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Com o crescente debate em torno das questões raciais no Brasil, aumentam-se também as
tensões que envolvem a militância negra em sua relação com o Estado e a sociedade civil, de
modo institucional ou não. Em especial, a partir dos anos 1980 com a adoção de políticas
públicas voltadas para a promoção da igualdade racial, a retórica antirracista ganha força no
cenário político, seja para afirmar e reivindicar demandas históricas de reparação da
população negra, seja para negá-las com base em um discurso integracionista (GUIMARÃES,
2002; 2009).
Fato é que, por representar um projeto de mudança longevo na sociedade brasileira, atuando
junto (e em contraposição) a um objeto que muito contribui para estruturar as desigualdades
nesta mesma sociedade, a militância negra desperta admiração e temores, pois incita
questionamentos em torno de uma questão tão complexa e cara à sociabilidade nacional: o
exclusivismo desta própria sociabilidade (SOUZA, 2003; TAVOLARO e TAVOLARO, 2014).
Historicamente é possível relacionar a articulação política em torno das questões raciais no
Brasil a partir do momento em que se pretende modificar o estatuto jurídico do negro no
Brasil. No final do século XIX o trabalhador negro escravizado passa a ser livre e,
formalmente, um cidadão, e é nesse contexto que a igualdade jurídica passa ao centro do
debate, estabelecendo o paradoxo em que a aceitação dessa igualdade pelo pensamento racista
predominante à época remetia a uma desigualdade natural oriunda da pretensa e falsa
inferioridade cognitiva e incapacidade de “produzir civilização” dos descendentes de
africanos. (SKIDMORE, 2012; ANDREWS, 1998; SILVA, 2009; MOURA, 1988;
SCHWARCZ, 2012).
No contexto do Estado Novo, já com o predomínio da perspectiva Freyreana de povo mestiço
como meta-raça, a possibilidade de problematizar a igualdade ou desigualdade racial perde o
sentido pelo fato de o “cadinho de raças”, que segundo esta visão, teria formado o povo
brasileiro, estaria para além de pretos, brancos ou indígenas. O universalismo modernista de
cunho nacional-desenvolvimentista que vigorou soberbo pelo menos até o período da
redemocratização do país, pós-ditadura militar de 1964, sufocou a especificidade da questão
racial ancorada em um forte pressuposto mítico, a democracia racial, que mesmo em períodos
de aprofundamento autoritário, traduziria o escopo da sociabilidade brasileira, ao menos a
pretendida. (GUIMARÃES, 2002; COCCO E NEGRI, 2005; FERNANDES, 2007).
Já no fim dos anos 1970 o movimento negro, com um longo histórico de lutas e
reivindicações, mas marginalizados durante a ditadura militar, ressurge e se desenvolve na
década seguinte. A importância deste fato reside na forma decisiva da atuação do movimento
para incluir a problemática do negro nas discussões da redemocratização, com importantes
conquistas jurídicas e simbólicas no texto da constituição de 1988, ainda que sem efeitos
práticos relevantes imediatos. Disto decorre que nos anos 90 vários acontecimentos
contribuirão para uma ressignificação identitária e autoafirmação crescente do elemento
negro, que permitiria demonstrar a posição desvantajosa deste na sociedade brasileira.
Os atores do Estado e da Sociedade Civil (gestores públicos de políticas para promoção da
igualdade racial e coletividade negra organizada) extrapolam em suas ações e discursos uma
gama de significados advindos destes tensionamentos. Parte da militância negra foi inserida
aos espaços do poder político institucional com a expansão dos organismos municipais e,
principalmente, com a criação da SEPPIR. Por outro lado, a radicalização de suas demandas
encontra barreiras próprias das relações de governança, isto é, muitas vezes são necessárias
amplas negociações e até renúncias, fato que cria um choque com a coletividade negra
organizada, mas não institucionalizada (o enunciado “cooptação da agenda” representa bem
esta tensão) e pode, inclusive, reverberar em suas próprias aspirações ideológicas e políticas
no que se refere às demandas do movimento negro (PEREIRA, 2013).
A tensão supracitada opõe, muitas vezes, esfera pública e esfera privada; agência e estrutura.
A relação hodierna entre as esferas pública e privada tem mostrado como esta última tende a
subsumir a primeira produzindo o que Sennett (1998) chamou de “inchamento” da esfera da
intimidade. A cultura pública é prejudicada pela depreciação dos indivíduos e o “privado”
(principalmente representado pelo mercado em oposição ao Estado) naturaliza-se como o
mote a ser perseguido. Neste contexto, a questão racial no Brasil – que necessariamente
carece de um aprofundamento da esfera pública para fugir do paternalismo privado
(paternalismo que não se exime do racismo) e atrofiante que vem se reproduzindo desde os
tempos da colônia (SILVA, 2009; MOURA, 1988) – torna-se quase estéril na prática, ainda
que relevante no discurso.
Apesar disso, argumentamos hipoteticamente que o negro, militante ou gestor, inserido na
especificidade do seu território (urbano, rural, industrial, periferia e etc.) tende a assumir o
papel de um “sujeito sociológico” que na concepção de Hall (2006) é o resultado do complexo
processo de interação entre a agência e a estrutura, ou o “eu” e a “sociedade”. Diferentemente
daquilo que este mesmo autor definiu como “sujeito do iluminismo” cuja concepção abstrata
de um indivíduo dotado de capacidade de razão remete ao sujeito “mônada” unificado e
centrado a partir de seu interior.
Ainda assim os atores estão inseridos em uma estrutura de dominação em que, seguindo
Bourdieu (1989), os produtos dos sistemas simbólicos possuem uma função política que se
relaciona com a classe dominante como elementos de distinção. A cultura que une pela
comunicação, separa como instrumento de distinção e legitimação de uma classe sobre outra,
reproduzindo violência simbólica por meio da produção simbólica. O poder simbólico tem um
rebatimento claro no poder econômico e político, e as políticas públicas voltadas para a
promoção da igualdade racial, neste sentido, possuem a importante meta de contrapor a
produção cultural negra como instrumento político. Mas até que ponto os gestores e ativistas
são constrangidos estruturalmente a não reconhecerem a dinâmica dos sistemas simbólicos
como processos de dominação?
Talvez a resposta esteja na análise do contexto relacional em que estes atores sociais se
encontram, isto é, das possibilidades de ação social transformadora no interior do status quo.
Neste sentido, Agência e estrutura consubstanciam-se no conceito de “habitus” desenvolvido
por Bourdieu como uma noção mediadora entre indivíduo e sociedade, tornando os agentes
permeáveis à “… disposições duráveis ou capacidades treinadas e propensões estruturadas
para pensar, sentir e agir de modos determinados…” (WACQUANT, 2007, p.66).
Muitos militantes tendem a enxergar o Estado como uma estrutura atrofiante, e as críticas
mais comuns em relação à atuação deste ante as demandas dos movimentos negros assumem
aspectos distintos: há a hipótese de que o Estado despolitizaria as expressões mais radicais das
coletividades negras, cooptando suas lideranças e definindo como seria a formalização ou
institucionalização de suas demandas. Num outro espectro, o Estado é um ator passivo, que
absorve as demandas populares conforme vão surgindo e conforme a pressão dos atores
sociais interessados e envolvidos no processo, numa autêntica arena política neutra, ou ainda
um ator ativo que dialoga, mas confronta atores sociais de determinados setores da sociedade
civil, cedendo apenas no necessário para a manutenção do status quo sem grandes comoções
sociais (SANTOS, 2001).
É no bojo de toda esta discussão que definimos nosso objeto de estudo: a militância negra
organizada em núcleos dos partidos políticos – a formação de sua identidade política; sua
ideologia; e as tensões, contradições e potencialidades da sua ação política.
Estudos sobre a militância negra envolvem principalmente a ação política do movimento
negro em questões diversas como políticas públicas, educação, saúde e etc. (DOMINGUES,
2007; PEREIRA, 2010; GOMES, 2011); quando no âmbito político-partidário, os estudos
enfatizam o eleitorado negro ou o voto em políticos negros, como forma de identificação do
negro como grupo racial (SOUZA, 1971; BERQUÓ E ALENCASTRO, 1992; JOHNSON III,
2000; WEAVER, 2005; AMORA, 2008; MITCHELL, 2009; RIOS, 2014); outros, buscaram
demonstrar a influência do ativismo negro em siglas partidárias específicas, em especial em
partidos da esquerda (ARAÚJO, 2004; CHADAREVIAN, 2012).
Para além da questão político-partidária ou do movimento negro organizado, está o necessário
e sempre atual (porque sem uma resposta definitiva) debate sobre raça e classe, inclusive no
Brasil (NKRUMAH, 1977; MOURA, 1998, 2004; SILVA, 2000; GUIMARÃES, 2002;
IANNI, 2004; FERNANDES, 2007; SOARES, 2012; FAUSTINO, 2013; FONSECA, 2013).
Estas discussões enfocam dimensões econômicas, politicas e culturais; ora combinando-as,
ora enfatizando uma delas, em geral, de maneira que seja corroborada a argumentação em
questão.
Todas estas contribuições são importantes para enriquecer o conhecimento sobre a questão
racial brasileira no sentido de uma compreensão mais ampla do fenômeno, mas falta, a nosso
ver, um estudo da militância negra inserida nos partidos políticos e, consequentemente, mais
próximas dos processos decisórios para a formulação, avaliação e aprovação parlamentar de
políticas voltadas para a questão racial. É nesse sentido que pretendemos contribuir,
apontando como opera essa militância; como foi formada e sua relação identitária com a
questão racial; suas ideologias políticas e influência nos partidos políticos; sua relação com a
militância que opera a partir da sociedade civil; e todas as tensões e contradições que
acompanham sua ação política.
Atualmente identificamos núcleos que se ocupam de questões raciais em 21 partidos políticos
dos 35 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), desde partidos com grande
representatividade parlamentar como o Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), o Partido dos Trabalhadores (PT), ou o Partido da Social-Democracia Brasileira
(PSDB), até partidos considerados “nanicos” como o Partido da Causa Operária (PCO) ou o
Partido Ecológico Nacional (PEN). Os partidos que possuíam núcleos para as politicas raciais
representavam 89,3% da Câmara dos Deputados Federal lidando com 710 projetos de lei e
outras proposições em tramitação, relativos a questão racial (negra, indígena, cigana e etc.).
Segundo Backes (2015), 20,7% dos deputados se declararam negros (pretos+pardos), sendo
os pretos 4,2% e 2,1% as mulheres negras. Baixa representatividade dos negros considerada a
composição por cor ou raça da Câmara.
Problema de pesquisa
De maneira geral a pergunta que orienta o estudo é: qual a possibilidade de solidariedade
racial no âmbito da militância negra político-partidária levando em conta as contradições
impostas pelas diferentes ideologias políticas e pelo racismo histórico e estrutural na
sociedade brasileira?
Hipóteses prévias
Nossas hipóteses prévias, e talvez precárias, porque não baseadas em dados empíricos a serem
coletados, é de que existem contradições na relação da atuação político-partidária com a
atuação militante que fragmenta a ação política e impossibilita a solidariedade dos militantes
negros em vista de uma ação conjunta com as demandas históricas do movimento negro
brasileiro (considerado em seu conjunto) e, de que a militância negra que age fora do âmbito
político-partidário apresenta maior coerência entre a ação política e identidade racial, porém
com menor efetividade no que diz respeito a influência direta nas políticas públicas voltadas
para a questão racial.
Objetivos
O objetivo geral deste estudo é avaliar o alcance da ação política da militância negra inserida
nos partidos políticos por meio de núcleos específicos para a questão racial presentes nestes.
Os objetivos específicos são:
a) Identificar a dinâmica ideológica que orienta a militância e possíveis contradições com
demandas históricas do movimento negro em geral e/ou com a ideologia que orienta o partido
político em questão.
b) Coletar informações sobre os principais projetos de lei (em tramitação; já aprovados ou
arquivados) que envolvam as questões raciais e as respectivas atuações dos partidos diante
destes, em especial as Leis 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial); 12.711/2012 (cotas
em Universidades Públicas Federais); e a Lei 10.639 (Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira).
Cronograma
Atividade/Quadrimestre 1º 2º 3º 4º 5º 6º
Disciplinas obrigatórias
Leitura da bibliografia
Disciplinas adicionais
Atividades complementares
Elaboração de protocolo para entrevistas
Pesquisa e avaliação de documentos
Aplicação de questionários semiestruturados sob
a forma de entrevistas
Atividade/Quadrimestre 7º 8º 9º 10º 11º 12º
Atividades Complementares
Aplicação de questionários semiestruturados sob
a forma de entrevistas
Reavaliação bibliográfica
Leitura de novas fontes bibliográficas
Organização e avaliação do banco de dados
Análise dos dados
Redação da tese
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