade da ação estatal no caso
concreto" (FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa
no regime jurídico-administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2000, p. 103).
48 Vide Súmula n° 213 do Superior Tribunal de justiça. Sobre a matéria, consultar: CAIS,
C leide Previtalli. Processo tributário, 3a ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1996,
p. 57-66.
6 3 2 - N o ta s s o b r e a D e c a d ê n c ia da I n v a l id a ç ã o d e C o n t r a t o .
49 O art. 170-A.do Código Tributário Nacional tem a seguinte redação: "Art. 170-A. É vedada a
compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo
sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial". A redação do art.
17-A, § 5o, do Código Tributário Municipal é idêntica.
50 Vide art. 165 a 1 69 do Código Tributário N acional. Vide art. 17-A, § 1o, V, do Código
Tributário M unicipal.
51 Vide art. 142, 173 e 174 do Código Tributário Nacional.
V la d im ir d a R o c h a F r a n ç a - 6 3 3
6 . C o n s id e r a ç õ e s f i n a i s
1. In tro d u ç ã o
2 . Â m b it o d e a p l ic a ç ã o d a L ei n ° 6 . 4 0 4 / 7 6
5 . C o n clu sã o
R e f e r ê n c ia s B i b l i o g r á f i c a s
SANTOS, Cleônimo dos; BARROS, Sidney Ferro. Manual do super simples, 2a ed. São Paulo:
IOB, 2009.
HAULY, Deputado Luiz Carlos. Parecer ao projeto da LC 123. Disponível em: <http://
www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=355888>. Acesso em: 10 ago. 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.
______ . Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
______ . Decreto-Lei n° 1.598, de 26 de dezembro de 1977.
______ . Lei n° 9.317, de 5 de dezembro de 1996.
______ . Lei n° 9.732, de 11 de dezembro de 1998.
______ . Código Civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
______ . Lei n° 11.196, de 21 de novembro de 2005.
______ . Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Lei Complemen
tar n° 123, de 14 de dezembro de 2006.
______ . Lei n° 11.638, de 28 de dezembro de 2007.
______ . Lei n° 11.941, de 27 de maio de 2009.
5) Tributação e Processo
I
I
I
I1
1
1
Constitucionalidade da
Cláusula Geral Antievasão
Atípica - Art. 116,
Parágrafo Único do CTN*
O presente trabalho é parte integrante das reflexões feitas pelo autor em dissertação de mestrado.
I
I
8
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I1
1
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 5 3
1 . E v a s ã o f is c a l a t íp ic a
1 Há ainda quem classifique essas condutas da seguinte forma: elisão/economia de tributos (lícita e
eficaz); evasão tributária (ilícita e sujeita a sanções penais) e elusão tributária (ineficaz e incapaz de
atingir suas finalidades de economia fiscal). ZIMMER, Frederik. "General Report", IFA, Form and
Substance in Tax Law. Haia: Kluwer, 2002. p. 21-67 apud GODOI, Marciano Seabra. Uma proposta
de compreensão e controle dos limites da elisão fiscal no direito brasileiro. In: YAMASHITA,
Douglas (coord.). Planejamento tributário à luz da jurisprudência. São Paulo: Lex, 2007. p. 241.
2 CÂMARA, Aristóteles de Queiroz. O significado lingüístico da violação indireta à lei: estudo de
semiótica aplicado ao planejamento tributário. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito
do Recife, 2004. p. 104. O autor utiliza a expressão "elusão" para designar a evasão fiscal atípica.
3 A pud MARTINS FILHO, Luiz Dias. Observações sobre norma antielisão no direito comparado
- em especial no Reino Unido. Revista virtual da Advocacia geral da União - A G U . Disponível
654 - CONSTITUCIONAUDADE DA CLÁUSULA GERAL A n TIEVASÃO A t ÍPICA
2 . I l ic it u d e c o m o c a r a c t e r ís t ic a d a ev a sã o e
6 Douglas Yamashita faz a distinção entre a conduta ilícita que contraria as regras e a
ilicitude contrária aos princípios. "Feito isso constatou-se que, hodiernamente, a ilicitude
já não se limita a condutas contrárias a regras, como a simulação ou fraude (ilicitude típica),
mas estende-se a condutas contrárias a princípios (ilicitude atípica)". YAMASHITA, Douglas.
Elisão e evasão de tributos: limites à luz do abuso de direito e da fraude à lei. São Paulo:
Lex, 2005, p. 64.
7 SA N CH ES, J. L. Saldanha.Os limites do planeamento fiscal. Coimbra: Coimbra Editora,
2006, p. 21 e ss.
6 5 6 - C o n s t it u c io n a l id a d e d a C l á u s u l a G era l A n tie v a sã o A típ ic a
8 SANCHES. Os limites..., op. cit., p. 21 e ss. Para Hermes Marcelo Huck: "Repita-se, e mais uma vez,
que o indivíduo tem o direito de organizar seus negócios e pagar o menor imposto possível,
porém essa liberdade deve decorrer de circunstâncias ou eventos ligados à conveniência pessoal,
a interesses de ordem familiar, a questões de natureza econômica ou ligadas ao desenvolvimento
da empresa, ao seu aprimoramento ou incremento de sua eficiência." HUCK, Hermes Marcelo.
Evasão e Elisão - rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva,
1997, p. 153. Em idêntico sentido GRECO, Marco Aurélio. Planejamento fiscal e interpretação da
Lei Tributária. São Paulo: Dialética, 1998. p. 131 e ss.
9 O ônus de provar a existência de negócio em fraude à lei, de forma objetiva é da Administração
Pública. Afirma Saldanha Sanches: "Demonstrar que uma certa operação corresponde a uma
gestão anormal da empresa, sujeitar uma operação ao business purpose test, nada mais é do que
a concretização administrativa de um dever de fundamentação..." SANCHES. Os limites..., op.
cit., p. 176.
I0 Para Gustavo Lopes: "A transação geradora do ganho ou vantagem fiscal possui uma motivação
fiscal primária - os Tribunais, e os aplicadores da CGAA (cláusula geral anti abuso) são convidados
a, segundos critérios de apreciação objectivos, verificar a intenção do contribuinte na configuração
da transacção, de modo a comprovar a prevalência da intenção fiscal na estrutura negociai
adoptada. Trata-se, segundo a doutrina dominante, de um 'purpose te s t'..." "Essas simulações que
podem excluir este segundo elemento, podem ser de natureza comercial (sê-lo-ão na maioria das
situações) ou de natureza familiar e até meramente pessoal, conquanto não fiscais." (primeiros
colchetes são nossos). COURINHA, Gustavo Lopes. A cláusula geral anti-abuso no direito tributário:
contributos para a sua compreensão. Coimbra: Almedina, 2004, p. 70.
II O "purpose test" exclui a ilicitude na medida em que constitui um exercício regular de um
direito. YAMASHITA. Elisão..., op. cit., p. 47. Esse mesmo autor noticia que o julgador adminis
trativo brasileiro já reconheceu a validade do teste de propósitos no seguinte julgado de n°
101-77.838 proferido em 11/07/1988, cuja origem é do Primeiro Conselho de Contribuintes,
dessa forma ementado: "IRPJ - Elisão fiscal - Se os negócios não são efetuados com o único
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 5 7
propósito de escapar aos tributos, mas sim efetuados com objetivos econômicos e empresariais
verdadeiros, embora com recurso a formas jurídicas que proporcionam maior economia de
tributária, há elisão e não evasão".
12 O VIED O , Juan Ignacio Gorospe. S IC 120/2005, de 10 de mayo. Fraude de ley y delito fiscal.
Vulneración de derecho a la legalidad penal y a la tutela Judicial efectiva sin indefensión (arts.
25.1 y 24.1 CE). Disponível em: <http://www.ief.es/Publicaciones/JurisCons/Comentarios/
2005_STC120Gorospe.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2009.
6 5 8 - CONSTITUCIONAUDADE DA CLÁUSULA GERAL A n TIEVASÃO A t ÍPICA
A distinção entre elisão e evasão, seja típica ou atípica, não pode ser
respondida de forma simples, com base apenas no critério cronológico de ocor
rência ou não do fato gerador como defende Rubens Gomes de Souza13. Tal
entendimento considera apenas a regra da legalidade, se o tributo está previsto
em lei e o contribuinte preencheu seus pressupostos de incidência14.
Data venta, não merece prosperar esse entendimento. Acaso a conduta
do contribuinte caracterize simulação, fraude comum, abuso de direito ou
fraude à lei fiscal, não pode ser classificada como elisiva porquanto qualquer
conduta que percorra um dos quatro caminhos citados é claramente ilícita15.
Imaginemos que uma empresa resolva fornecer imóveis para moradia de
empregados mediante cobrança de aluguel em valores ínfimos, ao passo que
os salários são pagos em valor inferior ao mínimo legal. É fato que tal conduta
é possível, porém, a priori, não possui nenhum propósito negociai ou pessoal
que justifique a medida. Nesse caso, embora o ordenamento jurídico não vede
esse comportamento, fica claro que a empresa, ao cobrar aluguéis em preço
ínfimo, quis exonerar-se dos tributos que incidem sobre a folha de salários
dos empregados, razão pela qual a autoridade administrativa pode desconsi
derar o negócio jurídico e tributar como se houvesse pagamento de salários
com base no preço dos aluguéis praticados no mercado. A conduta do sujeito
passivo é anterior ao surgimento do fato gerador (pagamento de salários), mas
deve ser considerada ilícita, por ausência de fundamento negociai ou pessoal
que a justifique.
Nesse sentido, em um dos raros pronunciamentos judiciais sobre a cláu
sula geral antievasão no Brasil, o Tribunal Regional Federal da I a Região -
13 "O único critério seguro (para distinguir a fraude da elisão) é verificar se os atos praticados pelo
contribuinte para evitar, retardar ou reduzir o pagamento de um tributo foram praticados antes
ou depois da ocorrência do respectivo fato gerador: na primeira hipótese, trata-se de elisão; na
segunda trata-se de fraude fiscal." CO ÊLH O , Sacha Calmon Navarro. Teoria da evasão e da
elisão em matéria tributária. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (org.). Planejamento fiscak teoria e
prática. São Paulo: Dialética, 1998, p. 174.
14 Sobre o tema, Ricardo Lobo Torres afirma que se tornou indefensável a posição no sentido de
que a elisão, praticada com base na interpretação dos conceitos do direito privado e sem
simulação, é sempre lícita. Essa doutrina tornou-se dominante no Brasil nas últimas décadas,
apoiadas em argumentos como a legalidade absoluta, do primado do direito civil sobre o
tributário, da separação entre economia e direito e da superioridade da legislação diante da
jurisprudência. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do direito tribu
tário. 3a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 145-146.
15 Como a simulação e a fraude já foram consagradas pela doutrina como condutas evasivas, não
daremos maior relevo a essas duas figuras jurídicas. Por outro lado, o maior relevo será
emprestado à fraude à lei fiscal e ao abuso de direito.
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 5 9
16 "Com as devidas ponderações sobre evasão e elisão fiscal, resta-nos analisar a situação
jurídica que originou as autuações fiscais impugnadas nos autos. Consoante observo dos
relatórios fiscais de fls. 36 e 58 e da decisão adm inistrativa de fls. 86/87, foi apurado
débito suplementar da contribuição social no período de junho de 1990 a julho de 1991,
levantado em razão da verificação, pelo órgão fiscal, da existência de salário-utilidade
fornecido na forma de habitação ao empregado pela empresa, cujos valores não constituíram
a base de cá lcu lo do tributo recolhido pela pessoa ju ríd ic a . Visando desconstituir o
débito, a Cooperativa alegou que os imóveis foram fornecidos em contrato de locação,
mediante cobrança de aluguéis, o que descaracteriza a natureza de salário-utilidade. Sem
razão a Cooperativa. Os documentos juntados aos autos informam que os valores que a
empregadora cobrava dos empregados como aluguel eram ínfimos, equivalentes a cerca de
0,34% a 3,89% do salário-mínimo vigente à época (fl. 87). Esse fato não foi negado, em
momento algum, pela recorrente. Ao contrário, limitou-se a defender a plena liberdade das
partes acertarem o preço do aluguel, cuja estipulação entre as partes é livre (item 16, fl.
145), situação que confirma a pequena expressão dos valores pagos como aluguel por seus
empregados. É certo que a lei civil confere às partes o direito de disporem de seus bens da
forma que bem lhe aprouver. Entretanto, sabe-se que a iniciativa privada sempre atua
visando à obtenção de lucro. Assim , se a empresa concede favores com repercussão
fin an ce ira, m ensalm ente, a seus empregados, os valores por eles representados são
considerados pela legislação trabalhista como parcela salarial (art. 458 da CLTJ.No caso,
a atuação da recorrente na área im obiliária - a qual não se encontra inserida em seus
estatutos sociais, como se vê dos arts. 15 e 16 (fl. 98) - com obtenção de prejuízo - visto
que os valores cobrados pelos aluguéis eram irrisórios - não encontra qualquer razão lícita
dentro da lógica do sistema jurídico." A única justificativa para essa atitude adotada pela
empresa é afastar a cobrança da contribuição social sobre a parcela salarial paga pelo
fornecimento de m oradia. Portanto, os contratos de aluguel que a recorrente alega ter
firmado com seus empregados são apenas sim ulados, a fim de fugir do pagamento de
tributo, uma vez que a empregadora está, de fato, realizando pagamento de salário. Tem-
se caracterizada, portanto, a evasão fiscal. BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1a Região.
AC n° 1 9 9 7 .0 1 .0 0 .0 6 1 057-6/M G, Relator convocado Mark Yshida Brandão, D iário da
Justiça, Brasília, 10 nov. 2006.
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 661
17 Marco Aurélio Greco traz comentários interessantes sobre o debate acerca de elisão tribu
tária. Dividiu o debate em três fases. Fases que têm subjacentes uma divergência quanto à
concepção do relacionamento entre cidadão e Estado: "Nessa primeira fase, estruturou-se
o debate sobre a elisão tributária, e sobre planejamento quase como envolvendo uma
cláusula pétrea. Então, discutir sobre legalidade tributária, tipicidade tributária, virou um
dogma para o tributarista, mas que tinha todo sentido num Estado censitário . Onde
desembocou essa primeira fase? Desembocou no desenho da elisão, como a liberdade de
o contribuinte organizar seu patrimônio, organizar os seus negócios, da forma que bem lhe
aprouvesse, desde que fosse antes do fato gerador, mediante atos lícitos e sem simulação.
Muito bem, essa é a primeira fase". (...) "A segunda fase do debate sobre a elisão começa
com a seguinte pergunta: A sim ulação é um defeito do ato juríd ico . É um defeito que
atinge a vontade da parte. E um víc io da vontade. E aí a pergunta é a seguinte: Se a
simulação contamina o exercício da liberdade pelo contribuinte, por que só ela e por que
não também as outras patologias do negócio jurídico? A segunda fase que eu diria ser a
fase em que estamos mergulhados hoje, afirma que o contribuinte tem liberdade para
organizar os seus negócios, mas tem liberdade, desde que, antes do fato gerador, mediante
atos lícitos, sem simulação e sem outras patologias do negócio jurídico. E aí vem o debate:
Quais são as outras patologias do negócio jurídico que são vedadas ou que geram o efeito
de o negócio realizado pelo contribuinte não produzir efeitos perante o Fisco? A í abre-se
um grande debate sobre três patologias: o abuso de direito, a fraude à lei em matéria
tributária, a fraude civil - fraude civil, não fraude penal - e o abuso de formas em Direito
Tributário. A doutrina, nesse momento, está dividida. Há manifestações doutrinárias muito
respeitáveis, por exemplo, do Professor Alberto Xavier, que afirma, categoricamente, que a
fraude à lei e o abuso de direito são figuras que não se aplicam ao Direito Tributário
brasileiro. Eu diria: é típica afirmação de quem está raciocinando na primeira fase, naquela
fase em que o valor liberdade e o valor propriedade estão no mesmo patamar constitucio
nal e que, portanto, qualquer atitude ou qualquer previsão legal ou qualquer ato de
autoridade administrativa que venha a arranhar o patrimônio individual supõe uma previ
são absolutamente expressa, cerrada, e assim por diante". (...) "Então, se a primeira é a fase
do "pode tudo", salvo a simulação, a segunda é a fase das patologias do negócio jurídico.
Mas qual é a terceira fase, para a qual temos de estar preparados? É a fase onde o grande
debate não vai ser mais a licitude, não vão ser as patologias - porque tudo isso tem que ser
obedecido, óbvio - mas depois que tiver sido feita toda a triagem do que o contribuinte
fez, vai-se discutir a existência, ainda, de limites à liberdade do contribuinte. Vale dizer:
ainda que o contribuinte aja licitamente antes do fato gerador, sem simulação, sem abuso,
sem fraude, sem abuso de direito, ainda assim, ele não vai ter uma liberdade absoluta,
porque aí vamos ter que debater qual é a eficácia do princípio da capacidade contributiva
versus o princípio da liberdade individual. Ou seja, onde será preciso fazer uma pondera
ção entre dois valores constitucionais, um valor nitidamente protetivo do indivíduo que é
o valor liberdade individual, valor propriedade, e outro que é um valor eminentemente
social, que é o valor da capacidade contributiva, que é a feição da isonomia em matéria
tributária e que corresponde, em última análise, ao princípio da solidariedade social".
G R ECO , Marco Aurélio. Desconsiderações de atos ou negócios elisivos. Revista de Estudos
Tributários, Porto Alegre, n° 29, p. 137, jan./fev. 2003.
18 Nesse sentido vide: TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito Tributário (Steuerrecht). Tradução do
volume I da 18a ed. por Luiz Dória Furquim. Porto Alegre: Fabris, 2008, p. 329.
6 6 2 - CONSTITUCIONALIDADE DA C lÁUSUIt K G eRAL ANTIEVASÃO A t ÍPICA
19 Sobre a qualificação dos contratos vide SANCHES, J. L. Saldanha. O regime fiscal dos centros
comerciais. Fisco, n° 34, p. 8, set. 1991.
20 Sobre o tema, leia TIPKE apud TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do
direito tributário. 3a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 148.
21 Em sentido contrário à nomenclatura de fraude à lei fiscal vide a opinião de QUERALT, Juan Martin
et. ai. Curso de Derecho Financiem y Tributário. 17a ed. Madrid: Tecnos, 2006, p. 105-106.
22 Fiara Saldanha Sanches: "A intenção axiológico-normativa que pode considerar-se relevante no
domínio tributários vai conduzir a uma não aceitação, para feitos fiscais, de negócios jurídicos
realizados com o fim único ou principal de redução da carga tributária. Essa valoração específica do
negócio jurídico, que só pode ser considerada dentro da irredutível individualidade de cada caso,
constitui um permanente desafio para o aplicador da lei". SANCHES. Os limites..., op. cit., p. 99.
23 Idem, p. 180-181.
A ndré G u stav o B a r r o s Leite - 6 6 3
4 . D e l im it a ç ã o q u a n t o à a p l ic a ç ã o d a c l á u s u l a g e r a l
a n t ie v a s ã o a t íp ic a
As normas antievasão atípica sugiram a partir dos anos 90, com as mais
diversas designações. Há uma característica comum a essas cláusulas que é
possibilitar à autoridade administrativa impor aos negócios privados a real
tributação, segundo a natureza jurídica do negócio realizado, sem considera
ções quanto à forma adotada pelo contribuinte, tendo como mais relevante
27 TORRES, Ricardo Lobo. Normas gerais antielisivas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo
e Econômico - REDAE, Salvador, n° 4, nov./dez., 200S e jan. 2006. Disponível em: <http://
w w w . d irei tod oestad o.com /revista/R ED A E-4-N O V E M B R O -2 0 0 5 -R IC A R D O % 2 0 L O B O
%20TORRES.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2007.
A ndré G u stav o B a r r o s L e it e - 665
28 ALVES, José Carlos Moreira. Figuras correlatas: abuso de forma, abuso de direito, dolo, negó
cios jurídicos simulados, fraude à lei, negócio indireto e dissimulação. In: SEMINÁRIO INTER
N ACIO N A L SO BRE ELISÃO FISCAL, 6 a 8 ago. 2001. Brasília. Anais. Brasília, Escola de
Administração Fazendária - Esaf, 2001. p. 64.
666 - C o n s t it u c io n a lid a d e d a C l á u s u l a G e r a l A n t ie v a s ã o ATfpicA
29 G O D Ó I, Marciano Seabra de. A figura da fraude à lei tributária prevista no parágrafo único
do art. 116 do Código Tributário Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo,
n° 68, 2001. p. 112.
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 6 7
tributação com base no lucro real a que estariam adstritas em razão da soma
do faturamento das oito sociedades. Um claro abuso do direito subjetivo de
criar novas empresas.
Acaso existisse apenas o dispositivo da simulação previsto no art. 149,
VII do CTN, não haveria substrato legal nas normas fiscais para a desconsti-
tuição dos efeitos fiscais do negócio jurídico citado. Todavia, independente
mente de previsão legal expressa, remanesceria a possibilidade de fundamentar
a desconsideração dos efeitos fiscais do negócio jurídico com base nos princí
pios constitucionais da capacidade contributiva ou justiça fiscal material.
Esse tipo de dissimulação realizado pela Grendene é diferente da simu
lação clássica, estudada pela teoria geral do direito. H á uma dissimulação,
contudo, os negócios jurídicos, tanto o simulado como o dissimulado, pratica
dos pela Grendene são lícitos quanto às regras.
em fraude à lei, por exemplo, ocorre quando um negócio real, quisto e verda
deiro é colocado para encobrir outro negócio real, quisto e verdadeiro. A con
seqüência dessa engenhosidade jurídica é a dissimulação da subsunção do fato
à norma, por meio de uma qualificação jurídica inadequada.
Dentro do raciocínio silogístico, a norma jurídica de incidência, en
quanto realidade abstrata e geral, consiste na premissa maior. Por outro
lado, a premissa menor consiste na ocorrência em concreto da previsão
abstrata da premissa maior, sendo a conclusão o resultado da inferência
entre elas.
A realidade hipoteticamente descrita na norma de incidência e a sua
efetiva concretização no plano dos fatos são realidades distintas. Na evasão
fiscal atípica, afinal de contas, ocorre um abuso ou fraude na subsunção do
fato à norma tributária33.
A compreensão do entendimento exposto resta ainda mais clara quan
do traçado um paralelo com outro ordenamento jurídico. Ricardo Lobo
Torres afirma que o Código Tributário Nacional Alemão estabeleceu, no
art. 41, uma regra de simulação e no art. 42 uma regra antielisiva. A doutri
na majoritariamente tem estabelecido a distinção em que a regra do art. 41,
que é de simulação, é uma regra que cuida do fingimento do fato. O fato, o
ato ou o negócio jurídicos realizados são fingidos, são simulados e dessa
simulação tiram-se outras conseqüências. Já o art. 42 não cuida do fingi
mento no fato, no ato ou no negócio jurídico, mas o fingimento na norma,
na interpretação, na subsunção.
Quando o contribuinte pratica um ato existente no mundo jurídico, ele
vai indicar como fundamento uma norma que não é a norma que verdadeira
mente se aplicava àquele fato, um problema de qualificação jurídica e conse
qüente subsunção incorreta.
Portanto, há um fingimento, na norma, enquanto na simulação em seu
sentido consagrado, há um fingimento no fato34.
33 TORRES, Ricardo Lobo. Normas Gerais Antielisivas. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
ELISÃO FISCAL, 6 a 8 ago. 2001. Brasília. Anais. Brasília, Escola de Administração Fazendária
- Esaf, 2001. p. 398.
34 i Para Ricardo Lobo Torres, o abuso na subsunção é da norma ao fato; e não o contrário.
TORRES, Ricardo Lobo. Experiência da Alemanha. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
ELISÃO FISCAL, 6 a 8 ago. 2001. Brasília. Anais. Brasília, Escola de Administração Fazendária
- Esaf, 2001. p. 188.
6 7 0 - C o n s t it u c iò n a l id a d e d a C l á u s u l a G era l A n t ie v a s ã o A t íp ic a
35 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética,
2001, p. 19, 98, 102 e 138.
36 Há quem afirme que a norma fere a tripartição dos Poderes, uma vez que delegaria ao Executivo
o poder de legislar, matéria inerente ao Legislativo. MARTINS, Ives Gandra da Silva; MARONE,
José Ruben. Elisão e evasão de tributos. In: YAM ASHITA, Douglas (coord.). Planejamento
tributário à luz da jurisprudência. São Paulo: Lex, 2007. p. 155.
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eit e - 6 71
39 Não compete nesse breve estudo discorrer sobre o instituto da analogia. Contudo, não podemos
nos furtar de afirmar que a analogia não possui função criadora de tributos, mas apenas declaratória.
Em razão da impossibilidade de descrição de todos os fatos passíveis de incidência fiscal,
compete ao aplicador do direito lançar mão dessa ferramenta interpretativa para aclarar aquilo
que não afirmou expressamente o legislador, mas assim o quis fazer. A analogia é essencial num
Estado Social de Direito porquanto possibilita uma justiça fiscal, e não uma mera isonomia
formal frente à lei. Sobre o assunto, vide a obra de XAVIER, Cecília. A proibição da aplicação
analógica da lei fiscal no âmbito do estado social de direito. Coimbra: Almedina, 2006. Sobre o
assunto, importante trazer as lições de Klaus Tlpke que, nos idos de 1982, afirmou que a analogia
não só não contraria o princípio da reserva de lei como é conforme o mesmo, ao dar cumprimen
to a vontade do legislador deficientemente expressada, o que acarreta uma maior efetividade na
observância do princípio da igualdade. TIPKE, Klaus. Limites de Ia integración en el Derecho
Tributário. Revista Espanola de Derecho Financiero, La Rioja, n° 34, p. 181-184, 1982. Quanto
à proibição da analogia no direito fiscal da Espanha afirmou Gloria Alarcon Garcia que: "Apesar
de considerar válidos los argumentos expuestos, en cuanto fundamentos dei principio dei
prohibición de Ia analogia en nuestro ordenamiento tributário, creemos importante destacar que
hasta que el legislador no atribuya el nacimiento de una obligación tributaria similar a todos los
hechos economicamente idênticos o un tratamiento igualmente beneficioso para los sujetos en
idênticas, o semejantes, situaciones econômicas, no se podrá hablar de Ia vigência de Ia justicia
tributaria en el ordenamiento jurídico". GARCIA, Gloria Alarcón. Sistema fiscal y princípios
tributários. In: D ÉG AN O , Isidoro Martin; G ARC IA, Gerardo Menéndez; G ARCIA, Antonio
Vaquera (coord.). Estúdios de Derecho Financiero y Tributário en Homenaje al Profesor Calvo
Ortega. [S.I.]: Lex Nova, 2005, v. I, p. 66-67.
40 Casalta Nabais defende a não rejeição total da analogia em matéria fiscal e contrapõe argumen
tos à tese defendida por Alberto Xavier que milita em favor da preeminência da segurança
jurídica em detrimento de outros princípios aplicados ao direito fiscal. Disserta Casalta Nabais
que: "Nada em nossa Constituição nos leva a supor que se tenha optado pela preeminência da
segurança jurídica nos termos descritos. (...) somos de opinião que a solução equilibrada entre
os valores da legalidade e da igualdade fiscais (que é, como quem diz, entre a segurança e a
justiça fiscais) no domínio da aplicação analógica das normas jurídico-fiscais de tributação
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 7 3
passa pela sua não-rejeição total". CASALTA, José Nabais. O dever fundamental de pagar
impostos. Almedina: Coimbra, 1998. (Coleção Teses), p. 392-393.
41 M ACHADO, Hugo de Brito. A norma anti-elisão e o princípio da legalidade: análise crítica do
parágrafo único do art. 116 do CTN . In: RO CHA, Valdir de O liveira (coord.). Planejamento
tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001. p. 103 e ss.; MARTINS, Ives
Gandra da Silva. Norma antielisão é incompatível com sistema constitucional brasileiro. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira, (coord.). Planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São
Paulo: Dialética, 2001. p. 117 e ss.
42 Para compatibilizar segurança jurídica com justiça fiscal, Nuno Sá Gomes propõe a seguinte
saída: ao interpretar a norma fiscal deve-se preferir ao princípio da segurança jurídica, mesmo
nos casos de evasão fiscal atípica. Já para garantir a justiça fiscal deve ser feita uma reforma na
lei. GOMES, Nuno Sá. O princípio da segurança jurídica na criação e aplicação do tributo.
Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, jul./set., p. 177-178, 1993. Discordamos do autor porque, na
prática, não houve qualquer ponderação na aplicação da norma fiscal frente ao caso concreto.
O que afirma o autor é uma total precedência do princípio, da segurança jurídica em desfavor
da justiça fiscal material. Esperar que o legislador altere a lei é, simplesmente, ignorar a
aplicação de uma justiça fiscal ao caso concreto.
43 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993. p. 92.
674 - C o n s titu c io n a lid a d e d a C lá u s u la G e r a l A n tie v a s ã o A típ ica
7 . V a lo ra çã o c r ít ic a - a c o n s t it u c io n a l id a d e da
c l á u s u l a g e r a l a n t ie v a s ã o a t íp ic a
44 Seria uma espécie de simulação "branda", "leve", uma vez que os negócios jurídicos simula
dos e dissimulados, em si, são verdadeiros, mas no conjunto atuam em fraude à lei ou abuso
de direito.
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 7 5
analógico, poderia sujeitá-lo à incidência fiscal sem que haja subsunção de sua
conduta à previsão da norma exacional45.
A vexata quaestio é saber se a subsunção do fato imponível à norma de
incidência prescinde de raciocínio analógico? E se esse raciocínio fere a regra
da legalidade?
Maria Fernanda Palma, quanto à legalidade e analogia em matéria penal,
desenvolve embasado raciocínio para mitigar a proibição da analogia. Histori
camente, a legalidade foi instituída para vedar decisões arbitrárias e garantir
segurança. Contudo, o processo de aplicação da lei não pode operar-se de
forma sempre subsuntiva, uma vez que entre a previsão legal e os fatos não
poderá haver mais do que uma semelhança ou analogia.
Deve, portanto, o aplicador da lei, por meio de um raciocínio analógico,
demonstrar uma similitude entre o caso da lei e o real e arremata:
Aquilo que, na verdade, se passa não é a “automatização” do acto
(subsunção), mas a vinculação do acto de aplicação da pena e uma
demonstração ou justificação (argumentativa) de que a lei “quereria”
aplicar-se ao caso concreto.
A proibição da analogia, corolário lógico do princípio da legalidade, deve,
assim, ser compreendida num sentido mais profundo do que a proibi
ção da utilização de raciocínios analógicos contra reo na operação de
decidir. Deve ser entendida como a proibição de que se faça uma “assi
milação” do caso concreto pelo da lei, sem que determinados argumen
tos sejam possíveis.46
A exigência de lei para instituir tanto o tributo quanto a conduta cri
minosa não implica ausência de um raciocínio analógico. Ao se interpretar a
lei, chega-se à conclusão se o fato gerador do tributo ou o tipo penal ocorre
ram ou não, conclusão que se chega sem prescindir, necessariamente, de
raciocínio analógico.
45 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário, 3a ed. Porto Alegre: Lejus, 1998. p.
134. "....quando se trata de lei tributária criadora de tributo, é indispensável que preexista regra
jurídica outorgando, expressamente, ao juiz (ou à autoridade incumbida do lançamento), o
poder de "aplicar" (criar), por analogia, a regra jurídica tributária criadora do tributo. (...) A sua
referida ineficácia decorre da existência de outra regra jurídica (portanto, justamente em virtude
do indicado cânone hermenêutico), esta de natureza constitucional (existente em todas as
modernas Constituições), que proíbe a cobrança de tributo sem prévia lei que o estabeleça".
46 PALMA, Maria Fernanda. Direito Penal: parte geral. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculda
de de Direito de Lisboa, 1994, p. 52.
6 7 6 - C o n s t it u c io n a l id a d e d a C lA u s u l a G era l A n tie v a sã o A típ ic a
47 Nesse sentido leciona Diogo Leite Campos apud SANCHES, J. L. Saldanha. A segurança
jurídica no Estado social de direito. Conceitos indeterminados, analogia e retroactividade no
direito tributário. Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, out./dez., 1984, p. 297.
48 SOLER, Sebastian. Derecho Penal Argentino. Atualizada por Cuillermo J. Fierro. Buenos Aires:
Tipográfica Editora Argentina - TEA, 1992. v. 1, p. 140.
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 7 7
49 SANCHES, A segurança jurídica no Estado social de direito. Ciência..., op. cit., p. 299.
50 Art. 43, incisos I e li do CTN (norma geral em matéria tributária).
51 Nesse sentido, vide a Lei n° 7.713, de 22 de dezembro de 1988 e alterações posteriores que
trata dos pormenores da incidência do imposto sobre os rendimentos de pessoa física. Dá
leitura dos dispositivos, infere-se o quão indeterminados são seus conceitos. Afiguraria mais
eficaz se tal lei dispusesse que qualquer ganho de capital decorrente ou não do trabalho fosse
tributado. Os casos omissos seriam, portanto, integrados por raciocínio analógico que, na
prática, afastaria a incidência do imposto sobre os rendimentos daquelas somas em pecúnia
estranhas ao critério material.
52 Acerca do imposto sobre os rendimentose o princípio da capacidade contributiva, Sérgio
Vasques entende ser "necessário que o rendimento tributável seja definido de forma tão ampla
quanto possível, para que nele se compreenda todo o fluxo de riqueza percebido pelo
contribuinte que seja útil ao pagamento do imposto". VASQ U ES, Sérgio. Capacidade
contributiva, rendimento e patrimônio. Revista Fórum de Direito Tributário - RFDT, Belo Hori
zonte, a. 2, n° 11, p. 23-61, set./out. 2004, p. 30.
6 7 8 - CONSTITUCIONALIDADE DA CLÁUSULA GERAL ANTIEVASÃO A t ÍPICA
53 PERELMAN, ChaTm. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução de Virgínia K. Pupi. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p. 106.
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 7 9
54 "Não creio que se deva identificar a lógica com a lógica formal, pois isto leva impreterivelmente
a tentativas de reduzir os raciocínios habituais dos juristas, tais como os raciocínios a pari, a
contrario ou a fortiori, a estruturas formais, ao passo que se trata de algo inteiramente diverso.
Para E. H. Lévi, "o raciocínio jurídico tem uma lógica específica. Sua estrutura se adapta a dar
um sentido à ambigüidade e a constantemente verificar se a sociedade chegou a discernir
novas diferenças ou similitudes". Trata-se essencialmente de argumentações pelo exemplo e
por analogia." PERELMAN. Lógica jurídica..., op. cit., p. 06.
55 Por uma interpretação literal da norma de incidência vide: MARTÍNEZ, Soares. Direito Fiscal.
10a ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 145.
56 Nesse sentido, o STJ pacificou recentemente seu entendimento quanto a não incidência de
imposto de renda sobre parcelas indenizatórias de dano moral por meio do julgamento do Resp
n° 963387/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Diário da justiça, Brasília, 05 mar. 2009.
57 Em matéria penal, Maria Fernanda Palma afirma: "Já quando se tratar de averiguar o que pode
ser visto como violência, grave ameaça ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir
é imprescindível a utilização de raciocínios analógicos. A própria natureza dos conceitos, algo
indeterminados, o exige. Saber, por exemplo, se a ameaça é ou não grave implica que o caso
concreto seja equiparado a outros em que a gravidade da ameaça é indiscutível". O direito
6 8 0 - CONSTITUCIONALIDADE DA CLÁUSULA G eRAL ANTIEVASÃO A t ÍPICA
último caso, o STJ reconheceu que não há aumento de capital, portanto não
deve incidir imposto sobre os rendimentos. Essa posição do STJ não decorre
de previsão em lei e assemelha-se a uma isenção do imposto, sendo embasada
em raciocínio analógico.
7 .3 . A REGRA DA LEGALIDADE COMO COMPONENTE DO PRINCÍPIO
DA SEGURANÇA JURÍDICA
penal também lança mão do raciocínio analógico e tal condição não fere a legalidade porque
saber concretizar um conceito indeterminado é possível por instrumentos de comparação e
outros em que a incidência da lei se verificou. PALMA. op. cit., p. 53.
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 8 1
58 TO RRES, Ricardo Lobo. Legalidade Tributária e riscos sociais. Revista Dialética de Direito
Tributário. São Paulo, n° 59, p. 95-112, 2000.
59 CAMPOS, Diogo Leite de; CAMPOS, Mônica Horta Neves Leite de. Direito Tributário. 2a ed.
Coimbra: Almedina, 2000. p. 124.
6 8 2 - C o n s t it u c io n a l id a d e d a C lA u s u l a G eral A n tiev a sã o A t íp ic a
8. C o n clu sõ es
60 SILVA, João Nuno Calvão da. Elisão fiscal e cláusula geral anti-abuso. Revista da Ordem dos
A d vo g a d o s, Lisboa, v. 66, p. 791-832, set. 2 0 0 6 . "Em suma, pronunciam o-nos pela
constitucionalidade e conveniência da cláusula anti-elisão, porquanto serve o princípio da
igualdade e o interesse geral, pois, com a actual redacção do art. 38°, n° 2, da Lei Geral
Tributária, são acauteladas as exigências essências da certeza e segurança jurídicas."
A n d r é G u s t a v o B a r r o s L eite - 6 8 3
1 . C o n c e it o
1 Como observado por Sérgio Gilberto Porto, o tratamento da coisa julgada pelo Código de
Processo Civil não é adequado às lides coletivas, já que teve em vista somente conflitos de
interesses entre indivíduos. (Comentários ao código de processo civil: do processo de conheci
mento, arts. 444 a 495. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 6, p. 141).
2 Cf. para uma revista das muitas teorias acerca do fundamento jurídico da coisa julgada,
PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao código de processo civil, v. 6, p. 150-152; SANTOS,
Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, p. 45-52.
3 Parece haver um certo consenso no que seja o fundamento de natureza política do instituto,
de ordem inteiramente prática, qual seja o de imprimir certeza ao direito e garantir o gozo dos
interesses reconhecidos judicialmente, o que se obtém com a vedação, a partir de determinado
momento, da possibilidade de os interessados voltarem a debater sobre aquilo que tiver sido
objeto de decisão judicial. Cf. nesse sentido, SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de
direito processual civil. 19a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 3, p. 45. Apesar disso, há os que
defendem que esse é o verdadeiro fundamento de natureza jurídica da coisa julgada, dentre os
quais é de ser citado Pontes de Miranda, para quem o que justifica a coisa julgada é a
"necessidade de segurança extrínseca", acrescendo que "A perfeição, oriunda da obtenção
possível (crescente) da segurança intrínseca ou justiça de direito material, é fim, e não elemento
de definição." (Comentários ao código de processo civil: arts. 444 a 475. 3a ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1997, v. 5, p. 117).
6 8 8 - A C o is a J u l g a d a n o P r o c e s s o C iv il B r a s ile ir o
4 "A res iudicata outra coisa não é para os romanos do que a res in iudicium deducta depois que
foi iudicata." (Instituições de direito processual civil. 2a ed. Campinas: Bookseller, 2000, v. 1,
p. 446-447).
5 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2a ed. Campinas: Bookseller,
2000, v. 1, p. 449.
6 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2a ed. Campinas: Bookseller,
2000, v, 1, p. 452.
A n d reo A leksa n d ro N o b r e M a rq u es - 6 8 9
7 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 4a ed. Milano: Giuffrè, 1984, v.
2, p. 421.
8 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 4a ed. Milano: Giuffrè, 1984, v.
2, p. 396: "Quando, per decorso di termini o per esaurimento delle impugnazioni Ia sentenza
passa in giudicato, Ia sentenza acquista una nuova qualità: diventa immutabile e incontestabile,
i suoi effetti si consolidano e non possano piú essere rimossi (se non in conseguenza delia
ristretta possibilita delle impugnazioni straordinarie); cosicchè Ia norma che dispone l'immutabilità
(art. 324 cod. proc. civ.) «non crea un'efficacia che prima non c'era, ma le conferisce soltanto
un particolare valore» Che prima non possedeva, cioè appunto 1'imutabilità sia dell'atto in
quanto tale, sia dei suoi effetti." (Tradução livre).
9 Cf. a título exemplificativo, MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 2a ed.
Campinas: Millennium, 2001, v. 3, p. 324; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito
processual civil. 19a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 3, p. 52; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. 3, p. 304.
6 9 0 - A C o is a J u l g a d a n o P r o c e s s o C iv il B r a s ile ir o
autor peninsular10, não faltando, ainda, aqueles que, apenas parcialmente, se
guem sua teoria11.
2 . C o i s a j u l g a d a c o m o u m d o s e f e it o s d a s e n t e n ç a
10 Cf. dentre outros, MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil: arts. 444
a 475. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. 5, p. 108-109; ASSIS, Araken de. Eficácia da
coisa julgada inconstitucional. In: NASCIM ENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada
inconstitucional. 4 a ed. Rio de Janeiro: Am érica Jurídica, 2003, p. 206-208; LIMA, Paulo
Roberto de O liveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997, p. 22-24.
11 Cf. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 5a ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, v. 1, p. 486; BARBOSA M OREIRA, José Carlos. Ainda e
sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais, n° 416, p. 139, 1970; PORTO, Sérgio Gilberto.
Comentários ao código de processo civil: do processo de conhecimento, arts. 444 a 495, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 6, p. 152 e 171-175.
12 Lembra Barbosa Moreira que o autor do anteprojeto do Código de Processo Civil, o então Ministro
da Justiça Alfredo Buzaid, foi um dos principais discípulos de Liebman no Brasil, recordando ainda
que, após a promulgação do código, Buzaid teve a oportunidade de afirmar que o conceito de
coisa julgada ali expressado estava em sintonia com a lição do processualista italiano, certamente
provocado pelo fato de o art. 467, por ter utilizado a expressão 'eficácia' e não 'qualidade', dar
margem a dúvidas. (La definizione di cosa giudicata sostanziale nel códice di procedura civile
brasiliano. Revista de Processo, ano 29, n° 117, p. 46, set./out. 2004). Cf. ainda, no Capítulo III,
da Exposição de Motivos do Código de Processo Civil assinada por Buzaid, o item 10.
13 Como ressalta Barbosa Moreira, ao analisar a fórmula do art. 467, Código de Processo Civil,
seria melhor que o legislador de 1973 não tivesse se esquecido da vetusta advertência derivada
do brocardo latino omnis definititio in iure civile periculosa est. (La definizione di cosa giudicata
sostanziale nel códice di procedura civile brasiliano. Revista de Processo, ano 29, n° 117, p.
42, set./out. 2004).
A n d reo A leksan d ro N o b r e M arq u es - 691
14 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil', arts. 444 a 475. 3a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, v. 5, p. 96-97.
15 Anotou Pontes de Miranda: "A eficácia da sentença concerne: a) ao processo, que ainda
continua, após ela, pois as próprias intimações e os recursos são processos; b) à demanda, que
se ultima com ela, ou com a sentença que a reformar; c) à relação jurídica ou inexistência da
relação jurídica, ou aos fatos, que ela examinou, por terem sido objeto do pleito; d) ao
conteúdo da sentença como prestação estatal (declaração, constituição, condenação, manda
mento, execução); e) a efeitos anexos ou a efeitos reflexos da decisão; f) à sentença mesma
como ato jurídico; g) à sentença mesma como simples fato." (Comentários ao código de
processo civil: arts. 444 a 475. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. 5, p. 96).
16 Comungamos com tal entendimento, ao qual, de certa forma, não diverge substancialmente
Ovídio Baptista, pelo menos nos resultados práticos, apesar de este considerar a coisa julgada
material como uma qualidade que se agrega apenas ao efeito declaratório da sentença, confor
me se depreende da seguinte passagem: "Pelas considerações precedentes, cremos que se pode
concluir, com LIEBMAN, que a coisa julgada não é um efeito, mas uma qualidade que se ajunta
não, como ele afirma, ao conteúdo e a todos os efeitos da sentença, tornando-a imutável, e sim
apenas ao efeito declaratório, tornando-o indiscutível (que é o meio de a declaração tornar-se
imutável!) nos futuros julgamentos." (Curso de processo civil. 5a ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, v. 1, p. 496). Realmente, o processualista gaúcho entende que as eficácias da
sentença (declaratória, condenatória, constitutiva, mandamental e executiva) fazem parte do
conteúdo da sentença e que é justamente isso que permite distinguir uma sentença de outra.
(Op. cit., p. 490-492).
17 M IRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil: arts. 444 a 475. 3a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, v. 5, p. 98.
18 Idem, p. 100-101.
692 - A C o is a J u lg a d a n o P ro c e s s o C i v i l B ra s ile ir o
coisa julgada material seja efeito da sentença19. Porém, é de ser destacado que
a produção desse particular efeito é diferido no tempo20. Somente com o
trânsito em julgado da sentença, isto é, conforme dispõe nosso ordenamento
jurídico, apenas quando o ato jurisdicional propriamente dito não é mais sus
cetível de impugnação —recurso ordinário ou extraordinário —é que se torna
indiscutível para as partes a declaração da vontade da lei no caso concreto, o
que não impede que efeitos outros da sentença possam ser produzidos desde
sua publicação, de acordo com a vontade legal.
É com base nesses argumentos que se opta por um conceito de coisa julga
da material que toma por base as lições hauridas essencialmente de Chiovenda,
considerando-se a coisa julgada material o efeito da sentença não mais impug-
nável (passada em julgado) que torna a afirmação da vontade da lei, no caso
concreto, indiscutível, vinculando as partes e obstando que os órgãos jurisdicio-
nais, em processos futuros versando sobre o mesmo bem da vida, voltem a se
pronunciar sobre aquilo que já foi decidido definitivamente.
Prefere-se conceituar a coisa julgada como a indiscutibilidade do provi
mento jurisdicional, ao invés de, conforme Liebman, como a imutabilidade do
conteúdo e dos efeitos da sentença21, uma vez que, tratando-se de direitos dis
poníveis22, apesar de não poderem as partes, após o trânsito em julgado, reabri
19 Nessa mesma ordem de ideias, esclarece Paulo Roberto de Oliveira Lima: "Se a coisa julgada é
decorrência mesma da sentença, tanto que sem a segunda não se há falar na primeira, seja ela (a
coisa julgada) algo de substantivo ou mera qualidade do comando emergente da decisão, é fora
de questão tratar-se de efeito da sentença. A expressão 'efeito' tem conteúdo próprio no jargão
jurídico e filosófico, denotando a conseqüência e guardando íntima relação de contrariedade
com a expressão 'causa'. Neste sentido, a coisa julgada é efeito que tem por causa a sentença."
(Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 22-23).
20 E mister lembrar que, conforme desenvolvido no quarto capítulo,, a eficácia jurídica nada mais é
que a aptidão para a produção de efeitos jurídicos, como decorrência da existência do fato
jurídico. Assim, surgindo o fato jurídico (plano da existência), o que se dá com a incidência da
regra jurídica, estará apto à constituição de direitos ou deveres ou mesmo à negação de direitos
ou deveres, isto é, à produção de efeitos ou conseqüências jurídicas. Diz-se estará apto, porque,
de acordo com a vontade legal, tais efeitos poderão surgir imediatamente após o surgimento do
fato jurídico ou apenas em um momento posterior. O testamento é um bom exemplo de ato
jurídico que, apesar de existente e, portanto, apto a produzir efeitos jurídicos, não os produz de
imediato, mas apenas em um momento posterior, o que se dá com a morte do testador. Isso por
óbvio não desnatura a natureza de efeito jurídico dos direitos previstos no testamento, apenas
porque não se produziram no tempo em que o ato passou a existir no mundo jurídico.
21 Nesse ponto divergiu Barbosa Moreira de Liebman, ao esclarecer, apesar de entender a coisa
julgada como uma qualidade e não como um efeito, que os efeitos da sentença não são
imutáveis, mas apenas o conteúdo da sentença. (Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos
Tribunais, ano 59, n° 416, p. 15, jun. 1970).
22 Essa arguta observação é feita por Sérgio Gilberto Porto, como pode ser percebida da seguinte
passagem: "Efetivamente, a crítica imposta por BARBOSA M OREIRA a LIEBMAN deixou de
A n d reo A leksa n d ro N o b r e M a r q u es - 6 9 3
3 . C o i s a j u l g a d a f o r m a l e c o i s a j u l g a d a m a t e r ia l
25 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 206.
26 ALVIM, Arruda. M anual d e direito p ro cessu a l civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2000. vol. 1, p. 509.
A n d reo A leksa n d ro N o b r e M a rq u es - 6 9 5
27 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 188-189. Cf. no mesmo sentido, CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário:
fundamentos jurídicos da incidência. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 34-35.
28 Nesse sentido, aduz Pontes de Miranda: "Direito subjetivo, pretensão e ação pertencem ao
direito material; não se confundem com a pretensão à tutela jurídica. Não há ação do direito
judicial material; porque a pretensão à tutela jurídica é que, exercendo-se, introduz no plano
processual a alegação do direito subjetivo, da pretensão e da ação (res in iudicium deducta). O
ato de pedir é exercício daquela pretensão, não dessa pretensão (de direito material) dirigida
contra o réu, nem da ação: a ação é uma das alegações da res in iudicium deducta." (Tratado de
direito privado. Campinas: Bookseller, 2000. v. 1, p. 61).
6 9 6 - A C o is a J u l g a d a n o P r o c e s s o C iv il B r a s ileir o
29 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições d e direito processu a l civil. São Paulo: Malheiros,
2001, v. 3, 297-298.
A n d reo A leksa n d r o N o b r e M a r q u es - 6 9 7
30 SILVA, O vídio A. Baptista. C u rso de p ro c e sso civ il: processo de conhecimento. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000, v. 1, p. 484.
31 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil: arts. 444 a 475. 3a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, v. 5, p. 109.
698 - A C o is a Ju lg a d a no P ro cesso C iv il B r a s il e ir o
4 . L im it e s s u b j e t iv o s d a c o i s a j u l g a d a
32 Como esclarece Cândido Rangel Dinamarco, parte é aquele que esteve integrado à relação
jurídica processual, restando englobados não só o autor e o réu, mas também os litisconsortes,
ativos ou passivos, aquele que houver feito intervenção litisco n so rcial vo luntária, o
litisdenunciado, o opoente, o nomeado à autoria e o chamado à autoria. (Instituições de direito
processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. 3, p. 317).
33 DINAM ARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros,
2001, v. 3, p. 323.
34 SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de processo civil. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, v. 1, p. 506.
A n d reo A ie k s a n d r o N o bre M arq u es - 699
apresentar suas razões em juízo sofram sua influência. Nessa situação, todavia,
não é que terceiras pessoas sejam atingidas pela eficácia da coisa julgada, o que
é vedado pelo art. 472, do Código de Processo Civil, mas sim que sejam
alcançadas pelos efeitos da sentença, enquanto ato jurídico.
Seguindo essa senda, elucida Ovídio Baptista35:
O que alcança os terceiros não é a coisa julgada, mas a sentença, en
quanto produtora de efeitos declaratórios, constitutivos - especialmen
te constitutivos, quase sempre confundidos com produção de coisa
julgada contra terceiros, como eficácia erga omnes —condenatórios,
mandamentais ou executivos.
Na grande maioria dos casos, uma sentença transitada em julgado em
nada afeta as relações jurídicas de outras pessoas, isso porque, normalmente, o
bem da vida é disputado entre as pessoas que se afirmam titulares do mesmo.
Isso não quer dizer que as pessoas possam desconsiderar a sentença proferida
inter alios, pois, como ato do Estado, possui carga imperativa a que todos
devem observância36.
Exemplificando, se uma sentença definiu que A e não B é proprietário
de dado imóvel, querendo C adquiri-lo deverá procurar A, e não B, para
travar contrato de compra e venda37, o que demonstra que a aptidão da coisa
julgada de “fazer lei entre as partes” repercute de alguma forma na vida das
outras pessoas, apenas nunca devendo interferir na disciplina da relação jurí
dica da titularidade de quem não foi demandado em juízo.
35 SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de processo civil. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, v. 1, p. 509.
36 Nas palavras de Chiovenda: "Mas, como todo ato jurídico relativamente às partes entre as
quais intervém, a sentença existe e vale com respeito a todos; assim como o contrato entre A
e 8 vale com respeito a todos, como contrato entre A e B, assim também a sentença entre /\ e
B vale com relação a todos, enquanto é sentença entre A e B." (Instituições de direito processual
civil. 2a ed. Campinas: Bookseller, 2000, v. 1, p. 499). Cf. no mesmo sentido, MARQUES, José
Frederico. Manual de direito processual civil. 2a ed. Campinas: Millennium, 2001, v. 3, p. 335.
37 Esse e outros exemplos são trazidos por Liebman, que reforça o valor da sentença como ato
jurídico ao dizer que: "Para estes terceiros, ou melhor para a maior parte deles, aquela sentença
não tem nenhum significado particular, se não aquele de um acontecimento que outras
pessoas participaram e que, como declaração da autoridade judiciária no exercício do poder
jurisdicional, segue respeitada e considerada por aquilo que é e por aquilo que vale precisa
mente no que respeita a outras pessoas." (Manuale di diritto processuale civile. 4a ed. Milano:
Giuffrè, 1984, v. 2, p. 414): "Per questi terzi, o meglio per la piu gran parte di loro, quella
sentenza non ha alcun particolare significato, se non quello di un evento intervenuto tra altri e
che, como pronuncia dell'autorità giudiziaria nelPesercizio dei potere giurisdizionale, va rispettata
e considerata per quello che è per quello che vale appunto riguardo ad altri." (Tradução livre).
700 - A C o is a J u lg a d a no P ro cesso C iv il B r a s il e ir o
38 Cf. nesse sentido, SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de processo civil, v. 1, p. 506; PORTO,
Sérgio Gilberto. Comentários ao código de processo civil: do processo de conhecimento, arts.
444 a 495. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 6, p. 214.
39 Liebman utiliza a denominação 'terceiros mediatamente interessados' e os distingue ainda dos
terceiros que se afirmam titulares do bem da vida que foi litigado entre as partes no processo
e foi objeto de decisão. (Manuale di diritto processuale civile. 4a ed. Milano: Giuffrè, 1984, v.
2, p. 417-418). A diferença entre as duas situações é que a relação jurídica que o terceiro
entende ser titular não é apenas conexa, dependente ou prejudicial àquela que foi disputada
pelas partes e decidida pelo juízo, mas sim se trata da própria relação jurídica material objeto
A n d reo A leksa n d r o N obre M a rq u es - 701
44 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil: arts. 444 a 475. 3a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, v. 5, p. 123.
45 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros,
2001, v. 3, p. 321-322.
A n d reo A leksa n d ro N o br e M a r q u es - 7 0 3
5 . L im it e s o b j e t iv o s d a c o i s a j u l g a d a
46 Nesse sentido, dispõe o art. 128, Código de Processo Civil: "O juiz decidirá a lide nos limites
em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito
a lei exige a iniciativa da parte."
47 Segundo o art. 468, Código de Processo Civil: "A sentença, que julgar total ou parcialmente a
lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas." Tal regra é complementada
pela prevista no art. 474, do Código de Processo Civil, do seguinte teor: "Passada em julgado a
sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte
poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido." A lei presume, então, havendo
omissão da parte acerca de alegações e defesas não manifestadas oportunamente, o julgamento
de tais questões, impedindo a reabertura da causa, a fim de evitar que os litígios se eternizem, o
que se denomina na doutrina brasileira de eficácia preclusiva geral da coisa julgada, apesar de
haver quem fale também em "coisa julgada implícita" ou "julgamento implícito", e que não se
confunde com os limites objetivos da coisa julgada. Cf. nesse sentido, SILVA, Ovídio Baptista da.
Curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 1, p. 517.
48 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 2a ed. Campinas: Millennium,
2001, v. 3, p. 331.
49 Cf. a esse respeito, dentre outros: LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 4a
ed. Milano: Giuffrè, 1984, v. 2, p. 428-429; MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de
processo civil: arts. 444 a 475. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. 5, p. 118; SANTOS,
Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 19a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 3,
A n d reo A leksan d ro N o bre M a rq u es - 7 0 5
in t e r e s s e s m e t a in d iv id u a is
Tudo o que foi acima dito sobre os limites subjetivos da coisa julgada se
aplica às sentenças de mérito que resolvem conflitos de interesses individuais.
Outras regras precisavam ser e foram criadas para adaptar o instituto da coisa
julgada às denominadas demandas coletivas, a fim de proporcionar que ter
ceiros pudessem ser atingidos pela eficácia da coisa julgada, ampliando então
seus limites subjetivos51.
p. 64; SILVA, Ovídio Baptista da. Curso d e p ro c e sso civ il. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, v. 1, p. 509.
50 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de p rocesso civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v.
1, p. 514.
51 Co m o sustenta Sérgio Gilberto Porto: "Co m o se vê, procurou o legislador amoldar o instituto
da coisa julgada à nova realidade que se lhe apresentava. E a fórmula encontrada foi a de
vincular a extensão do instituto da coisa julgada à natureza do direito debatido na causa. Com
706 - A C o is a J u lg a d a no P ro cesso C iv il B r a s il e ir o
isso, admitiu claramente que não há mais, sob os aspectos dos limites subjetivos, uma única
concepção do instituto da coisa julgada, mas tantas quantas reclamar a natureza do direito."
(Com entários ao cód ig o de p rocesso civ il : do processo de conhecimento, arts. 444 a 495. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 6, p. 168).
A n d reo A leksa n d ro N o br e M a r q u es - 7 0 7
52 O Ministro Gilmar Mendes (em substituição à presidência do Supremo Tribunal Federal), no SS-
3052, deferiu liminar, em janeiro de 2007, suspendendo execução de medida liminar conce
dida em mandado de segurança, a fim de que os idosos possam gozar do referido benefício
legal enquanto não é julgada a ação principal. (Disponível em: http://www.stf.gov.br/impren-
sa/pdf/ss3052.pdf. Acesso em: 29 mar. 2007).
53 Recentemente, o Supremo Tribunal Federal apreciou liminar sobre a matéria na Ação Originária
1429, Rel. Ministra Ellen Gracie. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/
u ltim as/ler.a sp ?C O D IG O = 2 20 087 & tip = U N & p aram = ind eferida% 20 lim in ar% 20 em %
20ação%20originária>. Acesso em: 29 mar. 2007.
708 - A C o is a J u lg a d a no P ro cesso C iv il B r a s il e ir o
facilitar uma melhor proteção desses direitos, permitiu a lei que a defesa fosse
feita coletivamente, identificando tais direitos como individuais homogêneos.
Perceba-se o que dispõe o art. 81, da Lei 8.078/90:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida emjuízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titu
lares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular
grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos
os decorrentes de origem comum.
Para esses novos direitos, que foram reconhecidos no mundo ocidental
apenas no século passado, cujos titulares correspondem a um montante mais ou
menos indeterminado de pessoas, logicamente que o instituto da coisa julgada,
no que diz respeito aos seus limites subjetivos, não poderia permanecer com
características idênticas ao das demandas que versam sobre conflitos individuais,
sob pena de a tutela coletiva não ter nenhuma utilidade prática54.
Isso torna possível inclusive uma conclusão bastante significativa de que
não é o direito posto em causa que tem que se adaptar ao instituto da coisa
julgada, tal como este foi pensado tradicionalmente, mas é a coisa julgada,
como meio garantidor da certeza e segurança jurídicas, que deve se amoldar ao
direito debatido.
É nessa linha de raciocínio que Sérgio Gilberto Portoss defende o se
guinte ponto de vista:
54 Seguindo essa senda, aduz Rodolfo de Camargo Mancuso que "(...) a finalidade última de
todo processo coletivo reside na eficácia social do julgado, visto tratar-se de instrumento
voltado a dirimir conflito de interesses metaindividuais." (Ação civil pública: em defesa do
meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 10a ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 305).
55 PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao código de processo civil: do processo de conheci
mento, arts. 444 a 495. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 6, p. 170.
A n d reo A leksa n d r o N obre M a rq u es - 709
56 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Raulo: Revista dos
Tribunais, 1997. p. 151-155.
57 Não se descure que, de acordo com o art. 21, da Lei 7.347/85, aplicam-se, no que for
cabível, os dispositivos acerca da defesa do consumidor em juízo, inclusive, portanto, as
regras sobre a coisa julgada, à ação civil pública que verse sobre direitos e interesses difusos,
coletivos e individuais.
7 1 0 - A C o is a J u l g a d a n o P r o c e s s o C iv il B r a s ile ir o
58 Cf. PORTO, Sérgio Gilberto. Com entários ao código de p rocesso civil : do processo de conhe
cimento, arts. 444 a 495. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 6, p. 171.
59 Nessa última hipótese, não se trata de eficácia derivada da coisa julgada produzida na ação
coletiva, como quer fazer crer a redação dada pelo § 3°, do art. 103, Lei 8.078/90, mas apenas
da utilização dos fundamentos fáticos e jurídicos da decisão prolatada em demanda coletiva
em posterior ação versando sobre interesse individual. A técnica do transporte in utilibus já era
conhecida em nosso ordenamento jurídico antes da edição do Código de Defesa do Consu
midor, mais precisamente no caso de sentença penal condenatória. Assim, com base no art. 63,
do Código de Processo Penal, transitada em julgado a sentença penal condenatória, pode a
vítima, seu representante legal ou herdeiros promover diretamente a execução, sem necessitar
mais comprovar a existência do fato ou a culpa do acusado, já configurada com a condenação
penal, bastando buscar definir a extensão dos danos a fim de possibilitar sua liquidação.
A n d reo A leksa n d r o N o bre M a rq u es - 711
de provas, por outro lado impede que eventual conluio entre um dos legiti
mados a propor a ação com a parte adversa, no sentido de produzir deficien
temente as provas das alegações no processo60, possa prejudicar um grande
número de pessoas que sequer puderam defender seus interesses em juízo.
Adequada, então, a opção do legislador, já que as vantagens, sem dúvida,
superam as desvantagens.
Nota-se, portanto, que, nas demandas coletivas, em determinadas situações,
a coisa julgada atinge não só as partes do processo, mas também terceiros,
revolucionando a disciplina dos limites subjetivos da coisa julgada em
comparação com a concepção tradicional, ainda aplicável às demandas que
versam sobre interesses individuais heterogêneos. Isso foi possível a partir do
momento em que se criou para a tutela coletiva o conceito de ‘representação
adequada’, superando a exigência, própria das lides individuais, da presença,
em regra, no processo do titular do interesse em disputa, já que apenas ao
titular do interesse era conferida a legitimidade ad causam, uma das condições
necessárias a permitir o exame do mérito pelo órgão judicial.
Assim, deve ser abominada e repelida toda e qualquer alteração legislati
va que restrinja o alcance da coisa julgada advinda de sentença prolatada em
ação coletiva61, uma vez que tal limitação desconsidera o fato de que os inte
resses em jogo pertencem a um número mais ou menos indeterminado de
pessoas, isto é, que a relação jurídica em debate une uma gama indeterminada
de pessoas, de modo que qualquer limitação à eficácia erga omnes da coisa
60 M ANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ção civ il pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio
cultural e dos consumidores. 10a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 292.
61 A mais significativa alteração buscando mitigar o alcance da coisa julgada nas ações coletivas
foi, sem dúvida, a do art. 16, da Lei 7.347/85, encetada por meio de edição de medida
provisória que veio posteriormente a ser convertida na Lei 9.494/97. Segundo o mencionado
dispositivo, "a sentença civil fará coisa julgada erga o m n es, nos limites da competência
territorial do órgão prolator." Como se vê, o legislador misturou institutos diversos, já que
não se confundem competência e coisa julgada, é dizer, uma vez transitada em julgado uma
decisão prolatada por órgão jurisdicional previsto na Magna Carta, os efeitos da sentença e
da coisa julgada surtem em todo o território nacional, independentemente dos limites
territoriais da competência do órgão judicante que proferiu a decisão. A competência é
instituto que resolve apenas qual dos órgãos ju risd icio n a is deve conhecer e decidir
determinado litígio. Uma vez decidido o litígio, não cabendo mais recurso, passa a coisa
julgada a produzir seus efeitos, desconhecendo, para tal, fronteiras internas, já que a
jurisdição é una. Assim é em relação às lides individuais, não havendo porque ser diferente
justamente em relação às lides coletivas, onde os interessados podem estar (e normalmente
estão!) distribuídos por mais de um território, tendo o conflito repercussão muitas vezes não
apenas local, mas regional e quiçá nacional.
712 - A C o is a J u lg a d a no P ro cesso C iv il B r a s il e ir o
julgada faz com que perca a ação coletiva toda sua utilidade social, além do
que possibilita a convivência de decisões contraditórias62.
7 . À GUISA DE CONCLUSÃO
B ib l io g r a f ia
ALVIM, Arruda. Manual de direitoprocessual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. vol. 1.
ASSIS, Araken. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do
(coord.). Coisajulgada inconstitucional. 4a ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 203-231.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3a ed.
São Paulo: Saraiva, 2004.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2a ed. Campinas: Bookseller,
2000. v. 1.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros,
2001. v. 3.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di dirittoprocessuale civile. 4a ed. Milano: Giuffrè, 1984. v. 2.
LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à teoria da coisajulgada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 22-24.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civilpública', em defesa do meio ambiente, do patrimô
nio cultural e dos consumidores. 10a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 2a ed. Campinas: Millennium,
2001, v. 3.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil', arts. 444 a 475. 3a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, v. 5.
______ . Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000. v. 1.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais, ano 59,
n° 416, p. 9-17, jun. 1970.
______ . La definizione di cosa giudicata sostanziale nel codice di procedura civile brasiliano.
Revista de Processo, ano 29, n° 117, p. 42-48, set./out. 2004.
D o c u m en to s L e g a is C o n su lta d o s
I. C o n tr o le d o po d er d e t r ib u t a ç ã o
1 La R evo lu ción Francesa. Buenos Aires: Ediciones B. Argentina, 2004, p. 19-20. Tradução de
Aníbal Leal.
718 - M andado de S egu ran ça e D i r e it o T r ib u t á r io
2 A Minas Gerais, por concentrar, no final do século XVII, e no século XVIII, a maior parte da
riqueza brasileira, em razão da atividade mineradora, coube importante papel na história com
a Guerra dos Emboabas, a Revolta de Filipe dos Santos e a Inconfidência Mineira. Embora sem
maior destaque, o Nordeste teve seu papel com a insurgência contra o "imposto do chão" no
movimento conhecido como a Revolta do Quebra-Quilos, nos anos de 1874 e 1875. Por sua
vez, relata Euclides da Cunha que uma das causas da aversão de Antônio Conselheiro pela
República consistiu no fato de, com o reconhecimento da autonomia dos municípios, as
câmaras das localidades da Bahia tinham afixado nas tábuas tradicionais, que faziam as vezes
da imprensa, avisos para a cobrança de impostos. Eis, com narrativa candente, a reação: "Ao
surgir esta novidade Antônio Conselheiro estava em Bom Conselho. Irritou-o a imposição; e
planeou revide imediato. Reuniu o povo num dia de feira e, entre gritos sediciosos e estrepitar
de foguetes, mandou queimar as tábuas numa fogueira, no largo. Levantou a voz sobre o 'auto
de fé', que a fraqueza das autoridades não impedira, e pregou abertamente a insurreição contra
as leis" (Os sertões. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 237).
3 M oral tributaria dei Estado y de los contribuyentes. Tradução, apresentação e notas a cargo de
Pedro M. Herrera Molina. Madri: Marcial Pons, 2002, p. 98.
E d il s o n P e r e ir a N o bre Jú n io r - 7 19
6 Interessante ver o deliberado pela 2a Turma do Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental
no RESP 253.634 - SP (v.u., rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 19-03-2001), ao se entender que
a demonstração segundo a qual a merluza é pescada ou não nas águas territoriais brasileiras,
indispensável no caso concreto para o gozo de isenção de ICMS, foi considerada como matéria
dependente de dilação probatória, a inviabilizar a concessão de mandado de segurança.
7 Resgate histórico consta de Carlos Mário da Silva Velloso (Conceito de direito líquido e certo.
In: Curso de mandado de segurança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 75-76).
8 O excerto sumular tem a redação seguinte: "Controvérsia sobre matéria de direito não impede
concessão de mandado de segurança".
E d il s o n P e r eir a N o b r e J ú n io r - 7 2 1
9 A esse respeito, incisivo se mostra José Afonso da Silva: "O habeas data é, portanto, um
remédio constitucional, com natureza de ação judicial civil, que tem por objeto proteger a
esfera íntima dos indivíduos contra: a) usos abusivos de registros de dados pessoais coletados
por meios fraudulentos, desleais ou ilícitos; b) introdução nesses registros de dados sensíveis
(assim chamados os de origem racial, opinião política, filosófica ou religiosa, filiação
partidária e sindical, orientação sexual, etc.); c) conservação de dados falsos ou com fins
diversos dos autorizados em lei" (Mandado de injunção e habeas data. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1988, p. 58).
10 Eis a ementa do julgado: "C O N S T IT U C IO N A L. PRO CESSU A L C IV IL . 'H ABEAS DATA'.
F IN A L ID A D E . IN A D E Q U A Ç Ã O D O 'N O M E N JU R IS ' D A A Ç Ã O . I - O rem édio
constitucional do 'habeas data' tem por fim assegurar o conhecim ento de informações
pessoais do interessado junto a entidades governamentais ou de caráter público (art. 5o,
LX X II, a da C F/88), não alcan çan d o pretensões que tenham por escopo a atuação
administrativa no serviço público. II - Inadmissibilidade de o ju iz prestar a tutela jurisdicional
como se a parte se tivesse valido da ação própria na espécie" (v.u., rel. Juiz Jirair Aram
Meguerian, DJU - II de 03-02-97, p. 4.066).
7 2 2 - M a n d a d o d e S e g u r a n ç a e D ir eit o T r ib u t á r io
Io: “Para os fins desta Lei, consideram-se: (...) III - autoridade - o servidor
ou agente público dotado de poder de decisão”.
O próprio conceito de ato administrativo - que tem aqui importância,
pois a exigência de tributo se opera mediante atividade administrativa vincu
lada - envolve colorido decisório, conforme assente no estrangeiro.
O art. 120 do Código de Procedimento Administrativo de Portugal,
promulgado pelo Decreto-lei 442, de 15 de novembro de 1991, enuncia:
“Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as deci
sões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público
visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.
Comentando o preceito, Diogo Freitas do Amaral11mostra que a pre
tensão legislativa foi mais longe, recortando entre a massa dos atos da Admi
nistração uma categoria nova, denominada decisão, a implicar que nem todos
os atos jurídicos perpetrados no exercício da função administrativa, dentro de
uma situação individual e concreta, são atos administrativos, somente estando
compreendidos nestes aqueles que correspondem a um conceito estrito de
decisão, por expressarem uma estatuição, determinação ou prescrição.
Desafiam o ajuizamento de mandado de segurança não somente o lança
mento, mas outras decisões da Administração Tributária, como a negativa de
uma isenção ou outro direito subjetivo do contribuinte. São impugnáveis tanto
os atos administrativos primários de lançamento quanto os atos secundários,
decorrentes de procedimento de impugnação dos primeiros.
Ato de controle de legalidade do lançamento - e que, portanto, implica
decisão -, o ato de inscrição na dívida ativa também enseja a impetração de
mandado de segurança.
Porventura consistindo o primeiro escrito sobre o exame do mandado
de segurança como instrumento de controle judicial da tributação, Sílvia La
Porta de Castro12esgrime o ponto de vista, no sentido de que, na relação
11 Curso de direito administrativo. Coimbra: Livraria Almedina, 2003. Livro II, p 221.
12 O mandado de segurança como defesa do contribuinte contra exigência de crédito tributário.
Revista de Direito Tributário, Revista dos Tribunais, ano II, n° 4, p. 118,120-122, abril/junho de
1978. Dentre a vastidão da pesquisa encetada pela autora, consta menção ao decido pelo
Supremo Tribunal Federal no RE 71.319 - MC (1a Turma, v.u., rel. Min. Amaral Santos, Audiência
de Publicação de 20-10-71), em cuja ementa se acha consignado: "A dívida fiscal só se torna
exigível depois de inscrita e não da notificação para o pagamento, nascendo da inscrição o
direito de insurgir-se o contribuinte contra ela, por via de mandado de segurança". Rechaçando
E d il s o n P e r eir a N o b r e J ú n io r - 7 2 3
14 STJ, 1a T., v.u., rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU de 14-10-96.
15 Desnecessária referência a recurso administrativo cuja interposição independe de caução
diante do recente entendimento do Pretório Excelso (Pleno, RE 389.383, v.u., rel. Min. Marco
Aurélio, DJU de 29-06-2007; Pleno, Agravo Regimental no Al 398.933, v.u., rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJU de 29-06-2007), no sentido de que a garantia de instância, na esfera adminis
trativa, afigura-se inconstitucional.
E d il s o n P e r eir a N o b r e J ú n io r - 7 2 5
Daí se percebe que o art. 5o, I, da Lei 12.016/2009, não possui incidên
cia no direito tributário, em face do parágrafo único do art. 38 da Lei 6.880/
80 constituir lei especial, prevendo solução diversa. Assim, na hipótese de
impetração do mandado de segurança contra ato da Administração Tributá
ria, haverá a renúncia do direito de recorrer ou a desistência do recurso admi
nistrativo que tiver sido interposto.
Esse posicionamento é defendido por Alberto Xavier16, para quem a
inexistência de efeito suspensivo do recurso administrativo é pressuposto da
impetração do mandado de segurança, não se aplicando quando o objeto do
procedimento administrativo seja ato omissivo, porque os efeitos porventura
danosos da omissão são produzidos imediatamente e não são suscetíveis de
suspensão pela interposição recursal.
Não se pode esquecer que um dos aspectos sensíveis em torno da matéria
sob abordagem é o da impetração preventiva.
A Lei 12.019/2009, secundando opção da legislação anterior, deixa cla
ro, no seu art. I o, caput, que o mandado de segurança não se presta apenas
para restaurar a violação de direito líquido e certo, mas também para conjurar
que aquela venha a ocorrer, o que resulta expresso da locução “ou houver justo
receio de sofrê-la”17.
Dificuldade que, com assiduidade, é apontada nesse particular é a que
resulta da inadmissibilidade de utilização de mandado de segurança para im
pugnar lei em tese, conforme a Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal.
O objetivo da orientação jurisprudencial é o de evitar que o mandado de
segurança seja empregado para a declaração de inconstitucionalidade em for
ma abstrata. Não impede que o contribuinte, visando escapar às garras do
legislador tributário, por meio da ação mandamental, postule conjurar as de
cisões administrativas que se lancem à execução dos comandos legais que são
reputados ilegítimos.
16 Princípios do processo administrativo e judicial tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 243-
244. Hugo de Brito Machado (Mandado de segurança em matéria tributária. 2‘ ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995, p. 57) ratifica o entendimento, salientando que, no campo
tributário, há lei específica, de modo a ser possível a impetração de mandado de segurança
mesmo quando interposto recurso administrativo com eficácia suspensiva. O ingresso em juízo
implica a desistência do recurso.
17 A referência ao justo receio de sofrer violação a direito líquido e certo já constava do art. 1o,
caput, da recém ab-rogada Lei 1.533/51. Por seu turno, a Constituição vigente, ao se ocupar
da consagração do direito à tutela judicial efetiva (art. 5°, XXXV), alude à ameaça a direito.
726 - M an d ad o de S egu ran ça e D i r e it o T r ib u t á r io
18 Mandado de segurança em matéria tributária. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.
271. Eis as palavras do autor: "Em matéria tributária merece o mandado de segurança preventivo
especial atenção, pois a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob
pena de responsabilidade funcional. Isto significa dizer que, tendo conhecimento da ocorrência
de um fato tributável, a autoridade administrativa não pode deixar de fazer o lançamento
correspondente. Assim, editada uma lei criando ou aumentando tributo, desde que ocorrida a
situação de fato sobre a qual incide, gerando a possibilidade de sua cobrança, desde logo a
autoridade está obrigada a exigir o tributo, e a impor penalidades aos inadimplentes. Em tais
condições, é viável a impetração de mandado de segurança preventivo. Não terá o contribuinte
de esperar que se concretize tal cobrança. Nem é necessária a ocorrência de ameaça dessa
cobrança. O justo receito, a ensejar a impetração, decorre do dever legal da autoridade adminis
trativa de lançar o tributo, impor as penalidades e de fazer a cobrança respectiva. A autoridade
administrativa não pode deixar de aplicar a lei tributária, ainda que a considere inconstitucional.
E não é razoável presumir-se que vai descumprir o seu dever (op. c/t, p. 271). Anteriormente esse
pensamento constou de artigo (Mandado de segurança - impetração preventiva em matéria
tributária. Revista de Processo, Revista dos Tribunais, ano 19, n° 75, p. 59-62, jul./set. 1994).
19 De salientar que, ao rejeitar pleito de extinção, por falta de interesse, da ADI 221- 0 - DF (STF,
Pleno, v.u., DJU 22-10-93), formulado pelo Procurador-Geral da República, o voto do relator,
Min. Moreira Alves, assentou, à guisa de obiter dictum, que o controle de constitucionalidade de
lei ou ato normativo é da exclusiva competência do Judiciário, admitindo, quando muito, que
o Legislativo e o Executivo apenas determinem que seus órgãos subordinados deixem de aplicar
administrativamente leis e atos administrativos que reputem inconstitucionais, sem desconsiderar
E d il s o n P e r e ir a N obre J ú n io r - 7 2 7
M in is t é r io P ú b l ic o
23 ALVIM, Eduardo Arruda. Mandado de segurança no direito tributário. 1a ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998, p. 68.
24 Diz o autor: "Em que consiste tal chamamento? Essa é uma indagação relevante. Difícil aceitar-
se a tese do litisconsórcio, pois a autoridade coatora já defende basicamente direito do ente
público ou a ele equiparado. Ter-se-á, com a aceitação dessa tese, a da dupla defesa. Geraria
contra o ente público alguma presunção quanto aos fatos, se silenciasse, deixando escoar in
E d il s o n P e r eir a N o b r e J ú n io r - 7 2 9
albis o prazo de dez dias? Não se está a falar em confissão de direito, mas se reconhecendo que
haverá sempre um quadro fático sobre o qual o impetrante construirá suas alegações jurídicas.
A notificação da pessoa jurídica, no nosso entender, não tem esse papel, mas, tão somente, de
dar ciência àquele que, na hipótese de acolhimento da pretensão, sofrerá os seus efeitos, da
existência do processo para que possa tomar as medidas que julgar cabíveis" (O novo regime
jurídico do mandado de segurança. São Paulo: MP Editora, 2009, p. 131).
25 STJ, 3a Seção, MS 12.068 - DF, v.u., rel. Min. Og Fernandes, DJe de 22-10-2009; STJ, 1a Turma,
RMS 29.490 - RJ, v.u., rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 19-08-2009. Neste julgado, o
entendimento é perceptível à luz de interpretação a contrario sensu.
26 Eis a redação da súmula: "Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência
delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial". A orientação foi
reafirmada recentemente no julgamento do MS 10.884 - DF (STJ, 3a Seção, v.u., rel. Min.
Haroldo Rodrigues (Convocado), DJe de 01-10-2009).
27 É o caso da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, cujo art. 71, I, alínea e, estabelece
a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar mandado de segurança impetrado
7 3 0 - M a n d a d o d e S e g u r a n ç a e D ir e it o T r ib u t á r io
contra ato de secretário de estado. Daí que eventual impetração de mandado de segurança
com vistas a atacar ato perpetrado pelo Secretário de Tributação constitui hipótese de compe
tência originária do Tribunal de Justiça potiguar.
E d il s o n P e r eir a N o b r e J ú n i o r - 7 3 1
28 O novo regime jurídico do mandado de segurança. São Paulo: MP Editora, 2009, p. 133-134.
7 3 2 - M a n d a d o d e S e g u r a n ç a e D ir e it o T r ib u t á r io
30 Mandado de segurança em matéria tributária. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995,
p. 163-164.
31 Mandado de segurança no direito tributário. 1a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998,
p. 221-224.
E d ils o n P e re ira N o b re J ú n io r - 735
Lei 12.016/2009, ao dizer que não será deferida liminar para a entrega de
mercadorias e bens provenientes do exterior.
A proibição legal não pode ser aplicada dissociada de sua evolução legis
lativa. Não se está aqui proibindo que, em controvérsias envolvendo o paga
mento de tributos pelo ingresso de mercadorias no território nacional, venha o
contribuinte, ao compreender indevida a exação tributária, obter liminar, com
a determinação de serem liberados os bens que importou.
Suponha-se que pessoa física, a qual não seja contribuinte do ICMS,
por não ser comerciante ou industrial, tenha retidas as mercadorias que im
portou, ao argumento da exigibilidade de dito imposto. Não poderá, de forma
alguma, ser contemplada com liminar em mandado de segurança, desde que a
sua situação fática de não-contribuinte possa ser demonstrada mediante pro
va pré-constituída? Penso que a negativa se impõe.
É que o dispositivo legal em comento nada mais fez senão repetir o que
constou do art. I o da Lei 2.770/5635. Assim, não há motivo para que não
subsista interpretação já manifestada pela doutrina36e pela jurisprudência37,
com o fim de entender que o embaraço legal - que deve ser compreendido de
forma restritiva, na sua condição de lei excepcional - somente possui incidên
cia quando se cuidar de importação irregular capaz de evidenciar contrabando
ou descaminho.
Dois pontos merecem ainda breve referência e que se relacionam à eficá
cia das decisões de mérito concessivas de mandado de segurança envolvendo o
afastamento de exigências pecuniárias da Administração Tributária.
O primeiro deles diz respeito a situações em que, negada a medida
liminar, ou a segurança por ocasião da sentença de mérito, venha a súplica a
ser deferida mediante decisão posterior tornada irrecorrível. Imagine-se que,
diante da negativa do pedido de tutela de urgência, bem como de Improce
dência do pleito por força de decisão monocrática, tenha o contribuinte,
para evitar os indesejáveis efeitos da mora, realizado o pagamento da exação
35 Conferir a redação da mencionada regra legal: "art. 1o Nas ações e procedimentos judiciais de
qualquer natureza, que visem obter a liberação de mercadorias, bens ou coisas de qualquer
espécie procedentes do estrangeiro, não se concederá, em caso algum, medida preventiva ou
liminar que, direta ou indiretamente importe na entrega da mercadoria, bem ou coisa".
36 ' MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado
de injunção e “hábeas-data". 12a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 51.
37 TRF - 5a Região, 3a Turma, v.u., rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano, DJU - II de 24-03-2005, p. 273.
7 3 8 - M a n d a d o d e S e g u r a n ç a e D ir e it o T r ib u t á r io
que impugna. Impõe-se novo ingresso em juízo para que haja a restituição
do que foi, indevidamente, quitado? Absolutamente. Embora possa haver
forte estorvo teórico nesse sentido, sou de que tal entender se mostra, no
particular da experiência prática, despropositado e absurdo.
Seria a hipótese de se ofertar interpretação extensiva ao §4° do art. 14 da
Lei 12.016/2009 que, secundando o disposto no art. Io, caput, e §3°, da Lei
5.021/65, assegura o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias as
segurados em sentença concessiva de mandado de segurança em favor de ser
vidor público com relação às prestações que se venceram a partir da impetração.
Em tais situações há decisão final declarando a ilegitimidade da exigência
tributária, a qual deve operar não somente para frente. O rito de cobrança a ser
observado é o previsto para a execução contra a fazenda pública. Exigir-se nova
ação para o reconhecimento do direito à restituição das parcelas quitadas ao
depois da impetração constitui apego imoderado ao formalismo em detrimento
da eficácia das decisões judiciais e da necessidade do Judiciário em reparar a
lesão a direito subjetivo quando tal restar verificado.
Já chegou o instante do jurista brasileiro perceber um pouco da influên
cia das lições que constituíram o grande legado dos romanos, o qual não deve
ser estudado apenas para o regozijo de formulações meramente teóricas, ou
para exposição vazia de pujança intelectual. Superior em progresso e desen
volvimento dentre os povos da antiguidade, a ordem jurídica romana foi for
mulada - e não poderia ser diferente - para, antes de tudo, servir como
instrumento hábil a resolver os problemas que surgiam no meio social38.
De invocar o exemplo retratado na AC 359.071 - PE. Servidores públi
cos da Administração Federal Direta impetraram mandado de segurança, com
o escopo de afastar a incidência da majoração da alíquota da contribuição
previdenciária imposta pela M P 560/94, tendo sido negado o pleito de limi
nar e denegada a segurança pela sentença. Acórdão da 2a Turma do Tribunal
Regional Federal da 5a Região, provendo apelação dos impetrantes, concedeu
o pedido, considerando indevido o aumento da exação em causa.
38 Max Kaser (Direito privado romano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 17 e 19)
enuncia que uma das causas da grandeza do direito privado romano foi a visão aberta dos seus
jurisconsultos às realidades da vida, formulando uma ciência jurídica serviente às necessida
des práticas.
E d il s o n P e r eir a N o b r e J ú n io r - 7 3 9
Algumas cautelas merecem ser consideradas para que se possa, com se
gurança, determinar qual o sentido da orientação jurisprudência! acima. Ini
cialmente, não há que se perder de vista que, aprovada em 13-12-63, teve
como leading case o decidido nos Embargos no Agravo de Petição 11.22740e
é neste que é possível encontrar-se o sentido da súmula, a partir do exame de
sua ratio decidendi.
Uma surpresa emergente está na circunstância de que o caso concreto
não se referia a mandado de segurança, mas tal não tem maior importância
porque uma das discussões decisivas se centrava no descortino dos efeitos tem
porais da coisa julgada na província tributária.
O litígio decorreu do fato de o contribuinte ter apresentado defesa em
executivo fiscal, ajuizado para a cobrança de imposto sobre a renda relativo ao
exercício de 1936, incidente sobre juros de apólices emitidas anteriormente à Lei
de 31 de dezembro de 1925. O cerne da insurgência foi o de que noutro executivo
fiscal, promovido para o mesmo fim, mas relacionado ao ano de 1934, o
contribuinte se saiu vitorioso com a tese da não tributação dos juros das mencionadas
apólices e, portanto, haveria coisa julgada, a obstar a renovação do litígio.
Acolhida a defesa pela sentença, a turma, por maioria, negou provimento
ao recurso de ofício e ao agravo, ensejando a interposição de embargos, nos
quais o Procurador-Geral da República renovou o argumento tendente ao
não reconhecimento da coisa julgada.
Em primoroso voto condutor, o Min. Castro Nunes se lançou ao estabe
lecimento de divisor de águas. Louvado em considerações tendentes a reco
nhecer identidade substancial, para fins de tratamento jurisdicional, entre a
relação contribuinte e a Administração e aquela estabelecida com os servido
res públicos, bem assim sobre o instituto do lançamento e sua impugnação,
com realce aos sistemas jurídicos francês e italiano de contencioso administra
tivo, acentuou que se o julgado versar sobre a invalidação dum determinado
lançamento, envolvendo questões de fato, variáveis de caso para caso, a senten
ça não poderá ser válida para os exercícios seguintes.
Outra deverá ser a solução quando a resistência do contribuinte envolver
matéria de direito, como na hipótese de se contestar o critério que tenha a
Administração Tributária adotado por restar contrário ao sistema jurídico.
Entendendo, no caso dos autos, que o contribuinte, uma vez tendo sido
cobrado pelo pagamento de imposto de renda sobre juros de apólices da dívida
pública, já obtivera o reconhecimento de que tais rendimentos não poderiam
ser tidos como tributáveis, forçoso era o reconhecimento da prevalência, também
para exercício financeiro diverso, da res judicata, sobressaindo-se voto
majoritário pela rejeição dos embargos41.
Noutro passo, não é possível olvidar que o debate, do qual resultou a
orientação cristalizada pela Súmula 239 - STF, teve seu lastro no princípio
da anualidade tributária, conforme se pode conferir da argumentação tecida
pelo Procurador-Geral da República, à época exercendo também a chefia da
representação judicial da União.
Referido princípio vinculava a competência de tributar ao assentar que
as leis instituidoras de impostos, mesmo vigentes, somente poderiam justifi
car a exigibilidade das respectivas prestações caso a lei orçamentária anual
viesse a autorizar a sua cobrança para o correspondente exercício financeiro42.
41 Do longo pronunciamento do Min. Castro Nunes, entendo por bem destacar o trecho a seguir:
"O que é possível dizer, sem sair, aliás, dos princípios que governam a coisa julgada, é que esta
se terá de limitar aos têrmos da controvérsia. Se o objeto da questão é um dado lançamento que
se houve por nulo em certo exercício, claro que a renovação do lançamento no exercício
seguinte não estará obstada pelo julgado. E a lição dos expositores acima citados. Do mesmo
modo, para exemplificar com outra hipótese que não precludirá nova controvérsia: a prescrição
do imposto referente a um dado exercício, que estará prescrito, e assim terá sido julgado, sem
que, todavia, a administração fiscal fique impedida de lançar o mesmo contribuinte, em períodos
subseqüentes, que não estarão prescritos nem terão sido objeto do litígio anterior. Mas, se os
tribunais estatuíram sobre o impôsto em si mesmo, se o declararam indevido, se isentaram o
contribuinte por interpretação da lei, ou de cláusula contratual, se houveram o tributo por
ilegítimo, porque não assente em lei a sua criação ou por inconstitucional a lei que o criou em
qualquer dêsses casos o pronunciamento judicial poderá ser rescindido pelo meio próprio, mas
enquanto subsistir será um obstáculo à cobrança, que, admitida sob a razão especiona de que
a soma exigida é diversa, importaria práticamente em suprimir a garantia jurisdicional do contri
buinte que teria tido, ganhando à demanda a que o arrastara o Fisco, uma verdadeira vitória de
Pirro. Ora, no caso dos autos, o mesmo contribuinte novamente lançado para pagar impôsto de
renda sôbre juros de apólices já obtivera o reconhecimento judicial do seu direito de não pagar
o impôsto sôbre tal renda. Não importa que haja julgados posteriores em outras espécies
sufragando entendimento diverso, aliás com o meu voto. Nem impressiona o argumento de que,
o caso julgado fere a regra da igualdade tributária, por isso que, em qualquer matéria, essa
desigualdade de tratamento fiscal ou não, é uma conseqüência necessária da intervenção do
Judiciário, que só age por provocação da parte e não decide senão em espécie".
42 Segundo Aliomar Baleeiro (Limitações constitucionais ao poder de tributar. 6a ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1985, p. 09-10), o princípio da anualidade foi instituído, às explícitas, pelo art. 171
da Constituição de 1824, permanecendo como de aceitação implícita a partir da Constituição
de 1891, somente retornando ao texto constitucional com o § 34 do art. 141 da Constituição
de 1946, ao proclamar: "Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabe
leça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalva
do, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra". Foi abolido com a EC
01/69 ao moldar o texto do art. 153, §29, da Constituição pretérita. Do autor se colhe a
7 4 2 - M a n d a d o d e S e g u r a n ç a e D ir eit o T r ib u t á r io
V . M a n d a d o de se g u ra n ça e com pensação
43 1a Seção, mv, rel. Min. Ari Pargendler, DJU de 28-04-97. Esclarecedora a leitura da ementa:
"TR IBU TÁ R IO . COM PEN SAÇÃO. TR IBU TO S LAN ÇADO S POR H O M O LO G A Ç Ã O . AÇÃO
JUD ICIAL. Nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação (CTN, art. 150),
a compensação constitui um incidente desse procedimento, no qual o sujeito passivo da
obrigação tributária, ao invés de antecipar o pagamento, registra na escrita fiscal o crédito
oponível à Fazenda, que tem cinco anos, contados do fato gerador, para a respectiva
7 4 4 - M a n d a d o d e S e g u r a n ç a e D ir e it o T r ib u t á r io
homologação (CTN , art. 150, §4°); esse procedimento tem natureza administrativa, mas o
ju iz pode, independentemente do tipo da ação, declarar que o crédito é compensável,
decidindo desde logo os critérios da compensação (v.g., data do início da correção monetá
ria). Embargos de divergência acolhidos".
E d ils o n P e re ira N o b re J ú n io r - 745
45 Súmula 629: "A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor
dos associados independe da autorização destes". Súmula 630: "A entidade de classe tem
legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse
apenas a uma parte da respectiva categoria".
46 A deliberação se encontra assim ementada: "CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MAN
D AD O DE SEG U R A N Ç A C O LETIV O . LEG ITIM ID A D E ATIVA A D CAUSAM DE PARTIDO
PO LÍTICO . IM PUGNAÇÃO DE EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA. IPTU. 1. Uma exigência tributária
configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só podendo ser impugnada por eles
próprios, de forma individual ou coletiva. Precedente: RE n° 213.631, rel. Min. limar Galvão,
E d il s o n P e r eir a N o b r e J ú n i o r - 7 4 7
exposto a imensa utilidade que decorreria do melhor tratamento do instituto, com a diminui
ção do número de demandas que entravam o bom andamento do Judiciário.Por essas razões,
critica-se o excesso de timidez - decerto preconceituosa - dos pretórios com o ajuizamento de
mandados de segurança coletivos pelos partidos políticos, de sorte a contribuir em detrimento
da criatividade judicial, a qual, como assinalou Jean Cruet, constituiu a nota mais significativa
do pretor romano." (op. cit., p. 311-312)
49 O tema restou pacificado com a edição da Súmula 632 - STF, assim redigida: "É constitucional
lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança",
50 Precedendo a Lei 9.784/99, a qual aludiu à necessidade de publicação específica no seu art. 26,
essa distinção foi enfocada por Carmen Lúcia Antunes Rocha (Princípios constitucionais da
Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 248-249) a pretexto de comentar o
princípio da publicidade consagrado no art. 37, caput, da Lei Fundamental. Pela publicidade
genérica a Administração se dirige à coletividade indistintamente, enquanto que a específica é
voltada ao cidadão que possui interesse na prática de determinado ato da Administração, o qual
é suscetível de interferir na sua esfera de direitos. Por isto, reclama-se que o conhecimento da
decisão administrativa se opere, por via de regra, de forma individualizada. Nesse conjunto estão
inseridas as decisões que decorrem do liame entre Administração Tributária e contribuinte.
E d il s o n P e r eir a N o b r e J ú n io r - 7 4 9
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Medida Liminar em
Matéria Tributária e
Exigência de Garantia
1. In tro d u çã o
1 É o caso, por exemplo, da figura da suspensão de segurança e de liminar, criada pela Lei 4.348/
64, hipertrofiada pela medida provisória 2.180/2001 e integralmente mantida na nova lei.
2 Há exceções, é certo, como é o caso do art. 26 da Lei T2.016/2009, que procura resolver o
lastimável problema do descumprimento das ordens judiciais proferidas em sede de mandado
de segurança.
3 São exemplos a proibição de que sejam concedidas liminares sem a ouvida da parte contrária
nos mandados de segurança coletivos (art. 22, § 2o, da Lei 12.016/2009), e a "explicitação" de
que não cabe a condenação em honorários de sucumbência (art. 25). Quanto aos honorários,
não deixa de ser paradoxal a situação: a jurisprudência entendeu não ser cabível a condena
ção em honorários pura e simplesmente em virtude de alegada "omissão" do legislador, que
não teria tratado do assunto na Lei 1.533/51. Agora, ao legislar em torno do assunto e
consolidar a sua disciplina em texto único, o legislador resolve suprir a omissão para, fundado
na jurisprudência (que se fundou na sua anterior omissão!), explicitar que realmente não são
devidos honorários.
H u g o d e B r it o M a c h a d o S e g u n d o - 7 5 7
2 . O PROCESSO E O TEMPO
4 MARINS, James. Defesa e vulnerabilidade do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009, p. 63.
5 Idem, ibidem.
758 - M ed id a Lim in ar em M a té r ia T r ib u t á r ia e Exig ên cia de G a r a n t ia
deve ser, também tanto quanto possível, acertada, correta, no sentido de que
deve corresponder àquilo que a ordem jurídica determina seja decidido em
relação aos fatos que efetivamente ocorreram. A rapidez põe em risco a perfei
ção, e vice-versa, sendo necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre
ambas. Esse ponto de equilíbrio, que pode ser diferente em situações também
distintas, será encontrado com o recurso ao princípio - ou ao postulado, aqui
não discutiremos isso6- da proporcionalidade.
Não se trata de algo peculiar ao processo, aliás. O mesmo ocorre em qual
quer outro caso de tensão entre princípios, assim entendidas as disposições que
determinam a promoção de certos valores, ou de determinadas situações ideais,
sem indicar os meios que para tanto poderão ser utilizados7. Basta que se to
mem, por exemplo, as determinações constitucionais de proteção à livre inicia
tiva, ao pleno emprego, ao consumidor e ao meio ambiente, todas previstas como
princípios da ordem econômica pelo art. 170 da CF/88. Qualquer dessas deter
minações, levada às suas últimas conseqüências (ou, por outras palavras, concre
tizada a qualquer custo), implicará a aniquilação das demais.
Nem mesmo se trata de algo peculiar ao direito. Toda decisão racional é
pautada por objetivos, metas ou valores, que têm seu peso medido em cada
caso8. Imagine-se, por exemplo, uma pessoa que, nas festas de fim de ano, esta
belece para o ano seguinte as seguintes metas pessoais: (i) entrar em forma; (ii)
estudar mais; (iii) dar mais atenção à família. São metas que, maximizadas de
forma absoluta, podem levar à supressão das demais. Se, no ano seguinte, o
sujeito passa todos os dias na academia, pela manhã, à tarde e à noite, e nas horas
6 Rara essa discussão, confira-se: ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 41 a 43. E ainda: MACHADO SECUN DO , Hugo de Brito; MACHADO, Raquel
Cavalcanti Ramos. O razoável e o proporcional em matéria tributária. In: ROCHA, Valdir de
Oliveira. Grandes Questões Atuais do Direito Tributário v. 8. São Raulo: Dialética, 2004, p. 174.
7 Afinal, princípios são mandamentos de otimização, ou, na visão de Humberto Ávila, "são
normas im ediatam ente fin a lística s, prim ariam ente prospectivas e com pretensão de
complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da
correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida
como necessária à sua promoção" (ÁVILÂ, Humberto. Teoria dos princípios. 4a ed. São Raulo:
Malheiros, 2004, p. 70). Não há como conformar princípios que apontam para direções diversas
senão através da ponderação.
8 A rigor, proporcionalidade, ponderação, fórmula do peso, são apenas tentativas de teorizar a
racionalidade que orienta inconscientemente as escolhas humanas, a cada passo. Basta ver a
"ponderação" que um médico faz antes de receitar um remédio, sopesando se com ele se
alcançará a cura (adequação), se não há outro mais barato, ou com menos contraindicações
(necessidade), e se os efeitos colaterais, se inevitáveis, não são piores que a própria doença
(proporcionalidade em sentido estrito). É algo tão lógico que eles, os médicos, devem ficar
impressionados que tanto se teorize a respeito nos cursos - logo onde! - de Direito.
H u g o d e B r it o M a c h a d o S e g u n d o - 7 5 9
3 . T u t e l a d e u r g ê n c ia , p r o p o r c io n a l id a d e e
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
9 A legislação relativa às tutelas de urgência não utiliza tais expressões. No caso do mandado de
segurança, por exemplo, se diz "fundamento relevante" e risco de "ineficácia da medida, caso
seja finalmente deferida". Tais expressões, contudo, são apenas outra maneira de designar o
que comumente se rotula de fumaça do bom direito e de perigo da demora. Confira-se, a
propósito: M ACHADO, Hugo de Brito. Mandado de segurança em matéria tributária. 8a ed. São
Paulo: Dialética, 2009, p. 136.
10 Não será realizado, nesse caso, o princfpio da "máxima coincidência possível", decorrente da
garantia de acesso à jurisdição (CF/88, art. 5o, XXXV), segundo o qual o resultado obtido por
quem pleiteia a proteção jurisdicional e a obtém deve ser o mais próximo possível daquele que
seria alcançado se a parte adversa houvesse cumprido sua obrigação espontaneamente. Isso
porque, como ensina Marcelo Lima Guerra, "... a exigência de prestação efetiva de tutela
jurisdicional impõe-se como um corolário da própria idéia de Estado de Direito, mais especi
ficamente, como uma conseqüência direta daqueles seus princípios fundamentais consisten
tes no monopólio da jurisdição (proibição de autotutela) e a correspondente garantia de ampla
proteção jurisdicional de qualquer lesão ou ameaça a direito (o que significa, de outro ângulo,
uma proibição de denegação da tutela jurisdicional)". GUERRA, Marcelo Lima. Estudos sobre
o Processo Cautelar. São Paulo: Malheiros, p. 11.
H u g o d e B r it o M a c h a d o S e g u n d o - 7 6 3
11 M ACHADO, Hugo de Brito. Mandado de segurança em matéria tributária. 8a ed. São Paulo:
Dialética, 2009, p. 146.
12 Foi o que se decidiu, por exemplo, no STJ, no REsp n° 97.912-RS, Rel. Ministro Garcia Vieira,
j em 27.11.97, DJU de 09.03.98, p. 14.
7 6 4 - M e d id a L im in a r em M a t é r ia T r ib u t á r ia e E x ig ê n c ia d e G a r a n t ia
4 . L im i n a r e m m a n d a d o d e s e g u r a n ç a e a e x i g ê n c i a
d e g a r a n t ia
messa para o exterior, quando surge divergência ligada a algum tributo inci
dente nessa operação, havendo a apreensão da mercadoria, que é perecível.
Nesse caso, impetrado mandado de segurança destinado a que se determine a
liberação da mercadoria para exportação, o juiz, mesmo diante da presença da
fumaça do bom direito, vê-se diante do risco da irreversibilidade qualquer
que seja a decisão tomada: caso determine a liberação das lagostas e sua expor
tação sem o pagamento do tributo, a Fazenda, caso ao final seja vitoriosa na
demanda, não terá a menor condição de receber a quantia correspondente, eis
que o impetrante sequer tem estabelecimento no país, e o seu funcionário
encarregado das aquisições deixará o país juntamente com as mercadorias. Por
outro lado, caso denegue a liminar, os prejuízos pela demora em dispor da
mercadoria ou mesmo em razão de seu perecimento não serão reparados pela
sentença que eventualmente conceder a segurança, no futuro, que restará in
teiramente inútil. Diante de fumaça do bom direito eloqüente, o juiz pode
deferir a medida independentemente de garantia. Caso, contudo, esse fumus
não seja assim tão claro, o juiz poderá, para conceder a medida, exigir do
impetrante alguma forma de garantia ou contracautela, destinada a assegurar
à Fazenda Pública que, caso a medida seja revogada ou reformada, ou caso a
segurança venha a ser denegada, a situação de fato poderá ser revertida. E isso,
aliás, o que sugere a literalidade da parte final do art. 7o, III, da Lei 12.016/
2009, ao se reportar à exigência da garantia como forma de “assegurar o ressar
cimento à pessoa jurídica”.
Mas é preciso que se observe: em tais casos, a segurança destina-se a con
ceder ao impetrante mais do que a mera extinção de um crédito tributário, e a
liminar, por conseguinte, presta-se para providências mais amplas que a mera
suspensão de sua exigibilidade14. Por isso, em tais casos, para prevenir o risco da
irreversibilidade, uma contracautela pode ser exigida, não esvaziando, só pelo
fato de ser prestada, a finalidade ou a utilidade da liminar, que ainda pode (aliás,
deve, se presentes os demais requisitos) ser deferida. No caso de writ destinado
à mera extinção de determinado lançamento, com a liminar objetivando apenas
a suspensão de sua exigibilidade, há componente adicional, que merece trata
mento apartado.
14 Como registra Hugo de Brito Machado, a exigência de garantia torna-se pertinente, em matéria
tributária, quando a liminar "tem outros objetivos" distintos da mera suspensão da exigibilidade.
M ACHADO, Hugo de Brito. Mandado de segurança em matéria tributária. 8a ed. São Paulo:
Dialética, 2009, p. 147
7 6 6 - M ed id a L im in a r em M a t é r ia T r ib u t á r ia e E x ig ê n c ia d e G a r a n t ia
5 . L im in a r d e s t in a d a à s u s p e n s ã o d a e x i g i b i l i d a d e e a
EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO
15 Em alguns casos, é certo, o depósito pode ser útil, não para "viabilizar" o deferimento da
liminar, mas como alternativa à sua não concessão, em casos bastante peculiares. Diante da
(indevida compreensão de alguns juizes a respeito da) proibição legal de que sejam concedi
das liminares determinando a realização de compensação tributária, por exemplo, o impetrante
pode efetuar o depósito, em juízo, das quantias que deixa de recolher em virtude da compen
sação. Nessa hipótese, obterá a suspensão da exigibilidade do crédito tributário independen
temente da liminar e, caso obtenha êxito ao final da ação, poderá levantar as quantias já
depositadas. A vantagem, no caso, é a de não ter de aguardar o trânsito em julgado para
proceder às compensações.
H u g o d e B r it o M a c h a d o S e g u n d o - 7 6 7
6 . C o n clu sõ es
James Marins
Professor Titular de Direito Tributário e Processual Tributário nos cursos de
Mestrado e Doutorado em Direito Econômico e Socioambiental da PUC-PR.
Doutor em Direito do Estado pela PUC-SP e Pós-Doutorpela Universidade
de Barcelona (Espanha). Presidente do Instituto Brasileiro de Procedimento e
Processo Tributário e advogado em Curitiba, Paraná.
J a m es M a r in s - 7 7 3
1 . I n t r o d u ç ã o h is t ó r ic a : a s l im it a ç õ e s a o m a n d a d o d e
SEGURANÇA GERMINAM NOS TEMPOS DE TOTALITARISMO
1 M ACHADO, Hugo de Brito. Mandado de Segurança em Matéria Tributária. 8a ed. São Paulo:
Dialética, 2009, p. 13 e 14.
2 ALVIM, Eduardo Arruda. Mandado de Segurança no Direito Tributário. São Paulo: RT, 1997,
7 7 4 - P r o t e ç ã o d e D ir eit o s F u n d a m en t a is e o P a r a d o x o d a C o n t r a c a u t e l a r id a d e ...
3 O Barão Homem de Melo (Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo) - em texto publicado
em 1863 e que estabeleceu polêmica com José de Alencar - relata com paixão os difíceis e
pouco lembrados momentos passados pela Constituinte de 1823, a primeira do Brasil, dissol
vida pelo poder do Império. Lembra o Barão as palavras de Martim Francisco na sessão de 12
de novembro de 1823, quando a Constituinte viu-se acossada pelos oficiais da guarnição da
Corte: "Na longa noite de agonia, em sessão permanente no paço da Assembléia, haviam se
confessado para comparecerem perante Deus; e diante da força bruta, que invadiu o santuário
das leis, diziam friamente: 'O nosso lugar é este. Se S.M. quer alguma coisa de nós, mande aqui
e a Assembléia deliberará', lembrando também a frase de Montezuma, na mesma sessão da
Constituinte: 'Se morrermos, acabamos desempenhando nossos deveres'." Nas palavras de
Homem de M elo: "O Decreto de dissolução de 12 de novembro (de 1823) declarou que a
Assembléia Constituinte perjurara ao solene juramento, que prestara à Nação, de defender a
integridade do Império, sua independência, e a dinastia de Bragança; (...) Dissolvida embora
a Constituinte, o triunfo da idéia constitucional estava obtido. O impulso dado à causa dos
princípios da liberdade estava consumado. As idéias proclamadas pelo órgão da Nação
levavam em seu seio o segredo de seu triunfo. Já não era dado deter o seu curso. Desde que
foram levadas à face do País, ficaram vencedoras. Dessa glória não pode a história deserdar a
Constituinte. No decreto de dissolução o Imperador prometera aos brasileiros um projeto de
constituição duplicadamente mais liberal do que o da extinta Assembléia, que aliás se pintou
como um clube composto de homens dominados pelo furor revolucionário. Tomou-se por
base o projeto de constituição da Constituinte; e calando-se cautelosamente esta circunstân
cia, apresentou-se a nova constituição, como uma dádiva graciosa do Imperador e dos conse
lheiros de Estado que a assinaram. O povo brasileiro era incapaz de firmar por si a sua
liberdade. Só por esmola podia gozar desse benefício, como o escravo liberto por uma carta de
alforria. (...) Nesta grande crise do nosso passado, há para o historiador um desenlace consolador.
A força não venceu o direito. Consumada a violência contra os mártires da Pátria, o triunfo
ficou à causa da liberdade constitucional. (...) O ato violento da dissolução da Constituinte foi
um gravíssimo erro político, filho da mais imprudente precipitação, que repercutiu dolorosa
mente em todo o seu reinado. As prisões e o degredo, as devassas, a comoção da Bahia, o
sangue derramado em Pernambuco e no Ceará em 1824, a consternação geral que assaltou a
Nação em presença da ditadura imperial podiam ter sido poupados à nossa história." (A
Constituinte de 1823. As Constituições no Brasil - a Constituição de 1824. Brasília: PRND/
Fundação Projeto Rondon/Minter, 1986, p. 7 e ss).
4 Francisco de Assis Alves bem ressalta este aspecto da Carta de 1824: "Bem verdade que ás
apregoadas técnicas jurídicas, apropriadas para a proteção dos direitos individuais foram
olvidadas pela Carta Imperial, posto que, especificamente não as incluiu no rol das garantias
desses direitos. Ficou apenas com os enunciados, conforme se vê de seu prenotado artigo 179,
sem identificar, por exemplo, o habeas corpus como medida dessa índole, tão difundida na
época do aparecimento da Carta de 1824." (Constituições do Brasil. Brasília: PRND/Instituto
dos Advogados de São Paulo, 1985, p. 13).
James M a rin s - 775
5 O habeas corpus como garantia constitucional somente foi recebido pela Constituição de 24
de fevereiro de 1891, a Republicana (Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil). Paulo Bonavides ressalta a vocação liberal desta Constituição: "A Constituição da
República de 1891, funda com sua Declaração de Direitos, o nosso verdadeiro Estado Liberal
sem a contradição entre a doutrina e os fatos (característica imperial)." Em seu art. 72, § 22, que
teve seu projeto baseado nas constituições norte-americana, argentina e suíça, recebendo
retoques de Ruy Barbosa, foi que surgiu o mandado de segurança no Brasil. Entre nós, a
chamada "teoria brasileira do habeas corpus" ante a inexistência de previsão para o mandado
se segurança no texto constitucional de 1891, esforçou-se por alargar o contexto do habeas
corpus (em construção de diversos juristas, destacando-se inclusive a atuação de Ruy Barbosa,
recepcionada em julgados do Supremo Tribunal Federal para um plano extrapenal, incluindo
a concessão da ordem para a coibição de abusos de natureza civil ou administrativa, teoria esta
que com a reforma constitucional de 1926 foi afastada pelo novo texto do art. 72, § 22, da
Constituição que limitava expressamente o habeas corpus a constrições da liberdade de
locomoção do cidadão. Dizia a Constituição de 1891, art. 72, § 22: "Dar-se-á o habeas corpus
sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação,
por ilegalidade ou abuso de poder." (cf. MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro.
4a ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 471 e ss.).
6 PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e Outras Ações Constitucionais Típicas.
São Paulo: RT, 1991, p. 96. No mesmo sentido consulte-se CAVALCAN TI, Themístocles
Brandão. Do Mandado de Segurança. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1966, p. 27.
7 Mais amplamente sobre esse processo histórico consulte-se MARINS, James. Direito Processual
Tributário Brasileiro. 4a ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 471 e ss.).
7 7 6 - P r o t e ç ã o d e D ir eit o s F u n d a m en t a is e o P a r a d o x o d a C o n t r a c a u t e l a r id a d e .
8 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 64 e 65.
Consulte-se, mais amplamente, acerca das características desta Constituição, PORTO, Walter
Costa. A Constituição de 1937. Constituições do Brasil. Brasília: Instituto Tancredo Neves -
Fundação Friedrich Naumann, 1987, p. 53 e ss.
9 BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. Belo Horizonte, 1960, p. 36 e 37.
J am es M a r in s - 7 7 7
10 ALVIM, Eduardo Arruda. Mandado de Segurança no Direito Tributário. São Paulo: RT, 1997,
p. 89 e ss.
11 BU Z A ID , Alfredo. Mandado de Segurança. Revista de Direito Administrativo, p. 26, apud
ROCHA, José de Moura. Mandado de Segurança - a Defesa dos Direitos individuais. Rio de
Janeiro: Aide, 1982, p. 69 e 70.
12 A feição histórica brasileira do mandado de segurança, em verdade, seguiu os passos de tendência
universal à proteção das liberdades individuais através de instrumentos jurídicos (eminentemente
processuais) idôneos para torná-las efetivas. A Inglaterra aparece indiscutivelmente como precursora
da proteção às garantias individuais através dos diversos writs, especialmente os de mandamus,
certiorari e injunction, incluindo-se entre eles o habeas corpus. Estes instrumentos foram
7 7 8 - P r o t e ç ã o d e D ir eit o s F u n d a m en t a is e o P a r a d o x o d a C o n t r a c a u t e l a r id a d e .
posteriormente desenvolvidos nos Estados Unidos, não raro recebendo, todavia, forma diversa
de tratamento. Roland Pennok sintetiza a função dos wríts da seguinte forma: "In addition to
the ordinary civil action or criminal prosecution, and more effective as against modem forms o f
administration, are severaI so called 'extraordinary writs'. These are used when the ordinary rules
o f private and criminal law are inadequate." Com o mesmo prestígio histórico dos writs do
Direito anglo-saxão assume grande importância o "juicio de amparo" do Direito mexicano,
que tem seu primeiro registro com a expressão atual na Constituição M exicana de 1857,
mantendo-se praticamente com os mesmos termos na Constituição Mexicana de 1917. Dispõe
da seguinte forma sobre o "juicio de amparo" a Constituição Mexicana de 1917, art. 103: "Los
Tribunales de la Federación resolverán toda controvérsia que se suscite: I - Por leyes o actos de
la autoridad que viole Ias garantias individuales. II - Por leyes o actos de la autoridad federal que
vulnerem o restrinjan la soberania dos Estados. III - Por leyes o actos de Ias autoridades de éstos
que invadan la esfera de autoridad federal." Na Espanha, sua primeira Constituição Republica
na (1931), em seu art. 105, previa que a lei organizaria tribunais de urgência para tornar efetivo
o direito de amparo das garantias individuais. Na Áustria, já há mais de setenta anos, a
Constituição de 1920 previa recurso contra decisões administrativas para a proteção a direitos
constitucionalmente violados, (cf. MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4a
ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 471 e ss.)
J a m es M a r in s - 7 7 9
2. A Lei 12.016/2009 e a o m a n d a d o de s e g u r a n ç a
COMO GARANTIA DAS GARANTIAS, ESPECIALMENTE
AS FUNDAMENTAIS
13 Tendo em vista a classificação das normas constitucionais que adotamos podemos enquadrar
a norma relativa ao mandado de segurança (art. 5o, LXIX) como sendo de eficácia abèoluta
plena, por quatro razões: i) a norma veicula uma garantia individual, o que a torna insuscetível
de alteração, quer por via de emenda ou reforma constitucional; ii) não contém em sua
substância elemento de "vaguedad" (conceitos éticos ou terminologia imprecisa ou equívoca)
que pudesse exigir norma infraconstitucional integrativa; iii) não remete expressamente sua
regulamentação à lei ordinária ou complementar; iv) tem aplicabilidade imediata não só
porque se trata de cláusula pétrea mas também por força do § 1o do art. 5o da Constituição
Federal de 1988. Desta classificação resultam conseqüências jurídicas da mais alta relevância,
pois estreita os limites impostos à legislação infraconstitucional no trato do mandado de
segurança, (cf. MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4a ed. São Paulo: Dialética,
2005, p. 471 e ss.)
14 NERY JU N IO R, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT,
7 8 0 - P r o t e ç ã o d e D ir eit o s F u n d a m en t a is e o P a r a d o x o d a C o n t r a c a u t e l a r id a d e .
MARINS, James. Defesa e Vulnerabilidade do Contribuinte. São Paulo: Dialética, 2009, 223 p.
7 8 2 - P r o t e ç ã o d e D ir eit o s F u n d a m en t a is e o P a r a d o x o d a C o n t r a c a u t e l a r id a d e ..
sua conversão em mero Direito Arrecadatório e logo suas premissas não com
provadas —sobretudo os axiomas da supremacia do interesse público sobre o
particular e da debilidade da Fazenda Pública - passaram a presidir a criação e
a aplicação das normas tributárias que passaram a ser tributário-arrecadatórias.
O que caracteriza o Direito Arrecadatório é a prioridade legal e interpretativa
atribuída à sua eficácia exatorial bruta, em contraste com sua incapacidade de
servir ao cidadão (o que torna ainda mais importante que os instrumentos de
garantia jurisdicional, sobretudo os constitucionais, como o mandado de segu
rança, não sofram estreitamento legal ou hermenêutico).
3 . A FACULDADE DA CONTRACAUTELARIDADE E O
" r ess a r c im en t o " pr ev isto s NO ART. 7 , INC. III,
SEGUNDA PARTE DA LEI N° 1 2 . 0 1 6 / 2 0 0 9
peculiaridades do Código de Processo Civil para esta ação, vai uma distância
verdadeiramente abissal - e a Lei 12.016/2009 não pode ser interpretada no
sentido do aproveitamento instrumental do mandado de segurança para fins
cautelares - o que é salutar. Ofende o regime constitucional facultar contracau-
telaridade em sede de ação constitucional quando presentes os pressupostos
para a impetração e para a medida liminar (que no mandado de segurança é
claramente antecipatória), sobretudo quando estiverem em jogo direitos funda
mentais, inclusive aqueles de natureza econômica, como ocorre amiúde em matéria
fiscal. Tenha-se em conta que mesmo que se afirme ter a liminar em mandado
de segurança natureza cautelar, não se pode afirmar que mandado de segurança
é uma espécie do gênero “ação cautelar” e portanto estaria sujeito ao regime
jurídico da contracautela nos moldes previstos no art. 804, segunda parte, do
CPC, equivocadamente emulado pela Lei 12.016/2009. Isto porque o manda
do de segurança é - insista-se —uma ação constitucional típica, qualidade que
não pode ser atribuída à ação cautelar. A natureza cautelar da liminar no man
dado de segurança é meramente semântica, não técnica.
Ao se impor - comofa z o art. 7o, inc. III, segunda parte, da Lei 12.016/
2009 - condição material (depósito, caução, fiança bancária etc.) para a con
cessão da medida liminar pleiteada, inova-se ilegitimamente a própria Consti
tuição e enfraquece-se o Estado de Direito. José da Silva Pacheco, em sua
irrepreensível obra sobre as ações constitucionais típicas, após aprofundado
estudo, destaca habilmente todas as conseqüências que advém do fato de o
mandado de segurança ser uma ação constitucional de garantia ao indivíduo,
adotando explícita posição sobre a questão de que aqui se trata: “Tem inteira
razão o Ministro Carlos Velloso quando não concorda com a praxe, que vem
sendo instaurada, de se exigir depósito ou caução para conceder-se medida
liminar em mandado de segurança, uma vez que ocorrendo os pressupostos
objetivos da medida liminar, deve o juiz concedê-la, não podendo desfigurar
ou desvirtuar a ação constitucional de mandado de segurança, com exigência
descabida de depósito, não previsto em lei”19.
A questão - extemporaneamente reaberta pela nova Lei do Mandado de
Segurança - foi debatida há décadas, tendo prevalecido a inteireza constitucio
21 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário, 9a ed. São fóulo: Saraiva, 1989, p. 342
(grifou-se). No sentido de que se condicionar a concessão de liminar em mandado de seguran
ça significa retorno à regra do solve et repete, veja-se FIGUEIREDO, Lucia do Valle. O Devido
Processo Legal. Revista de Direito Tributário, 58/112.
22 "Voto - O Sr. Min. Eduardo Ribeiro: (...) No mérito, entendo deva ser deferida a segurança. Já
se reconheceu que concorrem os requisitos que devem conduzir à concessão da liminar. Se
assim é, constitui direito da parte o gozo dessa proteção. Não há motivo para que se imponha
a contracautela. Esta se me afigura possa ser determinada quando a liminar não fosse, em
verdade, uma imposição das circunstâncias. E, em lugar de simplesmente indeferi-la, é conce
dida mas com a garantia. Se a parte, porém, faz jus à liminar, não há razão para impor-lhe o
depósito. (...) Voto - O Exmo. Sr. M in. Carlos M. Velloso (relator): (...) Sr. Presidente, o
mandado de segurança é requerido contra a decisão que concedeu a medida liminar condicio
nada ao depósito do quantum objeto da causa. Todos sabemos, a Lei 1.533/51, art. 7o, II,
estabelece os pressupostos da medida liminar. Ocorrentes tais pressupostos, que se orientam
no rumo do fumus boni juris e do pericuium in mora, surge para a parte o direito subjetivo à
liminar. (...) De modo que, Sr. Presidente, não concordo com essa exigência que, além de
ilegal, é, também, inconstitucional. Inconstitucional, porque representa estorvo ao ajuizamento
da garantia constitucional do mandado de segurança. Amanhã, se alguém não tiver dinheiro
para depositar, não terá medida liminar. Vale dizer, a garantia constitucional do mandado de
segurança não será utilizada, porque deverá pagar para discutir. O indivíduo ficará, assim,
impedido de pedir a prestação jurisdicional através do writ o f mandamus." Esta decisão,
proferida por unanimidade de votos, deu-se no MS n° 119.422/SP, tendo votado com o relator
os Ministros Miguel Ferrante, Pedro Acioli Américo Luz, Antônio de Pádua Ribeiro, Geraldo
Sobral, Eduardo Ribeiro, limar Galvão e Hugo Machado. O lapidar acórdão em cujo corpo
encontram-se os votos acima mencionados, teve a seguinte ementa oficial, in verbis: "Manda
do de Segurança - Ato Judicial - Cabimento - Decisão que defere Liminar Condicionada a
Depósito do Tributo Impugnado na Ação de Segurança: Decisão de que não cabe Recurso -
Cabimento do Mandado de Segurança para impugná-la. Lei 1.533/51, art. 5o, II. Medida
liminar. Pressupostos. Direito subjetivo. Lei 1.533/51, art. 7o, II. I. No processo do mandado
de segurança só é cabível agravo de instrumento da decisão que não recebe o recurso de
apelação; II. A decisão que defere liminar condicionada a depósito do tributo discutido na
ação de segurança pode ser impugnada através de mandado de segurança, por isso que
daquela decisão não cabe recurso. Lei 1.533/51, art. 5o, II; III. Ilegitimidade da exigência do
7 8 8 - P r o t e ç ã o d e D ir eit o s F u n d a m en t a is e o P a r a d o x o d a C o n t r a c a u t e l a r id a d e .
M in is t é r io da Ju s t iç a
I
!
i
Amplo Controle da
Legalidade na Inscrição
da Dívida Ativa
1. I n t r o d u ç ã o
Inúmeros são os processos administrativos fiscais enviados para inscrição
em Dívida Ativa com vícios que podem e devem ser examinados, reconheci
dos e anulados pela autoridade que autoriza a inscrição, conforme preceitua o
art. 2o, § 3o da Lei n° 6.830/80, que diz se constituir a inscrição de ato de
controle administrativo de legalidade.
A questão está em saber quais os limites deste controle administrativo da
legalidade a serem observados pela autoridade responsável pela inscrição. É
possível o exame pela autoridade responsável pela inscrição do lançamento
efetivado pela autoridade lançadora?
A inscrição é o ato culminante na constituição da dívida ativa. É feita em
registro próprio, isto é, em assentamento existente exclusivamente para esse
fim. Daí o porquê de Luciano Benévolo de Andrade ter estabelecido, como
pressupostos da inscrição, os seguintes requisitos: “a) tratar-se de crédito da
Fazenda Pública ou pessoa a ela equiparada; b) não ter sido pago,
espontaneamente, no vencimento; c) haver sido objeto de exame, pelo órgão
competente, quanto à legitimidade da obrigação”1.
O crédito recebido pelo órgão responsável pela inscrição deve,
necessariamente, ser de titularidade do ente ao qual está subordinado, assim,
por exemplo, a Procuradoria da Fazenda Nacional não poderá inscrever em
dívida ativa da União créditos de titularidade das autarquias a ela vinculadas,
que têm personalidade jurídica própria, ou créditos de Estado-membro. O
crédito enviado para inscrição deve, também, ser exigível, ou seja, que tenham
sido esgotados todos os prazos de pagamento.
O Procurador, no âmbito federal, ou a autoridade designada pela lei
estadual nos Estados-membros e lei municipal nos Municípios, antes de
autorizar o ato de inscrição, deverá examinar o processo administrativo rece
bido, para verificação da regularidade formal e material do processo, impe
dindo que inscrição indevida seja realizada. Trata-se de um controle
administrativo perpetrado pela Administração, como forma de autocontro
le de seus atos.
1 ANDRADE, Luciano Benévolo. Dívida ativa: inscrição. In: Revista de direito tributário, n° 57.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 130.
7 9 8 - A m p l o C o n t r o l e d a L e g a l id a d e n a I n s c r iç ã o d a D ív id a A tiv a
2 . C o n t r o l e a d m in is t r a t iv o
2 M EIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25a ed. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 610-615.
M a r c ia n e Z a r o D ias M a r t in s - 7 9 9
ção dos atos praticados anteriormente com as normas legais vigentes. O con
trole da legalidade pode ser exercido pela própria administração, pelo legisla
tivo e pelo judiciário.
O controle administrativo deriva do dever-poder de autocontrole3 que a
Administração tem sobre seus próprios atos e agentes.
A finalidade principal do controle administrativo, segundo Goodnow, é
obter a harmonia e uniformidade da ação administrativa, a eficácia nos serviços
administrativos e a retidão e competência dos funcionários administrativos4.
O controle administrativo, segundo Seabra Fagundes, “é um autocon
trole dentro da Administração Pública. Tem por objetivo corrigir os defeitos
de funcionamento interno do organismo administrativo, aperfeiçoando-o no
interesse geral, e ensejar reparação a direitos ou interesses individuais, que
possam ter sido denegados ou preteridos em conseqüência de erro ou omissão
na aplicação da lei”5. Sem dúvida que o controle prévio de legalidade a ser
exercido pelo Procurador, antes da autorização para a inscrição de débito em
dívida ativa, se enquadra no conceito estabelecido por Seabra Fagundes para
controle administrativo.
2 .1 . C o n tro le como proteção ao cidadão
6 Apud ANDRADE, Luciano Benévolo. Dívida ativa: inscrição, in: Revista de direito tributário, n°
57. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 132.
7 MAYA, Rômulo. Dívida ativa tributária. In: Revista de direito tributário, n° 41. São fóulo: Revista
dos Tribunais, jul./set. 1987, p. 133.
M a r c ia n e Z a r o D ia s M a r t in s - 8 0 1
lar seus próprios atos, e segurança de que os atos administrativos podem ser
revistos e anulados pela própria Administração. Sendo um profissional do
direito que examina o processo administrativo recebido para inscrição, profis
sional com conhecimento jurídico acostumado com as lides jurídicas e com
preensão das normas legais, o controle da legalidade será mais apurado e efetivo.
A eficácia da Administração e o exercício do poder de tributar e coagir (apli
cação de sanção pelo descumprimento de conduta), deve ser exercido sempre
visando afastar exigências descabidas e ilegais. A concepção deste controle da
legalidade, efetivado por um profissional de direito, incute segurança e garan
tia ao cumprimento do princípio da legalidade.
A autorização para a inscrição de débito em dívida ativa deve ser atri
buída a pessoa que tenha condições de representar o Estado, na atividade de
atestar a certeza de sua dívida, da qual depende a inscrição. Somente pessoa
com conhecimento jurídico é que pode ter as atribuições de certificar a
liquidez e certeza de sua dívida, porquanto forma o título executivo. Como
diz Bernardo Ribeiro de Moraes, “apurar a liquidez e certeza da dívida ati
va, examinando prazos legais, verificando a correta aplicação da lei, para
poder ordenar a inscrição respectiva, não é tarefa simples e nem sem relevân
cia jurídica alguma”11.
Pelo contrário, como diz Luiz Rafael Mayer, “na atividade certificativa
com relação à dívida ativa se acha um dos desempenhos mais característicos da
atuação especificamente administrativa a ser exercida privativamente do Pro
curador da Fazenda Nacional, como detentor de parcela do poder do Estado
e, pois, formador do título executivo”12.
Percebemos que a norma legal, ao estabelecer verificação posterior à cons
tituição da dívida e prévia à execução forçada e imputar esta verificação a um
profissional especializado nas lides do direito, pretendeu reprimir a execução
forçada de créditos inexistentes ou eivados de nulidades. Este controle não é
criação dos tempos modernos, mas vem de longa data13, em que cabia ao
11 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Dívida ativa. São Pauio: Quartier Latin, 2004, p. 64.
12 MAYER, Luiz Rafael, Parecer L-090. Consultoria Geral da União. Brasília. 1977, p. 231, Apud
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Dívida ativa. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 65.
13 Dizia o Art. 3o das Instruções Gerais do Contencioso, de 1851: "Os procuradores, logo que
recebam as contas-correntes e as certidões dos devedores da Fazenda Nacional cuidadosamente
examinarão se as contas e certidões estarão passadas com todas as formalidades legais para
poderem ser ajuizadas apresentando ao Tesouro as dúvidas que lhe oferecem". Apud LOUREIRO,
M a r c ía n e Z a r o D ias M a r t in s - 8 0 3
3 . E f e it o s d o c o n t r o l e d a l e g a l id a d e
Raul R. O processo executivo fiscal: no direito constituído e constituendo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1961, p. 404.
14 M EIRELLES, Hely Lopes. D ireito administrativo brasileiro. 25a ed. São Paulo: M alheiros,
2000, p. 96-98.
8 0 4 - A m p l o C o n t r o l e d a L e g a l id a d e n a I n s c r iç ã o d a D ív id a A tiv a
15 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 12a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 311.
M a r c ia n e Z aro D ia s M a r t in s - 805
16 MAIA, Mary Elbe Gomes Queiroz. Do lançamento tributário: execução e controle. São Paulo:
Dialética, 1999, p. 107.
17 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001, p. 173.
18 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 12a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 317.
8 0 6 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
19 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 12a ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 320.
20 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25a ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 90.
M a r c ia n e Z aro D ia s M a r t in s - 807
21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25a ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 83.
22 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001, p. 176-176.
808 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
23 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 367.
M a r c ia n e Z aro D ia s M a r t in s - 809
4. N u l id a d e dos A tos A d m in is t r a t iv o s - V íc io s
24 BORGES, José Souto Maior. Tratado de direito tributário brasileiro-, lançamento tributário. Rio de
Janeiro: Forense, 1981. Vol. 4, p. 281.
8 1 0 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na l n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
25 FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, 2a ed. Rio de
Janeiro: José Konfino Editor, 1950, p. 69-70 e 74.
26 CO RRÊA, Walter Barbosa. Lançamento tributário e ato administrativo nulo. In: Revista de
direito tributário, n° 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./set. 1977, p. 37-38 e 40.
M a r c ia n e Z a r o D ia s M a r t i n s - 811
5 . A m p l it u d e do C o n tr o le da L e g a l id a d e
27 ANDRADE, Luciano Benévolo. Dívida ativa: inscrição. In: Revista de direito tributário, n° 57.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 139.
812 - A m p lo C o n t r o l e d a L e g a lid a d e n a I n s c r iç ã o d a D ív id a A t i v a
exame dos aspectos formais “seria erigir o órgão da inscrição num super-po-
der, ou, que o Código Tributário a tanto se opõe”28.
A alegada oposição do Código Tributário a um exame mais aprofun
dado do lançamento, nessa fase prévia de inscrição, não tem qualquer fun
damento, porque há previsão expressa, nesse diploma legal, prevendo alteração
do lançamento mediante revisão de ofício pela autoridade, nos casos previs
tos no art. 149, não havendo qualquer limitação temporal; inclusive poden
do ser efetuada mesmo na existência de ação judicial do crédito a ser revisto.
Examinaremos, a seguir, as duas correntes sobre os limites do controle da
legalidade exercido pelo órgão responsável pela inscrição, para, após, apresen
tarmos nosso entendimento.
5 .1 . D efen so res d o exam e d o s r e q u is it o s fo r m a is ( e x t r ín s ec o s )
28 ANDRADE, Luciano Benévolo. Dívida ativa: inscrição. In: Revista de direito tributário, n° 57.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 139.
29 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Inscrição da dívida ativa fazendária pública. In: Revista de direito
tributário, n° 11-12. São Paulo; Revista dos Tribunais, jan./jun. 1980, p. 319-320.
30 Q UEIRO Z, Cid Heráclito. Parecer publicado no DO U de 25.05.1981, Seção I, p. 9.526/35,
retificado no DO U de 27.05.1981, p. 9.718/9. Apud SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Inscrição
M a r c ia n e Z aro D ia s M a r t in s - 813
da dívida ativa fazendária pública. In: Revista de direito tributário, n° 11-12. São Paulo: Revista
dos Tribunais, jan./jun. 1980, p. 314-321.
31 SIQUEIRA, Natércia Sampaio. Crédito tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 283.
32 CASTRO, Aldemário Araújo. Comentários aos art. 201 a 204. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães;
LACOM BE, Rodrigo Santos Masset (coord.). Comentários ao código tributário nacional. São
Paulo: MP, 2005, p. 1.423-1.424.
33 Decreto-lei n° 147/67. Art. 22, § 1o. "Recebendo o processo, por distribuição, o Procurador da
Fazenda Nacional examinará detidamente a parte formal e, verificada a inexistência de falhas
ou irregularidades que possam infirmar o executivo fiscal, mandará proceder à inscrição da
dívida ativa nos registros próprios, observadas as normas regimentais e as instruções que
venham a ser expedidas pelo Procurador-Geral, extraindo-se, ato contínuo, a certidão que, por
ele subscrita, (...)".
34 Decreto-lei n° 147/67. Art. 22, § 3o. "Se no exame do processo for verificada a existência de
falha ou irregularidade a sanar, o Procurador da Fazenda Nacional solicitará, dentro do mesmo
prazo e sob a mesma pena, a repartição competente as providências cabíveis, (...)".
8 1 4 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
rial no caso concreto, nem sequer para efeitos de revisão da sua validade,
com o fim de promover eventualmente sua anulação,3S
O doutrinador, ao afastar o exame de mérito do controle da legalidade
praticado quando da inscrição do débito em dívida ativa, admite que este
controle seja dos “requisitos de liquidez e certeza do crédito, necessários para
a formação do título executivo que pressupõem que o crédito exeqüendo
seja qualitativa e quantitativamente determinado”36. Os requisitos formais a
que faz alusão Alberto Xavier são os estabelecidos no art. I o, § 5o da Lei n°
6.830, de 1980, que estabelece os requisitos que deverão estar contidos no
termo de inscrição, como o nome do devedor, valor originário da dívida e
forma de calcular, origem, natureza e fundamento legal da dívida, indicação,
se for o caso, de atualização monetária. A certeza e liquidez “pressupõe a
rigorosa identificação dos sujeitos, do valor, da causa e do processo em que
se originou”37.
Alberto Xavier distingue o que sejam requisitos extrínsecos (formais) e
intrínsecos (materiais ou de mérito), afirmando: “o controle da inscrição da
dívida ativa restringe-se, porém, aos requisitos formais de certeza e liquidez
da dívida ou ‘requisitos extrínsecos’, não podendo incidir sobre o conteúdo ou
mérito do lançamento, ou seja, sobre a correta aplicação da lei tributária ma
terial no caso concreto. O órgão de controle é, por conseguinte, titular de
poderes de cognição limitados”38.
5 .2 . D e fen s o r es d o ex a m e d o s r e q u is it o s m a ter ia is
( in t r ín s e c o s ) e fo r m a is ( e x t r ín s e c o s )
39 ANDRADE, Luciano Benévolo. Dívida ativa: inscrição. In: Revista de direito tributário, n° 57.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 136-137.
40 MAIA, Mary Elbe Gomes Queiroz. Do lançamento tributário: execução e controle. São Paulo:
Dialética, 1999, p. 72.
41 M ACHADO SEGUN DO , Hugo de Brito. Processo tributário. São Paulo: Atlas, 2004, p. 207.
8 1 6 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
da exigência, pois não é instância julgadora, mas poderá corrigir erros relacio
nados ao ato de inscrição”. O doutrinador traz alguns exemplos de erros ma
teriais, que o Procurador poderá examinar no processo administrativo: “(a) o
julgador administrativo acolhe defesa do contribuinte, extinguindo o crédito
tributário, mas por erro o valor correspondente é encaminhado para inscrição
em dívida ativa; (b) o crédito a ser inscrito é considerado inconstitucional pelo
STF, no âmbito de controle concentrado de constitucionalidade42; (c) o valor
a ser inscrito corresponde a crédito tributário que já foi pago, parcelado, com
pensado com créditos do sujeito passivo etc.”.
Geraldo Ataliba e Cleber Giardino também advogam a tese de que o
controle da legalidade deve ser exercido de forma ampla pela Procuradoria, di
zendo que “parece evidente que o órgão responsável por esse controle não pode
pronunciar-se sobre esses caracteres, sem examinar - quanto à forma e substân
cia —as causas e origens da dívida, bem como a observância das formalidades
procedimentais obrigatoriamente observáveis quando de sua formalização”43.
Para Antonio Nicácio, se a inscrição se constitui ato de controle da legalidade,
o órgão responsável deve verificar a legalidade do crédito em todos os seus aspectos,
tanto formais, como substanciais. “Não é, destarte, a inscrição mera formalidade.
Ao inscrever a dívida, o órgão competente dá seu aval à legalidade do crédito e
para isso necessário se faz que verifique a regularidade formal do procedimento
de sua constatação ou criação, como ainda os aspectos substanciais de sua própria
existência e sua adequação ao direito aplicável”44.
5 .3 . P o n t o s em c o m u m entre as d uas correntes
Das posições acima, podemos ver que a questão não se limita ao exame
de aspectos extrínsecos (formais) e intrínsecos (materiais), mas também à ati
42 Importante registrarmos que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em ações
diretas de inconstitucionalidade e de ação declaratória de constitucionalidade, têm eficácia
contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração
Pública federal, estadual e municipal, conforme art. 28, parágrafo único da Lei n° 9.868, de 10
de novembro de 1999, bem como as decisões também do Supremo Tribunal Federal em
arguições de descumprimento de preceito fundamental, conforme art. 10, § 3o, da Lei n° 9.882,
de 3 de dezembro de 1999.
43 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Inscrição de dívida ativa: função privativa dos advoga
dos públicos. In: Revista de direito administrativo, n° 149. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, jul./dez. 1982, p. 332-333.
44 NICÁCIO, Antônio. Primórdios do direito tributário brasileiro. São Paulo: LTr, 1999, p. 117-118.
M a r c ia n e Z a r o D ia s M a r t i n s - 817
45 SO U ZA , Maria Helena Rau. Dívida ativa. In: FREITAS, Vladim ir Passos de (org.). Código
tributário nacional comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 774.
8 1 8 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
46 XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3a ed. Rio de janeiro: Forense,
2005, p. 398.
47 Fato imponível também pode ser identificado como suporte fático, situação-base de fato,
fato tributável.
48 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 3a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1984, p. 65-66.
49 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997, p, 157-158.
50 M AC H AD O , Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. São Paulo: Atlas,
2004. Vol. 2, p. 319.
8 2 0 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D I v id a A t iv a
51 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997, p. 158.
52 AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 245.
53 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997, p. 158.
54 Idem, p. 159.
55 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15a ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 148.
M a r c ia n e Z aro D ia s M a r t in s - 821
pelo P rocurador
Podemos dizer que o crédito fiscal percorre três etapas distintas: (i) a de
constituição do crédito, ou administrativa; (ii) a preparatória do título execu
tivo, ou pré-executiva58; e (iii) a execução fiscal, ou judicial. Assim, o ato de
controle da legalidade, efetuado pela Procuradoria, também ocorre na via ad
ministrativa, porque realizado por órgão da Administração, ainda que distin
to do responsável pela constituição do crédito, mas preparatório do processo
judicial de cobrança.
56 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997, p. 160.
57 Idem, p. 161.
58 O do procedimento preparatório de inscrição e extração do título executivo foi examinado na
dissertação de mestrado intitulada "Procedimento Pré-Executivo Fiscal da Fazenda Pública"
apresentada em 2005 pela autora do presente trabalho na Faculdade de Direito da Universida
de Federal do Ceará.
8 2 2 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
60 Como exemplo de contagem de prazo errôneo para que se considere intempestiva a impugnação,
ao auto de infração do contribuinte, podemos citar o caso do art. 23, inciso II, do Decreto n°
70.235, de 1972, que regula o Processo Administrativo Fiscal. O art. 23 estabelece a forma de
contagem dos prazos, e em seu parágrafo a forma como se considera efetuada a intimação via
postal, que transcrevemos: Art. 23. "Far-se-á a intimação: (...) II - por via postal, telegráfica ou
por qualquer outro meio ou via, com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo
sujeito passivo; (Redação dada pela Lei n° 9.532, de 1997) (...) § 2° Considera-se feita a
intimação: (...) II - no caso do inciso II do caput deste artigo, na data do recebimento ou, se
omitida, quinze dias após a data da expedição da intimação; (Redação dada pela Lei n° 9.532,
de 1997)". Se efetuada a intimação por via postal, com Aviso de Recebimento - AR, o
contribuinte ao assinar o AR poderá indicar, ou não, a data em que o recebeu. Indicando a
data, considerar-se-á efetuada a intimação na data indicada, entretanto, casa não haja esta
indicação, considerar-se-á efetivada a intimação 15 dias após a data que o Correio indicar
como de devolução do Aviso de Recebimento, como indicado na parte final do inciso II, do
§ 2o, do art. 23, retro.
61 O direito não tolera antinomias, por isto há critérios para solução de conflito de normas,
questão bem examinada na obra de BO BBIO , Norberto. Teoria do ordenamento juríd ico .
Brasília: Polis, 1989, p. 81-82 e 91-93.
8 2 4 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
62 XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 397-398.
M a r c ía n e Z aro D ia s M a r t in s - 825
63 As multas criminais aplicadas pela Justiça Federal são enviadas para cobrança pela Procurado
ria da Fazenda Nacional, já que a Justiça Federal é órgão da União. As multas aplicadas pela
Justiça Estadual deverão ser enviadas para as Procuradorias dos Estados ou Distrito Federal, já
que é órgão integrante dos Estados-membros.
8 2 6 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
Município A recebeu para inscrição vários débitos relativos a imóveis que com
punham a base territorial do Município B, criado no ano anterior, relativos à
obrigação tributária do ano-base 2001. Todos os elementos do termo de inscri
ção estavam corretamente identificados. O Procurador, ao receber o processo,
constata que o sujeito ativo da relação obrigacional tributária era o Município B
e recusa a inscrição. Trata-se, aqui, de exame de requisito intrínseco ou de as
pecto espacial e pessoal do fato imponível.
4) É enviado para inscrição um débito no valor de R$ 10.000.000,00
(dez milhões de reais). Examinando o processo, o Procurador verifica que o
devedor é uma pessoa física ou uma microempresa e que se trata de processo
originado de lançamento por homologação, ou seja, por declaração do contri
buinte. Casos desta natureza trazem em seu bojo fortes indícios de erro no
preenchimento da declaração pelo contribuinte. O Procurador, examinando
que o valor devido é incompatível com o sujeito passivo identificado (rendi
mentos ou atividade econômica), pode recusar a inscrição e remeter o processo
para diligência no sentido de apurar a veracidade da informação prestada.
Trata-se de exame de requisito intrínseco (aspecto quantitativo) do fato im
ponível e aplicação do princípio de eficiência.
5) Ê recebido processo para inscrição, resultado de fiscalização da Recei
ta Federal em determinada pessoa física. Na apuração do valor devido, o Au
ditor somou os rendimentos tributáveis com rendimentos isentos, elevando a
base de cálculo sobre a qual foi apurado o tributo. O Procurador, examinando
tal fato, recusa a inscrição e restitui o processo ao órgão lançador para correção
do valor devido. Trata-se de exame de requisito intrínseco (aspecto quantita
tivo) do fato imponível.
6) A Procuradoria recebe processo para inscrição de débito cuja origem
foi importação de livros, que gozam de imunidade tributária estabelecida pelo
art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal de 1988. A recusa de
inscrição deste débito resulta do exame de requisito intrínseco (aspecto mate
rial) do fato imponível.
7) Os exemplos apresentados por Hugo Machado Segundo se referem a
requisitos intrínsecos em seu aspecto material, já que a cobrança de crédito
extinto e de crédito considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Fe
deral, em controle concentrado de constitucionalidade, implica não haver in
cidência tributária, ou esta foi afastada pelo Supremo.
M a r c ia n e Z aro D ia s M a r t in s - 827
64 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 363-364.
8 2 8 - A m plo C o n tr o le da L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
66 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 366.
67 Idem, p. 369.
M a r c ia n e Z aro D ia s M a r t in s - 829
6. C o n clu sã o
68 M EIRELLES, Hely Lopes. D ireito administrativo brasileiro. 25a ed. São Paulo: Malheiros,
20 00 , p. 96-98.
8 3 0 - A m plo C o n tr o le d a L e g a l id a d e na I n s c r iç ã o da D ív id a A t iv a
gerador, que pode ser visto sob os ângulos: material ou nuclear, subdivido
em identidade e dimensão do tributo (base de cálculo e alíquota), subjetivo
ou pessoal, temporal e espacial.
O Procurador, ao exercer, de maneira ampla, o controle da legalidade esta
ria elevado à condição de um verdadeiro “ministério público fiscal” com função
precípua de fiscalizar a atividade de apuração e constituição do crédito tributá
rio e não tributário e defender a legalidade e moralidade administrativa.
A certeza e liquidez só podem existir se o débito apurado realmente
existir e tiver sido “acertado” de forma correta e regular. Os elementos que
devem constar no termo de inscrição não se referem apenas a elementos for
mais, mas também elementos materiais do fato gerador.
O controle da legalidade não pode ser confundido com a imposição de
interpretação jurídica pelo Procurador, pois, aí sim, o Procurador estaria subs
tituindo a autoridade lançadora ou o julgador administrativo, imiscuindo-se
na análise do mérito da autuação de forma indevida, subvertendo a ordem
jurídica existente para constituição do crédito tributário. Na hipótese de in
terpretações divergentes do Procurador e da decisão proferida pela autoridade
lançadora - seja colegiada, seja individual -, estando esta dentro da moldura
da norma, a legalidade estaria na decisão da autoridade lançadora e o Procura
dor estaria extrapolando sua competência, caso negasse prosseguimento ao ato
de inscrição. A negativa em autorizar a inscrição por mera interpretação diver
gente não é exercício do controle da legalidade, mas, sim, excesso de poder.
A dupla função do Procurador, de autoridade administrativa vinculada à
lei e de representante processual em processos onde defenderá a Fazenda Pú
blica, não pode ser confundida. Ao proceder ao controle da legalidade, o Pro
curador não pode e não deve antecipar o seu papel de advogado nos processos
de execução fiscal, deixando de agir com imparcialidade. O Procurador não
estará agindo como parte interessada na arrecadação de tributos, mas como
controlador imparcial da legalidade, como fiscal da lei, sempre em respeito à
ordem jurídica, aos princípios constitucionais e aos direitos do cidadão.
B ib l io g r a f ia
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______ . Princípios do processo administrativo ejudicial tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
A Prescrição Intercorrente
no Processo
Administrativo Fiscal
1 . D e l im it a ç ã o d o t e m a
rio, para admissibilidade da ação, que esse direito sofra alguma violação que
deva ser por ela removida. É da violação, portanto, que nasce a ação. E a pres
crição começa a correr desde que a ação teve nascimento, isto é, desde a data
em que a violação se verificou”3.
Presente esse requisito (existência de uma ação, de uma pretensão exer-
citável), que a doutrina qualifica como actio nata, é indispensável, também, a
inércia do titular da pretensão, isto é, a sua passividade em face da violação por
este sofrida (inadimplemento).
Convém observar que a inércia do titular não pode ser eventual, episódi
ca, devendo, ao contrário, se prolongar no tempo. Exige-se, como defendia
Câmara Leal, a “inércia continuada”4.
Por se tratar de uma categoria do direito positivo5, é o ordenamento
jurídico que estabelece os prazos prescricionais, levando em consideração o
conteúdo da pretensão alcançada pela prescrição.
Em qualquer caso, o critério para o início da contagem do prazo é o
mesmo: a violação do direito, que tem como conteúdo uma pretensão.
5 . A PRESCRIÇÃO in t e r c o r r e n t e n o p r o c e s s o
a d m in is t r a t iv o f is c a l
5 .1 . C o r r e n t e s fa v o r á v eis à a d m is s ã o da
p r e s c r iç ã o in t e r c o r r e n t e
9 Dispositivo de idêntico teor era veiculado pelo art. 173 do Código Civil de 1916.
P a u l o R o b e r t o L y r io P im e n t a - 8 3 9
12 Nesse sentido: Luciano Amaro (Direito Tributário Brasileiro, 10a ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
396) e Regina Helena Costa (Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 269-270).
13 Curso de Direito Tributário, 11a ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 144.
14 Sobre a segurança jurídica no direito tributário, conferir, por todos, César Garcia Novoa (El
Principio de Seguridad Jurídica em Matéria Tributária. Madrid: Marcial Pons, 2000).
8 4 2 - A P r e s c r iç ã o In t e r c o r r e n t e n o P r o c e s s o A d m in is t r a t iv o F iscal
6. C o n clu sõ es
15 STJ, RESP 784.353, 1a Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 24/04/2008. No mesmo sentido:
STJ, REPS 200701160836, 1a Turma, Rel. Min. Teoria Albino Zawascki, DJ 04/02/2009.
16 STJ, RESP 734.680, 1a Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 01/08/2006.
17 STJ, RESP 200400811937, 2a Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 30/09/2008.
8 4 4 - A P r e s c r iç ã o I n t e r c o r r e n t e n o P r o c e s s o A d m in is t r a t iv o F iscal
iii) Quem tem pretensão pode permanecer inerte no exercício desse po
der jurídico, sendo alcançado pela prescrição;
iv) A prescrição intercorrente, como instituto que penaliza quem tem o
direito de ação, não pode ser aplicada ao Fisco, no processo administrativo
tributário, quando instaurada a resistência do contribuinte, pois nessa situa
ção a Administração não dispõe de pretensão material, eis que impedida de
atuar, por obstáculo expressamente previsto no ordenamento.
1. In tro d u çã o
1 Ag. Rg. no RESP n° 969.358-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julg. em 23.09.2009.
8 4 8 - S u c u m b ê n c ia d o V e n c e d o r h a E x e c u ç ã o F isc a l
(art. 602), podendo estas ser pagas, também mensalmente, na forma do § 2o do referido art.
602, inclusive em consignação na folha de pagamentos do devedor."
3 PONTES MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I. São Paulo: Forense,
1974, p. 416.
SCHUBERT DE FARIAS M ACHADO - 8 5 1
4 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, vol. III. 2a ed. Tradução de J.
Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 207.
5 CARN ELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. Tradução de Adrián Sotero de Witt
Batista. São Paulo: Classicbook, 2000, v.1, p. 411.
6 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 3a ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 295.
7 STF - 1a Turma, RE 108.569-RJ, julg. em 02 .0 4.19 86, Rel. Min. Carlos Madeira,DJU de
06.06.1986 íntegra do acórdão disponível em: <www.stf.gov.br>.
8 Ag.Rg. no RESP 1.104.279-RS, Rel. Min. Luiz Fuz, julg. em 13.10.2009.
852 - S u c u m b ê n c ia d o V en c ed o r n a E x e c u ç ã o F is c a l
3 . L a n ç a m e n t o t r ib u t á r io e e x e c u ç ã o f is c a l
obrigação acessória11. Por isso, essa atividade desenvolvida pelo sujeito passivo,
inclusive quando antecipa o pagamento do tributo, não vincula o fisco, que
não é obrigado a aceitar seu resultado e deve fazer o lançamento conforme a
sua interpretação do direito.
Quando o fisco decide proceder ao lançamento com base apenas nas
informações prestadas pelo contribuinte acolhe como sua a apuração res
pectiva12. Dessa forma, o eventual erro do sujeito passivo ao prestar suas
informações, por si só, não pode justificar o lançamento de tributo indevido.
Ao contrário, tem o fisco o dever de identificar se tal erro foi cometido pelo
sujeito passivo e cobrar a diferença do tributo eventualmente declarado e
pago a menor, ou devolver de ofício o tributo que por acaso tenha sido
pago de forma indevida.
Realmente, quando o contribuinte apura e declara que deve à Fazenda
determinado valor de IRPJ, por exemplo, isto, por si só, não torna o imposto
devido. É indispensável a anterior ocorrência do respectivo fato gerador. A
natureza ex lege da obrigação tributária implica a desconsideração da vonta
de das partes (sujeito ativo e sujeito passivo), que não interfere no seu nas
cimento e conformação. Por isso, a declaração prestada pelo sujeito passivo,
no exercício da atividade prevista no art. 150 do CTN, nunca terá os efeitos
próprios da confissão13.
Portanto, se o contribuinte apresenta ao fisco a apuração de tributo devi
do, mas não efetua o respectivo pagamento, cabe ao fisco notificá-lo para que
pague ou apresente defesa. Isso para que se materialize a homologação previs
ta no art. 150 do CTN e, ao mesmo tempo, se dê oportunidade para o sujeito
D iritto Finanziario, 1:12, 1938)." (PAES, P.R. Tavares. Comentários ao Código Tributário nacio
nal. 4a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 243)
11 DERZI, Misabel Abreu Machado - nas notas de atualização do Direito Tributário Brasileiro de
Aliomar Baleeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 834.
12 CASSONE, Vittorio. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Lançamento Tributário e D ecadên
cia. São Paulo: Dialética; Fortaleza-Ce: Instituto Cearense de Estudos Tributários, 2002, p. 454.
13 "Processual civil e tributário. Execução fiscal. Embargos do devedor. Cerceamento de defesa. I
- Se o embargante requer, fundamentadamente, a requisição do procedimento administrativo-
fiscal e a perícia contábil, em seus livros e documentos, não deve o juiz indeferir tais provas,
pelo só fato de que houve declaração espontânea da divida. A atividade administrativa de
constituição do credito tributário e vinculada (CTN, art. 142, parágrafo único), levando-se em
conta que a obrigação tributaria e "ex lege" (CTN, art. 114) tão somente, "in casu", ocorreu o
alegado cerceamento de defesa. II - apelação provida, para anular a sentença monocratica,
devendo outra ser proferida, apos a produção das provas requeridas." (TFR, 5a T., AC 90.013-
SP, julg. em 13-08-1984,ver www.stj.gov.br jurisprudência do TRF)
8 5 4 - S u c u m b ê n c ia do V en c ed o r na E x e c u ç ã o F is c a l
14 M ACHADO, Schubert de Farias. In: M ACHAD O, Hugo de Brito (coord.). Lançamento Tribu
tário e Decadência. São Paulo: Dialética; Fortaleza-Ce: Instituto Cearense de Estudos Tribu
tários, 2002, p. 431.
S c h u ber t de F a r ia s M achado - 855
15 RD D T 81, p. 153.
8 5 6 - S u c u m b ê n c ia do V en c ed o r n a E x e c u ç ã o F is c a l
4 . C o n clu sõ es
In tro d u çã o
1 Cf. COO TER, Robert; ULLEN, Thomas. Law and Economics. 4. ed. The Addison-Wesley series
in economics, 2004, p. 2-4.
860 - T ran sação , S o lu çõ es A l t e r n a t iv a s d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a l id a d e C o n ju n t u r a l .
1 . D ir e it o e E c o n o m ia : u m a a b o r d a g e m e v o l u c io n is t a
À LUZ DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA DO DIREITO
2 Cf. SCHÔN, Wolfang. Tax and Corporate Covernance: A Legal Approach. In: Tax and Corporate
C overnance. Berlin: Springer, 2008, p. 61. No original, referindo-se o autor a essa interação e
citando recente trabalho de Gentry - The Future o f Tax Research: A M o stly Econom ic Perspective,
29 Journal of the American Taxation Association 95 (2007): "This w ill b e the goal o f m ore
interdisciplinary w ork o f econom ists and iaw yers."
3 fàra Kelsen, esse diálogo aparece, mas apenas para evidenciar o contraste entre os sistemas. Cf.
KELSEN, Hans. Teoria Pura d o Direito, 4a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. A jurisprudência
dos interesses o fez para aproximar o direito dos interesses econômicos. Weber também
enfrentou a relação entre direito e economia. Cf. W EBER, M. (1964). Econom ia Y Socieda d. 2a
ed. México: Fondo de Cultura Econômica (1 edição em alemão, 1922). Para Teubner, por sua
vez, haveria uma relação bidimensional do direito (política e economia). Cf. TEU BN ER,
Gunther. O direito com o sistem a autopoiético. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1993.
4 "A maior parte dos juristas e economistas, ao utilizar a expressão Análise Econôm ica do Direito,
se refere, comumente, à aplicação de métodos econômicos - da microeconomia em especial -
a questões legais. Nesse sentido, tendo em vista que o Direito é, de uma perspectiva objetiva,
a "arte de regular o comportamento humano" e que a Economia é a ciência que estuda a
tomada de decisões em um mundo de recursos escassos e suas conseqüências, a Análise
Econômica do Direito seria o emprego dos instrumentais teóricos e empíricos econômicos e
ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito, aperfeiçoando o desenvol
vimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas
conseqüências". Trecho disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Análise_econôm ica_
do_direito>. Acesso em 1 7 de dezembro de 2009. É possível fixar o começo da escola
moderna de Análise Econômica do Direito no ano de 1961, com a publicação dos artigos
"The Problem o f Social C o st" e "Som e thoughts on Risk Distribution and the Law o f Torts" de
Ronald Coase e Guido Calabresi, respectivamente. Todavia, o nome em inglês do movimento,
"Law and Economics' somente foi dado por Henry Manne (estudante de Coase) na década de
70, quando tomou a iniciativa de construir um "Center for Law and Economics" em "Rochester",
que atualmente se encontra na "George Mason Law School". A maior parte dos trabalhos
acadêmicos sobre AED se insere na tradição econômica neoclássica, eis que outras abordagens
S é r g io P a p in i de M en d o n ça U chô a F il h o - 8 6 1
12 Hayek não concorda. Em sua obra com parte dedicada a Kelsen, considera-o representante não
do modelo liberal, mas de um modelo autoritário. Realmente, não comungamos da opinião do
autor. Cf. HAYEK, F. A. Law, Legislation a n d Liberty (volume 1, Rules a n d O rd er). Chicago
University Press, 1973.
13 Hayek é um dos defensores desse pensamento. Esse tipo de construção impõe uma grande
limitação na análise da relação entre direito e economia. Cf. HAYEK, F. A. Law, Legislation and
Liberty (volume 1, Rules a n d O rder). Chicago University Press, 1973.
14 Observe-se que esse modelo liberal trabalha com a concepção de legitimidade que se identi
fica/reduz ao conceito de legalidade.
864 - T ran sação , S o lu çõ es A l t e r n a t iv a s d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a l id a d e C o n j u n t u r a l ..
18 O direito do séc. XX seria autônomo, segundo Nonet, cf. NONET, P. e SELZNICK.P. Law and
so cie ty in transition: tow ards responsive law . New York: Harper Row, 197; reflexivo, segundo
Teubner, cf. TEUBNER, Cunther. O direito com o sistema autopoiético. Lisboa: Fund. Calouste
Gulbenkian, 1993; e autopoiético, segundo Luhman. Cf. LUHM ANN, Niklas. El D erech o de
Ia Socieda d. Tradução de Javier Torres Nafarrate. México: Universidad IberoAmericana, 2002.
(Colección Teoria Social). O que importa é que todas essas construções estão preocupadas em
demonstrar a relação entre Direito e Economia
19 O poder da lei sobre o contrato é mais intenso. O Código Civil Brasileiro de 2002 é exemplo
desse fenômeno. Basta observar que contratos de emprego e locação passam a ser quase que
completamente determinados pela lei.
866 - T r a n s a ç ã o , S o lu ç õ e s A lt e r n a t iv a s de C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a lid a d e C o n j u n t u r a l .
20 Aqui nos valemos das lições de Luhmann. Essa perspectiva Luhmanniana é muito útil para se
interpretar a relação entre Direito e Economia no contexto contemporâneo.
S é r g io P a p in i de M en d o n ça U chôa F il h o - 8 6 7
21 Cf. HART, H, L. A. The c o n c e p t o f Law. New York: Oxford University Press, 1997. (trad.: O
con ceito de Direito, São Paulo: Martins Fontes).
22 Sobre o tema, vide DW ORKIN, Ronald. A m atter o f principie. Massachussets: Harvard University
Press, 1987 (trad. Um a qu estão de P rin cíp io , São Paulo: Martins Fontes). D W O R KIN , R.
Levando o s D ireito s a Sério . Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ALEXY, Robert. Sistema ju ríd ico , prin cípios y razón practica. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel
de Cervantes, 2001.
23 Grosso modo, trata-se do direito construído apenas com base nas imposições legais, sem olhos
para a realidade exterior. Cf. NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Legalismo e Impunidade: Intole
rância e Permissividade Jurídicas na América Latina - Notas para Discussão no Ano Mundial
da Tolerância. In: R evista d o C o n selh o E sta du al d e D efesa do s D ireito s d o H o m em e d o
Cidadão, ano II, n° 02, março, 1995, p. 08.
868 - T r a n s a ç ã o , S o lu ç õ e s A lt e r n a t iv a s de C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a lid a d e C o n j u n t u r a l .
2 . D ir e it o T r ib u t á r io e E c o n o m ia
24 Dados constantes da Justificativa aos Projetos de Lei encaminhada pelo PGFN ao Ministro
Guido Mantega em 15.3.2007.
25 Jornal Valor Econômico, de 11/9/07.
S é r g io P a p in i de M en d o n ça U chôa F il h o - 8 6 9
3. T ran sa çã o
26 A elevada carga tributária em comparação a outros países com economias similares agregada ao
pequeno retorno propiciado em questões fundamentais como saúde, educação, infraestrutura
saneamento e a complexidade das atuais regras responsáveis pela sensação generalizada de
insegurança aos investimentos no país gera conseqüências negativas tanto para os contribuin
tes quanto para o Fisco. Em relação aos primeiros, a) cria-se um sistema ineficiente, onde se
onera a produção e não se distribui renda; b) há dificuldade de cumprir as regras (custos
desnecessários); e c) estimula-se a burocracia (corrupção). Para o Fisco, as conseqüências são
as seguintes: a) estimula-se a sonegação fiscal; b) perpetua-se o aumento do passivo tributário
federal, hoje estimado em 500 bilhões de reais; e c) proliferam-se as execuções fiscais em
curso, hoje calculadas em mais de 2,5 milhões (aproximadamente 37% de todas as demandas).
27 Conforme salienta Hugo de Brito Machado, o vocábulo "transação" é geralmente utilizado para
designar um negócio jurídico ou acordo de vantagens a respeito de relações jurídicas as mais
diversas. É bastante freqüente a sua utilização no meio empresarial para indicar compra-e-venda,
permuta, desconto bancário ou mútuo mercantil. Em sentido mais restrito, transação é a conven
ção em que mediante concessões recíprocas, duas ou mais pessoas ajustam certas cláusulas e
condições. É neste sentido que a palavra é utilizada em nosso código civil. Cf. M ACHADO,
870 - T ran sação , S o lu çõ es A l t e r n a t iv a s d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a l id a d e C o n j u n t u r a l ..
Hugo de Brito. A transação no direito tributário. In: Revista Dialética de D ireito Tributário, n° 75,
dez. 2001, p. 60. Nesse contexto, o artigo 840 do Código Civil de 2002 prescreve que: "É
lícito, aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas". Cf.
BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código C ivil. D iário O ficia l da
U nião, Brasília, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
LEIS/2002/L10406.htm>. Da leitura do referido artigo, claramente se percebe que no direito
civil a transação pode ser tanto preventiva, ou seja, antes de instaurado o litígio, como
terminativa, visando à extinção de um conflito já existente. Isto é, na transação civil, cada parte
abre mão de parcela de seus direitos para impedir ou por fim a uma demanda.
28 Cf. BRASIL, Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional
e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário
O ficial da União, Brasília, 27 de outubro de 1966- Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L5172.htm>. Acesso em: 10.dez.2009.
S é r g io P a p in i de M en d o n ça U chôa F il h o -871
4 . M e d id a s a l t e r n a t iv a s d e r e s o l u ç ã o d e c o n t r o v é r s ia s
29 Nos Estados Unidos, por exemplo, várias técnicas se desenvolveram, aumentando as chances
de se resolver os conflitos antes de se recorrer ao Judiciário. São as denominadas ADRs
(Alternative D ispute Resoíutions), como a facilitação, a avaliação neutra, o fact-finding (inves
tigação de fatos), o mini-trial e a p e e r review (avaliação de questões trabalhistas por grupos de
empregados e patrões). Cf. SLATE II, W illiam K. International arbitration in the U nited States. São
Paulo: LTr, 1998, p. 27-29.
872 - T ran sação , S o lu çõ es A l t e r n a t iv a s d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a l id a d e C o n j u n t u r a l ..
30 Ao ser o mediador um terceiro neutro que facilita o diálogo entre o Fisco - disposto a cobrar
o que entende como o máximo que a lei permite - e o contribuinte - com pretensão de reduzir
a extensão do fato imponível dentro dos limites mínimos que o imposto exige seu papel se
limita a aproximar as partes a um acordo satisfatório no marco estrito da norma aplicável, sem
impor soluções à maneira de um árbitro, mas ajudando a coadunar posições no litígio. Dito de
outro modo, são as partes, e não o mediador, que chegam ao acordo, que uma vez instrumentado
obriga para esse caso concreto, sem que possa pretender-se, de modo algum, sua interpretação
extensiva a outros fatos.
31 A arbitragem é um meio jurídico de solução de controvérsias fora do Poder Judiciário. Só pode
ser usada por acordo espontâneo das partes envolvidas no conflito. As partes elegem árbitros
para serem os juizes da controvérsia. Tais árbitros têm o dever de decidir de forma obrigatória
o litígio através da prolação de um laudo arbitrai.
32 Cf. COELHO , Inocêncio Mártires. Arbitragem, mediação e negociação: a constitucionalidade
da lei da arbitragem. Notícia d o D ireito Brasileiro, N° 7. Faculdade de Direito da Universidade
de Brasília, 2000.
33 Ibidem .
34 Cf. LEONETT1, Juan Eduardo. Procedim ientos tributários consensuados. M ediacion Fiscal. N uevo
paradigm a?, VII Jornadas Nacionales de Mediación en homenaje al Dr. Carlos Alberti. 18 y 19
de agosto de 2005. Colégio publico de abogados de Ia capital federal. Coordinadora Dra
Maria Carolina Obarrio.
35 Ibidem .
S é r g io P a p in i de M en d o n ça U chôa F il h o - 8 7 3
36 Ibidem.
37 Cf. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 23.
38 Ibidem.
8 7 4 - T r a n s a ç ã o , S o l u ç õ e s A ltern ativas d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a l id a d e C o n ju n t u r a l ..
5 . R e g r a g e r a l d e t r a n s a ç ã o , s o l u ç õ e s a l t e r n a t iv a s
d e c o n t r o v é r s i a s , in t e r e s s e p ú b l i c o e
EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA
39 Cf. PEREZ, J.J Zornoza. jQué podemos aprender de Ias experiencias comparadas? Admisibilidadde
los convênios, acuerdos y otras técnicas transaccionales en el Derecho Tributário espanol. In:
Arbitraje y Convención en el Derecho Tributário. Madrid: Ed. Marcial Pons, 1996, p. 31.
40 Ora, como advertira John Locke, "as novas opiniões se vêm com desconfiança e usualmente
encontram oposição, sem outra razão além do fato de não serem comuns". Cf. LOCKE, John.
Ensaio sobre o entendimento humano, 5a ed. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova
Cultural, 1991.
8 7 6 - T r a n s a ç ã o , S o l u ç õ e s A ltern ativ as d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a l id a d e C o n ju n t u r a l ...
41 Cf. FARIA, José Eduardo. A definição do interesse público. In: SALLES, Carlos Alberto de (org.).
Processo civil e interesse público. São Paulo: RT, 2003, p. 79.
42 Cf. Dl PIETRO, Maria Sylvia Z. Direito Administrativo. 15a ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 68.
43 Cf. TACITO, Caio. Temas de direito p úblico - estudos e pareceres, 3a ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 19.
44 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética,
2003, p. 61.
S é r g io P a p in i d e M e n d o n ç a U c h ô a F il h o - 8 7 7
realização de suas atribuições, deve atentar para a proteção dos interesses dos
administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. Dito de
outro modo, o interesse público é atingido quando se consideram também os
interesses dos particulares45.
Nesse contexto, é entendimento comum dè alguns, no mundo jurídico,
que o interesse público seria, a priori, absolutamente indisponível. Não obs
tante, tal afirmação não é inflexível nem absoluta, sendo possível a sua relati-
vização. Nenhuma ideia ou conceito está imune aos efeitos da evolução ou
revolução, mormente no âmbito das ciências humanas. Em outras palavras, o
interesse público não se reveste de invólucro inviolável. Vejamos.
A proteção do interesse público não impede que a Administração possa
gerir a res publica de acordo com a melhor noção de eficiência e presteza, nos
limites permitidos pelo ordenamento jurídico. Ora, o princípio em voga quer
apenas evitar que o patrimônio público seja conduzido de forma irresponsável
e que haja a sua dilapidação.
Desse modo, não há que se falar em indisponibilidade absoluta, mas
relativa, pois é indubitável que, para atingir os fins desejados pelo interesse
público, a Administração contém certa parcela de liberdade para agir e dis
por; tudo para atingir o mister de concretizar suas atribuições focadas no
interesse geral.
Por outro lado, há que se distinguir os atos de império dos atos de gestão,
em que se encontra ampla margem para a utilização de acordos na Administra
ção Fiscal. A arrecadação tributária, por exemplo, é atividade-meio (secundária)
do Estado e deve ser considerada ato de gestão. A disponibilidade de direitos
patrimoniais não se confunde com a indisponibilidade de interesse público.
Não é outro o entendimento que vem se sedimentando no Superior Tri
bunal de Justiça - STJ. Trata-se da jurisprudência referente ao conceito de
“interesse público” e a necessidade de intervenção do Ministério Público como
custos legis nas causas da Fazenda que versem sobre questões patrimoniais, a
teor do previsto no art. 82, III, do Código Processual Civil - CPC, que deter
mina competir ao Ministério Público intervir em todas as causas em que há
“interesse público”, corroborado pela natureza ou pela qualidade da parte. A
49 Cf. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São
Paulo: Atlas, 2002, p. 790.
50 Há uma corrente de autores que vê na eficiência apenas a obrigação de se alcançar fins sem a
necessidade de análise dos meios. Não estamos de acordo.
8 8 0 - T r a n s a ç ã o , S o l u ç õ e s A ltern ativ as d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a lid a d e C o n ju n t u r a l ..
6. Da c o m p a t ib il iz a ç ã o d a s s o l u ç õ e s c o n s e n s u a is c o m
51 "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do D istrito Federal e dos M unicíp ios obedecerá aos p rincíp io s de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...) "
S é r g io P a p in i d e M e n d o n ç a U c h ô a F il h o - 8 8 1
52 Nessa mesma linha aqui defendida, observem-se a redação dos artigos 5 ° e 6o da Lei Comple
mentar 105, do Estado de Pernambuco, de 21.12.07:
"Art. 5o Nas transações judiciais que implicarem obrigação pecuniária para as pessoas jurídicas
referidas no artigo 3o, o pagamento somente será efetuado após a homologação judicial do
termo de transação e a publicação de extrato dos termos do acordo, no Diário O ficial,
observando-se, ainda, o disposto no art. 100 da Constituição da República."
"Art. 6. Nas transações extrajudiciais que implicarem obrigação pecuniária para as pessoas
jurídicas referidas no artigo 3 o, o pagamento somente será efetuado após a publicação de extrato
dos termos do acordo, no Diário Oficial".
53 Não é outra a inteligência do legislador pernambucano na redação do art. 3o da Lei Comple
mentar Estadual n°. 105:
Art. 3o As transações judiciais e extrajudiciais em que seja parte ou interessado o Estado de
Pernambuco, suas autarquias e fundações públicas, serão firmadas pelo Procurador Geral do
8 8 2 - T r a n s a ç ã o , S o l u ç õ e s A ltern ativ as d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a l id a d e C o n ju n t u r a l .
C o n s i d e r a ç õ e s f in a is
cilitador da ação social para um direito bloqueador de uma ação que poten
cialmente coloca a sociedade em risco.
Uma das principais transformações identificadas para essa quarta fase do
direito moderno é a percepção de que o direito do século XXI é promovido
por uma racionalidade conjuntural e por uma legitimidade consensual. A lei
delegou a formas de pactuação a eficácia do próprio direito. Exemplos desse
fenômeno são a consolidação da transação, da mediação e da arbitragem.
Ademais, desenvolve-se uma linguagem pragmática e uma hermenêuti
ca reflexiva, que procura retratar as especificidades do caso concreto e refletir
sobre elas. Constroem-se tipos ad hoc, examinando-se a conjuntura, que são
moldados para uma situação específica.
Com a hermenêutica reflexiva e a racionalidade conjuntural, os critérios
de coerência são aqueles orientados por princípios. O valor que norteia o or
denamento é a adequação. Passa-se a trabalhar com critérios de compatibili-
zação de princípios.
Diante desse cenário de um direito bloqueador dos riscos sociais, raciona
lidade conjuntural, legitimidade consensual, tipos ad hoc, linguagem pragmáti
ca, completude do caso concreto e ponderação de princípios, o sistema tributário
não pode/deve ser lido apenas à luz da tipicidade cerrada e do legalismo autista.
O sistema tributário deve ser lido como o resultado de trocas entre os subsiste-
mas da sociedade (político, econômico e jurídico) e dessa forma terá o sentido
dinâmico de resposta à complexidade do sistema social e ao risco. Nesse mesmo
sentido, explica Marcelo Neves57, ao tratar do que denomina racionalidade trans
versal entre sistemas, que “se observarmos o regime fiscal, por exemplo, podere
mos verificar que, nele, há um entrelaçamento trilateral entre política, economia
e direito. O tributo é um fato econômico, jurídico e político, assim como o
orçamento é um instituto envolvido diretamente na economia, no direito e na
política. A racionalidade transversal importa, então, um grau de aprendizado e
intercâmbio construtivo entre esses sistemas”.
Ao se examinar o sistema tributário brasileiro, verifica-se que a transfe
rência de atividades liquidatárias para os contribuintes, assim como a presença
cada vez mais constante de conceitos indeterminados nas leis fiscais, deram
57 Cf. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009,
p. 50.
8 8 4 - T r a n s a ç ã o , S o l u ç õ e s A ltern ativ as d e C o n t r o v é r s ia s , R a c io n a l id a d e C o n ju n t u r a l .
58 "Art. 3° Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada".
S é rg io Papini de M e n d o n ç a U c h ô a F ilh o - 885
59 Não é nosso objetivo discorrer aqui sobre o instrumento legal adequado de implantação
dessas alterações, se lei ordinária ou complementar.
6) Direito Penal Tributário
Do Crime de Excesso
de Exação
A ) C o n s i d e r a ç õ e s I n ic ia is
1 M ACHADO, Hugo de Brito. Excesso de exação. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n° 39.
São Paulo: Dialética, p. 49-63, 1998.
2 Para os tributaristas, a expressão "tributo ou contribuição" é equivocada, pois contribuição
é tributo. Bastava, portanto, falar apenas em "tributo". À época, porém, em que a Lei nG
8.137/90 foi elaborada (pouco mais de dois anos após a Constituição de 1988), não se
sabia, ao certo, que rumo iria tomar a jurisprudência do STF acerca da natureza jurídica das
contribuições especiais. Afinal, sob o pálio da Constituição de 1967, com a EC 01/69, o e.
Supremo Tribunal Federal desenvolveu orientação de que contribuição não era tributo (ver,
por exemplo, o julgamento da Contribuição ao PIS em razão dos Decretos-Leis n° 2.445/88
892 - Do C rim e de E xce sso de E x a ç ã o
B ) D is t o r ç ã o n a P e n a - B a se
e n° 2.449/88). Daí, talvez, o motivo da legislação ter deixado claro que o tipo penal em
questão, também, deve abranger as contribuições. Hoje, porém, tal referência, como dissemos,
é desnecessária, já que doutrina e jurisprudência, em sua maioria esmagadora e corretamente,
entendem que contribuição é uma espécie de tributo. Esclareça-se, ainda, que, também, no
tipo legal em questão incluem-se os empréstimos compulsórios, porque são tributos (ver nosso
Contribuição ao PIS. São Paulo: Dialética, 1999).
3 Interessante orientação surgiu no julgamento, pelo e. STF, do RHC 81747 (Relator Min.
Maurício Corrêa, 2a Turma, DJU I de 29 .08.2003, p. 38, Data do Julgamento: 16.04.02),
quando se afirmou que "Ausência das elementares subjetiva, consistente no ato comissivo de
exigir-se tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, e objetiva, por não
se enquadrar a taxa de iluminação pública na categoria de imposto. Atipicidãde da conduta".
O c t a v io C a m p o s F is c h e r - 8 9 3
C ) T ip o O b je t iv o : A Importância d o C o n c e it o de T r ib u t o
4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 20a ed. São Fàulo: Atlas, 2005, p. 326.
5 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. V. 4, 21a ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 247.
894 - Do C rim e de E xce sso de E x a ç ã o
lumento. Este, porém, não deixa de ser uma espécie de taxa6. Portanto, até
1990, não configurava crime de excesso de exação a cobrança indevida de
contribuição de melhoria, de contribuições especiais e de empréstimo com
pulsório. A não ser que se adotasse a teoria bipartida ou a teoria triparti-
da na classificação dos tributos. Naquela, defendida por Alfredo Augusto
Becker, somente existiriam dois tributos autônomos (os impostos e as ta
xas), sendo que os demais teriam a natureza jurídica de um ou de outro
destes tributos a depender de sua base de cálculo. Já na teoria tripartida,
o tipo objetivo, também, poderia ser ampliado - ainda que de forma mais
restrita do que na teoria bipartida - pois, para alguns de seus defensores,
as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios seriam ou im
posto ou taxa, a depender da sua hipótese de incidência. Nesta teoria,
portanto, somente a exigência de contribuição de melhoria indevida não
configuraria o crime de excesso de exação7.
Note-se, então, que a configuração do tipo objetivo, apesar de inserida
em dispositivo legal, estava a gerar um pouco de insegurança em função das
possíveis interpretações advindas da Teoria da Tributação.
O mesmo se passa atualmente, ainda que de outra maneira. Na redação
hoje em vigor, a legislação fez referência não a algumas espécies de tributos,
mas ao próprio gênero tributo. Portanto, tudo que se encaixar no conceito
deste poderá gerar a incidência do tipo penal em tela.
O problema, porém, está em determinar a real extensão do conceito de
tributo. Esta é uma questão pouco discutida pelos estudiosos do direito pe
nal, que apenas fazem brevíssimas incursões pelo tema.
Para Luiz Régis Prado, a partir do art. 145 da CF/88, “tributo constitui o
gênero do qual os impostos, taxas e contribuições de melhoria são as espécies”.
Mesmo assim, o autor, amparando-se na lição de Hugo de Brito Machado,
sustenta que as demais contribuições, também, são tributos8.
6 Ver, por todos, o julgamento pelo STF da ADIN n° 2653/MT, Relator Min. Carlos Velloso, DJU
I de 31.10.2003, p. 14.
7 Para uma completa e profunda análise, sob a ótica tradicional, das teorias classificatórias
dos tributos, ver o nosso: FISCHER, O ctavio Campos. A Contribuição ao PIS. São Paulo:
D ialética, 1999.
8 Curso de direito penal brasileiro, v. 4: parte especial, arts. 289 a 359-H. São Paulo: RT,
2001, p. 402.
O c t a v io C a m p o s F is c h e r - 8 9 5
9 FRANCO, Alberto Silva & STOCO, Rui (coord.). Código Penal e sua interpretação jurisprudencial,
v. 2: parte especial, 7a ed. São Paulo: RT, p. 3861.
I0 Código Penal comentado. 4 a ed. São Paulo: RT, 2003, p. 865.
II Direito penal: parte especial, v. 4, 6a ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 130.
8 9 6 - D o C rime de E xcesso de E xa ç ã o
xar será tributo. Portanto, para além dos impostos, taxas e contribuição de
melhoria, também os empréstimos compulsórios13e as contribuições espe
ciais têm natureza tributária. Afinal, estas duas espécies, igualmente, são
compulsórias e não são sanções por atos ilícitos. Não se alegue o contrário
com fundamento na ideia de que o montante arrecadado em tais situações,
algumas vezes, sequer passa ou se mantém como receita nos cofres públicos.
Ora, tal raciocínio não encontra respaldo constitucional, na medida em que
nossa Carta Magna não impõe como requisito para a caracterização do tri
buto que ele seja uma receita (ingresso definitivo) para os cofres públicos. O
que se exige é a utilização do montante cobrado para a realização de fins e
interesses públicos.
A partir desta perspectiva, já se pode concluir que a adoção legislativa da
expressão “tributo ou contribuição social” mostrou-se equivocada. Ora, basta
va falar em “tributo”.
A única justificativa para o legislador ter deixado claro que o tipo pe
nal em questão deve abranger as contribuições deve-se ao fato de que, à
época em que a Lei n° 8.137/90 foi elaborada (pouco mais de dois anos
após a Constituição de 1988), não se sabia, ao certo, que rumo iria tomar a
jurisprudência do STF acerca da natureza jurídica das contribuições espe
ciais. Afinal, sob o pálio da Constituição de 1967, com a EC 01/69, o e.
Supremo Tribunal Federal desenvolveu orientação de que contribuição não
era tributo (lembre-se, por exemplo, o julgamento da Contribuição ao PIS
em razão dos Decretos-Lei n° 2.445/88 e n° 2.449/88).
Hoje, como se pode verificar, o STF tem decidido, reiteradamente, que
as contribuições têm natureza tributária. A própria doutrina, em sua maioria
esmagadora, entende que contribuição é uma espécie de tributo14.
Aqui, mais um esclarecimento se faz necessário. Quando se fala em con
tribuição, para explicar o tipo penal, não se pode restringi-la a apenas uma de
suas espécies, que seria a contribuição social. O descuido com a terminologia,
neste ponto, pode provocar distorções no sistema.
Ao lado da contribuição de melhoria (art. 145, III da CF/88), o sistema
constitucional prevê um outro modelo de contribuições, com matriz no art.
D ) D o T r ib u t o I n d e v id o
15 Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 346 e 347.
900 - Do C rim e de E xce sso de E x a ç ã o
16 Aqui, é importante esclarecer que a função da Resolução do Senado Federal, prevista no art. 52
da CF/88, é apenas de conferir eficácia erga omnes para a r. decisão do e. Supremo Tribunal
Federal em sede de controle difuso. Portanto, o que se tem é que a Resolução não é admissível
no controle concentrado. Ademais, a Resolução, apenas, funciona como um instrumento que
amplia a decisão do STF, de forma que, também, não cabe cogitar de efeitos temporais diversos.
Alguns autores sustentam que ela sempre teria efeito ex nunc. Todavia, entendemos que ela tem
o mesmo efeito temporal da decisão do STF. Se esta é ex tunc, aquela assim será. Se é ex nunc,
assim, também, será (sobre o assunto, ver nosso: FISCHER, Octavio Campos. Os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade no direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004).
J7 O problema que se põe aqui é de saber se o tributo já pode ser considerado indevido, de forma
geral, antes da emissão da Resolução do Senado. Dito de outra forma, é saber se o Poder
Público pode ou não continuar cobrando um tributo antes daquela. Em nosso entender, a
princípio, não será ilícita uma tal cobrança, justamente porque os efeitos da decisão no
controle concreto são apenas inter partes, quando não intra processual. Mas, dissemos a
princípio, porquanto é do conhecimento de todos que o Senado Federal não tem um prazo e
muito menos está obrigado a emitir a referida Resolução, o que significa que a eficácia erga
omnes pode não ser alcançada por esta via. Todavia, isto não implica em dizer que reiteradas
manifestações do e. Supremo Tribunal Federal, ao longo de determinado período, não levem
à formação de uma consciência coletiva jurídica de que a norma tributária é inconstitucional.
Pode-se falar aqui, por exemplo, naqueles casos em que se tem uma Súmula do e. STF. A
Emenda Constitucional n° 45/04 inovou o ordenamento no que se refere a tal instituto.
Passou-se a prever, no art. 103-A da CF/88, a Súmula Vinculante, que será aprovada pelo
Supremo Tribunal Federal, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas
decisões sobre matéria constitucional, e "que, a partir de sua publicação na imprensa oficial,
terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
O c t a v io C a m p o s F isc h er - 9 0 1
E) T ipo S u b j e t iv o
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal", sendo que, no art. 8° da
referida EC, tem-se que "As atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão
efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na
imprensa oficial". Então, pode-se dizer que se houver Súmula Vinculante a Administração
Pública não poderá mais cobrar determinado tributo ou interpretar a legislação tributária de
forma diversa da que foi consolidada. Mas isto não se descarta a possibilidade de configuração
do crime antes da existência de Súmula Vinculante. Será o caso de um interpretação flagrante
mente indevida da legislação.
18 Bem a rigor, como ensina Paulo de Barros Carvalho, não poderia o Código Tributário Nacional
distinguir os institutos da extinção e da exclusão do crédito tributário. Ademais, as situações
de exclusão, previstas no art. 175 do CTN (isenção e anistia), não atingem o crédito, seja
porque, no primeiro caso, não há que se falar em crédito tributário, seja porque, no segundo,
o que se exclui é a sanção (Curso de direito tributário. 17a ed. São Paulo: Saraiva, 2005).
19 M ACHADO, Hugo de Brito. Excesso de exação. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n° 39.
São Paulo: Dialética, p. 56-7, 1998.
20 Direito penal: parte especial. 4° v., 11a ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 159.
21 DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto & DELMANTO, Fábio
Machado de Almeida. Código Penal comentado, 6a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 630.
902 - Do C r im e d e Excesso de Exação
assume o risco de realizar o tipo. É o que leciona Juarez Tavares: “(...) o agente
deve ter refletido e estar consciente acerca da possibilidade da realização do tipo
e, segundo o seu plano para o fato, se tenha colocado de acordo com o fato de
que, com sua ação, produzirá uma lesão do bem jurídico”25. É, também, o
pensamento de Mirabete: “Age também com dolo eventual o agente que, na
dúvida a respeito de um ou mais elementos do tipo, se arrisca em concretizá-
lo. Quem age na dúvida assume o risco da prática da conduta típica”26.
Nesta esteira, apesar da infeliz redação do tipo penal em questão, não se
pode admitir, aqui, a modalidade culposa. Ora, como dito acima, o Código
Penal, no parágrafo único do art. 18, deixa claro que “A punição por dolo é a
regra, enquanto que a sanção por culpa é excepcional”, somente devendo ser
aceita “quando a lei textualmente a prevê”27. Assim, se o §1° do art. 316 do
Código Penal, em momento algum, menciona expressamente a modalidade
culposa, é porque esta não pode ser considerada.
Um exemplo pode ajudar a compreender. Se há um cálculo errado no
Lançamento de Ofício do tributo e denota-se que este cálculo não foi inten
cionalmente elaborado para cobrar mais do contribuinte, não se pode falar em
crime de excesso de exação.
Todavia, em outra situação, se ocorreu a decadência tributária e, mes
mo assim, o funcionário efetua o Lançamento de Ofício do tributo, não
pode ele alegar que não teve a intenção de cobrar indevidamente (sem cul
pa), pois, no caso, ele devia saber que se tratava de excesso de exação. O
funcionário, aqui, assumiu o risco (dolo eventual) ou mesmo agiu com a
intenção (dolo direto) de realizar o tipo: cobrar o tributo indevido. Mas,
deve-se frisar que a caracterização do dolo eventual é extraída não “da mente
do autor, mas, isto sim, das circunstâncias”28.
Questão delicada que se discute diz com a configuração do crime de
excesso de exação em razão da emissão de um ato normativo da Administra
ção Pública flagrantemente inconstitucional ou ilegal.
25 Teoria do injusto penal. 2a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 346-347.
26 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penaI interpretado. 5a ed. (atualizada por Renato N. Fabbrini).
São Paulo: Atlas, 2005, p. 195.
27 DELM ANTO, Celso; DELM AN TO , Roberto; DELM ANTO JÚ N IO R, Roberto & DELM ANTO,
Fábio Machado de Almeida. Código Penal comentado, p. 34.
28 Superior Tribunal de Justiça, 5a Turma, Resp 242263-M G, Rel. Min. Felix Fischer, DJU I de
20 .0 8.20 01, p. 515.
904 - Do C r im e d e Excesso de Exa ç ã o
29 VIEIRA, José Roberto; LESNAU, Fábio Alessandra Fressato; OLIVEIRA, Clèverton Bueno de;
CAVALI, Marcelo Costenaro; ISFER, Renata Beckert e BARRETO, Rita Carolina. Perfil constitu
cional do regulamento e alguns reflexos tributários. In: Revista da Academia Brasileira de Direito
Constitucional, v. 4, Curitiba: ABDCO N ST, p. 184, 2003.
30 A princípio, porque pode ocorrer a situação de um Chefe de determinada repartição do Fisco
impor uma ordem concreta ao agente fiscal para arrecadar um tributo indevidamente. Neste
caso, o tipo penal poderá, também, ser aplicável ao superior. Assim é o que leciona Flugo de
Brito Machado: "Se a ordem superior é manifestamente ilegal, o autor da ordem e o funcionário
que a cumpre, ambos cometem o crime. Este será o autor material, e aquele o intelectual, ou
partícipe" (Op. c/t, p. 58).
31 Manual de direito penal, op. cit., p. 324. Ver, também: BITENCOURT, Cezar Roberto. Código
Penal comentado. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1084.
O c t a v io C am po s F is c h e r - 9 0 5
Uma outra questão que pode ser discutida diz com a exigência indevi
da de tributo realizada por ato administrativo executivo de funcionário que
se baseia em ato administrativo normativo flagrantemente inconstitucional
ou ilegal.
Aqui, sim, nosso entendimento é diverso.
E importante registrar que, do ponto de vista constitucional, a licitude
da conduta do agente fiscal está subordinada a atos normativos primários e
não aos secundários (infralegais). Aliás, a Lei n° 8.112/90, em seu art. 116,
XII, estipula como um dos deveres do servidor público “representar contra
ilegalidade”. Portanto, diante de um ato administrativo normativo ilegal, o
servidor público tem o dever de oferecer representação.
Pode-se dizer, no entanto, que o mesmo art. 116, no seu inc. IV, obriga
o servidor a cumprir ordens superiores, exceto quando manifestamente ile
gais, de forma que somente nestas situações é que se pode exigir do funcioná
rio o descumprimento de um ato administrativo normativo. De fato.
Ocorre que a obediência hierárquica se põe, normalmente, quando é
proferida uma ordem concreta por um agente/servidor que se encontra em
um “plano superior de relação hierárquica pública”32. Todavia, também, pode
ser que a ordem advenha de um ato administrativo normativo. No direito
tributário, temos, comumente, que o agente fiscal não precisa de uma “ordem
concreta” para cobrar o tributo. Basta a verificação do fato gerador ou da
irregularidade por parte do contribuinte para que o funcionário aplique os
atos normativos. É claro que podem existir situações em que o chefe da repar
tição ordene a um subordinado seu que realize uma indevida cobrança de
determinado tributo, ainda que toda a legislação (inclusive a infralegal) esti
pule o tributo de forma válida.
Aí, como já mencionamos acima, a imputação poderá recair tanto sobre
o agente fiscal quanto sobre o seu subordinado, a depender da situação con
creta, em face das variáveis normativas do Código Penal. Assim, se a ordem for
manifestamente ilegal e o funcionário cumpri-la, sua conduta será punível
criminalmente, junto com a de seu superior.
Neste sentido, aponta o art. 22 do Código Penal Brasileiro:
32 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANCELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 2a
ed. São Paulo: RT, 1999, p. 657.
906 - Do C r im e d e E xcesso de Exação
33 Mesmo raciocínio se aplica se o ato administrativo normativo fundar-se em uma lei manifesta
mente inconstitucional. Também, aqui, o funcionário responsável pela cobrança do tributo
pode ser punido se aplicar tais normativas. Todavia, não se está, aqui, a tratar do problema do
controle de constitucionalidade em nível administrativo. Sobre o assunto, em nossa tese de
doutorado, já tivemos a oportunidade de defender o entendimento de que isto é possível em
sede de processo administrativo, em face dos princípios da ampla defesa e do devido processo
legal (Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário. Rio de janeiro: Reno
var, 2004). No presente caso, tem-se que o funcionário não poderá cobrar tributo manifesta
mente inconstitucional. É o caso de cobrança de ISS sobre venda de imóvel entre particulares,
com base em lei de determinado Município. Tal exigência seria tão manifestamente inválida
que a sua observância por um funcionário público seria inescusável. Portanto, não será
sempre, mas somente nestes casos teratológicos, que se poderá exigir do funcionário que se
abstenha de cumprir uma lei. No mais, a Administração Pública somente poderá exercer um
juízo de constitucionalidade se existente um devido processo legal.
34 El derecho y su lenguaje, op. cit., p. 105-106.
O c t a v io C am po s F is c h e r - 9 0 7
Cláudio Sacchetto
Ordinário di Diritto Tributário
Universita di Torino
C l á u d io Sa c c h e t t o - 913
1. PREMESSA INTRODUTT1VA
coordinamento fissato dallo Stato (art. 117, comma 3). Non vi è ancora moita
chiarezza su questo punto dei coordinamento che a nostro awiso si annuncia
cruciale giacché è solo su tale equilibrio di ruoli e funzioni che si potrà stabilire
cosa rimanga alia fine delia autonomia tributaria delle Regioni e dei Comuni.
Ogni ordinamento è libero di “dosare" le due componenti indipendenza
ed autonomia secondo valutazioni di natura politica ma è facile intendere che
un coordinamento troppo “astringente” va a detrimento delia indipendenza e
può diventare un modo non trasparente per mantenere il centralismo statale.
E su questo punto non resta che attendere i decreti delegati.
Vi è inoltre un coordinamento nazionale, affidato alio Stato (art. 119,
comma 2); e quello regionale, disposto con legislazione regionale concorrente,
soggetta ai “principi fondamentali” fissati dallo Stato (art. 117, comma 3).
II coordinamento deliafmanzapubblica significa in particolare che lo stato
fissa i tipi di tributi che possono essere tributi propri delle regioni o degli enti
sub regionali. Di piú, indicando i tipi delimita anche i presupposti sui quali
possono essere istituiti dai vari enti i tributi propri. In definitiva con la riforma
dei Titolo V lo Stato cede parte delia própria potestà tributaria ma si direbbe
con grande prudenza e soprattutto opera una ristrutturazione finanziaria tra
i vari enti snellendola. Si tratta di un punto cruciale e fondamentale dei
progetto federale italiano e in generale di ogni modello federale.
II quadro generale dei federalismofiscale”cosi sinteticamente delineato è
entrato a far parte dei corpo normativo costituzionale nel 2001 ma si è trattato
solo di un progetto oprogramma quanto dire che le norme costituzionali citate
non hanno immediata operatività e neppure abrogano le norme vigenti coerenti
con la precedenti normativa costituzionale. In quanto programmatiche le norme
dei Titolo V si rivolgono al legislatore ordinário per la sua implementazione.
L’economia di spazio di questo contributo non permette di descrivere la
serie di interventi e proposte che dal 2001 si sono susseguiti da parte delle
varie forze politiche (tutte peraltro convergenti sulTobiettivo) per arrivare ad
una legislazione di attuazione dei dettato costituzionale in particolare alTart.
119 Cost.
In questo fase storica non va comunque sottaciuto che nel quadro politico
socio economico italiano caratterizzato da una spaccatura tra Nord e Sud,
esiste una componente politica che richiede una forte domanda di autonomia
dei Nord.
9 1 8 - I l F e d er a lis m o F iscale in It a lia
che amministrativi nel senso che non solo dovranno ottemperare agli standard
di quantità e qualità di servizi attribuiti ma che per la loro erogazione dovranno
osservare determinati parametri di spesa e in caso di trasgressione saranno
destituiti. Lo strumento che si pone come perno dellobiettivo della efficienza
della spesa pubblica, è 1’adozione dei metodo di calcolo dei c.d costi standard
vale a dire vale a dire secondo la definizione che ne da lo stesso progetto di
legge (art.2 c.2 lett. f)) “ftndicatore rispetto al quale comparare valutare Vazione
pubblica“ individuando i costi delle prestazioni pubbliche sulla base delle
migliori performance. Chiude il sistema dei finanziamenti il fondo delle risorse
aggiuntive, una categoria di entrate derivanti da finanziamenti speciali da
parte dello Stato e della Unione europea, per specifiche finalità generali es. lo
sviluppo economico, la coesione e la solidarietà sociale per rimuovere gli squilibri
economici e sociali, per favorire l’effettivo esercizio della persona ex art. 119
Cost. c. 5. Qui si ha una conferma dei modello solidaristico di federalismo.
Questo è un argomento molto delicato perché tocca un nervo scoperto dei
sistema economico e sociale italiano vale a dire le relazioni tra Nord e Sud.
Cosa finanziano gli enti locali? La Costituzione prima e la legge 42
distingue due livelli di funzioni a carico degli enti locali: i servizi essenziali e
quelli non essenziali. Le spese riguardanti i livelli essenziali delle prestazioni
di servizi ritenuti fondamentali e tali definiti dallo Stato, vale a dire sanità,
istruzione ed assistenza, trasporti, saranno finanziate ai costi standard, “associati
ai livelli essenziali delle prestazioni fissati dalla legge statale, da erogarsi in
condizioni di efficienza e di appropriatezza su tutto il territorio nazionale” ai
sensi delTart. 6, c.l, lett. b). Le aliquote dei tributi e delle compartecipazioni
destinate a finanziare tali spese devono assicurare il raggiungimento dei livello
minimo sufficiente per almeno una Regione, e nelle altre, dove il gettito
tributário risulta insufficiente, concorreranno le quote dei fondo perequativo
(comma 1, lett. g) nazionale e regionale.
Nei limiti previsti dalla legge, gli enti locali potranno ricorrere anche alio
strumento fiscale per fornire servizi aggiuntivi per le funzioni fondamentali
per favorire determinate attività o situazioni di bisogno ma allora vi dovranno
prowedere con un correlativo aumento dei tributi locali o con la fiscalità di
vantaggio vale a dire con esenzioni che si traducono in minori entrate. Queste
misure di fiscalità hanno il vantaggio che terranno conto delle situazioni locali
ma saranno anche misure trasparenti decise dai governi locali e quindi soggette
al controllo politico dei cittadini destinatari.
C l á u d io S a c c h e t t o - 9 2 1
3 . I n p a r t ic o l a r e : l' a u t o n o m ia t r ib u t a r ia d e g l i e n ti l o c a l i
Per le altre spese vale a dire per i servizi non fondamentali o per quote
aggiuntive di servizi essenziali (regioni che desiderano avere ad esempio servizi
sanitari o istruzione, o trasporti piú elevati) le Regioni possono decidere
autonomamente ma dovranno farsi carico dei costi sempre in via autonoma
ricorrendo ad altri tributi propri o innalzando quelli esistenti.
Va precisato che il termine tributi propri non va inteso nel senso, come
dovrebbe essere, di tributi istituiti con delibera autonoma, a livello delTente
secondo una própria valutazione politica e sociale, ma solo che si tratta di
tributi istituiti dallo Stato che ne individua il presupposto e la base imponibile,
ma il cui gettito è destinato agli enti locali ove si configura tale presupposto
secondo il citato principio di territorialità. Esso agisce nei seguenti termini:
dei luogo di consumo, per i tributi aventi come presupposto i consumi, delia
localizzazione dei cespiti, per quelli basati sul patrimonio, dei luogo di
prestazione dei lavoro, per i tributi basati sulla produzione, delia residenza
dei percettore, per quelli basati ai redditi delle persone fisiche, ed infine al
coinvolgimento dei diversi livelli istituzionali nelTattività di lotta alTevasione
e alTelusione fiscale. II gettito di questi tributi per contro sarà senza vincolo
di destinazione. Si potrebbe dire che luogo dei presupposto è il luogo dei
pagamento alTente competente territorialmente. In teoria si ha coincidenza
tra servizio - costo - pagamento.
In conclusione per tributi propri delle Regioni, ai sensi delTart. 5, si in-
tendono:
• 1 .1 tributi propri derivati. istituiti e regolati da leggi statali, (e questo
termine equivoco ma si giustifica come applicazione dei principio dei
coordinamento) il cui gettito è attribuito alie Regioni. Le regioni, con própria
legge, possono modificare le aliquote e disporre esenzioni, detrazioni e
deduzioni nei limiti e secondo criteri fissati dalla legislazione statale e nel
rispetto delia normativa comunitaria europea;
8 2. Le aliquote riservate alie Regioni a valere sulle basi imponibili dei
tributi erariali c. d. addizionali', le regioni, con própria legge, possono introdurre
variazioni percentuali delle aliquote delle addizionali e possono disporre
detrazioni entro i limiti fissati dalla legislazione statale;
• 3. I tributi propri istituiti dalle Regioni con proprie leggz “in relazione
aipresupposti non già assoggettati a imposizione erariale. ”!
C l á u d io S a c c h e t t o - 9 2 3
5 . I FONDI PEREQUATIVI
capacita fiscale, ossia quelle nelle quali il gettito per abitante delTaddizionale
IRPEF supera il gettito medio nazionale, non partecipano alia ripartizione
dei fondo, mentre le altre partecipano al fondo, alimentato da una quota dei
gettito prodotto nelle altre Regioni.
b) I fondi perequativi regionali
Ogni Regione istituirà infine nel proprio bilancio due fondi, uno a favore
dei Comuni, l’altro delle Province, come indicato dal!’art. 11. Tali fondi saranno
alimentati da un fondo perequativo dello Stato, con 1’indicazione separata
degli stanziamenti per le diverse tipologie di enti a titolo di concorso per il
fmanziamento delle funzioni da loro svolte. La misura dei fondo sarà
determinata in base alia differenza fra i trasferimenti statali soppressi e le
nuove entrate istituite.
Questo per grandi linee il disegno prefigurato di federalismo fiscale a
livello di legge delegata che, come detto sopra, aspetta ora di trovare piü specifica
e implementazione con i decreti delegati. E qui si giocherà la vera battaglia
perché nei decreti da emanare con legge ordinaria si offrono spazi discrezionali
e di opzioni che possono variare 1’effettiva portata dei disegno costituzionale.
Piü di tutto sarà compito dei politici far capire ai cittadini che decentramento
e federalismo sono sinonimi di diversità. Non è pensabile un federalismo senza
autonomia e quindi senza una regolazione di interessi che non sia espressione
di una valutazione diversa in quanto diversi il giudizio di chi decide. Questo
è una osservazione “rivoluzionaria” perché obbliga a ripensare il principio
costituzionale di solidarietà politica economica e sociale ex art. 2 Cost. su cui
si fonda il principio fondamentale della nostra costituzione di solidarietà e di
eguaglianza art. 3 anche per 1’aspetto fiscale.
o piü ottimisticamente meno inefficiente. II vero test sarà dato dalla predis-
posizione di un credibile sistema di controlli e dei processi di monitoraggio e
soprattutto da un sistema capace di rendere effettivi le sanzioni e le misure
premianti per chi rispetterà le regole delia buona amministrazione. Un test
che come è facile capire è meno un problema técnico e piü di volontà politica.
O Princípio da
Proporcionalidade e as
Normas Antielisivas no
Código Tributário da
Alemanha
1. In tro du ção
2 . O C ó d i g o de 19 19
O Código Tributário de 1919 (Reichsabgabenordung-RAO), elaborado
por Enno Becker sob a influência das ideias desenvolvidas pela jurisprudência
dos interesses, foi reformado em 1931 e sofreu profunda alteração pela Lei de
Adaptação Tributária (Steueranpassungsgesetz - StAnpG), de 1934, que assim
proibiu o abuso da forma jurídica (Rechtsmissbrauch) no art. 6o:
“1: Através do abuso de forma ou da aparência do direito civil não pode
a obrigação tributária ser contornada ou diminuída.2
2. Havendo abuso de forma, o imposto será exigido como se tivessem
sido adotados os processos econômicos, os fatos geradores e as relações
adequadas à forma jurídica”.
A interpretação da norma geral antielisiva transcrita sempre se fez à luz
dos arts. 4o e 5o da RAO, que cuidavam da consideração econômica do fato
gerador. Tais regras receberam nova redação pela RAO de 1931. Com a Lei de
Adaptação Tributária (Steueranpassungsgesetz), de 16.10.34, foram introduzi
das novas alterações: o art. Io, item II mandou observar na interpretação “a
3. O C ó d ig o de 1 9 7 7 ( A O 7 7 )
3 "Dabei sind die Volksanschauung, der Zw eck u rd die wirtschaftliche Bedeutung der Steuergesetze
und die Entwicldung der Vertáltnisse zu berücksichtigen".
4 " Entsprechendes gilt für die Beurteilung von Tatbestãnden".
5 "Die Steuergesetze sind national-soziaiistischer Weitanschauung auszuiegen".
6 ALBERTO XAVIER (Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Fàulo: Dialética,
2001, p. 108) para defender a inconstitucionalidade da norma antielisiva introduzida pela LC
104/01, no art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, lançou o argumento ad
terrorem de que as regras de combate à elisão abusiva têm coloração nazista, pois o abuso de
formas foi "concebido por ideólogo nacional-socialista como instrumento de cerceamento da
liberdade individual".
7 Zur Dogmatik des Begriffs Steuerumgehung. Festgabe für E. Zitelmanns, 1923, p. 217-288.
8 A redação original é a seguinte: "Durch Missbrauch von Cestaltungsmõglichkeitendes Rechts kann
das Steuergesetz nicht umgangen werden. Liegt ein Missbrauch vor, so entsteht der Steueranspruch
so, wie er bei einer den wirtschaftlichen Vorgángen angemessenen rechtlichen Gestaltung entsteht".
9 Die Steuerrechtsordnung. Kõln: Otto Schmidt, 1993, v. 3, p. 1342: "Es muss ein Steuergesetz
umgangen werden. § 42 A O spricht von Umgehung "des Steuergesetzes".
R ic a r d o L o b o T o r r e s - 9 3 3
10 ld ., ib id ., p. 1324: "D/e U m gehung des Steu erg esetzes se tz t einen M issb ra u ch von
Gestaltungsmõglichkeiten des Rechts voraus, der zwar nicht am Gesetzeszweck, wohl aber am
Gesetzeswortlaut vorbeizielt".
11 Steuerumgehung und Auslegungsmethoden. StuW 60: 181, 1983.
12 Cf. LEHNER, Moris. Nationalberichterstatter (Relatório Nacional da Alemanha). Cahiers de
Droit Fiscal Internacional 37: 196, 1983 classifica o art. 42 da A 0 7 7 como autêntica exceção,
embora limitada, da proibição de analogia; KLEIN, Martin. Die nicht angemessene rechtliche
Gestaltung in Steuerumgehungstatbestand des § 42 AO . Kõln: Otto Schmidt, 1994, p. 10.
13 Cf. TIPKE, Klaus. Die Steuerrechtsordnung. Kõln: Otto Schmidt, 1993, v. 3, p. 1326.
14 Cf., por todos, TIPKE, ibid., p. 1332: "O § 42 AO é constitucional (ist verfassungsmâssig). A
Constituição não cuida apenas do Estado de Direito formal, ela quer também realizar o Estado
de Direito material ou o Estado de Justiça (den materialen Rechtsstaat oder Gerechtigkeitsstaat).
15 StuW 1992, p. 186: "Direito Tributário e Direito Civil são ramos jurídicos da mesma estatura,
regrados um ao lado do outro, que à mesma situação de fato se aplicam sob uma outra
perspectiva e sob outros pontos de vista valorativos (Wertungsgesichtspunkten)".
9 3 4 - O P rin cípio d a P r o p o r c io n a lid a d e e as N o r m a s A ntielisivas n o C ó d ic o T rib u tá r io d a A lem an h a
4 . A A lter a ç ã o d e 2 0 0 8
4 .1 . G e n e r a l id a d e s
16 Cf. LEE, Dong-Sik. Methoden zur Verhinderung der Steuerumgehung und ihr Verhãknis zueinander.
Herdecke: GCA Verlag, 2000, p. 1.
17 TIPKE, Die Steuerrechtsordnung, cit., p. 1325.
18 É o seguinte o texto em alemão:
"§ 42 Missbrauch von rechtiichen Gestaltungsmõglichkeiten
( ! ) I. Durch Missbrauch von Gestaltungsmõglichkeiten des Rechts kann das Steuergesetz nicht
umgangen werden. 2. Ist der Tatbestand einer Regelung in einem Einzelsteuergesetz erfüllt, die der
R ic a r d o L o b o T o r r e s - 935
4.1 .2 . C o n teú d o
Verhinderung von Steuerumgehungen dient, so bestimmen sich die Rechtsfolgen nach jener
Vorschrift. 3. Anderenfalls entsteht der Steueranspruch beim Vorliegen eines Missbrauchs im
Sinne des Absatzes 2 so, wie er bei einer den wirtschaftlichen Vorgángen angemessenen
rechtlichen Gestaltung entsteht.
(2) 1. Ein Missbrauch iiegt vor, wenn eine unangemessene rechtiiche Gestaltung gewáhlt wird,
die beim Steuerpflichtigen oder einem Dritten im Vergleich zu einer angemessenen Gestaltung
zu einem gesetzlich n icht vorgesehenen Steuervorteil führt. 2. Dies gilt nicht, wenn der
Steuerpflichtige für die gewãhlte Gestaltung auliersteuerliche Gründe nachweist, die nach
dem Gesamtbild der Verhãltnisse beachtlich sind".
19 Cf. TO RRES, Ricardo Lobo. A Afirmação do Direito Cosmopolita. In: MENEZES DIREITO,
Carlos Alberto; CAN ÇADO TRIN DADE, Antonio Augusto e ALVES PEREIRA, Antônio Celso.
Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo. Estudos em Homenagem ao
Professor Celso D. de Albuquerque M ello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 919-940.
20 Cf. BOUVIER, Michel. La Question de l'lmpôt Ideal. Archives de Philosophie du Droit 46: 15-
24, 2002.
9 3 6 - O P r in cípio da P ro p o r c io n a lid a d e e as N o r m a s A ntielisivas n o C ó d ic o T rib u tá r io d a A lem a n h a
21 BUCHANAN, James M. The Limits o f Liberty. Chicago: The University of Chicago Press, 1975,
p. 112 fala em liberty tax, para significar que o tributo implica sempre perda de uma parcela de
liberdade (one degree o f freedom is lost).
22 Cf. LAN C, Joachim. Reform der Unternehmensbesteuerung auf dem Weg zum europâischen
Binnenmarkt und zur deutschen Einheit. StuW 67 (2): 111, 1990: "A tributação é, segundo a
compreensão econômica e jurídica, uma instituição da liberdade" (...eine Institution der Freiheit).
23 Cf. HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1984, p. 313: "Na referida discussão entre colônias e metrópole, de que resultou a primeira
formulação dos direitos humanos, a liberdade de religião não desempenha o papel decisivo,
mas sim a questão da co-gestação política das pessoas privadas reunidas num público sobre
aquelas leis que atingiam a sua esfera privada: no taxation without representation".
24 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. A Ideia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio
de Janeiro: Renovar, 1991, p. 121.
25 Cf. VO G EL, Klaus. Der Finanz und Steuerstaat. in: ISENSEE, Josef & KIRCHHOF, Paul (ed.).
Handbuch des Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg: C. F. Müller, 1987, v.
1, p. 1.174: "A estatal idade fiscal significa separação entre Estado e economia" (Steuerstaatlichkeit
bedeutet Trennung von Staat und Wirtschaft).
R ic a r d o L o b o T o r r e s - 9 3 7
26 Cf. SPANNER, Hans. Über Finanzreform und Bundesstaat. Festgabe für Theodor Maunz, 1971,
p. 388.
27 Para o debate, no direito americano, sobre o poder de tributar como poder de destruir, vide p.
29 e seguintes.
28 Cf. SAIN Z DE BUJAN D A, Fernando. Hacienda y D erecho. M adrid: Instituto de Estúdios
Politicos, 1975, v. 1, p. 194: "ia más enérgica resistencia al poder de los déspotas ha provenido,
por lo general, de los contribuyentes".
29 É o caso de Engels: "Ora a propriedade privada é sagrada e então não há nenhuma propriedade
pública e o Estado não tem o direito de cobrar imposto; ou o Estado tem esse direito e então
a propriedade não é sagrada, pois a propriedade pública se coloca acima da privada e o Estado
é o verdadeiro proprietário". (Denn entweder ist das Privateigenthum heilig, so gibt es kein
Nationaleigenthum, und der Staat hat nicht das Rechl; Steuern zu erheben; oder der Staat hat
dies Recht, dann steht das Nationaleigenthum über den Privateigenthume, und der Staat ist der
wahre Eigenthümer") - Apud J. LANG, Reform der Unternehmensbesteuerung..., cit., p. 111.
30 Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 116.
9 3 8 - 0 P rin c íp io d a P r o p o r c io n a lid a d e e a s N o r m a s A n tie lis iv a s n o C ó d ig o T r ib u t á r io d a A le m a n h a
Por outro lado, como vimos, o tributo é o preço da liberdade e, por conse
guinte, constitui restrição aos direitos fundamentais, designadamente à proprie
dade privada e aos frutos do trabalho. Sendo restrição aos direitos da liberdade o
tributo fica sujeito à reserva da Constituição e da lei formal, que constituem os
limites do poder de tributar. Tais limites, por seu turno, exibem também os seus
limites, que os alemães chamam de “limites dos limites” (Schranken-Schrankerif1.
Entre os limites dos limites aparece a proporcionalidade (Verhãltnismãssigkeit)
com todos os seus desdobramentos: princípios da determinação do fato gerador
(llitbestandbestimmtheitsgundsatzf2da igualdade33, da proteção dos direitos de
terceiros34e da tipicidade, com redução teleológica e analogia35.
Da ambivalência do conceito de tributo surgem as colisões entre os di
reitos fundamentais do cidadão e o poder de tributar do Estado. Observa
Alexy que “a constelação mais simples é caracterizada pela presença de apenas
dois princípios e dois sujeitos de direito (Estado/cidadão)”.
A nova regra de combate ao abuso da forma jurídica se estrutura sob a
inspiração do princípio da proporcionalidade, como passamos a examinar.
4 .2 . A NORMA GERAL ANTIELISIVA
Tributário Nacional e no Novo Código Civil. In: GRUPPENMACHER, Betina Treiger (coord.).
Direito Tributário e o Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 45.
37 Cf. ENGLISCH, Joachim. Verbot des Rechtsmissbrauchs-ein allgemeiner Rechtsgrundsatz des
Gemeinschaftsrechts. Steuer und Wirtschaft 2009 (1): 22.
38 Theorie der Crundrechte, cit., p. 100. Virgílio Afonso da Silva, na sua tradução (Teoria dos
Direitos Fundamentais, cit,, p. 116), opta por máxima e máximas parciais e traduz Geeignetheit
por adequação, terminologia que vamos seguindo.
9 4 0 - O P rin c íp io d a P r o p o r c io n a lid a d e e a s N o r m a s A n tie lis iv a s n o C ó d ig o T r ib u t á r io d a A le m a n h a
46 Cf. C O O PER, Craeme S. Conflicts, Challenges and Choices - The Rule of Law and Anti-
avoidance Rules. In: ________. (ed.). 7ãx Avoidance and the Rule o f Law. Amsterdam: IBFD,
1997, p. 13-50.
47 Cf. J. ENGLISCH, op. cit., p. 9.
48 In: TIPKE/LANG. Steuerrecht. Kõln: O . Schmidt,2008, p. 164.
49 Die Steuerrechtsordnung, cit., p. 1332.
50 Cf. SCHO UERI, Luis Eduardo. Planejamento Fiscalatravés de Acordo de Bitributação Treaty
Shopping. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 179.
9 4 2 - O P rin c íp io d a P r o p o r c io n a lid a d e e a s N o r m a s A n tie lis iv a s n o C ó d ig o T r ib u t á r io d a A le m a n h a
51 Cf. MACIEL, Taísa Oliveira. Tributação dos Lucros das Controladas e Coligadas Estrangeiras. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007.
52 LANG (In: TIPKE/LANG, op. cit., p. 162) afirma que "a relação da norma geral com a cláusula
especial não é clara".
53 Op.cit., p. 168.
54 ld., ibid., p. 1 77.
55 ld., ibid., p. 175.
56 ld., ibid., p. 176.
R ic a r d o L o b o T o r r e s - 9 4 3
5. C o n c lu s ã o
6. B ib l io g r a f ia
LEE, Dong-Sik. Methoden zur Verhinderung der Steuerumgehung und ihr Verhãltnis zueinander.
Herdecke: G CA Verlag, 2000.
LEHNER, Moris. Nationalberichterstatter (Relatório Nacionai da Alemanha). Cahiers de Droit
Fiscal Internacional 68a: 193-207,1983.
MACIEL, Taísa Oliveira. Tributação dos Lucros das Controladas e Coligadas Estrangeiras. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007.
MALHERBE, Jacques. O Abuso de Direito. Uma Análise no Direito Comparado. Direito
Tributário Atual 22: 30-52, 2008.
SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. Madrid: Instituto de Estúdios Politicos,
1975.
SCHOUERI, Luis Eduardo. Planejamento Fiscal através de Acordo de Bitributação Treaty Shopping.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
SPANNER, Hans. IJber Finanzreform und Bundesstaat. Festgabefür Theodor Maunz, 1971, p.
388-389.
TIPKE, Klaus. Die
Steuerrechtsordnung. Koln: Otto Schmidt, 1993, v. 3.
______ 8c LANG, Joachim. Steuerrecht. Kõln: O. Schmidt, 2008.
TORRES, Ricardo Lobo. A Ideia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de
Janeiro: Renovar, 1991.
______ . O Abuso do Direito no Código Tributário Nacional e no Novo Código Civil. In:
GRUPPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Direito Tributário e o Novo Código Civil.
São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 43-60.
______ . A Afirmação do Direito Cosmopolita. In: MENEZES DIREITO, Carlos Alberto;
CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto e ALVES PEREIRA, Antônio Celso. No
vas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo. Estudos em Homenagem ao Professor
Celso D. de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 919-940.
VOGEL, Klaus. Der Finanz- und Steuerstaat. In: ISENSEE, Joseph; KIRCHHOF, Paul (ed.).
Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublick Deutschland. Heidelberg: C. F. Müller, 1987,
v. 1, p. 1.151-1.185.
XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dia
lética, 2001.
8) Responsabilidade
Tributária
í
Algumas Considerações
Jurídicas sobre a
Responsabilidade
Solidária Tributária
e os "Grupos
Econômicos"
Terence Trennepohl
Pós-Doutor pela Universidade de Harvard
Doutor e Mestre em Direito (UFPE)
Professor de Direito Ambiental em cursos de Pós-Graduação
Advogado de Dewey & LeBoeufLLP, em Nova York.
I
F e r n a n d o R e b e l o A n d r a d e & T e r en c e T r e n n e p o h l - 9 4 9
I. I n t r o d u ç ã o
Atualmente, tema que vem provocando inúmeras controvérsias, no âmbito
do Poder Judiciário, é a “responsabilidade tributária por transferência”, vale dizer,
aquela em que, após a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, o dever
de recolher o tributo, originalmente devido pelo contribuinte, é transferido para
um terceiro, como, por exemplo, os sócios-gerentes de uma pessoa jurídica.
Geralmente, as lides têm origem em alguns dispositivos da legislação
ordinária que, quando interpretados e aplicados isoladamente pelas autorida
des fiscais e até pelo Poder Judiciário, contrariam as normas gerais sobre res
ponsabilidade tributária veiculadas pelo Código Tributário Nacional.
Era o caso, por exemplo, do atualmente revogado art. 13 da Lei n° 8.620/
93, que prescrevia a responsabilidade tributária dos sócios-gerentes, por débi
tos da pessoa jurídica da qual eram integrantes, sem, no entanto, condicionar
a atribuição de tal responsabilidade à presença de quaisquer dos requisitos
prescritos pelo art. 135 do CTN.
E é o caso, também, do art. 30, IX, da Lei n° 8.212/91, que, sem obser
var a disciplina do Código Tributário Nacional sobre o assunto, simplesmente
atribui responsabilidade tributária solidária entre “as empresas que integram
grupo econômico de qualquer natureza”.
Neste artigo, pretende-se propor uma interpretação do dispositivo men
cionado que, a despeito de eventualmente cogitar sua constitucionalidade, com
patibilize-o com as normas gerais sobre responsabilidade tributária vertidas pelo
Código Tributário Nacional, especialmente com a veiculada pelo seu art. 128.
II. A DISCIPLINA DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NO
C ó d ig o T r ib u t á r io N a c io n a l e n a l e g is l a ç ã o
o r d in á r ia : n e c e s s id a d e d e s u a in t e r p r e t a ç ã o e
APLICAÇÃO CONJUNTA E HARMÔNICA, EM OBEDIÊNCIA AO
a r t . 1 4 6 , I I I , " b " , d a C o n s t i t u iç ã o F e d e r a l de 1998
Em seu art. 146, a Constituição Federal reservou à lei complementar
três papéis, ou funções, a saber:
(i) dispor sobre conflitos de competência tributária entre as enti
dades tributantes, estabelecendo mecanismos para preveni-los
ou eliminá-los;
(ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; e
(iii) estabelecer normas gerais em matéria tributária, sendo que algu
mas dessas matérias são expressamente referidas pelas alíneas “a",
“b”, V e V ’.
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Pois bem.
Neste artigo é relevante a alínea “b” do art. 146 da Carta Política, haja
vista que, como ensina Hamilton Dias de Souza, é a norma veiculada por esse
dispositivo que “outorga competência à lei complementar para \estabelecer normas
gerais em matéria tributária’, compreendendo especialmente os elementos informa
dores da obrigação tributária, entre os quais o sujeito passivo”1.
Após salientar que os temas “Sujeito Passivo” e “Responsabilidade tributá
ria” encontram-se disciplinados pelo Código Tributário Nacional - recepciona
do pela Constituição Federal de 1988 com o status de lei complementar - em
seu Livro II, intitulado “Normas Gerais de Direito Tributário”, o aludido autor
é categórico ao concluir que:
“Portanto, todo o regramento atinente aos contribuintes e responsáveis
tributários encontra-se no Código Tributário Nacional, devendo ser
observado pelo legislador ordinário no exercício da competência tribu
tária, sob pena de violação à reserva de lei complementar.”2
Nesse mesmo sentido são as lições de Hugo de Brito Machado:
“A responsabilidade tributária não é matéria de livre criação e alteração
pelo legislador infraconstitucional. A Constituição Federal de 1988 es
tabelece, implícita ou explicitamente, limitações as quais a produção
normativa inferior relativa ao tema está adstrita. Vejamos.
No que diz respeito ao aspecto formal, o texto constitucional é expresso
em atribuir à lei complementar o trato da matéria.”3
Com efeito, em atendimento ao disposto no art. art. 146, “b”, da Cons
tituição de 1998, o Código Tributário Nacional, em seu art. 121, conceituou
“Sujeito passivo” da relação tributária como sendo “a pessoa obrigada ao paga
mento de tributo ou penalidade pecuniária”. O parágrafo único do dispositi
vo esclarece que o “Sujeito passivo” será denominado de “contribuinte” quando
tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato
gerador; ou de “responsável”, quando, sem revestir a condição de contribuinte,
sua obrigação decorra de disposição expressa em lei.
Já a “Responsabilidade Tributária” foi disciplinada pelo Código Tribu
tário Nacional nos arts. 124 e 128 a 137, que prescrevem as hipóteses e os
4 STJ, AgRg no REsp 1052246/SP, Rel. Ministro FRAN CISCO FALCÃO, PRIM EIRA TU RM A,
julgado em 05/08/2008, DJe 27/08/2008.
5 STJ, AgRg no REsp 1039289/BA, Rel. Ministro HUM BERTO MARTINS, SECU N D A TURM A,
julgado em 27/05/2008, DJe 05/06/2008.
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pode ser objeto de lei, não podendo, entretanto, alei determinar nenhuma
responsabilidade que entre em choque com os arts. 128 a 138.”6
Todavia, em mais um típico exemplo de aparente antinomia entre a le
gislação ordinária e norma geral veiculada pelo art. 128 do Código Tributário
Nacional, o art. 30, IX, da Lei n° 8.212/91 simplesmente atribui responsabi
lidade tributária solidária às “empresas que integram grupo econômico de qualquer
natureza”, independentemente de terem, ou não, qualquer relação, mesmo
indireta, com o fato gerador do débito objeto da responsabilização.
Diga-se de passagem que não há na legislação tributária um conceito
jurídico específico do termo “grupo econômico”.
A Lei das Sociedades por Ações - Lei n° 6.404/76 - disciplina o deno
minado “grupo de sociedades” em seus arts. 265 e 266.
O primeiro dispositivo permite que a sociedade controladora e suas contro
ladas constituam, mediante convenção, “grupo de sociedades”, objetivando a com
binação de recursos ou esforços destinados ao alcance dos seus objetivos sociais,
bem como a participação em atividades e empreendimentos de interesse comum.
Já o segundo dispositivo, além de exigir que a convenção discipline as
relações, jurídicas, econômicas e negociais, entre as sociedades integrantes do
grupo, prescreve expressamente que elas conservarão personalidade jurídica e
patrimônio próprios e distintos.
A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, em seu art. 2o, § 2o, estabelece
responsabilidade solidária, para efeitos trabalhistas, entre grupos industriais, co
merciais ou de qualquer outra atividade, assim entendidos como duas ou mais
empresas que estejam sob direção, controle ou administração umas das outras.
As autoridades fiscais, por sua vez, adotando conceito semelhante ao da
CLT, têm atribuído responsabilidade solidária às empresas integrantes do
vulgarmente denominado “grupo econômico de fato”.
Na prática, sobretudo em execuções fiscais, observa-se que inúmeras
autoridades fiscais têm adotado esse dispositivo da legislação ordinária para
requerer em juízo o reconhecimento da responsabilidade solidária entre duas
ou mais pessoas jurídicas que, em seu entendimento, integram um grupo
econômico de qualquer natureza.
Nesse contexto, o presente artigo busca demonstrar que a mera existên
cia de um grupo econômico, mesmo quando inequivocamente provada pelo
Fisco, não é por si só suficiente para deflagrar a responsabilidade solidária
entre as sociedades integrantes desse grupo.
6 M ARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2. Ed.
Saraiva, 1998, p. 215.
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7 M ACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional, voi. II, São Paulo:
Atlas, 2004, p. 511.
8 Op. cit., p. 50/51.
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Por sua vez, o posicionamento ora defendido já foi adotado pela Ia Seção
do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu voto do Min. Luiz Fux dando a
seguinte interpretação ao art. 124, II, do CTN:
“Quanto ao inciso II do art. 124, a disposição que prescreve a solidariedade
das ‘pessoas expressamente designadas por lei’pressupõe que a lei poderá
determinar a existência de solidariedade entre pessoas que possam não
ter interesse comum na situação que constitua o fato gerador, pois é
incabível previsão legal no sentido de estipular em qual ou quais situações
há o interesse comum. Não há que se admitir que, na criação de um
tributo, através da competência conferida pela Constituição Federal, seja
estabelecida como devedor solidário pessoa que não tenha participado
ou concorrido para a realização do fatojurídico tributário, uma vez que o
legislador ordinário, por força do texto constitucional, não poderá fazer
incidir a carga tributária sobre pessoa estranha ao fato previsto na norma
como gerador da obrigação. O comando desse dispositivo deve apontar
para obrigação de caráter sancionatório, advinda do descumprimento de
deveres, permitindo-se a identificação de devedor solidário tão-somente
para esse fim, visto que nessa situação não participa da realização do fato
gerador. (Luiz Antônio Caldeira, p. 212, “Comentários ao Código
Tributário Nacional”, Saraiva, ob. Coletiva, 2002)
(...)
9 STJ, PRIMEIRA TURM A, AGRG NO RESP 1055800/CE, Rel. Min. Luiz Fux, Dj. 02/12/2008.
10 STJ, SEGUN DA TURM A, RESP 1079203/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Dj. 03/03/2009.
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11 STJ, PRIMEIRA TURM A, RESP 834044/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Dj. 11/11/2008.
12 STJ, SEGUNDA TURM A, RESP 1001450/RS, Rel. Min, Castro Meira, Dj. 11/03/2008.
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13 TRF 4a REGIÃO , AMS 940455046-9, Rel. Des. Zuudi Sakakihara, DJ. 27/10/1999.
14 STJ, REsp 1003052/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/03/
2008, DJe 02/04/2008.
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IV . C o n clu sõ es
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