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Intermidialidade e sentido: fronteiras em movimento

Diego Kehrle Sousa

A intermidialidade, como o próprio nome sugere, trata de um campo de relações


que tem como espaço um entre lugar. Tal posição pressupõe que existam diferenças entre
as midialidades ali presentes, mas que apesar delas e talvez por elas, estes elementos
que se relacionam também se afetam entre si. Neste espaço de influências mútuas, as
convenções são postas em questão possibilitando assim a emergência de novos modos
de percepção e experiência (KATTENBELT, 2008, p.25). Neste lugar do encontro, região
das diferenças de natureza (não apenas temáticas e estéticas, mas também materiais),
surge a pergunta sobre as condições de acontecimento de tal relação: estas diferenças
entre artes/mídias seriam tangíveis? Existe alguma pureza que atestaria a individualidade
de uma mídia ou ela estaria sempre atravessada por outras? Tal distinção se mantém
quando uma mídia se apropria de outra?
Não esperamos aqui esgotar estas questões. No entanto, podemos abordar tais
problemas, no que se refere à intermidialidade, partindo de ao menos três aspectos
distintos: a produção, a obra em si mesma e o processo de recepção e conhecimento.
Naquilo que concerne a relação entre as artes, seguindo a compreensão de Walter Moser,
consideramos que toda arte possui uma midialidade, ou seja, uma dimensão material
através da qual se estabelecem as configurações de sentidos possíveis, mesmo que as
artes, em geral, não deixem transparecer tal aspecto durante a recepção. Em sua
distinção, a partir de Lessing, Moser considera que toda arte se baseia e pode
estabelecer suas convenções estéticas a partir de uma percepção de sua própria
midialidade:

(…) a poesia (que representa o desenrolar de uma ação enquanto


sucessão temporal dentro de uma mídia que é, por sua vez, de natureza
transitória) não pode fazer a mesma coisa que a pintura (representar um
ou vários corpos dentro de um todo espacial percebível dentro de uma
simultaneidade temporal) e vice-versa. (MOSER, 2006, p.45)

Apesar disso, ele argumenta que estas condições podem ser levadas ao seu limite
na tentativa de fazer vacilar tais “limitações”. Mas então, o que seria a midialidade? É
possível proferir quais seriam estes limites?
De maneira indireta e deveras reducionista, poderíamos provocar dizendo que, por
exemplo, em determinados contextos de adaptação de um livro para um filme, a diferença
determinante residiria mais no plano da midialidade, de sua materialidade, que no plano
estético (tendo em vista uma “fidelidade” impossível). Hans Ulrich Gumbrecht sugere que
toda materialidade produz uma espécie de presença: algo que se apresenta e afeta nosso
corpo de forma tangível. Para ele, “qualquer forma de comunicação, com seus elementos
materiais, tocará os corpos das pessoas que estão em comunicação de modos
específicos e variados (...)” (2010, p. 39).
Para pensar as implicações desta afirmação, voltemos ao nível da constituição das
possibilidades de sentido. A partir das concepções do linguista Louis Hjelmslev, os
filósofos franceses, Deleuze e Guattari, pensam o não-linguístico e o linguístico a partir de
matérias e estratos. A matéria seria tudo o que há e que não possui forma, estaríamos
aqui no campo do não-sentido, campo das intensidades livres ou singularidades
nômades. A matéria livre, por sua própria natureza diferencial também alcançaria estados
opostos, desacelerando, formando estratos. A função de tais estratos seria justamente a
de dar forma, aprisionar e fixar intensidades, possibilitar a formação de conjuntos: a saída
de uma instabilidade molecular para uma relativa estabilidade molar. Esta organização
dos estratos, em Hjelmslev, é chamada de lógica da forma e da substância. Em outras
palavras, a matéria através da forma se codifica como substância. As formas seriam
modos de codificar e descodificar e as substâncias seriam matérias formadas. Sobre este
plano, e articulando-o duplamente estariam os planos de conteúdo e expressão que
sobrecodificam o plano das relações entre matéria, forma e substância. Ainda sobre o
plano de conteúdo e de expressão, eles acrescentam:

um maleável, sobretudo molecular e apenas ordenado; outro mais duro,


molar e organizado. Na verdade, embora a primeira articulação não
deixasse de apresentar interações sistemáticas, era sobretudo no nível da
segunda que se produziam fenômenos de centramento, unificação,
totalização, integração, hierarquização, finalização, que formavam uma
sobrecodificação (DELEUZE, GUATTARI, 2011, p.71-72).

Assim, o conteúdo é a matéria formada, percebida a partir de dois aspectos:


enquanto substância, como matéria “escolhida” e, enquanto forma, como ordenação desta
matéria. Já a expressão é constituída de estruturas funcionais percebidas a partir de dois
aspectos: a organização de sua própria forma e como substância ao produzir compostos.
Mas eles advertem: “mesmo em seu poder de invariância, a expressão era uma variável,
assim como o conteúdo”. Por existirem e se diferenciarem sempre em correspondência
biunívoca, conteúdo e expressão se distinguem, se pressupõem e, por vezes, invertem
seus papéis (um conteúdo tonando-se expressão para outro conteúdo e também o
inverso em relação à expressão) justamente por estes nunca estarem dados a priori.
Ao contrário do modelo clássico representado pela oposição forma/conteúdo, entre
conteúdo e expressão não há oposição nem correspondência absoluta pois estas são
posições sempre relativas e provisórias, nas palavras de Deleuze e Guattari, “entre o
conteúdo e a expressão a distinção é sempre real, por diversas razões, mas não se pode
dizer que os termos preexistam à dupla articulação. É ela que os distribui segundo seu
traçado em cada estrato e que constitui sua distinção real” (DELEUZE, GUATTARI, 2011,
p.76). A oposição apenas se dá e pode ser pensada no nível das substâncias, das
matérias já formadas. Como nos alerta Guattari (2013, p.162), só é possível falar de
formas quando elas se manifestam, se funcionalizam nas substâncias.
Ao pensar as possíveis passagens entre o não-sentido e o sentido, expondo esta
lógica da dupla articulação, que organiza/desorganiza e articula/desarticula a matéria em
estratos, regressamos ao cerne da nossa questão central: de que maneira esta
concepção de dupla articulação entre os planos de conteúdo e de expressão nos ajuda a
pensar a relação entre arte e midialidade?
Voltando ao campo dos estudos em intermidialidade. Ao igualar mídia e arte, Irina
Rajewsky propõe que pensemos as diferenças entre as especificidades da mídia e as
especificidades das artes. Para ela, enquanto as convenções estéticas podem ser
subvertidas, enfraquecidas ou desfeitas, no caso da primeira existem restrições materiais
que limitam mudanças mais acentuadas. Acrescenta que,

ao contrário dos gêneros, as concepções de mídia (individual) não se


apoiam somente em convenções. Antes, elas fundam-se adicionalmente
em certas condições materiais e operativas, grande parte das quais estão
sujeitas a mudanças históricas e geralmente tecnológicas, embora
usufruam também de uma qualidade trans histórica (RAJEWSKY, 2012,
p.69).

É notável que as possibilidades de configuração da materialidade midiática, assim


como as artes, estão intrinsecamente relacionadas às condições históricas, sociais e
culturais, no caso da primeira ainda mais em relação ao desenvolvimento técnico ou
tecnológico. Não por acaso, desde o fim do século XIX a fronteira entre as artes começou
a tornar-se mais permeável justamente pelo aparecimento de mídias que possibilitavam
uma variedade de experiências intermidiáticas. O cinema seria talvez o principal exemplo,
não apenas por tornar possível, em si mesmo, a composição através de várias
linguagens, mas por também permitir novas possibilidades de experiência em conjunto
com outras mídias mais antigas, como o teatro, por exemplo. No entanto, é também
notável a massificação dos meios midiáticos e como tal processo democratizou o acesso
às artes, ao mesmo tempo que fez transparecer a busca pela estabilidade de padrões
hegemônicos que, no diálogo entre artes sedimentaram modelos para as “novas” mídias,
pondo em circulação determinados modos de experiência e relação com as imagens: a
exemplo da linguagem cinematográfica, que influenciada pelo teatro, se estabiliza depois
ao redor da TV, das séries estadunidenses, etc.
A esta altura, cabe nos perguntarmos como se dão os encontros que abrem uma
brecha midiática, um entre lugar que está no limite entre as materialidades? Hermán Ulm,
sobre a comparação entre literatura e cinema, dirá que, “em suma, a abertura, a fenda
entre as palavras e as imagens diagnostica a desmesura entre duas experiências do
tempo confrontadas no nosso presente: uma do tempo como História e outra do tempo
como Memória” (ULM, 2015, p.33). Para ele, entre a escrita e a imagem há uma fenda
que não pode ser ignorada, pois são duas materialidades que lidam com o tempo de
maneira completamente distinta. Esta constatação está na base de uma compreensão do
que seria intermidialidade (o inter já pressupõe a diferença entre), todavia nos interessa
aqui, pensar como uma mídia se apropria de outra, através da remediação e como este
processo pode fazer variar as configurações de sentidos de uma determinada obra.
Nesta direção, através de um estudo de caso, intentaremos agora investigar como
as noções discutidas, nos ajudam a compreender a relação intermidiática entre cinema e
teatro no filme A vingança de uma mulher, da cineasta portuguesa Rita Azevedo Gomes.
A história se passa em Portugal do séc. XIX. Uma espécie de dândi chamado
Roberto, homem rico e entediado, certa noite se envolve com uma mulher que julga ser
uma prostituta. No entanto, ao longo do encontro ela revela pertencer à nobreza
espanhola e passa a relatar o porquê de haver escolhido aquele modo de vida para se
vingar do marido.

Fronteiras em movimento
Desde o primeiro momento, fica evidente que a proposta do filme rejeita a estética
realista/naturalista. Não por completo, pois o figurino está lá. Mas já na cena inicial,
vemos o narrador caminhando do camarim até a coxia, onde o ator que representará
Roberto o espera em silêncio. Ele o faz vestir seu casaco e o ator se olha no espelho,
agora encarnado e pronto para iniciar a atuação.
Quando em outro momento vemos a atriz caminhando por trás dos cenários e em
seguida sentada, lendo e ensaiando suas falas, temos a impressão de que uma simples
mudança de iluminação marca o início do momento da representação. De repente, o
cômodo ao lado se ilumina, ela levanta-se e a cena inicia de onde havia parado no corte
anterior. Em outro trecho, quando a personagem rememora o passado, em vez dos
cortes, tradicionalmente usados na montagem, a transição entre passado e presente se
dá através de um quarto que escurece (passado) e outro que se ilumina (presente). Não
há corte, a cena segue. A continuidade e a iluminação, ambos elementos centrais no
teatro, se estabelecem ali, junto aos elementos do cinema, como condutores da narrativa,
fazendo extravasar os limites das convenções cinematográficas. Não é que não hajam os
cortes tradicionais, eles existem, mas o estranhamento causado pelo uso da luz e da
continuidade teatral quebra com a “naturalidade” causada pela montagem. O uso da luz
exige uma percepção do espaço como totalidade, que ameniza a manipulação do olhar
através da câmera.
Em relação a essa emergência da teatralidade no interior do filme, Walter Moser a
nomeia de remediação: quando uma mídia faz transparecer em si mesma a midialidade
de outra. Tal procedimento põe em questão o conceito mesmo de mídia individual: o filme
não é capaz de alcançar a presença física da experiência teatral, todavia ele é tomado
pela continuidade temporal do teatro (os limites: antes, os rolos de filme, hoje, o cartão de
memória). É como se o espaço-tempo cinematográfico tradicional, territorializado através
do corte/montagem (forma de conteúdo), em que os sentidos se configuram através da
descontinuidade entre passado e presente (forma de expressão) – por meio do desvio
proposto por Rita Azevedo Gomes – ao passar a evitar o corte/montagem, escapasse de
seu próprio território, tradicionalmente evocado pelas convenções estéticas hegemônicas.
Nesta espécie de curto-circuito, de escapada, esta forma insurgente encontra outras
possibilidades de organização dos sentidos (outras formas de conteúdo): seja espacial ou
temporal. Consequentemente, outras maneiras de enunciar, em que passado e presente
são contínuos (outra forma de expressão), passam a ser possíveis.
Se saímos dos estratos internos ao campo das convenções estéticas, podemos
também adentrar aqueles pertencentes ao campo dos sentidos. Nesta seara, cabe nos
perguntarmos que possibilidades de sentido estariam se abrindo a partir da linguagem
cinematográfica, tendo em vista que, em cena, passado e presente coabitam o mesmo
espaço, sendo separados apenas por um movimento de luz? Tendo em vista o abandono
da estética realista/naturalista, selado, ao fim, pelo plano aberto que revela o estúdio em
que foi encenado o filme e os sons de carro passando, compreendemos que há aí, por
parte da cineasta, um distanciamento proposital em relação ao contexto histórico e àquilo
que é contado na narrativa. Aqui, assumimos também a incompletude de nossa tarefa,
visto que as escolhas estéticas obviamente derivam também, e sobretudo, de um pano de
fundo histórico e cultural, que atravessa todo o filme, problematizando a condição da
mulher, dentro do contexto específico da nobreza europeia daquele século. Como diriam
Deleuze e Guattari, pensando a partir da noção de rizoma, esta seria uma outra entrada
para um outro mapa que pode ser desenhado sobre este que tentamos traçar até aqui e
que pode muito bem ser sobreposto por um outro.
Por fim, quando optamos por abordar o filme a partir de sua materialidade
(substância de expressão) – seja a imagem em movimento, a fala, a música, etc –
estamos investigando as possibilidades e limitações decorrentes dessas escolhas que
atravessam todo o seu espectro. Acreditamos que, para atrelar esta investigação da
relação entre mídias, às questões da problemática cultural, se faz necessário voltar
primeiramente, ou concomitantemente, a estas noções relacionadas à constituição dos
sentidos, visto que as forças e mecanismos hegemônicos que regulam relações culturais,
sociais e subjetivas, sendo por certo pouco rigoroso, começam a atuar ali, na esfera da
configuração das possibilidades de sentido. Pois, segundo Félix Guattari (2013, p.82), ao
observar como ele se constitui através de práticas “rebeldes” (moleculares) de fazer
cinema, como no caso acima: ao trazer [de volta] a continuidade teatral e,
consequentemente, a totalidade espacial para abordar a opressão sofrida pela mulher no
século XIX, são tecidas aí, em campos (estratos) distintos, ao menos duas linhas de fuga
que se formam e informam entre si, escapadas diante do poder hierarquizante (molar) das
convenções estéticas e sociais/culturais.
Destarte, pensar as relações intermidiáticas a partir de uma dupla articulação,
tentando compreender como as midialidades e as significações se configuram e se
potencializam entre si, abre possibilidades de leitura para uma compreensão que já não
concebe as artes como reféns de fronteiras e visadas estanques.

Referências
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, v. 1. Rio de
janeiro: Editora 34, 1995.
GOMES, Rita Azevedo. A vingança de uma mulher. Direção: Rita Azevedo Gomes.
Portugal. 2012. 100 min.
GUATTARI, Félix et al. Líneas de fuga: por otro mundo de posibles. Buenos Aires:
Cactus, 2013.
GUMBRECHT, Hans Ulrich; SOARES, Ana. Produção de presença: o que o sentido
não consegue transmitir. Contraponto; PucRio, 2010.
KATTENBELT, Chiel. Intermediality in theatre and performance: Definitions, perceptions
and medial relationships. Cultura, lenguaje y representación/Culture, language and
representation, v. 6, p.19-29, 2008.
MOSER, Walter. As relações entre as artes: por uma arqueologia da intermidialidade.
Aletria: revista de estudos de literatura, v. 14, p. 42-65, 2006.
RAJEWSKY, Irina O. A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras
midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade. Tradução Isabella Santos
Mundim. In: DINIZ, Thais Flores N.; VIEIRA, André S. (orgs.). Intermidialidade e Estudos
Interartes: Desafios da Arte Contemporânea (volume 2). Belo Horizonte: Rona;
FALE/UFMG, 2012. p. 51-73.
ULM, Hernán; MÜLLER, Adalberto. A fenda incomensurárvel: literatura, cinema. Terra
Roxa e Outras Terras: Revista de Estudos Literários, v. 29, p. 30-39, 2015.

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