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Mestre em Letras - pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Literaturas de Língua Portuguesa. Professor Credenciado de Língua e Literatura Portuguesa
do Departamento de Língua e Literatura Portuguesa – DLLP –ICHL - da Universidade Federal do
Amazonas – UFAM. Manaus – Amazonas - Brasil. CEP: 69077-000.
literária para Moçambique. Assim, as duas obras escolhidas nos permite realizar
algumas reflexões sobre as relações entre opressão, exclusão e marginalidade presentes
nos romances Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (2003) e A Confissão
da Leoa (2012), que trazem à tona esses temas e destacar, também, que a prosa ficcional
desse autor tem chamado a atenção para a construção da identidade das personagens
femininas. Nesse sentido, a discussão aponta que na obra de Mia Couto a representação
da marginalidade, amparada na violência e na opressão, é uma forma de intervenção
social da literatura africana contemporânea.
INTRODUÇÃO
Por outro lado, as reflexões sobre a situação da mulher no período colonial, segundo
Maria do Carmo Tedesco (2008, p. 71), não levaram em consideração as especificidades
do gênero no interior da sociedade africana, tampouco as diferenças entre as próprias
mulheres. Da mesma forma estes estudos não colocaram em questão a permanência do
patriarcalismo posteriores à Independência. Diversos estudos desenharam a identidade da
mulher, nesse período, como analfabeta, sujeita a um trabalho penoso, submetida ao poder
patriarcal e, por ter alternativa, reprodutora junto às gerações seguintes das mesmas
rotinas a que esteve sujeita. De modo geral essas reflexões atribuíam ao colonialismo tais
características de vidas das mulheres.
Nesse sentido, a condição de espoliado a que os moçambicanos estão sujeitos é
observada, segundo Spivak, nas “camadas mais baixas das sociedades constituídas pelos
modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal e da
possibilidade de tornarem membros plenos no extrato social dominante” (2010, p. 12).
Essa é a condição de parte da população africana que parece condenada a não ter rosto e
a falar pela voz de outros. Todavia, a personagem Miserinha, quando pluraliza
“Estamos doentes, todos nós”, dá um grito de revolta que acaba por quebrar “a
conspiração do silêncio”2 imposta ao povo moçambicano durante o regime colonial e
que, na pós-colonialidade, foi adotada pela burguesia de Moçambique para silenciar o
povo. Para a ensaísta Inocência Mata, “O pós-colonial pressupõe, por conseguinte, uma
nova visão de sociedade que reflete sobre a sua condição periférica, tanto a nível
estrutural como conjuntural” (MATA, 2007, p. 39). Dessa perspectiva, Moçambique
com suas desigualdades socioeconômicas faz parte do mundo globalizado.
Outra forma de opressão contra a mulher africana, em particular a moçambicana,
surge em Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (2003), de Mia Couto, na
figura da personagem Mariavilhosa que tem sua vida marcada pela violência sexual
cometida por Frederico Lopes - administrador da Ilha de Luar-do-Chão. Após ser
estuprada descobre que está grávida. Em segredo, Mariavilhosa aborta, porém esse
aborto clandestino deixou sequelas. O estupro de Mariavilhosa cometido pelo
colonizador revela a face oculta da história colonial na África portuguesa. Assim, fica
evidente uma das atrocidades cometidas pelo colonizador: o estupro contra as mulheres,
como forma de silenciar e/ou abafar qualquer ato de resistência por parte do colonizado.
Nos romances Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (2003) e A
confissão da leoa (2012), Mia Couto constrói o apagamento da mulher, seja na
realidade tradicional ou no contexto do assimilado, a qual é subjugada por meio da
exploração, da agressão física e da negação do direito à voz. Em A confissão da leoa,
por exemplo, a personagem Martina Baleiro é submetida à kusungabanga (expressão da
língua de Manica que significa “fechar à faca”), isto é, a mulher tem a vagina costurada
com agulha e linha pelo seu marido, antes de viajar a trabalho. Essa tradição foi adotada
por Henrique Baleiro, em sua esposa, Martina Baleiro. “No caso de Martina Baleiro,
essa infecção foi fatal” (COUTO, 2012, p. 203). Para vingar a morte de sua mãe,
Rolando, um dos filhos do casal, mata o pai com um tiro.
A narradora Mariamar e sua irmã Silência são abusadas sexualmente pelo pai,
Genito Mpepe. Reitera-se o que diz a narradora: “durante anos, meu pai, Genito Mpepe,
abusou das filhas. Primeiro aconteceu com Silência. Minha irmã sofreu calada, sem
partilhar esse terrível segredo. Assim que me despontaram os seios, fui eu a vítima”
(COUTO, 2012, p. 187). Tandi, empregada do administrador da província, é violentada
e assassinada pelos homens da aldeia, por cruzar uma região sagrada, foi punida: todos
2
Expressão cunhada pelo teórico Homi K. Bhaba. In: O Local da Cultura. Tradução: Myriam Ávila,
Eliana Lourenço de Lima Reis e Glaucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 1998, p. 23.
os homens que estavam presentes no local abusaram dela. O fato foi denunciado às
autoridades, mas nenhuma providência foi tomada. Ninguém, em Kulumani, tem
coragem de se erguer contra a tradição. Todas as mulheres são proibidas de frequentar a
shitala, local de encontro dos homens na comunidade. Contudo, Naftalinda, a esposa do
administrador, desafia as mais antigas das interdições: ela invade a shitala símbolo do
poder masculino em Kulumani, para denunciar o crime cometido pelos homens e
demonstrar publicamente a sua oposição às regras de submissão impostas às mulheres.
─ Sabe por que não deixam as mulheres falar? Porque elas já estão
mortas. Esse aí, os poderosos do governo, esses ricos de agora, usam-
nas para trabalhar nas suas machambas.
(...)
─ Uns poucos ficam ricos. Há mortos que trabalham de noite para
que uns poucos fiquem ricos.
. ─ Os leões cercando a aldeia e os homens continuam a mandar as
mulheres vigiarem as machambas, continuam a mandar as filhas e as
esposas coletar lenha e água de madrugada. Quando é que dizemos
não? Quando já não restar nenhuma de nós? (COUTO, 2012, p. 115
e 195, respectivamente).
Em Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (2003), observa-se que, de
acordo com a tradição banta, é obrigação do irmão do falecido cuidar da viúva. No caso
da personagem Miserinha, essa tradição não foi cumprida. “Não se respeitando os
direitos que as mulheres tinham na sociedade tradicional” (LEITE, 2003, p. 70). Dessa
forma, Miserinha, que não tinha filhos, ficou desprotegida, então Dito Mariano resolve
protegê-la. Dulcineusa, mulher de Dito Mariano, porém, enciumada, recusa-se a
cumprir essa tradição cultural, negando-se a submeter-se à poligamia, ao lugar social de
subalterna a que o poder masculino lhe reserva. Existe, porém, outro lado oposto a essa
condição de subalternidade, conforme mostra a pesquisadora Irene Dias de Oliveira ao
escrever sobre a importância da mulher na sociedade moçambicana:
Considerações finais
REFERÊNCIAS
BONNICI, Thomas. O pós-colonialismo e a literatura: estratégias de leitura. Maringá:
EDUEM, 2000.
COUTO, Mia. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.
McCLINTOCK, Anne. Imperial leader, Race, Gender and Sexuality in the Colonial
Contest. Nova Iorque/Londres: Routledge, 1995.
NOA, Francisco. Império, mito e miopia: Moçambique como invenção literária. Lisboa:
Caminho, 2002.
OLIVEIRA, Irene Dias de. Identidade negada e o rosto desfigurado do povo africano
(Os Tsongas). São Paulo: Annablume: Universidade Católica de Goiás, 2002.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno Falar? - Tradução de Sandra Regina
Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, José Pereira Feitosa – Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2010.