075438-2, de Criciúma Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROCEDIMENTO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL. OBRIGAÇÃO DE MEIO. IMPOSSIBILIDADE DE CERTEZA DO SUCESSO DO TRATAMENTO, COM A GARANTIA DE GRAVIDEZ. ADEMAIS, ENREDO PROBATÓRIO INAPTO A DEMONSTRAR QUALQUER ATO CULPOSO OU FALHA NA CONDUTA DO PROFISSIONAL. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2012.075438-2, da comarca de Criciúma (1ª Vara Cível), em que são apelantes Reginaldo João Cardoso e outro e apelados Juan Carlos Pou e outro:
A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, negar
provimento ao recurso. Custas legais. O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato. Florianópolis, 29 de janeiro de 2013.
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
RELATORA RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por Reginaldo João Cardoso e
Rúbia de Jesus Rabelo em face da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Criciúma que, na ação ordinária para ressarcimento de perdas e danos c/c indenização por danos morais proposta contra Juan Carlos Pou e contra Gaia – Centro de Reprodução Humana, julgou improcedentes os pedidos iniciais e condenou os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no valor de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) – fls. 113-115. Sustentam, em síntese, que os procedimentos específicos, como os de inseminação artificial, são enquadrados na mesma categoria das cirurgias plásticas, nas quais a responsabilidade contratual do profissional constitui uma obrigação de resultado. Ademais, aduzem que incumbia ao profissional provar, em juízo, que não laborou em equívoco, nem agiu com imprudência ou negligência no desempenho das suas atividades. Asseveram que a medicação a ser utilizada, bem como a possibilidade de sucesso ou não do procedimento de inseminação, deveriam ser informados de maneira clara e precisa, nos moldes das normas consumeristas. Pugnam pelo provimento do recurso para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais e condenados os apelados ao pagamento de danos materiais e morais. Com as contrarrazões, ascenderam os autos a este Sodalício, conclusos.
Gabinete Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta
VOTO
A eclosão, em matéria de responsabilidade civil subjetiva, do dever
de indenizar, supõe a demonstração, ao encargo do autor (art. 333, I do CPC), dos quatro elementos que compõem o substrato fático que atrai a incidência do regime reparatório: conduta antijurídica (ação ou omissão contrária aos postulados do ordenamento), nexo de imputação (culpa ou dolo), nexo de causalidade (vínculo etiológico entre conduta e resultado) e dano (evento naturalístico lesivo a bem jurídico tutelado). Com o erro médico, em linha de princípio, não é diferente, pois reclama a presença de pressupostos idênticos aos requisitados em tema de responsabilidade subjetiva. Anoto, 'em linha de princípio' porque, em face do Direito Civil e da Legislação Consumerista, a responsabilidade dos médicos, subjetiva para os profissionais liberais (art. 14, § 4 º do CDC), oscila, não obstante, conforme a obrigação se afigure de meio ou de resultado. Na primeira das hipóteses, o profissional se compromete a empregar, na execução do serviço, as técnicas, cautelas e temperamentos de estilo, realizando a obrigação de forma a envidar o máximo de esforços para a obtenção do resultado, sem, todavia, comprometer-se a atingi-lo. A ilicitude, aqui, pressupõe o desmazelo e a atuação culposa. Na segunda das hipóteses, isto é, nas obrigações de resultado, o médico assume a tarefa de alcançar um efeito prático certo e determinado, à míngua do qual haverá inadimplemento e responsabilidade civil, independentemente de falta no dever de cuidado. Nesse caso a responsabilidade se define como contratual ou objetiva (cf. STJ, REsp n. 81.101, Rel. Min. Waldemar Zveiter), cujos exemplos clássicos são as cirurgias plásticas com finalidades estéticas (cf. STJ, AgRg no REsp n. 256.174/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves), ou, ainda, as transfusões de sangue, anestesias e diagnósticos fornecidos inexatos por laboratórios radiológicos (cf. STJ, REsp n. 594.962/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro).
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Essa distinção ontológica guarda importantes projeções no campo probatório, pois, diante de obrigações de resultado, basta ao lesado demonstrar, além da existência do contrato, a não obtenção do resultado prometido. Isso é suficiente para caracterizar o inadimplemento contratual. Para exonerar-se, o devedor há de provar a existência de caso fortuito ou de força maior. Com efeito, não é o que ocorre com os tratamentos de reprodução assistida, tais como a inseminação artificial e a fertilização que, regra geral, afiguram-se como obrigação de meio, casos em que cumpre ao lesado provar a conduta ilícita do obrigado, ou seja que o médico descumpriu com a sua obrigação de atenção e diligência, estabelecida no contrato (STJ, REsp n. 594.962). Extrai-se da jurisprudência pátria: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. MÉDICO. OBRIGAÇÃO DE MEIO. ÔNUS DA PROVA. EMBARGANTE. Em se tratando de prestação de serviços médicos, ressalvada a hipótese de cirurgia plástica estética/embelezadora, a responsabilidade do médico e dos profissionais da saúde é de meio e não de resultado, cumprindo ao médico envidar esforços para que a sua atuação seja pautada pela prudência e perícia, com utilização dos recursos disponibilizados pela ciência e tecnologia para a manutenção da saúde do paciente (TJMG, AC n. 1.0027.03.013739-5/001, Rel. Des. Irmar Ferreira Campos, j. em 20-11-2008).
[...] Destarte, se a ré cumpriu com o seu mister no tratamento da
inseminação para o qual foi contratada, não pode responder pela não consumação da gravidez - que é probabilidade de todo factível e não desconhecida de nenhuma mulher que se submete a esse tipo de procedimento [...] (TJSC, AC n. 2009.027557-0, Rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. em 6-12- 2012). Na hipótese, vislumbra-se que o magistrado sentenciante alinhavou o julgamento de improcedência ao entendimento de que, além de se tratar de uma obrigação de meio, ou seja, sem a garantia ou certeza do sucesso da gravidez, conforme já exposto, também não ficou caracterizado o suposto descaso ou falhas do profissional quanto às informações prestadas para o uso do medicamento ministrado. Extraio da fundamentação do decisun, da boa lavra do Dr. Pedro
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Aujor Furtado Júnior: [...] Ora, faz parte da rotina médica dar esperanças ao paciente, salvo nas hipóteses extremas em que não há mais possibilidade de tratamento, seja em que área for. Diga-se que dar ou ter esperanças é condição própria do espírito humano. Se há tratamento há esperança, e tal não se confunde com "garantia de resultado" Parece-me lógico que tanto o médico como o casal "acreditavam no êxito do atendimento" o que também não se confunde com a certeza do resultado. [...] Dito em julgado do e.TJSP frase de cunho profundamente meditativo: "A vida e saúde humanas são ditadas por conceitos não exatos" (JTJLEX142/117). Esperança sim, chance também, mas certeza não pertence no tocante a vida a quem quer que seja. O primeiro fundamento portanto da presente ação, por dizer respeito ao imponderável e por ser a obrigação do médico de meio, acarreta a rejeição do pleito indenizatório (fl.114). Quanto ao segundo aspecto registra: [...] Não me parece plausível que o segundo réu, tenha permitido que os autores saíssem de seu consultório com alguma dúvida em torno do que era prescrito. Vale repetir, um grande interessado na gravidez da dona Rubia era o próprio segundo réu, por evidente, pois tal seria para ele êxito profissional relevante. Doutro vértice e salvo melhor juízo os autores são maiores e capazes, e não me parece razoável que em caso de qualquer dúvida, mesmo diante das explicações, não tornassem a entrar em contato com a clínica ou mesmo diretamente com o réu (ressaltando que o tratamento era particular e caro) para que tudo fosse ingerido exatamente como necessário. Data venia, resulta da lógica que os autores, ainda que pouco crível, que tivessem mesmo duvidas, deveriam ter as sanado com quem de direito, e em não o fazendo, já que do contrário não há prova, permaneceram com as tais dúvidas, podendo mesmo se supor que possam ter ingerido de forma equivocada algum ou alguns dos medicamentos por sua própria conta e risco, já que com o perdão do coloquial, talvez com um único telefonema lhes seria esclarecido a quantidade de medicamentos e o período de ingestão. Conclusão diversa se houvesse prova nos autos, e definitivamente não há, de que o segundo réu teria se negado a prestar esclarecimentos ou detalhes, ou mesmo se omitido a prestá- los. Em momento algum na dilação prolatória há sequer insinuação de alguma omissão deliberada do réu em esclarecer os autores sobre qualquer dos medicamentos prescritos. Observando-se cada uma das receita a folhas 36/43 tem-se a exata indicação do que deveria ser tomado em cada passo e repito, é possível que os autores tivessem alguma dúvida ou certeza contrária ao que foi prescrito. Mas neste caso bastava a qualquer deles buscar junto aos réus as informações adicionais. Não fosse isso as duas inseminações artificiais foram realizadas como contratado, não constando nos autos indicação de que os medicamentos para após as inseminações fossem indispensáveis para o êxito; do contrário, nada desmente o depoimento pessoal do segundo réu no dia de hoje, no sentido de que se cuidavam de medicamentos auxiliares. Portanto e em síntese, as inseminações não obtiveram êxito em virtude da ingestão ou falta de ingestão de qualquer remédio, mas por estar referido procedimento na órbita do inalcançável pela razão humana (fl. 115).
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Restando claro, portanto, que a obrigação em tela é de meio e não comprovada a prática de ato culposo no procedimento de inseminação artificial à que foi submetida a apelante, bem como no atendimento médico que foi prestado ao casal, especialmente na prescrição dos medicamentos – que, gize-se, eram meros auxiliares e não garantidores do sucesso do tratamento – e que ambos os autores foram advertidos acerca da incerteza de tal método quanto à ocorrência concreta da gravidez e seu conseqüente desenvolvimento, a improcedência da ação era mesmo medida de rigor. À vista do exposto, o voto é para negar provimento ao apelo.