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ARQUITETURA DO

CAOS
VOLUME I

A.C. SCHERHAUFEL

“Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você


estará fazendo o impossível.”
São Francisco de Assis

Arquitetura do Caos – Volume I


Autor: Adriano Canuto Scherhaufel
Capa: Luis Felipe Souza Quintino
Revisão: Maria Fernanda de Oliveira Depentor

CARTA A LEITORA E AO LEITOR

Permita que eu me apresente, sou Adriano Canuto Scherhaufel,


autor desta aventura que seguirá nas próximas páginas, prometo ser breve em minha
apresentação.
Quero agradecer imensamente a oportunidade que me destes, ao
adquirir o primeiro volume da Arquitetura do Caos.
Esta obra foi pensada com muito carinho para vocês, imaginava
enquanto escrevia na solidão de meus aposentos e pensamentos quais reações teriam,
como se portariam diante as cenas escritas, realmente é algo fascinante imaginar
isto.
Quero aproveitar para agradecer a minha família e aos meus amigos
que estão sempre me apoiando a continuar nessa jornada.

Seja muito bem-vinda e bem-vindo a Arquitetura do Caos, esta saga


foi dividida em alguns volumes para melhor organizar toda a aventura.

Quero fazer um convite a todos vocês para que possamos nos conhecer
melhor, vou disponibilizar abaixo todas as redes sociais que uso para assim
podermos conversar.

Muito obrigado e desejo a todos uma ótima leitura.

A. C. Scherhaufel

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E-mail: adrianocanuto@outlook.com

CAPÍTULO I

- Deixe me ajudar! Não se mexa! – disse o motorista, abrindo a


porta do carro abruptamente indo em direção à senhora que estava caída, talvez um
pouco atordoada. Ao se aproximar deu uma olhadela dos pés à cabeça, para ver se
estava tudo bem, se não havia nenhum ferimento grave. Era uma senhora de cabelos
grisalhos, com um vestido florido, segurando algumas sacolas de plástico com
algumas frutas que agora estavam espalhadas pelo asfalto.
- Não se preocupe, não foi nada filho. – ela foi se levantando aos
poucos. – Eu não vi o carro chegar, preciso trocar meus óculos.
- Melhor irmos a algum Centro Médico! – disse o motorista.

- Não precisa se incomodar, foi só o susto filho. – havia algo de


diferente no olhar daquela senhora, ela passava muita confiança e realmente não
parecia precisar de ajuda.
A multidão começou a chegar aos poucos para observar
mais de perto o episódio do atropelamento, estavam diante de uma plateia agora.

- Não precisa se preocupar pessoal, eu estou bem. – a senhora já


estava de pé, o motorista ajudou a recolher algumas frutas que estavam
próximas e as devolveu para à sacola.
- Deixe-me no mínimo repor o prejuízo, vamos à frutaria e lhe compro
tudo o que precisar. Por gentileza, aceite meu convite! – gentilmente pediu o
motorista. - Ora, está bem, mas não precisa. – cedeu a senhora depois
da insistência do condutor.
Eram apenas duas quadras dali o estabelecimento, o motorista
acompanhou e abriu a porta do veículo para a senhora e acenou com a mão para a
plateia de curiosos, adentrou no veículo e partiram para um curto trajeto até a
frutaria.
- Peço desculpas pelo ocorrido, não percebi a senhora, foi tudo
muito rápido. – estava desconcertado, com vergonha. – Nunca aconteceu comigo antes,
estou me sentindo muito mal, me perdoe mesmo. – repetidamente ele se desculpava com
a senhora, e insistia para levá-la ao médico.
Ao chegar à frutaria, ela fez algumas compras básicas de algumas
frutas da época e logo partiu, o motorista cobriu todas as despesas.

- Para onde devo levá-la agora, faço questão de deixá-la em casa. E


me desculpar com sua família. – disse o motorista.
- Não precisa me levar, com esta idade eu sei me virar muito bem
sozinha, meu filho. – disse a senhora com um sorriso singelo e meigo no rosto. O
olhar dela era penetrante e de alguma forma transmitia um sentimento confortante,
era de se desconfiar. Os dois ficaram se olhando por um singelo instante de
silêncio absoluto, o pensamento do motorista ficou frenético com esta eloquência.

- Bom, preciso partir está perto da hora do almoço, obrigada pelas


frutas, Sr. Hanz. – disse a senhora se despedindo e partindo pela calçada, ao tomar
certa distância antes de dobrar a esquina para adentrar ao bairro, olhou para o
motorista e desapareceu. Hanz estava estático imóvel, só conseguia perceber a
senhora emanando um brilho estranho de seu corpo, talvez só ele estivesse
percebendo aquele brilho, pois as pessoas que passavam ao lado dela não reparavam
naquele fenômeno, talvez ele estivesse enxergando demais, após o susto do
atropelamento, era justificável o fato. Não deu muita atenção para a desconfiança,
e logo adentrou em seu veículo e continuou seu caminho para a casa, foi se
afastando do local do atropelamento e entrando em uma das avenidas de maior fluxo
da cidade, era meio de semana e pelo horário o fluxo de veículos não deveria estar
carregado, mas estava. Ele bateu no volante do automóvel.
- Hoje o dia vai ser longo pelo jeito. – resmungou bem alto dentro
do veículo, os vidros estavam fechados, por isso não dava para ouvir do lado de
fora o seu reclame. “Como ela sabia meu nome? Não me lembro de ter falado.” –
pensou consigo mesmo, isto o deixou em pânico, não havia percebido este detalhe.

Pessoas estavam se acumulando frente a uma loja de magazine, uma das


mais famosas da cidade, ele olhou aquilo e desdenhou balançando sua cabeça em
movimentos de negação, de um lado para o outro. “O que não fazem por uma
liquidação”, pensou, esboçando um leve sorriso. E continuou no engarrafamento que
pelo jeito demoraria horas para cruzar. Ligou o rádio do carro, para se distrair um
pouco, não teria outra forma mesmo.

“I heard you on my wireless back in Fifty Two


Lying awake intently tuning in on you
If I were young it didn't stop you coming through
Oh-a oh
They took the credit for your second symphony Rewritten by machine all new
technology
and now I understand the problems you can see.”

Tocava esta música na rádio, não era o sucesso da época,


talvez algum programa de flashback nostálgico estivesse resgatando a memória dos
ouvintes, um pouco antes do almoço. Um corte abrupto na música antes de chegar ao
refrão.
“Interrompemos nossa programação para informar um desastre
aéreo em nossa cidade, não temos muitas informações precisas, porém o fato é que um
avião de grande porte caiu sobre um bairro residencial na zo...(interferência) da
cidade.” – disse o locutor da rádio com uma voz nitidamente assustada. Não era uma
cidade tão grande, não tinha aeroporto e muito menos rotas de aviões comerciais,
talvez alguma manobra de emergência que não deu certo. “Isso justifica o povo na
loja, estava aproveitando os aparelhos televisores para ver a notícia.” – pensou
Hanz. Tudo fazia sentido de alguma forma, o povo, o engarrafamento. Estava
mais curioso do que nunca para saber onde ocorreu o acidente, não conseguiu ouvir
na rádio, ele abriu o vidro e olhou para a motorista ao lado.
- Você sabe onde aconteceu o acidente? – perguntou Hanz, esticando a
cabeça para fora do veículo.
- Parece que foi na Zona Norte, mas não tenho certeza. – disse uma
mulher muito atraente em um veículo do ano de cor prata. Estava muito calor fora
do veículo, o ar condicionado causava impressões erradas em Hanz, depois de
ouvir o local do acidente, ficou em choque.
- Está tudo bem moço? – perguntou a mulher.
O trânsito estava parado e com a janela do veículo aberta, a
massa de ar quente estava dominando o interior, o ar condicionado não estava
vencendo.
- Está tudo bem sim, obrigado. – respondeu o motorista,
esforçando-se para não deixar transparecer o impacto que causou a resposta da jovem
mulher. Seus batimentos cardíacos aceleraram, suas mãos começaram a suar, seu
rosto está pálido agora. Já começou a pensar em todas as hipóteses possíveis, em
toda região da zona norte que conhecia muito bem. Morava lá desde pequeno, e mesmo
depois de casado, continuou no mesmo bairro, de alguma forma esta proximidade com
seu local de raiz, não o deixava esquecer quem ele era de verdade, a vida sedutora
de projetar mansões de luxo para os magnatas da alta sociedade, não alteravam sua
essência.
A vida como Arquiteto às vezes pode causar impressões erradas, é
muito fácil se perder em meio a tanto glamour que a profissão oferece. Hanz não
queria deixar-se levar por este lado, sempre acreditou que o motivo de seu sucesso
profissional é sua autenticidade, a verdade que estampa em cada traço de seus
projetos.
O coração de Hanz estava pesado, ele buscava de estação a estação
por mais alguma informação sobre a catástrofe na zona norte, porém nenhuma nova
informação foi passada, somente, que havia caído uma aeronave de grande porte na
zona norte da cidade, isso estava inquietando cada vez mais, alguns pensamentos
tentavam afastar o mau agouro que recaia sobre sua mente: “a zona norte é grande,
pode ter acontecido na sua extremidade, não deve ter sido no meu bairro”, ao mesmo
tempo, que estes pensamentos escudos lhe davam alguns instantes de calma, a todo o
momento, seu coração partia em disparada movido por um devaneio repetido, quase um
mantra: “todos estão mortos”. Isso estava se repetindo em sua mente em um “loop”
eterno.
As pessoas que estavam na frente do magazine começaram a se
dissipar, cada um pegando um caminho diferente, seguindo seus rumos, uma passou
muito perto do carro de Hanz, que no desespero gritou para o pedestre:
- Aonde foi que caiu o avião?
- Na Zona Norte da cidade amigo, se está pensando em ir de
carro pra lá pode esquecer, está fechado o acesso. – respondeu um jovem adulto, de
terno escuro.
- Mas em que parte da Zona Norte?
- Eles não informaram, as autoridades não querem
curiosos. Ele olhou para baixo, por um pequeno instante, suspirou fundo, retornou o
olhar para o pedestre, acenou com a cabeça e agradeceu com um gesto sutil a
informação prestada. “Às vezes era melhor não saber, que sexta-feira! Que sexta-
feira, por Nirax! O que está acontecendo neste lugar”. – pensava Hanz em seus
pensamentos desorganizados.
O trânsito não avançava e como os acessos à zona norte estavam
fechados, só restava completar o caminho a pé. Mas não poderia deixar o carro
parado no meio da avenida, ou poderia, na pior das hipóteses guincharem o veículo e
depois de algumas multas o resgataria.
Abriu a porta e saiu se esgueirando pelo labirinto de automóveis até
chegar à calçada, a caminhada seria longa, talvez uns cinco quilômetros, uma hora e
pouco de caminhada em um ritmo acelerado, sob um sol forte. A cada passo dado, a
angústia tomava conta de seu peito, um sentimento ruim que esmagava seu coração, a
cada pensamento no que poderia ter acontecido, uma descarga de adrenalina tomava
seu corpo, como um choque transpassando todo seu sistema digestivo, que era o órgão
de choque, toda vez que sua ansiedade se descontrolava seu intestino sofria as
consequências, e por percalços da vida, Hanz sofria de síndrome do pânico, foi
diagnosticado por diversos psiquiatras e psicólogos, porém não dava importância
para este fato, e levava uma vida normal, na medida do possível, porém quando
exposto a coisas desta magnitude, se descontrolava e seu sistema nervoso ficava em
parafuso. Sempre discreto, as pessoas ao seu redor nem imaginavam as batalhas
pessoais que ele travava consigo mesmo, até agora tinha saído vitorioso de todas,
mas sempre carregava as cicatrizes que por vezes ainda doíam.
A caminhada parecia eterna, cada vez mais os passos
aceleravam, era um ritmo entreposto, entre correr e andar, não queria chamar muita
atenção para si, apesar do desespero lhe pressionando.
Após caminhar algumas quadras, começou a sair do centro da cidade, e
partir para os bairros centrais, alta densidade residencial, algumas casas com
fachadas antigas, remetendo ao século passado, misturado com algumas vendas que
estavam como um marco nas esquinas, padarias centenárias de imigrantes, mercearias,
salões de estética, todos estes com seus banners sobre as portas de comércio.
Devido ao acidente, o bairro estava mais movimentado, a rotina do dia-a-dia foi
quebrada, as vizinhas mais antigas estavam na rua comentando sobre o acidente, e ao
passar ao lado delas sem querer, foi possível ouvir: “Morreu muita gente, coitados”
– disse a senhora.
– Ninguém sobreviveu será? – questionou a outra senhora,
abanando a cabeça, num gestual típico de lamentação, de pesar pela tragédia
fatídica.
Aquelas palavras eram como espinhos para Hanz, no seu inconsciente sabia que
aquilo tinha afetado sua família de alguma forma, poderia ser sua síndrome fazendo-
o pensar desgraças e já ligando tudo de uma forma errada, como se tudo aquilo fosse
com ele mesmo, tudo poderia ter acontecido nos bairros periféricos da zona norte e
não ter afetado sua família, claro que a tragédia não diminuiria a proporção,
pois a tristeza é óbvia por qualquer ser humano, porém a princípio nos preocupamos
com os nossos, depois com os outros. E assim era Hanz, uma pessoa muito amável,
incapaz de fazer mal para um inseto, sua reputação era altíssima, tanto como
profissional ou como pessoa, assim que ele conseguiu ser um Arquiteto de prestígio
na cidade, e seu escritório era convidado a projetar para diversos clientes do
mundo, possuía obras em quase todos os continentes, devido a sua filosofia, a seu
pensamento arquitetônico muito diferenciado e eficiente, conseguia materializar
construções tão belas, funcionais e firmes. Todos o chamavam de Hanz, o Arquiteto
do Futuro, devido aos seus conceitos de construir com dano mínimo ao meio ambiente.
Mesmo em meio a tanta fama, vivia sua vida como sempre viveu,
ao lado da família, de sua esposa e suas duas filhas, e sempre que possível, reunia
seus pais, sogros, primos e tios. Para ele, isso é o que realmente importava, estar
perto de quem amava, e por isso se dedicava tanto ao trabalho, para dar uma vida
boa a todos os seus.
Só de imaginar que alguma coisa poderia ter acontecido com
eles, já lhe causava uma nova descarga de adrenalina em seu corpo, como um choque
elétrico. Conforme caminhava, os rostos começaram a ficar familiar, estava próximo
ao eixo de entrada da zona norte, e o primeiro bairro era muito próximo de onde
morava. E começou a ver a grande fumaça rasgando o horizonte, conseguiu finalmente
ver onde o avião tinha caído, as pessoas da zona norte estavam todas nas ruas,
observando o lugar de onde se via a fumaça. A todo o momento, era possível ouvir os
relatos desconexos de pessoas que ouviram o barulho do avião em altitude baixa,
estremecendo as casas, o estrondo e a poeira subindo. Pelo que Hanz pode ver, foi
no seu bairro, como Arquiteto conhecia a cidade como ninguém, ainda mais o seu
bairro, era sua casa onde passou toda a vida.
- Hanz foi na rua de sua casa! – disse-lhe um conhecido.
- Ah não! Não pode ser! Você tem certeza? – não querendo acreditar,
e com uma voz mole.
O arquiteto estava ficando sem forças, o forte sol, os
acontecimentos e a suspeita se confirmando, estava alterando demais seu sistema
nervoso. O conhecido continuou falando, mas Hanz, já estava desligando, ele apoiou
na parede e sua visão começou a sumir, seus pensamentos começaram a se embaralhar,
nada de escudo, ou pensamentos que lhe assustavam, nada disso era importante agora,
tudo se resumia em tentar ficar acordado, em não perder a consciência, precisava
logo chegar em casa para ver se estava tudo bem, o conhecido logo foi ajudá-lo,
colocou os braços de Hanz sobre seus ombros e o levou até um banco próximo,
dentro de uma lanchonete na esquina do primeiro bairro da zona norte. O garçom
olhou para os dois, então o conhecido de Hanz pediu uma água, o atendente logo
serviu um copo de vidro canelado, o líquido, e aos poucos Hanz foi tomando, se
concentrando apenas em segurar o copo com a ajuda do conhecido, uma coisa simples
que demandou toda a concentração quase nula do arquiteto.
“- Ao vivo das proximidades do local, a repórter Mariah traz novas
informações sobre o acidente de avião.” – disse o âncora do jornal.
- As notícias não são boas, pelo que as autoridades nos
passaram, não há sobreviventes, o avião atingiu casas de um quarteirão inteiro,
algumas ficaram inteiramente destruídas, algumas parcialmente, pelo que pode se
observar, porém não temos números precisos ainda, Johann.”
A televisão estava sobre um aparador no canto da lanchonete e
os clientes estavam todos observando, foi possível somente ouvi-la, sorte que
Hanz não ouviu, seus sentidos estavam oscilando, e a audição era o que menos
importava naquele momento, depois de conseguir beber alguns goles de água, sentou
em uma cadeira encostada na parede e se apoiou, ficou de olhos fechados por alguns
minutos, tentando recuperar a consciência e as forças. O conhecido foi embora, viu
que agora ele precisava ficar descansando um pouco e que já estava controlada a
situação, partiu, mas antes pagou a água ao dono da lanchonete. Pareceram apenas
alguns minutos, porém foram exatamente 1 hora e 23 minutos que Hanz ficou de olhos
fechados. Quando estava próximo de se levantar, um pouco mais lúcido, começou a ver
imagens nítidas de seus familiares o chamando.
- Hanz! – dizia uma senhora de aproximadamente 60 anos, de
cabelos grisalhos e um vestido com flores grandes e de cores delicadas. – Acorde
filho!
Neste momento o arquiteto abriu os olhos assustado, com um
suspiro daqueles que depois de um mergulho submerso na água, precisamos fazer,
encher os pulmões para recuperar o fôlego, ele havia recuperado os sentidos e a
consciência. Porém a sensação do pesadelo, ainda flutuava na atmosfera, ele
conseguiu se lembrar da nuance que teve no sonho, e a senhora que o chamou era sua
mãe, estava clara como água cristalina aquela imagem. Olhou para os lados a
procurar, mas era perda de tempo, aquilo aconteceu só no seu inconsciente.
Levantou-se foi até o balcão para pagar a água, porém
o garçom avisou que seu conhecido já havia pago, foi se dirigindo para a saída
e novamente o plantão jornalístico fez uma interrupção na programação para
atualizar as notícias do incidente.

CAPÍTULO II

“Os bombeiros acabam de informar que localizaram sete corpos


em uma mesma casa, acreditam que sejam todos da mesma família. Como é véspera de
feriado pode ser que tenham se reunido com antecedência para os preparativos.”-
disse a repórter.
As imagens desta vez eram nítidas, Hanz estava observando
atentamente o chamado e pode reconhecer os escombros, algumas partes eram
familiares, apesar de estarem chamuscados pela explosão, alguns objetos eram
claros. O avião havia caído sobre sua casa. Antes de a repórter concluir a notícia,
ele saiu correndo, desesperado rumo ao seu bairro. Foi o tempo de ele conseguir
reconhecer os escombros na reportagem.
Correu como nunca em sua vida, desviando de hidrantes, latas de
lixos, pessoas paradas na calçada, de tanto correr, suas pernas já estavam perdendo
a força, seu coração estava num ritmo mais rápido do que um baterista de black
metal, nem tanto pelo esforço, acredito que seja pelo desespero, depois da
maratona, chega próximo ao cordão de isolamento dos bombeiros, onde é barrado
imediatamente pelos policiais que estão no local.
O cenário era triste, fumaça rasgando o firmamento, marcando o local
da tragédia, bombeiros fazendo rescaldo para as chamas da explosão não provocarem
mais danos, policiais contendo os curiosos atrás do cordão listrado de amarelo e
preto, inúmeras pessoas ao redor querendo mais notícias, furgões das emissoras de
televisão e a todo o momento repórteres conversando com o capitão tentando colher
as novidades do caso. Alguns moradores dando entrevistas para alguns canais, muito
choro, alguns se abraçando, outros em cantos esparsos sofrendo calados. O arquiteto
foi furando a fila, esbarrando na multidão até chegar a encostar-se no cordão,
pois queria ver melhor se era sua casa ou não, estava com uma feição horrível,
desesperado, cansado, fraco, sem forças, vivendo um inferno, sua pressão devia
estar alta, sua respiração ofegante, já nem sabia se estava tendo um ataque de
pânico ou pior, não tinha como comparar aquela sensação com nada, era o inferno,
que estava se confirmando a cada passo dado. Por mais que seus pensamentos ainda
estivessem resistindo bravamente à realidade, tentando convencer-se de que poderia
ter sido no vizinho, era uma pena de qualquer jeito, porém pelo menos sua família
estaria a salvo.
Não tinha combinado nada para o feriado com sua família, ele
nem se lembrava do feriado, estava tão cansado que só queria ficar no conforto de
sua casa com sua esposa e suas filhas aproveitando toda a harmonia de um lar. Ao
chegar ao cordão, conseguiu ver tudo. Sua respiração quase ofegante começou a se
alterar por uma respiração profunda com suspiros longos, baforando o ar pra fora,
sua mão congelou, seu rosto ficou pálido. Sua casa fora a mais atingida, não
restara nada, seus pensamentos só adiaram a confirmação, sua casa tinha virado pó.
Ele cortou o cordão e saiu correndo para ela, precisava saber de sua esposa e suas
crianças, elas deveriam estar ali nesse horário, por sorte poderiam ter escapado,
esse foi um relâmpago de pensamento que passou em sua mente, enquanto correu. Os
policiais foram de encontro para interromper a caminhada.
- Senhor! Senhor! Não pode ir até lá! – bradou o Terceiro
Sargento da Polícia.
- É minha casa, tenho o direito de ir. – retrucou o Arquiteto.
-Nesse caso, não senhor! Peço que aguarde atrás do cordão, assim que
soubermos de algo informaremos.
-Sargento! – gritou um bombeiro mais perto da casa. – Deixe-o vir
aqui um minuto. O policial não gostou muito da atitude de seu colega, pois feria
sua ordem, porém acenou com a cabeça positivamente, concordando, o arquiteto
caminhou em passos largos com pressa para perto, subiu em uma pilha de blocos que
estavam no jardim da frente da sua casa, chegando até o bombeiro.
- Quantas pessoas poderiam estar aqui senhor? – perguntou o
bombeiro.
- Minha esposa e minhas duas filhas. – estava com um olhar desolado,
perdido, sem rumo. Olhos marejados, segurando para não chorar frente ao militar.

- O senhor tem certeza?


- É claro que tenho certeza. Não tínhamos combinado nada para esse
feriado. Por que a insistência?
- Deveria falar com o Capitão, ele está ali próximo à
repórter.
Não era bom, definitivamente, quando isso acontece nunca é
bom. Sempre tem algo a mais, como se já não fosse horrível perder a casa, e ficar
sem noticias de sua família. Tudo o que um homem tem nessa vida é sua família e sua
casa, tudo o que realmente importa, o resto são detalhes totalmente desprezíveis.
Saiu da pilha de escombros se equilibrando entre um tijolo mais firme preso entre
outros, e algumas clareiras da grama que sobraram, quando atingiu a calçada ouviu
um latido de fundo, aquilo foi como uma música para seu ouvido, seus olhos não
suportaram isso e começou a chorar. Com a voz embargada, quase não conseguindo
falar.
- Spot! Spot! – urrou Hanz.
Dos fundos da casa notou o cachorro em disparada para seu
encontro, latindo como se não houvesse amanhã, era um cachorro de médio porte, não
tinha uma raça definida, era de cor bege clara, com orelhas caídas olhos e focinho
preto, e brincalhão como um bebê, pulou para cima de seu dono e começou a lambê-lo
com o rabo abanando. Hanz não conseguia parar de chorar. Essa cena percorreu o
mundo em todos os telejornais, uma cena comovente, que tocou todos ainda mais.
Inclusive foi a manchete do jornal da manchete do dia seguinte das principais
metrópoles.
Algo dizia que seria sua única ligação com o passado, o
Capitão se aproximou do arquiteto, esperou alguns momentos até que a troca de
afetividades com seu animal de estimação cessassem.
- Senhor, meus sentimentos. – solenemente disse o Capitão,
estendendo a mão para cumprimentar Hanz.
- Obrigado Capitão, se for pela casa não tem problema, dou um jeito
nisso, quero saber da minha família, por favor, me diga logo. – afobado, indagou
Hanz.
- Encontramos sete corpos nos escombros da sua casa, todos estavam
no mesmo ambiente, pelo menos é o que acreditamos, não sei se existe um jeito
menos doloroso para dizer isso. - mesmo com sua vasta experiência, o Capitão
estava com a voz trêmula e profundamente abalada, nunca viu tamanha catástrofe.
- Mas podem ser dos passageiros do avião, não podem?
- Não podemos afirmar isso Senhor, porém é pouco provável, os
passageiros do avião estão com os corpos mutilados e carbonizados muitos deles, os
que encontramos nos ambientes tem características de pessoas que não estavam na
aeronave.
- Deixe-me ver Capitão, por favor. – Hanz, estava chorando
novamente, havia algo queimando em seu peito, seu cachorro a todo o momento ao seu
lado, o seguia a cada passo. O Capitão acenou com a cabeça de que concordara em
levá-lo até os corpos. Andaram até uma tenda que acabaram de montar para a
identificação dos corpos, o aparato militar já estava terminando de ser montado,
eram muitos policiais, bombeiros, médicos de prontidão, tendas foram montadas,
para os profissionais legistas irem iniciando seus trabalhos.
Entraram em uma tenda, a primeira de uma sequência de cinco,
de lona branca, sustentada por hastes metálicas que faziam a forma de um telhado de
duas águas repartidas ao meio. Era um necrotério improvisado, havia uma pilha de
urnas para os corpos e macas onde ficavam os que estavam sendo identificados no
momento. Era um clima pesado, tenso, triste, um lugar sem esperança, ali era o fim,
a tenda da morte.

CAPÍTULO III
Impossível imaginar, que seu bairro outrora cheio de vida,
crianças brincando na rua, senhoras indo às compras nas feiras semanais com seus
carrinhos sempre cheios de verduras e leguminosos, cachorros latindo e brincando de
bola com a criançada, os pais se reunindo na calçada após o expediente, tomando a
sagrada cerveja de cada dia, as mulheres sempre reunidas, conversando sobre os
mais diversos temas e últimas tendências da moda. Agora era palco de uma catástrofe
deste tamanho. No mesmo lugar onde as crianças faziam umas traves do gol
improvisado com restos de madeira, agora uma tenda com corpos. Com uma mão cobrindo
a boca e a outra na cintura ele olhava para tudo aquilo e não acreditava no que
via, inúmeras urnas mortuárias. Um cheiro de produtos químicos, e látex das
borrachas das luvas dos médicos legistas.
- Senhor, sinto muito, mas precisamos que veja alguns corpos,
como o avião caiu principalmente em sua casa, é bom que nos ajude, tomara que não,
mas talvez sejam alguns membros de sua família. – disse o Capitão.
Por mais que ele já tivesse pensado, e sentido isso desde o trânsito
no centro do distrito, era a primeira vez que isso tinha sido verbalizado por
alguém, e ouvir aquilo foi um choque, um trauma, palavras tem um poder de
destruição, muito maior do que uma bomba. A bomba atinge o material que quando vivo
tem a chance de se reconstruir, mas as palavras matam a alma, e essa uma vez morta
não tem volta, pelo menos é o que dizem por aí. O Arquiteto não disse nada, só
acenou com a cabeça positivamente e caminhou lentamente, um passo pequeno, quase
nulo por vez, não queria ver, se pudesse sair correndo dali e fingir que nada disso
tinha acontecido, que não passava de um sonho, o faria com certeza.
O Capitão mandou dois soldados que estavam ali pegar a primeira urna
que estava em uma pilha sobre outras três, eles a desceram e colocaram em cima de
um suporte que a deixava na altura da bancada, ao nível da cintura, fácil para
observar e identificar. Estava com uma cobertura de pano branco, o Capitão respirou
fundo olhou para Hanz, profundamente nos olhos, como quem quer passar um pouco de
força, apesar de militar, sabia que essa é a pior hora da vida de qualquer pessoa.
É o fundo do poço da existência humana, a tragédia é o limiar entre a vida e o
inferno, neste momento os dois se confundem e se misturam em um só, é o lugar onde
a alegria e a esperança ficam do lado de fora, esperando sua vez de agir, que não é
ali, definitivamente não é ali o lugar delas.
Silêncio.
Apreensão.
Coração disparado, a ansiedade tomando conta, sua barriga
borbulhando, até que lentamente o Capitão pega a ponta do pano que cobre a urna, e
puxa levemente para deixar a cabeça à mostra, ainda não é possível ver por causa do
movimento do pano, até que quando ele descobre totalmente o tronco e assenta o
pano, o rosto fica visível. O arquiteto estava com a cabeça voltada para o lado
para não encarar a situação, era o último resquício de negação da realidade, assim
talvez pudesse protelar mesmo que por mais alguns segundos a triste dor da
realidade, da confirmação de seus pesadelos. Até que um pensamento de coragem, ou
algo próximo disso, pairou sobre sua mente, ele olhou para seu cachorro e olhou
para a urna. O Capitão estava olhando com olhos profundos e tristes para Hanz, que
se aproximou em pequenos passos até mais próximo da urna e pode enxergar aquela
face pálida, gelada e rígida.
- Não é possível! – seus olhos se encheram de água, começou a
soluçar de choro, sem ninguém ao seu lado para abraçar, somente seu cachorro
percebendo o choro do dono, estava arranhando sua perna tentando de algum jeito
oferecer esse abraço que ele tanto precisava. O Capitão colocou a mão sobre o ombro
do Arquiteto.
- Sinto muito, senhor!
- Minha irmã, Capitão. – em prantos, não acreditando. –
Acredito que tenham vindo para o feriado, sem avisar. O Capitão cobriu a irmã de
Hanz, e deu a ordem ao subalterno para guardarem a urna, e trazer a próxima.

- Quantas mais vou ter que ver? Não vou suportar Capitão.
- Você vai ter que ser forte, são mais algumas, podem ser de
algum vizinho que conheça, não pense que todas são de sua família. Se isso te
conforta, pense assim.
- Que diferença faz? Moro neste bairro desde que nasci, o que é
família e o que não é? Tudo já se confunde. Mas obrigado pela tentativa. –
completou Hanz, ainda com lágrimas nos olhos, porém estava tentando buscar energias
de algum lugar para aguentar mais a essa tortura.
Os soldados pegaram a outra urna e colocaram no suporte de novo,
desta vez dava para perceber pela silhueta no pano que era uma pessoa mais
gordinha, tinha uma barriguinha saltando, o que deixou tudo mais tenso, era um
sacrilégio pensar que era uma grávida, duas vidas perdidas, e Hanz se lembrou de
sua vizinha que estava gestante, tentou negar mentalmente que poderia ser ela. Mais
uma vez o Capitão fez a vez do mensageiro da dor, retirando o pano e o debruçando
sobre o tronco do defunto. O olhar de Hanz era de susto, pavor, olhos arregalados,
cobriu a boca com suas mãos e balançava negativamente a cabeça de um lado para
outro, não acreditando, porém era óbvio.
- Cesare! – o marido de sua irmã, o italiano. – Capitão, eu
preciso continuar vendo. Não sei se quero continuar. Estou com muito medo.

- Precisar, não precisa. Tem coisas que não queremos, mas devemos
fazer. Essa é uma delas. Sinto muito por sua dor, mas você tem que ser forte.

Ele se afastou das urnas foi para fora da tenda, tomou um ar, seus
olhos estavam com profundas olheiras, quando saiu da tenda, só flashes das câmeras
dos jornais escritos, pipocando por todos os lados, as repórteres gritando e
chamando para uma entrevista, para contar o que estava acontecendo, se havia
conseguido identificar alguma vítima. Porém aquilo era indiferente para Hanz, nem
percebia todo este alvoroço do mundo externo, seu mundo estava todo ali, em sua
mente, trancado em seu próprio universo, os sintomas de sua patologia psicológica,
por incrível que pareça, já não surtia efeito. A síndrome age pelo medo, pela
ansiedade, ali tudo já estava se confirmando, ele já estava no meio da batalha, não
antes na guerra fria, no campo de guerra, o medo não existe, ali é sobrevivência,
vida ou morte.
Até agora a morte estava vencendo essa batalha.
- Senhor, podemos continuar? – disse
o subalterno.
- Senão existe outro caminho, temos que continuar não é? –
fazendo com os ombros, respondeu Hanz. Ele se dirigiu novamente para o
interior da tenda, onde estava posta uma nova urna no suporte, mais um tiro
no peito, um espinho na alma, um corte no coração. Seu coração novamente saiu em
disparada à sua frente, estava com muito medo, sua irmã e seu cunhado, que nem
visitavam muito sua casa estavam ali, era óbvio que todos também deveriam estar,
pois o feriado estava próximo. “Não, desta vez são os vizinhos” começou a repetir
para si mesmo, antes que outros pensamentos viessem a rondar sua mente.

O mensageiro da morte, ou simplesmente o Capitão, se aproximou da


urna e olhou para Hanz, como alguém pode incentivar ou confortar alguém nessa hora,
um confronto direto com o destino, sabendo que o resultado já foi anunciado: a
derrota.
Ao deixar a face descoberta, o arquiteto se aproximou e desta
vez sentiu o golpe mais forte do que nunca, caiu de joelhos com as mãos no rosto,
será que ainda tinha lágrimas para mais um choro? O cachorro veio para consolar,
deitado em seu pé, olhando com profundos olhos tristes para seu dono. Ele começou a
soluçar, todos que estavam na sala se abalaram, um homem daquele tamanho, deste
porte não demonstrava seus sentimentos assim, tão abertamente. Toda a vaidade que
a sociedade impunha a Hanz, e a pose que sempre ostentou por sua posição, foi por
terra, estava como uma criança perante a esses duros golpes que estava sofrendo.
Depois de alguns momentos, ele conseguiu proferir algumas palavras.
- Meu Pai, Capitão. – sua voz era quase inaudível, sem força, sem
cor, uma voz pálida, fúnebre, fraca. Ainda continuava de joelhos, e dali não
queria se levantar. Aos poucos se levantou, e colocou sua cabeça sobre o peito do
Pai, alisou o rosto, pegou nas mãos. Hanz era muito apegado ao seu pai, ele havia
ensinado tudo o que o arquiteto sabia sobre a vida, desde a pregar um quadro na
parede, até a consertar um encanamento, Hanz e seu pai ajudavam a cuidar da
família, cuidar de suas mulheres como eles diziam, quando se referiam a sua mãe e a
sua irmã, eram uma família linda. A mais linda que poderiam imaginar.

Os soldados recolheram a urna após cobrir novamente, Hanz, foi pra


fora da tenda novamente, seu cachorro sempre do seu lado, ele sentou na guia e
ficou por algum tempo lá pensando em nada, esvaziando sua cabeça.
Pensamentos vazios.
Isso era a ferida latente, o espaço em branco que estava
acontecendo, todos estavam indo embora. Seu pai era muito importante, a figura do
herói para ele, o braço forte da casa, a fortaleza do lar, mesmo agora ele já
estando casado, era muito apegado aos seus pais. Sua expressão facial era de dar
pena, uma pessoa derrotada, perdida.
Os militares resolveram dar um tempo para ele, todos estavam
contagiados por aquele sentimento de tristeza, não há farda que suporte o peso da
morte, atrás daquele uniforme pulsa coração humano, tão vulnerável quanto qualquer
outro, o clima era pesado, o ar era rarefeito dentro daquela tenda, a respiração
era esforçada e profunda.
Uma repórter atrás da fita de isolamento estava com um
saquinho de pão pequeno, com algumas manchas de gordura, chamou o soldado e disse
alguma coisa para ele e apontou para o Arquiteto. O soldado não recebia ordens de
civil, mas dada a situação e a comoção do momento acatou o pedido e levou até Hanz
o saquinho.
- A Repórter pediu para entregar ao senhor, falou que precisa
comer, senão passará mal. – disse o soldado.
Hanz olhou para o soldado que estava em pé a sua frente,
encarou o saquinho por alguns momentos e o pegou, olhou para a multidão e viu uma
jovem moça, com cabelos louros claros e uma pele bem clarinha, com uma roupa social
e um microfone com um “7”, simbolizando o canal para qual trabalhava, ela deu um
sorriso e fez um gesto com a mão para ele comer. Hanz abriu o saquinho e viu um
salgado, uma coxinha, era seu preferido, por incrível que pareça, pela
situação inusitada, um sorriso involuntário surgiu em seu rosto, não acreditando
naquilo, uma coxinha de frango bem naquele momento, a priori ele recusou comer, mas
estava com fome, tinha chorado muito, e quando pensou nisso, seu estômago roncou,
estava vazio, precisava de forças para aguentar, sua família de alguma forma
precisava dele, não podia desistir agora. E deu uma abocanhada com tudo na
coxinha, tirou um pedacinho e deu para seu cachorro que também devia estar com
muita fome, e os dois se deliciaram com o maravilhoso quitute, dadas as
circunstâncias, para ele, aquele sabor foi um dos melhores que já experimentou.
Encontrar um alento na imensa dor, é algo que por algum instante acende uma
fagulha de esperança no futuro, mesmo imerso à tragédia, talvez fosse possível
algum dia recuperar, afinal a vida continua para aqueles que ficaram.
- Senhor, precisamos continuar, os trabalhos devem
prosseguir, sinto muito pela situação. O Capitão lhe aguarda. O arquiteto, sentado
na guia ainda, olhou para o soldado que estava em pé a sua frente, com um olhar
penoso, profundo e triste, porém aceitou seu destino, tinha de continuar, não havia
outro caminho, o alimento fez seu sistema nervoso se acalmar um pouco.
Ao entrar na tenda percebeu que estavam, de uma maneira improvisada, as
quatro urnas restantes, todas a postos para o reconhecimento, um certo choque para
Hanz, aquele sentimento voltou à tona, triste ilusão da calmaria
momentânea.
- Podemos começar? – perguntou o Capitão.
O arquiteto não respondeu nada, se pudesse falar que não, ele
falaria. Porém como todos foram achados onde era sua casa, tinha que fazer esse ato
heroico, não podia ser egoísta a ponto de se preservar e deixar os corpos ao
destino, era chegada a hora de empunhar a coroa de chefe da família, ainda mais
agora, que sabia que seu pai já estava descansando em sono eterno, ao lado de sua
irmã e seu cunhado. O Capitão, percebendo o silêncio do arquiteto, aceitou aquilo
como um sim, queria acabar logo com aquilo, era muita tortura continuar com isso
por mais tempo, todos ali estavam muito tristes, nunca haviam provado tanta
tristeza em suas vidas, a farda militar não protege os sentimentos. Ele pegou a
ponta de mais um pano que cobria o corpo e puxou até a face ficar totalmente
descoberta, Hanz estava olhando para cima tentando evitar encarar aquilo, seu
coração disparou novamente, sua respiração entrou em um ritmo acelerado, começou a
suar frio novamente, estava tendo uma crise de ansiedade novamente, a sensação era
de morte, talvez os militares precisassem de mais uma urna, pois ali iria
ficar também.
- Senhor, por favor, sabemos que é difícil, mas vamos terminar com
isso logo. – proferiu o Capitão.
Sem dar uma palavra ainda, ele foi descendo o olhar até ver a face
frigida, e pálida, estática, com uma feição doce, agora em um sono eterno.
Era sua mãe.
Seus olhos começaram a verter lágrimas, aquele sentimento de
morte passou, dando espaço à dor, estava sendo alvejado pelo destino, uma
metralhadora com balas mais mortais do que qualquer metal já utilizado, ela destrói
muito mais que o corpo, arrasa o ser. Hanz se ajoelhou ao pé da urna, que agora
estava sobre o chão, colocou sua mão sobre as mãos da mãe que estavam entrelaçadas
sobre o seu colo, suas lágrimas caíam sobre sua mãe, não conseguia falar nada,
somente chorar. Todos na tenda estavam emocionados, aquilo era muito doloroso para
todos. O Capitão, com o intuito de acabar logo com aquilo, acenou com a cabeça para
os soldados mais próximos que descobriram as outras três urnas, para que quando
ele olhasse para o lado, já visse de uma única vez a todos. No primeiro momento
pode ser visto como um ato de crueldade, porém quanto mais se estendesse aquilo,
seria pior, sua tropa já estava toda abalada e eles tinham muito serviço pela
frente. Estava comprometendo toda a operação.
Ele estava debruçado ainda sobre sua mãe, lembrando-se de tudo
o que passaram juntos, como ela fazia tudo para ele, como a amava, lembrava do
chamado dela enquanto ele estava desacordado um pouco antes, na lanchonete. Sua mãe
era um dos pilares de sua vida, uma mulher forte que com mãos de ferro cuidou dele
e de sua irmã, enquanto seu pai ia trabalhar, ela aguentava todos os problemas
domésticos e os resolvia com maestria. Ele perdia sua mãe, e o mundo perdia uma
mulher que todos deveriam conhecer.
Ele se levantou e quando olhou para o lado e observou os
rostos que estavam repousando sobre as três urnas, desmaiou, sua face era de
horror, de susto. Não aguentou desta vez, apagou. Somente flashes foram
percebidos, como o dos soldados correndo para ajudá-lo, algumas frases dispersas no
ar.
- Parada cardíaca Senhor, precisamos de um médico agora! Outro
flash no ar depois de algum tempo.
- Ele voltou, conseguimos. Tirem-no daqui, ele precisa sair deste
ambiente.
A cada vez que abria os olhos, via pessoas correndo de um lado
para o outro, uma agitação, um falatório alto, até que recobrou a consciência,
estava em uma ambulância, todo entubado, com um médico sentado no banco ao lado, e
uma enfermeira mais atrás preparando uma injeção.
- Fique calmo, você vai ficar bem. Garanto isso!
Ele estava com uma mangueira no nariz, que o ajudava a respirar, seu
olhar era de susto, de medo e pavor, olhava com os olhos arregalados para todos os
cantos da ambulância, nunca havia entrado em uma, e começou a perceber os
equipamentos que tinham dentro dela, eram muitos, e isso por algum momento ajudou-o
a esquecer do que havia acabado de acontecer.
CAPÍTULO IV

“Estamos aqui para anunciar que Hanz, já não corre risco de


morte, sua situação foi estabilizada, e nas próximas horas ele receberá alta. De
acordo com o boletim médico, ele sofreu uma parada cardíaca em decorrência de
fortes emoções que foi submetido, e a uma doença cardíaca que pelo que parece o
paciente não tinha conhecimento, porém com um tratamento em fármacos ele terá uma
vida sem sequelas, pelo menos fisicamente falando. Susan, do Hospital Universitário
para o Canal 7.”
A televisão do quarto do hospital mostrou o boletim que
interrompeu a programação normal, a repórter que havia oferecido a coxinha para
ele, e levemente ele sorriu. Estava deitado sobre lençóis brancos com o emblema do
hospital, com um soro sendo injetado em suas veias do braço direito, e ao seu lado
havia mais uma cama, com um senhor de pele amorenada e barbas brancas, tinha uma
face muito doce, amável. Estava ao seu lado sobre uma poltrona, um jovem, talvez
fosse seu filho, ou neto. Os dois estavam olhando para Hanz, que agora era famoso,
estava em todas as emissoras, eles olhavam para o arquiteto com um olhar de pena,
de que sentiam muito.
Hanz por sua vez não estava acreditando que aquilo estava
acontecendo com ele, ainda, com um olhar fúnebre e triste, sem reação, olhou para
seu vizinho de quarto e depois olhou para a poltrona do lado de sua cama, e agora
pensou que não tinha ninguém que pudesse sentar ali, estava sozinho no mundo.

Apesar de tudo, estava calmo, os médicos haviam injetado calmantes


poderosos em seu corpo, o que o fazia ficar em estado de letargia, somente
observando as coisas ao seu redor e pensando coisas desconexas, uma colcha de
retalhos de memórias consoantes.
Havia passado um dia inteiro desde o momento da síncope, era final
da tarde e já estava apto, conforme anunciado pelas televisões, estava pronto para
retomar o calvário. Ainda num profundo estado de calmaria graças às drogas que os
médicos estavam ministrando.
O Capitão apareceu na porta do quarto de Hanz, pronto para
levá-lo em sua alta.
- Senhor. – acenando a cabeça disse o militar.
O arquiteto não respondeu, sua voz já era raridade, ele mesmo não se
lembrava da tonalidade, não tinha vontade de falar nada, sentou-se na cama
enquanto vestia as roupas que o militar trouxe, uma camisa cinza escuro, uma calça
social e um sobretudo ambos pretos, o clima no feriado estava nublado e ventando
esporadicamente.
No pavimento térreo do Hospital do lado de fora, abarrotado de
pessoas e repórteres, o alvoroço estava todo lá agora, muitas velas e cartazes,
todos ao redor do local, com mensagens de apoio ao arquiteto, de que a cidade seria
sua família agora, a tragédia havia mexido com a cidade inteira. Hanz agora era um
símbolo, o distrito era todo coração para ele. No saguão, estavam alguns militares
esperando para fazer a escolta do arquiteto até o carro, foi feito um cordão
isolando Hanz da multidão e poupando-o das perguntas dos repórteres. Vagarosamente
foi acontecendo a travessia e pelo cordão ainda era possível ouvir as pessoas.
- Hanz, quem são as outras quatro pessoas?
- Para onde você vai agora?
- A cidade inteira está com você, Hanz.
Ele ouvia estas vozes muito longe e por mais que as perguntas
fossem pertinentes e que precisavam ser respondidas, ele não tinha noção do que
iria acontecer com ele agora e daqui para frente.
- Comeu a coxinha? – disse Susan bem no final do corredor até o
carro.
Esta pergunta foi a única que realmente chamou sua atenção, fez
questão de olhar para Susan e deu um leve sorriso pela situação totalmente
diferente. Foi a única coisa que quebrou a sequência de tiros que estava levando na
alma. Os dois trocaram olhares, ele abaixou a cabeça novamente e entrou no carro.
Estavam o motorista e um soldado nos assentos da frente, o Capitão e Hanz no banco
de trás. Assim partiram pelas ruas do distrito até algum lugar ainda desconhecido
pelo Arquiteto.
Foram até o quartel dos militares, era um lugar bonito, com belos
jardins e várias construções ao redor de um pátio com o belo paisagismo palaciano,
digno das construções europeias.
- Não sabia que continha tanta beleza num lugar como este, Capitão.
– com uma voz muito fraca e grave, como aquelas de quem acaba de acordar, disse
Hanz.
- É o nosso lugar de aconchego senhor, onde buscamos forças para
continuar a luta. – respondeu o Capitão.
Percorreram alguns caminhos até chegar na construção principal, onde
funcionava a administração do quartel.
- Não gostaríamos de estar vivendo este momento, Sr. Hanz, mas ainda
temos assuntos a serem tratados, não sabemos quem são as últimas quatro pessoas que
o senhor viu, não deixamos ninguém ver, a não ser o senhor pelo motivo de que as
encontramos no local onde ficava a sua casa. Espero que entenda o meu lado em
insistir neste assunto.
- Compreendo Capitão. – um silêncio por alguns minutos, boca seca,
sem saliva – Era minha Mãe, minha mulher e minhas duas filhas, Capitão.
Os olhos marejaram novamente, o calmante já não estava dando
conta, e as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto, um choro silencioso de dor,
não de desespero, não de medo, de pavor, um choro somente de dor.
Todos na sala engoliram a seco, e não havia mais nada a perguntarem, tudo estava
consumado.
- Não se preocupe com nada Sr. Hanz, cuidaremos de tudo, temos
acomodações confortáveis onde pode descansar um pouco até iniciar o velório, já
imaginávamos este grau de parentesco, porém precisávamos da confirmação de um
parente. – olhou para um de seus comandados. – Leve o Sr. Hanz para as acomodações
do General.
- Sim senhor! Sr. Hanz, por favor, acompanhe-me. – disse o soldado.

Sem reação, Hanz, ainda chorando em seu silêncio, foi caminhando e


observando as paisagens do jardim, olhando para cada flor, cada arbusto, imaginando
por onde seus parentes deveriam estar, será que era igual à história que a mãe lhe
contava quando criança. Ela contava sempre a história dos Filhos da Montanha, uma
lenda antiga, conhecida no mundo todo, sobre uma guerra que houve entre os anjos e
valorosos guerreiros humanos se mostraram fortes diante da ameaça celestial, e
assim o Criador fez um lugar especial para os humanos descansarem eternamente.
Belos jardins, com as mais belas flores e árvores frondosas que proporcionam grande
conforto para se deitarem e aproveitarem o dia sem contagem de tempo.
Era um conforto pensar nessa hipótese, todos estariam agora
nesse jardim se deliciando do conforto absoluto, que nenhum arquiteto poderia
projetar neste mundo. Depois de chegar aos aposentos, tomou um banho, colocou
algumas roupas que estavam ali, era o traje de gala dos militares, só que preferiu
manter a camisa cinza e o sobretudo, aproveitou somente as calças e o sapato.
Arrumou-se, penteou seu cabelo para o lado, fez a barba deixando seu rosto liso, e
pegou um guarda-chuva que estava no canto da sala, era a hora combinada do velório
que aconteceria no Palácio do distrito, onde ficava o subprefeito. Estavam os sete
caixões, lado a lado, todos os corpos arrumados e vestindo belas roupas formais,
suas filhas estavam com vestidos brancos lindos, sua esposa também um vestido bem
parecido ao de suas filhas, estava maquiada e com os cabelos louros soltos. Era
linda, sua beleza encantadora, mesmo agora em sono eterno ainda saltava aos olhos
sua tamanha beleza. Seus pais, sua irmã e o cunhado do lado. Ele estava
sozinho, solitário, não havia ninguém para abraçá-lo, sua família inteira havia
morrido de uma só vez.
Muitas pessoas foram ao velório, deixando o Palácio lotado,
como nunca antes. As autoridades foram até Hanz desejar-lhe os pêsames, a imprensa
toda lá fora noticiando de hora em hora as últimas novidades do velório. Muitos dos
clientes de Hanz, foram também prestar solidariedade, amigos antigos da época da
faculdade viajaram quilômetros para ajudar seu amigo, isso foi uma coisa boa, e o
arquiteto se apegou muito a esse fato, era uma época muito boa aquela, da qual só
recordava boas lembranças. Conheceu sua esposa na faculdade e seus melhores amigos
eram também do curso de arquitetura.
Ficaram a todo tempo ao lado dele, alguns deram entrevista
para os canais de televisão falando de alguns momentos que passaram ao lado de
Hanz, retratando histórias hilárias e exaltando a força que Hanz tinha, que iria
superar aquele momento e que eles estariam ao seu lado para o que precisasse.

Na manhã do dia seguinte, após passarem a noite em claro ao lado dos


corpos, aproveitando cada segundo ao lado de sua família, seria a última
oportunidade de vê-la reunida. Hanz não sabia ao lado de quem ficava, todas as
pessoas que ele mais amava estavam ali, todas mortas. Passou horas ao lado dos
caixões de sua filha, contando a história das batalhas de Nirax, e de que ele
ajudou a fazer os jardins celestiais, a mesma história que sua mãe contou. Ficava
ao lado de sua esposa, acariciando seu rosto jurando amores, ao lado de seus pais
fazendo promessas sobre o futuro e que ele conseguiria de alguma forma superar, ao
lado de sua irmã e seu cunhado relembrando momentos divertidos que passaram. Era
uma tortura ver Hanz, estava perdido, atrapalhado, totalmente o oposto do que ele
era. Um arquiteto brilhante, muito competente, planejava cada milímetro dos
projetos que confiaram a ele. Parecia uma criança que caiu da mudança. Todos seus
amigos estavam chorando, ao ver aquilo, não tinha como resistir.
Um pouco antes do meio dia, chegaram os militares e
perguntaram se poderiam fechar os caixões, ele negou o pedido, mas um de seus
amigos foi até ele e explicou que isso precisaria ser feito, então caiu em um
choro profundo nos ombros do amigo, que consentiu o fechamento. Um dos momentos
mais dolorosos, do mundo, é a última vez que veremos o rosto das pessoas que
amamos, nossa última lembrança, primeiro foi o de suas filhas, seu amigo foi com
ele perto dos caixões e ele foi se despedindo um a um, enquanto fechavam as tampas,
uma de suas amigas da faculdade chegou com algumas rosas que foram dadas pela
repórter Susan, as quais foram colocadas sobre as mãos dos corpos dos parentes de
Hanz. Depois de todos fechados, os militares começaram a carregar os caixões para
os veículos, cada um partia em um veículo para um cortejo até o cemitério do
distrito.
Um cortejo enorme, jamais visto outro no distrito, cada caixão em um
carro funerário, policiais liderando o comboio, com batedores ao lado e atrás, os
parentes e amigos, imprensa e curiosos, após quatro quilômetros percorrendo as ruas
do distrito, chegaram a um grande gramado, com uma ou outra árvore despontando, e
um portão de ferro preto trabalhado, com os dizeres “A última morada”.
Percorreram algumas ruelas até chegarem onde haviam preparado os
lugares para enterrar os parentes de Hanz, sete covas uma ao lado da outra. Os
carros estacionaram próximos e os militares saíram carregando os caixões e os
puseram nos suportes que ficam margeando a cova para descer lentamente os caixões
ao fundo. Estavam lá esperando um antigo sacerdote.
Após algum tempo chega Hanz com um amigo da faculdade, o céu estava
nublado, estava soprando um vento gelado e trovões estavam começando a ecoar no
horizonte atrapalhando as conversas, as nuvens estavam ficando pesadas, escuras.
Todos estavam torcendo para não começar a chover enquanto acontecia o enterro.
Não tinha mais o que esperar, o sacerdote proferiu algumas palavras
de conforto. “Do pó viemos, ao pó voltaremos”. O Arquiteto não estava prestando
atenção em mais nada, estava em outra dimensão, num universo paralelo, só restava
pra ele o seu próprio mundinho que agora era somente ele. Não havia mais ninguém,
os amigos estavam ali, porém sabiam que todos deveriam continuar suas vidas, cada
um tem seus problemas para resolver, ele também tinha os seus, só não sabia quais
eram.
Todos começaram a bater palmas e os caixões começaram a descer, um
por vez. Hanz ficou forte ao lado de cada um, chorando copiosamente em cada um,
dando adeus às pessoas que ele mais amava, dando adeus à felicidade, à alegria.
Sabia que o que estava sendo enterrado não eram somente seus parentes, eram partes
dele, estava sendo enterrado um pouco por vez, sua esperança por dias felizes
estava coberta de terra agora. Sorrir seria algo raro, para não dizer impossível.
Sua vida havia acabado, o que restou foi um corpo vazio, seco, estático,
somente cumprindo funções biológicas, não havia mais nada de vida nele, a não ser
seu organismo lutando bravamente para manter as funções. Amigos e militares vinham
cumprimentá-lo, após enterrar o sétimo caixão, o de seu cunhado. Aos poucos as
pessoas começavam a irem embora. Mesmo sozinho, continuou no cemitério. Susan, a
repórter, estava lá ainda, porém do lado de fora do cemitério.
- Susan, precisamos voltar para a redação. – disse o
assistente de câmera do canal 7.
- Só um minuto Chad. – respondeu Susan, que pegou um guarda-chuva e
entrou no cemitério, sem nenhum aparato jornalístico, somente ela aproximou-se de
Hanz, olhou para ele sem proferir nenhuma palavra, e deixou o guarda-chuva do lado
dele, antes de virar as costas para ir embora.
- Vai precisar disso. – disse Susan.
Apesar de ele ter separado um guarda-chuva para levar, acabou
esquecendo no carro, aceitou de bom grado a gentileza da jornalista, olhou para
ela acenando a cabeça como forma de agradecimento, e novamente abaixou a cabeça.
Três horas após o enterro, ele se levantou, pegou o guarda-chuva e
começou a andar pelas ruas do distrito, havia começado a chover torrencialmente,
não foi motivo suficiente para ele parar de caminhar, pegou ruas pelas quais nunca
havia passado a pé, o cemitério ficava muito longe de seu bairro. Era próximo à
margem do distrito, de lá dava para ver o outro lado da baía, que era a grande
metrópole onde ficava seu escritório, o único lugar que podia abrigá-lo, sem ter
que incomodar ninguém.
Hanz, não gostava de dar trabalho a ninguém, sempre foi muito
independente desde pequeno, talvez por isso rumasse nesta profissão, ele sabia o
que queria e sempre planejava tudo, existiam diversos planos para nunca faltar nada
para ele e nem para sua família. Só que desta vez a variável do destino não foi
calculada, e com um golpe sorrateiro o arquiteto ficou sem chão, sem planos
emergenciais, o que lhe restou foi seu escritório na metrópole.
Ele pegou um beco que dava para a margem do distrito, com uma vista
bela da metrópole, seu guarda-chuva resistindo bravamente à torrente. As ruas
vazias, o barulho da água tocando o concreto, o vento balançando as janelas, os
raios soltando flashes na escuridão, o trovão cantando. Do outro lado da metrópole
os prédios altos com algumas luzes acesas, mostrando quem ainda resistia acordado a
essa hora da noite, as propagandas luminosas e a cortina de água misturando todas
essas cores numa pintura fria e triste. Assim foi a primeira noite sozinho de Hanz,
admirando a metrópole, a paisagem construída pelo homem, um imponente marco para
humanidade, mostrando tudo o que somos capazes de fazer, as montanhas de
concreto e metal. Por algum motivo inconsciente, isso fazia algum sentido na mente
de Hanz, a única coisa que restou para ele foi sua profissão, a Arquitetura.
CAPÍTULO V

Em algum lugar da metrópole, uma semana depois da tragédia.

-Não vamos falhar novamente chefe.


- Claro que não vão. – disparos de arma de fogo, atingiram os
capangas, dois homens de ternos pretos com camisas brancas e gravatas finas pretas.

- Rob! Venha na minha sala.


Entrou um homem forte, também trajando terno preto, recolheu um
corpo, voltou e carregou o outro para fora, logo retornou para sala do chefe.

- Prepare todo o departamento técnico da empresa, nos próximos dias


quando tudo ficar mais calmo e o clima de comoção passar, eles virão com
questionamentos para cima de nós, é bom que todos estejam prontos. – disse um homem
sentado em uma cadeira extremamente confortável em uma enorme sala de escritório no
alto de uma das torres mais imponentes da metrópole, ele tinha barba grossa e
preenchida no rosto, uma pele clara, cabelos lisos até o pescoço, e usava um terno
preto riscado, com um corte bem ajustado ao corpo. Uma mesa de mogno, com inúmeros
adornos em seus pés, vários papéis sobre a mesa, e no canto da sala uma poltrona
confortabilíssima de frente para uma televisão enorme que era embutida na parede
podendo ser tampada por prateleiras e ficando a mostra somente à ordem do chefe.

- Já não basta o fracasso da missão, agora vou ter que conviver com
esses abutres da mídia, estou até vendo. Agora saia Rob, e avise logo o pessoal da
técnica, estejam preparados, senão precisaremos de muitos sacos para corpos.
A sala ficou vazia, ele levantou-se da cadeira e foi andando até a
poltrona, e arrastou-a para frente a fim de liberar espaço, atrás da poltrona havia
uma pequena estante com alguns objetos de decoração e livros, ele afastou alguns
livros e viu um painel com botões, digitou seu código e a estante foi
automaticamente recolhida ao lado, liberando uma passagem para um corredor escuro.
Adentrou no corredor e conforme andava as luzes iam acedendo e apagando, a estante
se recolheu ao local original e o corredor ficou tampado, quem entrasse na sala não
encontraria ninguém. O corredor não era muito longo, e ele chegou até uma porta de
aço grossa, que abriu quando o chefe colocou suas digitais em uma máquina do lado
da fechadura, ao conferir as informações, a porta se abriu.
Na sala havia uma poltrona no meio, igual ao de seu escritório e
televisões em todos os cantos, era uma sala escura, só o brilho das televisões
iluminavam o ambiente. Quando entrou na sala e sentou na poltrona as televisões
ligaram e rostos começaram a aparecer em cada uma, rostos diferentes, de senhores e
algumas senhoras, todos trajando roupas sociais, pareciam ser pessoas importantes
da sociedade.
- Você faz uma grande operação e deixa o principal escapar. Nunca
deveríamos ter deixado você no comando disso.- disse uma mulher na oitava televisão
da esquerda para à direta, no total eram doze aparelhos. Neste momento haviam sete
conectados à conferência que iria ocorrer.
- Tudo foi calculado meticulosamente, havia agentes espalhados pelo
distrito onde ele morava e alguns seguindo também. Não sabemos o que pode ter dado
errado. – respondeu o chefe.
- Com tantos homens assim como consegue falhar? Você vai ter de
corrigir o erro, não importa o que tenha que fazer. – disse um homem na terceira
televisão.
- Vou corrigir! Não tenham dúvidas disso, porém temos que esperar
algum tempo, ele é um mártir agora, todos estão sensibilizados pela sua história.
Os militares estão todos em minhas mãos, e os relatórios que tenho mostram que Hanz
ainda não se tocou de nada, ele está como um zumbi, já morreu, só não o avisaram
ainda. - respondeu o chefe.
- Esse é o problema, ele vai virar um símbolo e jamais conseguiremos
apagá-lo. – disse um homem na televisão dois.
- Não se preocupe, já comprei a mídia e destruiremos sua reputação,
está tudo preparado, ele não vai ter para onde correr. Tudo será exposto da pior
forma. – respondeu o chefe, acendendo um charuto.
- É bom que isso funcione, para o seu bem. Temos muito em jogo com
ele vivo. – disse uma mulher na televisão quatro.
- Já disse, está tudo sob controle, apesar do plano ter falhado,
outro já está em ação. – baforando a fumaça do charuto. – Tenho mais o que fazer,
mantenho vocês informados. Com licença. – soltou mais uma baforada e levantou-se,
saindo da sala rumo ao escritório. Ao retornar em sua sala, encontrou um envelope
em sua mesa com o nome Hanz.
Correu e rasgou o envelope que tinha algumas fotos de Hanz no
escritório, em várias horas do dia e da noite, bem como um papel com um relatório
dizendo que o arquiteto estava morando agora em seu escritório na metrópole.

- Isso é bom, está mais perto, mais fácil de vigiá-lo, tanta coisa
ruim pode acontecer com ele aqui. - disse rindo.

CAPITULO VI

Quatro meses depois da tragédia, Metrópole.


A dor se transforma e aumenta com o passar do tempo, a
ausência dos parentes queridos, o sentimento de solidão. Por quem iria lutar agora,
por quais motivos iria se sacrificar tanto. O escritório, outrora cheio de
estagiários e profissionais, agora era um lugar vazio, ele havia mandado todos
embora, as mesas com pranchas de projetos espalhadas, agora serviam para acomodar
mudas de roupas, latas de mantimentos e alguns livros. Sua sala onde recebia
importantes clientes agora era uma bagunça. Um colchonete onde dormia ficava no
centro da sala, as poltronas viraram o guarda roupa, a televisão que servia para
passar as maquetes eletrônicas dos projetos agora só servia para assistir aos
jornais, e às vezes para jogar um videogame que ele ganhou para se distrair.

Os jornais passavam cada vez menos notícias da tragédia, as


investigações por parte dos militares eram sempre as mesmas, de que era um modelo
de teste, mas que agora foi autorizada uma nova rota para este protótipo, longe
das rotas comerciais, para não correr o risco de uma catástrofe maior ainda. A
tecnologia era de um avião de grande porte, com comando pela terra, um drone
voltado para o universo comercial, podendo potencializar os lucros das grandes
corporações, minimizando as chances de erros humanos, sendo que todos saberiam as
rotas de todos, não dando chance para o acaso, os acidentes seriam quase nulos.
Esse conceito era motivado entusiasmadamente por todos do setor, e foi prontamente
atendido pelas agências reguladoras, permitindo sua rota. Isso na cabeça de Hanz só
entrava de uma única forma, minha família morreu para o avanço do lucro, para
potencializar as cifras bancárias das contas dos magnatas. De alguma forma o
sentimento de dor estava se transformando em alguma outra coisa muito poderosa
dentro do coração de Hanz.
Nos dias em que ele estava mais lúcido rabiscava alguns desenhos
malucos no verso das pranchas de projetos que ainda restavam no escritório, porém a
dose forte de remédios que ele estava tomando, transportava-o para outra dimensão à
beira da esquizofrenia. Todos se afastaram dele, em contrapartida ele se afastou do
mundo também. Só saía do escritório para comprar comida e água com o dinheiro que
ainda tinha em conta, que já não era muito. Sua higiene estava em estado
deplorável, não tomava banho há dias e a barba estava desde o dia do funeral sem
ser feita. Ele era agora o resto, o que sobrou, a raspa do tacho da tragédia, era
uma vítima que se esqueceu de morrer. Cada vez que tentava dormir sem o uso de
remédios, sonhava com a velha que atropelara, aquele incidente havia salvado sua
vida, de acordo com as informações noticiadas, na hora do acidente, era para ele
estar na sua casa, só não chegou mais cedo devido ao incidente com a senhorinha.
Era estranho, ele ficava se perguntando o porquê daquilo, de onde veio aquela
senhora, tinha vontade de encontrar mais uma vez aquela mulher, para perguntar
sobre ela, como ela sabia o nome dele, parecia que tudo aquilo foi de propósito
para ele não chegar a tempo em casa. Aquela mulher era a chave para muitas de suas
perguntas, neste tempo ele estava repassando cada instante do que viveu, as cenas
surgiam como um filme em sua mente.
Quando só resta você mesmo, os pensamentos são sua melhor
companhia, apesar de muitos serem turvos e confusos, às vezes sinistros e obscuros,
eles são um conforto. Nosso futuro é baseado nas memórias que criamos ao longo da
vida, elas são um tesouro precioso para nossa sobrevivência e isto sustentava
Hanz. Os sintomas da síndrome haviam desaparecido. O que poderia lhe
causar medo a esta altura do campeonato? Já havia enfrentado o pior da vida, nada
poderia lhe afetar mais.

“Sr. Hanz, precisamos falar com o senhor.”- isso estava escrito em


uma mensagem de papel colocada embaixo da porta do escritório, tinha um timbre do
condomínio. O arquiteto sabia do que se tratava, ele não poderia morar no
escritório, o edifício era comercial não contemplando este uso misto residencial.

O pior que o saldo da conta de Hanz estava se acabando, não restava


muito mais dinheiro, 500 dólares era tudo o que havia sobrado após as despesas do
velório e funeral. Os militares ajudaram, mas cobraram uma grande porcentagem, as
multas que por ter abandonado o carro em via pública também contribuíram para o
esvaziamento de sua conta, e as rescisões trabalhistas de seus funcionários. Ele
devia de alguma forma se mexer para se estabilizar novamente, mesmo que a um
padrão muito mais baixo. Desde o acidente ele não conseguiu mais nenhum projeto
para fazer, sua credibilidade havia sido afetada, ninguém confiaria um projeto de
grandes magnitudes a uma pessoa que não tinha a capacidade psicológica suficiente
para desenvolvê-lo, graças aos programas sensacionalistas que exploravam seu lado
depressivo e martelavam todos os dias nesta mesma tecla, sua reputação estava um
lixo. O Arquiteto outrora renomado e um expoente da nova arquitetura, agora era
fantasma de si mesmo.
“Será que estou arruinado completamente? A vida ainda vale a pena
para mim? Queria muito estar em casa também no dia do acidente, do que adianta ter
sobrevivido para ter uma vida de merda dessa.”- pensou Hanz, aos prantos, sozinho
no apartamento em um canto sentado no chão.

CAPÍTULO VII

A campainha do escritório tocou, ele continuou sentado no


canto do escritório, e mais uma vez a campainha tocou, desta vez em um ritmo
frenético. Ele recusou-se a levantar, deixando o som da campainha ressoar por todo
o escritório.
- Sr. Hanz, sei que está aí, preciso falar com o senhor. – disse uma
voz feminina, um tanto familiar para o arquiteto. Depois de quatro meses
foi a primeira pessoa que tocou a campainha de seu escritório, ele
havia sido abandonado por todos, a população da cidade já havia virado a página,
sua história fazia parte de um passado triste que todos faziam questão de esquecer,
estavam voltados para as futilidades do dia-a-dia, para o conforto da rotina, e das
vidas sem sentido que levavam, se apegando a cada novidade lançada pelas empresas
de eletrônicos. O mundo estava assim, as pessoas deixavam as empresas falarem o que
elas precisavam ou não, o que as farão felizes ou não, a capacidade de pensar e
sentir eram manipuladas por motivos e interesses comerciais selvagens, corporações
cada vez mais ricas e com mais poder, ampliando cada vez mais seu poder de alcance,
conglomerados atuando em todas as áreas e se aliando ao governo. Tudo fazia parte
de uma grande engrenagem preparada para automatizar a população.
Caminhou até a porta, deixando seu cantinho preferido da dor, e
espiou quem era pelo olho mágico, um rosto feminino delicado, muito meigo e doce,
cabelos louros naturais, olhos profundos azuis e uma voz melódica, a voz do jornal
do canal 7, Susan estava esperando Hanz abrir a porta. - Só um
minuto. – respondeu Hanz.
Ele correu vestir algo mais apropriado do que um pijama que estava
em seu corpo, por mais de duas semanas, com vida própria quase. Vestiu umas roupas
folgadas sem qualquer estética, estava em estado deplorável, largado, jogado, sujo,
abandonado, fedido. Com o resto da coragem que lhe sobrou, ele abriu a porta
lentamente, até o ponto que ele pudesse conversar com ela sem deixar a bagunça do
escritório à mostra.
- Em que posso ajudar? – perguntou o arquiteto, sempre com a
mesma feição, olhar baixo sem esboçar qualquer vivacidade.
- Neste estado, você não pode ajudar nem a si mesmo, quem dirá
outras pessoas Hanz. Preciso falar com você, deixe me entrar, não posso falar aqui
fora. – respondeu Susan.
- Não vai querer entrar, não está um ambiente apropriado para
mulheres de seu porte.
- Eu sei, mas já sabia o que iria encontrar, eu leio os tabloides.
Agora eles têm mini drones para tirar fotos das janelas das pessoas, já tinha visto
seu apartamento ou o que restou dele.
- Malditos tabloides. - ele não queria que ela entrasse, mas a
garota era bem decidida, foi empurrando a porta e entrando mesmo sem o
consentimento dele.
- Hum.... que fedor. Isso está pior do que nas fotos. - ela deu
risada ao dizer isso.
- Assim que fica um homem após perder sua família?
- Um homem de verdade jamais ficaria assim, eu sou o que
sobrou de algum homem que já fui, em alguma época desta patética existência.

Ela não soube o que responder depois da contundente afirmação de


Hanz, aquilo havia chegado às profundezas do coração da jovem repórter.

- Se veio aqui para arrancar o resto de dignidade que ainda me


resta, está perdendo seu tempo, só a deixei entrar em respeito aos gestos gentis
com que me tratou sempre. - Agradeço por isso, é o mínimo que pude
fazer, sou humanista acima de tudo. Sem mais floreios Hanz, o que tenho pra falar é
assustador.
- Não tenho medo de mais nada, diga logo.
- Armaram a tragédia inteira Hanz. Você não acha estranho só a sua
família ter morrido, e seus vizinhos, por que não morreram também?
- Já havia pensado nisso também, mas até onde foi noticiado alguns
tinham viajado na véspera do feriado, outros ainda estavam no trabalho, e alguns
foram convidados a experimentar um novo hotel que estava inaugurando no leste da
metrópole.
- Tudo mentira, todos foram convidados a saírem dali naquele dia,
homens não se sabem a mando de quem, foram até seus vizinhos e persuadiram-nos para
visitar o novo hotel, ganhariam estadias nas melhores suítes, somente para avaliar
o local, isso ocorre às vezes, porém muito estranho ser bem no dia do acidente que
vitimou somente sua família.
- Como sabe disso tudo?
- Eu sou repórter esqueceu? Fui deslocada para cobrir as
investigações do acidente, e descobri algumas informações, só que ao repassar ao
meu chefe, notei algumas interferências no editorial, mudando o olhar, foi neste
momento que percebi que existia algo maior por trás.
O arquiteto ao ouvir aquelas palavras da repórter, foi se alterando,
um sentimento que já vinha ganhando notoriedade dentro de seu corpo foi dominando
seu ser, com certeza o nome disso é fúria. Não queria pensar que tudo foi
planejado, isso seria um ato de maldade extrema.
- Parou para pensar? Não havia sequer uma pessoa no avião, Hanz, foi
um voo de teste em uma área onde jamais se passou um avião, ali não é rota
comercial justamente por ser um local geograficamente ruim para frequências de
rádio utilizadas pela aviação. Por quê fariam o voo passar justamente por ali, num
dia que por coincidência não estaria ninguém mais do que você e sua família. Hanz,
eles querem te matar.
- Matar-me? - ele se assustou ao ouvir aquilo, mas ao mesmo tempo
sua respiração entrou em um ritmo acelerado, seu coração que vinha trabalhando
calmamente voltou ao ritmo frenético, seu corpo estava suando como nunca, o inimigo
queria sua cabeça e agora ele queria a do inimigo também.
Já parou para pensar Hanz, que você fez projetos para muita gente
importante, lembra-se de um dos seus clientes chamado Dagon?, ele é o dono de uma
grande companhia, e agora está investindo nesta tecnologia de drones, foi o avião
dele que caiu em sua casa.
O arquiteto estava com sangue nos olhos, a fúria estava tomando
conta de seu corpo.
- Lembro-me de Dagon, apesar de nunca tê-lo visto pessoalmente,
sempre lidei com seus assessores, projetei sua mansão no centro do país, uma área
inabitada, grandes plantações para todos os lados, só a mansão dele rasgando o
horizonte das planícies. Foi um projeto muito singular cheio de particularidades
que não posso comentar. Tenho um contrato de confidencialidade e não posso sequer
comentar que projetei isto.
- Não posso afirmar, mas ele quer te matar, acho que não quer correr
o risco de algum dia você abrir a boca.
- Isso é bobeira Susan, não pode querer me matar por causa disso,
jamais dei qualquer indício de que iria quebrar o contrato, sou, ou melhor, era um
arquiteto de renome, não colocaria minha carreira a prêmio.
- Hanz, você é muito ingênuo e admiro você por causa disso. Quando
se mexe com pessoas deste porte, deste nível de poder, é isso que acontece. Sua
família foi um acaso, o alvo era você. O avião se dirigir para o distrito onde
morava é o fato primordial de que não era teste nenhum aquilo, foi um atentado
contra sua vida.
- Susan, se eles quisessem me matar teriam feito de várias outras
formas, não jogando um avião na minha cabeça. O arquiteto estava ficando
irritado com a teoria de Susan.
- Mas é bobinho, claro que eles teriam inúmeros jeitos de te matarem
seu idiota. – Susan estava ficando irritada igualmente. – Estou tentando te
ajudar, você acha que apagar um arquiteto famoso sem deixar rastros é fácil,
qualquer matador de aluguel iria deixar alguma pista falha, agora um acidente aéreo
experimental é fácil de a opinião pública aceitar os motivos. Tudo em nome do
avanço, do progresso e de preços mais baixos para se viajar. É uma perda que se
justifica, sua vida e de sua família pelo futuro. Mesmo não querendo acreditar
nisso, de alguma forma louca tudo fazia sentido.
- A sorte do destino conspirou a seu favor Hanz, algo fez com que
você não estivesse dentro da casa. Vou continuar investigando, vou achar provas e
comprovarei esta teoria. Não estou ganhando nada com isso Hanz, faço pelo amor à
verdade, pelo juramento que fiz quando me formei na faculdade. Tenha cuidado, e
tomar um banho às vezes ajuda. Levanta a cabeça e encontre o homem que você foi
algum dia. Por sua família, você deve isso.
A repórter era uma mulher muito decidida, o rosto de princesa era
uma ilusão, ela era dura e direta como um guerreiro medieval, uma mulher forte que
se escondia sobre um avatar de uma moça indefesa e pura. Hanz não sabia o que
dizer, ficou espantado com as palavras de Susan, tudo era verdade, ele havia se
acovardado, se entocado em seu escritório, ele não havia morrido, deveria
aproveitar essa chance que o destino lhe deu e fazer o melhor para que a memória
de sua família fosse preservada e agora vingada. Um homem com dor pode se
transformar em um animal selvagem.
- Obrigado Susan, darei um jeito. Cuide-se, saberá de mim em breve.
– disse Hanz com uma voz de determinação, algo que já havia até esquecido que
possuía. Os dois se cumprimentaram com um beijinho no rosto, trocaram alguns
olhares e ela saiu do escritório. Ele trancou a porta e saiu jogando tudo para o
alto com uma fúria extrema, um homem comportado e calmo, agora se transformara em
um ser bestial, pronto para atacar o inimigo.
“A dor transforma o coração dos inocentes, alguns caminham para luz,
outros para as trevas.” – pensou Hanz, ele vingaria sua família, um por um. Ele
destruiu seu escritório inteiro, item por item, não deixou nenhum rastro de sua
vida passada. Pegou seu cachorro, Spot e o levou até a casa de seu amigo da
faculdade para cuidar dele.
Abandonou seu escritório, uma semana depois de Susan tê-lo visitado, deixou
um bilhete na portaria da emissora que ela trabalhava. Ele estava diferente, havia
feito a barba e estava usando roupas bem alinhavadas, um terno preto com um
sobretudo da mesma cor por cima, era inverno, a neve estava dando um charme
especial para a cidade, muitos turistas e ele não foi reconhecido pela
recepcionista da emissora, sua história de tragédia já havia encontrado seu lugar
no passado e ali ficaria por toda a eternidade. Menos para ele.
À noite quando a repórter voltou para a emissora depois de ter feito
as externas, recebeu o bilhete de Hanz, e nele estava escrito:
“Daqui a exatamente duas semanas me encontre no píer 7 no
distrito onde morava, assim que a lua ocupar seu posto.”
A repórter leu o bilhete enquanto estava no elevador para o
décimo quarto andar onde ficava a redação, ela guardou em sua bolsa, ao chegar na
redação pode observar na televisão os apresentadores noticiando a morte de Hanz, um
helicóptero estava mostrando imagens do alto sobre o corpo. No letreiro do jornal
estava: Arquiteto se suicida ao se jogar de seu escritório no centro da metrópole.

A repórter ficou estática, não conseguia se mover ficou parada na


entrada da edição, tomou um choque muito grande, e começou a chorar
silenciosamente, deixando escapar algumas lágrimas. “Por que ele se matou, não era
isso o que era pra fazer. Hanz seu imbecil.” – pensou Susan, ela não quis continuar
na redação, pegou o elevador de volta ao térreo e foi para a rua, precisava tomar
um ar. De alguma forma ela ficou muito ligada ao arquiteto, desde a cobertura ela
se compadeceu da dor que ele sentia, talvez por ela ter perdido os pais quando
pequena também, e ter sido criada num orfanato passando por poucas e boas, por isso
ela se via no arquiteto, esse sentimento de solidão era comum nos dois agora. Ao
tomar as calçadas, Susan olhou para o outro lado da rua e viu um homem com
sobretudo e um chapéu grande impossibilitando que vissem seu rosto, ela achou
estranho mas resolveu seguir a caminhada. O homem começou a segui-la, e quando ela
parou para encarar o homem, ele entregou um bilhete na mão dela e tomou a direção
oposta.
Ela se assustou pensando que era um assalto, e deu um pequeno
grito, mas não chamou a atenção de ninguém, até porque a rua estava vazia, a
temperatura estava muito baixa e já eram umas dez da noite, para aquele dia não
havia muita coisa a se fazer pelo centro. Ela abriu o bilhete ali mesmo.
“Não se esqueça! daqui a duas semanas.
Obs.: vou te pagar uma coxinha.”
“Filha da mãe, o que está tramando.” – pensou Susan. Ela sem
querer deixou o bilhete voar da mão e ele caiu sobre a neve molhando o papel.

- Merda! – disse Susan para ela mesma. Quando ela foi ver mais uma
vez o bilhete percebeu que tinha uma mensagem oculta no mesmo, escrita com algum
material que só deixava visível com água. Era uma frase que se tornaria o mantra de
Hanz.
“A dor desperta no homem o seu lado mais
obscuro.”
A repórter curiosa demais pegou o outro bilhete e também
jogou-o na neve e uma palavra surgiu, uma palavra bem grande, escrita a letras
garrafais.
“VINGANÇA”

Querido leitor, se você terminou de ler, me mande um e-mail solicitando o


CAPÍTULO FANTASMA. Será um prazer encaminhar para você, uma parte obscura da saga
de Hanz.
E-mail: adrianocanuto@outlook.com

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