Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
PDF
interativo
saiba como navegar
expediente
EXPEDIENTE
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
CONSELHO CONSULTIVO:
Alberto Silva Franco, Marco Antonio Rodrigues Nahum, Maria Thereza Rocha de
Assis Moura, Sérgio Mazina Martins e Sérgio Salomão Shecaira 2
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,-&%'$+.*+/012%2"2*+34'1%$5%4*+.5+6%70&%'1+64%8%0'%1 navegação
artigo 4
DE PESSOAS JURÍDICAS NO 1
PENAL BRASILEIRO 3
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Abstract: This article provides a critical analysis of the new Criminal Code bill,
especially legal provision that address corporate criminal liability. First, it addresses ARTIGOS
reduction options in relation to liability attribution and then it comments on penalties 1
established. It points out to the fact that the writing of the text is faltering, especially
2
in relation to the true assumption of a self-responsibility model, it is also incompatible
with the anachronism or certain dogmatic positions. In regards to solutions related 3
to legal consequences of an offense, the difficulties related to their nature are also
4
mentioned.
Key words: Brazilian Criminal Code Bill, corporate criminal liability, imputation
problems, legal consequences of an offense.
O texto do projeto a respeito das responsabilidade penal de pessoas jurídicas faz entrever
que não existe uma diretriz clara do Código a respeito da teoria de base que o inspira. Não
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
se consegue ver se a opção foi por seguir atrelado a arcaicas concepções finalistas ou se houve
uma inserção político criminal capaz de revelar matizes funcionalistas e, mesmo, neste último ARTIGOS
caso, qual seria a função político criminal assinalada concretamente. 1
Importa referir, por último, que a maior ou menor fortuna da opção pela responsabilização
penal de pessoas jurídicas não estará aqui em discussão,3 diante do fato de que o projeto já fez
2 ..... A referência ao parnasianismo é um paralelo com a idéia de sistema autopoiético, que nas criações humanas,
próprias da ciência social, é absolutamente insustentável, como já tive oportunidade de referir em: Busato, Paulo
César. Modernas teorias do delito: funcionalismo, significado e garantismo. Reflexões sobre o sistema penal do nosso
tempo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 175 e ss., especialmente p. 202-203.
3 ..... Não obstante, sobre isso, especialmente no que tange aos fundamentos político criminais, já tive oportunidade
de discorrer em: Busato, Paulo César. Fundamentos político-criminais para a responsabilidade penal da pessoa
jurídica. Reflexões sobre o sistema penal do nosso tempo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 175 e ss., especialmente
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
sua opção. Trata-se, isso sim, de discutir o conteúdo do modelo adotado, o seu desenho, a sua
fórmula, e também sua similitude, em alguns aspectos, à fórmula recentemente adotada pelo ARTIGOS
Código Penal espanhol. 1
3
Em primeiro lugar, cumpre referir que o relatório final do projeto corrigiu uma opção
feita na sua primeira redação que estabelecia um Título próprio, de número IV, com o nome 4
Da responsabilidade penal da pessoa jurídica, isolando-a curiosamente, do Título II (Do crime)
e do Título III (Autoria e participação). Obviamente, ao se determinar a responsabilidade
penal de pessoas físicas ou jurídicas, em concurso ou não, isto faz parte do crime, o que levou
o relatório final a agregar os três títulos sob a égide apenas do primeiro.
Longe de ser apenas uma distribuição tópica, esta colocação já dá a tônica do conteúdo
da disposição legal sobre a matéria, já que, como veremos, as características das chamadas
penas das pessoas jurídicas estão mais próximas das medidas de segurança do que das penas
propriamente ditas.
Em função até desta distorção de tratamento entre imputação e sanção, tudo recomenda
que se faça uma análise separada a respeito da atribuição de responsabilidade penal a pessoas
jurídicas e da forma de sancionamento delas.
202-203.
4 ..... Sobre a importância do tema, veja-se, especialmente Galán Muñoz, Alfonso. La responsabilidad penal de la
persona jurídica tras la reforma de la LO 5/2010: entre la hetero – y la autorresponsabilidad. Iustel, Revista General
de Derecho penal 16/7-14, (RI §410993), 2011.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
mesma, pelas práticas criminosas por ela mesma perpetradas, com a consequente remessa à
discussão dos clássicos temas dogmáticos da ação e da culpabilidade, ou se a pessoa jurídica é ARTIGOS
responsável pelos crimes através ou com suporte dela praticados por pessoas físicas, assumindo- 1
se, de entrada, o ônus claríssimo de violação do princípio da culpabilidade no que tange à
2
assunção de responsabilidade por ato de terceiro.
3
O modelo de heterorresponsabilidade é claramente insatisfatório, tanto desde um
ponto de vista dogmático, quanto político-criminal, conduzindo frequentemente a resultados 4
injustos.
O projeto deixa obscura a opção. Em alguns pontos, como será visto em seguida, parece
pretender afirmar uma autorresponsabilidade, mas em outros, deixa entrever que não admite
que a pessoa jurídica seja fonte decisória ou tenha domínio da ação, o que remete à opção
contrária.
O art. 41, em seu caput, apresentou as opções formuladas pelo legislador brasileiro a
respeito da delimitação da responsabilidade penal de pessoas jurídicas por meio de quatro
exigências específicas: a primeira delas, a delimitação do âmbito da autoria a pessoas jurídicas
de direito privado, o que exclui, de antemão, a possibilidade de atribuição de responsabilidade
a pessoas jurídicas de Direito Público e determina a opção pela identidade formal da pessoa
jurídica para fins de imputação; a segunda, uma opção por um decote amplo no âmbito
dos delitos pelos quais é possível responsabilizá-las, admitindo somente que elas sejam
responsabilizadas por delitos praticados contra a administração pública, a ordem econômica,
o sistema financeiro e o meio ambiente; em terceiro lugar, faz também uma exigência para a
responsabilização que corresponde ao afastamento da possibilidade de atribuir à empresa
um papel que não seja de mero instrumento da prática delitiva, ao exigir que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado, o que
entrega a este, sempre, e de antemão, o domínio da vontade; finalmente, em quarto lugar,
exige como resultado específico necessário para a atribuição da responsabilidade penal que o
crime tenha sido praticado no interesse ou benefício da sua entidade.
5 ..... Cf. Bajo Fernández, Miguel. Vigencia de la RPPJ en el derecho sancionador español. In: ______; Sánchez,
Bernardo Feijóo; Gómez-Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado de responsabilidad penal de las personas jurídicas.
Madrid: Thompson-Civitas, 2012. p. 21; Galán Muñoz, Alfonso. Op. cit., p. 14.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Percebe-se, de entrada, várias limitações, a saber: (a) nem todas as pessoas jurídicas
poderão ser responsabilizadas criminalmente, mas apenas as de direito privado; (b) ainda que ARTIGOS
sejam pessoas jurídicas de direito privado ou empresas públicas, nem todos as suas realizações 1
criminosas poderão ser punidas, mas apenas aquelas contra a administração pública, contra
2
a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente; (c)
tais condutas, de tais pessoas, só serão punidas nos casos em que a infração seja cometida por 3
decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, e (d) somente se
4
poderá castigar a atuação da pessoa jurídica, caso se verifique que esta se deu no interesse ou
benefício da sua entidade.
É claro que o tema é palpitante e que o mundo inteiro está vivendo uma transformação
importante do sistema penal que finalmente tende a alcançar a imputação das pessoas
jurídicas. Basta ver as recentes transformações, no sentido da adoção de tal mecanismo de 103
incriminação, pelos Códigos Penais de países estruturados segundo o Civil Law.6
A questão que cabia discutir era se seguiria o projeto ou não na direção das tendências
mundiais. Uma vez optado pelo caminho positivo, não há retorno possível. Vale dizer, uma
vez que se opta pela responsabilização penal de pessoas jurídicas, é preciso fazê-lo de forma
integral, de modo que, no mínimo, não sejam sacrificados os pilares básicos de desenvolvimento
das garantias do modelo de imputação.
6 ..... A referência tem pertinência por força de que os países do Common Law nunca deixaram de ter previsão legal
de responsabilidade penal de pessoas jurídicas.
7 ..... Veja-se Araújo Júnior, João Marcello de. Societas delinquere potest: revisão da legislação comparada e estado
atual da doutrina. In: Gomes, Luiz Flávio (Org.). Responsabilidade penal de pessoa jurídica e medidas provisórias em
direito penal. São Paulo: RT, 1999. p. 72-87; Bajo Fernández, Miguel. Op. cit., p. 19-20.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que não apenas as pessoas jurídicas de direito
privado praticam delitos, assim como não são somente particulares que, como pessoas físicas,
praticam delitos. Esta opção nega a lógica mais elementar. Sendo tão possível ao particular
cometer furto ou apropriação indébita quanto ao funcionário público cometer peculato, não
se pode negar que, se a pessoa jurídica de direito privado é capaz de cometer o delito de
poluição, uma autarquia possa igualmente fazê-lo.
Ou seja, do mesmo modo que a questão relativa ao funcionário público – pessoa física
– é resolvida por meio do regime dos delitos especiais ou próprios, caberia fazer o mesmo às
pessoas jurídicas.
8 ..... Vide Busato, Paulo César. Fundamentos político-criminais... cit., p. 175 e ss.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
a sociedade em geral – que, entre outras coisas, mantém o salário que é pago a ele, sendo
4
que seu comportamento é deletério à administração. Isso sem contar que a multa, que se
cumula com a pena privativa de liberdade, é paga justamente com aquele salário, que deriva
da arrecadação pública.
Que o público em geral é afetado secundariamente por qualquer crime praticado por
seus representantes é óbvio. O que não é lógico, nem jurídico, é que isto seja motivo para
poupar o agente público – seja ele pessoa física ou jurídica – dos mecanismos de controle
social ativados pelo Estado. É certo que o Estado é quem efetiva a realização do controle
punitivo, por outro lado, não é menos certo que é a sociedade e não o Estado quem lhe dota
de legitimidade.
Além disso, é óbvio que haverá situações de complexa definição, por exemplo, quando 105
as pessoas jurídicas de direito privado se dediquem majoritariamente ou até completamente à
realização de atividades que constituam execução de políticas públicas.10
Assim, o mais correto seria ter optado por um regime de delitos especiais ou próprios
quando fosse o ente público a pessoa jurídica responsável pela prática delitiva. Optar por
excluí-lo permite práticas odiosas, de caráter criminoso, justamente de parte daquele que
deveria ser um exemplo de conduta.
9 ..... Cf. Milaré, Édis. A nova tutela penal do ambiente. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, ano 4, n.
16, out.-dez. 1999. p. 101; Figueiredo, Guilherme José Purvin; Silva, Solange Teles da. Responsabilidade penal
das pessoas jurídicas de direito público na Lei 9.605/98. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, ano 3, n. 10,
p. 47, abr.-jun 1998; Krebs, Pedro. A (ir)responsabilidade penal dos entes públicos. RT. São Paulo: RT, ano 1989,
vol. 772, p. 492, fev. 2000.
10 ... Este problema, levantado por Bernardo Feijóo Sánchez (Feijóo Sánchez, Bernardo. La persona jurídica
como sujeto de imputación jurídico-penal. In: Bajo Fernández, Miguel; Sánchez, Bernardo Feijóo; Gómez-
Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado de responsabilidad penal de las personas jurídicas. Madrid: Thompson-Civitas,
2012. p. 62 e ss.) é de alta complexidade. O autor propõe, como solução, a atribuição de responsabilidade, com
apenamento que não afete as atividades que são prestadas como serviço público.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Evidentemente, nos dois casos, a restrição aparece como negativa, pois permite que 2
estes entes realizem práticas que são vedadas aos entes formalizados. Com isso, incentiva-se,
3
por um lado, a clandestinidade da atuação das pessoas jurídicas e, por outro, promove-se
um tratamento desigual em desfavor justamente daquele que melhor adequa adapte seus 4
A par de tudo isso, a opção seletiva revela, no que tange às pessoas jurídicas, um nítido
e equivocado Direito Penal de autor.
O tema constitucional, na verdade, sequer merecia ser invocado neste aspecto, já que
as normas em questão são claramente programáticas e sequer insinuam um rol taxativo. Não
11 ... O problema é levantado em face do Direito espanhol por: Feijóo Sánchez, Bernardo. La persona jurídica…
cit., p. 58.
12 ... “Art. 225. (...) § 3.º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados. Art. 173. (...) § 5.º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,
estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados
contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.”
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
cabia nem mesmo a discussão sobre o assunto. O fato é que a Constituição da República em
momento algum obsta a responsabilidade penal de pessoas jurídicas, chegando, em tópicos ARTIGOS
específicos, como é o caso dos artigos mencionados, a estimulá-la. 1
Em primeiro lugar, livres para a prática delitiva de quaisquer ordens exceto aquelas
abrangidas pelos bens jurídicos definidos na disposição legal, as pessoas jurídicas tratariam
sempre de direcionar suas condutas criminais a produção de resultados diversos daqueles,
quando não, à vista de que o tema do bem jurídico é sempre discutível doutrinariamente,
de aduzir em sua defesa que a realização de determinado delito não implica especificamente
a violação de um dos bens jurídicos indicados como objetos legalmente passíveis de aflição
criminal coletiva.
107
Ou seja, a linha hermenêutica de defesa passaria sempre por uma reinterpretação de
determinada classe de norma incriminadora, visando desconstituir sua relação com um dos
bens jurídicos que compõe o acervo de incriminação que se permite atingir as pessoas jurídicas.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
resultados morte, e que a poluição seria apenas um meio para sua consecução.
ARTIGOS
Neste caso, como os crimes contra a vida não são objeto da incriminação de pessoas
jurídicas, caso se identificasse a possibilidade de prática de crime de poluição perpetrado por 1
pessoa jurídica, seria, para esta, de todo recomendável que a poluição fosse de tal monta que 2
produzisse um resultado letal, para que se pudesse assumir tal resultado como foco de um
3
dolo direto.
4
O aparente paradoxo já foi produzido anteriormente pela legislação penal brasileira,
ao castigar determinados delitos contra a ordem tributária, especialmente o art. 2.º da Lei
8.137, de 27.12.1990, com pena muito inferior ao crime de falsidade ideológica, que consta
como um dos meios de sua realização no inciso I. Não é incomum, na liça forense, quando
denunciado apenas pelo falso, que o empresário se bata por ver reconhecido que além deste
crime, ele pretendia a prática de outro (justamente a sonegação fiscal) que, por ser seu fim
último, é o que deveria ser perseguido. Mediante este expediente, logra – por paradoxal que
pareça – minimizar sua pena. É bem verdade que a solução dada pelas Cortes brasileiras não
é a mais feliz, por efetuar uma distensão desmedida da regra da consunção.
De qualquer modo, havendo uma relação de minus e plus entre crime consumido e
108
crime consumidor; somando-se a isso que o crime meio seja uma passagem obrigatória para
o crime fim, a partir do plano de execução elaborado para o autor, há boas razões para que se
empregue a regra da consunção. Sendo assim, estaria aberta a porta para a produção de um
resultado injusto.
Mais ainda. No caso em estudo, eis que se trataria não apenas de minimizar a pena, mas
de excluir a imputação!
Na verdade, bem se sabe que nem todos os crimes são suscetíveis de realização pelas
pessoas jurídicas. Porém, basta que se refira o Código à responsabilização das pessoas jurídicas
por crimes realizados por ela. Em que consiste esta realização é trabalho para os hermeneutas,
para os intérpretes e juristas e não para o legislador.
Outra solução seria indicar que as pessoas jurídicas são individualmente responsáveis –
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Claro que se poderia discutir aqui toda a questão a respeito do Täter hinter dem Täter,
a que alude a doutrina,14 levando-se a conclusões das mais diversas a respeito da fórmula da
autoria, se coautoria ou autoria mediata, as quais poderiam inclusive admitir um autor de
trás de outro autor. Porém, em qualquer caso, uma vez negada a existência de uma vontade
própria da pessoa jurídica, diversa da de seus dirigentes – decisão que não parece adequada, ao
menos ao quadro de uma pretensão de fixação de autorresponsabilidade –, parece impossível
atribuir a ela a condição de autora. Afinal, se a ação é produto da vontade e, ao lado do 110
resultado, constitui a totalidade do desvalor do crime, para a identificação de um crime da
pessoa jurídica, é passagem necessária a discussão de sua vontade.15
Se, ao contrário, a decisão reflete a vontade da pessoa jurídica e não das pessoas físicas
que, por exemplo, compuseram um colegiado de voto do qual se originou a vontade, como
no exemplo antes indicado – a vontade única que orienta a ação é da pessoa jurídica, sem
qualquer possibilidade de atribuição jurídica do resultado aos dirigentes como pessoas físicas.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
O texto pode ser interpretado de duas formas: primeira, é possível entender que o
interesse ou benefício da entidade seja um resultado específico derivado do crime perpetrado;
segunda, que se trate de um especial fim de agir que deve ser adicionado aos tipos como
recorte de identificação da responsabilidade penal de pessoas jurídicas.
Nos dois casos, de qualquer modo, a exigência não faz o menor sentido.
Visto como resultado específico do delito, a contrario sensu, presumirá que onde o
interesse ou benefício da entidade não se produza esta não pode ser incriminada, a despeito 111
de que tenha sido ela quem realizou a prática delitiva.17 A primeira impressão é da exigência
absurda e contraditória de um exaurimento para o reconhecimento de uma consumação.
Sim, pois a questão de que haja ou não benefício ou atendimento de interesses derivados da
prática delitiva não diz respeito necessariamente à produção de um resultado delitivo. Há
uma infinidade de delitos praticados que, a despeito do evidente prejuízo que provoquem à
vítima, são incapazes, por si sós, e em todos os casos, de gerar qualquer benefício ao autor,
como, por exemplo, o homicídio, as lesões corporais ou a poluição. A existência ou não de
benefício ou interesse poderá ser uma mera derivação não obrigatória consistente em pós-fato
impunível, por cuidar-se de exaurimento.
Não se pode olvidar que uma das razões pelas quais se evoluiu para a discussão da
responsabilidade penal de pessoas jurídicas foi justamente o complexo emaranhado dos sistemas
hierárquicos de atividades e responsabilidades no campo empresarial, que não poucas vezes
inviabilizava completamente a possibilidade de atribuição individual de responsabilidades18
e, neste caso, identificada a prática delitiva, identificada a relação com a atividade empresarial,
16 ... A crítica é feita por Bajo Fernández, justamente direcionada às opções que se pode fazer entre a
autorresponsabilidade e a heterorresponsabilidade da pessoas jurídica (Bajo Fernández, Miguel. Op. cit., p. 21).
17 ... De modo similar a observação de: Galán Muñoz, Alfonso. Op. cit., p. 28, apenas referindo não aos crimes
realizados pela pessoa jurídica, mas por pessoas físicas em seu seio.
18 ... Nesse sentido Gómez-Jara Díez, Carlos. Fundamentos de la responsabilidad penal de las personas
jurídicas. In: Bajo Fernández, Miguel; Sánchez, Bernardo Feijóo; Gómez-Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado de
responsabilidad penal de las personas jurídicas. Madrid: Thompson-Civitas, 2012. p. 110.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
e não sendo possível a imputação individual, caso o resultado não se produza em favor do
interesse ou em benefício da empresa, não haverá responsáveis, a despeito dos prejuízos que ARTIGOS
possam ter sido causados à vítima que, no mais das vezes, poderá ser uma extensa coletividade. 1
Pior ainda, justamente a punibilidade de delitos que não trazem proveito algum à
pessoa jurídica, como pode ser um vazamento de poluição radioativa, estariam, malgrado
fossem ajustados aos demais limites de intervenção, fora do âmbito de responsabilidade
daquela, o que revela não apenas que o uso da expressão é desnecessário, como também que
é politico-criminalmente indesejável.
Isso porque, em uma interpretação restritiva – como deve ser sempre em matéria penal
– o uso da expressão significa que caso o delito tenha sido praticado pela pessoa jurídica,
porém seu resultado não seja proveitoso, vale dizer, não seja no seu interesse ou benefício,
112
não haverá delito! Trata-se, como é óbvio, de uma opção em favor do pior, pois justamente o
crime que a ninguém beneficia, apenas prejudica a vítima ou as vítimas, não alcançará a pessoa
jurídica, o que parece um despropósito e também um indevido privilégio às pessoas jurídicas,
na medida em que as pessoas físicas não gozam de igual tratamento, sendo castigadas por
delitos, a despeito de que tenham obtido proveito ou não com suas práticas.
Mais que isso, caberia ainda discutir uma dificuldade adicional: sendo um especial
fim de agir, quem deveria atuar orientado por tal finalidade específica? Se entendermos que
se trata da atuação da pessoa jurídica, como parece lógico esperar, isso vem de encontro à
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
disposição imediatamente anterior, qual seja, de que a decisão sobre a infração seja tomada
pelos dirigentes da pessoa jurídica, já que a atuação – presume-se – é produto da decisão. Se, ao ARTIGOS
contrário, entendermos que o elemento subjetivo consistente em um especial fim de agir deve 1
traduzir a expressão de sentido do tipo de ação realizado justamente pelo dirigente, o resultado
2
é cair novamente na armadilha da responsabilidade por fato alheio, com aflição do princípio da
culpabilidade. 3
Enfim, os resultados da inserção deste recorte, seja interpretado como elemento subjetivo, 4
seja como resultado objetivo, na prática, caminham céleres para os braços da injustiça.
Isso não quer dizer que não seja possível ou desejável limitar os delitos das pessoas jurídicas
às fórmulas de crimes de resultado,19 mas o resultado aqui deve ser, sempre, aquele próprio do
tipo, não um resultado genérico e separado, relacionado com uma figura que mais se aproxima
de um exaurimento.
Com este texto, o legislador pretende fazer crer que opta – em princípio correta e louvável
– pela separação e individualização das responsabilidades penais de pessoas físicas e jurídicas.
19 ... Aparentemente é que propõe Gómez-Jara Díez em seu sistema de autorresponsabilidade de pessoas jurídicas,
ao tomar como base a criação e realização do risco como elementos caracterizadores do ilícito praticado por pessoas
jurídicas. Cf. Gómez-Jara Díez, Carlos. El injusto típico de la persona jurídica (tipicidad). In: Bajo Fernández,
Miguel; Sánchez, Bernardo Feijóo; Gómez-Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado de responsabilidad penal de las personas
jurídicas. Madrid: Thompson-Civitas, 2012. p. 135 e ss., especialmente p. 141-145. A despeito de ser oportuna a
limitação pelos critérios de risco (criação e realização de risco permitido), a forma de identificação destes critérios
proposta por Carlos Gómez-Jara Díez não convence, remetendo ao contexto do funcionalismo sistêmico, podendo,
isto sim, ser realizada da forma mais tradicionalmente utilizada na doutrina que debate o tema para atribuição de
responsabilidade a pessoas físicas.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
esta perspectiva que o legislador pátrio se viu impelido por não ter logrado cortar o cordão
umbilical que o une às vetustas bases teóricas do finalismo, especialmente no que tange à ARTIGOS
teoria da ação. 1
É evidente que o pensamento voltado a uma ação como movimento voluntário dirigido 2
a uma finalidade, como acontecimento ontológico que deve servir de base a ulteriores
3
valorações jurídicas, conduz inexoravelmente a uma exigência incompatível com a natureza
das pessoas jurídicas. 4
Se isso não transparece diretamente do texto dos parágrafos 1.º e 2.º do art. 41, fica 114
evidente a partir de seu cotejo com as disposições do caput.
A primeira questão é a contradição para com o texto do caput que afirma a dependência
da responsabilidade da pessoa jurídica de uma decisão de seu representante, dirigente ou órgão
colegiado.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
da pessoa jurídica, a decisão referida no caput há de ser uma decisão não realizada ou, no
mínimo, que não representa concretamente a vontade realizada no fato, esta sim pertencente, ARTIGOS
de modo exclusivo, à pessoa jurídica. 1
O problema é que, assim, a decisão referida aparece como uma situação de cogitatio ou ato 2
preparatório completamente impune e, portanto, absolutamente dispensável. Afinal, com ou
3
sem decisão do dirigente, a vontade expressa na conduta delitiva, para gerar responsabilidade
pessoal à pessoa jurídica, há de pertencer a ela própria. 4
Não se desconhece a existência de uma atitude criminógena de grupo, ou seja, que existe
um clima, o ambiente corporativo, no âmbito das empresas, que oferece uma espécie de
cobertor para a atividade delitiva.22
Resumidamente, é possível dizer que o parágrafo primeiro contém uma disposição que
se aproxima muito do adequado, remetendo, isto sim, à necessidade de alteração do caput.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
que sequer a dissolução da pessoa jurídica ou a sua absolvição não exclui a responsabilidade da
pessoa física. ARTIGOS
responsabilidades penais de pessoas físicas ou jurídicas são independentes, como quer afirmar 2
o § 1.º, é evidente que a morte ou dissolução das pessoas jurídicas não afeta a responsabilidade
3
destas. O parágrafo abre indevido espaço para a discussão sobre os efeitos da dissolução da
pessoa jurídica que, evidentemente, só pode ter acontecido depois do fato criminoso e, como 4
tal, é absolutamente irrelevante para a apuração do fato com relação a terceiros. Pretender o
contrário seria equivalente à admissão da comunicabilidade da causa extintiva da punibilidade
derivada da morte do agente, o que é um rematado absurdo. O Código não deveria ocupar-se
de prever situações e interpretações absurdas.
Sim, porque determina que qualquer dessas pessoas que tome conhecimento de uma
conduta criminosa de outrem esteja obrigado a impedi-la, se tem condições de atuar para
evitá-la.
Vale dizer: se o crime é cometido por outra pessoa – não se especifica sequer se estamos
falando de pessoa jurídica ou física e nem se o crime praticado tem relação com atuação
de pessoas jurídicas – as pessoas em questão convertem-se automaticamente em garantes
da evitação do resultado criminoso, desde que tenham condições de agir no sentido desta
evitação.
Note-se que não se restringe a exigência de atuação aos casos em que não implique
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
prejuízo pessoal para o sujeito que se omite. Exige-se a atuação, ainda que ela se traduza
em um prejuízo ou sacrifício pessoal do omitente. Imagine-se, por exemplo, que para evitar ARTIGOS
a prática do delito por parte do terceiro, o administrador se veja obrigado ao sacrifício do 1
próprio emprego ou da própria integridade física. Os casos forçosamente cairiam em situações
2
de justificação ou exculpação, independentemente da previsão legal aqui contida.
3
O parágrafo converte as pessoas nele indicadas em partícipes obrigatórios do fato de
outrem, independentemente de qualquer vínculo subjetivo, em evidente violação do princípio 4
de culpabilidade, no que tange à exigência de contribuição subjetiva para a produção do
resultado delitivo.
Este aparente ato falho do legislador diz muito a respeito da natureza jurídica das
consequências jurídicas do delito praticado por pessoas jurídicas. Aparentemente, elas exigem
tratamento apartado daquele referente às penas em geral. Outrossim, não apenas se reservou o
legislador a destacar dentro do capítulo das penas as peculiaridades destas em face das pessoas
jurídicas, mas afastou-as do próprio título regulatório das penas.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
consequências, a razão desta separação revela-se associada a uma franca oposição entre as
características gerais das penas e das consequências aplicáveis às pessoas jurídicas que, não ARTIGOS
obstante, revelam muitas características próprias das medidas de segurança. 1
No entanto, a tratativa revela uma similitude evidente para com as medidas de segurança,
que também se aplicam em substituição às penas, sem prejuízo da aplicabilidade das demais 118
regras penais e processuais, tomando por referência a pena cominada para o delito apurado.
Este aspecto fica ainda mais evidente quando analisado o parágrafo único do art. 42,
que prevê a liquidação forçada com perdimento do patrimônio para o fundo penitenciário. O
fundamento apontado para que se proceda desta forma é ter sido a pessoa jurídica constituída
ou utilizada preponderantemente com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime.
Perceba-se que o fundamento não se refere ao fato específico apurado cuja pena
privativa de liberdade é substituída por restritiva de direitos ou multa, mas sim a uma atitude
geral da pessoa jurídica, que somente pode revelar-se pela habitualidade, pois, a verificação
de que ela é usada preponderantemente para permitir, facilitar ou ocultar a prática de delito,
demanda analisar sucessivas atuações. Neste caso, tal consequência se desvincula da relação
proporcional derivada da culpabilidade, e associa-se muito mais à ideia geral de periculosidade,
que fundamenta a medida de segurança.
Mais uma evidência da natureza jurídica de medida de segurança das penas aplicadas às
pessoas jurídicas encontra-se no § 1.º do art. 43 que trata de explicar a suspensão de atividades,
prevista no inciso I do caput do mesmo artigo. O parágrafo estipula um período máximo
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Ora, a pena, como se sabe, uma vez firmada e aplicada, não pode ser ampliada, sob pena 2
de violação da ideia de proporcionalidade, ínsita ao princípio de culpabilidade. A previsão
3
de prorrogação, no entanto, é admitida na figura da medida de segurança se não cessada a
periculosidade. O sistema brasileiro – diga-se, indevidamente – mantém hoje medidas de 4
segurança que podem ser prorrogadas indefinidamente, coisa que o projeto pretende extirpar
(vide art. 96, § 2.º). Note-se, ainda, que o fundamento para a prorrogação da suspensão
de atividade é a persistência das razões que a motivaram, ou seja, fato posterior que não faz
mais parte do crime pelo qual ela foi aplicada. Do mesmo modo, a desobediência à lei ou
regulamento que protegem os bens jurídicos violados pelo crime, são fatos posteriores que
não constituem o próprio crime, portanto, não tem qualquer relação com a culpabilidade,
mas sim com uma ideia singular de periculosidade.
Na verdade, faz muito mais sentido que a consequência jurídica do delito praticada
por pessoa jurídica seja medida de segurança e não pena. Esta, inclusive é uma opinião que
encontra importante aceitação doutrinária23 e revela-se bem mais equilibrada que os múltiplos 119
intentos que se fez de explicar a culpabilidade de pessoas jurídicas.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
respeito delas.
ARTIGOS
Há algumas formulações que pretendem identificar uma culpabilidade própria da
pessoa jurídica a partir de reconhecê-la como derivação da culpa dos entes que a compõem. 1
Trata-se de uma perspectiva que peca por não conseguir desvincular a existência da pessoa 2
jurídica em face das pessoas físicas a ela associadas.
3
,24
Busch por exemplo, sustentou que há uma culpabilidade da pessoa jurídica que é
4
coletiva e justamente produto da contribuição de todos os sócios que a compõem. Ou seja,
cuida-se do reconhecimento de que a existência de uma culpabilidade coletiva, ainda que sob
forma de uma expressão do espírito normativo da pessoa jurídica, como moral da comunidade
organizada, não é mais do que uma criação de todos que dela participam. A fórmula era muito
parecida com a proposição de Schroth25 de uma culpabilidade funcional do órgão (funktionale
Organschuld) deriva diretamente de uma formação de vontade coletiva delituosa, a qual é
nada mais do que a soma das formas de comportamento agrupadas organizativamente na
empresa, uma decisão coletiva pelo injusto.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Além disso, no caso de Hafter, como o conceito deve conjugar-se com uma teoria
psicológica da culpabilidade, sustenta-se que existe “uma inteligência especial, uma energia
especial, uma consciência especial da associação”,29 ou seja, uma consciência própria da pessoa
jurídica que deriva da decisão conjunta do órgão colegiado. A artificialidade da expressão é
mais do que evidente.
Anne Ehrhardt,33 por exemplo, entende que a realização do crime pela pessoa física
pode ser atribuído à pessoa jurídica, em face de esta não ter realizado um adequado controle
interno da produção destes resultados. Ou seja, defende o reconhecimento da culpabilidade
da pessoa jurídica pelo simples fato de que “a empresa pode fazer algo em relação ao fato de seu
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
pessoas jurídicas consiste em uma reprovação ético-social que não se refere precisamente a
2
determinada ação, mas sim ao seu modo de ser, à sua “tendência criminosa”,37 justamente
porque criou e preservou uma filosofia criminógena, em função de certas práticas 3
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
defeitos.
ARTIGOS
A tese que encontrou mais aceitação entre aqueles que reconhecem como fonte da
culpabilidade uma falha na estrutura de funcionamento da pessoa jurídica foi a chamada 1
Há uma infinidade de críticas que se pode fazer a esta concepção. Em primeiro lugar
uma evidente falta de coincidência temporal entre a realização do delito e o momento da
culpabilidade, que Tiedemann45 tenta salvar com o socorro à vetusta teoria da actio libera in
causa; em segundo lugar, a responsabilidade por fato alheio, já que só admite como realizador
do delito as pessoas físicas que estão sob a égide da pessoa jurídica; e, em terceiro lugar, a não
previsão de formas de exculpação, que são inerentes à afirmação da culpabilidade, sob pena
de caracterização de uma responsabilidade penal objetiva.46
123
Finalmente, ainda dentro do quadro de busca de configuração de uma culpabilidade da
pessoa jurídica com suporte na ideia de descumprimento de obrigações quanto à organização
e funcionamento das empresas, aparece a proposta de Carlos Gómez-Jara Díez, nominada
pelo autor culpabilidade por cultura empresarial de descumprimento da legalidade ou conceito
construtivista de culpabilidade.47 Conquanto pretenda o autor sustentar diferenças substanciais
para com as concepções anteriores que se relacionam ao mesmo ponto, não é o que se observa
na prática. O autor apenas acrescenta à ideia de descumprimento dos deveres organizacionais
para fundamentar a culpabilidade, uma hipótese de exculpação, consistente na exigência de
atendimento a programas de compliance. A par disso, procura relacionar tais posturas – de
culpabilidade ou exculpação – às exigências do rol de cidadão, segundo as teorias de base do
42 ... Veja-se Tiedemann, Klaus. Die “Bebußung” von Unternehmen nach dem Zweiten Gesetz zur Bekämpfung
der Wirtschaftskriminalität. Neue Juristische Wochenschrift. Frankfurt am Main: C. H. Beck, 1988. p. 1169 e ss. Há
versão espanhola como Tiedemann, Klaus. Punibilidad y Responsabilidad Administrativa de las Personas Jurídicas
y de sus Órganos. Revista Jurídica de Buenos Aires. Buenos Aires: Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de la
Universidad de Buenos Aires, vol. 2, p. 11 e ss., 1988, especialmente, p. 28-30. Aderindo a esta perspectiva, veja-se,
por exemplo, BACIGALUPO, Enrique. “La responsabilidad penal y sancionatoria de las personas jurídicas en el
Derecho Europeo”, in Derecho Penal Económico. Enrique Bacigalupo [dir.] Buenos Aires: Hammurabi, 2004, p. 88.
43 ... Tiedemann, Klaus. Die “Bebußung” von Unternehmen... cit., p. 1172.
44 ... Idem, ibidem.
45 ... Idem.
46 ... Cf. Gómez-Jara Díez, Carlos. La culpabilidad de la persona jurídica... cit., p. 165-166. Mais detalhadamente
em: idem, p. 156 e ss.
47 ... Cf. Idem, p. 167. Mais detalhadamente em: idem, p. 201 e ss.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
pelo Estado, remetendo a uma autorregulação meramente contextual, o que faz com que seja
3
injustificada a culpabilidade de pessoas jurídicas de baixa complexidade, quando não, inviável
sua exculpação! Por outro lado, os chamados programas de compliance foram considerados por 4
grande parte da doutrina como meras maquiagens da realidade criminológica das empresas,
totalmente ineficazes à realização de qualquer classe de prevenção, como bem exemplificado
pelos recentes casos de delinquência empresarial nos Estados Unidos da América49 e, como
tal, insuficientes para serem assumidos como uma fórmula de exculpação.
Finalmente, cumpre dizer que todos estes diferentes esquemas que partem da afirmação
124
da culpabilidade por defeito na organização ou similares, padecem, ainda, de vários problemas
comuns, consistentes em avaliações normativas incompatíveis com o juízo binário de
afirmação da culpabilidade, muito bem explicitados com a série de perguntas lançadas por
Galán Muñoz: “quando se dará realmente um dos defeitos organizativos que podem gerar
responsabilidade penal dos entes coletivos? Quando tal efeito é suficientemente grave para
determinar sua responsabilidade? É indiferente onde se dê o defeito? Qualquer defeito será
suficiente para tornar automaticamente responsável a pessoa jurídica dos fatos que cometam
pessoas físicas em seu seio? E mais, seria possível supor que sempre que se dê um delito no
seio de uma empresa, esta não se teria organizado corretamente?”.51
Todas essas razões fazem crer que a opção melhor e mais viável seja a adoção das
medidas de segurança, como consequência jurídica própria ao injusto penal cometido por
pessoas jurídicas.
48 ... Cf. Gómez-Jara Díez, Carlos. La culpabilidad de la persona jurídica... cit., p. 168. Mais detalhadamente :
idem, p. 221 e ss, especialmente p. -231.
49 ... Veja-se as críticas em Carbonell Mateu, Juan Carlos. Comentarios a la reforma penal de 2010. Valencia:
Tirant lo Blanch, 2010. p. 67 e ss.; e Schünemann, Bernd. La responsabilidad penal de las empresas y sus órganos
directivos en la Unión Europea. Constitución Europea y Derecho penal económico. Mesas Redondas de Derecho y
Economía. Madrid: Ramón Areces, 2006. p. 154.
50 ... Veja-se críticas em Roxin, Claus. La evolución de la política criminal... cit., p. 53; e Schünemann, Bernd.
Kritische Anmerkungen zur geistigen Situation der deutschen Strafrechtswissenschaft. Goltdammer’s Archiv für
Strafrecht, 1995. p. 217 e ss.
51 ... Galán Muñoz, Alfonso. Op. cit., p. 10-11.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Em primeiro lugar, o fato de que as medidas de segurança já são utilizadas à larga como 1
consequência de práticas de injustos por pessoas carentes de culpabilidade, como é o caso dos 2
portadores de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e as crianças
3
e adolescentes infratores, cujas consequências, ainda que recebam a eufemística denominação
própria de medidas sócio-educativas, têm todas as características daquela.52 4
Em terceiro lugar, porque isso remete a uma discussão político criminal de fundo:
se devemos ou não preservar um sistema de medidas ao lado do sistema de penas como
125
consequência jurídica do injusto dentro do campo do controle social penal e quais os limites
derivados de princípios que a este devem ser impostos. Quiçá, com a companhia das pessoas
jurídicas seja possível lograr um esquema de garantias apropriado aos carentes de culpabilidade.
Referências bibliográficas
Ambos, Kai; Meini, Iván. La autoría mediata. Lima: Ara, 2010.
Araújo Júnior, João Marcello de. Societas delinquere potest: revisão da legislação comparada e estado
atual da doutrina. In: Gomes, Luiz Flávio (Org.). Responsabilidade penal de pessoa jurídica e medidas
provisórias em direito penal. São Paulo: RT, 1999.
Bajo Fernández, Miguel. Vigencia de la RPPJ en el derecho sancionador español. In: ______;
Sánchez, Bernardo Feijóo; Gómez-Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado de responsabilidad penal de
las personas jurídicas. Madrid: Thompson-Civitas, 2012.
Busato, Paulo César. Direito penal e ação significativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
sobre o sistema penal do nosso tempo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
______. Modernas teorias do delito: funcionalismo, significado e garantismo. Reflexões sobre o ARTIGOS
sistema penal do nosso tempo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
1
______. Vontade penal da pessoa jurídica. Reflexões sobre o sistema penal do nosso tempo. Rio de
2
Janeiro: Lumen Juris, 2011.
Busch, Richard. Grundfragen der strafrechtlichen Verantswortlichkeit der Verbënde. Leipzig: Weiche, 3
1933.
4
Carbonell Mateu, Juan Carlos. Comentarios a la reforma penal de 2010. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2010.
Dannecker, Gerhard. Reflexiones sobre la responsabilidad penal de las personas jurídicas. Revista
Penal. Salamanca: La Ley, n. 7, 2001.
Feijóo Sánchez, Bernardo. La persona jurídica como sujeto de imputación jurídico-penal. In:
Bajo Fernández, Miguel; Sánchez, Bernardo Feijóo; Gómez-Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado 126
de responsabilidad penal de las personas jurídicas. Madrid: Thompson-Civitas, 2012.
Figueiredo, Guilherme José Purvin; Silva, Solange Teles da. Responsabilidade penal das pessoas
jurídicas de direito público na Lei 9.605/98. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, ano 3, n.
10, abr.-jun 1998.
Fletcher, George. The Grammar Of Criminal Law. New York: Oxford Universisty Press, 2007.
Gómez-Jara Díez, Carlos. El injusto típico de la persona jurídica (tipicidad). In: Bajo Fernández,
Miguel; Sánchez, Bernardo Feijóo; Gómez-Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado de responsabilidad
penal de las personas jurídicas. Madrid: Thompson-Civitas, 2012.
______. Fundamentos de la responsabilidad penal de las personas jurídicas. In: Bajo Fernández,
Miguel; Sánchez, Bernardo Feijóo; Gómez-Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado de responsabilidad
penal de las personas jurídicas. Madrid: Thompson-Civitas, 2012.
______. La culpabilidad de la persona jurídica. In: Bajo Fernández, Miguel; Sánchez, Bernardo
Feijóo; Gómez-Jara Díez, Carlos (Org.). Tratado de responsabilidad penal de las personas jurídicas.
Madrid: Thompson-Civitas, 2012.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
Gorriz Royo, Elena. El concepto de autor em derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2008.
Hafter, Ernst. Die Delikts-und Straffhigkeit der Personenverbände. Berlin: Springer, 1903. ARTIGOS
Hirsch, Hans Joachim. Derecho penal. Obras completas. Trad. Patricia Ziffer, Buenos Aires:
4
Rubinzal-Culzoni, 2002. t. III.
Krebs, Pedro. A (ir)responsabilidade penal dos entes públicos. RT. São Paulo: RT, ano 1989, vol.
772, fev. 2000.
Lampe, Ernst J. Systemunrecht und Unrechtssysteme. Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft.
Berlin: Walter de Gruyter, 1994. n. 106.
Martínez-Buján Pérez, Carlos. Derecho penal económico y de la empresa. Parte general. 2. ed.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2007.
Mascarenhas Júnior, Walter Arnaud. Ensaio crítico sobre a ação. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2009.
Muñoz Conde, Francisco. Edmund Mezger e o direito penal do seu tempo. Trad. Paulo César Busato.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
Orts Berenguer, Enrique; González Cussac, Jose Luiz. Compendio de derecho penal. Parte
general y parte especial. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004.
Queiroz, Paulo. Direito penal. Parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
Ramos Vázquez, José Antonio. Concepción significativa de la acción y teoría jurídica del delito.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2008.
Roxin, Claus. Autoría y dominio del hecho en Derecho penal. Trad. Juaquín Cuello Contreras y José
Luis Serrano González de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000.
______. La evolución de la política criminal, el Derecho penal y el Proceso penal. Trad. Carmen Gómez
Rivero e María del Carmen García Cantizano. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000.
Schroth, Hans-Juergen. Unternehmen als Normadressalten und Sanktionssubjekte: eine Studie zum
Unternehmensstrafrecht. Gie£en: Brühlscher, 1993.
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação
artigo 4
______. Teoria do crime culposo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
Tiedemann, Klaus. Die “Bebußung” von Unternehmen nach dem Zweiten Gesetz zur Bekämpfung
der Wirtschaftskriminalität. Neue Juristische Wochenschrift. Frankfurt am Main: C. H. Beck, 1988.
Vives Antón, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996.
128
mapa de
Revista Liberdades - Edição Especial - Reforma do Código Penal. I !"#$%&'()*+,%$&#*-)*./01$1!1)*23&0$#4$3)*-4*5$6/%$&0*53$7$/&$0 navegação