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1.

Introdução

O presente trabalho visa estudar a modalidade escrita da língua, e tentar


identificar como a oralidade faz-se presente nela através da chamada variação
lingüística.
Ambas as modalidades estão estritamente relacionadas, sendo que teorias
recentes já as encaram como um continuum, pois há falas que se aproximam da escrita e
vice-versa, “o que torna a variação lingüística um fenômeno comum às duas
modalidades da língua” (Pretti, 2004:18).
Assim, tomando como corpus textos escritos extraídos da rede mundial de
computadores – Internet – e de processos judiciais, analisaremos com que recursos se dá
a interferência da modalidade oral na linguagem escrita. No capítulo dois, portanto,
justificaremos a escolha dos textos que serviram de objeto para nossa pesquisa.
Em seguida, no capítulo três, faremos uma breve análise da teoria que serviu de
base para nossas análises. Utilizando os textos de dois teóricos do grande tema que é a
variação lingüística, Dino Pretti e Marcos Bagno, trataremos dos principais temas de
fundo das análises realizadas, tais como as relações entre linguagem oral e escrita, a
presença da gíria e as mudanças sofridas pela linguagem de acordo com a situação
interacional em que se está inserido.
No capítulo quatro, passaremos propriamente à analise do corpus escolhido, que
se dividirá em três partes, melhor explicadas no capítulo a seguir.
Finalmente, no quinto capítulo concluiremos nossas análises.
Passemos, então, à justificação do corpus.

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2. Justificação do corpus

O corpus a ser analisado no presente trabalho é composto de textos escritos.


O primeiro grupo de textos a serem analisados foram extraídos da Internet, do
chamado Orkut, um site dedicado a promover uma expansão dos círculos de amizade
através da formação de grupos com interesses convergentes, as chamadas
“comunidades” em que se promovem discussões acerca dos temas de que tratam. Neste
site, cada pessoa possui sua página pessoal em que seus amigos podem deixar recados,
geralmente curtos, chamados scraps.
A escolha desses textos deu-se, principalmente, porque eles possuem uma
grande quantidade de termos muito próximos da modalidade oral da língua. Isso porque
são escritos para serem lidos com rapidez e possuem uma grande rotatividade, bem
como uma ampla variação, já que quem os escreve é da mais variada origem.
O segundo grupo de textos a serem analisados são e-mails. Também em uma
linguagem que se aproxima da oral, porém com algum toque da linguagem usada nas
cartas, ou seja, um pouco mais formais que as primeiras.
Finalmente trataremos de textos extraídos de processos judiciais, com os quais
uma das integrantes do grupo tem contato devido à sua profissão. Esses textos nos
chamaram atenção pois, ainda que muito afastados da modalidade oral da língua, já que
utilizam-se de uma linguagem rebuscada e extremamente formal, ainda sofrem
incursões da oralidade, ainda que de forma tímida.
Desta forma pretendemos, através de uma gradação, partindo de textos
extremamente oralizados para outros formalizados, de modo a demonstrar que por mais
que se tente, uma modalidade escrita pura e livre de interferências da oralidade é
impraticável.

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3. Fundamentação Teórica

Em qualquer modalidade da língua podemos observar diversas variedades. Os


fatores socioculturais implicam no uso de uma linguagem culta ou popular de acordo
com o grau de escolaridade, da faixa etária, do sexo do falante, do tempo (arcaico ou
moderno), do espaço (rural ou urbano) e “das situações de interação diversas” (Preti,
2004: 14) em que o falante se encontra. Neste capítulo, veremos os princípios
fundamentais do discurso oral e escrito e os recursos utilizados para aproximar as
modalidades oral e escrita com base nessas variedades da linguagem.
A representação da língua falada na escrita utiliza demasiadamente “os signos
prosódicos, decorrentes dos chamados elementos supra-segmentais” (Preti, 2003: 66).
Segundo Preti, são esses signos que representam as entoações e a dinamicidade da fala
através da pontuação, do alongamento de vogais e consoantes e do uso de maiúsculas e
minúsculas alternadamente.
Para dar a expressividade de um discurso oral ao texto escrito, o autor “recorre à
ortografia fonética individual” (Preti, 2003: 67), onde passa ao leitor a imagem acústica
exata de como a palavra é pronunciada pela comunidade em que esse destinador
pertence. Outro recurso bastante utilizado é a “transcrição de expressões de situação, de
grande importância na língua oral” (Preti, 2003: 67), que têm a função de prolongar ou
facilitar a comunicação, de aproximar os interlocutores ou de caracterizar um tipo de
linguagem como a de um certo grupo de falantes.
Podemos observar no discurso oral escrito características do português não-
padrão, falado por pessoas que não tiveram acesso à escola ou por falantes cultos em
momentos de descontração e irreverência. Vamos abordar aqui algumas dessas
características que são decorrentes da evolução natural da língua portuguesa e que dão
origem, segundo Marcos Bagno (2004), aos seguintes fenômenos:

1. Enxugamento do plural:
A redundância das marcas do plural na concordância do número fez com que
desaparecessem certos “s” e restasse apenas o do determinante.
Ex: Preciso que você compre aquelas banana madura.
2. Simplificação das conjugações verbais:

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Esse também é um fenômeno de enxugamento, contra as concordâncias
redundantes.
Exs. : Tu / Você gosta
Nós / A gente gosta

Os dois fenômenos a seguir são conhecidos como monotongação, conseqüência


do efeito da assimilação, que faz com que dois sons diferentes e parecidos tornem-se
semelhantes.

3. Redução do ditongo ou em o:
Essa monotongação ocorre em qualquer caso.
Exs. : Pouco > poço, roupa > ropa.

4. Redução do ditongo ei em e:
Diferentemente do ditongo ou, a monotongação do ei ocorre somente quando
este ditongo vem antes das consoantes j, x e r. Isso acontece porque as letras j, x e i são
todas palatais e acabam sofrendo o efeito da assimilação. O mesmo acontece com a
semivogal i e a consoante r, mas devido ao fato de terem um ponto de articulação
comum, a anterior.
Exs. : beijo > bêjo, peixe > pêxe, brasileiro > brasilêro.

5. Redução de e e o átonos pretônicos


Diz-se átonos porque não estão na sílaba tônica e pretônicos porque são pré-
tônicos, ou seja, estão numa sílaba anterior à tônica. As sílabas tônicas contendo i ou u
fazem com que e e o sejam pronunciadas, respectivamente, como i e u.
Exs. : avenida, pepino.
assobio, domingo.

6. Desnasalização das vogais postônicas:


Há, na língua portuguesa, a tendência de eliminar a nasalidade das vogais
postônicas.
Exs. : Home, onte, vage.

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A escrita que se aproxima bastante do ato da fala desenvolve, portanto, em
muitos momentos, todas essas tendências naturais da língua aqui apresentadas. Elas
também aparecem com muita freqüência em situações de instabilidade psicológica,
tensão, medo e cansaço do falante-escritor.
De acordo com Preti (2004: 180,181), um indivíduo pode pertencer a vários
grupos sociais e ocupar, assim, diversas posições sociais, as quais chamamos de status.
O status pode ser atribuído (sexo, idade, raça, classe social) ou adquirido (por mérito,
competição, profissionalismo, competição) e o “conjunto de normas relativas a cada
status tem o nome de papel social” (Preti, 2004: 181).
O desempenho de um papel social pode levar a uma mudança de personalidade
do indivíduo, sendo que cada papel social possui uma expectativa da sociedade. É
corriqueiro aparecer em textos escritos o que chamamos de quebra de expectativa,
quando o destinador de uma mensagem totalmente informal, por exemplo, utiliza uma
construção sintática da norma culta. É chamado de atitude lingüística o julgamento de
linguagem ideal para certa situação de comunicação.
“A linguagem é um componente essencial no desempenho do papel social do
indivíduo” (Preti, 2004: 183). Pode-se fazer uma análise sociolingüística de um falante
apenas com a sua linguagem individual.
As formas de tratamento entre os interlocutores também estão intimamente
ligadas com os papéis sócias dos indivíduos na sociedade. Elas estão relacionadas com
o grau de intimidade, polidez, afetividade, hierarquia e poder entre os falantes.
Apresentam diversas variedades, de acordo com as situações de comunicação. De
acordo com a situação emotiva, os termos utilizados, por exemplo, por duas pessoas
íntimas, muda bastante. Segundo Preti (2004), o sistema de tratamento pode ser dividido
em:

1. Formas pronominais:
Exs. : Tu, Vós.

2. Formas pronominalizadas:
Exs. : Você, o Senhor, Vossa Excelência, Vossa Senhoria.

3. Formas nominais:
São os nomes próprios, prenomes, nomes de parentesco, apelidos, vocativos.

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Como já foi dito anteriormente, uma marca da oralidade nos textos escritos é a
variação da linguagem de acordo com as diversas situações interacionais. Mas agora
vamos dividir, de acordo com Preti (2004: 121), as variações lingüísticas em duas:

1. Macroanálise:
É decorrente de: “contexto histórico e geográfico, fatores extralingüísticos [...],
tais como grau de escolaridade, profissão, posição social, faixa etária, sexo dos falantes”
(Preti, 2004: 121).

2. Microanálise:
Depende de: “informações trazidas pela situação interacional, que compreende
todos os elementos pragmáticos que acompanham as falas e que geram contrastes como
proximidade/afastamento, clareza/ocultação, poder/submissão, etc., além das estratégias
conversacionais empregadas pelos interlocutores” (Preti, 2004: 121).
É no campo da microanálise que tratamos dos frames - enquadramentos dos
temas que pretendemos transmitir, que podem ser revelados pelo ritmo, intensidade ou
tom de voz, além de vocábulos aparentemente impróprios. Eles estão relacionados
geralmente com a situação da fala e podem ou não ser corretamente entendidos, o que
pode causar desentendimentos. A mudança de alinhamento por parte do interlocutor ao
longo do discurso é chamado footing. Os frames e os footings são típicos da língua oral,
mas aparecem muito no tipo de escrita de que estamos tratando.

Podemos observar no discurso oral escrito uma organização textual repleta de


características e marcas da oralidade, tais como: “marcadores conversacionais,
repetições e paráfrases, parentéticas, sobreposições, anacolutos, hesitações, correções,
freqüência de construções impessoais de fundo atenuador, etc.” (Preti, 2004: 125).
O uso da repetição produz um efeito enfático, sendo muito utilizado para
ratificar idéias, enquanto os marcadores conversacionais são um tipo de técnica
aproveitada pelo destinador para causar um envolvimento maior do leitor.
Na sintaxe, em relação à organização interna do período, evita-se a construção
de estruturas subordinadas mais complexas, predominando a de períodos simples e
curtos e de frases justapostas.

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Em relação ao léxico, pode-se perceber o uso predominante do vocabulário
simples e o uso intensivo da gíria. A gíria, de acordo com Preti (2004: 66-67), surge
como um vocabulário identificador, de caráter criptológico, ou seja, uma linguagem
secreta como signo de grupo, de auto-afirmação. Quando possui essas características,
recebe o nome de gíria de grupo.
A gíria, em geral, é criada a partir da língua comum por processos de formação
da língua portuguesa, tais como a apócope, a metátese, a sufixação, a composição, a
metáfora, a metonímia, a polissemia, entre outros.
Na maioria dos casos, em um dado momento, a gíria de grupo transforma-se em
uma gíria comum, que é a “vulgarização do fenômeno, isto é, o momento em que, pelo
contato dos grupos restritos com a sociedade, essa linguagem se divulga, torna-se
conhecida e passa a fazer parte do vocabulário popular, perdendo sua identificação
inicial” (Preti, 2004: 66). Isso mostra como o vocabulário gírio é efêmero e dinâmico.
A gíria comum é muito utilizada pelos indivíduos quando querem transmitir
intimidade, familiaridade, modernidade, irreverência ou informalidade. A mídia é,
atualmente, a grande responsável pelo processo de uniformização dessa linguagem, pois
a usa para criar uma interação escritor/leitor e tornar a leitura mais agradável.
Todas essas características da linguagem oral abordadas neste capítulo são
passadas para os textos escritos de forma a criar um discurso próximo ou não à
realidade falada dependendo da intensidade que são utilizadas.
Veremos, no capítulo a seguir, exemplos de textos que seguem as abordagens
aqui realizadas e suas respectivas análises.

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4. Análise do corpus

Como vimos na fundamentação teórica, a linguagem pode variar de acordo com


a intimidade, o grupo social, o frame, etc., variando inclusive os vocativos e
introduzindo gírias e estrangeirismos. Neste capítulo será analisado o processo de
formulação de scraps (recados geralmente curtos) do Orkut, de e-mails e de textos
jurídios, extraídos de processos judiciais. Todos esses textos evidenciam as variações
lingüísticas e a presença da oralidade na escrita.

a) Scraps do Orkut (geralmente linguagem muito próxima da oralidade):

A princípio, vamos analisar uma série de scraps destinados a uma pessoa do


sexo feminino, de 23 anos.

Natali: Olá Mie! tudo bem??


o q vc vai fazer sexta?? preciso falar com vc e não tenho
seu telefone...
Beijocas!!
(banca da ZL)

Através da linguagem, podemos inferir que o destinador possui uma relação


próxima com o destinatário pelo fato de recorrer a uma expressão nominal que denota
intimidade (Mie – segundo nome) e por despedir-se com “beijocas”, termo utilizado por
pessoas mais amigas, do sexo feminino.
Também é possível observar que a linguagem utilizada é típica da Internet, pois
não há ocorrência de palavras com letras maiúsculas após os pontos de interrogação e
pela abreviação de palavras como “q” (que) e em “vc” (você).
Percebem-se ainda traços típicos da fala, como o uso excessivo de pontuação,
que nos dá a idéia da entoação da frase.
Já na mensagem seguinte, vemos um caso em que o grau de intimidade entre
destinador e destinatário é mais distante:

Clayton: Oi amiga da Lari!


Te achei em uma das minhas comunidades! XD
Acho que somos meio parecidos...
quer ser minha amiga?? rs

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Beijos!!
(baladas japas)

O remetente desse scrap utiliza o vocativo “amiga da Lari”, indicando uma


pessoa conhecida por ambos (Lari), na tentativa de facilitar a aproximação, já que
pressupõe um grupo em comum. Também nota-se a falta de intimidade entre ambos
pelo próprio contexto da mensagem, que demonstra o interesse do destinador em
conhecer melhor o destinatário.
Outros artifícios para tentar conquistar o interesse da jovem em serem amigos é
a aproximação por meio da oralidade em frases curtas e objetivas, através de risos
(“rs”), de emoticons, que são figuras formadas geralmente por letras e/ou pontuações
utilizadas pelos internautas como substitutos das expressões faciais (XD – indica olhos
fechados e um largo sorriso) e das reticências usadas no que seriam as pausas da fala.
Ao contrário do anterior, o próximo recado denota intimidade:

Fabio Eiji: E aí Maninha, tudo bem?


Então, valeu pelo testimonial....
Depois eu mando uma msg contando o que eu tô fazendo
da vida tá? É que agora tenho que ir dormir....
se cuida
Beijos
Eiji
(Colônia da Federal – colégio técnico)

Na expressão nominal “E aí Maninha”, apesar de não pertencerem à mesma


família biológica, notamos tal proximidade, pois esse termo é utilizado por pessoas que
possuem um alto grau de intimidade. Verifica-se como marcas da informalidade e da
oralidade a simplificação da conjugação verbal “tô” (“estou”), a presença da abreviatura
“msg” (“mensagem”), a construção frasal “tenho que ir dormir” em lugar de “preciso
dormir”, a interjeição “tá” e pausas expressas por quatro pontos, tipicamente orais.
Ainda é possível verificar o uso do estrangeirismo “testimonial” para designar o
testemunho deixado na página do destinatário.

Luciana: Aí tosquêra, vamos fazer tosquices por aí!


Taí alguém que me chama de tosca toda vez que
conversamos! É um amor de pessoa. Já eu...
(Tia Lú – turma da Federal)

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Nesse caso, “Aí tosquêra” poderia ser ofensivo, mas torna-se uma forma de
maior intimidade devido ao frame que se enquadra, sendo facilmente entendido apenas
como vocativo. Também é possível observar oralidade na frase “Já eu...”, que apresenta
marca de pausa por meio de uma seqüência de três pontos, na contração “Taí” que
substitui “Está aí” e o uso da expressão estigmatizada “amor de pessoa”. Ainda verifica-
se a presença do termo gírio “tosquices”, que se refere a algum programa que possam
fazer juntas.

Natali: Meu, Feliz Ano Novo, muita paz, saúde, diversão,


festa e sexo pra gente!! hehehe
Beijão!
(banca da ZL)

Esse trecho assemelha-se a um típico recado de fim de ano, mas sai do padrão
quando ocorre uma quebra de expectativa em “sexo pra gente!!”, pois sendo ambos os
interlocutores do sexo feminino, espera-se uma linguagem mais delicada, sem
conotações pejorativas. Como nos demais scraps, há traços de oralidade, como a
presença da gíria comum na expressão nominal “Meu”, os risos representados por
“hehehe” e o uso da forma superlativa “Beijão!”.

Yuji: HuHuHu!! TaMu SeMpRe Na ÁrEa nÉ??? AgOrA


VoU Te AsSoMbRaR nO OrKuT!!! Búúúú!!! -rs-
Ah! Eu NuM PuDe ReTrIbUiR SeU TeStMoNiaL nO
HaIFrIeNdS PoRqUe NãO SomOs AmIgOs... BUBUBU
MaS TuDo BeM, SeI QuE Vc NuM QuEr SeR MiNhA
AmIgA!!! Buááá SeI OnDe Vc EsTuDa ViU??? -rs- VoU
Te PeRsEgUiR ToDo DiA hihihi Já QuE EsTudO
PeRtInHo De Vc!!! -rs- GaRotA Se CuIdA!!! EsPeRo
QuE Vc EsTeJa AlGuM DiA Da SeManA MaIs
SuSsEGaDa!!!! E QuAnDo PuDeR Me AtUrAr Me AvIsA
Tá??? MiLHõEs De KiSsEs!!!!
(IME – USP)

Nota-se que o destinador deste recado usa maiúsculas e minúsculas na


formulação das palavras, dando uma conotação de voz trêmula, enfatizando a semântica
da oração “Agora vou te assombrar no Orkut!!!”. A oralidade está presente no
enxugamento de conjugações verbais (“Tamu” – estamos) e de palavras (“-rs-” – risos),
em abreviaturas (“vc” - você), em onomatopéias (“huhuhu”, “hihihi”- risos; “Búúúú” –
ato de assustar; “Buááá” - choro), em expresso~es interjectivas (“Viu???”; “Tá???”), no

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uso do estrangeirismo (“kisses”), de gíria comum (“tamu sempre na área”), de gíria de
grupo dos internautas (“testimonial” - testemunho; “Haifriends” – página da Internet
similar ao Orkut) e uso do diminutivo “pertinho”. Mas, ao contrário das outras
mensagens, verifica-se uma estrutura mais complexa, com conjunções; uma linguagem
mais cuidadosa, usando palavras inteiras e de acordo com a norma-padrão da língua
portuguesa e uso de figuras, como a ironia em “não somos amigos” que contrasta com
“Garota se cuida” e a hipérbole, dada em “milhões de kisses”.

Até agora verificamos mensagens de apenas um destinatário do sexo feminino,


23 anos, a seguir veremos uma mensagem destinada a uma pessoa do sexo masculino,
de 22 anos.

Natalia: Oiii...!! =]
td na paz?? heheh...

Aeee... apesar di eu ti enxe u sako vc gosta deu.. ki


boumm.. =]... (issu eh uma coisa boa sim, viu!!).. Tbm
gosto mto di vc, tah?? =)

Ae ae ae... kbaram as provitchas!!! hauhua.. agora soh


tem ki vim as notas boas neh??? Toh torcendo por vc aki..
hehe =]

Ah, meo.. a feesta foi adiada pru dia 18... tenhu amis
tempo pra pensah... MAis di cone (apesar di c original)
eu n kero ih naum!! hahhaha....

Ah... nois num vamu ganha present nu dis dus


namorados!!! Ki tristiii meoooo... Vamu xorah??? =´( ...
amis tbm teim seu lado boum essa hist de num teh
namorado/a ... nois num gastah dinheiro cum presentes
neh?? huahauha.. mais neim sei c eh vantagem.. =/

Boum.. amis blza neh.. eh a vida..!! hahha

Bjaooooo e fike na paz tbmm!! Heheh

Ah, c precisah deu, estamus aki.. okei??? ; )

Esse texto apresenta fortes traços de oralidade e de verbalização. Isto é


observável pelas marcas de alongamentos (“Aeee”; “Bjaooooo”; “tbmm”) e pela

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pontuação excessiva - que simulam as entoações, suas intensidades e sustentam
algumas pausas.
Outro índice de oralidade muito forte é a adaptação ortográfica das palavras para
a forma pronunciada, que pode ser confundida com “erros de português” numa visão
mais prescritiva e normativa. Exemplos dessa ocorrência são: “enxe” (enche); “di” (de);
“deu” (de eu) – nesse caso, a forma distensa substitui o pronome pessoal do caso
oblíquo “mim” pelo pronome pessoal do caso reto “eu”; “ki” (que); etc.
Verifica-se também a falta de acentuação, sendo os acentos agudos trocados pelo
“h” no final da sílaba. Exemplos: “tah” (tá), “pensah” (pensa – forma oral), “neh”
(“né” – forma aglutinada de “não é”; sendo que essa forma pode ser vista como uma
variação geográfica, por ser característica dos falantes paulistanos).
Estrangeirismos também estão presentes em “present” (“presente” em inglês) e
“okei” (pronúncia inglesa de “OK.” adaptado ao sistema fonológico da língua
portuguesa).
Como se trata de um texto de Internet e distenso, há uma enorme quantidade de
abreviações (“vc” - você; “tbm” – também; “mto” – muito; “c” – ser ou se) e de
emoticons.
Em “provitchas” verifica-se o diminutivo típico da fala feminina e a
substituição de -nh- (nasal) por –tch- (fricativa), proporcionando uma sonoridade
expressiva tipicamente jovem, também identificada nas onomatopéias demonstrando
euforia, empolgação. Além disso, expressões de gírias comuns, como “enxe u saco”,
“tudo na paz” e “estamos aí” reforçam a atitude juvenil da autora. Há um traço de
rebeldia na insistente escrita “amis” substituindo “mais” ou o símbolo “+” (mais usado
por internautas).
Apesar de tantas expressões orais, a forma “namorado/a” mostra uma estrutura
possível somente na escrita em que se mostra a indefinição de gênero.
A seguir veremos scraps cujo destinatário é uma pessoa do sexo masculino, de
19 anos.

André: aê guri!, tem ke rolar um vampiro: idade das trevas lá


na usp... só que vcs tem ke ter paciência comigo pra eu me
aperfeiçoar na técnica de mestrar... =P huahuahua...

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Neste trecho percebemos a oralidade logo no início, em “aê guri!”. Atente-se
para o chamativo “guri”, que é um regionalismo proveniente da região sul do país, e que
corresponde a garoto ou menino. Este termo, no entanto, não corresponde à origem do
destinador – que é paulista- e sim do destinatário.
Há o enxugamento de palavras em: “ke” por “que”, e em “vcs” por “vocês”.
Percebe-se também que as palavras estão devidamente acentuadas, o que poderia indicar
o uso da forma culta, entretanto observamos mais à frente o uso da forma “pra”, no
lugar de “para” o que demonstra coloquialidade.
Vemos também o recurso expressivo do emoticon, forma gráfica que procura
imitar expressões faciais para transmitir sentimentos. No caso “=P”, uma espécie de
“meio sorriso”, pode indicar timidez, vergonha ou similares.
Outra marca da oralidade é a tentativa de imitar o som de uma gargalhada com
interjeições. O interessante é que neste caso pode-se observar que devido à falta de
recurso de expressão na forma escrita não é possível indicar o frame exato desta
gargalhada, isto é, ela tanto poderia ser uma “risada cavernosa”, com um tom mais
grave, que teria o intuito de inspirar medo, o que nesse caso poderia também ser
associado a um contexto irônico em segundo plano, como poderia ser uma “risada
normal”, simplesmente expressando alegria e sem um segundo contexto.
No campo de estudo da gíria observamos algumas gírias de grupo e também
algumas comuns. Entre as de grupo vemos um termo e uma expressão, ambos
característicos da linguagem dos jogadores de RPG – jogo de interpretação de papéis,
originado nos Estados Unidos que se serve de um sistema de regras, um “mestre” e
dados para que jogadores interpretando personagens criados por eles próprios possam
vivenciar uma história guiada e coordenada pelo mestre - ou como eles próprios diriam,
“errepegistas”: “mestrar” é o termo usado para o ato de ser o mestre durante um jogo de
rpg, e “vampiro: idade das trevas” é um dos sistemas de regras e ambientação de
história, caracterizando uma figura de linguagem, a metonímia, sendo esta composição
muito comum no grupo. Entre as gírias comuns a que aparece é “rolar”, que apesar de
ser mais freqüente entre os jovens tem sido muito disseminada pela mídia e é cada vez
mais comum.

Faby: E ae Chuca com ce anda cara?


sumiu!!!!
Ve se dá um sinal de vida!!!

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Neste trecho não há enxugamento de palavras e a maioria está acentuada.
Entretanto, o texto é bastante oral e descontraído, com grande presença de vocábulos
gírios, indicando um grau maior de intimidade dos interlocutores e que o destinador é
jovem.
A respeito ainda de gíria, podemos citar que as aí presentes são gírias já
banalizadas, portanto comuns, não revelando um grupo específico a qual o destinador
possa pertencer. As gírias que expressões encontradas são: “cara”, que é um referente
tanto de terceira como de primeira pessoa e de gênero indefinido e “como ce anda” por
“como você está”. Vemos também as expressões “sumiu”, que expressa a ausência de
notícias do destinatário, e mais especificamente, uma reclamação desta ausência por
parte do destinador e “dá um sinal de vida”, que é justamente um pedido do destinador
para que o destinatário mande notícias.
Entre as características orais temos a expressão “E ae”, por “E aí”, que já é um
termo gírio para “como vai”. Aparecendo com a vogal e, indica já uma nova forma de
pronúncia da mesma construção. Observamos também a substituição da forma “você”,
por “ce”, o que indica um registro popular da língua e expressa uma tendência da
redação e supressão dos termos.
Estas expressões gírias, no entanto, pelo que se observa, são gírias comuns, não
revelando muito mais sobre o destinador além de sua provável faixa etária.
Por fim observamos o chamativo “Chuca”, que é um apelido mais restrito do
destinatário – na verdade, apenas três pessoas usam este referente para o destinatário,
incluso o destinador – que acaba por indicar um certo grau de intimidade entre estes.

Bruno: Falae garoto....


como anda a vida ae????
boa sorte ae, seja feliz!!
abraços

Este texto tem muitos traços de oralidade, mas também demonstra um certo
distanciamento entre os interlocutores.
Vemos logo no início uma expressão gíria: “fala ae”, que aparece de forma
contraída, e significa aproximadamente “como vai”. Em seguida ele repete a mesma

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pergunta, variando a forma: “como anda a vida ae??”, estabelecendo uma forte função
fática, que evidência a falta de intimidade referida anteriormente. O texto termina quase
que de maneira formal, com os votos de felicidade e sorte, e com abraços – o que
lembra muito um cartão de ano novo.
O chamativo escolhido é “garoto”, o que reforça ainda mais a pouca intimidade
com o destinatário.
Percebe-se que mesmo em um texto escrito, em que o destinatário não está
presente, o destinador não se sente suficientemente á vontade, e os freqüentes “ae”
evidenciam sua falta de assunto a tratar com o destinatário, - ao mesmo tempo que seu
desejo de manter a comunicação - bem como seu desconforto nesta comunicação.
Observe-se também que em comparação com os outros textos, a respeito da
proximidade do registro com a norma culta, que esta característica parece ser uma
constante nestes três registros, por mais distensa e oral que possa ser, o que
provavelmente pode indicar uma característica de grupo ou um “desconforto
lingüístico” para com o destinatário.

Amon: Olá Mario!! Estou te convidando para entrar para a


comunidade Choose The Right (Mórmon/LDS). Se você já teve
ou possui um anel do CTR e desfruta desse lema em sua vida,
essa é a sua comunidade. Sua participação será fundamental
para torná-la um lugar mais prazeroso e agradável. Contamos
com a sua participação!! Ah, e se você ainda não possui um
anel do CTR, não se esqueça de que nunca é tarde demais...
Um grande abraço, Amon

Neste texto temos um caso claro em que os interlocutores são desconhecidos um


ao outro. O texto é predominantemente formal, apesar da forte função conativa, o que
caracteriza uma fuga ao gênero comum de scrap. Segue a gramática prescritiva –
normativa, tendo apenas dois jargões: “CTR”, que é uma sigla para o lema “Conserva
Tua Rota”, que também é o nome de uma classe para crianças numa faixa etária até oito
anos na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e “comunidade”, termo que
se refere aos grupos de discussão dentro do Orkut.
Sobre a função conativa temos os trechos: “essa é a sua comunidade”. No final
do texto temos elementos de oralidade em “Ah”, interjeição que serve para preservar o

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turno em uma conversa e para adicionar algo à sua fala, substituindo o “P.S.” da forma
escrita.
Esta oralidade no final do texto é uma tentativa de aproximação com o destinatário.
O destinador ainda termina a mensagem no mesmo formato de uma carta,
deixando sua identificação no final, após uma despedida, o que reforça o texto em seu
modelo escrito, fugindo da oralidade. A despedida – “uma grande abraço” – é o clímax
desta tentativa de aproximação com o destinatário, o que acaba sendo mais um recurso
usado na tentativa de persuasão do destinador.

b) E-mails (geralmente linguagem mais formal, mas ainda distensa):

No caso dos e-mails, o corpus foi restrito aos de convites para algum evento,
descrito no assunto.

COPA-USP
Oi, meu nome é Augusto.
Falei com vc naquele domingo do Bichusp no qual vc
gostaria de jogar e no entanto a Atlética não havia feito a
inscrição, do you remember?
Pois é, estamos convidando vc para participar da equipe
de Tênis de Mesa Feminino da FFLCH que nos
representará na Copa USP 2005.
Vai ser no dia 15 de Maio, lá no Itaim Keiko, a partir das
8:00 da manhã, provavelmente vc deve compor uma
equipe com a Suzana Ogawa e com a Olívia.
Me confirme sua presença, OK? Contamos com vc e com
toda a sua simpatia!!!
Um abraço!

OS: talvez a Suzana marque um treino com vcs!!!!!!!!!!!!

Nesse primeiro e-mail, percebe-se um distanciamento entre os interlocutores,


pois ocorre uma reapresentação do destinador “meu nome é Augusto”. A forma um
pouco distensa se evidencia por “vc”, já explicada anteriormente nos scraps e na falta
de pontuação. Na passagem “no qual vc gostaria de jogar”, ocorre uma tentativa de
formalização da linguagem que, no entanto, logo é abandonada. A inserção da frase “do
you remember” exemplifica o estrangeirismo presente na fala, que nem sempre é
adaptada ao português, seguida da interjeição de função fática “Pois é” e do Presente

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Contínuo “estamos convidando”. Mesmo assim, apresenta uma construção mais
próxima à escrita com a oração subordinada “que nos representará”, o que pode ser
interpretado como um indício do nível de escolaridade do destinador.

Pessach
Oi, Karen.
Não sei se vai dar tempo de avisar.
Hoje é a Páscoa lá na Igreja. Lembra?
Sinceramente não sei a que pé andas, mas estou avisando
por consciência.
Espero que esteja bem.
Fique na Paz
Abraço
Léo!

Esse convite apresenta maior intimidade entre os interlocutores, mas ainda


apresenta certa tensão na linguagem, justificada pelo pouco contato entre eles –
“Lembra?”; “não sei a que pé andas”. A oralidade é identificada em “Lembra?”,
recurso oral para manter a comunicação, e na variação de pessoa verbal, em que o
remetente refere-se ao destinatário como segunda pessoa do singular em “andas” (tu) e
como terceira pessoa do singular em “esteja” (você). Também pode se observar
vocábulos e expressões da linguagem de grupo como “Pessach”, que é a páscoa judaica,
e a forma de despedida “Fique na Paz” com “p” maiúsculo indicando que seja na Paz
do Senhor, de acordo com a crença e os hábitos desse grupo. Usando um apelido na
assinatura, o destinador reforça a intimidade, permitindo, assim, que o destinatário
utilize uma forma de tratamento mais íntima.

Balada do meu niver no Ibiza nesta sexta-feira 13


aee galera fmz? aqui é o fábio toshio!!
a comemoração do meu niver vai ser no ibiza agora
nesta sexta-feira 13 heim!!!
mulher com o nome na lista até uma hora paga apenas 5
reais de couvert
homem com o nome na lista até uma hora paga 15 reais

o q rolará:
festa da energia 97
uma banda de pagode q não sabei o nome, kkk

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festa da red bull – comprando um red bull ganhe uma
dose de vodka até uma e meia da manhã
pra quem for me mandem o nome até a quinta a noite pra
eu colocar na lista ok??
fabiopassat@ig.com.br ou fabiopassat@pop.com.br
local:
Ibiza (ex-Infinity)
R. Casa do Ator, 1169
Gênero: Dance/Cisco/Pop | Tel: (11) 3045-0388
aguardo a presença de todos!! Valews!!!

Sendo um convite para uma festa em uma danceteria, esse e-mail se apresenta
coloquialmente e de forma a convencer os convidados a comparecerem na
comemoração. No próprio título já são apresentadas gírias comuns como “balada”,
“niver” (forma reduzida de “aniversário” muito usada por jovens) e certa excitação ao
descrever a data “sexta-feira 13”, já que geralmente é ligada à superstição de que
ocorrem fatos estranhos e inexplicáveis, como uma provocação dizendo “para quem
tem coragem de enfrentar o sobrenatural”. O conteúdo inicia-se com uma empolgação
que ele tentou demonstrar na linguagem através de “aee galera”, com o uso da gíria
“fmz” – forma abreviada de “firmeza” – e a identificação do remetente como meio de
reter a atenção dos mais íntimos ou mais interessados em revê-lo (neste grupo, os e-
mails são enviados quase que aleatoriamente para todos os colegas de trabalho). Segue-
se a essa introdução o motivo já analisado a partir do título e as especificações do local.
Como chamativo o destinador utiliza “rolará”, verbo com significado gírio de
acontecer, numa adaptação à norma culta, pois é mais comum a forma “vai rolar”.
Também pode-se observar a distensão na falta de maiúsculas e de pontuação, na
oralidade das formas “pra” e “ok”, na mimese de gargalhada em “kkk”, na desatenção
em “sabei” no lugar de “sei” e novamente no termo gírio “Valews” como forma de
agradecimento.

c) Textos jurídicos (linguagem formal):

Passaremos agora à análise dos textos jurídicos, retirados de processos em


andamento pelo Tribunal Regional Federa da 3ª Região e com os quais uma integrante
do grupo tem contato em decorrência de sua profissão.
Em todos os textos notar-se-á o emprego de uma linguagem rebuscada,
relacionada à tradição escrita do processo, e do tradicional prestígio conferido ao ofício

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das leis, tradição esta mantida, como forma de tornar o processo solene, digno de
respeito e confiança. Tal realidade vai ao encontro da visão que se quer passar da
justiça: imparcial e certeira.
Observemos o seguinte trecho:

O despacho que recebe a exceção de pré-executividade, a


processa e intima a excepta para se manifestar, tem
eficácia suspensiva, o que é pior, sem a formalização de
garantia efetiva, ferindo de morte o artigo 16, §1º da Lei
nº 6.830/80!

Aqui temos uma mostra do vocabulário específico da área jurídica: “despacho”


(decisão dada no decorrer do processo e que não põe fim à demanda); “exceção de pré-
executividade” (tipo de petição oferecida antes da penhora de um bem, quando há
vícios no procedimento), “excepta” (é a parte que executa, geralmente a Fazenda
Nacional, que executa o contribuinte que não pagou devidamente seus impostos);
“eficácia suspensiva” (quando uma decisão suspende o processo, para que não ocorra
nenhum prejuízo à ninguém).
O trabalho na área do Direito, faz com que essas expressões, que podem tornar o
texto incompreensível para alguém que não seja da área, tornem-se rotina para aquele
que as lê. Por isso quer-se demonstrar como é estranho encontrar expressões tão
tipicamente da modalidade oral da língua em meio a esses textos, tais como a metáfora
“ferindo de morte” para referir-se ao desrespeito a um artigo de lei.
Abaixo, mais exemplos desta situação:

Repita-se, mais uma vez, que se o exame da pretensão


jurisdicional depender de instrução probatória, será
forçoso reconhecer a negativa de incidência de qualquer
hipótese de exceção de pré-executividade, posto que a
imprescindibilidade de prova fulmina a possibilidade de
seu conhecimento de ofício, verificável em cognição
sumária extintiva sem audição da excepta!

Aqui, mais vocabulário específico: “pretensão jurisdicional” (aquilo que se


pleiteia com o processo); “instrução probatória (realização de provas); “conhecimento
de ofício” (quando o juiz, sem ouvir a parte contrária, concede o que se requer,

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imediatamente); “cognição sumária” (ao decidir uma questão urgente, tal como uma
liminar, geralmente danos podem ser causados pela demora, o que faz com que admita-
se uma análise superficial da questão: se existir a aparência de que a pessoa merece o
que pleiteia, será concedido. Assim, atende-se ao requisito da urgência).
Imerso nessa riqueza de vocabulário, dotado de um caráter de formalidade,
novamente a surpresa ao encontrar-se o pleonasmo “repita-se, mais uma vez” ou
palavras como “fulmina”, palavra de tom exagerado e grande carga imagética.
Obviamente o que se discute aqui são sutilezas somente captadas por aquele
atento às variações lingüísticas. Não se quer, de forma alguma, condenar tais práticas
que são, aliás, necessárias ao advogado. Ser parcial é exatamente o que se pretende.
Vejamos outro exemplo:

Qual o tipo de procedimento em que se converteu esta


execução fiscal gestante de pré-executividade? Cautelar?
Mas qual direito busca garantir a execução? Ordinário
com antecipação da tutela de mérito? (...)
Estamos diante de uma criatura teratológico-jurídica
“tre bizarre”!

Aqui temos a utilização de perguntas sucessivas que visam a levar o leitor à


mesma conclusão a que o advogado chegou. No final, vemos o uso de um
estrangeirismo que chega a dar um tom humorado ao fragmento. Ridiculariza-se a
situação, como forma de mostrar ao juiz o quanto aquilo é equivocado. Tudo isso
embasa a tese do advogado e o uso de tais artifícios visam produzir um efeito
psicológico.
No processo o advogado precisa de todas as formas convencer o juiz de que seu
cliente faz jus ao direito pleiteado. O ofício da advocacia exige uma grande habilidade
do advogado. O verbo é sua arma e por isso uma análise de textos jurídicos é tão rica.
Nota-se por exemplo a clara presença de papéis sociais, como no fragmento abaixo:

Ocorre, Exa., que embora não se achasse devedor,


conforme abaixo se exporá, houve por bem o Executado
de confessar o débito, em 28 de julho de 1998,
requerendo seu parcelamento em 30 (trinta) meses, sendo
informado que deveria iniciar o pagamento de imediato.
Assim o fez, pagando a primeira parcela em 31 de julho
de 1998, prosseguindo com o pagamento das posteriores,

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sempre no último dia útil do mês, sem que houvesse um
grande comprometimento em seu orçamento doméstico
(doc. 07 a 13). Assim, acreditava, poria uma pá de cal no
problema que o assolava há tanto tempo.

O advogado refere-se ao juiz como “excelência, pois este possui um status


diferente do seu. Teoricamente o advogado possui o mesmo prestígio que um juiz,
estando no mesmo nível hierárquico, no entanto, na prática, o que se vê é diferente.
A linguagem é rebuscada, como acontece em todos os textos desse tipo, no
entanto, nota-se, logo no início, em “ocorre, Exa.” a interposição do pronome de
tratamento “Excelência”, que designa o juiz a analisar a questão, após a palavra
“ocorre”, o que dá ao texto certa fluência típica da argumentação, um recurso
eminentemente da língua oral, usado pelo advogado para chamar a atenção do juiz para
suas razões. No final do texto, há a inserção de uma expressão metafórica que chama
nossa atenção: “poria uma pá de cal”. Através dessa expressão, quer-se dizer que o
problema estaria amenizado. Esta expressão tem origem na prática de jogar-se uma pá
de cal sobre o corpo de um defunto, a fim de que a contaminação, por exemplo, fosse
diminuída. O interessante é que expressões como esta, apesar de não serem tão raras de
se ver nos textos jurídicos, causam sempre estranheza àquele que as lê, pois denotam
uma quebra de expectativa por serem expressões típicas da modalidade oral da língua.
Ainda na mesma petição:

E mais uma vez, pasme Exa.! Em dezembro de 1998 foi


informado pela American Express que seu cartão de
crédito estava sendo desativado em virtude de seu nome
constar no SERASA.

Vemos a expressão “pasme, Exa.!”, com a qual o advogado tenta convencer o


juiz do absurdo da situação, inclusive ao inserir um ponto de exclamação, como se
quisesse demonstrar uma alteração no seu tom de voz. O pronome de tratamento aqui,
evidencia o papel social do juiz, cujo status é adquirido quando ascende à profissão.
Por outro lado, notamos a presença de gerundismo, muito usado pelos operadores de
tele marketing, e de fato, fala-se de uma administradora de cartões de crédito.
Em outra petição, encontramos mais exemplos:

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Ora, se o nosso ordenamento positivo vigente até o dia 09
de janeiro de 2001 – data da publicação da lei
10174/2001 – não permitia que o fisco se utilizasse dos
dados da CPMF para a constituição de crédito tributário
relativo a outras contribuições ou impostos como pode a
Digna Autoridade Coatora pretender utilizar-se os dados
da CPMF para lançar tributos relativos ao exercício de
1998, aplicando retroativamente a lei?
Há algumas vozes que, de forma inconstitucional,
fundamentam tal disparate jurídico no artigo (...).
Dizem essas pessoas que tentam justificar a
retroatividade da lei (...).
Balelas!

A presença da conjunção “ora” atende à finalidade da argumentação ao


introduzir a segunda premissa. Ademais, como se pode notar é feita uma pergunta,
como se houvesse um diálogo com o leitor do texto, no caso o juiz. A metonímia “Há
algumas vozes que de forma inconstitucional” e mais a frente a expressão “essas
pessoas” e ainda o uso de “disparate jurídico”, denotam claramente a intenção: diminuir
ante aos olhos do juiz a parte da doutrina que entende a matéria discutida de forma
diversa da pretendida pelo advogado. Conclui o advogado com a expressão “balelas!”,
termo típico da modalidade oral da língua, já em desuso, e que neste caso refere-se ao
que foi dito antes e que, na visão do advogado, não passa de uma teoria sem
fundamento, completamente absurda.
Pode-se ainda notar, no paradoxo “digna autoridade coatora”, uma prática
comum, como também a de inserir o conhecido data venia antes de discordar do juiz.
Chega a ser irônico o fato de uma autoridade coatora ser chamada de “digna” pelo
próprio coagido, mas a verdade é que esta prática não é tida como ofensiva, pois tornou-
se uma tradição.

Quer-nos parecer que os incentivos destinados à ZFM


(Zona Franca de Manaus) visam a, de alguma forma,
estimular os empresários a lá se estabelecerem. Não a
estimular que os empresários de lá vão buscar
fornecedores fora de lá. Isso vai exatamente de encontro
ao ideário que criou aquela zona de livre comércio,
representando verdadeiro desestímulo a que empresários
queiram lá se estabelecer.

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Neste trecho notamos que quem o escreveu não possui um total domínio da
norma culta. Encontramos, em um parágrafo, quatro vezes o pronome indefinido “lá”.
Talvez se tenha tentado simplificar a linguagem para que a compreensão fosse
facilitada, mas o que se conseguiu foi um texto que chega a ser engraçado por sua
insistência. É típico da linguagem oral esse descuido com o que já foi dito. Quando se
fala, não se está atento para evitar repetições. No entanto, na modalidade escrita,
prefere-se evitar tal prática, pois, diferentemente da fala - em que se quer rapidez e
fluência -, na escrita ela deixa o texto pobre, como no exemplo acima.

Tem mais. É bom lembrar que entre os impostos de


competência da União, está o (IE), hoje com alíquota
(...). Pois bem. Pergunta-se: numa tal situação, em que se
visse compelido a pagar o Imposto de Exportação será
que o impetrante sustentaria a mesma tese de que suas
vendas à ZFM devem ser tratadas como se exportação
fosse? É de se duvidar.

As expressões “tem mais”, “é bom lembrar” fogem igualmente do tipo de


linguagem utilizada nestes textos. Elas produzem, como todas as demais, quebras na
expectativa no leitor, no entanto, essa quebra na expectativa acaba por facilitar o jogo
da argumentação. A pergunta feita é logo em seguida respondida “é de se duvidar”.
Obviamente, não quer o advogado que o juiz sequer chegue a pensar numa resposta que
não seja aquela defendida em sua tese. Esses recursos de argumentação e
convencimento, e que como estamos percebendo, fogem muitas vezes ao padrão da
língua escrita, são inseridos em momentos cruciais, em que surge a necessidade de um
apelo.

Aqui expressamente se dispõe que não se considera


exportação a venda efetuada À ZFM. Nenhuma inovação
no ordenamento em função disso. Ora, ninguém, em sã
consciência, há de defender a tese de que (...).

Ao dizer “ninguém, em sã consciência”, o advogado desta petição pretende se


impor ao juiz, com uma ameaça que fica implícita, artifício da argumentação, segundo a
qual só discordará dele se o juiz for um louco. O que é interessante, neste caso, é que o
grau de intimidade entre o juiz e seu interlocutor é praticamente inexistente. Tanto que o

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juiz é tratado por “Excelência”. Possuem status diferentes. Mas o que ocorre aqui, e em
vários outros trechos, é essa aproximação forçada. É divertido imaginar se numa
conversa com o juiz o advogado se atreveria a usar essa mesma expressão. No entanto,
como o processo é um instrumento escrito, somente lido num segundo momento -
quando já não se tem quem escreveu a petição à frente – o advogado toma esta
liberdade, pois sabe que dificilmente será repreendido.

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Conclusão

Vimos através de nossa análise as diversas formas que um texto escrito pode
tomar: aproximando-se muito da fala, como no caso dos scraps, ou afastando-se quase
que totalmente dela como no caso das petições processuais.
Também vimos as finalidades dessas variações da linguagem: os textos
veiculados pela Internet são muito ricos, pois o que se tem em mente é uma tentativa
recriação da conversa ao vivo, com a inclusão de termos prosódicos, pausas, correções,
risadas, expressões faciais através dos emoticons, entre outros recursos utilizados.
Já na linguagem jurídica, muito tensa e repleta de vocabulário específico da
área, ainda sim, vimos que existem interferências da modalidade oral da língua. Tal se
dá, não para que a fluência se aproxime da de uma conversa, mas porque em
determinados momentos, o advogado se vê numa situação em que precisa lançar mão de
algum recurso que o permita chegar mais próximo do juiz, a fim de convencê-lo.
Portanto, seja qual for a finalidade de tais interferências, fato é que elas estão
muito presentes ao nosso redor. A língua oral, que admite e incorpora as mudanças e
variações muito mais rápido que a língua escrita, é a grande responsável pela
atualização desta. Um texto que não as possua, dificilmente será bem compreendido
atualmente e, embora no caso dos textos jurídicos essas variações causem muitas vezes
estranheza, pretender que elas não ocorram é fechar os olhos para uma realidade da qual
não podemos nos desvencilhar, a de que a língua jamais permanece estanque.

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Referências bibliográficas

PRETI, Dino (2003). Sociolingüística – os níveis da fala – um estudo


sociolingüístico do diálogo na literatura brasileira. 9 ed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo.
_______ (2004). Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna.
BAGNO, Marcos (2004). A língua de Eulália: novela sociolingüística. 13 ed.
São Paulo: Contexto.

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Anexos

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