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TEOLOGIA NO BRASIL
Reflexões crítico-metodológicas

J. B. Libânio
Instituto Aloisiano - Rio de Janeiro

Este trabalho apresenta-se, dentro do quadro mais amplo da


temática da IX Semana Filosófico-teológica do Colégio Cristo-Rei -
UNISINOS - RS, dedicada ao método de fazer Filosofia e Teologia
hoje na América Latina, como uma tentativa de situar-nos como Brasil
neste contexto mais vasto de América Latina.
Não se trata de estudo histórico da Teologia no Brasil (1), mas
de observações de cunho metodológico sobre como ensinar e fazer
teologia na nossa situação atual. Não me restringirei ao elemento
próprio do Brasil, enquanto ele se contrapõe aos outros contextos
latino-americanos. Tratarei da "especificidade brasileira" primeira-
mente enquanto se opõe ao contexto cultural europeu. Nisto temos
muito em comum com os outros países da A. Latina. Dentro do amplo
contexto latino-americano indicaremos alguns elementos mais pró-
prios do Brasil. Trata-se de um trabalho crítico-programático, indican-
do alguns reparos sobre a maneira de ensinar e fazer teologia em
nossas Instituições Teológicas, e acenando para possibilidades
concretas na sua reformulação.
Manteremos no trabalho uma certa preocupação epistemoló-
gica, fazendo-nos conscientes da estrutura, do dinamismo, do modo
de funcionamento, dos interesses da prática teológica. Em diversos
momentos, preocupar-nos-emos com a explicitaçáo da racionalidade
e cientificidade da teologia, a fim de desvelar certas impurezas
epistemológicas, que facilmente cometemos na nossa tarefa teológi-
ca. Nossa atenção voltar-se-á, não raras vezes, para elementos
subjacentes, seja de origem filosófica, seja de cunho ideológico,
procurando manter certa vigilância sobre as operações conceituais e
metodológicas da prática teórica de nossa teologia. Somos acossa-
dos freqüentemente por empecilhos no nível mesmo do conhecimen-
to e da sua fabricação. São "obstáculos epistemológicos" que afetam
a produção dos conhecimentos teológicos. Não se trata de conside-
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rar obstáculos externos, nem de fraquezas dos sentidos e do espírito
humano. É no próprio ato de conhecer, observa G. Bachelard,
intimamente, que aparecem, por uma espécie de necessidade funcio-
nal, lentidões e perturbações. Há causas de estagnação e de
regressão que se situam no conhecimento do real. São resistências
intelectuais que bloqueiam, desfiguram a produção dos conhecimen-
tos científicos. Todo conhecimento se faz contra outro conhecimento,
que lhe é um obstáculo, quando não superado. Numa palavra,
observa o epistemólogo francês, o espírito ao apresentar-se diante da
cultura científica nunca é jovem. É mesmo muito velho. Tem a idade
de seus preconceitos (2). De fato o nosso espírito "teológico" ao
defrontar-se com o seu objeto de reflexão carrega séculos de
preconceitos, cujo desconhecimento desfigura o produto teológico. A
teologia necessita, por isso, sofrer verdadeiro processo psicoanalíti-
co, para esconjurar uma série enorme de falácias, de erros sistemáti-
cos, de confusões de níveis de leitura, de misturas semânticas. Cabe,
então, uma atitude de clarividência, de vigilância epistemológica (3).
Seria um trabalho interessante a ser elaborado, mas que foge
no momento às nossas possibilidades, uma reflexão sobre as patolo-
gias do discurso teológico com uma conseqüente tentativa de
oferecer-lhe uma terapia epistemológica. Outros fizeram sobre a
forma concreta de ser católico (4). O discurso teológico não se
distingue precisamente pela lucidez a respeito de pressupostos,
preconceitos, obstáculos epistemológicos. Antes, devido ao seu alto
nível de implicação e de performatividade, o discurso teológico é
fortemente ameaçado por inúmeros fatores estranhos à pureza do
teologar, mas que se lhe fazem internos.
Para facilitar a exposição, formulei minhas idéias em forma de
teses. Com isso, penso que o objetivo central do proposto se torne
mais claro e caiba melhor uma ulterior discussão, como é de esperar
de um Symposium como este.

l*Tese: Há e deve haver uma distinção entre o "lugar de fazer" e o


"lugar de ensinar" Teologia, ainda que ambos os lugares
estejam intimamente relacionados.

1. Sentido da tese
Nas discussões sobre a metodologia teológica, freqüentemen-
te não se distingue um duplo lugar: o de ensinar e o de fazer Teologia.
A Teologia é um discurso teórico sobre a experiência de fé da
comunidade eclesial (fazer Teologia). Outra tarefa é o aprendizado
de construir este discurso sob a orientação de professores (ensinar
Teologia). A confusão entre esses dois lugares aparece freqüente-
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mente nos epítetos que se dão ã Teologia e o mal-estar reinante em
muitas Instituições Teológicas. Exige-se de uma Teologia ensinada as
qualidades próprias do lugar de criar Teologia, que não é a Universi-
dade. Esquece-se que existem dois lugares com exigências próprias,
ainda que mantenham entre si ligações profundas e que não se
podem desconhecer.
A tese elaborada em termos abstratos, teóricos e formais não
quer desconhecer nossa situação concreta de Brasil. Predominam
reflexões espistemológicas produzidas, contudo, por quem se situa
socialmente em determinado contexto. Este é determinante na
maneira de conduzir o pensamento, apesar de ele ganhar uma validez
além de tais situações concretas.
Está na base de tais reflexões a minha experiência de
professor e teólogo latino-americano. De um lado, estamos lecionan-
do dentro de uma Instituição Acadêmica com todas as suas exigên-
cias, vantagens e limites próprios; de outro, tentamos elaborar uma
Teologia que responda ãs necessidades de uma Igreja local, a que
pertencemos. Este trabalho será como que uma reflexão em voz alta
sobre minha dupla prática de professor e de teólogo, na pretensão de
poder ajudar a quem se encontra na mesma situação e de fazer ver
aos estudantes de Teologia dois níveis e campos diferentes de
exigências.
A distinção entre lugar de ensinar e de fazer Teologia é formal.
Diz respeito à diferença de aspectos, ainda que haja uma "unidade
real, objetiva e concreta". Mesmo assim tal distinção formal ajuda a
evitar impurezas metodológicas, a prevenir exigências descabidas
oriundas da confusão entre os dois lugares. Ultimamente vivemos
continuamente reunindo-nos para discutir problemas referentes ao
ensino de Teologia e as Instituições Acadêmicas buscam encontrar
um caminho próprio. Estas reflexões visam a oferecer modesta
contribuição para tais discussões, situando alguns problemas nos
seus devidos lugares.

2. Lugar do Ensino
Vamos trabalhar com a categoria "lugar". O "lugar" define-se
sobretudo pela sua dupla função de permissão e interdição. Torna
possíveis (permite) certo tipo de produção, certa pesquisa, define o
factível de um processo científico. Por outro lado, torna impossíveis
(interdita) outras pesquisas, outro tipo de produção. Exclui d o
discurso, censura, tudo que não cabe dentro de sua produção. Não é
uma realidade extrínseca ao processo produtivo do discurso teológi-
co, mas faz-lhe parte. Não lhe é estrangeiro, nem acessório, nem uma
intromissão indevida. Assim vamos ver como tanto o "lugar do
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ensino" quanto o "lugar de fazer" teologia pertencem à própria
contextura científica da Teologia, que lá se produz. Estes lugares vão
determinar as possibilidades e os limites dessa dupla prática diferente
do ensinar e do fazer Teologia (5).
O "lugar do ensino" é fundamentalmente pedagógico, didáti-
co. Trata-se de ensinar os alunos a fazerem Teologia e não tanto
comunicar o "elaborado teológico" mais atualizado ou pragmatica-
mente útil. Não é o lugar da produção, do "último grito", nem do
supermercado de diferentes produtos teológicos ã escolha de alunos
sempre ávidos de novidade. Não é um magazine variado, onde
produtos vindos dos mais diferentes lugares encontram sua pratelei-
ra, seja numa desordem caótica, como numa ordenação ideologica-
mente cfassificada.
Muita deturpação no ensino da Teologia vem de transformá-lo
numa "feira internacional" de conhecimentos, ricos e variados, mas
cujo segredo de fabricação escapa ao expectador. Repete-se o
esquema da sociedade de consumo, onde os "know-how" são
avaramente guardados, enquanto que a abundância dos produtos
invade todos os recantos. E sobretudo os países periféricos estão
acostumados a consumir produtos feitos alhures sem a mínima
curiosidade e mesmo possibilidade de desenvolver uma tecnologia à
altura.
O "lugar do ensino" está voltado para iluminar o "lugar
epistêmico" da Teologia, procurando elucidar o que seja o "teológi-
c o " da Teologia. Trata-se de aprender a teologar, e não aprender uma
teologia. É o lugar de conhecer as regras internas do pensar
teológico. É um momento profundamente intra-teológico, procurando
elucidar o que seja o "teológico" da Teologia. Trata-se de aprender a
teologar, e não aprender uma teologia. É o lugar de conhecer as
regras internas do pensar teológico. É um momento profundamente
intra-teológico, procurando compreender como seu saber evoluiu ao
longo da cultura.
A Teologia é analisada na sua condição de prática teórica.
Procura-se ver como o processo de transformação de um dado
pré-teológico (matéria prima) chega a um resultado teológico determi-
nado (produto), efetuado pelo trabalho intelectual do teólogo usando
a mediação hermenêutica (meios de produção). Conhecer é aqui
entendido como produzir o conceito adequado do objeto pela
aplicação de meios de produção teórica (teoria e método) a uma
matéria prima dada. É uma prática específica, teórica, distinta das
outras práticas existentes (prática econômica, política, ideológica (6).
O ensino da Teologia deve concentrar-se sobretudo na tarefa de
iluminar esta sua prática teórica própria. Por mais relação que esta
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prática tenha com as outras e por mais importante que ela seja,
contudo torna-se insubstituível o conhecimento profundo da especifi-
cidade da prática teórica em geral e da teológica em particular.
Vivemos num contexto cultural pragmatista, onde o descrédito do
teórico e o impulso afetivo do imediato podem deturpar radicalmente
a elaboração da Teologia. Se há um lugar em que a pureza epistèmica
deve ser conservada, é o do ensino.
Portanto, o lugar do ensino não pode ser aquecido facilmente
pela urgência cálida dos interesses imediatos, mas antes fixar-se na
explicitaçáo da originalidade da prática teórica teológica e seu
significado no interior do universo da fé, da Igreja e da sociedade. L.
Althusser, insuspeito de qualquer idealismo, adverte-nos do erro
empirista e idealista de dizer que os conhecimentos científicos são o
produto da prática social em geral ou da prática política e econômica.
Pois assim alimentaremos a idéia de que as práticas não-científicas
produzem por si mesmas, espontaneamente, o equivalente ã prática
científica, e descuidaremos o caráter e a função insubstituíveis da
prática científica (7). É o preconceito de que a própria prática pastoral
é suficiente sem uma teoria (teologia) ou que a produz espontanea-
mente. No ensino da Teologia deve aparecer claro esta relação
dialética, evitando simplismos fáceis. A prática pastoral entregue a ela
mesma não produzirá senão teologias reformistas, facilmente mescla-
das de elementos incriticados da ideologia dominante ou divergente.
Em todo caso, será uma teologia não auto-criticada, não auto-
regulada, entregue e sujeita a manipulações alheias a seu estatuto
próprio, já que ele é precisamente negligenciado. Não é necessário
enfatizar o risco que tal tipo de Teologia corre, uma vez que perdeu
seu auto-controle. Este só é possível através do conhecimento
rigoroso e uso exato das regras que presidem seu estatuto teórico.
É fundamental no estudo e ensino da Teologia penetrar no seu
modo peculiar de apropriar-se do objeto material que lhe é proposto.
Tal modo consiste num processo hermenêutico, em que a partir das
Escrituras Cristãs se faz a leitura do material pré-teológico. A
mediação hermenêutica - os meios próprios de produção d a
Teologia - , supõe um contínuo processo de compreensão d a
Tradição cristã por um lado, e por outro o confronto desta compreen-
são com o dado a ser teologizado. Podemos, portanto, distinguir três
passos no processo teológico. Um primeiro passo é a elaboração do
dado pre-teológico, tirado seja da experiência, seja do fruto da
elaboração de outra ciência. Um segundo passo é a compreensão da
Escritura cristã, o modo próprio com que a Teologia lê, elabora o
dado que o primeiro passo lhe oferece. Este segundo passo tem dois
momentos. Supõe um saber explicativo da Escritura cristã, procuran-
do penetrar-lhe as estruturas, com instrumentais científicos crítico-
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literários. Num momento ulterior, busca a compreensão, o significado
dessas estruturas, numa síntese estrutura-sentido. Momento que se
processa, seja de modo mais positivo, num esforço de memória
compreensiva da Tradição, nos seus grandes momentos, seja de
modo mais especulativo, numa penetração mais discursiva a partir do
dado re-cord-ado. Um terceiro passo é de novo sintético. Confronto do
dado pre-teológico com a compreensão das Escrituras cristãs, de tal
modo que surge um produto novo, que não é nem a simples repetição
da tradição cristã, nem a conservação intacta do dado pre-teológico.
Dá-se uma ruptura epistemológica. É um conhecimento novo, que se
faz contra o conhecimento anterior, numa negação dele. Trava-se um
duelo, uma luta, donde surge a novidade engendrada (8).
O "lugar do ensino" concentra-se em seguir vigilantemente o
aluno através das peripécias do processo produtivo teológico. Com
isso, salienta mais a sintática, com suas regras do uso do discurso,
desvelando os preceitos que comandam as combinações dos símbo-
los elementares do discurso teológico. Ocupa-se também com a
semântica, perseguindo a evolução dos significados, sua modifica-
ção, sua história (9). O ensino da Teologia deve apetrechar o aluno
para passear lépido no complexo universo de significados de tão
longa tradição cultural. A tradição cristã contém uma riqueza abun-
dante de textos de momentos culturais tão diferentes, que, sem um
aprendizado rigoroso, o seu manuseio pode ser uma espada de dois
gumes. O aluno deve aprender a interpretar tantas fórmulas, colocá-
las em correspondência através de todo um processo evolutivo
semântico.
A Teologia ocidental pertence precisamente a uma tradição
cultural que tem dentro de si a capacidade de reagir aos estímulos
que recebe de outras civilizações, é uma tradição que sem cessar se
transforma (10). É uma tradição que se compreende e se quer em
oposição ao que sempre foi - constitui-se como princípio de estar em -
ruptura em relação ao passado e em inovação em vista do futuro (11).
Ensinar Teologia dentro desta tradição exige preparar o aluno a saber
assumir com inteligência e vigilância esse processo auto-superador,
característico de nossa consciência moderna.
O lugar do ensino é o do confronto com a tradição. Não é
possível ensinar Teologia a não ser em contínua luta de compreensão
com o passado, açulado, sim, pelas perguntas do presente. Aprender
a fazer Teologia é iniciar-se nos meandros das Escrituras Cristãs, com
tudo o que isto significa, a fim de ser capaz de enfrentar novas
perguntas, novos dados a serem pensados teologicamente. Uma
ciência só merece este nome se souber desenvolver-se permanente-
mente. Uma ciência que se repete, sem descobrir nada, é uma ciência
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morta; não é mais uma ciência, e sim um dogma petrificado (12). A
Teologia só poderá viver de suas novas sínteses, novas "compreen-
sões", se, no lugar de seu ensino, se aprender as leis próprias, os
meios próprios, as condições próprias de sua atividade.
Concluindo, podemos dizer que descontiecer o iijgar do
ensino da Teologia na sua especificidade é comprometer o futuro do
fazer Teologia. Aparece já aí uma íntima relação entre estes dois
lugares. Mais ainda. O ensino visa a capacitar o estudante a ser
teólogo. Mas não o será de modo verdadeiro senão na sua própria
região, no meio dos problemas de sua Igreja local. Por isso o ensinar
está também profundamente vinculado ao fazer Teologia. O lugar do
ensino possibilita o conhecimento da maquinaria própria do processo
produtivo teológico. Doutro lado, interdita a produção de uma
Teologia sempre nova, resposta aos problemas pastorais do momen-
to.

3. Lugar de fazer Teologia

A Teologia não é feita para ser ensinada. Não é uma ciência


acadêmica. Não é um produto para consumo dos alunos ou para o
deleite dos próprios colegas teólogos. Toda vez que o lugar de fazer é
a academia temos <ima Teologia viciada no seu interior. Ela é
pastoral. É um discurso metódico sobre a consciência reflexa de fé da
práxis pastoral da Igreja.
Para compreender melhor a tarefa da Teologia, cabe distinguir
três níveis. No primeiro nivel temos a realidade concreta, o dado real. É
a ordem da salvação. O lugar de caridade, onde acontecem a
salvação e a condenação dos homens. Lugar da práxis, do real, da
História da Salvação e condenação dos homens. Todos vivem esta
realidade, com níveis diferentes de consciência. Realidade dada e em
devir, onde se joga nosso destino pessoal e histórico. É o nível do
concreto, do real, do unitário. Nele estão em jogo as forças antagôni-
cas do " m u n d o " e de Deus.
O segundo nivel é o da consciência dessa realidade. É o nível da
fé, no sentido de que a ordem do real é vista à luz da Revelação, da
Palavra de Deus. Aceita-se a chave de interpretação da Revelação
para ler a realidade. A fé é a consciência da caridade. A história é
compreendida como salvação e condenação, como libertação e
opressão, na sua dualidade irreconciliável de bem e mal na sua última
raiz. A fé nos remete a uma Palavra que se anuncia e que neste
anúncio torna presente a salvação. Os acontecimentos tornam-se
transparentes no seu último sentido salvífico ou de condenação.
Toma-se consciência de que a obra da salvação continua a realizar-
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se entre nós, e em certo sentido a vida da Igreja é uma manifestação
do que foi anunciado (13).
Sobre tal real, ( 1 ' nível), entendido à luz da Revelação (2?
nível), pode-se fazer um duplo discurso (3- nível). Este terceiro nível é,
portanto, um discurso sobre uma realidade apreendida por uma
consciência que crê. Reflete um esforço para tornar mais claro,
explícito, por meio de uma linguagem, o que faz o objeto da fé, isto é,
a realidade entendida à luz da Revelação. Discurso que procura fazer
aparecer o significado dos acontecimentos salvíficos. É um discurso
interpretativo, hermenêutico. Pode acontecer, entretanto, de duas
maneiras. Há um discurso espontâneo, não auto-regulado, que nasce
da raiz da fé. Não está preocupado com suas regras. Caracteriza-se
pelo seu cunho religioso. É o discurso do profeta, do catequista, do
homileta. O discurso religioso mantém uma relação direta com o
vivido. E selvagem. Colado à realidade. Não atenta ao aparelho
teórico que o pode controlar. Exprime o vivido, elabora-se em função
de soluções de problemas concretos (14). Usa antes a elocução
performativa e auto-implicativa, carregada de força elocutória, em vez
de uma linguagem objetiva, conceituai, criticada (15).
O discurso propriamente teológico, por sua vez, é científico,
auto-regulado. Tem suas regras internas. Possui um estatuto teórico
definido. Não se permite a liberdade semântic^e sintática de outros
discursos religiosos. Cuida de sua cientificidade. É um discurso
construído segundo uma gramática estabelecida. Discurso educado,
disciplinado. Diz respeito diretamente ao conhecimento, elaborando
os seus próprios meios de auto-controle.
O lugar de fazer o discurso teológico é fundamentalmente a
práxis da pastoral da Igreja local. É a partir da vida concreta da Igreja
e em função desta vida que o teólogo produz seus conhecimentos
teológicos. São explicitações dos questionamentos, das perguntas,
das necessidades, das buscas de significado, da luta contra o erro e o
mito, da compreensão do sentido da própria práxis, que a comunida-
de eclesial levanta. Por isso, o lugar de fazer Teologia tem de ser, não
a Academia, e sim a vida concreta da Igreja. Não se faz Teologia pa^a
os outros teólogos lerem. Visa ã vida da comunidade. Por isso tem de
partir de dentro dela. Da Teologia dever-se-ia poder dizer que as
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias da comunidade
eclesial são também as suas alegrias e esperanças, tristezas e
angústias (GS n- 1). Esta sua proximidade não é determinante de sua
episteme, e sim das questões que devem ser abordadas dent o de sua
perspectiva própria. As regras internas do teologar não sãc afetadas
pela proximidade pastoral, de modo que uma teologia acadêmica
fosse mais teologia. Trata-se de uma condição do próprio teologar.
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que é sua vinculação com a realidade pastoral. Não é uma redução do
discurso teológico ao discurso religioso. No discurso teológico
parte-se da práxis pastoral e volta-se a ela, mantendo-se entretanto
todo o rigor da mediação hermenêutica, enquanto que no discurso
religioso tal mediação não possui a mesma exatidão.
Mais. O discurso teológico envolve-se na sua própria natureza
com a experiência da comunidade eclesial. Esta, por sua vez. não é
inteligível sem uma relação com a Igreja universal.Comunidade local e
Igreja universal constituem uma relação dialética. Não se pode pensar
historicamente a Igreja local nem a Igreja universal a não ser
dialeticamente. A comunidade particular está em face da Igreja
universal numa típica relação dialética, que é constitutiva do ser
histórico como tal (16). O mesmo vale da teologia. Ela tem uma
universalidade, que não é abstrata, precisamente porque pensa
historicamente na fé a vida eclesial de uma comunidade particular.
Esta aparece como fenômeno particular da Igreja universal, no qual
ela encontra sua reflexão. Assim a Teologia "particular" é um reflexo,
somente existe como verdadeira Teologia como mediação concreta
da Teologia Católica. O acento sobre a reflexão da comunidade
eclesial local não é sectária. Não se trata de um "patois" teológico. A
única e universal Teologia mediatiza-se, manifesta-se nas teologias
das comunidades eclesiais. Somente assim que podemos falar de
uma Teologia universal concreta, real. Não existe como um todo
abstrato, fora das teologias das comunidades eclesiais, mas acontece
e faz-se Teologia universal nas mediações concretas de todas as
teologias das Igrejas locais. Fora desta percepção dialética, dificil-
mente se compreenderá a justa reivindicação de teologias situadas
Não se trata de um modismo, mas de uma necessidade do próprio
teologar.
A partir desta reflexão, pode-se compreender a importância do
lugar situado, geo-histórico, cultural, daquele que faz Teologia. A
Academia corre o enorme perigo de crer-se universal. Na realidade,
facilmente ela repete o lugar cultural dominante, julgando que está
fazendo uma "teologia católica", universal. A práxis pastoral, pelo
contrário, salienta o particular, o original, o específico da Teologia. A
mediação hermenêutica, fruto ela mesma do jogo dialético do
universal (Tradição) e do particular (com-preensão), aplica-se ao
particular da vida de fé da comunidade local. Daí surgirá um produto
novo, respondendo aos verdadeiros problemas. A Academia é sensí-
vel a uma problemática mais livresca, muita vez alheia ao momento
em que a Igreja local está vivendo. Por isso, não é o lugar mais
fecundo e verdadeiro para fazer Teologia.
Além do interesse espistomológico geral de toda ciência, que
é querer fazer algo com o saber, a Teologia tem o seu próprio (17).
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Busca compreender a Revelação. Há contudo interesses mais especí-
ficos, que dizem respeito ao ' ugar social" do teólogo. No nosso
caso, temos uma Teologia sit: ada na América Latina, no Brasil. O
fazer Teologia está intimamente ligado aos interesses particulares do
lugar social onde ela se constrói. De novo, não podemos esquecer
que deve existir uma relação dialética entre o "interesse epistemoló-
gico" da Teologia, como Teologia, e da Teologia enquanto situada
num contexto social determinado. Os interesses universais da Teolo-
gia - compreensão da Revelação, fidelidade hermenêutica à Tradi-
ção das Escrituras cristãs - e os interesses da Teologia situada - a
vida de fé consciente da comunidade dentro da grande Tradição -
não podem ser nem exclusivos, nem unilateralmente dominantes.
Tem de ir encontrando a "síntese católica geo-histórica". Como
católica, compreende a Tradição, como geo-histórica, compreende
(entende com) suas próprias perspectivas locais.
A explicitaçáo deste jogo dialético, deve-se evitar que se
deteriorize, seja numa linha do dogmatismo de "valores eternos", da
apologia de um intemporal (18), seja na linha de um sectarismo
regionalista, particularista. Os dois extremos espreitam a produção da
Teologia. A esterilidade de um universalismo vazio, inócuo, que, no
máximo, consegue oferecer uma auto-segurança ideológica, não será
superada simplesmente por um relativismo histórico, entregue à
fluidez dos interesses particulares do lugar e tempo presentes.
O processo produtivo da Teologia, é, pois, profundamente
determinado pelo "lugar social" do teólogo. Nesta primeira tese
estamos levando a cabo uma reflexão de caráter epistemológico. Por
isso, importa compreender bem o significado do "lugar social" na
produção da Teologia, prescindindo por enquanto do específico do
nosso lugar social.

O "lugar social" é determinado pelos condicionamentos, pela


realidade empírico-social, em que se vive. Reflete um engajamento
político. A prática teológica, como toda prática científica, teórica
pertence ã realidade social. Desempenha aí um papel. Exerce uma
função sócio-política. Faz parte do mundo ideológico. Tem, portanto,
um lugar social. O teólogo, por sua vez, é também um agente social.
Mesmo que não tenha consciência explícita, revela na sua prática
teórica, como todo ser humano aliás, um compromisso social. Existe
um código, nem sempre decifrado, que comanda a relação do teólogo
com a realidade social em que vive. Isto significa que na tarefa de
teologar se fazem presentes interesses sociais, fruto de opções. Não
se trata necessariamente daqueles interesses que o teólogo na sua sã
consciência se propôs ou creu estar vivendo, mas daqueles que
objetivamente se revelam através da prática em exercício. Facilmente
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confundimos o nível do interesse, que preside às opções pessoais
internas, inacessíveis a alguém de fora e o de uma verificação através
dos fatos. Numa palavra, não se trata de interesses subjetivos do
indivíduo, daquilo que ele na sua consciência individual diante de
Deus quer fazer, mas daqueles interesses a que nossa prática de tato
serve. Isto pode ser analisado, constatado, enquanto que os interes-
ses internos da consciência só Deus pode julgar. Esta confusão leva
a muitas discussões inúteis e a ofensas de susceptibilidades, que se
sentem feridas, ao se lhes imputarem interesses que nunca tiveram e
nem pensaram em ter.
A honestidade intelectual pede que as opções prévias, os
interesses objetivos da nossa prática sejam explicitados. Quanto mais
explícito, claro e consciente estiver o lugar social do qual se fala, no
qual se faz Teologia, tanto menos ideológica é uma Teologia.
Entende-se ideologia aqui na sua conotação negativa de "mentira",
"engano", "mascaramento da verdade". Escapa-se da pecha de
ideologia neste sentido, denotando a conotação, (19) isto é, indican-
do, desvelando, tornando manifesto o lugar de interesse, de onde se
faz Teologia. Perseguem entretanto, principalmente o teólogo a
pretensão e tentação de querer saltar o lugar social, de pensar estar
fazendo Teologia num "lugar sem lugar". Podemos dizer que tal
privilégio é de Deus, transcende a nossa historicidade (20).
Além do mais, esconde-se por detrás da posição de quem
pensa que atinge a realidade de modo direto, numa experiência
imediata e primeira, sem interferência dos interesses e perspectivas
de seu lugar, o clássico preconceito empirista. A epistemologia
moderna tem-se voltado precisamente para desmascarar tão perigosa
pretensão considerando-a verdadeiro obstáculo epistemológico (21).
Daí que a inconsciência do lugar social é grave. Deixa-nos entregues
ao arbítrio de interesses não explicitados, não criticados, não escolhi-
dos. Podem por acaso ser bons, honestos, contudo o contrário
também é possível. Em geral, acontece que predominam, nestes
casos, os interesses da ideologia dominante, que penetra com os
meios de que dispõe até os refolhos de nosso inconsciente e
comanda, sem o percebermos, as nossas opções e escolhas. A nossa
defesa situa-se na linha da crítica, da explicitaçáo, do desmascara-
mento de tais interesses e num momento ulterior na escolha daquele
lugar social que mais condiz com nossa opção na tarefa teológica, na
prática que desenvolvermos.
Do que viemos dizendo, pode-se concluir que o teólogo se
encontra diante do problema da necessidade inelutável de escolher o
seu lugar social. Tal opção não é de cunho científico, "teológico",
mas ético-cristão. Não são os critérios da episteme científica que
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decidem, e sim aqueles que provêm da filosofia (ou espiritualidade) de
vida. Na medida em que a fé pervade nossa vida, nesta medida
interfere na escolhia de tal lugar. Pesa nesta escolha toda uma outra
série de considerações fora do alcance das regras internas do
discurso teológico. Não são referentes ao estatuto teórico da Teolo-
gia, mas ã situação ético-sócio-política do teólogo.
A importância de tal opção mostra-se ao percebermos que o
lugar social interfere na própria produção do discurso teológico. Por
isso, a Teologia, como prática concreta, insere-se num contexto mais
amplo da sociedade, da cultura, da práxis global. É dentro de tal
conjunto, que se pode compreender a atividade teológica, e medir os
resultados concretos que produz. Quanto a sua episteme, a Teologia
tem uma autonomia própria, estabelece seu estatuto teórico livremen-
te, independente de outras instâncias. Contudo, na sua qualidade de
prática concreta dentro de uma sociedade é dependente, inserida na
rede complexa das determinações materiais que a situam em determi-
nado lugar no campo social e lhe assignam data na linha do tempo
histórico. A Teologia constrói-se em dependência das condições
materiais culturais políticas, seja no lugar de seu nascimento como
quanto aos seus objetivos. Nasce marcada pelo lugar de origem. Seu
produto pode ser e é destinado a determinado fim social, político,
numa visão de conjunto. Numa palavra, não só são importantes para
a Teologia o conhecimento de sua sintática e semântica, mas também
da pragmática.
A pragmática preocupa-se pelo estudo das situações e inte-
resses que comandam o elemento seletivo e combinatório dentro da
elaboração do material teológico num sistema. O teólogo encontra-se
diante de uma riqueza enorme de dados pré-teológicos. Terá que
fazer uma escolha para sua elaboração. A pragmática estuda os
fatores que determinam tal seleção. Mais. Na própria compreensão
das Escrituras cristãs, que se faz através de seleções, combinações
simbólicas, cabe um estudo sobre elementos decisivos em tal
operação. Pela pragmática, tenta-se detectar o sistema implícito de
decisões na construção do corpo de proposições da Teologia. No uso
de fórmulas teológicas, os produtores de tal discurso visam também a
agir sobre a realidade social. Em geral, tal perspectiva tem ficado
alheia ao discurso teológico. Por isso, o seu caráter ideológico tem
sido desconhecido, ainda que atuante.
Se no ensino da Teologia, o professor deve atender óe modo
especial ao lugar cultural, procurando mostrar aos alunos os horizon-
tes de compreensão das afirmações (semântica), e as regr.^s do seu
uso (sintática), no fazer Teologia, a atenção deve voltar-se de modo
especial para as determinações sociais, políticas, culturais e para os
39
interesses que presidem a elaboração do discurso teológico (pragmá-
tica).
Concluindo este parágrafo, podemos dizer que o lugar do
ensino da Teologia se caracteriza pelo conhecimento da estrutura
teórica do discurso teológico, enquanto que o lugar de fazer Teologia
procura articular corretamente a sua dupla estrutura: sacramentai e
critica (22). A articulação sacramentai exprime na sua imediatez os
interesses do teologar, enquanto que a critica o eleva a um nivel
superior de reflexão. O fazer Teologia é articular criticamente aquilo
que a experiência concreta do cristão situado, "interessado", dentro
de um contexto eclesial bem definido, levanta como questionamento,
interrogação, pedido de esclarecimento, necessidade de inteligência.
O fazer Teologia é elevar a um nivel de universalidade, criticidade,
aquilo que aparece no nível situado, particular como decisivo para a
vida eclesial e cristã de uma comunidade concreta

4. Relação entre os dois lugares


A distinção que estabelecemos entre os dois lugares é de
natureza formal. Não existe um puro lugar de ensino, em que somente
se veicule uma metodologia, sem que ao mesmo tempo não se
comunique uma Teologia concreta, construída. Esta reflete o lugar
social de seu nascimento. Mesmo o ato de ensinar tem momentos
criativos, pois o professor é teólogo, ou pelo menos deveria ser.
Doutro lado, toda Teologia construída torna-se ensinável. É a partir
das teologias concretas que os alunos podem aprender a tarefa de
teologar.
Há dois modos como a relação entre os dois lugares pode
concretizar-se. O mais simples é na pessoa mesma do teólogo. É o
mesmo que ensina e faz Teologia. É o mesmo que se dá à tarefa de
desvelar para os alunos a estrutura interna da Teologia, seu estatuto
teórico e que, doutro lado, procura pensar à luz da fé a práxis da
comunidade viva, eclesial em que está inserido. Vivendo a unidade do
ensinar fazendo Teologia e do fazer Teologia ensinando, pode
explicitar os dois momentos formalmente distintos, mas vividos na
unidade da mesma pessoa. Assim conseguirá fazer ver aos alunos a
diferença desses dois momentos, sem que se rompa a unidade
existencial.
Uma relação mais profunda que afeta a própria estrutura do
método da Teologia. Fazer Teologia tem dois momentos importantes:
selecionar os temas e elaborar a mediação hermenêutica, que é
aplicada sobre os dados escolhidos. Ao ensinar Teologia, o professor
deverá também processar a uma idêntica escolha. Necessita explici-
tar aos alunos o estatuto teórico teológico. Para isso, toca-lhe mostrar
40
como a mediação hermenêutica - o modo próprio de a Teologia
apropriar-se de seu objeto lendo-o ã luz da Tradição Cristã - se
constitui. Tal acontece por meio de uma leitura intra-teológica, desta
mesma Tradição, procurando acompanhã-la ao longo da história em
seus diversos momentos de constituição e compreensão. É verdadei-
ro tirocínio hermenêutico, difícil. Não há, entretanto, possibilidade de
realizar tal operação sem que o lugar extra-teológico do leitor
influencie. Neste caso, o professor poderá adotar uma leitura que
venha responder á problemática de situações alheias à nossa, ou
pelo contrário corresponda a ela. Neste momento, o lugar social do
fazer Teologia interfere na atividade de ensinar. Daí que não existe
um ensino da Teologia aNiontextual, sem conexão com a realidade
social em que tal práticapédagógica acontece.
Na própria elaboração da mediação hermenêutica, o professor
deve ensinar ao aluno como tal se faz no contexto histórico, social em
que ambos vivem. Há toda uma preferência na escolha dos temas a
serem trabalhados em curso que se deverá fazer à luz do lugar social,
próprio da tarefa produtiva teológica. Toda releitura da positividade
da fé, que se faz no ensino da Teologia, é sempre marcada pelo lugar
social. Se o aspecto explicativo, elucidando as estruturas constituiti-
vas dos textos, goza de uma cientificidade didaticamente comunicá-
vel (ensino), contudo o momento compreensivo acontece a partir da
situação concreta atual (produção). E a mediação hermenêutica
constitui-se precisamente desses dois momentos numa relação dialé-
tica. Daí que o ensino não pode ser entendido como um lugar
estanque, á parte, mas sempre em relação dialética com o lugar social
da produção teológica.
De fato, não existe uma mediação hermenêutica objetiva,
neutra, em si mesma, guardada assepticamente nas Academias
teológicas, à disposição dos alunos. Ela é sempre produto, com-
preendida, isto é, a-preendida com, de dentro de nossa situação. No
ensino, o professor poderá refazer o processo da Tradição à luz do
lugar social em que se vive. Com isso, ensina Teologia (refaz o
processo), e faz Teologia (a luz do lugar social) numa unidade real.
Cada momento novo supõe os anteriores. A leitura dialética da
Tradição, a partir do lugar em que se situa de fato o professor, enfa xa
em si mesma a dupla tarefa do ensino e do fazer Teologia numa
unidade real. No percurso de leitura da Tradição, consciente df sua
situação presente, poderá o professor levantar muitas suspeitas de
envolvimentos ideológicos da prática teológica. Tal tipo de crítica só é
possível fazer-se, no pressuposto da escolha de um lugar E jcial na
própria tarefa do ensino. Como se trata de uma tarefa eminentemente
didática, importa que o professor denote com toda lealdade as
conotações de seu lugar de leitura. Assim ensina e faz Teologia.
41
Pertence também à tarefa de ensinar Teologia, fazer ver como
os usos sintáticos e semânticos na elaboração teológica foram
sempre comandados por interesses (pragmática). Nesse trabalho os
dois lugares se unem numa síntese inconfundida. Enfim, o melhor
modo de explicitar o "teológico" da Teologia (tarefa do ensino)
acontece no ato mesmo de teologar, no realizar a prática teológica,
marcada por sua vez pelo lugar social do teólogo.
A intelecção da íntima relação entre os dois lugares, sem
negar-lhe real distinção, pode ajudar-nos compreender muitas reivin-
dicações dos estudantes de Teologia. Parece-lhes que o ensinar
Teologia se faz de tal modo desligado do fazer Teologia, que ao final
do curso sentem-se despreparados para a missão pastoral que lhes
cabe. De fato, o que acontece é antes um ensinar Teologia dentro de
um fazer Teologia alheio a práxis eclesial local e vinculado a outro
contexto eclesial, onde o professor bebeu sua Teologia. Tais refle-
xões querem questionar-nos em nossa dupla tarefa de professores e
teólogos, não permitindo confusões perniciosas nem também separa-
ções esvaziadoras seja do ensino como da própria Teologia.

2' tese: O Ensino da Teologia no Brasil deve superar o lugar seminarísti-


co, clerical, acadêmico.

O "lugar de ensino" difere, pois, do "lugar de fazer Teologia",


ainda que ambos mantenham entre si uma conexão íntima. Toca-nos
ver que "lugar de ensino" deve ser o nosso. Num primeiro momento,
confrontar-nos-emos com o clássico "lugar tridentino de ensino de
Teologia", que dominou séculos e ainda se faz presente em alguns
seminários de hoje. Será o teor desta tese. O "lugar tridentino" é
descrito em três de suas características fundamentais: seminarístico,
clerical e acadêmico. Além de analisarmos as conseqijências que tal
lugar trouxe para a Teologia, aventaremos alguns elementos em
ordem a superá-lo. Assim, esta tese tem três idéias centrais: descri-
ção do lugar tridentino, conseqüências e superação.

1. Descrição do lugar

A descrição do lugar tridentino ocupa-nos sob o aspecto


didático-metodológico. Abstrair-nos-emos de considerações históri-
cas, que poderiam ser interessantes e esclarecedoras. Contudo
escapam dos limites deste trabalho. A perspectiva histórica ajudaria
muito a compreender as razões de tais características, que, vistas
num outro horizonte cultural, poderão aparecer somente no seu
42
caráter negativo. E, de fato, exerceram no seu tempo frutos úberes
para a Igreja. Por isso, ao descrevermos o "lugar tridentino",
procuraremos prescindir de dar ao lugar um cunfio negativo. Antes
será descritivo-analítico.
Lugar seminarístico
Transmitia-se uma Teologia em vista da preparação de semi-
naristas para suas funções pastorais no corpo clerical. O receptor da
Teologia era alguém destinado a continuar o sistema eclesiástico.
Para isso, preparava-se o jovem. E o professor também era conscien-
te de que seus ensinamentos visavam a um auditório, de antemão,
destinado a uma tarefa intra-eclesiástica.
A influência do receptor no produto teológico fazia-se nítida.
Tratava-se de um lugar de transmissão da Teologia intra-sistêmico
eclesiástico para uso intra-sistêmico. Todos o s fatores extra-
sistêmicos eram encarados a partir do "lugar intra-sistêmico". Este
comandava toda a "episteme", seja quanto ao conteúdo, como
quanto á forma de expressão da Teologia.
Os ensinamentos eram selecionados e transmitidos em função
da utilidade e interesses dos seminaristas. Tal situação oferecia um
prisma de seleção e combinação de elementos teológicos de tal modo
que o resultado final saía bem marcado. Os temas mais ventilados
queriam responder, não a situação existencial do jovem, mas sim do
"seminarista". Interessava antes a função que ele ia exercer dentro
do sistema eclesiástico, que a sua situação pessoal, psico-individual,
psico-histórica.

Lugar clerical
Mais. Temos uma Teologia ensinada por clérigos para cléri-
gos. Os professores ligam-se também por sua condição clerical aos
interesses intra-sistèmicos, mesmo em tentativas liberais. O próprio
direito de ensinar está condicionado a uma profissão de fé, que ia, até
não muito tempo, muito além de uma fidelidade ao estrito dogma. O
"juramento antimodernista", repetido no início de cada ano letivo,
exprimia bem esta vinculação do professor aos interesses do sistema
eclesiástico. Foi, aliás, sempre um fator de tensão com a assim-dita
"liberdade acadêmica". Houve Instituições que a propiciavam em
grau maior, outras, porém, a restringiam em grau elevado, reduzindo
o ensino da Teologia a uma mera transmissão de conhecimentos de
manuais. O teor do "juramento" favorecia um clima reacior .ário nas
Instituições, sobretudo quando dirigidas por consciências estreitas e
autoritárias. Muitas formulações são de tal natureza genérica e
facilmente manipuláveis numa linha rigorista, e ainda mais, impostas
43
em forma de juramento, que o ambiente de ensino se tornava
profundamente cerceado. Tal juramento tinha também um efeito de
auto-censura no professor. Nada mais esterilizante para o pensamen-
to que a auto-censura. Não é em vão que um humorista nacional tem
repetido: "livre-pensar é só pensar" (Millor Fernandes). Pode-se
então dizer que "não livre-pensar nem é pensar". O "lugar clerical"
de nossas Instituições foi ou tem sido freqüentemente um empecilho
para o livre-pensar, devido a sua situação de estar numa Instituição
controlada.
O lugar clerical atribui ao ensino da Teologia um cunho oficial.
Sabemos das vantagens e desvantagens acadêmicas das Instituições
representativas de interesses oficiais. Não se faz um ensino, em nome
do povo de Deus, que o clérigo servira mais tarde, mas em nome da
Instituição, a que se pertence. Em teoria, ambos interesses deveriam
coincidir. Pois a Instituição eclesiástica só tem sentido em função do
Povo de Deus. Na realidade humana e histórica, não raras vezes tais
interesses entram em conflito. Pois os clérigos distanciando-se da
realidade do povo não conseguem captar quais seriam os verdadeiros
interesses dele. E facilmente projetam para dentro do povo, os
próprios interesses, crendo-os ser do povo. A ausência do leigo nas
Instituições, seja na forma de alunos como de professores tem
empobrecido o "lugar de ensino", encurtando-lhe a visão da realidde
eclesial e histórica.
Temos uma teologia ensinada, determinada pelos condiciona-
mentos sócio-político-econômico-religiosos da "classe clerical". Vale
a pena analisar um pouco mais tal afirmação.
Condicionamentos sociais. A classe clerical aproxima-se muito d o
comportamento oscilante das classes médias na Sociedade. Se de
um lado possuem uma abertura para as classes econômico-
socialmente inferiores, contudo sentem-se mais ligadas às superio-
res. Acrescenta-se ainda que a classe clerical desempenha em parte
o papel de burocrata e ideólogo da Instituição eclesiástica. Nesta
dupla função, o seu ensinamento reflete perspectivas bem determina-
das. Não pode escapar a uma certa censura e controle, que lhe limita
a criatividade, a originalidade, a coragem e mesmo a ousadia nas
afirmações.
No desejo de muitos, o ensino da Teologia deveria reduzir-se à
comunicação dos ensinamentos universalmente aceitos pela Institui-
ção Eclesiástica, evitando todos os pontos controvertidos. Deveria
refletir a unidade do corpo social eclesiástico, se não de fato
existente, pelo menos na perspectiva ortodoxa. O condicionamento
social da classe clerical manifesta-se ainda na escassa presença do
" m u n d o " na problemática teológica. Sua condição clerical isola-a de
44
atividades da maneira de viver dos problemas, que afetam diretamen-
te os leigos. E mesmo quando assume os seus problemas, fá-lo a
partir de sua ótica clerical, sem não leves deturpações.
Ora quando o conjunto dos professores e alunos é da classe
clerical pode-se facilmente compreender que todo o complexo dos
ensinamentos receba marca bem característica.
Condicionamentos politicos.Predomina na classe clerical, sobretudo de
anos atrás, uma consciência a-política. Cada Instituição interessa-se
especialmente pela política próxima a seu universo de interesses.
Assim uma política eclesiástica e acadêmica ocupa grande parte das
preocupações e atenções da classe clerical docente. Em geral, em
relação á política civil prevalece tendência conservadora ou no
máximo neo-liberal, ao lado de repulsa instintiva a toda perspectiva
mais socializante.
Evidentemente tais condicionamentos exercerão sua influên-
cia na ótica crítica dos professores, sobretudo no que diz respeito a
problemática social e tipos de teologia de natureza mais crítica. Não
se pode generalizar, uma vez que é típico de tal classe seu caráter
oscilante. Há setores que, em movimentos pendulares, se aproximam
de uma posição política mais crítica e mesmo radical. No conjunto,
entretanto, sobrepuja uma tendência centrista com namoros conser-
vadores. Não se trata de questões pessoais deste ou daquele
professor. É o conjunto institucional que condiciona tais posições,
exatamente por causa da unilateralidade clerical dos professores.
Condicionamentos econômicos. Houve uma mudança de uma situação
de grande instabilidade econômica dos professores de Seminário,
com salários assás reduzidos, para a de professores ligados a
Instituições maiores, como Universidades, com melhores remunera-
ções. A situação de instabilidade anterior obrigava os professores a
multiplicarem suas atividades extra-acadêmicas, com detrimento de
sua capacitação e atividade professoral. Ainda tal situação não foi
totalmente superada em nosso meio. Na medida em que a Teologia
vai fazendo parte de grandes universidades, e seus professores
participam das mesmas remunerações que os outros setores, vai-se
criando uma situação de maior estabilidade.
Se de um lado um situação de instabilidade econômica gerava
uma preocupação de subsistência e bem-estar fora dos quadros
acadêmicos, doutro lado a crescente estabilização financeira poderá
produzir um tipo de teólogo acomodado e pouco sen? vel aos
problemas sociais, sobretudo quando vivem em regiões onde as
contradições não aparecem tão facilmente. Nesta situação econômi-
ca, uma Teologia de cunho existencialista e personalista tende a
45
firmar-se, colocando entre parênteses as tendências dialética e
crítica. Perde-se a sensibilidade para problemas de natureza conflitiva
e tende-se mais para soluções conciliadoras. O reflexo de tais
condicionamentos aparece em diversos setores teológicos.
Condicionamentos religiosos.Uma instituição, em que a predominância
é clerical no corpo docente e discente, move-se sobretudo dentro de
um horizonte temático, lingüístico e afetivo de cunho religioso.
Transforma-se na ótica sob a qual a realidade é compreendida. A
"mundanidade" e a "secularidade" na sua autonomia escapam de tal
horizonte, ou são percebidas em sua posição antitética a ele.
O espaço religioso prevalecente choca-se facilmente com os
problemas e interesses oriundos de uma sociedade conflitiva, marca-
da sobretudo pela fundamental realidade do trabalho. Não deixa de
ser sintomático como o universo do trabalho, com tudo que ele
significa, é o grande ausente da Teologia. E vivemos uma sociedade
onde os grandes problemas sócio-político-econômicos de qualquer
modo que seja se encontram em conexão com o trabalho, sua
divisão, sua remuneração, seu significado, etc... Um ambiente por
demais marcado pela classe clerical, cujo centro de interesse se
fecha, muitas vezes, em volta do universo cultural religioso, dificil-
mente poderá ser sensível à gravidade e imprescindibilidade dos
problemas da sociedade moderna no tangente ao mundo do trabalho
e outros aspectos.
Lugar acadêmico
O ensino da Teologia faz-se dentro de uma Instituição Acadê-
mica, seja de um porte mais limitado como um Seminário diocesano,
seja de amplitude cultural maior como uma Universidade. Em todo
caso, trata-se de uma Teologia que quer encontrar um lugar do
consórcio das ciências. Esta luta da Teologia, que outrora fora rainha
e estivera no ponto axial da Universidade medieval, para ter uma
palavra própria no entrechoque das disciplinas constitutivas da
cultura moderna, tem tido fortes repercussões na maneira de realizar
seu ensino. Não goza mais de situação privilegiada e tranqüila. Não
pode ficar assentada comodamente sobre os louros do passado,
segura de sua cidadania acadêmica. Teve de voltar-se sobre si
mesma, perguntar-se pelos seus métodos, aceitar os questionamen-
tos das outras ciências, sobretudo de um pensamento positivista e
neo-positivista que a quis excluir do clube fechado das disciplinas de
linguagem sensata, coerente, levantando a suspeita de que sua
linguagem é in-sensata, sem-significado e rigor. (23)
Este esforço de a Teologia encontrar seu lugar dentro da
estrutura acadêmica de uma Universidade serviu-lhe para uma
46
purificação epistemológica e exigiu-lhe uma vigilância maior sobre
sua própria prática teórica. Por outro lado, tem levado muitos
teólogos a escreverem praticamente para outros teólogos ou compa-
nheiros na lide acadêmica, na ansiosa espera do que eles dirão. Não
se trata de uma reflexão em vista do povo de Deus, do crescimento da
consciência da fé da comunidade eclesial. As aulas transformam-se
no lugar onde tais escritos são comunicados aos alunos, seja na sua
forma científica, fala-se então de curso de alto nível, seja numa forma
vulgarizada, fala-se de curso "pastoral". O termo pastoral encobre
neste caso o tom irônico do desprezo do intelectual para qualquer
nível inferior ao seu estatuto puramente teórico e técnico. Não revela
a.riqueza que o termo encerra: a verdadeira pátria natal da Teologia.
Numa palavra: o lugar acadêmico nos fala de uma teologia escrita
para professores e vulgarizada para alunos.
O caráter acadêmico coloca o "lugar social" em segundo
plano. Com isso, a prática teológica escolar corre o risco de exercer
simplesmente uma função intra-sistêmica, reproduzindo, no sentido
de copiar e produzir de novo as contradições da sociedade. O ensino
da Teologia, perdendo o contacto com a força renovadora e crítica de
sua fonte original, a consciência de fé de uma comunidade cristã,
termina por tornar-se uma peça a mais d o sistema vigente,
corroborando-o, justificando-o, e não lhe sendo crítica. Precisamente
porque não questiona, nem explicita o "lugar social", pode facilmente
servir a interesses que desconhece. Participa de uma "política global
educacional", na esfera universitária, sem nenhuma originalidade
própria
Enfim, o lugar acadêmico transforma o ensino da Teologia
num elemento necessário, obrigatório para a formação dos futuros
professores que serão como que perpetuadores do mesmo sistema
teórico. Garante-se uma continuidade, que nem sempre é promissora
na linha da criatividade, originalidade.
2. Conseqüências de tal lugar
Pela própria descrição do lugar "tridentino", já nos aparecem
claras muitas conseqijências cujo alcance convém explicitar com
maior precisão. Somente assim poderemos tentar superar-lhe as
limitações dentro do campo de possibilidade de nossas condi, oes
atuais de Igreja e Sociedade. Vamos trabalhar sobre as três car icte-
rísticas principais decorrentes do lugar de ensino tridentino: teologia
seminarística, teologia clerical e teologia acadêmica.
Teologia seminarística
Caracteriza-se tal Teologia por sua intenção 'uncional e
47
pragmática. Está voltada para a ação pastoral do estudante de
Teologia, procurando dar-lhe já elementos sobretudo de ordem
dogmático-sistematica e canônico-moral. Os clássicos manuais de
Sistemática, de Moral, Direito Canônico, revelam bem sua natureza.
Existe exígua presença de categorias leigas e seculares. Facilmente
descamba para as "receitas" e "fórmulas feitas" a serem ensinadas.
Freqüentemente não passa de um catecismo ampliado, dentro de
uma perspectiva de "pergunte e responderemos".
Com a mesma rapidez com que se aprendem os últimos
produtos teológicos, com a mesma eles caducam deixando o seu
possuidor despreparado para novas situações. Outras vezes aconte-
ce ainda pior. O aluno sai seguro das respostas, numa consciência de
"mestre", de modo que sua tarefa se resume a divulgar os conheci-
mentos adquiridos. Não percebe o processo interno do pensar
teológico na sua contínua tarefa hermenêutica a partir de sempre
novas s i t u a ç õ e s sociais, culturais. A teologia seminarística
caracteriza-se pelo seu caráter axiomático, pouco afeita aos questio-
namentos, ã evolução, ã novidade.
Mais. A ótica receptora seminarística produz já uma seleção
seja temática como de compreensão. Este empobrecimento dificulta-
rá o aluno a enfrentar situações, onde se agitarão problemas de outra
natureza. Corre-se o risco de passar ã margem de tais questões por
incapacidade de captá-las.
A teologia seminarística apresenta, além do mais, enorme
defasagem em relação à situação existencial do estudante d e
teologia. Ignora as características deste jovem que são as mesmas
dos outros jovens de seu tempo, como a sensibilidade para os
problemas existenciais, com conseqüente desinteresse por um ensi-
no mais teórico, abstrato, sistematizado. No plano da fé, não começa
os estudos com a tranqüilidade espiritual de outrora, mas, pelo
contrário, traz uma série de problemas, esperando receber alguma
resposta ou esclarecimento. Ora, a teologia seminarística desconhe-
ce todo esse setor de problemas, pois, se dirige ao "clérigo", naquilo
que essa imagem já predeterminada significa, e não ao jovem
concreto que se senta nos bancos de aula, carregado de problemas,
de contradições pessoais, refletindo uma sociedade, por sua vez,
complexa e conflitual.
Teologia clerical
Faz parte tal Teologia do universo institucional eclesiástico. Aí
dentro exerce a função de legitimadora. Por isso, torna-se marcada
pelo caráter dogmático, ortodoxo e intra-sistêmico. Sua preocupação
volta-se para o rigor da verdade e não o vigor da vida. Isto a coloca
48
numa situação de contínua auto- e iietero-censura. A função intra-
sistêmica do teólogo pesa-lhe como uma responsabilidade de maior
compromisso com a fidelidade doutrinai que com a criatividade e com
o esforço novo em busca de novas respostas.
Nesta perspectiva, o aspecto crítico e hitórico da Teologia
cede lugar ao sistemático, dogmático. A preocupação concentra-se
em conseguir formular de modo doutrinalmente reto as verdades,
num esforço de salientar o permanente, o estável. Com isso, o fator
histórico se transforma antes num empecilho do que num princípio
motor do pensamento teológico. Prefere-se a tarefa de organizar os
ensinamentos em corpos estáveis que exercer sobre eles a função
crítica da razão.
Tal Teologia reflete o lugar clerical do seu produtor. É uma
práxis intra-eclesial, institucional. Alheia-se à praxis extra-eclesial
libertadora, não dando nenhuma resposta a toda a gama de proble-
mas que tal práxis levanta. Nela predominam problemas elaborados a
partir dos interesses de uma classe burocrática, com a função de
ligitimar a instituição. Muitas vezes, fica-se longe dos problemas da
vida do povo. Acontece um deslocamento para questões teológicas
de relevância puramente para o mundo intra-eclesial, com grande
desperdício de energias em questiúnculas, cujo alcance para todo o
povo de Deus é assás insignificante. Não precisa chegar ao grau
extremo de alienação clerical de um dos meus professores de Moral
que passou grande parte do curso tratando de problemas tão
"transcendentais" como do "estipêndio" de missa e das penas
eclesiásticas, enquanto os grandes problemas da moral social e os
causados pelas ciências modernas ficaram totalmente de fora. A
moral e a parte da Teologia dedicada à Igreja, aos sacramentos eram,
sem dúvida, onde mais clara aparecia a mentalidade clerical do
ensino. A atenção voltava-se quase exclusivamente para o clérigo,
como se ele fosse o mais importante.
As ciências naturais, as ciências humanas, as ciências do
Social, por sua vez, em pleno florescimento, levantavam uma série
enorme de graves problemas para a intelecção da fé, contudo pouco
ligados ao mundo clerical. Daí que ressoavam de modo imperceptível
a ouvidos não acostumados a esses ruídos mundanos.
Teologia acadêmica
O aspecto acadêmico da Teologia fê-la mais orientada à
problemática trazida pelos desafios dos intelectuais e não ^elos do
povo. Se alguns problemas além do mundo clerical tinham chance de
perturbar a tranqüilidade teológica, só poderiam ser aquoles que os
teólogos encontravam nos seus contactos com a literatura culta da
49
época. Em geral, restringiam-se às questões de ordem filosófica. Era,
de fato, dos arrabaldes da Filosofia que se levantavam as vozes mais
ouvidas pelos teólogos. Elas refletiam as interrogações de pequena
elite pensante centro-européia. Assim a Teologia acadêmica pratica-
mente se reduzia a respondê-las. E nós, nos subúrbios da Teologia,
repetiamo-las religiosamente, como se fossem os nossos grandes
questionamentos.
Na Teologia acadêmica o grande ausente era o povo. As
comunidades eclesiais concretas na sua pequena problemática de fé,
surgida da vida real que levavam, não conseguiam cfiegar com sua
voz até a soleira das Instituições Teológicas. Com isso, a seleção de
problemas, de estilo, de modo de tratar os temas, se fazia em função
do próprio mundo acadêmico e não visava à vida do povo, em cujo
meio os estudantes deveriam preparar-se para trabalhar. Uma teolo-
gia acadêmica faz-se pouco sensível ao lugar social em que se
ensina. Cria-se a sensação de estar-se num lugar soberano, onde os
problemas sociais, as opções de cunho sócio-político nada influen-
ciam. Com isso não se favorece criação de uma consciência crítica,
seja em relação a leitura intra-teológica da Tradição, seja em relação
ao contexto sócio-político em que se ensina a Teologia.
Tem-se vivido num nível bastante amplo uma crise generaliza-
da do acadêmico. Entretanto, tem-se caminhado, muitas vezes, para
uma banalização do ensino e não para uma reformulação mais radical
dos defeitos fundamentais de tal tipo de ensino. A esterilidade do
acadêmico tem sido confundida com o seu caráter científico. E a
diminuição do grau de seriedade científica tem tido o duplo efeito
negativo: continuar com as deficiências do acadêmico e reduzir a
Teologia a um catecismo melhorado.
Finalmente, a Teologia acadêmica tem-se ensinado ultima-
mente dentro de Universidades Católicas. Na situação concreta que
estamos vivendo em nossa pátria, isto tem trazido para a Teologia
uma dupla limit-^cão. Pesa sobre ela, o olhar de suspeita das
Instâncias eclesiásticas e civis. Ambas exercem uma censura. Por
isso, dificilmente a Teologia poderá exercer dentro da Universidade
sua função crítica. Sente-se oorigada a inserir-se na estrutura clerical
e civil da Universidade, com todas as limitações que isto hoje
significa. Pertence a uma Instituição, que já não é mais um espaço do
livre pensamento, da criatividade crítica, e sim simples lugar de
socialização de conhecimentos produzidos para o melhor funciona-
mento do sistema. A Teologia tem sido levada de roldão nesta
avalanche ideológica.
E não deixa de ser uma ironia ler que professores d e
Universidades de países socialistas lamentam a não existência da
50
Teologia em seu meio, porque ela teria podido ajudar a questionar
seu universo ideológico e obrigá-los a caminhar. Perdeu-se com a sua
ausência um elemento eçsencial de confronto espiritual. (25) E nós
que temos tais faculdades, acabamos por reduzi-las a um simples
estabelecimento comunicador de conhecimentos teológicos já acu-
mulados e cuja veiculaçào não altera nada sob o ponto de vista
crítico.
3. Superação de tal lugar
Superação não significa eliminação, mas ultrapassagem, pro-
curando reter o construtivo do momento anterior e assumindo em
síntese positiva novidades do atual momento. Vamos tentar na tríplice
característica analisada encontrar o momento-síntese. Trata-se mais
de uma tentativa, que participa da fragilidade de todas as prospecti-
vas e sugestões. Naturalmente, muitos pontos a serem indicados aqui
já vêm sendo realizados em diversos lugares com ritmos diversos.
Teologia seminarística
As ciências de comunicação chamam-nos a atenção para a
importância do receptor em todo o processo produtivo e transmissivo
de informações. Um primeiro passo para a superação da teologia
seminarística é a abertura do curso a outros alunos de universo
religioso e eclesiástico diferente. Tal fato exigirá da Instituição de
ensino uma inserção dentro de um sistema não puramente eclesiásti-
co. Os próprios alunos trarão exigências e necessidades diferentes,
produzindo uma modificação na seleção e combinação dos elemen-
tos de conhecimento a serem transmitidos.
Mais. Faz-se mister uma modificação na própria compreensão
e concepção da função do "seminarista" na Igreja. Não se trata de
alguém, em primeiro lugar, comprometido com a Instituição e depois
com o povo, mas o contrário. Seu compromisso fundamental é com o
povo a ser evangelizado. E por causa do povo, existe a Instituição. Os
interesses do povo são os decisivos para a sua formação. Não se
deve auto-definir como alguém destinado á legitimação do Sistema
eclesiástico, onde desenvolverá um papel burocrático, intra-
sistêmico. Sua definição biográfica faz-se a partir de sua vocação
para, de seu chamamento a dedicar-se ao povo de Deus. A própria
fidelidade da Igreja só se pode entender ã luz de seu compromisso
com a missão evangelizadora, que recebera de Cristo. E Cristo
mesmo auto-compreende-se em relação a nossa salvação. O Credo
exprime tal perspectiva, ao dizer que o Verbo se encarnou "por causa
de nós homens e por causa de nossa salvação". O mesmo se deve
dizer de todo ensino da Teologia. Isto, se tornará exigência quando o
mundo leigo, mais próximo aos problemas do mundo, se fizer mais
51

a b u n d a n t e m e n t e p r e s e n t e , d e u m l a d o , e o s c l é r i g o s s e n t i r e m - s e eles
m e s m o s mais l i g a d o s a o s h o m e n s , a o s s e u s p r o b l e m a s e c o m p r o m e -
t i d o s a p r e p a r a r e m - s e p a r a s e r u m a p r e s e n ç a e v a n g é l i c a e m tal m e i o .

Neste sentido, levanta-se o p r o b l e m a d a c o n v e n i ê n c i a o u n ã o


d e q u e o s s e m i n a r i s t a s v i v a m e m l u g a r e s q u e f a v o r e ç a m tal i n s e r ç ã o
e proximidade c o m o povo. Ultimamente, t e m surgido entre muitos
grupos de estudantes clericais este desejo, recebendo, e m geral,
pouca compreensão de seus superiores. Cabem, aqui, algumas
reflexões s o b r e tal a s s u n t o .

Primeiro. S e n ã o s e t o r n a a b s o l u t a m e n t e n e c e s s á r i o , p e l o m e n o s é
altamente importante, q u e os alunos d e Teologia t e n h a m tido algu-
mas e x p e r i ê n c i a s " p o p u l a r e s " . I s t o q u e r d i z e r q u e a n t e s d e v i r e m
para a T e o l o g i a , d e v e r i a m t e r t i d o a o p o r t u n i d a d e d e t e r v i v i d o j u n t o
ao p o v o m a i s s i m p l e s , p o b r e , s e j a d o c a m p o , c o m o d a s p e r i f e r i a s
urbanas o u aglomerados populares. S o m e n t e ao longo de um t e m p o
d e c o n v i v ê n c i a q u e s e c o n s e g u e m c a p t a r o s p r o b l e m a s . Visitas
esporádicas e m finais d e s e m a n a o u férias c o m v i a g e n s pelas regiões
p o b r e s . . d p país p a r e c e m n ã o s e r s u f i c i e n t e s p a r a u m a v e r d a d e i r a
experiência popular n o sentido d e q u e falamos aqui. O objetivo d e tal
experiência é sensibilizar o aluno para t o d a u m a problemática, q u e
sua classe d e o r i g e m e s u a vida n o seminário n ã o possibilitam
p e r c e b e r . P a r a isso, é n e c e s s á r i o u m c e r t o t e m p o , s o m e n t e o n d e , n o
continuado contacto, os interesses e problemas v ê m à tona. Esta
experiência d i u t u r n a p o d e criar no j o v e m seminarista u m vínculo
afetivo e c o g n i t i v o c o m o s e t o r p o p u l a r , q u e l h e s e r v i r á d u r a n t e a
Teologia de prisma d e seleção e c o m b i n a ç ã o d e conhecimentos.
Pode dar-lhe t a m b é m u m a consciência nova e diferente d o s proble-
mas d a v i d a .

Segundo. S e s e c o n s e g u i s s e , s e r i a m e l h o r a i n d a q u e d u r a n t e o s
estudos teológicos o seminarista continuasse e mantivesse um
contacto c o m essas c a m a d a s populares. S u p o n d o a experiência
anterior, t a l v e z b a s t a s s e p a r a m a n t e r a c o n s c i ê n c i a a c e s a u m
c o n t a c t o , a g o r a , r e d u z i d o a o s f i n s d e s e m a n a e férias. S e r i a u m
verdadeiro teste para a s u a Teologia, seja q u e s t i o n a n d o a seleção
dos temas q u e os professores fazem, seja t e n t a n d o e n c o n t r a r u m a
maneira d e tratá-los de forma mais a d e q u a d a à mentalidade d e nosso
povo.

Terceiro. Talvez p u d é s s e m o s ir p e n s a n d o e m u m a s i t u a ç ã o mais i d e a l ,


embora agora longínqua, em q u e professores e alunos fizessem
juntos experiências populares, ou mesmo vivessem em condições
mais p r ó x i m a s d o p o v o , n u m p r o c e s s o c o n t í n u o d e r e f l e x ã o e r e v i s ã o
52

d e tais e x p e r i ê n c i a s . S o m e n t e a s s i m a T e o l o g i a iria a d q u i r i n d o u m
c o l o r i d o mais l o c a l , e n c a r n a d o , n a s e l e ç ã o d o s t e m a s e n a m a n e i r a d e
abordá-los. Talvez s e p u d e s s e m n o início p r o m o v e r algumas expe-
riências a n t e r i o r m e n t e planejadas d e n t r o d e limites modestos, e m q u e
professores e alunos, depois d e u m período j u n t o s e m algum setor
p o p u l a r , t e n t a s s e m e l a b o r á - l a s e m nível t e o l ó g i c o . É c o n h e c i d a a
e x p e r i ê n c i a q u e o P. J . C o m b l i n a c o m p a n h o u n a s p r o x i m i d a d e s d e
Recife de um estudo d e Teologia b e m próximo aos problemas do
h o m e m simples daquela região. (26)

Quarto. A c h o q u e q u a l q u e r m u d a n ç a m a i s r a d i c a l n a " t e o l o g i a
s e m i n a r í s t i c a " , m o d i f i c a n d o - l h e o e n f o q u e e a p r o b l e m á t i c a , n ã o virá
d o s p r o f e s s o r e s . E m v ã o p o d e r ã o o s a l u n o s f i c a r e s p e r a n d o q u e nós,
os p r o f e s s o r e s , t r a n s m i t i r e m o s e m e n s i n o d e T e o l o g i a mais p r ó x i m o
d a p r o b l e m á t i c a popular, s e eles não n o s fizerem sentir suas
e x i g ê n c i a s . A " m u d a n ç a d e l u g a r " d o s s e m i n a r i s t a s é mais d e c i s i v a
p a r a a m u d a n ç a d a T e o l o g i a q u e a d o s p r o f e s s o r e s . S e r ã o eles, q u e ,
percebendo e sentindo os questionamentos oriundos de s u a expe-
riência popular, forçarão os professores a modificar suas perspecti-
vas, l e v a n t a n d o - l h e s s u s p e i t a s , s u s c i t a n d o p e r g u n t a s r a d i c a i s . Elas
não poderão ser respondidas c o m os velhos jargões teológicos e
obrigarão os professores a repensarem a sua Teologia. Neste sentido,
pesa sobre os alunos enorme responsabilidade na transformação do
ensino da Teologia. Terão q u e fazer u m a verdadeira auto-crítica de
s e u l u g a r s e m i n a r í s t i c o , n o s e u a s p e c t o c o n s e r v a d o r e intra-
s i s t ê m i c o . P a r e c e - m e q u e eles d e m i t i r i a m d e s e u p a p e l h i s t ó r i c o e
responsável, se ficassem à espera d e q u e outros, os professores e
b u r o c r a t a s a c a d ê m i c o s , r e a l i z a s s e m r e f o r m a s r a d i c a i s . A i d a d e mais
j o v e m c o m m a i o r p o s s i b i l i d a d e d e c a p t a ç ã o d e p r o b l e m a s fá-los mais
a p t o s p a r a p r o v o c a r m u d a n ç a s . S ó a n o v i d a d e m o d i f i c a . E o s mais
" n o v o s " deveriam perceber melhor a " n o v i d a d e " .

Quinto. N o c a s o e m q u e o s p r o f e s s o r e s f o s s e m a q u e l e s q u e , p o r u m a
c o n j u n t u r a e s p e c i a l , t e n t a s s e m realizar u m e n s i n o mais l i g a d o à
p r o b l e m á t i c a p o p u l a r e o s a l u n o s e s t i v e s s e m a l h e i o s a tal e x p e r i ê n -
cia, a c o n t e c e r i a u m diálogo d e surdos. A l g o d e s a n i m a d o r para
q u a l q u e r p r o f e s s o r e t u d o a c a b a c o m o a n t e s . N ã o d e i x a d e ser
desolador a constatação de q u e em diversos lugares estamos
assistindo ao f e n ô m e n o de jovens acomodados, reacionários m e t m o ,
impedirem qualquer movimento d e renovação. O fenômeno Lefèbvre
c o m seminários conservadores, ainda q u e não na s u a forma hetero-
doxa, t e m e n c o n t r a d o entre nós alguns ecos preocupantes.
Transformam-se em rêmoras do processo d e superação da teologia
s e m i n a r í s t i c a , t e n t a n d o c o n s e r v á - l a f e c h a d a a o s reais p r o b l e m a s d o
atual m o m e n t o e m q u e vivemos.
53

F i n a l m e n t e , a s u p e r a ç ã o d a T e o l o g i a s e m i n a r í s t i c a p o d e r i a ser
favorecida por uma maior participação dos alunos na vida da nação,
seja d e n t r o d o s c a n a i s j á e x i s t e n t e s , a i n d a q u e p o u c o s , seja c r i a n d o
outros. Faz-se mister q u e os e s t u d a n t e s criem meios de participarem
d a v i d a d o país. Isto o s l e v a r á a s e n t i r e m - s e p e r t e n c e n t e s ao p r o c e s s o
histórico da nação. Seus estudos não se desligam da realidade social
p r e s e n t e . P o r isso, t e m n e c e s s i d a d e d e c r i a r v e r d a d e i r o a p a r e l h o d e
c o n v e r s a q u e o s m a n t e n h a s o b e r a n o s e n ã o f e c h a d o s ao p e q u e n o
universo cultural seminarístico. Não p o d e r á faltar no seu a m b i e n t e
cultural nem a leitura de literatura crítico-social nem a possibilidade
de discussões inteligentes s o b r e a nossa realidade global. S o m e n t e
assim p o d e r ã o m a n t e r a c e s a s s u a s c o n s c i ê n c i a s c r í t i c a s e i n t e r e s s a -
das p o r u m a r e a l i d a d e m a i s a f h p l a q u e a p r o b l e m á t i c a s e m i n a r í s t i c a e
acadêmica.

Teologia clerical.

No parágrafo anterior víamos mais a tarefa d o s alunos na


modificação e superação de uma Teologia seminarística. Neste
d e d i c a r e m o s ao p a p e l d o p r o f e s s o r , a f i m d e q u e s u a T e o l o g i a n ã o s e
r e s t r i n j a ao â m b i t o f e c h a d o d o m u n d o c l e r i c a l . I m p õ e - s e p a r a isso,
l o g o d e início, u m a a b e r t u r a d o s p r o f e s s o r e s p a r a u m d i á l o g o
i n t e r d i s c i p l i n a r , m á x i m e c o m as C i ê n c i a s d o S o c i a l (27). M e s m o q u e
nesse e m p r e e n d i m e n t o haja u m a certa nostalgia do d i s c u r s o unitário
m e d i e v a l , i m p o s s í v e l d e ser r e c o n s t r u í d o , c o n t u d o p o d e ser e n r i q u e -
cedor na m e d i d a e m q u e p r o b l e m a s , p r o d u t o s t e ó r i c o s de u m a s
ciências são r e t o m a d o s por outras. A T e o l o g i a é antes de t u d o uma
instância à s e g u n d a potência. R e t o m a d a d o s das Ciências humanas,
das c i ê n c i a s n a t u r a i s , e r e e l a b o r a - o s e m s e u nível p r ó p r i o . A p r o p r i a -
os c o m s e u m o d o p e c u l i a r d e m e d i a t i z a r o s d a d o s a s s u m i d o s . N o
diálogo interdisciplinar haverá, sem dúvida, um e n r i q u e c i m e n t o da
T e o l o g i a , m a s t a m b é m ela e x e r c e r á u m p a p e l p o s i t i v o c o m s u a
contribuição específica sobretudo no plano da crítica a todo abuso
dos respectivos interesses epistemológicos das demais ciências, em
nome do interesse e p i s t e m o l ó g i c o t r a n s c e n d e n t e , q u e lhe é próprio.
Pesa-lhe a ameaça de ficar ligada a interesses clericais, dominativos,
e assim perder sua característica de " i n t e r e s s e e m a n c i p a t ó r i o " , no
sentido d e q u e s u a tarefa é pensar a fé q u e salva. (28).
Impõe-se nesse processo de superação do caráter clerical da
Teologia um zelo pela liberdade a c a d ê m i c a d o c o r p o professoral, d e
m o d o que interesses alheios à Teologia não t e r m i n e m por impor-se,
seja a t r a v é s d e u m a a u t o - c e n s u r a d o s p r o f e s s o r e s , c o m o a t r a v é s d e
um c o n t r o l e i n s t i t u c i o n a l . P a r a q u e haja tal l i b e r d a d e , f a z - s e m i s t e r
q u e se c r i e c l i m a p a r a isso. L i b e r d a d e n ã o é p l a n t a q u e n a s c e e m
54

q u a l q u e r l u g a r . P r e c i s a ser c u l t i v a d a , s o b r e t u d o n u m a s o c i e d a d e
a l t a m e n t e c o e r c i t i v a c o m o a e m q u e v i v e m o s . O p r o f e s s o r d e v e ser
amigo d a Instituição o n d e leciona, mas mais amigo ainda da verdade.
P o d e m o s ainda acrescentar, q u e mais amigo ainda do povo em
f u n ç ã o d o q u a l o s e u e m p e n h o p e l a v e r d a d e a d q u i r e s e n t i d o . Isto
supõe que se torna importante para o professor maior consciência do
lugar social da A m é r i c a Latina. A T e o l o g i a clerical, em geral, sente-se
mais l i g a d a a o l u g a r r o m a n o o u e u r o p e u , q u e ao l u g a r l a t i n o -
a m e r i c a n o . V o l t a n d o - n o s mais p a r a o n o s s o c o n t e x t o s o c i a l , p o d e r e -
mos desclericalizar a Teologia. Neste sentido, a abertura dos profes-
s o r e s p a r a a p r o b l e m á t i c a d a n a ç ã o , n o m o m e n t o e m q u e s e vive, e
p a r a a Igreja local, p o d e tornar-se fator decisivo. Isto significará maior
participação deles no nascer de m o v i m e n t o s e reflexões novas de
n o s s a Igreja. Não d e i x o u d e ser a u s p i c i o s o q u e o s d o i s e n c o n t r o s
I n t e r - e c l e s i a i s d e C o m u n i d a d e d e B a s e , o n d e as b a s e s s e f i z e r a m
r e p r e s e n t a r d e m a n e i r a a m p l a e a h i e r a r q u i a e s t a v a p r e s e n t e na
p e s s o a de vários bispos, fossem a c o m p a n h a d o s por séria reflexão
t e o l ó g i c a . (29) O m e s m o p o d e - s e d i z e r d a p r e s e n ç a d e t e ó l o g o s em
t e m a s c á l i d o s d e n o s s a a t u a l r e a l i d a d e , c o m o o p r o b l e m a d a terra,
r e l i g i o s i d a d e p o p u l a r , etc... (30).
A t e o l o g i a c l e r i c a l e r a p r a t i c a d a n a s u a q u a s e t o t a l i d a d e por
pessoas do clero e em função da f o r m a ç ã o de clérigos. Acontece,
entretanto, q u e muitos d o s que, por diversas razões, deixaram o
e x e r c í c i o m i n i s t e r i a l , a c a b a r a m p o r a b a n d o n a r t a m b é m s e u mister
t e o l ó g i c o . C o m isso, a t a r e f a t e o l ó g i c a s e e m p o b r e c e u . I m p õ e m - s e
neste setor duas mudanças. Uma d e c u n h o institucional, no sentido
de q u e se criem clima psicológico e c o n d i ç õ e s acadêmicas para o
exercício do magistério teológico d o s ex-clérigos. Outra mais profun-
da, que t o c a a própria intencionalidade do ensino da Teologia.
Colocar c o m o ponto central d o ensino, não o preparar o aluno para a
f u n ç ã o c l e r i c a l , m a s p a r a ser " c r i s t ã o " c o m c a p a c i d a d e c r í t i c a na
s o c i e d a d e e Igreja e m q u e v i v e m o s , m a r c a d a s p o r e n o r m e p l u r a l i s m o .
Assim o j o v e m estudante de Teologia, seja na sua função
c l e r i c a l , seja c o m o l e i g o , d e f r o n t a r - s e - á c o m p r o b l e m a s t e o l ó g i c o s ,
o r i u n d o s desde o universo cultural mais popular d e influência
a f r i c a n a , a m e r í n d i a , e t r a d i c i o n a l c a t ó l i c a a t é a q u e l e s mais s o f i s t i c a -
dos i n t r o d u z i d o s pelas últimas c o r r e n t e s culturais européias ou
norte-americanas. T o d o esse c o n j u n t o constitui o nosso contexto
cultural, para o qual preparamos os jovens, a fim de que possam
pensar criticamente a fé cristã em t a n t a d i v e r s i d a d e de horizontes.

Teologia acadêmica

P a r e c e q u e s e i m p õ e o f a t o d e q u e a T e o l o g i a d e i x e os r e d u t o s
55

provincianos dos seminários para ocupar uma tribuna aberta


dentro das Universidades. E m n o s s o meio, t e m s i d o u m a c o n q u i s t a d e
data recente. * E m geral, tem-se restringido ao âmbito das Universida-
des c a t ó l i c a s , s a l v o o c a s o d e J u i z d e F o r a , o n d e o D e p a r t a m e n t o d e
Ciências Religiosas t e m sede d e n t r o d a Universidade Federal. Os
e l e m e n t o s n e g a t i v o s q u e tal s i t u a ç ã o a c a d ê m i c a p o d e r i a t r a z e r p a r a a
T e o l o g i a , a f a s t a n d o - a d a v i d a real d a I g r e j a p a r a e n c e r r á - l a d e n t r o d e
uma recinto artificial e elitista das universidades, só p o d e r i a m ser
superados numa ação conjunta entre professores e alunos. O elitismo
acadêmico p o d e r á ser c o n t r a b a l a n ç a d o por u m a maior sensibilidade
por p a r t e d e a l u n o s e p r o f e s s o r e s e m r e l a ç ã o ao p o p u l a r , s e j a a t r a v é s
de e x p e r i ê n c i a s l i g a d a s ao p o v o , c o m o a t r a v é s d e s e l e ç ã o d e l e i t u r a s ,
c a m p o de reflexão, estilo d e escrever, e s c o l h a de temas, o n d e o
elemento popular seja determinante.

A l é m do mais, o a s p e c t o f o r m a l d o " l u g a r d e e n s i n o " , distinto


do " l u g a r s o c i a l " d o f a z e r t e o l o g i a , n ã o p o d e t o r n a r - s e u m a r e a l i d a d e
e m si, c u l t i v a d o p o r ele m e s m o , e s i m d e v e s e r q u e s t i o n a d o c o n t i n u a -
m e n t e p e l o l u g a r s o c i a l . A q u i v a l e m as r e f l e x õ e s q u e f a z í a m o s d a
relação entre os dois lugares, m o s t r a n d o , d e u m lado, a distinção,
mas, d o o u t r o , s u a í n t i m a c o n e x ã o . A s u p e r a ç ã o d o l u g a r a c a d ê m i c o
n ã o se f a r á p e l a b a n a l i z a ç ã o e v u l g a r i z a ç ã o d o e n s i n o , e s i m p e l a
seriedade, c o m q u e os temas reais da s i t u a ç ã o eclesial e p o p u l a r são
elaborados. Nesta tarefa, é importante e d e t e r m i n a n t e a influência do
"lugar social" latino-americano, em que nos situamos. Elaboraremos
mais d e t a l h a d a m e n t e n a t e s e s e g u i n t e , e m q u e c o n s i s t e tal l u g a r .

A Teologia a c a d ê m i c a superará parte de sua limitação na


medida em que não se contentar c o m uma f u n ç ã o sistêmica, para
a s s u m i r v e r d a d e i r a f u n ç ã o c r í t i c a , seja e m r e l a ç ã o ao s i s t e m a
a c a d ê m i c o em geral, seja m e s m o em relação à realidade social (31).
P a r a isso n e c e s s i t a m a n t e r v i n c u l a ç õ e s reais c o m o s p r o b l e m a s v i v o s
d a n a ç ã o e d a Igreja.

N u m a p a l a v r a , a t a r e f a q u e o P a p a J o ã o XXIII p r o p ô s a o
C o n c i l i o V a t i c a n o II d e ser p a s t o r a l e e c u m ê n i c o , v a l e a q u i p a r a o
ensino da Teologia.

Pastoral quer significar p r o x i m i d a d e c o m a c o n s c i ê n c i a viva


d a s c o m u n i d a d e s e c l e s i a i s s o b r e t u d o as m a i s p o p u l a r e s . E c u m ê n i c o
vem a exprimir o aspecto de diálogo da Teologia c o m o universo
c u l t u r a l a l h e i o ao p u r a m e n t e e c l e s i a l . A p r e o c u p a ç ã o p a s t o r a l e
e c u m ê n i c a faz a T e o l o g i a a c a d ê m i c a d e b o r d a r d e s e u s limites
clericais (ecumênico) e institucionais (pastoral), l a n ç a n d o c o n e x õ e s
c o m as b a s e s e c o m o s q u e s t i o n a m e n t o s d e u m a c u l t u r a e s i t u a ç ã o
p o u c o eclesiais e eclesiásticas.
56

3- tese: A nossa Teologia deve superar o lugar teológico europeu e


situar-se no lugar latino-americano.

Nossa atenção volta-se nesta tese à p r o d u ç ã o teológica no


c o n t e x t o latino-americano, p r o c u r a n d o elucidar-lhe o método, os
c o n d i c i o n a m e n t o s , as r e l a ç õ e s c o m o u t r o s l u g a r e s s o b r e t u d o o
centro-europeu e o romano. O termo "superar" naturalmente tem
a q u i u m s i g n i f i c a d o d i a l é t i c o , s e g u n d o o q u a l a T e o l o g i a latino-
americana se c o m p r e e n d e c o m o u m m o m e n t o q u e se opõe, q u e nega
a européia de um lado, e d o u t r o r e c u p e r a dela elementos para sua
síntese própria e nova. M e s m o q u e naigum m o m e n t o o elemento
a n t i t é t i c o seja a c e n t u a d o , c a m i n h a - s e s e m p r e p a r a a l c a n ç a r u m a
s í n t e s e q u e n ã o p e r c a as r i q u e z a s d o s m o m e n t o s a n t e r i o r e s . U m a
p u r a e s i m p l e s n e g a ç ã o d a T e o l o g i a e u r o p é i a é t ã o i n f a n t i l e irreal,
q u e n ã o tem sentido, já q u e a c u l t u r a não se faz de saltos criativos do
n a d a p a r a o ser, m a s d e s í n t e s e s d i a l é t i c a s d e m o m e n t o s h i s t ó r i c o -
culturais anteriores c o m a novidade d e elementos presentes. Nada
impede entretanto q u e na formulação de uma síntese nova, apareçam
antes os elementos negativos e antitéticos em relação ao momento
a n t e r i o r , q u e o p o s i t i v o d a n o v i d a d e . T a l v e z seja e s t a u m a e s t r u t u r a
de nosso pensar histórico. Em t o d o caso, fique-nos claro que
tentaremos descrever o lugar latino-americano dentro desse proces-
s o d i a l é t i c o , c o n s c i e n t e s d e q u e e l e s ó é p o s s í v e l p o r q u e existiu antes
o l u g a r e u r o p e u e q u e e s t e c o n t i n u a e x e r c e n d o s o b r e ele a f o r ç a
antitética provocativa, alimentando-o c o m sua rica tradição.

1. Descrição do lugar europeu

A T e o l o g i a e u r o p é i a q u e r r e s p o n d e r f u n d a m e n t a l m e n t e a uma
pergunta básica: c o m o um " h o m e m m o d e r n o " e " p ó s - m o d e r n o "
pode h o n e s t a m e n t e crer? T e m a fé cristã credibilidade diante de uma
r a z ã o i n t e l e c t u a l m e n t e h o n e s t a , s e m p r e c i s a r n e g a r - s e c o m o razão
p a r a c r e r ? H o n e s t i d a d e i n t e l e c t u a l e f é c r i s t ã (32), n ã o é s o m e n t e o
título d e u m a r t i g o d o g r a n d e t e ó l o g o a l e m ã o K. R a h n e r , mas um
programa teológico.
Isto s i g n i f i c a q u e o m u n d o m o d e r n o l e v a n t o u u m a série d e
p r o b l e m a s g r a v e s e m r e l a ç ã o ás v e r d a d e s d a fé e a s e u s i g n i f i c a d o ,
q u e a m e a ç a r a m a h o n e s t i d a d e d a r a z ã o n o e x e r c í c i o d a fé. T r a t a - s e
de um duplo desafio, q u e a Teologia européia tenta c o m gigantesco e
maravilhoso esforço responder.

Primeiro desafio: c o m o libertar a fé d e t o d o d o g m a t i s m o , a u t o r i d a d e


57

a r b i t r á r i a , s e c t a r i s m o a u t o r i t á r i o a f i m d e ser p l a u s í v e l p a r a u m a
" r a z ã o m o d e r n a , a u t ô n o m a , e s c l a r e c i d a " ? A fé c a t ó l i c a a p a r e c i a
c o m o u m d e p ó s i t o d e v e r d a d e s c r i s t a l i z a d a s , q u e t o d o fiel d e v i a
a c e i t a r i n c o n d i c i o n a l m e n t e , d e tal m o d o q u e s u a r e j e i ç ã o s i g n i f i c a r i a
a exclusão da p r ó p r i a Igreja. A rigidez d o g m á t i c a s o a v a f r i a m e n t e
intransigente em fórmulas em q u e se anatematizava t o d o aquele q u e
" d i s s e s s e q u e p o d e a c o n t e c e r q u e se p o s s a a t r i b u i r o u t r o s e n t i d o a o s
d o g m a s p r o p o s t o s pela Igreja, por c a u s a do p r o g r e s s o da ciência,
d i f e r e n t e d a q u e l e q u e a I g r e j a e n t e n d e u e e n t e n d e " (33). O c l á s s i c o
juramento anti-modernista exigia a q u e se aceitasse s i n c e r a m e n t e a
doutrina de fé r e c e b i d a d o s a p ó s t o l o s e t r a n s m i t i d a até nós pelos SS.
Padres, c o m o m e s m o sentido e s e m p r e na m e s m a s e n t e n ç a , e q u e ,
portanto, se rejeitasse a invenção herética da evolução dos dogmas,
que passa de u m sentido p a r a o u t r o diferente daquele q u e a Igreja
a n t e s t e v e (34).

D o u t r o l a d o , o p r o g r e s s o d a s c i ê n c i a s , as d e s c o b e r t a s h i s t ó r i -
cas, a p e r c e p ç ã o d a r e l a t i v i d a d e d e m u i t o s v a l o r e s , a c o n s c i ê n c i a
histórica ameaçavam violentamente a estaticidade das afirmações
dogmáticas. Esta c o n s c i ê n c i a histórica torna-se provavelmente, a
r e v o l u ç ã o mais i m p o r t a n t e q u e s o f r e m o s d e s d e o a p a r e c i m e n t o d a
era m o d e r n a . Caracteriza o h o m e m c o n t e m p o r â n e o s e n d o - l h e u m
p r i v i l é g i o e u m f a r d o . É d a d o a e s t e h o m e m m o d e r n o ter u m a
consciência da historicidade de t o d o presente e da relatividade de
t o d a s as o p i n i õ e s . A c o n t e c e v e r d a d e i r a r e v o l u ç ã o e s p i r i t u a l , s o b r e t u -
d o p a r a o s c a t ó l i c o s , a c o s t u m a d o s à f i x i d e z d o g m á t i c a (35). D i a n t e
desta consciência perplexa, os t e ó l o g o s m o d e r n o s tentaram libertá-la
d o p e s o d e tal v i s ã o e s t á t i c a . O s d o i s g r a n d e s a d v e r s á r i o s : o e r r o e o
mito. A s d u a s g r a n d e s a r m a s : a r a z ã o e a h i s t ó r i a . V e j a m o s c o m o se
d e u a luta.

A razão travou a luta c o n t r a o erro, p r o c u r a n d o recuperar uma


intelecção das verdades de fé em c o m p a t i b i l i d a d e c o m os d a d o s da
c i ê n c i a . N e m s e m p r e foi f á c i l . D e s d e o s i d o s g a l i l e a n o s a t é o s
esforços teilhardianos, vivemos m o m e n t o s difíceis. As ciências pare-
c i a m ir d e m o l i n d o u m a c o n s t r u ç ã o d o g m á t i c a a n t i g a , c l a r a , a t é e n t ã o
s e g u r a d e si. A i n t e l i g ê n c i a t e o l ó g i c a c o n s u m i u e n e r g i a s n e s t a t a r e f a .
É inegável o m e r e c i m e n t o d a Teologia européia n a labuta d e mostrar
c o m o dentro do q u a d r o novo, delineado pelas d e s c o b e r t a s científi-
cas, c o n t i n u a v a i n t a c t o o l u g a r d a f é . A c r i a ç ã o d o h o m e m , i m e d i a t a -
m e n t e p o r D e u s , p o d i a ser c o m p r e e n d i d a d e n t r o d e u m h o r i z o n t e
evolucionista. O pecado original é compatível c o m a posição polige-
nista, c a d a vez m a i s a c e i t o n o m u n d o c i e n t í f i c o . F o r a m - s e s u c e d e n d o
novas tentativas de c o m p r e e n s ã o d o d o g m a , em q u e o seu n ú c l e o era
conservado, repensado, dentro de outro q u a d r o cultural.
58

A h i s t ó r i a f o i i l u m i n a n d o as d i v e r s a s e d i f e r e n t e s m a n e i r a s d e
e s c r e v e r , falar d o s h o m e n s . P r o g r e d i u - s e m u i t o n a c o m p r e e n s ã o d e
t e x t o s a n t i g o s . E l a b o r a r a m - s e t e o r i a s d e i n t e r p r e t a ç ã o literária, q u e ,
após u m momento d e hesitação, foram aplicadas aos próprios textos
bíblicos, libertando-se d e falsas c o m p r e e n s õ e s . Desenvolve-se u m
processo de "desmitologização", s o b o impulso d o movimento
d e s e n c a d e a d o p o r R. B u l t m a n n . A h i s t ó r i a e n t r e e m l u t a c o n t r a o
mito.
A preocupação principal restringiu-se naturalmente ao campo
da ortodoxia, p r o c u r a n d o através d e especializadas pesquisas e
reflexões h i s t ó r i c o - d o g m á t i c a s reter as v e r d a d e s d e fé em c o n s o n â n -
cia c o m o s d a d o s d a razão, d a ciência, d a história. Esforço d e
interpretação d a tradição eclesial para a c u l t u r a m o d e r n a centro-
européia, m a r c a d a f u n d a m e n t a l m e n t e pela cientificização. D e fato, a
ciência representa o fator decisivo, a g r a n d e z a verdadeiramente
d e t e r m i n a n t e d e n o s s a é p o c a (36). U m a f é q u e n ã o p u d e s s e s e r
pensada p o r uma cultura técnico-científica não teria n e n h u m a c h a n -
ce histórica. E a Teologia européia quis garantir à fé católica,
enquanto pensamento, uma cidadania no mundo moderno.

Segundo desafio: c o m o l i b e r t a r a f é c a t ó l i c a d a f a l t a d e s i g n i f i c a d o , d e
sentido, para u m h o m e m ciente e consciente d a descoberta de sua
s u b j e t i v i d a d e ? C o m o falar a u m h o m e m , p a r a q u e m a d i m e n s ã o
e x i s t e n c i a l s e t o r n o u f u n d a m e n t a l , v e r d a d e s o b j e t i v a s ? C o m o repetir
um jogo d e linguagem eclesiástico-dogmático alheio às experiências
humanas do homem moderno?
Não se trata neste s e g u n d o desafio d e responder a problemas
de natureza mais intelectual, q u e as d e s c o b e r t a s científicas e históri-
c a s p r o v o c a r a m . N ã o s e i n t e r e s s a p e l a v e r d a d e o b j e t i v a e m c r i s e por
c a u s a d a s c e r t e z a s c i e n t í f i c a s . M e s m o q u e s e c o n s i g a p r o v a r q u e tal
d o g m a é c o m p a t í v e l c o m o p e n s a m e n t o m o d e r n o , p e r g u n t a - s e pelo
s e u s i g n i f i c a d o e x i s t e n c i a l , s e u s e n t i d o p a r a a n o s s a v i d a real,
c o n c r e t a . T e m o s u m a f é a m e a ç a d a p e l a f a l t a d e s e n t i d o , e n ã o mais
pelo erro o u mito. O s e u sentido o b s c u r e c e r a - s e , a o tornar-se seu
j o g o lingüístico alheio a o m u n d o experiencial d o h o m e m moderno.
E m t e r m o s i m p l e s , p o d í a m o s d i z e r q u e o h o m e m m o d e r n o s e n t e se
i n s e n s í v e l , frio, i n t o c a d o p o r m u i t a s v e r d a d e s d e f é , s e m levantar a
m í n i m a o b j e ç ã o c o n t r a s u a o b j e t i v i d a d e (37).

A Teologia européia assume esta nova tarefa: recuperar o


s i g n i f i c a d o d a fé. M e r g u l h a - s e n o o c e a n o d a h e r m e n ê u t i c a m o d e r n a .
Tenta expressar a fé e m categorias q u e falem à nova experi j n c i a do
h o m e m , s o b r e t u d o d o a p ó s - g u e r r a . P a r a i s s o , v a i t r a b a l h a r c o m as
f i l o s o f i a s mais e m v o g a n o m o m e n t o . F r e q ü e n t a a s f i l o s o f i a s d a
e x i s t ê n c i a , a f e n o m e n o l o g i a , o p e n s a m e n t o d i a l é t i c o . E passeia
59

m e s m o pelo e s p a ç o marxista, até então c o n s i d e r a d o u m t a b u para o


pensamento cristão. Naturalmente o existencialismo emprestou c o m
generosidade suas categorias para uma verdadeira renovação teoló-
g i c a , c o m a m p l a s r e p e r c u r s õ e s p a s t o r a i s . O e s t r u t u r a l i s m o e as
filosofias d a l i n g u a g e m t e m tido e n o r m e i n f l u ê n c i a nos e s c r i t o s
teológicos mais recentes. Q u e r e m redimir a T e o l o g i a da p e c h a de
usar u m a l i n g u a g e m " i n - s e n s a t a " , i n e x p r e s s í v e l , i n c o m p r e e n s í v e l
para o h o m e m atual. E n o r m e e s f o r ç o h e r m e n ê u t i c o de r e c u p e r a ç ã o
d e s e n t i d o p a r a u m s u j e i t o , q u e s e s e n t i a a l h e i o ao u n i v e r s o e x p r e s s o
pelas v e r d a d e s d o g m á t i c a s . N u m a l i n h a d e o b r a c o m p l e x i v a , o N o v o
C a t e c i s m o h o l a n d ê s s i g n i f i c o u u m e x e m p l o b r i l h a n t e d e tal t a r e f a .
Tenta reinterpretar t o d o o c o n j u n t o das v e r d a d e s f u n d a m e n t a i s da fé
católica dentro de um horizonte captável por u m europeu médio e
culto.
Ainda que sob um prisma diferente d o primeiro desafio,
contudo permaneceu-se dentro do mesmo campo da ortodoxia.
Estava em questão a " r e t a d o u t r i n a " . Válido o u d e t u r p a d o era o
trabalho teológico, na medida em que na sua reinterpretação conse-
guia ou não p e r m a n e c e r d e n t r o d a ortodoxia. Clássico foi o p r o b l e m a
da " t r a n s u b s t a n c i a ç ã o " , em q u e t e ó l o g o s h o l a n d e s e s q u i s e r a m
f o r m u l á - l o c o m as c a t e g o r i a s " t r a n s i g n i f i c a ç ã o " , " t r a n s f i n a l i z a ç ã o " ,
extraídas de o u t r o c o n t e x t o filosófico não t o m i s t a n e m substancialista
(38). O u t r o e x e m p l o , q u a s e e x t r e m o , foi o p r o g r a m a d o s " t e ó l o g o s
r a d i c a i s " , q u e q u i s e r a m reler n u m h o r i z o n t e s e c u l a r i s t a o s t e m a s
c e n t r a i s d a r e v e l a ç ã o (39).

Resumindo, p o d e m o s d i z e r q u e a c a r a c t e r í s t i c a f u n d a m e n t a l d a
Teologia européia é a ortodoxia, não no sentido rígido tradicional.
Pelo c o n t r á r i o , q u i s s a l v á - l a d e s s a p e c h a a t r a v é s d e u m g i g a n t e s c o
trabalho de reinterpretação do d o g m a , recuperando-lhe uma c o m p a -
t i b i l i d a d e c o m as v e r d a d e s c i e n t í f i c a s e u m n o v o s i g n i f i c a d o e m
relação à experiência d o h o m e m atual, em luta c o n t r a o d o g m a t i s m o ,
autoritarismo, falta d e significação. A T e o l o g i a européia é verdadeira
história da teoria. M e s m o q u a n d o a b o r d a o t e m a d a práxis, fá-lo
teoricamente. A relação entre teoria e práxis na Teologia é vista a
partir d o p e n s a r . P o r isso, t e m o s u m a T e o l o g i a e r u d i t a , r i c a , e x i b i n d o
trabalhos de pesquisa positiva e reflexões especulativas de alto teor.
A c u m u l o u nas últimas d é c a d a s r i q u e z a e n o r m e d e d a d o s , na b u s c a
de s e m p r e novas interpretações das v e r d a d e s d e fé. Parte do
pressuposto de que existe um " d e p ó s i t o de v e r d a d e s " , ou " u m
arsenal de s i g n i f i c a d o s " , q u e t e m o s de transmitir c o m h o n e s t i d a d e
intelectual e c o m acribia hermenêutica. T o c a - n o s interpretar, expli-
car, f a z e r s i g n i f i c a t i v o s o s e l e m e n t o s d a t r a d i ç ã o e c l e s i a l . S o m o s
responsáveis pelo já dado, de m o d o q u e sem u m esforço de releitura
60

p e r d e r e m o s u m a riqueza enorme. Tenta-se, por isso, a criação de


s e m p r e novos " m o d e l o s d e i n t e r p r e t a ç ã o " d o s p r o b l e m a s d a realida-
d e teológica. N u m a palavra, a Teologia européia trava luta aberta
contra os inimigos d a verdade e d a falta d e significado, q u e corroem a
Tradição d o g m á t i c a a ser conservada, criada, vivida eclesialmente
(40).

2. Crítica do lugar europeu a partir de nossa realidade

A crítica faz-se a partir d o tipo d e interesses e desafios, q u e a


T e o l o g i a e u r o p é i a q u i s r e s p o n d e r . S u a g r a n d e z a e s e u s limites v ê m
precisamente destes dois pontos. C o m o vimos n o parágrafo anterior,
o âmbito em q u e se m o v e u a T e o l o g i a européia ficara restrito a
problemas concernentes à verdade e à recuperaçãdo dos significa-
dos da fé para o h o m e m m o d e r n o e u r o p e u . Este p r o c u r a v a na fé um
sentido para a sua vida e esbarrava c o m a s u a intelígibilidade. A s u a
v i d a n o nível b á s i c o s ó c i o - e c o n ô m i c o e r a b a s t a n t e s a t i s f a t ó r i a , e o s
grandes problemas desta natureza a c o n t e c i a m , e m geral, longe de
seus horizontes de experiência. As contradições d o sistema em q u e
vive não se mostram tão claras, pois suas maiores repercussões e
contradições se manifestam alhures. A libertação, q u e o europeu
esperava da Teologia, é i m a n e n t e à própria i n t e l e c ç ã o d a fé, d a n d o -
lhe u m s e n t i d o e explicação c o e r e n t e e plausível p a r a s u a " r a z ã o
iluminada" e para a sua sensibilidade existencial.
Esta Teologia deixa a realidade, nas suas contradições sócio-
político-econômicas, intocável. Não se propõe a responder a seus
d e s a f i o s . P o r isso, p o d e ser c u l t i v a d a s e m q u e a s s u m i s s e n e n h u m a
posição crítica diante das estruturas de opressão da sociedade
moderna. Esta era antes vista c o m o uma a m e a ç a ã verdade e ao
s e n t i d o d a fé. Na m e d i d a e m q u e se c o n s e g u i a c o n t i n u a r c r e n d o
dentro do m u n d o moderno, a Teologia julgava-se satisfeita c o m sua
t a r e f a . N ã o q u e s t i o n a v a a s u a p r á t i c a e m r e l a ç ã o c o m as f o r ç a s
dominantes, geradoras ou m a n t e n e d o r a s das estruturas de injustiça.
Pode desenvolver-se e n o r m e m e n t e , ao lado d e um sistema sócio-
e c o n ô m i c o gerador de tantas injustiças, sem q u e o questionasse.
A libertação q u e trouxe não coloca em questão a realidade
s o c i a l d o s p a í s e s o n d e s e d e s e n v o l v e u . M o s t r o u - s e i n e f i c a z p a r a ler
qualquer processo de transformação revolucionária. Antes, levantou
m e s m o u m a s u s p e i t a c o n t r a ele, p e l a t r e m e n d a a m e a ç a q u e p o d e
t r a z e r p a r a o s e n t i d o d a fé c a t ó l i c a . A e x p e r i ê n c i a h i s t ó r i c a t e m
m o s t r a d o c o m o tais p r o c e s s o s t e m a c o n t e c i d o e m o p o s i ç ã o á fé
c r i s t ã . E u m a r e f l e x ã o m a i s p r o f u n d a n ã o foi l e v a d a a c a b o p a r a
c o m p r e e n d e r o s i g n i f i c a d o d e tal o p o s i ç ã o , s u a s raízes e s t r u t u r a i s e
histórico-conjunturais.
61

P o r ser u m a T e o l o g i a d e m a s i a d a m e n t e v o l t a d a p a r a o p r o b l e -
ma d o " s u j e i t o " , a m e a ç a d o n a s u a f é p e l o p r o g r e s s o d a s c i ê n c i a s e
pela c a r ê n c i a d e s i g n i f i c a d o , e s c a p o u - l h e a d i m e n s ã o s o c i a l n o nível
práxico. E q u a n d o se p r e o c u p a v a por problemas de natureza social
era, a n t e s , n u m a l i n h a d e r e c u p e r a r - l h e s u m s e n t i d o p a r a o c a t ó l i c o , e
não e m p e r s p e c t i v a d e u m a p r á x i s .
Um dos s e u s principais limites situa-se na c o n s i d e r a ç ã o
unilateral i d e a l i s t a d o c o n h e c i m e n t o c o m o l i b e r t a ç ã o . L i b e r t a o
homem do a b s u r d o de uma realidade contraditória, injusta, c a r r e g a d a
de contradições, sem entretanto encaminhar-se na linha da transfor-
mação desta realidade. Deixa-a intacta. Mostra o sentido p r o f u n d o de
l i b e r d a d e q u e s e p o d e viver m a i s p l e n a m e n t e d e n t r o d e u m a p r i s ã o
q u e f o r a d e s u a s g r a d e s , s e m q u e n a d a a c o n t e ç a p a r a q u e as g r a d e s
reais s e j a m a b o l i d a s . P r o f u n d í s s i m a s r e f l e x õ e s s o b r e a r e l a ç ã o e n t r e
liberdade e graça, sem q u e nada se diga s o b r e situações o n d e a
própria liberdade p e r d e sentido, não por falta de significado i m a n e n -
te, mas s i m p l e s m e n t e p e l a i m p o s s i b i l i d a d e h u m a n a d e v i v e r s ó c i o -
economicamente. A violência de uma situação capitalista reduz a
m e r a s p a l a v r a s u m d i s c u r s o q u e e n c o b r e a m i s é r i a real c o m u m a
l i b e r t a ç ã o p a r c i a l d a fé d i a n t e d o e r r o , d o m i t o , d o s e m - s e n t i d o
t e ó r i c o . Pois tal d i s c u r s o t e o l ó g i c o faz p a s s a r a s o l u ç ã o d e u m
p r o b l e m a real ( l i b e r t a ç ã o d a o p r e s s ã o d e c o n d i ç õ e s m a t e r i a i s ) a o
plano ideal ( r e c u p a r a ç ã o de um s e n t i d o para a fé n u m a situação).
No a s p e c t o crítico, a T e o l o g i a européia ficara reduzida seja
simplesmente ao â m b i t o intra-eclesial, seja à s o c i e d a d e m o d e r n a
enquanto esvaziadora de sentido. Recuperando o aspecto positivo da
fé e m r e l a ç ã o a o m u n d o p a r e c i a t e r r e s o l v i d o s e u p r o b l e m a c e n t r a l . E
o m u n d o c o n t i n u a v a nas suas c o n t r a d i ç õ e s violentas, o n d e um
d i s c u r s o p o s i t i v o s o b r e ele p o d e r i a a p a r e c e r a t é u m a i r o n i a .
Pode-se levantar t a m b é m u m a crítica e suspeita ao interesse
d e tal T e o l o g i a . N ã o s e t r a t a t a n t o d o c o n t e ú d o d e s u a s a f i r m a ç e s ,
mas d o u s o q u e s e fez c o m tais e l a b o r a ç õ e s t e ó r i c a s . N u m a
sociedade conflitiva, t o d o discurso q u e a deixa intacta, até m e s m o
distrai a a t e n ç ã o d e s u a s c o n t r a d i ç õ e s , a c a b a e x e r c e n d o u m i n f l u x o
c o n s e r v a d o r . O " u s o d e tal d i s c u r s o " t e r m i n a p o r e n c o b r i r o s
verdadeiros problemas. Numa palavra: é um discurso alienante.

Um exercício de libertação " i d e a l i s t a " , apesar d e sus i n ú m e -


ros e l e m e n t o s p o s i t i v o s p a r a as p e s s o a s e n v o l v i d a s n o r o l o o p r e s s o r
do d o g m a t i s m o , p o d e servir n u m c o n t e x t o global d a s o c i e d a d e a
interesses conservadores. Deixando a realidade intacta contribui para
q u e as p e s s o a s a a s s u m a m c o m m a i o r o t i m i s m o , o n d e t a l v e z s e
devesse exercer uma crítica mais a g u d a e radical. É uma prática
teórica que deixa o Sistema Global intocado, oferecendo na melhor
62

das hipóteses c o n s i d e r a ç õ e s de natureza reformista. Estas são por


princípio confirmadoras d o "status q u o " .
A Teologia européia voltou-se sobretudo para os problemas
do h o m e m , na s u a singularidade, individualidade, c o m o um ser
angustiado diante de tantas ameaças vindas de u m a sociedade em
p r o f u n d a s t r a n s f o r m a ç õ e s . Não se p r e o c u p o u t a n t o pelas estruturas
s ó c i o - e c o n õ m i c a s q u e estão n a origem d e situações de injustiças.
A t e n d e u mais a o s p r o b l e m a s d o h o m e m p e q u e n o - b u r g u è s , s e m
e n f r e n t a r as c o n t r a d i ç õ e s f u n d a m e n t a i s d e t a l s o c i e d a d e g e r a d o r a
deste homem.
N u m a p a l a v r a , a T e o l o g i a e u r o p é i a é m e n o s s e n s í v e l ao l u g a r
s o c i a l d o t e ó l o g o , a o s i n t e r e s s e s q u e s e u d i s c u r s o p o d e r á estar
o b j e t i v a m e n t e s e r v i n d o d o q u e a o " l u g a r e p i s t ê m i c o " . Por isso, a
Teologia se limitou sobretudo a seu papel explicativo e recuperador
de sentido das verdades dogmáticas. Sua repercussão sobre o
sistema social ficava entregue á análise d e s o c i ó l o g o s , c o m o se não
fosse problema dos teólogos. Atribuía-se qualquer resultado que
fosse à manipulações de interessados. Pairava s u p r e m o o interesse
da verdade. Esquece-se entretanto q u e esta v e r d a d e acontece dentro
d e u m a r e a l i d a d e c o n c r e t a e s e faz j u s t i ç a o u i n j u s t i ç a . E isto, a l é m d e
ser u m p r o b l e m a é t i c o , é t a m b é m t e o l ó g i c o . N ã o e x i s t e u m i n t e r e s s e
p u r o pela v e r d a d e c o m o tal, s e m q u e se c o n c r e t i z e d e n t r o do j o g o de
o u t r o s i n t e r e s s e s q u e n ã o p o d e m ser e s q u e c i d o s . R e m e t e m o s a q u i às
considerações anteriores sobre a relação entre os lugares social e
epistêmico.

3. Superação do lugar teológico europeu pela constituição do lugar


latino-americano.

Não há s u p e r a ç ã o s e m c o n h e c i m e n t o d a própria realidade.


N ã o h á s u p e r a ç ã o s e m r e c o n h e c e r a p a r t i r d e o n d e d e v e s e r feita. A
superação do lugar e u r o p e u por nossa Teologia requer necessaria-
m e n t e u m a t o m a d a d e c o n s c i ê n c i a d e s u a r e l a ç ã o e p a r t i r daí t e n t a r
ultrapassagem. Não é através d e u m d e s c o n h e c i m e n t o e rejeição
afetiva q u e se c o n s e g u e relacionar-se criticamente. O desconheci-
m e n t o e o n ã o - r e c o n h e c i m e n t o a p e n a s s e r v e m p a r a q u e as realida-
des c o n t i n u e m agindo, só q u e d e m o d o incontrolável, não conscien-
te. Neste caso muito mais perigoso, pois f i c a f o r a d e nosso alcance
crítico.

O primeiro passo consiste em reconhecer que o nosso lugar teológico


em relação ao europeu é culturalmente dependente, periférico, reflexo. Vale
d a T e o l o g i a , o q u e o P. V a z d i z i a d a I g r e j a l a t i n o - a m e r i c a n a . É u m a
I g r e j a - r e f l e x o e n q u a n t o q u e a I g r e j a e u r o p é i a é I g r e j a - f o n t e (41).
63

Temos uma Teologia-reflexo diante de uma Teologia-fonte. Somos um


l u g a r p e r i f é r i c o d i a n t e d a m e t r ó p o l e e c e n t r o - e u r o p e u , r o m a n o (e
e v e n t u a l m e n t e a m e r i c a n o ) . U m l u g a r p e r i f é r i c o s ó p o d e ser e n t e n d i d o
em relação à metrópole. O primeiro passo s u p õ e um d u p l o m o m e n t o ;
s a b e r - s e u m l u g a r d e p e n d e n t e e, a t r a v é s d e u m a a t i t u d e c r í t i c a
i n t e r n a , t e n t a r u l t r a p a s s á - l o . N ã o s e faz s a l t a n d o , n e g a n d o ,
r e v o l t a n d o - s e c o n t r a ele, n u m a a t i t u d e d e i n c o n s c i ê n c i a . T o d a r u p t u -
ra s e faz p o r d e n t r o .
Isto s i g n i f i c a q u e o t e ó l o g o l a t i n o - a m e r i c a n o d e v e c o n h e c e r a
tradição européia a fim de perceber o alcance de sua d e p e n d ê n c i a .
D e v e s u p e r á - l a , n o s e n t i d o d i a l é t i c o h e g e l i a n o p a s s a n d o p o r ela, m a s
não detendo-se nela. Portanto, seria abdicar da tarefa d o t e ó l o g o
latino-americano o duplo extremo: desconhecimento da Teologia
e u r o p é i a o u s u a m e r a r e p e t i ç ã o . A i g n o r â n c i a vai levá-lo a r e p e t i r s e m
saber q u e o está fazendo, portanto, sem d a d o s críticos necessários
para uma atitude m a d u r a de independência. Repetir conscientemente
o "último grito" europeu, numa atitude snóbica, significa alienação, e
irresponsabilidade histórica. Nossa tarefa é de pensar a vida da
c o m u n i d a d e eclesial d e nosso continente. É diante dela q u e assumi-
mos responsabilidades. Traímos a esta, se lhe i m p i n g i m o s uma série
d e q u e s t õ e s a l h e i a s às s u a s n e c e s s i d a d e s .
Cabe-nos descobrir nossa originalidade teológica em relação
ao l u g a r c e n t r a l , a i n d a q u e s e j a s i m p l e s m e n t e d e m o d o e m b r i o n á r i o e
em contraposição. T o d o m o m e n t o de nascimento s u p õ e ruptura do
c o r d ã o u m b i l i c a l . P o d e ser d o l o r o s o e m e s m o t r a u m a t i z a n t e . F a z - s e
necessário para q u e a nova vida c a m i n h e c o m seus próprios meios.
Não será mais c a r r e g a d a pela mãe, e sim firmará nos seus pés para
a n d a r . A j u d a tal s u p e r a ç ã o u m a p e s q u i s a h i s t ó r i c a c o m o d e f a t o a
Teologia importada foi praticada no B r a s i l . N ã o b a s t a r e p e t i r m o s q u e
s o m o s u m l u g a r p e r i f é r i c o , r e f í e x o . Tais frases poder tornar-se
jargões de c u n h o entreguista ou xenófobo. Fundamental é determinar
c o m o h i s t o r i c a m e n t e tal p r á t i c a d e p e n d e n t e s e c o n c r e t i z o u . Q u a i s o s
v e í c u l o s ? Q u a i s as c a u s a s d e t e r m i n a n t e s ? Q u e f a t o r e s e s t r u t u r a i s e
c o n j u n t u r a i s f a v o r e c e r a m tal d e p e n d ê n c i a ? Q u e i d e o l o g i a p r e s i d i u a
tão longa d o m i n a ç ã o ? da parte de Roma? da parte do centro-
europeu? Q u e c o n s e q ü ê n c i a s t r o u x e p a r a n o s s a T e o l o g i a e Igreja?
N o nível a c a d ê m i c o , c e r t a m e n t e e x e r c e u e n o r m e i n f l u ê n c i a o
"modelo de Teologia da Universidade Gregoriana", onde a maioria
dos professores e t e ó l o g o s latino-americanos até certo t e m p o faziam
seus estudos ou pelo m e n o s sua láurea. A c r e s c e n t e - s e a criação dos
d o i s C o l é g i o s : Pio L a t i n o - a m e r i c a n o e Pio B r a s i l e i r o , e m a i s r e c e n t e -
mente d o Colégio Mexicano. De certo, estes colégios tornaram-se de
certo modo, j u n t a m e n t e c o m o estilo g r e g o r i a n o , um m o d e l o para o s
nossos seminários e currículos de estudo. Em muitos casos, os
64

p r ó p r i o s livros d e texto d a Universidade G r e g o r i a n a eram usados no


Brasil. O sistema d o " c u r s u s m a i o r " ( c u r s o e m o r d e m a o s graus
a c a d ê m i c o s ) , " c u r s u s m i n o r " ( c u r s o s e m direito a o s títulos)
implantou-se n o Brasil d e tal m o d o q u e a maioria (quase totalidade)
dos seminários copiava o " c u r s u s minor" e algumas faculdades se
reservavam o " c u r s u s m a i o r " . Mais. O " c u r s u s m i n o r " não passava
de u m a diluição d o " c u r s u s maior", u s a n d o textos mais resumidos e
menos exigentes. Não s e tratava d e uma perspectiva diferente. Todos
s e c o l o c a v a m n a m e s m a l i n h a a c a d ê m i c a , v a r i a n d o s o m e n t e o nível
d e exigências científicas.
A T e o l o g i a d o Brasil p o d e - s e d i z e r f i l h a d o " c u r s u s m i n o r " n a
s u a m a i o r i a . A m a i o r p a r t e d o s s e u s e s t u d a n t e s f a z i a m tal c u r s o e
m u i t o s professores s e p r e p a r a v a m p a r a c o n t i n u á - l a . Havia um nivela-
m e n t o p o r baixo. Isso fazia c o m q u e o n o s s o lugar c o n t i n u a s s e ainda
mais d e p e n d e n t e . O e n s i n o l i g a d o à l í n g u a l a t i n a s e r v i u t a m b é m p a r a
manter esses elos d e d e p e n d ê n c i a . O s manuais eram escritos na
E u r o p a e u s a d o s n o B r a s i l , s e m u m m í n i m o d e a d a p t a ç ã o . Aliás, a t é
nos orgulhamos d e possuir os mesmos manuais europeus, numa
nítida c o n s c i ê n c i a d e d e p e n d ê n c i a .
Conhecendo o s mecanismos q u e nos retiveram e m dependên-
cia e m relação à m e t r ó p o l e cultural, p o d e m o s obviá-los criando
outros diferentes em vista d e maior autonomia cultural.

E v i d e n t e m e n t e e s t a p r á t i c a t e o l ó g i c a d e p e n d e n t e leva a u m
mal-estar pastoral generalizado. Se n a própria Europa, n o período
das entre-guerras, surgiu e m Innsbruck u m m o v i m e n t o querigmático,
criticando c o m o pastoralmente ineficaz o então sistema escolar
teológico (42), c o m muito maior razão tal ensino s e mostrava
i n a d a p t a d o às nossas c o n d i ç õ e s sócio-culturais. U m a pequisa rigoro-
s a s o b r e a n o s s a p r á t i c a p a s t o r a l n a s ú l t i m a s d é c a d a s viria ajudar
i m e n s a m e n t e a este duplo passo d e u m maior c o n h e c i m e n t o das
causas d e nossa dependência, seus mecanismos geradores e d e uma
c r í t i c a i n t e r n a d e tal p r o c e s s o a f i m d e s u p e r á - l o l ú c i d a e c o n s c i e n t e -
m e n t e . E m tais e s t u d o s n ã o p o d e m f a l t a r a n á l i s e s r e f e r e n t e s a o s
c o n d i c i o n a m e n t o s sócio-político-econõmico-culturais q u e estão A
base d e toda dependência. A teologia é um setor diminuto da imersa
e c o m p l e x a s i t u a ç ã o d e d e p e n d ê n c i a g l o b a l d e n o s s o c o n t i n e n t e , 'or
isso, s o m e n t e d e n t r o d e u m q u a d r o m a i s a m p l o p o d e r e m o s e n t e ider
o caráter reflexo e periférico d e nosso pensar teológico.
Um segundo passo c o n s i s t e e m elaborar positivamente» nossa
originalidade latino-americana. P a r a i s s o , t e r í a m o s q u e c o n h f ; e r m e -
l h o r o s n o s s o s c o n d i c i o n a m e n t o s s ó c i o - p o l í t i c o - e c o n õ m i f ; JS, ecle-
siais, c u l t u r a i s c o m s u a s c o n s e q ü ê n c i a s p a r a a p r á t i c a t e o i i g i c a . N ã o
é possível u m a originalidade d a prática t e o l ó g i c a c o m o e s c o n h e c i -
65

mento d o s atuais c o n d i c i o n a m e n t o s q u e a d e t e r m i n a m , limitam,


desafiam. A determinação desses c o n d i c i o n a m e n t o s nos dará u m
quadro d e qual seja realmente o n o s s o lugar latino-americano,
brasileiro. N e s t a r e f l e x ã o , p r o c u r a r e m o s d e s c e r a e l e m e n t o s q u e n o s
dizem respeito e n q u a n t o Brasil, outros, p o r é m , serão c o m u n s ao
continente.

Condicionamento sócio-político-econômicos
Naturalmente não se trata aqui de descrever e analisar os
atuais c o n d i c i o n a m e n t o s s ó c i o - p o l í t i c o - e c o n ô m i c o s . Chamaremos
atenção, em forma extremamente concisa, para alguns pontos q u e
merecem nossa consideração em relação ã nossa prática teológica.
Vivemos n u m sistema neo-capitalista de periferia, c o n c e n t r a d o r ,
dependente e associado, c o m t u d o q u e isto significa d e c o n s e q ü ê n -
cias. O s i s t e m a p o l í t i c o b u r o c r á t i c o - a u t o r i t á r i o r e s t r i n g e a l t a m e n t e o s
c a n a i s d e p a r t i c i p a ç ã o , s e j a n o nível d e d e l i b e r a ç ã o c o m o n o nível d e
decisão. Sistema, portanto, p r o f u n d a m e n t e excludente. (43). C a d a
vez m a i s , o s t e ó l o g o s d e v e r ã o c o n h e c e r o s m o d e l o s e c o n ô m i c o e
p o l í t i c o , q u e d e t e r m i n a m t o d a a v i d a d o país, e q u e d e v e m s e r l e v a d o s
em c o n s i d e r a ç ã o n u m a e l a b o r a ç ã o t e o l ó g i c a . A C R B - N a c i o n a l d e s e n -
c a d e o u u m p r o c e s s o d e r e f l e x ã o s o b r e a r e a l i d a d e d o país. I g r e j a e d a
Vida Religiosa neles o f e r e c e n d o u m instrumental prático, simples,
mas m u i t o útil. A t r a v é s d e l e , p o d e r e m o s f a z e r u m a i d é i a p o r o n d e
a n d a n o s s a c o m p r e e n s ã o d a realidade brasileira (44).
Cada dia fica mais claro o papel p r e p o n d e r a n t e q u e está
ocupando entre nós a Ideologia da Segurança Nacional. No " C o m u n i -
cado pastoral ao P o v o d e D e u s " , os Bispos d a Comissão Representa-
t i v a d a C N B B d e 25 d e o u t u b r o d e 1 9 7 6 o b s e r v a m c o m o " p e n s a m e n t o
que inspira a d o u t r i n a da S e g u r a n ç a Nacional, a qual desde 1964 t e m
inspirado o G o v e r n o Brasileiro, d a n d o origem a u m sistema político
c a d a v e z m a i s c e n t r a l i z a d o e, e m p r o p o r ç ã o , c a d a v e z c o n t a n d o
menos c o m a participação d o povo"..."A ideologia da Segurança
Nacional colocada acima da S e g u r a n ç a Pessoal, espalha-se pelo
Continente latino-americano, c o m o o c o r r e u nos países s o b d o m í n i o
s o v i é t i c o . . . " (45).É o p r i m e i r o d o c u m e n t o d e I g r e j a d e c e r t a m o n t a e m
q u e s e a b o r d a d i r e t a m e n t e tal t e m á t i c a . P r o f u n d a m e n t e d e t e r m i n a n t e
e m t o d a p r á t i c a t e ó r i c a , d e v e , p o r isso, s e r e n c a r a d a c o m t o d a
seriedade pelo p e n s a m e n t o t e o l ó g i c o l a t i n o - a m e r i c a n o (46).

Em íntima c o n e x ã o c o m o modelo e c o n ô m i c o , e político,


inspirado e justificado pela Ideologia d e S e g u r a n ç a Nacional, criou-se
um clima d e apatia e desprestígio d o " p o l í t i c o " de um lado, e de o u t r o
de repressão sobretudo no meio estudantil, operário e intelectual.
Além d e u m a vigilante e ativa c e n s u r a , c o n t r o l a d a pelos ó r g ã o s
66

repressivos, o s próprios políticos, estudantes, intelectuais, escritores


se impuseram, consciente e inconscientemente uma não menos
v i g i l a n t e a u t o - c e n s u r a . C o m isso o e l e m e n t o d e c r i a t i v i d a d e , f r u t o
s a z o n a d o d e c l i m a d e l i b e r d a d e , s e r e d u z . F i c a - s e p r e s o a u m nível d e
reflexão alheio aos problemas mais m o r d e n t e s d a realidade.
Tais análises d o s n o s s o s atuais c o n d i c i o n a m e n t o s v e m - n o s
revelar a d i f e r e n ç a d a p r e s e n t e s i t u a ç ã o d a T e o l o g i a d a L i b e r t a ç ã o d a
d e s e u s p r i m ó r d i o s , n a p r i m e i r a m e t a d e d a d é c a d a d e 60. H o u v e u m a
enorme modificação quanto ao clima de liberdade, dentro e fora da
Igreja, às p o s s i b i l i d a d e s e e s p e r a n ç a s d e m u d a n ç a s mais r a d i c a i s d e
estruturas. Isto quer dizer q u e a T e o l o g i a d a Libertação da s e g u n d a
metade da década de 70 será b e m diferente, perdendo um c u n h o
j u v e n i l e a r r o j a d o , q u e t e v e n o s s e u s i n í c i o s , p a r a s i t u a r - s e mais
realisticamente num continente s o b o domínio d a Ideologia da
Segurança Nacional vigilante e bem implantada. Entre uma teologia
irrealista, suicida, d e u m lado e a c o m o d a d a e m atitude d e capitula-
ção, do outro, deverá encontrar um caminho crítico e de esperança
n o s e u p a c i e n t e m o v i m e n t o h i s t ó r i c o (47). D e s c o n h e c e r tal m u d a n ç a
d o s inícios d a T e o l o g i a d a L i b e r t a ç ã o p a r a n o s s o s d i a s p o d e r á t e r
c o m o efeito a p r o d u ç ã o de u m a T e o l o g i a d e s v i n c u l a d a das transfor-
mações sociais q u e está sofrendo nosso c o n t i n e n t e e nutrir ilusões
perigosas e frustantes.

Condicionamentos eclesiais

P a r e c e q u e o c o n d i c i o n a m e n t o m a i s d e t e r m i n a n t e n o nível
eclesial é u m lento p r o c e s s o d e a f a s t a m e n t o d a Igreja das forças
dominantes, c o m q u e até então estava em íntima aliança. Num
m o m e n t o de clarividência, o episcopado latino-americano em Medel-
lín e n c a r o u d e f r e n t e a a c u s a ç ã o q u e s e l h e f a z i a e s e faz d e " s e r r i c o
e aliado aos r i c o s " , não se e x i m i n d o d e culpas passadas, mas
p r o p o n d o - s e a "traduzir o espírito de p o b r e z a e m gestos, atitudes e
n o r m a s q u e t r a n s f o r m e m a Igreja n u m s i n a l m a i s l ú c i d o e a u t ê n t i c o d o
S e n h o r " (48). " A p o b r e z a d a I g r e j a e d e s e u s m e m b r o s , n a A m é r i c a
L a t i n a , o b s e r v a P a u l o V I , d e v e s e r s i n a l e c o m p r o m i s s o . S i n a l d e valor
inestimável, d o p o b r e aos olhos de Deus; e c o m p r o m i s s o de solidarie-
d a d e c o m o s q u e s o f r e m " (49). D e lá p a r a c á t e m c r e s c i d o p o r p a r t e
d a s d i f e r e n t e s Igrejas d e A. L a t i n a u m a a t i t u d e d e d e s c o m p r o m i s s o
c o m as f o r ç a s d o m i n a n t e s , p a r a e s t a r mais p e r t o d o p o v o p o b r e ,
humilde, explorado. Os bispos n ã o t e m e m mais dizer q u e " c ô n s c i o s
das freqüentes omissões e desacertos, ao l o n g o d a história d e nossa
Igreja n o B r a s i l , s e n t e m - s e i m p o t e n t e s e i n t i m i d a d o s f r e n t e a t ã o
g r a n d e t a r e f a " da libertação d o povo. R e c o n h e c e m c o m espírito de
verdadeira h u m i l d a d e e penitência, q u e a Igreja, nem sempre, tem
67

s i d o fiel à s u a m i s s ã o p r o f é t i c a , a o s e u p a p e l e v a n g é l i c o d e e s t a r
s e m p r e ao l a d o d o p o v o . Q u a n t a s v e z e s , e n v o l v i d a n a s m a l h a s d a
iniqüidade, q u e está t a m b é m neste m u n d o , a Igreja tem feito o j o g o
dos opressores, t e m f a v o r e c i d o aos p o d e r o s o s d o d i n h e i r o e da
política c o n t r a o b e m c o m u m , s o b m á s c a r a s e n g a n a d o r a s , p o r
ingenuidade ou cavilação, n u m a triste d e f o r m a ç ã o da m e n s a g e m
e v a n g é l i c a . M a s a P a l a v r a l h e é e n v i a d a a c a d a h o r a d o s e u existir,
para que se arrependa, para q u e se converta, para q u e volte " a o seu
fervor p r i m i t i v o " (cf. A p o c 2,4) (50). E s t e t e x t o s i g n i f i c a c l a r a m e n t e
este d e s l o c a m e n t o q u e s e e s t á p r o c e s s a n d o d e n t r o d a s I g r e j a s . E as
f o r ç a s d o m i n a n t e s n ã o s e f a z e m e s p e r a r c o m s u a s r e a ç õ e s . B a s t a ler
as t r e m e n d a s c a m p a n h a s d e c e r t o s p e r i ó d i c o s r e p r e s e n t a n t e s d o s
i n t e r e s s e s d a s c l a s s e s d o m i n a n t e s . N ã o d e i x a d e ser s i n t o m á t i c o ,
q u e , e m i m e d i a t a r e a ç ã o ao r e c e n t e d o c u m e n t o d a C o m i s s ã o R e p r e -
s e n t a t i v a , C o m u n i c a ç ã o P a s t o r a l ao P o v o d e D e u s d e 2 5 . X . 1 9 7 6 , as
"Entidades de classes empresariais" do piedoso e catolicíssimo
Estado do Ceará enviam um telegrama ao Presidente o n d e dizem q u e
"tem a satisfação de manifestar seu veemente repúdio aos conceitos
e idéias e x p r e s s a s n a c o m u n i c a ç ã o p a s t o r a l d a C N B B , q u e r e p r e s e n -
t a m u m a g r a v e i n j u s t i ç a c o n t r a o g o v e r n o h o n r a d o e p a t r i ó t i c o d e V.
Excia..."(51). Seria longo enumerar e x e m p l o s de tais conflitos e q u e
tem surgido entre a Igreja e os defensores de interesses das classes
dominantes, seja a imprensa, c o m o classes empresariais, o u repre-
s e n t a n t e s d o G o v e r n o o u F o r ç a s d e S e g u r a n ç a (52). D e n t r o d e s t e
contexto cabe um estudo mais analítico da atuação e significado
teológico-eclesial da C N B B nos 20 anos de existência c o m os seus
" p l a n o s de p a s t o r a l " e a t u a ç ã o no c o n j u n t o da realidade brasileira.

Trata-se de um lento processo, q u e tem suas próprias contra-


d i ç õ e s . Há o u t r a s v o z e s e c l e s i a i s n ã o s ó a - c r í t i c a s d i a n t e d o q u a d r o
sócio-político-econômico, c o m o terminam por reforçá-lo. Naturalmen-
t e esses s e t o r e s e c l e s i a i s v ã o c o m p o r t a r - s e e m r e l a ç ã o à T e o l o g i a n o
m e s m o nível d e o s c i l a ç ã o q u e s u a c o n s c i ê n c i a d i a n t e d a r e a l i d a d e ,
s o b r e t u d o d i a n t e d e u m a r e f l e x ã o t e o l ó g i c a c a d a v e z mais r e l a c i o n a -
da c o m a problemática social. Este tipo de Teologia, c o m u m e n t e
chamada da Libertação, encontra-se entre dois riscos em relação à
situação inter-eclesial: destruição o u esvaziamento. A eliminação de
tal m o d o d e f a z e r T e o l o g i a p o d e s e r f e i t o , d e s d e a m o d o d e c a ç a à s
bruxas até u s a n d o maneiras mais sutis d e levantar suspeitas. O
esvaziamento a c o n t e c e , seja através de um a b u s o do t e r m o " L i b e r t a -
ç ã o " , para todo tipo de realidade, c o m o por uma recuperação
intra-sistêmica reformista dos verdadeiros propósitos libertadores
(53).

O u t r o c o n d i c i o n a m e n t o e c l e s i a l i m p o r t a n t e s ã o os m a i s d i f e -
rentes movimentos, q u e estão s u r g i n d o no seio da Igreja, s o b r e t u d o a
68

p a r t i r d o C o n c i l i o V a t i c a n o II. E m g e r a l , a p r e s e n t a m u m c a r á t e r
e s p i r i t u a l i s t a e i n d i v i d u a l i s t a (54). S u a r e l e v â n c i a é t a n t o m a i o r q u a n t o
e s t ã o r e q u i s i t a n d o as m e l h o r e s f o r ç a s v i v a s d a n o s s a p a s t o r a l e
reflexão espiritual. A l é m d o mais, a esses m o v i m e n t o s se associam
experiências espirituais d o Espírito Santo. E n o r m e literatura de
d i f e r e n t e valor, t e m i n u n d a d o o m e r c a d o t e o l ó g i c o .
U l t i m a m e n t e t e m o c u p a d o as p r e o c u p a ç õ e s t e o l ó g i c a s d o i s
f e n ô m e n o s d e l a r g o a l c a n c e : as c o m u n i d a d e s e c l e s i a i s d e b a s e e a
religiosidade popular. Não se p o d e entender o lugar latino-americano,
p r e s c i n d i n d o d e t u d o q u e s i g n i f i c a m e s s e s d o i s f e n ô m e n o s , c o m as
e s p e r a n ç a s e ilusões, q u e e n c e r r a m .

Condicionamentos culturais

A Teologia européia responde à problemática de uma ampla


classe de cultura média e superior. Há uma certa homogeneidade de
i n t e r e s s e s e q u e s t i o n a m e n t o s . A n o s s a T e o l o g i a , p o r s u a vez,
encontra-se diante de um e n o r m e pluralismo, q u e se manifesta na
d i f e r e n ç a d a s t r a d i ç õ e s , d e q u e as c a m a d a s d o p o v o s ã o d e v e d o r e s .
O l h a n d o s o m e n t e s o b o a s p e c t o d e cultura religiosa, p o d e m o s
d e s c o b r i r vivas n o n o s s o p o v o t r a d i ç õ e s r e m o n t a n d o a o c a t o l i c i s m o
milagreiro, penitencial d o s portugueses colonizadores, ao catolicismo
tridentino dos jesuítas e d o s bispos reformadores do século passado
e de tantos que continuaram este movimento através de pregações,
r e t i r o s , c o n f r a r i a s , pias a s s o c i a ç õ e s , a o c a t o l i c i s m o r e n o v a d o r d o
C o n c i l i o V a t i c a n o II, c o m c e r t o c a r á t e r e x i s t e n c i a l e s e c u l a r i z a n t e , ao
catolicismo sincreticamente impregnado d e tradições africanas e
a m e r í n d i a s , a o c a t o l i c i s m o c r í t i c o - s o c i a l d e r e c e n t e d a t a (55).
O s o u t r o s c o n d i c i o n a m e n t o s c u l t u r a i s n ã o r e l i g i o s o s são
também de enorme pluralidade. Não p o d e m o s d e s c o n h e c e r a influên-
cia africana, ameríndia, ibérica, c e n t r o - e u r o p é i a , americana. Uma
h i s t ó r i a c u l t u r a l d e n o s s a p á t r i a iria m o s t r a n d o o s m o m e n t o s d e m a i o r
presença, ora de um tipo de cultura, ora de outro. Os meios de
c o m u n i c a ç ã o de massa tiveram em n o s s o país u m e n o r m e incremen-
to na última década. Hoje o s canais d e TV q u a s e c o b r e m todo o
território nacional. O transistor invadiu os rincões mais distantes.
V á r i o s m o v i m e n t o s d e e d u c a ç ã o d e b a s e v i e r a m à luz n o s ú l t i m o s 20
anos, alimentados por ideologias diversas.

Conseqüências de tais condicionamentos para a prática teológica

Esta indicação sumária, s a l p i c a n d o alguns elementos impor-


69

tantes de nossos atuais c o n d i c i o n a m e n t o s , visa a mostrar q u e a


Teologia latino-americana quer estabelecer uma relação diferente
c o m a realidade. A Teologia européia institui uma relação c o m a
práxis p a s t o r a l s o b r e t u d o a p a r t i r d e u m a l i b e r t a ç ã o d a v e r d a d e e d o
significado dos dados revelados. A Teologia latino-americana descre-
ve o p e r c u r s o : p r á x i s - t e o r i a - p r á x i s . S u r g e d e u m a p r á x i s v i v i d a n u m
p r o c e s s o d e l i b e r t a ç ã o n o m e i o d a c o n f l i t i v i d a d e . T e n t a ler tal p r á x i s à
luz d a p o s i t i v i d a d e d a f é , p a r a r e t o r n a r d e n o v o a u m a n o v a p r á x i s .
Neste s e n t i d o , é - l h e f u n d a m e n t a l e i m p r e s c i n d í v e l o c o n h e c i m e n t o
dos c o n d i c i o n a m e n t o s sociais de sua prática teórica.
A Teologia européia coloca-se na linha de responder os
desafios q u e a ilustração lhe i m p ô s de pensar c o m h o n e s t i d a d e
i n t e l e c t u a l a fé. A T e o l o g i a l a t i n o - a m e r i c a n a p r e t e n d e r e s p o n d e r a
o u t r a v e r t e n t e d a I l u s t r a ç ã o : c o m o f a z e r a fé c r i s t ã crível n u m
p r o c e s s o d e t r a n s f o r m a ç ã o d a r e a l i d a d e ? Q u e a f é diz à p r á x i s
t r a n s f o r m a d o r a , l i b e r t a d o r a ? Q u e a p r á x i s diz à fé c r i s t ã ? A T e o l o g i a
latino-americana p r e t e n d e ser u m a resposta a esta dupla p e r g u n t a .
Surge p r e c i s a m e n t e a partir desta exigência. U m a o p ç ã o ético-
política, i l u m i n a d a p e l o h o r i z o n t e d e fé n o q u a l o c r i s t ã o v i t a l m e n t e s e
m o v e , d i a n t e d e u m a r e a l i d a d e lida n a s u a c o n f l i t i v i d a d e i n j u s t a , s u r g e
c o m o e x i g ê n c i a d a f é e e n g a j a o c r i s t ã o ( 5 6 ) . D e n t r o d e tal c o m p r o -
misso vivido através de s e m p r e novas decisões, é-lhe exigido pensar
s u a f é , q u e , p o r s u a vez, v o l t a a i l u m i n a r - l h e o agir. É o p r o c e s s o
dialético constitutivo d o lugar teológico latino-americano.
É uma Teologia que quer participar do processo de libertação
da realidade social na sua f u n ç ã o própria de prática teórica e
teológica. Antes de tudo, de um m o d o negativo, faz-se vigilante para
n ã o ser e n v o l v i d a i d e o l o g i c a m e n t e n u m a p r á t i c a c o n s e r v a d o r a , c o n -
firmadora e legitimadora do "status q u o " .
Positivamente, insere-se, c o m sua c o n t r i b u i ç ã o específica,
extremamente modesta, no processo global de libertação q u e inclui
u m a s é r i e e n o r m e d e d i f e r e n t e s p r á t i c a s . O t e r m o , aliás p o m p o s o , d e
T e o l o g i a d a L i b e r t a ç ã o , p o d e levar f a c i l m e n t e a e q u í v o c o s , p e n s a n d o
q u e c a b e à T e o l o g i a a t a r e f a d e o r g a n i z a r , realizar a t a r e f a l i b e r t a d o r a
nos setores social, político, e c o n ô m i c o e cultural. Cada um desses
setores tem suas práticas teóricas e suas concretizações próprias. A
Teologia da Libertação restringe-se ao c a m p o da fé. O seu elemento
específico é apropriar-se d e categorias, de d a d o s tirados das Ciên-
cias d o S o c i a l , l e n d o - o s à luz d a R e v e l a ç ã o , e m c o n t a c t o c o m as
Escrituras cristãs. Desta o p e r a ç ã o s u r g i r á um p r o d u t o t e o l ó g i c o . Os
d a d o s sócio-analítjcos são o f e r e c i d o s pelas Ciências d o Social. A
mediação hermenêutica instaura um corte epistemológico trabalhan-
do os dados interdisciplinarmente assumidos na p r o d u ç ã o de um
e l e m e n t o t e o l ó g i c o n o v o . J á é a f é q u e fala, o n d e a n t e s e r a m as
70

ciências humanas. São outras categorias q u e entram em jogo.


Institui-se u m a o u t r a leitura.

A Teologia latino-americana distingue-se d a européia pela


preferência q u e t e m por u m a interdisciplinariedade em relação às
C i ê n c i a s d o S o c i a l , e n q u a n t o q u e a e u r o p é i a t r a b a l h a mais c o m
c a t e g o r i a s d a F i l o s o f i a . E m c e r t o s e n t i d o , p o d e - s e dizer q u e a
T e o l o g i a d a A. L a t i n a a m p l i a s u a r e l a ç ã o c o m as C i ê n c i a s h u m a n a s
(57). A l é m d i s s o , p r o c u r a s e r s e n s í v e l e a b e r t a à p e r s p e c t i v a s a p i e n -
cial d o n o s s o p o v o . N e s t e s e n t i d o p r o c u r a s u p e r a r p o r d e n t r o o
elemento de orgulho da Ilustração, c o m u m a super-exaltação da
razão, seja teórica, c o m o prática. O povo p o d e ser questionador de
tal s u p r e m a c i a , q u a n d o a t r a v é s d e s u a s a b e d o r i a o f e r e c e r i c o s
e l e m e n t o s p a r a u m r e p e n s a r d a f é e d a p r á x i s l i b e r t a d o r a (58).
Mais. A T e o l o g i a l a t i n o - a m e r i c a n a q u e r i n v e r t e r o a n t i g o
p e r c u r s o colonial q u e estava a c o s t u m a d a a fazer. Partia d a E u r o p a
para nosso continente e gerava dentro uma dependência, que nos
f a z i a c o n t i n u a m e n t e v o l t a r p a r a a E u r o p a . D e lá v i n h a m o s livros, lá s e
f o r m a v a m o s p r o f e s s o r e s , d e lá s e o r i g i n a v a m o s p r o b l e m a s a s e r e m
discutidos aqui. Vivia-se c o n t i n u a m e n t e indo e voltando. A g o r a tenta
estabelecer o percurso contrário. Daqui parte a pergunta. Para cá se
elabora a resposta. O m o m e n t o europeu é intermédio. Antes era o
inicial e final (59).
Resta ainda u m último p r o b l e m a importante. Q u e unidade e
pluralismo s ã o viáveis d e n t r o d a T e o l o g i a L a t i n o - a m e r i c a n a ? Será q u e
ela t e m a l g u m nível d e i m p r e s c i n d í v e l u n i d a d e d e n t r o d e u m pluralis-
m o c o e r e n t e ? (60).

quanto à unidade
Um ponto se firma c o m o c o m u m à Teologia latino-americana:
ser u m a p r á t i c a t e ó r i c a q u e s e i n o v a n o c o n t e x t o g l o b a l d a l i b e r t a ç ã o
no interesse d o s mais pobres, s e m voz, oprimidos. De m o d o nenhum,
p o d e ser u m a Teologia q u e v e n h a justificar, legitimar u m a situação de
opressão. O seu interesse e s e u objetivo t e m de ser a libertação dos
oprimidos. U m a libertação q u e a c o n t e c e na linha d a práxis e não
s i m p l e s m e n t e l i b e r t a r a v e r d a d e d o e r r o , d o m i t o , d a falta d e
s i g n i f i c a d o . É u m a o p ç ã o p r é v i a , f e i t a d e n t r o d o h o r i z o n t e g e r a l da fé
em q u e se move o teólogo, a partir d a simples c o n s t a t a ç ã o de uma
situação d e injustiça. Há, portanto, u m a unidade no interesse e no
objetivo q u e m o v e a p r o d u ç ã o teológica. N u m a palavra, é uma
T e o l o g i a q u e n ã o q u e r p e r m i t i r q u e seja u s a d a d e m o d o r e a c i o n á r i o ,
legitimador de u m a situação de injustiça. Quer contribuir c o m sua
prática para o processo libertador d o s oprimidos.

U m s e g u n d o p o n t o vai g a n h a n d o m a i o r u n i d a d e : u m a o p ç ã o
71

m e t o d o l ó g i c a d e p a r t i r d a p r á x i s e m v i s t a d a p r á x i s . Isto i m p l i c a u m a
preferência pelas m e d i a ç õ e s sócio-analíticas na s u a e l a b o r a ç ã o
teórica. É evidente q u e n a e s c o l h a das m e d i a ç õ e s s u r g e m diferenças
devido a tomadas de posição prévias s o b r e os pressupostos das
t e o r i a s s ó c i o - a n a l í t i c a s . E m tal p o n t o , t o r n a - s e , p o r c o n s e g u i n t e ,
impossível u m a u n i d a d e d e p o n t o s d e v i s t a s .

quanto ao pluralismo
Antes de tudo, há uma e n o r m e diversidade no receptor da
T e o l o g i a , isto é, a q u e l e a q u e m e l a s e d i r i g e . A n o s s a r e a l i d a d e
oferece uma gama imensa e variada de g r u p o s culturalmente diferen-
tes. De c e r t a m a n e i r a , a T e o l o g i a d e v e c o n s e g u i r falar a t o d o s eles,
p e n s a n d o os p r o b l e m a s q u e l e v a n t a m . I s t o vai e x i g i r u m p l u r a l i s m o d e
t e m a s , d e estilo t e o l ó g i c o , d e t o n a l i d a d e . É a i n f l u ê n c i a q u e o
destinatário exerce na p r o d u ç ã o da teologia.
Há t a m b é m u m a d i f e r e n ç a e p l u r a l i d a d e q u e v e m d o l u g a r d o
próprio produtor. M e s m o a partir d o s m e s m o s interesses, objetivos e
método predominante na Teologia latino-americana, o teólogo pode
situar-se n u m lugar cultural popular o u a c a d ê m i c o . T e r e m o s então
duas teologias b e m diferentes, servindo aos m e s m o s objetivos. A
diferença mostrar-se-á sobretudo na maneira de elaborar e exprimir
os t e m a s . A s e x i g ê n c i a s d o s d o i s l u g a r e s s ã o d i f e r e n t e s . O r i g o r
científico no manuseio d o instrumental teórico não tem o m e s m o grau
d e e x i g ê n c i a , a i n d a q u e s e m a n t e n h a n u m nível d e s e r i e d a d e q u a n t o
à especificidade da prática teológica. Não se p o d e confundir teologia
c o m qualquer discurso religioso, c o m o vimos em parágrafos anterio-
res.
Há uma diferença t a m b é m n o lugar eclesial: clerical o u leigo.
Pluralismo q u e é benéfico para a Teologia. No presente, ainda
e s t a m o s , e m n o s s a s r e g i õ e s , às v o l t a s p r a t i c a m e n t e c o m T e o l o g i a s
feitas p o r p e s s o a s d o c l e r o o u o u t r o r a p e r t e n c e n t e s a ele. U m a
Teologia verdadeiramente leiga está para nascer, s o b r e t u d o em s u a
f o r m a e l a b o r a d a . P o d e m o s falar d e u m a l i t e r a t u r a q u e e s t á s u r g i n d o
nas c o m u n i d a d e s d e b a s e d e o r i g e m leiga. Falta-lhe ainda uma
estruturação teológica. Evidentemente que o termo teológico pode
ser a m p l i a d o d e tal m a n e i r a q u e c o n s i d e r e q u a l q u e r r e f l e x ã o s o b r e a
r e a l i d a d e d a c o m u n i d a d e e c l e s i a l à luz d a R e v e l a ç ã o c o m o T e o l o g i a .
Podemos entretanto restringir o termo para uma elaboração q u e siga
as r e g r a s i n t e r n a s d a p r á t i c a t e ó r i c a . N e s t e ú l t i m o s e n t i d o , o l u g a r
e c l e s i a l l e i g o a i n d a n ã o c o m e ç o u a ser p r o d u t o r d e T e o l o g i a , p o r
m u i t a s r a z õ e s e s t r u t u r a i s e c o n j u n t u r a i s , e n ã o c a b e a q u i a v a n ç a r tal
questão.

E n f i m , há u m a p l u r a l i d a d e e m r e l a ç ã o c o m a p r á x i s l i b e r t a d o -
ra. C a d a l u g a r vai i n f l u i n d o d e m o d o m a i s d e c i s i v o n a p r o d u ç ã o
72

teológica. De maneira didática, p o d e m o s distinguir três modelos de


compromisso c o m a práxis libertadora;

Primeiro: c o m p r o m i s s o e p i s t ê m i c o . C o n s i s t e n u m a o p ç à o d e n -
t r o d o c a m p o t e ó r i c o , n o i n t e r i o r m e s m o d a p r á t i c a t e o l ó g i c a . Isto
significa q u e o interesse pela libertação determinará a maneira de
fazer Teologia. A própria prática t e ó r i c a ê c o n c e b i d a c o m o prática
social. Luta-se no front teórico do processo de libertação. Restringe-
se ao puro trabalho intelectual, teórico, mas orientado e m vista d a
libertação, sem q u e entretanto se assuma algum compromisso
c o n c r e t o , exceto d o s decorrentes d a o p ç ã o teórica pelos interesses
dos oprimidos. Tal conversão epistêmica traz c o n s e q ü ê n c i a s para a
e s c o l h a d o s p r o b l e m a s a tratar, d o estilo d e f a z ê - l o , d a m a n e i r a d e
conduzir todo o processo teológico.

Segundo: p r o c u r a - s e v i v e r e m s i s t e m a d e a l t e r n â n c i a e n t r e u m a
prática libertadora c o m uma prática teórica. De u m lado, participa-se
de experiências c o n c r e t a s d o p r o c e s s o d e libertação, o n d e a fé é
p e n s a d a , refletida, q u e s t i o n a d a e q u e s t i o n a n t e . D o u t r o l a d o , v i v e m - s e
períodos dedicados a uma pura prática teórica distanciados da
e x p e r i ê n c i a a n t e r i o r , p a r a n u m m o m e n t o u l t e r i o r v o l t a r a tal e x p e r i ê n -
cia.

Não s e p r o c e s s a u m a m u d a n ç a d e " l u g a r " físico p a r a o n d e se


d ã o as e x p e r i ê n c i a s d e p o v o , d e p r á x i s p a s t o r a l l i b e r t a d o r a . Isto
acontece somente e m certos períodos. Nos outros, o teólogo perma-
n e c e no s e u lugar a c a d ê m i c o , c e r c a d o d o s recursos q u e somente
uma situação privilegiada lhe pode fornecer.

Terceiro: p a r t e - s e d e m o d o r a d i c a l p a r a viver j u n t o a o p o v o
assumindo u m a práxis de libertação. Aí dentro, c o m t o d a a fragilidade
e p o b r e z a d e m e i o s q u e tal l u g a r i m p l i c a , p r o c u r a p r o d u z i r s u a
Teologia. Para fazer conversão necessária d o lugar d o "intelectual"
para o d o " p o v o " , d o lugar d o m e s m o para o lugar d o outro,
p r o c e s s a - s e a u m a m u d a n ç a f í s i c a , a f i m d e q u e a e p i s t ê m i c a seja
f o r t i f i c a d a , g a r a n t i d a , e n ã o r e g r i d a . I m p l i c a tal c o n v e r s ã o d e lugar,
uma outra, q u e afeta os próprios meios d e ação, de produção
teológica. C o m esta dupla conversão, busca-se superar a tremenda
" l ó g i c a " d e q u a l q u e r t i p o d e elitismo, q u e tenta r e c u p e r a r e eliminar a
alteridade, o diferente. C o m o na base da o p ç ã o está assumir o
processo de libertação, não c o m o u m a imposição de fora, mas c o m o
n a s c e n d o dialeticamente da relação povo-intelectual, no caso, teólo-
g o , a c o n v e r s ã o d e l u g a r e d e m e i o s q u e r e v i t a r as m a n e i r a s
subreptícias d e manipular o povo. Será, portanto, u m a Teologia
altamente c o m a n d a d a pelos interesses d o povo a ser libertado, c o m
73

profunda sensibiHdade e delicadeza para c o m tudo q u e nasça do


p o v o (61).
No m u n d o m a r x i s t a , t e m - s e r e f l e t i d o m u i t o s o b r e o p a p e l d o
i n t e l e c t u a l n u m p r o c e s s o d e t r a n s f o r m a ç ã o d a r e a l i d a d e (62). F a l t a -
n o s na T e o l o g i a , u m a r e f l e x ã o s o b r e q u e t i p o d e c o m p r o m i s s o e
serviço se espera do teólogo na g r a n d e tarefa libertadora da A.
Latina. H a v e r i a m u i t o s p o n t o s i m p o r t a n t e s q u e f i c a m ã e s p e r a d e u m a
r e f l e x ã o m a i s a g u ç a d a . A t é q u e p o n t o o e l e m e n t o d e fé l h e d á a o
teólogo uma possibilidade d e c o n t i n u a m e n t e criticar e rever seu lugar
social, e colocar-se s e m p r e n u m p r o c e s s o de libertação, sem q u e isto
s i g n i f i q u e u m a m u d a n ç a f í s i c a d e l u g a r ? A t é o n d e os d o n s q u e
recebeu, cultura, carismas, graças, não o c o n s t i t u e m em " e l i t e " no
sentido m a n i p u l a d o r e o p r e s s o r ? Q u e revisão cultural a x i o l ó g i c a lhe é
pedida em relação a " s u p e r i o r i d a d e " de conhecimentos, dons,
talentos, recurso, e que, em muitos casos, n u n c a c o n s e g u i r á renun-
ciar, a f i m d e q u e n u m t r a b a l h o j u n t o ao p o v o n ã o s e t o r n e
dominador?

CONCLUSÃO

A melhor prática é u m a b o a teoria. Entretanto, a melhor das


teorias cairia no vazio se não se concretizasse. A teoria da T e o l o g i a
latino-americana está s e n d o e s t u d a d a em i n ú m e r o s t r a b a l h o s (63). É
t e m p o já de praticá-la. Estas reflexões q u i s e r a m c o l o c a r mais um
e l e m e n t o t e ó r i c o a f i m d e e x p l i c i t a r os p r e s s u p o s t o s d a p r á t i c a
teológica latino-americana. Pareceu-nos sobretudo importante distin-
guir a p r á t i c a t e ó r i c a d o e n s i n o e d a p r o d u ç ã o t e o l ó g i c a c o m o t a l .
Muitas inquietações no meio d o s estudantes de teologia, certa
insegurança d a parte d e professores, p o d e m provir d e uma mescla de
i n t e r e s s e s e d e o b j e t i v o s d i f e r e n t e s , q u e p r e s i d e m ao e n s i n o e à
elaboração da Teologia. Uma maior clareza e n t r e a e s p e c i f i c i d a d e de
cada lugar de um lado, e do outro, sua c o n e x ã o , contribui para
iluminar ambigüidades.

O centro de nosso trabalho voltou-se para definir e explicitar


q u a l d e v e r á ser o l u g a r d e e n s i n o d a t e o l o g i a m a i s a d e q u a d o às
nossas condições, s u p e r a n d o o clássico " l u g a r t r i d e n t i n o " , c o m sua
tríplice característica seminarística, clerical e a c a d ê m i c a . Nesta tarefa
cabem a professores e alunos diferentes e importantes atribuições. A
omissão de um dos dois corpos impedirá, sem dúvida, a constituição
de um lugar de e n s i n o no Brasil, original, a p r o p r i a d o ao n o s s o
contexto sócio-cultural, numa linha de resposta dos problemas da
nossa pastoral.

O l u g a r d e e n s i n o d e v e r á ser c o n t i n u a m e n t e e n r i q u e c i d o p e l a
74

c o n t í n u a p r o d u ç ã o de uma Teologia nativa. Do contrário, será uma


t r i b u n a de idéias estrangeiras. Este lugar l a t i n o - a m e r i c a n o se define
s o b r e t u d o e m r e l a ç ã o a o e u r o p e u , c o m o m a i s v o l t a d o p a r a a práxis. O
interesse central é a libertação da realidade. E a prática teórica
t e o l ó g i c a q u e r ser u m e l e m e n t o e m tal p r o c e s s o . A T e o l o g i a e u r o p é i a
c e n t r a - s e s o b r e t u d o n o r e s g a t e e r e c u p e r a ç ã o d a v e r d a d e d e fé,
a m e a ç a d a p e l a s d e s c o b e r t a s c i e n t í f i c a s e p e l a i n s e n s i b i l i d a d e exis-
tencial d o fiomem m o d e r n o diante de seu significado para a vida.
A m b a s e s t ã o a s e r v i ç o d o R e i n o . A q u i s e n t i m o s o R e i n o d e D e u s em
sua relação dialética c o m a história, lugar da ambigüidade, o n d e
graça e pecado, libertação e opressão se defrontam. A prática
t e o l ó g i c a l a t i n o - a m e r i c a n a p r e t e n d e ser v i g i l a n t e p a r a n ã o c o n f i r m a r ,
sem sabê-lo, uma situação de opressão e pelo contrário, oferecer sua
c o n t r i b u i ç ã o específica, ainda q u e p e q u e n a , na c o n s t r u ç ã o do Reino
da Justiça e da fraternidade entre os homens.
75

NOTAS

(1) J . H o r t a l , C a t o l i c i s m o b r a s i l e i r o h o d i e r n o : p o s i ç õ e s e t e n d ê n c i a s
e m : D i v e r s o s , D e s a f i o à s Igrejas, D i á l o g o e c u m ê n i c o e m
tempos de m u d a n ç a , Ed. Loyola - Ed. Sinodal, São Paulo -
São L e o p o l d o 1976, pp. 29-48. J. C o m b l i n , História da
T e o l o g i a C a t ó l i c a , H e r d e r - S. P a u l o , 1 9 6 9 , 1 2 5 - 1 3 6 .

(2) G. B a c h e l a r d , L a f o r m a t i o n d e T e s p r i t s c i e n t i f i q u e , J . V r i n , P a r i s ,
1972, 89 e d . 13-22.

(3) F. V a n d e r h o f f , L a E p i s t e m o l o g í a m o d e r n a y Ia P r o b l e m á t i c a
Teológica actual, em: Encuentro Latinoamericano de Teo-
logia, L i b e r a c i ó n y Cautiverio, México, 1976, pp. 2 8 1 - 2 9 1 .

(4) A. Gõrres, Pathologie des Katholischen Christentums, em:


H a n d b u c h d e r P a s t o r a l t h e o l o g i e , l l / l , H e r d e r , Frehburg
1966, pp. 277-343.

(5) M. d e C e r t e a u , F a i r e d e l ' H i s t o i r e , e m : O u v . , c o l l . , J . le G o f f - P.
N o r a , e d . . Paris, G a i l i m a r d , 1 9 7 4 , p p . 4, 12, 1 5 - 1 6 .

(6) L. Alttiusser, Marxismo, Ciência e Ideologia, em: Marxismo


s e g u n d o Althusser, t r a d . bras.. Sinal ed., São Paulo, 1967,
pp. 24s.

(7) L. A l t h u s s e r , o . c . p . 2 4 .

(8) M. d e F o u c a u l t , A V e r d a d e e as F o r m a s J u r í d i c a s , C a d e r n o s d a
PUC, S é r i e L e t r a s e A r t e s 0 6 / 7 4 , P U C , Rio d e J a n e i r o 1 9 7 4 ,
pp. 5 - 2 1 .

(9) A. S c h a f f , I n t r o d u ç ã o à S e m â n t i c a , t r a d . b r a s . , E d . Civ. B r a s . , R i o
de Janeiro 1968.

(10) A. E. Weil, T r a d i t i o n et t r a d i t i o n a l i s m e , cit. p o r P. V a l a d i e r , E s s a i s


s u r Ia m o d e r n i t ê , N i e t z s c h e et M a r x , C e r f - D e s c l é e , P a r i s
1974, p. 12.

(11) P. V a l a d i e r , o. c. p. 12.

(12) L. A l t h u s s e r , o. c. p. 25.

(13) J . L a d r i è r e , La T h é o l o g i e et le l a n g a g e d e r i n t e r p r é t a t i o n , e m :
R e v . T h é o l . Louv. 1(1970, 1 ) p . 248.
76

( 1 4 ) C l . Boff, T h é o l o g i e et L i b e r a t i o n . Q u e s t i o n s d ' é p i s t é m o l o g i e ,
Dissertation présentée pour robtation du grade de Docteur
en T h é o l o g i e , Univ. C a t h o l . L o u v . , F a c u l t e d e T h é o l o g i e , a d
instar m a n u s c r i p t i , L o u v a i n 1 9 7 6 , pp. 3 2 , 167, 170, 2 0 9 ,
267-269.

(15) Z. A I s z e g h y - M. Flick, C o m e si fa Ia T e o l o g i a ? I n t r o d u z i o n e alio


s t u d i o d e l a T e o l o g i a D o g m á t i c a , E d . P a o l i n e , A I b a 1974, p p .
14ss.

(16) H. Cl. de Lima Vaz, Fundamentos filosófico-


h i s t ó r i c o - a n t r o p o l ó g i c o s da n o ç ã o de Igreja Particular, e m :
Div., Igreja P a r t i c u l a r , E d . L o y o l a , S ã o P a u l o , 1974, p.
167SS.

(17) F. T a b o r d a , T e o l o g i a e C i ê n c i a s n o D i á l o g o I n t e r d i s c i p l i n a r , e m :

R E B 3 4 ( 1 9 7 4 ) p. 8 3 0 .

(18) M. d e C e r t e a u , F a i r e TMistolre, o. c. p. 4.

( 1 9 ) E. V e r ó n , I d e o l o g i a , E s t r u t u r a e C o m u n i c a ç ã o , t r a d . bras., C u l t r i x ,
S ã o P a u l o 1970, p p . 1 4 1 - 1 9 2 .
( 2 0 ) J . B. L i b â n i o , C r i t é r i o s d e A u t e n t i c i d a d e d o C a t o l i c i s m o , e m : REB
36 (1976) pp. 61-63.

(21) G. B a c h e l a r d , La f o r m a t i o n d e Tesprit s c i e n t i f i q u e , V r i n , Paris,


1972 pp. 2 3 - 5 4 .

(22) L. Boff, Q u e é f a z e r t e o l o g i a p a r t i n d o d e u m a A m é r i c a L a t i n a em
Cativeiro? e m : REB 35(1975) 853-879.

( 2 3 ) D. A n t i s e r i , Dal n e o p o s i t i v i s m o alia f i l o s o f i a a n a l í t i c a , E d . A b e t e ,
R o m a 1966.

(24) J . B. L i b a n i o , E s t u d o s T e o l ó g i c o s , E d . L o y o l a , S. P a u l o 1969, p p .

101-129.

( 2 5 ) F. K ò n i g , T h e o l o g i s c h e F a k u l t ã t , e m : W u W 2 0 ( 1 9 6 5 ) p p . 3 3 3 - 3 3 6 .

(26) J . C o m b l i n , dir.. C u r s o d e T e o l o g i a . E x p e r i ê n c i a d o S e m i n á r i o
R e g i o n a l d o N o r d e s t e . 1^ e 2^ p a r t e , R e c i f e 1 9 6 9 - 1 9 7 0 .
(27) J . V a n N i e u w e n h o v e , Les " T h é o l o g i e s d e Ia L i b e r a t i o n " latino-
a m e r i c a i n e s , e m : L e P o i n t T h é o l o g i q u e , n^ 10, Paris 1974,
pp. 67-104.

( 2 8 ) F. T a b o r d a , art. cit., p p . 8 3 4 / 5 .
77

(29) S O D O C 7 ( 1 9 7 4 / 5 ) 8 1 , col. 1057-1216; SEDOC 9(1976) 95,


col. 257-448.

(30) C a t o l i c i s m o P o p u l a r , e m ; R E B 3 6 ( 1 9 7 6 ) p p . 5 - 2 8 0 .

(31) A. A n t o n i a z z i , T e n d ê n c i a s a t u a i s d a s u n i v e r s i d a d e s c a t ó l i c a s n o
Brasil, e m ; C a d e r n o s A B E S C 1 ( 1 9 7 5 ) n» 1 p p . 2 5 - 3 7 .

(32) K. R a h n e r , I n t e l l e k t u e l l e R e d i i c h k e i t u n d c h r i s t i i c h e r G l a u b e , e m ;
Schriften zur Théologie, Benziger Verlag, Einsiedein 1966,
VII 5 4 - 7 6 .

(33) C O N C . Vat. I, C o n s t . D o g m . " D e i F i l i u s " , D S 3 0 4 3 .

(34) DS 3 5 4 9 .

(35) H. G. G a d a m e r , L e p r o b l ê m e d e Ia C o n s c i e n c e h i s t o r i q u e ,
P U L - E d . B é a t r i c e - N a u w e l a e r t s , L o u v a i n - P a r i s 1963, p. 7; H.
Cl. d e U m a Vaz, O n t o l o g i a e H i s t ó r i a , D u a s C i d a d e s , S.
Paulo 1968, 201-280.

(36) W. S c h u l z , P h i l o s o p h i e in d e r v e r à n d e r t e n Welt, N e s k e , P f u i l i n g e
1974, pp. l i s s .

(37) E. H. S c h i l l e b e e c k x , I n t e r p r e t a c i ó n d e Ia fê, a p o r t a c i o n e s a u n a
teologia h e r m e n ê u t i c a y crítica, trad. esp. S i g u e m e Ed.
S a l a m a n c a 1973.

( 3 8 ) E. H. S c h i l l e b e e c k x , L a p r e s e n c i a d e C r i s t o e n Ia E u c a r i s t i a , t r a d .
e s p . M a d r i d 1 9 6 8 ; id. T r a n s s u b s t a n t i a t i o n , t r a n s f i n a l i s a t i o n ,
transsignification, DOC - Roma s / d .

(39) G. V a h a n i a n , T h e D e a t h of G o d , T h e C u l t u r e o f o u r P o s t - C h r i s t i a n
Era, G. Braziller, N e w Y o r k 1 9 5 7 ; C. B e n t , O m o v i m e n t o d a
Morte de Deus, Moraes Ed. Lisboa 1968; J. Lee Ice - J. J.
Carey, e d . , T h e D e a t h of G o d D e b a t e , T h e W e s t m i n s t e r
Press, P h i l a d e l p h i a 1967.

( 4 0 ) J . S o b r i n o , El c o n o c i m i e n t o t e o l ó g i c o e n Ia T e o l o g i a E u r o p e a y
latinoamericana, em; Encuentro Latinoamericano, Libera-
ción y Cautiverio, M é x i c o 1976, pp. 177-207.

(41) H. Cl. d e L i m a Vaz, I g r e j a - r e f l e x o vs. I g r e j a - f o n t e , e m ; C a d e r n o s


B r a s i l e i r o s , n ' 4 6 , m a r ç o - a b r i l 1 9 6 8 , p. 19.

(42) R. L a t o u r e l l e , T e o l o g i a , C i ê n c i a d a S a l v a ç ã o , t r a d . b r a s . P a u l i n a s
1 9 7 1 , p p . 3 0 - 3 7 . R. A u b e r t , I. Les g r a n d s c o u r a n t s . I. L a
t h é o l o g i e c a t h o l i q u e , e m ; B i l a n d e Ia T h é o l o g i e d u X X e .
78

s i è c l e , I, C a s t e r m a n , P a r i s 1 9 7 0 , p p . 4 3 8 s s ; J . C o m b l i n , V e r s
u n e T h é o l o g i e d e 1'action, B r u x e l l e s 1 9 6 5 , p p . 3 2 - 4 0 .

(43) M. L e n z , O D e s e n v o l v i m e n t o B r a s i l e i r o : C a r a c t e r í s t i c a s e I m p l i c a -
ç õ e s d e u m M o d e l o , e m : E v a n g e l i z a ç ã o n o Brasil h o j e -
C o n t e ú d o e L i n g u a g e m , E d . L o y o l a , S ã o P a u l o 1 9 7 6 ; F.
Ávila, A missão social d a Igreja hoje, e m : Missão da Igreja
n o B r a s i l , E d . L o y o l a S. P a u l o 1973, 1 5 1 - 1 6 8 .

( 4 4 ) C R B - XI A s s e m b l é i a G e r a l O r d i n á r i a E l e t i v a , j u l h o 1977, e m :
C o n v e r g ê n c i a 9(1976) pp. 264-267; 323-335; 451-458; 515-
525.

( 4 5 ) C o m i s s ã o R e p r e s e n t a t i v a d a C N B B , C o m u n i c a ç ã o P a s t o r a l ao
P o v o d e D e u s , e m : C o m u n i c a d o M e n s a l d a C N B B , Rio
o u t u b r o 1976.

(46) J . C o m b l i n , L a n u e v a p r a c t i c a d e Ia I g l e s i a e n el S i s t e m a d e Ia
Seguridad Nacional. Exposición de sus princípios teóricos,
em: Encuentro latino-americano de Teologia, Liberación y
cautiverio, M é x i c o 1976, pp. 155-177.

(47) J . L. S e g u n d o , C o n d i c i o n a m i e n t o s a c t u a l e s d e Ia r e f l e x i ó n
teológica em latinoamérica, em: Encuentro latinoamericano
d e T e o l o g i a , o.c. p p . 9 1 - 1 0 1 .

(48) S E D O C 1 ( 1 9 6 8 ) c o l . 7 3 7 .

(49) SEDOC 1 (1968) col. 739.

(50) S E D O C 6 ( 1 9 7 3 / 4 ) c o l . 6 2 6 .

(51) O E s t a d o d e S ã o P a u l o , s á b a d o , 2 0 . X I . 1 9 7 6 , p. 22.

(52) C h . A n t o i n e , L ' E g l i s e et le p o u v o i r a u B r é s i l , N a i s s a n c e d u
m i l i t a r i s m e , D D B , P a r i s 1 9 7 1 ; M. M o r e i r a A l v e s , L ' E g l i s e et Ia
p o l i t i q u e a u B r é s i l , D u Cerf, P a r i s 1 9 7 4 .

( 5 3 ) J . C. S c a n n o n e , O d e s a f i o a t u a l à l i n g u a g e m t e o l ó g i c a latino-
a m e r i c a n a s o b r e l i b e r t a ç ã o , e m : S í n t e s e 1 ( 1 9 7 4 ) , n o v a fase,
n» 2 pp. 3-20.

(54) O Dana, Os deuses d a n ç a n t e s : u m e s t u d o d o s Cursillos de


Cristandade (Cid P a s t o r a l / 4 ) Vozes, Petrópolis 1 9 / 5 .

( 5 5 ) R. A z z i , E l e m e n t o s p a r a H i s t ó r i a d o C a t o l i c i s m o P o p u l a r , e m : REB
36(1976)95-130.
79

(56) L. Boff, Q u e é f a z e r t e o l o g i a p a r t i n d o d e u m a A m é r i c a L a t i n a e m

Cativeiro? em: REB 35(1975) 853-879.

(57) J . v a n N i e u w e n h o v e , art. cit. p. 53.

(58) J . C. S c a n n o n e , H a c i a u n a P a s t o r a l d e Ia C u l t u r a , e m M I E C - J E C I ,
D o e . n^ 16, f e b . 1 9 7 6 .
(59) E. H o o r n a e r t , O s p e r i g o s q u e a m e a ç a m as C E B s , e m : S E D O C

9(1976) n ' 9 5 , col. 275-286.

(60) Cl. Boff, T h é o l o g i e et L i b e r a t i o n ; L o u v a i n , 1 9 7 6 , p p . 421 ss.

(61) E. H o o r n a e r t , art. cit. c o l . 2 8 1 - 2 8 5 .

(62) A. G r a m s c i , L o s i n t e l e c t u a l e s y Ia o r g a n i z a c i ó n d e Ia c u l t u r a , B.
Aires, N u e v a Vision 1972.
(63) B a s t a ver: E n c u e n t r o L a t i n o a m e r i c a n o d e T e o l o g i a , L i b e r a c i ó n y
C a u t i v e r i o , D e b a t e s e n t o r n o al m é t o d o d e Ia T e o l o g i a e n A .
Latina, M é x i c o 1976.

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