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O livro concentra-se no periodo entre 1889 até 1945, elaborando uma análise da relação
dos movimentos de trabalhadores com o Estado, os diferentes grupos e as estratégias de
lutas escolhidas por eles.
Primeira parte do livro Angela de Castro Gomes tece um panorama das correntes do
movimento operário a partir das primeiras década da republica na cidade do Rio de
Janeiro, cenário de seu livro. Assim, a autora vai demonstrando as correntes mais
importantes que utilizando-se de diversas estratégias, como o uso da imprensa, greves e
a criação de entidades profissionais (não de classe ainda) ou até de partidos políticos na
luta pelos direitos dos trabalhadores.
As principais correntes daquele momento inicial são resumidas em socialistas (não
especificamente como os europeus) e os anarquistas. Ambos divergiam bastante,
principalmente no formato da luta e na relação com o poder institucional. Assim,
socialistas preconizavam aglutinar a classe trabalhadora ao redor de um partido político,
enquanto que anarquistas tinham ojeriza pela política institucional e, em seu projeto,
davam primazia para a mobilização constante da classe trabalhadora nas suas lutas
específicas realizadas a cada momento, sem a formação de um partido, optavam por
sindicatos de enfrentamento ou resistência. Gomes analisa ao longo dos primeiros
capitulos os enfretamentos através da imprensa e a tentativa dos dois grupos em construir
mobilizações no seio da classe trabalhadora, ao se aproximarem de grupos de
trabalhadores de profissiões específicas e tentar mobilizá-los, demonstrando a diferença
de projetos de ação de ambos os grupos. Além das dissenssões, a autora demonstra o os
aproximava uso da imprensa pelos dois grupos e enfatiza o modo como o governo
brasileiro, num contexto internacional conturbado socialmente e politicamente, reprimiou
esses movimentos, com especial destaque para o anarquismo, que depois de algumas
bem sucedidas mobilizações – a mais notável a greve de 1917 – foi aos poucos perdendo
espaço, não apenas pela repressão, mas talvez pela própria concepção de movimento de
trabalhaodres, que visasa libertar os trabalhadores, por isso a enfase na educação e nas
artes que o movimento tem; difente dos socialistas, que por sua concepção mais
materialista conseguiam alguns ganhos palpáveis.
A autora, nessa primeira parte do livro, tem a intenção de mostrar que, naquele momento
a classe trabalhadora falava para si e se mobilizava, através de diferentes concepções.
Muito embora em alguns momentos fica nítida a atuação do Estado, seja pra reprimir ou,
já nos estertores da república oligárquica, se aproximar e cooptar a classe trabalhadora
através de associações que não radicalizavam.
A partir daí, com o chegada de Vargas e do seu projeto ao poder, as coisas começam
pouco a pouco a mudar, na relação entre a classe trabalhadora e do Estado.
Possivelmente a repressão dá lugar a cooptação. O discurso varguista promove uma
alteração profunda na relação do Estado com a classe trabalhadora. Assim, percebemos
a construção de uma série de dispositivos oficiais que foram pouco a pouco
demobilizando a classe trabalhadora, do ponto de vista de sua autonomia, e foram
trazendo esta, pouco a pouco, para a orbita de influência do Estado.
Certamente que o movimento operário demonstrava sinais de força, como a própria
autora mostrou, mas, da mesma forma que o próprio Estado, sua atuação era mais local e
restrita a algumas áreas do o país, mais notadamente nas cidades de grande porte e com
mais indústrias, como a capital e São Paulo, por exemplo. O que não anula a existência
de algumas mobilizações realizadas com certa coordenação entre alguns grupos
geograficamente distantes, mas algo que nunca chegou a ser nacional, de fato. As
associações eram pequenas e com poucos membros. Ao longo do periodo varguista,
principalmente pela ação do Estado em aumentar a sindicalização, ligada ao governo,
começam a surgir grupos com perfil mais nacional.
Em um país com multidões pauperrimas e com um histórico de forte repressão aos
movimento que pediam por demandas populares, como visto na república oligárquica nos
episódios de Canudos e da Revolta da Vacina, onde o governo jogou fortemente seu
braço armado contra o povo, o governo Vargas não por benevolência, mas por calculo
político, percebe que deve de um lado diminir a influência das ideias aglutinadoras e
questionadoras, principalmente de esquerda, no meio da classe trabalhadora, de outro
proporcionar, mesmo que não totalmente, alguns elementos que os trabalhadora exigia
em suas lutas. Assim, a repressão vai dar lugar a cooptação e a criação de um discurso
de um líder caristmático e visionário, que atendendo aos anseios do povo, cria uma série
de leis e benefícios paara a classe trabalhadora, sendo assim, já não haveria a
necessidade da baderna ou da mobilização dos trabalhadores, já que o Estado estava
proporcionando a eles, benefícios que tanto pediam.
Angela de Castro Gomes, na segunda parte do livro, analisa exatamente esse processo
de cooptação e de criação do discurso sobre o trabalho e sobre o trabalhador pelos
aparatos de propaganda do varguismo, especialmente no periodo chamado de Estado
Novo, entre 1937 e 1945.
Se ao longo dos primeiros anos a relação com os trabalhadores foi sendo construida
lentamente com alguns benefícios que constavam na Carta Magna de 1934, se aprofunda
ao longo dos anos.
A relação com os trabalhadores é construida a partir de vários polos, notamente o
Ministério da Justiça e Tabalho e o Ministério da Educação e Saúde. Em outro texto,
públicado no livro Repensando o Estado Novo, a autora demonstra como, aos poucos, as
políticas para área da saúde, educação e previdência, além, claro da questão daos
direitos trabalhistas, foi moldando a criação de um modelo ideal de cidadão para o regime,
construido a partir da categoria do trabalho. Houve um processo de ressignificação do
trabalho. Em um país que havia saído poucas décadas atrás de um regime baseado na
escravidao, onde o trabalho braçal era visto com ojerriza pelas elites, seguida de um
periodo de liberalismo excludente, haviam massas desamparadas, no campo e na
cidade, algo que do ponto de vista do Estado brasileiro não seria bom, tendo em vista que
havia o perigo da sedução pelo comunismo e a falta de um sentimento de conjunto dentro
do país, no sentido que, com proporções continentais, o Brasil não tinha um Estado que
se fazia presente em todo território, o que poderia ser um perigo aos interesses nacionais.
Um ponto importante conectado aos interesses do varguismo, foram as alterações
promovidas nas leis de imigração, tendo em vista que durante o imperio e a republica
oligárquica, as portas do país estavam abertas aos imigrantes, muitos deles acabaram se
isolando, por exemplo as comunidades alemãs no sul e reproduzindo aspectos de seus
países de origem, criando grupos que não se sentiam totalmente brasileiro. É notável
como outros autores demonstram como o governo Vargas dificulta a entrada de
imigrantes e passa a vigiar mais de perto as comunidades existentes no país, tentanto
coibir os etnicismos e o ensino de língua estrangeira, em detrimento ao português, algo
que ocorria nas escolas alemãs. Além disso, o estangeiro era visto como um sujeito
propenso a baderna e sempre com envolvimento
No capítulo cinco a autora realiza uma análise de alguns artigos da Cultura Política,
visando deslindar algumas características do projeto de sociedade que emerge a partir
dos movimentos de novembro de 1930. No combate ao liberalismo, ao comunismo,
visando construir um projeto de cunho nacionalista. Onde o Estado, vendo os problemas
que aflingiam as populações mais pobres passa a se preocupar com essas mass
as que não eram assistidas “ a grande finalidade da obra revolucionária era justamente
enfrentar este estado de constante necessidade em que vivia o povo brasileiro” (p. 197),
contexto esse que era entendido como “estado desanimador que identificava o trabalho
como um apágio da pobreza. Neste sentido, a pobreza e o trabalho precisavam entrar na
cena política brasileira.” (idem). Havia uma aproximação com a doutrina social da Igreja. A
intenção do regime surgido em 1930 era criar uma democracia à brasileira, sem o
individualismo do liberalismo que grassou durante a Primeira República, mas livre dos
perigos coletivistas do socialismo/comunismo. Assim, criando uma via própria, inserindo
através do trabalho, dentro dos limites impostos pelo regime.
Nesse ideário o trabalho ganha novos contornos.
Deveria ser encarado como uma atividade central na vida do homem e não
como um meio de ganhar a vida. Isto implicava que o homem assumisse
plenamente sua personalidade de trabalhador, pois ela era central para a
sua realização como pessoa e sua relação com o Estado. (p. 201)
O Estavo Novo tinha uma interpretação própria do conceito de democracia, com foco nos
direitos sociais, através da categoria do trabalho, combate aos excessos do liberalismo e
da propriedade privada e uma busca pelo consenso questionando os excessos da
democracia liberal clássica. Assim, eleições e partidos eram desnecessários. A relação
entre povo e Estado seria feita sem mediadores, de modo direto. Assim, isso explica, em
parte, aquele governo ser o primeiro do país a usar ostensivamente os meios de
comunicação em massa para se fazer presente no dia a dia das pessoas. Além disso,
havia o Departamento de Imprensa e Propaganda, responsável por duas estratégias
cruciais para o espraiamento do discurso do governo. A censura dos meios de
comunicaçao para evitar criticas e a criação de um aparato propagandistico forte para
fazer as massas se sentirem próxima do seu líder.
Assim, vai emergindo pouco a pouco o trabalhismo, ideologia construida ao longo dos
anos Vargas. Aqui, temos a ideia central do livro, observada nesse capítulo, a partir da
formatação a partir dos anos finais do Estado Novo, de um discurso baseado no trabalho,
como categoria central da formação da mulher e do homem do Brasil e base do ideário
político aprofundado naqueles anos.
Assim, o governo que até inicios da década de 40, pouco se importou com a questão dos
sindicatos, agora passa a agir de modo mais focado, visando sindicalizar cada vez mais
trabalhadores. Focando no discurso de que só teria acesso as benesses do governo
aqueles que fossem ligados a essas instituições, que existiam sob as asas do Estado.
“Aqui, cabia ao Estado organizar o sindicato e cabia ao sindicato promover o espírito
agremiativo entre os trabalhadores.” (p. 223)
A propaganda estatal, que entre 30 e 34 não foi muito efetiva passa a ser de grande porte
a partir de 37, focando na figura do presidente, até aquele momento, nenhum presidente
havia explorado as potencialidades dos meios de comunicação como Vargas. Sua
imagem era estampada em cartazes, faixas, livros e outros meios. As habilidades que
teria eram enaltecidas por seus ministros em seus discursos, espacialmente o do
Trabalho, Marcondes Filho, nos seus programas de rádio, nos quais suas falas visavam
aproximar o Estado e os trabalhadores, ao explicar as leis ou medidas realizadas pelo
governo no mundo do trabalho.
O Estado Novo cria uma série de dispositivos para sanar a classe trabalhadora, assim,
políticas sanitárias e de saúde públicas, algumas remontando do periodo da Primeira
República, são ampliadas para atender as massas urbanas e também campesinas. A
imagem do Jeca, rural e doente, preguiços, é resignificada. O trabalhador não seria
preguiçoso, mas mal atendido, sendo assim, era preciso tratar dos males que o afligem
para que ele possa se tornar um bom exemplo de sanidade e de trabalho, produzindo
para a nação.
É criado tambem o serviço de previdência, para vaŕias categorias, para dar suporte ao
trabalhador quando este atingir a idade mais avançada e não puder mais atuar. Além
disso o governo investe também na educação, focando na ampliação do ensino básico
obrigatório, dos trabalhos manuais em sala de aula e da educação profissionalizante para
capacitar a mão-de-obra nacional.
Fora essa política benevolente de cuidados com a classe trabalhadora, que construia a
imagem de um trabalhador sadio, assíduo, obediente ao Estado e nacionalista, a sua
contraimagem foi elaborada a partir do exemplo do baderneiro e do estrangeiro que se
recusa a se curvar ao projeto estado-novista.
Além disso, muitos desses imigrantes passaram a ser vistos pelas autoridades como
perigosos baderneiros, principalmente, aqueles ligados as movimentos de trabalhadores,
principalmente os anarquistas, que mostraram força na greve geral de 1917 e eram
perseguidos pelas autoridades brasileiras.
O Estado Novo deu novos sentidos na relação do governo federal com as comunidades
estrangeiras, seja pelos caracteristicas nacionalistas de seu projeto, seja pelo contexto
internacional, no tocante a segunda guerra e a posição inicialmente ambigua de Vargas
em relação ao Eixo que depois se define pela aliança com os EUA e aliados e passa a
limitar ainda mais a visibilidade das comunidades ligadas a Alemanha, Itália e Ja pão
naquele contexto. O estrangeiro representava um perigo e um empecilho aos interesses
nacionais, assim, as leis de entrada e de deportação foram ampliadas, comunidades
inteiras – notamente as alemãs no sul do país – passaram a ser alvo de perseguições e
cerceamentos, por exemplo, tendo escolas em língua materna fechadas.
Assim, de um lado o trabalhador brasileiro era assistido pelas políticas do Estado e tinham
uma obrigação de responder a altura a esse cuidado dispensado pelo governo, e não se
deixar seduzir pelo encatamento de doutrinas “estranhas”.
Outro aspectos que ajuda a construir a identidade do trabalhador e sua relação o Estado
varguista é exatamente a figura do sindicato.
Fica nítido a partir de 1943 com a intenção do governo controlar as eleições de 1945, para
isso, a carteira de trabalho seria usada para arregimentar eleitores, dessa maneira isso
iria aumentar a quantidade de eleitores. Como ficou nítido na própria eleição. Essa
estrategia estava ligada a percepção do governo em relação aos sindicatos. “O
sindicalismo, não só no Brasil como no mundo, nascera como um agrupamento pacífico
de defesa dos trabalhadores. Foram sempre os agitadores internacionalitas que o
desvirtuaram de seus fins, pregando a combatividade e a luta de classes.” (p. 258)
Assim, na medida que se aproximava o momento da eleição de 1945, o Estavo Novo, foi
criando estratégias para controlar a transição e, possilvemente, manter Vargas no poder.
Dessa maneira, postergou-se o lançamento de uma candidatura “governista” e foi
elaborado um plano, que acabou não se concretizando, de criar um partido nacional de
massas, que seria a base de sustentação de uma possível candidatura do presidente. No
entanto, o contexto político, o surgimento de uma candidatura opositora forte e os
descaminhos do projeto varguista, obrigaram a mudanças de rota no projeto que desejava
fortalecer o corporativismo no país.
Assim, Vargas não se lançou candidato, mas sua base política lançou a candidatura do
General Dutra, ligados as alas do exercíto que não estavam com o Brigadeiro Eduardo
Gomes, da UDN. No entanto, Vargas inicialmente não atrelou sua imagem ao do
candidato.
Nesse contexto foram criados dois partidos, o PSD e o PTB. O primeiro agrevava a fina
flor da classe política estado-novista, interventores e políticos que deram sustentação ao
governo ao longo dos anos, que se mostraram refratários a criação de um partido de
massas. Para, então, organizar a classe trabalhadora, um segundo partido foi criado, para
agregar os líderes sindicais e as massas trabalhadoras.
Ao longo da eleição a figura de Vargas, que havia sido apeado do poder em outubro de
1945, foi conclamado a colar sua imagem na de Dutra, para que o mesmo vencesse.
Sendo assim, a vitoria do General ocorreu e fortaleceu ainda mais Getulio, que mesmo
tendo estado a frente de um governo autoritário conseguiu, pela força da propaganda e da
cooptação da imagem da classe trabalhadora marcar todo um longo periodo na política
brasileira e na construção do Estado.