Desde as eleições de 2014 e, principalmente, a partir de 2015, o processo
político da crise brasileira produziu, entre outros resultados, a polarização política entre direita e esquerda, acionada, sobretudo, pela primeira, e a guinada à direita na relação de forças. Dois tipos de direita emergiram desde que os tucanos Aécio Neves e seu candidato a vice-presidente na chapa derrotada, Aloysio Nunes Ferreira, declararam guerra ao governo Dilma: a direita-do-centro e a extrema-direita. Como tais direitas vão se apresentar nas eleições gerais de outubro e o que significa sua emergência plural?
Essas duas direitas compartilham a visão conservadora da ordem, da
autoridade e da hierarquia sociais e abonam a desigualdade com o guarda- chuva da meritocracia. Distinguem-se quanto ao grau desses componentes. A extrema-direita é mais propensa ao autoritarismo e a direita-do-centro, à concepção minimalista de democracia ou elitismo democrático. Em matéria de economia, a direita pode ser intervencionista ou liberal. O contexto internacional e nacional de políticas de austeridade e a ofensiva contra o petismo têm reforçado no Brasil os gêmeos siameses paridos no mundo pós-crise de 2008, de modo desigual e combinado: desdemocratização e ultraliberalismo. Esses dois pontos são o núcleo programático da direita brasileira que está no poder e quer continuar a controlá-lo no quadriênio a se abrir em 2019.
Em terra brasilis, a propensão dependentista das oligarquias é forte,
diferentemente da trajetória da Ásia desenvolvimentista. As elites políticas e econômicas que apoiaram a deposição casuística de Dilma têm se curvado perante a globalização financeira e comercial, mesmo que à custa da desindustrialização. Aqui, o nacionalismo-liberal de direita verificado no Brexit e na vitória de Trump não alçou vôo, pois o contexto é outro. O que emergiu foi um internacionalismo regressivo de mercado, em resposta a um irracional antipetismo, anti-bolivarianismo etc.
Em artigo recente nessa coluna (bit.ly/2CZsdPU), referi-me à diáspora pré-
eleitoral na direita, especialmente na direita-do-centro, uma vez que a extrema-direita tem em Bolsonaro sua força centrípeta. Observei que três nomes inexperientes em eleições presidenciais e na liderança político- partidária (características também atribuíveis a Bolsonaro) disputavam a direita-do-centro: Meirelles, Dória e Huck. Os dois últimos parecem ter desistido da corrida, tendo surgido, no entanto, o nome de Rodrigo Maia (DEM). Mencionei também que as pré-candidaturas de Alckmin (PSDB), Marina (Rede) e Álvaro Dias (Podemos), embora situadas na direita-do- centro, são de políticos experimentados. Com exceção de Bolsonaro, prefiro considerar as demais pessoas mencionadas como direitistas abrigadas no centro, e não centristas. A polarização atual estabeleceu uma linha divisória acentuada entre direita e não-direita. Só se pode incluir na não-direita (centro e esquerda) quem, no mínimo, está fora do fundamentalismo de mercado, perspectiva incompatível com o combate à desigualdade. Por outro lado, dado o vínculo entre igualdade de oportunidades e democracia, os interesses neoliberais (fiscais, trabalhistas etc.) necessitam da desdemocratização. Entre os candidatáveis, quem mais se adéqua ao centro assim delimitado é Ciro Gomes (PDT), que tem uma perspectiva desenvolvimentista. Marina Silva, que hoje critica a polarização política, apoiou Aécio Neves no segundo turno de 2014, o tucano mais semeador do ódio contra Dilma e o PT. Seus programas econômicos eram similares. A candidata ambientalista também contribuiu para a contaminação do ambiente político ao defender o “impeachment tabajara” da presidenta eleita.
A pluralidade da direita seria imediatamente inteligível se representasse
diferenças programáticas substantivas disputando visões contraditórias dos rumos do país. Mas não se trata disso. Todos os qualificados como de direita defendem a receita ultraliberal posta em prática por Temer: Estado mínimo, privatização, desnacionalização (atração de poupança externa) e desregulamentação.
A fragmentação das candidaturas de direita indica a ausência de uma
liderança capaz de articular politicamente os grupos favoráveis ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, déficit explicável também pela crise dos partidos políticos no Brasil. A diáspora direitista decorre, outrossim, da ofensiva pró-marginalização de Lula e do PT do pleito presidencial e da política nacional, que tenta enquadrar o espectro político-ideológico e os partidos no conservadorismo e, ao mesmo tempo, estimula o velho e recorrente mercado eleitoral do “novo”, do “não corrupto” etc., que já veio à tona nas eleições dos prefeitos, em 2016. Em síntese: o que explica esse nível de fragmentação? Além da guinada à direita e da crise dos partidos, destaca-se a questão da relativa autonomia da política com respeito à economia. A diáspora da direita não é programática, não se vincula ao seu horizonte de economia política, mas à crise de liderança. Isso não é pouco, pelo contrário, trata-se de um problema imenso, pois seu programa econômico tem sido, como diria Leonel Brizola, um rotundo fracasso. Como se não bastasse, Lula está bem vivo e sua liderança imbatível nas pesquisas para a eleição presidencial amedronta. A imensa ofensiva da coalizão do golpe contra ele é muito diferente das dezenas de milhões de brasileiros que o querem de volta ao Palácio do Planalto. Além disso, PCdoB e PSOL, diferenças eleitorais à parte, estão na campanha contra a condenação do grande líder petista e pelo direito dele concorrer ao pleito de outubro, assim como inúmeros atores progressistas da sociedade civil.
A ilegitimidade do golpe contra Dilma, agravada com a do desempenho
programático e ético do governo Temer, estimula a tradicional solução personalista e salvacionista, que aposta na imagem individual do político, um tanto quanto descolada das propostas. Bolsonaro se encaixa nesse figurino que vestiu Collor em 1989. O mercado e a grande mídia vão mesmo embolsar Bolsonaro, por falta de opção? Outra moeda corrente na política eleitoral é que o lançamento de candidaturas e os recursos institucionais tendem a alavancar poder de barganha para alianças nos dois turnos do pleito entre os próprios concorrentes.
Noves fora, as eleições se aproximam e a direita está desunida
politicamente e com pouco a oferecer em matéria de perspectiva para o futuro, a não ser mais do mesmo programa que nega a ordem e o progresso. Em ordem alfabética, seus principais nomes no momento são cinco: Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (PSD), Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede Sustentabilidade) e Rodrigo Maia (DEM). A má acomodação da direita na cena política leva o pré-candidato tucano, por exemplo, a fazer contorcionismo para tentar aparentar distância do governo federal, no qual seu partido ocupa cargos ministeriais.
Nesse cenário, não surpreende que a adoção do semipresidencialismo seja
cogitada e defendida por Michel Temer e Gilmar Mendes. Em novembro do ano passado, o ministro do STF Alexandre de Moraes incluiu na pauta da Corte uma ação jurídica visando esclarecer se o Congresso poderia alterar o sistema de governo, mesmo diante da rejeição ao parlamentarismo no plebiscito de 1993. Se nenhum dos candidatos da direita despontar nas pesquisas eleitorais ao longo desse primeiro semestre, pode se fortalecer a via semipresidencialista, embora, a princípio, a sua viabilidade jurídico- política seria pouco factível para o ano em curso. Em todo o caso, essa matéria constitucional também está sob formulação no Congresso. Enfim, apesar de apetitosa, a direita não está com a bola toda, como parece. (Agradeço ao apoio de Felipe Maruf Quintas.)
* Marcus Ianoni é professor do Departamento de Ciência Política da
Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do INCT-PPED, realizou estágio de pós-doutorado na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e Economia