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PENSAMENTO SISTEl\1ATICO

E CONCEITO DE SISTEl\1A
A

NA CIENCIA DO DIREITO

Introdução e tradução de
A. MENEZES CORDEIRO
A questão do significado da ideia de sistema para
a Ciência do Direito é dos temas mais discutidos da
metodologia jurídica. Em poucas controvérsias estão,
ainda hoje, as opiniões tão divididas. Enquanto, por
exemplo, SAUERexclama com ênfase: «Apenas o sis-
tema garante conhecimento, garante cultura. Apenas
no sistema é possível verdadeiro conhecimento, ver-
dadeiro saber» (1) e H. J. ,WOLFF diz: «A Ciência do
Direito ou é sistemática ou não existe» (2), EMGE
opina, com discrição céptica: «Um sistema é sempre
um empreendimento da razão com um conteúdo exa-
gerado» (3) ~ uma afirmação que está apenas a curta
distância da célebre frase de NIETZSCHEque caracte-
rizou a aspiração ao sistema como uma «falta na
consecução do Direito» e uma «doença no carác-
ter» (4). No que respeita, em particular, ao direito
privado, a discussão metodológica mais importante

(1) Juristische Methodenlehre (1940), p. 171.


(2) Typen im Recht und in der Rechtswissenschaft, StG
1952, p. 195 ss. (205).
(3) Einführung in die Rechtsphilosophie (1955), p. 378.
(4) Gesammelte Werke (1895-1912), voI. VIII, p. 64 e
vaI. XIV, p. 354, respectivamente. Justamente a propósito de
um princípio metodológico das ciências do espírito, BOLLNOW
enfoca a desconfiança contra o sistema; cf. Die Objektivitat der
Geisteswissenschaften und die Frage nach dem Wesen der
Wahrheit, Zeitschr. f. Philosophische Forschung 16 (1962),
p. 3 ss. (15 s.).
deste século - travada entre a «jurisprudência dos VIEHWEGfoi contraditado por DIEDERICHSEN por ter
conceitos» e a «jurisprudência dos interesses» - não conduzido uma «luta contra moinhos de vento» e um
foi mais, em última análise, do que uma controvérsia «combate aparente», visto o sistema axiomático-
sobre o sentido, a forma e os limites da formação -lógico, por ele questionado, não ser, há muito, defen-
do sistema jurídico. Mais recentemente, THEonoR dido por ninguém (7) - e, com efeito, aqui está uma
VIEHWEG,através do seu escrito sobre «Tópica e fraqueza essencial do trabalho de VIEHWEG(8). Não
Ciência do Direito» (5), renovou finalmente a discus- obstante, e na melhor das hipóteses, apenas se encon-
são e encontrou, pela sua crítica ao sistema, quer tram, na literatura, respostas parciais à questão do
assentimento enérgico, quer recusa firme. conceito de sistema, pressuposto a cada passo. Sem
Tais afinco e agudez da discussão não são, de uma clarificação desse conceito falta, à discussão do
modo algum, de admirar, pois subjazem questões cen- sistema, uma base indispensável; na sequência, vai-se
trais da Metodologia e da Filosofia do Direito. Como tentar obter, sobre o assunto, uma clareza maior.
ficaria claro, sobretudo com a discussão em torno das
teses de VIEHWEG,trata-se, afinal, dos fundamentos
da nossa disciplina, em especial do auto-entendimento
da Ciência do Direito como Ciência e da especifici-
dade do pensamento e da argumentação jurídicos.
Mais ainda: como a metodologia jurídica, em toda a
sua extensão, está numa conexão estreita com a Filo-
sofia do Direito em geral, colocamo-nos, com celeri-
dade, perante a problemática dos «valores jurídicos
mais elevados» e da relação entre eles (6).
A discussão travada até hoje padece frequente-
mente da inexistência de clareza quanto ao seu
objecto, - o conceito de sistema - seja no campo
terminológico, seja no material. Assim por exemplo,

(5) 1."ed., 1953,actualmente na 2." ed., 1965. (A ed. mais


recente, a 5.", data de 1974-nota do tradutor). (7) Topisches und systematisches Denken in der Juris-
(6) Cf., com mais pormenores, infra §§ 1 II 2, 4- IV 3, prudenz, NJW 1966, p. 697 S8. (700).
5 lI, 6 I 4 b e 7 lI. (8) Cf., com mais pormenores, infra § 7 e, aí, a nota 64.
§ 1.° A FUNÇÃO DA IDEIA DE SISTEMA
NA CIÊNCIA DO DIREITO

A elaboração de considerações mais pormenoriza-


das sobre o conceito de sistema jurídico pressupõe, .
para já, que se clarifiquem dois pontos: em primeir]
lugar, o do conceito geral ou filosófico de sistema e,
em segundo, o da tarefa particular que· ele pode
desempenhar na Ciência do Direito (1).

1-AS QUALIDADES DA ORDEM E DA UNIDADE COMO


CARACTERiSTICAS DO CONCEITO GERAL DE SiSTEMA

Sobre o conceito geral de sistema deveria domi-


nar - com múltiplas divergências em aspectos
específicos - no fundamental, uma concordância
extensa (2): é ainda determinante a definição clássica

(1) Para a justificação deste procedimento na formação


de conceitos, cf. CANARIS, Die Feststellung von Lücken im
Gesetz (1964), p. 15 S., onde foi utilizado o mesmo caminho
para a determinação do conceito de lacuna.
(2) RITSCHL, System und systematische Methode in der
Geschichte des wissenschaftlichen Sprachgebrauchs und der
philosophischen Methodologie, 1906, dá um bom panorama
histórico sobre a evolução do termo «sistema».
t
e KANT, que caracterizou o sistema como «a unidade, grande unidade» (6), segundo STAMMLER «uma unidade
sob uma ideia, de conhecimentos variados» (3) ou, totalmente coordenada» (7), segundo BINDER, «um
também, como «um conjunto de conhecimentos orde- conjunto de conceitos jurídicos ordenado segundo
i nado segundo princípios» (4). De modo semelhante, pontos de vista unitários» (8), segundo HEGLER, «a
por exemplo, no «Dicionário dos conceitos filosófi- representação de um âmbito do saber numa estrutura
cos» de EISLER (5), define-se sistema: «1. Objectivo: significativa que se apresenta a si própria como orde-
)
um conjunto global de coisas, processos ou partes, no nação unitária e concatenada» (9), segundo STOLL um
qual o significado de cada parcela é determinado «conjunto unitário ordenado» (10) e segundo COING
pelo conjunto supra-ordenado e supra-somativo ( ... ) uma «ordenação de conhecimentos segundo um ponto
2. Lógico: uma multiplicidade de conhecimentos, uni- de vista unitário» (11).
ficada e prosseguida através de um princípio, para
um conhecimento conjunto ou para uma estrutura
(6) System des heutigen rõmischen Rechts, vaI. I (1840),
explicativa agrupada em si e unificada em termos
p. 214 (também p. XXXVI e p. 262).
interiores lógicos, como o correspondente, o mais (7) Theorie der Rechtswissenschaft, 2." ed. (1923), p. 221;
possível fiel, de um sistema real de coisas, isto é, de igual modo Lehrbuch der Rechtsphilosophie, 3." ed. 1928;
de um conjunto de relações das coisas entre si, que concordam, p. ex., BINDER, Rechtsbegriff und Rechtsidee (1915),
p. 158 s. e Philosophie des Rechts (1925), p. 922; ENGISCH, Sinn
nós procuramos, no processo científico, 'reconstruir'
und Tragweite juristischer Systematik, StG 10 (1957), p. 173 ss.
de modo aproximativo». As definições que se encon- (186).
tram na literatura jurídica correspondem-Ihe, também, (8) Philosophie des Rechts, loco cit.; de igual medo
largamente. Assim, por exemplo, segundo SAVIGNY, Rechtsbegriff und Rechtsidee, loco cito e, mais tarde, ZHR 100,
p. 34 S. e 78.
o sistema é a «concatenação interior que liga todos
(9) Zum Aufbau der Systematik des Zivilprozessrechts,
os institutos jurídicos e as regras de Direito numa em: Festgabe für Heck, Rümelin und Schmidt (1931), p. 216.
(10) Begriff und Konstruktian in der Lehre der Int~res-
(3) Cf. Kritik der reinen Vernunft, L" ed. (1781), p. 832
senjurisprudenz, Festgabe für Heck, etc. (cf. nota anterIor),
e 2." ed. (1787), p. 860, respectivamente. p.77.
(11) Geschichte und Bedeutung des Systemgedankes in
(4) Cf. Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissen-
.schaft, 1." ed. (1786), preâmbulo, p. IV. der Rechtswissenschaft, Frankfurter Univertitatsreden Heft 17,
citado segundo COING, Zur Geschichte des Privatrechtssystems,
(5) Worterbuch der philosophischen Begriffe, 4." ed.
.(1930), voI. lU, palavra «System». (1962), p. 9; cf., também, COING, Bemerkungen zum überkomme-
nen Zivilrechtssystem, em: Festschrift für Dalle (1963), p. 25.
/ Há. ~u~s características que emergiram em todas I laridades desconexas (14), antes devendo deixá-Ias
, as defIlllçoes (12).i,J! da or~ e a da unidade; elas reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais.
estão, uma para com a outra, na mais estreita reÍação Deve-se, assim, distinguir sempre duas formas ou
de intercâmbio, mas são, no fundo, de separar (13). elhor, dois prismas do sistema: por um lado. o sis;.
No que respeita, em primeiro lugar, à ordenação, pre- tema de conhecimentos, que EI~ba definição
ende-se, com ela - quando se recorra a uma· o cItada, chama de «lógico» e que, na e uêncla, de
mulação muito geral, para evitar qualquer restrição mo o mais genérico, será a~elid~do de «científico» e,
precipitada - exprimir um estado de coisas intrín- ~]Jtro, o sistema dos dl;jectos d;::<Conbecjmen~o,
seco racionalmente apreensível, isto é, fundado na a propósito do qual, com razão.!.-EISLER fala de ~IS-
realidade. No que toca à unidade, verifica-se que este t~ma «objectivo» ou «real». Ambos estão, de facto
facto r modifica o que resulta já da ordenação, por em conexão estreita, devendo o primeiro ser «o cor-
não permitir uma dispersão numa multitude de .':3ingu- respondente o mais fiel possível» (15) do último, de
modo a que a elaboração científica de um objecto
não desvirtue este, falseando, com isso, a sua finali-
(12) Por vezes, aparece ainda referida a característica dade. Segue-se imediatamente daí, para a formação
da plenitude; cf., principalmente, STAMMLER, Theorie der jurídica do sistema. que esta só será possível quando
Rechtswissenschaft, loco cit., p. 221 s., em ligação com KANT: o seu objecto, isto é, o Direito, aparente tal sistema
«O conjunto... pode, na verdade, crescer interiormente (per «objectivo». Qualquer outra precisão sobre o signifi-
intus susceptionem), mas não exteriormente (per appositionem),
como um corpo animal, cujo crescimento não implica qualquer cado da «ideia de sistema» na Ciência do DireitOfl
soma, antes levando, sem modificação das proporções, à melho- sobre o correspondente conceito de sistema pressupõe:
por isso, o esclarecimento da questão sobre se e ate •
ria da força e da capacidade de cada um, face aos seus esco-
pos» (Kritik der reinen Vernunft, loco cit., pp. 833 e 861 res-
pectivamente). Esta característica não pode, em caso a;gum,
onde possui o Direito aquelas orden~ção e unidade,
indispensáveis como fundamento do SIstema. ---/
>
assistir ao sistema jurídico porque este, por força da «abertura»
do «sistema objectivo» (cf., quanto a isto, infra § 3 II), pode
sempre crescer também «per appositionem». O elemento da
«plenitude» poderia, contudo, não ser essencial ao conceito (14) Poder-se-ia, ainda aqui, falar de ordenação uma vez
geral de sistema, mas reportar-se a uma sua delimitação deter- que a conexão já representa, em particular, uma das suas for-
minada. - Quanto à exigência da «plenitude» num sistema mas, enquanto cada ordenação como tal comporta sem dúvida,
axiomático no sentido da logística cf. infra p. 26 e p. 27 S. já em si, a tendência para a unidade (cf. também a nota 13).
(13) Certo STAMMLER, ob. cit., p. 222. (15) Cf. EISLER, ob. e loc. cito
da «interpretação sistemática» (1") ou através da pes-
11- A ADEQUAÇÃO VALORATIVA E A UNIDADE INTERIOR
quisa de «princípios gerais de Direito», no campo da
DA ORDEM JURíDICA COMO FUNDAMENTOS DO SISTEMA
JURíDICO chamada analogia de Direito, colocando-se, com isso,
em consonância com as doutrinas da hermenêutica
geral; de facto, pertence a estas o chamado «cânon
o que se passa então com a ordenação interior e
com a unidade de sentido do Direito? da unidade» ou da «globalidade», segundo o qual o
intérprete deve pressupor e entender o seu objecto
como um todo em si significativo, de existência asse-
gurada (19). ..
1. Adequação e unidade como premissas teorético-
-científicas e hermenêuticas No entanto, o concluir, sem mais, pela eXistên~aJ
da unidade do Direito, a partir da natureza científica
J
Num prisma metodológico, elas pressupõem-se, da jurisprudência ou do postulado metodológico do
normalmente, como evidentes. Isso resulta, desde entendimento unitário, conduz a uma petitio principii. _
logo, de se considerar o Direito como Ciência (lG); Pois o ser a jurisprudência uma Ciência suscita, logi- .
pois, como diz COING:«Em última análise, o sistema camente, a questão prévia, inteiramente procedente,
jurídico é a tentativa de reconduzir o conjunto da de saber se a aceitação desse carácter científico não
justiça, com referência a uma forma determinada de será um erro, por inadequação do seu objecto; assim,
vida social, a uma soma de princípios racionais. os adversários do pensamento sistemático, em parte
A hipótese fundamental de toda a Ciência é a de que na sequência desse seu princípio básico, têm negado
ufua estrutura racional, acessível ao pensamento, o carácter científico da jurisprudência (Z0), reconhe-
domine o mundo material e espiritual» (l7). Por con-
sequência, também a metodologia jurídica parte, nos
(18) Cf., quanto a esse tema, infra § 5, I 1, com mais
seus postulados, da existência fundamental da uni- indicações na nota 21.
dade do Direito. Ela fá-Ia, por exemplo, com a regra (19) Cf., por último, pormenorizadamente, BETTI, Allge-
l11eineAuslegungslehre aIs Methodik der Geisteswissenschaften,
1967, p. 219 8S., com amplas indicações.
(16) A ligação inseparável entre a natureza científica do
(20) Com particulares consequências, EHRLICH, Gundle-
Direito e a ideia do sistema foi acentuada, de forma expressa gung der Soziologie des Rechts, 1913, p. 1 ss., 198 e passim;
e repetida, sobretudo, por BINDER; cf., p. ex., Philosophie des
quanto à recusa de EHRLICH da ideia de unidade da ordem
Rechts, p. 838 s., 852 e já em Der Wissenschaftscharakter der jurídica e quanto à sua crítica ao sistema, cf. Die juristische
Rechtswissenschaft, Kantstudien XXV (1921), p. 321 ss. (356). Logik, 2." ed., 1925, p. 121 ss. (em especial, p. 137) e p. 258 ss.,
(17) Zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 28. respectivamente.
cendo-Ihe apenas h categoria de uma espécie de «arte sobretudo e para além disso a hipótese do carácter
ou de técnica». E o mesmo acontece com as regras científico e as máximas metodológicas conclusivas
da <<interpretação sistemática», da pesquisa dos prin- remetem para o auto-entendimento dos juristas (22),
cípios gerais de Direito e do entendimento unitário o qual constitui, pelo menos, um certo indício (23)
que, como todas as máximas metodológicas, devem para a estrutura do objecto da jurisprudência, a ordem
permanecer meros postulados inalcançáveis, quando jurídica (21); caso esta estivesse em grande oposição
não encontrem no seu objecto, isto é, na ordem jurí- com os pressupostos e os postulados da metodologia,
dica, uma correspondência. o jurista ou iria sofrer, no seu trabalho prático, um
A remissão para hipóteses meto dológicas funda- permanente fracasso ou não tomaria em conta as
mentais, feita tradicionalmente pelo jurista, não é,
contudo, totalmente desprovida de valor. Pelo menos (22) Existe uma ligação estreita entre a metodologia de
ela deveria alertar os críticos do pensamento siste- uma disciplina e a fenomenologia do entendimento (por último,
mático para o facto de eles abandonarem mais do que cf., por todos, GADAMER, Wahrheit und Methode, 2." ed. 1965):
talvez parecesse à primeira vista; assim, é plenamente a fenomenologia pode retirar da metodologia conclusões essen-
duvidoso que VIEHWEG queira negar o carácter cientí- ciais sobre a forma de entendimento nessa disciplina (con-
quanto as máximas da metodologia não surjam como puros
fico da jurisprudência e que os seus seguidores o
postulados, mas antes sejam efectivamente observadas), e,
queiram acompanhar nessa consequência (21). Mas inversamente, cada metodologia deve considerar as leis essen-
ciais do entendimento humano, elaboradas pela fenomenologia,
(21) VIEHWEG caracteriza a tópica como a «técnica do quando não queira expor-se a exigências incomportáveis.
pensamento problemático» - cf. ob. cito (p. 15), e parece (2:1) Esta afirmação pode ser produzida mesmo sem um
conceber a expressão «técnica» como o oposto de «ciência» cmbrenhar na problemática gnoseológica da relação entre
(para uma oposição entre tópica e ciência depõem também as
considerações de p. 25, VII). De facto, dever-se-ia pensar que
um processo que apenas «queira dar indícios» (p. 15), que
sujeito e obJecto.
(21) Cf., a este propósito, também DIEDERICHSEN, NJW
1966, p. 695, na nota 29, o qual, entre outras coisas, objecta
l
"

«evite compromissos» (p. 23), que apoie a legitimação das contra as teses de VIEHWEGque «no mundo concreto das '
suas premissas apenas na «aceitação do interlocutof» (p. 24), realidades» aparece «a sua disciplina, ao jurista, como um
etc. etc., não poderia aspirar seriamente à natureza científica. todo significativo e não como uma mistura de questões des-
No entanto, VIEHWEG parece reconhecer, junto das ciências conexas». Esta afirmação - que, aliás, não é inatacável, na
que trabalham de modo lógico-dedutivo, um segundo tipo de sua generalidade - não assume também, naturalmente, força
Ciência (com que ele concordaria) e no qual quer situar a demonstrativa obrigatória; pois a «experiência de unidade»
Ciência do Direito, também através da afirmação da sua estru- dos juristas, como facto meramente psicológico, não afirma
tura tópica fundamental (cf., p. ex., p. 1 s., p. 53 s., p. 63 s.) I nada de definitivo sobre a estrutura da ordem jurídica, nem,
(o que seria difícil de conciliar, pelo menos com o concei~ ao contrário da metodologia, nada sobre a forma de pensa-
tradicional de Ciência). mento jurídico correcto.
exigências da metbdologia ou ainda apenas aparente- tido do conceito de sistema, e por isso a regra da ade-
mente o faria, - ora nada disto pode ser afirmado q uação valorativa, retirada do princípio da igualdade,
da Ciência do Direito actual. Não obstante, este «indí- constitui a primeira indicação decisiva para a aplica-
cio» permanece bastante inseguro, não podendo (;ão do pensamento sistemático na Ciência do
falar-se de uma verificação obrigatória da hipótese.
A ideia da ordem interior e da unidade carece, por
isso, de uma confirmação que se deve fundamentar
Direito, - o que, por exemplo, FL UME ("5), seguindo
S.AVIGN~ ("6), certeiramente exprime quando caracte-
nza o sIstema como «a consequência do Direito, inte-
J
na própria estrutura do seu objecto, portanto na essên- riormente pressuposta» ("7). _
cia do Direito. De modo semelhante, também a característica da
unidade tem a sua correspondência no Direito, embora
a ideia da «unidade da ordem jurídica» pertença ao
2. Adequação e unidade como emanações e pos- domínio seguro das considerações filosóficas ("8).
tulados da ideia de Direito

(25) Allg. Teil des Bürgerl. Rechts, 2.° vaL, 1965, p. 295
De facto, a demonstração não é difícil. A ordem e 296.
interior e a unidade do Direito são bem mais do que (26) Ob. cit., p. 292. A referência a SAVIGNY não se
pressupostos da natureza cienUfica da jurisprudência reporta contudo, como se poderia retirar das considerações
e do que postulados da metodologia; elas pertencem, de FLUME, imediatamente ao sistema, mas sim à analogia; para
antes, às mais fundamentais exigências ético-jurídicas o conceito de sistema de SAVIGNYcf. a citação supra na nota 6.
(27) Em parte semelhantes também as obras citadas
e radicam, por fim, na própria ideia de Direito. Assim, íntra, na nota 35.
a exigência de «ordem» resulta directamente do reGQ- (28) É fundamental o escrito de ENGISCH de 1935, que tem
nhecido postulado da justiça, de tratar o igual de o mesmo nome: Die Einheit der Rechtsordnung. Sobre este
modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo infeliz e relativamente pouco discutido problema cf., do mesmo
com a medida da sua diferença: tanto o legislador autor, Einführung in das juristische Denken, 3." ed., 1964,
p. 156 ss.; EHRLICH, Die juristische Logi.k, p. 121 ss., com uma
como o juiz estão adstritos a retomar «consequente-
panorâmica histórica desenvolvida; STAMMLER, Theorie der
mente» os valores encontrados, «pensando-os, até ao Rechtswissenschaft, p. 209 ss., 211 ss.; WENGLER, Betrachtungen
fim», em todas as consequências singulares e afas- über den Zusammenhang der Rechtsnormen in der Rechtsord-
tando-os apenas justificadamente, isto é, por razões nung und die Verschiedenheit der Rechtsordnungen, em: Fest-
materiais, - ou, por outras palavras: estão adstritos schrift für Rudolf Laun, 1953, p. 719 ss.; LARENZ, Metho-
denlehre cit., p. 135, 353 5.; HANACK, Der Ausgleich
a proceder com adequação. Mas a adequação racional
divergierender Entscheidungen in der oberen Gerichtsbarkeit,
é, como foi dito, a característica da «ordem» no sen- 1962, p. 104 ss.
Também esta não é, de modo algum, apenas um te-se que a «ordem» do Direito não se dispersa numa
«postulado lógico-jurídico» (29), antes se recondu- multiplicidade de valores singulares desconexos, antes
zindo, da mesma forma, ao princípio da igualdade. se deixando reconduzir a critérios gerais relativa-
Por um lado ela constitui - nos seus, por assim dizer, mente pouco numerosos (34); e com isso fica também
componentes negativos - apenas de novo uma ema- demonstrada a efectividade da segunda característica
nação do princípio da igualdade, enquanto procura do conceito de sistema, da unidade (35).
garantir a ausência de contradições da ordem jurídica
(o que já está abrangido pela ideia de adequação (30), quência dele; o puramente individual é, na sua unicidade essen-
cial, sempre «incomparável»; ora a aplicação do princípio da
e por outro - no seu componente positivo (31) - ela igualdade pressupõe, pelo contrário, sempre uma certa abstrac-
não representa mais do que a realização da «tendência ção e generalização que tornam possível uma «comparação»;
generalizadora» da justiça (32), que exige a superação assim a tendência generalizadora da justiça tem, de facto, a
dos numerosos aspectos possivelmente relevantes no sua origem no princípio da igualdade.
caso concreto, a favor de uns poucos princípios, (34) Opõe-se-Ihe, naturalmente, a «tendência individuali-
zadora»; esta não torna impossível a formação do sistema,
abstractos e gerais (33). Através deste último, garan-
apenas lhe apondo limites; cf., quanto a isso, infra § 6 III
(29) Demasiado restrito, quanto a isso, HANACK, ob. cit., e § 7 II 2 b.
p. 107 (cf. também p. 104); trata-se, na verdade, em primeira (35) A conexão entre a ideia da adequação e sobretudo
linha, de um postulado axiológico. a da unidade do Direito e o sistema é muitas vezes salientada,
(30) Assim torna-se de novo clara a conexão estreita ainda que, com frequência, de modo incidental; para além das
existente entre a qualidade de ordem e a da unidade. citações feitas supra, notas 6 a 11, cfr. por exemplo,
(31) A qual tem sido injustamente de5curada, até hoje, na KRETSCHMAR,über die Methode der Privatrechtswissenschaft,
literatura, perante o outro elemento, o da ausência de con- 1914, p. 40 e 42 e JherJb. 67, 264 s., BAUMGARTEN,Die
Wissenschaft vom Recht und ihre Methode, 1920, Bd. I, p. 298
tradições.
(32) Quanto a esta (e quanto à sua inversa, a tendência e p. 344; SAUER, Methodenlehre, ob. cito p. 172; NAWJASKY,
individualizadora) cf., por todos, HENKEL, Recht und Indivi- Al!gemeine Rechtslehre aIs System der rechtlichen Grundbe-
dualiWt, 1958, p. 16 s., 44 S. e passim e Einführung in die griffe, 2." ed., 1948, p. 16 e 264; COING, Rechtsphilosophie,
Rechtsphilosophie, 1964, p. 345 s.; cf. também, por exemplo, ob. cit., p. 276 ss. e JZ 1951, p. 485; ESSER, Gundsatz und
SALOMON, Gundlegung zur Rechtsphilosophie, 2." ed., 1925, Norm, ob. cit., p. 227 e passim; LARENZ, Festschrift für Nikisch,
p. 147 5S.; RADBRUCH,Rechtsphilosophie, 5." ed., 1956, p. 170; 1958, p. 299 s. e Methodenlehre, ob. cit., p. 133 s.; P. SCHNEIDER,
CorNG, Grundzüge der Rechtsphilosophie, 1950, p. 114 s.; VVdDStRL 20, p. 38; RAISER, NJW 64, p. 1204; WIEACKER,
ENGISCH, Die Idee der Konkretisierung in Recht und Rechts- Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2.a ed., 1967, p. 532; BETTI,
wissenschaft unserer Zeit, 1953, p. 199 ss., com outras indica- Al!. Auslegungslehre, ob. cit., p. 223 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967,
ções; EMGE, Einführung in die Rechtsphilosophie, 1955, p. 174 S. p. 2230; MAYER-MALY, The lrish Jurist, vaI. n, part 2, 1967,
(33) Ela não se coloca, aliás, autonomamente perante o p. 375 (cf. também Festschrift für Nipperdey, 1965, Bd. I,
princípio da igualdade, antes sendo, pelo contrário, conse- p. 522).
Longe de ser uma aberração, como pretendem os dade também com frequência possam realizar-se de
críticos do pensamento sistemático, a ideia do sistema modo fragmentado (37).
jurídico justifica-se a partir de um dos mais elevados Assim se atingiu o objectivo fixado no início deste
valores do Direito, nomeadamente do princípio da parágrafo: apurar-se um fenómeno jurídico, que
justiça e das suas concretizações no princípio da constitui um ponto de contacto com um sistema no
igualdade e na tendência para a generalização (3"). sentido da linguagem filosófica; por consequência,
Acontece ainda que outro valor supremo, a segurança torna-se agora possível a tarefa de uma melhor deter-
jurídica, aponta na mesma direcção. Também ela pres- tninação do sistema jurídico. Esta pode, por seu turno,
siona, em todas as suas manifestações - seja como formar os princípios para uma mais exacta análise
determinabilidade e previsibilidade do Direito, como sobre o sentido e os limites do pensamento sistemático
estabilidade e continuidade da legislação e da juris- na Ciência do Direito e permitirá igualmente precisar
prudência ou simplesmente como praticabilidade da e testar as afirmações agora feitas, na sequência ~
aplicação do Direito - para a formação de um sis- ,stUdO (38). O papel do conceito de sistema é, no
tema, pois todos esses postulados podem ser muito entanto, como se volta a frisar, o de traduzir e reali-
melhor prosseguidos através de um Direito adequada-
( z. ar (39) a adequação valorativa e a unidade interior da
mente ordenado, dominado por poucos e alcançáveis .. ordem jurídica.
princípios, portanto um Direito ordenado em sistema,
do que por uma multiplicidade inabarcável de normas
singulares desconexas e em demasiado fácil contradi-
ção umas com as outras. Assim, o pensamento siste-
mático radica, de facto, imediatamente, na ideia de
Direito (como o conjunto dos valores jurídicos mais
elevados). Ele é, por consequência, imanente a cada
Direito positivo porque e na medida em que este ('\7) Esta fragmentação não nega a possibilidade funda-
represente uma sua concretização (numa forma his- mental do sistema; apenas torna claro que são postos certos
toricamente determinada) e não se queda, por isso, limites à sua formação plena (quanto a eles, cf. infra § 6).
('IR) As presentes considerações não são mais do que um
como mero postulado, antes sendo sempre, também,
primeiro esboço do problema do sistema que, na sequência,
pressuposição de todo o Direito e de todo o pensa- ;Iinda irá sofrer múltiplas modificações.
mento jurídico (36) e ainda que a adequação e a uni- ('\!I) Também para realizar; pois a unidade e a adequação
rrito são apenas afirmadas, mas também sempre pretendidas,
(36) Assim falou também SAVIGNY, na citação referida, portanto não apenas pressuposição, mas também um postulado
da «consequência pressuposta do Direito». «'I'. sllpra nota 36 e infra § 5, IV, 2).
Ao atribuir-se, ao conceito de sistema jurídico,
as tarefas acima caracterizadas, afastam-se, de ante-
mão, da multitude dos conceitos desenvolvidos até
hoje (1), todos aqueles que não estejam aptos a
desenvolver a adequação interna e a unidade de uma
ordem jurídica. Isso não implica necessariamente que
eles falhem sem excepção ou que não possam ser
utilizados, em nenhum domínio, para as tarefas da
Ciência do Direito; mas a distinção tem ainda um
certo valor, uma vez que a justificação de um con-
ceito de sistema que não se apoie nas considerações
realizadas no parágrafo anterior é, de antemão, limi-
tada, expondo-se ainda à objecção de poder ignorar
a essência do Direito.

Uma panorâmica encontra-se, por exemplo, em


(1)
){i\DllRUCH,Zur Systematik der Verbrechenslehre, em: Frank-
. Festgabe I, 1930, p. 158 ss.; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957),
p.l77 SS.
I- CONCEiTOS DE SISTEMA QUE NÃO SE JUSTIFICAM
A PARTIR DAS IDEIAS DA ADEQUAÇÃO VALORATIVA E
DA UNIDADE INTERNA DA ORDEM JURíDICA São também impróprios para traduzir a unidade
interior e a adequação de uma ordem jurídica, todos
os sistemas de «puros» conceitos fundamentais tal
como STAMMLER (3), KELSEN(4) ou NAWIASKY (5) os
A este propósito não releva, em primeiro lugar, o desenvolveram. Trata-se, neles, de categorias pura-
chamado sistema externo no sentido da conhecida mente formais, que subjazem a qualquer ordem jurí-
terminologia de HECK(Z) que, no essencial, se reporta dica imaginável, ao passo que a unidade valorativa
aos conceitos de ordem da lei; pois este não visa, é sempre de tipo material e só pode realizar-se numa
ou não visa em primeira linha, descobrir a unidade ordem jurídica historicamente determinada; sobre
de sentido interior do Direito, antes se destinando, na isso, porém, os sistemas de puros conceitos funda-
sua estrutura, a um agrupamento da matéria e à sua mentais, pela sua própria perspectivação, não querem
apresentação tão clara e abrangente quanto possíveL nem podem dizer nada. Não obstante, dispensa qual-
Com certeza que semelhante sistema não fica, com quer enfoque que o afinamento do instrumentarium
isso, despido de valor; pelo contrário: ele é de grande da Ciência jurídica, através do reconhecimento dos
significado para que o Direito possa ser visto no seu sempre pré-elaborados conceitos fundamentais aprio-
conjunto e, com isso, para a praticabilidade da sua rísticos, tem grande valor; no entanto, o carácter
aplicação, bem como, mediatamente, também para a puramente formal e a generalidade destes conceitos
segurança jurídica, no sentido da previsibilidade da e categorias deixam suficientemente claros os limites
decisão. Mas isto não é o «sistema do Direito», no do seu valor para a elaboração científica do Direito,
sentido de uma ordenação internamente conectada, que existe sempre, apenas, numa determinada indi-
embora possa muitas vezes, pelo menos em parte, vidualidade histórica. Assim, as questões que se
fazer esse papel. .......•.. consideram como típicas para a problemática da

(3) Cf. sobretudo, a Theorie der Rechtswissenschaft,


1." ed., 1911, 2." ed., 1923 e o Lehrbuch der Rechtsphilosophie,
:1." ed., 1928.
(1) Cf., sobretudo, a Reine Rechtslehre, 2." ed., 1960.
(2) Cf. Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, 1932, (õ) Cf. a Allgemeine Rechtslehre aIs System der recht-
p. 139 ss. (142 s.). lidwl1 Grundbegriffe, 2." ed., 1948.
formação do sistema jurídico - em especial, as do Direito alemã, tendo os partidários da chamada
significado do sistema para a obtenção do Direito, «jurisprudência dos conceitos» firmado como objec-
as da vinculação do legislador à ideia de sistema ou tivo a elaboração de um sistema desse tipo (8). MAX
as do manuseamento das quebras no sistema - não WEBER caracterizou o conceito de sistema em causa,
se colocam, por acaso, sempre apenas a propósito de de modo certeiro, na sua Sociologia do Direito, da
uma determinada ordem jurídica (6); e também quando
forma seguinte: «Segundo os nossos actuais hábitos
se fala de «pensamento sistemático» - porventura em
de pensamento. ela' (sic, a sistematização) traduz:
oposição ao pensamento problemático ou à tópica-
a concatenação de todas as proposições jurídicas,
não se tem em vista, habitualmente, um sistema de
puros conceitos fundamentais, mas sim o do Direito jhtidas ~r análise, de tal modo que elas formem,
positivo. ~-----.
. entre si, um sistema de regras logicamente claro, em
.--::--
si logicamente livre de contradições e, sobretudo e..
-principalmente, sem lacunas. o Que requer: que todos
os fact;; possam logicamet:lte snhsumjr-se numa das
~s normas. ou caso contrário, a sua ordem abdica
......-- . ... .. .. ""==.
d~rant~ ess.el1çial» (9). Nos bastidores desta con-
e pção· encont;a-se, manifestamente o conceito posi-
Um sistema lógico-formal (7) é igualmente inade- tivista de Ciência (10), elaborado tendo como ideais
quado para exprimir a unidade interior e a adequação a Matemática e as Ciências da natureza. Assim pode
de determinada ordem jurídica positiva. Não obstante, o filósofo WUNDT dizer que a Ciência do Direito,
este ideal dominou por longo tempo a Ciência do por força do seu processo jurídico-conceptual, é «uma-
Ciência eminentemente sistemática» e que, através
(6) Cf. também ENGISCH,ob. cit., p. 182.
(7) Para a determinação do conceito de «lógica formal», •
sobre o qual poderia haver unanimidade alargada, cf. SCHOLZ,
Abriss der Geschichte der Logik, 2." ed., 1959, p. 15. Segundo (8) Cf. por todos, a exposição de LARENZ,ob. cit., p. 17 ss.
ele, deve entender-se, como lógica formal, a parte da Ciência (9) Cf. Wírtschaft und Gesellschaft, 4." ed. (promovida por
que «formula, para a edificação de qualquer Ciência, as regras JOHANNESWINCKELMANN),1956, 2.° tomo, p. 396 (os itálicos
de conclusão e que, do mesmo modo, fornece tudo o que é pertencem ao texto) - MAXWEBERcoloca-se aliás, em posição
necessário para a exacta formulação dessas regras». Sobre inteiramente crítica a esse tipo de Ciência do Direito; cf.,
outros tipos de lógica e sobre a questão de saber se se pode sobretudo, p. 493 e p. 506 s.
falar, com sentido, de uma lógica não formal, cf. SCHOLZ, (10) Para essa influência na Ciência do Direito ci., em
ob. cit., p. 1 e p. 5, respectivamente. geral, LARENZ,Methodenlehre, p. 34 ss.
----
\
30

do seu ({carActerestritamente lógico» cla é «em cert. í diferente de modo diferente, de acordo com a medida
Lmedida, comparável à Matemática» (11). ~J da diferença, pode ser acatada com os meios da
Esta concepção da essência e dos objectivos da lógica? Os valores estão, sem dúvida, fora do âmbito
Ciência do Direito pode-se hoje, sem reserva, consi- da lógica formal e, por consequência, a adequação
derar como ultrapassada. De facto, a tentativa de de vários valores entre si e a sua conexão interna
conceber o sistema de determinada ordem jurídica (12) não se deixam exprimir logicamente, mas antes, ape-
como lógico-formal ou axiomático-dedutivo está, de nas, axiológica ou teleologicamente (14). Pode, com
antemão, votada ao insucesso (13). Pois a unidade isso, colocar-se a questão difícil de saber até onde
interna de sentido do Direito, que opera para o erguer- está o Direito ligado às leis da lógica e até onde a
em sistema, não corresponde a uma derivação da ausência lógica de contradições da ordem jurídica
ideia de justiça de tipo lógico, mas antes de tipo valo- pode ser incluída, como previsão mínima, na sua uni-
rativo ou axiológico. Quem poderia seriamente pre- dade valorativa (15); mesmo quando isso seja afir-
tender que a regra de tratar o igual por igual e o mado, é indubitável que uma eventual adequação
lógico-formal das normas jurídicas singulares não
implica a unidade de sentido especificamente jurídica
(11) Cf. Logik, vaI. m, 4." ed., 1921, p. 617 (mas cf. tam~
bém p. 595 s.): já essencialmente realista a respeito da viabi-
de um ordenamento.
lidade de um sistema lógico-fomal para a Ciência do Direito, Este carácter axiológico e teleológico da ordem
SIGWART,Logik, 2.0 vaI., 2." ed., 1893, p. 736 ss. jurídica implica que, comparativamente, os critérios
(12) Os sistemas dos «puros conceitos fundamentais», lógico-formais tenham escasso significado para o
pelo contrário, por força da sua natureza puramente formal,
pensamento jurídico e para a metodologia da Ciência
poderiam satisfazer intBiramente as exigências de um sistema
lógico-formal ou axiomático·dedutivo.
do Direito (Ia). Na verdade, a Ciência do Direito, na
(13) Do mesmo modo COING, Grundzüge der Rechtsphilo-
sophie, p. 276 e Geschichte und Bedeutung des Systemgedan-
kens, p. 27; VIEHWEG,ob. cit., p. 53 SS.; ENGISCH,Stud. Gen. (14) No sentido amplo do termo, cf. infra, p. 41.
10 (1957), p. 173 ss. e 12 (1959), p. 86; ESSER, Grundsatz und (15) Cf. quanto a isso, também infra, p. 122 S.
Norm, 2." ed. (1964), p. 221; LARENZ, ob. cit., p. 134 s.; (16) Compreende-se que no domínio do tema aqui em
SIMITIS, Ratio 3 (1960), p. 76 ss.; EMGE, Philosophie der discussão só seja possível uma caracterização do nosso próprio
Rechtswissenschaft, 1961, p. 289 s.; BÃUMLIN, Staat, Recht ponto de vista, devendo desistir-se de uma discussão alarga da
und Geschichte, 1961, p. 27; PERELMANN,Justice et raison, com outras opiniões. Para o significado da lógica na Ciência
1963, p. 206 ss.; RAISER, NJW 1964, p. 1203 s.; FLUME, Allg. do Direito cf., por exemplo; ENGISCH, Logische Studien zur
Teil des Bürgl. Rechts, 2.° vaI., 1965, p. 295 s.; DIEDERICHSEN, Gesetzesanwendung, 1943 (3." ed. 1963), p. 3 ss. (em especial
NJW 1966, p. 699 s.; ZIPPELIUS, NJW 1967, p. 2230; cf. também p. 5 s. e p. 13) e Aufgaben einer Logik und Methodik des
já SIGWART,ob. cit., p. 736 ss. juristischen Denkens, Stud. Gen. 12 (1959), p. 76 SS.; KLUG,
32

~~edida em que aspire à cientificidade ou, pelo meno; esclarecido dos valores, pensando-os até ao fim e, a
à adequação racional dos seus argumentos, está evi- concluir, num último estádio, executando-os. Mas
dentemente adstrita às leis da lógica (17); contudo para estas tarefas, a lógica só assume o significado
essa ligação não é condição necessária nem suficiente de um «quadro» (Z0), enquanto o «entender» ou a
para um pensamento jurídico correcto (18); mais ainda: . «valoração» não se podem, no essencial, alcançar
os pensamentos jurídicos verdadeiramente decisivos através dela, - tão pouco como o «entender» um
ocorrem fora do âmbito da lógica formal (19). Assim outro quadro significativo do espírito como, por
sucede com o que é a essência do Direito, com o exemplo, uma obra artística literária ou um textC?
<fi)ncontrar as decisões de valor, com o manuseamento eológica. A hermenêutica como doutrina do entendiD
mento correcto e os critérios para a objectivação dos .
Juristische Denken, 1951, p. 100 ss. (também publicado em
ARSP 39, p. 324 ss.); SIMITIS,Zum Problem einer juristischen
Logik, Ratio 3 (1960), p. 52 ss., com outras indicações alarga-
G
valores desempenham, aliás, em vez dele, o papel
ecisivo dentro do pensamento jurídico (Z').
Tal resulta, sem excepção, de todas as formas de
-.

das; DIETERHORN, Studien zur Rolle der Logik bei der


conclusão jurídica. Assim, na chamada subsunção,
Anwendung des Gesetzes, Diss. Berlim 1962, em especial
p. 142 ss.; FIEDLER, Juristische Logik in mathematischer Sicht,
apenas a obtenção das premissas é decisiva: quando
ARSP 52 (1966), p. 93 ss. a «premissa maior» e a «premissa menor» sejam sufi-
(17) Isto deve ser vincadamente separado da adstrição cientemente concretizadas e ordenadas entre si - e
do Direito ou do legislador às leis da lógica: a problemática para isso a lógica formal não é essencial - está
resulta aqui de se tratar de proposições de dever-ser ou de concluída a tarefa própria dos juristas; a conclusão
valer, que, como tais, não são verdadeiras ou falsas, apenas
podendo ser válidas ou não válidas; perante isso, o jurista faz
final surge agora, por assim dizer, de modo automá-
afirmações (sobre o Direito) que se sujeitam ao critério do tico (22), e até este último acto, a «subsunção» (23),
verdadeiro ou falso ou do justo e injusto.
('8) Isso acentua KLUG,ob. cito de novo com razão; cf.
por exemplo o prefácio à 1.' ed., p. 2, 173. (20) Assim a sugestiva expressão de ENGISCH, Stud. Gen.
('9) A questão do peso do elemento lógico dentro do 10 (1957), p. 176, col. 1; concordando, também, SIMITIS,ob. cit.,
pensamento jurídico não é, de modo algum, de natureza p. 78, nota 134; mas cf. também KRAFT,Die Grundlagen einer
puramente psicológica e, com isso, sistematicamente desinte- wissenschaftlichen Wertlehre, 1951, p. 214 ss., 260 ss.
ressante (mas cf. KLUG,ob. cit., p. 12, para o problema da (21) Cf., quanto a isso, também infra § 2 II 1 e § 7 II 1.
«sobrevalorização» dos conceitos e das construções), antes (22) Não apenas psicológica, mas também metodologica-
tendo eminente significado teorético e científico; da sua res- mente falando; cf. também supra nota 19.
posta dependem as especialidades da metodologia jurídica, (23) Quanto à questão de se é de reter o conceito mais
assim como a posição específica da Ciência do Direito no lato de subsunção, aqui utilizado, ou antes o que se limita a
círculo das Ciências. um puro processo lógico-formal cf., por um lado, ENGISCH,
34

(~ãO é, de modo algum, apenas de tipo lógico-formal, o mesmo sucede, em medida ainda mais forte,
I antes surgindo, numa parte essencial, ainda que fre- para os restantes «processos de conclusão» jurídicos,
'-..quentemente não explícita, numa ordenação valora- como a analogia, a redução teleológica, o argumentum
tiva (24). Por conseguinte, não aparecem praticamente, e contrario, o argumentum a fortiori e o argumentum
na Ciência do Direito, complicadas cadeias lógicas de ad absurdum. Na verdade, KLUG representou estes
derivação (24a). E por conseguinte também, todas as processos de argumentação recorrendo aos meios da
conclusões lógicas pretensamente adstringentes dei- lógica moderna (25), mas é duvidoso que, com isso,
xam-se muito facílmente desmascarar como lógica se tenha ganho algo de essencial para o trabalho
aparente, porque o erro reside nas premissas e a jurídico. De facto, o elemento decisivo de todos estes
lógica se comporta, perante elas, de modo neutro. ocessos não é, sem excepção, de natureza lógica
Assim, para recorrer a dois conhecidos exemplos, não mas antes de natureza teleológica ou axiológica,
é de modo algum lógico que um contrato nulo não enquanto que a sua justificação metodológica não se
possa ser impugnado ou que na aquisição a non deixa alcançar com os meios da lógica, mas sim ape-
domino pelo adquirente de boa fé o (outrora) não- nas através da sua recondução ao valor da justiça e
-titular deva adquirir o direito, em detrimento do ao princípio da igualdade, nela compreendido (posi-
(outrora) verdadeiro titular; tudo isto resulta da for- tiva ou negativamente) (26). Quando a investigação
mação da premissa maior e, sobre isso, apenas deci-
dem pontos de vista teleológicos (*). tabular do artigo 17.°/1 do Código do Registo Predial e o caso
particular do artigo 291. do Código Civil; nestes casos, joga
0

perfeitamente a afirmação feita, no texto, por CANARIS.


Einführung in das juristische Denken, 3.' ed., 1964, p. 199,
(25) Cf. ob. cit., p. 97 sS., 124 sS., 132 s.; cf., também,
nota 47, com outras citações e, por outro, LARENZ,ob. cit.,
p. 210, nota 1. SCHREIBER, Logik des Rechts, 1962, p. 47 ss., que considera
o referido processo inteiramente inadmissível para as regras
(24) Para a problemática da subsunção cf., por todos,
de conclusão, assim como, em especial para a analogia, HELLER,
ENGISCH, ob. cit., p. 54 ss. com indicações; I LARENZ,ob. cit.,
Logik und Axiologie der analogen Rechtsanwendung, 1961,
p. 210 sS.; cf., também, SIGWART, ob. cit., p. 737 S.
p. 10 sS., 24 ss. e 44 ss.
(24") Certo, VIEHWEG, ob. cit., p. 71, e passim.
(26) Para a analogia cf., por exemplo, COING,Grundzüge
(*) Nota do tradutor: no Direito alemão, tal como no
der Rechtsphilosophie, ob. cit., p. 270; LARENZ,ob. cit., p. 283,
francês mas ao contrário do português vigora, nos móveis, a
288 e 296, assim como as citações feitas em CANARIS,Die
regra «posse vale título»: a pessoa que, de boa fé, adquira
Feststellung von Lücken, ob. cit., p. 72, nota 47; para a redu-
um móvel e obtenha a sua posse, torna-se proprietária mesmo
cão teleológica, LARENZ,ob. cit., 296; para o argumentum a
quando o alienante não fosse o seu titular legítimo; assim, só
tortiOl'i e o argumentum e contrario, CANARIS, ob. cit., p. 78
é possível, em Portugal, documentar hipóteses de aquisição
e p. 45, respectivamente; para o argumentum ad absurdum,
a non domino através das regras do registo predial: a aquisição
não é diferente; em sentido próprio só se pode, com ele, signi-
de KLUG sobre a estrutura lógica da analogia termina mento doloso de um erro do comprador sobre a omis-
com a afirmação - indiscutível - de que a resposta são de um vício mas também, «do mesmo modo»,
à questão, «tão essencial na prática» (poder-se-ia bem perante a simulação de uma qualidade favorável? (*)
dizer: apenas essencial na prática) da admissibilidade Outro tanto se pode considerar para todas as outras
de determinada analogia não se obtém com os meios «fórmulas de conclusão»: quando se tenha determi-
da lógica, mas antes depende da definição do res- nado qual a ratia de uma disposição e porque razão
pectivo «círculo de semelhança», o qual só é possível ela não se «adapta» a determinado facto excepcional,
porque razão um valor «já conhecido» «respeita» a
de acordo com critérios teleológicos (27), então resulta
um caso não expressamente regulado ou porque
muito claro quão pouco a lógica formal (na sua forma
razão um facto é valorativamente tão diferente de
«clássica» ou «moderna») pode oferecer à Ciência
outro que a consequência jurídica não pode ser a
do Direito. O essencial fica resolvido assim que o
mesma (29), já se decidiu, respectivamente, estar-se
«círculo de semelhança» esteja determinado, tal como
perante uma redução teleológica, um argumentum a
ocorre na chamada subsunção (28); o resto funciona, fartiori ou uma conclusão e contrario. Tudo conduz
por assim dizer, automaticamente, por si (22). Ou que pois ao mesmo resultado: a descoberta e a afinação
problema metodológico haveria ainda que enfrentar das premissas constitui a tarefa jurídica decisiva,
quando, por exemplo, se tivesse determinado que a enquanto, pelo contrário, a formulação de conclusões
ratia legis do § 463/2 do BGB reside no aproveita- lógico-formais é de significado muito menor; nelas
nunca poderia ser incluído o «terceiro grau» da argu-
ficar que uma determinada consideração conduz ao «puro mentação jurídica, isto é a obtenção do Direito com
arbítrio» ou que ela iria levar a um resultado em crassa o auxílio de princípios jurídicos gerais, da natureza
contradição com outros valores da lei, isto é, com o princípio das coisas, etc., onde o que se disse vale, natural-
da igualdade ou, numa utilização não puramente negativa do
argumento (meramente contraditante), mas antes positiva (fun-
damentadora de um determinado resultado): que qualquer (*) Nota do tradutor: diz o § 463 do BGB:
outro que não o resultado proposto conduziria ao «puro arbí- (1) Quando, no momento da venda, falte à coisa vendida
trio» ou a uma crassa contradição de valores: também aqui uma qualidade assegurada, pode o comprador, em vez da reso-
o poder convincente seria aferido não perante o valor da ver- lução ou da redução do preço, exigir uma indemnização pelo
dade, mas sim em face do da justiça. inconveniente. (2) Vigora o mesmo regime quando o compra-
(27) Cf. ob. cit., p. 123; para o argumentum a fortiori dor tenha, dolosamente, calado um vício.
cf. p. 137 e para o argumentum ad absurdum cf. p. 138. (29) Para a limitação do argumentum e contrario a este
(28) Cf. também as críticas às considerações de KLUG caso e para a sua distinção da proibição da analogia, cf.
em li>IMITIS,ob. cit., p. 66 ss. CANARIS, ob. cit., p. 44 ss. (46 5.).
\
de KLUG sobre a estrutura lógica da analogia termina mento doloso de um erro do comprador sobre a omis-
com a afirmação - indiscutível - de que a resposta são de um vício mas também, «do mesmo modo»,
à questão, «tão essencial na prática» (poder-se-ia bem perante a simulação de uma qualidade favorável? (*)
dizer: apenas essencial na prática) da admissibilidade Outro tanto se pode considerar para todas as outras
de determinada analogia não se obtém com os meios «fórmulas de conclusão»: quando se tenha determi-
da lógica, mas antes depende da definição do res- nado qual a ratio de uma disposição e porque razão
pectivo «círculo de semelhança», o qual só é possível ela não se «adapta» a determinado facto excepcional,
de acordo com critérios teleológicos (27), então resulta porque razão um valor «já conhecido» «respeita» a
um caso não expressamente regulado ou porque
muito claro quão pouco a lógica formal (na sua forma
razão um facto é valorativamente tão diferente de
«clássica» ou «moderna») pode oferecer à Ciência
outro que a consequência jurídica não pode ser a
do Direito. O essencial fica resolvido assim que o
mesma (29), já se decidiu, respectivamente, estar-se
«círculo de semelhança» esteja determinado, tal como
perante uma redução teleológica, um argumentum a
ocorre na chamada subsunção (28); o resto funciona, fortiori ou uma conclusão e contrario. Tudo conduz
por assim dizer, automaticamente, por si (22). Ou que pois ao mesmo resultado: a descoberta e a afinação
problema metodológico haveria ainda que enfrentar das premissas constitui a tarefa jurídica decisiva,
quando, por exemplo, se tivesse determinado que a enquanto, pelo contrário, a formulação de conclusões
ratio legis do § 463/2 do BGB reside no aproveita- lógico-formais é de significado muito menor; nelas
nunca poderia ser incluído o «terceiro grau» da argu-
ficar que uma determinada consideração conduz ao «puro mentação jurídica, isto é a obtenção do Direito com
arbítrio» ou que ela iria levar a um resultado em crassa o auxílio de princípios jurídicos gerais, da natureza
contradição com outros valores da lei, isto é, com o princípio das coisas, etc., onde o que se disse vale, natural-
da igualdade ou, numa utilização não puramente negativa do
argumento (meramente contraditante), mas antes positiva (fun-
damentadora de um determinado resultado): que qualquer (*) Nota do tradutor: diz o § 463 do BGB:
outro que não o resultado proposto conduziria ao «puro arbí- (1) Quando, no momento da venda, falte à coisa vendida
trio» ou a uma craS3a contradição de valores: também aqui uma qualidade assegurada, pode o comprador, em vez da reso-
o poder convincente seria aferido não perante o valor da ver- lução ou da redução do preço, exigir uma indemnização pelo
dade, mas sim em face do da justiça. inconveniente. (2) Vigora o mesmo regime quando o compra-
(27) Cf. ob. cit., p. 123; para o argumentum a fortiori dor tenha, dolosamente, calado um vício.
cf. p. 137 e para o argumentum ad absurdum cf. p. 138. (29) Para a limitação do argumentum e contrario a este
(28) Cf. também as críticas às considerações de KLUG caso e para a sua distinção da proibição da analogia, cf.
em SIMITIS, ob. cit., p. 66 S5. CANARIS, ob. cit., p. 44 ss. (46 5.).
\

mente, em medida ainda maior. Por consequência, KLUG (32), do nosso campo (33). Mas a confecção de
hoje não mais se pode pôr em dúvida que um sistema um sistema axiomático-dedutivo do Direito aparece
lógico-formal não sirva, de alguma maneira, nem a excluída também por outras razões. Deve, designada-
essência do Direito, nem as tarefas especificas do mente, questionar-se que seja possível uma formação
jurista.
plena de axiomas, na Ciência do Direito. Para tal
formação, seria necessário, como é reconhecido, reu-
b) O sistema axiomático-dedutivo no sentido da nir pelo menos duas (34) exigências: a da ausência de
logística

A recusa de um sistema lógico-formal conduz, con- (32) Este exige a axiomatização do Direito; d. ob. cit.,
sequentemente, também à recusa de um sistema p. 172 55. (cf. também KRAFT,ob. cit., p. 263; HARLEN,ob. cit.,
p.477 55.). Poder-se-ia, a isso, objectar que KLUG vê bem os
axiomático-dedutivo (30). Este pressupõe que todas as
limites da lógica na jurisprudência e que ele acentua expres-
proposições válidas dentro de um determinado âmbito samente o significado do elemento teleológico (do, por exem-
material se deixem deduzir de axiomas, através de plo, p. 123, 137, 138 e 176 ss.); tal não seria, porém, exacto
uma dedução puramente lógico-formal (31). Porque pois KLUG pretende proscrever expressamente o elemento
isso, como acima foi dito, é inconciliável com a essên- teleológico do processo de conclusão, mantendo-o na formação
cia da Ciência do Direito, o método axiomático-dedu- das premissas, não determináveis logicamente (a esse propó-
tivo exclui-se, desde logo, contra a opinião de sito a crítica de DIEDERICHSEN,NJW 66, p. 700, nota 40, ao
ent~ndimento de RAISER da afirmação de KLUG, em minha
opinião, não procede); ele não pode, porém, ser seguido
(30) Para o sistema axiomático-dedutivo d., por tod ,
nesse ponto, por força de integração, em cada «conclusão»
HILBERT-AcKERMANN, Grundzüge der theoretischen Logik, 3." edo,
jurídica, de um elemento da ordenação valorativa.
1949, p. 31 ss. e p. 74 SS.; FRAENKEL,Einführung in die Men-
(33) Isso corresponde à opinião dominante; d. as indi-
genlehre, 3." ed., 1928, p. 268 ss. e, sobretudo, p. 334 SS.;
CARNAP,Abriss der Logistik, 1929, p. 70 s. e Einführung in cações dadas supra, nota 13.
die symbolische Logik, 1954, p. 146 ss.; uma panorâmica curta (34) Além disso, é requerida ainda, muitas vezes, a <muto-
e fácil encontra-se em BOCHENSKI,Die zeitgeni5ssischen Denk- nomia», isto é, a indedutibilidade dos axiomas uns dos outros
methoden, 1954, p. 85 s. e em POPPER, Logik der Forschu~ (d., por exemplo, HILBERT-AcKERMANN,ob. cit., p. 33 s.;
1966, p. 413. . FRAENKEL,ob. cito, p. 340 5S.). Esse postulado pode, contudo,
(31) Cf. FRAENKEL,ob. cit., p. 334 e p. 347; CARNAP, não ser considerado no presente desenvolvimento, uma vez
Symbolische Logik cit., p. 147; d., ainda, por exemplo, HARLEN, que tem a natureza de mera economia de pensamento ou é
ARSP 39 (1951) p. 478 5.; VIEHWEG,ob. cit., p. 55; ENGISCH, talvez, também de tipo estético; seria, em qualquer caso, de
Stud. Gen. 10 (1957) p. 174, cal. 1 e 12 (1959), p. 86, coI. 2; acatar na Ciência do Direito, caso, no restante, singrasse uma
KLUG, ob. cit., p. 181; BULYGIN,ARSP 53 (1957), p. 329 s. axiomatização.
contradições (35) e a da plenitude (36); ora se a viabi- porque o sistema, devendo exprimir a unidade agluti-
lidade da primeira é, desde logo, extraordinariamente nadora das normas singulares não pode, pelo que lhe
problemática, a da segunda é de recusar, sem toca, consistir apenas em normas; antes deve apoiar-se
objecções. nos valores que existam por detrás delas ou que nelas
No que respeita, em primeiro lugar, à ausência de estejam compreendidos (40) Além disso, num sistema
o

contradições, é seguro, como geralmente se reco- de normas, a ausência de contradições só se deixaria


nhece, que se deve negar uma contradição entre duas alcançar quando, para além das normas básicas, todas
normas, em todas as circunstâncias, tendo a metodo-

'
as excepções que as limitam fossem elevadas à cate-
, logia jurídica desenvolvido um instrumentarium que, goria de axiomas; ora estes podem ser tão numerosos

j~ em caso extremo através da aceitação de uma


,,' «lacuna de colisão» (37), o possibilite (38). Contudo,
, isso só funciona para verdadeiras contradições de
normas, enquanto que as contradições de valores e
que nos devemos interrogar se, na realidade, não se
trataria de uma axiomatização aparente; é, de facto,
mais do que questionável se proposições como «os
negócios são consensuais salvo quando a lei comporte
de princípios não se deixam evitar sem excepções (S9); uma prescrição de forma» ou «os contratos devem ser
por consequência, o postulado da ausência de contra- acatados, a menos que a lei conceda uma justificação
dições só se alcança num sistema de normas e não, ou uma excepção» possam ser consideradas, propria-
também, num sistema de valores ou de princípios. mente, como axiomas ('11). Acrescente-se ainda que as
Esta objecção não deve ser tomada com ligeireza excepções muitas vezes surgem «não-escritas» e, em
(35) Cf. HILBERT-AcKERMANN, ob. cit., p. 31 So e 74 ss.;
certas circunstâncias, só podem ser obtidas atravm'
FRAENKEL, ob. cit., p. 356 ss.; CARNAP, Abriss, ob. cit., p. 70 s. da «interpretação criativa do Direito»; então torna-sD
e Symbolische Logik, p. 148 s.; LEINFELLNER, Struktur und
Aufbau wissenschaftlicher Theorien, 1965, p. 208; HÃRLEN,
ob. cito, p. 477; ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 174; KWG,
totalmente claro que dificuldades levanta o postulado
-
da ausência de contradições. _ -
A realização da segunda característica, da pleni-
ob. cito, p. 176; BULYGIN, ob. cit., p. 330.
('36) Cf. HILBERT-AcKERMANN,ob. cito, p. 31 e 33 ss. (35);
tude, é, no entanto, totalmente impossível (42). Sob
FRAENKEL,obo cit., p. 347 ss.; CARNAP, Abriss, ob. cit., p. 70 s. ela é de entender, segundo HILBERT-AcKERMANN (no
e Symbolische Logik, ob. cit., p. 149 (cf. também p. 147);
HÃRLEN, ob. cit., p. 477 So; ENGISCH,ob. cit., p. 330.
(37) Cf., quanto a isso, infra § 6 I 4 a. (40) Cf. infra, p. 48 S.
(38) Cf., quanto a isso, por todos, ENGLISCH, Einheit cit., (41) Cf. também ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 176.
p. 46 ss. e Einführung cit., p. 158 S. (42) A crítica à possibilidade de um sistema jurídico
(39) Cf., quanto a isso, infra § 6 l, em especial po 119 S8., nxiomático-dedutivo não tem ponderado suficientemente, na
126 ss. e 130 s.
minha opinião, esta característica.
mínimo) (43), «que todas as formas correctas, dentro poucas proposições novas, mesmo quando se incluam
do âmbito a caracterizar, se deixam retirar do sistema as «premissas maiores», concretas antes elaboradas
de axiomas» (41). Aceitando-se, com isto, que nenhu- para a solução de um determinado caso concreto (47).
mas proposições com conteúdo material autónomo pos- Talvez ainda se possa reconduzir esta objecção a
sam ser introduzidas fora dos axiomas, antes devendo uma questão de terminologia; há, no entanto, uma
resultar todos os «teoremas» de puras operações segunda objecção procedente. Se, conforme o reque-
lógico-formais (45), então, em consequência, o postu- rido, todas as proposições de uma ordem jurídica se
lado da plenitude iria exigir, não só que as normas deixassem retirar de axiomas, então também as pro-
fundamentais de uma lei, com as suas excepções, posições jurídicas destinadas à integração de lacunas
mas também todos os preceitos (escritos e não escri- se deveriam compreender neles. Mas isso pressuporia
·fos!) devessem ser elevados à categoria de axiomas. que aquelas fossem, sem excepção, imanentes, ao
I
De facto, quase todas as disposições legais têm um Direito positivo - do qual se desenvolveram os axio-
\ conteúdo material autónomo e modificam ou concre- mas! - o que só sucede por pura casualidade, de tal
...~. tizam as decisões jurídicas fundamentais numa ou modo que se pode ter como excluído. De facto, há
/\ noutra direcção; de outro modo, elas seriam supér- um determinado tipo de lacunas, no qual a incomplei-
"\ fluas o que, mesmo em leis mal elaboradas, Só de tude da lei resulta indubitável, no campo do Direito
c\ poucas normas é possível dizer. Não há regras rígidas
.
vigente: com a simples determinação dessas lacunas,
v a propósito do número de axiomas que podem cons- não se progride um mínimo quanto às possibilidades
tituir um sistema axiomático; não obstante, tal da sua integração (48) e aí, em certas circunstâncias,
número não é, por seu turno, indiferente (46); ele o conjunto da restante ordem jurídica não compreende
deveria, em qualquer caso, ser essencialmente menor qualquer indicação para as colmatar; o exemplo clás-
do que o número dos «teoremas» dele derivados. sico é a falta de uma prescrição sobre o estatuto das
Através da combinação de proposições jurídicas sin- obrigações no Direito internacional privado. Pois a
gulares entre si, só é possível formular relativamente axiomatização do Direito pressuporia aí que, para
(43) Ainda mais estreitamente falam HILBERT-AcKERMANN todos os casos de lacunas, houvesse, na ordem jurí-
da plenitude dos axiomas «quando pela introdução no sistema
de fõrmulas básicas, de uma fõrmula até então não derivável (47) Questão contudo diferente é a de que, com auxílio
surja sempre uma contradição» (cf. ob. cit., p. 35). ' destas proposições, possa ser possível resolver um número
(44) Cf. ob. cit., p. 35.
infinito de «casos da vida».
(45) Cf. supra, na nota 31. (48) Cf. CANARIS,Die Feststellung von Lücken, ob. cit.,
(46) Cf. também ENGISCH,Stud. Gen. 12 (1959), p. 86 p. 144 ss. onde o correspondente tipo de lacuna é caracterizado
e a conversa aí relatada com KLUG. como «lacuna de ordenação» ou «de recusa do Direito».
dica, uma valºrização integrativa; ela resultaria do sões de valor necessárias se deixam formular definiti-
postulado da compleitude teleológica do Direito' ora vamente - decorre, portanto, de um pré-julgamento
não se contradita apenas, sem objecção, a teoria da tipicamente positivista (51), que hoje pode conside-
compleitude lógica; também a compleitude teleoló- rar-se como definitivamente rejeitado.
gica é pura utopia (49). Em estreita conexão com
esta crítica está, finalmente, o facto de a lei com-
preender uma porção de cláusulas gerais «carecidas
de preenchimento com valorações», tais como a boa
fé, os bons costumes, a exigibilidade, o cuidado neces-
sário no tráfego, etc. Nestas, a concretização da a) O conceito de sistema de MAX SALüMON
valoração e a formação de proposições jurídicas só
podem operar perante o caso concreto ou em face de Como que do lado oposto, surge a tentativa de
grupos de casos considerados como típicos; semelhan- conceber o sistema como uma conexão de problemas.
tes normas são, assim, de antemão, de dogmatiza- Tal foi o empreendimento de MAX SALOMON (52) e
ção inviável. Acresce ainda que a passagem de tais como essa concepção tem hoje, sem dúvida, de
cláusulas carecidas de preenchimento com valorações novo uma actualidade especial, vai, de seguida, tra-
para as demais disposições é inteiramente fluida tar-se dela mais de perto. O ponto de partida de
podendo mesmo dizer-se que todas as determinaçõe~ SALOMONfoi o objectivo de fundamentar o carácter
da lei carecem, numa ou noutra direcção, de concre- científico da jurisprudência. Mas na sua opinião só
tização valorativa. Estas complexidade e variabilidade pode ser considerado como Ciência o empreendimento
de sentido opõe-se, em última análise, sempre à dirigido a um objecto permanente (53). Nesse ponto, a
axiomatização. jurisprudência falha, enquanto se ocupa de uma deter-
A confecção de um sistema axiomático-dedutivo minada ordem jurídica histórica, - e com isso SALO-
não é, assim, possível (50) e contradiz a essência do MON, inelutavelmente fascinado pela célebre confe-
Direito. Semelhante tentativa decorre, tal como, sobre- rência de VONKIRSCHMANN sobre «A ausência de valor
tudo, as considerações sobre a necessidade da «pleni- r
tude» dos axiomas deixaram claro, da utopia de que, (51) Com isso a censura do positivismo, contra a qual!"
dentro de determinada ordem jurídica, todas as deci- KLUG, ob. cit., p. 173 s. se tinha precavido, procede inteiramente!
(52) Grundlegung zur Rechtsphilosophie, 2." ed., 1925, em
especial p. 26 S8. e 54 ss.; concordando, BURCKHARDT, Methoden
(49) Cf. CANARIS, ob. cit., p. 173. und System des Rechts, 1936, p. 131, nota 24.
(50) Bem como as citações supra, nota 13. (53) Cf. ob. cit., p. 11 SS. e 18 ss. (21).
da jurisprudência como Ciência», fica expressamente Para além disso, deve também questionar-se que
ligado (54) ao lema proferido: «Três palavras adequa- seja possível o desenvolvimento de um sistema de
das do legislâdor e bibliotecas inteiras tornam-se em problemas (59); um tal «sistema» seria, antes, uma
papel de embrulho» (55). Como saída, SALOMON vê contradição em si. Falta-lhe, necessariamente a uni-
apenas a ocupação com os problemas (permanente) e dade indispensável para o conceito de sistema, a cone-
não, pelo contrário, com as suas soluções (não per- xão interna (00). Os problemas, como tais, não são
manentes). Retira-se, assim, sem mais, o que até hoje mais do que questões isoladas, que se podem esco-
se chamava Ciência do Direito, do círculo das Ciên- lher arbitrariamente e que, por isso, para poderem
cias (50), ficando apenas, como objecto da verdadeira integrar uma relação sistemática, carecem de um ele-
Ciência do Direito, a formação do «sistema dos pro-- mento instigador de sentido e de unidade, que só pode
blemas da legislação possível» (57) . existir fora deles próprios. Assim, logo o pr:meiro
Fica claro, à primeira vista, que semelhante sis- problema imaginável- a questão das tarefas de uma
tema de problemas e das suas conexões é inadequado ordem jurídica - requer que, de certo modo, se saiba
para traduzir a unidade interior e a adequação da ou se pressuponha o que é o Direito; o perguntar sem
ordem jurídica. Pois o Direito não é um somatório ',,'qualquer pressuposição é impossível, porque a coloca-
de problemas, mas antes um somatório (58) de solu- ção de uma pergunta implica sempre, em si, um certo
ções de problemas; por isso a sua unidade de sentido ( «ponto de vista». Isto sucede em todos os graus da
também só pode ser encontrada nesses pontos de ,/ conexão de questões. Assim, a problemática da auto-
vista de base e não em questões isoladas. O conceito \ nomia privada e do negócio jurídico só se põe quando
de sistema de SALOMON também não é, por isso, capaz . a questão prévia da ordem das relações humanas
de contribuir para o esclarecimento do tema colocado tenha sido respondida em certo sentido, designada-
na presente investigação. mente a favor da criação de um Direito privado (01);
só esta resposta coloca novas questões como, por
(54) Die Wertlosigkeit der Jurisprudenz ais Wissenschaft,
exemplo, a da necessidade de forma para os actos de
1848, p. 17.
(55) Cf. ab. cit., p. 13 e p. 21. (09) Cf., quanto ao que segue, a óptima crítica de BINDER,
(56) Também é esta a opinião de SALOMON;cf., por exem- Kantstudien 25 (1921), p. 321 ss.
plo, p. 24, 54 ss., 63 e passim. (00) A opinião contrária de SALOMON,ob. cit., p. 58 ss.
(57) Cf. p. 54 ss., 67. é uma mera afirmação.
(58) Somatário não de entender-se como mera adição, (01) Cf., quanto a isso, F. V. HIPPEL, Das Problem der
mas antes como conjunção de sentido, rechtsgeschiiftlichen Privatautonomie, 1936.
autonomia privada, a do tratamento das perturbações, bilidade de escolha, sempre resultante da resposta às
como os erros, e a dos limites da autonomia privada; questões prévias; contra o carácter científico de um
só que das suas respostas surgem novas sub-questões tal empreendimento não se podem, por certo, alegar as
como, por exemplo: a partir da necessidade de princí- objecções de SALOMON (63).
pio de forma obrigatória, o problema de excepções
eventuais e a sua diferenciação plena e, aí, de novo
o do tipo de forma a observar e a sua diferenciação;
a partir da consideração de princípio dos erros, o pro-
blema da determinação dos erros relevantes, da ale- A muito discutida (64) pesquisa de FRITZ VON
gabilidade do erro e da indemnização do dano da HIPPEL sobre a construção do sistema jurídico é
confiança da contra parte; a partir da afirmação de aparentada com as ideias de SALOMON (05). Este preo-
princípio dos limites da autonomia privada, o pro-
(63) Elas também não procedem, aliás, contra uma Ciên-
blema da sua determinação, seja através de normas cia do Direito que se ocupe de uma determinada ordem jurídica,
estritas, como no § 134 BGB, seja através de regras desde que se veja o Direito legislado como uma das possíveis
flexíveis, como no § 138 BGB, cuja formulação pode soluções do problema «perpétuo» da justiça, sob as exigências
ainda, em cada caso, ser de tipo positivo ou do nega- de uma situação histórica concreta. Por isso também a afirma-
ção de VONKIRCHMANN àcerca das bibliotecas que se torna-
tivo (escolhido, e bem, pelo § 138) (G2), etc., etc. Tudo
riam papel de embrulho é improcedente; toda a história do
isto não permite contestar a impossibilidade de um Direito privado e, em especial, o surgimento do BGB, que seria
puro sistema de problemas. Possível é apenas pro- impensável sem os trabalhos preparatórios da Ciência, são a
jectar uma conexão de pergunta e resposta, de nova melhor refutação. As ideias desenvolvidas pela Ciência do
pergunta (daí emergente) e de nova resposta, etc. Direito não ficariam, de modo algum, sem valor, «através de
um risco do legislador», antes sendo, no desenvolvimento do
O objectivo de uma Ciência que não queira limitar-se
Direito (em sentido hegeliano) ou «suprimidos» ou «enrique-
a um determinado Direito positivo deveria ser a ela- cidos», como que esperando a existência «perpétua» de pos-
boração das soluções dos problemas então possíveis, síveis soluções de problemas. Que as obras que contenham
cujo número é, aliás, limitado, das subquestões daí estas ideias envelheçam, passa-se também com todos os tra-
resultantes e das possíveis subrespostas, bem como, balhos científicos; e de outra maneira todo o progresso
científico seria impensável.
a propósito das subrespostas, da limitação na possi-
(64) Cf. VIEHWEG, ob. cit., p. 66 ss.; EssER,Grundsatz und
Norm cit., p. 5 s.; ENGISCH,Stud. Gen. 10 (1957), p. 179,
DIEDERICHSEN, NJW 1966, p. 699.
(62) Não se deve, pois, determinar que o negócio jurídico (65) Cf. Zur Gesetzmassigkeit juristischer Systembildung,
corresponde aos bons costumes, mas sim que ele não os 1930; citado segundo F. V. HIPPEL, Rechtstheorie und
contradiz. Rechtsdogmatik, 1964, p. 13 ss.
cupou-se em descobrir a «conexão imanente de pro- de causa; antes prossegue, no local citado (69): «Nós
blemas» necessariamente consubstanciada com o reco- podemos, daqui em diante, ordenar a massa de conhe-
nhecimento da autonomia privada e desenvolveu, com cimentos singulares jurídico-privados como respostas
base nesse exemplo, ideias gerais sobre a construção históricas a questões permanentes de uma determi-
do sistema. No âmago da sua concepção coloca-se o nada conexão de problemas ... ». VON HIPPEL também
significado daquela «conexão imanente de proble- acentua, com bastante clareza, que esta conexão de
mas»; diz ele: «conheçamo-Io e conheceremos a sis- problemas não resulta, de modo algum, a priori, mas
temática jurídico-privada» (66). Não havendo aqui um apenas na base de determinada resposta, designada-
equívoco, fica a ideia de que VON HIPPEL vê o sis- mente da decisão a favor da autonomia privada.
tema, tal como SALOMON, exclusivamente na conexão A conexão inseparável da resposta com o problema e
de problemas. Assim entendeu de facto VIEHWEG as i" da nova resposta com o novo problema é, para VON
suas explicações, tendo-as resumido do seguinte . HIPPEL, totalmente consciente. Ele també~ não ~i.sse
modo: «Com isso, tal conexão imanente de problemas
forma a procurada sistemática jurídico-privada»; a j que a conexão de problemas «forma» a slstematlCa,
sendo pois, como lhe atribui VIEHWEG, a ela idêntica,
sua especialidade está em que ela não é mais pro-
mas apenas que nós podemos «conhecer» a sistemá-
curada «do lado do Direito positivo», antes lhe «cor-
'\ tica, porque nós podemos agora ordenar as diferentes
respondendo», «manifestando-se como que uma estru-
tura de perguntas» (67). I soluções.
, Todavia, mantém-se assim uma certa impressão
Um tal «sistema» ma expor-se a todas as
discrepante, mesmo quando se tem em conta que
objecções que acima foram feitas contra SALOMON e,
na verdade, nem poderia aspirar ao nome de sistema.
É, contudo, duvidoso que VIEHWEG tenha, efectiva- ralidade com que VON HJPPEL fundamentou a ideia de sistema
devia levar VIEHWEGa duvidar da justeza da sua interpretação;
mente, entendido bem VON HIPPEL (68). De facto este
como VIEHWEGe contra DIEDERICHSEN,agora também WIEACKER,
não deixa, de forma alguma, o lado da resposta, fora Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2." ed., 1967, p. 597,
nota 48 (*).
«W) Deve salientar-se que ambas as proposições estão
(66) Cf. ob. cit., p. 19. ligadas por dois pontos, que deixam clara a sua estreita liga-
(67) Db. cit., p. 67. ção interior.
(68) Isso contesta DIEDERICHSEN,ob. e loc. cito De facto, (*) Nota do tradutor: Traduzida em português por ANTÓ-
não basta para tanto, a mera referência à intenção de VON NIO HESPANHAe publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian
HIPPEL de construir um sistema, pois esta poderia relacionar-se sob o título História do Direito Privado Moderno; vide, aí, a
eom um mal-entendido na ideia de sistema; no entanto a natu- p. 690-691, nota 48.
VON HIPPEL devia naturalmente salientar o aspecto não dando também, por isso, um projecto próprio de
problemático como o realmente novo da sua pesquisa.
tiistema (72). Ele apenas faz, aliás em total correspon-
Na verdade, ele disse com toda a razão: também o
dência com o título do seu trabalho, considerações
legislador, na medida em que «responda a estas ques-

t
«para a regularidade da formação do sistema jurí-
. tões, cria um Código Civil» (70); no entanto, devia-se \,
dicQ», com o que salienta a conexão imanente de pro-
ainda acrescentar: «ele apenas faz um sistema na ~\
blemas, necessariamente ligada a uma determinada
medida em que responda». Mas VON HIPPEL, não diz, I"
contudo, o que dá, a essas respostas, o sentido uni- decisão fundamental- isto é, desde já: a uma solução
tário, nem segundo que pontos de vista valorativos de problemas. É indubitáveI que aquela conexão
sobre-ordenados resolve o legislador os problemas (71), existe, merecendo, por isso, as ideias de VON HIPPEL,
inteira concordância; mas ele não chegou a dar uma
determinada concretização do conceito de sis-
(70) Ob. cit., p. 22. tema (73) - tal como se trata neste parágrafo.
(71) Na linha desta objecção, a crítica que VON HIPPEL
faz ao sistema do iluminismo não é inteiramente convincente.
Nesse projecto esteve-se sempre perante a ideia de que a uni-
dade de sistema, para a qual todo o Direito essencialmente
apontava, só se poderia obter na base de alguns princípios
ético-jurídicos pouco numerosos - e isso constitui a sua indu- À semelhança das conexões de problemas,
bitável grandeza. Que esses princípios tenham sido unilateral- enquanto tais, tão-pouco as relações da vida e a sua
mente sobrevalorizados ou que, pelo menos, hoje isso assim
nos pareça - e que, por isso, eles precisem de complementação
através da aceitação, no nosso sistema, de outros princípios
fundamentais (cf., quanto a isso, sobretudo, COING, Festschrift (72) É duvidoso que ele o tenha querido; cf. o título do
für DalIe, 1963, 1.0 voI., p. 25 ss., em especial p. 29 ss.) apenas seu trabalho e, igualmente, o texto. Mas para a afirmativa a
significa que a escolha da ordenação (de forma, aliás histo- essa pergunta depõe, no entanto, o facto de ele colocar a sua
ricamente compreensível) foi feita de modo unilateral, e não, própria concepção no plano da sistemática do iluminismo e do
em caso algum, que a «regularidade da formação do sistema século XIX; cf. p. 23 e p. 36. ,
jurídico tenha sido desconhecida»; de facto, enquanto res- (73) Poder-se-ia, contudo, em ligação com, as suas :onsl-
posta ao problema fundamental da justiça, este projecto é derações, dar a definição de que o sistema serIa a soluçao de
inteiramente compreensível- em oposição à «teoria dos fac- uma conexão de problemas; manter-se-ia, porém, por um lado,
tos jurídicos», assim chamada por VON HIPPEL - a qual, de a dúvida se VON HIPPEL quis efectivamente considerar a «face
facto, menosprezou a essência da formação do sistema jurídico das respostas» no conceito de sistema e, por outro, não seria
(sem no entanto, dever ser equiparada, em globo, à «sistemá- também a definição suficiente, por lhe faltarem os elementos
tica do século XIX»; .cf., porém, VON HIPPEL, ob. cit., p. 36). essenciais do conceito: a unidade e a ordem.
ordem imanente (74) são suficientes para a construção
contra uma identificação desta ordem com a conexão
do sistema. Pois elas são apenas objecto do pireito,
específica das normas jurídicas, pois haveria aí um
sendo formadas por ele, na sua forma específica; elas
sociologismo alheio ao valor do Direito CG).
não podem, por isso, formar em si próprias a unidade
do Direito nem, também, comportá-Ia por si sós. Isso
não quer, naturalmente, dizer que elas não possam,
por seu turno, influenciar o Direito, como «natureza 6. O «sistema de decisões de conflitos» no sentido
das coisas» e, com isso, em certas circunstâncias, de HECKe da jurisprudência dos interesses
actuar no seu sistema; este, porém, com isso, ainda
não está plenamente implantado nas relações da vida.
Também não deve, evidentemente, negar-se que a Fica por investigar um último conceito de sistema:
ordenação das relações da vida tenha uma influência o de Heck e da jurisprudência dos interesses. Deriva,
essencial no sistema «externo» do Direito - pense-se como se sabe, de HECK a distinção fundamental entre
apenas no apoio de âmbitos jurídicos como do Direito o sistema «externo» e o «interno» (77). Para apurar a
de Família e das Sucessões, do Direito Comercial, do . unidade e a adequação da ordem jurídica releva, de
Trabalho ou de Autor ou dos tipos singulares do . antemão, apenas o sistema interno; pois entre as suas
Direito das obrigações em especial, nos corresponden-
. tarefas deve haver, segundo as palavras de HECK, no
tes fenómenos da vida (75)! Mas deve prevenir-se /... domínio de uma «conexão material», uma «ordem
(74) LARENZ, ob. cito atribui a HECKa opinião de que o -I. imanente» (78). Onde fica, então, este sistema <<in-
sistema interno é «logo dado nas conexões da vida» (cf. p. 57 terno», segundo a opinião de HECK?
e p. 362). De facto, encontram-se afirmações nesse sentido
(cf. p. ex. HECK,ob. cit., p. 149 s. e p. 158); no entanto,este
aspecto do entendimento do sistema de HECKrecua perante
a ideia de um «sistema de decisões de conflitos» (cf. sobre isso, (76) Um exemplo disso ê a poslçao de EHRLICH,que
o texto, infra, n.O6). Elas poderiam ser s6 o prosseguimento nega a «unidade do Direito nas suas proposições» (cf. Die
consequente das proposições sociológicas da «teoria dos inte-
juristische Logik, 2." ed., 1925, p. 137) e apenas a quer reco-
resses genéticos» (cf. infra nota 100); mas também aqui se
mostra que a jurisprudência dos interesses não se reporta a nhecer como «unidade na conexão da sociedade» (cf. p. 146).
isso, antes remetendo para o significado- não casualmente EHRLlCH deveria, consequentemente optar pelo conceito de sis-
determinado - do valor legislado. tema indicado no texto; cf. também infra, nota 100.
(75) Também aqui surge uma estreita relação, determi- (77) Cf. Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, 1932,
nada pela natureza das coisas, entre o sistema «externo» e o p. 139 ss. (142 s.).
«interno».
(78) Cf. ob. cit., p. 143.
juízos de valor expressos nas normas singulares, assim
a) A posição da jurisprudência dos interesses quanto como os mais altos valores do Direito, como a jus-
à ideia da unidade do Direito tiça, a equidade, etc., descurando, no entanto,,,i<O g,.ue_
fica entre. eles, os escopos fundam~n.tai.S-,_e.specif.kD.$
"""
HECK rejeita expressamente a ideia - em si evi-
dente (79) - de que os elementos da ordem imanente ..---
dãr~spectiv:.o asp~cto juri~~(;;) ou, como diríamos
hoje: os princípios gerais do Direito; e de modo
sejam visíveis nos interesses singulares (80) e caracte-
característico, ele associou-lhe a censura da falta de
riza o sistema como «sistema de decisões de confli-
formação do sistema. E também OERTMANN teceu
tos» (81). A questão, porém, de saber até onde este
críticas com palavras persuasivas, dizendo que, ape-
realiza a unidade interior e a adequação da ordem
jurídica conduz imediatamente à questão prévia de sar de todas as «considerações singulares certeiras
como se coloca a jurisprudência dos interesses perante e muitas vezes convincentes» «não se encontra
a ideia da unidade do Direito - e, com isso, a um nenhum todo» nos trabalhos da jurisprudência dos
ponto crítico nas bases filosóficas desta doutrina. interesses e que «nunca e não mais um quadro uni-
Aqui, a jurisprudência dos interesses oferece, de tário» pode ser obtido, e que ele não se pode defender
facto, aos seus adversários, pontos fracos essenciais, de «um certo sentimento de desespero científico» (84).
tendo assim a sua relação com a ideia da unidade COING, por fim, resumiu estas objecções contra a
do Direito sido sempre objecto de crítica. Já no ano
de 1914, KRETSCHMAR, no seu excelente discurso de
reitor, onde ponderou soberanamente as fraquezas e (8~) Zum Gediichtnis von Max Rümelin, Kanzlerrede
1931, p. 19.
as vantagens da jurisprudência dos conceitos como da
(84) Cf. Interesse und Begritf in der Rechtswissenschatt,
dos interesses, criticara, nesta, o abandono da ideia
1931, p. 40; cf., quanto a isso, a réplica de HECK, ob. cit.,
de unidade (82). De modo semelhante, HEGLER criticou
p. 207 ss. e 212 ss. A propósito da interpretação da carta do
jurisprudência dos interesses por ace~~ os estudante, HECK pode ter certa razão (cf. p. 216 s.), mas no
restante, a sua resposta passa, de modo muito característico,
(79) Cf. supra nota 74. ao lado da afirmação de OERTMANN;assim ele confirma a sua
(80) Cf. ob. cit., p. 150. redução do perguntar pela unidade interior à do «panorama
(81) Cf. ob. cit., p. 149 ss. geral» (p. 207 ss.) assim como o reportar das conexões gerais
(82) Über die Methode der Privatrechtswissenschaft, 1914, da ordem jurídica meramente às «necessidades da vida» (p. 214)
em especial p. 39 ss.; cf. também KRETSCHMAR, Grundfragen que na opinião representada no texto, HECK contrapunha, em
der Privatrechtsmethodik, Jher. Jb. 67 (1917), p. 233 <3S., em última análise, sem sentido, ao princípio da unidade de sentido
especial p. 271 sS., 285 s. e 291 ss. do Direito.
jurisprudência dos interesses com estas palavras: monias e de conexões multifacetadas» e"); que isso
«o Direito não é assim, para a jurisprudência dos não chega já foi acima (DO) pormenorizadamente expli-
interesses, quer lógica quer moralmente, uma ordem cado. Mas para além disso, o meio com cuja ajuda
unitária. Ele não tem qualquer unidade» (8ü) . HECK pretende captar a unidade do Direito também
Mas o que dizem os próprios partidários da juris- não é frutuoso. Ele apenas considera como adequada
prudência dos interesses a estas questões? As toma- a esse escopo a formação c1assificatória de «conceitos
das de posição são pouco numerosas, mas compreen- de grupos de generalidade sempre crescente» (91).
dem uma adesão clara à ideia da unidade do Conceitos gerais abstractos são porém, inteiramente
Direito (86). Cabe agora perguntar o que entendem inadequados para captar a unidade de sentido, sem-
eles com isso. Vêm a propósito duas afirmações de pre concreta, do Direito (92) e tornam-se totalmente
HECK. A primeira parte da equiparação entre a uni-
inutilizáveis para esse escopo quando se lhes deixe
idade .do Direito e a ausência de contradições (87); apenas a função rudimentar que HECK atribui aos
/ , este e, por certo, um elemento essencial, mas repre- seus «conceitos de grupo». Estes só devem, designa-
damente servir duas «necessidades»: por um lado,
L~en.ta apen~s, por assim dizer, o lado negativo da
eles devem «aligeirar» a «concepção» das realidades
ldela da umdade e não deixa, de forma alguma, reco-
complexas, porque o «espírito humano só pode captar,
nhecer onde está a unidade de sentido do Direito ,
em simultâneo, um número limitado de representa-
positivamente considerada (88). A segunda afirmação
ções singulares» e, por outro lado, devem «facilitar
relaciona-se com a conexão interior da ordem jurí-
a rememoração» (":1). É evidente que, perante tal
dica, procurando-a na relação das normas com «par-
«subjectivização», para não dizer «psicologização»
tes da vida que estão ligadas entre si através de har- do significado dos conceitos, que os reduzem a um
mero veículo auxiliar para as insuficiências das capa-
cidades humanas de representação e de rememoração,
(85) Cf. System, Geschichte und Interesse in der Privat-
rechtswissenschaft, JZ 1951, p. 481 ss. (484); concordando,
LARENZ, Methodenhlere cit., p. 133; essencialmente positivo o
juizo de BINDER, ZHR 100, p. 63 s. (89) Ob. cit., p. 149 s.; cf. também a referência aos
(86) Cf., por todos, STüLL, Begrift und Konstruktion in «conflitos da vida» (em vez dos critérios adequados para a sua
der Lehre der Interessenjurisprudenz, Festgabe für Heck, solução).
Rümelin und Schmidt, 1931, p. 96; HECK, ob. cit., p. 87 s. e (DO) Cf. n." 5.
p. 149 s. (Dl) Ob. cit., p. 150.
(87) Ob. cit., p. 87 s. ('2) Cf. infra p. 49.
(88) Cf., a tal propósito, supra § 1 V 2 e nota 31. (f''') Cf. ob. cit., p. 82 s.
não se considera em nada a unidade objectiva de sen- gia e restrição; ~e-lhe logo, sem comunicaçãQ.,....a
tido e de adequação do Direito. «própria valoração»dQjYL~.Jla não reconhece, pelo
Assim fica apenas uma última indicação: a refe: "'contrário,- uma' função essenCial ao terceiro «grau»
rência de HECK ao «efeito remoto» dos juízos de valor da obtenção do Direito, ao trabalho com os «esco-
legais (01), dos quais apenas haveria um passo até à pos específicos fundamentais» (97), portanto aos prin-
«pressuposta consequência interna do Direito» (05) . cipias fundamentais de um domínio 'urídico; por
Está fora de qualquer discussão que uma das contri: e rás da lex e da ratzo legis colocam-se imediata-
buições metodológicas essenciais da jurisprudência mente os mais altos valores jurídicos como a justiça,
dos interesses está na elaboração deste momento. a equidade e a segurança do Direito. E no que toca
Põe-se agora a questão de onde se encontram esses ao trabalho prático-dogmático dos representantes da
juizos de valor: só nos valores singulares do legisla- velha jurisprudência dos interesses - quem poderia
dor ou também nas camadas mais profundas do não sentir perante largas passagens (98), o mal estar
Direito? Presumivelmente responderia HECK no de OERTMANN (S4), porque, em todas as «considerações
segundo sentido (DG) e então a censura de HEGLER de singulares acertadas e muitas vezes convincentes»,
que a jurisprudência dos interesses negligencia «as não aparece qualquer «quadro de conjunto unitário»?
realidades mediadoras» procederia no essencial. Isso Não há dúvidas: a força da jurisprudência dos interes-
fica igualmente claro na sua instrumentação metodo- ses localizou-se na discussão do problema singular e
lógica como nos seus trabalhos práticos. NlJ.JlLP,ris..ma não na elaboração das «grandes concatenações» (9D),
,metodológico, a jurisprudência dos interessJ:,S__,~ó<.
-- , ",',. '<--~-~'--'-~'-'
con~~~:sen~~l, os aõ1s, pr~e!LQ~.{<gtID!~ULJ1,ª (97) Cf. HEGLER, ob. e loc. cit., nota 83.
obteriçãõdõ Direito:c>dãTriterpretação e o da analo- (98) Há, evidentemente, excepções. Pense-se apenas nos
trabalhos de MÜLLER-ERZBACH sobre a responsabilidade pelo
risco ou de STOLL sobre as perturbações na prestação, ainda
(04) Cf. ob. cit., p. 150; quanto à «efiCácia remota», hoje, em larga medida, modelares, quer metodologicamente
fundamental, HECK, Gesetzesauslegung und Interessenjurispru- quer quanto ao conteúdo.
denz, 1924, p. 230 ss. (OU) HECK, perante as críticas de OERTMANN e de HEGLER,
(05) Cf. § 1, nota 27. responde, na verdade, que colocou no seu manual de Direitos
(9G) Assim ele remete - Gesetzesauslegung cit., p. 231 s., Reais, previamente, uma parte geral; no entanto, em minha opi-
por exemplo - para o efeito remoto da igualdade no Direito nião, justamente nessa parte geral, pouco se torna claro da
Civil; no entanto, não é nenhum acaso que HECK não tenha «unidade interior de sentido» dos nossos Direitos Reais e dos
aqui escolhido nem uma valoração singular nem um princípio seus princípios fundamentais. Poder-se-ia replicar a HECK que
«intermédio»; mas antes, como o princípio da igualdade, uma não é nenhum acaso, antes se ligando estreitamente ao entendi-
das mais elevadas valorações do Direito; cf., também, o texto. mento de sistema e de unidade da jurisprudência dos interesses,
- o que aliás é plenamente compreensível, no prisma suposto para efectuar também um juízo sobre o seu
da história da metodologia, como contra-movimento conceito de sistema: é muito pouco adequado para
antitético contra os exageros da época anterior. ASSil}},.,/. exprimir a unidade interior e a adequação da ordem
dever-se-ia confirmar inteiramente o duro juízo de . jurídica. Um «sistema de decisões de conflitos» não
COING(S5) de que ele corresponde sobretudo apenas., diz praticamente nada sobre a unidade de sentido do
ao princípio sociológico fundamental da «teoria dos ! Direito, ainda quando BECK também acentue a neces-
interesses genéticos» (100). ~~.. i
sidade de destacar «as concordâncias e as diferenças
nas decisões de conflitos» (101). Assim, as ideias bási-
cas do nosso Direito privado, que formam, por exem-
b) As fraquezas do conceito de sistema da jurispru- plo, o seu sistema>-- como os princípios de auto-deter-
dência dos interesses
minação, da responsabilidade própria, da protecção da
confiança, etc. (102) não são idêntiCas às decisões de
Com estas considerações sobre a ideia da unidade conflitos: antes lhes subjazem, dando-Ihes o «sentido»
na jurisprudência dos interesses, obteve-se o pres- e sendo, aliás, mal-entendidos, na sua substância,
quando se quisesse reduzi-Ias a meras «decisões de
que os grandes manuais da parte geral do Direito Civil não pro- conflitos» (l03): ficariam privados do seu conteúdo
venham dos típicos juristas dos interesses, mas sim, desde ético-jurídico. Também na tomada de posição de
VON TUHR, passando por NIPPERDEY e até FLUME e LARENZ,
BECI\: quanto a problemas práticos e singulares do
de Cientistas do Direito cujo pensamento se estende para lá
dos relativamente estreitos limites metodológicos da jurispru- sistema se mostram quão estranha lhe é, no fundo,
dência dos interesses; na realidade, tais limites nunca se a conexão entre o sistema e a ideia da unidade de
puderam mostrar tão claros como perante as exigências da sentido do Direito. Escolha-se, por agora (104), apenas
«parte geral».
um exemplo, o das «teorias dos títulos de crédito»,
(100) Cf., quanto a isso, também supra, nota 74. Conse-
que o próprio HECK caracterizou como especialmente
quentemente, aliás, EHRLICH, Logik cit., partindo da sua posi-
ção sociológica chega ao resultado de que não existe uma típico para o seu entendimento de sistema. BECE: con-
unidade do Direito como unidade das suas normas e continua: sidera decisivo que as proposições jurídicas vigentes
«Para a interpretação histórica, a única científica - isso cor-
responde exactamente à opinião de HECK! - cada proposição
jurídica é uma individualidade, um ser autónomo, que vive a (101) Cf. ob. cit., p. 150.
sua própria vida e tem a sua própria história» (p. 137). Com (102) Cf. infra p. 47 s. e 53 SS.
estas bases, o Direito só pode ter uma unidade no facto de
(103) O que HECK também não faz; ele pura e simples-
«elas (as proposições jurídicas) só vigorarem em conexao com mente o omite.
a sociedade». (Cf. ob. cit., p. 146).
(104) Cf. mais pormenorizadamente infra, § 5 lH.
provenham das necessidades da vida, e, por isso, pr~~) sões sistemáticas incluem, em si, valores, a que haverá
tende reduzir toda a controvérsia das teorias a uma / ainda ocasião de voltar (l07).
pura «questão de formulação» ('05); daí resulta, por(' Assim, o conceito de sistema da jurisprudência
consequência «em grande medida, a possibilidade de." dos interesses não pode, tudo visto, satisfazer plena-
formulações de teor diferente mas equivalentes, isto é, { mente; por outro lado, admite-se que a crítica, por
duma equivalência de construções científicas» (106)..) causa das muitas obscuridades e ambiguidades nas
Poucos lapsos haverá maiores do que este. Na ver- tomadas de posição dos seus seguidores, não seja fácil
dade, não se trata de menos do que da defesa da e que as explicações acima efectuadas não possam
unidade de sentido do nosso Direito privado, designa- aspirar à pretensão de esclarecimento pleno desta
damente da questão de saber se o princípio do con- questão, tão interessante no que toca à história dos
trato, geralmente dominante, pode ser quebrado, com métodos (108). Para além disso, é de acentuar que a
perigo para a unidade, e a favor da possibilidade de jurisprudência dos interesses produziu um trabalho
vinculações unilaterais ou se, em vez disso, se reco- muito valioso, no próprio domínio da problemática do
sistema ('09) e que, sobretudo com a ideia de sistema
nhece, preservando a unidade, o princípio do con-
trato, o qual apenas poderia ser complementado atra-
vés do princípio da aparência jurídica, alargado aliás
(107) Cf. infra § 5 m.
por vastas áreas através da sua ligação com o princí- (108) Totalmente insatisfatório a este propósito é, infe-
pio da auto-responsabilização, igualmente incluído lizmente, o há pouco surgido trabalho de EDELMANN, Die
entre os princípios básicos. Em estreita conexão com Entwicklung der Interessenjurisprudenz, 1967; quando muito
podem-se salientar as considerações de p. 102 s. nas quais,
isto está o não-entendimento de HECK de que as deci-
contudo, o mais digno de nota é a curiosidade de EDELMANN
referir o comentário do § 242 do BGB, feito por WEBER no
STAUDINGER / Kommentar, com referência ao seu âmbito pouco
(105) Cf. Grundriss des Schuldrechts, 1929, § 137.
comum (!), como elemento para os esforços da CiênCia do
(106) Cf. ob. cit., p. 473, nota 2, com referência expressa
Direito na «construção sistemática» (ou será ironia?).
ao § 137. Pelo contrário, com razão, STOLL, ob. cit., p. 117,
('09) STOLL deveria aliás estar mais próximo do que
nota 2 (cf. também p. 110) a cujo desejo HECK, na sua réplica
HECK do entendimento de sistema hoje dominante e defendido,
(Begriffsbildung cit., p. 211) não faz justiça, porque ele per-
também, neste trabalho (cf. STOLL, ob. cit., 77 s., 96 e 100),
manece circunscrito ao erro fundamental do seu modo causal
tal como as ideias de STOLL, em muitos aspectos, foram mais
de consideração; igualmente insatisfatório é o que HECK,
avançadas do que as de HECK; não foi por isso, por acaso que
ob. cit., p. 100 ss. contrapõe contra a crítica plenamente
STOLL foi conotado com a expressão «jurisprudência das valo-
justificada de LEHMANN; cf., quanto a isso, também ínfra
rações» (cf. ob. cit., p. 67, nota 1 e p. 75, nota 5), dando,
p. 96 s.
assim, o mote metodológico à actual dogmática jurídico-civil.
«interno» e com a referência ao seu carácter teleoló- mas sim no sentido mais lato de cada realização de
gico (110), obteve pontos essenciais que cabe receber e escopos e de valores, portanto no sentido no qual a
desenvolver (111).
«jurisprudência das valorações», é equiparada à juris-
prudência «teleológica». Não se entende, porém, só
por si, que semelhante sistema teleológico seja pos-
11- O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE SISTEMA A
PARTIR DAS IDEIAS DE ADEQUAÇÃO VALORATIVA E DA
sível. Assim poderia, pelo contrário, a jurisprudência
UNIDADE INTERIOR DA ORDEM JURíDICA dos conceitos ter partido, por exemplo, de que ou
existe um sistema lógico, ou de que não há nenhum.
As considerações críticas feitas até agora facul- E não foi por acaso que a limitação de STAMMLER aos
taram também as bases para o desenvolvimento de «puros» conceitos fundamentais e a sua renúncia
um conceito de sistema que esteja apto para captar resignada à sistematização de uma determinada ordem
a adequação interior e a unidade da ordem jurídica. jurídica positiva, teve a sua base neste entendimento
do conceito de sistema (114). TambémWALTHER
BURCKHARDT distinguiu, ainda em 1936, de modo
estrito, entre a «justeza lógica» do Direito e a «justeza
ética» e limitou o sistema à extrapolação da pri-
Sendo o ordenamento, de acordo com a sua deri- meira (115). Finalmente cite-se o mais recente ULRICH
vação a partir da regra da justiça (112), de natureza
<)' Keuo que considera o significado da ideia de sistema
valorativa, assim também o sistema a ele correspon-
como uma demonstração essencial do peso do pensa-
dente só pode ser uma ordenação QxiológicQ ou teleo-
mento lógico-formal na Ciência do Direito; pois logo
lógica - na qual, aqui, teleológico não é utilizado no
/ o próprio conceito de sistema é um termo especifica-
sentido estrito da pura conexão de meios aos fins (11),

(110) Cf. HECK, ob. cit., p. 147, 155, 160 e passim (com
referência a HEGLER). (114) STAMlVILER considera o seu sistema como lógico-
(111) Para o sistema teleológico cf. igualmente infra, n 1, -formal, construído de conceitos gerais abstractos; ele recusa
no texto. expressamente a possibilidade de confeccionar um sistema de
(112) Cf. supra § II 2. determinada ordem jurídica, <dnteiramente preenchido». Cf.
(113) Também neste sentido, a expressão não foi usada Theorie der Rechtswissenschaft, 2.· ed., 1923, p. 222 ss. e
poucas vezes; d., por exemplo, BINDER, ZHR 100 p. 62 s.; Lehrbuch der .Rechtsphilosophie, 3.· ed. 1928, p. 278 ss.
ENGISCH, Einfii.hrung in das juristische Denken, p. 161 s. e (115) Cf. Methode und System des Rechts, 1936, p. 121 ss.
Stud. Gen. 10 (1957), p. 178 s. e 241 ss.
mente lógico» e «só a lógica permite determinar onde tões de terminologia, pode-se naturalmente discutir
existe, afinal, um autêntico sistema» (116).
sobre a justificação de semelhante estreiteza; como
Esta limitação do conceito de sistema ao sistema saída poder-se-ia, com COING (118), distinguir um
lógico-formal não deixa contudo de ter um certo conceito de sistema mais estrito e um mais amplo,
arbítrio (117). Tanto quanto se trate apenas de ques- sendo o mais estrito idêntico ao lógico-formal
enquanto, dentro do mais amplo, haveria ainda espaço
(116) Cf. ob. cito p. 5; cf. ainda, por exemplo SIGWART, para um sistema teleológico. Mas desde que se trate
ob. cit., p. 695: «A sistemática tem, por tarefa, o representar
de uma problemática material, a limitação do conceito
a totalidade dos conhecimentos alcançados num determinado
momento, e cujas partes estejam inteiramente conectadas atra-
de sistema ao sistema lógico-formal, é uma hipótese
vés de relações lógicas» (os itálicos pertencem ao origi- em nada justificada, para não dizer uma petitio prin-
nal), - no qual, contudo, se deve sublinhar a limitação ao cipii. Pois um sistema não representa mais do que a
sistema de conhecimentos (ao contrário dum sistema objec- tentativa de captar e traduzir a unidade e a ordena-
tivo). - Para uma equivalência entre sistema axiomático e
ção de um determinado âmbito material com meios
sistema em geral, vide ARNDT,NJW 63, p. 1277 S.
(117) De facto a possibilidade de um sistema teleológico racionais: a. recusa da possibilidade de um sistema não
é frequentemente reconhecida, sem que a sua problemática lógico-formal equivale, assim, à afirmação de que a
científico-teorética tenha sido sempre vista. Cf., por exemplo, lógica formal representa o único meio possível para
RADBRUCH, Zur Systematik der Verbrechenslehre, Frank-Fest- esse fim. Uma tal restrição no âmbito em que sejam
gabe I, 1930, p. 159; HEGLER,ob. cit., p. 216 ss.; ENGISCH,
possíveis (119) o pensamento e a argumentação racio-
Stud. tien. 10 (1957), p. 178 ss.; neste domínio, também
HECK que, a tal propósito, acentua expressamente, várias vezes,
a sua concordância com HEGLERcf. ob. cit., p. 147, 155, 160 (118) Cf. Zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 9.
e passim. Aí, contudo, a expressão «teleológica» é, em parte, (119) Nem sempre é claramente evidente que uma tal
usada com o sentido estrito, acima caracterizado, na nota 113. restrição corresponda, de facto à concepção dos partidários
Também em escritos não jurídicos se fala, muitas vezes, de
de um sistema lógico-formal ou axiomático-dedutivo. No
«sistemas de valores» e similares; cf., por exemplo, KRAFT, entanto, merece enfoque que KLUG, ob. cit., perante a análise
Die Grundlage eíner wíssenschaftlichen Wertlehre, 1951, lógica de problemas jurídicos, apenas contraponha a intuição
p. 21, ss., com mais indicações; STARK,Die Wissenssoziologie, (cf. prólogo de 1950). Com isso, a questão do significado da
1960, p. 59 ss., 92 ss., 114 55., 252 55. e passim (cf. no índice, lógica formal para a Ciência do Direito não fica respondida.
a palavra «Wertsystem»), onde, diferenciadamente, também o De facto, a intuição é indispensável em todas as ciências - de
termo «sistema axiológico» é empregado; cf. por exemplo, outro modo não poderia haver génios científicos e o processo
p. 93, 146 e 252; cf., a esse propósito, ainda que sem relação das Ciências seria plenamente «fabricáveb> - e, evidentemente,
expressa com a problemática do sistema, LEINFELLNER,Ein- não pode, também, o jurista, viver sem «fantasia científica»;
führung in die Erkenntnis und Wissenschaftstheorie, 1965, a questão não cai, contudo, na alternativa de lógica formal ou
p. 178 ss.
intuição, mas sim naquele «espaço entre elas», portanto na
nais deve justamente ser rejeitada, como inadmissível, possibilidade de exercer racionalmente a jurisprudên-
pelo jurista (120); porque as dificuldades próprias do cia, no seu âmbito decisivo; pois o sistema, no sentido
pensamento jurídico não se deixam transpor com os aqui entendido (tanto quanto está em discussão neste
meios da lógica formal (121), adviria, daí, uma sen- local (123)) não é, por definição, justamente mais do
tença de morte não só para a jurisprudência como que a captação racional da adequação de conexões
Ciência, mas também, em geral, para cada tentativa de valorações jurídicas.
de entender a aplicação do Direito como um pro- Deve-se, por isso, quando não se queira negar
cesso racionalmente conduzido. Como, de facto, tem radicalmente o entendimento tradicional da Ciência
sido dito com frequência, os juízos dos juristas fica- do Direito, enquanto empreendimento metodologica-
riam, no essencial, reduzidos a avaliar um qualquer mente orientado, assente em argumentos racionais,
«sentimento jurídico», que, como tal, é sempre irra- apoiar a possibilidade de um sistema axiológico ou
cional e sobre cujas «afirmações» não há, pelo menos teleológico, pelo menos como hipótese. Vale aqui para
actualmente, um entendimento que possa aspirar a ideia de sistema o que BINDER afirmou, em geral,
sequer a uma parcela de convincibilidade geral. Por para o carácter científico da jurisprudência: assim
outras palavras: quem negue a possibilidade de um como KANTnão perguntou se existe uma Ciência da
sistema teleológico nega, com isso, igualmente a pos- ' Natureza, .mas antes o pressupôs, tendo procurado,
sibilidade de captar racionalmente a adequação do compreendê-lo, também se deve, primeiro, partir de
pensamento teleológico (122) e, com isso, também a . «que existe uma Ciência do Direito e, então, perguntar
. qual o seu sentido e o que fundamenta a sua pre-
possibilidade e importância de uma metódica não lógico-formal, ~ tensão de cientificidade» (124). De facto, ganhar-se-ia
mas ainda especificamente racional e jurídica, segundo o que muito para a moderna discussão metodológica na
se disse no texto, portanto, uma «teleológica formal». Noutros
locais, contudo, KLUGsublinha expressamente a necessidade logia, que transcenda a pura clarificação da sua estrutura
de uma complementação teleológica da lógica formal; cf. as lógico-formal e que, no seu núcleo decisivo, introduza a ques-
indicações supra nota 27. tão do «encaixe» da ratio legis.
(120) Mas também por outros cientistas do espírito e (123) Isto é, a propósito da característica da ordem e não
pelo filósofo. A multiplicidade de tentativas de alcançar uma da da unidade.
lógica material elaborada mostra com suficiente clareza, como (124) Cf. Philosophie des Rechts, 1925, p. 836 ss. (837) e
é forte a necessidade de uma complementação da lógica for- Der wissenschaftscharakter der Rechtswissenschaft, Kantstu-
mal, através de outro tipo de pensamento racional. dien 25 (1921), p. 321 S8., em especial p. 352 ss.; um paralelo
(121) Cf. supra p. 2 ss. digno de nota encontra-se (com referência a uma seriação geral
(122) Devia-se, portanto, por exemplo, considerar impos- de valores, e portanto não especificamente jurídica) em
sível uma fundamentação racional de cada conclusão por ana- LEINFELLER, Einführung cit., p. 180 s.
Ciência do Direito (e, em geral, nas ciências do Espí- exemplo, a Ciência da Literatura - quando tal juízo
rito) quando se adaptasse este ponto de partida de seja permitido a um diletante (no duplo sentido da
BINDER - infelizmente pouco observado - e, em vez palavra) - fez progressos assombrosos e obteve
de pôr permanentemente em dúvida a cientificidade resultados da mais alta evidência, desde que ela não
dos modos de trabalhar específicos das ciências do mais se assumiu exclusiva ou, pelo menos, predo-
Espírito, em especial do pensamento hermenêutico e minantemente como Ciência histórica (128), mas antes
teleológico, se procurassem entender as especialida- tornou a obra de arte, na sua própria e específica
des destes métodos e apenas no final se colocasse a regularidade, sob o lema da «interpretação imanente
questão da natureza científica (125). A discussão sairia da obra» ou da «análise estrutural», no objecto das
então, com brevidade, de ambos os extremos, entre suas pesquisas e, nesse sentido se tornou uma Ciência
os quais ela hoje oscila, para aquele ponto intermédio hermenêutica. E do mesmo modo a jurisprudência
apenas avaliado pelas tarefas específicas da Ciência teleológica moderna pode requerer para si um êxito
do Direito: da improdutividade das meras pesquisas indiscutível; não se deve, finalmente, olhar, de modo
lógicas e logísticas, por um lado (126) e da não permanente, para as cláusulas gerais (129), antes se
inadstringibilidade da pura tópica, por outro lado (127) ,
para uma teleológica e hermenêutica, que facultem
resultados racionalmente verificáveis através de meios (128) Também aqui o conceito positivista de Ciência pro-
razoáveis e, assim, vinculantes, - mesmo que não voca sérios danos. Pois porque fora das Ciências Naturais e
se pudesse alcançar aquele grau de adstringência da Matemática, só se reconhece como Ciência a descrição histó-
que é característico para as Ciências da Natureza ou rica dos «factos positivos», julga-se que a Ciência da Literatura
para a Matemática. só seja possível como Ciência Histórica; expulsa-se, com isso,
do âmbito da pesquisa científica justamente o que é específico
E está-se assim tão mal quanto à verificabilidade numa obra de arte.
da hipótese questionada? De modo algum! Assim, por (129) E também a sua concretização tem feito, em parte,
progressos admiráveis - pense-se apenas, por exemplo, nos
(125) Não se lhes deve colocar na base o ideal de Ciên- trabalhos de SIEBERT e de WIEACKER sobre o § 242 do BGB (*).
cia do positivismo, que, de antemão, não está apto ao pensa- (*) Nota do tradutor: o § 242 do BGB dispõe:
mento hermenêutico ou a qualquer tipo de teleológica- cor- «O devedor está obrigado a realizar a prestação tal como
respondendo inteiramente a outro modelo, para o qual se requer a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego».
orienta. Por isso, a polémica contra a adstringibilidade única Recorde-se que com base neste preceito, a jurisprudência
desse conceito de Ciência é, por exemplo, e com razão, uma e a doutrina alemãs desenvolveram quatro institutos funda-
das ideias centrais da metodologia de LARENZ. mentais: a culpa na celebração de negócios, a boa fé no
(12G) Cf. também supra, p. 31 S5. cumprimento das obrigações, o abuso do direito e a alteração
(127) Cf. também infra, § 7 1II b. das circunstâncias.
devendo incluir também aquelas partes nas quais, especial, pressuposto de um cumprimento, racional-
como por exemplo nos domínios «construtivos» dos mente orientado e racionalmente demonstrável, do
Direitos Reais, do Direito das Sucessões ou do princípio da justiça de tratar o igual de modo igual
Direito dos Títulos de Crédito, é possível, num número e o diferente de forma diferente, de acordo com a
indefinido de casos, um simples juízo de «errado» ou medida da sua diferença.
«certo» sobre um resultado e onde não pode ser ques- A esse propósito deve-se, por fim, focal' expres-
tão de «admissível», etc. De modo semelhante, samente uma especificidade: quando se fala aqui,
devem-se considerar as múltiplas interpretações, ana- constantemente, da adequação dos valores, preten-
logias e restrições «adstringentes», e não elevar ape- de-se significar isso mesmo. Não se trata, portanto,
nas os problemas do aperfeiçoamento «livre» (isto é, da «justeza» material, mas apenas da «adequação»
não mais orientado por valores imanentes à lei) do formal de uma valoração - na qual «formal» não se
Direito a critério da admissibilidade dos métodos deve, evidentemente, entender no sentido de «lógico-
jurídicos. Finalmente, não pode haver dúvidas de que -formal» mas sim no sentido em que também se fala
o pensamento jurídico aparece tanto ao leigo como, do carácter «formal» do princípio da igualdade. Por
com frequência, ao próprio jurista, justamente como outras palavras: não é tarefa do pensamento teleoló-
um caso modelar de pensamento «lógico»; tenha-se gico, tanto quanto vem agora a propósito, encontrar
presente que, na verdade não é um pensamento uma qualquer regulação «justa», a priori no seu con-
teleológico que rege os problemas específicos da teúdo - por exemplo no sentido do Direito Natural
jurisprudência e que só este faculta conduzir a sua ou da doutrina do «Direito justo» - mas apenas, uma
argumentação; torna-se então claro o que verdadeira- vez legislado um valor (primário), pensar todas as
mente subjaz a esse juízo: a experiência de uma evi- suas consequências até ao fim, transpô-Ia para casos
dência especial da adequação e poder convincente do comparáveis, solucionar contradições com outros
pensamento axiológico e teleológico. Embora a sua valores já legislados e evitar contradições derivadas
estrutura possa ser ainda pouco esclarecedora, poder- do aparecimento de novos valores (130). Garantir a
-se-á dizer em resumo: a hipótese de que a adequação adequação formal é, em consequência também a
do pensamento jurídico-axiológico ou teleológico seja tarefa do sistema «teleológico» (131), em total conso-
demonstrável de modo racional e que, com isso, se
possa abarcar num sistema correspondente, está sufi-
cientemente corroborada para poder ser utilizada (130) Seja através de legislação, seja por via da interpre-
como premissa científica. Ela é a condição da pos- tação criativa de Direito.
(131) Quanto ao tema, na medida em que a justiça mate-
sibilidade de qualquer pensamento jurídico e, em
rial se realiza igualmente, cf. infra § 5 IV 3.
nância com a sua justificação a partir do princípio se pode ficar pelas «decisões de conflitos» e dos
«formal» da igualdade. valores singulares, antes se devendo avançar até aos
valores fundamentais mais profundos, portanto até
aos princípios gerais duma ordem jurídica; trata-se,
2. O sistema como ordem de «princípios geraís assim, de apurar, por detrás da lei e da ratio legis, a
do Direito» ratio iuris determinante. Pois só assim podem os valo-
res singulares libertar-se do seu isolamento aparente e
Com a caracterização do sistema como ordem
reconduzir-se à procurada conexão «orgânica» e só
teleológica ainda não foi, contudo, dada resposta à
assim se obtém aquele grau de generalização sobre o
segunda pergunta essencial: a dos elementos consti-
qual a unidade da ordem jurídica, no sentido acima
tutivos nos quais se tornem perceptíveis a unidade caracterizado (132), se torna perceptível. O sistema dei-
interna e a adequação da ordem jurídica. No entanto,
xa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou
ficou já esclarecido que se deve tratar de valores,
tclcológica de princípios gerais de Direito (133), na
ainda que isso não possa constituir a resposta final,
pois se mantém a questão mais vasta de que valores (I "") Para a função dos princípios, constituinte do sis-
se trata: todos ou apenas alguns? Se se quisesse tema, cf. principalmente ESSER, Grundsatz und Norm cit.,
optar pelo primeiro sentido, chegar-se-ia a um con- p. 277 s. e 323 ss. Para além disso, poder-se-ia, quando muito,
aproximar o conceito de sistema aqui adaptado do de COING
ceito de sistema que seria muito semelhante ao «sis- e do de LARENZ (indicações importantes também já em STOLL,
tema de conflitos de decisões» de HECK e perante o ob. cit., p. 77 s. e 96); cf. sobretudo, COING, Grundziige der
qual procederiam as mesmas objecções; ele não pode- Rechtsphilosophie, 1980, p. 275 ss., JZ 1951, p. 481 ss. (484 s.),
ria tornar perceptível, de modo algum, a unidade. Geschichte und Bedeutung des Systemgedankes, p. 9 55. e
Trata-se, pois, de encontrar elementos que, na mul- DõIle-Festschrift, p. 25 ss.; LARENZ, Festschrift für Nikisch,
1958, p. 299 ss. e Methodenlehre p. 133 ss. e 367 ss. No entanto,
tiplicidade dos valores singulares, tornem claras as
ambos colocam o sistema não exclusivamente na conexão dos
conexões interiores, as quais não podem, por isso, ser princípios gerais de Direito, mas sim, em parte, também nas
idênticas à pura soma deles. conexões da vida, dos valores, dos institutos, etc. (cf. COING,
Nesta ocasião, deve-se recordar de novo a carac- JZ cit., p. 485 e Rechtsphilosophie, cit., p. 278; LARENZ, ob. cit.,
terística principal da ideia da unidade, acima elabo- p. 136 s. e 367). Poderia aí, contudo, haver apenas uma opo-
sição relativamente pequena com a opinião representada no
rada (132): a recondução da multiplicidade do singular a
texto. No que respeita, em primeiro lugar, ao significado das
alguns poucos princípios constitutivos. Mas isso signi- conexões da vida, há que separar cuidadosamente o sistema
{ fica que, na descoberta do sistema teleológico, não
externo do sistema interno: elas têm um significado grnnde e
1--- __
imediato para a edificação do externo mas, para a do interno,
(m) Cf. § 1, I. pelo contrário, elas sõ podem ser relevantes mediatamel'l1e,
qual o elemento de adequação valorativa se dirige Não se pode determinar, de antemão, quando deva
mais à característica de ordem teleológica (1~4) e o um princípio valer como «gera!»; também aqui se
da unidade interna à característica dos princípios trata de um critério inteiramente relativo. Para o
gerais (134).
conjunto da nossa ordem jurídica, não se poderiam
actuando sobre a «natureza das coisas» e sobre o que, desta, considerar todos os princípios como «portadores de
o Direito receba, portanto numa forma jurídica específica de unidade» e, com isso, como sistematizadores; e no
pontos de vista transpostos de ordenação e de valoração, que, quanto a essa função, respeita ao Direito pri-
isto é, justamente sobre os princípios jurídicos. Outro tanto vado: neste, nem todos os princípios são, por seu
vale para as «diferenças de estrutura lógico-materiais», por
turno, relevantes para o sistema, como o serão, por
exemplo as que existem entre o Direito das Obrigações e os
Direitos Reais; também aqui se trata de separar entre o sis- exemplo, para o Direito das Obrigações, os Direitos
tema externo e o sistema interno e, quanto ao último, de Reais, o Direito das Sucessões, etc.; dentro desses
aproximar apenas aqueles elementos por detrás dos quais âmbitos, formam-se subsistemas mais pequenos, com
se escondam valores materiais. Quanto aos restantes elemen- princípios «gerais» autónomos, como, por exemplo,
tos, como conceitos, institutos jurídicos ou valores, cf. igual-
o sistema dos actos ilícitos, do enriquecimento sem
mente no texto infra a). - Um sistema no qual todos ou alguns
destes elementos se contivessem em igual posição, no qual, causa, das perturbações na prestação ou da respon-
portanto, por exemplo, conceitos, institutos, valores, conexões sabilidade pela confiança. Em qualquer caso, uma
da vida, etc. estivessem, no mesmo grau, junto dos princípios, parte dos princípios constituintes do sistema mais
parece-me, contudo, poúco conveniente (mas cf. COING e pequeno penetra, como «geral», no mais largo e,
LARENZ,ob. cit.). Com isso, mesmo que não se misturasse,
inversamente, o sistema mais pequeno só em parte
de modo inadmissível, o sistema externo e o interno, tratar-
-se-ia, contudo, de uma equiparação de elementos que estão se deixa, normalmente, retirar dos princípios do mais
em planos distintos. Poder-se-ia, na verdade, em outras cir- largo (135). Assim, modifica-se a «generalidade» dum
cunstâncias, construir o sistema interno com valores, conceitos, princípio com a perspectiva do ponto de vista; final-
institutos, etc. (cf., quanto a isso, igualmente o texto, infra a», mente, é sempre decisiva a questão de quais os prin-
mas melhor seria erguê-Io sobre um desses elementos e não
cípios jurídicos que se devem considerar constitutivos
mudar permanentemente os planos. Poder-se-ia, desta forma,
desenvolver vários sistemas colocados em diferentes planos para a unidade interior do âmbito parcial em causa,
uns por detrás de outros ou em degraus uns sobre os outros, de tal modo que a ordem dele seria modificada, no
que se deixassem reformular uns nos outros, mas que perma-
necessem sistemas (<<científicos»)diferentes, isto é, formas
diferentes de ver e de captar o sistema (<<objectivo»)da ordem (1::") Os princlplOs não são, em regra, materialmente
jurídica (para a relação entre o sistema «objectivo» e a sua bastantes para compreender também todos os pontos de vista
formulação no sistema «científico» cf. supra p. 13). valorativos necessários, para o âmbito mais estreito do orde-
(131) Cf. supra § 1 I e as notas 13 e 14. namento: cf. pormenorizadamente infra p. 96 s.
seu conteúdo essencial, através de uma alteração num No que toca, em primeiro lugar, a um sistema de
desses princípios. Para o Direito civil vigente seriam, normas, surge este como pouco significativo, por-
por exemplo, de reconhecer como constitutivos do quanto se deve procurar justamente, a conexão aglu-
sistema - sem pretensão de exaustividade - os prin- J tinadora das normas - e esta não pode, por seu
cípios da autodeterminação, da auto-responsabilidade,
) turno, consistir também numa norma; de facto, os
da protecção do tráfego e de confiança, da considera-
. princípios jurídicos unificadores e significantes só
ção pelas esferas de personalidade e de liberdade dos
numa parte demasiado pequena se deixam formular
outros e da restituição do enriquecimento injusto (130).
na forma de normas que devam ser firmemente deli-
O significado dos «princípios gerais de Direito»
mitadas segundo as previsões e estatuições normati-
para a formação do sistema precisa contudo, nalguns
pontos, ainda de maior elucidação. vas e, assim, recuam perante a articulação mais
flexível do princípio.
No que respeita agora a um sistema de conceitos
a) As vantagens, na formação do sistema, dos «prin- gerais de Direito, este seria, por certo, pensável não
cípios gerais de Direito», perante normas, con- apenas como um puro sistema formal de conceitos
ceitos, institutos jurídicos e valores. fundamentais gerais (1:;7), mas também como um sis-
tema teleologicamente «preenchido» de uma determi-
Em primeiro lugar, não é de imediato evidente nada ordem jurídica. No entanto, eles deveriam ser
que o sistema deva justamente ser composto de prin- conceitos teleológicos ou «conceitos de valor» (1:\8);
cípios. Põe-se antes a questão de saber se não poderia al<'m disso, também não se deveriam considerar, para
depender de outros elementos «gerais», como por a formação do sistema, os conceitos gerais abstrac-
exemplo, de normas, conceitos, institutos jurídicos ou l.os (' ::0), mas apenas os conceitos concretos no sen-
valores. A resposta não é fácil e não deveria,em tido de HEGEL (140), pois apenas os últimos surgem
última análise, ser determinada pelos pontos de vista capazes de recolher em si o pleno sentido constitutivo
da oportunidade e do acaso.

(l:;ü) Não é objectivo desta pesquisa uma representação (1::7) Cf., quanto a isso, supra § 2 I 2.
do conteúdo do Direito privado actual (cf., quanto a isso, (1:1H) O termo é utilizado por COING, Rechtsphilosophie
sobretudo COING, Dolle-Festschrift cit.); aqui trata-se antes cit., p. 272.
apenas do aspecto metodológico da problemática, e os prin- (l:l!I) Cf. LARENZ,ob. cit., p. 139 s.
cípios referendados no texto visam apenas a ilustração exem- (1,111) Para a significado do conceito geral-concreto na
plificativa. ('il'ncia do Direito é fundamental LARENZ,ab. cit., p. 353 ss.
da unidade interna (141). Mas ainda que um sistema de o sistema deve fazer claramente a adequação valora-
conceitos jurídicos seja possível, isso não quer ainda tiva e a unidade interior do Direito e, para isso, os
dizer que ele também seja adequado. Pelo contrário, conceitos são muito impróprios. Designadamente, e
isso é duvidoso, perante as tarefas aqui em causa. mesmo quando estejam bem construidos, eles apenas
mediatamente contêm as valorações, por assim dizer
(141) BINDER requereu um sistema de conceitos gerais fechadas, enquanto os princípios são abertos; assim
concretos na «Wissenschaftslehre» que deixou depois da sua a valoração é, por exemplo, essencialmente mais
morte; cf. p. 351 ss. (355) do manuscrito na posse do Semi- irnediata e segura no princípio da autonomia do que
nário para a Filosofia do Estado e para a Política do Direito
no (ordenado) conceito de negócio jurídico, e que só
da Universidade de Colónia. Na sua Philosophie des Rechts, de
1925, BINDER fala de um sistema de «conceitos gerais empí- através de considerações relativamente complicadas,
ricos» - cf. p. 921 ss. (924), que ele contrapõe aos «puros» (. possível determinar a valoração que o conceito de
conceitos de Direito; esses conceitos são «empíricos» na direito subjectivo em si contenha. Pode, portanto,
medida em que se devam desenvolver a partir «do conteúdo
dizer-se: No conceito (bem elaborado) a valoração
das ordens jurídicas singulares historicamente dadas». A rela-
ção entre esses «conceitos gerais empíricos» e os «conceitos cslli. implícita; o princípio, pelo contrário explicita-a
individuais históricos» (no sentido de RICKERT), que BINDER e por isso ele é mais adequado para extra polar a uni-
considera, aliás, adequados para a Ciência do Direito (cf. em dade valorativa do Direito. Para além disso, também
especial ob. cit., p. 841 ss. e 888 ss.), não fica bem clara
n[\o se deve esquecer que, de forma alguma, os con-
(para as dificuldades da formação de conceitos de BINDER cf.
também LARENZ, ob. cit., p. 106 s.). BINDER deveria ter visto ceitos correspondentes a todos os princípios funda-
a solução no conceito geral-concreto de HEGEL, ao qual ele Ilwnlnis da nossa on!<'1ll .jurídica já estão elaborados
também se ligou casualmente a este propósito, na Philosophie (' (tIl(' isso, no essencial, é ainda mais difícil do que
des Rechts (p. 842; cf. também p. 888). - Que os conceitos
iI 1'01'111111,11;110 de principias gerais de Direito. Quanto
devam ser de tipo teleológico indiciou BINDER incansavelmente,
como poucos; cf. por exemplo ob. cit., p. 886, 890 e 897 ss. ao reslo. Iliío s(~rú necessário salientar que a formula-
LARENZ pretende que o sistema do conceito geral-concreto (/IU <1(' conceitos não é, por isso, supérflua. Pelo
é o da filosofia do Direito e não o da dogmática jurídica contrúrio: ela é imprescindível para a preparação da
(cf. p. 367), i. é, portanto, não o de uma determinada ordem
jurídica. Parece-me duvidoso que isto proceda e, também, que
isto surja consequentemente no resto da concepção de LARENZ. h(~ln os princípios, os institutos jurídicos ou até as conexões
A justificação de que a Ciência do Direito vigente precisaria, da vida não são inteiramente capazes de subsunção. Pelo con-
para cumprir as suas tarefas, de conceitos gerais abstractos trário: capazes de subsunção são as normas; o sistema, porém,
por causa da sua capacidade de subsunção é, em qualquer deve descobrir as conexões de sentido existentes «por detrãs
caso, pouco convincente. Isso é verdade, mas não é tarefa do ddas» ou «nelas» e pode, por seu lado, não ser susceptível de
sistema oferecer a possibilidade de subsunção imediata; tam- subsunção.
subsunção, devendo, assim, ser ordenado um sistema genação» de princIplOs fundamentais pode demons-
de conceitos jurídicos correspondente aos princípios. trar-se em todos os «institutos jurídicos». Mas assim
Deve-se ter presente que eles são de natureza teleoló- sendo, um sistema com eles formado iria exprimir a
gica e que, por isso, em caso de dúvida, é sempre unidade da ordem jurídica do modo fragmentário,
necessário o recurso à valoração neles incluída isto pois a conexão ainda mais profunda existente entre
é, ao princípio equivalente; por exemplo, sendo pouco os institutos não se tornaria visível; pelo contrário:
claro se um determinado acto deve ser qualificado o facto de, para vários institutos, os mesmos princí-
como negócio jurídico ou se uma posição jurídica pios serem, em parte,constitutivos (144) - por exemplo
protegida pode ser considerada como um direit;~ para o da auto-responsabilidade ou da protecção da
subjectivo, deve perguntar-se sempre se, no caso esfera de liberdade - mostra que, na procura da uni-
ques~ionado, respectivamente, procede a regulação dade do Direito, se regressa, por último, sempre e de
predIsposta por força da auto-determinação privada / novo aos princípios gerais do Direito, - uma vez
ou se se. deparam aqui os valores vigentes no reco- 1 .'1 que o sistema não resulta da sua mera enumeração
nhecimento de direitos subjectivos. ' desconexa, mas antes é constituído através da sua
"-~":':--'--'-' ... ,- jl
Outro tanto vale perante um sistema de institutos eOllcatenação e ordenação interna (145) e desde que
jurídicos (142). Também estes não tornam a valoração contenha uma componente relativamente semelhante
unificadora de modo algum imediatamente visível. aos institutos. - A mesma objecção feita perante um
Mas sobretudo, eles não se reportam, em regra, a um sistema de institutos, também vale, aliás, em face
único valor, mas sim à ligação de várias ideias jurí- dUIlI dI: conceitos, pois também estes, na maioria,
dicas distintas; assim, o complexo regulativo da auto- cOlllp1'('('I1<I<'llI(:111 si v;í1'ios aspectos valorativos:
nomia privada, que se pode considerar como «insti- assitll, o ql\(' acima foi dito a propósito do instituto
tuto» do nosso Direito privado, só se entende a partir da 1I1110llOnlÍap1'ivad;1 procede, de modo semelhante,
de uma acção conjunta dos princípios da auto-determi- para o ClIllceilo de negócio jurídico; também no con-
nação, da auto-responsabilidade e da protecção do C('ilo d(' ado i1fcito e nos seus elementos singulares
tráfego e da confiança (143); uma semelhante «misce- (p1'evisiío legal, i1icitude, culpa) se abrigam vários
p1'illdpios ou valorações diferentes entre si.
(142)Este corresponde sobretudo ao conceito de sistema
de SAVIGNY; cf. System des heutigen romischen Rechts, 1840, (];") Cf. também LARENZ, ob. cit., p. 139: «... os princí-
§ 5 (p. 10 s.); quanto ao «instituto» como factor constitutivo pios ético-jurídicos, captados através dos institutos síngulares
do sistema cf. ainda EssER,Grundsatz und Norm dt., p. 324 ss. (' constitutivos da conexão de um complexo alargado de
e LARENZ, Methodenlehre cit., p. 137 ss. normas ... )}.
(143) Cf. mais pormenorizadamente infra, p. 92 ss. ('1") Cf. mais pormenorizadamente infra, p. 53 e 55 ss.
Segue-se à proposta aqui feita, a tentativa de do prinCIpIO da auto-determinação negocial, está o
entender o sistema como ordem de valores (146). Tam- valor da liberdade; mas enquanto este só por si, ainda
bém isso seria, evidentemente possível; em última não compreende qualquer indicação sobre as conse-

.I"I.
análise, cada Ordem Jurídica se baseia em alguns quências jurídicas daí derivadas, aquele já exprime
> valores superiores, cuja protecção ela serve. Mas ao algo de relativamente concreto, e designadamente que
i mesmo tempo boas razões depõem, também, contra a protecção da liberdade é garantida através da legi-
ela. Na verdade, a passagem do valor para o princí- timidade, conferida a cada um, para a regulação autô-
(pio é extraordinariamente fluida; poder-se-ia dizer, noma e privada das suas relações com os outros.
"<luando se quisesse introduzir uma diferenciação de
O ])rinc.l'.PiOocupa pois, justamente, o pon.to i~te..rm.é-
algum modo praticável, que o princípio está já num dio entre o valor, por um lado, e o conceIto, por
grau de concretização maior do que o valor: ao con- (lU t ro: el@.--e:&G€J.d~tl@.le-pg:f-~-:iá--sufkienteJl1~!!te
trário deste, ele já compreende a bipartição, caracte- f....
ti eterminªclQ.12ara _.~(?1ll
pre~.Dde_cllllla_-i:Q9ic~ã.Q_§()})-!~_
rística da proposição de Direito em previsão e conse-
;1 ~ consequências._jurídiGas--e,--GOill.isso,para .possui~
quência jurídica (147). Assim, por exemplo, por detrás
uma configuração. esp~cWçªrrg~l1t~ jurídica e ultra-
I)assa este poraillda não estar sllficieIitt::Illente deter-
Ininado para esconder a valoração. Uma vez por
(146) Cf. sobretudo COING, ob. cito na nota 133. lodas - e mais uma vez se repete, para evitar mal-
(147) Cf. mais pormenorizada mente CANARIS, olJ. cit.,
,('nlendidos - trata-se, predominantemente, de uma
p. 123 S. Isso não significa, evidentemente, que ele aparente,
qlll'stIio d,' oportunidade c de acaso: um sistema de
no restante, já a forma de uma disposição jurídica; ele dis-
tingue-se antes desta por não estar ainda, em regra, suficiente-
mente concretizado para permitir uma subsunção, precisando,
olc'ol •. p"l"'" .1I1I::llIdo fallll' di' um «valor», pois a realização
por isso de uma «normativização»; cf., mais detidamente,
tllI ('111'11111 d" 1111:;/\11110VIII" por si só, mas apenas pela pro-
ob. cit., p. 160 ss. Contra a opinião de BYDLINSKI (6JBI. 1968,
k",;n" «d" '1"1' ":lU por detrás dela» e, portanto, é precisa
p. 223), isso não modifica, contudo, em nada, a justeza da
II/lli! v(,riOll «vl1lol'<·s». D,~ resto, é de admitir que os valores
diferenciação proposta entre princípio e valor; o princípio, ao
IlIIldl('II:1 :lI' d,'I)(11111f:wilmente reformular nos correspondentes
contrário do valor, indica sempre, pelo menos, a direcção da
prllll'ipío:; " '111(', por' isso, as delimitações são fluidas - tra-
consequência jurídica (ob. cit., p. 161 ss.) embora pormenores
'",ul" :;(' 11i1l'IHl:~dI' diversos graus de um processo de concre-
possam ficar em aberto. No que toca, em especial, ao exemplo
'I'/,/I<;l'io ,'m li! eonlínuo (que, na sua fase seguinte, prossegue
citado por BYDLINSKI, do princípio de que a realização do
do prlllc:lpio para a norma e, aí, aparenta de novo delimita-
capital de base de uma sociedade anõnima deve manter-se .;,.••.s I'Il1ldas). - Em compensação, o que BYDLINSKI diz, ob. cito,
assegurado, é inteiramente reconhecível, nele, a bipartição em
qllanto Ü diferença entre a analogia e princípios gerais de
previsão (<<O capital de base») e estatuição jurídica (<<deve
I lin'ito é corNincente e representa um progresso importante
manter-se realizado»); também parece, neste caso, especial-
IH'::ta questão.
conceitos teleológicos, de institutos jurídicos ou ckl ('ns vezes levam a decisões contrárias. Pense-se ape-
valores superiores deveria assemelhar-se muito a uml
ll;lS nas excepções sofridas pelo princípio da liberdade
sistema de princípios: deveria deixar-se reformulal
_ .i de forma dos contratos obrigacionais, pelo da consen-
neste outro, de modo extenso, quando não total. _.~..
sllalidade da procuração, pela possibilidade de repre-
sentação nos negócios jurídicos, pelo da condiciona-
bilidade dos negócios jurídicos, pelo da liberdade de
b) Os tipos de funções dos «princípios gerais do
aceitação dos negócios do representante legal, etc.
Direito» na formação do sistema
Ou pense-se nas múltiplas limitações do princípio da
autonomia negocial que resultam da consideração de
Apurada e demonstrada a escolha para elementos
princípios contrários e das contraproposições daí
constitutivos unitários dos princípios gerais de Direito,
resultantes, como, por exemplo, a limitação da liber-
surge, como nova tarefa, o tecer considerações mais
dade de celebração, através de várias previsões do
pormenorizadas sobre o modo e a forma pelo qual eles
acatam a sua função sistematizadora. Salientem-se, dever de contratar, a limitação da liberdade de esti-
aqui, quatro características: os princípios não valem pulação dos contratos obrigacionais através do
sem excepção e podem entrar entre si em oposição Direito de protecção das denúncias do Direito social
ou em contradição (148); eles não têm a pretensão da do arrendamento e no Direito do trabalho, na limita-
exclusividade; eles ostentam o seu sentido próprio ção da liberdade de testar através do direito de
apenas numa combinação de complementação e res- legítima, etc., etc. Entre a mera excepção e o princí-
trição recíprocas; e eles precisam, para a sua reali- pio contrário existe, naturalmente, uma passagem
zação, de uma concretização através de sub-princípios fluida; deve verificar-se, quanto a isso, se o valor
e valores singulares, com conteúdo material próprio. que requer a limitação possui uma generalidade e
~ Os princípios não valem sem excepção e podem uma categoria bastantes para, por seu turno, valer
~ entrar em oposição ou em contradição entre si. Esta como princípio constitutivo do sistema. Isso não
característica não precisa de explicação; é para oS) sucede, por certo, nos exemplos acima dados, a pro-
juristas um fenómeno seguro o de que, às decisões t. pósito das ideias jurídicas que subjazem às diversas
prescrições de forma, isto é à protecção contra a
fundamentais da ordem jurídica, subjazem muitas i'
excepções e de que os princípios singulares não pou:,,~ precipitação ou à facilitação de prova; o BGB não
confere a esses valores um significado tal que, aqui,
se possa falar em princípio constitutivo do sistema
(148) Para a diferença entre oposição e contradição cf.
intra, § 6 I 2 d.
do Direito civil ou, sequer, apenas do Direito das
obrigações; trata-se, assim, de meras excepções ao
princlplO da liberdade de forma. Pelo contrário, os respectivamente, não são, de modo algum, previsões
princípios de tutela dos trabalhadores e da protecção excepcionais «contrárias ao sistema» mas antes, pelo
da família, que estão por detrás do direito de pro- contrário, expressões (em parte incompletas) de prin-
tecção dos despedimentos e da legítima, respectiva- cípios gerais. Por certo que o princípio do dever de
mente, têm, sem dúvida, uma função constitutiva para responder pelo ilícito culposo merece ainda uma
os nossos Direitos do Trabalho e das Sucessões e, certa primazia, que se baseia em parte no seu signifi-
para além disso, também para todo o Direito Privado; cado histórico, mas também, sobretudo, na sua espe-
. há, pois, princípios opostos. cial evidência ético-jurídica; mas isso não justifica, de
, Os princípios não têm pretensão de exclusividade. modo algum, que lhe seja reconhecida uma pretensão
Isto significa que uma mesma consequência jurídica, de exclusividade; antes conduz a que, no reconheci-
característica de um determinado princípio, também mento de outros fundamentos de imputação, seja
pode ser conectada com outro princípio. Podia-se cuidadosamente verificada a questão do seu poder de
julgar que isto é evidente. Mas tem sido frequente- convicção interior. Compreende-se, por si, que esta
mente posto em causa, pelo menos a propósito de perspectiva tenha o mais alto significado para a inter-
princípios singulares, e este mal-entendido tem-se pretação comum e para a interpretação criativa do
mostrado, em parte, como um obstáculo pesado para Direito (149). Uma problemática muito semelhante à
o progresso do nosso Direito privado. Assim, por colocada a propósito do princípio da culpa, põe-se,
exemplo, nem sempre foi reconhecido que as presta- também, quanto ao princípio de autonomia privada e
ções de indemnização podiam resultar não apenas de possui, ainda hoje, grande actualidade. Não poucas
violações culposas do Direito; hoje já não é discutível vezes parece dominar o mal-entendido de que pre-
que, ao lado dela, haja uma série de outros princípios tensões «como as resultantes de um negócio jurídico»,
de imputação, também constitutivos do sistema, tais portanto, em especial, pretensões de cumprimento, só
como os princípios do risco, da confiança ou da podem, fundamentalmente, resultar de negócios jurí-
imputação por actos lícitos e que as disposições a
eles respeitantes, como as previsões de responsabili-
('ação; o § 307 manda, àquele que conheça a impossibilidade
dade pelo risco, § § 122, 179, 307 e 904/2 BGB (*), duma prestação assumida, indemnizar a outra parte que se
lenha fiado na viabilidade do contrato; o § 904/2, por fim,
(*) Nota do tradutor: o § 122 do BGB obriga o declarante <ktermina que, quem penetre em prédio alheio para prevenir
a inc!emnizar o dec1aratário ou, em certos casos, terceiros, um dano na própria coisa, o possa fazer devendo, no entanto,
quando a declaração seja declarada nula ou seja anulada; o indcmnizar. As indemnizações são, no entanto, limitadas nos
§ 179 estabelece a responsabilidade do representante que não lrüs primeiros casos ao denominado interesse negativo.
prove os seus poderes, quando o representado recuse a ratifi- (119) Cf. também ínfra p. 120 s. e 176 s.
93

dicos (150). Isso opor-se-ia, por exemplo, ao reconheci- recíprocas (15~~}r


Também para esta proposição encon-
mento da responsabilidade pela confiança como um tramos variaaõs exemplos. Assim, por exemplo, a
princípio constitutivo do sistema de igual categoria, doutrina do negócio jurídico e, em especial, a regu-
na medida em que, dele não resultem apenas pre- lação do erro no BGB só se torna compreensível a
tensões de indemnização, mas ainda, como na respon- partir da ligação dos três princíp:os da autodetermi-
sabilidade pela aparência jurídica, pretensões de cum- nação, da auto-responsabilidade e da protecção da
primento. Na verdade, não se demonstra semelhante confiança. A autodeterminação só é possível em auto-
pretensão de exclusividade do princípio da autodeter- -responsabilidade (154), assim como a autêntica liber-
minação negocial (151), de tal modo que ele não se opõe dade sempre inclui, em si, a vinculação ética. Em
ao reconhecimento de pretensões de cumprimento a consequência disso, o imputável deve ainda respon-
partir da responsabilidade pela confiança ou de outras der, em certas circunstâncias, pela regulação legal
previsões de «imputação objectiva» (m). Em geral, mesmo quando a sua autodeterminação falhe; surge,
pode dizer-se a tal propósito: os princípios não deveni, ·..1'· aqui, a auto-responsabilidade como princípio comple-
fundamentalmente, ser colocados num quadro de! mentador. Esta está estreitamente ligada ao princípio
exclusividade; eles não devem, portanto, ser formula- {. da protecção da confiança, pois, em geral, só perante
~os segundo «só quando ... então ... ». ~ o terceiro de boa fé existe a possibilidade de, hones-
'\ Os princípios ostentam o seu sentido próprio ape- tamente, apesar da falha na autodeterminação, con-
L::~ numa combinação de complementação e restrição servar o negócio jurídico, com recurso ao principio
da auto-responsabilidade. Por exemplo, o princípio
(150) Tal poderia ser, antes de mais, a opinião de FLUME,
da auto-responsabilidade evidencia-se na regra da
uma vez que ele ou não considera os correspondentes fenó- interpretação objectiva, na medida em que se trata
menos como outras previsões especiais capazes de declarações, de fazer imputar ao declarante (pelo menos agora) o
como, por exemplo, a doutrina do documento de autenticação significado objectivo e o princípio da confiança aflora
comercial (cf. Allg. TeU n, 1965, § 36) ou os recusa por quando dê relevo ao modo como a outra parte deve-
inconciliáveis com o Direito em vigor e, em especial, com a
doutrina do negócio jurídico como, por exemplo, a «procura-
ria ter entendido, razoavelmente, a declaração. Subjaz,
ção aparente» (cf. ob. cit., § 49, 4, sobretudo p. 834: {(... de de igual modo, uma ligação entre os três princípios,
tal modo que as regras sobre negócio jurídico não engrenam»).
(151) Cf., quanto a isso, mais desenvolvidamente, CANARIS, (153) São fundamentais os trabalhos de WILBURG; d.,
Die Vertrauenshaftung im deutschen Privatrecht, 1971, p. 431 SS. quanto a eles, pormenorizadamente infra, § 4.°.
(152) Cf., sobre isso, por todos, HÜBNER,Zurechnung statt (154) Cf., quanto a isso, por todos, LARENZ,Die Methode
Filztion einer Willenserkliirung, em Nipperdey-Festschrift, 1965, der Auslegung des Rechtsgeschiifts, 1930; FLUME, ob. cit.,
p. 373 ss. § 4, 8 e 21, 1.
por exemplo, no § 123 II BGB, enquanto a relevância, (, ineficaz, mesmo quando este tivesse uma total cap:l
sem excepção, de uma ameaça, segundo o § 123/1
BGB (*), respeita a uma postergação do princípio da
cidade de julgamento, e ela representasse, portanto: I
lima regulação legal de autodeterminação responSável).'
confiança perante o da autodeterminação que, aqui, e sem falhas; e inversamente, o clausulado por uma ,
por força do peso e.special do vício - segundo a valo- pessoa de vinte e um anos mentalmente atrasada é
ração do BGB - não é modificado através da ideia eficaz, ainda quando não se possa aqui falar propria-
da auto-responsabilidade. Auto-responsabilidade e mente de uma autodeterminação responsável. '--
protecção do tráfego (não a protecção da confiança) Junto de uma tal complementação surge a limita-
estão também por detrás da validade provisória de ção recíproca. Isso já foi acima indiciado, a propósito
um negócio - sobre o qual recaia um erro rele- da discussão do primeiro critério. Assim, o princípio
vante -; a auto-responsabilidade e a protecção da da autodeterminação na nossa ordem jurídica só se
confiança dão ao § 122 BGB o seu sentido (**). O prin- dei.xa apreciar plenamente quando se incluam, na
cípio da protecção do tráfego desempenha um papel ponderação, os princípios contrapostos e limitativos
significativo na regulação da capacidade negocial e o âmbito de aplicação que lhe seja destinado, por-
onde ele, em conjunto com o estreitamente aparen- tanto, por exemplo, quando se actuem as previsões
tado princípio da clareza jurídica, conduziu à imposi- da obrigação de contratar, da protecção no despedi-
ção de estreitos limites de idade; ele tanto modifica mento ou da legítima, de modo útil para a autonomia
o princípio da autodeterminação como o de auto-res- privada. Por outras palavras: o entendimento de um
ponsabilidade: o negócio de um menor de vinte anos princípio é sempre, ao mesmo tempo, o dos seus limi-
tes (lõ5).
(*) Nota do tradutor: dispõe o § 123 do BGB: A combinação mútua dos princípios conduz, no
(1) Aquele que tenha sido levado a emitir uma declara- entanto, a certas dificuldades na formação do sis-
ção de vontade através de dolo ou de ameaça ilícita, pode tema. Designadamente, surgem aspectos diferenciados
anular a declaração.
consoante se descrevam os diversos lugares onde um
(2) Quando o dolo tenha sido cometido por um terceiro,
a declaração destinada a outrem, só é anulável quando este princípio de Direito tem significado jurídico ou se
conheça ou deva conhecer o dolo. Quando qualquer outro que elabore como actua ele num determinado local.
não o destinatário da declaração tenha adquirido, com base É certo, por exemplo, que o facto de os princípios
nela, imediatamente, um direito, é essa declaração anulável da imputação do risco e da protecção do tráfego não
sempre que ele conhecesse ou tivesse conhecido do dolo.
(**) Nota do tradutor: ° § 122, já acima referido, manda
indemnizar a pessoa que creia na validade de um negócio, ('55) Seja dos seus limites imanentes, seja dos «externos»,
quando haja anulação. isto é, dos condicionados pela oposição de outros princípios.
actuarem apenas no quadro da doutrina do negoclO vel a intermeação de novos valores autónomos. Isso
jurídico mas também no enriquecimento sem causa demonstra-se, de novo, com exemplos. Quando, por
e na responsabilidade civil, constitui uma caracterís- exemplo, se saiba que uma determinada vinculação
tica sistemática do Direito vigente. Mas é igualmente respeita ao princípio da auto-responsabilidade, ainda
próprio do sistema que eles tenham conduzido, no se está muito longe de uma norma susceptível de
âmbito negocial, ao princípio da interpretação objec- imputação. A auto-responsabilidade não significa
tiva, no enriquecimento sem causa, à conhecida proi- mais do que imputação, mas esta pressupõe um deter-
bição de ingerência em relações tripartidas e na res- minado princípio de imputação. O Direito civil vigente
ponsabilidade civil, à objectivação da bitola da negli- conhece, como tais, apenas o princípio da culpa, o
gência. Só os dois aspectos levam, de algum modo, princípio do risco e - em todo o caso segundo uma
à representação plena do sistema, sem que se possam opinião difundida, ainda que incorrecta (1Õ1) - o prin-
sempre reflectir ou até formular simultaneamente. cípio da causalidade, cabendo efectuar uma escolha
Eles actuam pois, complementarmente um perante o entre eles. Mas com isso, o processo de concretização
outro, para utilizar um termo que é também empre- não ficou contudo, ainda, concluído. Feita, por exem-
gue no domínio da teorização das Ciências natu- plo, uma escolha a favor do princípio da culpa, surge,
rais (156). .
de seguida, a questão das formas de culpa; determi-
, · L t . " 't
Fma men -e, os pnnclplOs neceSSIam, para a sua <~1
nadas estas, mais pormenorizadamente, como dolo
realização, da concretização através de SUbPrincíPi,osl,. e negligência, cabe ainda esclarecer o que se deve
[ e de valorações singulares com conteúdo matel~~aIr
' entender com jsso; de novo são necessários valores
próprio. De facto, eles não são normas e, por issÕi'i
autônomos, por exemplo, a propósito do tratamento
não são capazes de aplicação imediata (l57), antes
dos erros sobre a proibição, a propósito da questão
devendo primeiro ser normativamente consolidados
de saber se o conceito de negligência se deve entender
ou «normativizados» (158). Para tanto, é imprescindí-
objectiva ou subjectivamente e a propósito da deter-
minação interna do que seja, em determinada situa-
(156) Cf., quanto a isso, WEISSKOPF em Rücl~blick in die ção, o «cuidado necessário no tráfego»; também sur-
Zukunft, 1981, p. 203 s. (na sequência de NIELS BOHR). gem novos valores na determinação da bitola de
(157) Fundamental para a distinção entre principio responsabilidade, portanto a respeito do problema de
e norma, ESSER, Grundsatz und Norm in der richterlichen
Fortbildung des Privatrechts, 2.' ed., 1964.
por que grau de culpa se deve responder: se só por
(158) Cf. CANARIS, Die Vertrauenshaftung cit., p. 474 SS. dolo, se só até ao limite da negligência grosseira ou
se só pela diligência exigível, etc. Outro tanto acon- eípios da protecção da confiança e da auto-responsa-
tece quando, no tocante à imputação, se decida a bilização, e que este último, por seu turno, como
favor de princípios do risco. Também aí se colocam acima se disse, implica toda uma escala de diferentes
problemas de valoração próprios, porquanto se trata possibilidades de concretização, torna-se clara a mul-
de apurar que risco deve ser imputado e até que tiplicidade imaginável de formações previsivas, atra-
limites actua o dever de responsabilidade; pense-se vés da combinação de variantes e subvariantes, - o
apenas na escala de possibilidades, desde a respon- que é confirmado pela consideração do Direito vigente
sabilidade com inclusão da força maior e através de com o seu grande número de diferentes tipos de
várias formas intermédias até à liberação da res- responsabilidades pela confiança.
ponsabilidade pela existência de um «evento inevitá- Mostra-se, assim, amplamente, que as consequên-
vel», no sentido do § 7 II StVG! O mesmo se eias jurídicas quase nunca se deixam retirar, de forma
demonstra com exemplo na responsabilidade pela imediata, da mera combinação dos diferentes princí-
confiança. Assim, feita a afirmação básica de uma pios constitutivos do sistema, mas antes que, nos
protecção da confiança, surge imediatamente a per- diversos graus da concretização, surgem sempre novos
gunta por que forma ela vai actuar: através da con- pontos de vista valorativos autónomos. Em regra, não
cessão de uma pretensão de indemnização pelos se pode reconhecer a estes a categoria de elementos
danos e pelas despesas como, por exemplo, nos constitutivos do sistema, por causa da sua estreita
§ § 122, 179 II e 307 do BGB (*) ou através da con- generalidade e do seu peso ético-jurídico normalmente
cessão de uma pretensão de cumprimento como, por fraco: eles não são constituintes da unidade de sentido
exemplo, nos casos da responsabilidade pela aparên- do âmbito jurídico considerado, portanto, do Direito
cia jurídica? Isso já não se pode resolver com base, privado, nos exemplos citados (1GB).
apenas, na ideia de confiança, de tal modo que devem
ser encontrados novos pontos de vista materiais,
depois de cujo emprego podem, em certas con-
(159) Mas eles podem, naturalmente, ser constituintes da
dições, resultar subproblemas novos e semelhantes. unidade de um âmbito parcial - em regra pequeno. Assim
Aceitando-se que a responsabilidade pela confiança pode-se, por exemplo, considerar um princípio jurídico inteira-
respeita, normalmente, a uma conexão entre os prin- mente constitutivo para um «sistema da responsabilidade pela
confiança», princípio esse que não teria tal categoria no sis-
tema das obrigações ou, até, do Direito privado. Caracterizar
um princípio como «constitutivo do sistema» é, aliás, uma
tarefa relativa; cf. mais pormenorizadamente supra p. 77 s.
que respeita à terceira característica, a complemen-
c) As diferenças dos «princípios gerais de Direito» Lação mútua dos princípios, resulta também um
perante os axiomas paralelo com os axiomas: do mesmo modo estes só
adquirem o seu significado próprio quando se liguem
Para concluir, regresse-se ainda uma vez à pro- entre si, para, a partir de várias premissas maiores
blemática do sistema axiomático-dedutivo (160); tor- axiomáticas, obter a multiplicidade dos «teoremas».
na-se claro, de acordo com as considerações então A concordância cessa, contudo, no elemento da
feitas, que os princípios gerais de Direito são, em. limitação mútua e, inteiramente, na característica
qualquer caso, inadequados para fundamentar tal
interrupção por excepções e das contradições de
sistema. Na verdade, a segunda e, pelo menos em
princípios. Os axiomas exigem uma vigência sem
parte, a terceira das características isoladas apli-
excepções, e admitir, na formação do axioma, todas
cam-se, também, aos axiomas. Pois também estes não
as excepções que surgissem seria uma axiomatização
se devem, essencialmente, edificar segundo a fórmula
aparente (162). Enquanto os princípios conservam o
«só quando ... então ... », antes deixando aberta a pos-
sibilidade de o mesmo resultado poder ser retirado eu sentido «em princípio», segundo o termo tão
de outro axioma (161); uma certa tendência para a característico para os juristas, os axiomas devem
redução a relativamente poucas premissas é também poder ser formulados de acordo com o esquema
inerente a ·um sistema axiomático - uma tendência «sempre que ... , então ... ». Isto não é, de modo algum,
que surge, aliás, em cada sistema por causa do ele- qualquer acaso; surge, pelo contrário, característico
mento da unidade e que também é evidente num das especificidades do pensamento teleológico, perante
sistema de princípios gerais de Direito -; no entanto, a orientação lógico-formal; pois, como diz ESSER(163),
um axioma não adquire por isso, de modo algum, «Os princípios só podem funcionar quando se possam
necessariamente a pretensão da exclusividade. E no quebrar com legitimidade». Totalmente inconciliável
com um sistema axiomático é a possibilidade de
contradições de princípios. É geralmente reconhecido
(160) Quanto a isso cf. pormenorizadamente, supra
§ 2 I 3 b. que tais contradições podem ocorrer (164), não se
(161) Questão completamente diferente é a de se um
axioma pode ser deduzido de outro ou de uma conexão entre
vários outros; isso deve ser negado, pois o axioma seria, (162) Cf. também supra p. 39 s.
então, supérfluo. Mais uma premissa não é, de modo algum, (163) Cf. Grundsatz und Norm, p. 7.
supérflua por o mesmo resultado com ela obtido, se conseguir (164) Cf., por todos, ENGISCH, Einführung in das juristische
a partir de outras premissas, interiormente diferentes. Denken, p. 162 ss., com indicações desenvolvidas na nota 206a.
devendo, de facto, negá-Io (165). Elas não se deixam,
de forma alguma, remover sempre (165), de tal modo
que um sistema de princípios gerais de Direito não
pode satisfazer o postulado da total ausência de con-
tradições. Por isso, os princípios são inutilizáveis
como base de um sistema lógico-axiomático, uma vez
que a ausência de contradições dos axiomas é irre-
nunciável (166). Pelo contrário, a formação de um sis- Com a definição do sistema como uma ordem
tema teleológico não se opõe, de modo algum, à pos- teleológica de princípios gerais de Direito, ficou
sibilidade de contradições de princípios; ela impede, determinado, nas suas características mais importan-
em todo o caso, uma configuração perfeita desse sis- tes, o conceito de sistema; no entanto, são necessá-
tema (167). rias, ainda, precisões nalguns pontos. Duas qualidades
, Finalmente, a quarta característica distingue tam- do sistema desempenham, na discussão jurídica actual,
bém os princípios gerais dos axiomas; a partir destes um papel largo que ainda não foi abordado, no
todos os «teoremas» se devem deixar deduzir, com a decurso, já efectuado, da investigação e que se vai
utilização exclusiva das leis da lógica formal e sem
examinar de seguida: a «abertura» e a «mobilidade»
a intromissão de novos pontos de vista materiais (168)
do sistema. O que se pretende dizer com isso?
enquanto que, como foi mostrado, para a concretiza-
No que toca, em primeiro lugar, à abertura, encon-
ção dos princípios gerais de Direito, são sempre
tram-se, na literatura, utilizações linguísticas diferen-
necessárias, nos diversos graus, novas valorações
parciais autónomas. tes. Numa delas, a oposição entre sistema aberto e
fechado é identificada com a diferença entre uma
ordem jurídica construída casuisticamente e apoiada
na jurisprudência e uma ordem dominada pela ideia
da COdificação (1); nesse sentido, o sistema do Direito

(1) Cf. ESSE R, Grundsatz und Norm, p. 44 e 218 s. e


(165) Cf., pormenorizadamente, intra § 6 I 3-5. passim, seguindo FRITZ SCHULZ, History of Roman Legal
(166) Cf. supra, nota 35. Science, 1946, p. 69, cuja utilização linguística não se fixou,
(167) Cf., pormenorizadamente, intra § 6 I 5. contudo, claramente, neste sentido; cf., ainda, LERCHE, DVBl.
(168) Cf. as citações feitas supra, nota, 31. 1951, p. 692.
alemão actual deve-se considerar, pela sua estru- Ássim, e enquanto factos construtivos ou modificati-
tura (2), sem dúvida como fechado. Na outra, enten- vos do sistema, desenvolveram-se: o princípio do
de-se por abertura a incompleitude, a capacidade de risco, na responsabilidade objectiva, o princípio da
evolução e a modificabilidade do sistema (3); neste
confiança, na responsabilidade pela aparência jurídica
sentido, o sistema da nossa ordem jurídica hodierna
e na doutrina da culpa in contrahendo e o princípio
pode caracterizar-se como aberto. Pois é um facto
da equivalência material no instituto da alteração
geralmente conhecido e admitido o de que ele se
das circunstâncias; de modo semelhante, o princípio
encontra numa mudança permanente e que, por exem-
da boa fé demonstrou, na exceptio do li, na doutrina
plo, o nosso sistema de Direito privado surge, no
da suppressio (*) ou na multipIicidade dos deveres
essencial, diferente do imediatamente posterior à
promulgação do BGB ou do ainda há trinta anos exis- de comportamento desenvolvidos a partir dela, uma
tente. Esta mudança, em cujo decurso foi descoberta inegável força de alteração do sistema.
uma série de «novos» princípios, tem sido descrita Em que se fundamentam estas modificações do
com frequência (4) e só precisa, aqui, de ser indiciada. 1istema e em que sentido é o sistema aberto? A res-
posta só se obtém quando se separem, com clareza,
~. os dois lados do conceito de sistema, isto é, o sistema
(2) Segundo as considerações de ESSER, ob. cit., passim, ~ científico e o objectivo (5).
devia ser hoje geralmente reconhecido que a oposição não é
exclusiva, mas apenas tipológica e que, portanto, os dois tipos
I
de sistema convergem; cf., também, ZAJTAY,AcP 165, p. 97 ss.
(106).
(3) Cf. SAUER, Juristische Methodenlehre, 1940, p. 172; voI. 2, 1960, p. 1 ss. e Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 1967,
ENGISCH,Stud. Gen. 10 (1957), p. 187 s.; LARENZ,Methoden- p. 514 ss. e 543 ss.; F. V. HIPPEL, Zum Aufbau und Sinnwandel
lehre, p. 134 e p. 367; EMGE, Philosophie der Rechtswis- unseres Privatrechts, 1957.
senschaft, 1961, p. 290; RAISER, NJW 1964, p. 1204; FLUME, (5) Cf., quanto a essa diferença, supra, p. 13.
All. Teil des Bürgerlichen Rechts, 2.° vol., 1965, p. 295 s.; (*) Nota do tradutor: a expressão latina medieval
MAYER-MALY,The Irish Jurist, voI. lI, part 2, 1967, p. 375;
«&uppressio» foi proposta em MENEZESCORDEIRO,Da boa fé no
KRIELE, Theorie der Rechtsgewinnung, 1967, p. 122, 145 e 150.
Direito civil, 2.~ voI. (1984), 797, para traduzir a Verwirkung,
Esta utilização linguística corresponde à utilização teorético- spm correspondente na língua portuguesa.
-científica geral; cf. as citações infra nota 8.
A «suppressio» pode definir-se como o instituto pelo qual
(4) Cf., quanto a isso, por todos, WIEACKER, Das () direito que não seja exercido durante bastante tempo, não
Sozialmodell der klassischen Privatrechtsgesetzbücher und die mais poderá ser actuado quando o seu exercício retardado seja
Entwicklung der modernen Gesellschaft, 1953, Das Bürgerliche contrário à boa fé. No Direito português, a «suppressio» é
Recht im Wandel der Gesellschaftsordnungen, DJT-Festschrift, uma subcategoria do abuso do direito.
Contudo, ninguém ma afirmar que o fenómeno
I- A ABERTURA DO "SISTEMA CIENTíFICO" COMO INCOM- da «abertura» do sistema na jurisprudência se possa
PLEITUDE DO CONHECIMENTO CIENTíFICO
reconduzir, apenas, à provisoriedade do conhecimento
científico. Aceitar que as referidas modificações do
No que toca ao primeiro, portanto ao sistema de sistema respeitam, exclusivamente, a progressos de
proposições doutrinárias da Ciência do Direito, a penetração científica na matéria jurídica seria pura
abertura do sistema significa a incompleitude e a utopia. Mas isso leva, naturalmente, à conclusão de
provisoriedade do conhecimento científico. De facto, que subjazemmudanças no sistema objectivo, isto é,
o jurista, como qualquer cientista, deve estar sempre na própria unidade da ordem jurídica, e de que ele,
preparado para pôr em causa o sistema até então por isso, deve ser aberto.
elaborado e para o alargar ou modificar, com base
numa melhor consideração. Cada sistema científico é,
assim, tão só um projecto de sistema (5a), que apenas
11- A ABERTURA DO "SISTEMA OBJECTlVO" COMO MODIFI-
exprime o estado dos conhecimentos do seu tempo; CABILlDADE DOS VALORES FUNDAMENTAIS DA ORDEM
por isso e necessariamente, ele não é nem definitivo JURIDICA
nem «fechado», enquanto, no domínio em causa, uma
reelaboração científica e um progresso forem possí-
Não é discutível e resulta mesmo evidente, que o
veis. Em consequência, nunca podem ser tarefas do
Direito positivo, mesmo quando consista numa ordem
sistema o fixar a ciência ou, até, o desenvolvimento
jurídica assente na ideia de codificação, é, notoria-
do Direito num determinado estado, mas antes, ape-
mente, susceptível de aperfeiçoamento, em vários
nas, o exprimir o quadro geral de todos os reconheci-
campos. Os valores fundamentais constituintes não
mentos do tempo, o garantir a sua concatenação entre
podem fazer, a isso, qualquer excepção devendo,
si e, em especial, o facilitar a determinação dos efeitos
assim, mudar também o sistema cujas unidades e
reflexos que uma modificação (do conhecimento ou adequação eles corporizem. Hoje, princípios novos e
do objecto), num determinado ponto, tenha noutro, diferentes dos existentes ainda há poucas décadas,
por força da regra da consequência interior.
podem ter validade e ser constitutivos para o sistema.
Segue-se, daí, finalmente, que o sistema, como uni-
dade de sentido, compartilha de uma ordem jurídica
concreta no seu modo de ser, isto é, que tal como
esta, não é estático, mas dinâmico, assumindo pois lida (7). Que o legislador possa, contudo, colocar um
a estrutura da historicidade (6). sistema inteiramente novo no local do anterior con-
Não se deve encobrir esta realidade com o facto tende, evidentemente, com isso; não é esse, aliás,
de, em vez dum sistema em si mutável e, por isso, o problema de que aqui se trata.
aberto, se partir de uma sucessão de sistemas dife-
rentes estáticos e, assim, fechados. Na verdade, teori-
camente, sempre que um novo princípio constitutivo
111- o SIGNIFICADO DA ABERTURA DO SISTEMA PARA AS
para o sistema obtivesse validade, poder-se-ia aceitar POSSIBILIDADES DO PENSAMENTO SISTEMATICO E DA
o nascimento de outro sistema, que absorvesse o até FORMAÇÃO DO SISTEMA NA CI~NCIA DO DIREITO
então existente; mas com isso, não se teria resolvido
o fenómeno aqui em causa. Pois esta modificação do
À abertura como incompleitude do conhecimento
Direito não se verifica com saltos bruscos, antes ci(mtífico acresce assim a abertura comq modificabi-
operando num desenvolvimento paulatino e contínuo; !idade da própria ordem jurídica. Ambas as formas
isso vale mesmo quando não se trate de um aperfei-
de abertura são essencialmente próprias do sistema
çoamento jurisprudencial, mas sim de mera interven-
jurfdico e nada seria mais errado do que utilizar a
ção do legislador: por exemplo, se este, ao consagrar
abertura do sistema como objecção contra o signifi-
sempre mais previsões de responsabilidade pelo risco,
cado da formação do sistema na Ciência do Direito
elevar assim um novo princípio jurídico à categoria
ou, até, caracterizar um sistema aberto como uma
de um elemento constitutivo do sistema, não fica,
contradiçfío em si. A abertura do sistema científico
por isso, modificada a identidade do nosso sistema de
resulta, aliús, dos condicionamentos básicos do tra-
Direito privado; este apenas se modificou, - nada de
1>111110 científico que sempre e apenas pode produzir
diferente, aliás, do que o que ocorre com a identidade
projectos provisórios, enquanto, no âmbito questio-
de uma individualidade que não é negada pelas modi-
nado, ainda for possível um progresso, e, portanto, o
ficações no tempo, se esta comparação for permi-
trabalho científico fizer sentido; o sistema jurídico
pa rtilha, aliás, esta abertura com os sistemas de todas
(6) Para a historicidade do Direito cf., por exemplo,
G. HUSSERL, Recht und Zeit, 1955; ARTHUR KAUFMANN,
Naturrecht und Geschichtlichkeit, 1957 e Das Schuldprinzip, ('I) Cf., quanto a isso, HENKEL, ob. cit., p. 40, que equi-
1961, p. 86 8S.; LARENZ, Methodenlehre, p. 189 8S.; HENKEL, P:lI'<l expressamente a ordem jurídica a uma «individualidade
Einführung in die Rechtsphilosophie, 1964, p. 36 ss. I'rúprim>.
as outras disciplinas (8). Mas a abertura do sistema mente modificável (10). Retira-se, de facto, daqui, que
objectivo resulta da essência do objecto da jurispru- a formulação do sistema jurídico - possivelmente em
dência, designadamente da essência do Direito posi- oposição a outras Ciências - nunca pode chegar ao
tivo como um fenómeno colocado no processo da His- fim, antes sendo por essência, um processo infindá-
vel (11); aí reside também um certo sentido prático,
tória e, como tal, mutáve1. Esta forma de abertura
derivado do sistema ser aberto. De qualquer modo,
não se encontra necessariamente em todas as outras
isto traduz uma evidência, que de modo algum merece
Ciências (9), pois o seu objecto pode ser imutável;
um significado tão fundamental como o que lhe con-
pode até haver aqui uma especificidade da Ciência
fere a moderna discussão do sistema; em especial, a
do Direito; não se justifica então, de modo algum,
abertura do sistema não tem qualquer significado para
colocar em dúvida a capacidade da ideia de sistema a admissibilidade da interpretação criativa do Direito;
para a Ciência do Direito: pois as especialidades do
nosso objecto devem corresponder a especialidades
do nosso conceito de sistema e um sistema (em sen- (tO) A questão tem, aliás, o seu paralelo na discussão
:wbre o carácter científico da jurisprudência, na medida em que
tido objectivo) em mudança permanente é tão ima-
,·:{tc seja negado com a fundamentação de que o jurista se ocupa
ginável como uma unidade de sentido duradoura- de um objecto «efémero». Por fim, em ambos os casos deveria
Iratar-se de um pouco significativo prablemade definição.
(11) Enquanto uma ordem jurídica está em vigor, ela
(8) A ideia da abertura do sistema é inteiramente cor- modifica-se e assim que deixe de vigorar, ela já não é mais
rente na nova teoria científica; cf., por exemplo, RICKERT, objccto da dogmática jurídica, como Ciência do Direito
System der Philosophie I, 1921, p. 350; PLESSNER, Zur Soziolo- v igente, mas sim objecto da História do Direito. O modo de
gie der modernen Forschung und ihrer Organisation in der trabalhar do historiador, contra a opinião de GADAMER
deutschen Universitat, em: Versuche zu einer Soziologie des (Wahrheit und Methode, 2.' ed., 1965, p. 307 ss.) não é, porém,
Wissens, publicado por MAX SCHELER, 1924, p. 407 ss. (413); li mesmo do do jurista dogmático, pois não lhe compete a
JASPERS (e ROSSMANN), Die ldee der Universitat, für die IIplicação do Direito, a um caso actual, tão essencial para o
gegenwiirtige Situation entworfen, 1961, p. 44; FREYER, Die dogmático, bem como o seu aperfeiçoamento; que GADAMAR
Wissenschaften des 20. Jahrhunderts und die ldee des Ruma- d"sconheça isto tem a ver, sobretudo, com a polissemia do seu
nismus, Merkur 156 (1961), p. 101 ss. (113); SCHELSKY, ('OI1l:eito de «aplicação»; d. WAGNER, AcP 165, p. 535 s. que
Eisamkeit und Freiheit, Idee und Gestalt der deutschen Uni- n'nSllnl a GADAMER,com razão, neste ponto, uma troca de
versitat und ihrer Reformen, 1963, p. 287 S. ('onceitos; contra GADAMER, com pormenor e convincente,
(9) Cf., por exemplo, a propósito da Física, a este pro- HI':TTI. Dic Hermeneutik aIs allgemeine Methodik der
pósito, C. F. VON WEISACKER, Abschluss und Vollendung der (;I'ísleswissellschaften, 1962, p. 44 ss. e WIEACKER, Notizen
Physik, publicado na Süddeutsche Zeitung de 25.10.1966, 2./11' rechtshistorischen Hermeneutik, 1962, p. 21 (cf. também
n.O 255. p. 8 SS. (' IH s.).
esta não é admissível por aquele ser aberto; antes enquanto o sistema objectivo, pelo seu lado, não é
aquele surge aberto porque esta - por razões exte- Influenciado por modificações dentro do científico.
riores à problemática do sistema - é admissível. Um exame mais cuidado mostra que a problemá-
lleu não é assim tão simples, antes conduzindo ime-
diatamente a duas questões prévias altamente com-
IV - OS PRESSUPOSTOS DAS MODIFICAÇÕES DO SISTEMA plexas: ao problema da validade e das fontes do
E A RELAÇÃO ENTRE MODIFICAÇÕES DO SiSTEMA
Direito (12) e ao problema, decerto modo ligado
OBJECTIVO E DO SISTEMA CIENTIFICO
com aquele, da relação entre o Direito vigente «objec-
livo» e os seus conhecimentos e aplicação; pois a
o círculo de questões da abertura do sistema não questão dos factores e pressupostos de uma modifi-
está totalmente esgotado com a mera justaposição clIção do sistema objectivo é idêntica à da admissibili-
da incompleitude do sistema científico com a modifi- dllde de uma modificação do Direito vigente, portanto
cabilidade do sistema objectivo, tanto quanto tal lIO problema das fontes do Direito e a questão da
separação esteja, também, certa, em princípio. O pro- relação entre o sistema objectivo e científico é apenas
blema, na prática altamente significativo, de saber 11111 sub-problema da questão geral das relações entre
sob que condições são possíveis modificações num o Direito vigente «objectivo» e o seu conhecimento.
dos dois sistemas tem ficado, até aqui, por esclarecer, Por não serem ambos problemas específicos da pro-
assim como a questão, com ele estreitamente ligada, hll~I1Híticado sistema, compreende-se por si que não
da relação na qual ambos os sistemas (ou ambos os possam ser pormenorizadamente discutidos no quadro
lados do sistema) se encontram entre si e, por conse- do presente trabalho; na sequência, apenas se vai
quência, que. influência têm as modificações dum
deles, no· outro. À primeira vista, pode parecer que a
resposta não seja difícil de dar: o sistema científico (I") A validade e as fontes do Direito devem, natural-
modifica-se quando tenham sido obtidos novos ou 11ll'llln, entender-se aqui, em sentido normativo e não em
111'11 lido fúctico, isto é, como o enunciado das proposições
mais exactos conhecimentos do Direito vigente ou
1III'Idkilsque devam, acertadamente, ser aplicadas e não como
quando o sistema objectivo ao qual o científico tem
" 1"vlIllLamentodas proposições jurídicas muda consoante a
de corresponder, se tenha alterado; o sistema objec- Illlllórill- é, na minha opinião, fundamental para a doutrina
tivo modifica-se quando os valores fundamentais dll vlllidade e das fontes do direito e não deve, apesar da
constitutivos do Direito vigente se alterem. Em conse- nll icll snmpro retomada, ser abandonada ou, sequer, confun-
quência, o sistema científico está em estreita depen- <11<111 (mlls d., também, infra nota 36). Para os diversos tipos
ri" l'llllc<'iLo de validade d., por todos, HENKEL, Einführung in
dência do objectivo e deve mudar-se sempre com este,
.ti" 1~"('I""l'lli/oso1Jhie, p. 438 ss., com outras indicações.
(~ que, na forma da eficácia externa imediata ou
esquematizar, com brevidade, o nosso próprio ponto
de vista (13), na medida em que isso seja necessário mcdiata, modificou essencialmente o nosso sistema
para tornar segura, em toda a extensão, a problemá- de Direito privado; o tema do Direito geral da perso-
tica da abertura do sistema (13). nalidade torna-o particularmente claro. Segue-se a
força modificadora do sistema do Direito consuetu-
dinário. Assim o sistema dos nossos Direitos Reais
foi alterado através do reconhecimento da transmissão
de garantias que, apesar de todas as tentativas de
justificação, deve ser considerada como aperfeiçoa-
Ocupemo-nos, primeiro, das modificações do sis- nwn to contra legem do Direito e, assim, só se pode
tema objectivo. De acordo com a doutrina tradicional apoiar na força derrogadora do Direito consuetudi-
das fontes do Direito, deve partir-se do princípio de n{Il'ío.
que, em primeira linha, a modificação cabe ao legis- Mas serão a legislação e o Direito consuetudinário
lador. Como exemplo, recorde-se mais uma vez o os únicos factores significativos para as modificações
alargamento paulatino da responsabilidade pelo risco do Histellla objcctivo? A doutrina tradicional das fon-
e a modificação do nosso sistema de Direito privado, I!'s do Direito deveria, consequentemente, afirmá-Io,
com isso provocada. No entanto, não é sempre neces- coloclIndo'oSe, enUío, o problema de como esclarecer
sário verificar-se semelhante intervenção directa. As t odlts lIS 1I1odíl'icaçi'í('s do si::;tema que se reconduzam
modificações do sistema podem antes resultar de 1I I'I/(H;()('/I jllli:Jl'fI/(/I'lIcioi:J do Direito. Como enten-
actos legisla ti vos que respeitem, primeiramente, a 111'1', por I'Xt'l1Iplo, li lal propósito, a culpa in con-
domínios jurídicos inteiramente diferentes; nota-se, //fIlllJlldo I' li )'(\:lptllINahilidadl~ pela aparência jurídica,
aqui, de modo particular, o postulado da unidade valo- 11 vltlllt(~llo po:JillvlI do cródito e o contrato com efi-
rativa e, com isso, a força do pensamento sistemático. 4'flda pl'of<'Ctorll dI' terceiros, a exceptio dali e a
Um dos exemplos mais visíveis, que surge a tal pro- 111/1'/)/(':11110, () dl~ver de contratar e a doutrina da alte-
pósito, é a doutrina da eficácia externa dos direitos I'IlI;l\odas c.írcullsUlncias, o desenvolvimento dos deve-
fundalTIel1taisque só 'se torna compreensível sobre n's dI' :INsísWncia e de lealdade no Direito do Trabalho
o pano de fundo da ideia da unidade da ordem jurídica (I IlO Direito das sociedades ou a doutrina das socie-
dlll"'S e das relações laborais de facto? Estes institu~
t m; surgiram inteiramente independentes de uma i
(13) Tanto se assumem conscientemente a renuncIa a inlt'rvI'llção do legislador e apoiar a sua validade no i, •
uma discussão pormenorizada com opiniões divergentes como I )ireí'o consuetudinário é pouco satisfatório porque
certas simplificações inevitáveis nos problemas.
os pressupostos deste - ainda que hoje já existen- mente ramificada desenvolveu-se, quase toda (15), a
tes - não se verificavam, de modo algum, no partir das in.dicações relativamente estreitas dos
momento do seu primeiro reconhecimento, de tal ~~ 171,172,405 e 794 do BGB (*), com base em ana-
modo que se deveriam, inicialmente, considerar como logia singular ou conjunta (16); isto vale, sem limita-
«inválidos» e só posteriormente legitimados através (;IJcs, para a violação positiva do crédito bem como,
de um Direito consuetudinário derrogante. Fica ape- para a doutrina da sociedade de facto (17). Em tais
nas uma saída: poder-se-ia, nestes casos, negar qual- casos, o reconhecimento de um novo instituto não
quer modificação do sistema objectivo e afirmar que , Hignifica, de facto, qualquer modificação do sistema
o desenvolvimento dos referidos institutos apenas I (lbjcctivo, mas apenas uma alteração no científico,
conduziu a uma modificação do sistema científico.
E porque o sistema objectivo é constituído, segundo
a opinião aqui apresentada, por valores fundamentais (1 r,) Apenas há uma excepção para a chamada «pro-
ou por princípios fundamentais de Direito, isso iria ('lII'lI(;ão aparente» que é altamente problemática por causa
dll contradição de valorações com a regulação da falta de
pressupor que aquelas figuras novas respeitam a consciência da declaração; cf. mais desenvolvidamente, infra
valores que, de antemão estavam imanentes ao nosso 1'. l.IH.
Direito privado; a problemática em questão desem- (!lI) Cf.CANARIS, Die Vertrauenshaftung im deutschen
boca assim na questão do fundamento da validade /'rival.recht, 1971, p. 106 s., 107 ss. e 133 5S.
(17) No que toca à violação positiva do crédito, ela
dos princípios gerais do Direito (14).
d"riVll directamente, da analogia com os casos legalmente
Como tal deve-se, em primeiro lugar, referir o I'I'/',ullldos de vícios na prestação. No que respeita à sociedade
Direito legislado, do qual, frequentemente, se deixam d(' I'ado, resulta, para as relações externas, do princípio da
obter princípios gerais, através da analogia ou, upnri"ncia jurídica imanente à nossa ordem jurídica (d. supra,
tlll Imcto) e para as relações internas, do facto de os §§ 812 ss.
melhor, da indução. De facto, algumas das referidas
do BGB não se adaptaram, tipologicamente, à sociedade,
construções novas, derivam, sem mais, dos valores I'icundo pois sem aplicação, por força de redução teleológica,
da lei. Isso respeita, por exemplo, à responsabilidade dl'V\'lldo substituir-se através da aplicação analógica dos pre-
pela aparência jurídica, pois a sua construção vasta- " •.ilos sobre liquidação, como regulação material da dissolu-
1:110; para este entendimento da sociedade de facto cf. LARENZ,
lVll'lllOd<>.nlehre p. 298 s. e Schuldrecht, BT. § 56 VII.
("') Nota do tradutor: o § 171 dispõe a eficácia da pro-
(14) Este é relativamente pouco esclarecido; fiz uma
I"II'IU>IO perante quem ela tenha sido anunciada pelo repre-
tentativa - ob. cit., p. 95 ss. (97 ss., 106 ss. e 118 ss.) de
Ij('lIlado; o § 172, sobre a eficácia do documento onde tenham
progredir algo nessa direcção, na qual se edificaram as con-
Iildo conferidos os poderes de representação; o § 405 estipula,
siderações que seguem.
lIil C!'sé;fio de créditos, a inoponibilidade, ao novo credor, de
uma vez que os valores relevantes já se continham,
IllOdificações no sistema científico, mas não no obj,ec~
de antemão, na lei e apenas não eram reconhecidos
Uvo:) A resposta só se obtém quando se pergunte
no seu alcance total.
por que razão aqueles valores, apesar de não consta-
No entanto, nem todos os referidos institutos se
relll da lei, devem ser ainda parte do Direito, isto é,
podem apoiar, desse modo, nos valores da lei; muitos
quando se coloque, de novo, a questão do seu funda-
" deles não são «exigidos» através da teleologia ima-
mento de validade. E porque a lei e o costume, tendo
[" nente da lei, mas apenas «inspiradas» por ela (18);
I'm conta a especialidade do enquadramento do pro-
) I doutros, nem isso se pode dizer. Como WIEACKER
I blema, se colocam, de antemão, de parte, surge, obri-
/ / acertadamente disse, existe uma «ordem jurídica
gatoriamente, a necessidade de uma reformulação das
)) extra-legal» (19); as modificações no sistema podem,
Iradicionais fontes do Direito (20), a qual pode, no
I I também, partir dela. A maioria das novas formações,
I'ssenciaI, seguir apenas duas direcções: ou se decide
acima referidas, permite exemplificá-Io; em regra e
I'levar a jurisprudência à categoria de fonte autónoma
em todo o caso, elas dispõem de um «apoio» jurídico- do Direito (21), junto da lei e costume, ou se devem
-positivo (assim, para a exceptio dali e a suppressio,
reconhecer critérios de validade «extra-positivos»,
o § 242 BGB) mas que não obtêm, da lei, uma verda-
oferecendo-se então, como tais e antes de tudo, a
deira legitimação. Poder-se-á dizer, em semelhantes
<dcteia de Direito» e a «natureza das coisas».
casos, que os valores de base já estivessem imanentes
A primeira solução é, porém, inconciliável com
à nossa ordem jurídica e tenham, apenas, sido desco-
li posição do juiz na nossa ordem jurídica: a proposi-
bertos, tratando-se portanto, também aqui, apenas de ('fio colocada pelo tribunal como fundamento de uma
(')ecisão não vale por ter sido exteriorizada pelo juiz,
Hlas sim por estar convincentemente fundamentada,
quanto não conste do título; o § 794 fixa a responsabilidade
isto (" porque deriva de critérios de validade bastan-
do subscritor dum título ao portador pela obrigação em causa,
mesmo quando o título lhe tenha sido subtraído. Todas estas lI's, exteriores à sentença judicial. Esta opinião não
figuras tem o seu correspondente no Direito português, excepto ~i() corresponde inteiramente à orientação domi-
o § 405: a cessão de créditos portuguesa, ao contrário da
alemã, é causal e não abstracta.
(18) Assim a formulação acertada de LARENZ, Nikisch-
e") Também 'WIEACKER, ob. cit., retira expressamente
-Festschrift, p. 276. ('f;Sa consequência da descoberta da «ordem jurídica extra-
h'gu!»; cf. p. 15 s.
(19) Cf. o subtítulo do seu escrito Gesetz un Richterkunst,
(" I) No sentido normativo; não é discutível que a sen-
1958: «Zum Problem der aussergesetzlichen Rechtsordnung»
It'!H.:a judicial seja fonte do direito facticamente vigente, isto é,
(<<Para o problema da ordem jurídica extra-legal»).
dt'div<lmente aplicado (para a diferença cf. supra, nota 12).
nante (22), mas também se acolhe ao auto-entendi- !'olltes do Direito, subsidiárias em face da lei e do
mento da jurisprudência como da doutrina: a pri- em;tume (24); a partir delas, e através de um pro-
meira, nas suas decisões, mesmo quando ela, cons- cesso de concretização inteiramente material e muito
cientemente, «aperfeiçoa» o Direito, da ideia de que COlllplicado, desenvolvem-se proposições jurídicas de
as proposições jurídicas de base não obtêm validade conteúdo claro e de alto poder convincente e").
através da sentença judicial (21), mas antes a possuem o que significa isto para a questão aqui colocada?
já previamente sendo, pois, apenas «descobertas»; a Significa, em primeiro lugar, que, para além da lei
última, quando propaga um instituto jurídico novo, (~ do costume, também podem conduzir a alterações
modificativo do sistema, apresenta, desde logo, a pre- d(~ sistema objectivo aqueles princípios gerais do
tensão de que a solução por ela defendida seja Direito que representam emanações da ideia de
Direito vigente e não coloca apenas, à jurisprudência, Direito e da natureza das coisas (26). No entanto,
uma proposta não vinculativa, cuja aceitação, por ela, ('stes critérios não se devem entender de modo
fosse uma questão de mera oportunidade ou, até, de 1I"llistórico e, em simultâneo, estático (27); pelo con-
livre vontade. De facto, fica apenas o segundo cami-
nho e este parece ser inteiramente praticável, apesar
C") Isso significa que os princlplos jurídicos desenvol-
da problemática estar ainda pouco pensada: os prin-
vidos a partir deles só podem vigorar, na medida em que não
cípios gerais de Direito podem ter também o seu contrariem os valores da lei e do costume; cf., mais porme-
fundamento de validade para além da lei, na ideia de lIorizudamente, CANARIS, ob. cit., p. 95 S.
Direito, cuja concretização histórica eles largamente ("Ií) No tocante a singularidades no campo dos exem-
representam, e na natureza das coisas (23); por isso, plos, devo, de novo, limitar-me a uma remissão para as minhas
('onsiderações em ob. cit., p. 93 ss. e p. 160 ss. (cf., também
ambos estes critérios devem ser reconhecidos como
o n~sumo, p. 170 s.).
('!li) Os princípios imanentes à lei não são, como acima
lil: disse, pontos de erupção para modificações no sistema
(22) Na literatura sobre o Direito jurisprudencial, entre o/JjeeUvo; mas existem, materialmente, passagens; sobretudo
os mais recentes, sobretudo HIRSCH, JR 1966, p. 374 S8. com por vezes, a generalidade de um princípio contido na lei só
indicações extensas; ESSER, Festschrift für F. V. HippeJ, 1967, lil' fundamenta convincentemente através do recurso a critérios
p. 95 ss.; H. P. SCHNEIDER, Richterrecht, Gesetzesrecht und como a ideia de Direito ou a natureza das coisas e, pelo menos
Verfassungsrecht, 1969. t\l'SSI$ casos, subjazem-lhe também certas mudanças; cf. tam-
(23) Sublinhe-se, de novo, que, aqui, apenas se visa uma ht'ml infra, nota 38.
esquematização do próprio ponto de vista, o qual foi apre- ("'{) Cf., quanto a isso, sobretudo, ESSER, Grundsatz und
sentado e fundamentado noutro lugar (cf. as remissões nas NOl'/Il in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts, passim;
notas 14 e 25) e que se renunciou conscientemente a uma I,AIlI':N/:, Nikisch-Festschrift, p. 299 ss., em especial p. 301 e 305
discussão pormenorizada. " /V1el./lOdenlehre,p. 314 ss.
trário, os princlplOs redutíveis à ideia de Direito só
tI/lo se basearam sempre, em todo o tempo, no prin-
ganham o seu poder concreto em todas as regras atra-
í'lpio da confiança, portanto não «vigoraram» neces-
vés da referência a uma determinada situação histó-
rml'iamente desde o princípio; mas apenas puderam
rica e da mediação da «consciência jurídica geral» (2')
llHpirar ao reconhecimento como fundamentos legí-
respectiva, outro tanto sucedendo com a natureza das
Iimos de aperfeiçoamentos jurídicos depois de uma
coisas (2D). No entanto, através da modificabilidade
dderminada modificação na consciência jurídica geral,
desses «pontos de referência», aqueles critérios assu-
qlH~ tivesse conduzido a um acentuar mais forte de
mem, consequentemente, um carácter relativo, isto é,
villores ético-jurídicos. Outro tanto se demonstra para
mutáve1. Assim, por exemplo, o «princípio da con-
o ('xemplo a partir de uma argumentação retirada
fiança», que nenhuma ordem jurídica pode, total-
da natureza das coisas. Assim, por exemplo, as con-
mente, deixar de considerar (3D), é de considerar como
cepções sobre a «natureza» da relação de trabalho
uma emanação da ideia de Direito; assim, este prin-
sujeitaram-se a fortes mudanças e, assim sendo, o
cípio é justamente um exemplo modelar da capaci-
d(~ver de assistência, dela derivado (31) e as conse-
dade de modificação interna: para soluções claras de
quüncias múltiplas que hoje com este se relacionam,
princípios jurídicos, ele não se deixa precisar a priori,
poderiam não ter sido necessariamente, desde o início
mas antes apenas perante uma certa situação histó-
(d(~ modo objectivo e não apenas por desconheci-
rica, que é determinada, essencialmente, através do
mento) parte do nosso Direito privado, antes tendo
Direito legislado e do estado da «consciência jurídica
ohtido validade apenas num processo paulatino (32).
geral» - e assim se poderá, por exemplo, afirmar que
Por fim, o mesmo sucede, no essencial, com as cláu-
a doutrina de culpa in contrahendo ou da suppressio
!>u/w; gerais «carecidas de preenchimento com valo-
raçiJes», como as remissões para os bons costumes
(28) O conceito é aqui entendido no sentido de LARENZ,
Methodenlehre, p. 192 s.
ou a boa fé, nas quais a própria lei deixa uma mar-
(29) Esta foi caracterizada por RADBRUCH justamente 1'.('1l1para a erupção de valorações extra-legais e,
como fundamento para a ({multiplicidade de formações jurí-
dicas históricas e nacionais»; cf. Festschrift für R. Laun,
1948, p. 158. - Da vasta literatura sobre a natureza das coisas
cf., nos últimos anos, sobretudo SCHAMBECK:,Der Begriff der C' I) Assim, com razão, LARENZ, Nikisch-Festschrift,
1'- :'.H/I I-ó.
Natur der Sache, 1964, com indicações desenvolvidas; ARTHUR
KAUFMANN, Analogie und Natur der Sache, 1965; DRElER, (':!) Para além da mudança na consciência jurídica
Zum Begriff der Natur der Sache, 1965. 1',I'ml, - e, por outro lado, tanto, em parte, provocada por ela
(ao) Em todo o caso, depois de ter, uma vez, tomado ,', >1110. também, agindo sobre ela - outros factares ainda,
consciência dele. ":lfurnllllcnte, o influenciam, como os avanços na protecção
11'1',al do:; trabalhadores e similares.
necessariamente, mutáveis: também aqui existe um vulorativa e não de mera subsunção - só se pode
indício da modificação do sistema objectivo, que I'ntcnder como dialéctica ("r;): ela está na argumen-
decorre de modo inteiramente semelhante ao da con- tação a partir de um princípio geral de Direito cuja
cretização de princípios gerais de Direito (para os vigência pressupõe sempre desde logo, enquanto este,
quais as cláusulas gerais remetem com frequência). por seu lado, também só se concretiza no processo
da sua aplicação (36), - assim, por exemplo, o reco-
nhccimento da doutrina da suppressio ou de novos
institutos superiores não só pressupõe uma modifica-
<;ão da consciência jurídica geral mas também a
exprime, e a estimula (37).
o facto de a mudança de conteúdo do sistema não Em resumo, pode dizer-se o seguinte: as modifica-
ser determinada por princípios retirados da lei e, com «lCS do sistema objectivo reportam-se, no essen-
isso, através das modificações da «consciência jurí-
dica geral», não exclui, por outro lado, que ela seja
fundamentalmente, não «posta» ou «postulada» mas (:Ir;) Fundamental, LARENZ, Methodenlehre, p. 189 ss.
antes «descoberta» ou «encontrada» (33). Mas isso (I!J:{ s.).
significa, no que toca à relação entre o sistema objec- (:I") Nesta dialéctica, a oposição entre o Direito norma-
tivo e o científico, que de novo a mudança do pri- tivo e facticamente em vigor (cf. supra, nota 12) fica, em
meiro precedeu a mudança do segundo (34); também Jl;lrte, superada, uma vez que ambas as formas de validade
li<' influenciam mutuamente, no processo da aplicação do
então, em casos deste tipo, a doutrina e a jurispru-
Díreito. Aliás, a sua ligação é assegurada, sobretudo, pelo
dência exprimem o que, «em si», já vigorava. Torna-se Direito consuetudinário: uma regulação que vigora fáctica,
então particularmente claro que a relação entre o lllas não normativamente, pode obter esta última qualidade
Direito objectivo e o seu conhecimento e aplica- alravés do costume e inversamente: uma regulação que pos-
ção - pelo menos onde se trate de concretização sua, na verdade, validade normativa mas que, por falta de
aplicação, perca a validade fáctica, pode perder também a
v:t1idade normativa, através do desuso consuetudinário, de tal
111()(!O que o Direito consuetudinário, com o tempo, vai impedir
(l3) Assim, com razão, LARENZ, Methodenlehre cit., p. 315. IlIlln nil.o coincidência de ambos os tipos de validade.
(l4) As coisas são diferentes no tocante ao Direito facti- C") Desta dialéctica deve, sobretudo, esclarecer-se que
camente em vigor, ao «law in action», no qual, em regra, a li:: princípios gerais de Direito só são formulados relativa-
nova opinião coincide com a aplicação modificada ou, até, é IIH'IIID muito depois da sua primeira «aplicação» e, com espe-
precedida por esta (para a diferença entre vigência normativa cial r/"(~quência, permanecem muitos anos sob fundamentações
e fáctica cf. supra, nota 12). 11pu rl'lllps.
cial C"), a modificações legislativas, a novas forma-
ções consuetudinárias, à concretização de normas
carecidas de preenchimento com valorações e à
erupção de princípios gerais de Direito extra-legais,
que têm o seu fundamento de validade na ideia de.
Direito e na natureza das coisas. As modificações do
sistema científico resultam dos progressos do conhe- A «mobilidade» do sistema é, muitas vezes, con-
cimento dos valores fundamentais do Direito vigente" fundida com a sua «abertura». Esta utilização lin-
e traduzem, por outro lado, a execução de modifica- guística seria em si inteiramente possível, pois a

"
ções do sistema objectivo. As modificações do pri- palavra «mobilidade» exprime também a proviso-
meiro seguem, fundamentalmente, as alterações do riedade e a modificabilidade do sistema (1); mas não
último; os sistemas objectivo e científico estão se recomenda; o termo foi fixado por WILBURG com
também ligados na dialéctica geral entre o Direito utro sentido (2), e para evitar mal-entendidos, tam-

U
objectivo em vigor e a sua aplicação. bém só se deve usá-Io com o significado que lhe deu
WILBURG. Na sequência, a «mobilidade» será, por
isso, distinguida da «abertura» e só se falará de um
sistema móvel» quando surjam as características
essenciais para o conceito de sistema de WILBURG.

I- AS CARACTERISTICAS DO "SISTEMA MÓVEL», NO CON-


CEITO DE WILBURG

Essas características tornam-se claras, da melhor


maneira, num dos exemplos com os quais WILBURG
desenvolveu a sua concepção: na sua teoria da res-

(1) Utiliza-o, nesse sentido, por exemplo, ZIPPELIUS, NJW


1967, p. 2231, coluna 2; também ZIMMERL, Aufbau des Straf-
(38) Também têm ocorrido, naturalmente, modificações rechtssystems, 1930, prefácio, p. V; d. também as citações
no sistema através da interpretação comum, porquanto e na infra, nota 29.
medida em que também esta passa pela mediação da «cons- (2) Fundamental, Entwicklung eines beweglichen Systems
ciência jurídica gera!» e, por isso, é susceptível de alterações. im Bürgerlichen Recht, discurso do Reitor em Graz, 1950.
ponsabilidade civil. WILBURG recusa procurar um
também bastar a existência dum único dos elementos,
princípio unitário que solucione todas as questões da desde que este apresente «um peso especial» (7).
responsabilidade indemnizatória e coloca, nesse lugar,
Para a mobilidade do sistema, é característico, por
uma muItiplicidade de pontos de vista que ele carac-
um lado, que WILBURG negue a determinação de uma
teriza como «elementos» ou como «forças móveis»; determinada hierarquia entre os «elementos», que
são elas: «1. Uma falta causal para o acontecimento
coloca, pois, ao mesmo nível e, por outro, que eles
danoso, que se situe do lado do responsável. Esta
não devam surgir sempre todos, mas antes se possam
falta tem peso diverso consoante seja provocada pelo
substituir uns aos outros. As características essen-
responsável ou pelos auxiliares ou tenha até surgido
ciais do «sistema móvel» são, pois, a igualdade funda-
sem culpa, como, por exemplo, por uma falha mate-
rnental de categoria e a substituibilidade mútua dos
rial irreconhecível de uma máquina. 2. Um perigo
competentes princípios ou critérios de igualdade-
que o autor do dano tenha originado, através de uma
pois é de facto disso que se trata quando WILBURG
actuação ou da posse de uma coisa e que tenha
fala de «elementos» ou de «forças móveis» (8). Como
levado ao dano. 3. A proximidade do nexo de causali-
dade, que existe entre as causas provocadoras e o
dano verificado. 4. A ponderação social da situação (7) Cf. ob. cit., p. 13.
patrimonial do prejudicado e do autor do pre- (8) Esta terminologia poderia ser pouco feliz. Ambas as
uxpressões recordam muito intensamente categorias das Ciên-
juízo» (3). A consequência jurídica só surge e isto
r.-
cias Naturais (elementos químicos, forças físicas! cf. também
é decisivo - «a partir da concatenação destes ele- ob. cit., p. 17, onde se trata da «energia motora» da lealdade
mentos, segundo o seu número e peso» (4) e é deter- contratual), e com estas não se resolvem problemas jurídicos
minada pelo juiz «segundo a discricionariedade materiais, - o que WILBURG, aliás, não desconhece, de modo
orientada» (5). As «forças» não são, pois, «absolutas, algum (cf., por exemplo, a sua crítica ao método «histórico-
-natural» de JHERING, ob. cit., p. 4 s.). Por isso, teriam sido
de dimensões rígidas, antes decidindo o efeito con-
melhores os termos «princípios de valoração» ou «critérios de
junto da sua articulação variável» (G); pode mesmo justiça», pois se chamaria o significado directamente pelo
nome e, ao mesmo tempo, exprimir-se-ia claramente também
11 posição histórico-metodológica de WILBURG: com efeito, ele
n Cf. ob. cit., p. 125, seguindo Die Elemente des
:;II!lerou largamente as representações da velha jurisprudência
Schadensrechts, 1941, em especial p. 26 ss e 283 ss.; cf. ainda
dos interesses e do «pensamento jurídico causal», nos quais
Zusammenspiel der Krafte im Aufbau des Schuldrechts, AcP
"h, constata um certo parentesco (cf. ob. cit., p. 5) e que de
163, p. 346.
r:l('lo influenciaram a sua terminologia e deve, por isso, ser
(4) Cf. AcP 163, p. 347.
('unlado entre os primeiros e mais avançados representantes
(5) Cf. Entwichlung eines beweglichen Systems, p. 22.
da Illoderna «jurisprudência das valoraç5es» (quanto a esta,
(6) Cf. ob. cit., p. 13.
4'1', I ,AIUo:NZ, Methodenlehre, p. 123 ss.).
se vê com facilidade, isto não tem praticamente nada do pensamento tópico (U) - e isso quer dizer não-sis-
a ver com a abertura do sistema (9): a modificabili- lemático - e pergunta-se, de facto se e até onde,
dade dos valores e dos princípios, característica para neste ponto (12), se pode ainda falar verdadeiramente
este, não precisa, de modo necessário, de ocorrer de um «sistema» ou se um sistema «móvel» não tra-
num sistema móvel, pois os competentes «elementos» duz, antes, uma contradição em si. Típicas do sistema
podem ser inteiramente firmes, e, inversamente, a sào, como foi dito no início (13), as características da
abertura do sistema não tem fatalmente, como conse- unidade e da ordem. A primeira verifica-se, sem
quência, a igual categoria dos seus princípios e a dúvida, em WILBURG. Como deve ser expressamente
renúncia a previsões firmes; um sistema móvel pode, acentuado perante múltiplos mal entendidos, todo o
portanto ser aberto ou ser fechado (10) e um sistema seu pensamento se dirigiu para a elaboração de
aberto pode ser móvel ou rígido. alguns poucos princípios constituintes, de cuja con-
catenação resulta toda a multiplicidade das decisões
singulares; o sistema móvel deve, pois, tornar per-
ceptível a unidade na pluralidade. Isso exprime-se, por
exemplo, na exigência de WILBURG ao legislador de,
através de uma «clara orientação das ideias», conter
Com a sua concepção, WILBURG não quis, de modo a enchente de normas singulares desconexas (14), bem
algum, dar uma ideia global de sistema, mas apenas como, com clareza, na sua polémica contra a orienta-
apresentá-Io como «móveb>; ele insiste também ção do juiz para a pura equidade (1"), que ignora o
inequivocamente no termo «sistema». Não obstante, «conjunto dos princípios gerais» (1G). Perante isso, é
VIEHWEG incluiu-o, sem mais, entre os representantes

(11) Cf. Topik und Jurisprudenz, p. 72 ss.; concordante,


(9) Não procede pois a frequente equiparação do sistema WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2." ed., 1967,
«móvel» deWILBURG a um simples sistema «aberto»; mas p. 597, nota 48; cf. quanto a isso, também infra, nota 28.
cf., porém, ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 187 s. (188); (12) A terminologia, por fim, não é, naturalmente, deci-
WIEACKER, Juristentag-Festschrift, vaI. lI, 1960, p. 7; LARENZ, :iiva, ainda que VIEHWEG, ao exprimir o seu entendimento de
JuS 65, p. 379, coluna 2; MAYER-MALY,The Irish Jurist, voI. lI, WILBURG, não a devesse, simplesmente, passar em silêncio; cf.
parte 2, 1967, p. 375, nota 2. lambém DJEDERICHSEN,NJW 1966, p. 699.
(10) O próprio WILBURG poderia considerar o seu sistema (1:1) Cf. supra § 1 L
móvel, simultaneamente como aberto, pois ele salienta de (1'1) Cf. ob. cit., p. 4.
forma expressa que poderiam surgir também <movas forcas e (I") Cf. ab. cit., p. 22.
pontos de vista»; cf. ob. cit., p. 14. - (111) Cf. ob. cit., p. 6.
irrelevante que VIILBURG se negue a reconduzir todas
a existência de ordem interior. E, por fim, não pro-
as normas jurídicas a um único princípio jurídico,
cede com WILBURG'- e seria entendê-l o mal quando
pois um sistema pode perfeitamente consistir - e em Ia I se pretendesse - o considerar todos e quaisquer
regra consiste - em vários princípios fundamentais. pontos de vista relevantes na Ordem Jurídica, funda-
Mas com a característica da unidade deve, canse- Inentalmente, como iguais; pelo contrário: a ideia
quentemente, afirmar-se também a da ordem, pois
de uma certa hierarquia não pode, de modo algum,
aquela não pode existir sem esta (17); assim, WIL-
ser estranha à concepção de WILBURG, pois em mui-
BURG acentua sempre, também a necessidade de tos problemas particulares, surgem, para os elemen-
«ordem interior» ou de «consistência interna» do los por ele elaborados, pontos de vista secundários,
Direito (18). Isto não está, de modo algum, em contra-
aos quais um pensamento tão diferenciado r como o
dição com o facto de os critérios decisivos surgirem, dele não pode, justamente, renunciar e os quais pos-
como se viu, mutuamente substituíveis; pois nunca suem, perante aqueles, um peso menor. Só dentro
pode um ponto de vista ao acaso substituir qualquer dos princípios fundamentais - ordenadores - existe,
outro ---< tal não seria, de facto, ordem, mas caos- portanto, igualdade de categoria - e mesmo aqui,
antes apenas um elemento de entre um determinado WILBURG não exclui, evidentemente, de modo pleno,
número pode, para uma matéria regulativa concreta, a possibilidade de uma ordenação (19) - ao passo que
colocar-se no lugar de outro, portanto, por exemplo, na relação entre estes e os restantes critérios rele-
para a solução do problema da pretensão de indemni- vantes para um problema singular, se pode falar intei-
zação, apenas um dos quatro factores acima referi- ramente de certa hierarquia (20). Por tudo isto, a
dos, pode ir para a posição de um outro. E tão-pouco
a igualdade fundamental nas categorias dos critérios
de justiça competentes se coloca em contradição com
('9) Cf., por exemplo, ob. cit., p. 15, onde WILBURG
a característica da ordem, pois a igualdade na orde- (perante um problema de enriquecimento) quer, «em caso de
nação é, ainda, uma forma de ordem. Apesar da ideia dúvida», ponderar a situação patrimonial dos implicados, por-
de uma certa hierarquia estar ligada ao conceito (anto apenas onde os restantes critérios não permitam uma
tradicional de sistema, esta categoria não surge irre- :;o!ução justa, isto é, apenas subsidiariamente, o que implica,
nunciável, desde que a sua falta não torne possível sem dúvida, uma relação de hierarquia. Mais tarde, também
na responsabilidade civil, WILBURG exprimiu certas dúvidas
quanto à admissibilidade de uma consideração igualitária da
::iluação patrimonial; cf., por exemplo, AcP 163, p. 346, nota 2.
('7) Mas, inversamente, a ordem é possível sem unidade;
("O) Se tal é, efectivamente, a opinião de WILBURG tor-
cf. também supra, p. 12 s.
na-se difícil de decidir em definitivo, por falta de uma posição
('8) Cf. ob. cit., p. 12 e p. 22, respectivamente.
lIuivoca quanto a esta questão.
concepção de WILBURGmerece, com razão, a qualifi- 11GB) (*), etc. Não há aqui qualquer espaço para uma
cação de sistema (2]), mesmo quando não se deva ponderação de critérios «de acordo com o número
desconhecer que se trata aqui de um caso limite. e o peso» e isso vale, no fundamental, também para
lodas as outras partes do nosso Direito privado e da
nossa ordem jurídica.

1. A prevalência fundamental das partes rígidas


do sistema

o presente trabalho ocupa-se da problemática do Mas isso, contudo, só em princípio! O Direito


sistema perante o Direito vigente alemão, em especial 11Icmão vigente da responsabilidade civil compreende
o Direito privado alemão; põe-se pois, a questão das igualmente um contra-exemplo que torna clara a
relações dele com o sistema de WILBURG.A consi- necessária limitação: a erupção do princípio do
deração da nossa ordem jurídica não deixa dúvidas tudo-ou-nada no § 254 BGB. Segundo esse preceito,
quanto à resposta: o sistema do Direito alemão o montante da indemnização depende «das circuns-
vigente não é, fundamentalmente, móvel mas sim tâncias», desde que tenha havido igualmente culpa do
imóvel. Pois ele atribui, em regra, aos princípios sin- lesado (**) ou - como hoje, em geral, se reconhece-
gulares, âmbitos de aplicação delimitados, dentro dos tenha actuado também um perigo imputável do
quais eles não são substituíveis e prefere a formação empreendimento. Surge aqui, exactamente, o quadro
rígida de previsões normativas, que exclua uma característico do sistema móvel deWILBURG: devem
determinação variável d::ls consequências jurídicas, ponderar-se vários factores entre si, podendo um
em função da discricionariedade do juiz, ainda que substituir o outro e sem que exista entre eles qual-
«vinculada». Assim, para manter o exemplo da res- quer hierarquia rígida. Assim, por exemplo, em vez
ponsabilidade civil, está claramente determinado no
Direito alemão quais são as competências do princí- (*) Notas do tradutor: o § 829 do BGB determina, em
pio da culpa e do princípio do risco, sob que pres- síntese, que o inimputável autor de certos danos possa, não
1
supostos se pode, excepcionalmente, considerar a (>bstante, ser obrigado a indemnizar segundo a equidade, desde
situação patrimonial dos implicados (cf. § 829 que não seja possível obter tal indemnização do terceiro obri-
III 1:11<10 a vigiá-Ia e na condição de o inimputável em causa não
I II
ficar privado dos meios materiais necessários.
(21) Cf., também, BYDLINSEI, aVB!. 1965, p. 360; DIEDE- C"*) O § 254 do BGB, cujo conteúdo é explicado no
RICHSEN, NJW 66, p. 699. I(~;-(lo, corresponde assim ao artigo 570 °/1 do Código Civil.
I

II

1 'J
.....
~""- """"".".~.=,llJji'l!l!_
do concurso de culpas, pode operar também um p risco; por outro lado, também não relevam uns
perigo do empreendimento; uma culpa do lesado leve quaisquer pontos de vista - o juiz não pode, sem
pode, através da ocorrência, na esfera do lesado, de dúvida, considerar o estado civil ou a nacionalidade
circunstâncias agravantes do perigo, levar também a dos implicados. e apenas pode considerar as relações
uma diminuição equivalente na sua pretensão putrimoniais no caso excepcional de aplicação analó-
indemnizatória; de igual modo, uma grave culpa do gica do § 829 BGB - mas apenas critérios de imputa-
lesado (22), ou um risco de empreendimento «especial» ç[ío específicos, geralmente rígidos, com a intensidade
ou «elevado» podem compensar em parte uma culpa da culpa, a perigosidade de um empreendimento ou
pesada, etc.; também um risco concorrente do de uma coisa, o grau de adequação ou a «proximi-
empreendimento pode actuar de modo a diminuir a dade» do nexo de causalidade (24), - portanto aqueles
pretensão de indemnização perante a responsabilidade princípios que também dominam o nosso Direito da
pela culpa (23), na ocorrência de culpa leve, perante responsabilidade civil. O seu sistema compreende
a negligência grosseira e, em certas circunstâncias, assim, junto de uma «imobilidade» de princípio, um
até em face do dolo, e, inversamente, a responsabili- scctor no qual os pontos de vista valorativos compe-
dade pelo risco não é necessariamente excluída pela tentes são «móveis}).
culpa do lesado e a responsabilidade por «culpa Outro tanto acontece noutros âmbitos. Encon-
levíssima» não é, sem mais, afastada por grave culpa tram-se numerosos exemplos da mobilidade do sis-
do mesmo lesado. Não é possível confeccionar uma tema, em especial onde as previsões normativas
previsão normativa rígida, mas apenas ponderar entre rrgidas se complementam e acomodam através de
si determinados critérios «de acordo com o número cláusulas gerais: para determinar se um despedimento
e o peso», no sentido de WILBURG, sem que se fixe é anti-social, se existe um fundamento importante,
uma relação de hierarquia, por exemplo entre culpa se um negócio jurídico ou um comportamento são
contrários aos bons costumes, etc., é necessário pon-
derar entre si determinados pontos de vista «segundo
(22) Pois a culpa e a sua graduação são apenas uma das
circunstâncias relevantes, no cálculo do montante da indemni-
o número e o peso», sem uma relação hierárquica
zação; quanto à questão de quais os factores competentes,
cf., principalmente LARENZ, Schuldrecht A. T. 9. ed. 1968,
ft

§ 15 I e; EssER, Schuldrecht, 30 ed. 1968, § 47 IV e VII;


ft
(24) Ainda não está plenamente esclarecido que factores
SOERGEL-SCHMIDT, 10." ed. 1968, § 254, anoto 7 ss. se devam considerar, em cada caso; mas fica fora de questão
(23) Esta é hoje, a doutrina inteiramente dominante; cfo, que se trata sempre, aí, de pontos de vista de imputação e
por exemplo, LARENZobo cito, em b e ESSER obo cit., em 5, que não se deve aplicar um qualquer «topos». Cf., quanto à
com outras indicações. Ilroblemática, a literatura indicada supra, nota 22.
firme (2õ). No entanto, a formação rígida de proposi-
algo de específico para ele, antes sendo imaginável,
ções normativas>- pode-se dizê-lo sem mais - repre-
senta a regra; a «mobilidade» traduz a excepção G). e também, num sistema «rígido». Trata-se da exigência
de WILBURGde uma diferenciação mais marcada e
O Direito positivo compreende, portanto, partes do
da sua crítica à absolutização de um determinado
sistema imóveis e móveis, com predomínio básico
princípio. Deve-se, sem dúvida, concordar com ele - e
das primeiras.
já acima (27) se considerou justamente isso como uma
característica essencial da função sistematizadora dos
lV - o SIGNIFICADO LEGISLATIVO E METODOLÓGICO DO
princípios -- em que estes não têm uma pretensão
SISTEMA MóVEL
de validade exclusiva, antes surgindo numa comple-
mentação mútua, portanto numa concatenação e,
Do ponto de vista metodológico e jusfilosófico não além disso, carecem, para a formação de proposições
jurídicas, de uma concretlzação diferenciadora através
se pode, porém, ficar por este resultado. Cabe antes
de critérios de valoração novos e autónomos. Esta
ainda indagar como se deve julgar a concepção de
consideração surge tão acertada e encontra um reco-
WILBURG,independentemente da sua realização mais
nhedmento tão geral - não por último sob a impres-
ou menos extensa numa ordem jurídica concreta e
são dos próprios trabalhos de WILBURGsobre o enri-
que significado ela tem, em consequência, de lege
quecimento sem causa e a responsabilidade civil- na
jerenda, isto é, para o legislador.
dogmática civil e actual quanto pouco uma tal dife-
renciação mais acentuada se liga justamente a um
sistema móvel (8). Quando WILBURG, por exemplo,
1. O sistema móvel e a necessidade de uma diferen-
ciação mais marcada
(27) Cf. p. 53 ss. e 55 ss.
(28) É totalmente incompreensível o facto de VIEHWEG,
Para responder deve-se, em primeiro lugar, isolar ob. cit., p. 72 ss., em especial p. 74, ver na luta de WILBURG
uma qualidade que também é característica do «sis- contra a absolutização de determinados princípios uma {<prova
tema móvel» deWILBURG, mas que não representa da estrutura tópica da civilística actua1». Que um princípio
deva aspirar sempre à exclusividade não vale apenas para o
(2õ) O «sistema móvel» não se deve, contudo, identificar sistema considerado por VIEHWEG como lógico-axiomático; uma
com as cláusulas gerais; cf., mais pormenorizadamente, infra certa tendência para a redução a alguns poucos princípios
-p. 82 e 85. antes é também inerente a este (como a qualquer) sistema e
(2G) Não apenas numericamente, mas, sobretudo, quanto corresponde ao seu ideal. A elaboração de alguns e poucos
.à sua importância. princípios constitutivos do sistema é, como se diz no texto.
justamente a intenção de WILBURG, de tal modo que essa
exige, no processo executivo, substituir o princípio pio da igualdade de todos os credores perante a
rígido da igualdade de todos os credores que não falência, através de excepções claramente delimitadas;
tenham garantias reais, através de uma concatenação dever-se-ia mesmo dizer que uma tal configuração no
«mais elástica» de diferentes princípios jurídicos e processo executivo, na verdade diferenciadora mas
quando ele considera como tais o ponto de vista do rígida, é essencialmente justa e que não se poderia
«prosseguimento do valor», da concessão não cuida- renunciar a uma hierarquização rígida entre os diver-
dosa de crédito e da protecção social perante «peque- sos tipos de crédito a executar e, com isso, também
nos» credores (29), então pode-se obter esse objectivo aos diversos pontos de vista valorativos. A diferen-
através de um sistema rígido, tão bem como através ciação e a luta contra a falsa absolutização de princí-
de um móvel: pode-se, inteiramente, confeccionar pios singulares não pressupõe, necessariamente, a
previsões normativas rígidas (como já acontece, no mobilidade (31), e assim a grande diferenciação do
processo executivo alemão, a propósito da prevalência pensamento de WILBURG não afirma, como tal, ainda
da indemnização no § 46 KO (30) ou a propósito de nada de essencial sobre o valor de um sistema
determinados credores especialmente dignos de pro- móvel.
tecção, no § 61 KO) (*) e, com isso, limitar o princí-

asserção de VIEHWEG surge como particularmente infeliz; se,


para isso, ele tivesse recorrido ainda à renúncia de WILBURG Apenas as especificidades do sistema móvel são
à formação de previsões normativas firmes, nem assim VIEHWEG
decisivas, isto é, a ausência de uma formação rígida
teria podido demonstrar que a jurisprudência, no seu conjunto,
apresenta uma estrutura tópica, mas sim que se deveria limitar de previsões normativas assim como a permutabili-
a cláusulas gerais e a fenómenos semelhantes (com isso ele dade livre e a igualdade fundamental de categoria dos
ter-se-ia aproximado da verdade; cf., mais pormenorizada-
mente, infra § 7 II 2).
(29) Cf. ob. cit., p. 6 ss, na sequência de aVEl 1949, uata de 15 de Julho de 1986; o § 46 da KO confere à pessoa
p. 29 ss. que tivesse o direito de separar, da massa falida, determinada
(30) O facto de essa formulação corresponder, no parti- eoisa, a faculdade de exigir, dessa mesma massa, a contra-
cular, às exigências de WILBURG - e com certeza que não!- prestação, quando a coisa em causa tenha sido alienada; por
não releva para a problemática dos princípios fundamentais, seu turno, o § 61 da KO estabelece a ordem da graduação dos
aqui em causa. eréditos, na falência.
(*) Nota do tradutor: a sigla KO corresponde a Kon- (31) Mas antes a abertura, na medida em que a exigência
hursordung, a lei alemã das falências de 10 de Fevereiro de de uma diferenciação mais marcada não se dirija, apenas, ao
1877, com alterações subsequentes, das quais a mais recente legislador mas também ao aplicador do Direito.
princípios de valoração. A primeira característica, em
especial, sugere a questão de a identificar de acordo 3. A posição intermédia do sistema móvel entre
com a relação entre previsões rígidas e cláusulas a cláusula geral e a previsão normativa rígida
gerais. Com isso não se entenderia, contudo, WIL- e a necessidade de uma ligação entre estas três
BURG (32). É característico para a cláusula geral o ela possibilidades de formulação
estar carecida de preenchimento com valorações,
isto é, o ela não dar os critérios necessários para a Embora o sistema móvel não aparente a mesma
sua concretização, podendo-se estes, fundamental- estrutura das cláusulas gerais carecidas de preenchi-
mente, determinar apenas com a consideração do caso mento com valorações, não se deve negar um certo
concreto respectivo: a aspiração de WILBURG, pelo parentesco com estas (35): o sistema móvel ocupa uma
contrário, é de determinar, em geral, os «elementos» posição intermédia entre previsão rígida e cláusula
competentes, segundo o conteúdo e o número e con- geral. Daqui provêm as suas vantagens e as suas fra-
feccionar a sua «relação de interpenetração» de modo quezas. No que toca às últimas, é evidente que um
variável, deixando-a independente das circunstâncias sistema móvel garante a segurança jurídica em menor
do caso (I:'). Assim WILBURG bate-se também expres- medida do que um sistema imóvel, fortemente hierar-
samente contra as decisões segundo a mera equidade quizado com previsões normativas firmes. Nos âmbi-
porque - num argumento altamente decisivo para o tos onde exista uma necessidade de segurança jurí-
seu pensamento -lhe falta a «presença de princípios dica mais elevada, deve-se preferir o último e o
fundamentais» (34); as cláusulas gerais, pelo contrário, próprio WILBURG não iria, por certo, dissolver as
são sempre caracterizadas, e pelo menos em parte, ordenações firmes do Direito cambiário e dos Direitos
com razão, como «pontos de erupção da equidade». Reais (36) ou sequer do Direito das Sucessões ou das
Sociedades num sistema móvel. Deve-se também, pen-
sar que seria exigir demasiado do juiz se deparasse,
('32) A crítica de ESSER, AcP 151, p. 555 s. e RabelsZ 18
sem excepção, com um sistema móvel ficando por
(1953), p. 165 ss. não faz por isso, na minha opinião, inteira isso, em cada caso, perante as dificuldades da ponde-
justiça a WILBURG. ração entre o relativamente frequente número elevado
(33)WILBURG não se desliga, apenas, da situação do
caso concreto mas sim «à situação do caso concreto, com
consideração pelos pontos de vista apresentados e co-actuantes» (35) Quanto ao significado do sistema móvel para a con-
de acordo com a sua formulação característica; cf., ob. cit., cretização de cláusulas gerais cf. também infra p. 85, nota 45
p. 17, 13, 18 e passim.
(34) Cf. ob. cit., p. 6; cf. também p. 22.
I" sobretudo, p 152 s.
(lc,) Quanto a este cf., expressamente, ob. cit., p. 4.
de «elementos» (37). E finalmente, não se deve ainda
ignorar que, para além do valor da segurança jurí- então é necessário cuidado. Por um lado, uma certa
dica, também o da justiça pode entrar em contra- individualização é também possível através de uma
dição com um sistema móvel; pois a tendência «gene- forte diferenciação de um sistema rígido intensamente
ralizadora» do princípio da justiça, que resulta do hierarquizado e, por outro, o sistema móvel tão-pouco
princípio da igualdade, contraria cada consideração e
permite uma individualização ilimitada Sa), uma vez
das circunstâncias do caso singular e, com isso, tam- que é constituído por um número limitado de «ele-
bém uma ponderação de «elementos» - ainda que mentos». Na verdade, não se pode ordenar totalmente
fixados genericamente. o sistema móvel em nenhuma de ambas as tendências
A justiça, no entanto, não remete apenas para da justiça: ele reporta-se à tendência generalizante
uma tendência generalizadora mas, também para uma na medida em que determina, em geral os competen-
individualizadora :(38): compreende-se que se recorra tes critérios de justiça, e comporta a vertente da
a esta para justificar o sistema «móvel». Mas ainda tendência individualizadora porquanto faz depender
as consequências jurídicas concretas da concatena-
ção, no caso singular, desses pontos de vista. Com
('17) 'WILBURG apercebe-se inteiramente dessa obieccão
isso, transparece a sua maior vantagem: o sistema
(cf. ob. cit., p. 23) e replica que a posição do juiz é aind~ ~ais
difícil «quando ele deva aplicar princípios que conduzam a móvel representa um compromisso particularmente
consequências inaceitáveis». Isto só em parte é convincente; feliz entre os diversos postulados da ideia de
em primeiro lugar, consequências verdadeiramente inaceitáveis Direito - e também a segurança jurídica sempre é
em leis pensadas de modo razoável são um caso excepcional; garantida em maior medida do que perante uma mera
em segundo lugar pode-se-lhes opõr com frequência, de modo cláusula de equidade - e equilibra a «polaridade» (9)
inteiramente legítimo, com auxílio das cláusulas gerais relati-
deles numa solução ponderada e «intermédia»; tanto
vizadoras do Direito «estrito»; em terceiro lugar a aceita cão
de uma grande injustiça pode muito bem, perant~ outros v;lo- se afasta do rigorismo das normas rígidas como da
res jurídicos como, em especial, a segurança jurídica, ser o ausência de contornos da pura cláusula de equidade.
mal menor; e em quarto lugar não resulta necessariamente Mas faltam-lhe, como já foi dito, pelo menos em
da preocupação de WILBURG, que o sistema deva, no sel; parte, as vantagens daquelas outras modalidades;
todo, ser móvel, mas apenas que ele deve compreender partes
móveis (e também verdadeiras cláusulas gerais) como «vál-
assim, a consequência só pode ser o edificar o Direito
vula» (cf. também, no texto). a partir de uma concatenação de todas estas possibi-
('38) Quanto a essas duas tendências da justica e ao seu
condicionamento mútuo cf., principalmente, HENKEL: Recht und ("sa) Ou já não haveria qualquer sistema!
Individualitat, 1958, p. 16 ss. e Einführung in die Rechtsphilo- ("9) HENKEL, ob. cit., p. 345 ss., em especial p. 349 ss.,
sophie, p. 320, 323 ss. (325), e 351 ss. demonstrou convincentemente que se trata de «polaridade» e
11:10 de verdadeiras antinomias.
lidades de formulação: entre a formação rígida de limitação essa que é indispensável para a responsa-
previsões normativas, por um lado, e a pura cláusula bilidade pelo risco, por ser necessária para o cálculo
de equidade, do outro lado, figura o sistema móvel. do risco e a possibilidade de efectuar seguros (42)?
Não é de prescindir, de modo algum, das primeiras, Torna-se, aqui difícil contestar que a regulação legal
pelo menos em certos âmbitos, como acima se expli- «rígida» seja o mal menor. - Mas, inversamente,
cou, podendo estas representar a solução mais ade- também não se deve desconhecer que a plena consi-
quada, em especial quando o sistema «imóvel» apre- deração de todas as circunstâncias do caso concreto
sente fortes diferenciações. Recorde-se o exemplo, possa ser igualmente razoável e, por isso, não deve
acima (40) discutido, da falência ou, também, o exem- ser totalmente excluída pelo legislador; a «equidade»
plo de WILBURG retirado do âmbito da responsabili- é, também, um valor jurídico específico (43); apenas
dade pelo risco: perante a especial alta perigosidade determinações inteiramente abertas como, por exem-
de uma coisa, por exemplo, de um avião, a excepção plo as cláusulas de imputabilidade a comportam.
de força maior não exonera o proprietário, mas A multiplicidade dos postulados singulares da ideia
perante um objecto menos perigoso, como um veículo de Direito solicita, por isso, o legislador a fazer uso
automóvel, a ocorrência de um evento «inesperado» de todas as referidas possibilidades formulativas e
exterior já actua, pelo contrário, em termos de excluir apenas uma escolha criteriosa entre elas dá bons
a responsabilidade (41); deve uma tal diferenciação resultados perante o problema da «polaridade» (39)
dos fundamentos da exoneração segundo o grau - de dos mais altos valores jurídicos. Não se pode, porém,
perigosidade do objecto - que surge razoável e, até, dizer em geral qual a solução preferível; isso depende
inteiramente «imanente ao sistema» do Direito ale- da estrutura particular da matéria em causa e do
mão - ser, efectivamente, deixada ao juiz de cada valor que lhe subjaza (44). Neste campo cabe, ao sis-
caso ou será do interesse da segurança jurídica como
(42) Neste problema poderá residir uma das objecções
da observância da regra da igualdade, aqui não essen-
principais contra uma cláusula geral de responsabilidade pelo
cialmente adequada, que o legislador se ocupe delas risco; esta deveria, pelo menos, ser complementada por uma
de modo generalizador, de acordo com traços previ- série de previsões normativas específicas que fixassem, de
sivos claros (avião, combóio, automóvel, etc.)?! modo diferenciado, os limites máximos da responsabilidade e
E como fica, por fim, a limitação da responsabilidade, outras questões especiais, e assim, ao mesmo tempo, pudessem
também oferecer bitolas para a concretização da cláusula geral.
através de limites máximos numericamente fixados , (43) Assim, expressamente e com razão, HENKEL, ob. cit.
j), 324.
(40) Cf. p. 8I. Não se pode aqui desenvolver uma discussão porme-
(44)
(41) Cf. ob. cit., p. 13. norizada sobre o mérito e o desmérito das cláusulas gerais e
tema móvel, um papel especialmente importante uma
vez que ele, como se disse, dá, de modo muito feliz,
um meio termo entre as previsões normativas firmes
e as cláusulas gerais e confere uma margem quer à
tendência generalizadora da justiça, quer à individua-
lizadora. É, porém, apenas uma das várias possibilida-
des formulativas a considerar não devendo, por outro
lado, sobreestimar-se a sua capacidade. Com esta
limitação pode-se, no entanto, dizer que a ideia de
um sistema móvel, tal como foi desenvolvida por
o conceito e as qualidades do sistema jurídico
WILBURG, constitui um enriquecimento decisivo do ()stão suficientemente esclarecidas para se poder pas-
instrumentário quer legislativo quer metodológico (45) sar à questão que, em última análise, é decisiva para
devendo, por isso, incluir-se sem dúvida entre as o significado do pensamento sistemático na Ciência
«descobertas» jurídicas significativas (46). do Direito: a da relevância «prática» do sistema. De
facto, uma pesquisa sobre a problemática do «pensa-
lnento sistemático e conceito de sistema», tornar-se-ia
sobre a extensão conveniente do seu âmbito de aplicação; cf., pouco significativa se não implicasse tomadas de
sobre isso, por todos, HEDEMANN, Die Flucht in die Gene- posição que assumissem, também, importância «prá-
ralklauseln, 1933; F. V. HIPPEL, Richtlinien und Kasuistik im tiea»; de facto, a Ciência do Direito é, como poucas
Aufbau von Rechtsordnung, 1942;mais recentemente, sobretudo
HENKEL, ob. cit., p. 357 ss. e 360 ss. outras Ciências, imediatamente dirigida e preparada
(45) Metodologicamente, deve-se distinguir, quanto ao para efeitos «práticos»; a questão do seu «valor na
significado, as partes móveis do sistema das cláusulas gerais vida», para utilizar a linguagem da jurisprudência dos
e, nessa linha, interpretá-Ias restritivamente, admitindo, por
interesses, coloca-se, assim, no meio da discussão do
exemplo, no § 254 BGB, apenas pontos de vista específicos de
imputação; por outro lado, deve-se conferir à ideia de sistema Hisl:ema. Neste sentido, a «praxis» é a aplicação do
móvel também um papel particular na própria concretização [)ireito aos factos concretos; o problema reside, então,
das cláusulas gerais; d., quanto a isso, infra, p. 152 ss. Nota 110 explícitar de modo preciso, se cabe ao sistema um
do tradutor: recorde-se que o § 254 do BGB se reporta à culpa
qualquer significado no tocante à obtenção das pro-
do lesado.
(46) O conceito de «descoberta jurídica» provém de posiçiles jurídicas convenientes.
DOLLE que, no entanto, o exemplificou em dimensões dogmá- Esta possibilidade é negada, com convicção, por
ticas; cf. a intervenção perante o 42. deutschen Juristentag, ll1l1a opinião muito difundida. Segundo ela, o sistema
voI. II das «Verhandlungem>,Tübingen, 1959.
11:\0 possui qualquer «valor na vida» e, em especial,

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