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A cena operística na corte fluminense: mediações literárias

Marcelo Diego, Princeton University

"O mundo é um palco"1 é tópos literário quase tão antigo quanto a própria
literatura. No segundo Oitocentos brasileiro, entretanto, esse palco seria identificado por
diversos autores, dentre os quais Machado de Assis, mais especialmente com o palco de
ópera. Essa identificação é explicitada em passagens pertencentes a aspectos
completamente heterogêneos da obra do Bruxo do Cosme Velho: uma é o magistral
capítulo IX de Dom Casmurro (1900), em que o tenor Marcolini expõe a sua versão da
criação, uma gigantesca ópera composta por Satanás, sobre libreto de Deus; outra é a
crônica da série "Histórias de trinta dias" de 1º de outubro de 1876,2 em que, a propósito
das notícias que saem nos jornais sobre os conflitos armados nos Bálcãs, um suposto
amigo do cronista alega que não se trata de guerra, mas sim de uma ópera de Wagner
sobre libreto de Gortchakoff, "e que os jornais desta corte traduzem mal as notícias que
acham nos estrangeiros".
Tanto em um exemplo quanto no outro, está implícita, na comparação quer com
a criação do mundo, quer com a guerra, a compreensão da ópera como manifestação
artística e fenômeno social. No primeiro caso – manifestação artística –, como
linguagem complexa (ideada e concretizada por múltiplos agentes, com funções
específicas e coordenadas) e totalizante (a Gesamtkunstwerk wagneriana, reunião de
todas as artes), expressão mais grandiosa do gênio humano. No segundo caso –
fenômeno social –, como veículo de autorrepresentação da sociedade burguesa e seu
espaço privilegiado de sociabilidade, espelho espetacular da moderna civilização
ocidental. Compreendida, portanto, como nó central de uma rede de performances que
se dão dentro e fora dos palcos, a ópera se desdobra e se espraia por plateias, camarotes,
foyers, salões, jornais, cafés, livrarias, livros. Se "a vida é uma ópera" e "a guerra é uma
ópera", também o romance é uma ópera – e uma grande ópera.
Talvez em consequência de sua natureza dúplice, a ópera se faça presente, na
ficção machadiana, em dois planos: um mais profundo, estrutural, e um mais superficial,
contextual. Exemplo do primeiro é o diálogo que o Memorial de Aires estabelece com

1
"All the world's a stage" diz o melancólico Jaques, no ato II, cena vii, de As you like it, de Shakespeare.
2
Publicada sob o pseudônimo de Manassés Ilustração Brasileira. Cf., de Leonardo Francisco Soares, "A
guerra é uma ópera, e uma grande ópera", em Machado de Assis em linha 9, disponível em
<http://machadodeassis.net/download/numero09/num09artigo08.pdf>
Tristão e Isolda, de Wagner, e Fidélio, de Beethoven, seja nas referências aos nomes e
às tramas, seja na articulação das personagens em duos e trios, sobre o qual Pedro Meira
Monteiro realizou leitura definitiva.3 Já do segundo é exemplar, se não propriamente o
diálogo com a ópera, o burburinho operístico presente em A mão e a luva, segunda
narrativa de fôlego do escritor (1876), na qual a cena lírica é apresentada como um dos
"divertimentos da Corte", auxiliando a caracterização de certo universo mundano,
habitado por personagens frívolas. Embora efetue uma interlocução rasa, em termos
literários, com o repertório operístico – que não faz parte, aí, do seu código
hermenêutico –,4 esse romance pinta um rico quadro da circulação e da assimilação
dessa linguagem pela Corte fluminense. Se não, vejamos.
A bela órfã Guiomar, que mora com a madrinha baronesa e sua governanta, Mrs.
Oswald, em uma bela chácara em Botafogo, é cortejada por Estevão, advogado
medíocre dado a arroubos românticos, e por Jorge, janota abonado, sobrinho da
baronesa; entre a cruz e a caldeirinha, é salva por Luís Alves, amigo de Estevão e
vizinho de sua madrinha, homem "resoluto e ambicioso", em quem encontra não uma
paixão, mas uma afinidade de projeto de vida: "era como se aquela luva tivesse sido
feita para aquela mão". A ação do capítulo I se passa em 1853, dois anos antes da do
restante da narrativa, e gira em torno de um primeiro surto de paixão de Estevão por
Guiomar, quando esta ainda era aluna no colégio para moças dirigido pela tia daquele.
O capítulo II, que dá início aos sucessos de que trata o romance (o qual se estende por
19 capítulos), se abre com uma esplêndida descrição dos passatempos – atividades e
polêmicas – à disposição, na década de 1850, das classes ociosas na capital do Império:
A Corte divertia-se, apesar dos recentes estragos do cólera; bailava-
se, cantava-se, passeava-se, ia-se ao teatro. O Cassino abria os seus
salões, como os abria o Club, como os abria o Congresso, todos três
fluminenses no nome e na alma. Eram os tempos homéricos do teatro
lírico, a quadra memorável daquelas lutas e rivalidades renovadas em
cada semestre [...]. Quem se não lembra – ou quem não ouviu falar
das batalhas feridas naquela clássica plateia do campo da Aclamação,
entre a legião casalônica e a falange chartônica, mas sobretudo entre
esta e o regimento lagruísta? Eram batalhas campais, com tropas
frescas – e maduras também – apercebidas de flores, de versos, de
coroas, e até de estalinhos. Uma noite a ação travou-se entre o campo
lagruísta e o campo chartonista, com tal violência, que parecia uma
página da Ilíada. Desta vez, a Vênus da situação saiu ferida do

3
Cf., de Pedro Meira Monteiro, "Oui, mais il faut parier: fidelidade e dúvida no Memorial de Aires", em
Estudos Avançados 22 (64), 2008.
4
Cf. BARTHES, Roland. S/Z. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
combate; um estalo rebentara no rosto de Charton. O furor, o delírio, a
confusão foram indescritíveis; o aplauso e a pateada deram-se as mãos
– e os pés. A peleja passou aos jornais. [...].5
O trecho é um verdadeiro afresco da vida elegante, o qual retrata, sob uma paisagem
ideal, o "laboratório de novos habitus" que era o teatro, epicentro da "sociedade do
espetáculo no sentido amplo", tal como pontua Christophe Charle.6
A função de divertimento do teatro é explicitada logo na primeira frase, e o seu
caráter de absoluto descompromisso e leviandade é intensificado através da menção aos
"recentes estragos do cólera". Em seguida, por meio de duas cadeias de enumeração,
universos os mais heterogêneos são reunidos sob o signo comum do divertimento,
homogeneizando gravidade e frivolidade; a primeira cadeia designa as ações: "bailava-
se, cantava-se, passeava-se, ia-se ao teatro"; a segunda, os espaços: o Cassino, o Club, o
Congresso, "todos três fluminenses no corpo e na alma". Todos os três espaços, na
verdade, fluminenses no nome, uma vez que denominavam-se Cassino Fluminense,
Club Fluminense e Congresso Fluminense; no destaque dado ao "fluminense" comum
às três denominações, fica já indiciado o Lírico Fluminense, principal palco de ópera da
cidade àquele tempo, o qual é referido como a "clássica plateia do campo da
Aclamação", posto que se situava próximo ao campo da Aclamação (posteriormente,
praça da República, também conhecida como campo de Santana).7
Se, por um lado, é um vocabulário notadamente bélico que dá o tom da
passagem ("lutas e rivalidade", "combate", "legião", "falange", "batalhas campais"), por
outro lado, a reiterada – e desarrazoada – comparação com guerra de Troia ("tempos
homéricos", "página da Ilíada", "a Vênus da situação") esvazia qualquer possibilidade
de páthos, chegando às raias do ridículo. Machado de Assis desdobra, aí, o tema já
anunciado por Martins Pena no título de sua crônica teatral de 03 de maio de 1847,
publicada no Jornal do Commercio: "Os partidos teatrais ou as loucuras da mocidade".8
Como se vê, "a peleja passou aos jornais" – e, poder-se-ia acrescentar, passou também
ao romance.
5
A fonte do texto machadiano utilizada é: <http://www.machadodeassis.net/hiperTx_romances/
obras/amaoealuva.htm>.
6
CHARLE, Christophe. A gênese da sociedade do espetáculo: teatro em Paris, Berlim, Londres e Viena.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 20.
7
A edição do texto machadiano utilizada é a coordenada por Marta de Senna, disponível em
<www.machadodeassis.net>. As notas em hipertexto dessa edição são, igualmente, a fonte das
informações sobre as referências do texto.
8
Cf. GIRON, Luís Antônio. Minoridade crítica: a ópera e o teatro nos folhetins da Corte. Rio de Janeiro;
São Paulo: Ediouro; Edusp, 2004.
Para finalizar a interpretação afresco, assinalem-se suas protagonistas: as
cantoras europeias itinerantes Anetta Casaloni, Anne Charton-Demeur e Emilia Lagrua,
todas factualmente presentes no Rio de Janeiro entre 1853 e 1854, todas mobilizadoras
de veementes preferências. A esse elenco junta-se Balbina Steffanone, referida no
capítulo XI, em passagem que se configura como pendant da do capítulo II, seja pela
continuidade do cenário, seja devido ao novo recrutamento das personagens, seja em
função da retomada dos mesmos vocabulário militarizado e registro jocoso, seja, ainda,
pela mirada autoderrisória do narrador sobre experiências passadas as quais não nega
ter, ele próprio, compartilhado:
[...] um ponto muito sério e grave, a questão magna da rua do Ouvidor
e da casa do José Tomás, [era] a ponderosa, crespa e complicada
questão de saber se a Stephanoni estrearia no Ernani. Esta questão, de
que o leitor se ri hoje, como se hão de rir os seus sobrinhos de outras
análogas puerilidades, esta pretensão a que se opunha a Lagrua,
alegando que o Ernani era seu, pretensão que fazia gemer as almas e
os prelos daquele tempo, era cousa muito própria a espertar os brios
do nosso Estêvão, tão marechal nas cousas mínimas, como recruta nas
cousas máximas.
À guisa de conclusão, note-se como em ambos os momentos, no capítulo II e no
capítulo XI, A mão e a luva faz um uso funcional da cena lírica como pano de fundo,
naquele que foi chamado, anteriormente, de plano contextual. Uma das explicações para
a relevância e a recorrência da ópera nesse plano, quer na obra de Machado de Assis,
quer na de seus contemporâneos, quer no Brasil, quer no Exterior, pode ser o destaque
dado pela estética romântica à musicalidade em geral, 9 considerada a mais subjetiva e
abstrata das artes e, portanto, a que cristaliza mais perfeitamente a noção de "sublime".
Contudo, à luz da reflexão sobre a globalização da cultura, é interessante pensar como a
ópera, com todo o seu complexo de relações artísticas e sociais, com a sua rede de
performances, configurou-se no Novo Mundo como forma privilegiada da "experiência
de estar no centro do mundo".10

9
Cf. SOARES, Marcus Vinicius Nogueira. Literatura e música: o romance e a ópera no Brasil
Oitocentista. In: VOLPE, Maria Alice (Org.). Atualidade da ópera. Série Simpósio Internacional de
Musicologia da UFRJ. Rio de Janeiro: Escola de Música / UFRJ, 2012. p. 111-120.
10
Cf. Roundtable on globalization. October 133, summer 2010. Cambridge, MA: The MIT Press, 2010.
Alessandra Russo e Alexander Nagel observam que, face à confrontação continuada com universos
inteiramente estranhos, propiciada pelas navegações e pelas relações coloniais, muitos escritores e artistas
ibéricos desenvolveram uma concepção de "mundo" não como um espaço sintético, mas sim analítico,
como uma experiência cuja consistência é dada sempre pela sobreposição de duas diferentes matrizes, que
aqui e ali se cruzam. A arte, dentro dessa concepção, seria o ponto fulcral e visível de tais cruzamentos, e
através dela o sujeito teria a experiência totalizante de "estar no centro do mundo".

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