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UNESP, UNICAMP E PUC-SP (“SAN TIAGO DANTAS”)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS


ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM PAZ, DEFESA E SEGURANÇA INTERNACIONAL

Bernardo Wahl Gonçalves de Araújo Jorge

AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DOS ESTADOS UNIDOS EA

INTERVENÇÃO NO AFEGANISTÃO: UM NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO?

MESTRADO ACADÊMICO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

SÃO PAULO
2009
UNESP, UNICAMP E PUC-SP (“SAN TIAGO DANTAS”)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM PAZ, DEFESA E SEGURANÇA INTERNACIONAL

Bernardo Wahl Gonçalves de Araújo Jorge

AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DOS ESTADOS UNIDOS E A


INTERVENÇÃO NO AFEGANISTÃO: UM NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO?

MESTRADO ACADÊMICO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como


exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em Relações Internacionais, área de concentração em
Estudos de Paz, Defesa e Segurança Internacional (“Pró-
Defesa”) pelo Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC-SP (“San
Tiago Dantas”), sob a orientação do Prof. Dr. Reginaldo
Mattar Nasser.

SÃO PAULO
2009
Banca Examinadora:

________________________________________________
Prof. Dr. Reginaldo Mattar Nasser

________________________________________________
Prof. Dr. Oliveiros S. Ferreira

________________________________________________
Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto
AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Coordenação


do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC-SP
(“San Tiago Dantas”) pelo fornecimento de bolsa de estudos.

Ao Professor Doutor Reginaldo Mattar Nasser (PUC-SP), meu orientador, com quem aprendi
diversos novos assuntos sobre segurança internacional e alguém que me ensinou também
bastante acerca de metodologia da pesquisa científica.

A todos os Professores do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp,


Unicamp e PUC-SP (“San Tiago Dantas”), que ministraram excelentes disciplinas que muito
agregaram em minha formação acadêmica.

Particularmente aos Professores Héctor Luis Saint-Pierre, Suzeley Kalil Mathias, Luiz
Fernando Ayerbe, Oliveiros da Silva Ferreira e Shiguenoli Miyamoto.

À secretária do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp


e PUC-SP (“San Tiago Dantas”), Giovana Cristina Vieira, que sempre foi solícita às minhas
demandas de assuntos referentes à secretaria do programa.

À Silvia, secretária do Observatório das Relações Internacionais da PUC-SP.

Aos colegas e amigos que fiz no mestrado, particularmente à Thalia Lacerda de Azevedo e
David Magalhães.

À minha família, principalmente minha mãe, Maria do Carmo Wahl, e meu avô, Domingos
Conrado Wahl, que me apoiaram moral e financeiramente durante o período em que cursei o
mestrado acadêmico; Ronaldo Bassitt Giovannetti e Ivan Whately, pela leitura dos originais e
comentários que me levaram à novas reflexões.

Aos Professores Doutores Eugênio Diniz e Domício Proença Júnior, pelas sugestões de
literatura sobre o tema que pesquisei.

À Cremilda, bibliotecária da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil.

À Cicero Brasiliano e Paula Nunes.

À amiga Camila Lissa Asano.

À minha querida Clarissa.


O problema real é que Washington não entendeu a natureza do
desafio apresentado pelo Afeganistão e interpretou mal os
interesses da América naquele país (…) A guerra no
Afeganistão não será vencida militarmente. Ela pode vir a ser
resolvida, ainda que imperfeitamente, apenas através da política
(BACEVICH, 2008).
Bernardo Wahl Gonçalves de Araújo Jorge

AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DOS ESTADOS UNIDOS E A INTERVENÇÃO NO


AFEGANISTÃO: UM NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO?

RESUMO: A reação inicial da administração de George W. Bush aos atentados de onze de


setembro de 2001 foi atacar o governo Talebã no Afeganistão, visando a derrubar o regime do
pregador religioso Omar do poder e a estabelecer bases que serviriam para a caçada à al-
Qaeda, que tinha naquele país um santuário para planejar suas ações. A capital Cabul, assim
como outras regiões no interior afegão, foram conquistadas rapidamente, isto teoricamente em
função do plano militar estadunidense, baseado no emprego de Forças de Operações
Especiais, poderio aéreo e na utilização de um parceiro local: a Aliança do Norte. O suposto
sucesso dos Estados Unidos seria decorrente, conforme o discurso oficial norte-americano, da
“transformação militar” que estava sendo promovida pelo secretário de Defesa Donald
Rumsfeld. O chamado modelo afegão foi considerado um “novo” modo de guerra americano
e, a partir de então, dentro do contexto de “guerra ao terror”, as Forças de Operações
Especiais passaram a ocupar, como nunca antes na história dos EUA, um lugar por demais
proeminente dentro da concepção estratégica de Washington. Todavia, passados cerca de sete
anos dos movimentos iniciais de invasão, a situação afegã não é das melhores, o que leva ao
questionamento da validade e aparente inovação daquelas ações militares americanas.

PALAVRAS-CHAVE: Forças de Operações Especiais; Modo de Guerra Americano; Modelo


Afegão; Transformação Militar; George W. Bush; Donald Rumsfeld; Estados Unidos da
América.
Bernardo Wahl Gonçalves de Araújo Jorge

UNITED STATES SPECIAL OPERATIONS FORCES AND THE INTERVENTION IN AFGHANISTAN:


A NEW AMERICAN WAY OF WAR?

ABSTRACT: The initial reaction of the George W. Bush administration to the violent acts of
september 11, 2001 was to attack the Taliban government in Afghanistan, aiming to bring
down the Mullah Omar regime and to set up bases that would serve to the hunting of al-
Qaida, organization which had that country as its sanctuary to plan its actions. The capital
Cabul, as well as another regions in the countryside, were quickly conquered, theoretically
because the american military plan, based on Special Operations Forces, air power and in the
use of a local allie: the Northern Alliance. The supposed success of the United States would
be the result, according to the official speech, of the “military transformation” that was being
encouraged by the Defense secretary Donald Rumsfeld. The afghan model was considered a
“new” american way of war and the Special Operations Forces, inside the context of “global
war on terror”, went on to the center of the american strategic conception. However, after
seven years of the invasion, the afghan situation is not good, so it is possible to question the
validity and the apparent inovation of that american military actions.

KEYWORDS: Special Operations Forces; American Way of War; Afghan Model; Military
Transformation; George W. Bush; Donald Rumsfeld; United States of America.
LISTA DE SIGLAS

BUR: Bottoms-Up Review [Revisão de Baixo para Cima];


CENTCOM: Central Command [Comando Central];
CIA: Central Intelligence Agency [Agência Central de Inteligência];
DARPA: Defense Advanced Research Projects Agency [Agência de Pesquisa de Projetos
Avançados de Defesa];
DIA: Defense Intelligence Agency [Agência de Inteligência de Defesa];
DOC: Designed Operational Capability [Capacidade Operacional Designada];
FATA: Federally Administered Tribal Areas [Áreas Tribais Administradas Federalmente];
FCS: Future Combat System [Sistema de Combate Futuro];
GPS: Global Positioning System [Sistema de Posicionamento Global];
HIG: Hizb-I Islami Gulbuddin [Partido Islâmico];
IROA: Islamic Republic of Afghanistan [República Islâmica do Afeganistão];
ISAF: International Security Assistant Force [Força Internacional de Assistência de
Segurança];
ISI: Inter-Services Intelligence [Inteligência Entre-Serviços];
JRT: Joint Regional Team [Equipe Conjunta Regional];
JSTARS: Joint Surveillance and Target Attack Radar System [Sistema de Radar Conjunto de
Monitoramento e de Ataque a Alvos];
MARSOC: Marine Corps Forces Special Operations Command [Comando de Operações
Especiais dos Fuzileiros Navais];
MIR: Military Intelligence Research [Pesquisa de Inteligência Militar];
MRC: Major Regional Conflict [Conflito Regional Principal];
NCW: Network-Centric Warfare [Guerra Centrada em Rede];
NWFP: North West Frontier Province [Província da Fronteira Noroeste];
OE: Operações Especiais;
OEF: Operation Enduring Freedom [Operação Liberdade Duradoura];
OODA: Observation, Orientation, Decision and Action [Observação, Orientação, Decisão e
Ação];
OOTW: Operations Other Than War [Operações Outras que a Guerra];
OSS: Office of Strategic Services [Escritório de Serviços Estratégicos];
OTAN: Organização do Tratado do Atlântico Norte;
PRT: Provincial Reconstruction Team [Equipe de Reconstrução Provincial];
QDR: Quadrennial Defense Review [Revisão Quadrienal de Defesa];
RMA: Revolution in Military Affairs [Revolução nos Assuntos Militares];
SAS: Special Air Service [Serviço Aéreo Especial];
SEAL: Sea, Air and Land [Mar, Ar e Terra];
SOCOM: Special Operations Command [Comando de Operações Especiais];
SOE: Special Operations Executive [Executivo de Operações Especiais];
TRADOC: Training and Doctrine Command [Comando de Doutrina e Treinamento].
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO GERAL ………………………………………………………….. 01


CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR ………………………………………. 07
1. INTRODUÇÃO ……………………………………………………………... 07
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO …………………………………………………… 09
1.2 OS ANOS 1980 …………………………………………………………… 10
1.2.1 MUDANÇAS NO PÓS-VIETNÃ …………………………………… 10
1.2.1.1 Força de Voluntários ………………………………… 10
1.2.1.2 Tecnologia Militar …………………………………… 11
1.2.1.3 Treinamento …………………………………………. 12
1.2.1.4 Doutrina ……………………………………………… 13
1.2.2 CRIAÇÃO DA FORÇA DELTA ……………………………………. 14
1.2.3 DOUTRINA WEINBERGER ………………………………………. 15
1.2.4 LEI GOLDWATER-NICHOLS …………………………………….. 16
1.2.5 TEORIAS DO PODER AÉREO …………………………………….. 17
1.3 A DÉCADA DE 1990 ……………………………………………………… 18
1.3.1 FIM DA GUERRA FRIA ………………………………………….. 18
1.3.2 FORÇA BASE …………………………………………………… 19
1.3.3 GUERRA DO GOLFO ……………………………………………. 19
1.3.4 DOUTRINA POWELL …………………………………………….. 20
1.3.5 LES ASPIN E A REVISÃO DE BAIXO PARA CIMA ………………… 21
1.3.6 DUAS GUERRAS PRINCIPAIS SIMULTÂNEAS ……………………. 24
1.3.7 REVOLUÇÃO NOS ASSUNTOS MILITARES ………………………. 24
1.3.8 GUERRA CENTRADA EM REDE ………………………………….. 26
1.3.9 CONFLITOS DE BAIXA-INTENSIDADE …………………………… 27
1.3.10 OPERAÇÕES OUTRAS QUE A GUERRA …………………........... 27
1.4 ANO 2000 EM DIANTE …………………………………………………... 28
1.4.1 RUMSFELD E A TRANSFORMAÇÃO MILITAR NA ADMINISTRAÇÃO
DE GEORGE W. BUSH ............................................................................ 28
1.4.2 ONZE DE SETEMBRO DE 2001 …………………………………... 31
1.4.3 O ASSALTO NO AFEGANISTÃO …………………………………. 33
1.4.4 NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO ………………………… 35
1.4.5 A PROEMINÊNCIA DAS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS …….. 37
1.5 CONCLUSÃO ……………………………………………………………... 40
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO …………………….. 42
2. INTRODUÇÃO ……………………………………………………………... 42
2.1 O MODO DE GUERRA AMERICANO TRADICIONAL …………………….. 43
2.2 O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO ……………………………… 50
2.3 PRIMEIRA GUERRA DE COMANDOS E O SOLDADO PERFEITO ………….. 53
2.4 DESCONSTRUINDO O SUCESSO AFEGÃO ………………………………... 58
2.4.1 NADA DE MUITO NOVO NO FRONT ……………………………... 58
2.4.2 QUANDO OS OBJETIVOS NÃO COINCIDEM ……………………… 60
2.5 RESPOSTAS À DESCONSTRUÇÃO ………………………………………... 63
2.6 O LEGADO DE RUMSFELD ………………………………………………. 68
2.7 CONCLUSÃO ……………………………………………………………... 69
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO ………………. 71
3. INTRODUÇÃO ……………………………………………………………... 71
3.1 AFEGANISTÃO: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ……………………... 72
3.2 DEFININDO A GUERRA NO AFEGANISTÃO ………………………………. 74
3.2.1 GUERRA POR PROCURAÇÃO E A CAÇADA À AL-QAEDA (2001-
2002) ………………………………………………………………… 75
3.2.2 ESFORÇOS INICIAIS DE ESTABILIZAÇÃO (2002-2003) ………….. 76
3.2.3 PREVENINDO A GUERRA CIVIL (2003-2004) …………………… 77
3.2.4 A CAMPANHA NO SUL (2005-2006) ……………………………. 78
3.3 O TALEBÃ: UMA ANÁLISE ORGANIZACIONAL ………………………..... 80
3.3.1 HISTÓRIA ………………………………………………………. 80
3.3.2 CULTURA ………………………………………………………. 81
3.3.3 RELIGIÃO ………………………………………………………. 81
3.3.4 ETNICIDADE ……………………………………………………. 82
3.3.5 RECURSOS ……………………………………………………… 82
3.3.6 ESTRATÉGIA ……………………………………………………. 83
3.3.7 ESTRUTURA …………………………………………………….. 83
3.3.8 O FUTURO DO TALEBÃ ………………………………………..... 84
3.4 A ASCENSÃO DA “INSURGÊNCIA” NO AFEGANISTÃO …………………... 85
3.5 ENTENDENDO A FRONTEIRA ENTRE O AFEGANISTÃO E O PAQUISTÃO … 89
3.5.1 ETNOGRAFIA, ESTRUTURAS TRIBAIS E INSURGÊNCIA ………….. 90
3.5.2 A GEOPOLÍTICA DA FRONTEIRA ………………………………... 93
3.6 DO GRANDE JOGO À GRANDE BARGANHA ……………………………... 95
3.7 CONCLUSÃO – AFEGANISTÃO: O CEMITÉRIO DOS IMPÉRIOS …………. 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………………………………… 101
BIBLIOGRAFIA …………………………………………………………………… 105
GLOSSÁRIO ……………………………………………………………………….. 111
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE
OPERAÇÕES ESPECIAIS….................................................................................... 112
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ………………………………………………. 112
1.2 DEFININDO AS OPERAÇÕES ESPECIAIS …………………………………. 114
1.2.1 CARL VON CLAUSEWITZ ………………………………………... 115
1.2.2 GUERRILHA …………………………………………………….. 117
1.2.3 TERRORISMO …………………………………………………… 120
1.2.4 CONTEXTO DE GUERRA CONVENCIONAL DE ALTA-INTENSIDADE:
OS COMANDOS………………………………………………………... 122
1.2.5 UMA DEFINIÇÃO MAIS AMPLA DAS OPERAÇÕES ESPECIAIS …… 124
1.3 TEORIA DAS OPERAÇÕES ESPECIAIS …………………………………… 125
1.4 AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS ………………………………… 127
1.4.1 PEQUENAS GUERRAS …………………………………………… 128
ANEXO I – FORÇAS ESPECIAIS NO AFEGANISTÃO …………………………. 131
ANEXO II – MAPA DO AFEGANISTÃO ………………………………………… 132
ANEXO III – MAPA DO PAQUISTÃO …………………………………………… 133
ANEXO IV – BIBLIOGRAFIA ADICIONAL …………………………………….. 134
INTRODUÇÃO GERAL

O título desta dissertação é uma pergunta – As Forças de Operações Especiais dos


Estados Unidos e a Intervenção no Afeganistão: Um Novo Modo de Guerra Americano? Ao
longo deste trabalho, pretende-se responder a esta indagação. Para tanto, alguns temas serão
centrais neste estudo: as Forças de Operações Especiais, o modo de guerra americano, a
administração de George W. Bush, o assalto no Afeganistão e o que nos EUA é chamado de
transformação militar. Nos parágrafos que se seguem, serão levantados o estado da questão,
isto é, basicamente o que já foi escrito sobre os temas Forças de Operações Especiais, o modo
de guerra norte-americano, o modelo afegão (referente às operações estadunidenses naquele
país) e a transformação militar. A interação dos temas em questão dará forma à esta pesquisa.
Simultaneamente, serão manifestadas as intenções e os objetivos, o tema, o problema, a tese e
os procedimentos que virão a ser adotados para o desenvolvimento do raciocínio, bem como a
justificativa do plano de trabalho.

Após uma busca inicial constituida essencialmente de levantamento, revisão e análise


bibliográfica, foram identificadas, basicamente, duas visões distintas sobre a pesquisa
acadêmica que envolve a temática das Forças de Operações Especiais: por um lado, conforme
Colin S. Gray, a literatura sobre as Operações Especiais é “profundamente insatisfatória”, isto
é, a maioria dos trabalhos sobre o assunto é “totalmente desinteressada” na relevância
estratégica das Operações Especiais. Consoante Gray, em vez de se focarem no conceito
estratégico, os escritos sobre o tema geralmente se concentram em narrativas – ou “anedotas”
– sobre “aventuras”, “façanhas audaciosas” ou “histórias pitorescas dos regimentos”. Mesmo
quando determinados analistas se debruçam sobre questões de conseqüência estratégica,
dedicam-se apenas aos desafios às Forças de Operações Especiais de seus respectivos países
(GRAY, 1999: 286, nota 48).

Por outro lado, Anthony King aponta que, ao longo dos anos 1990, as Forças de
Operações Especiais atrairam muito a atenção do público e, particularmente nos Estados
Unidos, uma literatura acadêmica significativa sobre as Forças de Operações Especiais foi
desenvolvida. Em artigo no qual analisa as atividades táticas e a organização institucional do
Serviço Aéreo Especial – Special Air Service (SAS) britânico, King nota que um dos
desenvolvimentos mais notáveis nas Forças Armadas britânicas da atualidade é a emergência
do SAS – a maior e mais conhecida unidade de Forças de Operações Especiais britânica –
como um elemento central na defesa nacional inglesa (KING, 2008: 1).
INTRODUÇÃO GERAL

De acordo com King, desde o fim da Guerra Fria a maior ameaça de defesa terrestre
não são mais as divisões armadas do Pacto de Varsóvia, mas sim grupos de insurgentes e
terroristas que se mobilizam em uma base global em torno de novas identidades religiosas e
étnicas. Com a ascensão dessas novas ameaças assimétricas, tropas qualificadas e com
mobilidade – como as Forças de Operações Especiais – tornaram-se cada vez mais relevantes.
Simultaneamente, os orçamentos de defesa declinaram de forma significativa na década de
1990, de modo que os governos tinham de buscar maior eficiência de suas tropas. Ao mesmo
tempo em que os orçamentos diminuem e as ameaças militares se globalizam, as Forças de
Operações Especiais oferecem uma solução a custos acessíveis aos desafios estratégicos
(KING, 2008: 4).

Depois do onze de setembro de 2001, o assalto norte-americano no Afeganistão trouxe


à tona um debate sobre uma mudança no modo de guerra americano. Mesmo antes disso, o
próprio presidente George W. Bush e o primeiro secretário de Defesa de sua gestão, Donald
Rumsfeld, já objetivavam transformar em mais leves e ágeis as “pesadas” Forças Armadas
dos Estados Unidos. Rumsfeld utilizou os resultados iniciais da campanha no Afeganistão
para tentar provar a validade da “transformação militar” que estava tentando implementar.
Segundo Robert Andrews, então sub-secretário de Defesa assistente para as Operações
Especiais e os conflitos de baixa-intensidade, as tropas especiais dos EUA “dramaticamente
aumentaram a efetividade da campanha aérea e, no solo, transformaram a Aliança do Norte
[força opositora ao regime Talebã no Afeganistão] em um exército de conquista”. Além disso,
conforme Andrews, as equipes das Forças Especiais e os Rangers do Exército, os Seals da
Marinha e os comandos da Força Aérea “mudaram a face da guerra” (KOZARYN, 2001).

Trata-se do que posteriormente ficou conhecido como “modelo afegão”: o uso de


Forças de Operações Especiais combinadas com tropas locais e apoiadas pela Força Aérea.
Donald Rumsfeld ficou bastante satisfeito com o modelo e se tornou um entusiasta das Forças
de Operações Especiais. Desde então, as Forças de Operações Especiais, tradicionalmente
marginalizadas dentro do estamento militar americano, ganharam uma proeminência como
nunca antes na história dos EUA. Para o então secretário, as movimentações iniciais no
Afeganistão, aonde as Forças Especiais se locomoviam montadas em cavalos, constituiram-se
no “primeiro ataque de cavalaria do século XXI” (RUMSFELD, 2002):

… Eu me encontrei com um grupo extraordinário de homens, as Forças Especiais, as


quais estiveram envolvidas no ataque a Mazar-e-Sharif. Eu tenho dito em um número
de ocasiões que a guerra ao terror será diferente de qualquer guerra que lutamos antes.
Estes homens surpreenderam a todos nós com as suas solicitações por suprimentos.

2
INTRODUÇÃO GERAL

Eles pediram botas, munição… e alimento para cavalos. (…) Do momento em que
pousaram no Afeganistão, eles começaram a se adaptar às circunstâncias no solo. Eles
usavam barba e as vestimentas tradicionais. Eles montavam em cavalos… (…) No dia
agendado, uma de suas equipes penetrou e se escondeu atrás das linhas inimigas,
prontos para chamarem pelos ataques aéreos… Bombas precisas foram disparadas
contra posições do Talebã e da al-Qaeda. Muitos afegãos [a parte aliada aos EUA] se
aproximaram do inimigo… Foi o primeiro ataque de cavalaria do século XXI… O que
venceu a batalha de Mazar e fez o Talebã cair do poder foi uma combinação da
habilidade das Forças Especiais, as mais avançadas armas do arsenal dos Estados
Unidos, lançadas pela Marinha, Força Aérea e Marines e a coragem dos lutadores
afegãos, alguns com apenas uma perna. Naquele dia, nas terras do Afeganistão, o
século XIX se encontrou com o século XXI…1

O contexto delineado levou a muitos estudos sobre a pertinência do modelo afegão,


bem como a análises sobre as Forças de Operações Especiais e a apreciações sobre o “novo”
modo de guerra americano. Tratava-se realmente de um “novo” modo de guerra americano?
A hipótese deste trabalho é que não, sendo que isto será demonstrado ao longo da dissertação.
Dado que os resultados no Afeganistão foram promovidos pela administração de George W.
Bush como exemplos das mudanças nas Forças Armadas que o governo estava promovendo, é
importante delinear o significado de “transformação militar” como entendido nos EUA, de
modo que se tenha o arcabouço adequado para se falar sobre a eventual mudança no modo de
guerra americano. Em seguida, visando à comprovar a hipótese desta pesquisa, é necessário se
atentar à evolução do conflito no Afeganistão, a qual mostra que o sucesso inicial, seguido do
que nos EUA é chamado de “insurgência”2, desmanchou-se com o passar do tempo. As visões
sobre o Afeganistão, inclusive as ocidentais, tornaram-se cada vez mais pessimistas, pelo
menos até o fim de 2008, marco temporal final deste trabalho.

Assim, esta dissertação está dividida em três capítulos, antecedidos desta introdução e
seguidos das considerações finais, da bibliografia, de um glossário, de um apêndice e de

1
A tradução e a adaptação são do autor desta dissertação. Para evitar notas de rodapé que não sejam essenciais,
já fica avisado aqui que as próximas citações seguirão o mesmo modelo.
2
O termo insurgência será colocado entre aspas ao longo desta dissertação quando o mesmo for usado por
determinados atores e autores para se referirem aos fenômenos no Afeganistão após a invasão norte-americana.
Assim como “guerra global ao terror” (“guerra ao terror” ou “guerra longa”) e, em alguns casos, “terrorismo” e
“terroristas”, fazem parte de um discurso proferido pela administração de George W. Bush, chamar os
acontecimentos entre os afegãos de “insurgência” também não deixa de ser um rótulo colocado por uma visão
ocidental. A palavra resistência, por exemplo, no contexto de uma invasão estrangeira, não deixa de ter a sua
validade também. Ademais, da mesma forma serão usadas aspas quando a expressão “transformação militar” se
referir à política de Rumsfeld. Como modo de guerra americano e modelo afegão têm um uso mais amplo, não
apenas se referindo a uma política pública, com eles não serão usadas aspas. Já com o “novo” modo de guerra
americano serão usadas as aspas, as quais não serão utilizadas apenas no título da dissertação e do capítulo dois.

3
INTRODUÇÃO GERAL

quatro anexos3. O primeiro capítulo se intitula Transformação Militar e será sustentado


basicamente a partir da leitura de livros dos analistas Frederick Kagan, George Friedman,
Dale Herspring e Robert D. Kaplan, os quais comentam a chamada transformação militar.
Este termo ficou em alta nos Estados Unidos nos anos 1990, sendo algo, portanto, que
antecede a administração de George W. Bush. No capítulo em questão serão elencados
episódios que caracterizam mudanças nos serviços armados norte-americanos. Embora os
debates sobre a transformação militar sejam mais intensos na década de 1990, é a partir do
final da Guerra no Vietnã que começam algumas mudanças significativas. Dessa forma, é
deste momento que o capítulo partirá, passando pelas décadas de 1980 e 1990 e chegando,
finalmente, ao onze de setembro de 2001 e aos episódios subseqüentes.

O segundo capítulo, nomeado O Novo Modo de Guerra Americano, descreverá a


operação norte-americana no Afeganistão a partir da percepção da administração George W.
Bush. Para tanto, primeiro será resgatado o que se entende como modo de guerra americano,
expressão que tem como estudo clássico um livro de Russell F. Weigley. Depois, um
aprofundamento será feito no que se chamou de “novo” modo de guerra americano, a partir da
leitura de discursos do presidente George W. Bush e do secretário Donald Rumsfeld, bem
como de notícias publicadas à época e análises, como as de Max Boot e James F. Dunnigan,
que estavam mais de acordo com a visão oficial do governo. O sub-secretário de Defesa para
Operações Especiais Michael Vickers chegou a dizer que o modelo afegão se tratava de uma
“forma revolucionária de guerra não convencional” (SALHANI, 2008). A equipe 555 das
Forças Especiais teria delineado o “novo” modo de guerra (PRIEST, 2002: A01):

A Equipe 555 foi escolhida para ser a primeira entre as equipes A [A Teams, unidades
básicas de organização dos Boinas-Verdes] a ser infiltrada no Afeganistão ao longo da
guerra, a vanguarda de uma presença terrestre americana pequena e quase invisível
que ajudou a derrubar o Talebã com uma impressionante velocidade e testou um novo
modelo de guerra… As Forças Especiais desempenharam o papel central no conflito
[pela primeira vez]. E elas o fizeram com cerca de 300 soldados.

Em seguida, no mesmo capítulo, tem-se a intenção de “desconstruir” o discurso


oficial, demonstrando que não havia nada de muito novo no chamado modelo afegão. Para
tanto, serão utilizados os estudos de Stephen Biddle e de Michael O’Hanlon, seguidos da
resposta conjunta de Richard Andres, Craig Wills e Thomas Griffith, os quais escrevem um
artigo que defende o modelo afegão.

3
No primeiro anexo há duas fotos de soldados das Forças Especais dos EUA montados em cavalos nas
montanhas afegãs. Já o segundo anexo é um mapa do Afeganistão e, o terceiro, um mapa do Paquistão. No
quarto anexo, há referências adicionais de bibliografia.
4
INTRODUÇÃO GERAL

Finalmente, o terceiro capítulo, que recebe o título de Evolução da Guerra no


Afeganistão, tratará dos acontecimentos que se seguiram às supostamente bem-sucedidas
operações iniciais no Afeganistão. Deste modo, além de ser dado um contexto histórico do
país, tratar-se-á do Talebã enquanto organização, da escalada da “insurgência”, da fronteira
entre o Afeganistão e o Paquistão, da chamada campanha do neo-Talebã e de acontecimentos
mais recentes: atualmente já se fala na possibilidade de negociação com o chamado Talebã
moderado. Robert D. Kaplan afirma que o Afeganistão representa mais do que a “guerra ao
terror”: interesses geopolíticos estariam em jogo – entre eles um posicionamento mais
próximo dos Estados Unidos em relação à China. A Estimativa de Inteligência Nacional de
2008 dos EUA apontou que o conflito na Afeganistão está piorando. O embaixador inglês
Sherard Cowper-Coles chegou a defender um ditador para o Afeganistão: seria a única
maneira “realista” de unir aquele país. Ao mesmo tempo, o comandante militar britânico no
Afeganistão, brigadeiro Mark Carleton-Smith, disse que a OTAN não vencerá no Afeganistão
(COGHLAN; EVANS: 2008):

O Talebã nunca será derrotado… Uma vitória militar sobre o Talebã não é possível…
O que nós precisamos são tropas o suficiente para conter a insurgência em um nível
no qual não seja uma ameaça estratégica ao governo eleito.

O marco final da análise será o fim do ano de 2008, isto é, quando termina a gestão de
George W. Bush. Assim, é inevitável que também se adentre no período pós-Rumsfeld, isto é,
quando Robert Gates assume como secretário de Defesa dos EUA. Este último capítulo terá
como base artigos científicos e notícias publicadas em jornais.

Nas considerações finais, além de ser retomado brevemente o raciocínio desenvolvido


ao longo deste trabalho, serão apontadas possíveis tendências das Forças Armadas norte-
americanas. A partir do ataque no Afeganistão, e ao longo da “guerra ao terror”, as Forças de
Operações Especiais estadunidenses se tornaram essenciais na estratégia de “guerra longa” do
governo neo-conservador em Washington (os elementos que comprovam isto estão elencados
no final do primeiro capítulo deste trabalho). Desta forma, é possível questionar se os serviços
armados americanos serão mais focados em Forças de Operações Especiais. No final do
capítulo dois, será mostrado que não é possível focar um estabelecimento militar em torno de
Forças de Operações Especiais. Desse modo, sabendo disto, nas considerações finais a análise
prospectiva será focada em três eixos: o debate acerca do tamanho adequado das Forças
Armadas dos EUA, a permanência do enfoque em tecnologia e as missões de estabilização se
candidatando ao posto de um possível verdadeiro “novo” modo de guerra americano.

5
INTRODUÇÃO GERAL

Para melhor compreensão das Forças de Operações Especiais, e tentando auxiliar no


desenvolvimento de uma literatura sobre as mesmas, a esta dissertação está agregado um
apêndice que se focará em um entendimento mais conceitual e definicional das forças em
questão. Neste apêndice se trabalhará com a evolução das tentativas de definições sobre as
Operações Especiais e as Forças de Operações Especiais. Da incorporação às Forças Armadas
regulares das táticas dos irregulares, sobre as Forças de Operações Especiais há algumas
definições, das essencialmente militares às de cunho mais acadêmico, passando até pelo
desenvolvimento de uma teoria sobre elas. Com a reconstrução histórica dos esforços em
favor de uma definição mais precisa acerca das Forças de Operações Especiais, fica menos
difícil para os estudiosos lidarem com o tema. Por exemplo, a designação Forças de
Operações Especiais se refere à todas as unidades de Forças de Operações Especiais – como,
no caso dos EUA, nosso objeto, a Força Delta, os Seals, os Boinas-Verdes, etc – enquanto que
o termo Forças Especiais (Special Forces, em inglês) é o nome oficial dos Boinas-Verdes do
Exército norte-americano. Ademais, as denominadas forças de elite, como os Rangers
(regimento de infantaria ligeira do Exército americano) não são necessariamente Forças de
Operações Especiais, enquanto estas são unidades de elite. Enfim, unidades convencionais
também podem conduzir Operações Especiais.

Em suma, quer-se demonstrar que o modelo afegão não é necessariamente um “novo”


modo de guerra americano e, além disto, agregar algo à literatura das Forças de Operações
Especiais, bem como apontar tendências futuras acerca das Forças Armadas estadunidenses.
Estes são os três objetivos principais deste trabalho. Para poder alcançá-los, serão escritos três
capítulos e um apêndice: o primeiro capítulo será a base para melhor entendimento do
segundo, sendo este o capítulo central da dissertação, o qual, por sua vez, terá continuidade no
terceiro capítulo. Como ao longo do trabalho serão abordadas as Forças de Operações
Especiais, será redigido um apêndice específico sobre elas, para melhor entendimento
conceitual das mesmas. A proeminência das Forças de Operações Especiais dos EUA a partir
da intervenção no Afeganistão chamou a atenção do autor desta dissertação, que achou ser
importante estudá-las mais a fundo.

6
CAPÍTULO I

TRANSFORMAÇÃO MILITAR

SUMÁRIO: Resumo; 1. Introdução; 1.1 Contextualização; 1.2 Os Anos 1980; 1.2.1 Mudanças no pós-
Vietnã; 1.2.1.1 Força de Voluntários; 1.2.1.2 Tecnologia Militar; 1.2.1.3 Treinamento; 1.2.1.4
Doutrina; 1.2.2 Criação da Força Delta; 1.2.3 Doutrina Weinberger; 1.2.4 Lei Goldwater-Nichols;
1.2.5 Teorias do Poder Aéreo; 1.3 A Década de 1990; 1.3.1 Fim da Guerra Fria; 1.3.2 Força Base;
1.3.3 Guerra do Golfo; 1.3.4 Doutrina Powell; 1.3.5 Les Aspin e a Revisão de Baixo para Cima; 1.3.6
Duas Guerras Principais Simultâneas; 1.3.7 Revolução nos Assuntos Militares; 1.3.8 Guerra Centrada
em Rede; 1.3.9 Conflitos de Baixa-Intensidade; 1.3.10 Operações Outras Que a Guerra; 1.4 Ano 2000
em Diante; 1.4.1 Rumsfeld e a Transformação na Administração George W. Bush; 1.4.2 Onze de
Setembro de 2001; 1.4.3 O Assalto no Afeganistão; 1.4.4 Novo Modo de Guerra Americano; 1.4.5 A
Proeminência das Forças de Operações Especiais; 1.5 Conclusão.

RESUMO: O principal objetivo de Donald Rumsfeld quando assumiu o posto de secretário de Defesa
na administração de George W. Bush era implementar a sua visão de “transformação militar”, baseada
em alta tecnologia e números reduzidos de tropas. Para Rumsfeld, a Guerra no Afeganistão, mais
especificamente os soldados das Forças Especiais “montados em cavalos”, foram um exemplo da
“transformação militar” que o secretário estava tentando implementar, sendo que aquilo, conforme a
percepção da administração em questão, “mudaria a face da batalha”. Porém, não se trata de uma idéia
inteiramente nova, nem nos EUA, nem no restante do mundo. No caso específico dos Estados Unidos
da América, que são o enfoque deste trabalho, a transformação remete ao período subseqüente à
Guerra no Vietnã, quando Washington começou a implantar mudanças em suas Forças Armadas.
Deste momento até o assalto realizado no Afeganistão em 2001, diversos conceitos e eventos dão
corpo a uma transformação militar nos Estados Unidos. Assim, este capítulo inicial visa à resgatar e
estruturar tais acontecimentos de modo que se tenha subsídios para melhor compreender o que se
passa no governo de George W. Bush após, e até mesmo antes, os atentados de onze de setembro.

1. INTRODUÇÃO

Qual é o significado de transformação militar? Ao contrário das revoluções nos


assuntos militares, as quais serão abordadas logo à frente, trata-se de um conceito com menos
capacidade de se sustentar. É uma definição cunhada nos anos 1990 sem nenhuma referência
histórica, cujo significado concreto vem exclusivamente do programa de política de defesa
específico ao qual a transformação se referia. O termo transformação não significa nada mais
do que mudança, e seu objetivo não é muito claro: pretende mudar a natureza da guerra, ou a
natureza dos serviços armados dos Estados Unidos? Este problema emergiu fortemente a
partir da Operação Liberdade Duradoura em 2001 (KAGAN, 2006: 311), que envolveu o
envio de tropas ao Afeganistão e às Filipinas, e sobre a qual se falará mais detalhadamente
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

nos capítulos subseqüentes. A partir deste momento, para a administração de George W.


Bush, parece que tudo se tornou “transformacional”.

Parece que, para algumas das visões nos EUA, qualquer mudança nas Forças Armadas
de pronto já caracteriza uma transformação. De repente, pode-se inferir ser provável que os
norte-americanos tentem dissuadir os adversários já com os próprios conceitos relacionados à
guerra. Para melhor compreender o que a percepção americana entende por transformação
militar, assim, dividir-se-á este capítulo em três partes, além desta introdução, de uma
contextualização e da conclusão. Tais seções serão categorizadas por décadas, isto é, os anos
1980, a década de 1990 e, finalmente, após o ano 2000. Em cada uma delas vai-se elencar e
tratar de conceitos e eventos que caracterizam e dão base à chamada transformação militar.

Nos anos 1980, o enfoque será no contexto do pós-guerra do Vietnã, quando os EUA,
seguindo a derrota no sudeste asiático, visaram à reformar seus serviços armados. Os
crescentes atentados terroristas nos anos 1970 (como nas Olimpíadas de Munique) levaram à
criação da unidade de elite anti-terrorista Força Delta. Ademais, no governo Reagan, houve a
elaboração da Doutrina Weinberger, além da uma ampla reforma no Departamento de Defesa
conhecida como Lei Goldwater-Nichols (que enfatiza as operações conjuntas e levou à
criação do Comando de Operações Especiais) e a formulação de teorias do poder aéreo, as
quais terão um grande impacto na Guerra do Golfo e nos anos 1990 como um todo. Chegou-
se a afirmar que o poder aéreo sozinho poderia ganhar uma guerra. Todavia, não foi o que se
verificou posteriormente.

Já na década de 1990, situa-se o contexto do pós-Guerra Fria, quando a administração


de George H. W. Bush (pai) delineia a chamada Força Base, isto é, a estrutura das Forças
Armadas dos EUA para o mundo pós-soviético. O grande evento deste momento é a Guerra
do Golfo, da qual os Estados Unidos da América emergem como uma superpotência militar
aparentemente incontestável, mas que não necessariamente a levou a ser militarmente bem-
sucedida. Colin Powell, quando chefe do Estado-Maior Conjunto, delineia sua doutrina, o
secretário de Defesa de Bill Clinton, Les Aspin, promove a revisão de Baixo para Cima – com
a qual se busca estruturar as Forças Armadas estadunidenses para lutarem “duas guerras
principais simultâneas” – debate-se a chamada revolução nos assuntos militares e a guerra
centrada em rede (network-centric warfare). Simultaneamente, os conflitos de baixa-
intensidade e as “operações outras que a guerra” ganham mais importância, talvez no contexto
dos Estados Unidos como “policiais” do mundo globalizado.

8
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

A partir do ano 2000, o enfoque será no governo de George W. Bush (filho), mais
especificamente no papel do secretário de Defesa Donald Rumsfeld. Este assumiu seu termo
no Departamento de Defesa tendo como objetivo principal implementar a sua visão de
“transformação militar”. Rumsfeld, ademais, teve um expressivo número de conflitos com os
militares, especialmente com o então chefe do Estado-Maior do Exército, Eric Shinseki. Com
o onze de setembro de 2001 e a posterior intervenção no Afeganistão, o secretário Rumsfeld
afirmou que a guerra no Afeganistão, mais especificamente o uso das Forças Especiais
montadas em cavalos, era um exemplo da “transformação militar” que ele estava conduzindo.
Falou-se até em um “novo” modo de guerra americano – e, a partir de então, as Forças de
Operações Especiais norte-americanas ganharam uma proeminência nunca antes vista na
história militar estadunidense.

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

Muitas vezes a transformação militar se confunde com a designação revolução nos


assuntos militares. A origem da base teórica verdadeira dos debates recentes e atuais sobre a
transformação militar se desenvolveu na União Soviética nos anos 1960, sob o conceito de
revoliutsiia voennykh del, geralmente traduzido como revolução nos assuntos militares
(revolution in military affairs) ou sob a sigla RAM (RMA). É este conceito soviético que
adentrou no diálogo ocidental sobre guerra nos anos 1970 e 1980 e revolucionou os debates
nos anos 1990 (KAGAN, 2006: XI).

Para os soviéticos, naquela época, a revolução militar de verdade não viera das
bombas atômicas, mas sim do casamento de ogivas termonucleares com mísseis balísticos
intercontinentais. Dessa forma, o conhecido balanço clausewitziano entre ataque e defesa
diminuiria-se e o tempo da guerra seria dramaticamente reduzido (embora tais premissas não
tenham sido testadas). É importante destacar, ademais, que revoluções nos assuntos militares
não ocorrem como resultados das ações de um único Estado-nação, mas como resultado das
interações entre múltiplos Estados (KAGAN, 2006: XI-XVIII).

A natureza essencial das revoluções militares é que elas se proliferam ao longo do


tempo para todas as principais potências do mundo, isto é, não são monopólio de nenhum
Estado (como os EUA achavam nos anos 1990 em relação à “era da informação”). Neste
sentido, o uso extensivo da internet pela al-Qaeda e os esforços agressivos da China para
invadir sistemas de computadores norte-americanos apontam para a determinação com a qual
os inimigos e potenciais inimigos de Washington buscam explorar as mesmas tecnologias que
9
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

dão agora às Forças Armadas dos EUA sua vantagem na “guerra da informação” (KAGAN,
2006: 210-211).

1.2 OS ANOS 1980

A Guerra no Vietnã (1959-1975) levou à transformação militar dos Estados Unidos. A


transformação dos anos 1970 foi uma das mais completas e bem-sucedidas da história. Os
avanços dos anos 1980 que conduziram diretamente à criação das Forças Armadas norte-
americanas que atacaram o regime de Saddam Hussein duas vezes (em 1990 e em 2003) se
desenvolveram a partir da transformação dos anos 1970 (KAGAN, 2006: 3-5). Dentre as
mudanças, pode-se destacar a criação de uma força de voluntários no lugar da conscrição,
avanços na tecnologia militar, uma revolução no treinamento das tropas e o renascimento da
doutrina militar. Além das mudanças no período pós-Vietnã, os anos 1980 também se
destacaram pelo surgimento da Força Delta, a elaboração da doutrina Weinberger, a ampla
reforma no Departamento de Defesa e o desenvolvimento de teorias do poder aéreo. Vai-se
falar de cada um destes eventos com mais detalhes nas sub-seções a seguir.

1.2.1 MUDANÇAS NO PÓS-VIETNÃ

O pós-Vietnã se caracterizou basicamente por mudanças na estrutura das Forças


Armadas dos Estados Unidos, pelo desenvolvimento da tecnologia militar, incrementos no
treinamento dos serviços armados e mudanças na doutrina militar. O ambiente de aperto fiscal
naquela época levou o processo de transformação militar a buscar soluções criativas. Os
ímpetos iniciais de cada uma das mudanças foram diferentes e independentes. Todavia,
juntos, operaram de forma sinergética e produziram uma verdadeira revolução nos assuntos
militares (KAGAN, 2006: 11-12).

1.2.1.1 Força de Voluntários

A recuperação estadunidense após a Guerra no Vietnã passou pela transição de uma


força de conscritos para uma força de voluntários, a qual reorientou a prioridade nos gastos de
defesa. De um foco tradicional em equipamento, treinamento e prontidão, passou-se a atentar
para o recrutamento e a retenção do pessoal alistado. Já que a prontidão não estava mais em
primeiro plano, negociações diplomáticas buscaram mitigar a ameaça termonuclear soviética,
prevenindo a necessidade de aumentar os gastos em defesa para alcançar a paridade com a
URSS (KAGAN, 2006: 6, 10).

10
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

No início dos anos 1980, havia 16 divisões do Exército na ativa. Este aumentou suas
forças de combate em alguns anos em mais de 20% sem adicionar nenhum soldado extra,
apenas realocando pessoal da logística. Trata-se do programa de “Força Total”, que visava a
maximizar a força de combate imediata em um momento de apertos fiscais. Embora poucos
tenham percebido naquela época, o advento da força de voluntários criou uma oportunidade
para os militares dos EUA aumentarem sua efetividade de combate (KAGAN, 2006: 21-24).

1.2.1.2 Tecnologia Militar

Somando-se às enormes perdas, a Guerra no Vietnã comprometeu severamente as


teorias do poder aéreo e muitas das justificativas da aviação que se tornaram proeminentes na
era nuclear. A guerra em questão levou a uma sensação de falha e de crise nos serviços
aéreos. A fixação norte-americana com armas nucleares durante a administração de Dwight
D. Eisenhower (1953-1961) deixou um legado de tecnologia mal escolhida e atitudes erradas
nos serviços aéreos. A política de “retaliação massiva” adotada por Eisenhower se baseava em
armas nucleares e, assim, levou à redução das forças armadas convencionais e à economia de
recursos. Basicamente tais escolhas não eram as mais adequadas para o teatro do Vietnã.

Todavia, nos anos 1980, John Boyd criou o conceito de “Maneabilidade de Energia”
(Energy Maneuverability). A combinação do baixo desempenho dos caças norte-americanos
no Vietnã e o conceito em questão levaram um grupo chamado “Máfia dos Caças” (Fighter
Mafia) a desenvolver um avião para substituir o F-111 (bombardeiro/caça tático de múltiplo
uso desenvolvido nos anos 1960): o F-15 Eagle, o primeiro avião da Força Aérea dos EUA
em muitos anos designado primariamente para ganhar a superioridade aérea. Foi o primeiro
avião em muito tempo que não havia sido designado para carregar armas nucleares. Porém, o
F-15 ainda era um tipo muito grande, e a “Máfia dos Caças” continuou no desenvolvimento
de um avião mais leve, que seria o caça “perfeito”. O resultado foi o F-16 Falcon.

Simultaneamente, a Marinha desenvolveu um esforço paralelo, que resultou no F-14


Tomcat, outro avião desigando para ganhar a superioridade aérea vencendo os caças
oponentes no céu, não destruindo-os em suas bases no solo, como se fazia antes. A resistência
do Congresso em aceitar o alto preço do F-14 levou ao desenvolvimento do F/A-18 Hornet,
designado tanto para a superioridade aérea quanto para ataque ao solo, isso a um preço menor
do que o F-14. A Marinha acabou adotando uma combinação de ambos.

O enfoque da comunidade dos “caças” na manutenção da superioridade aérea foi


acompanhado pelo desenvolvimento de bombardeiros dedicados à preencher os papéis de
11
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

penetração à longa-distância e apoio aéreo próximo. Assim, a Força Aérea começou o


desenvolvimento do bombardeiro B-1 e do avião de ataque ao solo A-10. A ênfase histórica
dos soviéticos em sistemas de defesa aérea integrados e multi-facetados, ademais, colocou um
desafio significativo aos pilotos norte-americanos. A solução para tanto foi a tecnologia
invisível (stealth), que emergiu nos anos 19804.

Desenvolveu-se também uma doutrina de superioridade aérea focada na eliminação


das defesas aéreas inimigas como prioridade inicial. Os incrementos nos aviões dos EUA
resultaram de uma decisão em parar de produzir sistemas singulares para lidarem com todos
os tipos de missão e em produzir os melhores aviões para tarefas críticas. Tal melhoria
também resultou da rejeição do foco em um único tipo de guerra, a nuclear, e a determinação
em se preparar para lutar muitos tipos de conflitos contra distintos inimigos.

Paralelamente, o Exército acreditava que os tanques de guerra deveriam ser menores,


mais leves e mais rápidos. Assim, armou seus tanques com mísseis em vez de canhões e fez
os tanques mais leves e rápidos o suficiente para se defenderem de ataques com mísseis. Um
novo tipo de blindagem, a “Chobham”, possibilitou um tanque blindado e leve ao mesmo
tempo. Além disso, passou-se a empregar turbinas a gás como sistema de propulsão dos
tanques. O tanque M1 revolucionou a guerra terrestre (KAGAN, 2006: 40). Um sistema que
resultou da combinação do tanque M1 com o Veículo Combatente de Infantaria Bradley, os
helicópteros de transporte Blackhawk e o de ataque Apache, assim como o míssil anti-aéreo
Patriot antecipou o que nos anos 1990 os entusiastas da transformação militar chamariam de
“sistema de sistemas” (KAGAN, 2006: 41).

1.2.1.3 Treinamento

Os anos 1970 e 1980 também viram uma revolução fundamental na maneira como as
Forças Armadas estadunidenses treinavam para a guerra (KAGAN, 2006: 43). É possível
destacar dois treinamentos: o do poder aéreo e o do Exército. No primeiro, que envolve a
Marinha e a Força Aérea, aquela desenvolveu a “Estação Aéreo-Naval Miramar” (Naval Air

4
O primeiro avião capaz de fugir dos radares foi o F-117 Night Hawk. Sua missão era voar em áreas bastante
defendidas, para eliminar instalações de radares e baterias de mísseis anti-aéreos, limpando o terreno para outros
caças e bombardeiros. Também era usado para destruir centros militares de comunicação e controle. Foram
construidos cerca de 59 aviões, cada um custando aproximadamente US$ 45 milhões. O F-117 foi usado pela
primeira vez em combate durante a invasão norte-americana no Panamá, em 1989. Em 2006, com a introdução
do F-22, o Pentágono decidiu aposentar o Night Hawk, de maneira tão secreta como foi o nascimento do avião.
Para mais detalhes, ver, por exemplo, Peter PAE. F-117 leaving the way it arrived – stealthily. Los Angeles
Times, April 22, 2008. Disponível em: <http://articles.latimes.com/2008/apr/22/business/fi-stealth22>. Acesso
26 jan. 2009.

12
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Station Miramar), informalmente conhecida como Topgun. Já a Força Aérea se focou em um


recorte mais realista, aonde os pilotos “agressores” adotavam táticas e formações soviéticas já
conhecidas. Trata-se do programa “Bandeira Vermelha” (Red Flag), de 1975. A Força Aérea
americana também adotou a “Capacidade Operacional Planejada” (Designed Operational
Capability – DOC), que se constituia de esquadrões específicos que se focavam em diferentes
missões aéreas. Em 1973 foi estabelecido o Comando de Doutrina e Treinamento do Exército
(U.S. Army Training and Doctrine Command – TRADOC). Os líderes do Exército nos anos
1970 começaram a colocar muito mais ênfase no treinamento militar em tempos de paz, de
maneira distinta do que se fazia anteriormente. O Centro de Treinamento Nacional em Fort
Irwin proporcionava um treinamento realista de armas combinadas. O resultado geral de todas
estas mudanças foi criar militares capazes, pela primeira vez na história dos EUA, de chegar
em pouco tempo no campo de batalha com um ótimo treinamento e com experiência em
combates simulados realistas. O nível de proficiência técnica e tática se traduziu em auto-
confiança na batalha.

1.2.1.4 Doutrina

Quanto ao chamado renascimento da doutrina militar, pode-se destacar duas: a Defesa


Ativa e a Batalha Aérea-Terrestre. O primeiro comandante do TRADOC, general DePuy,
afirmava ser necessário se preparar para ganhar a primeira batalha da próxima guerra. Ele quis
reorientar o pensamento, organização e o treinamento do Exército. Todavia, sua doutrina não
foi colocada em contexto histórico (KAGAN, 2006: 54-55) e, também por conta de outras
variáveis, acabou caindo no ostracismo.

Por outro lado, há também a chamada Batalha Aérea-Terrestre, proposta por Don
Starry. O foco dela era operacional, não tático (como a Defesa Ativa). O nível operacional
está entre a tática e a estratégia. O nível tático se preocupa com as batalhas, já o operacional
com a ligação das batalhas em uma ou mais campanhas em um teatro. A transição do foco
tático da Defesa Ativa para o operacional da Batalha Aérea-Terrestre possibilitou novas
maneiras de se pensar sobre a guerra (KAGAN, 2006: 60).

A idéia de atacar o inimigo simultaneamente através de toda a profundidade de seu


desdobramento defensivo era um conceito que os soviéticos abraçaram desde 1930. No fim
dos anos 1970, tornou-se o cerne da doutrina da Batalha Aérea-Terrestre norte-americana.
Advogando o movimento de unidades de solo em apoio aos ataques profundos, a manobra
retornou para um lugar antes ocupado pelo poder de fogo. Uma das virtudes da doutrina da

13
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Batalha Aérea-Terrestre era que ela não era específica para o teatro europeu (KAGAN, 2006:
61), continente que poderia sofrer uma invasão terrestre soviética e que, portanto, era o foco
dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.

1.2.2 CRIAÇÃO DA FORÇA DELTA

O Primeiro Destacamento Operacional de Forças Especiais “Delta” do Exército dos


Estados Unidos foi criado secretamente em outubro de 1977 pelo coronel Charles Beckwith,
em resposta aos numerosos incidentes terroristas dos anos 1970, como aquele promovido pelo
grupo Setembro Negro nas Olimpíadas de Munique em 1972 e o seqüestro do vôo 139 da Air
France no aeroporto de Entebbe, em Uganda, no ano de 1976. Desde o início, a Força Delta
foi influenciada pelo seu equivalente britânico: o SAS. Designada como uma unidade contra-
terrorista, é especializada em resgate de reféns e reconhecimento, entre outras habilidades. A
força é constituida de voluntários em sua maioria oriundos da 82a. Divisão Aerotransportada,
das Forças Especiais (Boinas-Verdes) e do 75o. Regimento de Rangers. Organizada sob a
forma de três esquadrões operacionais (A, B e C), sub-divididos em grupos menores
conhecidos como tropas, uma de suas primeiras missões foi no fracassado episódio de
tentativa de resgate de reféns norte-americanos em Teerã nos anos 1980, dentro do contexto
da Revolução Islâmica iniciada no Irã pelo Aiatolá Khomeini em 19795.

Entre outros eventos envolvendo a Delta, pode-se destacar a localização e a destruição


de mísseis Scud nos desertos no norte do Iraque na Guerra do Golfo e a participação em uma
Força-Tarefa Ranger na Somália em 1993, a qual, assim como no Irã, também não foi bem
sucedida, já que dois helicópteros Blackhawk foram derrubados e corpos de soldados
americanos foram arrastados pelas ruas da capital Mogadíscio – o que depois levou o governo
Clinton a se distanciar das missões humanitárias. Este evento foi reconstituido no filme
Falcão Negro em Perigo (2001), baseado em livro homônimo de Mark Bowden e dirigido por
Ridley Scott. Em janeiro de 1997, uma pequena equipe Delta ajudou na operação de retomada
e resgate de reféns da embaixada japonesa em Lima, no Peru. Ademais, em seu livro Killing
Pablo (2002), Mark Bowden afirma que foi um atirador de elite da Força Delta o responsável
pela morte do traficante de drogas Pablo Escobar. Mais recentemente, o comandante da Delta
Dalton Fury reconta no livro Kill Bin Laden (2008) a caçada promovida pela Força Delta no
complexo montanhoso de Tora-Bora, no Afeganistão, aonde procuravam por Osama bin
Laden, o qual, aparentemente, conseguiu fugir para o Paquistão.
5
Sobre este episódio, sugere-se a leitura de Charles COGAN. Desert One and Its Disorders. The Journal of
Military History, Vol. 67, No. 1, Jan. 2003, pp. 201-216.
14
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

1.2.3 DOUTRINA WEINBERGER

Os Estados Unidos precisavam revitalizar suas Forças Armadas em todos os níveis e


áreas, de modo a restaurarem o valor da deterrência nuclear e também a emancipação da
deterrência convencional de sua dependência das armas atômicas. O presidente Ronald
Reagan (1981-1989) revolucionou a grande estratégia norte-americana para lidar com a
URSS, rejeitando não apenas o método de Jimmy Carter, mas também aspectos-chave da
contenção estabelecida no final dos anos 1940 (KAGAN, 2006: 77). Os EUA tinham que se
preparar para uma guerra prolongada e global. Reagan combinou seu discurso sobre a grande
estratégia com o aumento nos gastos em defesa em um terço entre 1981 e 1989. O presidente
também trabalhou para reestabelecer o balanço nuclear que, na visão de Reagan, estava
pendendo para o lado dos soviéticos. A Iniciativa Estratégica de Defesa, também conhecida
como projeto “guerra nas estrelas”6, foi uma mudança inesperada para a grande estratégia da
Guerra Fria. Ronald Reagan não transformou as Forças Armadas dos Estados Unidos, mas
criou o ambiente para o desenvolvimento das mudanças dos anos 1970 (KAGAN, 2006: 81).

A Marinha foi o maior beneficiário institucional das ampliações da defesa na era


Reagan. A história do colapso da Marinha nos anos 1970 e seu renascimento nos anos 1980 é
importante não apenas por causa do seu papel crítico nas operações recentes, mas também em
razão da transformação no pensamento estratégico naval. A visão da administração Reagan de
um conflito prolongado e global, em vez de apenas eurocêntrico, facilitou o renascimento
completo da estratégia marítima e um programa massivo de construção de navios. Thomas
Hayward, Chefe de Operações Navais de 1978-1982, concluiu que o problema da Marinha
não era dinheiro, mas pensamento estratégico.

Todavia, na gestão de Reagan, o que mais se destacou foi o surgimento de uma


doutrina que dá o título a esta seção. Caspar Willard “Cap” Weinberger foi secretário de
Defesa do presidente Ronald Reagan entre 21 de janeiro de 1981 a 23 de novembro de 1987,
o mais longo mandato depois de Robert S. McNamara e Donald H. Rumsfeld. O republicano
Caspar Weinberger ficou conhecido, entre outros acontecimentos, pelo seu papel na Iniciativa
Estratégica de Defesa e pelo episódio do Irã-Contras, o qual envolveu vendas de armas para
grupos moderados no Irã, país com o qual Washington não mantinha relações diplomáticas.

6
Sugerida em 1983, a iniciativa usaria sistemas baseados no solo e no espaço para proteger os Estados Unidos
de ataques de mísseis balísticos nucleares. A iniciativa em questão enfocava uma defesa estratégica em vez da
política anterior de ataque estratégico oriunda da “destruição mútua assegurada” (MAD, na sigla em inglês).
Antes do onze de setembro de 2001, a política de defesa dos EUA sob George W. Bush estava centrada em um
escudo anti-mísseis cuja origem está na “guerra nas estrelas” de Ronald Reagan. Todavia, o ataque aos Estados
Unidos não veio de um míssel externo, mas sim de um interno. No caso, um avião comercial.
15
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Além disso, o secretário em questão também formulou uma doutrina sobre o uso do poder
militar, a qual viria a influenciar as futuras gerações nos Estados Unidos.

Em um discurso intitulado Os Usos do Poder Militar, realizado no Clube da Imprensa


Nacional em 28 de novembro de 1984, Caspar Weinberger delineou os pontos daquilo que
ficaria conhecido como “Doutrina Weinberger”. Para o então secretário, no contexto mundial
dos anos 1980, a divisão entre a guerra e a paz era menos clara do que em qualquer outro
momento da história. A divisão entre os conflitos abertos e encobertos ficara tão sutil que não
se podia prever com precisão aonde, quando, como e de que direção viria a ameaça. Os
Estados Unidos deveriam estar preparados, em qualquer momento, para lidar com ameaças
que variassem na intensidade: de atos terroristas isolados, passando por ações de guerrilha e
chegando a confrontação militar de alta escala. A doutrina se constitui basicamente de seis
pontos (WEINBERGER, 1984):

1. Os Estados Unidos só devem se comprometer a lutar no caso de seus interesses nacionais


vitais – ou de seus alidos – estarem em jogo;
2. Se Washington decidir ser necessário colocar tropas de combate em determinada situação,
deve fazer isto de maneira entusiástica e com a intenção clara de vencer;
3. Se os EUA decidirem envolver tropas além-mar, devem ter objetivos políticos e militares
bem definidos;
4. A relação entre os objetivos e as forças (tamanho, composição e disposição) deve ser
continuamente reavaliado e reajustado se necessário;
5. Antes dos EUA envolverem tropas de combate pelo mundo afora, é preciso ter certeza do
apoio popular e do apoio dos representantes no Congresso;
6. Finalizando, o uso da força deve ser o último recurso.

1.2.4 LEI GOLDWATER-NICHOLS

A Lei Goldwater-Nichols de Reorganização da Defesa (Goldwater-Nichols Defense


Reorganization Act) – cujo nome é oriundo dos senadores Barry Goldwater (republicano) e
William Flynt Nichols (democrata) – de 1986, acompanhada pela Emenda Cohen-Nunn
(Cohen-Nunn Amendment), de 1987, culminou em uma grande mudança no Departamento de
Defesa dos Estados Unidos. Trata-se da maior alteração desde a Lei de Segurança Nacional
(National Security Act), de 1947. A Lei Goldwater-Nichols resultou no fim da independência
dos vários braços do serviço militar norte-americano, isto é, Exército, Marinha, Aeronáutica e
Marines, e fortaleceu o papel do comandante do Estado-Maior Conjunto. A partir de então, a
ênfase seria em operações conjuntas. A Emenda Cohen-Nunn tratou da reorganização e da
consolidação de todas as Forças de Operações Especiais, a partir de então reagrupadas sob o

16
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Comando de Operações Especiais (SOCOM, na sigla em inglês). O comandante deste teria


sob sí todas as Forças de Operações Especiais das Forças Armadas dos EUA e unidades para
serem enviadas aos comandantes dos comandos geográficos7. Uma vez que tais unidades
chegassem ao teatro, elas operariam sob as ordens do comandante regional, exceto no caso de
certas operações sensíveis que poderiam ser comandadas a partir dos próprios Estados
Unidos. O comandante do Comando de Operações Especiais, por seu lado, controlaria a
doutrina, o treinamento e o orçamento de todas as Forças de Operações Especiais.

1.2.5 TEORIAS DO PODER AÉREO

Os anos 1980 também são conhecidos por uma revolução no poder aéreo norte-
americano. John Boyd, o arquiteto dos “super caças”, delineou o Discurso sobre Vencer e
Perder. Neste, o autor propõe o conceito de “Laço OODA” (a sigla, em inglês, significa
observação, orientação, decisão e ação). Conforme John Boyd, organizações complexas como
os exércitos podem ter múltiplos “Laços OODA” operando simultaneamente. Boyd acreditava
ser essencial manter altos níveis de flexibilidade e de iniciativa para fazer as ações
imprevisíveis e rápidas. Organizações complexas como exércitos e Estados só poderiam
funcionar se suas partes trabalhassem harmonicamente. Boyd se utiliza do conceito de “centro
de gravidade”. Todavia, não tem o mesmo significado do schwerpunkt de Clausewitz (sobre o
“centro de gravidade” clausewitziano, ver apêndice desta dissertação). John Boyd defendia a
destruição das conexões entre os centros de gravidade, os quais, assim, tornar-se-iam “não
cooperativos” e limitariam as ações do inimigo. Jomini8 argumentara que um Exército poderia
ser derrotado através de ataques em suas comunicações. Dessa forma, o conceito de Boyd usa

7
Em 1946, o Pentágono começou a elaborar o que depois ficaria conhecido como Plano de Comando Unificado
(Unified Command Plan – UCP), que dividia o mundo em comandos militares combatentes para lutarem um
conflito global no caso da Guerra Fria vir a se tornar “quente”. Tratam-se de seis os comandos geográficos, cada
um com a sua área de responsabilidade: o Comando Norte, responsável pela América do Norte, o Comando Sul,
responsável pela América Latina, parte do Oceano Atlântico sul e parte do Pacífico sul, o Comando Africano,
responsável pela África, o Comando Central, responsável pelo Oriente Médio, o Comando Europeu, responsável
pela Europa e Rússia e o Comando do Pacífico. Ver <http://www.defenselink.mil/specials/unifiedcommand/>.
Acesso 26 jan. 2009.
8
O Barão Antoine-Henri Jomini nasceu na Suiça em 1779 e morreu em 1869. Foi general na França e, depois, na
Rússia. Trata-se de um dos grandes intérpretes da arte da guerra napoleônica. Para Jomini, a conduta da guerra é
governada por um pequeno número de princípios fixos; entre eles, o mais importante é que um dos atores do
conflito deve buscar uma linha de operações capaz de ameaçar as comunicações do inimigo enquanto as suas
mantenham-se seguras. Em segundo lugar, a chave da vitória residiria na concentração das forças no chamado
“ponto decisivo”. Este seria menos as ações do inimigo e mais a configuração do terreno e a distribuição de rios
e estradas. Aliás, podem ser áreas fracas ou mal defendidas nas linhas inimigas. Seu livro A Arte da Guerra está
disponível online em inglês no portal do Projeto Gutenberg. Confira <http://www.gutenberg.org/etext/13549>.
Acesso 26 jan. 2009.

17
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

uma idéia e argumentação clausewitzianos para apoiar uma visão de guerra jominiana
(KAGAN, 2006: 104-111).

O piloto de caça John Warden também desenvolveu a sua teoria aérea. No livro A
Campanha Aérea (The Air Campaign), de 1988, desenvolveu a tese de que a superioridade
aérea é fundamental para a vitória na guerra moderna. Seu argumento é baseado na revisão da
história militar recente. O autor reconhece, todavia, que o poder aéreo tem um papel limitado
em contra-insurgência. Para Warden, o “centro de gravidade” é onde o inimigo é mais
vulnerável (assim, uma outra interpretação diferente do conceito de Clausewitz, para o qual o
“centro de gravidade” é onde o inimigo é mais forte). Warden sugere a idéia de “assalto ao
centro de gravidade aéreo” (Assauting the Air Center of Gravity). O ataque ao centro de
gravidade – uma vulnerabilidade crítica, conforme Warden – quebraria o sistema inimigo sem
ter que enfrentá-lo diretamente. Isto é o oposto de Carl Clausewitz, que sugere atacar e
destruir a força inimiga. Warden identifica “cinco anéis” estratégicos do inimigo: a liderança,
a produção industrial, a infra-estrutura, a população e as próprias forças inimigas. Também
propõe a idéia de “guerra paralela” e sugere o uso do poder aéreo sozinho para alcançar
diretamente os objetivos políticos da guerra. Porém, o conceito de guerra aérea de Warden era
apenas parte de uma longa tradição da teoria do poder aéreo (KAGAN, 2006: 112-125).

1.3 A DÉCADA DE 1990

Todos nos Estados Unidos concordavam acerca de uma premissa básica: quaisquer
que fossem os requerimentos de uma estratégia de segurança nacional no pós-Guerra Fria, a
nação poderia desfrutar de um “dividendo da paz” significativo sob a forma de um orçamento
de defesa reduzido e Forças Armadas menores (KAGAN, 2006: 144). Desta forma, nos anos
que se seguiram à queda do império soviético, os governos de George H. W. Bush (pai) e
William Clinton buscaram delinear a nova estratégia dos EUA.

1.3.1 FIM DA GUERRA FRIA

Com a queda do muro de Berlim (1989) e o desmantelamento da União Soviética


(1991) – caracterizando, dessa forma, o fim da Guerra Fria – o establishment estadunidense
pensava que a guerra seria um exercício marginal e a paz, assim como as questões comerciais,
seria a “condição” norte-americana. Se a guerra não seria mais uma ameaça sistêmica (como
foi na bipolaridade EUA-URSS), as Forças Armadas não teriam mais um uso estratégico. Os
militares até poderiam ser úteis, mas não estavam mais no centro da segurança nacional. Um

18
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

dos argumentos que viriam a emergir na administração de Bill Clinton (1993-2001) era da
necessidade de uma definição completamente nova de segurança nacional, onde a ligação
tradicional entre os militares e a inteligência seria complementada, ou substituida, por
considerações pouco tradicionais: dos direitos humanos ao comércio. Os tipos de ameaças
militares nas quais os Estados Unidos se focariam eram os “Estados párias”, sendo que os
militares e a inteligência deveriam mudar seus focos para acomodar tal nova realidade. A
Agência Central de Inteligência (CIA), inclusive, foi pressionada para cortar sua espionagem
político-militar e se focar na inteligência econômica. Os militares americanos deveriam mudar
seu foco dos conflitos de “alta-intensidade” e da “guerra estratégica” para os conflitos de
“baixa-intensidade” e as “operações outras que não a guerra” (FRIEDMAN, 2004: 81).

1.3.2 FORÇA BASE

Como adaptar a estratégia norte-americana à nova realidade pós-soviética? Na


administração de George H. W. Bush (1989-1993), o sub-secretário de Defesa para Política,
Paul Wolfowitz, e o chefe do Estado-Maior Conjunto, Colin Powell, queriam determinar o
tamanho apropriado das Forças Armadas dos EUA para o mundo pós-Guerra Fria. O
resultado foi algo chamado de “Força Base”. Foi designada para conduzir dois conflitos de
larga escala (Major Regional Conflicts) ao mesmo tempo. Sob o conceito de Força Base, o
Exército seria reduzido de 18 divisões da ativa e dez da reserva para 12 divisões da ativa e
seis da reserva; a Marinha passaria de 508 navios para 411; a Força Aérea seria reduzida de
24 asas da ativa e 12 da reserva para 15 e onze, respectivamente. Mas o congressista Les
Aspin, chefe da comissão sobre as Forças Armadas no Congresso, não estava convencido, e
argumentou a favor de uma completa reavaliação da grande estratégia dos EUA e da postura
militar americana, solicitando o que ele chamou de “Revisão de Baixo para Cima” (Bottoms-
Up Review). A administração Bush (pai), mesmo com a oposição de Aspin, trabalhou pelo
programa do governo para ser aprovado no Congresso e a Força Base se tornou a essência da
redução dos serviços armados americanos depois do fim da Guerra Fria, mas apenas por
pouco tempo (KAGAN, 2006: 145-150).

1.3.3 GUERRA DO GOLFO

Em julho de 1990, um jogo de guerra dos EUA mostrou que a Arábia Saudita poderia
ser defendida de um ataque iraquiano, mas a um custo alto. Em dois de agosto do mesmo ano,
o Iraque invadiu o Kuwait. Sob a influência da guerra contra o Irã, Saddam Hussein acusava o
Kuwait de roubar petróleo iraquiano. Em cinco de agosto, o presidente George H. W. Bush
19
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

afirmou que a invasão não continuaria. Em seguida, o rei saudita Fahd se encontrou com
Richard Cheney, então secretário de Defesa, solicitando apoio militar dos Estados Unidos.
Imediatamente aviões norte-americanos começaram a se deslocar para a Arábia Saudita (a
instalação militar estadunidense naquele país não agradaria Osama bin Laden). No dia 17 de
janeiro de 1991, após aprovação no Congresso dos Estados Unidos e nas Nações Unidas,
começou o ataque aliado de 34 nações, através do uso de helicópteros Apache. Aviões
invisíveis F-117 foram usados para atacar instalações de radares iraquianos. A Força Delta foi
enviada para buscar mísseis Scud, que estavam sendo lançados contra posições em Israel.
Mísseis norte-americanos Tomahawk foram lançados contra alvos no Iraque. Depois de uma
ampla mobilização das forças convencionais, como os Marines e o Exército, bem como a
Marinha e a Guarda Costeira, em 28 de fevereiro de 1991 deu-se o cessar-fogo. A campanha
militar foi considerada um sucesso, embora Saddam Hussein não tenha sido retirado do poder.
O bom funcionamento do Conselho de Segurança das Nações Unidas, antes “travado” por
disputas da Guerra Fria, levou a um pensamento sobre um novo paradigma de segurança
coletiva. Os Estados Unidos da América emergiram do episódio como a única “superpotência
global” remanescente, a qual lideraria o mundo em uma “nova ordem mundial”, caracterizada
pelo globalização da democracia liberal.

1.3.4 DOUTRINA POWELL

Terminada a Guerra do Golfo em 1991, Colin L. Powell, então chefe do Estado-Maior


Conjunto das Forças Armadas dos Estados Unidos da América (1989-1993), delineou sua
visão para ações militares decisivas e eficientes. O plano é chamado de “Doutrina Powell”,
embora não haja um documento formal com esta nomeação. Entretanto, Powell expôs suas
idéias em um artigo publicado na Foreign Affairs. Colin Powell afirmou que a instabilidade e
a incerteza que acompanham a queda de impérios (no caso, a ex-União Soviética) estavam
crescendo em vez de diminuir. A nova estratégia militar dos Estados Unidos tinha como sua
idéia central a mudança do foco em uma guerra global contra a URSS para um foco em
contingências regionais. Para lidarem com uma ampla gama de possibilidades, as Forças
Armadas dos EUA deveriam ser capazes de conduzir um vasto número de missões. Em
função disto, as novas Forças Armadas estadunidenses seriam orientadas em termos de
capacidades bem como em termos de ameaças. Os Estados Unidos deveriam se concentrar nas
capacidades de suas Forças Armadas para estas lidarem com um conjunto de ameaças, e não
uma ameaça única como foi a URSS. Tratava-se de uma orientação bastante diferente daquela

20
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

adotada na Guerra Fria. Conceitualmente, as Forças Armadas orientadas à capacidades eram


chamadas de “A Força Base” (POWELL, 1992/93).

Essencialmente, a doutrina Powell defende que a ação militar só deve ser usada como
último recurso e apenas se houver um risco claro à segurança nacional dos EUA. A força,
quando utilizada, deve ser esmagadora e desproporcional à inimiga. Deve haver um amplo
apoio por parte da opinião pública e uma estratégia de saída bem definida para o conflito no
qual os militares se engajarão. Washington deveria ganhar e ganhar decisivamente. Powell
teve como parte da base de sua doutrina de guerra as visões do antigo secretário de Defesa
dos Estados Unidos Caspar Weinberger (1981-1987), além da própria experiência pela qual
passou Powell enquanto major do Exército norte-americano na Guerra do Vietnã (1959-
1975). Conforme Charles Krauthammer, a Doutrina Powell encontrou sua expressão máxima
na Guerra do Golfo (1990-1991). A idéia não era competir com o poder iraquiano, mas
esmagá-lo completamente com aviões, tanques, tecnologia, poder humano e vontade. Isto
faria a guerra curta e a vitória certa. Atualmente a doutrina Powell parece óbvia, mas não era
naquele tempo. Durante anos, os Estados Unidos seguiram uma política de proporcionalidade:
restrita em razão do medo da escalada na guerra. Era sob esta teoria que o major Colin Powell
viu seus homens sangrarem e morrerem no Vietnã (KRAUTHAMMER, 2001).

1.3.5 LES ASPIN E A REVISÃO DE BAIXO PARA CIMA

Quando o presidente William (Bill) Clinton (1993-2001) nomeou Leslie (Les) Aspin
seu secretário de Defesa em 1993, ao novo secretário foi dada a missão de definir a estratégia
militar norte-americana para o contexto do pós-Guerra Fria. Aspin iniciou um processo
chamado “Revisão de Baixo para Cima” – Bottoms-Up Review (ou BUR) – cuja missão era
repensar cada aspecto da política militar americana. Aspin chegou a basicamente quatro
conclusões (FRIEDMAN, 2004: 83-84):

1. O interesse principal dos Estados Unidos era a manutenção da estabilidade mundial como
base para a expansão global da prosperidade econômica. Dessa forma, a missão dos militares
norte-americanos era manter a estabilidade planetária através de intervenções contra potências
menores dentro de um contexto de coalizões. Os Estados Unidos não teriam que lidar com um
rival à altura, como foi a URSS.
2. Os EUA, portanto, teriam que continuar projetando força por todo o mundo afora, inclusive
em lugares inesperados e em momentos não antecipados (as Forças Armadas deveriam ser
capazes de fazer isso).
3. Porém, o maior problema, evidenciado na Operação Tempestade no Deserto (Iraque, 1991)
era que as Forças Armadas dos Estados Unidos eram muito pesadas. Levaria-se cerca de seis
meses para se montar uma força capaz de lançar um ataque substantivo, ou seja, algo muito
demorado.

21
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

4. Dessa forma, os EUA precisavam construir uma força mais leve e mais rápida, com grande
ênfase em tecnologia e que fosse capaz de lidar com uma inúmera variedade de inimigos que
eventualmente entrariam em confronto naquele novo contexto.

Os militares norte-americanos ficaram divididos quanto à visão de Aspin. A Força


Aérea gostou, da mesma forma que o Comando de Operações Especiais, já que seria ampliada
a tecnologia disponível para ambos, tornando-os mais “letais” e importantes. O Exército, por
outro lado, não gostou dos resultados da “Revisão de Baixo para Cima”. Tal arma havia
construido sua força em torno de blindados e helicópteros, ambos levando muito tempo para
serem desdobrados ao campo de batalha e precisando de altos níveis de suprimentos para
operarem. Com a BUR, o Exército viu o seu papel ser diminuido. A partir de tal revisão,
surgiu a visão de que a projeção de poder dos EUA teria duas bases: o poder aéreo e as Forças
de Operações Especiais. Esse era o quadro de trabalho, aliás, com o qual os planejadores
trabalharam quando delinearam a invasão do Afeganistão quase uma década depois. A Força
Aérea dos Estados Unidos desenvolveu um conceito chamado “Alcance Global” (Global
Reach), que significava que a força poderia atacar alvos a partir de bases localizadas nos
próprios EUA, usando bombardeiros de longa distância. Isso economizaria tempo, já que não
seria necessário enviar, em um primeiro momento, aviões táticos ao teatro envolvido ou
manter navios ao redor do mundo. O conceito de “Alcance Global” colocou a Força Aérea
dos Estados Unidos da América no centro da emergente nova estratégia norte-americana
(FRIEDMAN, 2004: 84). Simultaneamente, o Comando de Operações Especiais e as Forças
Especiais do Exército americano apresentavam soluções para o deslocamento mais rápido de
tropas e efetivo do que as unidades convencionais do Exército.

As Forças de Operações Especiais viam a sua missão da seguinte maneira: deveriam


levar a letalidade rapidamente. Dessa forma, elas propuseram três maneiras de fazer isto.
Primeiro, as suas próprias forças poderiam entrar rapidamente em um país hostil e executar
operações encobertas precisamente. Segundo, as Forças Especiais do Exército poderiam
penetrar as fronteiras de determinado país, juntar-se à forças locais que eventualmente
compartilhassem dos interesses dos Estados Unidos e guiá-las nas batalhas. Finalmente, na
terceira maneira, os operadores especiais poderiam localizar alvos e chamar ataques aéreos
contra tais alvos (e poderiam fazer isto em dias em vez de meses). Particularmente nos
pequenos conflitos dos anos 1990, o Comando de Operações Especiais se percebia lutando a
guerra até que o Exército convencional pudesse chegar para ocupar o país.

22
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Um novo modelo de guerra, baseado em três pilares, começou a emergir. O poder de


fogo pesado não viria da artilharia e dos tanques, mas dos aviões. As forças de combate de
solo seriam mais leves, rápidas e sofisticadas tecnologicamente, além de organizadas pelo
Comando de Operações Especiais em vez do Exército convencional. Quando forças terrestres
maiores fossem necessárias, elas poderiam ser recrutadas, treinadas e guiadas pelas Forças
Especiais do Exército dentro da nação inimiga. Isto resolveria o problema de levar as forças
pesadas do Exército ao conflito. Assim, os planejadores foram levados a um princípio básico
da guerra americana que remonta ao período anterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918):
os Estados Unidos não lutam sozinhos, mas sim com coalizões, quer sejam de forças locais,
quer sejam de Estados-nação (FRIEDMAN, 2004: 85). O modo de guerra sugerido por Aspin
aumentou a dependência dos EUA em relação à outras nações, bem como em relação à forças
locais. Isto levou as Forças Especiais ao centro da estratégia emergente, já que era o trabalho
destas fazer com que uma força local lutasse pelos Estados Unidos.

As Forças Especiais (também chamadas de Boinas-Verdes e “Comedores de Cobras”,


além de auto-denominadas “Profissionais Silenciosos”) foram criadas nos anos 1950 com a
missão de conduzir guerra com táticas de guerrilha atrás das linhas soviéticas no caso de uma
guerra na Europa (dado o contexto da Guerra Fria)9. Os Boinas-Verdes se desenvolveram na
Guerra do Vietnã (1959-1975) como uma força que podia conduzir operações irregulares por
conta própria, ou com forças vietnamitas ou do Laos – às quais as Forças Especiais davam
treinamento. Nos anos 1980, as Forças Especiais foram integradas ao Comando de Operações
Especiais. O Exército regular não se sentia confortável com as suas próprias Forças Especiais,
além de que também não gostava do Comando de Operações Especiais. Entretanto, as Forças
Especiais eram a chave de todo o novo conceito que emergia nos EUA dos anos 1990. Foram
feitas para se moverem antes do início de uma batalha principal, juntarem-se à forças amigas
dentro de determinado país, entregar inteligência à Força Aérea e também atacar forças
inimigas diretamente. Do ponto de vista de Aspin, as Forças Especiais eram a solução para o
problema estratégico dos Estados Unidos. O fato de que os Boinas-Verdes podiam trabalhar
bem em sincronia com a Diretoria de Operações da Agência Central de Inteligência aumentou
ainda mais a utilidade dos “Profissionais Silenciosos”.

Já o papel do Exército convencional seria se mover após o Comando de Operações


Especiais e a Força Aérea (ou aviões baseados em porta-aviões) terem atacado o inimigo. O

9
Para um relato mais detalhado sobre a origem das Forças Especiais, ver Col. Aaron BANK. From OSS to
Green Berets. New York: Pocket Books, 1986.
23
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Exército finalizaria o trabalho e ocuparia o país eventual. Na nova visão de Aspin, o papel de
combate do Exército começaria no fim do auge da guerra. O Exército conduziria as batalhas
finais, com poucas baixas assim, e se estabeleceria no território ocupado. Enquanto isso, as
Operações Especiais se ocupariam das “glórias” maiores. Naturalmente, os comandantes de
tanques não gostaram desta nova visão. Era, porém, o tipo de guerra usado na Operação
Tempestade no Deserto e no Afeganistão (FRIEDMAN, 2004: 86).

1.3.6 DUAS GUERRAS PRINCIPAIS SIMULTÂNEAS

A estrutura da “Força Base” delineada pelo general Colin Powell foi designada para
lidar com dois conflitos de larga-escala (Major Regional Conflicts, ou MRCs) ao mesmo
tempo (por exemplo, o Iraque e a Coréia do Norte ou, atualmente, o Afeganistão e o Iraque).
Todavia, a administração de Bush (pai) não especificou quais seriam os dois conflitos.
Embora tal modelo tenha alguma sustentação histórica (os EUA sempre defenderam múltiplos
interesses simultaneamente), recebeu muitas críticas. Les Aspin, com o Bottoms-Up Review,
quis mudar este conceito. Entretanto, após tais revisões, o que emergiu foram Forças Armadas
fundamentalmente iguais às da época soviética, só que em tamanho menor (KAGAN, 2006:
156).

1.3.7 REVOLUÇÃO NOS ASSUNTOS MILITARES

Não há exemplo na história das chamadas “revoluções nos assuntos militares” de uma
revolução que tenha sido conduzida com sucesso em um “vácuo estratégico” (no caso, os
anos 1990). Na época, muitos falavam que o mundo estava indo de uma “era industrial” para
uma “era da informação”. Embora os esforços de transformação nos anos 1990 tenham
produzido alguns avanços em campos específicos, trata-se de um caminho errado na história
do desenvolvimento militar norte-americano, que preparou o terreno para os problemas com
os quais os EUA teriam de lidar no mundo do onze de setembro (KAGAN, 2006: 200-201).

Alvin Toffler, no livro A Terceira Onda (1980), afirmou que o mundo estava se
movendo de uma “era industrial” para uma “era da informação”. Essa idéia capturou o
Exército dos EUA nos anos 1990. O “Projeto Força XXI”, de 1994, visava à inteira
digitalização do Exército, para melhor entendimento do “espaço de batalha” (e não mais
campo de batalha). Só que o conceito de digitalização não foi colocado nos contextos da
estratégia e da grande estratégia dos Estados Unidos, nem mesmo no da guerra conjunta
(KAGAN, 2006: 202-210).

24
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

O programa “Conhecimento Dominante do Espaço de Batalha” (Dominant


Battlespace Knowledge) visava ao aumento na eficiência por meio do uso da tecnologia da
informação, tratando-se de um modelo oriundo dos negócios. A idéia ajudou a inserir no
pensamento norte-americano sobre defesa a noção de que a revolução nos assuntos militares
conduzida pela informação estava a caminho e era inevitável. Em 1996, Harlan Ullman e
James P. Wade publicaram um estudo chamado Choque e Surpresa: Alcançando Rápida
Dominação (Shock and Awe: Achieving Rapid Dominance), que visava a estabelecer um novo
paradigma para o planejamento de defesa dos Estados Unidos. O argumento central era uma
simplificação dos conceitos de Warden. Ullman e Wade advogavam o uso da força militar
para alcançar efeitos diretos na liderança inimiga em vez de atritar as forças do inimigo no
campo de batalha. Achavam que a revolução na informação deveria ser adaptada às
Operações Outras que a Guerra (ver adiante). Já no conceito de “Fase de Parada” (Halt
Phase), faltava perspectiva política e realidade militar. Tratava-se de uma volta ao modelo de
poder aéreo baseado em atrito, isto é, pura guerra. Entre 1996 e 1997 houve um esforço
intelectual, ilustrado pela Comissão sobre Papéis e Missões de 1995 e a Revisão Quadrienal
de Defesa de 1997. A Visão Conjunta 2010, de 1996, levou à Visão do Exército 2010 e ao
Engajamento Global: Uma Visão da Força Aérea do Século XXI (KAGAN, 2006: 212-227).

O Painél de Defesa Nacional, uma releitura da Revisão Quadrienal de Defesa feita


pelo Congresso em 1997, propôs uma nova visão para a transformação. Em vez de atualizar
os sistemas antigos, deveria se trabalhar em prol da tecnologia da próxima geração. A
velocidade se tornava o conceito-chave. Eric Shinseki, chefe do Estado-Maior do Exército a
partir de 1999, propõs a divisão das forças do Exército em Força de Legado (Legacy Force),
Força Interina (Interim Force) e Força Objetiva (Objective Force). O fator crítico na
transformação militar, para Shinseki, era a capacidade de movimentação de tropas. A Força
Objetiva foi centrada no Sistema de Combate Futuro (Future Combat System – FCS).
Ademais, o programa “Exército Depois do Próximo” (Army After Next) se constituia em jogos
de guerra na Escola de Guerra do Exército (Army War College) em Carlisle, Pensilvânia.
Entre outros resultados, estava a convicção de que os inimigos futuros tirariam vantagem das
cidades para encobrirem suas forças das armas precisas dos EUA. Além disso, os campos de
batalha do futuro seriam celulares, não linerares. Entretanto, a comunidade estratégica dos
EUA nos anos 1990 ficou muito vidrada na tecnologia e esqueceu dos objetivos maiores da
guerra, isto é, seus objetivos políticos (KAGAN, 2006: 239-253).

25
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

1.3.8 GUERRA CENTRADA EM REDE

Desde a sua origem nos anos 1997 e 1998, a “guerra centrada em rede” (network-
centric warfare – NCW) tinha vantagens significativas sobre as teorias com as quais
concorria. Dado que ela era baseada em teorias e práticas dos negócios, tinha uma base
teórica mais sofisticada do que suas competidoras. A NCW foi apresentada como uma nova
capacidade e um novo conjunto de necessidades – quando, na verdade, era uma progressão
lógica limitada dos esforços já em andamento nos anos 1990. A guerra centrada em rede foi
descrita em detalhes pela primeira vez em 1998 por David S. Alberts, John J. Garstka e
Frederick P. Stein. Todos eles estavam envolvidos em diversos programas de digitalização e
transformação no Pentágono. Desde o início, o conceito teve o apoio entusiasmado do
almirante aposentado Arthur K. Cebrowski, o qual co-escreveu um artigo com Garstka em
1998. O modelo da NCW foi baseado em corporações que, nos anos 1990, usaram métodos
organizacionais e técnicas inovadoras combinadas com tecnologias da informação para
alcançar vantagens sobre seus concorrentes.

Os proponentes da guerra centrada em rede prometeram uma revolução dramática nas


capacidades militares americanas. A base da NCW era a crença em uma ligação profunda
entre a natureza da economia e a da guerra. A guerra centrada em rede daria as capacidades
militares para implementar as idéias do conceito de “Choque e Surpresa” proposto por
Ullman e Wade. Todavia, a NCW parecia ignorar os aspectos políticos da guerra. O resultado
foi uma tendência crescente de ver o inimigo como uma massa inerte e sem vida que seria
atingida pela capacidade precisa dos EUA. Assim como o conceito de “Choque e Surpresa”, a
NCW focava muito nos aspectos de guerra convencional das Operações Outras que a Guerra
– e não na idéia central desta: a operação de forças em ambientes civis complexos. Os
assessores de George W. Bush acreditavam em uma transformação militar a partir do enfoque
da NCW, a qual foi colocada no coração do programa de defesa pelo secretário Rumsfeld.
Dessa forma, a partir de janeiro de 2001, a NCW se tornou a base do pensamento,
planejamento e orçamento do setor de defesa nos EUA.

A Revisão Quadrienal de Defesa de 2001 foi publicada 21 dias após o onze de


setembro e incorporou a “revolução nos assuntos militares” como era entendida por Bush e
Rumsfeld, bem como o recorte baseado em capacidades para o planejamento de força. Fred
Kagan percebe uma mudança de uma aproximação em duas guerras simultâneas para “uma
guerra mais pequenas contingências” (KAGAN, 2006: 283). Conforme Fred Kagan, a criação
de Forças Armadas estrategicamente mais deslocáveis deveria seguir inicialmente uma
26
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

reorientação das bases dentro dos próprios EUA, mas isto seria inviável politicamente. O mais
importante do QDR de 2001 foi a criação do Escritório de Transformação da Força (Office of
Force Transformation), que se reportava diretamente tanto ao secretário quanto ao sub-
secretário de Defesa. Todavia, o documentou emergiu em um momento no qual o movimento
de “guerra da informação” tinha a convicção de que a guerra se tratava sobre a destruição da
habilidade do inimigo em lutar, tanto por meio de atrito preciso ou atingindo centros de
gravidade. Não considerou as conseqüências da política de troca de regimes que aceitou como
uma possível missão militar. Isto teria implicações na Guerra do Afeganistão, que estava para
começar.

1.3.9 CONFLITOS DE BAIXA-INTENSIDADE

Embora os Estados Unidos nunca tenham dado muita importância aos conflitos de
baixa-intensidade (low-intensity conflicts, em inglês), estes entraram na agenda norte-
americana com mais ênfase a partir dos anos 1980. Trata-se de um tipo de conflito também
conhecido como “pequena guerra” (small war) e é conduzido entre uma Força Armada
regular e grupos irregulares. Não é por se chamar pequena guerra que o conflito de baixa-
intensidade seja menor. Pode ser até mais violento, aliás, do que uma guerra convencional.
Pequenas guerras é um termo que foi cunhado por Charles E. Callwell no livro Small Wars: A
Tactical Textbook for Imperial Soldiers, de 1906, e significa “todas campanhas que não sejam
aquelas onde os dois lados opostos consistem-se de tropas regulares”. Uma pequena guerra,
definida dessa forma, não precisa ser necessariamente uma guerra conduzida em pequena
escala (GRAY, 1999: 273).

1.3.10 OPERAÇÕES OUTRAS QUE A GUERRA

Em 1990, o general Gordon Sullivan, que em breve se tornaria chefe do Estado-Maior


do Exército, declarou que a queda da URSS levaria a um aumento na importância dos
conflitos de baixa-intensidade. Sullivan argumentou que o Exército e a nação deveriam dar
mais atenção às “Operações Outras Que a Guerra” (OOTW, na sigla em inglês) e redefinir a
noção de como a força militar deveria ser empregada. Os pensadores e líderes do Exército se
focaram no avanço da tecnologia e na fragmentação da ordem internacional nos anos 1990. O
Exército abandonou o conceito de Batalha Aéreo-Terrestre em sua revisão de doutrina
realizada em 1993. No lugar vieram as “Operações Outras Que a Guerra”, incluindo
manutenção da paz e missões humanitárias. A aprovação de Sullivan em relação ao conceito
de OOTW rapidamente foi aprovada pelo Exército durante a revisão de seu manual de
27
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

doutrina, FM 100-5, em 1993. A primeira seção do capítulo sobre os fundamentos das


operações do Exército, intitulada “a extensão das operações militares”, começava com as
“Operações Outras Que a Guerra” e só então considerava a guerra propriamente dita. O
manual incluiu pela primeira vez um capítulo inteiro sobre OOTW. Sullivan argumentou que
a tecnologia estava transformando a guerra através do aumento da letalidade dos exércitos
modernos não de forma geométrica, mas exponencial. A frase “efeitos de massa, não de
forças” definiria o pensamento do Exército nos anos 1990. A letalidade das forças modernas,
acompanhada pela sua dispersão no campo de batalha, significava que unidades menores
poderiam produzir efeitos potencialmente decisivos. Sullivan destacava as Forças de
Operações Especiais e poderia estar prevendo a guerra dos EUA no Afeganistão que ocorreria
alguns anos depois. Sullivan avisou que a tecnologia cambiante não transformaria a natureza
humana, e a guerra continuaria como um híbrido entre a ciência e a arte.

1.4 ANO 2000 EM DIANTE

No final de dezembro do ano 2000, George W. Bush anunciou que selecionara Donald
Rumsfeld para ser seu secretário de Defesa. No anúncio, Bush repetiu as principais idéias de
seu futuro secretário, especialmente aquela referente à “transformação militar”. Assumindo
seu segundo termo na condição de secretário de Defesa, Rumsfeld acreditava que o controle
civil sobre os militares havia erodido durante os anos Clinton. Para Rumsfeld, os serviços
armados ainda estavam lutando a Guerra Fria. Eram menores do que aqueles que haviam
combatido na Guerra do Golfo, mas ainda não tinham mudado sua estrutura de forma
substancial. Rumsfeld sentia-se bem em advogar o uso do poder militar, especialmente o
poder aéreo. Rumsfeld se opunha à utilizaçào de tropas terrestres como mantenedoras da paz,
assim como era um entusiasta da inteligência, armas especiais e mísseis (HERSPRING, 2008:
6-7).

1.4.1 RUMSFELD E A TRANSFORMAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO GEORGE W. BUSH

George W. Bush já estava preocupado com a “transformação militar” antes mesmo de


se tornar presidente. Em um discurso em Citadel no ano de 1999, disse que as Forças
Armadas dos EUA estavam mais organizadas para ameaças da Guerra Fria do que para os
desafios do século XXI, quer dizer, mais preparadas para operações da “era industrial” do que
para batalhas da “era da informação”. Os Estados Unidos eram a única superpotência
mundial, então Washington tinha o tempo necessário para pular uma geração de armas antes

28
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

de qualquer outro país se tornar uma ameaça significativa (tratava-se de um período de “pausa
estratégica”). Donald Rumsfeld criaria uma nova arquitetura para a defesa dos EUA e de seus
aliados. Em terra, as forças pesadas seriam mais leves. Estas seriam mais letais. Todas se
desdobrariam e se sustentariam mais facilmente. No ar, os Estados Unidos estariam aptos a
atacar todo o mundo com precisão, usando tanto sistemas tripulados quanto não tripulados
(HERSPRING, 2008: 22-23).

Na virada do século, Rumsfeld estava convencido de que o futuro da força militar se


encontrava no espaço e na tecnologia. O guerreiro humano poderia continuar importante, mas,
na mente de Rumsfeld, a diferença entre os militares americanos e os demais era a habilidade
em se apoiar em armas de alta tecnologia. Além disso, como apontara o Painél de Defesa
Nacional, era o momento para os Estados Unidos pararem a produção de armas para fazerem
o pulo de gerações que a revolução nos assuntos militares prometia. Ninguém queria um
Exército que levasse semanas ou meses para ser deslocado, como aconteceu na Guerra do
Golfo. Diferentemente, a Marinha e a Força Aérea já eram bem servidos de alta tecnologia,
enquanto os Marines eram extremamente móveis (HERSPRING, 2008: 27, 29). Vale lembrar,
ademais, como apontado anteriormente, que o secretário Donald Rumsfeld não era o único a
trabalhar por uma “transformação militar”.

O general Eric Ken Shinseki, então chefe do Estado-Maior do Exército dos EUA
(1999-2003), militar que já vinha trabalhando, antes mesmo de Donald Rumsfeld assumir, por
um tipo de transformação militar (a qual Rumsfeld não aceitaria: queria impor seu próprio
modelo, o que levaria a certas tensões internas no Pentágono), defendia o uso de plataformas
menos pesadas, isto é, brigadas e divisões mais leves e móveis. O Exército estadunidense
tinha que ser mais leve e móvel para responder ao crescente número de operações de paz,
assim como pequenas insurgências com as quais teria de lidar. Estava ficando claro para
Shinseki que os campos de batalha do futuro seriam celulares, não lineares. Em vez das linhas
de frente que marcaram a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a Guerra da Coréia (1950-
1953), por exemplo, os inimigos estariam misturados com as forças dos Estados Unidos. Eles
poderiam estar na frente ou atrás dos soldados norte-americanos e seriam um novo tipo de
inimigo (HERSPRING, 2008: 30-31).

Eric Shinseki acreditava que o guerreiro estadunidense seria a chave. Todavia, para
Rumsfeld, o futuro pertencia às armas espaciais e no maior uso do poder aéreo. O Exército
não ocupava um lugar de destaque nos planos de Rumsfeld. Este, aliás, queria economizar
recursos cortando programas do Exército, de forma que pudesse alocar mais dividendos para
29
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

o espaço e o poder aéreo. Para Rumsfeld, o combate próximo (a razão de existência do


Exército) era algo do passado. As guerras futuras seriam conduzidas por mísseis e outras
ferramentas tecnológicas – áreas nas quais os EUA possuiam grande vantagem. A relação
entre Rumsfeld e o Exército ficaria tão ruím que, em 2002, alguns oficiais se referiam a ele e
seus ajudantes como “o inimigo”. Todavia, a relação de Rumsfeld com o Congresso nacional
seria ainda pior. Afinal, os militares seguem ordens, mas o Congresso espera poder participar
das decisões (HERSPRING, 2008: 31-32).

Andrew Marshall, conselheiro de Rumsfeld, apontou que o Pacífico seria a área-chave


de operações, já que a China estava se tornando mais poderosa. Em segundo lugar, os EUA
deveriam prestar mais atenção à projeção de poder de larga escala. Em terceiro, os Estados
Unidos precisariam estar aptos a se sustentar, especialmente quando estivessem longe de suas
bases. Em quarto lugar, os sistemas estadunidenses deveriam ter capacidades invisíveis, por
causa da proliferação de mísseis e de armas de destruição em massa. Finalmente, as Forças
Armadas deveriam cortar os gastos de sistemas de armas antigos (HERSPRING, 2008: 33),
algo que poderia trazer atritos.

Em 25 de maio de 2001, o presidente George W. Bush usou um discurso seu aos


formandos da Academia Naval para estimular mais criatividade no pensamento militar. O
presidente disse que queria construir uma força futura que fosse menos definida pelo tamanho
e mais moldada pela invisibilidade, precisão e informação. Em junho do mesmo ano, David
Gompert, então vice-presidente do think-tank RAND Corporation, deu instruções resumidas
sobre o futuro da guerra convencional, falando da importância de bombas precisas de longa
distância e de mísseis os quais aviões poderiam lançar em alvos longínquos (HERSPRING,
2008: 34-35).

Sob a nova estratégia de Donald Rumsfeld (um documento que o secretário fornecera
aos planejadores do Pentágono que desenvolviam a Revisão Quedrienal de Defesa de 2001),
aos militares caberiam basicamente quatro tarefas (HERSPRING, 2008: 37):

1. Defender o território norte-americano;


2. Deter ações hostis na Europa, Oriente Médio, Sudoeste asiático, Nordeste asiático e na
Ásia oriental;
3. As Forças Armadas estadunidenses precisam estar aptas a vencerem um conflito principal
(major conflict);
4. As Forças Armadas norte-americanas precisam ser capazes de conduzir algumas
operações de pequena escala em outras partes do mundo.

30
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Além disso, Rumsfeld também queria que os serviços armados desenvolvessem novas
capacidades no espaço, na inteligência e na guerra de informação, além de experimentarem
novas tecnologias. Ademais, os militares deveriam criar forças-tarefa para responderem a
crises ao redor do mundo, rápida e decisivamente.

A principal impressão da Revisão Quadrienal de Defesa (QDR) de 2001 era que o


documento não mudava as coisas tão significativamente. Como aponta Frederick Kagan,
apesar de todas as discussões sobre o quão revolucionário era o remodelamento das forças, a
Revisão Quadrienal de Defesa daquele ano não recomendou nenhuma mudança significativa
no tamanho, composição ou organização das Forças Armadas norte-americanas (KAGAN,
2006: 283). A Revisão Quadrienal de Defesa anunciou a criação do Escritório do Pentágono
para a Transformação da Força. Politicamente, o QDR de 2001 colocou a transformação
militar no centro do planejamento de defesa dos Estados Unidos (HERSPRING, 2008: 42).

1.4.2 ONZE DE SETEMBRO DE 2001

A primeira reação de George W. Bush foi ordenar que Colin Powell e o Departamento
de Estado lançassem um ultimato ao Talebã, mandando que entregassem Osama bin Laden;
do contrário, os EUA atacariam o país. Enquanto o Afeganistão se tornaria uma atração
menor do que o Iraque, foi o foco principal da administração Bush nos meses finais de 2001.
O presidente Bush queria uma resposta imediata das Forças Armadas dos Estados Unidos –
uma resposta que faria os “terroristas” pagarem um preço muito alto por aquilo que haviam
feito contra os EUA. Rumsfeld e seus colegas assumiram que Saddam Hussein estava por trás
do onze de setembro. O sub-secretário de Defesa para Política, Douglas Feith, dizia que a
campanha deveria ser imediatamente conduzida a Bagdá. Já Rumsfeld sugeriu que os Estados
Unidos deveriam atacar tanto o Iraque quanto a al-Qaeda no Afeganistão. Powell discordou,
dizendo que havia apoio público para atacar a organização de bin Laden, mas não para uma
invasão no Iraque. Por incrível que pareça, o vice-presidente Dick Cheney concordava com
Powell. Bush também deixou claro que não achava o momento adequado para resolver a
questão do Iraque. O presidente havia falado com Richard Alan Clarke, então conselheiro de
contra-terrorismo no Conselho de Segurança Nacional dos EUA, que lhe garantira que o onze
de setembro for a obra da al-Qaeda (HERSPRING, 2008: 77). Clarke era conhecido como o
“czar” do contra-terrorismo nas administrações de Clinton e Bush (filho).

As preocupações com Saddam Hussein são anteriores a administração de George W.


Bush. Para alguns dos futuros oficiais do governo Bush, como Paul Wolfowitz, a falta de ação

31
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

dos EUA com relação ao Iraque era moralmente chocante. Depois da Guerra do Golfo, ao
longo dos anos 1990, a política dos EUA visava a conter Saddam Hussein. Zonas de exclusão
aérea foram criadas no sul e no norte do respectivo país, de modo que os aviões iraquianos
não poderiam entrar em tais áreas. Em 1995 o Conselho de Segurança das Nações Unidas
criou o programa Petróleo por Comida. Assim, diversos formuladores de políticas públicas
acreditavam que Saddam estava contido. Seu Exército estava enfraquecido após a Guerra do
Golfo e, mesmo que Saddam permanecesse sendo um déspota, havia pouco que podia fazer
para ameaçar os EUA. Entretanto, Paul Wolfowitz, Douglas Feith e outros falcões achavam
que ele era uma ameaça para a região e para Israel. Livrando-se de Saddam, os falcões
estavam convencidos de que iniciariam um novo capítulo no Oriente Médio. A democracia no
Iraque, em tese, teria um efeito dominó. Em janeiro de 1998, Richard Perle, presidente do
Comitê Consultivo da Junta de Política de Defesa (órgão ligado ao Pentágono) nos primeiros
anos da administração de George W. Bush, e Paul Wolfowitz fizeram uso do think-tank neo-
conservador Projeto para um Novo Século Americano para enviar uma carta aberta ao
presidente Clinton pedindo uma campanha terrestre para retirar Saddam Hussein do poder.
Sob pressão dos falcões iraquianos, no outono de 1998 o Congresso dos EUA aprovou a Lei
de Libertação do Iraque (Iraq Liberation Act), que declarava que deveria ser a política dos
Estados Unidos procurar remover o regime de Hussein e substitui-lo por uma democracia.
Enquanto a administração de George W. Bush tinha outros problemas para lidar, como a
China e o escudo anti-mísseis, os falcões iraquianos continuaram na ativa. Eles consideravam
o general Colin Powell, que se tornaria secretário de Estado, uma anomalia na nova
administração, porque ele não acreditava na “necessidade absoluta” de mudança de regime no
Iraque. Os falcões também se ressentiam de Powell por outro motivo. Ele havia escrito a
Doutrina Powell, que assumia que, antes dos EUA irem à guerra, um número de ações
preliminares deveria ser tomado. Os Estados Unidos e os seus parceiros deveriam usar uma
força esmagadora contra o seu inimigo. Isso minimizaria as perdas norte-americanas, forçaria
o outro lado a capitular rapidamente e permitiria às forças estadunidenses pacificar o país
após terminado o combate. Entretanto, para Donald Rumsfeld, o Iraque representava uma
oportunidade para ele provar sua teoria de “transformação militar” por meio do uso do menor
número possível de tropas. O general Shinseki, por outro lado, estava mais preocupado com
um conflito em potencial no mar Cáspio do que no Iraque. O general Marine Tony Zinni,
chefe do Comando Central dos EUA, era o mestre em jogos de guerra envolvendo o Iraque.
Ele julgava serem necessários cerca de 400.000 soldados para tomar e ocupar o Iraque
(HERSPRING, 2008: 68-73).
32
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

No dia dez de janeiro de 2001, Bush foi falar com o Estado-Maior Conjunto. O Iraque
era o primeiro tópico da lista de assuntos, porque seria a área de maior risco com a qual teria
de lidar. Quando o Conselho de Segurança Nacional se reuniu em cinco de fevereiro do
mesmo ano, revelou-se que a Casa Branca já havia decidido dar recursos a grupos iraquianos
no exílio e apoiar grupos anti-regime dentro do Iraque. Cerca de uma semana depois,
enquanto Bush visitava o México, aviões norte-americanos e britânicos, que voavam nas
zonas de exclusão aérea no Iraque, acertaram vinte alvos militares de comunicação, incluindo
alguns próximos à Bagdá. Estava claro que o Iraque era uma das principais preocupações da
administração, ao contrário do terrorismo. Richard Clarke chamava a atenção para a luta
contra a al-Qaeda e o Talebã. Paul Wolfowitz, porém, diminuiu qualquer ameaça oriunda da
al-Qaeda e continuava a argumentar que o Iraque era o perigo principal. A CIA estava
preocupada com a al-Qaeda pelo fato desta ter algo em mente. Em 30 de maio de 2001,
George Tenet, então diretor da CIA, e alguns de seus assistentes avisaram a então conselheira
de Segurança Nacional Condoleezza Rice. Em dez de julho, Tenet recebeu um relatório do
chefe da unidade de contra-terrorismo da CIA, Cofer Black, que afirmava que a al-Qaeda logo
atacaria os EUA. Rumsfeld não levou os avisos a sério e quis se focar em planos de guerra
contra o Iraque e a Coréia do Norte (HERSPRING, 2008: 73-75).

1.4.3 O ASSALTO NO AFEGANISTÃO

Em função do Pentágono não ter um plano viável para mover tropas de solo para o
Afeganistão, a Agência Central de Inteligência assumiu o papel de liderança na configuração
de um plano de guerra no encontro de doze de setembro de 2001 – no que George Tenet
chamou de o “Gabinete de Guerra” (HERSPRING, 2008: 78). O plano de ação da CIA
apontava para o uso de uma equipe paramilitar da própria agência e aviões não-tripulados
Predador dentro do Afeganistão, para trabalhar com as forças de oposição ao Talebã,
especialmente a Aliança do Norte, e preparar o terreno para a inserção das Forças Especiais
do Exército norte-americano. A CIA vinha operando no Afeganistão há um bom tempo – ao
menos desde que os soviéticos estiveram lá nos anos 1980. A CIA conhecia as tribos, os
grupos étnicos, os líderes, a cultura e, em algum nível, os idiomas, e também quem iria e
quem não iria cooperar com os EUA.

Como Tommy Franks apontou, o CENTCOM não tinha desenvolvido um plano para
operações convencionais de solo no Afeganistão. Também não tinha as costuras diplomáticas
para a instalação de bases, vôos e acessos necessários aos vizinhos do Afeganistão. Assim, o

33
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

CENTCOM começou a trabalhar contra o relógio, enquanto movimentava navios, aviões e


tropas para ficar em posição para atacar a al-Qaeda e remover o regime Talebã. Entre as
opções oferecidas pelo CENTCOM, a escolhida por Rumsfeld foi aquela que favorecia
mísseis de cruzeiro, bombardeiros e Forças Especiais. Em um encontro em Camp David em
15 de setembro de 2001, enquanto o foco principal era o Afeganistão, Paul Wolfowitz tentou
introduzir novamente o Iraque na equação. Ele argumentava que seria mais fácil invadir o
Iraque. Todos os presentes votaram contra atacar o Iraque (Rumsfeld se absteve). O general
Shelton, em conversa reservada com Bush, disse que atacar o Iraque romperia a balança de
poder no Oriente Médio, além de que não havia informações ligando Saddam Hussein ao
onze de setembro (HERSPRING, 2008: 78).

O fato da CIA, e não o Departamento de Defesa, ter assumido o controle da resposta


norte-americana foi algo que irritou Donald Rumsfeld. No processo de decisão sobre um
plano militar, Rumsfeld e Franks concordavam que a força de solo estadunidense deveria ser
pequena – ambos queriam evitar a repetição da experiência soviética, que envolveu grandes
números de tropas em situação perigosa em um Afeganistão hostil. Aliás, seria novidade lutar
uma guerra usando uma força nativa local: a Aliança do Norte, reforçada apenas com Forças
de Operações Especiais, equipes da Agência Central de Inteligência e apoio de fogo aéreo
(HERSPRING, 2008: 79-82).

A ação militar começou no dia sete de outubro de 2001. No final de setembro, equipes
encobertas da CIA haviam sido inseridas no Afeganistão. Essas equipes da inteligência, com
as Forças Especiais e aliados locais juntariam suas forças para derrotar o Talebã. As equipes
norte-americanas se juntaram à Aliança do Norte em 20 de outubro e mais ou menos em cinco
de novembro eles estavam atacando Mazar-e-Sharif, a cidade mais importante do norte
afegão. Todavia, ninguém tinha decidido que tipo de governo seria colocado depois da derrota
do Talebã. Segundo o jornalista Bob Woodward, Bush era contra o uso dos militares
estadunidenses para missões de construção de nações. Uma vez que o trabalho estivesse
realizado, as forças dos Estados Unidos não seriam mantenedoras da paz. Ao contrário, seria a
CIA e as suas malas de dinheiro que organizariam o país novamente (WOODWARD apud
HERSPRING, 2008: 85).

Um dos aspectos mais confusos da guerra era saber quem estava no comando. Em um
encontro com o presidente Bush e o general Franks em 15 de setembro de 2001, Rumsfeld
trouxe esta questão. Ele sugeriu que o comando operacional da CIA fosse dado ao Pentágono.
Em 19 de outubro de 2001, cinco semanas após os eventos de onze de setembro, as Forças
34
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Especiais chegaram ao solo afegão. Agora, em vez de apenas bombardear o regime Talebã, o
Departamento de Defesa poderia fazer uma contribuição importante no solo. A CIA estaria
sob as ordens do CENTCOM. Porém, as equipes da agência de inteligência sabiam muito
mais sobre as particularidades do Afeganistão do que os militares. George Tenet recebeu um
relatório de Rumsfeld em 25 de outubro de 2001; escrito pela Agência de Inteligência de
Defesa (Defense Intelligence Agency – DIA, a agência de inteligência militar do Pentágono),
mostrava como o Departamento de Defesa estava mal informado sobre o Afeganistão.

No meio de novembro, Mazar-e-Sharif caiu e, pouco tempo depois, Cabul. O Talebã e


a al-Qaeda estavam na defensiva. Kandahar caiu no dia sete de dezembro. A Aliança do
Norte, seus aliados pashtuns e os EUA agora controlavam o país. No final, apenas 110
agentes da CIA e 316 soldados das Forças Especiais derrubaram o regime Talebã. Osama bin
Laden, membros da al-Qaeda e alguns talebã recuaram para as montanhas no leste, próximo à
fronteira com o Paquistão. A região (Tora Bora) não era apenas acidentada e alta, mas
também estava em uma área aonde os governos centrais (do Afeganistão e Paquistão) tinham
apenas controle limitado. Isso incluia um amplo complexo de cavernas construido pelos
mujahideens nos anos 1980. As cavernas estavam equipadas com comida, água, armas,
eletricidade e um sistema de ventilação. Os afegãos se esconderam lá durante a guerra contra
o Exército soviético. Muitas das cavernas iam até o Paquistão (HERSPRING, 2008: 85).

Tommy Franks decidiu então enviar unidades das Forças Especiais que levavam
equipamento especial de comunicação que permitia que chamassem o poder aéreo quando
necessário. Eram apoiados por milícias tribais afegãs. Alguns analistas acreditam que, se
Washington tivesse enviado um número maior de tropas, Osama bin Laden e seus seguidores
poderiam ter sido capturados ou mortos. A decisão parece ter sido de Franks. O plano era
forçar a al-Qaeda e o Talebã do alto das montanhas para dentro das cavernas e, então,
bombardeá-las. As Forças Especiais e seus aliados chegaram ao alto das montanhas e
forçaram a al-Qaeda para dentro das cavernas, que foram bombardeadas com bombas
poderosas de penetração. Todavia, aparentemente Osama bin Laden fugiu para o Paquistão.

1.4.4 NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Falando em Citadel em onze de dezembro de 2001, o presidente Bush argumentou que


a guerra no Afeganistão provou a validade do novo método da administração para a guerra.
“Estamos lutando contra inimigos invisíveis e entrincheirados, inimigos usando a ferramenta
do terror e da guerra de guerrilha – ainda que estamos procurando novas táticas e novas armas
35
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

para atacá-los e derrotá-los. Essa revolução nas nossas Forças Armadas está apenas
começando e promete mudar a face da batalha” (BUSH apud HERSPRING, 2008: 86).

Donald Rumsfeld apoiava fortemente as Forças de Operações Especiais. Ele gostou da


performance delas no Afeganistão e gostava do modo de luta não-tradicional e não-
convencional das mesmas. Ele também as favoreceu porque estava frustrado com as agências
de inteligência – especialmente a CIA – pois achava que elas não conseguiam fazer seu
trabalho. Rumsfeld acreditava que os militares deveriam assumir uma função mais ampla no
chamado “mundo negro” das operações encobertas. Conseqüentemente, a comunidade de
Operações Especiais foi expandida e recebeu maior autoridade.

Por exemplo, Rumsfeld aprovou dar ao Comando de Operações Especiais (SOCOM)


maior autoridade para planejar e lutar a “guerra global ao terror”. Ademais, o Pentágono daria
ao comando em questão cerca de US$ sete bilhões para comprar equipamento e aviões, e
acomodar mais 4.000 indivíduos. Burocraticamente, isso significava que o SOCOM teria
maior independência no planejamento e condução de operações. Tradicionalmente o pessoal
do SOCOM era enviado quando solicitado pelos comandos combatentes regionais. Agora o
Comando de Operações Especiais tinha a permissão para agir independentemente. Assim, se
as fontes de inteligência encontrassem terroristas no Iêmen ou na Somália, o SOCOM não
teria que ter a permissão oficial do CENTCOM. Poderia conduzir independentemente uma
operação para neutralizar a ameaça. Havia apenas uma exceção – uma guerra regional. Neste
caso, as forças do SOCOM estariam subordinadas ao comando combatente.

As forças regionais e as do Comando de Operações Especiais continuariam a trabalhar


conjuntamente independentemente da situação. Por exemplo, cada um dos comandos tinha
suas próprias Forças de Operações Especiais, que trabalhavam junto do SOCOM em
operações conjuntas encobertas específicas. Aí Rumsfeld anunciou que dava o poder às forças
encobertas para matar e capturar operadores da al-Qaeda e outros “terroristas”. O secretário
levava muito a sério a crescente importância das Forças de Operações Especiais. Rumsfeld
queria provar que a guerra não era mais linear e de grande escala, isto é, conduzida por forças
convencionais como tanques e veículos blindados. As unidades deveriam ser menores, com
pessoal altamente treinado, capaz de sobreviver e lutar em situações difíceis mundo afora
(HERSPRING, 2008: 57-58).

36
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

1.4.5 A PROEMINÊNCIA DAS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

Após a rápida derrubada do regime do Talebã no Afeganistão, e com o advento da


“guerra ao terror”, as Forças de Operações Especiais dos Estados Unidos começaram a se
destacar de uma maneira ímpar e nunca antes vista na história militar dos EUA. Diversos
eventos dão base a tal constatação, sendo que alguns deles serão elencados nos parágrafos a
seguir, por ordem cronológica crescente:

(1) Logo depois do onze de setembro, o governo George W. Bush lançou a Operação
Liberdade Duradoura, a qual, entre seus objetivos, visava a retirar o regime Talebã do poder
no Afeganistão, bem como instalar bases avançadas que serviriam de ponta de lança para a
caçada a membros da al-Qaeda. A ação militar no Afeganistão tinha por base o poder aéreo e
as Forças de Operações Especiais. Estas, além de localizarem alvos para os bombardeiros,
também se juntaram à Aliança do Norte para, juntas, derrubarem o Talebã. Tal operação foi
aprentemente um sucesso e logo já se falava em uma mudança do modo de guerra americano
(KOZARYN, 2001), o qual, a partir de então, teria as Forças de Operações Especiais como
seu elemento central.

(2) Baseando-se nos argumentos de que Saddam Hussein desenvolvia armas de


destruição em massa e também da ligação direta do presidente iraquiano com a rede al-Qaeda,
em 19 de março de 2003 os Estados Unidos iniciaram as ofensivas militares da Operação
Liberdade Iraquiana, e assim começava a Guerra no Iraque. Às Forças de Operações
Especiais se designou a responsabilidade primária por uma ampla área na porção ocidental do
deserto iraquiano, onde as mesmas negaram acesso à áreas que seriam utilizadas para o
lançamento de mísseis, conduziram as buscas pelas armas de destruição em massa e se
tornaram o comando “apoiado”, em vez de “apoiador”, na ação conjunta com as forças
convencionais de solo. As Forças de Operações Especiais igualmente se destacaram na linha
verde ao norte do Iraque, assim como nas cidades de Kirkuk e Mossul e também na frente sul
iraquiana (BIDDLE, 2004: 4).

(3) Em primeiro de agosto de 2003, o já aposentado general Peter J. Schoomaker,


veterano das Forças Especiais, foi nomeado por Donald Rumsfeld o chefe do Estado-Maior
do Exército dos Estados Unidos. De julho de 1994 a agosto de 1996, Schoomaker comandou
o Comando Conjunto de Operações Especiais dos EUA e, de novembro de 1997 a novembro
de 2000, foi o chefe do Comando de Operações Especiais. Este episódio foi avaliado por
analistas como mais uma demonstração da determinação de Rumsfeld para reformar as Forças

37
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Armadas dos Estados Unidos, de modo que ficassem menores, mais leves e mais ágeis
(KAPLAN, 2003).

(4) A edição de 2004 do Plano de Comando Unificado, arranjo americano que divide o
mundo em comandos militares combatentes, implementou o que pode ser interpretado como
uma ampla mudança no “centro de gravidade militar”: definiu o Comando de Operações
Especiais dos Estados Unidos da América como o responsável pela condução, planejamento,
sincronização e execução das operações globais contra as redes “terroristas”. Se antes estava
na condição de “apoiador” dos demais comandos combatentes regionais dos EUA, a partir de
então o Comando de Operações Especiais passou a ser “apoiado” pelos demais (SHANKER;
SHANE, 2006). O plano em questão é classificado, de forma que a informação aqui elencada
foi coletada a partir de relato publicado na imprensa.

(5) Em novembro de 2005 o secretário Rumsfeld anunciou a criação de um Comando


de Operações Especiais dos Fuzileiros Navais dos EUA. Intitulado MARSOC na sigla em
inglês, foi oficialmente ativado em 24 de fevereiro de 2006, tendo cerca de 2.500 Marines, os
quais teriam como missão a execução de ações diretas, reconhecimento especial, contra-
terrorismo, operações de informação, condução de guerra irregular, entre outros. A título de
ilustração é curioso lembrar que cada braço das Forças Armadas americanas tem o seu próprio
comando do tipo, sendo que todos eles são subordinados ao Comando de Operações Especiais
dos EUA, o órgão principal. Os Fuzileiros Navais tinham uma histórica resistência para se
juntarem à comunidade de Operações Especiais nos EUA. Todavia, isto mudou no contexto
da “guerra ao terror” (GRAHAM, 2005: A14).

(6) A versão de 2006 da Revisão Quadrienal de Defesa, principal documento público


que descreve a doutrina militar dos Estados Unidos, apontou para uma mudança na concepção
estratégica dos EUA: se antes eram enfatizadas guerras convencionais contra Estados-nação,
agora dois dos novos objetivos são derrotar redes “terroristas” e conter armas de destruição
em massa. Como as Forças de Operações Especiais, entre as Forças Armadas em geral, são as
mais habilmente treinadas para operações de contra-terrorismo, assim como localização,
resgate e proteção de armas de destruição em massa, serão fundamentais na consecução dos
objetivos mencionados acima (TYSON, 2006a).

(7) Em abril de 2006, o governo dos Estados Unidos lançou o que se pode chamar de
“planos operacionais” para colocar em prática algo mais amplo, o Plano Estratégico Militar
para a Guerra ao Terror. Tais planos operacionais são documentos classificados, mas as

38
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

informações disponíveis na imprensa revelaram um papel expandido para os serviços


armados, particularmente para as Forças de Operações Especiais. Estas poderão combater o
“terrorismo” além de zonas de guerra declarada – como o Afeganistão e o Iraque. O Plano
Estratégico Militar começou a ser desenvolvido em 2003 pelo Comando de Operações
Especiais (SOCOM) e demonstra um envolvimento maior do Pentágono em áreas
tradicionalmente ocupadas pela CIA e pelo Departamento de Estado. A partir de tais planos
operacionais, o SOCOM poderia enviar equipes de Forças Especiais para embaixadas dos
EUA no Oriente Médio, Ásia, África e América Latina, lugares nos quais as Forças Especiais
trabalhariam com planejamento operacional e coleta de informações, ampliando as
capacidades dos Estados Unidos de combater o “terror” em países nos quais Washington não
está em guerra (TYSON, 2006b).

(8) Já sob a administração do sucessor de Donald Rumsfeld, Robert Gates (que tomou
posse no Pentágono no final de 2006), o general David Petraeus, especialista em contra-
insurgência e comandante da 101a. Divisão Aerotransportada na invasão americana do Iraque,
assumiu, em fevereiro de 2007, o comando da Força Multi-Nacional no Iraque e, depois, a
chefia do Comando Central (que comanda tanto a guerra no Afeganistão quanto a no Iraque).
Alguns analistas (TYSON, 2008) entenderam a promoção como indicação do modo como
viriam a ser conduzidas as batalhas dos EUA, isto é, a partir de uma percepção pouco comum
no Departamento de Defesa: a da contra-insurgência.

(9) Um conselho liderado por Petraeus selecionou coronéis para indicá-los à promoção
ao posto de general-de-brigada. Entre os selecionados, está o coronel Ken Tovo, membro das
Forças Especiais e veterano da Guerra no Iraque. Já entre os membros do conselho, estava o
tenente-general Stanley A. McChrystal, que chefiou o Comando Conjunto de Operações
Especiais. É possível que esta mudança institucional revele algum tipo de percepção sobre os
conflitos que os Estados Unidos lutam ou terão de lutar (TYSON, 2008).

(10) De acordo com Max Boot, a indicação do general Norton A. Schwartz para a
chefia do Estado-Maior da Força Aérea dos Estados Unidos em junho de 2008 foi uma
mudança histórica. O posto geralmente foi ocupado por pilotos de bombardeiros e, depois, por
pilotos de caça. Schwartz é um piloto de aviões cargueiros. Além de comandante do Comando
de Transportes do Pentágono, Schwartz foi sub-comandante do Comando de Operações
Especiais. Com esta experiência, uma mudança cultural poderia estar a caminho na Força
Aérea dos EUA (BOOT, 2008).

39
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

(11) O secretário de Defesa Robert Gates afirmou que “o envolvimento das forças
convencionais dos Estados Unidos em conflitos será em menor escala, já que as Forças de
Operações Especiais serão o componente principal” (BARNES, 2008). Sob Robert Gates, o
Pentágono lançou, em meados de 2008, a nova Estratégia de Defesa Nacional dos Estados
Unidos, cujo enfoque é mais em guerra irregular contra grupos como a al-Qaeda do que em
guerra convencional contra Estados-nação (WHITE, 2008: A01). Como as Forças de
Operações Especiais são consideradas os “irregulares dentro dos regulares” (ver apêndice
desta dissertação) é possível que venham a se destacar ainda mais a partir da estratégia em
questão. Gates defendeu a sua visão de conflitos não-convencionais da atualidade e do futuro
em artigo que escreveu para o periódico Foreign Affairs (GATES, 2009).

(12) Em suma, não deixa de ser algo notável o aumento no orçamento do Comando de
Operações Especiais dos EUA: de US$ 2,3 bilhões em 2001, foi ampliado para cerca de US$
7,3 bilhões em 2007 (KOEHL, 2008).

1.5 CONCLUSÃO
Para Robert D. Kaplan, a essência da chamada “transformação militar” não seriam
novas táticas ou novos sistemas de armas, mas sim reorganização burocrática. De fato, tal
reorganização teria sido alcançada nas semanas seguintes ao onze de setembro pelo 5o. Grupo
das Forças Especiais, cujas equipes A, auxiliadas pela CIA e pela Força Aérea, conquistaram
o Afeganistão sozinhas. A relação entre o 5o. Grupo e os altos escalões do Pentágono, em tais
semanas de 2001, evidenciou a burocracia hierárquica plana que caracterizava a al-Qaeda e as
mais inovativas corporações globais. Era um arranjo com o qual as melhores escolas de
negócios ficariam impressionadas. Os capitães e sargentos das equipes A do 5o. Grupo não se
comunicavam com os altos escalões através de uma cadeia de comando vertical. Eles até não
chegaram a receber instruções específicas. A eles foi falado apenas que se juntassem à
Aliança do Norte e auxiliassem a derrotar o Talebã. O resultado foi o fortalecimento dos
primeiros sargentos para chamarem por ataques de bombardeiros B-52. O 5o. Grupo das
Forças Especiais não era mais uma pequena parte de uma burocracia de defesa massiva.
Tornou-se um interessante spin-off10, comissionado para fazer um trabalho específico de seu
próprio jeito (KAPLAN, 2006: 225-226).

10
Trata-se de um termo da língua inglesa utilizado para a referência a uma empresa que se originou a partir de
algum centro de pesquisa. O objetivo de tal novo empreendimento é explorar alguma nova tecnologia.
40
CAP. I – TRANSFORMAÇÃO MILITAR

Logo que o 5o. Grupo ajudou a Aliança do Norte a tomar Cabul, a ocupação
americana do Afeganistão foi consolidada pela 10a. Divisão de Montanha e por outros braços
convencionais das Forças Armadas. Em 2002, uma Força Tarefa Conjunta Combinada (CJTF-
180) foi estabelecida, com uma Força Tarefa de Operações Especiais Conjuntas (C-JSOTF)
dentro dela. O aeroporto de Bagram11, localizado a sudeste de Charikar, capital da província
de Parwan, no norte do Afeganistão, tornou-se a base de milhares de tropas. Os dias da
inovativa hierarquia plana estavam encerrados. Voltava-se à uma hierarquia “dinossáurica”,
vertical, de uma época industrial, o maior impedimento para os Estados Unidos conduzirem
uma contra-insurgência global bem-sucedida. Com toda sua tecnologia e boa-vontade para
enviar seus soldados pelo mundo afora, o império estadunidense se mostrava incompetente
com idiomas, especialmente em situações e lugares onde isso contava mais. Tratava-se de
uma outra dimensão que fora negligenciada pela “transformação militar” de Rumsfeld, algo
que não tinha nada a ver com os mais avançados sistemas de armas. As forças americanas no
Afeganistão não precisavam de aviões caça F-22, mas sim de mais aviões de ataque ao solo
A-10 e aviões de apoio aéreo AC-130 (KAPLAN, 2006: 227, 235, 243).

11
A Base Aérea de Bagram teve um papel chave na invasão soviética do Afeganistão em 1979, servindo de base
de operações para tropas e suprimentos. O documentário Um Taxi para a Escuridão (Taxi to the Dark Side,
EUA, 2007, direção de Alex Gibney), além de falar das práticas de interrogarório adotadas pela CIA no governo
Bush (filho) em Guantánamo (Cuba) e em Abu Ghraib (Iraque), também revela um pouco do que se passava no
interior de Bagram.
41
CAPÍTULO II

O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

SUMÁRIO: 2. Introdução; 2.1 O Modo de Guerra Americano Tradicional; 2.2 O Novo Modo de Guerra
Americano; 2.3 Primeira Guerra de Comandos e o Soldado Perfeito; 2.4 Desconstruindo o Sucesso
Afegão; 2.4.1 Nada de Muito Novo no Front; 2.4.2 Quando os Objetivos Não Coincidem; 2.5
Respostas à Desconstrução; 2.6 O Legado de Donald Rumsfeld; 2.7 Conclusão.

RESUMO: Este capítulo versará sobre o que foi chamado de o “novo” modo de guerra americano, isto
é, o estilo de guerra que foi utilizado pelos EUA em seu ataque ao Afeganistão logo após os atentados
de onze de setembro de 2001. Tal “novo” modo de guerra também é chamado de modelo afegão.
Segundo a administração de George W. Bush, tratava-se de um resultado da “transformação militar”
que o governo vinha promovendo. O “novo” modo de guerra americano, ou modelo afegão,
caracteriza-se basicamente pelo uso de Forças de Operações Especiais, pelo poder aéreo e pelos
aliados locais (a Aliança do Norte). Todavia, um “novo” modo de guerra pressupõe a existência de um
modo de guerra anterior. Desta forma, este capítulo dois começará tratando do tradicional modo de
guerra americano. Em seguida, concentrar-se-á no “novo” modo de guerra americano, também
chamado por James Dunnigan de “primeira guerra de comandos”. Posteriormente, será a vez de se
desconstruir o suposto “novo” modo de guerra. Seria algo verdadeiramente novo? Para Stephen
Biddle, não necessariamente. Depois, será apontada uma resposta à tal crítica, isto é, um reforço à
argumentação de que realmente se tratou de um “novo” modo de guerra americano. Após isto, tratar-
se-á brevemente do legado do então secretário de Defesa Donald Rumsfeld para, enfim, ser delineada
a conclusão deste capítulo.

2. INTRODUÇÃO

A campanha de bombardeios no Afeganistão começou na noite de sete de outubro de


2001 e se focou inicialmente em destruir as defesas aéreas limitadas e a infra-estrutura de
comunicação do Talebã. Equipes das Forças de Operações Especiais norte-americanas e
britânicas conduziram missões de busca no Afeganistão ao menos uma semana antes. Em
quinze de outubro daquele ano, equipes designadas a fazer contato com os principais senhores
da guerra da Aliança do Norte foram inseridas e iniciaram os preparativos para a ação
ofensiva combinada contra o Talebã. Algumas das principais ações de combate ocorreram nas
montanhas ao sul de Mazar-e-Sharif (a quarta maior cidade afegã)12, quando equipes das
Forças de Operações Especiais, trabalhando com os generais Abdul Rashid Dostum e Atta
Mohammed (ambos da Aliança do Norte) partiram do norte através de Mazar até os vales dos
rios Dar-ye Suf e Balkh. A queda de Mazar-e-Sharif derrubou a posição do Talebã no norte

12
É famosa pela prática de Buzkashi, um esporte local da região, no qual os jogadores cavalgam enquanto
tentam pegar a carcaça de um animal no chão.
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

do Afeganistão. A capital Cabul caiu sem nenhuma luta em treze de novembro de 2001
(BIDDLE, 2002: 10). Com a queda de Cabul e Kunduz, as atenções se voltaram à bem
defendida Kandahar, no sul. Na noite de seis de dezembro, o Mulá Mohammed Omar e a
liderança do Talebã escaparam da cidade e se esconderam, terminando, assim, o governo
Talebã no Afeganistão. Em seguida, as forças aliadas seguiram um grupo de sobreviventes da
al-Qaeda, entre os quais poderia estar Osama bin Laden, em uma série de redutos nas
Montanhas Brancas perto de Tora Bora, um complexo de cavernas situado na província de
Nangarhar, no leste do Afeganistão. Os redutos foram tomados em uma batalha de 16 dias
que terminou em 17 de dezembro, embora parte da defesa da al-Qaeda tenha escapado através
da fronteira com o Paquistão. Em março de 2002, uma segunda concentração da al-Qaeda foi
identificada no vale Shah-i-kot, localizado na província de Paktia, e nas montanhas à leste de
Gardez, capital da província de Paktia. Na chamada Operação Anaconda, uma ofensiva
combinada de dois batalhões da infantaria regular dos EUA, mais especificamente da 101a.
Divisão Aerotransportada e da 10a. Divisão de Montanha, apoiadas por aliados afegãos,
tropas ocidentais e Forças de Operações Especiais de diversas nações, chegou de surpresa na
al-Qaeda, matando muitos, dispersando o restante e trazendo para mais perto, para combate
próximo, as operações principais de luta naquele país. A supostamente rápida derrota do
Talebã pelos EUA seria resultado de um “novo” modo de guerra americano, decorrente da
“transformação militar” que estava sendo promovida pelo governo de George W. Bush.

2.1 O MODO DE GUERRA AMERICANO TRADICIONAL

Russell F. Weigley escreveu sobre os aspectos estruturais da história da política


militar norte-americana em seus livros anteriores. Em O Modo de Guerra Americano, ou The
American Way of War (1973), o autor se voltou para a história do pensamento estratégico
estadunidense, ou a história da estratégia norte-americana. Foi Weigley quem primeiro
delineou o balisamento do que se costuma chamar de modo de guerra americano. Mais
recentemente, Colin S. Gray avançou sobre o legado de Weigley e apontou o que entende
como as características definidoras do modo de guerra americano. Assim, nesta seção,
primeiro pretende-se retomar Weigley para, depois, expor alguns dos pontos levantados por
Gray, de modo a se entender o que é o modo de guerra americano.

Durante o período compreendido entre 1941-1945, e ao longo da história dos Estados


Unidos da América até este momento, os EUA não tinham uma estratégia nacional para o
emprego da força, ou da ameaça da força, para obter fins políticos, com exceção do uso aberto

43
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

e direto de força pela nação em tempos de guerra na busca de vitórias militares. O único tipo
de estratégia norte-americana empregando as Forças Armadas tendeu a ser o tipo mais direto
de estratégia militar, aplicada na guerra. Os EUA não estavam suficiente ou consistentemente
envolvidos na política internacional para permitir o desenvolvimento de uma estratégia
nacional coerente para a busca consistente de objetivos políticos pela atividade diplomática
em combinação com as Forças Armadas (WEIGLEY, 1973: XIX).

Ao longo da Guerra Fria, e especificamente após a Guerra da Coréia (1950-1953), a


crença de que os Estados Unidos estavam envolvidos em um conflito prolongado com o
comunismo internacional levou a um esforço para o desenvolvimento de uma estratégia
nacional para o emprego do poder estadunidense na defesa e na promoção dos interesses e
valores políticos do país. A nova estratégia nacional não seria meramente uma estratégia
militar, mas um planejamento todo inclusivo para o uso dos recursos totais da nação para
defender e promover os interesses nacionais, envolvendo a estratégia militar e o uso de outros
recursos de poder (WEIGLEY, 1973: XX).

Mais antigamente, quando a estratégia nos EUA significava principalmente o uso dos
combates para alcançar os objetos da guerra, o principal objetivo visado era apenas a vitória
militar. Na leitura de Russell Weigley, Carl von Clausewitz apontou que as guerras são de
dois tipos: aquelas que visam a derrotar o inimigo (desarmá-lo completamente) e aquelas
guerras que visam a apenas alcançar algumas conquistas nas fronteiras do país inimigo (não
necessariamente desarmando-o completamente). Nas primeiras guerras dos Estados Unidos, a
nação ainda era muito fraca para buscar mais do que o segundo tipo, isto é, uma vitória
limitada (WEIGLEY, 1973: XX).

A Guerra de Independência dos EUA, conforme Weigley, não se encaixa em nenhuma


das duas categorias clausewitzianas, apesar de que se encaixe melhor na segunda do que na
primeira. Tratou-se de um esforço para remover território do Império Britânico – embora o já
amplo território ocupado pelos revolucionários norte-americanos – e não para derrotar o
inimigo britânico completamente (uma tarefa que estava além dos meios disponíveis para os
americanos). Naquele momento, as pretensões americanas eram muito amplas e ambiciosas se
medidas com base nos padrões das guerras européias contemporâneas. Visando à completa
eliminação do poder britânico da América do Norte – ou, se não de toda a América do Norte
(incluindo o Canadá), ao menos das partes mais ricas de todo o continente – os americanos da
geração revolucionária ofereceram uma prévia da posterior concepção americana de guerra
(WEIGLEY, 1973: XX-XXI).
44
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Conforme o tempo passou e o poder militar americano cresceu, os estadunidenses


passaram a lutar, com mais freqüência, as guerras do primeiro tipo de Carl von Clausewitz,
isto é, para derrotar completamente o inimigo. As campanhas contra os índios, por exemplo,
desde cedo estimularam a visão de que o objeto da guerra não era nada mais do que a
destruição do inimigo enquanto poder militar (WEIGLEY, 1973: XXI).

Baseando-se em parte na distinção feita por Clausewitz entre dois tipos de guerra, o
historiador militar alemão Hans Delbrück (1848-1929) sugeriu a existência de dois tipos de
estratégia militar: a estratégia da aniquilação, que busca a derrota completa do poder militar
inimigo, e a estratégia do atrito (exaustão ou erosão), que geralmente é empregada por um
estrategista cujos meios não são grandes o suficiente para permitir a busca da destruição direta
do inimigo e que, portanto, busca uma aproximação indireta. Na história da estratégia norte-
americana, a direção tomada pela concepção estadunidense de guerra fez da maioria dos
estrategistas norte-americanos estrategistas da aniquilação. No começo, quando os recursos
militares americanos eram escassos, os Estados Unidos tinham estrategistas de atrito (George
Washington, por exemplo, como será visto logo abaixo). Mas o crescimento do país e a sua
adoção de objetivos ilimitados na guerra levou a estratégia da aniquilação a se tornar a
característica básica do modo de guerra norte-americano (WEIGLEY, 1973: XXII).

Embora a estratégia de George Washington tenha sido a do atrito, ela revelou algumas
características que depois seriam apontadas por Colin S. Gray como definidoras do modo de
guerra americano. O modo de guerra de George Washington se caracterizou pela estratégia de
atrito, isto é, a erosão da força inimiga através de ataques rápidos (hit-and-run, em inglês) nos
postos avançados do inimigo. A estratégia dos exércitos americanos na Guerra Revolucionária
(1775-1783) tinha que ser uma estratégia baseada na fraqueza, já que o inimigo britânico era
muito mais forte. George Washington tinha que acreditar não em uma vitória militar, mas na
possibilidade da oposição na Inglaterra forçar o Ministério inglês a abandonar o conflito.
Entretanto, isto dependeria de uma guerra prolongada, com riscos à causa revolucionária
americana. George Washington acreditava que tinha que correr tais riscos, já que os recursos
norte-americanos não permitiriam outra maneira. Porém, Washington começou adotando uma
estratégia de defesa. Todavia, esta não funcionou. O programa de Washington tinha que ser
menos ambicioso, mas de certa forma positivo. A estratégia se tornou ofensiva: George
Washington e os americanos eram muito impacientes – o que, de acordo com Colin Gray,
como se verá à frente, viria a ser uma das características do modo de guerra americano: a
impaciência. Seria até exagero denominar de estratégia de atrito: é possível que a expressão

45
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

estratégia de erosão seja mais precisa. Enfraquecer a determinação dos inimigos britânicos
por meio de ações graduais e persistentes contra a periferia de seus exércitos era um objetivo
ofensivo. Para agir desta maneira, seriam necessários um ótimo sistema de inteligência e uma
movimentação rápida. De modo a atingir os destacamentos e não a força principal do inimigo,
George Washington precisaria se utilizar do elemento surpresa. Para se proteger da surpresa
alheia e surpreender o inimigo, movimentações suaves, assim como boa inteligência, eram
necessários. George Washington freqüentemente iniciava cedo a marcha de seu Exército,
enquanto o inimigo ainda dormia. Mais tarde na guerra Washington desenvolveu um interesse
especial na criação de formações de infantaria leve, especialmente designadas para marchar e
atacar rapidamente, encorajando os comandantes de seu batalhão para chamarem os soldados
mais aptos e alertas para as companhias de infantaria leve e juntando estas em um comando
de elite separado (WEIGLEY, 1973: 3-16). De certa forma, tais forças mais leves podem
lembrar a recente “transformação militar” dos Estados Unidos, que objetiva justamente forças
menos pesadas.

Delineada a definição mais clássica sobre o modo de guerra americano, passar-se-á


agora a uma leitura mais recente sobre o tema em questão. Colin S. Gray analisa o modo de
guerra americano à luz de uma ameaça oriunda de inimigos irregulares, os quais Washington
enfrenta atualmente na “guerra ao terror”. Para Gray, os EUA têm uma dificiência estratégica
persistente. O analista identifica um modo de guerra americano tradicional, sendo que as
características do mesmo não são favoráveis ao combate contra inimigos irregulares. Nos
anos 1960, na Guerra do Vietnã, e mais recentemente, com os conflitos no Afeganistão e no
Iraque, a cultura militar estadunidense se mostrou resistente a fazer mudanças radicais em seu
estilo de guerra para enfrentar os desafios colocados por um inimigo irregular. Se não se faz
estratégia – para Colin Gray, os Estados Unidos não fazem – não faz muita diferença a
transformação das Forças Armadas. Os Estados Unidos têm uma dificuldade persistente em
usar a força de maneiras objetivamente estratégicas. O modo de guerra americano tradicional,
consoante Gray, favorece o poder de fogo, a mobilidade e as caçadas agressivas pelo corpo
principal do adversário (GRAY, 2006: 5-11). Para Gray, os norte-americanos podem refazer
sua estratégia apenas se antes refizerem sua sociedade, e isto é uma tarefa para além da
habilidade até dos agentes mais otimistas da chamada transformação militar.

Colin S. Gray identifica treze características básicas do modo de guerra americano


(GRAY, 2006: 30-49):

46
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

1. Apolítica 8. De Larga-Escala
2. Aestratégica 9. Agressiva, ofensiva
3. Ahistórica 10. Profundamente regular
4. Otimista, solucionadora de problemas 11. Impaciente
5. Culturalmente duvidosa 12. Excelente em termos de logística
6. Tecnologicamente dependente 13. Muito sensível à perdas
7. Focada em poder de fogo CARACTERÍSTICAS DO MODO DE GUERRA AMERICANO

1. APOLÍTICA: Os americanos constantemente consideram a guerra e a paz como condições


claramente distintas. Os militares norte-americanos têm uma longa história de conduzir a
guerra com o objetivo da vitória, dando pouca atenção às conseqüências do curso de suas
operações para o tipo de paz subseqüente.

2. AESTRATÉGICA: A estratégia é, ou deveria ser, a ponte que liga o poder militar à política.
Quando os americanos conduzem a guerra como uma atividade amplamente autônoma,
deixando as preocupações sobre a paz e a sua política para depois, a ponte da estratégia é
quebrada. A excelência na estratégia não tem sido uma força americana, ao menos desde
que George Washington derrotou os britânicos estrategicamente. As duas maiores causas
deste problema são, essencialmente, uma longa tradição de superioridade material, a qual
oferece poucos incentivos para os cálculos estratégicos, e a tradicional teoria americana
das relações civis-militares, que não encoraja o diálogo e os questionamentos entre o
formulador de políticas e o soldado.

3. AHISTÓRICA: Os Estados Unidos têm uma rica história e experiência com inimigos
irregulares. Além disso, esta experiência não foi em seu todo negativa. O problema foi, e
até recentemente era, que tal experiência com a guerra irregular nunca foi abraçada e
adotada pelo Exército como base para o desenvolvimento de uma doutrina para uma
competência central. O Exército norte-americano improvisou e conduziu guerra irregular,
algumas vezes apenas guerra regular contra irregulares. Mas esta tarefa sempre foi vista
oficialmemente como uma diversão enquanto se preparavam para a guerra “real”. A
grande atração da comunidade de defesa dos Estados Unidos é com a tecnologia, e não
com a história. São praticamente “antihistóricos”.

4. OTIMISTA, SOLUCIONADORA DE PROBLEMAS: Trata-se de algo que leva as Forças Armadas


dos Estados Unidos a tentar resolver o impossível. As condições são freqüentemente mal-
entendidas como problemas. As condições têm que ser melhoradas e geralmente toleradas,
mas os problemas, por definição, podem ser resolvidos. No caso dos irregulares, estes não
podem ser trazidos em massa para o campo de batalha, já que negam o embate direto.

47
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Dessa forma, não é um problema que o Exército americano possa resolver tática ou
operacionalmente. Em vez disso, seguindo a doutrina clássica da contra-insurgência, lida-
se melhor com o problema do insurgente o considerando como uma condição que tem que
ser tratada indiretamente, por meio do fornecimento de segurança à população. É um
processo lento e gradual.

5. CULTURALMENTE DUVIDOSA: De forma atrasada, virou moda criticar a insensibilidade


cultural que continua a dificultar a performance estratégica norte-americana. Esta se apoia
na mente da ideologia pública estadunidense, com ênfase em sua sigularidade política e
moral, o destino manifesto, a missão divina, casados com o sentido multidimensional de
grandeza nacional. Isto não levou os EUA a serem respeitosos ao comportamente, crenças
e hábitos de outras culturas.

6. TECNOLOGICAMENTE DEPENDENTE: O uso de maquinaria é o modo de guerra americano.


Alguém pode chegar a dizer que o poder aéreo é quase tal modo de guerra. A dificuldade
reside no fato de que as Forças Armadas norte-americanas são culturalmente familiares
em favorecer soluções tecnológicas sobre as demais possibilidades.

7. FOCADA EM PODER DE FOGO: Uma devoção ao poder de fogo não pode encorajar as Forças
Armadas norte-americanas a usar outras soluções, mesmo quando estas são mais
adequadas. Em vez de ser considerado em seu contexto cultural, o inimigo é reduzido à
condição desumanizada de um objeto do poder de fogo norte-americano.

8. DE LARGA-ESCALA: Como uma superpotência, os Estados Unidos tendem a ser melhores


nas empreitadas conduzidas em uma escala adequada aos seus recursos totais. O professor
Samuel Huntington acredita, ou pelo menos acreditava em 1985, que os “Estados Unidos
são um país grande, e devemos lutar as guerras de maneira grande”. Mais controverso, ele
afirma que “a grandeza, não os cérebros, são a nossa vantagem, e devemos explorar isto”
(HUNTINGTON apud GRAY, 2006: 38). Os EUA foram abençoados com riqueza em
todas as suas formas. Inevitavelmente, as Forças Armadas, uma vez mobilizadas e
equipadas, lutaram uma guerra de ricos. Dificilmente poderia ser feito de outra forma. O
Exército americano em guerra é a sociedade americana em guerra.

9. AGRESSIVA E OFENSIVA: Geopolítica, cultura e riqueza material se combinaram para fazer


do modo de guerra americano um estilo agressivo e ofensivo. Os EUA têm demonstrado
um modo de guerra que visa à vitória militar decisiva. Este modo favorece a mobilidade, o

48
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

movimento – mas não necessariamente a manobra hábil – o comando do ar e dos mares e


o poder de fogo.

10. PROFUNDAMENTE REGULAR: Poucos exércitos no mundo têm sido igualmente competentes
em conduzir guerra regular e irregular. O Exército norte-americano não é excessão. Tanto
o Exército quanto os Fuzileiros Navais foram algumas vezes bem-sucedidos em guerra
irregular, enquanto alguns indivíduos estadunidenses se mostraram capazes na condução
de guerra de guerrilha. Como instituições, entretanto, as Forças Armadas americanas não
foram amigáveis tanto à guerra irregular quanto aos que esta combatem. As Forças de
Operações Especiais norte-americanas prosperaram episodicamente com apoio político
civil (Kennedy e Rumsfeld, por exemplo), mas não até recentemente elas foram tratadas
como um elemento importante nas equipes de armas combinadas.

11. IMPACIENTE: Os EUA vêem a guerra como um mal ocasional que tem que ser resolvido
tão decisiva e rapidamente quanto possível. As mentes dos militares regulares norte-
americanos, assim como as mentes do público doméstico, foram ensinados a esperar que a
ação militar produza resultados conclusivos.

12. EXCELENTE LOGISTICAMENTE: A história americana é um testemunho da necessidade de


conquistar a distância. Os estadunidenses em guerra têm sido excepcionais em logística.
Os Estados Unidos da América freqüentemente têm conduzido a guerra mais logística do
que estrategicamente. É bastante material, tanto em quantidade quanto em qualidade,
necessário para manter os soldados americanos em campo satisfeitos.

13. MUITO SENSÍVEL À PERDAS: Os EUA esperam baixas perdas pois esta foi sua experiência
recente. Tal expectativa foi alimentada pelos eventos, pela evolução de um modo de
guerra baseado em alta tecnologia que expõe poucos soldados americanos à perigos
mortais e pela baixa qualidade dos inimigos recentes. O enfoque é em máquinas, a
exploração do computador em particular. Em geral, tal transformação deve fortalecer a
habilidade americana de conduzir seu modo de guerra tradicional.

Russell F. Weigley apontou que a estratégia da aniquilação é a característica básica do


modo de guerra norte-americano. Em seguida, Colin S. Gray apontou treze evidências as
quais são próprias de tal modo de guerra. Desta forma, agora que já é sabido o que é o modo
de guerra americano tradicional, é hora de se ater ao que, na administração de George W,
Bush, foi chamado de um “novo” modo de guerra americano.

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CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

2.2 O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Em um discurso sobre os esforços de guerra ministrado aos cadetes militares de


Citadel, na Carolina do Sul, proferido em onze de dezembro de 2001, o presidente George W.
Bush lembrou que fora falar sobre o futuro da segurança dos EUA na mesma Citadel em
setembro de 1999, quando era candidato à Presidência da República. Ele afirmara, naquela
época, que os Estados Unidos estavam entrando em um período de conseqüências que seriam
definidas pela ameaça do “terror”, e que Washington estava diante de um desafio de
“transformação militar”. Em 2001, a ameaça que havia sido mencionada por Bush (o “terror”)
havia se revelado e o desafio da “transformação”, segundo Bush, tornara-se, após o onze de
setembro, uma necessidade militar e moral.

Quatro dias antes do discurso em Citadel, Bush juntara-se aos homens e mulheres do
USS Enterprise para simbolizar o 60o. aniversário de Pearl Harbor. O sete de dezembro de
1941, segundo Bush, foi um dia decisivo que mudou os EUA para sempre. Em um momento
único, o “esplêndido isolamento” da América fora encerrado. Os quatro anos que se seguiram,
conforme Bush, transformaram o modo de guerra americano: a idade dos navios de batalha
deu vez à capacidade ofensiva dos porta-aviões. O tanque, geralmente usado para proteger a
infantaria, passou a servir para atravessar as linhas inimigas. Em Guadalcanal, na Normandia
e em Iwo Jima, a guerra anfíbia mostrou o seu valor. E, no fim daquela guerra, ninguém mais
duvidaria do valor do poder aéreo estratégico.

Para ganhar a “guerra ao terror”, apontou Bush, deveria-se pensar diferente. O inimigo
que apareceu no onze de setembro busca evitar a força dos EUA e constantemente procura as
fraquezas do país em questão. Desta forma, a América seria necessária mais uma vez, do
mesmo modo como foi na 2a. GM, para mudar a maneira como os militares norte-americanos
pensam e lutam. E começando no dia sete de outubro de 2001, o inimigo no Afeganistão teve
os primeiros sinais de um novo serviço militar estadunidense – o qual não poderia, e não
seria, evitado.

Prevenir o “terror”, consoante Bush, será a responsabilidade dos presidentes no futuro.


E tal obrigação estipula três prioridades urgentes e duradouras para os EUA. A primeira
prioridade era acelerar a “transformação” dos militares estadunidenses. Quando a Guerra Fria
terminou, alguns previram que a era das ameaças diretas aos Estados Unidos estava
terminada. Alguns pensaram que os militares americanos seriam usados pelo mundo afora não

50
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

para vencer as guerras, mas principalmente para policiar e pacificar, para controlar multidões
e conter conflitos étnicos. Para Bush, tais previsões estavam erradas (BUSH, 2001):

Enquanto as ameaças à América mudaram, a necessidade por vitória não. Nós estamos
lutando contra inimigos nas sombras e fanáticos – inimigos usando as ferramentas do
terror e da guerra de guerrilha – ainda que estejamos encontrando novas táticas e
novas armas para atacá-los e derrotá-los. Esta revolução em nossos serviços militares
está apenas começando, e ela promete mudar a face da batalha [destacado pelo autor
desta dissertação].

Ainda segundo George W. Bush, o Afeganistão teria sido o lugar de provação deste
“novo” modelo. Os dois meses que se passaram, de sete de outubro à dezembro de 2001,
mostraram que uma doutrina inovadora e armas de alta tecnologia poderiam definir e, em
seguida, dominar um conflito não-convencional. Os “bravos” homens e mulheres dos serviços
militares americanos estariam “reescrevendo” as regras da guerra com novas tecnologias e
antigos valores, como coragem e honra (BUSH, 2001):

Nossos comandantes têm uma imagem em tempo real de todo o campo de batalha, e
são capazes de ligar as informações dos alvos oriundas dos sensores aos tiros quase
que instantaneamente. Nossos profissionais de inteligência e das forças especiais
cooperaram com lutadores afegãos aliados que conheciam o terreno, o Talebã e a
cultura local. E nossas forças especiais têm a tecnologia para chamar por ataques
aéreos de precisão – junto com a flexibilidade de orientar tais ataques montados à
cavalos, na primeira marcha de cavalaria do século XXI [destacado pelo autor desta
dissertação].

Tal combinação – inteligência em tempo real, forças locais aliadas, Forças Especiais e
poder aéreo preciso –, conforme George W. Bush, nunca fora usada anteriormente. O conflito
no Afeganistão teria ensinado mais sobre o futuro dos serviços armados dos EUA do que uma
década de simpósios em think-tanks. O Predador seria um bom exemplo. O veículo aéreo
não-tripulado pode voar sobre as forças inimigas, coletar inteligência, transmiti-la aos
comandantes e atacar alvos com extrema precisão. Antes do Afeganistão, segundo Bush, o
Predador tinha céticos, porque ele não se encaixava nas chamadas “velhas maneiras”. Após o
Afeganistão, estaria claro que os militares não detinham veículos aéreos não-tripulados o
suficiente. As bombas de precisão também teriam se destacado. Na Guerra do Golfo,
consoante Bush, tais armas foram a exceção – enquanto que, no Afeganistão, foram a maioria
do arsenal que os Estados Unidos usaram. Washington estaria acertando os alvos com mais
efetividade, de uma distância maior, com menos perdas de civis. Mais e mais, as armas dos
EUA poderiam atingir alvos em movimento (BUSH, 2001):

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CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Quando todos os nossos militares puderem continuamente localizar e monitorar alvos


em movimento – com observação do ar e do espaço – a guerra será verdadeiramente
revolucionada [destacado pelo autor desta dissertação].

De acordo com Max Boot, na visão do modo de guerra norte-americano tradicional, a


Guerra Civil, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial foram vencidas não por
habilidades táticas ou estratégicas, mas pelo peso dos números – o “impressionante” poder
destrutivo que apenas uma democracia totalmente mobilizada e altamente industrializada
poderia produzir. Muitos dos mesmos métodos caracterizaram os conflitos na Coréia e no
Vietnã, embora com níveis decrescentes de sucesso. A Primeira Guerra do Golfo teria sido
muito mais bem-sucedida, embora ainda tivesse seguido o modelo tradicional intensivo em
poder de fogo. Encorajadas por avanços na tecnologia da informação, as Forças Armadas dos
EUA adotaram um “novo” estilo de guerra que evitaria os ataques sangrentos de antigamente.
Este “novo” método busca uma vitória rápida com o mínimo de perdas dos dois lados. As
características são a velocidade, manobra, flexibilidade e surpresa. É bastante dependente de
poder de fogo de precisão, Forças Especiais e operações psicológicas. E tenta integrar os
poderes naval, aéreo e terrestre como um todo. Este recorte foi empregado no Afeganistão e
no Iraque e tem implicações profundas para o futuro do modo de guerra americano (BOOT,
2003).

Este novo modo de guerra americano, segundo Boot, estaria se delineando há muito
tempo. Suas raízes estariam nas reformas de defesa dos anos 1980. Nos anos mais recentes o
seu grande apoiador foi o secretário Donald Rumsfeld. Para Boot, a “transformação militar”
norte-americana foi demonstrada no Afeganistão em 2001. Em vez de se mover em um
terreno que expeliu exércitos invasores no passado, os EUA escolheram lutar com Forças de
Operações Especiais e bombas do tipo cirúrgico. Esta aplicação habilidosa do poder norte-
americano teria permitido que a Aliança do Norte derrubasse o Talebã em apenas dois meses.
Boot reconhece que, embora bem-sucedida de um ponto de vista mais geral, a Guerra no
Afeganistão também mostrou as limitações de não se usar tropas de solo o bastante. Osama
bin Laden e outros “terroristas” fugiram durante a batalha de Tora Bora e, mesmo depois de
estabelecido um novo governo em Cabul, senhores da guerra ainda estavam no controle em
muitos lugares no interior do Afeganistão (BOOT, 2003).

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CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

2.3 PRIMEIRA GUERRA DE COMANDOS E O SOLDADO PERFEITO

O chamado “novo” modo de guerra americano, oriundo das operações no Afeganistão,


é considerado por James F. Dunningan como a “primeira guerra de comandos”. Consoante
Dunningan, algumas mudanças foram necessárias para o sucesso do “soldado perfeito” (como
o autor se refere às Forças de Operações Especiais) na campanha afegã. Entre elas, pode-se
destacar a adoção entusiástia da guerra móvel (mobile warfare), o que foi influência do
sucesso israelense em suas guerras contra os árabes. Através do uso de táticas de movimento
rápido, houve menos ocorrências quando as tropas norte-americanas lutaram contra inimigos
bem entrincheirados atrás de campos minados e arame farpado. Uma das razões pelas quais o
Exército dos Estados Unidos não gostou do Vietnã é porque não foi o tipo de guerra para a
qual estava se preparando. No teatro vietnamita, a guerra foi pequena, estática e com batalhas
de infantaria, o que acabou por produzir muitas perdas. É difícil conduzir uma guerra
relâmpago (blitzkrieg) contra guerrilhas. Depois do Vietnã, as Forças Armadas dos EUA se
dedicaram ao desenvolvimento de novos métodos de luta mais rápida e com menos perdas.
Atualmente, depois de quase meio século, as tropas de Operações Especiais e o restante do
Exército estão finalmente “fazendo a paz” e cooperando de maneira mais próxima. Há forças-
tarefa com pessoal do Exército regular e das Forças Especiais. O Iraque e o Afeganistão viram
um tipo de cooperação próxima entre as Forças de Operações Especiais, as tropas de combate
regular e os Marines, uma cooperação que não tinha antecedentes. Pode-se afirmar, segundo
Dunnigan, que as intensas ações das Forças de Operações Especiais entre 2001-2003 as
trouxe novamente à uma “idade dourada”. Até agora, e até que a “guerra ao terror” esteja
terminada, as Forças Especiais serão muito solicitadas. Estas sabem que têm uma chance para
mostrarem o que são capazes de fazer. Elas usarão estes exemplos para educar as lideranças
civis e militares sobre o que as tropas especiais são capazes (DUNNIGAN, 2004: XII, XVI-
XVII, XIX).

O sucesso do “soldado perfeito” no Afeganistão, como aponta Dunnigan, foi resultado


de novos desenvolvimentos em muitas áreas. Entre elas, pode-se destacar (DUNNIGAN,
2004: 9-12):

1. A REVOLUÇÃO NO CONTROLE DE GUERRA AÉREA;

2. COMANDOS BEM TREINADOS: as Forças Especiais estavam em uma fase ruím após a
Guerra do Vietnã porque diversos generais de alta patente não gostavam da idéia de
Comandos. Todavia, alguns gostavam, e a idéia pegou em muitos líderes eleitos – como

53
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

John Kennedy e Ronald Reagan. As Forças Especiais sobreviveram à tentativas para


eliminá-las. As forças Seals foram expandidas, a Força Delta foi criada e o Comando de
Operações Especiais e muito apoio especializado da Força Aérea vieram junto. Sem isto
não haveria Comandos o suficiente para apoiar as Forças Especiais, nem a aviação
especializada necessária para deslocar o pessoal em torno do Afeganistão;

3. TROPAS DE FORÇAS ESPECIAIS EXPERIENTES E TESTADAS NO CAMPO DE BATALHA: depois


do Vietnã, as Forças Especiais tinham pouco apoio no Exército. Em outros lugares,
entretanto, no Pentágono e em outras partes do governo – particularmente na CIA e no
Departamento de Estado – havia apoio às Forças Especiais. No fim dos anos 1970, as
Forças Especiais foram reduzidas – de nove mil em 1960 para dois mil. Nos anos 1980,
porém, às Forças Especiais foram dados recursos e elas dobraram de tamanho. Enquanto
apenas algumas centenas de tropas das Forças Especiais foram necessárias para derrotar o
Talebã em duas semanas, um número maior foi necessário em relação àqueles com
habilidades lingüísticas para trabalhar no teatro afegão;

4. BOMBAS INTELIGENTES: as bombas inteligentes foram criadas, e usadas pelas primeira vez,
na Segunda Guerra Mundial. Elas eram boas o suficiente para afundar navios e derrubar
pontes, mas não para fornecer o tipo de apoio próximo como aquele dado à Aliança do
Norte no Afeganistão. Em 2001, as bombas inteligentes se tornaram precisas e confiáveis
o suficiente para assustar o Talebã. É a norma para uma nova arma revolucionária levar
meio século para se tornar realmente efetiva;

5. O RECONHECIMENTO MAIS PRECISO: aviões não-tripulados (Drones) e aviões com radares


(JSTARS) fazem de uma situação confusa algo mais claro para se lidar. Ambos os sistemas
se beneficiaram de muitas décadas de desenvolvimento e muita tentativa e erro;

6. COMUNICAÇÕES POR SATÉLITE: os satélites de comunicação são diferentes dos de


reconhecimento. Os telefones via satélite são essenciais para as Forças Especiais e os
Comandos. O Departamento de Defesa comprou o sistema de telefone por satélite Iridium
no ano 2000. Os satélites de comunicações começaram a aumentar sua importância nos
anos 1970 e foram essenciais na fórmula que venceu a guerra no Afeganistão em 2001;

7. DIPLOMATAS E AGENTES DA CIA HABILIDOSOS: da mesma forma que as Forças Especiais e


os Comandos, o Departamento de Estado e a CIA também gostam de trabalhar “nas
sombras”. Ambos foram jogadores essenciais na “rápida” vitória sobre o Talebã. O
Afeganistão não tem costa marítima e é cercado por nações freqüentemente hostis aos

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CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Estados Unidos. Isto faz com que o Talebã pense ser imune a um ataque dos EUA. Mas os
diplomatas norte-americanos fizeram acordos para o uso do espaço aéreo e de bases no
Paquistão e em outros países ao norte do Afeganistão. A CIA também esteve na área,
fazendo contatos silenciosamente e vendo quem era quem. Isto se mostrou crucial quando
foi necessário negociar com as tribos de pashtuns no sul afegão;

8. ASSUNTOS CIVIS E AS OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS: estas duas funções operaram por muito
tempo atrás das cortinas, mas os Estados Unidos são uma das poucas nações que mantêm
um número substancial de unidades para este tipo de trabalho. Foram cruciais na Guerra
do Afeganistão;

9. A “COR ROXA”: a rivalidade entre os serviços armados dos EUA foi atenuada. “Pensar
roxo” significa deixar de lado as rivalidades e trabalhar pelo bem comum. Combinando-se
as cores dos uniformes dos diversos serviços armados se obtém a cor roxa. No
Afeganistão, a Força Aérea compartilhou seus tanques aéreos com a Marinha e esta
forneceu um porta-helicópteros para as Forças Especiais. O Exército integrou os
controladores da Força Aérea e os Seals às operações de solo. Com toda esta cooperação,
a vitória não poderia ter sido tão suave ou decisiva.

Desde o início, segundo Dunningan, muitos generais estadunidenses acreditavam que


a guerra no Afeganistão poderia ser vencida principalmente com o uso dos “soldados
perfeitos” – Forças Especiais e Comandos, ambos trabalhando com os aliados afegãos. A
maior parte da campanha afegã, todavia, foi de costuras diplomáticas. A mais importante
operação militar foi a de montagem da logística. Chamaram de “Guerra da FedEx”, embora a
maior parte dos suprimentos vitais tenha sido transportada por navio. O material era
desembarcado no Golfo Pérsico, Paquistão e na ilha de Diego Garcia e, então, transportado
por avião até o Afeganistão. O Talebã não esperava pelos “soldados perfeitos” dos Estados
Unidos. O que poucas pessoas esperavam era como que alguns dos “soldados perfeitos”
chegariam ao solo do Afeganistão e terminariam a guerra em poucas semanas. Para James F.
Dunnigan, foi um novo tipo de guerra. Alguns dias após o onze de setembro de 2001, equipes
das Forças Especiais, da Força Delta e dos Seals foram deslocados para o Golfo Pérsico e
para o Paquistão. Eles vestiam trajes civis (DUNNIGAN, 2004: 204-211). Eles iriam realizar
algumas missões de reconhecimento.

Conforme Dunnigan, não havia nenhuma novidade no que as Forças Especiais e os


demais Comandos fizeram no Afeganistão. Juntar-se às forças locais e orientar o pode de fogo

55
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

norte-americano não era algo novo. As Forças Especiais fazem isto desde o Vietnã. O que fez
esta tática trabalhar tão bem são fatores que provavelmente não estarão presentes em outras
situções (Dunnigan está na corrente das “idiossincracias locais”, conforme divisão de Stephen
Biddle, a qual será vista mais à fundo na próxima seção): 1) O Afeganistão é uma cultura
guerreira; 2) O Talebã não tinha muito apoio entre a população. 3) Embora seja uma cultura
guerreira, não são fanáticos quando lutam (há muita deserção). Retomando, em treze de
setembro de 2001 diversas pequenas equipes de reconhecimento das Forças Especiais e da
Força Delta chegaram ao Paquistão e atravessaram a fronteira até o Afeganistão. Sua missão
era coletar informação sobre a situação política e militar dentro do país. O SAS britânico pode
ter entrado no Afeganistão antes dos operadores norte-americanos, mas pouco se fala sobre
isto. É importante destacar que as Forças Especiais geralmente operam perto dos teatros de
operações que estão em andamento e também em áreas nas quais as Forças Armadas possam
vir a atuar. Isso dá às Forças Especiais um conhecimento das situações que ninguém mais nas
Forças Armadas dos EUA tem (DUNNIGAN, 2004: 212-213).

Em primeiro de outubro de 2001, o porta-aviões Kitty-Hawk deixou sua base no Japão


e foi para o Oceano Índico, aonde cruzaria a costa do Paquistão e serviria de base flutuante
para as Forças Especiais e os helicópteros dos Comandos. A lista inicial de alvos havia sido
compilada a partir de fotos de satélite, interceptações de rádio e de telefones celulares, bem
como a partir de análises da mídia. Depois, a lista de alvos foi fornecida por patrulhas de solo
feitas pelas Forças Especiais e pelos Comandos. A partir de seis de novembro, a maior parte
das comunicações de rádio do Talebã estava sendo feita no idioma árabe, não mais nas
línguas locais. Parecia que a al-Qaeda tomara o controle dos rádios. As Forças Especiais se
vestiam como os afegãos, de modo que o Talebã não conseguia saber quando os soldados
norte-americanos estavam por perto. Lutar contra os russos nos anos 1980 era uma coisa; ao
menos era possível vê-los e, assim, matá-los. Mas os estadunidenses, com suas bombas
inteligentes e soldados que se vestem como os afegãos eram outra coisa. O Talebã não estava
preparado para isto. E esta era a reação que as Forças Especiais esperavam (DUNNIGAN,
2004: 213-217). Mas não foi só de Forças Especiais que se constituiu a estratégia dos EUA.

A Guerra no Afeganistão teve outras duas armas que foram bastante responsáveis pela
“vitória” sobre o Talebã. A arma mais visível foi a bomba inteligente, geralmente de uma
tonelada, guiada por GPS e lançada pelo avião bombardeiro B-52. A outra arma foi o
dinheiro. Quando os agentes da CIA foram para o Afeganistão eles sabiam que, assim como
os britânicos notaram um século antes, os afegãos não podem ser comprados, mas podem ser

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CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

alugados. Trata-se de um antigo costume afegão: um senhor da guerra se torna um líder dos
homens que lutam tendo os recursos para sustentá-los. A distribuição do dinheiro foi feita
pelos batalhões de Assuntos Civis do Exército americano (DUNNIGAN, 2004: 223-224).

O veículo aéreo não-tripulado foi uma ferramenta bastante útil para as Forças de
Operações Especiais no Afeganistão. Trata-se de um exemplo de como fazer os “soldados
perfeitos” um pouco mais “perfeitos” (DUNNIGAN, 2004: 230). Tais pequenos aviões – o
Predador entrou em serviço em 1995 – dão às Forças de Operações Especiais sua própria
força aérea particular. Como a velocidade é fundamental em uma ação de Comandos, estes
não têm que necessariamente esperar pela Força Aérea regular.

A intervenção no Afeganistão também viu muito da guerra psicológica. Durante o mês


de outubro de 2001, transmissões de rádio-fusão voltadas ao Talebã diziam mensagens como
a seguinte (DUNNIGAN, 2004: 235):

Atenção Talebã! Vocês estão condenados. Vocês sabiam disto? No instante em que os
terroristas que vocês apoiam tomaram os nossos aviões, vocês se sentenciaram à
morte… Nossos helicópteros farão chover a morte em seus campos antes que sejam
detectados pelo radar. Nossas bombas são tão precisas que elas podem ser lançadas
em suas janelas…

A guerra psicológica bem-sucedida é pouco noticiada, e pouco analisada. Há uma


tendência a atribuir o sucesso à outros fatores, como as bombas grandes e/ou inteligentes.
Todavia, no Afeganistão, a guerra psicológica teve um efeito bastante importante. O “soldado
perfeito” sabe usar as palavras e as idéias tão bem quanto as armas.

E por que a Guerra no Afeganistão teve que ser uma guerra de comandos? Os generais
não têm certeza sobre o envio de tropas para campos de batalha distantes. E as razões não são
políticas, mas sim logísticas. Após o onze de setembro, o transporte se tornou a questão
central nos planejamentos. O Afeganistão não tem costa marítima e está distante de bases
aéreas de países amigos. Os EUA só poderiam, inicialmente, deslocar pequenos números de
tropas para a área. No período de cerca de um ano, uma força de solo maior poderia ser
deslocada para a região. Mas uma resposta rápida era necessária. No fim de setembro, muitos
sabiam que teria de ser uma guerra de comandos. Se durante a Guerra Fria os EUA detinham
uma rede de bases aéreas próximas a possíveis campos de batalha, a situação no início da
“guerra ao terror” era diferente (DUNNIGAN, 2004: 238-240).

Após ser mostrada a visão da administração de George W. Bush e de alguns analistas


de certa forma alinhados com ela, como Max Boot e James Dunnigan, agora serão mostrados

57
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

dois pontos de vista críticos. Na próxima seção, apontar-se-á as críticas de Stephen Biddle e
de Michael O’Hanlon ao modelo afegão.

2.4 DESCONSTRUINDO O SUCESSO AFEGÃO

Stephen Biddle identifica duas visões sobre a Guerra no Afeganistão: a primeira é a


dos proponentes do “novo” modo de guerra americano. A segunda, daqueles que acham que o
sucesso no Afeganistão é decorrente de particularidades locais. Na primeira percepção estão
situados, basicamente, Richard Perle, R. James Woolsey, Stansfield Turner, Michael Vickers,
Thomas Donnelly, Daniel Goure, Fareed Zakaria, James Webb, Robert Andrews e George W.
Bush. Já na segunda, Donald Rumsfeld e, do ponto de vista do autor desta dissertação, James
Dunnigan, entre outros. Biddle propõe uma terceira visão: para ele, a melhor explicação sobre
a campanha no Afeganistão é que esta é menos diferente do que muitos pensam: trata-se de
uma operação com um teatro aéreo-terrestre ortodoxo no qual o apoio de fogo pesado decidiu
uma competição entre duas forças terrestres.

Na próxima sub-seção o argumento de Biddle será explorado. Embora seja menos


crítico do que Biddle, Michael O’Hanlon acha que nem sempre os objetivos dos aliados dos
Estados Unidos serão os mesmos que os de Washington. Isto poderia prejudicar as ações
norte-americanas, como ocorreu em Tora Bora, quando a Aliança do Norte não se empenhou
na busca de Osama bin Laden. E isto em parte tiraria validade do modelo afegão. Após serem
analisadas as propostas de Biddle, o enfoque será em O’Hanlon.

2.4.1 NADA DE MUITO NOVO NO FRONT

Na visão mais entusiasta do modelo afegão, ou do “novo” modo de guerra americano,


argumentou-se que uma nova combinação de Forças de Operações Especiais, bombas de
precisão e um aliado local (a Aliança do Norte) destruiram o aparato militar do Talebã,
derrubaram seu regime e fizeram isto tanto sem expor os norte-americanos aos riscos de
grandes perdas quanto sem expandir a presença estadunidense – de modo que pudesse
encorajar uma insurgência nacionalista. Neste novo modelo afegão, afirmou-se, pequenas
equipes de Comandos de elite no solo forneceram informações sobre os alvos para as bombas
de precisão alcançarem um inimigo disperso e escondido. Até os Comandos chegarem ao
local, os bombardeios de ampla altitude pouco poderiam fazer contra um país com poucos
alvos fixos e grandes. Mas, uma vez que os bombardeiros da coalizão foram guiados por
olhos amigos no solo, tornou-se possível para o poder aéreo aniquilar a infantaria e os

58
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

blindados do Talebã, os quais paralisaram a Aliança do Norte nos seis anos anteriores de
guerra civil, possibilitando que um aliado pouco sofisticado e com baixos números
conquistasse todo um país em apenas algumas semanas. Muitos acreditam que tal modelo
afegão poderia ser usado em qualquer lugar com efeitos similares. Todavia, há discordâncias.
Muitos argumentam que o sucesso do modelo afegão em 2001-2002 foi “idiossincrático”, isto
é, um produto de circunstâncias locais únicas que provavelmente não irão se repetir em
conflitos futuros (BIDDLE, 2002: 1-4).

Para Biddle, nenhuma das duas visões apontadas acima é inteiramente satisfatória.
Uma avaliação mais razoável seria ver a campanha não como decorrência das particularidades
locais ou como uma revolução militar, mas sim como um exemplo ortodoxo de um teatro de
guerra moderna conjunta. Enquanto a campanha no Afeganistão foi única em algumas coisas
e nova em outras, é fácil exagerar que seja distinta. A campanha se centrou em uma luta entre
dois exércitos grandes. Embora a atenção pública tendeu a se focar no papel do poder aéreo e
das Forças de Operações Especiais que o guiaram, o objetivo do papel desempenhado pelo
ocidente foi desequilibrar as escalas de uma guerra terrestre já existente (BIDDLE, 2002: 43).

Todavia, alguns elementos na Guerra do Afeganistão foram razoavelmente novos: o


apoio de fogo veio quase que exclusivamente do ar; os ataques aéreos foram dirigidos em sua
maioria por Forças de Operações Especiais – cujos métodos, equipamentos e centralidade
para os resultados da luta são sem precedentes e; os exércitos de solo não eram do mesmo
país que os Comandos e o poderio aéreo. Entretanto, as diferenças foram menos salientes do
que as continuidades: a chave para o sucesso no Afeganistão, assim como para uma guerra
conjunta tradicional, foi a interação próxima de fogo e manobra, nenhuma das quais poderia
ser bem-sucedida sozinha e nenhuma das quais poderia se sair bem sem forças de solo
significativamente treinadas e equipadas ao menos no mesmo nível de seus oponentes. No
Afeganistão, a Aliança do Norte forneceu tais forças de solo (BIDDLE, 2002: 5-6).

Consoante Stephen Biddle é um erro ver a campanha no Afeganistão como um


rompimento radical com as experiências militares anteriores. Como em qualquer outra
operação de guerra, trouxe continuidade, assim como mudança – e a continuidade foi crucial
tanto para o entendimento dos resultados da campanha como para projetar as suas implicações
políticas (BIDDLE, 2002: 49). A visão do Afeganistão como uma continuidade implica em
uma perspectiva diferente daquelas do debate a partir do qual Biddle sugeriu sua visão.

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CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Muitos percebem a campanha no Afeganistão como evidência de que as Forças


Armadas dos EUA podem ser reestruturadas para enfatizarem engajamentos precisos de longa
distância às despesas de capacidades de combate próximas. Se o modelo afegão pode fazer
em qualquer lugar o que fez no Afeganistão, faria sentido reestruturar os serviços armados
americanos para reduzir dramaticamente as forças de solo que hoje compõem uma ampla
porção das Forças Armadas estadunidenses e aumentar a base em bombas de precisão e
Forças de Operações Especiais para guiá-las. Conforme Biddle, este argumento tem algum
mérito. De fato seria possível, algumas vezes, repetir a performance do novo modelo afegão.
Na Coréia, por exemplo, muitos analistas acreditam que os aliados sul-coreanos podem
fornecer ao menos as mesmas habilidades das do oponente (assim como a Aliança do Norte
fez em relação ao Talebã) e isto sugeriria que uma ampla força de solo norte-americana seria
menos necessária para a defesa da península. Entretanto, seria perigoso assumir, de acordo
com Biddle, que tais aliados estariam sempre disponíveis. Em um mundo com diversos tipos
de organizações militares, os EUA às vezes terão aliados como a Aliança do Norte, e às vezes
não. E, quando não os tiverem, o modelo afegão não prevalecerá. Isto sugere que Forças
Armadas desbalanceadas baseadas em bombas de precisão seria uma postura de alto risco. Por
outro lado, serviços armados balanceados, com a habilidade de integrar o poder de fogo
preciso e a manobra diminuem os riscos e oferecem um poder importante em um mundo no
qual não dá para saber com quem se vai lutar. Pode-se esperar que os oponentes do futuro
lutem da mesma maneira como fez o Talebã no Afeganistão: trata-se da resposta tradicional
aos exércitos com alto poder de fogo (como no caso dos EUA). A guerra contra alvos
encobertos, escondidos e dispersos será a norma para os braços armados dos Estados Unidos
no futuro (BIDDLE, 2002: 50-52).

2.4.2 QUANDO OS OBJETIVOS NÃO COINCIDEM

Segundo Michael E. O’Hanlon, se a estratégia norte-americana no Afeganistão teve


muitas virtudes, ela também teve as suas fraquezas. Entre elas, a mais importante foi não ter
atingido o objetivo principal da guerra: capturar ou matar Osama bin Laden e outros
importantes líderes inimigos. Tais caçadas, segundo O’Hanlon, são inerentemente difíceis,
mas as possibilidades de sucesso neste caso afegão foram reduzidas consideravelmente pela
dependência dos Estados Unidos nas forças paquistanesas e nas milícias afegãs para evitar a
fuga do inimigo e conduzir buscas nas cavernas durante os períodos críticos.

60
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

O’Hanlon divide a guerra em quatro fases. A primeira começou em sete de outubro de


2001 e durou cerca de um mês; a segunda ocorreu durante novembro e viu o Talebã perder o
controle do país; a terceira fase foi caracterizada pelo bombardeamento intensivo, no mês de
dezembro, de posições no complexo montanhoso de Tora Bora, aonde se suspeitava haver
posições da al-Qaeda; a quarta fase começou com a inauguração do mandato de Hamid Karzai
como primeiro-ministro interino. Na segunda fase, o mais importante foi o crescimento do
número de equipes das Forças de Operações Especiais e da CIA trabalhando com a oposição
no Afeganistão. No meio de outubro de 2001, apenas três Equipes A das Forças Especiais,
cada uma com doze homens, estavam no Afeganistão. No meio de novembro, era dez. Em
oito de dezembro, eram 17. Essa mudança significava que os EUA poderiam aumentar seu
apoio às forças locais, ajudá-las com as táticas e designar alvos do Talebã e da al-Qaeda para
o poder aéreo norte-americano. Os Marines também deram apoio logístico às equipes
conforme a guerra avançou. A terceira fase principal da guerra começou no início de
dezembro, quando a inteligência estadunidense já havia descoberto as posições da al-Qaeda
perto de Jalalabad, no leste afegão. As forças da al-Qaeda, incluindo Osama bin Laden,
escaparam para Tora Bora. E por que isto aconteceu? Segundo O’Hanlon, pois os EUA
dependeram muito do Paquistão e dos aliados afegãos para fecharem as rotas de fuga de Tora
Bora. Não está claro se estes aliados tinham os mesmos incentivos que os Estados Unidos
para conduzirem a luta com persistência. Ademais, a missão era difícil (O’HANLON, 2002:
50-54).

No todo, para O’Hanlon, a Operação Liberdade Duradoura foi muito bem designada e
executada. O uso de equipes da CIA e das Forças de Operações Especiais conjuntamente com
o poder aéreo de precisão permitiu um bombardeamento preciso e efetivo das posições do
Talebã e da al-Qaeda. O pessoal dos EUA também contribuiu bastante com ajuda tática e
logística à Aliança do Norte. Porém, houve erros. Um deles foi levar prisioneiros do Talebã e
da al-Qaeda para Guantánamo13. A resistência inicial da administração de George W. Bush
em garantir as proteções básicas das Convenções de Genebra14 aos soldados do Talebã e a
negação constante de aplicá-las também à al-Qaeda foi algo pouco inteligente. O grande

13
A baía de Guantánamo está localizada no sudeste de Cuba. Os Estados Unidos assumiram o controle territorial
do lugar com base no Tratado Cubano-Americano, de 1903, que garantiu a Washington a posse perpétua daquela
localidade, embora o governo cubano, após a Revolução de 1959, tenha considerado a presença estadunidense
por lá ilegal. Em 1898 foi estabelecida a Base Naval da Baía de Guantánamo, para a qual, a partir de 2002, foram
levados prisioneiros da “guerra ao terror”.
14
Tais convenções, constituidas a partir de quatro tratados, estabelecem os padrões do direito internacional para
questões humanitárias, principalmente o tratamento de não-combatentes e prisioneiros de guerra.

61
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

problema dos Estados Unidos, entretanto, envolveu a busca pelos líderes da al-Qaeda. Se
Osama bin Laden, Ayman al-Zawahiri, Abu Zubaydah e outros estiverem vivos, a guerra
falhou em alcançar um objetivo principal. Em vez de se basear em forças afegãs e
paquistanesas para fazerem o trabalho em Tora Bora no mês de dezembro, Donald Rumsfeld
e o general Tommy Franks (chefe do Comando Central) deveriam ter impedido a fuga dos
combatentes da al-Qaeda para o Paquistão através do envio de forças norte-americanas para a
fronteira. As forças dos EUA também deveriam ter sido usadas na busca de Mulá Omar e dos
remanescentes do Talebã, mesmo que a missão fosse menos importante do que aquela contra
a al-Qaeda. Os aliados locais dos Estados Unidos não eram aptos para o trabalho em Tora
Bora. Do que, então, os EUA precisariam para cumprirem a missão? Para fechar as cerca de
100 a 150 rotas de fuga na fronteira afegã-paquistanesa perto de Tora Bora seriam necessários
cerca de 1.000 a 3.000 soldados norte-americanos. E faz alguma diferença Osama bin Laden e
os seus seguidores estarem livres? Mesmo com os seus líderes vivos, a al-Qaeda está mais
fraca sem o seu santuário no Afeganistão. Perdeu as suas bases de treinamento, locais de
encontro seguros, produção de armas, instalações de suprimentos e a proteção do governo
local. Mas, como o especialista em terrorismo Paul Pillar tem apontado, a história das
organizações violentas com líderes carismáticos, como o Sendero Luminoso no Peru e o
Partido do Trabalhadores do Curdistão na Turquia, sugere que elas são mais fortes com os
seus líderes do que sem eles15. A prisão de Abimael de Guzmán em 1992 e de Abdullah
Ocalan em 1999 feriu tais organizações, assim como o assassinato, em 1995, de Fathi Shikaki
(da Jihad Islâmica Palestina) enfraqueceu significamente o seu grupo. Alguns grupos podem
sobreviver à perda de líderes importantes ou, como resultado, tornarem-se mais violentos –
como o Hamas após a morte de Yahya Ayyash em 1996. Mas, mesmo assim, eles terão
momentos difíceis até desenvolverem novas táticas e conceitos operacionais após a perda
(O’HANLON, 2002: 55-58).

Para O’Hanlon, um número importante de inovações apareceu na Operação Liberdade


Duradoura. Podem não ser tão revolucionárias como a guerra relâmpago (blitzkrieg), a guerra
de porta-aviões e as armas nucleares, mas são, de qualquer forma, impressionantes. Diversos
desenvolvimentos são particularmente notáveis. Entre eles, pode-se destacar o amplo uso de
Forças de Operações Especiais. Ademais, talvez o fato mais histórico seja o uso de aviões
não-tripulados pela CIA para lançar bombas em alvos. Sem contar o míssil de cruzeiro, foi a
primeira vez na guerra que um avião não-tripulado lançou bombas em combate, sob a forma
15
Quem sabe seja possível incluir as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC na lista de Pillar, já
que, aparentemente, perderam força com a morte recente de líderes como Raul Reyes e Manuel Marulanda.
62
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

dos mísseis ar-terra Hellfire. E O’Hanlon se questiona: quais as lições mais amplas que
emergem deste conflito? Em primeiro lugar, o progresso militar não depende sempre de caros
programas de armas. Segundo, as habilidades humanas continuam importantes na guerra,
como demonstrado pelas Forças de Operações Especiais e pela CIA. Em terceiro lugar,
O’Hanlon acha que a mobilidade e o deslocamento militares precisam continuar a ser
melhorados. Além disso, apenas uma pequena fração das Forças Armadas precisa ser
equipada com as armas mais sofisticadas e caras. Todavia, caso os “terroristas” permaneçam
no Afeganistão e este entre em guerra civil, a vitória não será completa. A administração de
George W. Bush precisaria repensar sua política de manutenção da paz. A resistência em
contribuir com uma força de estabilização para o Afeganistão foi um erro razoável que os
aliados dos EUA talvez não possam resolver por contra própria (O’HANLON, 2002: 59-63).

Embora a desconstrução do modelo Afegão tenha excelentes argumentos, a contra-


resposta à ela também é muito bem estruturada. Assim, na próxima seção, serão analisadas as
críticas à desconstrução do “novo” modo de guerra americano.

2.5 RESPOSTAS À DESCONSTRUÇÃO

O modelo afegão oferece um método menos custoso e mais efetivo de alcançar os


objetivos de segurança dos Estados Unidos. Na defesa que faz deste modelo, Richard B.
Andres (et all.) argumenta que o pessimismo (de Biddle e de O’Hanlon) que caracterizou as
análises do modelo afegão está incorreto. A lição do Afeganistão e do Iraque é que, quando
usado corretamente, o modelo afegão oferece aos Estados Unidos vantagem estratégica e de
poder pelo mundo afora (ANDRES; WILLS; GRIFFITH JR., 2005/06: 125-127). Entretanto,
é necessário apontar uma ressalva. Tais autores defendem o modelo Afegão. Todavia, os três
são da Força Aérea norte-americana. Assim, um modelo de guerra que tenha como uma de
suas bases principais o poder aéreo é de grande interesse da Força Aérea dos EUA. Dessa
forma, a análise é interessada, o que acaba por enfraquecê-la. Entretanto, é bem escrita e
argumentada. Critica a ênfase tática dada por Biddle e O’Hanlon, defendendo a importância
estratégica do que os autores chamam de “novo” modo de guerra americano.

Conforme Andres (et. all), a operação militar que os Estados Unidos conduziram para
derrotar o regime Talebã no Afeganistão em 2001 representa algo novo na guerra. Nunca
antes o poder aéreo e as Forças de Operações Especiais tiveram o papel principal em uma
guerra. Embora a noção das Forças de Operações Especiais orientando o poder aéreo em
apoio aos aliados nativos seja um fato histórico aceito, poucos, mesmo entre as Forças

63
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Especiais, poderiam imaginar um momento em que isto constituiria o esforço central em uma
campanha sustentada. Apesar da opinião militar comum sobre a utilidade de uma campanha
centrada em Forças de Operações Especiais, o presidente George W. Bush escolheu o plano
sugerido pela CIA em vez daquele oferecido pelo Estado-Maior Conjunto. Osama bin Laden
argumentara que o envio de tropas para o Afeganistão faria o Talebã usar as mesmas táticas
que derrotaram a União Soviética. O saudita via o plano norte-americano de inserir tropas no
Afeganistão como algo que levaria à vitória não apenas de seus seguidores no país, mas
também em todo o mundo muçulmano. Aparentemente o Exército via a campanha como um
meio de preparar o terreno para tropas norte-americanas mais pesadas. Os ataques aéreos em
Mazar-e-Sharif, conduzidos pelas Forças de Operações Especiais em apoio à Aliança do
Norte, sinalizaram o fim da relação tradicional entre as Forças de Operações Especiais e o
poder aéreo, e a emergência do modelo afegão. O poder de fogo de precisão orientado pelas
Forças de Operações Especiais transformou radicalmente a campanha estadunidense,
aumentando a capacidade do poder aéreo em destruir as forças terrestres do Talebã
(ANDRES; WILLS; GRIFFITH JR., 2005/06: 129-134).

E por que a campanha no Afeganistão foi bem-sucedida? As operações em tal país


funcionaram, consoante Andres (et. all), por causa de uma combinação de dinâmicas táticas e
operacionais inter-relacionadas. Tal resultado inesperado não ocorreu em função de uma
tecnologia ou tática em particular. Em vez disto, a sinergia de uma série de novas capacidades
transformou a natureza da campanha em algo “revolucionário”. O modelo afegão funcionou
por duas razões. A primeira delas ocorreu nos dias iniciais da campanha, quando o
bombardeamento do teatro de operações forçou o Talebã a se dispersar em grupos menores
que não se movimentavam abertamente. A segunda razão, entretanto, é menos simples e
requer um entendimento de como defensores dispersos e entrincheirados tradicionalmente
anulam os grandes números de tropas e os fogos de artilharia de massa da força atacante.
Resumidamente, em uma operação de armas combinadas, uma defesa bem-sucedida requer
comunicação e mobilidade operacionais. Os defensores sobrevivem apenas enquanto eles
puderem se comunicar, mover-se e contra-atacar rapidamente. As bombas de precisão são
muito mais capazes do que a artilharia em anular as defesas táticas e em destruir tropas
dispersas e encobertas, mesmo sem o auxílio da infantaria. No Afeganistão e no Iraque, tais
armas freqüentemente fizeram das defesas táticas do inimigo algo sem utilidade. Quando
combinadas, estas dinâmicas têm efeitos “revolucionários”. As forças de solo há muito
aceitaram a noção de que a defesa é a forma mais forte de batalha (isto já está em Carl von

64
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

Clausewitz – ver apêndice desta dissertação). Certamente, a doutrina clássica do Exército


orienta os atacantes a usar uma razão de três para um para serem bem-sucedidos contra
defensores bem preparados. A Operação Liberdade Duradoura demonstrou que esta regra não
é mais válida quando a superioridade aérea e ataques precisos estão disponíveis16. Mais
importante, o ataque repentino à Mazar-e-Sharif abriu uma ponte por terra com o vizinho
Usbequistão, possibilitando às forças norte-americanas expandirem sua presença no
Afeganistão. Em poucas palavras, a nova tecnologia disponível às Forças de Operações
Especiais e ao poder aéreo transformou a natureza da guerra convencional no Afeganistão. Na
Operação Liberdade Duradoura, as Forças de Operações Especiais foram centrais, usando
forças locais para lançarem ataques diretos ao Exército inimigo. De um ponto de vista mais
amplo, a Operação Liberdade Duradoura respondeu ao mais amplo debate teórico militar dos
anos 1990, demonstrando a quantidade sem precedentes de sinergia produzida pela nova
tecnologia do poder aéreo em conjunto com as forças de solo (ANDRES; WILLS; GRIFFITH
JR., 2005/06: 135-140).

Para Andres (et. all), no Afeganistão e no Iraque o novo modelo ajudou os Estados
Unidos a superarem obstáculos políticos e geográficos para produzirem vitória em situações
nas quais a aplicação dos modelos de força mais desejados não era possível. Em retrospecto,
argumentos que diziam que o modelo afegão não era replicável estavam errados. O novo
modelo se tornou rapidamente uma ferramenta importante no arsenal militar dos EUA e tem
ramificações importantes para os conflitos futuros. Entretanto, assim como qualquer doutrina
de guerra, não é aplicável universalmente, assim como também tem as suas limitações. Em
uma visão semelhante à de Biddle, O’Hanlon argumenta que o modelo afegão tem seus erros
porque as tropas aliadas nem sempre estarão motivadas a conduzir missões de acordo com os
planos de campanha norte-americanos. Os interesses dos EUA e de seus aliados nem sempre
serão os mesmos, com resultados negativos no campo de batalha. Tanto Stephen Biddle
quanto Michael O’Hanlon usam as batalhas de Tora Bora e Anaconda como estudos de caso
para demonstrar estes problemas (ANDRES; WILLS; GRIFFITH JR., 2005/06: 144-145).

Na batalha de Tora Bora, os aliados afegãos de Washington certamente não tinham as


habilidades e a motivação para alcançarem os objetivos designados para eles, mas isto
demonstrou mais um erro no planejamento americano do que propriamente nas habilidades
16
Conforme a teoria das Operações Especiais desenvolvida por William McRaven, o ataque fica mais forte do
que a defesa com o uso de Operações Especiais, mais especificamente sob a forma de ações de Comandos.
Assim, a Operação Liberdade Duradoura também aceitaria a explicação de que o sucesso não foi por causa da
força aérea, mas sim em função das Forças de Operações Especiais. Para mais detalhes sobre a teoria das
Operações Especiais, veja o Apêndice desta dissertação.
65
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

das forças locais. Como Andres (et. all) demonstrará, os objetivos designados aos afegãos
pelos planejadores dos EUA eram tão difíceis que mesmo um Exército moderno bem
treinado, equipado e motivado teria problemas em alcançá-los. O plano militar estadunidense
tinha dois elementos básicos: primeiro, o poder aéreo iria castigar os complexos de cavernas
de modo a desalojar o inimigo. Segundo, milhares de afegãos iriam explorar os resultados dos
bombardeios lutando de caverna em caverna e fornecendo um apoio para evitar que o inimigo
fugisse para o Paquistão. Depois de destruir o inimigo, a parte mais importante da missão era
capturar os membros da al-Qaeda. O porquê dos planejadores terem pensado que isto seria
possível, dado o histórico dos membros da al-Qaeda de lutarem até a morte, continua algo
pouco esclarecido. O Talebã e a al-Qaeda fortificaram posições de defesa já favoráveis e
estocaram suprimentos e munições. Depois da falha em Tora Bora, a maior parte da crítica se
focou na falta de habilidade dos aliados locais. Provavelmente mais importante do que as
habilidades, entretanto, era a moral afegã. O entendimento da motivação do aliado local é
uma consideração crítica na “guerra por procuração” (proxy war). Os aliados afegãos tinham
poucos desentendimentos com a al-Qaeda: o inimigo deles era o Talebã. Uma vez que o
Talebã caiu, o sentido da guerra, para os aliados dos EUA, mudou. Os afegãos não tinham
muito entusiasmo em lutar contra a al-Qaeda na era pós-Talebã. Em Tora Bora, a moral afegã
foi construida a partir da diplomacia e do dinheiro norte-americanos, não pela motivação
interna. Apesar disto, os afegãos lutaram. Em Tora Bora, altitudes extremas e terreno muito
difícil levaram a condições que favoreceram totalmente o inimigo. Como a batalha de
Anaconda demonstrou depois, dadas as condições no Afeganistão, a captura de líderes
inimigos seria muito difícil mesmo para tropas muito bem treinadas. Aliás, existem poucos
exemplos de líderes inimigos sendo capturados durante uma guerra (ANDRES; WILLS;
GRIFFITH JR., 2005/06: 145-149).

A Operação Anaconda envolveu uma das mais longas trocas de tiros que os soldados
dos EUA tiveram desde o Vietnã. Assim como em Tora Bora, o terreno favoreceu o inimigo.
A Operação Anaconda revelou uma série de fraquezas no modelo afegão; porém, mais do que
qualquer outra coisa, demonstrou a eficácia relativa das táticas empregadas ao longo do
período inicial da campanha. A habilidade dos aliados é relevante, mas é a habilidade relativa
ao plano o que conta mais. As circunstâncias necessárias para o sucesso de novo modelo vão
variar dependendo de uma série de fatores. Esperar que uma força não treinada será bem-
sucedida usando a doutrina e os planos de batalha tradicionais dos EUA é um erro. Os líderes

66
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

precisam planejar soluções adequadas para problemas únicos (ANDRES; WILLS; GRIFFITH
JR., 2005/06: 150-153).

Segunda Andres (et. all) o modelo afegão se mostrou capaz de derrotar tanto forças
convencionais quanto a guerrilha. Quando as limitações das forças aliadas locais são
conhecidas e consideradas no planejamento de operações, o modelo é replicável em diversos
tipos de condições e mostrou que funciona mesmo quando aliados locais são menos
habilidosos do que seus inimigos ou quando as forças amigas locais têm pouca ou nenhuma
motivação política para lutar por objetivos que são dos Estados Unidos. O exame das questões
táticas apenas obscurece o verdadeiro valor do modelo afegão. A importância do novo modelo
vem de seu valor estratégico (ANDRES; WILLS; GRIFFITH JR., 2005/06: 153).

Para os Estados Unidos, consoante Andres (et. all), o modelo afegão reduz de forma
significativa os custos associados à guerra. Tanto no Afeganistão quanto no Iraque, pequenas
equipes das Forças Especiais conduziram missões que os planejadores militares acreditavam
que envolveriam divisões mais pesadas das tropas norte-americanas, muitos bilhões de
dólares e perdas de soldados significativas aos EUA. Embora as missões não tenham tido
custo zero ou nenhuma morte, o suposto sucesso veio por um preço relativamente baixo se
comparado com o uso das forças e táticas convencionais. É razoavelmente possível que uma
campanha de Forças de Operações Especiais em 1998 (ano dos ataques às embaixadas norte-
americanas no Quênia e na Tanzânia) poderia ter prevenido os ataques de onze de setembro
de 2001. Assim, enquanto fazer da guerra algo tão barato tem a possibilidade de levar os
Estados Unidos a guerras que em outras situações evitaria, prevenir a guerra por causa de
preocupação com perdas não é sempre a melhor escolha. O uso de forças de solo nativas, com
Forças Especiais e poder aéreo oferece aos EUA uma oportunidade para usar o poder militar,
aumentando a utilidade estratégica da força armada (ANDRES; WILLS; GRIFFITH JR.,
2005/06: 154-155).

As Forças Armadas norte-americanas se mostraram vulneráveis às táticas de guerrilha.


Pelo fato do modelo afegão não se basear em grandes contingentes de solo, os Estados Unidos
provavelmente serão vistos como parceiro, e não como invasor. O modelo afegão pode
fortalecer a diplomacia dos EUA. Enquanto o modo de guerra americano necessita de tropas
norte-americanas para ocuparem um solo estrangeiro, as chances de uma insugência são altas.
Se os líderes estrangeiros entenderem esta dinâmica, eles têm poucas razões para recuarem
diante das ameaças militares estadunidenses. Todavia, se ameaçado com o modelo afegão, o
Irã, por exemplo, teria mais motivos para se preocupar. Como no caso de muitos países
67
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

autocráticos, a República Islâmica do Irã tem grupos dissidentes armados (curdos, baluches e
várias organizações persas pró-democráticas). Apoiados pelas Forças de Operações Especiais
e pelo poder aéreo, estes grupos dariam vantagens em uma guerra, assim como uma forma de
evitar a ocupação. Dinâmicas similares poderiam ser aplicadas na Síria, Sudão e em outros
países com regimes hostis aos EUA. Pelo fato dos líderes saberem que este tipo de operação é
barata aos EUA, ameaças baseadas no modelo afegão terão certamente mais credibilidade
(ANDRES; WILLS; GRIFFITH JR., 2005/06: 155-158).

Os críticos do modelo Afegão se focam nas limitações táticas do mesmo. Andres (et.
all) argumentou que os benefícios estratégicos da luta por procuração compensam os custos
criados pelas limitações táticas dos procuradores. O novo modelo tem ramificações
importantes para a política externa dos Estados Unidos. O modelo representa uma ferramenta
importante, até revolucionária, no arsenal de política externa dos EUA. O modelo permitiu a
Washington substituir toneladas de tropas pelo poder aéreo, Forças de Operações Especiais e
aliados locais nas duas últimas guerras (Afeganistão e Iraque). Isto é economia de força em
sua forma mais pura. A aplicação inovadora deste sistema nas duas últimas campanhas
permitiu à administração de George W. Bush a oportunidade de remover dois regimes
autoritários em menos de dois anos, e mandar um sinal poderoso à possíveis adversários. E
isto não requer que os EUA ocupem o território que conquistam, de modo que há menos
chances de uma guerra de guerrilha. Na diplomacia coercitiva e na guerra, o modelo Afegão
deverá ter um lugar de prestígio no arsenal de política externa dos Estados Unidos (ANDRES;
WILLS; GRIFFITH JR., 2005/06: 159-160).

2.6 O LEGADO DE DONALD RUMSFELD

O sucesso das Forças de Operações Especiais no Afeganistão levou as mesmas a


terem um papel central na chamada “guerra global ao terror”. Entretanto, não é possível
produzi-las em massa. Isto está evidenciado nas “verdades duradouras” da expressão de
opinião do Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos17. Ademais, um relatório do
Escritório de Prestação de Contas do governo norte-americano apontou diversos problemas
para serem resolvidos de modo que as Forças de Operações Especiais possam desempenhar o

17
Confira a expressão de opinião de 2007 do Comando de Operações Especiais dos EUA. Disponível em:
<http://www.fas.org/irp/agency/dod/socom/posture2007.pdf>. Acesso em 25 nov. 2008.

68
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

papel que foi designado para elas18. Dessa forma, pergunta-se: as Forças de Operações
Especiais norte-americanas vão predominar no futuro? Isto é, as Forças Armadas dos Estados
Unidos, com base no suposto sucesso do modelo afegão, serão centradas em Forças de
Operações Especiais? O fato de poucas unidades de Forças de Operações Especiais serem
boas não significa que mais Forças de Operações Especiais serão muito melhores. Como
cidadãos de um país grande e rico, os estadunidenses podem ter dificuldade em apreciar o
mérito da idéia de que o pequeno é bonito e mais efetivo para as Forças de Operações
Especiais. É importante enfatizar que quando se expande as Forças de Operações Especiais
além de um punhado de heróis para o nível de brigadas ou mais, estas forças certamente
drenarão pessoal de alta qualidade das forças regulares. As Forças de Operações Especiais,
por definição, são pequenas em escala e são dedicadas à execução de tarefas especiais de alto-
risco e alto-desenlace com o mínimo compromisso quantitativo de recursos humanos e
materiais. Se tais forças são ampliadas em razão da perspectiva de que se um punhado de
Forças de Operações Especiais são boas, uma quantidade maior deve ser bem melhor, então
às tais forças expandidas serão dadas missões que cabem bem a batalhões e a brigadas
convencionais. Pode haver a necessidade de tropas de choque de elite em números maiores,
mas tais tropas não são Forças de Operações Especiais (GRAY, 1998: 182-183).

2.7 CONCLUSÃO

Neste segundo capítulo desta dissertação viu-se o que é o chamado modo de guerra
americano. Russell F. Weigley aponta que o crescimento dos Estados Unidos e a sua adoção
de objetivos ilimitados na guerra levou a estratégia da aniquilação a se tornar a característica
básica do modo de guerra americano. Em seguida, Colin Gray apontou as características que
definem tal modo de guerra. Considerando a “transformação militar” que George W. Bush
estava implementando em sua administração, a intervenção no Afeganistão foi chamada de
um “novo” modo de guerra americano, teoricamente resultado das mudanças que o governo
em questão estava implementando. Também definida como modelo afegão ou como “primeira
guerra de Comandos”, a estratégia se baseou em Forças de Operações Especiais, poder aéreo
e aliados locais (Aliança do Norte). Se, para alguns, foi algo “revolucionário”, para outros foi
apenas uma continuidade no modo de se fazer a guerra. Embora os entusiastas argumentem
tão bem quanto os críticos, a evolução de guerra no Afeganistão deixa algumas dúvidas

18
Ver Escritório de Prestação de Contas do Governo dos Estados Unidos (GAO). Forças de Operações Especiais:
Diversos Desafios de Capital Humano Devem Ser Resolvidos Para Alcançar o Papel Expandido. Julho de 2006.
Disponível em: <http://www.gao.gov/new.items/d06812.pdf>. Acesso 25 nov. 2008.
69
CAP. II – O NOVO MODO DE GUERRA AMERICANO

quanto à efetividade do modelo afegão. Se foi tão bem-sucedido, como explicar os inúmeros
retrocessos que se pôde observar nos últimos anos? Não dá para saber se é o momento certo
de se chamar tal estratégia de “novo” modo de guerra americano. Talvez seja muito cedo
ainda. Mais adequado seria considerar o modelo afegão como mais uma possibilidade no
vasto leque de instrumentos da política externa norte-americana. Visando à ampliar a
problematização que em parte foi desenvolvida neste segundo capítulo, com Biddle e
O’Hanlon, no próximo (terceiro e último) capítulo tratar-se-á dos desdobramentos do conflito
no Afeganistão.

70
CAPÍTULO III

A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

SUMÁRIO: 3. Introdução; 3.1 Afeganistão: Contextualização Histórica; 3.2 Definindo a Guerra no


Afeganistão; 3.2.1 Guerra por Procuração e a Caçada à al-Qaeda (2001-2002); 3.2.2 Esforços Iniciais
de Estabilização (2002-2003); 3.2.3 Prevenindo a Guerra Civil (2003-2004); 3.2.4 A Campanha no Sul
(2005-2006); 3.3 O Talebã: Uma Análise Organizacional; 3.3.1 História; 3.3.2 Cultura; 3.3.3 Religião;
3.3.4 Etnicidade; 3.3.5 Recursos; 3.3.6 Estratégia; 3.3.7 Estrutura; 3.3.8 O Futuro do Talebã; 3.4 A
Ascensão da “Insurgência” no Afeganistão; 3.5 Entendendo a Fronteira entre o Afeganistão e o
Paquistão; 3.5.1 Etnografia, Estruturas Tribais e Insurgência; 3.5.2 A Geopolítica da Fronteira; 3.6 Do
Grande Jogo à Grande Barganha; 3.7 Conclusão – Afeganistão: O Cemitério dos Impérios.

RESUMO: Este terceiro e último capítulo desta dissertação tratará dos desdobramentos da Guerra no
Afeganistão. Após a introdução, será feita uma contextualização histórica geral do Afeganistão,
seguida de uma seção exclusiva que visa à tentar definir o conflito em questão, no qual guerra clássica,
resistência por meio de táticas guerrilheiras, insurgência e reconstrução de nação se misturam. Depois,
será feita uma análise mais profunda do Talebã enquanto organização, grupo de muçulmanos sunitas
da etnia pashtun que foi criação do governo paquistanês como resposta à anarquia afegã após a
retirada das tropas soviéticas em 1989. Na quarta seção, tratar-se-á da ascensão da “insurgência” no
Afeganistão. Depois, vai-se aprofundar na região de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, algo
fundamental para entender o conflito na região. Enfim, na penúltima seção, ver-se-á que o ocidente
mudou seu grande jogo naquele local para uma grande barganha. A opção de negociar com o Talebã já
está na mesa. A última seção e conclusão recebe um título bastante adequado – Afeganistão: O
Cemitério dos Impérios. Parece ser este o destino de quem se arrisca a mexer com um povo que,
quando não provocado, constitui-se de pastores pacíficos e fazendeiros de subsistência.

3. INTRODUÇÃO

Apesar da experiência que a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos


obteve nos anos 1980 apoiando secretamente a resistência mujahideen à invasão soviética no
Afeganistão, a atual intervenção estadunidense naquele país demonstra que aparentemente
Washington não fez a sua lição de casa. Como foi apontado nos capítulos anteriores, a
“transformação militar” norte-americana é demasiadamente focada em tecnologia, em um
momento no qual o país precisa aprender a lidar com as culturas além-mar. A evolução da
guerra no Afeganistão mostra que, mesmo passados sete anos desde a intervenção em 2001,
ainda há muita dificuldade por parte dos formuladores de políticas em Washington em
entender o que se passa no Afeganistão. Mesmo que as Forças Especiais sejam especializadas
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

em culturas locais, muitos dos soldados enviados ao teatro de operações em questão ainda
recebem pouco treinamento em idiomas e cultura local. Como será apontado na quinta seção
deste capítulo (Entendendo a Fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão), segundo Johnson e
Mason os desafios para os interesses de segurança dos Estados Unidos no sul da Ásia não são
um problema militar, social, religioso ou tribal, mas sim cultural, algo problemático para um
país cujas crenças e paradigma de política externa são a sublimação nacional da cultura em
favor da assimilação através da democracia. Na conclusão do primeiro capítulo desta
dissertação, lembrou-se de Robert D. Kaplan e uma dimensão que o autor aponta como sendo
esquecida na “transformação militar” dos EUA: a lingüística. Dessa forma, a primeira seção
deste terceiro capítulo começará retomando Kaplan.

3.1 AFEGANISTÃO: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Não importando o que digam os mapas, Robert Kaplan aprendeu a ver o Afeganistão e
o Paquistão como uma unidade política singular. Isto não é apenas o resultado do intenso
envolvimento paquistanês na guerra mujahideen contra a ocupação soviética nos anos 1980 e
na ascensão do Talebã na década seguinte, mas uma questão de geografia e de história
colonial britânica. Em função da transição gradual das terras baixas do sub-continente indiano
para as terras áridas da Ásia Central, a fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão nunca pôde
ser precisa. Os pashtuns tribais, que controlam a zona de fronteira no leste e sul afegãos,
nunca aceitaram a fronteira arbitrária entre o Afeganistão e a Índia colonial (da qual o
Paquistão emergiu mais tarde): uma fronteira desenhada em 1893 pelo enviado britânico Sir
Mortimer Durand. Além disto, o Paquistão herdou dos britânicos o cinturão de territórios
anárquicos que eles chamavam de “agências tribais”, os quais ficam a leste da linha de
Durand. Isto teve o efeito de confundir a fronteira de uma terra mais calma no Paquistão e o
“caos” do Afeganistão. Em decorrência disto, os governos paquistaneses freqüentemente se
sentiram cercados – não apenas pela Índia à leste, mas também pelos homens tribais afegãos à
oeste. Para lutar com a Índia, na visão paquistanesa, era necessário dominar o Afeganistão
(KAPLAN, 2006: 192-193).

O Afeganistão não existiu realmente até meados do século XVIII. Em 1747, Ahmad
Khan, líder do contingente de Nadir Shah, o Grande – rei persa e conquistador da Índia
Moghul – escapou da Pérsia com quatro mil homens montados em cavalos, após o assassinato
de Nadir Shah e o colapso de seu regime. Ahmad Khan e suas tropas escaparam da Pérsia
pelo sudeste, a caminho de Kandahar. Esta cidade era provavelmente o único nome grego de

72
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

lugar que sobreviveu no Afeganistão. A origem é a versão árabe do nome de Alexandre:


Iskander. Em 330 a. C. Alexandre, o Grande, conduziu seu Exército através de Kandahar em
busca de mais conquistas, seguindo sua vitória sobre as forças persas de Dário em
Gaugamela, no norte do Iraque19. Kandahar está localizada na zona de fronteira entre o
território histórico persa e os territórios moghuls à leste, onde os persas e seu líder
assassinado, Shah, foram derrotados. Neste mar de sangue e confusão, Ahmad Khan concebeu
uma ilha de ordem: um reino afegão nativo que seria sancionado por qualquer um que viesse a
governar a Pérsia, em troca das patrulhas de Khan nos novos territórios à leste. Ahmad Khan
tinha apenas 24 anos quando se tornou o Rei Ahmad Shah do Afeganistão. Deste momento
em diante, ele e os seus homens tribais abdali seriam conhecidos como durranis. De
Kandahar, Ahmad Shah conquistou Cabul e Herat, de modo que o império durrani se tornou o
Afeganistão moderno (KAPLAN, 2006: 193).

Os durranis governaram o Afeganistão até o ano de 1973, quando o primeiro-ministro


Mohammed Daoud, em um golpe apoiado pelos soviéticos, derrubou o último monarca
durrani, o Rei Zahir Shah. Este não voltaria ao Afeganistão nas próximas três décadas, só
depois, sob a condição de um cidadão privado após o desmantelamento do regime do Talebã
pelas forças norte-americanas e a eleição de Hamid Karzai para presidente. Este, o líder dos
popolzais, um sub-grupo tribal dos durranis, era ele mesmo o que Kaplan chama de uma
royalty afegã. Como o original Ahmad Shah, assim como o Talebã, Karzai veio de Kandahar.
Esta sempre foi considerada o Afeganistão puro, não alterada pelas influências persas em
Herat ao noroeste ou pelas influências do subcontinente indiano que se proliferaram em Cabul
no nordeste. O Talebã ficou tão impressionado pela linhagem kandahari de Hamid Karzai
que, no começo dos anos 1990, antes de chegarem ao poder, eles pediram o apoio de Karzai e,
nos primeiros dias do governo Talebã, o regime ofereceu a Karzai o posto de embaixador na
ONU, o qual foi recusado (KAPLAN, 2006: 194).

Embora os Estados Unidos vissem o Talebã como um grupo islâmico radical, estes
também eram pashtuns étnicos com grande respeito à hereditariedade tribal. O Talebã vivia
sob o credo tribal de Pashtunwali – “o modo dos pashtuns” – um código mais severo do que a
lei do Alcorão. Foi juntar o Pashtunwali com a lei corânica que resultou, segundo Kaplan, em
um produto final tão “selvagem”. A morte de cerca de 1,3 milhão de afegãos pelos soviéticos
nos anos 1980 despedaçou esta já frágil rede étnica. O resultado foi a anarquia. Esta

19
As campanhas do rei da Macedônia foram retratadas no filme Alexandre (Alexander, EUA, 2004, dir. Oliver
Stone).
73
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

continuou após a saída das tropas soviéticas, controlada pelo ideologicamente severo, mas
institucionalmente fraco, governo do Talebã, de certa forma desmantelado pelos Estados
Unidos após o onze de setembro de 2001, de modo a negar à al-Qaeda sua principal base de
operações (KAPLAN, 2006: 194-195).

3.2 DEFININDO A GUERRA NO AFEGANISTÃO

A situação é dificultada pelo fato de que havia, e ainda há, duas coalizões militares
internacionais principais operando no Afeganistão. Ao mesmo tempo as duas trabalham com
as forças de segurança afegãs e agem contra as forças “insurgentes”. A primeira, a Operação
Liberdade Duradoura (Operation Enduring Freedom – OEF) é liderada pelos Estados Unidos
e faz parte de um esforço regional maior (que inclui também as Filipinas), enquanto a Força
Internacional de Assistência de Segurança (International Security Assistant Force – ISAF)
começou como uma organização européia a partir de um mandato das Nações Unidas, mas
mudou para uma missão conduzida pela OTAN, focando-se apenas no Afeganistão. A
existência de duas forças viola o princípio básico da unidade de comando. Alguns analistas se
referiram à ISAF como uma missão de manutenção da paz, o que implica na OEF ser uma
organização para travar a guerra. A realidade da situação, todavia, é que ambas as
organizações conduzem funções de estabilização, contra-insurgência e contra-terrorismo, em
muitos casos trabalhando juntas. A “insurgência” no Afeganistão se adapta ano após ano e
isto leva a mudanças por parte da coalizão internacional e de seus parceiros no governo
afegão (MALONEY, 2007: 27-28).

A guerra no Afeganistão pode ser dividida em períodos distintos. Primeiro, houve a


remoção do regime Talebã e a busca da al-Qaeda pela OEF. Este período foi de setembro de
2001 até 2002. De 2002 até 2004, os esforços internacionais foram designados para estabilizar
o Afeganistão e prevenir, assim, uma repetição da guerra civil de 1993-1996, enquanto, ao
mesmo tempo, tentar impedir tentativas de “insurgentes” de interferir com aquele processo.
As forças “insurgentes” se reorganizaram, repensaram sua campanha e, em 2005, focaram sua
luta no sul do Afeganistão. Em 2006, os “insurgentes” desafiaram severamente o controle do
governo afegão sobre as provínciais da região sul, com uma campanha mais sofisticada e
organizada. Entretanto, não significa que a “insurgência” não tenha existido de 2002 a 2005.
Certamente houve uma campanha de fronteira gradual, lutas no sul e no leste e uma crescente
campanha de terrorismo urbano ao longo deste período (MALONEY, 2007: 28).

74
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

3.2.1 GUERRA POR PROCURAÇÃO E A CAÇADA À AL-QAEDA (2001-2002)

A situação no Afeganistão antes da intervenção em 2001 era de uma guerra civil entre
várias combinações de grupos afegãos étnicos, religiosos e tribais combinados com apoio
externo significativo às diferentes facções. O movimento Talebã, criado e apoiado pelo
Paquistão, controlava a maior parte do país. Dominado pela etnia pashtun, o Talebã tinha
apoio da inteligência e dos militares paquistaneses, de uma ampla variedade de “jihadistas” e
de mercenários do ex-bloco soviético. Quando a al-Qaeda foi expulsa do Sudão em 1996, ela
se realocou no Afeganistão e desenvolveu uma rede de sofisticados campos de treinamento
em guerrilha e terrorismo, laboratórios tanto de armas químicas quanto de biológicas20 e
locais para doutrinação ideológico-religiosa. A al-Qaeda também tinha suas unidades
militares convencionais, suas companhias de engenharia e as suas próprias organizações não-
governamentais de auxílio e ajuda, as quais se somavam à infra-estrutura de apoio e ao
treinamento (MALONEY, 2007: 28-29).

Um grupo de organizações armadas resistia à dominação do Talebã. Geralmente


conhecida como Aliança do Norte pela mídia, mas mais precisamente como Shura Nazar, ou
Frente Unida Islâmica para a Salvação do Afeganistão, havia um número de líderes das etnias
tajique, usbeque e hazara que não tinham envolvimento com a ortodoxia islâmica radical do
pashtun Talebã. A Aliança do Norte recebia apoio material do Irã, da França e da Rússia. Tal
organização detinha um número de fortificações ao norte do Afeganistão, assim como o vital
Vale Panjshir ao norte da capital Cabul. A sua ação era basicamente convencional na natureza
e mesmo estática em muitas frentes aonde o terreno impedia a manobra (MALONEY, 2007:
29).

Havia protótipos de esforços norte-americanos por procuração contra a al-Qaeda nos


anos anteriores à intervenção no Afeganistão após os ataques de onze de setembro de 2001.
Uma incoerente política anti-al-Qaeda sob a administração de Bill Clinton resultou no envio,
no ano 2000 (e depois a retirada), de um pequeno grupo de ligação da CIA com o codinome
Jawbreaker21, para se encontrar no Afeganistão com a Aliança do Norte, a qual, naquela
época, era coordenada pelo familiar guerrilheiro anti-soviético Ahmed Shah Massoud. Planos
de contingência foram conduzidos para inserir Forças de Operações Especiais para matarem

20
Todavia, um estudo acadêmico concluiu que o interesse da al-Qaeda em usar armas não-convencionais para
atingir seus objetivos é menor do que o freqüentemente antecipado. Ver Anne STENERSEN. Al-Qaida's Quest
for Weapons of Mass Destruction: The History Behind the Hype. VDM Verlag Dr. Müller, 2008.
21
Para mais detalhes, confira Gary BERNTSEN; Ralph PEZZULLO. Jawbreaker: The Attack on Bin Laden and
Al-Qaeda, A Personal Account by the CIA’s Key Field Commander. New York: Three Rivers Press, 2006.

75
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

Osama bin Laden, mas tais planos foram substituidos por um plano que usava o Predador
para orientar mísseis de cruzeiro lançados a partir de submarinos. Uma variedade de outras
operações encobertas objetivando caçar e matar Osama bin Laden foram conduzidas sem
sucesso usando a Aliança do Norte como força de procuração ou como cobertura para as
atividades encobertas estadunidenses (MALONEY, 2007: 29).

As operações militares no Afeganistão em 2001 e 2002, como foram descritas no


capítulo dois desta dissertação, essencialmente forçaram a al-Qaeda a desenvolver seu modus
operandi: um resultado foi a emergência do que o analista Marc Sageman chama de “bunch
of guys”, um modelo de grupos da Al-Qaeda que conduziram os bombardeios em Madri e em
Londres em 2004 e em 2005 e planejaram ataques em Toronto em 2006 (MALONEY, 2007:
30).

3.2.2 ESFORÇOS INICIAIS DE ESTABILIZAÇÃO (2002-2003)

O problema sobre o que fazer com o Afeganistão uma vez que o regime do Talebã
fosse removido foi algo que preocupou os planejadores muito tempo antes do colapso, mas
não havia respostas fáceis. Aparentemente havia duas escolas de pensamento sobrepujantes
nos círculos norte-americanos. A primeira sugeria fazer uma aproximação que não envolvesse
participação, na qual procuradores pró-americanos dominariam o Afeganistão e garantiriam
que a al-Qaeda não voltasse. Neste esquema, o Afeganistão seria deixado às suas próprias
contas com apoio limitado norte-americano, uma vez que a Casa Branca tinha dúvidas em
assumir um papel de construção de nação. A outra escola de pensamento imaginava que os
EUA passariam a responsabilidade às Nações Unidas, as quais conduziriam a reconstrução e o
desenvolvimento político com a OEF atuando como um escudo. Este plano, todavia, era
bastante vago. A ONU, ademais, recusou o envolvimento com tal exercício, ao menos se
houvesse uma força de segurança que não fosse liderada pelos Estados Unidos para protegê-
la. Ao mesmo tempo, os procuradores afegãos vitoriosos tinham dúvidas quanto à ONU, a
organização que os abandonara no começo dos anos 1990. Porém, chegou-se a um acordo em
novembro de 2001. O acordo de Bonn permitiu uma força, que não era da ONU nem dos
EUA, a qual seria usada para estabilizar Cabul. Inicialmente liderada pela Grã-Bretanha, a
ISAF começou a ser enviada na primavera de 2002. O objetivo da mesma era simbólico e ela
agiu como uma ferramenta para permitir a reconstrução do país pela ONU e por ONGs
(MALONEY, 2007: 31).

76
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

Neste meio tempo, as forças locais se voltaram a uma resistência guerrilheira


relativamente desorganizada nas províncias do sul. Houve um problema adicional na
consolidação das áreas da onde se havia retirado o Talebã. O conceito de Equipe Regional
Conjunta (Joint Regional Team – JRT) emergiu dos requerimentos dos círculos de
planejamento da OEF. Inicialmente concebidas como pequenas células de coleta de
inteligência e de distribuição de ajuda, ligadas a governadores afegãos amigos, a idéia acabou
por virar o conceito de Equipe de Reconstrução Provincial (Provincial Reconstruction Team –
PRT). O conceito de operações de contra-insurgência no sul afegão durante 2003 envolveu o
envio de Forças de Operações Especiais para uma rede de bases operacionais avançadas
(forward operating bases). Unidades de Assuntos Civis foram enviadas a áreas fora de
controle entre tais bases, para avaliarem a situação. As forças da resistência local – que
incluiam o Talebã, a al-Qaeda e a HIG (Hizb-I Islami Gulbuddin, grupo veterano da jihad
contra os soviéticos) – iniciaram uma campanha limitada que atacava a ISAF em Cabul e a
OEF em torno de Kandahar. Em 2003, um ataque suicida contra um comboio alemão em
Cabul indicou que a al-Qaeda, seus aliados e afiliados, estavam adotando novas táticas,
mesmo antes dos EUA entrarem e ocuparem o Iraque, aonde se veria mais evoluções de tais
técnicas (MALONEY, 2007: 31-33).

3.2.3 PREVENINDO A GUERRA CIVIL (2003-2004)

Havia um crescente desconforto nos círculos europeus sobre a liderança da ISAF após
os ataques descritos logo acima e foi difícil conseguir uma nação européia para aceitar a
liderança da força. Por uma variedade de interesses nacionais, o Canadá aceitou o comando,
mas apenas se a ISAF fosse transformada em uma força da OTAN. No meio de 2003, a ISAF
foi “otanizada” e o Canadá assumiu o comando em 2004. A combinação da eleição no
Afeganistão e a concepção dos comandantes representou uma vitória principal para a
estabilização do país e uma significativa derrota para o Talebã e seus apoiadores, que nem
mesmo tentaram participar das eleições de uma maneira não violenta. O principal problema
de segurança, porém, permaneceu: o Exército Nacional Afegão estava demorando para ser
construido, e a profissionalização e a expansão da polícia estava em um estado pior ainda, o
que ditou a contínua presença da OEF e da ISAF. Outra desvantagem era a hesitância dos
países da OTAN em aceitarem a responsabilidade para a expansão futura das Equipes de
Reconstrução Provincial, que deveriam ter sido a base para a construção da polícia e do
judiciário (MALONEY, 2007: 33, 35).

77
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

3.2.4 A CAMPANHA NO SUL (2005-2006)

As Forças de Operações Especiais mudaram seu foco: elas se moveram para as


províncias no interior e trabalharam com unidades do novo Exército Nacional Afegão para
conter a crescente influência do Talebã que emergiu durante a campanha eleitoral de 2004. As
unidades das Forças de Operações Especiais do tipo Tier 122 permaneceram alertas – mas,
considerando que os alvos mais valiosos estavam no Paquistão, as missões de ação direta
(ações de Comandos) estavam cada vez mais direcionadas contra alvos de valor médio, dentro
do próprio Afeganistão. Os ataques da al-Qaeda e da HIG na fronteira se tornaram mais
sofisticados em termos de equipamento e de organização, o que levou alguns observadores da
coalizão a acreditar que se tratava de um treinamento para algo maior no futuro. Todavia, as
forças da resistência local eram incapazes de operar em uma organização maior do que dez
homens. Qualquer coisa maior do que isto era destruida pelo poder aéreo ocidental. Embora
os atentados à bomba suicidas dirigidos contra a ISAF e a OEF não eram novos no
Afeganistão, as forças da resistência iniciaram uma campanha de bombardeios suicidas na
província de Kandahar em 2005. Esta campanha atraiu muito da atenção da mídia, como era
esperado. Havia pouca atividade de “insurgência” no Afeganistão fora da fronteira das
províncias no sul, no leste e em Cabul. A atenção da mídia que se dirigiu à campanha suicida
no sul deu a idéia ao restante do mundo de que havia uma completa anarquia no Afeganistão.
Isto acabou tendo um efeito de deterrência nos países da OTAN, aos quais se solicitara que
contribuissem com a expansão da ISAF no sul afegão, aonde estava o Comando Regional Sul
(MALONEY, 2007: 36-37).

A resistência local estava usando o Paquistão como base para logística, dinheiro,
armas, recrutamento e treinamento. As forças paquistanesas cooperaram esporadicamente
com a OEF em 2001-2002 e novamente em 2004, mas essencialmente o esforço paquistanês
estava focado no Waziristão (pertencente à FATA, trata-se de região montanhosa no noroeste
do Paquistão), da onde se imaginava que as forças da al-Qaeda e da HIG operavam. O
Bolochistão, uma província no sudoeste do Paquistão, é problemático para o governo
paquistanês. A organizão Talebã está baseada em Quetta (distrito no noroeste do Balochistão)
e tem conselheiros da al-Qaeda e da HIG ligados a ela. Ao longo de 2005, ademais,
indivíduos e pequenos grupos se infiltraram no Afeganistão através de rotas de comércio
remotas para criarem células de facilitação (MALONEY, 2007: 38).

22
Tendo “classe mundial” como sinônimo, trata-se de um termo usado tanto formal quanto informalmente para
definir as capacidades das Forças de Operações Especiais.
78
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

Na maioria dos casos, a resistência se dispersava quando era confrontada, mas ao


longo de 2006 ela voltou às áreas fortificadas e desafiou as forças da OEF com operações de
natureza convencional. A OEF e a ISAF responderam com operações convencionais usando
infantaria mecanizada e artilharia. Isto levou alguns comentaristas ocidentais a comparar, de
modo simplista, as operações no Afeganistão com as no Vietnã. Um ataque suicida dramático,
que matou um diplomata canadense o qual trabalhava com a Equipe de Reconstrução
Provincial na província de Kandahar, interferiu significativamente com as operações de ajuda
e reconstrução no começo de 2006. Todavia, sugerir que toda a atividade parou e apenas a
guerra convencional foi conduzida é um exagero, o que levou a uma posterior confusão nos
círculos da mídia e população ocidental (MALONEY, 2007: 38-39).

O método “esquizofrênico” de contra-narcóticos empregado pela comunidade


internacional no Afeganistão teve efeitos negativos na habilidade do governo afegão em
estabilizar o sul do país e também impactos ruins na campanha de contra-insurgência. Os
produtores de drogas, particularmente aqueles na província de Helmand, são bem organizados
e armados: eles também têm o apoio da população, que lucra com a colheita do ópio. Não era
surpresa que revidariam. Em alguns casos, eles tinham alianças formais com as forças da
resistência. O Talebã usou o esforço contra-narcóticos (do Departamento de Estado dos EUA
e da Inglaterra) como uma ferramenta de recrutamento, insistindo à população que tal
interferência externa destruiria suas vidas, o que de fato acabou acontecendo (MALONEY,
2007: 39).

Segundo Maloney, as analogias simplistas entre o Afeganistão e o Iraque, o


Afeganistão e o Vietnã e o Afeganistão e a Colômbia continuam permeando o discurso de
não-especialistas. E isto é usado pela resistência local em sua campanha de operações de
informação. O Talebã, a al-Qaeda e a HIG podem tomar o controle de significativas porções
do sul do Afeganistão se nada for feito pelas forças ocidentais. O resultado final pode ser a
criação de um pequeno Estado “Pashtunistão”, aonde a al-Qaeda e seus afiliados podem
desfrutar como uma base segura outra vez. Isto destruiria e tiraria crédito dos esforços
ocidentais para apoiarem um governo afegão legítimo e progressivo. Anularia os benefícios
psicológicos positivos do onze de setembro de 2001, quando a intervenção inicial foi a
primeira vitória sobre a al-Qaeda. Resumidamente, a falha no sul do Afeganistão seria
desastrosa à “guerra longa” (MALONEY, 2007: 41-42).

79
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

3.3 O TALEBÃ: UMA ANÁLISE ORGANIZACIONAL

O Talebã de hoje foi delineado por uma série de influências e de eventos, entre os
quais pode-se destacar a antiga cultura guerreira do Afeganistão, a invasão soviética de 1979
e a resistência mujahideen, a guerra civil e o senhorio das guerras que se seguiram à retirada
das tropas soviéticas em 1989, a ideologia religiosa das Madrassas, a aceitação inicial do
Talebã como a esperança pela paz por um povo cansado da guerra, a queda do movimento em
2002 e a posterior “insurgência” (AFSAR; SAMPLES; WOOD, 2008: 58-59).

3.3.1 HISTÓRIA

O Talebã é composto em sua maioria por muçulmanos sunitas da etnia pashtun. Como
se costuma dizer: “Um pashtun nunca está em paz, exceto quando está em guerra”. É
importante lembrar que houve três guerras anglo-afegãs: em 1839, em 1878 e em 1919. Mais
recentemente, o Partido Democrático Comunista Popular do Afeganistão derrotou o governo
em 1978. Os elementos religiosos conservadores do país, liderados pelos mujahideens,
resistiram ao pacote de reforma radical do novo regime. A União Soviética enviou tropas ao
Afeganistão em dezembro de 1979 para ajudar seu aliado comunista contra as milícias
islâmicas e para conter a ameaça dos islâmicos radicais que ganhavam poder nas repúblicas
da Ásia Central próximas à URSS. Isto estimulou a resistência mujahideen e acabou por
convocar uma guerra santa. Em resposta, os militares soviéticos conduziram uma brutal
campanha de contra-insurgência. Em cerca de dez anos de ocupação, as forças soviéticas e os
seus aliados afegãos comunistas mataram cerca de 1,3 milhão de afegãos, destruiram a infra-
estrutura em áreas urbanas e rurais do país e provocaram uma onda de aproximadamente 5,5
milhões de refugiados, que foram para o Irã e para o Paquistão (a maioria para o cinturão
tribal do Paquistão). Em fevereiro de 1989, os soviéticos se retiraram do Afeganistão e uma
guerra civil se seguiu, resultando na queda do governo de orientação comunista em abril de
1992. Desentendimentos entre os senhores da guerra e uma população cansada dos conflitos
criaram um ambiente no qual as idéias radicais do Talebã ganharam espaço. O núcleo do
Talebã cresceu nos campos de refugiados pashtuns, a maioria no Paquistão, aonde uma
interpretação modificada e seletiva do islã wahabista influenciou alguns estudantes (talibs)
das Madrassas a adotarem uma percepção bastante conservadora de questões sociais e
políticas. Em novembro de 1994, o Talebã ganhou o controle de Kandahar, no sul do
Afeganistão. O grupo ganhou legitimidade religiosa entre os pashtuns rurais quando o líder do
Talebã, Mulá Mohammed Omar, vestiu a roupa sagrada do Profeta Maomé em frente do

80
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

público e se declarou o “Líder da Fé”. Este evento, que é considerado o mais importante na
história do Talebã, permitiu a Omar afirmar seu direito a “conduzir não apenas os afegãos,
mas todos os muçulmanos”. Ele deu ao movimento um líder carismático capaz de explorar o
misticismo inerente à cultura pashtun. O Talebã fez uma rápido progresso militar e em 1997
controlava cerca de 95% do país. Apesar da euforia inicial, o grupo aos poucos foi perdendo o
apoio da comunidade internacional e da população do Afeganistão, por causa da sua visão
extrema da lei islâmica. Recentemente, os simpatizantes do Talebã no Paquistão juntaram
suas forças para formarem uma organização chamada Tehrik-i-Taliban Pakistan (Movimento
Talebã do Paquistão). Eles escolheram Baitullah Mehsud para ser o líder do grupo (AFSAR;
SAMPLES; WOOD, 2008: 59-61).

3.3.2 CULTURA

A cultura é provavelmente o fator mais importante na contra-insurgência que é


conduzida atualmente no Afeganistão. A cultura pashtun é baseada no código de honra
Pashtunwali, o qual é anterior ao islamismo e é específico aos pashtuns. Um pashtun precisa
aderir ao código para manter sua honra e manter também sua identidade como um pashtun.
Aqueles que violarem o código serão julgados pelo veredito de uma jirga, assembléia tribal
formada pelos cidadãos mais velhos (AFSAR; SAMPLES; WOOD, 2008: 61). Embora esta
sub-seção não faça juz ao fator mais importante da Guerra no Afeganistão, mais elementos da
cultura serão destacados ao longo deste capítulo.

3.3.3 RELIGIÃO

O Talebã se apoia essencialmente na religião para persuadir o povo afegão, 99% dos
quais são muçulmanos (80% sunitas e 19% xiitas). Na tradição islâmica do Afeganistão, o
núcleo da religião é combinado com crenças pré-islâmicas e com os costumes tribais do
Pashtunwali. O Talebã depois mudou a tradição com uma interpretação ultra-conservadora do
islã. A diferença de sua ideologia religiosa é oriunda das Madrassas criadas durante a guerra
contra os soviéticos. Com apoio da Arábia Saudita, muitas escolas mudaram para uma leitura
ortodoxa do islã, que segue um modelo salafista igualitário (deobandismo). Nas palavras de
Ahmed Rashid, o Talebã não representa ninguém além deles mesmos, e eles não reconhecem
nenhuma leitura do islã além da deles. A maioria dos afegãos não quer seguir esta nova
versão do islã, mas a violência do Talebã não dá muita possibilidade de escolha (AFSAR;
SAMPLES; WOOD, 2008: 61).

81
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

3.3.4 ETNICIDADE

O Afeganistão é composto de 42% de pashtuns, 27% tajiques, 9% hazaras, 9%


usbeques, 4% aimaks, 3% turcomenos, 2% baloches e 4% de outras etnias. Assim, a maioria
dos afegãos é pashtun. Há, aliás, mais pashtuns no Paquistão do que no Afeganistão, sendo
que a maioria vive nas áreas de fronteira – a FATA (Federally Administered Tribal Areas) e a
NWFP (North West Frontier Province). Embora as genealogias obscuras, os mitos, folclore,
alianças históricas e conflitos dificultem o desenho de linhas divisórias, há cinco grupos
tribais principais: os durranis, ghilzais, karlanris, sarbanis e ghurghushts. Os durranis e os
ghilzais são os mais influentes. A Confederação Tribal Durrani, concentrada em sua maioria
no sul do Afeganistão, tradicionalmente tem fornecido a liderança nas áreas pashtuns desde
que Ahmad Shah Durrani fundou uma monarquia em 1747. Os afegãos consideram Ahmad
Shah como o fundador do Afeganistão moderno porque ele uniu as tribos. O atual presidente
do Afeganistão, Hamid Karzai, é durrani. Já o grupo tribal ghilzai está situado em sua maioria
no leste do Afeganistão e tem sido historicamente um arqui-rival dos durranis. A maioria dos
líderes talebã de hoje, incluindo Mulá Omar, são ghilzais. Estes são parte de uma
confederação tribal relativamente obscura conhecida como Os Bitanis (AFSAR; SAMPLES;
WOOD, 2008: 62).

3.3.5 RECURSOS

O Talebã tem acesso a inúmeros recursos. Tratando-se dos aliados religiosos, entre
uma miríade de grupos transcontinentais, a al-Qaeda em particular dá ao Talebã uma causa
religiosa e alguma legitimidade, auxilia o Talebã em sua guerra de informações e dá dinheiro
ao movimento, assim como recursos humanos (lutadores estrangeiros), tecnologia
(dispositivos explosivos improvisados avançados e comunicações) e apoio de treinamento
tático. O Tehreek-i-Nifaz-i-shariat-i-Muhammadi, um grupo das regiões fronteiriças com o
Paquistão, é outro simpatizante do Talebã. Também dando apoio ou coordenados com o
Talebã estão o Movimento Islâmico da Ásia Central do Usbequistão, o Hizb-i-Islami
Gulbuddin (HIG), o Movimento Islâmico do Turcomenistão do Leste e outros pequenos
grupos militantes. Algumas das Madrassas no cinturão pashtun ensinam uma versão violenta
da ideologia islâmica que mistura sentimentos étnicos e religiosos. Tais escolas são bons
locais de recrutamento para o Talebã. Mohammed Ali Siddiqi, um especialista em Madrassas,
explica o fenômeno como um “acidente da história”: a liderança do movimento islâmico caiu
nas mãos dos pashtuns porque eles foram bem-sucedidos na resistência à invasão soviética. Aí

82
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

o Talebã pashtun triunfou no Afeganistão. Considerando que as Madrassas tiveram um papel


proeminente na guerra santa anti-soviética, elas adquiriram uma reputação tanto de lugares de
recrutamento de mujahideens quanto de centros de aprendizado. Os pashtuns, sentindo-se
vulneráveis ao que eles percebiam como uma falta de influência no governo de Cabul,
ficaram mais amenos ao Talebã. Ademais, as suspeitas e desconfiança dos pashtuns em
relação ao governo aumentaram por causa da falta de habilidade da Autoridade Transicional
Afegã em proteger os pashtuns da onda de abusos de direitos humanos perpetuada por
“insurgentes” e senhores da guerra desde a queda do Talebã em 2001. Assim, os
aproximadamente 28 milhões de pashtuns no Afeganistão e no Paquistão contribuem com
recrutas, pessoal de apoio, dinheiro, armas e uma rede de inteligência ligada à “insurgência”
levada a cabo pelo Talebã. Outro recurso do Talebã é o comércio de drogas. O Afeganistão
atualmente produz cerca de 93% do ópio mundial, sendo que quase metade do produto interno
bruto afegão vem de tal comércio. Enquanto que inicialmente o Talebã queria banir o ópio,
eles passaram a vê-lo como um mal necessário para apoiar sua causa: não apenas gera
recursos para a “insurgência”, mas envenena o “ocidente decadente”, especialmente a Europa,
que adquire cerca de 90% de sua heroína a partir do Afeganistão (AFSAR; SAMPLES;
WOOD, 2008: 63-64).

3.3.6 ESTRATÉGIA

Conforme Thomas H. Johnson, o que o Talebã quer é voltar ao seu status pré-onze de
setembro de 2001. O movimento Talebã é motivado por dois interesses: o desejo de
reconquistar o Afeganistão e o desejo de reestabelecer um califado. O primeiro é de interesse
pashtun, enquanto o segundo é mais inspirado na al-Qaeda. A estratégia de “insurgência” do
Talebã é a da paciência. Seu plano tem quatro fases (AFSAR; SAMPLES; WOOD, 2008: 64):

1. Motivar o público religioso do Afeganistão e do Paquistão;


2. Buscar apoio entre as tribos pashtuns através do código de honra pashtun e por meio da
ideologia religiosa, além de enfatizar que os pashtuns estão sendo subjugados por um
governo não-pashtun em Cabul;
3. Construir confiança em sua organização e simultaneamente atacar a legitimidade da IROA
(Islamic Republic of Afghanistan), as forças da coalizão e o governo do Paquistão;
4. Uma vez que os “cruzadores” ocidentais sejam expelidos por meios militares ou por falta
de vontade política, controlar o leste e o sul do Afeganistão e influenciar o oeste do
Paquistão, estabelecendo sua versão de um Estado Islâmico.

83
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

3.3.7 ESTRUTURA

O Talebã tem diferentes estruturas organizacionais e diferentes ligações em sua


hierarquia. Antes do onze de setembro de 2001, o grupo operava de uma maneira
convencional e centralizada nos níveis médio e alto da organização. Entretanto, durante as
atividades de “insurgência”, a organização se torna plana e dá aos comandantes locais mais
independência, de modo que eles possam se adaptar às demandas de um ambiente complexo e
se beneficiar ao dispersarem suas forças em unidades menores. Os departamentos
especializados nos altos e médios escalões do Talebã incluem esquadrões suicidas (trata-se
das unidades de guerra especial do Talebã), unidades de mídia como os Estúdios Ummat e a
Rádio Shariat e grupos especializados de treinamento que ensinam as técnicas para o
desenvolvimento de dispositivos explosivos improvisados. A organização Talebã é uma rede
de franchises, um arranjo que se encaixa bem nas tradições tribais. Um pequeno grupo
militante se auto-denomina de “Talebã local”. Este ganha alguma forma de reconhecimento
da hierarquia central do grupo Talebã principal em resposta ao seu apoio e cooperação. A
nova célula apoia a grande estratégia da organização Talebã, mas tem liberdade de ação local.
Este modus operandi preserva as lealdades tribais e as fronteiras territoriais. O líder do Talebã
é o Mulá Omar. Este é auxiliado pela Shura Suprema do Talebã, a versão talebã de um corpo
de governantes. O Mulá Dadullah, por exemplo, tem responsabilidades militares além de ser
membro da Shura. Pelo fato de quase todos na sociedade tribal pashtun estarem armados, os
recrutas geralmente já têm as habilidades militares básicas. A maioria, aliás, não está
compromissada ideologicamente com a guerra santa. Na verdade são motivados porque estão
desempregados, desencantados com a falta de mudança desde 2001 e/ou bravos porque um
habitante local foi morto por forças afegãs, dos EUA ou da OTAN (AFSAR; SAMPLES;
WOOD, 2008: 64-66, 68).

3.3.8 O FUTURO DO TALEBÃ

O Talebã aumentou o uso de ataques suicidas para fortalecer o movimento: desde


2006, o número de tais ataques aumentou consideravelmente. Produzido através da interação
entre a al-Qaeda e o Talebã, a nova onda de tropas suicidas demonstra a diferença entre as
táticas iniciais estilo “Robin Hood” empregadas pelo Talebã e a falta de consideração atual
para com os civis. Tais armas humanas produziram mais perdas entre os civis do que entre as
forças de segurança internacionais. Medidas coercitivas para doutrinar os mais jovens
miraram o sistema de educação do Afeganistão. Em 2006, os militantes do Talebã mataram

84
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

20 professores e destruiram cerca de 200 escolas. Em 2007, obrigaram o fechamento de cerca


de 300 escolas. Em janeiro de 2007, o Talebã disse que investiu um milhão de dólares para
criar escolas nas seis províncias do sul do Afeganistão. Eles dizem que não são contra a
educação, mas sim que querem a educação da Sharia (corpo de leis islâmicas). Eles esperam
construir um sistema educacional no estilo das Madrassas após destruirem todos os outros
recursos educacionais. O Talebã quer desenvolver recursos humanos para os próximos anos.
O Talebã se mostrou ser uma organização habilidosa. Depois de ser retirado do poder,
conseguiu se reagrupar e estabelecer um governo paralelo. Este “governo nas sombras” quer
expandir seu poder através do ganho de controle territorial e minando a legitimidade da
IROA. O Talebã também quer se infiltrar no governo central atual. Simultaneamente,
promove a legitimidade de seu “governos das sombras”, como ficou evidente com o
lançamento da Constituição do Emirado Islâmico do Afeganistão em dezembro de 2006. O
incidente na Mesquita Vermelha em julho de 2007 em Islamabad demonstrou a habilidade do
Talebã em influenciar a política regional. Mais recentemente, o assassinato da ex-primeira-
ministra Benazir Bhutto mostrou o interesse que o Talebã tem quanto ao futuro do Paquistão.
Tanto o governo paquistanês quanto a CIA responsabilizaram Baitulla Mehsud, o comandante
do Movimento Talebã do Paquistão, pelo asssassinato. Esta extensão da influência do Talebã
no Paquistão mostra a tentativa bem-sucedida da organização em se expandir regionalmente.
A influência internacional do Talebã também ficou evidente no rapto e aparente execução em
julho de 2007 de dois alemães envolvidos na construção de uma represa e no seqüestro de um
ônibus com missionários sul-coreanos. O Talebã afirma que executou os alemães depois da
Alemanha ter ignorado um prazo final para retirar os seus cerca de 3.000 soldados do
Afeganistão. Os reféns sul-coreanos passaram por uma situação similar quando o Talebã
exigiu que a Coréia do Sul retirasse seus cerca de 200 homens do Afeganistão. Após o Talebã
matar dois sul-coreanos, o governo de Seul retirou seu pessoal do Afeganistão – e, assim, os
outros reféns foram soltos (AFSAR; SAMPLES; WOOD, 2008: 69-71).

3.4 A ASCENSÃO DA “INSURGÊNCIA” NO AFEGANISTÃO

O sucesso inicial da campanha militar norte-americana no Afeganistão, que foi


chamada de “novo” modo de guerra americano, mudou para uma “insurgência” (ou
insurreição) assim que o Talebã e outros grupos “insurgentes” iniciaram uma luta para
derrotar o novo governo afegão. A luta, que começou em 2002, desenvolveu-se para uma
insurgência total em 2006. Seth G. Jones argumenta que a condição prévia para o início da

85
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

insurgência no Afeganistão foi estrutural: o colapso da governança depois da derrubada do


regime do Talebã. Segundo Jones, uma governança fraca é uma pré-condição comum para as
insurgências. O novo governo afegão não foi capaz de fornecer serviços básicos à população;
suas forças de segurança eram muito fracas para estabelecerem a lei e a ordem; e poucas
tropas internacionais estavam disponíveis para preencher o vácuo. Os grupos “insurgentes”
afegãos tiraram proveito desta situação anárquica. A motivação inicial dos líderes da
“insurgência” no Afeganistão não foi a injustiça, muito menos a ganância, e sim, segundo
Jones, a ideologia. Os líderes do Talebã, da al-Qaeda e de outros grupos queriam derrubar o
governo afegão e substitui-lo por um governo baseado em uma interpretação extremista do
islamismo sunita (JONES, 2008: 7-9).

Retomando duas visões que tentam explicar a origem de insurgências (a da injustiça e


a da ganância), Jones aponta que o Talebã e a sua rede de apoio não estavam motivados para
lutar por causa de motivos étnicos. Há também pouca evidência de que a ganância tenha
causado a “insurgência” no Afeganistão. Em suma, nem a injustiça nem a ganância explicam
as origens da “insurgência” afegã. Em vez disto, a “insurgência” foi causada por dois outros
fatores. Em primeiro lugar, o colapso estrutural do Estado criou uma condição de tolerância.
Em segundo lugar, a ideologia foi uma motivação direta para os líderes “insurgentes” afegãos
(JONES, 2008: 11, 13, 15).

Embora as forças militares e as paramilitares tenham um papel importante, a polícia


talvez seja o componente mais crítico das forçais locais afegãs. Trata-se da arma primária do
governo que está focada em assuntos internos de segurança. Diferente dos militares, a polícia
geralmente tem uma presença permanente nas cidades, um entendimento melhor do ambiente
de ameaças nestas áreas e também melhor inteligência. Isto faz da polícia um alvo direto das
forças “insurgentes”, que tentam matar ou se infiltrar na polícia. De fato, uma insurgência
reflete um processo de construção do Estado, onde os insurgentes competem para fornecer
governança à população. Os insurgentes tiram proveito de uma governança fraca e assumem
funções estatais. Um número de casos sugere uma ligação entre Estados fracos e o início de
insurgências (JONES, 2008: 17-18).

O Escritório de Narcóticos Internacionais e Imposição da Lei do Departamento de


Estado dos EUA chegou a contratar a empresa de segurança privada DynCorp International
para treinar a polícia afegã. Um caminhoneiro afegão colocou o problema de forma sucinta:
“Esqueça o Talebã: nosso maior problema é a polícia”. O número de soldados norte-
americanos per capita no Afeganistão era significativamente menor do que em qualquer outro
86
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

esforço de construção de Estados desde a Segunda Guerra Mundial. Ademais, os EUA


também deram assistência significativa aos senhores da guerra afegãos, minando assim a
governança e enfraquecendo a habilidade do Estado afegão para estabelecer a lei e a ordem. A
assistência que os EUA deram aos senhores da guerra enfraqueceu o governo central (JONES,
2008: 23-26).

O colapso da governança do novo governo afegão foi a pré-condição para o início da


“insurgência”. Embora o Talebã fosse um regime que cometesse inúmeras violações dos
direitos humanos, acabou sendo bem-sucedido em estabelecer a lei e a ordem em quase todo o
Afeganistão. A queda do Talebã criou uma condição de uma anarquia emergente. O governo
interino afegão estabelecido no fim de 2001 conseguia controlar apenas pequenas partes do
território em torno da capital Cabul, tendo pouco controle das áreas rurais no sul, leste, oeste e
norte do país. Os principais beneficiários da assistência do novo governo eram a “elite
urbana”. Esta disparidade aumentou a frustração e o ressentimento entre a população rural
afegã. A eletricidade é um bom exemplo. Em 2005, apenas seis porcento da população afegã
tinha acesso à energia da rede elétrica. A maioria afegã, aliás, ainda não tem acesso confiável
à energia elétrica e à água potável. Desta forma, a situação que prevaleceu nos anos 1970 e ao
longo do extenso período de conflito, isto é, serviços sociais básicos não chegando à maioria
dos afegãos, não mudou, com exceção parcial da educação primária (JONES, 2008: 19-21).

Muito da população local afegã estava motivada a apoiar o Talebã, ou com medo de se
opor ao grupo, em função da falha de governança. Embora a população afegã não fosse
necessariamente motivada pela ideologia, os líderes “insurgentes” eram. O grupo Talebã é
motivado por uma leitura radical do islamismo sunita derivada do deobandismo. A filosofia
deobandi foi fundada em 1867 na Madrassa Dar ul-Ulum (A Casa do Aprendizado Islâmico)
em Deoband, na Índia. As Madrassas Deobandi cresceram através do sul da Ásia, e elas foram
oficialmente apoiadas no Paquistão quando o presidente Mohammed Zia-ul-Haq assumiu o
controle do governo paquistanês em 1977. O deobandismo passou a ser bastante praticado no
Paquistão, e, em menor grau, no Afeganistão, aonde o principal proponente político era a
organização Jamiat-ul-Ulama-i-Islam. Sustenta que a obrigação fundamental e a lealdade
principal de um muçulmano são com a sua religião. Os Deobandis acreditam que eles têm um
direito sagrado e a obrigação de conduzir a guerra santa para proteger os muçulmanos de
qualquer país (JONES, 2008: 26-27).

O líder da al-Qaeda Ayman al-Zawahiri argumentou que a questão da unificação no


islamismo é importante e que a batalha entre o islã e os seus inimigos é um conflito
87
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

ideológico sobre a questão da unificação. Ademais, dos anos 1980 ao início de 1990, o grupo
Hizb-i-Islami recebeu mais recursos da inteligência paquistanesa do que qualquer outra
facção mujahideen. Juntos, os líderes de tais grupos queriam derrubar o governo de Hamid
Karzai e substitui-lo por um regime que adotaria uma visão extremista do islamismo sunita
(JONES, 2008: 28-29).

Seguindo a queda do regime Talebã, a estrutura de sua liderança se moveu para o


Paquistão e baseou suas operações a partir de três cidades principais: Quetta, Peshawar e
Karachi. O quartel-general do Talebã em Quetta era crítico porque permitia acesso fácil às
províncias do sul do Afeganistão, como Kandahar, aonde Mulá Omar nasceu e onde se
encontrava uma importante frente militar para a “insurgência”. Os comitês de propaganda e
de mídia estavam baseados em Peshawar, aonde havia uma rede de apoio sunita que existia
desde a guerra contra os soviéticos nos anos 1980. A base financeira do Talebã estava
localizada em Karachi. O santuário no Paquistão era crítico para o estabelecimento da
“insurgência”. Havia algumas pequenas forças-tarefa norte-americanas, como a Força-Tarefa
11 (uma equipe conjunta dos Seals da Marinha e da Força Delta do Exército, que operava sob
o Comando Conjunto de Operações Especiais no Afeganistão e procurava por líderes de alto-
escalão da al-Qaeda e do Talebã) que procuravam por alvos de grande valor no Paquistão,
mas as forças militares estadunidenses não conduziram operações de combate sustentadas
naquele país (JONES, 2008: 30-31).

Grande parte do apoio aos grupos “insurgentes” oriundo da inteligência paquistanesa


aparentemente vinha de indivíduos posicionados em cargos de médio e baixo escalões na
organização, freqüentemente de indivíduos que simpatizavam com a ideologia dos
combatentes muçulmanos. Ademais, o general Hamid Gul e o coronel Sultan Amir Imam,
antigos líderes paquistaneses pró-Talebã e pró-al-Qaeda, deram conferências (amplamente
divulgadas) para o governo paquistanês e para as instituições militares chamando por uma
guerra santa contra os Estados Unidos e o governo afegão (JONES, 2008: 32).

Na primavera e no verão de 2002, o Talebã e outros grupos iniciaram operações


ofensivas para derrubar o novo governo afegão e forçar a retirada das forças invasoras
estrangeiras. A fraca governança e uma ideologia sunita radical combinaram-se para produzir
uma “insurgência” crescentemente violenta. A ausência do governo afegão nas áreas rurais foi
crítica para o estabelecimento de tal “insurgência”. Em 2005, havia uma crescente penetração
do Talebã nas áreas rurais no leste e no sul do Afeganistão. A lógica é simples: a falta de
habilidade do governo afegão em fornecer serviços básicos e segurança às áreas rurais acabou
88
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

por marginalizar a população, criando uma janela de oportunidade aos “insurgentes”. Em


2006, os grupos “insurgentes” afegãos desenvolveram um relacionamento próximo com
grupos “insurgentes” iraquianos, os quais forneceram informações sobre a construção e o uso
de vários tipos de dispositivos e temporizadores controlados remotamente. Os militantes
islâmicos no Iraque colocaram informações na internet e se encontraram com o Talebã e
outros grupos para falarem sobre táticas. Além disto, há alguma evidência de que um pequeno
número de militantes afegãos e paquistaneses recebeu treinamento militar no Iraque; lutadores
iraquianos se encontraram com extremistas afegãos e paquistaneses no Paquistão e militantes
no Afeganistão crescentemente passaram a usar bombas feitas em casa, ataques suicidas e
outras táticas usadas no Iraque. O uso de ataques suicidas foi estimulado pelos líderes da al-
Qaeda no Paquistão, como al-Zawahiri, que argumentou pela “necessidade de se concentrar
no método de operações de martírio como a maneira mais bem-sucedida de inflingir mortes
contra o oponente e as menos custosas aos mujahideens em termos de perdas” (JONES, 2008:
33-36).

No caso do Afeganistão, os líderes da “insurgência” são motivados por uma ideologia


sunita extremista. Além disso, o colapso do governo é uma precondição, segundo Jones, para
o estabelecimento de insurgências. “O Talebã não é forte” disse o presidente Hamid Karzai
sobre a ascensão da “insurgência” afegã. Karzai continua: “Não são eles que causam
problemas, mas sim a nossa fraqueza [do governo central]”. Para vencer a “insurgência”,
Jones aponta que a governança deve ser extendida às áreas rurais do Afeganistão; deve haver
o estabelecimento efetivo da lei e da ordem e, finalmente, um maior esforço por parte do
Paquistão para capturar ou matar os “jihadistas” e destruir suas bases de apoio (JONES, 2008:
37-39). Mas as sugestões de Jones não parecem ser suficientes para algo tão complexo como
o conflito no Afeganistão.

3.5 ENTENDENDO A FRONTEIRA ENTRE O AFEGANISTÃO E O PAQUISTÃO

A fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão tem cerca de 2.624km de extensão,


sendo que grande parte da mesma é composta de terreno tão remoto e montanhoso que se
torna um lugar quase que inacessível. De seus dois lados há tribos da etnia pashtun. O Talebã
e outros grupos islâmicos operando em ambos os lados da fronteira são quase que
exclusivamente da etnia pashtun, embora haja pessoal de outras etnias. A implicação deste
fato relevante, isto é, a maior parte do extremismo religioso violento do Paquistão e do
Afeganistão – e, assim, grande parte do desafio de contra-terrorismo dos Estados Unidos – ser

89
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

centrada em um único grupo etnicolingüístico não foi completamente compreendida pela


comunidade de políticas governamentais estadunidense, que há muito ignora as dinâmicas
culturais. A topografia sozinha faz com que a criação de uma fronteira identificável seja uma
tarefa quase que impossível. A vasta maioria dos migrantes que cruzam a fronteira entre o
Afeganistão e o Paquistão constituem um fenômeno novo e não são monitorados nem por
Islamabad nem por Cabul (JOHNSON; MASON, 2008: 42-44).

3.5.1 ETNOGRAFIA, ESTRUTURAS TRIBAIS E INSURGÊNCIA

O maior grupo na área de fronteira é constituido de tribos pashtuns, mas também há


baluches, ketranis, nuristanis, brahui, munjis, chitralis, shinas, gujaris, hazaras, kowars, savis,
tajiques, hindkos, dameli, kalamis, urmurs, wahkis, gawar-batis, badeshi, khirgiz e burushos,
entre outros, sendo que cada um fala uma língua diferente, em alguns casos com dezenas de
sub-dialetos. De todos estes grupos étnicos, entretanto, apenas os pashtuns demonstraram
interesse no tipo de guerra santa conduzida pelo Talebã. A vasta maioria destes grupos é
muçulmana da tradição sunita hanafi (JOHNSON; MASON, 2008: 47).

Os baluches se revoltaram contra o governo paquistanês no ano de 1973, quando, após


a descoberta de reservas minerais e de gás natural sob suas terras, Islamabad revogou a
autoridade dos sardars (chefes dos clãs baluches) para administrar o povo e se movimentou
para tomar o controle das terras em jogo. Selig Harrison chegou a documentar o amplo uso de
napalm contra as vilas baluches durante este período. Desde então, a insurgência vem se
repetindo, com as guerrilhas atingindo oléodutos e pessoal de segurança. Um insurgência de
pequena escala continuou em 2008, com ataques esporádicos em alvos do governo
paquistanês. A Grã-Bretanha chegou a alistar baluches em regimentos nativos. Curiosamente,
o Sultanato de Omã idem, o qual governou partes do Baluchistão antes da independência e
divisão da Índia. Omã ainda tem um acordo com o Paquistão para recrutar baluches no
Baluchistão para o Exército de Omã. Quando este se tornou independente em 1970, quase que
todo o seu Exército era composto de baluches. Em contraste com a sua política para o Talebã,
Islamabad conduziu supressões militares massivas contra a insurgência baluche desde 1973
(JOHNSON; MASON, 2008: 49-50).

Com mais de 25 milhões de pessoas, os pashtuns representam um dos maiores grupos


tribais do mundo. Não são, entretanto, homogêneos. Como uma etnicidade, os pashtuns,
também chamados de pahktuns, pushtoons, afegãos e ocasionalmente pathans no Paquistão e
na Índia, estão agrupados em cinco grupos principais: as tribos durranis, as tribos ghilzai (ou

90
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

ghalji), as tribos sardani ou do leste, as tribos ghurghusht e as tribos karlanri (ou karlani),
também conhecidas como tribos da montanha. Os especialistas sugerem que há cerca de 350
tribos principais nestes cinco grupos gerais. As relações entre eles existem há centenas de
anos e são complexas e complicadas por feudos, disputas, alianças antigas e casamentos
políticos. Há um conflito de 300 anos entre as tribos durrani e ghilzai no Afeganistão, um
conflito que forma uma das razões fundamentais da luta entre o Talebã e o governo de Hamid
Karzai. Os pashtuns são talvez o grupo étnico mais segmentado do mundo. Cada uma das
aproximadamente 350 tribos têm um grande número de clãs, ou khels, chegando a haver sub-
khels. Os khels são divididos em grupos familiares chamados kahols. Dependendo do
tamanho, núcleos das famílias, ou koranays, constituem os kahols. Os pashtuns se identificam
em termos de seus laços familiares e lealdades. O afegão é cercado por círculos concêntricos
da família, família extendida, clã, tribo, confederação e grupo cultural-lingüístico. Os
pashtuns se engajam em atividades sociais, políticas e econômicas dentro destes círculos
concêntricos. Este engajamento evita que instituições governamentais ganhem posições nas
áreas tribais. Esta segmentação é uma das razões do porquê, historicamente, nenhuma
entidade estrangeira – como Alexandre, o Grande, os britânicos, os soviéticos, os afegãos, o
Paquistão e, quem sabe, os Estados Unidos – foram capazes de fazer os pashtuns a aceitarem
leis externas (JOHNSON; MASON, 2008: 50-52).

O Talebã não é algo único nem um fenômeno novo na área de fronteira pashtun.
Historicamente, muitos grupos “jihadistas” e líderes religiosos carismáticos similares ao
Talebã emergiram da área em intervalos de gerações para desafiar governos dos dois lados da
fronteira. A atual manifestação deste fenômeno, todavia, não emergiu de maneira espontânea,
mas foi deliberadamente encorajada pelo governo paquistanês. Uma das observações
freqüentes dos analistas da inteligência ocidental é apontar que as áreas da região são
“desgovernadas”. De fato, esta observação auxiliou a criar o pilar central da atuação
internacional no Afeganistão desde 2001, isto é, extender o governo central a tais áreas. Tal
prescrição, entretanto, é a resposta errada para se aplicar em uma cultura muito desenvolvida
na qual o governo central não é aprovado e a reação a ele é a insurgência: o fato desta ter
crescido gradualmente em intensidade, letalidade e quantidade de território sob o controle do
Talebã desde que tal política é aplicada não é coincidência. Quando não são molestados pela
pressão externa, a maioria dos pashtuns são pastores e fazendeiros de subsistência pacíficos
em uma economia feudal (JOHNSON; MASON, 2008: 53-55).

91
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

A explicação para os pashtuns darem abrigo ao Talebã e à al-Qaeda se baseia no


código social pashtun, o Pashtunwali. Este é uma forma alternativa de organização social com
um mecanismo avançado de resolução de conflitos. Provavelmente o mais importante para os
interesses de segurança dos EUA na região é que os milhões de homens tribais que vivem
dentro deste sistema não querem um novo modelo imposto por uma força estrangeira.
Ademais, os pashtuns são geralmente convencidos de que o seu sistema de ordem social
produz homens superiores àqueles do modelo ocidental. No sistema pashtun, a maior unidade
militar operacional que pode ser formada dentro de circunstâncias normais é o khel, que vai
lutar até alcançar suas fronteiras tribais e, em seguida, parar. A exceção é uma guerra santa.
Um dos preceito do Pashtunwali é a provisão de hospitalidade, proteção e refúgio a quem
precisar (isto é chamado de nanawatey). Os oficiais dos Estados Unidos que mandaram o
Talebã entregar Osama bin Laden após o onze de setembro experimentaram o nanawatey sem
saberem disto, quando o Talebã se recusou a entregar o solicitado com base de que Osama bin
Laden era um convidado no Afeganistão, e assim se encontrava em uma esfera inviolável de
proteção. Os formuladores de políticas ocidentais continuam a ignorar ou a dar pouca ou
nenhuma importância a estes valores culturais fundamentais em seus esforços para delinear
estratégias para o sul do Afeganistão e o norte do Paquistão, enquanto o Talebã e a al-Qaeda
usam tais valores para recrutamento, proteção e mobilização social (JOHNSON; MASON,
2008: 59, 61, 63-64).

Os membros do Talebã e da al-Qaeda estão usando as terras dos pashtuns como base
de lançamento de ataques para desestabilizar tanto o Afeganistão quanto o Paquistão, assim
como estão utilizando o local como um campo de treinamento “terrorista” para ataques pelo
mundo afora. A área de fronteira se mostrou fundamental para o Talebã afegão, o qual forma
a massa da “insurgência” afegã e opera a partir de bases dentro do Paquistão. Estas forças
“insurgentes” representam uma ameaça existencial ao regime de Hamid Karzai, uma ameaça
crescente ao governo paquistanês e um enorme desafio à estabilidade regional. No final de
2004, a “talebanização” do norte do Paquistão começou a assumir aspectos de caráter mais
global. Táticas usadas por “insurgentes” iraquianos e lutadores da al-Qaeda no Iraque
começaram a aparecer na fronteira do Afeganistão com o Paquistão e, desde então,
proliferaram-se significativamente. Mais impressionante do que a novidade de algumas destas
tecnologias e táticas é o fato de que estas são estrangeiras aos costumes tradicionais afegãos e,
assim, acabam por contradizer os valores tribais e religiosos dos pashtuns. Tal evolução
sugere uma ligação crescente entre elementos da jihad global e a emergência de uma cultura

92
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

jihadista transnacional. A migração de termos arábicos como “intifada” (revolta das pedras) e
“fedayeen” (grupo de voluntários militantes), há muito associados com o conflito entre
Palestinos e Israelenses, ao teatro afegão é outra indicação da junção do Talebã com
elementos radicais transnacionais. O ideólogo responsável por introduzir estes conceitos à
liderança do Talebã é Ayman al-Zawahiri, o número dois da al-Qaeda (JOHNSON; MASON,
2008: 64-67). Outro ponto interessante é que o Talebã começou a usar equipamento de visão
noturna, o que tiraria a vantagem dos Estados Unidos em suas missões de risco realizadas à
noite (EISLER, 2008). Além disso, apesar de usar mensageiros humanos (como medida de
segurança para evitar contra-medidas eletrônicas), o Talebã também passou a utilizar o
programa de computador Skype como ferramenta de comunicação online. Habilitando a opção
de mensagens criptografadas, tal grupo afegão acabou evadindo a inteligência britânica
(OWEN, 2008).

3.5.2 A GEOPOLÍTICA DA FRONTEIRA

Para entender como o Talebã e seus grupos associados conseguiram alcançar esta
posição poderosa atual é necessário examinar as políticas de fronteira que deram ascensão a
tais grupos, começando com a criação da própria linha divisória. A linha Durand dividiu a
nação pashtun ao meio. A maioria das tribos e clãs pashtuns que controlam as zonas de
fronteira no leste e no sul do Afeganistão ao longo da linha Durand nunca aceitaram a
legitimidade do que eles acreditam ser uma fronteira arbitrária e caprichosa. Em 1949 uma
jirga afegã declarou a linha Durand inválida. Dos anos 1950 a 1970, nos governos afegãos o
ministro Mohammed Daoud (depois presidente Daoud, após seu golpe que mandou o rei
Zahir Shah para o exílio em 1972) teve um papel destacado na idéia de um Estado pashtun
independente, que seria chamado de “Pashtunistão”, como resposta aos sucessivos governos
paquistaneses. Estes queriam trazer o Afeganistão à sua esfera de influência, para aumentar a
“profundidade estratégica” do Paquistão. Fechado por terra, sem acesso ao mar, bastante
dependente de Islamabad para importações e acesso ao mar, desbalanceado econômica e
militarmente, o Afeganistão tem poucas opções para jogar. Assim, continua a usar a carta do
Pashtunistão, ameaçando o frágil Estado paquistanês – o qual, em 1971, perdeu parte de seu
território oriental com a independência de Bangladesh. O Afeganistão tenta aumentar a
pressão sobre o Paquistão criando “Madrassas pashtunistanas” nas áreas de fronteira. A idéia
de Pashtunistão, aliás, continua forte no partido político pashtun secular do Paquistão, o
Partido Nacional Awami. Muitos paquistaneses acreditam que tal partido é financiado pelo
governo da Índia, como uma contra-medida ao apoio paquistanês a grupos insurgentes na
93
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

região da Caxemira. Em suma, a linha Durand não é aceita por quase ninguém na região. A
noção de Pashtunistão para os pashtuns (que constituem o maior grupo étnico do mundo sem
um Estado-nação) nunca chegou a ter algum apoio internacional. Para conter a crescente
ameaça do nacionalismo pashtun e a potencial secessão do Pashtunistão seguindo a de
Bangladesh, sucessivos governos do Paquistão, com a formalização feita pelo presidente
general Muhammad Zia-ul-Haq em 1977, lançaram uma força social diferente como um
contrapeso político: o islã conservador. Assim nasceu um experimento em engenharia social
no norte do Paquistão (JOHNSON; MASON, 2008: 67-69).

Começando no início dos anos 1970, o governo paquistanês iniciou a construir


milhares de Madrassas conservadoras nas áreas pashtun, financiadas por fontes sauditas
privadas que enfatizavam o islã sobre a identidade étnica. Mas dificilmente haveria algum
impacto em uma área tão vasta, com exceção de algum levante social que poderia minar as
estruturas tribais existentes. Isto aconteceu em 1979, quando os tanques da União Soviética
atravessaram o rio Amu Darya em Termez, matando mais de um milhão de pashtuns, levando
mais de três milhões ao exílio e devastando a fábrica social da sociedade tribal. Foi a resposta
à invasão soviética e ocupação do Afeganistão que acelerou dramaticamente o experimento
social paquistanês e o deixou fora de controle. A resposta em questão foi um apoio externo
encoberto23 à jihad contra os soviéticos. Depois da retirada destes, a fábrica social dos
pashtuns foi destruida por comandantes e lutadores que voltavam para se instalarem como
senhores da guerra fora do controle dos líderes tribais. O resultado foi a anarquia, já que
grupos mujahideens, senhores da guerra e criminosos comuns lutavam sobre a carcassa do
Afeganistão. Quando se tornou evidente ao governo e à inteligência paquistanesa que,
primeiro, seu comandante mujahideen favorito, Gulbuddin Hekmatyar, não teria controle
político sobre o Afeganistão e, segundo, que a anarquia no país era a oposição a uma política
de profundidade estratégica assim como potencialmente desestabilizadora para o Paquistão, o
Talebã nasceu. Assim, desde 1970, na busca de estabilidade doméstica e seus interesses de
política externa no Afeganistão, o Paquistão desconstruiu deliberadamente muito da antiga
ordem tribal nas áreas pashtuns. Os agentes da inteligência paquistanesa perceberam,
ademais, que os mujahideens poderiam ser úteis mesmo após a retirada soviética, tanto no
nível doméstico quanto externo, de modo que os guerreiros islâmicos continuaram a receber
apoio (JOHNSON; MASON, 2008: 70-72).

23
Fato retratado no cinema pelo filme Jogos do Poder. O título original é Charlie Wilson’s War (EUA, 2007),
com direção de Mike Nichols. A película é baseada em livro homônimo, escrito por George Crile.

94
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

Os desafios para os interesses de segurança dos EUA no sul da Ásia, segundo Johnson
e Mason, não são um problema social, religioso ou tribal, mas sim cultural, algo problemático
para um país cujas crenças e paradigma de política externa são a sublimação nacional da
cultura em favor da assimilação através da democracia. As táticas militares, como as
operações (intrusivas) de comandos em áreas tribais24, a ênfase nas missões de captura e
assassinato e o uso indiscriminado do poder aéreo em áreas habitadas prejudicaram a contra-
insurgência. As táticas militares dos Estados Unidos e da OTAN devem reconhecer as
realidades culturais dos pashtuns. A maioria dos soldados norte-americanos enviados ao
Afeganistão ainda recebe pouco treinamento em cultura local e idiomas.

3.6 DO GRANDE JOGO À GRANDE BARGANHA

O termo “Grande Jogo” foi usado pelos imperialistas britânicos do século XIX para
descrever o embate entre a Grã-Bretanha e a Rússia por posições no tabuleiro de xadrez que
envolvia o Afeganistão e a Ásia Central – uma competição com poucos jogadores, em sua
maioria limitada a atividades de inteligência e pequenas guerras conduzidas por soldados com
rifles e montados em cavalos, e com aqueles vivendo na área do tabuleiro de xadrez na
condição de espectadores ou vítimas. Mais de um século depois, o jogo continua. Todavia,
agora, o número de jogadores aumentou, aqueles vivendo na região do xadrez se envolveram
na disputa e a intensidade da violência e das ameaças acabam por afetar todo o globo
(RUBIN; RASHID, 2008).

Nenhum governo na região em volta do Afeganistão apoia uma presença de longo


prazo dos EUA e da OTAN por lá. O Paquistão vê a presença atual como fortalecedora de um
regime amigo da Índia em Cabul. O Irã está preocupado com o fato de que os Estados Unidos
podem usar o Afeganistão como uma base para lançar uma mudança de regime em Teerã. E
tanto a China, a Índia quanto a Rússia25 têm reservas em relação a uma base da OTAN dentro
de suas esferas de influência e acreditam que devem equilibrar as ameaças da al-Qaeda e do

24
Ver, por exemplo, Yochi J. DREAZEN; Siobhan GORMAN. U.S. Hits al Qaeda in Pakistan. The Wall Street
Journal, September 12, 2008. Disponível em: <http://online.wsj.com/article/SB122113508844723217.html>.
Acesso 15 dez. 2008. Posteriormente, o governo de George W. Bush parou com tal política. Confira Sean D.
NAYLOR. Spec ops raids into Pakistan halted. Army Times, Sep. 29, 2008. Disponível em: <http://www.army
times.com/news/2008/09/Army_border_ops_092608w/>. Acesso 17 dez. 2008.
25
Em palestra na Academia de Ciências Militares, o general russo Nikolai Makarov afirmou que os EUA estão
planejando bases no Casaquistão e no Usbequistão. Atualmente, a única base militar norte-americana fixa na
Ásia Central é a base Manas, da Força Aérea, localizada no Quirguistão. Para mais detalhes, cf. Russian general
says US plans bases in Central Asia. Space War, Dec. 16, 2008. Disponível em: <http://www.spacewar.com/
reports/Russian_general_says_US_plans_bases_in_Central_Asia_report_999.html>. Acesso 17 dez. 2008.

95
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

Talebã contra aquelas colocadas por Washington e pela Organização do Tratado do Atlântico
Norte (RUBIN; RASHID, 2008).

Muitos afegãos acreditam que os Estados Unidos apoiam secretamente o Talebã como
uma forma de manter a guerra no Afeganistão viva e, assim, justificar uma presença de tropas
que, na verdade, visaria a garantir a segurança dos recursos de energia na Ásia Central e à
contenção da China (KAPLAN, 2008: A26). Muitos no Paquistão acreditam que os Estados
Unidos persuadiram Islamabad para articular com Washington a própria destruição
paquistanesa: a Índia e o Afeganistão formarão uma pinça em torno do Paquistão para
desmembrar a única potência nuclear muçulmana. E alguns iranianos especulam que, na
preparação para a vinda do Mahdi (grosso modo, a redenção do islã), Deus cegou o “Grande
Satã” (os EUA) de seus próprios interesses, já que Washington eliminou os dois rivais sunitas
do xiita Irã: o Iraque e o Afeganistão, abrindo o caminho, dessa forma, para a bastante
aguardada restauração xiita. O establishment de segurança do Paquistão acredita que está
diante tanto de uma aliança EUA-Índia-Afeganistão quanto de uma russa-iraniana, cada uma
minando a influência paquistanesa no Afeganistão e, até mesmo, desmembrando o Estado
paquistanês. Islamabad acredita que a Aliança do Norte está trabalhando com a Índia a partir
de dentro dos serviços de segurança afegãos. Ao mesmo tempo, a Índia reestabeleceu seus
consulados em cidades afegãs, incluindo algumas próximas da fronteira com o Paquistão. A
Índia não deixa de ter seus interesses consulares legítimos no Afeganistão: por exemplo, as
populações hindu e sikh, viagens comerciais e programas de ajuda, mas pode estar usando
seus consulados contra o Paquistão, como aponta Islamabad. Nova Délhi, ademais, em
cooperação com Teerã, construiu uma rodovia conectando o anel viário afegão (que liga as
cidades principais afegãs) a portos iranianos no Golfo Pérsico, potencialmente eliminando a
dependência do Afeganistão em relação ao Paquistão para acesso ao mar e marginalizando o
novo porto paquistanês no Mar Arábico: Gwadar, o qual foi construido com apoio chinês. E o
recente acordo nuclear entre os EUA e a Índia reconheceu a legitimidade de Nova Délhi como
uma potência nuclear (fora do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, aliás) enquanto
Washington continua a tratar o Paquistão como um pária (RUBIN; RASHID, 2008).

As percepções apontadas acima demonstram a complexidade da situação. Para além


da questão geopolítica, os EUA só começaram a levar a chamada “insurgência” mais a sério a
partir de 2005. Mesmo as Forças de Operações Especiais, que haviam sido centrais no que
fora chamado de o “novo’ modo de guerra americano, acabaram se tornando vítimas. Em 18
de agosto de 2008, uma esboscada do Talebã no distrito de Surubi, em Cabul, matou cerca de

96
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

dez e feriu cerca de 21 soldados de uma unidade militar de elite francesa, em uma das maiores
operações do Talebã desde a invasão norte-americana em 2001 (MCGREGOR, 2008).
Tratavam-se, entre outros, de soldados pára-quedistas da Legião Estrangeira francesa. Foi a
maior perda militar da França desde que, em 1983, no Líbano, um homem bomba matou cerca
de 58 soldados. Foi também o combate mais letal desde a Guerra da Argélia, encerrada em
1962. Em seguida foram publicadas fotos de um membro do Talebã vestindo o uniforme do
Exército francês, o que causou indignação na França (NETTO, 2008: A16), mas não deixou
de ser uma operação psicológica bastante interessante.

Relatório publicado em setembro de 2008 por Anthony Codersman, do Centro de


Estudos Internationais e Estratégicos (Center for Strategic and International Studies – CSIS),
afirmou que a OTAN está perdendo a guerra no Afeganistão, assim como aconteceu com a
União Soviética nos anos 1980 e com a Inglaterra no século XIX. A situação no Afeganistão
se deteriorou nos últimos cinco anos e está atingindo um nível de crise. O Talebã resurgente
transformou muito do país em áreas negadas para civis e trabalhadores. A guerrilha,
beneficiada pelo aumento na produção de papoula e por santuários no Paquistão, está
ampliando suas capacidades e alcance geográfico26.

E a situação na região continuou a confirmar o relatório de Codersman. No dia 20 de


setembro de 2008, um caminhão-bomba explodiu na entrada do hotel Marriott em Islamabad.
O ataque, considerado um dos piores da história do Paquistão – visto como o onze de
setembro paquistanês – aconteceu próximo à casa do primeiro-ministro, aonde os líderes do
governo jantavam após um discurso do presidente Asif Ali Zardari ao Congresso. Para Syed
Saleem Shahzad, o chamado neo-Talebã, mais sofisticado do que o antigo Talebã27, operando
como uma franchise da al-Qaeda no Paquistão e no Afeganistão, organizou a escalada da
resistência guerrilheira em uma estratégia militar sofisticada baseada na conduta da Guerra do
Vietnã (SHAHZAD, 2008).

A ofensiva do Paquistão sobre organizações operando na região da Caxemira em 2003


provocou um êxodo dos campos militantes. Tais combatentes gradualmente migraram para as
áreas tribais do norte e do sul do Waziristão, ficando próximos à fronteira com o Afeganistão.
Nos anos 1990, tais grupos foram treinados nas técnicas mais modernas de guerrilha pela

26
Disponível em <http://www.csis.org/media/csis/pubs/080917_afghanthreat.pdf>. Acesso 16 dez. 2008.
27
Ver também Pamela CONSTABLE. A Modernized Taliban Thrives in Afghanistan. The Washington Post,
September 20, 2008. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2008/09/19/AR
2008091903980_pf.html>. Acesso 17 dez. 2008.

97
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

célula “indiana” do serviço de inteligência paquistanês (ISI). A tais organizações se juntaram


alguns oficiais que sairam do Exército do Paquistão após o presidente Pervez Musharraf
decidir apoiar a política norte-americana depois do onze de setembro de 2001. Tal migração
foi um evento importante no processo de transformação da estratégia das tribos afegãs de uma
guerra de guerrilha para uma doutrina militar sofisticada inspirada no sistema de três passos
usado pelo general vietnamita Vo Nguyen Giap na guerra contra os EUA (1959-1975). Tais
grupos conduziram uma grande ofensiva na primavera de 2008, seguida por ataques isolados
visando a postos e pessoal de segurança e, enfim, a expansão da “insurgência” aos centros
urbanos e à capital Cabul. A reestruturação estratégica foi acompanhada pela emergência de
uma nova aliança de militantes árabes e da Ásia Central e a organização paquistanesa Tehrik-
i-Taliban (acusada pelo ataque ao Marriott) e a Maulana Ilyas Kashmiri, veterana das lutas na
Caxemira. Juntos, tais grupos montaram uma estratégia militar para toda a região do
Afeganistão e do Paquistão, já com olhos para a Índia (SHAHZAD, 2008).

Após o onze de setembro de 2001, todos os grupos islâmicos do sul da Ásia tiveram
problemas, pois Washington estava aumentando a pressão nos governos da região. Os
militantes começaram a concentrar seus esforços em lutar contra a ocupação ocidental no
Afeganistão. Muitos anos foram necessários para esta situação se desenvolver, mas os
militantes começaram a falar sobre uma “Batalha do Fim do Tempo”, uma alusão a um hadith
(corpo de leis, lendas e histórias) do Profeta anunciando uma guerra no Khorasan (área
coberta pelo Afeganistão, as áreas tribais do Paquistão e porções do Irã). Como parte desta
visão, voluntários se moveriam através do Oriente Médio para apoiar o esforço do Mahdi, o
Messias, na Palestina. Estes voluntários de todo o mundo muçulmano, particularmente da
Turquia e da Ásia Central, que se juntaram nas áreas tribais do Paquistão para participarem da
luta no Afeganistão, vêem esta como um prelúdio para a libertação da Palestina – o triunfo do
islã e da justiça na Terra (SHAHZAD, 2008).

Desde 2001, alguns eventos no sul da Ásia contribuiram para preparar o terreno para a
ofensiva do Talebã na primavera de 2008. A estratégia transformou uma insurgência de baixa
intensidade em uma guerra sem precedentes. O movimento dos campos na Caxemira para o
Waziristão se fortaleceu em 2005. Os novos campos de treinamento receberam rapidamente
apoio de militantes externos (particularmente chechenos, usbeques e turcomenos) e também
de senhores da guerra locais. Em menos de dois anos uma forte ramificação da franchise
paquistanesa da al-Qaeda nasceu, revolucionando a estratégia da resistência afegã conduzida
pelo Talebã. A partir de 2007, o teatro de guerra afegão era controlado pelo neo-Talebã, que

98
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

foi mal avaliado pelos comandantes da OTAN. O Talebã começou a receber um novo
treinamento em guerrilha urbana, graças aos professores oriundos da Caxemira e antigos
membros do Exército paquistanês (SHAHZAD, 2008).

A verdadeira estratégia foi empregada na província afegã de Nangarhar e na área tribal


paquistanesa de Khyber, as quais são parte da rota de trânsito de cerca de 80% dos
suprimentos da OTAN. Em fevereiro de 2008, os comboios da OTAN foram atingidos por
ataques bem organizados, tão bem-sucedidos e efetivos que compeliram a Organização a
assinar um acordo com a Rússia em quatro de abril para trânsito de bens não-militares por
terra em território russo. Mas tal rota poderia apertar o orçamento do ocidente e também ser
anulada com o posterior conflito Geórgia-Rússia, o qual tensionou as relações ocidentais com
Moscou. Para o Talebã, cortar a linha de suprimentos da OTAN que opera no Paquistão é um
elemento importante de sua estratégia. Câmeras de notícias chegaram a flagrar um Humvee
(veículo militar norte-americano) sendo dirigido por um membro da al-Qaeda na região
noroeste do Paquistão, após emboscada em comboio da OTAN (BRUMMIT, 2008).

E, do chamado “grande jogo”, chegou-se à “grande barganha”. François Fitou, vice-


embaixador da França no Afeganistão, escreveu um telegrama (que depois vasou para a
imprensa) no qual cita Sir Sherard Louis Cowper-Coles, arabista e diplomata britânico, desde
2007 o embaixador da Grã-Bretanha no Afeganistão. Sherard Coles afirmou que a campanha
militar liderada pela OTAN contra o Talebã falhará. A melhor solução para o país, conforme
Coles, seria um “ditador aceitável”, o único modo “realista” de unir o Afeganistão. Segundo o
diplomata britânico, a estratégia dos EUA para o Afeganistão estaria destinada a fracassar
(SCIOLINO, 2008). Mas não é apenas o embaixador britânico que está pessimista. O mais
alto comandante militar do Reino Unido no Afeganistão, brigadeiro Mark Carleton-Smith,
disse que tal guerra não seria vencida. Smith sugeriu que se reduzisse o conflito ao nível de
uma “insurgência administrável”, propondo também negociações com o Talebã (COGHLAN;
EVANS: 2008). Em seguida, o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, disse que
conversas com o Talebã seriam algo possível (BLITZ, 2008). Posteriormente, um Conselho
Tribal afegão-paquistanês concordou em estabelecer contato com o Talebã (REUTERS et. all,
2008). De uma suposta rápida vitória militar que “transformaria a face da batalha”, os Estados
Unidos passaram a considerar a negociação com o Talebã.

99
CAP. III – A EVOLUÇÃO DA GUERRA NO AFEGANISTÃO

3.7 CONCLUSÃO – AFEGANISTÃO: O CEMITÉRIO DOS IMPÉRIOS

Milton Bearden serviu como chefe do serviço da CIA no Paquistão de 1986 a 1989,
aonde era o responsável pelo programa de ação encoberta da agência em apoio à resistência
afegã contra o governo apoiado pelos soviéticos. Segundo Louis Dupree, um eminente
historiador do Afeganistão lembrado por Bearden, quatro fatores contribuiram para o desastre
inglês naquele país durante a primeira guerra afegã (1839-1842): a ocupação do território
afegão por tropas estrangeiras, a ascensão de um emir28 impopular ao trono (a URSS começou
desta maneira no final dos anos 1970, e talvez Washington tenha feito o mesmo com Hamid
Karzai), as ações cruéis dos ingleses, como apoiar alguns afegãos contra seus inimigos locais
(os EUA podem ter seguido o mesmo caminho com os interrogatórios na base de Bagram) e a
redução dos subsídios pagos aos chefes tribais pelos agentes políticos britânicos (BEARDEN,
2001). Os britânicos repetiriam tais erros na segunda guerra afegã (1878-1881), assim como
os soviéticos um século depois; os Estados Unidos teriam sido mais inteligentes se tivessem
considerado a História quando invadiram o Afeganistão, mas parece que não o fizeram (como
apontado por Gray, citado no segundo capítulo desta dissertação, o modo de guerra americano
é praticamente “anti-histórico”). Todos os impérios tiveram problemas quando encontraram
as tribos afegãs pela frente. Se qualquer um vai substituir um emir no Afeganistão, terá de ser
o próprio povo afegão. Qualquer coisa, basta perguntar aos ingleses, russos e, agora também,
aos americanos.

28
Significando comandante, a palavra se refere a um título de nobreza historicamente usado nas nações islâmicas
do Oriente Médio e do Norte da África.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intervenção norte-americana no Afeganistão foi a resposta inicial dos Estados


Unidos da América aos ataques de onze de setembro de 2001. O seu objetivo era retirar o
Talebã do poder e estabelecer bases estadunidenses como ponta de lança para a caçada à al-
Qaeda. Washington se utilizou de um plano militar sugerido pela Agência Central de
Inteligência, o qual se constituia no uso de Forças de Operações Especiais, poder aéreo e
aliados locais – no caso, a Aliança do Norte. Em poucas semanas, e com um número pequeno
de soldados e agentes de inteligência no solo, Cabul foi conquistada e se encerrou o governo
Talebã. Tal aparente sucesso inicial teria sido resultado, conforme o discurso oficial, da
“transformação militar” que estava sendo promovida pela administração de George W. Bush
(filho), particularmente pelo secretário de Defesa Donald Rumsfeld. Todavia, passados cerca
de sete anos após a invasão, a situação no Afeganistão não é das mais promissoras, e os EUA
parecem estar seguindo o mesmo caminho da Inglaterra e da antiga União Soviética em um
país cuja alcunha de “cemitério dos impérios” se mostra bastante ilustrativa.

As Forças de Operações Especiais dos Estados Unidos, historicamente marginalizadas


no estamento militar americano, a partir do “sucesso” no Afeganistão passaram a ocupar um
lugar de maior destaque dentro da concepção estratégica estadunidense. Existem diversos
elementos que comprovam tal crescente proeminência, como foi demonstrado no final do
primeiro capítulo desta dissertação. A relevância adquirida no contexto posterior ao onze de
setembro de 2001 foi um fato que chamou a atenção do autor desta dissertação, o qual achou
da maior importância pesquisá-las mais a fundo. O cenário escolhido foi justamente aquele no
qual as Forças de Operações Especiais começaram a despertar a atenção: o Afeganistão. Elas
seriam um dos pilares do que foi chamado de “novo” modo de guerra americano, ou modelo
afegão, decorrente da “transformação militar” de Donald Rumsfeld. Como delineado na
introdução geral desta dissertação, um dos três objetivos principais deste trabalho era
demonstrar que o modelo afegão não é necessariamente um “novo” modo de guerra
americano. Isto foi feito principalmente no capítulo dois, no qual um pouco do debate sobre o
tema foi mostrado. O capítulo primeiro serviu de subsidiário ao segundo, o qual, por sua vez,
teve seus desdobramentos no terceiro.

Todavia, ainda existem mais dois objetivos, conforme apontado na introdução geral à
esta dissertação: agregar algo à literatura das Forças de Operações Especiais e apontar
tendências futuras acerca das forças armadas estadunidenses. Sobre a literatura, pretende-se
CONSIDERAÇÕES FINAIS

alcançar o objetivo com o texto que dá forma ao apêndice desta dissertação, aonde se falará
da evolução das tentativas de definição conceitual das Operações Especiais e das Forças de
Operações Especiais. Já quanto às possibilidades futuras, serão desenvolvidas aqui, nas
considerações finais, com base em três pontos: o debate sobre o tamanho das forças armadas
norte-americanas, a permanência de um enfoque quase que obsessivo dos estadunidenses em
relação à tecnologia (mesmo passados sete anos de “guerra global ao terror” – na qual o
elemento fundamental é a compreensão cultural) e as chamadas missões de estabilização
como talvez sendo o verdadeiro novo modo de guerra americano.

Em fevereiro de 2008 o Exército dos Estados Unidos lançou um novo manual de


operações, o FM 3-0 Operations29. Tratou-se da primeira revisão geral da doutrina do
Exército norte-americano desde 2001. Seguindo os aprendizados com os conflitos no
Afeganistão e no Iraque, nos quais o sucesso militar inicial foi seguido de esforços sangrentos
em busca da estabilidade de tais países, o novo manual colocou as missões de estabilização no
mesmo patamar da missão clássica do estamento militar terrestre estadunidense: derrotar o
inimigo no campo de batalha. O documento em questão aponta que os EUA estão diante de
uma era de “conflito persistente”, no qual os militares americanos vão operar freqüentemente
entre civis, em países nos quais as instituições são bastante frágeis. O novo manual reflete em
parte as preocupações do secretário de Defesa Robert Gates, o qual constantemente tem
apontado a possibilidade das guerras irregulares serem as predominantes no futuro próximo.
O manual em questão prevê que, nos conflitos dos anos vindouros, o Exército dos Estados
Unidos precisará estar preparado para lidar com coalizões cambiantes e fatores culturais
complexos. Segundo o manual, trata-se de uma arena na qual o sucesso não depende apenas
em derrotar o inimigo, mas também estabelecer e manter uma situação de estabilidade. O
manual enfatiza o elemento humano, ao contrário da ênfase em tecnologia dada por Rumsfeld
e pelo tradicional modo de guerra americano. Na visão do autor desta dissertação, o novo
manual representa uma grande mudança, já que o Exército não pensará mais apenas na guerra,
mas também na paz subseqüente. Assim, talvez isto signifique de fato um novo modo de
guerra americano.

Porém, apesar da indicação de maior ênfase no fator humano – como apontado no


parágrafo anterior –, a obsessão tecnológica ainda persiste. Para demonstrar isto, foram

29
Disponível em: <http://downloads.army.mil/fm3-0/FM3-0.pdf>. Acesso 08 jan. 2009. Em outubro de 2008 foi
publicado um manual específico sobre as operações de estabilização, o FM 3-07 Stability Operations. Este pode
ser encontrado em <http://usacac.army.mil/CAC2/Repository/FM307/FM3-07.pdf>. Acesso 08 jan. 2009.

102
CONSIDERAÇÕES FINAIS

escolhidos dois exemplos que chegam a beirar o caricato. O primeiro é o programa de


inserção e transporte de uma pequena unidade espacial (Small Unit Space Transport and
Insertion (SUSTAIN) program), que visa a enviar tropas para regiões de conflito em qualquer
lugar do mundo em cerca de duas horas, por meio do espaço sideral. Os Marines lançaram
este conceito após os ataques de onze de setembro de 2001. Eles precisavam da capacidade de
transportar pequenas equipes através do cosmos para qualquer parte do planeta no caso de
uma eventual contingência. Conforme os fuzileiros navais, ameaças “terroristas” aos EUA
podem emergir em qualquer lugar do mundo. Uma resposta quase que instantânea de um
pequeno número de tropas poderia eliminar tal ameaça. Além disto, forças lançadas por
foguetes poderiam resgatar reféns atrás das linhas inimigas (BROOK, 2008). O segundo
exemplo selecionado é o desenvolvimento de um avião submersível para operações de
Comandos. A idéia é a de um avião que possa viajar centenas de milhas náuticas através dos
oceanos ou mares e que, chegando à costa de determinado teatro de operações, vá para baixo
d’água para poder infiltrar os Comandos discretamente no território hostil. O conceito está
sendo elaborado no âmbito da Agência de Pesquisa de Projetos Avançados de Defesa
(DARPA), que busca novas tecnologias radicais que possam dar uma vantagem avassaladora
ao Departamento de Defesa dos EUA para inserir pequenas equipes clandestinamente em
localidades costeiras30. Muitas das tecnologias em desenvolvimento nos EUA antes do onze
de setembro de 2001, como o avião caça de superioridade aérea F-22 Raptor, mostraram-se
pouco úteis na “guerra ao terror”: um avião caça não tem muita utilidade em operações de
contra-insurgência. Passados cerca de sete anos da intervenção norte-americana no
Afeganistão, as respostas talvez estejam mais em conhecimento das culturas e idiomas do que
na tecnologia. Entretanto, como disse Colin Gray (citado no capítulo dois desta dissertação),
para mudar o modo de guerra americano, muito focado em tecnologia, é necessário mudar a
sociedade americana.

Agora, finalmente, será exposto o terceiro tópico sobre as possibilidades futuras das
Forças Armadas estadunidenses, o qual envolve a discussão sobre o tamanho adequado do
estamento militar norte-americano e tem a ver com as missões de estabilização citadas dois
parágrafos acima. O debate em questão se divide basicamente em duas visões distintas: a dos
“conservadores”, aonde se encontra o coronel Gian P. Gentile, para quem o trabalho dos
militares é lutar as guerras convencionais (GENTILE, 2008), e a dos “cruzadores”, aonde está

30
Ver <http://www.spacewar.com/reports/Pentagon_explores_submersible_aircraft_for_commando_operations
_999.html>. Acesso 09 jan. 2009.

103
CONSIDERAÇÕES FINAIS

o tenente-coronel aposentado John Nagl31, os quais vêem os militares como uma ferramenta
adaptativa para aplicação da realpolitk estadunidense. Gentile desconfia da maior importância
que vem sendo dada às missões de estabilização e acha que o resultado será o atrofiamento
das habilidades clássicas dos militares. Já Nagl acredita que o papel dos militares americanos
em guerra irregular não pode ser descartado, e o Exército tem a responsabilidade de se
preparar para isto da maneira mais efetiva possível. Seria irresponsável achar que as ameaças
atuais e futuras desafiariam os Estados Unidos convencionalmente, quando podem se utilizar
de estratégias assimétricas. Nagl defende o aumento no número de efetivos do Exército e dos
Fuzileiros Navais, assim como faz Frederick Kagan32 (citado no primeiro capítulo desta
dissertação), defendendo forças armadas ricas em pessoal, não necessariamente em aparatos
tecnológicos. Gentile e Nagl representam uma fissura emergente entre os militares e na
comunidade de segurança nacional norte-americana como um todo. De um lado há aqueles
que acreditam na “guerra longa” (o outro nome da “guerra ao terror”), os quais acham que é
obrigação dos Estados Unidos conduzir uma luta prolongada nos solos do “extremismo”, e
adaptar os militares para fazerem isto. Do outro lado há os chamados “conservadores”, que
afirmam que o fracasso de Washington no Iraque ensinou uma lição importante sobre tentar
“limpar” o mundo. Para os “conservadores”, os militares já estão por demais adaptados à
contra-insurgência e devem voltar a fazer aquilo que desempenham bem: defender os EUA e
lutar quando necessário33.

A guerra do futuro provavelmente será híbrida, envolvendo elementos tanto de guerra


regular quanto de guerra irregular. Assim, uma possibilidade talvez sejam forças mistas, com
flexibilidade estratégica (OWENS, 2009), aptas às tarefas clássicas de combate regular e
também adequadas para a contra-insurgência e para as chamadas pequenas guerras. Mas o
futuro, todavia, por mais tecnologia e previsões que sejam desenvolvidas, é incerto – para o
pesadelo dos planejadores de defesa e para o sonho dos pesquisadores. O assunto não está, e
possivelmente nunca estará, esgotado.

31
É co-autor, junto do general David Petraeus, do novo manual de contra-insurgência dos Estados Unidos. Ver
também John NAGL. Learning to Eat Soup with a Knife: Counterinsurgency Lessons from Malaya and Vietnam.
Chicago: University of Chicago Press, 2005.
32
Procurar por Thomas DONNELLY; Frederick KAGAN. Ground Truth: The Future of U.S. Land Power.
Washington, D.C.: AEI Press, 2008.
33
O debate pode ser acompanhado, entre outros lugares, no Small Wars Journal: <http://smallwarsjournal.com/
mag/>. Acesso 09 jan. 2009.

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110
GLOSSÁRIO34

ANTI-TERRORISMO: medidas defensivas para diminuir a vulnerabilidade em relação à ações


terroristas.
CONTRA-INSURGÊNCIA: ações militares, paramilitares, políticas, econômicas, psicológicas e
civis conduzidas por um governo para derrotar a insurgência.
CONTRA-TERRORISMO: medidas ofensivas para prevenir, dissuadir e responder ao terrorismo.
GRANDE ESTRATÉGIA: o desenvolvimento, aplicação e coordenação dos instrumentos do
poder nacional para alcançar objetivos que contribuam para a segurança nacional.
GUERRA ASSIMÉTRICA: originalmente se refere a um conflito entre dois beligerantes que
tenham uma significativa disparidade de poder. Atualmente pode descrever um conflito no
qual os recursos de dois beligerantes difiram na essência e no esforço, na interação e nas
tentativas de explorar as fraquezas alheias.
GUERRA CONJUNTA: trata-se da integração das várias ramificações dos serviços armados em
um comando unificado, envolvendo o Exército, Marinha, Força Aérea, Forças de Operações
Especiais, etc.
GUERRA COMBINADA: uma operação conduzida por forças de duas ou mais nações aliadas
atuando juntas para atingirem os objetivos de uma missão.
GUERRA IRREGULAR: conflito entre atores estatais e não-estatais buscando legitimidade e
influência sobre determinada população. Envolve meios indiretos e assimétricos, mas também
pode empregar métodos convencionais para erodir o poder, influência e moral do adversário.
GUERRA NÃO-CONVENCIONAL: guerra que envolva armas nucleares e/ou táticas irregulares.
INSURGÊNCIA: um movimento organizado visando a derrubada de um governo constituido
através do uso de subversão e conflito armado.
MANOBRA: um movimento para colocar navios, aviões ou forças terrestres em uma posição
de vantagem sobre o inimigo.
PODER DE FOGO: a capacidade de levar fogo a um determinado alvo.
SUBVERSÃO: uma ação designada para minar as forças militares, econômicas, psicológicas,
políticas e/ou morais de um regime.
TERRORISMO: o uso ou ameaça de violência ilegal para promover o medo.

34
Trabalhar com definições é uma tarefa complexa. Dessa forma, o objetivo deste glossário é apenas dar uma
idéia geral dos termos que abrange.
APÊNDICE

AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

SUMÁRIO: 1.1 Considerações Iniciais; 1.2 Definindo as Operações Especiais; 1.2.1 Carl von
Clausewitz; 1.2.2 Guerrilha; 1.2.3 Terrorismo; 1.2.4 Contexto de Guerra Convencional de Alta-
Intensidade: Os Comandos; 1.2.5 Uma Definição mais Ampla das Operações Especiais; 1.3 Teoria das
Operações Especiais; 1.4 As Forças de Operações Especiais; 1.4.1 Pequenas Guerras.

RESUMO: Neste apêndice será feita uma reconstrução histórica sobre as tentativas realizadas para se
definir as Operações Especiais e as Forças de Operações Especiais. Estas são chamadas de “irregulares
dentro dos regulares”. Dessa forma, antes de defini-las propriamente, é importante entender o que são
os irregulares. Para tanto, serão estudados a guerrilha e o terrorismo. E, para se entender o que são os
irregulares, é necessário saber sobre os regulares. Assim, passar-se-á também, em primeiro lugar, por
Carl von Clausewitz.

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como as Forças de Operações Especiais são um ponto essencial desta pesquisa é


necessário compreendê-las com mais cuidado e profundidade, a começar pela própria
definição de Operações Especiais, isto é, sua extensão ou os seus limites, explicando seu
significado. Assim, o primeiro lugar aonde foi procurada uma definição de Operações
Especiais foi em um dicionário. Mais especificamente, um dicionário de termos militares.
Acabou-se por encontrar o Dicionário de Termos Militares do Departamento de Defesa dos
Estados Unidos da América, elaborado pela Divisão de Doutrina Conjunta do Estado-Maior
Conjunto daquele país. Embora um dicionário oriundo do Pentágono possa não ter a
neutralidade necessária para uma pesquisa acadêmica como esta, não deixa de ser um
primeiro passo, que pode trazer novas possibilidades para compreensão do significado do
termo em questão. Dessa forma, segundo a publicação supra citada, as Operações Especiais
são (DEPARTMENT OF DEFENSE, 2008):

Operações conduzidas em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis, para


alcançar objetivos militares, diplomáticos, informacionais e/ou econômicos,
empregando capacidades militares para as quais não há necessidade de uma ampla
força convencional. Essas operações freqüentemente requerem capacidades
encobertas, clandestinas ou de baixa-visibilidade. As operações especiais são
aplicáveis em toda a extensão de operações militares. Podem ser conduzidas
independentemente ou conjuntamente com operações de forças convencionais ou de
outras agências do governo e podem incluir operações por meio de, com ou por forças
nativas ou substitutas. As operações especiais diferem das operações convencionais
no grau de risco físico e político, técnicas operacionais, modo de emprego,
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

independência de apoio amigo e dependência de inteligência operacional detalhada e


ativos nativos. Também chamadas de OE.

A definição apontada acima apresenta outros termos que são próximos às Forças de
Operações Especiais e que, portanto, também precisam ser entendidos mais razoavelmente. A
referência é, mais especificamente, às seguintes palavras e expressões: “negados”, “força
convencional”, “encobertas” e “clandestinas”. Em conformidade com o Dicionário de Termos
Militares do Pentágono, uma “área negada” é uma “área sob controle inimigo ou não-
amigável, na qual forças amigas não podem esperar operar com sucesso dentro dos
constrangimentos operacionais e das capacidades de força existentes”. Segundo o mesmo
dicionário, “forças convencionais” são “forças capazes de conduzir operações usando armas
que não as nucleares” ou “forças outras que não as forças de operações especiais”. Para
“clandestinas” e “encobertas”, usar-se-á definição sucinta de Kevin O’Brien, para o qual
(O’BRIEN apud BRAILEY, 2005: 06):

operações clandestinas se referem a operações conduzidas por soldados uniformizados


… de modo que suas atividades não podem ser nem confirmadas nem negadas, mas
de uma maneira que tais operações não sejam realizadas aos olhos do público; em
contraste, operações encobertas se referem à operações conduzidas por soldados não
uniformizados e/ou por civis, de modo que seu envolvimento possa ser negado35.

Conforme Stan A. Taylor, algumas das atividades encobertas são relativamente


“benignas” e “pouco intrusivas”. Outras claramente violam a exigência das Nações Unidas
em não interferir na independência política ou integridade territorial de outros Estados. O uso
de atividades encobertas para influenciar situações em outras nações é um instrumento
bastante delicado da política externa de um país. De acordo com Taylor, aqueles que tentam
justificar as atividades encobertas argumentam que estas preenchem uma lacuna entre a
diplomacia e a guerra. Trata-se da “teoria da lacuna da Ação Encoberta” – a qual afirma que,
após um Estado ter adotado determinadas políticas, começando com a menos intrusiva e
evoluindo para ações diplomáticas mais ofensivas, considerando que o irrompimento da
guerra é visto como aparentemente inevitável, alguns argumentam que determinadas
variações de atividades encobertas podem ser opções melhores do que a guerra, podendo,
inclusive, evitá-la. Segundo Taylor, um esforço para tentar fazer a atividade encoberta mais

35
Enquanto que o termo “clandestino” se refere à situação de secreta da própria operação, a palavra “encoberto”
(também definida como “atividade especial”) diz respeito à qualidade de secreto do patrocinador da operação.

113
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

eticamente aceitável é aplicar, às atividades encobertas, alguns dos princípios extraídos da


“Teoria da Guerra Justa”36 (TAYLOR, 2007: 262).

Segundo Malcolm Brailey, o entendimento de Operações Especiais por parte do


Departamento de Defesa dos EUA demonstra, a partir de uma definição política similar
própria, a abrangência de uma definição acadêmica de Operações Especiais mais antiga
(BRAILEY, 2005: 07). Trata-se de significação sugerida por Maurice Tugwell e David
Charters, possivelmente a mais concisa e inclusiva definição de Operações Especiais – a qual,
apesar de ter sido escrita em 1984, continua particularmente relevante na atualidade
(BRAILEY, 2005: 06). Porém, antes de ser dada atenção à tal “moderna” definição, merecem
uma observação as tentativas anteriores de definição do termo em questão. Ainda que tais
experiências em tentar explicar o significado de Operações Especiais sejam consideradas
deficientes ou insuficientes por Tugwell e Charters, são importantes em um contexto mais
amplo dos esforços visando a definir as Operações Especiais.

1.2 DEFININDO AS OPERAÇÕES ESPECIAIS

Segundo Colin S. Gray, os termos guerra irregular e não-convencional têm algum


mérito sobre as Operações Especiais e o conflito de baixa-intensidade. Esses termos possuem
a vantagem de capturar o modo de ser do assunto Operações Especiais, quer dizer, o caráter
não usual do que é descrito frente a frente às atividades normais das forças armadas regulares.
Infelizmente, conforme Gray, tanto a guerra irregular como a não-convencional carregam
uma bagagem histórica que não auxilia: sugerem um foco – não necessariamente apropriado –
em guerra de guerrilha e de contra-guerrilha. Todavia, do lado positivo, as guerras irregular e
não-convencional implicam na inclusão de atividades prolongadas – o que contrasta com o
foco raid (ataque súbito, rápido e intenso) que pode ser atribuido às Operações Especiais.
Estas têm como sua identidade central a condução aberta ou encoberta de um ataque
excessivamente perigoso por um grupo pequeno de guerreiros de elite visando altos ganhos
operacionais ou estratégicos (GRAY, 1998: 144).

Além disso, Colin Gray também sugere que as Forças de Operações Especiais agem
como “guerrilhas com uniformes” – pelo fato de que elas devem confundir o inimigo superior
em massa e em poder de fogo militar, os guerreiros das Forças de Operações Especiais devem

36
Ver, por exemplo, James A. BARRY. Covert Action Can Be Just. In: Loch K. JOHNSON, James J. WIRTZ
(eds.). Strategic Intelligence: Windows Into a Secret World – An Anthology. Los Angeles, California: Roxbury
Publishing Company, 2004, cap. 22.

114
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

funcionar como guerrilhas. Todavia, ao contrário da guerrilha, as Forças de Operações


Especiais não “nadarão como peixes em um mar de pessoas”, mas agirão em pequenas
unidades, de maneira clandestina, encoberta ou aberta para efetuar missões heterodoxas de
modos não-convencionais. Tais unidades também vão operar em condições excepcionalmente
de alto risco, na busca de objetivos políticos ou militares significativos. São um exemplo do
princípio militar clássico de economia de força (GRAY, 1999a: 287).

Ainda segundo Gray, as Forças de Operações Especiais também atuam na condição de


“terroristas com uniformes”: tanto operadores que se utilizam de táticas terroristas quanto as
Forças de Operações Especiais devem operar encobertamente atrás das linhas inimigas,
necessariamente em condições de perigo pessoal e em números desproporcionais. Por causa
das assimetrias entre a guerra regular e o terrorismo, as Forças de Operações Especiais são
tipicamente a “espada mais afiada” nos níveis tático e operacional para suprimir o terrorismo.
Operações convencionais, regulares e massivas engajadas em contra-terrorismo são contra-
produtivas. São necessários “terroristas”, ao menos Forças de Operações Especiais habilitadas
em contra-terrorismo, para pegar terroristas (GRAY, 1999b: nota 38).

Destacadas tais características, antes de ser dada atenção à definições mais específicas
sobre as Operações Especiais, bem como acerca das Forças de Operações Especiais, é
necessário um enfoque, ainda que breve, nas definições e conceitos de guerrilha e de
terrorismo, mas não sem antes serem relembradas algumas idéias propostas pelo general
prussiano Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz (1780-1831).

1.2.1 Carl von Clausewitz

Serão apontadas aqui algumas opiniões que Carl von Clausewitz apresenta em sua
obra máxima e clássica: Vom Kriege (Da Guerra), livro em três volumes escrito na língua
alemã e publicado pela primeira vez entre 1832-1834, ou seja, após o falecimento do general.
Tais propostas auxiliarão a melhor compreender aquilo que será tratado no decorrer deste
apêndice, sendo por isso fundamental relembrá-las. Inicialmente é importante destacar que
existem diversas interpretações da obra de Carl Clausewitz37, sendo que o enfoque adotado
aqui será essencialmente no livro oito de Da Guerra (1996): O Plano de Guerra, que é
suficiente para os intentos deste apêndice, embora insumos serão buscados também no livro
IV – A Defesa – na porção final desta parte.

37
Uma biografia e algumas das leituras de Da Guerra estão disponíveis em Hew STRACHAN. Sobre a guerra
de Clausewitz. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
115
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

O título do capítulo seis do livro VIII – “Influência do objetivo político sobre o


propósito militar e a guerra é um instrumento da política”, diz muito; aliás, trata-se da
máxima clausewitziana: para Clausewitz, “a guerra nada mais é senão a continuação das
relações políticas, com o complemento de outros meios” (CLAUSEWITZ, 1996: 870). A
guerra é apenas uma parte das relações políticas e, conseqüentemente, de modo algum
independente. Não se pode separar a guerra das relações políticas. Segundo o estrategista
militar prussiano, a guerra tem a sua própria gramática, mas não tem a sua própria lógica. A
lógica é a da política.

No primeiro capítulo do livro oito, Clausewitz relembra o que concluiu no Livro I (“A
natureza da guerra”) – que o objetivo capital de todo ato de guerra é a derrota do inimigo,
quer dizer, a destruição de suas forças militares (CLAUSEWITZ, 1996: 825). O meio do ato
de guerra é o “recontro”, isto é, o embate dos que lutam (lembrando que “embate” é um
choque impetuoso – sendo diferente de “combate”, que é uma ação bélica de amplitude menor
do que a batalha, travada em área restrita, entre unidades militares de pequeno vulto). De
acordo com Clausewitz, é contra o “centro de gravidade” do inimigo, um centro de poder e de
movimento, que se deve desferir o golpe concentrado de todas as forças (CLAUSEWITZ,
1996: 854).

Embora a “guerra real” tenha se aproximado de seu conceito ou “perfeição absoluta”


com Napoleão Bonaparte (1769-1821), a teoria da guerra, com a sua lógica rigorosa, é
impotente contra a força das circunstâncias, idéias e sentimentos (em geral, “fricções”). A
determinação das diversas circunstâncias e suas muitas relações é um grande problema, que
constitui um rasgo de gênio – o golpe de vista do general ou estadista – que, colocado diante
das circunstâncias, rapidamente adota a via justa, enquanto que o estudo acadêmico não
permitiria dominar a complexidade (CLAUSEWITZ, 1996: 830, 837).

Outras passagens fundamentais em Carl von Clausewitz, e que serão retomadas


adiante no item 1.3 (Teoria das Operações Especiais), são os conceitos de ataque e defesa. No
primeiro capítulo (Ataque e Defesa) do livro VI (A Defesa), Clausewitz aponta as vantagens
da defensiva. O objetivo da defesa é conservar, o que é mais fácil do que adquirir (o que faz o
ataque). Se os meios são iguais nos dois lados, a defesa é mais fácil do que o ataque. O
tempo/expectativa é favorável ao defensor, e uma vantagem decorrente desta é que a defesa
pode se colocar no terreno, tendo um uso preferencial do mesmo. Em suma (CLAUSEWITZ,
1996: 467):

116
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

Já salientamos de uma maneira geral que a defesa é mais fácil do que o ataque. Mas
como a defensiva tem um objeto negativo, o de conservar, e a ofensiva um objeto
positivo, o de conquistar, e como este último aumenta os nossos próprios recursos de
guerra, enquanto a conservação não o faz, devemos dizer, para nos exprimirmos com
precisão, que a forma defensiva de guerra é em si mesma mais forte do que a ofensiva
[destacado no original]

Porém, a Teoria das Operações Especiais proposta por William McRaven mostrará
que, com o uso de uma Força de Operações Especiais, o ataque pode se tornar mais forte do
que a defesa, invertendo a fórmula sugerida por Clausewitz e desafiando o conhecimento
convencional na área. Isto será visto no item 1.3. Agora, com os subsídios de Clausewitz,
tem-se mais ferramental para se estudar a guerrilha (que Clausewitz de certa forma já aponta
no capítulo XXVI – “O armamento do povo” do livro IV) e o terrorismo (que serão os
intrumentos para melhor se entender as Operações Especiais).

1.2.2 Guerrilha

Não é a tática que define o tipo de guerra, mas sim a política que a comanda,
conforme visto acima com Carl von Clausewitz – a guerra como um instrumento da política.
Dessa forma, como observa Héctor Luis Saint-Pierre, a guerrilha é mais corretamente definida
como tática do que como guerra (SAINT-PIERRE, 2000: 173, 175). No capítulo seis de A
Política Armada (“Guerrilha e Revolução”), Saint-Pierre discute os elementos definicionais e
as características fundamentais da guerrilha. Para tanto, debate idéias de pensadores, entre
outros, como o alemão Carl Schmitt e a sua Teoria do Guerrilheiro (presente no texto O
Conceito do Político), o francês Raymond Aron e o argentino Ernesto “Che” Guevara. Não
haverá aqui um aprofundamento em tal discussão, mas sim se destacará os pontos mais
importantes para auxiliar na compreensão das Operações Especiais.

Do ponto de vista técnico, a tática de guerrilha se constitui em uma forma armada não
regular: caracteriza-se por uma estrutura armada que não possui nenhuma das características
identificadoras de um exército regular (como uniforme reconhecido, exibição ostensiva do
armamento, bandeiras de identificação, hierarquia rígida e reconhecimento internacional)
como exigidas pela Convenção de Haia (1907) e pela Convenção de Genebra (1949), as quais
versam sobre o direito na guerra, particularmente sobre os combatentes irregulares. Assim, a
guerrilha apresenta uma metodologia diferente das tropas regulares. Dessa forma, e levando
em conta inferência de Schmitt (SAINT-PIERRE, 2000: 183-184):

117
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

Como a tática de guerrilha é caracterizada por uma forma “irregular” de guerra, ela se
constitui definicionalmente como a negação da guerra regular. Daí que ela possa ser
ancorada historicamente na existência do exército regular, isto é, no exército moderno
como hoje é entendido. Portanto, embora todos reconheçam que a tática de guerrilha é
tão antiga quanto a própria guerra, poder-se-ia datar a sua origem, como exército
irregular e por contraste definicional com o exército regular, a partir da resistência
armada e não regular ao exército moderno, ao napoleônico, pois é a partir do
republicano francês que os exércitos assumem as características de regularidade e
modernidade que tentamos apontar.

A guerrilha, da mesma forma como é irregular, igualmente é formada por contingentes


de ampla mobilidade tática. Ao contrário dos grandes exército regulares e convencionais, que
têm cada avanço pensado e calculado em função da capacidade da linha de suprimentos e da
configuração do terreno para a disposição do conjunto de soldados, o operador da guerrilha
carrega o mínimo de equipamento e material possível, o que lhe garante a possibilidade de
ampla mobilidade tática. De maneira inesperada, o guerrilheiro pode emergir no meio das
fileiras inimigas, desencadear uma situação caótica e desaparecer, tão inesperadamente como
surgiu, amparado pela névoa da guerra. O operador guerrilheiro não necessita de amplas vias
ou estradas para se locomover, assim como não precisa de grandes acampamentos para
descansar ou de linhas de suprimento para se alimentar. Terá a natureza – sob a forma da
selva, montanha, deserto – como sua fonte de abastecimento (SAINT-PIERRE, 2000: 191).

Do ponto de vista tático para a teoria da guerra, a guerrilha abre uma nova dimensão
no campo de batalha: a dimensão da profundidade. Normalmente, o teatro de operações é
composto pelas dimensões do comprimento e da largura. Com a artilharia e o poderio aéreo,
somou-se outra dimensão ao campo: a da verticalidade. Do mesmo modo como o submarino
introduziu um elemento novo na guerra naval, isto é, a surpresa oriunda das profundezas dos
oceanos, o guerrilheiro o fez na guerra terrestre. Da mesma forma como o submarino pode
atacar e desaparecer, antes do inimigo poder articular uma resposta, assim também faz o
operador da guerrilha, o qual, após atacar, “submerge” no tecido social (SAINT-PIERRE,
2000: 195-196):

A profundidade do campo de combate é a própria do tecido social. Assim como o


combatente irregular que atua no âmbito rural se mimetiza, pela camuflagem, com o
meio em que desenvolve sua luta, na cidade, o guerrilheiro urbano assume as
características típicas de seus habitantes. Ele procurará não apresentar qualquer
elemento que possa distingui-lo da população na qual se encontra e atua. Por isso os
exércitos invasores alemães durante a Segunda Guerra Mundial, ante a
impossibilidade de prender os guerrilheiros da resistência que desgastavam a moral de
suas tropas com surpreendentes ataques da profundidade, manifestavam sua
impotência fuzilando sumária e aleatoriamente parte da população civil. Além de
satisfazer o ânimo de vingança da tropa, provocavam uma cisão entre a população e a
118
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

guerrilha por meio do terrorismo; dessa maneira, esperavam eliminar o apoio logístico
que a resistência obtinha do povo. Por essas características especiais e por sua
analogia com a guerra submarina, Carl Schmitt denominou “dimensão de
profundidade” esta ruptura do campo de batalha.

Além de Héctor Saint-Pierre, Basil Henry Liddell Hart (1895-1970), mais conhecido
pelas siglas B. H. Liddell Hart, também faz algumas considerações sobre a guerrilha que são
interessantes para apoiar o entendimento das Operações Especiais. Em capítulo dedicado à
“guerra de guerrilha” do livro Estratégia, Liddell Hart lembra-se que cunhou a máxima “se
você quer a paz, entenda a guerra” para substituir a antiga passagem “se você deseja a paz,
prepare-se para a guerra”. Em seguida, Hart muda seu próprio aforismo para o seguinte: “se
você deseja a paz, entenda a guerra – particularmente a guerrilha e as formas subversivas de
guerra”. Conforme Basil Liddell Hart, a guerrilha, apesar de ser um fenômeno antigo, e de ter
sido brevemente tratada por Clausewitz em Da Guerra (armando o povo, uma medida
defensiva contra o invasor, cap. XXVI do livro VI), só entrou na agenda da teoria militar
ocidental a partir do século XX (LIDDEL HART, 1991: 361).

Uma análise mais ampla e profunda do tema guerrilha, conforme o capitão Basil Hart,
aparece no livro Os Sete Pilares da Sabedoria (1935), obra autobiográfica do oficial britânico
Thomas Edward Lawrence (1888-1935), também conhecido pelas iniciais T. E. Lawrence ou
como Lawrence da Arábia (sobre o qual há um longa-metragem lançado em 1962 e dirigido
por David Lean). Segundo Hart, o ponto principal da teoria de guerrilha “lawrenciana” é o
enfoque no valor ofensivo da mesma. Trata-se de produto da experiência e reflexão de T. E.
Lawrence na revolta dos árabes contra os turcos, o único episódio, onde a guerrilha teve uma
influência relevante durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Já ao longo da Segunda
Guerra Mundial, a guerrilha se difundiu ao ponto de se tornar um recurso universal (LIDDEL
HART, 1991: 362).

O desenvolvimento posterior da guerrilha e da guerra subversiva se intensificou com o


que Liddell Hart chamou de “glorificação das armas nucleares”. Para a contenção da ameaça
comunista, os ocidentais ficaram mais dependentes das armas convencionais. Essa conclusão,
entretanto, não significava que se deveria voltar aos métodos convencionais anteriores: pelo
contrário, tratava-se de um incentivo para o desenvolvimento de novos métodos de guerra.
Assim, o 35o. presidente dos Estados Unidos da América, John Fitzgerald Kennedy (1961-
1963), patrono importante das Forças Especiais/Boinas-Verdes, orientou seu secretário de
Defesa, Robert Strange McNamara (1961-1968), a expandir rapidamente e substancialmente,

119
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

em cooperação com os países aliados, a orientação das forças militares existentes para a
conduta de guerra não-nuclear, operações pára-militares e guerras sub-limitadas/não-
convencionais (LIDDEL HART, 1991: 364). Nas guerras passadas, a guerrilha foi a arma do
lado mais fraco e, assim, primariamente defensiva, mas, na era atômica, ela pôde ser
desenvolvida amplamente como uma forma de agressão, sendo conveniente para explorar a
paralisação nuclear. Assim, o conceito de Guerra Fria, segundo Basil Henry Liddell Hart,
estaria desatualizado, e deveria ser substituido por “guerra camuflada” (LIDDEL HART,
1991: 367).

De acordo com Hart, a violência é muito mais profunda em uma guerra irregular do
que na regular. Nesta, a violência é contrabalançada pela obediência à autoridade constituída,
enquanto que, na guerra irregular, a desobediência à autoridade e a violação da regras – a
dimsensão da ilegalidade do operador guerrilheiro (SAINT-PIERRE, 2000: 184-188) – são
consideradas virtudes. Fica muito difícil reconstruir um país, e um Estado estável, em uma
fundação derrubada pela experiência da guerra irregular. Dessa forma, um entendimento dos
perigos posteriores a uma guerra de guerrilha fez com que Hart refletisse sobre as campanhas
de T. E. Lawrence na Arábia. O livro em que Hart analisa tais campanhas – onde o autor faz
uma exposição sobre a teoria da guerrilha – foi tomado como guia por inúmeros líderes de
unidades de Comandos e movimentos de resistência (LIDDEL HART, 1991: 369).

1.2.3 Terrorismo

O fenômeno do terrorismo, da mesma forma como as Operações Especiais e a tática


de guerrilha, não é um acontecimento inteiramente novo, quer dizer, não foi inventado pela
organização al-Qaeda (A Base), Exército Republicano Irlandês (IRA) ou pelo grupo Pátria
Basca e Liberdade (ETA), entre outros. Basta que se lembre, por exemplo, do período do
Terror na própria Revolução Francesa (desencadeada em 1789), compreendido entre 1793 e
1794, isto é, iniciando-se com a queda dos Girondinos e se encerrando com a prisão do ex-
líder dos Jacobinos, Robespierre. Trata-se de um momento no qual as garantias civis foram
suspensas e quando o governo revolucionário, dominado pela facção Montanha do partido
Jacobino, perseguiu e assassinou seus adversários, os quais foram quase todos guilhotinados.
Este caso não deixa de ser um tipo de terrorismo de Estado. No século seguinte, ademais,
parece que ninguém estava a salvo das práticas terroristas. Como lembra o pesquisador Walter
Laqueur (1996):

120
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

Em 1894 um anarquista italiano assassinou o presidente francês Sadi Carnot. Em 1897


anarquistas golpearam fatalmente a Imperatriz Elizabeth da Áustria e mataram
Antonio Canovas, o primeiro-ministro espanhol. Em 1900 Unberto I, o rei italiano, foi
morto em outro ataque anarquista; em 1901 um anarquista americano matou William
McKinley, presidente dos Estados Unidos. O terrorismo se tornou a preocupação
principal de políticos, chefes de polícia, jornalistas e escritores de Dostoievsky a
Henry James. Se no ano de 1900 os líderes das principais potências industriais
tivessem se reunido, a maioria deles insistiria em dar prioridade ao terrorismo em suas
agendas, como o presidente Clinton fez no Grupo dos Sete após o bombardeio de
junho no complexo militar americano em Dharan, Arábia Saudita.

Segundo John Gray, ao longo do século XX o terrorismo foi usado em ampla escala
por regimes seculares. Embora os terroristas islâmicos da atualidade afirmem rejeitar todas as
características modernas e ocidentais, eles dão continuidade à tradição ocidental moderna de
usar a violência sistemática para transformar a sociedade. As raízes do terrorismo
contemporâneo estão muito mais na ideologia ocidental radical – especialmente no leninismo,
conforme Gray – do que na religião. Para Vladimir Lênin (1870-1924), o terror não era só um
meio de defender a revolução contra os inimigos, mas também uma ferramenta fundamental
de engenharia social. Juntamente com Leon Trotsky (1879-1940), Lênin criou campos de
concentração, instituiu um sistema de reféns para assegurar a obediência de grupos suspeitos e
executou um número razoável de pessoas. Os líderes bolcheviques julgavam que o terror de
Estado era indispensável para se alcançar uma sociedade comunista em que o Estado,
juntamente com a guerra, pobreza e religião, não existiria mais. John Gray (2007) continua:

Ao usar o terror para tentar alcançar objetivos utópicos, os líderes bolcheviques


fizeram parte de uma longa tradição que continua até hoje. Na Rússia do final do
século XIX, havia os niilistas – intelectuais revolucionários para quem os atos
espetaculares de terror individual podiam abalar a ordem existente em suas fundações
e ajudar a inaugurar um novo mundo. Uma figura seminal foi Sergei Netchaiev, autor
de Catecismo de um Revolucionário (1869), no qual defendia a chantagem e o
assassinato como estratégias políticas legítimas, e que matou um de seus camaradas
por deixar de cumprir ordens. Costumamos pensar em um niilista como alguém que
despreza todos os ideais humanos, mas Netchaiev e seus pares acreditavam
apaixonadamente em ciência, progresso social e bondade humana. Em termos de
estratégia revolucionária, eles diferiam de Lênin, que condenava como ineficazes os
atos de terror individuais; era o terror de Estado altamente organizado que ele
privilegiava. Mas Lênin e os niilistas estavam juntos em sua fé de que o terror era
necessário para avançar os ideais iluministas de progresso humano.

A ascensão do islamismo não significou a decadência do terrorismo secular.


Consoante Gray, o atentado suicida pode ser a técnica islâmica do momento, contudo foram
os Tigres Tâmeis – um grupo marxista-leninista que recruta principalmente na população
hindu de Sri Lanka, mas que, como outros grupos do mesmo gênero, é militantemente hostil a
121
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

toda forma de religião – que o idealizaram. Foram os Tigres Tâmeis que desenvolveram o
cinturão explosivo usado por terroristas suicidas do Hamas e da Jihad Islâmica. Até a guerra
do Iraque (2003), os Tigres Tâmeis haviam cometido mais desses ataques do que qualquer
outra organização do mundo. A primeira onda de ataques suicidas no Líbano nos anos 1980
também foi obra, em grande parte, de grupos seculares. De 41 ataques entre 1982 e 1986,
incluindo o ataque em 1983 que matou mais de uma centena de marines norte-americanos e
resultou na brusca retirada das forças estadunidenses pelo presidente Ronald Reagan (1981-
1989), 27 foram realizados por membros de grupos esquerdistas como o partido comunista
libanês e a União Socialista Árabe. Somente oito eram islâmicos – e três eram cristãos.

Conforme Anna Simmons e David Tucker, quando ambos tratam das Forças de
Operações Especiais dos EUA na “guerra ao terror”, lembram que o terrorismo é uma tática
que se caracteriza por ser um esforço político e psicológico mais direto do que a guerra, já que
os terroristas manobram em torno do escudo militar de um determinado país para atacar
diretamente o processo político, atingindo os não-combatentes que o conduzem. De acordo
com os analistas, para conter organizações terroristas, deve-se, assim como elas mesmas,
fazer uma manobra para conter o apoio político e psicológico à tais grupos. Uma organização
terrorista se constitui basicamente de um núcleo composto por estrategistas e operadores
fortemente compromissados com a causa. Em torno deles há pessoas que os apoiam e dão
assistência logística e de inteligência. Estes, por sua vez, são protegidos por simpatizantes,
que ajudam com recursos. Finalmente, há os neutros e, depois deles, aqueles que condenam o
emprego dos métodos terroristas. Para agirem, os terroristas precisam estar escondidos e
protegidos e é por isso que as camadas de apoiadores e simpatizantes são necessárias. Porém,
os neutros também são importantes, já que podem ser convertidos em simpatizantes ou
apoiadores para que a organização se fortaleça (SIMMONS; TUCKER, 2003: 78-79).

1.2.4 Contexto de Guerra Convencional de Alta-Intensidade: Os Comandos

Agora que já há bases mais sólidas, isto é, após ter-se visto Carl von Clausewitz, as
táticas da guerrilha e do terrorismo, é hora de se atentar com mais segurança no campo das
Operações Especiais. Para continuar com o desenvolvimento do argumento, agora será
lembrado o historiador britânico M. R. D. Foot. Para contextualizá-lo, Foot entrou em um
batalhão de engenharia do exército britânico quando explodiu a Segunda Guerra Mundial e
depois foi transferido para a artilharia real. Da mesma forma, também atuou na resistência
francesa à invasão alemã e trabalhou como oficial de inteligência – sendo o que

122
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

particularmente interessa aqui. M. R. D. Foot tem diversos trabalhos sobre o Executivo de


Operações Especiais (ou, em inglês, Special Operations Executive – SOE) britânico, braço
das forças armadas inglesas responsável pela condução de guerra não-convencional na Europa
dominda pelos alemães. A experiência de Foot com as Operações Especiais o levou a escrever
sobre as mesmas. Dentre o material que foi pesquisado para esta dissertação, parece ser dele a
primeira tentativa de definir especificamente o que são as Operações Especiais (FOOT, 1970:
19):

O que são operações especiais? São golpes súbitos heterodoxos, isto é, golpes de
violência inesperados, geralmente concebidos e executados fora do estamento militar
corrente, exercendo um efeito surpreendente sobre o inimigo, de preferência em seu
mais alto nível. O tipo ideal de operação especial é aquele que deixa fora de atividade
todo o Estado-Maior do inimigo em um único e inesperado sopro.

Consoante Foot, as Operações Especiais estão entre os mais antigos e importantes


princípios de guerra, onde o fundamental é a surpresa. Uma boa Operação Especial também
envolve economia de força, divertimento e engano do inimigo, podendo alcançar resultados
desproporcionais (algumas Operações Especiais na Segunda Guerra Mundial foram mais
efetivas em castigar o inimigo do que ataques convencionais de aviões bombardeiros). Uma
Operação Especial bem-feita está fora dos limites da probabilidade normal, não deixa
vestígios e pode até ser conduzida em tempos de paz nominal. Foot aponta que a principal
característica de uma Operação Especial é ser algo que acontece de uma forma
completamente inesperada. Além disso, Foot lembra de Joe Holland, um engenheiro militar
regular britânico, que estava chocado com o método irlandês de guerra revolucionária
subversiva, e determinado, caso tivesse uma chance, a testar tal modelo. Por acidente, a ele foi
oferecida, em 1938, uma posição no escritório de guerra, onde o mesmo poderia pesquisar
qualquer assunto de seu interesse, e ele resolveu fazer pesquisa sobre guerra subversiva.
Acabou por fundar o corpo clandestino Pesquisa de Inteligência Militar (MIR, na sigla em
inglês), inventou os comandos (designação oriunda do modo de guerra dos Böers) e a maior
parte do Executivo de Operações Especiais (SOE). Desenvolveu grande parte das operações
subversivas que podem ser levadas a cabo contra o Estado industrial moderno (FOOT, 1970:
40-41).

Foot tenta concluir seu argumento fazendo um sumário daquilo que acha necessário
para o estabeleceimento de uma Força de Operações Especiais que terá um uso político ou
militar sério. A primeira característica absolutamente essencial é sorte. A segunda são
informações precisas de inteligência sobre o que o inimigo é capaz de fazer. A terceira, quase
123
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

sempre indispensável, é ter uma grande potência para apoiá-lo. Outra necessidade é ter uma
população que coopere, mesmo que decorrente do terror, ou preferencialmente da simpatia e,
além disso, são necessárias as virtudes militares ordinárias: coragem, tenacidade, flexibilidade
e velocidade. Sem elas, não é possível vencer uma batalha militar convencional; sem elas, não
é possível vencer uma Operação Especial. Entretanto, há resistência institucional às
Operações Especiais. Foot lembra que, em Estados antigos e já constituidos, os estamentos
militares e os chefes dos Estados-Maiores suspeitam dos corpos que executam as Operações
Especiais. Porém, ctitica M. R. D. Foot, o que tais “conservadores” tem a oferecer no lugar
das Operações Especiais? O holocausto nuclear, que de qualquer maneira não oferece nenhum
panorama para a humanidade (FOOT, 1970: 45-47);

De maneira parecida com Foot, o analista militar estadunidense Edward Luttwak (et
all.) descreve as Operações Especiais como “ações de guerra auto-contidas encaminhadas por
forças auto-suficientes operando dentro de território hostil” (LUTTWAK, Edward; CANBY,
S. L.; THOMAS, D. L. apud BRAILEY, 2005: 5). Entretanto, o capitão australiano Malcolm
Brailey observa que, no pensamento militar ocidental, as Operações Especiais são comumente
definidas em um contexto de guerra convencional de alta-intensidade, como foram formadas
pela experiência de conflitos interestatais significativos durante o século XX. Porém, Brailey
aponta que Maurice Tugwell e David Charters notaram corretamente que as definições como
as de Foot e Luttwak são deficientes, pois falham em considerar que as Operações Especiais
contemporâneas são freqüentemente conduzidas fora do contexto de guerra convencional –
isto é, sem um inimigo bem definido, muitas vezes não necessariamente em um território
hostil (embora ainda bastante perigoso) e nem sempre envolvendo a utilização da violência
(BRAILEY, 2005: 5). E isso leva à uma definição mais precisa das Operações Especiais,
como será visto no item a seguir.

1.2.5 Uma Definição mais Ampla das Operações Especiais

Tugwell & Charters afirmam que muitos analistas ocidentais enfrentam um dilema
conceitual nas tentativas de definir as Operações Especiais. Geralmente trabalham dentro de
um contexto filosófico ocidental que tendeu a traçar distinções bastante claras entre a paz e a
guerra. Há uma tendência, consoante Tugwell e Charters, a definir as Operações Especiais
apenas em termos militares. Já os soviéticos (T&C escrevem em 1984), por outro lado, com
uma ideologia de esforço permanente e apreciação clausewitziana de um contínuo entre a
política e a guerra, não fizeram uma distinção clara entre guerra e paz ou entre assuntos

124
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

puramente políticos ou puramente militares. Assim, os soviéticos tinham diferentes conceitos


para cobrir um amplo espectro de Operações Especiais, aplicáveis a uma ampla variedade de
situações políticas e militares. São as chamadas “Medidas Ativas”, que envolvem atividades
militares e pára-militares, operações abertas e encobertas, métodos violentos ou não-
violentos. O objetivo é político, para apoiar os objetivos da política externa soviética,
envolvendo conflitos de baixa-intensidade, guerra limitada ou total. Porém, conforme
Tugwell e Charters, muito do que era entendido pelos soviéticos como Operações Especiais,
no ocidente é entendido como ação da diplomacia. Ao contrário dos soviéticos, os britânicos
absorveram a idéia de um contínuo entra a paz e a guerra, mantendo suas tradições
democráticas. Tugwell e Charters revêem algumas definições para proporem uma nova, mais
concisa, inclusiva e útil delimitação das Operações Especiais (TUGWELL; CHARTERS,
1984: 35):

Operações de pequena escala, clandestinas, encobertas ou públicas, de uma natureza


heterodoxa e freqüentemente de alto-risco, levadas a cabo para alcançar significativos
objetivos políticos ou militares em apoio à política externa. As Operações Especiais
são caracterizadas tanto por simplicidade quanto por complexidade, por sutileza e
imaginação, pelo uso discriminado de violência, e por supervisão do mais alto nível.
Recursos militares ou não-militares, incluindo avaliações de inteligência, podem ser
usados no concerto.

1.4 TEORIA DAS OPERAÇÕES ESPECIAIS

O Contra-Almirante da força Seals da Marinha dos Estados Unidos William “Bill”


McRaven – que comandou a Força Tarefa 121 (do Comando Conjunto de Operações
Especiais dos EUA), uma força de ataque que fundiu recursos da CIA, da Força Delta e da
Força Aérea, ajudando a capturar Saddam Hussein no Iraque e buscando por Osama bin
Laden38 – vai além dos esforços por uma definição e propõe uma teoria das Operações
Especiais. Ainda que McRaven utilize como base uma definição de Operações Especiais não
tão completa como a de Tugwell e Charters, uma que se parece mais com as de M. R. D. Foot
e de Edward Luttwak, isto é, as Operações Especiais como “missões de ações diretas”
(essencialmente “ações de Comandos”), ou seja, “uma operação especial é conduzida por
forças especialmente treinadas, equipadas e apoiadas para um alvo específico, cuja destruição,
eliminação ou resgate (no caso de reféns) é um imperativo político ou militar” (MCRAVEN,
1996: 2), tem o mérito do desenvolvimento de uma teoria.

38
Michael HIRSH; John BARRY. O caçador de Bin Laden. O Estado de S. Paulo, 09 mar. 2004, Internacional,
p. A12. Publicado originalmente na Newsweek.
125
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

E por que uma teoria das Operações Especiais é importante? Pois uma Operação
Especial bem-sucedida desafia o conhecimento convencional usando uma pequena força para
derrotar um oponente muito maior ou mais bem entrincheirado. O livro de William McRaven
– que se originou a partir da tese de doutorado do autor – desenvolve uma teoria das
Operações Especiais para explicar porque tal fenômeno acontece. O autor demonstrará que,
com o uso de certos princípios da guerra, uma Força de Operações Especiais pode reduzir
para um nível controlável o que Clausewitz chama de “fricções da guerra”. Minimizando tais
“fricções”, a Força de Operações Especiais pode alcançar uma relativa superioridade sobre o
inimigo. Uma vez que tal superioridade relativa é alcançada, a força de ataque não está mais
em desvantagem e tem a iniciativa de explorar as fraquezas do inimigo e garantir a vitória.
Embora a obtenção da superioridade relativa não garanta o sucesso, é necessária para o
mesmo (MCRAVEN, 1996: 1).

De acordo com Bill McRaven, todas as Operações Especiais (mais precisamente,


“ações diretas de Comandos”), são conduzidas contra posições fortificadas. Estas refletem
situações envolvendo guerra defensiva por parte do inimigo. Conforme Carl von Clausewitz,
como visto acima, a forma defensiva de guerra é intrinsecamente mais forte do que a
ofensiva. Trata-se de um poder de resistência, a habilidade de se preservar e de se proteger.
Dessa forma, a defesa geralmente tem um propósito “negativo”, de resistir à vontade do
inimigo. Se uma operação ofensiva será montada para impor nossa vontade ao inimigo, é
necessário desenvolver força o suficiente para exceder a superioridade inerente das defesas
inimigas. Para Clausewitz, a melhor forma de derrotar a “forma superior de guerra”, isto é, a
guerra defensiva, é ter um contingente maior de soldados. Entretanto, como uma Força de
Operações Especiais, que tem um número reduzido de pessoas e se utiliza da forma “mais
fraca de guerra”, isto é, a ofensiva, pode alcançar a superioridade em relação ao inimigo? Para
McRaven, entender tal “paradoxo” é compreender as Operações Especiais (MCRAVEN,
1996: 03-04).

A superioridade relativa é um conceito crucial para a teoria das Operações Especiais.


Basicamente, a superioridade relativa é uma condição que se instala quando uma força de
ataque, geralmente em menor número do que a defesa, obtém uma vantagem decisiva sobre
um inimigo mais bem posicionado na defensiva. O valor do conceito de superioridade relativa
se baseia em sua habilidade de ilustrar quais forças positivas influenciam o sucesso de uma
missão e em mostrar como as fricções da guerra influenciam a realização do objetivo. A
superioridade relativa tem três princípios básicos (MCRAVEN, 1996: 04-06):

126
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

1. A superioridade relativa é obtida no momento pivô de um engajamento;


2. Uma vez alcançada, a superioridade relativa precisa ser mantida, de modo a garantir a
virória;
3. Se a superioridade relativa é perdida, é difícil reconquistá-la.

Embora na guerra existam fatores difíceis de se controlar, a teoria das Operações


Especiais mostra que existem seis princípios que podem ser controlados e que têm um efeito
na superioridade relativa. São eles: simplicidade, segurança, repetição, surpresa, velocidade e
propósito (MCRAVEN, 1996: 8). McRaven chega aos seis princípios a partir da análise de
oito casos históricos:

1. O ataque alemão a Eben Emael (um forte belga) em 10/05/1940;


2. O ataque de um torpedo tripulado italiano em Alexandria, em 19/12/1941;
3. Operação Carruagem: O ataque britânico em Saint-Nazaire, em 27-28/03/1942;
4. Operação Oak: O resgate de Benito Mussolini, em 12/09/1943;
5. Operação Source: Ataque de um submarino do tipo Midget ao Tirpitz, em 22/09/1943;
6. O ataque dos Rangers norte-americanos a Cabanatuan, em 30/01/1945;
7. Operação Kingpin: O ataque do exército norte-americano a Son Tay, em 21/11/1970;
8. Operação Jonathan: O ataque israelense a Entebbe, em 04/07/1976.

Robert G. Spulak Jr., do Departamento de Estudos Estratégicos do Laboratório


Nacional Sandia, em Albuquerque, Novo México, expande o estudo de William McRaven em
uma publicação da Universidade de Operações Especiais Conjuntas do Comando de
Operações Especiais dos Estados Unidos39.

1.5 AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

Voltando a Colin S. Gray, o analista infere que, apesar da proeminência política da


guerra de guerrilha, e ainda que ela tenha estado na moda por algum tempo, provavelmente a
impressão mais duradoura a ser deixada nas areias da história por este comportamento
violento seja a criação de Forças de Operações Especiais permanentes e institucionalizadas
(GRAY, 1999a: 273). Há muitos antecedentes históricos às Operações Especiais da Segunda
Guerra Mundial, mas a organização e o treinamento sistemático de pequenos grupos de
soldados de elite para inserção profunda na retaguarda do inimigo é essencialmente uma
inovação recente da guerra (GRAY, 1996: 146). Em países como os Estados Unidos, um
patronato civil forte – como os presidentes Franklin Roosevelt (para o Escritório de Serviços
39
O trabalho de Spulak Jr. não será analisado aqui pois o portal na internet aonde está disponível já há algum
tempo não está acessível.
127
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

Estratégicos – OSS) e John F. Kennedy (conforme apontado acima) e, mais recentemente, o


secretário de Defesa Donald Rumsfeld, no contexto da “guerra ao terror” – geralmente foi
necessário para que as Forças de Operações Especiais prosperassem (GRAY, 1996: 154-155).
O estudioso David Thomas afirma ser paradoxal que o Exército dos EUA, país cuja fase
colonial inventou a guerra irregular dos tempos modernos, tenha falhado em compreender o
conceito de guerra de comandos na 2a. GM (THOMAS, 1983: 708). Já o acadêmico Eliot
Cohen afirma que a proeminência de unidades de elite ocorre apenas durante uma crise
político-militar (como, quem sabe, na “guerra ao terror”), pois é quando o povo busca por
heróis e os políticos por panacéias (COHEN apud GRAY, 1996: 155). Gray, que elabora um
conceito de utilidade estratégica para as Forças de Operações Especiais, assim as define
(GRAY, 1996: 190):

Embora esta formulação esteja longe de englobar a totalidade do que elas fazem, as
Forças de Operações Especiais têm como seu conceito estratégico a condução de
operações heterodoxas de pequena escala e alto-risco, que estão fora dos limites da
guerra regular. Dependendo criticamente da surpresa – para compensar suas
limitações em número de indivíduos e poder de fogo – as Forças de Operações
Especiais conduzem missões que as forças regulares ou não podem fazer ou não
conseguem fazer a custos aceitáveis. Além da surpresa, o sucesso das Operações
Especiais depende tipicamente de um apropriado treino não-convencional e de
equipamento. Em tempos de paz, tais operações estão propensas a ser conduzidas
visando objetivos, e passando por condições, de alta sensibilidade política.

1.5.1 PEQUENAS GUERRAS

Para se entender melhor as Forças de Operações Especiais, é útil saber o que são as
pequenas guerras: trata-se de um termo cunhado por Charles E. Callwell em 1906 no livro
Small Wars: A Tactical Textbook for Imperial Soldiers, e que significa “todas campanhas que
não sejam aquelas onde os dois lados opostos consistem-se de tropas regulares”. Uma
pequena guerra, definida dessa forma, não precisa ser necessariamente uma guerra conduzida
em pequena escala. Callwell escreve sobre pequenas guerras – guerras conduzidas entre
forças regulares e irregulares (tribos, partisãos, pessoas inspiradas religiosamente, moradores
locais, etc). Essencialmente, Callwell escrevia sobre guerra assimétrica, “não-civilizada” e,
até mesmo, “selvagem”. Essa distinção era suficientemente clara para os contemporâneos do
autor na Inglaterra, França, Espanha, Rússia, Alemanha e EUA. Havia a “guerra civilizada”,
ou européia, entre Estados, sociedades e forças armadas similares, bem como havia a guerra
“não-civilizada”, ou “selvagem”, conduzida para espalhar a civilização, avançar a religião
cristã, fazer dinheiro ou aventura e por muitos outros motivos GRAY, 1999a: 273, 275).

128
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

De acordo com Callwell, a conduta das pequenas guerras é, de certa forma, uma arte
em sí mesma, diferenciando-se daquilo que é adaptado às condições da guerra regular. As
pequenas guerras desafiam o teórico estratégico com uma atraente diversidade. Nas pequenas
guerras, como explica Callwell, o grande problema militar-operacional para o lado dos
regulares é encontrar alguma maneira de trazer para a batalha um inimigo difícil de se
compreender. Forças Armadas que não levam as pequenas guerras a sério como uma forma de
arte militar com suas próprias regras táticas, operacionais e políticas – embora não
necessariamente estratégicas – são derrotadas. Alguns elementos entre as forças regulares
podem operar como guerrilhas, embora não se eles funcionem em maneiras regulares – guerra
irregular é um estado da mente, um recorte, assim como um conjunto de habilidades táticas –
e eles podem operar em um modo anti-guerrilha. Pequenas guerras de vários tipos estão
preocupando muitos profissionais militares atualmente porque tais conflitos aparentemente
continuarão existindo nos próximos anos (GRAY, 1999a: 276-280).

Gray percebe que há um crescimento extraordinário das atividades irregulares por


parte dos regulares. O que nunca esteve em tamanha manifestação do aparente paradoxo de
tropas regulares organizadas, treinadas, equipadas e direcionadas a conduzir guerra de
maneira não-convencional é o que se conhece como Operações Especiais. Apesar disso,
conforme Gray, a literatura sobre as Operações Especiais é profundamente insatisfatória40
(GRAY, 1999a: 286).

Apesar da sua estreita afinidade tática com a guerra de guerrilha, as Operações


Especiais são um elemento permanente adicional ampliando a complexidade da guerra e
estratégia modernas. A estratégia moderna não inventou a guerra especial, mas depois de
1939 ela inventou as Forças de Operações Especiais para engrenar a garantia de um efeito
estratégico através de um estilo não-convencional. A invenção de Forças de Operações
Especiais particulares na Segunda Guerra Mundial e depois da mesma é historicamente

40
De acordo com Gray, proeminentes entre os melhores estudos estão M. R. D. FOOT. Special Operations /1 e
Special Operations /2. In: Michael ELLIOTT-BATEMAN (ed.). The Fourth Dimension of Warfare. New York:
Praeger Publishers, 1970, v. 1 (Intelligence, Subversion, Resistance), pp. 19-34 e 35-51. Frank R. BARNETT; B.
Hugh TOVAR; Richard H. SCHULTZ (eds.). Special Operations in US Strategy. Washington, DC: National
Defense University Press, 1984. Rod PASCHALL. LIC 2010: Special Operations and Unconventional Warfare
in the Next Century. Washington, DC: Brassey’s Inc, 1990. Lucien S. VANDENBROUCKE. Perilous Options:
Special Operations as an Instrument of U.S. Foreign Policy. New York: Oxford University Press, 1993. William
H. MCRAVEN. Spec ops: case studies in special operations warfare theory & practice. Novato, California:
Presidio Press, 1996. John ARQUILLA (ed.). From Troy to Entebbe: Special Operations in Ancient and Modern
Times. Lanham, Md.: University Press of America, 1996. Susan L. MARQUIS. Unconventional Warfare:
Rebuilding U.S. Special Operations Forces. Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 1997. Thomas K.
ADAMS. US Special Operations Forces in Action: The Challenge of Unconventional Warfare. London: Frank
Cass Publishers, 1998.

129
APÊNDICE – AS OPERAÇÕES ESPECIAIS E AS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS

comparável à invenção de uma infantaria leve especializada no papel de escaramuçar no final


do século XVIII. A guerra popular que apareceu tão ameaçadoramente nos anos 1950 e 1960
tem provavelmente menor significância do que a regularização da técnica de guerrilha nos
manuais de guerreiros regulares não-convencionais. O domínio da estratégia moderna deve
estar preparado para tomar mais nota das habilidades do guerreiro especial do que do ativista
revolucionário (GRAY, 1999a: 289).

Embora a longa e algumas vezes distinta história em guerra irregular, os EUA no


século XX foram um lugar difícil para o desenvolvimento de Forças de Operações Especiais.
Por diferentes razões, nem os Estados Unidos ou a Alemanha na Segunda Guerra Mundial
foram amigáveis culturalmente às Forças de Operações Especiais. Os britânicos e os
soviéticos, por outro lado, tinham culturas que favoreceram a abordagem estratégica das
Forças de Operações Especiais. Nos EUA, o modo de guerra americano não acomodou as
unidades especiais como um instrumento estratégico importante. O exército norte-americano
é herdeiro do orgulho da tradição jominiana de aplicar força esmagadora no ponto decisivo.
Esta tradição, conforme interpretada e aplicada, dificultou o encontro de papéis úteis às
Forças de Operações Especiais. Quanto mais intenso o nível de conflito, maior a resistência
de uma visão estratégica das Forças de Operações Especiais. O modo de guerra americano
mal se dedicou ao conflito de baixa-intensidade, o que ajuda a explicar a pobremente
organizada resistência americana às Forças de Operações Especiais em tal nível de guerra
(GRAY, 1999b: 3).

130
ANEXO I

Nas duas fotos abaixo, soldados das Forças Especiais dos EUA montados em cavalos no
Afeganistão durante o início da Operação Liberdade Duradoura em 2001.

Fonte: The US Army in Afghanistan Operation Enduring Freedom. Disponível


em: <http://www.history.army.mil/brochures/Afghanistan/Operation%20
Enduring%20Freedom.htm>. Acesso 12 jan. 2009.

131
ANEXO II

MAPA DO AFEGANISTÃO

Fonte: Perry-Castañeda Library Map Collection, The University of Texas at Austin. Disponível em:
<http://www.lib.utexas.edu/maps/middle_east_and_asia/afghanistan_pol_2003.jpg>. Acesso 12 jan. 2009.

132
ANEXO III

MAPA DO PAQUISTÃO

Fonte: Perry-Castañeda Library Map Collection, The University of Texas at Austin. Disponível em:
<http://www.lib.utexas.edu/maps/middle_east_and_asia/pakistan_pol_2002.jpg>. Acesso 12 jan. 2009.

133
ANEXO IV

BIBLIOGRAFIA ADICIONAL41

AFEGANISTÃO
JALALI, Ali A. The Future of Afghanistan. Parameters, Spring 2006, pp. 04-19. Disponível
em: <http://www.carlisle.army.mil/usawc/parameters/06spring/jalali.pdf>. Acesso 29 jan.
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Companhia das Letras, 2007.

FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS


BEST JR., Richard A.; FEICKERT, Andrew. Special Operations Forces (SOF) and CIA
Paramilitary Operations: Issues for Congress. CRS Report for Congress, The Library of

41
Trata-se de material coletado ao longo da pesquisa, mas que acabou não sendo utilizado na versão final desta
dissertação. Todavia, foi compilado neste anexo quatro com o objetivo de auxiliar em eventuais pesquisas sobre
algum dos temas abordados ao longo deste trabalho.
134
Congress, 2005. Disponível em: <http://www.fas.org/man/crs/RS22017.pdf>. Acesso 29 abr.
2008.
BRUNER, Edward F.; BOLKCOM, Christopher; O’ROURKE, Ronald. Special Operations
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135

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